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Fundação Universidade Federal de Rondônia
Núcleo de Ciência e Tecnologia
Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente
PANGYJJ: A CONQUISTA DA ESCOLA ZORÓ. O DESENVOLVIMENTO E OS
ÍNDIOS: EDUCAÇÃO, CULTURA E CIDADANIA.
FRANCISCO TARCISIO LISBOA
Orientador: Prof. Dr. Edinaldo Bezerra de Freitas
Co-Orientadora: Profª. Drª. Arneide Bandeira Cemin
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente,
área de concentração em Políticas Públicas e
Desenvolvimento Sustentável, para obtenção
do Título de Mestre em Desenvolvimento
Regional e Meio Ambiente.
PORTO VELHO
2008
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NÚCLEO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E
MEIO AMBIENTE
ATA DE DEFESA PÚBLICA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
FRANCISCO TARCISIO LISBOA
A Banca de defesa de Mestrado presidida pelo Prof. Dr. Edinaldo Bezerra de Freitas e
constituída pelos examinadores Prof. Dr. Ari Miguel Teixeira Ott e Prof
ª. Drª. Walterlina
Barboza Brasil reuniu-se no dia 28 de março de 2008, às 14:00 horas no auditório da
UNIR Centro para avaliar a Dissertação de Mestrado intitulada “Pangyjj: a conquista
da escola Zoró. O desenvolvimento e os índios: educação, cultura e cidadania” do
mestrando Francisco Tarcisio Lisboa. Após a explanação do candidato e argüição pela
Banca Examinadora, a referida dissertação foi avaliada e de acordo com as normas
estabelecidas pelo Regimento do Curso de Mestrado em Desenvolvimento Regional e
Meio Ambiente – PGDRA foi aprovada.
Porto Velho (RO), 28 de março de 2008
_____________________________________________________
Prof. Edinaldo Bezerra de Freitas, Dr. - Titular
Orientador – Universidade Federal de Rondônia UNIR
____________________________________________________
Profª. Walterlina Barboza Brasil, Drª. - Titular
Universidade Federal de Rondônia
____________________________________________________
Prof. Ari Miguel Teixeira Ott, Dr. - Titular
Universidade Federal de Rondônia
ads:
À Elis, Caio, Miguel e Francisco pela compreensão e incentivo.
AGRADECIMENTOS
Agradeço às seguintes instituições:
- Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR;
- Fundação Nacional do Índio – FUNAI, Núcleo de Ji-Paraná;
- Associação do Povo Indígena Zoró – APIZ;
- Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira – CEPLAC;
- Sistema de Proteção da Amazônia – SIPAM .
Agradecimento especial às seguintes pessoas:
- Edinaldo Bezerra de Freitas (orientador);
- Arneide Bandeira Cemin (co-orientadora);
- Francisco das Chagas Rodrigues Sobrinho;
- Lígia Neiva (funcionária da FUNAI);
- Ronaldo de Almeida;
- Nilma Marques;
- Sílvio Carvalho;
- Robson Miguel da Silva;
- Colegas da EMARC, CEPLAC e professores das Aldeias-Escola Zawã Karej
Pangyj
j e Zarup Wej.
Agradeço especialmente ao Povo Zoró, sem o qual nada desta dissertação existiria.
SUMÁRIO
SUMÁRIO ...................................................................................................................... 5
LISTA DE FIGURAS .................................................................................................... 6
LISTA DE QUADROS E TABELAS ........................................................................... 7
LISTA DE SIGLAS ....................................................................................................... 8
RESUMO ........................................................................................................................ 9
ABSTRACT .................................................................................................................... 10
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 11
1. PANGYJJ ................................................................................................................. 19
1.1 Quem são os Pangyjj? ............................................................................................ 19
1.2 A Terra Indígena Zoró ............................................................................................ 21
1.3 O Espaço da Aldeia .................................................................................................. 24
1.4 Organização Social ................................................................................................... 27
1.5 Um pouco da cosmologia Zoró …………………………………………………… 35
2. O CONTATO INTERÉTNICO ................................................................................ 41
2.1 O Contato do Povo Zoró com o colonizador ..........................................................
41
2.2 O que mudou para os Zoró após o contato com o não índio ................................ 47
3. O DESENVOLVIMENTO E OS ÍNDIOS ............................................................... 52
3.1 A ideologia do desenvolvimento e a imposição do modo capitalista de
produção aos povos colonizados ...................................................................................
52
3.2 A idéia da sustentabilidade ......................................................................................
54
3.3 Dos sistema de produção tradicional para a economia de mercado: a
involução da produção ...................................................................................................
57
3.4 Os Zoró e a sustentabilidade ................................................................................... 67
4. A CONQUISTA DA ESCOLA ZORÓ .....................................................................
72
4.1 Educação ................................................................................................................... 72
4.2 Ação Pedagógica Zoró ............................................................................................. 74
4.3 Afinal como um Zoró aprende a ser Zoró? ........................................................... 89
4.4 A conquista da Escola: a apropriação da nova forma de ensinar ....................... 91
4.5 A educação escolar no Povo Zoró hoje ...................................................................
96
4.6 Dificuldades encontradas na Educação Escolar desenvolvida entre os Zoró ..... 99
CONCLUSÃO ................................................................................................................ 103
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 107
ANEXOS ......................................................................................................................... 114
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Terra Indígena Zoró ....................................................................................
23
Figura 2 – Organização interna do espaço da maloca ................................................ 25
Figura 3 – Calendário Zoró ...........................................................................................
34
Figura 4 – Localização das aldeias e da vizinhança Zoró .......................................... 46
Figura 5 – Gráfico I da depopulação Zoró .................................................................. 48
Figura 6 – Gráfico II da depopulação Zoró ................................................................. 49
Figura 7 – A flecha do tempo Zoró ............................................................................... 51
Figura 8 Comparação entre a cobertura da vegetação natural e da roça
itinerante .........................................................................................................................
60
Figura 9 – Representação da roça Zoró .......................................................................
61
Figura 10 – Formação dos professores das escolas Zoró de 1ª a 4ª séries ................. 98
Figura 11 – Formação dos professores da escola Zoró de 5ª a 9ª séries .................... 99
LISTA DE QUADROS E TABELAS
Quadro 1 – Aldeias Zoró ............................................................................................... 44
Quadro 2 – Animais caçados e consumidos pelos Zoró .............................................. 58
Quadro 3 – Restrições alimentares ............................................................................... 59
Quadro 4 – Plantas cultivadas pelos Zoró ................................................................... 62
Tabela 1 – Estimativa de produção de uma roça Zoró ............................................... 63
Quadro 5 – Fases da vida do homem Zoró .................................................................. 75
Quadro 6 – Fases da vida da mulher Zoró .................................................................. 76
Quadro 7 – Relação entre as fases de vida e o que [e ensinado dentro da cultura ...
90
Tabela 2 – Número de alunos matriculados e de professores das escolas Zoró .......
97
8
LISTA DE SIGLAS
AIDS Acquired Immunodeficiency Syndrome, em português: Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida
APIZ – Associação do Povo Indígena Zoró
ARTÍNDIA – Departamento de Artesanato da Fundação Nacional do Índio
CEDI – Centro Ecumênico de Documentação e Informação
CIMI – Conselho Indigenista Missionário
CMMAD – Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
COMIN – Conselho de Missões entre Índios
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
IAMÁ – Instituto de Antropologia e Meio Ambiente
IBAMA Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis
MNTB – Missões Novas Tribos do Brasil
NORAD – Agência Norueguesa de Cooperação para o Desenvolvimento
OPAN – Operação Anchieta
PGDRA – Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente
PLANAFLORO – Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia
POLAMAZÔNIA Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da
Amazônia
SIASI – Sistema de Informação da Atenção a Saúde Indígena
SIL Summer Institute of Linguistic, hoje denominada Sociedade
Internacional de Lingüística
SIPAM – Sistema de Proteção da Amazônia
SPILTN Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores
Nacionais
9
RESUMO
Esta dissertação é um estudo etnográfico do Povo Zoró, moradores da Terra Indígena de
mesmo nome, localizada no Parque Indígena Aripuanã, Município de Rondolândia (MT).
Tem como objetivo a discussão da relação educação/desenvolvimento sustentável e para
tanto, descreve o modo de vida do povo nos aspectos relacionados à ocupação do espaço, a
organização social, a cosmologia, o processo de socialização tradicional e sua interrelação
com a educação escolarizada; discute também o contato interétnico e o seu impacto na
história da etnia. Conclui que a educação formal foi decisiva entre os Zoró para o processo de
revalorização e de fortalecimento da cultura tradicional, frente às investidas de
desestruturação do seu modo de viver no período do pós-contato com a sociedade nacional
envolvente. Dessa forma, incentivar a educação escolar através da formação de professores
indígenas e da elaboração de currículos capazes de valorizar a cultura tradicional através da
articulação do sistema educacional aos projetos de desenvolvimento sustentável formulados
em consonância com a sua organização social e política; oportunizando condições para os
jovens prosseguirem nos seus estudos. Com isso, se estará oferecendo elementos de
desenvolvimento sustentável para que o povo continue adotando alternativas produtivas
sustentáveis que visem o bem-estar de todos.
Palavras-Chave: Povo Zoró; Educação; Educação Escolar Indígena; Desenvolvimento;
Sustentabilidade.
10
ABSTRACT
This dissertation is a study ethnographic of the Zoro people that call themselves Pangyj
j
inhabitants of the indigenous earth of the same name, located in the Aripuanã Indigenous
Park, municipality of Rondolândia (MT). The tongue spoken by them pertain to the Tupi
linguistic stoke, family Mondé. Nowsday the group has about 538 individuous. The objective
in this work is to argue the education reationship versus sustainable development and
therefore, it describes the way of life this people in the aspects related to the occupation of the
space, social organization, cosmology, traditional process of socialization and its impacts
provoked by the interethnic contact. It makes also a analyse of the traditional productive
activities, of the set in by FUNAI and those came forth of the comercial relations with the
colonist, as well as the implantation of the school education. I came to the terms that the
formal education was decisive for the process of revaluation of the Zoro People front to the
onset of desestruturation of their way of living by the involving national society in the period
of post-contact. Thus, for the strengthning of the traditional culture, it point out the academic
formation of the indigenous teachers and the elaboration of curriculae that put together the
educational system to sustainable projects, in consonance with the social organization and
policy of this indigenous group. This way, it would be an offering of necessary elementes to
adoption of measurements that should permit to the youths continueing their studies, at the
same time that they would partake of productive alternatives already consolidated in the
sustainable development.
Keywords: Zoro People; Education; School Education; Sustainable Development.
11
INTRODUÇÃO
Em termos de ocupação a Amazônia configura-se como encontro de povos e culturas
diferentes, ou o que se convencionou com o encontro “[...] de sociedades do Antigo e do
Novo Mundo” (CARNEIRO DA CUNHA, 1992, p. 12). Esse encontro pode ser dividido em
duas épocas: a primeira que se iniciou “há pelo menos 11.000 anos, mas é possível que seja
ainda mais antiga” (NEVES, 2006, p. 22) pelos ancestrais dos povos que o europeu encontrou
na segunda ocupação no século XVI.
Pode-se afirmar que a exploração da Amazônia pelo europeu teve início em dois
sentidos contrários: uma pelos espanhóis descendo o Rio Amazonas (de curta duração) e outra
subindo o mesmo rio, pelos portugueses. Ambas com um mesmo objetivo: o sonho da riqueza
fácil. Porro (1995, p. 43) diz que:
O mito das amazonas americanas inscreve-se no grande ciclo da
“visão do paraíso” [...] Junto com o do Eldorado, do País de Rupa
Rupa, da Gran Omagua e do Lago Paititi, foi a força motriz que
impeliu aventureiros espanhóis a descerem os Andes e explorarem a
Amazônia.
De acordo com o mesmo autor, os espanhóis desistem da exploração da Amazônia em
virtude de ter sido “Desfeita a ilusão de fabulosas riquezas na selva” (PORRO,1995, p. 45).
Em relação aos portugueses, que pelo Tratado de Tordesilhas ocupavam uma faixa de terra
próxima ao litoral que ia do Nordeste ao Sul do Brasil, aventuraram-se a penetrar a Amazônia,
primeiro pelo perigo que outras nações ofereciam à sua soberania ao “estabelecerem feitorias
e fortificações no litoral do Amapá” (PORRO, 1995, p. 45). Segundo Caio Prado Júnior
(1992, p. 68-69) esta ocupação foi efetivada por que:
[...] na face portuguesa do continente sul-americano se abre sua única
via de acesso cômoda e fácil: a brecha do imenso delta que descerra
para o Atlântico e as possessões portuguesa vizinhas à grandiosa rede
hidrográfica que engloba toda a bacia. Por penetraram a ocupação
e a colonização lusitanas, que foram encontrar o castelhano, vindo
em sentido contrário, e que teve de fazer caminho através das ásperas
quebradas dos Andes, a três mil quilômetros para o interior.
O movimento dos aventureiros espanhóis e dos colonizadores portugueses marcou de
forma significativa a vida dos povos que aí viviam. O encontro de culturas e de germes, como
em toda América, levou a uma mortalidade de grandes proporções. “Esse morticínio nunca
visto foi fruto de um processo complexo cujos agentes foram homens e microorganismos mas
cujos motores últimos poderiam ser reduzidos a dois: ganância e ambição” (CARNEIRO DA
CUNHA, 1992, p. 12).
12
Os relatos dos primeiros aventureiros dão conta de um grande número de povos
indígenas habitando a várzea do Rio Amazonas. Porro (1992, p. 23) fala de “2 milhões para a
Amazônia brasileira no século XVI”. Essa situação de presença indígena perdura por quase
três séculos, em função do tipo de ocupação implantada pelos portugueses.
Sobre a drástica depopulação da região, vários foram os fatores causais, mas, todos
envolvidos com a presença do europeu. Tem inicio com as doenças trazidas pelo não índio.
Sobre esse fato, Meggers (1987, p. 210) destaca que : “[...] uma epidemia de varíola que se
alastrou pelo baixo Amazonas, em 1621, e uma outra que devastou a parte anterior do rio, em
1651”, causaram grande diminuição na população local. Moreira Neto (1988, p. 16) ao
discorrer sobre o assunto afirma que:
No processo de extermínio da população indígena da Amazônia o
setor mais duramente atingido foi a massa de índios destribalizados e
deculturados, os tapuios, cuja proximidade da população regional não
lhes permitia o espaço necessário ao refúgio e à sobrevivência. Mas
foram também afetados os grupos indígenas que conservavam
alguma integridade e autonomia, e principalmente, os que opuseram
resistência mais duradoura ou eficaz à dominação branca e que, por
esta razão, dela sofreram uma ação repressiva particularmente dura.
Foi o tipo de ocupação engendrada na região que acelerou o processo de depopulação
da Amazônia. Ou seja, até que se implantassem os primeiros núcleos de colonização, as
populações existentes se mantiveram estáveis (com exceção de fatos ocorridos como o
descrito por Meggers). Ferreira Reis (1953) define três períodos econômicos importantes para
a ocupação da Amazônia: o das drogas do sertão, de 1640 a 1750; da expansão agrícola
iniciada a partir da política proposta para região pelo Marquês de Pombal, entre 1750 e 1850;
e o rush da borracha, a partir de 1850. Respeitando a indicação do autor, e ao mesmo tempo
fazendo uma atualização dos acontecimentos históricos, pode-se acrescentar a colonização
agrícola iniciada a partir da década de sessenta do século passado.
As formas de ocupação foram na realidade reflexos da exploração econômica
empreendida na região. Primeiro o sonho do ouro das cidades míticas, que não fixou
ninguém; segundo a exploração do que se chamou de as drogas do sertão, que utilizava alguns
povoamentos como base para penetração dos numerosos rios e depois retornar com os
produtos; terceiro a extração do látex, que baseada na mão-de-obra nordestina assenta um
grande contingente de pessoas nos vales dos grandes rios amazônicos; e por último a
colonização, que não ocupa as terras firmes, mas inicia um processo totalmente diferente
dos acontecidos, baseado no desmatamento e na produção intensiva de monocultivo e
criação de gado.
13
Como resultado final dessa epopéia, o encontro dos povos indígenas nas diferentes
épocas, ciclos de exploração econômica e em suas diferentes formas de ocupação pelo “não
índio”, tem-se vários grupos indígenas extintos, um outro tanto reduzido a um número de
indivíduos que compromete a sobrevivência do grupo, uma devastação da paisagem natural
sem precedente, um palco de lutas incessantes, e de construção de grandes riquezas à custa de
todas essas mazelas.
Nesse contexto de expropriação das terras indígenas na Amazônia Meireles (1983, p.
98) faz a seguinte afirmação:
A transformação da região em área de economia agrícola implicou na
real disputa pelas terras indígenas mas não foi mais prejudicial do que
os danos causados pela economia extrativista, porque se procedeu
num momento histórico em que as populações indígenas não
estavam divorciados do processo de comunicação do País que tirou a
Amazônia do seu isolamento.
Em todo o seu contexto histórico, a etnohistória amazônica é marcada por dois eventos
interdependentes: a subjugação dos povos primevos e os mitos construídos sobre a região.
Sobre os mitos construídos, vale acrescentar uma citação relativamente extensa de Ott (2002,
p. 81):
Mito da homogeneidade, que representa a região como um imenso
tapete verde [...] mito do vazio amazônico, que produziu a crença de
uma região virgem [...] mito da imensa riqueza e extrema pobreza,
que tomando como referência a exuberância da vegetação tropical,
estabeleceu a crença de que o solo da Amazônia é rico [...] mito do
indígena como obstáculo ou como modelo para o desenvolvimento,
que justificou, no primeiro caso, o extermínio sistemático destas
populações, a agressão territorial e cultural ou a sua conversão ao
modelo civilizatório ocidental [...] mito do pulmão do mundo [...]
mito de solução para os problemas da periferia, que submeteu a
região a projetos de colonização [...] mito da Amazônia como área
rural, que considera a fronteira amazônica semelhante aos
movimentos migratórios que se desenvolveram no Brasil na primeira
metade do século XX [...] mito da internacionalização da Amazônia.
Dessa forma, os mitos construídos se caracterizaram, em suas relativas épocas, como a
autorização prévia para ação do colonizador na região.
Esta dissertação é decorrente do trabalho desenvolvido junto ao povo indígena Zoró,
na assessoria pedagógica da Aldeia-Escola Municipal Zawã Karej Pangyj
j, iniciada no ano
de 2002, quando foi possível, aos poucos, começar a conhecer esta cultura fascinante. O título
“Pangyj
j: a conquista da escola zoró, o desenvolvimento e os índios: educação, cultura e
cidadania”, está adequado ao objetivo de registrar como tradicionalmente viviam, como esse
14
povo convive com as relações impostas após o contato com a sociedade nacional envolvente,
bem como as estratégias por ele utilizadas para sobrevivência cultural e econômica.
O estudo versa sobre a relação educação/desenvolvimento sustentável, partindo da
constatação de que a educação escolar é essencial nesse processo, e que o desenvolvimento
sustentável deve ser pensado a partir da tradição cultural de cada etnia. Compreende-se que a
educação escolar deve reforçar, sobretudo, os conhecimentos tradicionais. Essas necessidades
surgem das transformações que o contato interétnico cunhou nas relações sociais tradicionais
do povo Zoró, que a partir de então teve de re-significar o seu modo de viver para dar conta
da outra realidade apresentada. Ao pesquisador cabe pensar a partir de uma situação dialética
envolvendo as lógicas da exploração, da interferência e o da resistência cultural, e a partir daí,
tecer reflexões sobre as alternativas de desenvolvimento sustentável.
Faz-se necessário encontrar um elemento que venha tratar tais relações de forma
coerente e que não traga maiores prejuízos ao povo indígena; que seja capaz de transitar entre
os dois sistemas de relações sociais (o indígena e o não indígena); que não imponha uma
cultura à outra; que não crie o estigma de cultura superior e cultura inferior. Ferreira (1993, p.
220) afirma que a educação formal pode ser capaz de
“[...] fazer com que sejam aceitas
socialmente idéias e práticas que contribuem para desencadear ou acelerar o processo de
mudança em algumas esferas da vida social [...] têm grande poder de difundir novas visões,
valores e atitudes [...]”. Daí, o elemento sugerido é a educação escolar aliada a atividades
produtivas sustentáveis primando-se o respeito ao contexto sócio-cultural Zoró.
Campo teórico e conceitual da pesquisa
O foco norteador dessa dissertação é correlacionar “processos educacionais” com
“alternativas sustentáveis”. A estratégia de trabalho foi montada em dois campos específicos e
complementares: a pesquisa bibliográfica e a pesquisa etnográfica.
A pesquisa bibliográfica teve como critério buscar textos com informações sobre o
povo a ser estudado, e aqueles relativos a educação e desenvolvimento. Sobre os Zoró,
Brunelli (1987, p. 152) afirma que, “[...] é um povo ameríndio da Amazônia brasileira do qual
não se encontra nenhum traço na literatura etnológica até o início dos anos de 1980”. As
poucas pesquisas existentes tratam de assuntos mais variados como etnomedicina, saúde e
dois artigos sobre educação. Ou seja, a pesquisa sobre os Zoró continua ainda incipiente.
Sobre educação, a bibliografia utilizada enveredou pela educação indígena tradicional e
educação escolar indígena, sem, contudo, deixar de fazer um apanhado geral sobre os seus
conceitos. Quanto ao tema desenvolvimento, a preocupação maior foi contextualizá-lo
historicamente, apontar as origens dessa idéia e o seu desdobramento dentro do sistema
15
capitalista de produção, que através do processo de colonização empreendido desde os
europeus no século XVI, demoliu os sistemas produtivos dos colonizados, nesse caso, os
povos indígenas.
O que se propõe com o conceito desenvolvimento sustentável, ou sustentabilidade das
atividades produtivas, é fazer uma reflexão de como ele se configura na prática, comparando
com a forma utilizada de exploração dos recursos naturais pelo capital, tendo como parâmetro
as atividades produtivas Zoró antes e após o contato com a sociedade nacional envolvente. A
idéia do desenvolvimento sustentável toma maior impulso a partir da década de 90 do século
passado, com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
(Rio 1992), e conforme Becker (1994) “[...] o desenvolvimento sustentável foi reconhecido
como um novo paradigma universal, embora o conceito não seja claro”. Mesmo que essa
forma de pensar o desenvolvimento não enfoque apenas à educação como promotora das
mudanças sociais como na teoria do capital humano, também não a despreza. Ou seja, encara
a educação escolar como mais um postulado metodológico para o desenvolvimento. Miranda
e Matos (2002) afirmam que “[...] tudo isso é possível na medida em que sejam estimulados
por práticas educativas que ampliem seus horizontes de liberdade”.
Para chegar ao objetivo almejado no projeto de pesquisa, restava construir a ponte
entre processos educacionais e desenvolvimento. Ao consultar a bibliografia, percebe-se que
essa relação é bastante forte e é amplamente difundida no Brasil. Ao discutir essa relação,
Gadotti (2004, p. 86) afirma que: “[...] ocupa um grande espaço no pensamento pedagógico
brasileiro, sobretudo a partir da década de 20, com o desenvolvimento da ideologia nacional-
desenvolvimentista, que teve seu apogeu na década de 50”. Nesse contexto, também Oliveira
(2000) faz uma análise bastante apropriada das mudanças ocorridas no capitalismo e da
educação como fator de desenvolvimento social. Essa idéia muito já era consenso nos
meios acadêmico e político, mas é a Teoria do Capital Humano que mais se apóia nessa
relação. A teoria parte do princípio da incorporação de capital no ser humano, especialmente
sob a forma de saúde e educação, e conforme Paiva (2001, p. 187), ela é “[...] amplamente
difundida no Brasil nos anos 60, em especial, pelo livro de Theodore Schultz”. As críticas
feitas à Teoria do Capital Humano por Oliveira (2000, p. 195) alertam para o fato de que ela é
“[...] a aplicação de um raciocínio puramente matemático, pretensamente objetivo, na relação
entre educação e trabalho”. Dessa maneira, ela se configura em mais uma armadilha
ideológica de dominação pelo sistema capitalista.
Feitas as considerações acima resta a pergunta: por que dar ênfase a educação e
desenvolvimento sustentável no contexto do povo Zoró? Primeiro, é que a idéia de
16
desenvolvimento sustentável para os grupos indígenas torna-se importante sob dois aspectos:
um como meio de preservação das riquezas naturais, e como forma de manter as comunidades
tradicionais tendo em suas culturas formas de resistência, sem submetê-las a um processo
brusco de mudança. D’Angelis (2003) afirma que esses objetivos podem ser alcançados com
os recursos da tradição cultural, possibilitando afirmar que um programa de desenvolvimento
sustentável deve surgir de ações da própria tradição cultural para que tenha maior aceitação e
assuma um caráter efetivo e eficaz. Segundo, porque o contato interétnico impeliu os grupos
indígenas a uma re-significação de suas culturas e nesse processo de convivência com o não-
índio surgiram novas interferências e diferentes desafios de convívio. Além do mais, “[...]
devem aprender a habitar, no nimo, duas identidades, a falar duas linguagens culturais, a
traduzir e a negociar entre elas” (HALL, 2000). Nesse contexto, a escola surge como uma das
possibilidades não para “[...] a manutenção dos traços em si, mas da diferença que origina a
identidade e que é estabelecida contextualmente por meio de traços maleáveis e flexíveis”
(COHN, 2001, p. 37), ou seja, a escola não deve pretender resgatar a cultura em seu estado
original, mas dar condições ao(s) grupo(s) para manter a sua alteridade. Essa postura rompe
com a ideologia de que as culturas, em especial as indígenas, são formadas por traços
culturais – que podem ser perdidos e, portanto, devem ser resgatados para evitar a aculturação
e as compreendem como um processo dinâmico de mudanças no cotidiano: “[...] vão se
constituindo a cada dia que passa, com o uso de novos instrumentos culturais e novas formas
de relações com, e entre outra(s) sociedade(s)” (PAES, 2003,p. 87). Portanto, essas culturas
não são estáticas, movem-se por dinâmicas interna e externa.
Por fim, para construir a ponte entre processos educacionais com alternativas
sustentáveis de produção faz-se necessário pesquisar e descrever os fundamentos da cultura
Zoró, e com isso, poder compreender como se processa a ação pedagógica tradicional no
sentido de que ela venha a contribuir na educação escolar. E ao construir este trajeto, verificar
a possibilidade de articulação com as iniciativas de desenvolvimento sustentável.
Do método empregado
Descrever aspectos da cultura de um povo requer tempo, empatia com os
interlocutores, boa vontade e permissão de seus membros. É impossível prosseguir no
trabalho sem esses quatro pontos fundamentais. O que autoriza tal afirmação? A própria
convivência do autor com o povo Zoró. Esta situação traz à lembrança aquela descrita por
Geertz (1989) na Ilha de Bali em suas “notas sobre a briga de galos balinesa”. Ele só
conseguiu prosseguir com a pesquisa depois de passar por uma situação hilária com sua
17
esposa. A partir de então percebeu que: “em Bali, ser caçoado é ser aceito” (GEERTZ, 1989,
p. 282). E dessa forma, enquanto o pesquisador não for aceito, resta a visão monótona das
atividades cotidianas que parecem sem sentido. No caso da pesquisa com os Zoró as
informações sobre a cultura começaram a aparecer de forma espontânea a partir do momento
em que estive com minha esposa e os meus filhos na aldeia. A idéia que veio após este fato é
a de que o povo precisava encontrar correlação entre o meu modo de ser e o deles, que
valorizam as relações familiares, mesmo eu estando trabalhando na aldeia mais de três
anos.
A participação nos eventos com os Zoró permitiu a observação, a descrição, ou seja, a
execução do trabalho de campo. Essa forma de trabalho coincide com o que Lévi-Strauss
(2003, p. 394) atribui à etnografia: “Ela corresponde aos primeiros estágios da pesquisa”. Para
tanto, foram utilizadas as seguintes estratégias: utilização de interlocutores, através da
entrevista com os anciãos da comunidade e a discussão em grupo para esclarecimento das
informações levantadas nas entrevistas com os interlocutores. A necessidade de trabalhar
dessa forma decorreu da experiência do pesquisador no trabalho junto ao povo em questão,
que percebeu algumas características importantes capazes de interferir nos dados da pesquisa,
porque a aprendizagem da língua parece se dar de forma estratificada por faixa etária, o que
constitui um problema, tendo em vista os interlocutores serem jovens
1
e a narração de um
episódio ou a descrição de um aspecto cultural ser mais rico quando feito de forma coletiva.
Os interlocutores jovens ainda não são detentores do saber tradicional em
profundidade, para isso foi preciso recorrer às conversas e relatos dos anciãos em língua
pangyjj que posteriormente foram traduzidos para a língua portuguesa pelos jovens.
Valorizamos a oralidade, a narrativa e a tradição como transmissão da memória dando suporte
a aquisição dos dados e as representações do trabalho de campo (FREITAS, 2004).
Para análise dos dados coletados, além dos conceitos da antropologia e da história, foi
necessário recorrer às outras áreas do conhecimento como educação, biologia, agronomia,
ecologia, imprimindo o caráter da interdisciplinaridade.
Esta dissertação é composta de quatro capítulos, que buscam apresentar as
informações de forma articulada para facilitar a compreensão da relação
educação/desenvolvimento sustentável.
O Capítulo I apresenta o povo Zoró através dos relatos existentes e dos dados
etnográficos coletados relativos ao território, a organização social e sua cosmologia,
1
Os jovens entendem e falam bem a língua portuguesa, ao contrário dos anciãos.
18
estabelecendo um diálogo com os conhecimentos sistematizados sobre os diversos conceitos e
fatos descritos.
O Capítulo II, com o título O Contato Interétnico, apresenta a etnohistória amazônica
no contexto da expansão européia na colonização das novas terras, e o histórico do contato do
povo Zoró com a sociedade nacional envolvente. Ao final, faz um apanhado dos
acontecimentos marcantes na vida do povo a partir de 1968, ano em que foram localizados
por Francisco e Apoena Meirelles.
O Capítulo III trata do desenvolvimento e os índios, trata das atividades produtivas
tradicionais do povo Zoró antes e após o contato com o não-índio e da articulação
educação/desenvolvimento sustentável. Nele se faz uma descrição dos hábitos alimentares, da
roça tradicional, e das diferentes estratégias de produção, sustentáveis e insustentáveis, que o
povo teve de implementar para conviver com uma sociedade baseada no consumo, bem como
o papel que a educação formal tem para o processo de revitalização de cultura tradicional e a
conseqüente autonomização da etnia, via organização social.
