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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
NEUROCIÊNCIAS E COMPORTAMENTO
THELMA KULAIF
O teste de cores e palavras de Stroop modificado
para analfabetos
São Paulo
2005
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THELMA KULAIF
O teste de cores e palavras de Stroop modificado
para analfabetos
Dissertação apresentada ao Instituto
de Psicologia da Universidade de
São Paulo para a obtenção do título
de Mestre em Psicologia
Área de concentração:
Neurociências e Comportamento
Orientador: Luiz Eduardo Ribeiro do
Valle
São Paulo
2005
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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogação na publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Kulaif, Thelma.
O teste de cores e palavras de Stroop modificado para analfabetos /
Thelma Kulaif; orientador Luiz Eduardo Ribeiro do Valle. --São
Paulo, 2005.
68 p.
Dissertação (Mestrado – Programa de Pós-Graduação em
Psicologia. Área de Concentração: Neurociências e Comportamento) –
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
1. Teste de cores e palavras de Stroop 2. Atenção seletiva 3.
Alfabetização I. Título.
BF176
FOLHA DE APROVAÇÃO
Thelma Kulaif
O teste de cores e palavras de Stroop modificado para analfabetos
Dissertação apresentada ao
Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo para
a obtenção do título de Mestre
em Psicologia
Área de concentração:
Neurociências e
Comportamento
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr.___________________________________________________________________
Instituição:______________________Assinatura:________________________________
Prof. Dr.___________________________________________________________________
Instituição:______________________Assinatura:________________________________
Prof. Dr.___________________________________________________________________
Instituição:______________________Assinatura:________________________________
Prof. Dr.___________________________________________________________________
Instituição:______________________Assinatura:________________________________
Prof. Dr.___________________________________________________________________
Instituição:______________________Assinatura:________________________________
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Luiz Eduardo Ribeiro do Valle, pela orientação e pela
oportunidade de realizar este estudo.
Aos professores e funcionários da Universidade de São Paulo.
Às minhas irmãs Angela e Yara, pela constante ajuda e apoio nas horas difíceis.
Aos amigos que sempre me apoiaram.
Aos participantes do experimento, que tornaram este trabalho possível.
RESUMO
KULAIF, T. O teste de cores e palavras de Stroop modificado para analfabetos. 2005.
68f. Tese (Mestrado) - Instituto de Psicologia, Neurociências e Comportamento, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2005.
O teste de cores e palavras de Stroop (TCPS) é um instrumento de estabelecida reputação e
amplamente utilizado na prática neuropsicológica como medida de atenção seletiva
(SPREEN; SRAUSS, 1998). Entretanto, este teste não é eficaz quando aplicado em indivíduos
sem a capacidade de leitura. A tarefa de Números é uma modificação do TCPS e foi utilizada
neste estudo para avaliar o desempenho atencional de voluntários analfabetos. Participaram
desta pesquisa 30 indivíduos analfabetos (grupo experimental) e 30 voluntários com
escolaridade até a 4ª série do ensino fundamental (grupo de controle). Ambos os grupos
realizaram a tarefa de Números e o TCPS. O grupo de controle apresentou um efeito de
interferência de 14,9 s no TCPS e de 19,1 s na tarefa de Números, e o grupo de experimental,
que praticamente não apresentou interferência no TCPS (0,2 s), aumentou o tempo de
execução para 18,7 s na tarefa de Números. O grupo experimental gastou significativamente
mais tempo em todas as condições da tarefa de Números. Os resultados demonstram que a
tarefa de Números produz um efeito de interferência que não depende da capacidade de
leitura, e pode ser de grande valor para a avaliação da atenção seletiva e flexibilidade mental
de indivíduos analfabetos.
Palavras-chave: Teste de cores e palavras de Stroop. Atenção seletiva. Alfabetização.
ABSTRACT
KULAIF, T. The Stroop Color-Word Test Modified for illiterate. 2005. 68f. Thesis
(Master) – Neuroscience and Behavior, University of Sao Paulo, Sao Paulo, 2005.
The Stroop Color-Word Test (SCWT) is an instrument of established reputation and has been
widely used in neuropsychology practice as a measure of selective attention (SPREEN;
STRAUSS, 1998). However, it is not an effective test when applied to subjects with no
reading ability. The Numbers Task, a modification of the SCWT, was used in this study to
evaluate the performance of illiterate volunteers. Thirty illiterate individuals (experimental
group) and thirty proficient readers (control group) were the participants of this research. Both
groups performed the Numbers Task and the SCWT. The control group showed an
interference effect of 14.9 s and 19.1 s in the SCWT and in the Numbers Task, respectively,
while the experimental group showed irrelevant interference in the SCWT (0.2 s) but
increased the execution time up to 18.7 s in the Numbers Task. The experimental group has
spent significantly more time in all conditions. The Numbers Task evidences an interference
effect that does not depend on reading ability of the individual and can be of great value in the
evaluation of selective attention and mental flexibility of the illiterates.
