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- Que mal?... Ora, escuta: devendo ir morar na roça, a moça tem, necessariamente,
de mudar de costumes e de vida; compreende, pois, quanto atormentará o coração do pobre
marido à vista dos dissabores e contrariedades que sofrerá na solidão e monotonia
campestre a senhora amamentada no seio dos prazeres e festins da Corte!... quanto devem
entristecer os suspiros e saudades de que serás testemunha, quando a amada companheira
recordar-se de sua família, de suas amigas, do teatro, do passeio, dessa cadeia de delícias,
enfim, que, a pesar dela a ligará ainda a seu passado!...
- Oh! não, não, Leopoldo, se o marido for amado por ela!... Quando se ama deveras
e se está com o objeto do amor, não se recorda, não se deseja, não se quer mais nada!...
- Tu falas em amor, Augusto?... Ainda bem que somos ambos estudantes da roça e
posso dizer-te agora o que entendo, sem medo de ofender a susceptibilidade de cortesão
algum. Pois ainda não observaste que o verdadeiro amor não se dá muito com os ares da
cidade?... que por natureza e hábito, as nossas roceiras são mais constantes que as
cidadoas?... Olha, aqui encontramos nas moças mais espírito, mais jovialidade, graça e
prendas, porém, nelas não acharemos nem mais beleza, nem tanta constância. Estudemos as
duas vidas. A moça da Corte cresce e vive comovida sempre por sensações novas e
brilhantes, por objetos que se multiplicam e se renovam a todo o momento, por prazeres e
distrações que se precipitam; ainda contra a vontade, tudo a obriga a ser volúvel: se chega à
janela um instante só, que variedade de sensações! seus olhos têm de saltar da carruagem
para o cavaleiro, da senhora que passa para o menino que brinca, do séquito do casamento
para o acompanhamento do enterro! Sua alma tem de sentir ao mesmo tempo o grito de dor
e a risada de prazer, os lamentos, os brados de alegria e o ruído do povo; depois, tem o baile
com sua atmosfera de lisonjas e mentiras, onde ela se acostuma a fingir o que não sente, a
ouvir frases de amor a todas as horas, a mudar de galanteador em cada contradança. Depois,
tem o teatro, onde cem óculos fitos em seu rosto parecem estar dizendo - és bela! e assim
enchendo-a de orgulho e muitas vezes de vaidade; finalmente, ela se faz por força e por
costume tão inconstante como a sociedade em que vive, tão mudável como a moda dos
vestidos. Queres agora ver o que se passa com a moça da roça?...
Ali ela está na solidão de seus campos, talvez menos alegre, porém, certamente,
mais livre; sua alma é todos os dias tocada dos mesmos objetos; ao romper d’alva, é sempre
e só aurora que bruxuleia no horizonte; durante o dia, são sempre os mesmos prados, os
mesmos bosques e árvores; de tarde, sempre o mesmo gado que se vem recolhendo ao
curral; à noite, sempre a mesma lua que prateia seus raios na lisa superfície do lago. Assim,
ela se acostuma a ver e amar um único objeto; seu espírito, quando concebe uma idéia, não
a deixa mais, abraça-a, anima-a, vive eterno com ela; sua alma, quando chega a amar, é
para nunca mais esquecer, é para viver e morrer por aquele que ama. Isto é assim, Augusto;
considera que é lá em nosso campos que mais brilham esses sentimentos, que são a mesma
vida e que não podem acabar senão com ela!...
- Como estás exagerado, Leopoldo! juraria que desejas casar com alguma moça da
roça!
- Oh!... se esse desejo me dominar, certamente que o satisfarei com uma das muitas
cachopinhas de minha terra.
- Eu logo vi que nos teus raciocínios e observações andava o gênio da prevenção;
escuso-me, porém, de responder-te, pois que falaste em geral e desse modo concedes...
- Que há muitas exceções, sem dúvida?
- Bom! quando não, tu me forçarias a tomar a palavra para defender a linda
Moreninha, que tanto me cativa?