O quarto e último capítulo: a conquista da escola Zoró. Inicialmente faz uma breve
discussão sobre os conceitos básicos da educação, dando maior enfoque a educação indígena
tradicional, quando é feita a descrição de sua ação pedagógica e a relação com as fases de
desenvolvimento dos indivíduos e a aprendizagem. É discutido também como se a
conquista da escola, seu desenvolvimento, a situação atual e as dificuldades enfrentadas.
19
CAPÍTULO I - PANGYJ
J
1.1 Quem são os Pangyjj?
O Povo
2
Zoró é um grupo indígena que habita a Terra Indígena Zoró no Parque
Indígena Aripuanã, no Município de Rondolândia, Estado do Mato Grosso. Tem uma
população atual de 538 indivíduoas (Sistema de Informação da Atenção a Saúde Indígena
SIASI). Autodenominam-se Pangyjj, que Tressmann (1994) etimologicamente traduziu
como “nós comemos carne moqueada” pa=nós (inclusivo) ngj=mangãj/makajã=moquear.
Brunelli (1987, 153 p.) traduz como “nós somos aqueles que falam” e Lacerda (2005) “filhos
do Deus das águas”. De acordo com pesquisa junto a alguns anciãos, a primeira tradução
apresentada parece ser a mais aceita.
A nominação dos povos indígenas e a relação entre as diferentes etnias seguem uma
regra básica que evidenciam uma conotação etnocêntrica, conforme Lévi-Strauss (1993,
p.334):
“[...] um grande número de populações ditas primitivas se
autodesignam com um nome que significa “os homens” (ou às vezes
digamo-lo com mais descrição? os “bons”, os “excelentes”, os
“completos”), implicando assim que as outras tribos, grupos ou
aldeias não participam das virtudes ou mesmo da natureza humana,
mas são, quando muito, compostos de “maus”, “malvados”,
“macacos da terra” ou de “ovos de piolhos”.
Neste contexto, para o termo Zoró existem várias explicações: uma que parte dos
próprios índios e outras que foram explicadas a partir dos índios Suruí vizinhos no Parque
Aripuanã e inimigos históricos. A primeira versão diz que o significado para Zoró, que não
encontra algum sentido dentro da ngua materna, surgiu de uma incompreensão à época do
contato. Segundo relatos, nos primeiros encontros com os não índios ocorridos às margens do
Rio Branco, os grupos ficavam em lados opostos. Os “brancos” perguntavam: quem são
vocês? Dentro dos Zoró existia um que entendia mais ou menos o idioma português
3
e
respondia: “zarej” – que se origina de zat=gente mais o wej=plural de alguns adjetivos,
formando zarej=gente, pessoa e que os interlocutores entendiam como zoró e, dessa forma
2
Os Zoró serão denominados de povo porque formam um “conjunto de indivíduos que falam a mesma língua,
têm costumes e hábitos idênticos, afinidade de interesses, uma história e tradições comuns” (FERREIRA, 2001,
p.549).
3
Esta é uma informação dos póprios Zoró. O fato de alguns indivíduos conhecerem algumas palavras em
português deve ser por causa das relações que estes mantinham com os Gavião, que fizeram o seu contato
interétnico ainda na década de quarenta do século XX. Ou é provável que esse indivíduo tenha convivido
temporariamente com os colonizadores.
20
inusitada, o grupo ficou denominado. A segunda versão foi encontrada ao fazer uma incursão
na literatura pelo termo Zoró, que permanece como denominação oficial do povo junto à
sociedade envolvente. De acordo com Praxedes (1977, p.75), o termo surge de “monshoro”,
utilizado pelos Suruí de Rondônia e foi abreviada para “shoro” e, por fim, zoró (ibidem).
Lacerda (2005) afirma que monshoro significa “cabeça-seca” para os referidos Suruí.
Praxedes (1977, p. 75) diz que cabeça-seca originou-se “[...] do hábito de rasparem as
sobrancelhas. Para outros a razão está no fato de os Zoró espetarem em estacas a cabeça dos
inimigos mortos para secar ao sol”.
Deve-se ressaltar que as diferentes atribuições à origem da palavra “Zoró” não
oferecem elementos seguros de afirmar categoricamente o seu real significado. Por prudência,
a versão apresentada pelo próprio grupo parece ser a mais conveniente a ser usada.
Os Zoró fazem parte dos grupos indígenas pouco estudados pela antropologia, e pouco
se encontra na literatura. As referências podem ser encontradas em Brunelli (1987 e 1990) e
Cloutier (1986). Coimbra Júnior e Santos (1991) desenvolveram trabalhos mais diretamente
relacionados à área da saúde. Os trabalhos relacionados à área da lingüística foram
inicialmente desenvolvidos por Ismael Tressmann no ano de 1994 e hoje continua com a
assessoria da lingüista Ruth Monserrat. No período que corresponde ao contato com a
sociedade envolvente e os conflitos dele decorrentes encontra-se uma farta referência
jornalística. Os poucos relatos das experiências educacionais junto a esse povo são descritas
por Lacerda (2002 e 2005).
Até início do século XX os Zoró eram um grupo totalmente desconhecido, a partir
das primeiras décadas do referido século é que esse povo passou a fazer parte da narrativa de
seringueiros, caucheiros e caçadores de peles, não como um grupo denominado, mas como
um grupo de bravos guerreiros existentes às margens do Rio Branco, afluente do Rio
Roosevelt. A confirmação dentro da sociedade nacional sobre a existência Zoró se dá com
Francisco Meireles, que sobrevoa suas malocas no ano de 1968 (BRUNELLI, 1987). O
contato com a sociedade nacional envolvente será delineado de forma mais detalhada no item
2.1.
A língua pertence ao tronco lingüístico Tupi, da família Mondé, denominada Pangyjj.
Essa família lingüística é falada por mais duas etnias do Parque Aripuanã: Suruí e Cinta-
Larga. Mindlin (2001, p. 20) insinua que: “Talvez os povos tupi-mondé fossem antigamente
um único, que se foi cindindo. As mitologias se assemelham, bem como a organização social
e econômica, o sistema de parentesco e as festas”.
21
1.2. A Terra Indígena Zoró
A Terra Indígena Zoró faz parte do Parque Indígena Aripuanã, que foi criado no ano
de 1968 após o massacre imposto aos Cinta Larga pela firma Arruda e Junqueira e que ficou
conhecido como “massacre do paralelo onze” ocorrido em novembro de 1963 (MARTINS,
1997). O objetivo da criação do Parque era de acordo com o Decreto 62.995 de 16 de julho
de 1968: “[...] a proteção aos índios Cinta Larga e Suruí” (DAVIS, 1978, p. 111). Na época,
era grande a pressão das empresas mineradoras em explorar o rico subsolo da região, o que
exercia uma forte pressão sobre os indígenas e o risco de seu extermínio. Porém, no próprio
Decreto o governo também deixava claro “[...] que tal proteção não implicava o abandono dos
ricos recursos minerais contidos nas terras indígenas” (DAVIS, 1978, p. 111). A pressão
internacional em resposta ao massacre dos Cinta Larga foi o fator decisivo na criação do
Parque Indígena.
Conforme o Decreto Presidencial 265 de 29 de julho de 1991, a Terra Indígena
Zoró “caracterizada como de ocupação tradicional e permanente indígena” tem uma superfície
de 355.789,592h (trezentos e cinqüenta e cinco mil, setecentos e oitenta e nove hectares,
cinqüenta ares e noventa e dois centiares) e perímetro de 304.399m (trezentos e quatro mil
trezentos e noventa e nove metros). A luta do povo foi de extrema importância para sua
conquista. Marcada por um intenso conflito entre índios, fazendeiros e colonos, a desintrusão
da área se no ano de 1992 após pressão do Banco Interamericano de Desenvolvimento-
BIRD, que:
[...] impôs como condição para liberar US$ 272 milhões do
Prodeagro, que serão investidos em Mato Grosso nos próximos cinco,
a expulsão de das 300 famílias de colonos que invadiram a Área
Indígena Zoró, no município de Aripuanã, noroeste do MT
(RICARDO, p. 564).
A pressão do Banco Mundial também fez: “[...] o governo do Estado do Mato Grosso
revogar a lei que criou o Distrito de Paraíso da Serra que tem cerca oito mil habitantes, dentro
da Terra Indígena dos Zoró” (CEDI, p. 436). É importante frisar que além das pressões do
organismo financeiro internacional, foi decisiva a luta da sociedade defensora dos povos
indígenas como o CIMI Conselho Indigenista Missionário, COMIN Conselho de Missões
entre Índios, a imprensa nacional e estrangeira, entre outras.
22
O mapa da Terra Indígena Zoró apresentada na página seguinte foi feito a partir de
carta-imagem gentilmente cedida pelo Sistema de Proteção da Amazônia – SIPAM. Ela
mostra o seu entorno e sua localização dentro do Estado do Mato Grosso.
Deve-se ressaltar que a atual área de posse do povo é apenas uma parte do território
tradicional, pois, segundo relatos dos anciãos, a grande maioria do povo estava situada à
margem esquerda do Rio Branco, onde é a Fazenda Castanhal, e não à margem direita onde
hoje está a Terra Indígena Zoró. A mudança para a margem direita se deu em função das
correrias impostas pelas lutas com as fazendas que ali se instalaram a partir do início da
década de setenta.
23
24
1.3. O Espaço da Aldeia
A aldeia tradicional Zoró era formada pela casa ou maloca (zap). Segundo relatos dos
mais velhos, moravam até oitenta pessoas as fotos aéreas da época apontam para a
veracidade dessa informação. O pátio da aldeia é o espaço para rituais e atividades do
cotidiano. O cercado para criação de animais; um pequeno tapiri próximo à maloca. O bekã
(sem vocábulo correspondente em língua portuguesa) é o local onde os homens
confeccionavam e ensinavam seus filhos a fazerem arcos e flechas, é também utilizado como
local de concentração dos convidados para as festas na aldeia. Segundo a tradição, é uma
indelicadeza os convidados chegarem antes da festa iniciar, e/ou chegar antes dos demais,
para isso o bekã é preparado para recepcioná-los, e também para que possam descansar, fazer
a pintura corporal, preparar seus instrumentos e enfeites. Mais afastado da aldeia geralmente
fica a roça.
A maloca em formato oblongo, feita de madeira e palha de babaçu (Orbignia
martiana) amarrados com envira, é o espaço da vida comunitária cotidiana. Conforme Vidal
(1983, p. 79):
[...] o estudo da casa em si, isoladamente, ou vista apenas do ponto de
vista arquitetônico, é de pouco interesse para uma compreensão
adequada de sua função no contexto etnográfico mais amplo de cada
povo indígena. O uso do espaço habitado, no seu conjunto, é o que
deve ser considerado e a função da casa, em particular, somente
adquire sentido quando inserida e comparada aos outros espaços
ocupados, em momentos e ocasiões específicos, por diferentes grupos
sociais.
Tomando como referência a citação acima para compreensão desse espaço importante
na cultura Zoró, a utilização da maloca serve a três finalidades definidas: local para atividades
cotidianas, ensino e aprendizagem da cultura, danças rituais, espaço para realização de funeral
e símbolo de identidade. As atividades cotidianas da aldeia envolvem o descanso, o preparo
dos alimentos, as conversas informais, a intimidade da família, as brincadeiras. A maloca
como local de ensino e aprendizagem diz respeito às cerimônias rituais, aconselhamentos,
histórias contadas à noite e pela madrugada, ao rito de passagem feminino (no fundo da
maloca é separado um espaço: clausura, onde a jovem fica isolada dos demais moradores), às
cerimônias de cura, dentre outras. Quanto ao local para realização de funeral, é a maloca o
local onde são enterrados os mortos da aldeia, e após, é queimada para simbolizar o corte das
relações do espírito da pessoa enterrada com as pessoas vivas da aldeia. Quanto ao espaço de
25
identidade é que raras são as aldeias Zoró que não tenham uma maloca
4
, mesmo em meio às
casas de material ou alvenaria construídas de acordo com o padrão ocidental. É como se: não
existir maloca não existe aldeia, e, portanto, espaço para os rituais e festas tradicionais. É
também a representação de poder do zawi-ai (cacique) local. A maioria deles mora na maloca
ou tem uma maloca para seu descanso.
Hoje a maloca, além das finalidades acima referidas, tem se configurado como espaço
para preparo dos alimentos (em função das mulheres cozinharem em fogos de lenha) e dos
pilões de chicha; serve também de descanso para os anciãos, uma vez que estes parecem não
ter se adaptado às casas de madeira ou alvenaria introduzidas pelos não índios.
A maloca apresenta uma funcionalidade excepcional em relação à segurança, por
permitir aos guerreiros postarem-se em suas vigas, à espreita de eventuais invasões de
guerreiros inimigos, em locais estratégicos que dão condições a repelir os ataques.
A sua construção em palha permite um acúmulo menor de calor, o que torna
extremamente agradável o seu interior nos dias muito quentes. O calor produzido pelos fogões
de lenha sob o chão batido e o impedimento da entrada de vento faz com que as noites não
sejam tão frias. Quando das friagens intensas, características dessa parte da Amazônia, os
Zoró utilizam de um pequeno fogo sob suas redes.
FIGURA 2. Organização interna do espaço da maloca.
Fonte: Brunelli, 1987.
4
Somente aquelas muito novas em que não foi possível ainda a sua construção.
26
A ocupação do espaço interior segue uma regra geral: da porta de entrada até o fundo,
no sentido longitudinal, o espaço próximo à porta é ocupado de um lado para preparação do
alimento, e do outro estão localizados os pilões de chicha
5
; em seguida, o espaço ocupado
pelo zawi-ai de um lado, e do outro, pelo wãwã (pajé); seguindo, o das famílias (filhos e
irmãos) do zawi-ai e do wãwã, obedecendo ao lado onde estão ocupando; posterior a esse
espaço, vem o das outras pessoas ocupantes da maloca, conforme a figura 2.
No pátio da aldeia são realizadas as danças rituais e dpara o interior da maloca.
Em algumas aldeias existem totens
6
feitos para homenagear grandes líderes do passado e o
banco do wãwã utilizado para incorporação de espíritos em algumas festas religiosas.
Os Zoró antes do contato viviam em sistema “migrações sazonais” (MAUSS, 2003)
dentro do seu território. Esse ir e vir ocorria principalmente para evitar o esgotamento
excessivo do solo e a queda de produtividade da roça, haja vista os solos serem de baixa a
média fertilidade. Ou seja, de certa forma era o sistema de agricultura adotado que definia a
mudança do grupo. Esse modo próprio de viver era também influenciado fortemente pela caça
e pesca abundante, pela coleta de frutos, e até por pressões dos grupos inimigos. Habitavam
uma aldeia por um período de três a quatro anos, voltando ao mesmo local por igual período
de tempo para morar. Renovavam a cobertura e a estrutura da aldeia abandonada que tinha
em média uma vida útil de quatro anos.
Em todas as aldeias antigas e abandonadas no pré-contato e visitadas durante a
pesquisa de campo – a roça é o vestígio visível da ocupação pelo grupo. O que dá para afirmar
que não existia uma aldeia sem a roça, para a produção de produtos destinados à alimentação
e a produção de bebidas. Dessa forma, os Zoró, além de caçadores e coletores, eram também
agricultores.
Esse modo de viver é interrompido no pós-contato com a sociedade nacional
envolvente, em função das mudanças ocorridas na organização social do grupo, pela
diminuição do seu território, por não existirem as guerras com seus inimigos históricos e pela
introdução de certos elementos provenientes da cultura do colonizador, como a energia
elétrica, água encanada de poço, entre outros.
Os limites territoriais dos Zoró eram geralmente definidos pela existência de seus
inimigos. Para o estabelecimento de uma nova maloca, primeiro era averiguada a distância
segura de vestígios de capoeiras dos grupos opositores, através das expedições de
perambulação, e após é que se instalavam. Ou seja: “[...] as relações intertribais definiam,
5
Termo adotado de outras etnias, também chamada de macaloba e na língua materna chama-se “i”. A chicha é
uma bebida que pode ser fermentada ou doce, utilizada em festas e como alimento, respectivamente.
6
Em Pangyjj: “garip ti”.
27
então, espaços geopolíticos: guerras e alianças determinavam à extensão do território”
(OPAN/CIMI, 1987, p. 104). Isto vem ao encontro com o que também Ramos (1995, p. 14)
afirma:
Tradicionalmente é muito comum existir o reconhecimento tácito dos
confins geográficos dos territórios de caça, de coleta ou de pesca das
comunidades que compõem uma dada sociedade ou sociedades
vizinhas. Porém, esses limites não são tão rígidos que impossibilitem
o acesso a outras comunidades nem tão permanentes que inibam uma
mudança de local e rearranjos espaciais.
É dentro do contexto de guerras, alianças e da exploração do ambiente em busca de
melhores terras e territórios de caça que os Zoró saíram da confluência do Rio Branco com o
Rio Roosevelt no início do século passado para chegar onde hoje é o seu território.
1.4. Organização Social
A organização social Zoró tem como base o cleo familiar, que em tempos passados
organizava-se em clãs. Tomando como referência Melatti (1993, p. 79) para embasar essa
afirmação, os clãs devem satisfazer três condições:
[...] em primeiro lugar, deve haver uma regra que estipule se o
indivíduo deve pertencer sempre ao clã do pai ou sempre ao clã da
mãe; [...] os membros do grupo devem exercer um ou mais tipos de
atividades em que o grupo apareça como uma unidade distinta dos
demais: os membros do clã devem executar certos trabalhos em
conjunto ou devem participar de determinados rituais como um grupo
discreto. [...] os membros do grupo precisam saber se estão ligados
entre si por uma determinada regra de descendência.
Ao discorrer sobre o povo Zoró e sobre a sua forma de organização, Brunelli (1987,
162 p.) diz que:
Nós acreditamos na hipótese de que a identidade Pangeyen (grafia
que o autor utilizou), aquela pela qual se reconhece agora o grupo
Zoró, seria recente. Nosso estudo etno-histórico nos leva a crer que
dificilmente se poderia falar dos Zoró antes do contato como sendo
uma “tribo” na acepção da palavra como ela é empregada para
designar habitualmente um grupo numericamente restrito com uma
origem comum, em função da solidariedade interna [...] Parece que,
os Zoró no decorrer de sua história, nunca experimentaram uma
situação semelhante até a época do estabelecimento do contato
oficial. Eles formavam aentão um conjunto de grupos locais, com
dimensões demográficas muito variáveis, autônomos no plano
político e econômico e que se ocupavam com as relações de guerra e
alianças.
28
De acordo com a sua tradição do sistema de clãs, a descendência é paterna, a mãe não
influencia na determinação do grau de parentesco, conforme o sistema do ocidente. Esse é o
fato que permite o casamento avuncular. Os grupos apresentam características distintas,
principalmente àquelas relativas ao comportamento: os Pangyj
j são os bravos; os Zabeawej
os homens bons. De acordo com o exposto, o sistema de clã era a forma de organização do
povo.
Os anciãos relatam que no passado (período bem anterior ao contato com o não índio)
o povo era formado por diferentes malocas (grupos) que não permitiam o casamento entre
indivíduos dos grupos diferentes, ou seja, eram endogâmicos, e inevitavelmente, guerreavam
entre si ratificando a afirmação do autor citado acima. Acrescentam ainda que a união entre
eles deu-se por intermédio do casamento de um homem do grupo Pangjj, com uma mulher
do grupo Zabeawej. A partir dessa união – segundo afirmam – para que não houvesse ciúmes,
permitiu-se o casamento entre os diferentes grupos. Foi o casamento que permitiu os
indivíduos de diferentes grupos locais a viverem sob uma mesma maloca e os laços de
parentesco formados os levaram à convivência pacífica.
Nesse contexto, poder-se-ia, de acordo com a citação de Brunelli acima, levantar a
hipótese de que os casamentos entre os diferentes grupos podem ter acontecido a partir do
momento em que se intensificou o conflito advindo do contato interétnico, levando a uma
significativa diminuição de indivíduos do grupo Pangyjj, por terem sidos os mais resistentes
na defesa do território e não aceitação do contato com os não índios.
Para assegurar essa hipótese, pode-se partir das seguintes perguntas: não eram os
homens os que mais morriam nas batalhas, e por isso deveria existir mais mulheres que
homens? E por que um homem Pangyjj é quem primeiro casa com uma mulher Zabeawej e
não o contrário? As possíveis respostas residem em dois fatos que os próprios Zoró
mencionam nos seus relatos das guerras com o não índio. O primeiro é o do extermínio de
malocas inteiras, em que grandes pássaros (aviões) sobrevoavam jogando um branco
7
.
Houve uma grande mortalidade de mulheres e crianças porque eram elas que ficavam na
maloca. O segundo é o de que, na iminência de um ataque por terra, as mulheres, as crianças e
os velhos eram os que mais pereciam em decorrência de menor agilidade na fuga em relação
aos guerreiros. Pode ter havido uma baixa no número de indivíduos, o que poderia colocar em
risco a sobrevivência do clã Pangyjj e, para o se extinguirem, utilizaram a estratégia do
7
Esses episódios coincidem com fatos ocorridos a partir da década de 50, no intuito de exterminar os índios da
região de Aripuanã para ceder espaço a empresa capitalista. O mais conhecido foi o Massacre do Paralelo 11,
ocorrido em novembro de 1963 (MARTINS, 1997).
29
casamento exogâmico. A resposta à última pergunta é conseqüência da relação de poder
existente entre os clãs, pois são os Pangyj
j que detém maior poder entre os demais.
A hipótese acima levantada vai ao encontro do que Junqueira (1984/85, 225 p.) diz ao
tratar sobre guerras e alianças:
Grupos caçadores têm geralmente taxas altas de mortalidade, não
apenas infantil como também de adultos, e desenvolvem mecanismos
de reposição populacional. A guerra tem sido indicada como um dos
recursos mais antigos para, contraditoriamente, permitir o equilíbrio
demográfico. São incursões armadas que têm a finalidade de vingar
ataques sofridos e capturar mulheres.
Os Zoró contam essa união de clãs da seguinte forma: uma moça Zabeawej falou para
seu pai que queria casar com um rapaz Pangyjj. O pai respondeu que para isso deveria ter
que suportar muitas coisas, como sempre aceitar o que o futuro marido fizesse ou dissesse e
nunca questionar. assim, poderia viver com ele
8
. A moça aceitou, e assim, começou o
casamento entre indivíduos de clãs diferentes.
O fato é que o casamento entre membros dos diferentes clãs foi um mecanismo que
fez com que as brigas cessassem e fortaleceu o grupo para o enfrentamento com um novo
inimigo que aparecia munido de armas até então desconhecidas e mais poderosas, o “não
índio”.
As incursões armadas de vingança e captura de mulheres ocorreram num período em
que a relação interétnica se limitava aos seus vizinhos tradicionais. O contato com o
colonizador mudou de forma radical a história desse povo e dos povos indígenas em geral
pois, os que no passado eram inimigos, às vezes considerados como não gente por alguns
grupos, hoje se tratam como parentes. Levi-Strauss (1993, p. 334) afirma que o sentido de
humanidade “[...] cessa nas fronteiras da tribo, do grupo lingüístico, às vezes mesmo da
aldeia”. A inimizade se não desaparece no pós-contato não é aparente e surge somente nos
círculos restritos de conversas descontraídas.
O número de clãs que estão agrupados sob a denominação de Zoró é de doze, sendo
eles: Iadyrej; Mãjxinwej; Zabeawej; Pangyjj; Pangykirej; Jyej; Ujkyuej; Djwej;e Pamakagj;
Pangj Pewej; Jap Tulej; e Mejng Kyjj. Os indivíduos pertencentes aos três últimos clãs
descritos, com o contato deixaram de existir, vitimado pelas doenças do não-índio.
A depopulação do povo Zoró após o contato não diferiu dos demais indígenas no
Brasil, pois, de acordo com Porro (1995, p. 10) “nunca será demais repetir que as
conseqüências da ocupação da terra pelo não índio foram quase sempre catastróficas para o
8
O ter que viver com o marido decorre do fato de que a mulher jamais tem a liberdade de abandoná-lo nesta
etnia e nos clãs que a compõem.
30
índio”. Isso aconteceu porque: “[...] o primeiro contato de populações indígenas com outras
populações ocasiona imensa mortandade, por ser a barreira imunológica desfavorável aos
índios” (CUNHA, 1994, p. 123).
De acordo com o Dossiê Índios em Mato Grosso (OPAN/CIMI, 1987, 114 p.):
[...] Em 1978, a FUNAI promoveu a vacinação de cerca de 400
índios, ocasião em que se calculou a existência de quinze aldeias. Em
1985, após a ocorrência de uma série de surtos epidêmicos, a
população Zoró havia se reduzido a menos de 200 pessoas.
Além das epidemias outro fator de depopulação Zoró foram os vários conflitos
travados com os invasores de seu território. Embora não existam dados relativos a esses
conflitos, não se podem ignorar os depoimentos das pessoas que viveram o momento do
contato e falam sobre os massacres ocorridos (essas particularidades serão detalhadas no item
2.2 que trata do contato interétnico).
Tratando-se do período pré-contato com o “não índio”, a relação de poder estabelecida
pelos Zoró se baseava em dois aspectos diferentes e complementares: a relação intraclânica e
a interclânica.
Na relação intraclânica, a liderança do zawi-ai junto aos seus próximos pode
ser definida conforme o que Tassinari (1995, 463 p.) afirmou: era “[...] adquirida através das
atividades diárias e do contato com as famílias, a partir do estabelecimento de alianças [...]
com as quais reforça o seu grupo e mantém-se no poder”.
Na relação interclânica, um líder Zoró precisava (e precisa) de atributos pessoais
indispensáveis como ser um excelente guerreiro, grande disposição para o trabalho e
ser
reconhecido como bondoso para com os demais. O desprendimento do líder gerava e gera
prestígio, o direito de ser ouvido e respeitado, mas não lhe dava (ou dá) o poder de decisão
unilateral. As decisões estavam (e ainda estão) baseadas no poder do convencimento, que o
indivíduo ou os grupos de indivíduos tinham (têm) perante os demais e na coragem do
enfrentamento com o inimigo, ou seja, eram os guerreiros mais fortes os tomadores das
grandes decisões que envolviam os interesses do povo. Como exemplo, os membros do grupo
Pangyjj, temido pelo apurado espírito guerreiro, tiveram e têm um status diferenciado.
Contam os anciãos que, quando havia uma festa e estes chegavam com duas penas cruzadas
enfiadas em um orifício no nariz
9
uma em cada lado – causava tristeza nos presentes porque
era um sinal de que vinham para brigar e poderia até haver mortes. Mas, quando chegavam
com uma só pena no nariz, era o sinal de que a festa aconteceria em paz. O comportamento do
clã Pangyjj para com os demais reflete uma relação construída na base da troca, pois é este
grupo o mais aguerrido nas batalhas contra o inimigo e o que perdia mais membros em
9
O nome do orifício em pangyjj é chamado “pami wã karap”.
31
combate: era a segurança do grupo. Em contrapartida, os outros clãs deveriam aceitar os seus
caprichos.
Embora os clãs Pangyj
j e Pangykirej fossem de tendência guerreira mais apurada e
liderassem os demais na guerra contra os inimigos, os Zabeawej, considerados pelos demais
como “boa gente”, mantinham uma posição privilegiada de poder tanto quanto os Pangyjj, o
que pode ser explicado pela capacidade de argumentação na hora da formação das alianças.
Conforme acima delineado, são descritos três aspectos importantes na determinação da
estrutura hierárquica interclânica: o respeito que os membros de um clã tinham com o seu
zawi-ai, a coerção que um clã exercia sobre os demais e a capacidade de negociação e
articulação entre os diferentes clãs. É importante salientar que após o estabelecimento do
contato interétnico, o primeiro e o último aspecto é o que tem prevalecido, porém sempre há
uma referência ao passado que é respeitada. Na estrutura hierárquica intraclânica o estatuto do
poder está relacionado ao respeito obtido pelos demais membros do grupo, e não apenas ao
poder como forma de dominação.
Cabe aqui um parêntese relativo às mudanças ocorridas após o contato interétnico e
que implicaram em algumas modificações na relação de poder tradicionalmente construída
pelo povo Zoró. Com o fim das guerras tribais e a tutoria da FUNAI – Fundação Nacional do
Índio, surgiram novas necessidades associadas ao convívio e ao modo de viver. Dentre elas
podem ser destacadas: a educação escolar e a assistência à saúde. Porque esses dois aspectos
são importantes na nova configuração de poder? Primeiro que os índios precisavam aprender
a leitura, a escrita e o cálculo para melhor interagir com os indivíduos da sociedade nacional
envolvente. Desse fato surgiram os professores indígenas assalariados que a partir de
então passavam a assumir posto de liderança dentro do grupo, com o agravante de ser um
estrato social Zoró que antes não possuíam esse poder: os jovens. Em relação à saúde, surgem
os Agentes Indígenas de Saúde que também adquirem o mesmo status. Esses fatos
contribuíram para que os Zoró, de certa forma, abandonassem alguns preceitos tradicionais de
liderança e incorporassem novos elementos: a inclusão do fator econômico reordenou
algumas relações hierárquicas dentro do povo. Esse foi um fato controverso, porque ao
mesmo tempo em que se tornavam independentes financeiramente, com poder de adquirir os
bens de consumo necessários à sobrevivência, e inclusive o supérfluo
10
, deixaram de ter uma
participação ativa na vida da comunidade nas atividades tradicionais de roçado, caça e pesca.
10
O supérfluo aqui entra como os bens desejados que às vezes não são necessários dentro da vida na aldeia, mas
aguça o desejo dos outros a também adquiri-los por se tratar do novo, do moderno, e da moda vigente na
sociedade envolvente. Como exemplo: o telefone celular.
32
Neste sentido, Monte, (2000, p. 14) contextualiza tal fenômeno e o define como: “[...] direito
advindo do conceito da cidadania”.
O elemento masculino dentro da escala hierárquica do grupo está acima das mulheres.