Keywords: Stroop Color-Word Test. Selective attention. Literacy.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................. 1
1.1 A Atenção................................................................................................................................................. 1
1.2 O Teste de Cores e Palavras de Stroop (TCPS)....................................................................................... 5
1.3. Considerações gerais sobre o analfabetismo........................................................................................ 10
2. OBJETIVOS....................................................................................................................................................12
3. MÉTODO......................................................................................................................................................... 14
3.1 Participantes.......................................................................................................................................... 14
3.2 Material ................................................................................................................................................. 15
3.3 Procedimento ......................................................................................................................................... 16
3.4 Análise dos dados .................................................................................................................................. 17
4. RESULTADOS................................................................................................................................................ 19
4.1 Amostra.................................................................................................................................................. 19
4.2 Tempo de execução................................................................................................................................ 20
4.2.1 TCPS................................................................................................................................................... 21
4.2.2 Tarefa de Números.............................................................................................................................. 22
4.2.3 Comparação entre Tarefas, Grupos e Cartões ................................................................................... 24
4.3 Interferência........................................................................................................................................... 26
5 DISCUSSÃO..................................................................................................................................................... 28
6. CONCLUSÃO ................................................................................................................................................. 31
7. REFERÊNCIAS .............................................................................................................................................. 33
ANEXO A - TAREFA DE NÚMEROS ............................................................................................................. 39
Cartão 1 - cores ........................................................................................................................................... 39
Cartão 2 - cores e números.......................................................................................................................... 40
Cartão 3 - números coloridos ...................................................................................................................... 41
Cartão 4 - números ...................................................................................................................................... 42
ANEXO B - TCPS ............................................................................................................................................... 43
Cartão 1 - cores ........................................................................................................................................... 43
Cartão 2 - palavras coloridas...................................................................................................................... 44
Cartão 3 - nomes de cores ........................................................................................................................... 45
Cartão 4 - leitura ......................................................................................................................................... 46
ANEXO C - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO................................................ 47
ANEXO D - TESTES DE ACUIDADE VISUAL E DALTONISMO ............................................................. 48
ANEXO E - TABELAS DE TEMPOS DE EXECUÇÃO POR SUJEITO-....................................................49
APÊNDICE - O TESTE DE CORES E PALAVRAS DE STROOP MODIFICADO PARA
ANALFABETOS................................................................................................................................................. 53
1
1. INTRODUÇÃO
Considerado o “padrão-ouro” das medidas atencionais, o teste de cores e palavras de
Stroop (TCPS) não é eficaz para indivíduos sem a capacidade de leitura. A tarefa de Números,
uma modificação do TCPS, será utilizada neste estudo para avaliar o desempenho atencional
de voluntários analfabetos.
1.1 A Atenção
Como comenta Lezak (1995), sem um conceito universalmente aceito, a atenção
recebe definições muitas vezes divergentes e pode ser considerada como uma variável da
atividade mental relacionada com a eficiência do processamento cognitivo. Ela não se refere a
uma entidade unitária, mas engloba diversas acepções e mecanismos; não se liga a uma única
estrutura anatômica e nem pode ser avaliada por um único teste ou prova (GARCÍA-
OGUETTA, 2001).
Muito do que sabemos atualmente sobre os mecanismos atencionais têm sua origem
no século XIX, com os trabalhos de Willian James e Herman von Helmoltz. Willian James
(1890 apud STERNBERG, 2000, p.78) definiu atenção como “a tomada de posse da mente,
em uma forma clara e vívida, de um dos diversos objetos ou séries de pensamentos que
parecem simultaneamente possíveis. Implica o abandono de algumas coisas, a fim de ocupar-
se efetivamente de outras”. Tal definição realça o aspecto seletivo e voluntário do foco
atencional e pressupõe uma limitação no sistema para lidar com várias informações ao mesmo
2
tempo. Hermann Von Helmholtz (1894 apud GAZZANIGA et al., 1998), através de seus
experimentos envolvendo percepção visual, conseguiu demonstrar a capacidade de
direcionamento do foco atencional de maneira encoberta, sem o acompanhamento do olhar.
No período de 1920 a 1950, dominado pelo Behaviorismo, os mecanismos atencionais
foram pouco investigados. Em 1953, E.Colin Cherry destaca o caráter seletivo da atenção
auditiva por meio do que ele chamou de efeito do coquetel, como exemplificado no esforço
que fazemos para prestar atenção em uma conversa que nos interessa quando estamos no meio
de uma festa ou coquetel barulhento. Por meio de pesquisas envolvendo a escuta dicótica
(mensagens diferentes são transmitidas para cada ouvido) o autor demonstrou que a
orientação da atenção para um dos ouvido fazia com que as mensagens do ouvido não
atendido fossem, em grande parte, perdidas (GAZZANIGA et al., 1998).
Em 1958, Donald Broadbent, propôs um modelo de atenção para explicar os achados
de Cherry e descreveu um sistema de processamento de capacidade limitada, que conta com
uma espécie de filtro ou portão que só pode ser acessado pela informação atendida. Nessa
perspectiva, a informação ignorada não alcança o mecanismo de categorização e não é
identificada. Esta proposta ficou conhecida como a teoria do filtro atencional e implica que
somente quando o estímulo é selecionado, de acordo com suas características físicas, ele pode
ser completamente analisado a nível perceptual e semântico (GAZZANIGA et al., 1998).
A constatação apresentada por Treisman (1960) de que estímulos não atendidos,
porém significativos, também são capazes de serem processados levou Deutsch e Deutsch
(1963) a proporem um modelo que ficou conhecido como a teoria atencional da seleção de
resposta. Segundo esses autores, a seleção atencional ocorre num estágio tardio e, portanto,
todos os estímulos disponíveis são igualmente processados e devidamente identificados.
Discordando da proposta de seleção tardia, entretanto, Treisman (1960) propõe a teoria do
filtro atenuador. Nesse caso, o filtro atencional apenas atenua a entrada dos estímulos não
3
atendidos, permitindo, dessa forma, que eles também possam vir a serem processados, sempre
que forem significativos. A seleção da informação depende, assim, da sua importância para o
indivíduo (GAZZANIGA et al., 1998).
Atualmente sabemos que os mecanismos seletivos atencionais podem estar
relacionados ao espaço, aos objetos, às dimensões dos objetos e também aos objetivos e
necessidades de cada situação simultaneamente, e evidências demonstram que não temos o
pleno controle sobre o emprego desses diferentes modos de seleção. Eles podem ocorrer em
algum grau mesmo quando os estímulos não são atendidos, podendo causar interferência no
desempenho (KANWISHER; WOJCIULIK, 2000; MAGEN; COHEN, 2002;).
A atenção pode ser determinada por estímulos externos, de acordo com o seu grau de
intensidade, novidade e organização, e por estímulos internos do próprio indivíduo, de acordo
com sua necessidade, interesse e objetivo. Em cada um dos casos a atenção pode ser
capturada de forma involuntária, automática, ou ser voluntariamente determinada (LURIA,
1979). Os mecanismos automáticos podem ser rapidamente mobilizados, com seu efeito se
manifestando já por volta de 34 ms e os processos voluntários são mais lentamente
mobilizados, surgindo por volta de 200 ms. A dicotomia entre mecanismos automáticos e
voluntários presente na literatura ainda é bastante controversa e embora alguns autores têm
sugerido que se tratam realmente de dois fenômenos distintos (NAHAS; XAVIER, 2004),
vários outros têm considerado a automaticidade como um gradiente que se desenvolve com a
prática, e não mais a um fenômeno “tudo ou nada” (DUNBAR; MACLEOD, 1988; COHEN;
DUMBAR; McCLELLAND, 1990).