Essa relação é percebida na hora da alimentação coletiva em determinadas festas rituais,
quando os homens comem primeiro, depois as mulheres e crianças; nas reuniões, os homens
sentam à frente e as mulheres imediatamente atrás; e na questão do parentesco, a linhagem é
determinada pela patrilinearidade
11
.
Os mais velhos (pandet, em língua materna) geralmente são tratados com grande
respeito, pois são eles quem detém o conhecimento da cultura e da técnica. Um outro aspecto
da influência dos mais velhos para com os mais novos é que eles sempre têm a primeira
palavra. Aliás, a relação de respeito é a linha mestre da organização social e da continuidade
do modo de viver próprio do povo Zoró. Não é exagero afirmar que a reprodução do modo de
vida tradicional será até o momento em que os jovens, sob a influência da mudança de
costumes ou outros motivos de rebeldia às regras culturais historicamente estabelecidas, não
mais obedecerem aos seus pais.
A organização social Zoró é gida, baseada em códigos simbólicos próprios para
definir as regras para o grupo. Citando Tassinari (1995, p. 464) os códigos simbólicos servem
“... para transmitir mensagens importantes para a sociabilidade do grupo”. Esses códigos
podem ser percebidos quando se trata da solução de conflitos. Para os Zoró, uma das maiores
preocupações é a sua imagem perante os outros. Dessa forma, os problemas domésticos têm
um tratamento especial de forma a não se tornarem públicos: são resolvidos durante a
madrugada, tendo como mediador o zawi-ai, mesmo que este não seja membro da família em
contenda. Essa forma não expõe as pessoas ao ridículo, e reforça o prestígio do líder.
A divisão social do trabalho é baseada no gênero. De modo geral cabem aos homens a
segurança da aldeia, a derrubada do mato e o plantio da roça, a caça, a pesca, a coleta dos
frutos, a construção da “zap”, a limpeza do pátio da aldeia, a confecção das armas. Às
mulheres cabem a colheita e o transporte dos produtos agrícolas, o transporte de lenha, o
preparo dos alimentos, o cuidado com as crianças. No aspecto relacionado à confecção de
objetos, também é nítida a diferença. Aos homens cabe produzir os seus instrumentos de
trabalho, de caça, pesca e instrumentos musicais: arco, flecha, machados e flautas. As
mulheres se encarregam da produção de cerâmica, dos trançados e enfeites como pulseiras e
11
A descendência respeita a parte masculina do casal. Inclusive no sistema de matrimônio que é avuncular, o
casamento ideal é aquele entre tios e sobrinhas, e entre os filhos de um irmão com de uma irmã, que em função
da patrilinearidade (a descendência é do pai e não da e) não são considerados primos. O casamento entre
filhos de irmãos é proibido porque são considerados primos, e nesse caso, dizem que a onça (neku na língua
materna) os come.
33
colares. Em alguns casos os homens produzem cestos trançados de palha como o bassapé
12
, e
um colar feito de cipó coberto com um trançado da palha do olho do babaçu (Orbignia
martiana) chamado de “ambuap”.
As atividades produtivas do povo Zoró podem ser divididas em três modalidades:
roçados, expedições coletivas e atividades individuais. Os roçados são atividades mais
relacionadas à família, uma responsabilidade do homem guerreiro que provê os seus
descendentes. Tanto é realidade que muitas das histórias falam sobre a necessidade da
disponibilidade do homem para o trabalho, e nas narrativas sobre o casamento, o sogro
escolhia o genro com coragem de trabalhar
13
, este também era requisito básico para tornar-se
um zawi-ai. Dessa forma, o trabalho se caracteriza como um atributo importante de status.
Embora os roçados pertencessem (ou pertençam) às famílias, o uso dos produtos sempre se dá
de forma coletiva, porque culturalmente não há um controle rigoroso sobre os bens ou uma
ideologia da individualidade.
As expedições coletivas
14
faziam parte de atividades de coleta e exploração do
território. Conforme Junqueira (1984, p. 1285) em um artigo sobre os Cinta Larga povo
vizinho aos Zoró, de língua Tupi-Mondé e com mitos e forma de organização bastante
parecidos – algumas dessas expedições “[...] se desdobram em longas perambulações”. Mais à
frente, no mesmo artigo ela afirma que:
As expedições são organizadas para coletar mel, castanha, taquara
para flecha, ou visam o consumo farto, em plena mata, do produto
das caçadas ou pescarias. Durante as andanças o ambiente é
detidamente observado: verifica-se o desenvolvimento dos frutos
silvestres, das plantas medicinais, das reservas de matéria-prima,
enfim, localizam-se as fontes dos recursos disponíveis que serão
coletados no retorno à aldeia ou em outra oportunidade.
As atividades produtivas individuais estão relacionadas à caça e a pesca e raramente à
coleta
15
, uma atividade rotineira com o intuito de abastecer a família. Porém, se em algumas
dessas investidas o resultado gera uma quantidade acima do esperado para a família, o
excedente é repartido com os demais da aldeia.
Os fenômenos naturais do ambiente em que vivem orientam as atividades produtivas e
culturais. Ou seja, indicam os elementos importantes para construir aquilo que pode ser
12
Cesto trançado de palha verde da palmeira babaçu que serve para transporte da caça, confeccionado no ato do
abate do animal. Não apresenta nenhum tipo de enfeite e é descartado logo após o seu uso.
13
Existem relatos de pais que tomaram a filha do genro e trouxeram para casa porque o marido não estava
trabalhando suficientemente para o seu sustento. Este ato é uma pena severa porque não mancha a imagem do
marido pouco afeito ao trabalho, mas de toda família dele.
14
Essas expedições de coleta diferem substancialmente em termos de objetivos das expedições de guerras.
15
É preferível incluir a atividade de coleta como coletiva porque ela é exercida no mínimo pelo núcleo familiar.
34
chamado de calendário Zoró. Nesse sentido, são observados sete fenômenos que ditam as
atividades do povo. Representado graficamente ele apresenta a forma de uma pizza de sete
pedaços, em que não é possível determinar o início ou o fim, conforme uma vez falou um
índio Zoró durante a pesquisa: “não existe calendário
16
para nós, é tudo direto”.
FIGURA 3. Calendário Zoró.
O calendário representado na figura acima surgiu em decorrência de um exercício feito
pelos professores indígenas e assessoria pedagógica das escolas das aldeias junto aos anciãos
do povo para representar graficamente a organização do tempo dos Zoró. Esse calendário
mostra como o povo organizava seu tempo para dar conta das diferentes atividades culturais e
de produção.
Cada uma das sete partes do círculo representa um período importante
17
.
Didaticamente os períodos foram comparados aos meses do calendário gregoriano. O
“começo do ano quando a árvore do murici floresce”. Nesse período os índios estão se
preparando para roçar a mata (cortar os cipós e as árvores mais finas) e depois fazer a
derrubada das árvores do local onde será plantada a roça. No segundo período “muitas estrelas
grandes, está começando o frio”, continua a roçada da mata e em alguns casos começa a
16
Conforme a fala do índio, calendário tem o sinônimo de tempo. O tempo não é contado.
17
A descrição desses períodos é encontrada na capa dos cadernos de planos de aula dos professores das escolas
de 1ª a 4ª séries das aldeias.
35
derrubada propriamente dita, é o fim do período chuvoso nessa parte da Amazônia. O terceiro
período “muito frio e começando sol quente” é início da estação seca e época de derrubada da
mata. O quarto, “muito sol quente e rio seco, bom para matar o peixe com timbó”, é a época
das queimadas e de andanças pelos rios para fazer a pesca com timbó. No quinto período “está
começando chuva”, é época de plantio das roças. No sexto período, todos os dias há chuva”.
O último, “muitas chuvas. Fim do ano. Estrelas pequenas”. É o período de maior intensidade
das atividades culturais, da coleta de frutos como a castanha (Bertolethia excelsa) e a pama
18
(Clarisia ilicifolia), preparação para os rituais e colheita de milho. Se comparado ao
calendário ocidental, corresponde ao período de novembro a abril.
Um aspecto bastante prezado pelo Zoró é a boa educação, a cortesia, o respeito para
com as mulheres, os velhos e as crianças, e o não cumprimento desses preceitos culturais
implica erros condenáveis pela etnia.
Conforme Ramos (1995, p. 62) as sociedades indígenas em geral exercem um controle
social através de “medidas inibidoras e medidas punitivas”. No caso dos Zoró o que prevalece
são as do primeiro tipo, configuradas através do isolamento e do mexerico. O isolamento é
uma medida grave que atinge não o punido, mas também a sua família. Acontece, por
exemplo, quando o homem larga a esposa. Porque a separação é condenável na cultura Zoró?
Porque ela atinge o pacto de alianças entre os membros dos clãs e das famílias. O cuidar da
esposa e dos filhos é para o Zoró motivo de status e fortalecimento do nome do pai
19
do
marido. Em relação ao mexerico tomando o mesmo exemplo da separação de casais ele
será o canal de comunicação difusor do fato indesejável, portanto: “[...] é outra maneira
informal de controlar comportamentos indesejáveis” (RAMOS, 1995, p. 62). As medidas
punitivas têm pouca importância na cultura Zoró. Às vezes elas podem ser feitas pelos tios
quando um sobrinho extrapola todos os limites aceitáveis dentro da cultura. Dificilmente um
pai irá reprimir um filho, principalmente se ele é criança.
1.5. Um pouco da cosmologia Zoró
O que vem a ser cosmologia? De acordo com Lopes da Silva (1992, p. 75)
“cosmologias são teorias do mundo. Da ordem do mundo, do movimento no mundo, no
espaço e no tempo, no qual a humanidade é apenas um dos muitos personagens em cena”. E
18
Abundante nas florestas do Parque Aripuanã, é um pequeno fruto de sabor doce, da família Moraceae, e nome
científico Clarisia ilicifolia (Spreng).
19
É possível que essa seja uma tradição decorrente da época em que os clãs vivam separados e a figura do zawi-
ai era de extrema importância para o estabelecimento de alianças e de lideranças.
36
acrescenta: “[...] essas concepções orientam, dão sentidos, permitem interpretar
acontecimentos e ponderar decisões [...] expressas com clareza exemplar através da
linguagem altamente simbólica da dramaturgia dos rituais”. De acordo com Mindlin (2002, p.
150) “Para os índios, a mitologia é a verdadeira história do mundo não é fantástica nem
mito como nós o vemos”.
O contato interétnico tem forçado os indígenas a abandonar a sua forma própria de
interpretar o mundo, e a religião cristã tem sido um dos principais responsáveis por tal
mudança. Essa prática de conversão tem início com a Igreja Católica no período colonial indo
até o início da década de setenta do século XX, quando esta, inspirada nas resoluções do
Concílio Vaticano II e de Medellín, faz uma revisão de seus métodos missionários utilizados.
Rufino (1995, p. 158) afirma que: “Nesse contexto de profunda revisão das relações dos
missionários com as culturas nativas realizou-se o encontro no Instituto Anthropos, que
levaria, em 1971, à criação do CIMI”. O Conselho criado no âmbito da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil – CNBB passa a ter uma participação de destaque na defesa dos direitos
indígenas.
Hoje as igrejas evangélicas, principalmente de origem americana, que têm adotado a
postura de conversão dos povos indígenas em novos cristãos postura de certa forma
abandonada pela Igreja Católica tem contribuído para a desestruturação das formas
religiosas tradicionais das diversas etnias. O Summer Institute of Linguistics SIL
20
é o
tentáculo evangélico que conseguiu acordo de cooperação com o governo brasileiro para levar
adiante a evangelização dos povos indígenas, sob o argumento de estudar as línguas
existentes. De acordo com Cavalcanti (1999, p. 11), a atuação e o objetivo do SIL se dão da
seguinte forma:
[...] o SIL recruta (até hoje) evangelizadores protestantes, treinando-
os em técnicas lingüísticas para realizar a conversão gráfica de
línguas sem escrita e levar até os seus falantes gentios textos bíblicos
vertidos para sua língua, visando a sua conversão religiosa. A isso é
associada (ou, talvez melhor, subordinada) a implantação de
programas educacionais de alfabetização, visando a tornar os
silvícolas aptos a receber a Palavra escrita.
Após o contato com o não índio e a saída de suas terras para o território dos Gavião, os
Zoró foram convertidos ao cristianismo pelos missionários da Missões Novas Tribos do Brasil
MNTB que se encontravam. De acordo com Brunelli (1996, p. 248): “[...] estes foram
convertidos total e rapidamente quando, fugindo das brutalidades de alguns funcionários da
FUNAI, refugiaram-se no posto indígena do Igarapé Lourdes, juntos de seus novamente
20
Atualmente Sociedade Internacional de Lingüística.
37
amigos Gavião”. Segundo relato dos anciãos, em pouco tempo o povo estava entoando hinos
cristãos em sua língua.
Uma conseqüência da conversão evangélica dos Zoró foi o desprezo de uma figura
tradicional importante na cultura: os wãwã. No artigo “Do xamanismo aos xamãs: estratégias
tupi-mondé frente à sociedade envolvente”, Brunelli (1996, p. 243) apresenta o seguinte
panorama:
Povo Xamanismo Xamãs
Zoró não praticado
Ignorados
Cinta Larga
não praticado
Tolerados
Suruí Praticado Valorizados
Gavião Praticado muito valorizados
O retorno à sua Terra tradicional no ano de 1981 não levou o povo a abandonar os
evangélicos e o conseqüente retorno à sua religião original. Só dez anos depois é que
começaram a realizar as festas tradicionais e os rituais de acordo com a época certa e
orientação do líder espiritual: wãwã. Para tanto, foi inestimável a postura do líder, guerreiro e
wãwã Zawit Pajut.
A interrupção da atividade do wãwã no povo Zoró por um período de 10 anos trouxe
como conseqüência a divisão daqueles que acreditam na religião cristã e os que acreditam nas
crenças tradicionais. Embora tenham retornado aos seus rituais e abandonado o cristianismo a
partir de 1991, algumas famílias conservaram-se transitando entre as duas formas religiosas,
com uma grande possibilidade de boa parte de o povo voltar a ser evangélico: o assédio
missionário permanece constante, seja pela insistência dos pastores evangélicos que
freqüentam algumas aldeias, seja por algumas famílias que se dizem evangélicas.
Conforme Brunelli (1996, p. 234), Clothier, embasada em pesquisa de campo entre os
Zoró nos anos de 1984 a 1985 afirma que:
[...] considera a probabilidade – muito concreta, no contexto da aldeia
zoró antes de agosto de 1985 que os dois únicos xamãs
sobreviventes possam vir a falecer sem que outros queiram se
prontificar para assumir o lugar deles, mas isto não a leva a concluir
que o xamanismo esteja por isso mesmo, prestes a desaparecer.
Realmente o desaparecimento dos wãwãs no povo Zoró não aconteceu, e hoje, nas
aldeias, existem no mínimo sete homens e pelo menos duas mulheres wãwãs reconhecidos
pela comunidade no ano de 2007.
A retomada das atividades xamanísticas se deu a partir de 1992, ano da desintrusão
dos colonos de suas terras, sob a influência do wãwã e líder mais velho do povo Zawit Pajut,
respeitado por todos como um homem de grande poder espiritual.
38
Brunelli (1996, p. 234) resume a cosmologia Zoró como: “[...] constituído por uma
interpenetração inextricável do mundo visível e do mundo invisível e por um trânsito
contínuo entre seres e poderes de natureza e forma diferentes”. Os Zoró acreditam que os
espíritos podem habitar três dimensões: terrestre, das águas (ou submerso) e celeste,
apresentando poderes sobrenaturais e sobre os homens. É na dimensão submersa que o
espírito das pessoas boas vai morar após a sua morte e é chamada Gujanej. É na parte mais
profunda que está o espírito mais poderoso: o espírito do Gujanej, também chamado de
“Malulá”. Segundo contam, é um lugar de paz, de malocas novas e macaloba boa.
Para o Povo Zoró não existe a relação dual céu/inferno. Após a morte, os bons irão
para o gujanej e os ruins ficarão vagando sobre a terra. A parte mais profunda do mundo
submerso é destinada aos Wãwã após a morte e àquelas pessoas que em vida foram muito
boas para comunidade os grandes personagens. Ou seja, a profundeza das águas é a parte
mais nobre e para vão aqueles que estiveram em vida mais próximos do que deseja o
espírito do Gujanej e, embora não existam lugares diferenciados, o que se configura é uma
hierarquização de privilégios conquistados. Essa visão de vida pós-morte, mesmo após o
contato com o não índio continua prevalecendo e é renovada na festa do Gujanej (festa
religiosa e ritual que será descrita mais adiante).
A relação com os espíritos se pela intermediação do wãwã. Ela pode ser realizada
através da excorporação, na qual o espírito do wãwã vai até o mundo espiritual, como também
pela incorporação e nessa forma é o espírito que vem ao encontro dos homens utilizando o
corpo do wãwã – ou em alguns casos, no corpo de quem este último indicar.
As técnicas xamânicas utilizadas variam de acordo com o ritual a ser feito. De uma
forma geral são danças, rezas, cantos e imposição de mãos. Para qualquer intervenção do
wãwã é indispensável o uso de cigarros feitos com palha de milho e tabaco, por eles
preparados. Pode também ser utilizado uma chicha especialmente preparada com mel e
tabaco.
A religiosidade Zoró é manifestada em quatro grandes festas religiosas
21
que se
realizam no período das águas e da colheita do milho, entre janeiro e março: Gujanej, Zaga
Puej, Gat Pij e Bebey. A realização das festas obedece às orientações do wawã, uma vez que
não são as pessoas que fazem a escolha, são os próprios espíritos que determinam a festa a ser
celebrada. Para isso, o wawã faz uma viagem ao mundo espiritual, através da prática da
excorporação, para obter a revelação da festa a ser realizada. Por isso não há uma regularidade
21
O aspecto religioso se pelo fato de serem relativas aos espíritos, diferentemente das festas rituais sem
conotação mais ligada ao mundo espiritual como a de cortar o dente do porcão ou a de matar o porcão ou
macaco.
39
para as festas. Geralmente acontece uma por ano, mas, entre a sua preparação e o seu
término pode durar até mais de três meses.
Existem outras festas rituais que poderiam ser classificadas como não religiosas, tendo
um caráter intermediário até que seja realizada a festa ritual principal. Sem a magnitude das
quatro grandes festas mencionadas, elas apresentam funções importantes dentro da cultura.
Um exemplo é o ritual do maxw kun wé feito para descobrir aqueles indivíduos com
vocação para ser wawã; a festa do corte do dente do porco e a festa para matar animais, que
têm uma importância mais voltada para a partilha dos bens acumulados.
Dal Poz Neto (1993, p. 179) ao referir-se sobre as festas no contexto dos Cinta Larga
classifica como: “[...] o evento social mais relevante nesta sociedade, o único capaz de
mobilizar um grande contingente de pessoas e de recursos”. O que não difere do povo Zoró,
independentemente de ter uma maior referência aos espíritos ou não.
A festa do Gujanej é a festa mais importante. Nela se celebra a vinda do espírito das
águas para curar doenças e principalmente ver como anda a cultura do povo. Tem o
envolvimento de toda comunidade na sua preparação e uma duração relativamente longa
22
.
Durante a festa existem várias restrições como não fazer sexo ou a proibição aos casais com
crianças muito pequenos junto aos demais, pois o espírito pode castigar ou mesmo exercer
alguma influência indesejada para as pessoas, o que os leva a ficarem reclusos. O espírito
festejado é o “malulá”. Ao incorporar no wawã esse espírito faz uma avaliação de como as
pessoas andam dando continuidade à cultura. Isso é feito através dos presentes obrigatórios
que são oferecidos. Por exemplo: a flecha oferecida deve estar impecavelmente bem feita; a
chicha (ou macaloba, como chamam), o mambé (beiju de milho), e até a música tem de
agradá-lo, caso contrário ele envia um dilúvio punindo as pessoas que desprezaram as
tradições ancestrais. A crença nos ensinamentos desse ritual com certeza marca o apego à
cultura que as pessoas têm, como também a sua religiosidade. Talvez esse seja o aspecto
religioso e ideológico que prende os Zoró às suas tradições e a resistência às investidas dos
evangélicos.
Na festa ritual do Gujanej as pessoas têm a oportunidade de fazer a viagem espiritual
para onde seus parentes mortos estão morando (o mundo submerso das águas). Para isso,
deslocam-se para um riacho e o wawã orienta à pessoa colocar o em determinado ponto,
que sente – como os Zoró dizem – um choque e acontece uma sensação de transe (ou
desmaio) e acontece a viagem extracorpórea. O efeito é rápido e em poucos segundos a
22
O tempo de um ritual não obedece a prazos estabelecidos pelas pessoas, mas aqueles determinados pelos
espíritos.
40
pessoa retorna ao estado normal de consciência. A viagem não é atingida por todos. É preciso
que esteja espiritualmente preparado.
Cada família deve levar um jacaré capturado vivo, que em determinado momento da
festa é disposto no pátio da aldeia para que o wawã abençoe cada membro da família com o
espírito do jacaré. Logo após, eles são jogados dentro da maloca e mortos com paulada, para
depois ser distribuído aos participantes, como “troca dádiva” (MAUSS, 2003).
Uma outra festa religiosa que acontece com bastante freqüência é a do Zaga Puej, cujo
objetivo é invocar o espírito que protege a caça, as colheitas de mel e de pama ou abia. Este
espírito vive no mundo dos homens, e é ele que traz a fartura das colheitas. Antes do
acontecimento da festa, no entorno da aldeia e da maloca é feito um varal e colocados todos
os produtos cultivados (algodão, mandioca, cará, entre outros) em oferenda ao espírito pelas
boas colheitas obtidas.
Na festa do bebej, se invoca o espírito do porção (Tayassu pecari) uma espécie de
porco selvagem – para que ele não desapareça da terra dos Zoró e não venha a comprometer a
alimentação do povo. No auge do ritual, o wawã se comunica espiritualmente com o espírito
do porcão, e nessa viagem é revelado o local onde está a vara de porcos. O wawã, após
retornar de sua viagem espiritual, indica aos presentes o local exato, que saem para capturar
os animais a serem servidos na festa.
O Gat Pij é uma festa religiosa que reverencia o espírito habitante da dimensão celeste,
que também é chamada de “gat pij”, e seu poder é o de curar as pessoas doentes.
Na cultura Zoró não para separar o mundo espiritual do material, ambos se
complementam, indo ao encontro do que Vilhena (2005, p.44) afirma para as culturas que ela
chama de arcaica:
[...] toda realidade do mundo e de seus seres é revestida de
sacralidade, o cosmo, o céu, os astros, os animais, as plantas e os
acontecimentos podem ser interpretados como uma hierofonia, ou
seja, como sinal, manifestação ou presentificação do sagrado. Nestas
condições, a relação e a comunicação humana com o sagrado são
constantes, posto que a disjunção inexiste.
De acordo com a citação acima, percebe-se que em todos os lugares existe uma
presença de espíritos que são reverenciados em suas festas rituais. Isso faz com que os Zoró
apresentem uma religiosidade muito forte e a vida cotidiana seja permeada pelo respeito ao
sobrenatural.
41
CAPÍTULO II – O CONTATO INTERÉTNICO
2.1. O contato do Povo Zoró com o colonizador
Os grupos tupi-mondé (Cinta-Larga, Suruí e Zoró) residentes no Parque Indígena
Aripuanã têm contato relativamente recentes e estreita relação com o projeto de colonização
do Governo Federal para região. O contato com os Cinta-Larga “sucederam a partir do final
da década de 1960” (DAL POZ NETO, 2004, p. 3), os Suruí tiveram o contato com a FUNAI
em 1969 (MINDLIN, 1985, p. 17). Os outros grupos do mesmo tronco, conforme Moore
(2005, p. 515-516), que estão localizados fora do Parque, foram contatados: Gavião, na
década de 40, Aruá e Salamãi
23
(Monde) na década de 30. O outro grupo é os Arara do
Guariba, que “[...] teriam estabelecidos relações amistosas com o seringalista Olegário Vela
no ano de 1923” (OPAN/CIMI, 1987, p. 117).
A partir do início do Século XX a região onde está localizado o Parque Indígena
Aripuanã no Estado do Mato Grosso passa a despertar a atenção da sociedade nacional em sua
busca de expansão. Primeiro com a atividade de extração da borracha que se alastrava através
dos rios principais e seus afluentes é dessa época que vem os primeiros relatos dos povos
tupi-mondé e de hostilidades
24
. Depois, o outro evento importante foi “[...] a criação da
Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas” (OPAN/CIMI,
1987, 102 p.) que permitiu a criação de vilarejos ao longo das estradas abertas para instalação
da linha telegráfica. Porém, é com o processo de colonização empreendido a partir da década
de 60 do século XX que se dá a abertura de extensas áreas para instalação de grandes fazendas
e atividade mineradora.
O aparecimento de núcleos de colonização nas imediações e mesmo na área do Parque
provocou novos arranjos do território, ocasionando perdas de sua área tradicional. Brunelli
(1987, p. 158) destaca que por volta de 1950, “[...] os Zoró habitavam um território contínuo
que ia da margem oriental do rio Roosevelt aos córregos que formavam o rio Madeirinha”,
distante do local onde foi realizado o contato.
Partindo das narrativas tradicionais dos Zoró, o contato com o não índio remonta a um
período relativamente distante do atual. O mito do Itisapepep é uma narrativa que fala de um
de um menino que perdeu a sua mãe quando pequeno. Antigamente não existiam doenças. O
Wãwã ao perguntar aos espíritos o que tinha causado a morte da mulher, estes responderam
23
De acordo com Moore (2005, p. 515), o nome “Mondé” veio de um cacique Salamãy que entrou em contato
com a sociedade nacional.
24
Em 1928 o seringalista Don Alejandro Torres ordenou o massacre de uma aldeia Cinta-Larga.
42
que era culpa do homem não índio. Então o menino (Itisapepep) saiu à procura do não índio
até que vingou a morte de sua mãe. Muito tempo se passou. Quando retornou a sua casa seu
pai não o reconhecia mais. Após dizer quem era, foi uma festa muito grande na aldeia.
No mito da pedra (que será descrito no item 4.4.) – quando povos se separam
formando as diversas etnias também referência aos não índios. É possível que a
incorporação do colonizador nas narrações desse mito tenha se dado após os primeiros
encontros casuais em tempos passados.
É com a instalação da Fazenda Castanhal no início da década de setenta do século XX
que uma proximidade muito grande com as malocas dos Zoró e o confronto se torna
inevitável. “[...] ao chegarem à margem do rio Branco, resolveram atacar os empregados da
Fazenda Castanhal: em dois ataques mataram três trabalhadores e feriram bastante um quarto”
(PRAXEDES, 1977, 75 p.). A não resistência dos trabalhadores aos ataques dos índios
favoreceu o contato – é o que indica a descrição apresentada por Praxedes
(1977).
Os anciãos contam que as outras vezes que os colonizadores chegaram ao seu
território fugiram ao serem atacados
25
, porém ultimamente era diferente: matavam um,
apareciam outros, continuavam flechando e essas pessoas não iam embora
26
. Não restava
alternativa a não ser aproximar-se delas. E assim foi feito. De acordo com alguns índios Zoró,
o contato se deu por curiosidade, com o objetivo de fazer amizade. Mas, na verdade o que
levou a aproximação dos Zoró com o não índio foi a pressão exercida pelas fazendas e
colonos fechando o cerco e empurrando-os para Terra Suruí, seus inimigos históricos. A velha
estratégia de guerra não fazia efeito. Como também não havia mais para onde fugir.
Observando a carta-imagem a seguir percebe-se que a distância entre a sede da Fazenda
Castanhal e Aldeia Buburej (Aldeia Central), é de 13.800 metros lineares, colocando a
segurança do povo em risco.
Sem saída, o líder convoca alguns homens para fazer o contato, e encontram-se com
três funcionários da Fazenda Castanhal. O grupo de índios era formado por Maxianzap,
Chiquinho, Antônio Pepuj e seu pai. Outros guerreiros ficaram escondidos para segurança do
grupo, caso houvesse algum desentendimento. Um povo que sempre evitou o contato com o
não índio, agora ia ao encontro dele. Estabelece-se um contra-senso em relação às opções
do povo, mas se reafirma a tendência narrativa de seus mitos da busca e da relação com o
outro.
25
Eram na época os seringueiros, caucheiros e caçadores de peles.
26
Estes eram os peões da Fazenda Castanhal.
43
Os anciãos Zoró contam que no contato com os empregados da Fazenda Castanhal os
presentes recebidos (açúcar, biscoito) eram rejeitados por eles, pelo receio de estarem
envenenados, pois ainda estavam na lembrança os massacres impostos pelos não índios
27
.
Em junho de 1978 os Zoró abandonaram suas aldeias e foram atraídos para o posto
indígena Lourdes pelos índios Gavião em virtude de um ataque de índios Suruí
(OPAN/CIMI,1987, p. 114). Brunelli (1990, p. 142) apresenta a versão de que esse abandono
se deu “[...] para fugir das brutalidades de um funcionário da FUNAI”. Ao se instalarem nessa
nova área, tiveram o assédio da seita religiosa norte-americana da Missão Novas Tribos, o que
culminou no abandono de suas tradições culturais e religiosas. No início da década de 80,
após perceber que onde estavam aconteceria a perda do seu território tradicional e passaria a
ser inquilino em terras alheias, os Zoró decidem voltar para o seu território. Instalam-se na
aldeia Central na língua é chamada de Bubyrej onde antes havia uma aldeia “muito
antiga” – conforme relatam os índios.
Nesta aldeia é implantado um sistema semelhante ao de um vilarejo não-índio,
construindo casas, campo de pouso, farmácias e instalações do Posto da FUNAI. Essa nova
organização das moradias dos índios traz um impacto muito grande, contrariando de forma
brutal toda a tradição cultural do povo. Além de retirá-los de suas casas tradicionais, as
malocas (ou zap), e de juntar todas as famílias em um mesmo espaço, o transformados em
verdadeiros “peões” (OPAN/CIMI, 1987, p. 115). Esse novo sistema de organização espacial
do povo durou até o ano de 1984, quando começaram a abrir novas aldeias dentro do território
a eles garantido, configurando um novo rearranjo espacial das famílias. A dispersão se deu em
função dos atritos ocorridos entre eles, pois nunca tinham passado pela experiência de
morarem juntos, e pela necessidade de garantir a posse de seu território invadido pelos
colonos que lá se instalaram.