Aston-Jones (1999), Glasspool (2000) e Rubenstein et al. (2001) comentam o modelo
de Norman & Shallice (1986), relacionando o papel da atenção no controle da conduta.
Segundo esse modelo, grande parte das ações rotineiras e superaprendidas são reguladas por
esquemas de disparo automático, de forma estereotipada. Quando surge incompatibilidade
4
entre os esquemas, um sistema automático de resolução de conflitos seleciona os esquemas de
acordo com o contexto, por meio da inibição local dos esquemas competidores, para evitar
perturbações no comportamento global. Entretanto, em situações voluntariamente
determinadas, que exigem respostas novas ou pouco aprendidas, que envolvam ações
complexas ou perigosas, planejamento, tomada de decisão, correção de erros, enfim, quando o
processo automático não é mais adequado para garantir o comportamento apropriado, um
controlador superior, o Sistema Atencional Supervisor (SAS), é acionado.
Como colocam Sánchez-Carpintero e Narbona (2001), esse sistema pode ser
subdividido em diferentes tipos de atenção, de acordo com a especificidade dos componentes
prioritariamente envolvidos em cada situação, a saber: atenção seletiva ou focalizada, atenção
dividida e atenção sustentada. A atenção seletiva diz respeito à habilidade para resistir à
presença de distraidores. A atenção dividida refere-se à realização de mais de uma tarefa ao
mesmo tempo, ou à resposta a múltiplos elementos ou operações dentro de uma mesma tarefa,
e a atenção sustentada, à capacidade de manter o foco atencional de forma consistente e
continuada ao longo do tempo.
O sistema de controle atencional, SAS, descrito acima, assemelha-se ao principal
componente do conceito de memória operacional, o executivo central, no modelo de Baddeley
(1996), apesar de raramente tal associação ser mencionada pelos autores de ambas as áreas,
atenção e memória operacional (NAHAS; XAVIER, 2004). O executivo central é o sistema
responsável pelo controle e supervisão da atenção e permite o raciocínio, o planejamento de
estratégias, a tomada de decisão e a coordenação simultânea de duas ou mais atividades
concorrentes. Sua atividade está relacionada ao funcionamento do lobo frontal (XAVIER,
1996). A memória operacional é um sistema de capacidade limitada, responsável pelo
armazenamento temporário e a manipulação ativa da informação relevante para que possa
guiar o comportamento no desempenho de diversas tarefas. O executivo central é auxiliado
5
por dois outros sistemas de suporte, um relacionado às informações de natureza fonológica e o
outro para lidar com informações de natureza visoespacial.
As funções de supervisão e controle de outros sistemas, fundamentais para o
comportamento efetivo e contextualmente apropriado, também têm sido caracterizadas por
diversos autores como funções executivas (LEZAK, 2004; SÁNCHEZ-CARPINTERO;
NARBONA, 2001; SPREEN; STRAUSS, 1998). As funções executivas são as operações
mentais criticamente envolvidas na realização de tarefas com um objetivo final, em atividades
não rotineiras ou pouco apreendidas, que exigem a inibição de respostas habituais, que
requerem planejamento, julgamento, tomada de decisão, raciocínio, monitoramento interno e
externo e flexibilidade. As funções executivas têm sido consideradas um das mais importantes
funções da parte anterior do lobo frontal, mais especificamente sua região dorsolateral
(ESTÉVES-GONZÁLES; GARCÍA-SÁNCHES; BARRAQUER-BORDAS, 2000;
FUNAHASHI, 2001; PORTO, 1996; SANTOS, 2004).
A grande diversidade teórica, conceitual e metodológica que envolve o estudo da
atenção tem resultado numa literatura bastante confusa e pobremente integrada. Como
colocam Levitt e Johnstone (2001), este fato torna-se particularmente crítico para o clínico, se
considerarmos que as dificuldades atencionais estão entre as mais comuns seqüelas de
comprometimento cerebral. A caracterização e a medida do déficit do funcionamento
executivo ainda permanecem como um grande desafio para os neuropsicólogos
(CALLAHAN, 2001).
1.2 O Teste de Cores e Palavras de Stroop (TCPS)
6
Sabendo que a leitura de palavras e a nomeação de cores demandam tempos diferentes
para a sua execução, fato já demonstrado no trabalho pioneiro de Cattell (1886 citado por
MACLEOD, 1991), e interessado em compreender a interferência causada por processos
conflitantes, J. Ridley Stroop (1935) combinou em seus experimentos as duas dimensões,
cores e palavras.
O TCPS consiste de dois cartões, cada um contendo 10 colunas e 10 fileiras de
estímulos coloridos. No primeiro cartão a cor de manchas coloridas impressas deve ser
rapidamente nomeada. No segundo cartão, a cor, com a qual nomes de cores estão impressos
(a palavra AZUL impressa na cor rosa, por exemplo) também deve ser nomeada rapidamente.
A leitura dos nomes deve ser inibida e não há congruência entre a cor a ser nomeada e o nome
da cor impressa. A avaliação do teste é calculada pela diferença do tempo gasto entre os
cartões.
Stroop observou que os sujeitos levam mais tempo para nomear as cores de palavras
designando cores incongruentes do que para nomear as cores de caracteres não diretamente
relacionados com cores. Este marcado fenômeno de interferência, que produz aumento no
tempo da resposta e na razão de erros, tem sido chamado efeito Stroop.
Como um todo, suas pesquisas suportam as hipóteses de que as palavras evocam uma
única resposta enquanto as cores evocam múltiplas respostas, e de que a prática conta para o
padrão de interferência assimétrica. Se as palavras interferem normalmente com a nomeação
das cores pela extensiva prática que temos com a leitura, podemos então criar uma situação na
qual o padrão inverso ocorra, ou seja, as cores interferindo na leitura das palavras. Quando
isso ocorre dizemos que há o efeito Stroop inverso ou invertido (MACLEOD, 1991).