A dispersão dentro de sua área é inevitável por se traduzir em uma característica
básica: o povo Zoró é formado de vários grupos independentes com uma mesma cultura, que
se aliaram em virtude das ameaças surgidas com a ocupação de seu território, conforme
insinua Brunelli (1987, p. 162) e já citado no item 1.4. que trata da organização social.
A seguir é apresentada o Quadro 1 contendo o nome das aldeias existentes na Terra
Indígena Zoró atualmente, e o ano de criação. A aldeia do Japararat, que antes era chamada de
27
Como o Massacre do Paralelo 11, anteriormente relatado, e situações em que foram oferecidos alimentos
envenenados.
44
Aldeia do Gustavo
28
, encontra-se abandonada em virtude da morte de um dos ocupantes, e por
respeito, as pessoas decidiram temporariamente abandoná-la.
QUADRO 1. Aldeias Zoró.
NOME DA ALDEIA ANO DE
CRIAÇÃO
Bubyrej 1976
Zawã Kej 1992
Tamali Syn 1993
Guwa Puxurej 1993
Webaj Karej 1993
Panjirawá 1993
Ipewyrej 1993
Anguj Tapua 1993
Japararat 1994
Ikarej 1998
Pawanewã 1999
Aldeia do Paulo Sérgio 1999
Imbupeaxurej 2001
Zawã Karej Pangyjj 2002
Serrinha 2003
Rio Azul 2004
Paraíso da Serra 2005
Santa Cruz 2005
Aldeia do Paulo Apeti 2005
Aldeia do Caneco 2006
Zarup Wej 2006
Aldeia do Juarez 2006
Para uma melhor visualização da dispersão das aldeias no território, é apresentada pela
Figura 4 uma carta-imagem da Terra Indígena Zoró, onde se pode ver a pressão que as
fazendas instaladas fazem sobre o território. A faixa que compreende a invasão que os
colonos empreenderam em meados dos anos 80 do século XX apresenta uma maior
quantidade de aldeias por motivo de segurança, ou seja, as aldeias instaladas afugentam
invasores e também por motivos econômicos, já que existe em torno de oito mil hectares de
pastagem propícia para criação de gado bovino, atividade que os indígenas exploram.
No ponto onde se localiza a aldeia Paraíso da Serra que foi instalado o distrito de
mesmo nome, que contava com “[...] duas serrarias e mais de 30 casas” (CEDI,
1987/88/89/90, p. 434). Uma região perigosa em função dos poços cavados para retirada de
água e das fossas sépticas que ficaram abertas com a retirada dos antigos colonos.
Conforme pode ser visto na carta-imagem abaixo, a concentração maior de aldeias se
encontra na área que corresponde às invasões dos colonizadores, em virtude deste deixarem
28
A mudança do nome se deu em função da morte do Gustavo, pois, de acordo com as concepções religiosas dos
Zoró, quando uma pessoa morre ela não pode mais ter seu nome chamado para que seu espírito descanse em paz
e saia do meio do grupo para ir morar no lugar destinado aos mortos.
45
grandes áreas de pastagens formadas, que hoje os Zoró utilizam para criação de gado bovino.
O outro fator para tal dispersão é garantir a segurança, evitando a entrada de novos invasores,
o que aconteceu com a abertura da Aldeia Zawã Kej no ano de 1992.
O importante a ser destacado é que, o processo de reorganização do povo no seu
território continua conforme as relações existentes no pré-contato com os não índios,
mantendo esse aspecto cultural como responsável pelo surgimento de novas lideranças.
46
47
2.2. O que mudou para os Zoró após o contato com o não índio
O contato com o não-índio inseriu no âmbito da organização social Zoró mudanças
jamais imaginadas por esses indígenas. Isto trouxe alguns ganhos segundo os próprios
índios mas, em compensação, levou a uma desestruturação do seu modo tradicional de
viver. Deve-se salientar que a grande maioria dessas mudanças foi imposta pelo colonizador,
seja pela ação do órgão responsável pela assistência, seja por pressão das interferências
religiosas. São destacados três tipos de perdas.
A perda primeira e mais impactante para o grupo é a do território tradicional. O
território constitui-se o espaço fundamental para execução das atividades culturais como a
caça, a pesca e as roças, pois a extensão da área é que garante a sustentabilidade dessas
atividades, ou seja, ela permite que os grupos migrem para locais ainda inabitados, garantindo
a recomposição do espaço explorado e num tempo de quatro a oito anos possa retornar ao
mesmo local. Inicialmente essa perda se com a instalação de grandes fazendas e depois
com a invasão de grandes levas de colonos. As fazendas se instalam com as benesses do
Governo Federal através do “[...] Programa de Pólos Agropecuários e Minerais da Amazônia -
POLOAMAZÔNIA, que objetivava aproveitar integralmente as potencialidades
agropecuárias, florestais, minerais e agroindustriais da região” (OTT, 2002, p. 95). Os colonos
entram pela incitação de aproveitadores e pelo desejo de possuir seu pedaço de terra.
De um modo geral, para que a Amazônia fosse ocupada por fazendas e colonos,
difundiu-se a idéia de um imenso vazio demográfico, ou seja, na floresta não existe gente, e,
portanto, é terra sem dono e sem produção e que precisa ser explorada. A categoria do vazio
demográfico trouxe graves conseqüências para as populações indígenas (na época, algumas
ainda sem contato com a sociedade envolvente, como os Zoró), seringueiros e pequenos
posseiros habitantes na região. Tavares dos Santos (1993, p. 205) ao comentar sobre essa
categoria e as conseqüências para os povos indígenas afirma que:
[...] supunha-se, em primeiro lugar, que não havia ninguém no
território e se fingia esquecer que se tratava, no começo, de território
de tribos indígenas: basta lembrar o caso dos índios Xavantes, na
região de Canarana, ou dos índios Kre-Aca-Rore, na região de
Terranova. Outros autores já constataram a usurpação de terras
indígenas na década anterior, o que também foi feito com a finalidade
de implantar depois programas de colonização.
No caso específico dos Zoró várias foram as tentativas de usurpar o seu território
pelas grandes fazendas e por colonos. Essas ações tinham como base o estigma de que os
índios eram incapazes de fazer a terra produzir: gerar progresso. Por isso, foram taxados como
48
culpados pelo atraso da região, colocando-os como empecilho à empresa da colonização, e
consequentemente, do desenvolvimento.
A segunda perda se na brutal diminuição da população. Isto ocorre em função da
baixa imunidade às doenças trazidas pelo colonizador. Conforme citado no item 1.4. os
surtos de doenças levaram ao desaparecimento de três clãs que formavam alianças com os
hoje denominados Zoró. Darcy Ribeiro (1996, p. 230) afirma que as doenças que mais afetam
os índios são: “[...] as pulmonares que, após os primeiros contatos com civilizados, provoca
verdadeira dizimação entre eles”. Para melhor ilustrar o impacto da depopulação ocorrida no
povo Zoró após o contato, a seguir, será apresentado um gráfico feito a partir das informações
contidas na bibliografia sobre o número de pessoas vivas, embora os dados existentes sejam
contraditórios. A Figura
5 parte de uma população inicial de 800 pessoas
29
, de acordo com o
Dossiê Índios em Mato Grosso.
FIGURA 5. Gráfico I da depopulação Zoró.
0
100
200
300
400
500
600
700
800
P
O
P
U
L
A
Ç
Ã
O
1977 1983 1985 1988 1992 2000 2003 2005 2008
ANO
O gráfico acima mostra uma queda da população em 600 indivíduos no espaço de seis
anos, o que equivale a 75% do total, uma verdadeira catástrofe do ponto de vista humanitário,
mas representa a verdadeira face do contato interétnico. É a partir do ano de 1988 que a
população começa a crescer de forma lenta, acelerando a partir do ano de 2000
30
. Mesmo com
aumento da população em 34,5% de 2000 a 2008, ainda não conseguiram chegar ao número
de indivíduos da época do contato.
O gráfico a seguir (representado pela Figura 6) mostra a depopulação, tomando como
base uma população de 500 indivíduos, conforme se pode encontrar em alguns documentos da
29
Os dados referente aos anos de 1983 e 1992 são da FUNAI; os dados de 1985 da Operação Anchieta/Conselho
Indigenista Missionário; os dado de 1988 são Coimbra Júnior e Santos; os relativos aos anos de 2000 a 2008 são
Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena.
30
Os dados utilizados são de pessoas vivas, que representam o quantitavo do ano em questão, não devendo ser
confundido com o ano de nascimento, que mostraria de forma real o aumento da população dentro de cada ano.
49
FUNAI
31
. Ele mostra que a situação é menos drástica, pois a depopulação nos primeiros seis
anos após o contato é de 40%. Continua sendo um número absurdo, mas se comparado a 75%
é menos assustador, como também, o número de pessoas vivas hoje é superior aos
indicados na época do contato por alguns autores. Vale salientar que prevalece a dúvida com
relação à confiabilidade dos dados relativos à época do contato.
FIGURA 6. Gráfico II da depopulação Zoró.
0
100
200
300
400
500
600
P
O
P
U
L
A
Ç
Ã
O
1977 1983 1985 1988 1992 2000 2003 2005 2008
ANO
A terceira perda é a desarticulação do modo próprio de viver
32
. Dentro desse aspecto
as mudanças ocorrem em relação ao modo de produção, a religião, a habitação, o sistema de
parentesco e de liderança.
Tomando como referência Clastres (2003, p. 214): “[...] a atividade de produção é
exatamente medida, delimitada pelas necessidades que têm de ser satisfeitas, estando
implícito que se trata essencialmente das necessidades energéticas: a produção é projetada
sobre a reconstituição do estoque de energia gasto”. O sistema de produção começou a mudar
quando os indivíduos sentiram a necessidade de adquirir os produtos industriais. Foi a partir
desse momento que os índios começaram a adentrar nas relações de mercado que são
pautadas (de uma forma bem simples de explicação) na compra e na venda. Embutida na idéia
de compra e venda está a de dinheiro e de trabalho. Nesse sentido, várias foram as iniciativas
de produção idealizadas para os Zoró: roça comunitária, venda de látex da seringueira, venda
ilegal de madeira, garimpo de diamantes na Terra Indígena Cinta Larga. Todas essas
investidas vieram contribuir na desestruturação do modo tradicional de produção, bem como
aumentar a dependência por produtos industrializados.
31
Projeto para vigilância e fiscalização Área Zoró, 1992.
32
A desarticulação do modo tradicional de viver é evidenciada nesse trabalho como uma perda irreparável pelo
fato de como ela aconteceu e ainda acontece. Não se está fazendo um juízo de valor se os índios devem continuar
com o seu modo próprio de viver ou não.
50
As mudanças ocorridas na religião tradicional se deram em função da conversão do
povo Zoró ao cristianismo pelos missionários da Missão Novas Tribos do Brasil, conforme já
comentada no item 1.5.
Outro aspecto que induziu mudanças significativas na forma própria de viver do povo
foi a introdução de casas nas aldeias em substituição a maloca, desarticulando um ambiente
muito importante para a transmissão da cultura através da oralidade. À noite os oradores mais
eloqüentes contavam repetidas vezes os mitos e histórias. O compartilhar em ouvir e contar
assegurava o registro histórico do povo bem como iniciava os futuros narradores a manterem
sua história viva. A moradia em casas de madeira, restringe o número de pessoas a apenas
uma família, impossibilitando, na maioria das vezes, o ritual “aratigi maj pane” (ou, o ritual
de contar histórias antigas), em função de faltar um contador de histórias, ou porque a
quantidade de histórias conhecidas pelos mais velhos seja pequena.
O sistema de parentesco também não saiu imune, porque os casamentos no período
anterior ao contato era um arranjo que as famílias faziam no sentido de articular a influência e
o prestígio. Hoje acontecem casamentos pouco desejados entre as famílias, e até mesmo,
alguns homens preferem casar com mulheres não índias e isso de certa forma quebra algumas
regras de alianças dentro do povo, interferindo no sistema de status.
Como última perda
33
elencada nas mudanças do modo próprio de viver do povo Zoró
está o sistema de lideranças. O que inicialmente estava assentada, embora de forma precária,
na hereditariedade, hoje segue outros padrões. O fato recente no sistema de constituição da
liderança é a eleição para cacique geral a cada dois anos, escolhido pelas lideranças
tradicionais
34
. Essa forma de discutir a liderança é fruto de idéias corrente na sociedade
envolvente, impensável no período pré-contato, e que tem objetivo precípuo de atender as
demandas surgidas na relação interétnica. O cacique geral às vezes pode nem exercer o papel
social que lhe é atribuído no âmbito das relações travadas dentro da comunidade e sim uma
outra liderança mais influente. Dessa forma se estabelece um sistema duplo de liderança: um
líder para negociar com o mundo externo e outro para resolver os problemas da comunidade.
Os Zoró sabem das conseqüências da perda e do dever da continuidade da sua cultura.
Se for perguntado a qualquer jovem ele irá responder de imediato que a cultura tradicional
deve ser preservada, porém este mesmo jovem rejeita a pintura facial tradicional, o sistema de
casamento tradicional, o casamento após os trinta anos, dentre outros aspectos. Isto é
33
As mudanças elencadas na forma de viver do povo Zoró no âmbito desta dissertação segue apenas um
esquema demonstrativo das evidências mais facilmente detectadas pelo observador. Não esgotam o assunto,
como também carecem de pesquisas mais aprofundadas.
34
As lideranças tradicionais são os zawi-ai, ou cacique de cada aldeia.
51
perfeitamente compreensível pelo fato de que culturas em contato mesclam-se em um
processo dialético em que uma cultura parece não ser mais ela, como também não é na
essência a cultura do outro. O que importa, entretanto, é o processo de alteridade que se irá
construir a partir de então, haja vista nunca mais poder voltar a cultura original trazida pelos
Zoró à época do contato.
Abaixo, como forma de destacar os principais acontecimentos nos últimos quarenta
anos que influenciaram de forma significativa o povo Zoró, é apresentada a flecha do tempo
(ou linha do tempo).
FIGURA 7. A flecha do tempo Zoró.
1968 1969 1977 1978 1981 1985 1991 1992 1996 2002 2005
Francisco e Apoena Meirelles localizam
aldeias Zoró em sobrevôo.
Decreto de Criação do Parque Indígena
Aripuanã.
Contato dos Zoró com a sociedade
nacional envolvente.
Ataque Suruí; Decreto de Interdição da
Terra Zoró; fuga para área dos Gavião.
Retorno dos Zoró ao seu território
tradicional.
Invasão da Terra Zoró por colonos;
conflito.
Homologação da Terra Indígena Zoró.
Desintrusão da Terra Indígena Zoró.
Retorno à cultura tradicional.
Criação da Aldeia-Escola Zawã Karej
Pangyjj.
Criação da aldeia-Escola Zarup Wej de
ensino médio.
52
CAPÍTULO III – O DESENVOLVIMENTO E OS ÍNDIOS
3.1. A ideologia do desenvolvimento e a imposição do modo capitalista de produção aos
povos colonizados
É no decorrer do momento histórico denominado mercantilismo (considerada a
primeira fase do capitalismo) que a Europa busca expandir suas relações comerciais com a
abertura de novas rotas de comércio, para isso embarcam (literalmente) na aventura de
desbravamento dos oceanos. Reinos como Portugal e Espanha tomam a dianteira e
empreendem os tão famosos “descobrimentos”, que inicialmente são compreendidos como o
achado do “paraíso perdido”, mas pouco tempo depois percebem que na realidade tinham
encontrado a “galinha dos ovos de ouro”. A partir de então implantaram um sistema de
colonização exploradora que consumiu a riqueza de metais preciosos e de vidas humanas das
Américas. “A Amazônia é presa desse expansionismo civilizatório desde o século XVI”
(CEMIN, 1992, p. 41).
O sistema colonialista obrigava às colônias a vender exclusivamente seus produtos a
baixos custos à metrópole e, em troca, comprar seus caros produtos. Para que essa relação
injusta pudesse sobreviver foi necessário recorrer à mão-de-obra escrava. Nessa realidade,
índios e africanos foram os únicos perdedores.
A exploração do Brasil pelos portugueses inicialmente se deu pela extração do pau-
brasil; depois, a cana-de-açúcar, que foi o sistema produtivo responsável por reduzir
drasticamente os povos indígenas do litoral e a floresta atlântica. Aliado a essa atividade
desenvolveu-se a criação de gado que se expandiu nos sertões nordestinos e nos pampas
gaúchos para abastecer a colônia de carne, uma vez que essa atividade não podia competir por
espaço territorial com a cana-de-açúcar. No século XVIII surge a mineração nas Minas
Gerais, Goiás e Mato Grosso. Vários outros chamados ciclos econômicos surgiram no Brasil
Colônia e mesmo após a sua independência. O importante frisar é que os ciclos econômicos
no Brasil que têm uma relação direta com a posse de terra ou sua exploração refletiram
diretamente na vida dos povos indígenas.
Pode-se visualizar como o sistema de produção europeu foi imposto aos colonizados
(povos indígenas). Para que as atividades produtivas de interesse da metrópole pudessem ser
levadas a cabo na terra brasilis precisava-se necessariamente da posse do território que era
dos índios. Para tanto duas foram as providências: a pacificação e o genocídio. A primeira
providência na realidade acaba por se configurar também em genocídio, porque o convívio
53
intermitente com os europeus levava a uma grande mortalidade em função da baixa
imunidade às doenças do Velho Mundo. A segunda providência era mais direta e mais
comumente empregada, porque além de limpar o terreno também angariava mão-de-obra
escrava. A legislação criada para tal objetivo apresentava dois aspectos principais de acordo
com Ramos (2004, p. 246):
Um direcionado para as sociedades indígenas consideradas aliadas,
favorecendo a incorporação como mão-de-obra através dos
aldeamentos formados a partir dos descimentos liderados pelos
missionários. O segundo, dirigido aos “índios bravos”, os quais se
combatia numa estratégia de guerra colonial, permitindo-se a
escravização. Ocorreram casos, também, quando o combate aos
indígenas aliava o argumento de reprimir formas de cativeiro
promovido por conflitos intertribais ao interesse de evitar a aliança de
estrangeiros na Amazônia[...]
Onde havia exploração econômica pelos colonizadores restringia-se o direito dos
índios viverem suas culturas, impondo-se a catequese e a chamada civilização. Era uma forma
violenta de dominação, como bem expressa Flores (2003, p. 20): “Para o índio a opção era ser
ou ser cristão, a escravidão e a morte eram certas, a diferença era morrer cristão ou pagão”.
Restava a eles fazer as pazes com o colonizador
35
ou fugir para regiões mais longínquas. Essa
dinâmica de convivência marcou todo o período colonial, estendendo-se até a criação do
SPILTN Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais, em
1910, por iniciativa do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon.
A postura de descaso em relação aos índios pelo Estado brasileiro só começa a mudar
após fortes críticas da comunidade nacional e internacional, com a intervenção do órgão
criado. De acordo com Ribeiro (1996, p. 149-150) o fato decisivo para sua criação foi:
[...] um artigo de um cientista de renome, Hermann von Ihering,
diretor do Museu Paulista, defendendo ou justificando o extermínio
dos índios hostis. Sumariando a situação dos aborígenes do Brasil
meridional e suas relações com imigrantes, concluía Von Ihering que,
não se podendo esperar deles nenhuma contribuição para civilização
[...]
Com a criação do SPILTN o Estado toma para si a tarefa de resolver os conflitos da
população nacional envolvente com os indígenas. E assim se empreende a pacificação dos
índios sob o lema do “morrer se preciso for, matar nunca”. Na realidade, isto serviu como
forma de abrir espaço para penetração do capital em áreas antes inacessíveis, sem, contudo,
provocar grandes embaraços devido as chacinas de índios. “Na verdade, a obra de pacificação
35
A paz na verdade era traduzida em submissão, que num acordo de paz a idéia é que as diferenças sejam
respeitadas.
54
atende mais às necessidades de expansão da sociedade nacional que aos índios” (RIBEIRO,
1996, p. 206).
A relação entre colonizador e índio foi (e ainda é) uma relação genuinamente violenta.
Violência que se fez tanto subtraindo vidas como difundindo a idéia de que o índio é incapaz
de produzir. Colocar o índio na condição de incapaz tinha (e tem) o objetivo precípuo de
legitimar a invasão de seus territórios, de subtrair suas riquezas naturais e de ridicularizar sua
cultura milenar, introduzindo novo modo de viver e religião.
A idéia de incapacidade também opera nas relações econômicas. Nesta visão, o
sistema produtivo indígena condena os índios ao atraso, portanto deve ser substituído, para
que esses possam chegar ao tão almejado desenvolvimento. Nesse sentido, Gersen dos Santos
Luciano (2006, p. 199) tece o seguinte comentário:
[...] a noção de que o desenvolvimento humano está associado
necessariamente ao desenvolvimento econômico, e este é propriedade
da sociedade ocidental, portanto, dos Estados nacionais. Sendo assim,
não alternativa para os índios. Se pretenderem o desenvolvimento,
têm que aceitar e se sujeitar à lógica do sistema, ou seja, do mercado.
Do contrário, estarão condenados ao fracasso, ao atraso à “não-
civilização”.
Sob essa visão de desenvolvimento, desestruturam-se os sistemas econômicos
tradicionais dos povos indígenas, levando-os a dependência dos produtos comerciais;
substituindo as relações tradicionais de troca pelas de mercado.
De acordo com o que foi discutido nesse item pode-se chegar à seguinte proposição: a
ideologia do desenvolvimento e a imposição do modo capitalista de produção aos povos
colonizados foi decorrente da expansão imperialista da sociedade ocidental com o intuito de
dominá-los, subjugá-los e de torná-los seus dependentes. Porque o conceito de
desenvolvimento foi cunhado dentro dessa mesma sociedade ocidental, esqueceu-se que antes
do contato com o “homem moderno” a grande quantidade de povos existentes viviam com
dignidade seus modos de vida, e o contato trouxe como conseqüência a morte, a fome, o
alcoolismo, enredo de uma trágica novela chamada “desenvolvimento”.
3.2. A idéia da sustentabilidade
De forma resumida, a idéia de sustentabilidade é decorrência do atual estágio de
desenvolvimento do sistema capitalista, em função de que o bem-estar das gerações futuras
dos países desenvolvidos encontra-se ameaçado pela exaustão dos recursos naturais não
55
renováveis, como o petróleo e alguns outros minerais, e neste início de século XXI paira a
ameaça do aquecimento global provocado pela grande quantidade de poluentes emitidos pelas
indústrias que se acumulam na atmosfera terrestre, causando o chamado efeito estufa.
Até a revolução científica dos séculos XVI e XVII, a questão do desenvolvimento era
encarada de forma diferente da de hoje porque a humanidade até então não tinha deparado
com mudanças tão profundas nas estruturas sociais, políticas, econômicas, ambientais e do
próprio pensamento. Fruto da revolução científica, a revolução industrial se torna o motor
dessas mudanças radicais, que, pelo fato de imprimir um processo de produção de bens e
materiais em grande escala, o conceito de desenvolvimento passa a ser o da “[...] sociedade
ocidental industrializada, tecnologicamente avançada e moderna [...] modelo ideal a ser
seguido pelos países da periferia” (SANTOS, 2001, p. 170).
O que a Revolução Industrial traz de novo é a completa mudança na forma de
trabalho, que provocou o fim do sistema feudal e o sistema de servidão. As relações que no
feudalismo tinham um caráter de subserviência à religião, passam a obedecer aos ditames da
ciência: o homem é capaz de modificar a natureza e colocá-la a seu serviço através do
conhecimento científico e da técnica. As novas relações criadas a partir de então, segundo
Baumgarten (2002, p. 32), pautam-se no fato de que:
“[...] a natureza deixa de ser reconhecida como uma potência por si,
como ordem de todas as coisas, passando a ser percebida como algo
exterior ao humano, algo que deve (e pode) ser submetido e utilizado
seja como objeto de consumo, ou como meio de produção”.
O que o homem passa a procurar é a transformação da natureza em produtos de
consumo e a acumulação de riquezas. Estas idéias fundamentaram todo um conjunto de ações
humanas no plano das relações políticas, econômicas e sociais em escala mundial,
transformando as diferentes formas de viver do ser humano no tão propalado
“desenvolvimento”.
A questão é que no decorrer da história, após a Revolução Industrial, foram muitos os
países que desestruturaram suas economias tradicionais, de forma voluntária ou por imposição
das nações desenvolvidas, ao intensificar as relações capitalistas acreditava-se resolver os
problemas sociais. Hoje se sabe que isso nem sempre deu certo. São poucos os desenvolvidos
e muitos os subdesenvolvidos e miseráveis. Essa constatação passou a ser um bom argumento
para afirmar que crescimento econômico nem sempre traz o desenvolvimento para todos.
Entender que crescimento econômico e desenvolvimento não são sinônimos demorou
um pouco. recentemente ficou clara a dissociação dos conceitos. Pereira (1981, pp.334-
335) afirma que:
56
[...] crescimento econômico é o crescimento contínuo do produto
nacional em termos globais ao longo do tempo, enquanto
desenvolvimento econômico representa não apenas o crescimento da
produção nacional, mas também a forma como esta é distribuída
social e setorialmente.
O conceito de desenvolvimento econômico evolui do de crescimento econômico,
incorporando questões básicas do bem-estar humano como saúde, educação, nutrição,
moradia, dentro outras (SOUSA, 1993). É preciso que o crescimento econômico incorpore
outros elementos para que os indivíduos possam viver com mais dignidade.
A questão ambiental toma corpo na década de sessenta do século passado com a
preocupação da comunidade internacional com os limites de desenvolvimento do planeta. Em
1972, Dennis Meadows e pesquisadores do Clube de Roma publicam o documento intitulado
os “Limites do Crescimento”, colocando como preocupante as taxas de crescimento
demográfico e econômico, e os impactos sobre a degradação do meio ambiente. Essas
discussões levaram a ONU a realizar a Conferência sobre meio ambiente em Estocolmo
naquele mesmo ano. Do processo de preparação e da conferência resultaram dois documentos
importantes: o Relatório Founex e a Declaração de Estocolmo (BATISTA, 2001).
Esses documentos indicavam que os Estados passassem a se preocupar com um
desenvolvimento em bases sustentáveis, haja vista os sinais que o ambiente começava a
apresentar como reação à emissão de carbono na atmosfera, o desmatamento desenfreado de
florestas tropicais e sua influência no aquecimento global, como exemplos. A questão, porém,
era: como chegar a um desenvolvimento em bases sustentáveis?
De acordo com Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento–
CMMAD (1998, p. 9) o desenvolvimento sustentável é aquele: “capaz de garantir
necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras atenderem
também às suas”. Nessa perspectiva, o bem-estar deve estar relacionado às gerações presentes
e futuras. Não dá para ser sustentável hoje e insustentável amanhã. A idéia é garantir o mesmo
padrão de bem-estar no decorrer do tempo. O cerne de toda discussão sobre desenvolvimento
e desenvolvimento sustentável está no rumo que o capitalismo deve tomar para garantir a sua
reprodução. É preciso dar uma resposta em face da iminência de um colapso dos recursos
naturais não renováveis e aos problemas ambientais causados até agora, o que vem colocando
em risco a sobrevivência de várias espécies, inclusive a humana.
57
3.3. Do sistema de produção tradicional para a economia de mercado: a involução da
produção
A economia das sociedades indígenas conforme discutido por Clastres (1982) não é
uma economia de miséria ou de subsistência, conforme se tem veiculado, principalmente por
aqueles interessados nos territórios tradicionais desses povos. Sobre os conceitos de
improdutividade pairam grande dose de preconceito, por que:
Este tipo de juízo de valor esconde duas idéias: a de que o índio é
preguiçoso por natureza e, outra, a de que é incapaz de produzir
excedentes. E desdobrando estas idéias, por ser preguiçoso, é incapaz
de produzir uma tecnologia mais eficiente e, por ter esta
incapacidade, não consegue viver na abundância (SILVA, 1995, p.
341)
O que é visto pela sociedade nacional como “incapacidade” pode simplesmente ser
traduzida como um modo diferenciado de produzir e satisfazer as suas necessidades básicas.
Discorrendo sobre a economia primitiva Clastres (1982, p. 132) afirma que:
Toda comunidade primitiva aspira à autonomia completa, do ponto
de vista de sua produção de consumo. Aspira a excluir toda relação
de dependência com os grupos vizinhos. [...] Produz-se um mínimo
suficiente para satisfazer a todas as necessidades, mas organiza-se
para produzir a totalidade desse mínimo.
A economia tradicional Zoró, ou a forma de manter as necessidades básicas para sua
sobrevivência não difere do que Clastres indica em relação a autonomia. Que não pode ser
confundido com ineficiência. Em nenhum relato dos antigos ou nos mitos aponta-se para uma
época de penúria causada pela fome. Kerr (1987, p. 170) ao discutir sobre a agricultura
indígena, afirma que:
Nas dezenas de aldeias que visitei, jamais vi índios desnutridos. Sem
embargo, na medida em que os grupos tribais entram em contato com
a sociedade nacional diminui, às vezes de maneira dramática, a
diversidade e a qualidade de seus alimentos. Isto se não apenas
devido à redução drástica do território tribal, senão também porque os
conhecimentos agronômicos, botânicos e zoológicos deixam de ser
transmitidos das gerações mais velhas às mais novas. Os agentes da
“civilização” ao destruírem os mitos e as crenças religiosas indígenas,
afetam também aquelas vinculadas ao remanejo da natureza, uma vez
que ambas se entrosam indissoluvelmente.
O sistema produtivo tradicional dos Zoró compreende as atividades de agricultura e
coleta. Posey (1987, p. 19) o seguinte conceito: “Por coleta entende-se a obtenção de
58
plantas silvestres, animais e produtos animais, bem como diversos elementos inertes
adequados à alimentação, ao uso como matérias-primas manufatureiras e remédios”.
QUADRO 2. Animais caçados e consumidos pelos Zoró.
TIPO DE ANIMAL CONSUMO OBSERVAÇÕES
Porcão (Tayassu pecari) Muito consumido É muito apreciado. Existe uma festa religiosa
dedicada a ele. Os filhotes capturados são criados no
espaço da aldeia.
Jacaré (Caimam sp.) Muito consumido O seu consumo tem um sentido religioso durante o
ritual do gujanej, quando o wawã faz a benção com
seu espírito para aqueles que o trazem vivos durante
esta festa religiosa.