O nível educacional, a idade e a habilidade intelectual geral influenciam o desempenho
do participante, mas diferenças de gênero não estão sempre presentes (CRAMER, 1967;
HOUX; JOLLES; VREELING, 1993; KLEIN et al., 1997; OBONSAWIN et al., 2002;
7
UTTL; GRAF, 1997). Comalli, Wapner e Werner (1962) mostram que o efeito de
interferência é maior por volta de sete anos, quando as crianças desenvolvem a leitura,
decresce com o aumento da idade (até 17-19 anos), permanece constante durante a meia vida
(25-45 anos) e aumenta novamente no grupo idoso (65-80 anos).
O TCPS tem se mostrado sensível a pacientes que apresentam disfunções no lobo
frontal (STUSS et al., 2001). Como salientam Wright et al. (2003), a validade desta tarefa é
demonstrada através de confiáveis associações com condições patológicas cuja seqüela
comportamental é um pobre controle inibitório, como na esquizofrenia, no Transtorno do
Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC),
Síndrome de Tourette e Autismo.
Diversas teorias tentam explicar os mecanismos envolvidos no efeito Stroop. A teoria
da velocidade relativa de processamento considera que a relação de tempo envolvida no
processamento dos estímulos irá definir o padrão de interferência. Nessa perspectiva, o efeito
Stroop assemelha-se a uma corrida de cavalos, onde as duas respostas potenciais competem
para ser a resposta produzida. Considerando que os dois atributos são processados em paralelo
e que é mais rápida a leitura de palavras em relação à nomeação de cores, se a palavra for
conflitante com a cor, sua influência precisa ser superada para que a resposta correta possa ser
alcançada, dando origem a um tempo de resposta maior e à interferência observada. Como a
palavra errada tende a chegar antes, o efeito Stroop estaria relacionado a sua inibição
(DUMBAR; MACLEOD, 1984; DYER, 1973).
Estudos de manipulações na assincronia de apresentação dos estímulos (SOA)
indicam, porém, que a velocidade relativa de processamento não é a única variável relevante
para o padrão de interferência nessa tarefa. Se assim fosse, deveria haver uma situação na qual
a apresentação antecipada da cor seria capaz de compensar a lentidão do seu processamento
em relação à palavra (GLASER; DÜNGELHOFF, 1984; MACLEOD, 1991).
8
Como uma variante da teoria da velocidade relativa de processamento, a teoria da
automaticidade propõe que a leitura é mais rápida pois envolve processos automáticos
(BROWN et al., 2002). A ativação automática do significado da palavra, entretanto, tem sido
questionada por estudos que demonstram que o efeito Stroop pode ser manipulado
experimentalmente por fatores como o contexto e a distribuição espacial do foco atencional.
Estes fatores permitem determinar a direção, a magnitude e a própria ocorrência do efeito
Stroop (BESNER; STOLZ, 1999; CHEN, 2003; FLOWERS; WARNER; POLANSKY,
1979).
Em um modelo que parece amalgamar as duas concepções anteriores, rapidez de
processamento e automaticidade, Cohen, Dumbar e McClelland (1990) enfatizam a força das
conexões existentes entre as vias neuronais envolvidas no processamento dos estímulos para
explicar o efeito Stroop. Segundo este modelo, o gradiente de força é subjacente à rapidez de
processamento e determina o grau de automaticidade. O processamento de uma informação
implica a propagação bidirecional de sinais neuronais entre diversos módulos e vias. A
rapidez e a acurácia com que uma tarefa é realizada dependem da facilidade com que a
informação flui por entre estas unidades, que, por sua vez, é determinada pela força
estabelecida entre suas conexões, e desenvolvida com a prática. Quanto mais forte for um
processo, mais rápida será a ativação das unidades envolvidas, menores serão seus
requerimentos de atenção e menos susceptível estará ao controle atencional, aumentando,
dessa forma, a probabilidade de produzir interferência. Interferência irá ocorrer quando
diferentes vias de processamento interagem em módulos coincidentes e ambas as vias estão
ativas com distintos padrões de ativação.
Uma habilidade adquirida com alto nível de prática é mais difícil de ser inibida e traz,
além de benefícios, custos ou prejuízo para o desempenho de uma tarefa (BESNER; STOLZ,
1999).
9
Um mecanismo de seleção atencional baseado na resposta também tem sido utilizado
para explicar o efeito Stroop. Segundo Magem e Cohen (2002), os mecanismos seletivos
atencionais baseados nos requerimentos de uma tarefa atuam facilitando a representação de
estímulos relacionados, embora ao mesmo tempo irrelevantes, tornando-os capazes de
interferir e determinar uma falha atencional. Assim, sendo solicitada no TCPS a nomeação de
cores, outros estímulos relacionados, como os nomes de cores, também serão selecionados, ao
invés de inibidos.
Dishon-Berkovits e Algon (2000), Melara e Mounts (1993) e Sabri et al. (2001)
identificam dois fatores atuantes no padrão assimétrico de interferência encontrado no TCPS e
na seletividade atencional: a relativa discriminabilidade de cada dimensão do estímulo (cores
e palavras) e a forma como estão correlacionadas. Quando ambas as dimensões têm
discriminabilidade equiparada e um estímulo não conduzir nenhuma informação sobre o
outro, a assimetria no desempenho desaparece. Assim, quanto mais saliente e informativo um
estímulo for sobre o outro, maior será seu poder de interferência. Teoricamente, entretanto, a
forma dos estímulos e o desequilíbrio entre eles não são fixos ou inevitáveis. Diferentes
conjuntos de estímulos experimentais (palavras escritas com diferentes fontes ou a variação
de cores) darão origem a diferentes reuniões de valores no espaço cognitivo.
A consistência encontrada no padrão de assimetria da interferência (as palavras
interferindo na cor, mas não o contrário) e o grande interesse teórico despertado pelo efeito
Stroop deram ao TCPS o status de “padrão-ouro” das medidas atencionais (MACLEOD,
1992).
Variações no procedimento original de Stroop, com relação ao número de trilhas, ao
número de itens, número de cores, significação semântica, apresentação dos estímulos
(verticais, colunas, fileiras), tipo de estímulos (figuras, letras, símbolos, estímulos auditivos),
forma de aplicação e escore (tempo, erro, ambos, números de itens nomeados corretamente,
10
índice de interferência), têm sido exploradas (MACLEOD, 1991). Spreen e Strauss (1998)
mencionam várias versões do teste de Stroop, como a de Golden (1976, 1978), Dodrill (1978),
Graf, Uttl e Tuokko (1995), Trenerry et al. (1989) e Victoria (1981).
1.3. Considerações gerais sobre o analfabetismo
O conceito de analfabetismo, tradicionalmente utilizado para designar a incapacidade
de ler e escrever, tem sido revisto para incluir as pessoas aparentemente alfabetizadas, mas de
forma insuficiente. Assim, a partir de 1978, a UNESCO adotou o uso do termo analfabetismo
funcional para poder englobar aqueles indivíduos que não conseguem utilizar as habilidades
de leitura, escrita e cálculo na solução de problemas cotidianos e que apresentam uma
inserção social deficitária, dificultando seu próprio desenvolvimento e o desenvolvimento de
sua comunidade. O grau de alfabetização adquirido nessa população, freqüentemente com
menos de 4 anos de escolaridade, não é suficiente frente às necessidades cotidianas impostas
pelo contexto econômico, político ou sociocultural da sociedade moderna (MOREIRA, 2003).
Da mesma forma, na tentativa de ultrapassar uma concepção acadêmica tradicional de
alfabetização, limitada ao desempenho de tarefas escolares, um novo enfoque no conceito de
alfabetização como competência funcional tem sido descrito. Assim, alfabetizados funcionais
são indivíduos que, freqüentemente com mais de 10 anos de escolarização formal, conseguem
utilizar as habilidades de leitura, escrita e cálculo na solução de problemas diários e para
atingir objetivos específicos e significativos socialmente (MOREIRA, 2003).
Conforme citado em Moreira (2003), o NALS-National Adult Literacy Survey, do
Departamento de Educação dos Estados Unidos, tem servido de modelo para o levantamento
11
sobre a medida de alfabetização em vários países. A avaliação do conjunto de habilidades
necessárias para conseguir usar informação impressa e escrita - para funcionar em sociedade,
atingir objetivos e desenvolver o conhecimento - é realizada com o uso de três escalas de
alfabetização funcional, que incluem textos em prosa, textos esquemáticos e textos com
informação numérica. O grau de proficiência é obtido a partir da pontuação atingida em cada
escala (0 a 500) e está representado em 5 níveis de alfabetização. Os analfabetos funcionais se
situam nos níveis 1 e 2 e é estimado que mais de 900 milhões de pessoas no mundo façam
parte desse contingente.
A quinta versão do Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional (IBOPE, 2005),
uma pesquisa lançada pelo Instituto Paulo Montenegro e pela Ação Educativa no Dia
Internacional da Alfabetização, 8 de setembro de 2005, no Brasil, 75% das pessoas na faixa
etária dos 15 aos 64 anos não conseguem ler e escrever plenamente. Deste número, que inclui
os analfabetos, 68% são considerados analfabetos funcionais.
Os dados referentes à população escolar brasileira também não são animadores. O
Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb) do Inep (Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais/ Ministério da Educação) avalia, a cada dois anos, o quanto essa
população consegue ler e entender a partir da leitura. No Relatório Saeb 2001 (Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2002) sobre o desempenho em Língua
Portuguesa, os dados revelam que apenas 4% dos alunos de quarta série, 11% dos alunos de
oitava série e 5% dos alunos da terceira série do ensino médio têm desempenho aceitável,
acima do nível mínimo esperado. Na mesma época, segundo dados da avaliação internacional
de competência de leitura, o Pisa, promovido pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil bateu o recorde mundial de incompetência de
leitura, dentre 36 países avaliados (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2004).
12
2. OBJETIVOS
O objetivo geral do presente estudo é desenvolver uma modificação do teste de cores e
palavras de Stroop que seja aplicável a indivíduos sem a habilidade de leitura. Assim,
introduzimos a tarefa de Números que utiliza como estímulos cores e números. Na condição
crítica, números coloridos são apresentados e a cor da impressão deve ser rapidamente
nomeada, com a solicitação adicional de nomeação dos próprios números sempre que
estiverem impressos na cor preta.
A importância marcante dos números no nosso dia-a-dia nos leva a supor que o seu
reconhecimento deva estar tão automatizado quanto a leitura de palavras. Como um símbolo
de complexidade menor, é aprendido antes dela, e por isso pode ser um estímulo utilizado
quando houver prejuízo da capacidade de leitura.
A contagem de estímulos numéricos promove interferência, quando estes forem
números incompatíveis (MORTON, 1969; SEDO, 2003). Outras manipulações que envolvem
interações entre o tamanho físico de um número impresso e a sua magnitude numérica
também têm sido utilizadas para o estudo da atenção e do efeito Stroop (ALGOM et al., 1996;
PANSKY; ALGOM, 1999; PANSKY; ALGOM, 2002). Wolitzky et al. (1972) propõem uma
modificação do TCPS com a combinação de cores e dígitos. Nesse caso, as palavras são
substituídas por números e uma fita cassete que reproduz dígitos de forma aleatória é utilizada
na situação crítica para provocar interferência no desempenho de indivíduos mentalmente
prejudicados.
Para a avaliação da modificação proposta, a tarefa de Números e o TCPS foram
aplicados em indivíduos analfabetos considerando que a ausência da capacidade de leitura
13
nestes indivíduos é condição cuja verificação independe de diagnósticos específicos e mais
complexos.
Dessa forma, os objetivos específicos deste estudo consistiram em: 1) Testar a
hipótese de que a tarefa de Números cria uma interferência no desempenho de indivíduos
analfabetos equivalente à interferência produzida pelo TCPS em indivíduos sem essa
limitação, e, 2) Investigar os efeitos da interferência na tarefa de Números em indivíduos com
e sem a habilidade de leitura desenvolvida.