Anta (Tapirus terrestris) Muito consumido -
Cutia (Dasiprocta sp.) Muito consumido -
Macacos Muito consumidos As espécies caçadas são: preto (Ateles sp.), prego
(Cebus apella) e barrigudo (Lagothrix lagotricha),
este sendo pouco consumido. São caçados quando as
frutas da floresta estão maduras (novembro a maio).
Aves Muito consumidas Espécies preferidas: nambu (Tinamus sp.), mutum
(Mitu sp.), jacamin (Psophia sp.) e macuco
(Crypturellus sp.).
Peixes Muito consumidos Espécies: pacu (Mileus sp. E Milossoma sp.), piau
(Leporinus sp e Schizodom sp.), piranha
(Serrassalmus sp.), tucunaré (Ciclha spp.), curimba
(Prochilodus sp.) e traíra (Hoplias malabaricus).
Tracajá Muito consumido O consumo desse animais está mais relacionado aos
seus ovos que são coletados nos areais que se formam
nos rios durante a seca.
A caça é a atividade guerreira por excelência, porque os indivíduos ao criarem suas
estratégias de perseguir a presa e a precisão no tiro certeiro do arco, de certa forma estavam
treinando para matar seus inimigos. É grande a relação entre grande guerreiro e grande
caçador. São atividades de mesmo objetivo: o abate. Esse sistema causava pouco impacto no
ambiente em função da migração constante dentro do seu território. Ou seja, os animais
abatidos para consumo pouco interferiam na reposição dos estoques. Antes do contato existia
restrição ao consumo de determinados tipos de animais, que hoje (no período pós-contato)
não é respeitado.
A pesca tradicional dos Zoró também se configura como de baixo impacto, não
interferindo na reposição dos estoques de peixes dos rios, que até hoje são muito piscosos.
Talvez o tipo de pesca mais predatória
36
seja o que se usa substâncias tóxicas retiradas de
plantas para matar os peixes. Mas dois aspectos importantes a serem considerados: o
primeiro é em relação à época de sua realização, que acontece quando os rios baixam seus
36
Se é que se pode usar esse adjetivo. Mas ele será usado para dar ênfase à grande quantidade de peixes mortos
durante essa prática.
59
níveis de água, não coincidindo com a piracema
37
. O segundo é o fato de ser feito apenas em
pequenos cursos de águas, geralmente em poços formados nos pequenos rios. Havia (e há)
nesse tipo de pesca uma consciência por parte dos índios de não se cometer exageros ao
bater
38
a planta tóxica na água para não matar peixe demais, além do que pode ser comido. É
comum ainda hoje entre os Zoró, o abandono de suas aldeias para passarem dias acampados
às margens dos riachos comendo e moqueando grandes quantidades para serem levados às
aldeias como suprimento por um período de até três meses.
Para uma boa pescaria os Zoró seguem três regras básicas: não urinar na água ou
próximo ao rio, não assoviar, e nem levar mulher grávida. Essas regras, segundo relatam,
“espantam” os peixes.
QUADRO 3. Restrições alimentares.
ANIMAL RESTRIÇÕES ALIMENTARES
Macacos machos O seu consumo provoca canseira nas pessoas.
Araras (Ara sp.) e
papagaios (Amazona sp)
Provoca canseira nas pessoas. A explicação para o caso das araras e papagaios
é que eles têm boca seca, o que também irá secar a boca das pessoas tornando-
as cansadas.
Paca (Agouti paca) Estraga os dentes. Só os velhos consomem.
Gavião Real (Harpia
harpija)
Muito caçado para retirar as penas para confecção de cocares, é consumido
apenas pelos velhos. O homem que matou essa ave não come sua carne. O
gavião morto não era mostrado aos jovens em função da beleza de suas penas,
o que iria provocar neles um desejo exagerado pelas coisas dos outros, e ao
casar, começava a desejar a mulher do outro e em conseqüência, largaria a
sua.
Peixe Pintado
(Pseusoplatystoma sp.)
Causa hepatite.
No quadro acima pode-se visualizar que a restrição de consumo estava relacionada à
crença de que alguns animais podiam trazer doenças, fraqueza ou influenciar no
comportamento das pessoas.
A extração e coleta de vegetais se dão para diversos fins: alimentação, construção,
remédios, extração de venenos e fabricação de adornos e objetos utilitários. A coleta de
alimentos da floresta é restrita aos frutos e raízes que compõem o cardápio tradicional nas
determinadas épocas do ano. Tem maior concentração no período de novembro a março,
época das chuvas. Dentre os frutos coletados pelos Zoró para alimentação pode-se citar: pama
(Clarisia ilicifolia), caucho (Pouteria cf. laevigata), castanha do Brasil (Bertolethia excelsa),
taperebá (Spondias mombin L.), cacau (Theobroma cacau), cacauí (Theobroma speciosum),
37
Época em que os peixes sobem os rios para desova.
38
O verbo bater é usado porque essa prática consiste em esmagar os caules de plantas xicas que depois serão
batidos dentro da água para a substância tóxica desprender.
60
abiu (Pouteria sp.), bacuri (Garcinia sp.), patauá (Oenocarpus bataua), babaçu (Orbignia
martiana), dentre outros.
A agricultura praticada tem caráter itinerante, ou seja, o plantio não se num mesmo
lugar por um período acima de três ou quatro anos para que não leve o solo a exaustão de seus
nutrientes. É um tipo de agricultura altamente benéfico aos solos das regiões tropicais porque
permite a regeneração da vegetação natural. Após um período não inferior a quatro anos será
novamente derrubada e a queima irá novamente fertilizar o solo com suas cinzas. Esse sistema
também impede a exposição ao sol (que resseca o solo e mata animais benéficos como
minhocas) e a ação da erosão, em função da cobertura que proporciona. Meggers (1987, p. 50)
ao discorrer sobre os sistemas de roças indígenas, aplicável também aos Zoró, afirma que:
[...]a agricultura itinerante não constitui um método de cultivo
primitivo e incipiente, tratando-se, ao contrário, de uma técnica
especializada que se desenvolveu em resposta às condições
específicas de clima e solos tropicais.
Para ilustrar os efeitos benéficos e a proteção que a roça Zoró aos solos contra as
intempéries (chuvas, insolação e vento), abaixo será apresentada uma figura extraída do
trabalho de Meggers (1987), comparando a proteção que a vegetação natural e o cultivo
itinerante dão aos solos, percebendo-se que ambos são muito parecidos.
FIGURA 8. Comparação entre a cobertura da vegetação natural e da roça itinerante.
Fonte: Meggers (1987, p. 50).
61
A roça Zoró chamada de “ga” na língua indígena apresenta uma característica
marcante: tem a forma circular (confira figura abaixo). Como em forma circular também são
plantadas as espécies cultivadas.
FIGURA
9. Representação da roça Zoró.
Cada círculo colorido corresponde a uma espécie vegetal plantada, conforme a
descrição a seguir:
Milho
Mandioca
Cará
Mãlixia
Amendoim
Algodão
Batata
Feijão
Banana
Cana
Não foi possível precisar durante a pesquisa
39
porque as roças têm essa forma circular.
Uma hipótese provável é a relação com o formato da casa. Mas, na falta de uma resposta
plausível, pode-se ousar e pegar de empréstimo o que Melatti (1974) propôs para pergunta por
que a aldeia é redonda? “[...] talvez seja a forma mais econômica de representar espacialmente
várias oposições cujos elementos nem sempre ocupam uma posição de igualdade, pelo menos
simbolicamente”.
Conforme a disposição das espécies plantadas na roça Zoró, certa similaridade com
a forma que a vegetação natural utiliza para nutrir-se, pois, ao formar ilhas de plantas e, “por
intercalar produtos de diferentes requisitos de nutrientes, diferentes espécies arbóreas
diminuem a competição e protegem-se contra as pragas, ao serem evitados os grandes roçados
uniformes” (LEONEL, 2000, p. 246).
39
Os interlocutores que colaboraram na pesquisa disseram não saber o porquê da roça redonda.
62
QUADRO 4. Plantas cultivadas pelos Zoró.
ESPÉCIES PLANTADAS UTILIZAÇÃO
Milho (Zea mays L.) É bastante apreciado na forma cozida, assada e fabricação de
pamonhas enquanto verdes; depois de seco são usados para fazer
mingaus, beiju (mambé) e chicha. Existem em torno de quatro
variedades relacionadas à coloração: branco, amarelo, vermelho e
preto.
Mandioca (Manihot sp.) Utilizada cozida, para fazer chicha e beiju (mambé cura) . Os Zoró
tradicionalmente não produzem farinha de mandioca. Não foi
possível detectar variedades chamadas de bravas
40
.
Feijão (Phaseolus sp.) Utilizado cozido.
Cará (Dioscorea sp) Este tipo de produto é mais apreciado na forma de chicha doce,
podendo também ser consumido cozido.
Amendoim (Arachis hypogaea L.) É um alimento também muito consumido in natura.
Urucum (Bixa orellana L.) É uma planta que é encontrada em todas as aldeias antigas não
mais habitadas. Suas sementes são maceradas e utilizadas na
pintura corporal.
Mãlixia (não foi possível precisar a
sua classificação botânica)
É um tipo de leguminosa, que tem como parte comestível a raiz
que entumece quando plantada em local apropriado e quando se
amontoa terra ao seu caule.
Batata (Ipomoea batatas) Utilizada cozida, assada ou na forma de bebida (chicha doce).
As atividades executadas para se fazer uma roça resumem-se em derrubar,
queimar o mato para limpar a área, plantar e colher. O fato de não se fazer limpeza da área
para as culturas se desenvolverem é que em áreas de matas o solo não está infestado de
sementes de espécies rasteiras como gramíneas, portanto sem ervas para competir com as
culturas por água e nutrientes. Após o contato com o não índio, as roças estão infestadas
com sementes de espécies introduzidas, principalmente do capim colonião (Panicum
maximum) e brachiária, (Bachiaria brizanta) trazidas pelos ventos, carros, aves, dentre outros
vetores.
Após o contato com o colonizador foram introduzidas espécies vegetais alimentícias
como o arroz (Oryza sativa L.), hortaliças e outras espécies. Um aspecto singular é o caso da
bananeira
41
(Musa sp.) e da cana-de-açúcar (Saccharum officinarum). Estas plantas têm
origem no continente asiático e foram introduzidas no Brasil pelos colonizadores europeus, e
que mesmo antes do contato interétnico específico dos Zoró já eram plantadas por eles.
Conforme relatam, teriam adquiridas das roças plantadas por aqueles indivíduos que se
instalaram no seu território de perambulação
42
há muito tempo atrás.
40
Esse termo é empregado pelos agricultores para diferenciar as mandiocas de mesa e para fabricação de
cozinha. Tecnicamente esse conceito é explicado pelo elevado teor de ácido cianídrico em suas raízes, de grande
efeito tóxico e se consumidas cozidas leva à morte.
41
Embora Moreira (1999) afirma que existem bananeiras no Brasil desde antes do seu descobrimento.
42
Os Zoró contam que iam muito longe de suas moradas em expedições de reconhecimento. As histórias antigas
falam de um homem que chegou até um grande rio, e adentrou nele por vários dias sem que chegasse à outra
margem, e por medo retornou à sua terra.
63
Embora muitos possam supor a baixa produtividade das roças indígenas, no caso dos
Zoró não é tão pequena quanto parece. Em uma estimativa feita durante a pesquisa de campo
para essa dissertação
43
, de uma roça plantada na Aldeia-Escola Estadual Zarup Wej chegou-se
a um número perto de 23 toneladas de alimentos produzidos por hectare, conforme se
descrito a seguir.
Tomando como referência um hectare (10.000 m²) de plantio foi possível chegar ao
resultado apresentado na Tabela 1.
TABELA 1. Estimativa de produção de uma roça Zoró.
ESPÉCIE QUANTO
REPRESENTA
DA ÁREA
ESPAÇAMENTO
Nº DE
COVAS
PÉS
POR
COVA
PRODUÇÃO
TOTAL
Kg
Milho 40% 1,0 x 1,0 m 4.000 4
32.000 espigas* 1.600**
Mandioca 40% 1,0 x 1,0 m 4.000 1 5 kg/pé 20.000
Cará 4% 1,0 x 1,0 m 400 1 6 kg/pé 2.400
Batata 2% 0,5 x 0,5 m 800 1 0,5 kg/cova 400
Algodão 0,5 1,0 x 1,0 m 50 3 1,0 kg/cova 50
Amendoim
2% 0,5 x 0,5 m 800 3 0,2 kg/cova 160
Mãlixia 0,5% 1,0 x 1,0 m 50 1 1,0 kg/cova 50
Banana 3,6% 3,0 x 3,0 m 40 1 10 kg/cacho 800***
PRODUÇÃO TOTAL ESTIMADA 25.460
PERDA ESTIMADA EM 10% 2.546
PRODUÇÃO ESTIMADA 22.914
*
Duas espigas por pé de milho;
** 50 gramas de grãos por espiga;
*** Dois cachos de banana por ano, por cova.
Os dados acima obtidos, embora sejam estimados, não estão distantes da realidade do
que é produzido nas roças indígenas. Meggers (1987, p. 49) ao descrever a produção das
colheitas de roças em terra firme encontrou uma variação de produção entre 600 e 1200 Kg de
milho (Zea mays L.) no primeiro ano de plantio e mandioca (Manihot sp.) em torno de 16
toneladas também no primeiro ano de plantio. Posey (1987, p. 22) afirma que os Yekunas
colhem até 30 toneladas de mandioca por hectare.
Existem dois fatos que podem mascarar a produção das roças Zoró ao observador
pouco atento à dinâmica de consumo de alimentos vegetais plantados: primeiro é que boa
parte da produção (principalmente milho e amendoim em alguns casos) é consumida ainda
verde; o segundo é que o plantio das espécies, conforme a figura 3 esconde o que nela existe,
não saltando aos olhos de imediato o que é produzido.
43
Foi muito importante a contribuição do professor Robson Miguel da Silva diretor da Aldeia-Escola Estadual
Zarup Wej na identificação dos espaçamentos, dados de produção e arranjos de plantio.
64
O sistema de cultivo da roça tradicional ainda predomina entre o povo Zoró, resistindo
ao sistema de roças dos não índios, vizinhos tão próximos de suas terras, que tanto têm
influenciado no sentido de mudança de suas atividades.
Conforme já discutido, mas nada custa repetir de forma mais enfática: o sistema de
produção descrito é eficiente dentro do contexto da cultura. Com a introdução da idéia de
mercado e a tutela do povo pela FUNAI, esse sistema se torna incapaz de atender aos novos
desejos de consumo. Ou seja, é no período do pós-contato com a sociedade nacional
envolvente que o sistema de produção tradicional não irá mais atender as necessidade
emergentes desse episódio na vida dos Zoró, porque a partir de então ele começa a sofrer a
influência das técnicas utilizadas pelos não índios, e bastante incentivadas pelos funcionários
da FUNAI.
Como um modo de vida sustentável se torna insustentável? Para compreender é
preciso reportar às impressões que a sociedade nacional envolvente provocou nesse povo no
ato do contato interétnico. O primeiro fato a fazer os índios admirarem o modo de vida dos
colonizadores foi a “cura” que missionários e funcionários da FUNAI faziam ao aplicar os
remédios contra as doenças a que foram expostos e reduzir a mortalidade. Deste, surge o
segundo fato, pois, aliada à admiração, veio a obediência e a submissão às regras impostas por
esses agentes (funcionários do Estado e missionários). Derivados da submissão surge uma
seqüência de fatos que se tornaram fundamentais na desestruturação do modo de produção
tradicional: plantio de grandes roças comunitárias para produção de alimentos e venda do
excedente, extração do látex e venda de bolas de borracha, venda de madeira e garimpo.
As grandes roças coletivas contrariavam de modo significativo o tipo de agricultura
Zoró. As roças no modelo tradicional estavam baseadas na família e no tamanho reduzido, de
forma que o que se produzia era consumido no espaço de um ano e pouco se trabalhava para
conseguir a produção desejada. Embora não houvesse um sentido de posse da produção e cada
família, se precisasse, poderia colher produtos nas roças dos outros, não se configurava como
uma atividade comunitária e sim familiar. A roça comunitária no modelo dos funcionários da
FUNAI, pela grande produção conseguida implicava numa maior dedicação ao trabalho e
pouco tempo restava para as atividades importantes de caça, pesca, ritual, dentre outras. Foi
um modelo de curta duração (dois anos) e sob a gestão de um funcionário que logo deixou a
área.
A extração do látex da Hevea brasiliensis (seringueira) para comercialização foi uma
atividade que os Zoró desenvolveram por um período de dez anos (de 1980 a 1990) que
garantiu a compra de artigos industriais, a contratação de uma professora para sua primeira
65
escola e uma casa para uso coletivo na cidade de Ji-Paraná. Em virtude dos baixos preços
desse produto no mercado regional e a dificuldade de transporte, os Zoró desanimaram em
continuar com sua extração.
As atividades produtivas impostas tiveram dois objetivos bem claros: tornar os índios
dependentes dos produtos e de inserir-lhes o modo de viver ocidental. Esta prática vem desde
o extinto SPILTN, conforme afirma Ribeiro (1996, p. 231):
Esta interferência na vida tribal tem lugar quando sua economia auto-
suficiente começa a desintegrar-se pela pressão de necessidades
novas que podem ser satisfeitas através do comércio com
civilizados; quando os índios, por força dos novos hábitos de vestir-
se, de comer sal e gorduras, de lavar-se com sabão, de usar armas de
fogo e anzóis, de medicar-se contra moléstias antes desconhecidas
etc., são compelidos a procurar um lugar na economia regional que
lhes permita adquirir aqueles artigos.
A ação de tornar o índio dependente dos produtos produzidos pela sociedade de
consumo foi chamada de “ação civilizatória” (RIBEIRO, 1996) e conforme Lima (1995,
p.182-183):
[...] recobria o conjunto de dispositivos e técnicas que visavam
transformar os povos nativos “capturados” pela malha administrativa
em produtores rurais para sua auto-subsistência, para manutenção da
presença do Serviço e para comercialização de excedentes da
produção agrícola a serem progressivamente obtidos.
A civilização para as tribos arredias encobria um objetivo maior: “limpar” o território
para penetração do capital agropecuário e da mineração, e na idéia do índio como entrave ao
desenvolvimento do país, dizimaram-se muitos povos e culturas no Brasil.
Aliada à idéia da compra e venda vem a de fazê-la sem o menor esforço possível. É
que entram três fatores de ação desastrosa para os povos indígenas da Amazônia em geral: o
madeireiro ilegal, a incipiente fiscalização e a corrupção elevada de funcionários de órgãos
fiscalizadores. Esta é uma tríade que agindo em perfeita sintonia devastou a imensa riqueza
madeireira das Terras Indígenas. É bom acrescentar que não aconteceu à revelia dos
indígenas, estes foram tornados cúmplices. Por que tornados cúmplices? A indústria da
extração madeireira ilegal contou com dois fatores a seu favor: o pouco conhecimento dos
índios nas negociações das madeiras e a confiança que eles depositam nas pessoas. Os Zoró,
no início da extração, tinham pouca noção do valor real das madeiras, recebendo o pouco
pago pelo madeireiro como muito. O outro ponto é que a sua noção de “honestidade” é
culturalmente diferente da do colonizador. O índio em sua cultura não necessita fiscalizar a
66
ação do outro, ou seja, o que é acertado é o que será cumprido, sob pena de perda da
credibilidade. O madeireiro que opera de forma ilegal se beneficia desse princípio de
moralidade Zoró.
Para conseguir subtrair a madeira também foi, e é, utilizado o artifício do benefício de
uns em detrimento dos outros. Isto aconteceu e acontece da seguinte forma: quem tem o poder
de decisão sobre a comunidade? Os indivíduos mais velhos e lideranças. Então a eles se
certos privilégios e quantias em dinheiro para que se possa agir sem maiores incidentes. É
nesse ponto que uma relação justa que a comunidade tinha durante o período em que vivia a
cultura tradicional em toda sua essência é trocada pela relação desigual de bonança para os
líderes e penúria para aqueles sem poder de decisão, no desfrute de uma riqueza que é de
todos. Ressalta-se que essa atuação dos madeireiros nas Terras Indígenas tem sido regra geral
para todos os povos indígenas da Amazônia, inclusive dos Zoró.
Na relação índios madeireiros existem dois aspectos interessantes a serem destacados:
a cumplicidade ou a irresponsabilidade na fiscalização do patrimônio indígena e a impotência
dos funcionários em realizar uma fiscalização eficiente. A cumplicidade se dá de forma
efetiva no recebimento de propinas ou no favorecimento de madeireiro através da ingerência
de alguns políticos regionais. A impotência da fiscalização ocorre ou pela
burocracia
excessiva, ou pelo sucateamento dos órgãos responsáveis. Uma coisa é certa: não há extração
de madeira em Terras Indígenas que ninguém saiba, inclusive os órgãos de fiscalização.
Como também é certa a fraca atuação do Estado na defesa dos povos indígenas, suas terras e
suas riquezas.
No caso dos Zoró, a FUNAI de Ji-Paraná, Estado de Rondônia, que pela distribuição
regional seria responsável pela fiscalização e controle administrativo do território Zoró, não se
tornou cúmplice nos acontecimentos recentes de retirada de madeira, nem nas anteriores, isto
se pode afirmar em virtude da documentação existente de funcionários do órgão denunciando
as irregularidades aos seus superiores. Como exemplo, pode-se consultar a contestação da
FUNAI, através da Procuradoria Federal Especializada ao IBAMA por ter que pagar multa
pela extração ilegal de madeiras na Terra Indígena Zoró (anexo 1).
Aliada à extração de madeira iniciou-se a criação de gado bovino de corte no ano de
1992, como forma de aproveitar uma área de aproximadamente oito mil hectares de pastagens
deixadas pelos colonos invasores. Existem rebanhos da comunidade e de alguns índios que
estão se tornando pequenos fazendeiros. É uma atividade que pela lucratividade obtida até
então, pode até ser considerada sustentável, mas em virtude de práticas errôneas do uso do
fogo nessa área deve chegar em um tempo relativamente curto, a insustentabilidade. As
67
queimadas sem controle, ano após ano, vêm acelerando o processo de empobrecimento do
solo e favorecendo o aparecimento de ervas invasoras que competem com o capim por
nutrientes e água, cujo resultado é uma pastagem de baixa qualidade e um período maior para
engorda do rebanho.
A lucratividade da criação de gado bovino está seriamente ameaçada pela baixa
qualidade das pastagens e pelo manejo inapropriado do rebanho. Para reverter esse fato é
preciso que evitem a queima das pastagens e melhorem as técnicas de manejo como a adição
de sal mineral na alimentação e cuidado com a saúde do rebanho.
Por último, os Zoró se envolveram na extração de diamantes na Reserva Roosevelt dos
índios Cinta-Larga. Foi uma atuação rápida, que a princípio não deu para perceber os efeitos
sobre a vida do povo de uma forma mais contundente.
As conseqüências devastadoras das experiências de atividades econômicas dos Zoró, a
que mais causa estrago é a atividade madeireira. A relativa facilidade de ganhar dinheiro tem
levado alguns índios ao alcoolismo e a freqüentar os prostíbulos das cidades circunvizinhas,
colocando em risco a saúde de suas esposas com a possibilidade de contraírem doenças
sexualmente transmissíveis, inclusive a AIDS.
Não se pretende fazer um juízo de valor sobre a relação dos Zoró com as atividades
econômicas extras, aliás, esta discussão deve ser utilizada, mas de forma legal, com divisão
justa para todos os membros do povo e não predatória. Há indícios de que no início desse ano
de 2008, os índios estão propensos a fazer plano de manejo do que resta de madeira em suas
florestas. É uma decisão louvável que precisa ser apoiada e incentivada.
Afinal, existe uma lição a ser tirada? Com certeza existem várias. Mas cabe somente
ao Povo Zoró, em sua intrincada teia de relações sociais e de alianças poder fazer a opção por
uma delas. Aos de fora, cabe alertá-los, ajudá-los, contribuir para que encontrem soluções
para sua sobrevivência física e cultural.
3.4. Os Zoró e a sustentabilidade
Falar da sustentabilidade para povos indígenas é discorrer sobre algo que lhes é
peculiar. As sociedades indígenas em seu modo tradicional de viver são em sua essência
sustentáveis porque tem:
[...] uma relação de dependência dos recursos naturais para a sua
reprodução física, cultural, econômica e política, são propensas a agir
no limite da capacidade produtiva do meio ambiente. Em função
68
disso, ao longo de milhares de anos, foram aperfeiçoando técnicas
cada vez menos predatórias (LUCIANO, 1996, p.197).
A passagem de um modo de vida sustentável para um modo de vida considerado
insustentável é fruto do contato com a sociedade nacional envolvente. É possível distinguir
três fases de atividades produtivas vividas pelos Zoró após o contato interétnico: 1) fase da
imposição, que marca o início da mudança de suas atividades produtivas (roças comunitárias,
extração do látex), tendo como característica principal a interferência direta da FUNAI na
substituição do modelo de produção tradicional; 2) fase da depredação do patrimônio natural
(venda de madeira), caracterizada pelo assédio dos madeireiros e da inoperância do órgãos
estatais na vigilância do patrimônio indígena; 3) fase da autonomia relativa, onde as
atividades produtivas podem ser consideradas sustentáveis, e tem base na organização da sua
Associação e no trabalho de entidades governamentais e não-governamentais.
A opção por chamar essa terceira fase de autonomia relativa se em função de que
está voltada para produção baseada na cultura tradicional e sem depredar o patrimônio
natural; pouco dependente da compra de insumos industrializados e de caráter “sustentável”.
Tem como inconveniente um retorno financeiro menor que a extração de madeira ou a criação
de gado bovino. As atividades que marcam esse período é a produção de artesanato e a coleta
de castanha do Brasil (Bertolethia excelsa).
O artesanato Zoró utilizado na comercialização vai de peças utilizadas como adornos
àquelas utilitárias como cestos, esteiras, redes, arcos e flechas. No contexto cultural
tradicional são de caráter individual, cuja diferenciação, embora seja do mesmo tipo e mesmo
nome, se pelo acabamento final que cada artesão imprime às suas peças. Os materiais
utilizados na confecção são: penas coloridas, madeira, co inajá (Maximiliana regia),
enviras, pelos de porcão (Tayassu pecari), dentes e ossos de animais, algodão e corante à base
de urucum (Bixa orellana L.) e de genipapo (Genipa americana). Essa atividade é
considerada sustentável porque a matéria-prima é adquirida através da coleta. Os dentes e
ossos de animais utilizados são subprodutos da caça, ou seja, antes de servir como matérias-
primas, fazem parte da dieta alimentar da aldeia, configurando-se como restos animais não
desperdiçados. Com exceção do gavião real (Harpia harpija) e das araras (Ara sp), dos quais
são retiradas as penas para confecção do cocar e o consumo de sua carne sofre restrições,
nenhum outro animal é abatido apenas para fins de confecção de peças artesanais. Sendo,
portanto, uma atividade que não causa impacto aos estoques naturais existentes.
A castanha do Brasil (Bertolethia excelsa) passa a ser coletada para comercialização
pelos Zoró a partir do ano de 2003, como forma de melhorar a renda do povo em substituição
69
à venda de madeira e como complemento daquela proveniente do artesanato. Por ser uma
atividade tradicional dentro deste grupo, o volume de produção e o número de envolvidos é
expressivo. As dificuldades dizem respeito às más condições das estradas na época da coleta e
a flutuação de preços imposta pelos compradores. Geralmente este produto apresenta duas
épocas com preços melhores em função do aumento do consumo: o mês de dezembro até uma
semana antes do natal e na páscoa. Para enfrentar estas dificuldades a APIZ Associação do
Povo Indígena Zoró, está se mobilizando para implantação de uma unidade beneficiadora, o
que irá garantir qualidade e melhores preços, podendo inclusive, estocar a produção para
vendê-la em épocas de escassez do produto no mercado.
O marco inicial dessa nova fase de exploração econômica foi a produção organizada
do artesanato para comercialização pelos Zoró a partir do ano de 1997. Os índios após o
contato, ao virem para as cidades como Ji-Paraná, Cacoal ou Pimenta Bueno, no Estado de
Rondônia, traziam seus artesanatos para serem vendidos aos não-índios, que nem sempre
pagavam um valor justo pelo produto. Ciente desse fato, os funcionários da FUNAI em Ji-
Paraná, especialmente do Setor de Educação na época, convenceram os índios a venderem
seu artesanato produzido para a ARTÍNDIA
44
por um preço mais justo, o que garantiu uma
boa renda para o povo. O volume de produtos comercializados e a quantidade de pessoas
envolvidas no processo indicam a necessidade de ter uma organização própria para incentivar
e comercializar a sua produção.
A Associação do Povo Indígena Zoró APIZ, foi criada no ano de 1995 através da
orientação da FUNAI no sentido da captação de recursos para manutenção de atividades
produtivas e das próprias necessidades básicas do povo. Porém, ela não conseguiu cumprir o
seu objetivo nos dois primeiros anos após a sua criação porque a preocupação maior da
liderança da época era a venda de madeira, cuja distribuição dos lucros obtidos nem sempre
agradava a todos. O resultado satisfatório da venda do artesanato e a percepção de que todos
poderiam ganhar dinheiro de acordo com o esforço individual, fez com que várias lideranças
tradicionais que estavam isoladas dos processos decisórios do povo se reunissem para
destituir a liderança instituída (o que chamam de cacique geral) e criassem uma direção
provisória para a associação.
A partir de então, a Associação Zoró, também chamada de Pangyjj, começa a cumprir
com o seu objetivo: “promover a produção indígena”, bem como com a sua finalidade que é
“buscar o desenvolvimento humano e social, resgatar, revitalizar a cultura indígena tradicional
44
Departamento de Artesanato Indígena da FUNAI.
70
como a arte, o artesanato e demais manifestações culturais e o meio ambiente” (ESTATUTO
DA APIZ, 1995).