14
3. MÉTODO
3.1 Participantes
Este projeto foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa com Seres Humanos -
CEPH do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (Parecer nº 06/04 de
07/05/04). Participaram da pesquisa, 60 adultos de ambos os sexos (44 mulheres e 16
homens), com idade média de 39 anos (20-55 anos). A participação foi voluntária e
consentida, com a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (ANEXO C).
A seleção dos voluntários foi baseada na capacidade de leitura correta das palavras
CADA, NUNCA, HOJE e TUDO, utilizadas no segundo cartão do TCPS. Assim, os
participantes que não conseguiram ler corretamente as mesmas palavras foram considerados
no grupo experimental - de analfabetos - e os voluntários que conseguiram ler corretamente as
palavras do TCPS foram considerados no grupo de controle.
Na tentativa de minimizar a influência de fatores sócio-econômicos, culturais e
educacionais não controlados, todos os participantes foram recrutados em empresas
terceirizadas de limpeza e em projetos de alfabetização para jovens e adultos do ciclo
fundamental, na cidade de São Paulo. Apenas duas voluntárias não estavam, no momento da
pesquisa, empregadas formalmente. Todos os voluntários do grupo de controle cursaram
apenas até a 4ª série do ensino fundamental.
Indivíduos com comprometimento mental, conforme referido, informado pela escola
ou observado durante a sessão, assim como aqueles com história pregressa de
comprometimento neurológico, foram excluídos do experimento.
15
Todos apresentaram visão normal ou corrigida e não tiveram problemas para
discriminar as cores.
3.2 Material
O teste de Cores e Palavras de Stroop (TCPS), versão Vitória, foi utilizado neste
estudo por requerer um tempo de administração mais curto, sendo de grande valor prático. A
versão Vitória compreende três cartões, 1 (cores), 2 (palavras coloridas) e 3 (nomes de cores),
cada um contendo 24 estímulos dispostos em seis fileiras com quatro itens em cada uma delas
(ANEXO B). O primeiro cartão, 1 (cores), contém retângulos coloridos com as cores rosa,
verde, azul e marrom, que devem ser rapidamente nomeadas. O segundo cartão, 2 (palavras
coloridas), contém as palavras CADA, HOJE, NUNCA e TUDO impressas nessas mesmas
cores, mas somente as cores devem ser nomeadas. No terceiro cartão, 3 (nomes de cores), os
nomes dessas quatro cores estão impressos em cores incongruentes (por exemplo, a palavra
AZUL aparece impressa na cor rosa). Novamente aqui, a leitura dos nomes deve ser evitada e
as cores impressas devem ser rapidamente nomeadas. No presente experimento, entretanto,
também incluímos um quarto cartão, 4 (leitura), contendo as mesmas palavras do segundo
cartão, mas agora com impressão em tinta preta, para averiguarmos a eficiência da leitura. A
avaliação do teste reflete o tempo gasto pelo indivíduo em cada cartão e o número de erros
cometidos, não autocorrigidos. Erros corrigidos espontaneamente são considerados acertos.
Tipicamente, os pesquisadores têm se baseado num escore de interferência definido como a
diferença entre o tempo gasto no cartão de interferência e no cartão neutro (3-1), apesar de
16
ainda ser controversa a questão sobre qual a forma mais adequada para a determinação desse
escore (MACLEOD,1991; SPREEN; STRAUSS, 1998).
A tarefa proposta neste estudo, com números e cores, também é cronometrada e utiliza
quatro cartões, 1, 2, 3 e 4, cada um com 24 estímulos (numéricos e coloridos)
randomicamente ordenados e dispostos com organização espacial semelhante àquela do TCPS
(ANEXO A). Selecionamos apenas números pronunciados com duas sílabas (assim como os
nomes das cores utilizadas). O primeiro cartão, 1 (cores), consiste de retângulos coloridos nas
cores azul, verde, rosa e preto, que devem ser rapidamente nomeadas. O segundo cartão, 2
(cores e números, e utilizado neste estudo como o cartão controle), alterna as duas classes de
estímulos, os números, impressos em preto, e as cores, em retângulos separados, seguindo a
mesma disposição espacial de seis linhas e quatro colunas. O voluntário deve nomear
rapidamente ambos os estímulos, conforme a sua disposição alternada no cartão. O terceiro
cartão, 3 (números coloridos), substitui os retângulos coloridos da prancha anterior por
números coloridos, enquanto mantém os números pretos. Aqui, o participante deve falar o
número, quando ele for preto, e falar a sua cor, quando for colorido, o mais rápido que puder.
O quarto cartão referido aqui, 4 (números), contém os números 4, 5, 8 e 9, impressos em
preto, que devem ser rapidamente nomeados. O escore de interferência é calculado como a
diferença entre o tempo gasto no cartão 3 e o tempo gasto no cartão 1.
3.3 Procedimento
Os voluntários realizaram individualmente ambas as tarefas, tendo parte do grupo
realizado primeiro o TCPS e depois a tarefa de Números e a outra parte do grupo realizado as
17
tarefas em ordem inversa. Os cartões de Stroop foram sempre apresentados na seqüência 1
(cores), 2 (palavras coloridas), 3 (nomes de cores) e 4 (leitura), para evitar qualquer tipo de
alteração na tarefa original. Os cartões de Números foram sempre aplicados na seqüência 4
(números), 1 (cores), 2 (cores e números) e 3 (números coloridos), com o objetivo de iniciar a
tarefa com o cartão mais fácil e de termos garantia que o voluntário conhecia as cores e os
números apresentados. As aplicações ocorreram em apenas uma sessão e sempre em uma sala
disponível na própria instituição visitada. Em ambas as tarefas, a rapidez do desempenho em
cada cartão foi avaliada com um cronômetro manual, conforme utilizado na prática clínica.
Erros autocorrigidos foram considerados acertos. A contagem do tempo só era iniciada depois
que o voluntário demonstrava ter compreendido a tarefa, respondendo corretamente pelo
menos à primeira linha de cada cartão.