O primeiro projeto que a APIZ conseguiu executar foi o de sistema agroflorestais com
frutíferas e essências florestais madeireiras, contratado junto ao PLANAFLORO – Plano
Agropecuário e Florestal de Rondônia, que incluía também, a gravação de um CD-ROM para
registro dos produtos artesanais produzidos pelos Zoró. O segundo projeto da associação,
contratado junto à NORAD Agência Norueguesa de Cooperação para o Desenvolvimento,
talvez seja o mais importante para sua consolidação, por tratar do seu fortalecimento
institucional, organizando os índios dentro do princípio associativo e da contratação de uma
assessoria financeira para cuidar da contabilidade. E dessa forma, vários projetos foram e
continuam sendo executados. Tendo hoje o da coleta da castanha do Brasil (Bertolethia
excelsa) como sendo o de maior expressão econômica e do número de famílias envolvidas,
cuja produção no ano de 2005 chegou a 100 toneladas. Mesmo com a volta da venda de
madeira neste mesmo ano, os índios continuaram com a atividade de coleta.
A revitalização da APIZ foi de suma importância para o desenvolvimento das
atividades sustentáveis dos Zoró, porém ela é decorrência do processo de educação escolar
que estava sendo desenvolvido nas aldeias. No ano de 1991, o setor de educação da FUNAI
juntamente com o IAMÁ, iniciaram um trabalho de formação continuada de professores
indígenas, cuja organização dos conteúdos voltava-se para o contexto de sua cultura. Dessa
forma, a preparação dos professores estava voltada para o trabalho com os alunos em sala de
aula, bem como orientá-los para pesquisar e registrar as histórias, mitos e outros aspectos da
cultura.
O trabalho de pesquisa da cultura pelos professores teve uma repercussão importante
dentro da comunidade porque a partir de então se voltava a falar de assuntos que estavam
esquecidos ou proibidos pelos missionários da Novas Tribos, que os mais jovens nem
conheciam. A catequização incutiu nos índios a idéia de que as práticas culturais tradicionais
e religiosas eram “pecaminosas” e “demoníacas”, devendo ser abandonadas para chegar a
“salvação” eterna. O resultado foi o abandono de aspectos vitais da cultura tradicional em
detrimento da cultura dos missionários. A proposta do setor de educação da FUNAI e do
IAMÁ ia na contra-mão. Ou seja, para que o povo continuasse forte na luta pelos seus
interesses era de suma importância o retorno à cultura tradicional. Dessa forma, seguiu o
embate, chegando ao momento em que algumas das lideranças confusas com os
acontecimentos, perguntaram: quem está certo, a cultura tradicional que a escola busca
revigorar ou a religião dos missionários que condena a nossa cultura? .
71
A resposta a dúvida das lideranças foi dada pela ação da FUNAI. Porque na mesma
época em que ela incentivava uma educação escolar diferenciada, que levava os professores e
alunos pesquisarem junto aos anciãos os mitos, histórias e rituais, estava fomentando a
compra do artesanato através da ARTÍNDIA. A implementação dessas duas atividades teve
um resultado bastante positivo para que os Zoró pudessem optar pela sua cultura tradicional,
pois a escola espalhava a idéia da importância da cultura tradicional e a confecção do
artesanato por não ser uma atividade mecânica, carrega no seu fazer, história e significados
que são rememorados, também reforçava a importância da cultura. Dessa forma, educação e
atividade econômica influenciaram significativamente o modo atual de viver do povo.
A consolidação das intenções da educação escolar para o retorno das práticas culturais
tradicionais se deu no ano de 1997, quando a FUNAI definiu que os Zoró seriam
homenageados no Moitará”
45
do ano de 1998. A preparação para esse evento demandou o
empenho de toda a comunidade, cuja atividade primeira seria a realização de um ritual, que no
caso, o escolhido foi o do “gujanej”, por ter uma importância muito grande para o povo. Este
fato marcou o retorno dos Zoró às práticas culturais tradicionais, bem como o afastamento da
religião imposta pelos missionários da Novas Tribos do Brasil. Foi a realização do moitará
que abriu espaço para participação da APIZ em vários eventos no país mostrando a cultura
Zoró e oportunizando a comercialização de seus produtos artesanais.
45
Moitará significa troca. É uma atividade realizada pela FUNAI em Brasília, onde cada ano uma etnia expõe
sua arte.
72
CAPÍTULO IV – A CONQUISTA DA ESCOLA ZORÓ
4.1. Educação
O conceito de educação é apresentado de forma contraditória pelas diferentes
tendências do pensamento sociológico e educacional, influenciado pelas concepções de
sociedade que defendem. Destarte, o que se quer não é encontrar um conceito acabado sobre
educação, nem também discutir sobre as diferentes tendências do pensamento pedagógico,
mas, apresentar algumas concepções úteis à sua compreensão.
Tomando como base o conceito sociológico proposto por Durkheim (1987, p. 42),
para quem:
A educação é a ão exercida pelas gerações adultas sobre as
gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social;
tem por objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo número de
estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade
política no seu conjunto e pelo meio especial a que a criança,
particularmente, se destine.
Pode-se afirmar que se ensinam aos jovens as experiências acumuladas para assegurar
a continuidade de suas práticas e dessa forma, é a educação “[...] que garante as condições de
coesão, de renovação e da própria sobrevivência da sociedade” (TOSCANO, 1986, p. 13).
Opondo-se à Durkheim, existe a concepção de Karl Marx que embora não tendo
desenvolvido uma teoria sociológica da educação permitiu, através da sua crítica à
sociedade capitalista emergente época em que escreveu sua obra), elaborar uma concepção
diferenciada sobre educação, e que influenciou de forma significativa o discurso das
diferentes correntes pedagógicas. Marx, em sua obra escrita com Friedrich Engels, a Ideologia
Alemã, fez uma reflexão englobando a educação nas idéias em geral, por entender que educar
implica difundir determinadas idéias. Nesse sentido ele afirma:
Os pensamentos da classe dominante são também, em todas as
épocas, os pensamentos dominantes [...] A classe que dispõe dos
meios de produção material dispõe também dos meios de produção
intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles aos quais são
negados os meios de produção intelectual está submetido também à
classe dominante (MARX e ENGELS, 1998, p. 48).
Libâneo (2002, p. 33) apresenta um conceito de educação amplo entendendo-a como:
“[...] o conjunto de ações, processos, influências, estruturas, que intervêm no desenvolvimento
73
humano de indivíduos e grupos na sua relação ativa com o meio natural e social, num
determinado contexto de relações entre grupos e classes sociais”.
Analisando esses conceitos, percebe-se a idéia de função como evidência. Para
Durkheim a educação tem a função de reproduzir a sociedade como ela está; para Marx e
Engels ela reproduz as idéias da classe dominante; Libâneo apresenta a educação no âmbito
das ações humanas construídas socialmente. Divergências à parte, o ponto comum situa-se no
fato de a educação ser um ato dedicado e exclusivo aos seres humanos, ou seja, “[...] a
Educação é necessária para que o Ser Homem seja constituído” (RODRIGUES, 2001, p. 240).
Nesse sentido, para melhor compreensão das diferentes formas de educação, é
necessário deixar claro alguns conceitos necessários no âmbito dessa dissertação, que são:
educação indígena e educação escolar indígena. Não existe sociedade humana sem educação,
porque ela “[...] se mistura com toda a vida social” (KRUPPA, 1994, p. 22). O que existem
são diferentes formas de educação. Assim, as sociedades modernas creditam à instituição
escola o exercício da formação dos indivíduos; nas sociedades indígenas essa tarefa cabe à
família e a comunidade.
Tomando por empréstimo de Grupioni (2000, p. 274) os dois conceitos, a educação
indígena pode ser definida como:
[...] processo e práticas tradicionais de socialização e transmissão de
conhecimentos próprios a cada sociedade indígena. Abarca os
processos pelos quais uma sociedade internaliza em seus membros
um modo próprio e específico de ser, que garante sua sobrevivência e
reprodução, ao longo de gerações, possibilitando que valores e
atitudes considerados fundamentais sejam transmitidos e perpetuados.
A educação escolar é:
[...] o conjunto de práticas e intervenções que decorrem da situação
de inserção dos povos indígenas na sociedade nacional, envolvendo
agentes, conhecimento e instituições, até então estranhos à vida
indígena, voltados à introdução da escola e do letramento
(GRUPIONI, 2000, p. 274).
A educação escolar para os índios é fruto do contato destes com o europeu. É um
modelo exógeno às sociedades indígenas da América, implantado como forma de “[...]
atender a interesses colonialistas: a invasão e a posse da terra, a “domesticação” dos índios
para o trabalho escravo etc” (PAULA, 1999, p. 78). Conforme Camargo e Albuquerque
(2003, p 344):
A educação escolar indígena teve início desde os primeiros
momentos da colonização e surgiu da necessidade do contato dos
colonizadores com as sociedades indígenas, com expressiva
74
tendência de dominação. Somente no século XIX, com o
aparecimento de uma nova ciência, a antropologia, cuja preocupação
principal é a diferença cultural, é que um novo momento começa a se
desenhar nas relações do Estado com as nações indígenas[...]
De acordo com Ferreira (2001, p. 72) a educação escolar indígena está dividida em
quatro fases: a época do Brasil Colônia, a criação do SPILTN até a política de educação da
FUNAI e a articulação com o SIL, a formação do movimento indígena em fins da década de
60 e nos anos 70, e a partir da década de 80 quando os índios decidem definir e auto-gerir os
processos de educação formal.
A educação escolar de um modo particular tornou-se uma necessidade das sociedades
indígenas e “[...] tem sido assumida progressivamente pelos índios em seu movimento pela
autodeterminação” (BRASIL, 1998, p. 24). As organizações indígenas em vez de rechaçá-las
lutam para que elas venham a defender os seus interesses e não seja apenas um elemento de
civilização e de negação de suas culturas.
4.2. Ação pedagógica Zoró
A educação tradicional Zoró está diretamente relacionada à família e a prática social, é
uma educação para a vida. Através da participação na vida diária da comunidade, nas festas e
rituais celebrados, a criança assimila os conhecimentos historicamente construídos. A sua
ação pedagógica tem como base “[...] três círculos relacionados entre si: a língua, a economia
e o parentesco” (MELIÁ, 1999, p. 13).
Para compreender os meandros dessa educação, ou seja, a educação indígena, se
necessário, de acordo com Schaden (1974, p. 8): “[...] conhecer a fundo o sistema
sociocultural a que ele corresponde”. Tendo em vista a complexidade da cultura e a forma
com que cada um interpreta os fatos, para aventurar-se no universo do ensino e da
aprendizagem exige, além do empenho do pesquisador, uma visão panorâmica da cultura,
bem como conhecer como as pessoas se comportam dentro dessa mesma cultura, vai de
encontro com a metáfora do autor acima citado.
A opção dessa dissertação em utilizar como porta de entrada no universo da educação
Zoró é a ação pedagógica tradicional, entendendo-a como: “[...] uma ação humana interativa,
social, dialética, reflexiva, intencional e sistemática que tem como ponto de partida a ação
educativa e cuja finalidade central é a própria formação humana” (BALBINOT, 2006, p. 42).
75
Entendida a ação pedagógica como ação humana de caráter intencional, percebe-se
que a educação Zoró se processa por fases, ou seja, o ensino de certos aspectos culturais está
intimamente relacionado às fases da vida dos indivíduos. Como em toda sociedade, do nascer
até à velhice, os Zoró distinguem sete fases na vida do homem e seis para as mulheres que
serão apresentadas separadamente. O Quadro 5 abaixo mostra como estão divididas estas
fases e a idade aproximada
46
para o sexo masculino.
QUADRO 5. Fases da vida do homem Zoró.
FASES DA VIDA DO HOMEM
IDADE APROXIMADA
Bup 0 – 1 ano
Bup xixin (criança) de 1até 4 anos
Buwej de 5 até 7 anos
Wujirit de 8 até 12 anos
Wujit (jovem) jovem até 18 anos
Wuj (homem) dos 20 – 25 até 55 – 60 anos de idade
Pandet (velho) A partir de 55 – 60 anos de idade
As expectativas sociais em termos de comprometimento com o grupo recaem sobre os
indivíduos masculinos em função da fase de vida em que se encontram. Do bup xixin pouco
se espera, a não ser brincar. A criança quando entra na fase de wujirit começa a desempenhar
pequenas atividades como dar algum recado ou pescar alguns peixes; essa fase representa de
forma bem visível o aprendizado das habilidades relativas ao homem. A partir do momento
em que é considerado wujit, se espera que ele apresente resposta para a família e para a
comunidade desenvolvendo tarefas relativas a produção de alimentos, caça e pesca. Nessa
fase de vida as tarefas são iguais às do homem formado: wuj, porém, em relação à tomada
de decisões para a coletividade, não influenciam com opiniões.
A fase de vida relacionada à de wujit apresenta como característica principal a da
intensificação da aprendizagem. É nessa idade que o treinamento para guerreiro é mais forte,
é quando sai para caçada e pescarias em áreas distantes da aldeia, quando os pais sentem
orgulho de ter o filho como companheiro. É a fase que antecede a idade adulta e
consequentemente a sua inserção no poder de influenciar nas decisões da comunidade. Na
época das guerras tribais ele podia ir para luta como observador aprendiz mas geralmente
não matava o inimigo.
O homem Zoró quando chega à fase de wuj (contado em anos, equivaleria a mais ou
menos vinte anos de idade) é senhor de si. Antes do contato, a passagem para essa fase se
dava a partir do momento em que ele matasse a primeira pessoa, momento ímpar na vida do
46
Antes do contato as fases da vida não faziam referência à idade. Essa categoria passa a existir após o
contato com o branco.
76
guerreiro, cercado de todo um ritual em torno da escolha do momento adequado e da
abstinência alimentar e sexual. Ao chegar à fase de pandet adquiriu todo o respeito da
comunidade, passando agora, dependendo de suas habilidades, a ensinar a cultura aos mais
novos.
O Quadro 6 a seguir mostra como estão divididas as fases da vida de uma mulher
Zoró, salientando mais uma vez, que apresenta uma fase de vida a menos em relação aos
homens.
QUADRO 6. Fases da vida da mulher Zoró.
FASES DA VIDA DA MULHER
IDADE APROXIMADA
Bup 0 – 1 ano
Bup xixin (criança) de 1 até 4 anos
Wanzeririt de 5 até 9 anos
Wanzerit após a primeira menstruação
Wanzet (mulher) a partir dos 20 – 25 anos de idade
Pandet (velha) a partir de 55 – 60 anos de idade
A entrada da mulher na fase adulta se dá mais cedo que os homens. É possível que esta
diferença seja em função da expectativa que o povo tem para os dois sexos. As atitudes
responsáveis são desenvolvidas muito mais cedo nelas que entre os homens, ou seja, as
meninas são requisitadas para o trabalho (que no caso é o doméstico) após a primeira
menstruação, quando ela começa a aprender com a mãe as atividades que terá de desempenhar
a partir de então. A wanzerit é caracterizada pela aprendizagem e pelo retorno em trabalho
para a família e comunidade, época também em que há uma maior aproximação com a mãe.
O conhecimento dessas fases de vida é importante para compreender como se o
ensino e a aprendizagem da cultura tradicional, porque a educação Zoró tem como objetivo
primeiro a conservação de suas tradições.
Essa conservação pode ser melhor compreendida através do conceito de Fernandes
(1987, p. 178):
A tradição não é sagrada; ela aparece como um saber puro, capaz
de orientar as ações e as decisões dos homens, quaisquer que sejam as
circunstâncias que eles enfrentem, isto é, quer elas reproduzam o
contexto de experiências dos ancestrais, quer elas mantenham com
ele uma analogia meramente parcial ou remota.
Uma característica marcante no ensino da cultura Zoró em sua ação pedagógica
tradicional se de forma contínua, estratificada e eficiente. Tomando como outro exemplo
a linguagem que é um dos elementos da cultura a aprendizagem é contínua porque o
vocabulário vai sendo formado com o passar do tempo. Os anciãos, registros vivos da língua,
vão ensinando a partir do momento em que os indivíduos vão sendo incorporados ao grupo
77
dos adultos. Às vezes, um diálogo entre pandet k
j (velhinhos) pode não ser compreendido
pelos jovens, em função do nível de refinamento da linguagem e da pouca convivência com
os mais velhos. Estratificada porque existem palavras que são proibidas aos jovens pronunciá-
las exemplo, àquelas relacionadas à sexualidade. Eficiente, pelo fato de todos adquirirem as
habilidades necessárias a sua vida no seio da coletividade, não existindo exclusão social
conforme conhecida em nossa sociedade; quando existe, ela se dá de forma diferente.
A exclusão é em sua essência uma forma de sanção social. Ela pode se dar de duas
formas distintas: como punição individual e como punição a toda a família. Como exemplo da
primeira, um indivíduo pode não encontrar moças para se casar dentro do povo Zoró. Isso
pode acontecer em função da capacidade individual estar aquém do desejável para um bom
marido. Quando o indivíduo se destacava dos demais, como nos tempos bem antes do contato
interétnico, os guerreiros possuidores de qualidades superiores tinham a prerrogativa de
possuir mais de uma mulher, como prêmio aos seus serviços para a aldeia. A exclusão de
famílias se pela perda da credibilidade de seus membros, e são decorrentes do fato da
comunidade acreditar que faltou uma educação ideal, sendo, portanto, uma falha dos pais, e
por isso, perdem respeito dentro das relações de poder.
A idéia de eficiência pode levar a pensar que todos apresentam o mesmo nível de
habilidade na execução das tarefas. É claro que existem indivíduos diferenciados perante os
demais no desempenho das atividades conforme descrito sobre os atributos de um líder
Zoró porém, são frutos das relações sociais estabelecidas. Portanto, o esmero dos pais na
formação dos filhos é uma conseqüência direta da expectativa da comunidade sobre esses
indivíduos, ou seja, o filho precisa honrar o nome do pai sendo capaz de fazer tudo que ele
faz, de forma igual ou melhor.
A expectativa da comunidade sobre os indivíduos recai principalmente sobre o
histórico das famílias as quais pertencem. O filho de um grande guerreiro precisa ser um
grande guerreiro. Como exemplo, no período anterior ao contato a liderança estava baseada na
hereditariedade, contudo os indivíduos precisavam demonstrar que eram merecedores desse
privilégio, sendo capazes de repetir os grandes feitos de seus antepassados, caso contrário,
não adquiriam bastante respeito para tornarem-se fortes dentro da comunidade e
influenciarem nas decisões.
Existem alguns aspectos que são fundamentais para eficiência do ensino da cultura aos
mais jovens: a solidariedade, a repetição e a necessidade. A solidariedade na formação do
indivíduo Zoró manifesta-se através da ajuda no ensinamento das tarefas. Todo adulto ensina
às crianças no dia-a-dia. Embora esta função seja da família, a comunidade também tem
78
importância fundamental, orientando e dividindo tarefas dentro da aldeia. Ensina-se que as
necessidades individuais devem ser satisfeitas, mas também existem aquelas coletivas que
merecem igual tratamento. Ou seja, o individual não existe se não existir o coletivo. A
repetição é a forma de alcançar a perfeição da tarefa executada. Não existe um tempo
prescrito, ou a necessidade de um tempo exigido para que um indivíduo aprenda determinada
atividade, por isso é permitido repetir o quanto for possível.
O outro aspecto na eficiência do
ensino é a necessidade, pois no ambiente em que vive cada indivíduo deve saber o suficiente
para retirar da natureza o alimento necessário para sua sobrevivência e do grupo, conhecer os
locais ideais para o plantio, as técnicas de caça e de pesca, e num passado não muito longe
saber defender-se e atacar seus inimigos. Dessa forma, pode-se afirmar que os Zoró ensinam
(e também aprendem) bem aquilo que usam. Somada aos fatores acima descritos, a eficiência
do ensino (e aprendizagem) do povo Zoró está na forma com que se ensina e se aprende. A
ausência de uma cobrança desmesurada por resultados e o ambiente de liberdade em que o
aprendiz está inserido facilita aos indivíduos construírem seus conhecimentos.
A aprendizagem é creditada ao indivíduo: uma vontade própria que o impulsiona a
dominar as cnicas e o conhecimento tradicional, e por isso surgem os narradores
respeitados, os indivíduos que fazem a melhor flecha, as melhores cozinheiras, entre outros. O
não aprender é definido como “pekakyj man p”, que traduzido para o português quer dizer:
não gosta de aprender ou não aprende porque não quer.
A gênese da ação pedagógica cotidiana ou ritualística é a vida em sociedade, que
orientada pelo mito
47
, constrói a teia de relações sociais. É a crença nele que os valores
morais, os tipos de comportamento, as regras de convivência social, dentre outros aspectos
encontram fundamentação. Conforme Bierlen (2003, p. 20) em uma de suas afirmações gerais
sobre o mito diz que: “[...] é um ingrediente essencial em todos os códigos de conduta moral
[...] capacita indivíduos e sociedades a se adaptarem aos respectivos ambientes com dignidade
e valor”. A importância do mito nas ações das pessoas é percebida nos ensinamentos que cada
um deixa. Nesse contexto, Silva (1995, p. 327) apresenta o mito como “[...] um lugar para
reflexão”. É nele que estão gravados os mais variados aspectos da cultura, da vida em
sociedade e da história de um povo. À frente, a autora acrescenta:
Como se constroem com imagens familiares, signos com os quais se
entre em contato no dia-a-dia, os mitos têm muitas camadas de
significação e, no contexto em que tem vigência, são repetidamente
apresentados ao logo da vida dos indivíduos que, a medida que
amadurecem social e intelectualmente, vão descobrindo novos e
47
Embora os rituais expressem de forma mais visível o caráter mitológico, o cotidiano também é marcado por
atividades executadas de forma ritual e orientado pelos mitos.
79
insuspeitos significados nas mesmas histórias de sempre, por debaixo
das camadas conhecidas e já compreendidas. É assim que as
sociedades indígenas conseguem apresentar conhecimentos, reflexões
e verdades essenciais em uma linguagem que é acessível às
crianças que, deste modo, muito cedo, entram em contato com
questões cuja complexidade irão aos poucos descobrindo e
compreendendo (SILVA, 1995, p. 327).
A ação pedagógica se efetivamente através de atividades cotidianas e ritualísticas.
As atividades cotidianas se manifestam no fazer diário, o aqui e o agora, a expressão visível e
objetiva do povo. As atividades ritualísticas marcam um fato simbólico importante, que tem
sua origem no mito. Expressa os aspectos subjetivos e sustenta “[...] sua alteridade
48
gras a
estratégias próprias” (MELIÁ, 1999, p. 12).
Lacerda (2002, p. 61) ao falar sobre a transmissão de conhecimentos entre os Pangyjj
– que deve ser entendida como ação pedagógica – diz que se dá da seguinte forma:
[...] no dia a dia, no trabalho, nas histórias contadas, nos conselhos
dados, na produção dos materiais de uso, nos rituais. Os mais velhos
passam para os mais jovens, os pais para os filhos a sua sabedoria. Os
“conselhos” são dados de madrugada, segundo a tradição. Quando os
meninos estão, com mais ou menos cinco anos são levados para a
roça, a caça e a pescaria com os pais. Todas as crianças, no colo, são
levadas para colheita. As meninas, na mesma idade dos meninos,
começam a carregar as coisas, lavar as panelas.
Para melhor compreensão da ão pedagógica, foi feita uma divisão didática dos seus
aspectos mais particulares, que no todo, visa à formação do indivíduo Zoró e reafirma a sua
identidade cultural perante as demais etnias. O esquema proposto fica assim expresso:
a) Ação pedagógica cotidiana.
b) Ação pedagógica ritualística:
b1) Aratigi maj pane (contar histórias);
b2) Pamaté (conselhos);
b3) Preparação do guerreiro;
b4) Rituais de passagem:
b4.1) Masculino Zuj birej kaj pamaw;
b4.2) Feminino: apuxut ou angujo.
b.5) Rituais religiosos.
a) Ação Pedagógica Cotidiana
48
Alteridade é aqui entendida conforme o próprio Meliá (1999 p. 12): “[...] a liberdade de ser ele próprio”,
diante do outro.
80
Inicialmente é preciso considerar dois aspectos sobre o cotidiano: “A vida cotidiana
apresenta-se como uma realidade interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de
sentido para eles na medida em que forma um mundo coerente” (BERGER e LUCKMANN,
2004, p. 35). O indivíduo precisa de habilidades nas atividades diárias comuns a todos os
outros membros da sociedade para trabalhar, ser esposo, pai, guerreiro, dentre outras. Embora
essas atividades apresentem um caráter objetivo, elas contêm em si uma subjetividade
inerente a cada uma delas. A objetividade do dia-a-dia que é carregada de subjetividade
precisa ser ensinada e consequentemente, aprendida. O outro aspecto, que é complementar ao
primeiro e é aqui empregado como forma de melhor compreender a teia da intrincada
cotidianidade compreende que: “[...] as maneiras de fazer quotidianas o tão significantes
quanto os resultados das práticas quotidianas” (PAIS, 2003, p. 30). De posse do conhecimento
desses dois aspectos da cotidianidade pode-se discorrer sobre a ação pedagógica do fazer
diário.
O que se entende por ação pedagógica cotidiana? Para responder a esta pergunta,
primeiro se deve responder a que segue: o que se aprende no dia-a-dia? Por mais que se ache
monótono e repetitivo, o passar dos dias ensina as habilidades ou torna as pessoas hábeis
das atividades necessárias que se repetem dia após dia. Por exemplo: a caçada. Para suprir o
grupo familiar de carne, o homem adentra a mata quase todos os dias. Para tanto ele precisa
aprender com os caçadores mais experientes e com a observação da natureza para que sua
tarefa obrigatória não se torne muito cansativa ou impossível de ser realizada, isto é, ele deve
aprender a realizá-la da forma mais eficiente possível. Assim se com as outras atividades
diárias. Dito isso, a ação pedagógica cotidiana pode ser definida como aquela necessária para
realização das tarefas diárias de forma eficiente.
Quais são as ações pedagógicas cotidianas? São todas aquelas ações em que os
indivíduos utilizam conhecimentos aprendidos para repassar a outros, e que tem uma
repetição freqüente, necessárias à manutenção da vida do povo. A mulher que cozinha e
ensina a sua filha está repassando um conhecimento construído sobre um determinado tipo de
alimento que o grupo convencionou como adequado para o consumo, em função do sabor,
textura, ou mesmo de origem mítica, e que tem uma importância para o povo.
Outra ação pedagógica importante que se desenvolve no cotidiano são as brincadeiras
das crianças. Bruner (1986) aponta como funções fundamentais da brincadeira: redução das
conseqüências relativas aos erros e fracassos, permite a exploração e a fantasia, faz uma
imitação idealizada da vida, transforma o mundo segundo nossos desejos e diverte. Dentro
desse contexto, o ato de brincar permite o ensinamento da cultura através de atividades
81
aparentemente descompromissadas e livres da rigidez de certos rituais. Em relação ao
brinquedo, Silva et ali (2005, p. 80)
enfatizam que:
O brinquedo pode ser colocado como algo indissociável da realidade
social em que está inserido, conforme se observa na sua história
cultural. A sua função está intimamente ligada ao valor simbólico que
lhe é conferido pela criança na brincadeira, que é uma associação
entre a ação e a ficção, possibilitando a representação do mundo
através dos objetos.
Como a ação pedagógica cotidiana é desenvolvida pelos indivíduos? Primeiro deve-se
levar em consideração que é uma ação do grupo, de conhecimento não restrito a poucos como
nos rituais quando o wawã determina os passos a serem seguidos portanto, relativa ao
ensinamento do conhecimento que poderia ser considerado como do senso comum
49
.
Segundo, que é desenvolvida em todos os ambientes em que se observe, ensine e aprenda.
A construção do conhecimento na vida cotidiana através da imitação e da repetição
permite a criação e a recriação desse conhecimento que está sendo construído, não é como se
pode supor uma atividade monótona e penosa. A alegria característica dos homens e mulheres
Zoró faz a diferença, permitindo um espaço de aprendizagem acolhedor e aberto à
criatividade. Desta forma, como afirma Pais (2003, p. 78): “[...] o cotidiano não é apenas o
espaço de realização de atividades repetitivas: é também um lugar de inovação”.
b) Ação Pedagógica Ritualística
Os rituais fazem parte de todos os povos. “Não se tem notícia de povo algum que
desconheça os rituais em sua vida cotidiana. Nenhum povo desconheceu até hoje essas
práticas simbólicas, ricas em coreografia e cheias de sentido stico e sagrado” (MELLO,
2007, p. 408). Oliveira (2006, p. 14) dá o seguinte conceito de ritual:
[...] uma encenação dramática de uma mensagem, ou seja, eles
sempre querem dizer algo a mais, veiculam algo significativo para o
grupo, representam de maneira simbólica um pensamento, um
sentimento, ou mesmo um contrato social.
É importante frisar que embora os rituais estejam na vida cotidiana, é possível
perceber a sua delimitação nas relações dentro da comunidade, e diferenciá-lo da
cotidianidade, pois estes se apresentam com certa formalidade que as atividades cotidianas
não requerem. Pode-se afirmar que a cotidianidade é informal e o ritual é a expressão da
formalidade. Dessa forma, contar uma história numa conversa informal caracteriza-se mais
49
A indefinição, ou o “poderia” aqui utilizado para se referir ao senso comum deriva do fato de que se
comparado à sociedade tecnológica o termo cabe perfeitamente por está relacionado a um conhecimento não
científico, mas em se tratando de um grupo tradicional, é inconveniente ser usado de forma categórica, porque o
conhecimento, mesmo o do cotidiano, passou por um elaborado processo de construção histórica.
82
com informação ou uma forma de manter as relações de amizades sempre vívidas. Quando
um determinado indivíduo de prestígio reconhecido no grupo que sempre conta as histórias do
povo em um horário aceito culturalmente como ideal para aprendizagem (à noite ou na
madrugada), em um ambiente propício (no caso a maloca) e um público ouvinte ávido a
aprendê-las para depois repassar aos seus, caracteriza-se como ritual.
Os rituais como ação pedagógica decorrem do fato de que:
[...] transmitem e ensinam formas sociais de comportamento,
veiculam conhecimento, preservam e comunicam tradições,
preferências morais e estéticas, ensinam que atitudes devemos ter
diante e durante a vida e que são esperadas pelo grupo do qual
participamos –, comunicam valores e crenças tidos como preciosos,
apontam para o que se pode esperar e como devemos agir, oferecem
exemplos de atuações relevantes e meritórias – também daquelas
consideradas indesejáveis e perigosas –, estimulam, motivam e
induzem adesões e formas comportamentais por um tempo mais ou
menos extenso (VILHENA, 2005, pp. 29-31).
A ação pedagógica ritualística tem a função de marcar o indivíduo para a comunidade
de acordo com os trejeitos próprios de sua cultura. E dessa forma “[...] as crianças, ao
participarem de rituais, vão naturalmente tomando conhecimento dos padrões
comportamentais característicos de sua gente, de seu tempo e lugar” (OLIVEIRA, 2006, p.
46).
No caso específico dos Zoró, a ação pedagógica ritualística se baseia em cinco rituais,
que em si são agregados outros rituais menores: aratigi maj pane (contar histórias), pamaté
(conselhos), formação do guerreiro, rituais de passagem e os rituais religiosos.
b1) Aratigi maj pane (contar histórias)
Contar histórias antigas não é para qualquer indivíduo. Não basta conhecê-las, é
preciso saber contá-las. E essa habilidade poucos a possuem. Um contador precisa ser
reconhecido pelo grupo como um bom contador. Entre os Zoró, nos tempos atuais quando se
pergunta quem sabe contar história, eles mencionam não mais que quatro. Daí vem a dúvida:
mas será que ninguém mais sabe contar as histórias do povo? No convívio com eles percebe-
se que não é bem assim. Todos sabem contar as histórias. Todos os pais sabem contá-las para
os filhos. Então por que a insistência em afirmar que são poucos os contadores de história? O
que se constatou durante a pesquisa de campo é que a história contada pelo ancião difere da
forma que uma pessoa jovem conta. O ancião narra sem titubeios, o jovem precisa parar,
voltar atrás, perguntar aos outros. Este fato sugere duas respostas: uma é que o ancião de tanto
ouvir a mesma história é capaz de repeti-la fielmente sem esquecer detalhes; a outra é que o
83
ancião tem a autoridade reconhecida para recriar a história que conta, sem, contudo, mudar a
sua estrutura.
Cohn (2001, p. 38) ao referir-se às idéias de Barth sobre as poucas pessoas
responsáveis pela realização dos rituais de iniciação entre os habitantes das Montanhas Ok da
Nova Guiné diz que: “[...] trata-se de indivíduos que têm autoridade para fazer modificações
no seio da tradição a cada nova realização do ritual [...] cada ritual é feito a partir das
rememorações dos anteriores por esses indivíduos”. Está uma possível explicação para a
diferença entre o contar história pelo ancião e pelo jovem, lembrando que essas são
conjecturas levantadas para explicar o fato, por isso precisam de uma pesquisa mais
específica.
O horário propício é à noite ou madrugada, quando todos estão deitados. De sua rede,
o contador de história faz-se ouvir por todos, porém sem discorrer na forma de monólogo. Os
anciãos também presentes interferem com suas contribuições relembrando, comentando os
fatos, sem desautorizar aquele que iniciou – tornando o contar de histórias um ato literalmente
coletivo.
O conteúdo das histórias versa sobre as narrativas míticas, os grandes guerreiros e os
momentos vividos por seus antepassados ou pelo depoimento vivo daqueles que vivenciaram
os acontecimentos marcantes na trajetória do povo. Os mitos geralmente vêm acompanhados
de melodias que são cantadas no dia-a-dia.
Ritualizado, o contar história se caracteriza como um importante instrumento
pedagógico de ensino da história do povo, de sua cosmologia, de seu modo de viver, como
também incita os jovens a tomarem os contadores de história como exemplos de sabedoria
portanto desejada e na idade adulta continuar como os verdadeiros guardiões da cultura. Por
fim, pode-se acrescentar o que Silva et ali (2005, p. 83) afirmam:
O relato oral está, pois, na
base da obtenção de toda sorte de informações e antecede a outras técnicas de obtenção e
conservação do saber. Através dos culos ele constituisempre a maior fonte humana de
conservação e difusão do saber”.
b2) Pamaté (conselhos)
De acordo com o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, aconselhar é: “procurar
convencer da necessidade, ou conveniência de; procurar induzir, persuadir” (FERREIRA,
1986, p. 35). Os Zoró utilizam essa prática como forma de resolver os conflitos surgidos, bem
como na prevenção de conflitos futuros. Incluir o aconselhamento como uma ação pedagógica
ritual parece ser um pouco vago, porque ele faz parte do dia-a-dia das pessoas que vivem em
84
grupos. Porém no caso do povo em estudo ele se configura de maneira diferente pela
especificidade com que é praticado.
O aconselhamento exige um ritual próprio, um momento e local adequados, e uma
pessoa investida de respeito para mediação. “Mediação, em termos genéricos, é o processo de
intervenção de um elemento intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser direta
e passa a ser mediada” (OLIVEIRA, 1997, p. 26). O zawi-ai quando pela madrugada
aconselha um jovem casal em contenda, ou quando o wãwã entra em transe durante um ritual
de cura e viaja até o mundo espiritual para encontrar as causas e a cura para doença eles estão
exercendo o papel de mediador.
Em relação à característica ritual do aconselhamento ela é evidente em função de ser
sempre praticada pela madrugada, quando os corpos e mentes estão descansados, já que é
tradição entre eles, diante de assuntos polêmicos irem dormir, para depois voltar a discussão.
Este horário, conforme os Zoró, é o momento adequado para tratar de assuntos não resolvidos.
Dependendo do tipo de conselho, ele pode ser dado perante os demais, porém, se o assunto
merece uma maior discrição é feito em segredo, com o objetivo de se evitar o fuxico e
preservar as pessoas envolvidas.
A figura do mediador na maioria dos casos é atribuída ao zawi-ai. É um dos requisitos
básicos para um indivíduo adquirir um status diferenciado perante o resto do povo, além do
clã de origem, da disposição para o trabalho e as habilidades de guerreiro. Os indivíduos que
almejam construir sua própria maloca e juntar uma porção de seguidores precisam da
habilidade de resolver conflito: a habilidade na mediação de conflitos se torna um fenômeno
social porque os seguidores desse indivíduo acreditaram na sua capacidade.
O aconselhamento parece ter sua origem no tipo de autoridade que os pais
desempenham perante os seus filhos. Diferentemente da cultura ocidental, os pais indígenas
não exercem o poder de mandar nos filhos
50
. Inicialmente conversam na tentativa de
sensibilizá-los a mudar de comportamento; caso o filho não mude, é pedida ajuda do
mediador, geralmente o zawi-ai, ou o tio paterno que tem bastante influência no tipo de
estrutura hierárquica familiar do sistema de relações sociais desenvolvidas pelos Zoró. Este
comportamento demonstra que as regras são estabelecidas pelo grupo social e não somente
pela família. As regras da família são as regras da comunidade. Portanto, o modo de proceder
tem de estar em consonância com as expectativas da coletividade. E isto não nega o fato da
diferenciação de comportamento entre as diferentes famílias, nem tira a expectativa dos pais
para com seus filhos, mas vem reforçar que comportamentos indesejados são extremamente
50
Isto vem sendo transformado a partir do contato com os n ao índios.
85
rechaçados por todos, e a insistência na quebra dos padrões de conduta pode levar a perda de
prestígio (que ninguém quer).
A inclusão de um mediador na solução de conflitos domésticos tem o objetivo de
mostrar aos demais que a família não é ausente: ela educa, o indivíduo é que é resistente e não
quer mudar. É como se dissesse: Olha, meus amigos! Nós tentamos. Fulano também tentou.
Se nós família falhamos, o mediador (representante da comunidade) também falhou. Dessa
maneira, o aconselhamento é mais um dos aspectos da ação pedagógica que reforça a
importância e o compromisso de todos na manutenção do grupo
51
.
b3) Formação do guerreiro
A preparação para um Zoró tornar-se um guerreiro é a mesma para torná-lo caçador e
consequentemente, o homem adulto: wuj. O caçador é o provedor dos alimentos ricos em
proteínas para a família e o excesso, dividido com a comunidade. No trabalho para produção
ou obtenção dos alimentos as mulheres dão a sua contribuição na pesca, na coleta de frutos da
floresta e na colheita dos vegetais plantados, devendo a exclusividade da caça ao homem.
O guerreiro também é um caçador, tanto de animais como de homens. A história dos
Zoró é permeada por grandes batalhas e heróis capazes de façanhas inimagináveis. Esta
necessidade da guerra decorre das relações travadas com seus vizinhos e mesmo entre os clãs
que hoje formam o povo. Geralmente ocorriam conforme Martins (1997 p. 60): “[...] com o
propósito de rapto de mulheres e crianças, quase sempre com muitas mortes de homens,
inclusive crianças do sexo masculino”.
O importante é que os povos indígenas para defesa de seu grupo deveriam estar em
constante estado de alerta e o treinamento dos jovens para uso do arco e flecha, o
condicionamento físico do indivíduo para correr, pular sobre obstáculos, remar, desviar de
flechas inimigas e manter a saúde do corpo. Eram tarefas consideradas muito importantes pelo
povo Zoró, porque ainda existia o fato de que seus inimigos (até o que se conhece na
literatura, através dos relatos sobre população à época do contato), eram em número bem
superior.
O ensino das habilidades na guerra e na caça iniciava quando o menino estava com
uma idade em torno de cinco anos, época em que o pai o levava para caçar pássaros nos
arredores da aldeia. Ao mesmo tempo em que se ensinava à criança os ofícios da caça, o pai
também ensinava a observação da natureza, mostrando as plantas aromáticas utilizadas para
confundir os cheiros do caçador com o da floresta, e com isso não espantar a caça.
51
Essa afirmação dá uma pista para se entender as conseqüências que poderão vir, em função da mudança brusca
do modo de viver do povo Zoró por que vem passando nos trinta anos de contato interétnico.
86
Para manter o corpo saudável e forte, tomavam banhos no rio pela madrugada (prática
ainda existente em algumas aldeias) em grupo, batendo nos braços e nas pernas, pedindo
força, saúde em uma espécie de oração entoada em voz alta provocando um grande alarido de
vozes, após iam esquentar-se no calor de uma grande fogueira preparada no pátio da aldeia.
se tomava chicha, comentavam e contavam os fatos ocorridos no dia-a-dia: um espaço de
informação, e, consequentemente, de aprendizagem.
São vários os remédios utilizados para manter a saúde, dar coragem e perícia no
manejo das armas: para os olhos, pingar gotas de sumo do gengibre ralado, e o guerreiro
enxergar melhor o seu alvo; para purificação do corpo, passar um extrato preparado com
raízes de plantas, o que impede a sorte na guerra; formigas são colocadas para picar o
mamilo dos peitos dos jovens para criar coragem e não tremer na hora de matar o inimigo;
algumas plantas são passadas nas mãos e braços para mirar bem, dentre outros artifícios.
Outro aspecto importante que o guerreiro não poderia descuidar era das suas armas de
guerra. Um bom guerreiro também deveria ser um bom artesão para fazer seu próprio arco e
suas flechas.
O ritual chamado pukãj xibu (pular fogueira) é feito para que os homens possam
adquirir resistência, agilidade e pular alto. É preparada uma fogueira para queimar penas da
ave bacurau (Nyctidromus albicolis) e sementes de seringueira (Hevea brasiliensis). Pula-se
sobre as chamas inalando a fumaça produzida pela queima desses produtos para buscar os
efeitos esperados.
Jap makat ou bejet (desviar de flechas inimigas) era um ritual que iniciava por volta
dos dez anos de idade quando o pai ensinava o menino a atirar flechas; aos quinze anos,
aprendia a desviar de flechas inimigas. Era uma preparação que geralmente tinha o tio como
professor e a aprendizagem acontecia na prática, o que às vezes levava a acidentes graves.
Havia uma preocupação para que o crescimento físico do guerreiro o fosse atrapalhado.
Em virtude desse cuidado, a idade permitida para o casamento era em torno de trinta anos de
idade, justificado pela crença de que quando o homem casa fica por um bom período fraco
para atividades que exijam grandes esforços.
b4) Rituais de passagem
Os rituais de passagem ou de iniciação têm a função simbólica de marcar nos
indivíduos a sua inserção em um determinado grupo de status importante na coletividade.
Pierre Clastres (2003, p. 202) apresenta a seguinte definição para esse tipo de ritual:
O ritual de iniciação é uma pedagogia que vai do grupo ao indivíduo,
da tribo aos jovens. Pedagogia de afirmação, e não diálogo: é por isso
que os iniciados devem permanecer silenciosos quando torturados.
87
Quem cala consente. Em que consentem os jovens? Consentem em
aceitar-se no papel de passarem a ter: o de membros integrais de
comunidade. Nada falta, nada sobra. E estão irreversivelmente
marcados como tais.
São diferentes para moças e rapazes, em função da divisão sexual do trabalho, pois a
iniciação prepara o jovem para exercer as atividades dentro da comunidade. No caso dos
Zoró, eles diferem não só na forma de como é feito, como no tempo utilizado para que seja
considerado como concluído, e o rapaz ou a moça estejam preparados para uma nova fase de
suas vidas.
b4.1) Ritual de passagem masculino
Os rituais de passagem masculinos em sua essência tinham como objetivo a formação
do guerreiro. Após o contato com o não índio e o abandono da atividade guerreira, algumas
práticas foram abandonadas, restaram algumas práticas dos tempos de guerra. Aconteciam
por um período bastante extenso, até o jovem ser considerado adulto. E continuam como
forma de reafirmação de sua capacidade guerreira e para evitar o seu enfraquecimento.
A divisão feita no âmbito dessa dissertação entre o ritual de formação do guerreiro e o
de passagem masculino é meramente didática, por que na realidade eles se completam no
tempo anterior ao contato com o colonizador, e passa por mudanças no tempo atual, quando é
possível existirem jovens parcialmente iniciados e jovens de famílias mais tradicionais que
seguem os rituais com maior rigor.
O mais marcante na formação do homem é o do zuj birej kaj pamaw
. Nele, os mais
velhos cortam no mato os galhos da árvore tachizeiro (Tachigalia venusta) que no seu interior
alojam formigas chamadas popularmente de tachi (Pseudomyrmex sp.). As mãos dos iniciados
são amarradas e colocadas dentro das folhagens para as formigas picarem por um determinado
período de tempo. Após esse período, as mãos são lavadas com água preparada com extrato
de uma raiz contendo essências para purificação. Esse é também um ritual para formação do
guerreiro.
Complementar a este, outros tantos existem como: burara (colocar sumo de gengibre
nos olhos), tomar banho pela madrugada, pular fogueira (que é descrito na formação do
guerreiro), fazer a pintura facial (zuli), usar betigá (batoque feito de resina de madeira e
colocado em um furo abaixo do lábio inferior), entre outros, que também fazem parte da
formação do guerreiro.
na cultura Zoró uma continuidade de rituais para formação do homem de tal forma
que ela se completa a partir do momento em que o indivíduo está apto para a guerra, que seja
88
capaz de fazer sua roça, de construir casas e de constituir família: o indivíduo plenamente
formado para exercer as atividades da aldeia.
b4.2) Ritual de passagem feminino: apuxut ou angujo
Diferentemente do ritual de passagem masculino, que se caracteriza por um contínuo
de ações num tempo relativamente extenso, o ritual feminino é iniciado com a menarca da
jovem e se estende por um período entre quinze a quarenta dias de clausura. Segundo relatam
a moça não pode ver homem – ou o inverso – por atrapalhar a atividade do guerreiro. Ou seja,
o homem que vê uma menina na hora da guerra treme perante seus inimigos.
Durante a clausura a menina é cuidada pela mãe. Terminado esse período o cabelo da
jovem é cortado, e a partir de então a mãe ensina-lhe os ofícios de uma dona de casa. Esse
ritual além da inserção da jovem no grupo daquelas que possa se casar, se traduz na ação
pedagógica de formação da mulher Zoró. Após o contato interétnico, é pouco feito pelas
famílias.
A inserção da mulher na idade adulta é importante porque é através do ritual que os
requisitos para uma boa esposa são preenchidos. Assim como o homem precisa aprender as
tarefas para ser aceito como tal e merecer a confiança de um determinado pai para casar-se
com sua filha, com a mulher não é diferente.
b.5.) Rituais religiosos
Os rituais religiosos são de grande importância na transmissão dos conhecimentos
tradicionais, pois é através deles que os Zoró relacionam-se com os espíritos na busca de
curas para suas doenças, de proteção ou para agradecer as conquistas nas colheitas, nas
guerras, entre outros. Têm um objetivo simbólico importante por reafirmar a crença nas
relações construídas por seus antepassados entre os seres humanos, a natureza e o mundo
sobrenatural.
Vilhena (2005, p. 63) apresenta os rituais religiosos como: “[...] ações simbólicas pelas
quais os seres humanos intentam produzir conseqüências ou efeitos especiais graças ao
concurso do sagrado e das forças sobrenaturais”. A autora reafirma que as coisas naturais são
oriundas de uma ação espetacular do sobrenatural, e por isso, esse sobrenatural tem o poder de
intervir naquilo que criou seja de forma positiva permitindo colheitas fartas, saúde, alegria, ou
negativa trazendo doenças, derrotas na guerra, dentre outros.
A ação pedagógica dos rituais religiosos entre os Zoró pode ter a conotação de
partilha, punição ou de escolha. Como exemplo do que evoca a partilha tem-se a festa do
Zaga puej, ocasião em que a família anfitriã consulta o convidado sobre qual tipo de alimento
ele prefere e iconsumir durante a festa. Dessa forma, não agrada ao convidado como
89
disponibiliza o que de melhor existe para ser repartido. Durante a festa do gujanej, o povo
precisa mostrar ao espírito maior que a cultura dos antepassados que dele é originária
continua viva e respeitada. Para tanto, é preciso que as oferendas estejam impecavelmente a
seu gosto, a música seja tocada com perfeição e que as pessoas façam as restrições
obrigatórias para estarem presentes (por exemplo não fazer sexo um período antes e durante o
ritual), caso contrário o impingidas punições severas como um dilúvio que matará a todos
ou pessoas ficarem aleijadas se não fizerem abstinência sexual. Como exemplo de escolha há
o ritual do maxu kun wé, feito para escolher novos pajés.
Os exemplos acima mostram o quanto a ão pedagógica ritual é importante para
manutenção da cultura tradicional porque, baseada na crença religiosa, induz as pessoas a
adquirir uma quantidade de conhecimentos necessários para se relacionar com o sagrado de
forma positiva e pelo medo de uma ação punitiva do sobrenatural.
4.3. Afinal, como um Zoró aprende a ser Zoró?
O que se pretende neste item é tornar mais visível o processo de ensinamento da
cultura, ou de como se forma a alteridade, ou seja, como um indivíduo Zoró se diferencia dos
demais. Deve-se de antemão entender que para a formação do indivíduo dentro do contexto
cultural esse povo não estabelece padrões rígidos a serem seguidos para que o menino ou a
menina se tornem adultos, como a Tabela 4 a seguir possa transparecer (a referida tabela deve
ser entendida apenas como um parâmetro para compreensão do fato), o que existe é um
continuum de ações pedagógicas que têm por objetivo final a formação do ser humano capaz
de viver a plenitude da sua cultura.
De posse dos dados referentes às fases de vida do homem e da mulher, dos
fundamentos, dos objetivos e dos tipos de ação pedagógica Zoró, pode-se fazer uma
aproximação de como se comporta o ensino e a aprendizagem da cultura, bem como especular
sobre a eficiência e efetividade do processo educativo e do tempo necessário para que ele seja
completado.
Conforme será apresentado no quadro a seguir, a formação do indivíduo começa muito
cedo entre os homens, na fase de buwej, intensificando na fase de wujit e completando em
wuj. Para ser considerado homem precisa ter passado por toda uma formação (cotidiana e
ritual), bem como apresentar os requisitos que o status de homem (wuj) requer. No caso das
mulheres, a aprendizagem das atividades requeridas e da cultura é realizada basicamente em
90
uma fase de vida: wanzerit. A intensificação da aprendizagem na fase anterior ao que é
considerada maioridade (wuj e wanzet, para homem e mulher, respectivamente) tem uma
estreita relação com as atividades que se passa a desempenhar e com as expectativas sociais
que recaem sobre os indivíduos. Isto faz com que os jovens sejam mais ativos e procurem
aprender com mais vontade, diferentemente com as fases de vida anterior que pouco esboça o
senso da responsabilidade e do interesse.
QUADRO 7. Relação entre as fases de vida e o que é ensinado dentro da cultura Zoró.
FASE DA
VIDA
ATIVIDADE QUE
DESEMPENHA
O QUE É ENSINADO AÇÃO PEDAGÓGICA
EM QUE SE INSERE
Bup (bebê) - Estímulos baseados no
carinho.
Cotidiana.
Bup xixin
(criança até
4 anos)
Brincadeiras Linguagem; brincadeiras, Cotidiana.
Buwej
(menino até
7 anos)
Brincadeiras; dá recados. Caçar pássaros pequenos;
pescar; as plantas;
linguagem; artesanato;
brincadeiras.
Cotidiana e ritualística
(histórias)
Wujirit
(menino até
12 anos)
Pesca e caça para família;
ajuda pouco no roçado.
Conhecimentos sobre o
meio ambiente; começa a ir
caçar e pescar longe de
casa; roçado; linguagem;
artesanato.
Cotidianas e ritualística
(histórias, conselhos,
formação para o guerreiro
e ritual de passagem).
Wujit
(jovem)
Executa todas as atividades
que um adulto faz. Não opina
nas atividades do grupo.
Ainda pode ser chamado de
menino.
A arte da guerra; a
medicina; fazer casas;
artesanato. O homem
começa a demonstrar maior
responsabilidade.
Cotidianas e ritualística
(histórias, conselhos,
formação para o guerreiro;
ritual de passagem e rituais
religiosos)
Wuj
(homem)
É o provedor da família,
responsável pelo bem-estar
de todos; compromisso maior
com o povo; ajuda a tomada
de decisões.
É autosuficiente; detém os
conhecimentos culturais
necessários à vida. Agora
ensina aos mais jovens.
Cotidianas e ritualística
(histórias, aconselhamento
e rituais religiosos).
Wanzeririt
(menina)
Cuida de crianças; ajuda na
colheita de alimentos; carrega
lenha.
Colher e fazer alguns tipos
de alimentos; artesanato.
Cotidianas e ritualística
(histórias e conselhos)
Wanzerit
(mocinha)
Faz as tarefas de casa
ajudando a sua mãe ou
substituindo-a quando em sua
ausência.
Os serviços que uma dona
de casa deve saber/
artesanato.
Cotidianas e ritualística
(histórias, conselhos, ritual
de passagem, rituais
religiosos e de iniciação).
Wanzet
(mulher)
Cumpre com todos os
afazeres domésticos da
mulher para com a família e
com a comunidade.
É autosuficiente; detém os
conhecimentos culturais
necessários à vida. Ensina
aos mais jovens.
Cotidianas e ritualística
(histórias, aconselhamento
e rituais religiosos).
Pandet
(velho(a))
Além de cumprir com os
afazeres próprios da idade
adulta, agora são mais
respeitados pelo acúmulo de
conhecimentos da cultura.
Ensina aos mais jovens. Cotidianas e ritualística
(histórias e rituais
religiosos)
91
De acordo com Cavalcanti (1999, p. 116) ao referir-se sobre os índios do Xingu: “[...]
se pode dizer que é a partir do rito de iniciação que os rapazes passam a racionalizar e dar
conteúdo à sua relação com a escola/escrita”. O que se percebe entre os Zoró é que na fase de
jovem (wujit) a assiduidade à escola é maior.
A relação da ação pedagógica tradicional com as diferentes fases de vida pode dar
pistas no sentido de orientar a educação escolar oferecida nas aldeias, seguindo o preceito
estabelecido pela legislação nacional sobre a educação escolar indígena no que se refere ao
direito dos povos indígenas em organizar suas escolas de formas particular e autônoma,
respeitando a cultura tradicional do povo.
4.4. A conquista da Escola: a apropriação da nova forma de ensinar.
A escolarização do Povo Zoró será tratada como conquista em virtude da forma como
ela teve o seu processo de construção: a busca e o envolvimento da comunidade. Tomando
como referência os seus mitos, não poderia ser diferente. A mitologia Zoró pode ser dividida
em três pontos básicos: a ação dos espíritos
52
, a relação homem/animal e a ação humana. Os
espíritos têm o poder de criar, castigar, curar, dentre outros poderes sobrenaturais; a relação
homem/animal se na época em os animais se transformavam em gente, convivendo num
mesmo plano de relações, incluindo o matrimônio; e a ação humana baseada no heroísmo, na
relação com os espíritos e na conquista dos bens materiais. Essas formas construídas para
compreender a relação com o meio e o sobrenatural orientam a ação humana no sentido dessa
relação.
O que fazer diário do povo Zoró está permeado de conteúdos míticos, e ao entrar em
contato com estes, se percebe o significado da conquista para o povo. Para melhor
compreender essa afirmação, serão descritos dois mitos: o povo que saiu da pedra e o gerep ti
(ou origem do dia e da noite), que retratam bem este aspecto.
O POVO QUE SAIU DA PEDRA (IXAPI PANDEREY JANDE ABIJAMÃJ
PANE)
53
No começo da história houve uma festa que chamava ao espírito. Enquanto Majawut
distribuía chicha, Ngura namorou a mulher do Majawut. Gurá estava apaixonado, chamava
52
Seutilizado o termo espíritos (no plural) porque não existe um espírito capaz de criar ou ter poder sobre
as demais coisas, mas vários. Outro fator para escolha do termo é a própria designação a essas entidades que os
Zoró dão em língua portuguesa.
53
Mito narrado por Zapti Zoró, traduzido por Panderewup Zoró, transcrito por Lígia Neiva, funcionária da
FUNAI.
92
ela para ir andar. Naquele tempo, não existia mato, terra. Gurá era velho, sempre ele falava
com ela:
- eu quero que você me acompanhe.
Um dia ela aceitou e Gurá falou:
- Vamos ficar aqui.
Até que ele andou uns cinqüenta metros e ficou novo, jovem, rapaz novo. Quando ele
a namorou, logo nasceu uma criança, uma menina que já nasceu dizendo:
- Me pega mamãe, me pega.
Naquele tempo, a mulher não ficava grávida. Assim que namorava, nascia a criança já
crescida.
Gurá, a mulher e a criança entraram na maloca. Gurá falou para eles:
- Podem entrar.
a maloca virou pedra. Gurá dentro da maloca chamou alguns periquitos, araras,
papagaios e pediu a eles para fazerem uma abertura na pedra para que pudessem sair. As
kasalej (araras) tentaram, mas logo quebraram suas machadinhas (bicos); os awálap
(papagaios) também não conseguiram. Os paxylej (uma espécie de periquitos) finalmente
conseguiram fazer uma abertura na pedra. Nessa abertura, começaram a sair várias pessoas.
Saíram em fila; cada fila era um povo que tinha um nome. Em primeiro lugar saíram os
Pangyj
j (Zoró), depois saíram os Kabanej (Suruí), Ikulej (Gavião), Mamej (Cinta Larga),
Pirip Kura (índios que ainda não tiveram contato), Kun Mbeyp (índios sem contato), Zarup
(índios sem contato), Jupupep (Karipuna), Weuwej (índios sem contato) os Jala (não índios)
foram os últimos. Cada povo que saía da pedra dizia o seu nome.
Na pedra havia uma mulher que se levantou e avisou:
- Eu vou sair agora.
Porém ela não conseguiu sair. A abertura na pedra feita pelo paxylej se fechou, e a
mulher grávida virou uma colméia (alamã).
GEREP TI
54
Antigamente o dia era longo. Os olhos das crianças estouravam. Gura
55
e Bixagap
56
pensaram: por que os olhos das crianças estouram?
Os dois saíram para ir buscar o dia e a noite. Quando chegaram na aldeia do Gerep ti
57
,
falaram para filha dele:
54
Mito traduzido por Carlos Kaj Wet Zoró, aluno da Aldeia-Escola Zawã Karej Pangyjj.
55
Deus.
56
Espírito criado por Gurá para fazer-lhe companhia na terra.
93
- Viemos buscar o dia e a noite. A filha do Gerep ti foi chamar seu pai. Ele dormia o
dia todo.
Ela falou para seu pai:
- Pai chegaram uns visitantes para buscar o dia e a noite.
O Gerep ti não acordava. Sempre dormia o dia todo. A filha bateu na canela dele com
um socador de pilão para acordá-lo. Ele acordou e disse para filha:
- O que?
- Hem pai, eles vieram buscar o seu dia e a noite.
Gurá e Bixagap falaram para o Gerep ti:
- Nós viemos buscar o nosso dia e a noite.
Gerep ti quebrou um pedaço de gerep (remela
58
) para entregar aos dois. Quando
saíram e se despediram, Gerep ti disse para eles:
- No caminho vocês não abram esse estojo de remela.
Os dois então trouxeram o dia e a noite dentro de um estojo de taboca. No meio do
caminho Bixagap fez cocô. O Gurá pensou:
- Por que o Gerep ti falou para nós não abrir o estojo com o dia e a noite?
Logo, o Gurá abriu o estojo do Gerep ti e escureceu o mundo todo. Bixagap chorou
muito quando percebeu o dia e a noite. O Gurá falou:
- Oh! Gurá chorador
59
.
E acrescentou:
- Bixagap faça o dia amanhecer para nós.
Bixagap respondeu:
- Não tem jeito de fazer amanhecer o dia.
O Gurá então disse para Bixagap:
- Faça o assovio do nambuzinho. Agora você vai cantar xuwiri, xuwiri, e eu vou
responder: wiri, wiri, wiri.
Na segunda vez o Gurá falou para o Bixagap:
- Faça o nosso dia amanhecer.
E acrescentou:
- Voe até o galho da árvore e sente.
57
Espírito dono do dia e da noite.
58
Secreção que se forma nos pontos lacrimais e no bordo das pálpebras (FERREIRA, 2001, p.595).
59
O Bixagap por ter sido feito pelo Gurá semelhante ao próprio criador, também é chamado de Gurá.
94
O Bixagap virou uma jacutinga e o Guvirou um jacu. Quando voaram a jacutinga
cantou ty, tyg prypry; o jacu cantou tug, tug pru pru. amanheceu. De manhã cedo ficaram
perguntando:
- O que vamos fazer agora? Vamos voltar de novo para o Gerep ti buscar o nosso dia e
a noite.