Sabemos que a operação manual de um cronômetro não só está longe ser uma situação
ideal, em termos de precisão e acurácia, como também não elimina a possível influência do
experimentador nos resultados alcançados. Contudo, diante de limitações práticas implicadas
na realização deste trabalho, e, considerando que o cronômetro manual é o instrumento
comumente utilizado na situação clínica, optamos por sua utilização. Embora os tempos
obtidos pelos participantes possam ser alterados com a medição computadorizada,
acreditamos que o padrão dos resultados não será modificado em sua essência. Consideramos
ainda, que a situação experimental também pode, eventualmente, influenciar o desempenho
de participantes que não estejam familiarizados com a informação computadorizada, ou com a
situação de laboratório, como é o caso de grande parte da população incluída neste estudo.
3.4 Análise dos dados
18
As variáveis sócio-demográficas dos dois grupos (controle e experimental) foram
analisadas com o fim de verificar se havia homogeneidade em suas composições. Para essa
avaliação utilizamos o teste Qui-Quadrado, no caso das variáveis qualitativas, e o teste t de
Student, no caso das variáveis quantitativas. As médias (e erro padrão) dos tempos de
execução (medidos em segundos) dos 60 participantes foram submetidas à análise de
variância ANOVA com medidas repetidas. Com o objetivo de comparar os tempos de
resposta entre os dois grupos (controle e experimental) foi feita uma análise para cada uma
das duas tarefas (TCPS e Números) separadamente, sendo avaliado o grupo, o cartão e a
interação entre ambos, grupo e cartão. Posteriormente, uma segunda análise com o objetivo de
comparar tanto os grupos quanto as tarefas foi realizada, sendo avaliado o efeito de tarefa,
grupo, cartão e as possíveis interações entre esses efeitos. No caso de significância estatística,
prosseguiu-se a análise por meio da construção de contrastes para a avaliação das diferenças
específicas. Em toda a análise estatística foi adotado um nível de significância α=0,05.
19
4. RESULTADOS
4.1 Amostra
De acordo com a Tabela 1 observa-se que a amostra foi constituída por uma maior
porcentagem de mulheres, sendo que essa proporção foi mantida entre os grupos. Assim,
podemos observar que não houve associação estatisticamente significante entre sexo e grupo
(p=0,559). A idade variou de 20 a 55 anos, sendo que no grupo de controle a idade média foi
de 37,8 anos (desvio padrão = 9,9 anos) e no grupo experimental foi de 41,8 anos (desvio
padrão = 7,8 anos). Por meio de um teste t de Student observou-se uma diferença apenas
marginalmente significante (p=0,091) entre ambos os grupos, ou seja, a idade média do grupo
experimental tendeu a ser maior que a do grupo de controle, sem entretanto, tal diferença
alcançar significância estatística.
Tabela 1 - Distribuição dos indivíduos segundo grupo e sexo
Grupos
Sexo
Controle Experimental Total
Feminino 23 (76,7%) 21 (70,0%) 44 (73,4%)
Masculino 7 (23,3%) 9 (30,0%) 16 (26,7%)
Total 30 (100,0%) 30 (100,0%) 60 (100,0%)
20
A partir de um sorteio aleatório, parte da amostra realizou inicialmente o TCPS e em
seguida a tarefa de Números, e a outra parte realizou a seqüência inversa, ou seja, primeiro a
tarefa de Números e depois o TCPS. A Tabela 2 apresenta a distribuição desses indivíduos
segundo a seqüência, de onde se pode observar que não houve associação entre grupo e
seqüência (p=0,121).
Tabela 2 - Distribuição dos indivíduos segundo grupo e seqüência de aplicação dos testes
Grupos
Seqüência
Controle Experimental Total
Número-Stroop 17 (56,7%) 11 (36,7%) 28 (46,7%)
Stroop-Número 13 (43,3%) 19 (63,3%) 32 (53,3%)
Total 30 (100,0%) 30 (100,0%) 60 (100,0%)
4.2 Tempo de execução
A média e erro padrão dos tempos utilizados pelos voluntários em cada cartão e em
ambas as tarefas, estão apresentados na Tabela 3. Os tempos relativos ao cartão 4 (leitura) do
TCPS não foram obtidos dos voluntários analfabetos, pois eles não conseguem ler as palavras.
21
Tabela 3 - Média ± erro padrão do tempo de execução (segundos) das tarefas segundo cartão e grupo.
Tarefa
Stroop
Números
Cartão
Controle
(n=30)
Experimental
(n=30)
Controle
(n=30)
Experimental
(n=30)
1
18,4 ± 0,6 23,7 ± 1,2
17,8 ± 0,7 22,5 ± 1,4
2
23,5 ± 0,9 24,0 ± 1,2
19,1 ± 0,9 26,7 ± 2,3
3
33,3 ± 1,6 23,9 ± 1,4
36,9 ± 1,4 41,2 ± 1,8
4
16,4 ± 0,6
-
12,6 ± 0,4 17,2 ± 0,7
Nota: TCPS - 1-cores; 2-palavras coloridas; 3-nomes de cores; 4-leitura. Tarefa de Números - 1-cores; 2-cores e
números; 3-números coloridos; 4-números.
4.2.1 TCPS
Como se pode observar na Figura 1, o grupo experimental apresentou praticamente o
mesmo tempo em todos os cartões avaliados. Já o grupo de controle mostrou um acréscimo do
tempo à medida que foram sendo trocados os cartões, sendo que o cartão 3 (nomes de cores)
foi o que apresentou o maior tempo para ser realizado.
22
0
10
20
30
40
50
123
Cares
Tempo (s)
Controle Experimental
Figura 1. Média (+ erro padrão) do tempo de execução do TCPS segundo grupo
Por meio de uma ANOVA com medidas repetidas observou-se que houve efeito
significante da interação entre grupo e cartão (p<0,001), ou seja, os grupos não apresentaram
o mesmo comportamento ao longo dos cartões. Dessa forma, prosseguiu-se a análise através
da construção de contrastes para compararmos os tempos de execução dos grupos em cada um
dos cartões. No cartão 1 (cores) o grupo experimental gastou, em média, 5,3 ± 1,7 s a mais
que o grupo de controle (p=0,002). No cartão 2 (palavras) os dois grupos gastaram, em média,
o mesmo tempo de execução (p=0,770). No cartão 3 (nomes de cores) o grupo de controle
gastou, em média, 9,4 ± 1,7 s a mais que o grupo experimental (p<0,001).