Voltaram de novo por outro caminho para chegar a aldeia do Gerep ti. A mesma coisa
aconteceu como na primeira vez: falaram com a filha do Gerep ti; ela chamou ele batendo na
canela com um socador de pilão; pediram uma remela com o dia e a noite; Gerep ti quebrou
um pedaço para entregar a Gurá e Bixagap. Depois levaram a remela para aldeia, que ao
chegar abriram o estojo de taboca, aí apareceu o dia e a noite.
...
Sem a pretensão de analisar os mitos acima descritos de acordo com o método dos
mitemas proposto por Lévi-Strauss (2003), o que se quer enfocar – conforme anunciado no
primeiro parágrafo desse item – é o significado da conquista para os Zoró sob a perspectiva da
busca e da relação com o outro. Tanto no primeiro mito como no segundo, o que fica evidente
é que os problemas são resolvidos mediante a relação com os outros (Espíritos): Gurá (Deus)
pede às aves para abrir um buraco; Gurá vai buscar o dia e a noite em outro lugar. É preciso ir
buscar onde tem ou recorrer a alguém que possa fazê-lo. É preciso buscar, ir atrás.
A outra relação evidente é com o espírito superior. Gura personifica a ação dos
homens, por ele ser o orientador e guia de todas as ações. Se a busca, o ir até o outro é a
tônica dessa relação, e a personificação das ações humanas se através de Deus, então ela é
sagrada. A partir desse entendimento pode-se então avançar para a seguinte constatação: se os
mitos têm como característica configurar-se em prática social, percebe-se que no caso dos
Zoró a conquista faz parte do conjunto de crenças que formam a sua cosmovisão. Esta
constatação pode ser compreendida tomando por base um fato à época do contato com o não
índio. Como aconteceu com todos os povos indígenas imediatamente após o contato, houve
uma grande mortalidade entre os Zoró em função das doenças adquiridas do contato
interétnico. Esse período coincide com o êxodo para o Igarapé Loudes, onde se encontravam
os missionários da seita Novas Tribos e funcionários da FUNAI, que os medicaram,
diminuindo o índice de mortes. Como os religiosos nessa circunstância apresentavam-lhes o
proselitismo religioso, em pouco tempo se converteram ao cristianismo, por associarem a
medicina curativa do não índio com o poder do “Deus dos brancos”.
A educação escolar, ou escolarização, assim como a religião cristã, despertaram a
atenção do povo quando abandonou o seu território tradicional e foi para a área onde mora o
95
povo Gavião. Lá, a FUNAI e também a seita evangélica Novas Tribos, ofereciam a educação
escolar
60
a essa tribo. Alguns jovens interessaram em aprender a ler e a escrever,
principalmente influenciados pelos missionários para que pudessem auxiliá-los no trabalho de
tradução da bíblia para língua pangyjj (objetivo do SIL, conforme já apresentado).
Os relatos que se tem sobre como os Zoró aprenderam a ler
61
impressionam pela força
de vontade apresentada pelos índios. Foram formados grupos de estudo que se debruçavam
sobre as cartilhas escrita na língua dos índios Gavião que é tupi-mondé e muito parecida
com a sua com a ajuda de uma professora da FUNAI e dos missionários. Aqueles
alfabetizados nessa época se constituíram mais à frente nos primeiros professores índios da
etnia nas escolas de suas aldeias.
A necessidade real da escolarização surgiu a partir do momento em que os Zoró
precisaram interagir com a sociedade envolvente, principalmente através das relações
comerciais. Perceberam que sem saber ler e escrever seriam mais facilmente enganados.
Assim,
[...] o povo Zoró, com recursos próprios, construiu uma escolinha em
1988 e contratou uma professora com a renda da borracha. A falta de
clareza sobre o papel da escola na sociedade indígena e a falta de
preparo específico da professora resultou no desestímulo dos índios
em manter a escola. [...] Em 1991 a FUNAI e o IAMA
62
estimularam
os indígenas a construir uma escola indígena na Aldeia Bubyrej,
utilizando um professor indígena para ministrar o ensino bilíngüe [...]
No final de 1992 a desintrusão de colonos na área mobilizou os
indígenas para a área próxima à estrada que liga o Município de
Espigão d’Oeste RO ao condomínio de fazendas no Mato Grosso,
desestabilizando o funcionamento da escola. Novamente a FUNAI e
o IAMA improvisaram uma escola de lona no acampamento dos
indígenas na entrada da área, à beira da estrada, onde hoje é a Aldeia
Zawã Kej, na qual o professor indígena voltou a atuar (PROJETO
POLÍTICO-PEDAGÓGICO ALDEIA-ESCOLA ZAWÃ KAREJ
PANGYJJ, 2002).
A professora contratada, da citação acima foi raptada ainda criança, com idade em
torno de seis anos, em um ataque de seringueiros, aos Zoró. Inicialmente acreditava-se que ela
era da etnia Suruí (Paiter) mas, após o contato dos Zoró com os não índios, seus parentes a
reconheceram em função de um defeito físico.
60
Por enquanto se trata apenas da constatação do fato histórico, não cabendo o questionamento sobre os
objetivos da educação escolar oferecida por estas duas instituições.
61
São informações orais daqueles que muito tempo trabalham com a etnia. Lígia Neiva, funcionária da
FUNAI, quem muito contribuiu com essas informações.
62
Instituto de Antropologia e Meio Ambiente.
96
É a partir de ano de 1994 que o poder público interfere de forma definitiva na
educação escolar Zoró, com a criação das Escolas Indígenas Zawit Wawã e Zawã Kej Alakit
pela Prefeitura Municipal de Aripuanã no Estado do Mato Grosso. Antes as ações eram
pontuais e resumiam-se ao pagamento de salário a professores indígenas.
A criação das escolas nas aldeias fez crescer o número de alfabetizados e a
necessidade de continuação dos estudos. Os alunos que concluíram a quarta série no ano de
1999 foram matriculados no ano seguinte nas Escolas Família Agrícola, o que não surtiu o
resultado esperado. Os jovens sentiam uma grande falta das famílias, além do ensino dessas
escolas atenderem a outro tipo de realidade social: o ensino no campo. O desestímulo dos
alunos levou a comunidade, juntamente com a Associação do Povo Indígena Zoró APIZ,
outros parceiros como a NORAD, CIMI e Prefeitura Municipal de Rondolândia, a buscarem
recursos para construção de uma escola de a séries na aldeia. Desse esforço surgiu a
Aldeia-Escola Municipal Zawã Karej Pangyjj de a no ano de 2002, com currículo
construído através da participação e a partir das necessidades do povo. O currículo desta
escola tem como base a alternância entre a escola e a vida na comunidade, onde o aluno passa
quinze dias em sistema de internato e quinze dias nas suas aldeias de origem, e dessa forma,
ele não fica desvinculado das atividades culturais do povo. No ano de 2007 a Aldeia-Escola
Zarup Wej, mantida pelo Governo do Estado do Mato Grosso, inicia suas atividades com o 1º
ano do Ensino Médio, dando continuidade à formação dos Zoró em sua própria Terra.
Um dado importante é o de que a alfabetização dos Zoró sempre se deu na língua
materna e por professores índios. Os professores não-índios, desde o início da escolarização
desse povo, tiveram a sua participação restrita ao assessoramento na elaboração do
planejamento das aulas, nos métodos pedagógicos utilizados e na seleção dos conteúdos.
Porém, com a oferta do ensino de a séries e Ensino Médio na aldeias, eles passam a
exercer o trabalho em sala de aula, devido a baixa escolarização dos professores indígenas.
4.5 A educação escolar no povo Zoró hoje
Oficialmente, a introdução da educação escolar na Terra Indígena se deu no ano de
1994, com a criação de duas escolas pela Prefeitura do Município de Aripuanã (MT): Escola
Indígena Zawit Wawã e Zawã Kej Alakit. No ano de 1996 foi oficializada a criação de mais
duas: Tamali Syn e Aldeia do José (Guwa Puxurej). A partir de então, em vez de se criar
novas escolas, utilizaram o recurso de denominar as escolas abertas nas novas aldeias de
97
“Anexos”. Essa estratégia teve como fundamento evitar criar uma grande quantidade de
estruturas escolares e consequentemente, o excesso de burocracia.
As escolas Zoró apresentam um fato pitoresco causado pela burocracia. O Município
de Rondolândia que antes pertencia ao Município de Aripuanã no Estado do Mato Grosso ao
ter a sua emancipação política não fez a regularização das escolas junto ao Conselho Estadual
de Educação como manda a legislação. O mais grave é que o Município de Aripuanã havia
criado quatro escolas
63
, mas no Censo Escolar do Ministério da Educação aparece uma quinta
escola que legalmente não foi criada.
A seguir, Tabela 2 apresenta dados sobre as escolas indígenas existentes na Terra
Indígena Zoró.
TABELA 2. Número de alunos matriculados e de professores das escolas Zoró.
ALDEIA NOME DA ESCOLA
ALUNOS
PROFESSORES
Santa Cruz Escola Indígena Zawã Kej Alakit Anexo II 07 01
Sagapuga Escola Indígena Guwa Puxurej Anexo I 20 01
Paraíso da Serra Escola Indígena Zawã Kej Alakit Anexo III 07 01
Ikarej Escola Indígena Zawã Kej Alakit Anexo I 08 01
Guwa Puxurej Escola Indígena Guwa Puxurej 19 03
Zawã Kej Escola Indígena Zawã Kej Alakit 26 01
Zarup Wej Escola indígena Tamali Syn Anexo VII 07 01
Imbupeaxurej Escola indígena Tamali Syn Anexo II 11 01
Tamali Syn Escola ingena Tamali Syn 29 02
Duandjurej Escola indígena Tamali Syn Anexo V 27 02
Japararat Escola Indígena Guwa Puxurej Anexo II 12 01
Bubyrej Escola Indígena Zawyt Wawã 29 02
Caneco Escola indígena Tamali Syn Anexo IV 14 02
Abesewap Escola indígena Tamali Syn Anexo III 06 01
Panjirawá Escola Indígena Zawyt Wawã Anexo III 13 01
Rio Azul Escola indígena Tamali Syn Anexo VI 22 01
Pawanewa Escola Indígena Zawyt Wawã Anexo IV 20 01
Anguj Tapua Escola Indígena Zawyt Wawã Anexo I 22 01
Ipewyrej Escola Indígena Zawyt Wawã Anexo II 19 01
Paulo Apeti Escola indígena Tamali Syn Anexo II 10 01
TOTAL 328 26
Fonte: Escolas Indígenas Zoró.
Conforme a tabela acima, a Terra Indígena Zoró conta com vinte escolas de a
séries do Ensino Fundamental, vinte e seis professores e trezentos e vinte oito alunos
matriculados, entre crianças e adultos, inseridos num universo de vinte aldeias.
Duas escolas foram construídas na forma de aldeias para oferecer o ensino de a
série do Ensino Fundamental e Ensino Médio: Aldeia-Escola Municipal Zawã Karej Pangyjj
e Aldeia Escola Estadual de Ensino Básico Zarup Wej, respectivamente. A primeira é mantida
63
Escolas Indígena Zawã Kej Alakit pelo Decreto Municipal 414/94 de 08/08/1994; Zawit Wawã, Decreto
Municipal 415/94 de 08/08/1994; Tamali Syn, Decreto Municipal 537/96 de 02/05/1996 e Aldeia do José,
Decreto Municipal nº 538/96, também de 02/05/1996.
98
pela Secretaria Municipal do Município de Rondolândia-MT e a última pela Secretaria
Estadual de Educação do Estado do Mato Grosso.
A dispersão do povo Zoró dentro de seu território tem levado a Prefeitura do
Município de Rondolândia a encará-la como um problema porque o número de professores é
elevado para uma clientela pequena. Isto tem gerado uma luta constante para garantir a
educação escolar. Às vezes o poder público parece entender o grande número de aldeias como
uma forma de se criar mais assalariados. Não sabem eles que a multiplicação de aldeias é uma
prática cultural comum para o equilíbrio entre os diversos clãs que formam o povo, bem como
cria condições para o surgimento de novas lideranças.
O ensino ministrado por professores indígenas é bilíngüe (língua pangyj
j e
portuguesa), sendo a língua materna a da alfabetização até a série, e a língua portuguesa
estudada a partir da série. A formação desses professores varia desde a série do Ensino
Fundamental até o curso de magistério indígena
64
oferecido pelo Estado do Mato Grosso,
chamado de Projeto Hayô, como também pelo Estado de Rondônia, com o nome de Projeto
Açaí. O gráfico a seguir mostra como esses professores estão distribuídos em relação à sua
formação profissional.
FIGURA 10. Formação dos professores das escolas Zoró de 1ª a 4ª séries.
0
2
4
6
8
4ª Série Série 6ª Série 7ª Série 8ª Série Hayô Açaí
Quanto a Aldeia-Escola Municipal Zawã Karej Pangyj
j de a séries tem uma
configuração diferente das escolas das aldeias (de a séries) por necessitar maior número
de professores habilitados e pessoal de apoio, bem como um custo maior para sua
manutenção. O regime de internato foi adotado para que os alunos após o término da série
não tivessem que parar de estudar ou mudar-se para cidade, porque é impossível ofertar esse
nível de escolarização em todas as aldeias pela falta de professores e pela pequena clientela.
64
Os professores do magistério indígena iniciaram seus estudos no ano de 2007, e ainda encontram-se em fase
de formação
99
Nesta escola, existem professores índios e não-índios, com formação profissional
variada. Esse nível de ensino iniciado em 2002, diferentemente das escolas de a séries,
teve um quadro inicial de professores composto apenas por professores não-índios, pois a
formação dos índios àquela época não era suficiente para que assumissem as aulas dessas
séries. O quadro começa a mudar a partir de 2003, em virtude de um grupo de professores
Zoró estarem avançando seus estudos no curso de formação de magistério indígena ofertado
pelo Estado de Rondônia: o Projeto Açaí. Diante do exposto, o quadro de professores no ano
de 2007 teve sua formação conforme o gráfico a seguir.
FIGURA 11. Formação dos professores da escola Zoró de 5ª a 9ª séries.
0
1
2
3
4
5
6
7
7
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Os professores não-índios têm formação profissional em curso superior, técnico e
magistério. O professor com curso técnico é considerado leigo, portanto de caráter provisório,
até que os indígenas completem sua formação profissional. Aliás, a permanência dos
professores não-índios nesta escola cessará quando os Zoró tiverem um corpo de professores
habilitados. Para isso, existem dois professores cursando o ensino superior indígena e no
ano de 2008 outros cinco ingressaram na faculdade.
4.6 Dificuldades encontradas na Educação Escolar desenvolvida entre os Zoró
A educação escolar Zoró, conforme o item 2.1, teve como marca o caráter da
conquista, alicerçada pela busca dos índios em conseguir instrumentos para melhor se
100
relacionar com a sociedade nacional envolvente. Porém, toda conquista se com
dificuldades a enfrentar. Podemos dividi-las em: pedagógicas, de infra-estrutura e material, e
a relação escola/comunidade. Para detectar estas dificuldades foram entrevistados 10
professores, aos quais foram feitas as seguintes perguntas:
Quais as dificuldades que você
encontra na preparação das aulas e quais as dificuldades no seu trabalho de professor. Para
detectar as dificuldades materiais das escolas foi feita uma visita “in loco” em todas as aldeias
Zoró, no período de 17 a 28 de outubro de 2007.
As dificuldades pedagógicas estão situadas no como proceder para fazer funcionar
essa instituição chamada escola, uma vez que tem uma configuração totalmente diferente da
sua escola tradicional: a vida comunitária. O primeiro ponto que dificulta o funcionamento é
a falta de um projeto político pedagógico para as escolas de 1ª a 4ª séries, falha que vem desde
as primeiras escolas instaladas nas aldeias. De acordo com Libâneo (2001, p. 125) o projeto
político pedagógico
65
da escola é:
[...] a concretização do processo de planejamento. Consolida-se num
documento que detalha objetivos, diretrizes e ações do processo
educativo a ser desenvolvido na escola, expressando a síntese das
exigências sociais e legais do sistema de ensino e os propósitos e
expectativas da comunidade escolar.
A ausência desse projeto interfere no dia-a-dia do professor porque lhe falta um
referencial como parâmetro para a organização do ensino em relação ao que deve ser ensinado
(conteúdo) na escola. Os professores geralmente repetem os conteúdos que seus professores
lhes ensinaram quando eram alunos. É um problema que tem um forte impacto no ensino
tendo em vista que 69,2% dos professores da 1ª a 4ª séries não têm formação pedagógica.
Perguntando aos professores sobre as dificuldades que encontravam para planejar suas
aulas, a seguir são apresentadas as respostas mais comuns.
Resposta 01:
- Tenho dificuldades em saber como vou dar as aulas para os meus alunos... penso como dar
aulas... resolvo o problema escolhendo a disciplina que vou dar aula.
Reposta 02:
- A minha dificuldade é... quando não tenho o livro antes de fazer o planejamento. Eu não sei
como faço o texto para os alunos, e também sem orientador não faço também o planejamento.
As respostas deixam claros dois aspectos: um é que alguns professores não conseguem
organizar os conteúdos sem a ajuda da assessoria pedagógica; o outro aspecto se refere à falta
65
No texto do autor da citação está descrito como “projeto pedagógico-curricular”. Denominações diferentes
para o mesmo propósito.
101
de um planejamento curricular capaz de embasar os professores na organização de seus
trabalhos.
Vale destacar algumas medidas adotadas pela Secretaria de Educação de Rondolândia
e a Associação do Povo Indígena Zoró para sanar este problema: a retomada da produção de
material na língua pangyj
j e a realização de oficinas pedagógicas com os professores, cujo
resultado final será a elaboração de um projeto político pedagógico que venha a atender as
necessidades escolares do povo.
A outra dificuldade caracterizada como pedagógica é quanto ao material escrito para
subsídio às aulas. A fala dos professores é a seguinte:
Professor 1.
- A minha dificuldade é falar a língua portuguesa e entender melhor. Eu quero entender
melhor... quero melhorar mais.
Professor 2.
- Falar no português e as palavras. Escrever as palavras e falar também.
Professor 3.
- Tenho muitas dificuldades, as palavras. Tenho dificuldade de tradução no português.
Os Zoró mantém a língua pangyjj muito viva, conversam em português somente
quando na presença dos não índios. No dia-a-dia da aldeia é a língua materna quem domina.
Este fato é muito importante para manutenção da língua, por outro lado gera dificuldades para
a compreensão dos conteúdos escolares, interferindo na qualidade do ensino. É urgente a
construção de materiais didáticos na língua pangyjj para que o processo de ensino e
aprendizagem dos conteúdos escolares não sejam prejudicados, nem a escola separe os alunos
da sua língua materna.
O desconhecimento do conteúdo de certas disciplinas, ou seja, o conhecimento escolar
deficitário também foi detectado como um dos problemas pedagógicos, como é apresentado a
seguir:
Professor 1.
- Eu tenho dificuldades para fazer o plano, conteúdos em Geografia e Português.
Professor 2.
- Matemática e Ciências, não dou direito não, tenho dificuldades, não passo para meus alunos
não, senão vão aprender do jeito que ensinar para eles, por isso não passo para eles não.
A edificação das escolas de 1ª a séries apresentam situações diferenciadas em
relação ao tipo de construção. Algumas com boa estrutura, outras com construção precária,
porém nenhuma delas tem mobiliário completo, principalmente cadeiras escolares. Essa
102
situação a comunidade vem resolvendo construindo bancos de madeira rústica. Do total de
vinte escolas existe a seguinte situação: seis são construídas em alvenaria com cobertura em
palha e as outras quatorze, construídas em madeira e cobertura de palha. Uma observação
importante é que a cobertura de palha é mais recomendada para amenizar as altas
temperaturas da região amazônica, não sendo consideradas no teor dessa dissertação como
inadequadas.
A relação escola/comunidade está inserida no rol das dificuldades encontradas no
desenvolvimento da educação escolar Zoró pelo alto índice de faltas às aulas por parte dos
alunos. Este é um fato decorrente da própria dinâmica cultural do povo, porque a criança até
chegar à fase de jovem é totalmente dependente da família, tem de acompanhar os pais que
sempre estão se deslocando dentro do território ou para outros lugares (como as idas à
cidade). Um outro aspecto é a liberdade que a criança tem em decidir o que fazer no dia-a-dia,
embora tendo que acompanhar o pai e a mãe, estes não os obrigam, por exemplo, a ir para
escola. É uma situação delicada porque a educação escolar exige rigor no cumprimento de
horários determinados, calendários, conteúdos a serem estudados. Oposto à essa situação, a
educação tradicional segue horários e calendários próprios no dia-a-dia, nas viagens e nos
mais variados ambientes. Não se está aqui advogando qual tipo de educação é mais
apropriada, ambas são importantes no contexto atual, o que se precisa é encontrar uma
alternativa que contemple os dois sistemas.
A educação entre os Zoró apresenta aspectos contraditórios e interessantes. Um desses
foi a alternativa encontrada para o ensino de a séries no sentido de substituir
gradativamente os professores não índios que trabalham nestas séries por professores índios.
É uma proposta interessante se tomado como base a educação escolar indígena instituída pela
legislação nacional vigente, mas se tornou um problema para o povo porque esses professores
índios eram os que tinham formação para o magistério e experiência em sala de aula, com isto
foram colocados nas escolas de 1ª a 4ª série professores sem formação e experiência. Este fato
tem refletido diretamente no aprendizado dos alunos dessas séries, conforme reclamações dos
professores da Aldeia-Escola Municipal Zawã Karej Pangyj
j (de a séries) alegando que
os alunos não detêm os conhecimentos necessários para o cálculo, a leitura, a escrita e a
interpretação de textos. Ou seja, são necessários investimentos na formação de professores
indígenas visando o pleno atendimento às escolas.
103
CONCLUSÃO
Das discussões feitas no decorrer desta dissertação sete considerações devem ser
feitas, que embora incompletas e inacabadas portanto passíveis de revisão por pesquisas
posteriores sintetizam as estratégias de sobrevivência do povo Zoró no período pós-contato
com os não índios, que devem ser observadas ao se propor alternativas econômicas
sustentáveis e/ou processos de escolarização.
A primeira versa sobre as estratégias de sobrevivência física engendradas pelo povo.
Como guerreiros que são, os Zoró apresentam uma disposição incomensurável na luta pelo
que consideram seu. A origem dessa disposição está em sua mitologia. Nesse sentido a reação
à invasão do território, inicialmente pelos seringueiros caucheiros e caçadores, seguida da
instalação das fazendas e por último pelos colonos, foram tensões e lutas acirradas que
garantiram se não no todo, mas uma boa parcela do território tradicional.
Como bons estrategistas, sabem buscar aqui mais uma vez o caráter da busca que se
traduz em conquista junto a outros agentes, soluções para seus problemas mais difíceis. A
fuga para junto dos Gavião como forma de escapar dos ataques Suruí, num momento de
fragilidade do grupo quando as doenças do contato interétnico começavam a colocar em risco
a sobrevivência de todos, bem como a conversão à religião dos missionários da Novas Tribos
para receber cuidados na área da saúde, mostram um aspecto cultural importante: quando
fortes, lutam com as próprias forças; na fraqueza, selam-se alianças.
A segunda consideração diz respeito à sobrevivência cultural. Os fatos históricos
mostraram que o afastamento das práticas culturais tradicionais provocado pela conversão
religiosa e pelas novas formas de trabalho incentivadas pela FUNAI não foi definitivo,
mostrando o quanto é forte a crença na sua própria cultura, o quanto são convincentes as suas
narrativas ticas e eficientes em suas práticas pedagógica na transmissão da cultura na
ausência de conflitos que lhes retiram a base de sustentação, pois é após a desintrusão da sua
Terra que os Zoró retomam as atividades culturais, como festas e rituais dedicados aos
espíritos, base do seu conjunto de crenças e ação humana.
A sobrevivência econômica é a terceira consideração a ser feita. As ingerências
causadas pelo contato com a sociedade nacional envolvente favoreceram uma gama de
intromissões na vida do povo que tornaram um modo de produzir baseado na sustentabilidade
dos recursos disponíveis em práticas produtivas pouco rentáveis e algumas impactantes ao
meio ambiente, cujas conseqüências ainda são presentes, mesmo após a implantação de
experiências bem sucedidas na comunidade. Uma questão a ser considerada é que existe a
104
vontade dos índios em manter o padrão alto de consumo de bens industrializados com um
mínimo de tempo para captação dos recursos monetários necessários à sua aquisição, e para
isso recorrem à venda de madeira. Não se quer minimizar a responsabilidade dos índios, mas
isso ocorre como discutido, por uma forte pressão dos madeireiros ilegais que espalham a
ilusão da riqueza fácil.
A quarta consideração diz respeito ao interesse que tiveram em aprender a ler,
escrever, fazer contas e implantar em suas aldeias a educação escolar desde os primeiros
momentos do contato, que persiste até os tempos atuais. A escola representa para os Zoró uma
porta para obtenção dos conhecimentos do não índio, e com isso estabelecer uma relação de
igualdade dentro da sociedade nacional envolvente. Não é por acaso que o nome da escola de
5ª à 9ª série se chama Aldeia-Escola Zawã Karej Pangyj
j, que traduzido para a língua
portuguesa significa “muitas portas para o povo Pangyjj”.
A quinta consideração, decorrente da anterior, é a feliz percepção por parte dos Zoró
de que a educação escolar deve acontecer dentro de seu território. A experiência de mandar
seus filhos estudarem nas escolas das cidades não trouxe bons resultados. Os mais velhos
perceberam que os jovens longe de seu contexto cultural representariam um risco à
continuidade de sua cultura, além do sofrimento desnecessário que as famílias teriam que
passar com a ausência de seus filhos. Organizaram-se, lutaram e conseguiram escolas do pré-
escolar ao ensino médio em sua Terra.
A expectativa e a importância em relação à educação escolar no futuro do povo é a
sexta consideração. Embora seja vago afirmar que os Zoró creditem à educação escolar um
papel central para o seu futuro, também não se pode afirmar o contrário como prova. Mas o
que pode suscitar dúvidas? A relação comunidade/escola. O pouco interesse das famílias em
exigir dos filhos menores a presença às aulas e o pouco empenho dos homens de freqüentá-las
ao chegar à fase adulta, isso leva a crer que são poucas as expectativas em relação à escola.
Mas a resposta para esse comportamento pode ser dada pela própria situação de que eles têm
que transitar em duas culturas diferentes: uma que prima pela educação tradicional,
assistemática, a outra que valoriza o saber escolar, sistematizado. Diante desse conflito, a
única afirmação a ser feita é a de que eles seguem ao seu modo, mantendo uma boa
convivência com realidades distintas.
A sétima consideração parte da idéia corrente de que não existe desenvolvimento
sustentável sem a educação. No caso específico dos Zoró a relação educação atividades
sustentáveis é perfeitamente observável, porque foi através das práticas pedagógicas adotadas
nas escolas que o povo se voltou para elas, através da venda do artesanato e da coleta da
105
castanha. Pode-se admitir ainda que a escola induziu o povo a organização política e social, ao
retorno das práticas culturais tradicionais e a ter uma relação menos desigual com a sociedade
nacional envolvente.
As considerações acima construídas estão fundamentadas nas relações sociais que o
povo constrói entre eles e entre eles e os outros, na crença dos mitos e na relação com o
sobrenatural, no respeito ao legado dos antepassados, na sabedoria construída através da
relação homem Zoró/natureza, transmitida e re-significada pela ação pedagógica tradicional.
A situação vivida no pós-contato com o não índio levou os Zoró a procurar meios para
sobreviver a essa nova realidade. Inicialmente o Estado, através da FUNAI, ditou de forma
arbitrária os rumos que o povo deveria seguir ao implantar modelos de exploração econômica
baseado nas grandes roças comunitárias para venda do excedente da produção; depois, os
índios partiram para exploração do látex da seringueira e para venda de madeira; ao criar a
Associação do Povo Zoró, voltaram-se para captação de recursos junto à entidades estatais ou
não governamentais com o intuito de frear a depredação do patrimônio natural implantando
projetos agroflorestais, coleta de castanha e de venda de artesanato; ultimamente estão
retornando à venda de madeiras. As atividades sustentáveis que tem continuidade assegurada
são as roças tradicionais e a coleta de castanha. As insustentáveis (predatórias) são a venda de
madeira; e a que tem possibilidades de sustentabilidade é a criação de gado bovino.
Que lições se pode tirar dos fatos descritos? A primeira é de que se os índios têm à
disposição uma riqueza inexplorada, para evitar a ilegalidade ou a exploração predatória, que
se use a legalidade. Que o Estado como responsável pela segurança e integridade do
patrimônio dos índios, permita-lhes o uso correto dos recursos através do fortalecimento de
sua entidade representativa: a Associação do Povo Indígena Zoró. Também é preciso que
todos tenham possibilidades iguais de auferir os lucros obtidos pelo uso do seu bem comum: a
Terra Indígena Zoró. A segunda lição é que as atividades baseadas na cultura persistem no
decorrer do tempo. Esta é uma constatação importante para a implantação de novos projetos,
ou seja, têm maior possibilidade de êxito os projetos que respeitam e agregam práticas
culturais tradicionais. Outra lição a ser retirada da observação das atividades produtivas Zoró
é que as práticas exógenas à sua cultura precisam de acompanhamento técnico.
A importância da educação tradicional resulta do fato de que a personalidade dos
indivíduos se forma de acordo com a visão de mundo do grupo social em que está inserido
expressando-se através da cultura cujo mecanismo de mediação para formação desse
indivíduo é a ação pedagógica. Dito isso, reafirma-se o postulado sociológico de que o
homem é um produto da sociedade na qual ele está inserido.
106
A conclusão a se tirar dessa dissertação é a de que a educação formal foi decisiva entre
os Zoró para o processo de valorização e de fortalecimento da cultura tradicional, frente às
investidas de desestruturação do seu modo próprio de viver no período do pós-contato com a
sociedade nacional envolvente. Dessa forma deve-se incentiva-la através da formação de
professores indígenas e da elaboração de currículos capazes de valorizar a cultura tradicional
articulando o sistema educacional aos projetos de desenvolvimento sustentável, formulados
em consonância com sua organização social e política e oportunizando condições para os
jovens prosseguirem nos estudos. Com isso, se está oferecendo elementos de
desenvolvimento sustentável para que o povo continue adotando alternativas produtivas
eficientes que visem o bem-estar de todos.
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