4.2.2 Tarefa de Números
23
Observando a Figura 2 podemos perceber que os dois grupos apresentaram padrões de
respostas muito parecidos. Entretanto, o grupo experimental apresentou tempos de resposta
maiores que os apresentados pelo grupo de controle.
0
10
20
30
40
50
4123
Cartões
Tempo (s)
Controle Experimental
Figura 2. Média (+ erro padrão) do tempo de execução da tarefa Número segundo o grupo
De acordo com uma ANOVA com medidas repetidas não foi observado efeito
significante da interação entre grupo e cartão (p=0,574), ou seja, os grupos apresentaram o
mesmo comportamento ao longo dos cartões avaliados. Houve diferença significativa de
grupo (p<0,001), ou seja, o grupo experimental gastou, em média, 5,3 ± 0,9 s a mais que o
grupo de controle. Também houve efeito de cartão (p<0,001) e, com o objetivo de
detectarmos onde se encontram as diferenças, prosseguimos a análise através da construção de
contrastes. Comparando o cartão 4 (números) com o cartão 1 (cores) pudemos observar um
acréscimo no tempo de respostas estimado em 5,3 ± 1,3 s (p<0,001). Do cartão 1 (cores) para
o cartão 2 (cores e números) também houve um acréscimo no tempo de respostas estimado em
24
2,8 ± 1,3 s (p=0,039). Finalmente, do cartão 2 (cores e números) para o cartão 3 (números
coloridos), o tempo médio de resposta aumentou em 16,1 ± 1,3 s.
4.2.3 Comparação entre Tarefas, Grupos e Cartões
Podemos observar na Figura 3 que o grupo experimental, na tarefa de Números,
apresentou os maiores tempos de resposta, quando comparado aos demais. Também se pode
notar que o grupo de controle apresentou, no cartão 2, tempos maiores no TCPS do que na
tarefa de Números, mas que, no cartão 3 (números coloridos), há uma inversão desse
comportamento, com o grupo de controle apresentando tempo de resposta maior na tarefa de
Números do que no TCPS.
0
10
20
30
40
50
123
Cartões
Tempo (s)
Stroop_Controle Stroop_Experim
meros_Controle meros_Expeim
Figura 3. Média (+ erro padrão) do tempo de execução segundo tarefa e grupo
25
Através de uma ANOVA com medidas repetidas foram testadas as seguintes variáveis:
tarefa (TCPS e Números), grupo (controle e experimental), cartões (1, 2 e 3) e todas as
possíveis interações entre essas variáveis. Observou-se efeito significante da interação entre
tarefa, grupo e cartão (p<0,001) e, também, de todas as interações duplas (p<0,001). Dessa
forma, prosseguiu-se a análise através da construção de contrastes para avaliar onde se
encontram as diferenças.
No TCPS, o grupo de controle apresentou aumento significativo no tempo de respostas
nos três cartões (p<0,001), sendo que do cartão 1 (cores) para o 2 (palavras coloridas) o
aumento médio no tempo de resposta foi de 5,1 ± 0,9 s (p<0,001) e do cartão 2 (palavras
coloridas) para o 3 (nomes de cores) o aumento médio foi de 9,8 ± 1,1 s (p<0,001),
demonstrando o efeito Stroop. O grupo experimental, conforme esperado, não apresentou
diferença estatisticamente significante do tempo de resposta em cada um dos cartões
(p=0,944).
Na tarefa de Números, o grupo de controle não apresentou aumento estatisticamente
significante do tempo de resposta do cartão 1 (cores) para o 2 (cores e números) (p=0,387),
mas do cartão 2 (cores e números) para o 3 (números coloridos) houve um acréscimo
significante estimado em 17,8 ± 1,9 s (p<0,001). O grupo experimental apresentou aumento
significativo no tempo de respostas nos três cartões avaliados (p<0,001), sendo que do cartão
1 (cores) para o 2 (cores e números) houve um acréscimo médio de 4,2 ± 1,5 s (p=0,008) e do
cartão 2 (cores e números) para o 3 (números coloridos) houve um acréscimo médio de 14,4 ±
1,9 s (p<0,001).
Também foram feitas comparações entre as tarefas (TCPS e Números) dentro de cada
um dos grupos (controle e experimental). No grupo de controle observou-se que não houve
diferença estatisticamente significante do tempo de respostas gasto no cartão 1 (cores) do
TCPS e no cartão 1 (cores) da tarefa de Números (p=0,420). Comparando-se o tempo de
26
respostas do cartão 2 entre o TCPS (palavras coloridas) e a tarefa de Números (cores e
números) observou-se que na primeira foram gastos 4,4 ± 1,7 s a mais do que na segunda. No
cartão 3, entretanto, observou-se uma inversão de comportamento, ou seja, o grupo de
controle gastou em média 3,6 ± 1,5 s a mais na tarefa de Números (p=0,021).
No grupo experimental não houve diferença estatisticamente significante do tempo de
respostas gasto no cartão 1 (cores) de ambas as tarefas (p=0,119), o mesmo ocorrendo com o
cartão 2, palavras coloridas, do TCPS e cores e números, da tarefa de Números (p=0,116). No
cartão 3, entretanto, esse grupo gastou, em média, 17,2 ± 1,5 s a mais na tarefa de Números
(números coloridos) do que no TCPS (nomes de cores) (p<0,001).
Com relação ao tempo de respostas, foi observado o mesmo padrão de comportamento
entre o grupo de controle no TCPS e o grupo experimental na tarefa de Números (p=0,083),
sendo que os indivíduos do grupo experimental na tarefa de Números, gastaram, em média,
5,0 ± 1,6 s a mais do que os indivíduos controle no TCPS (p=0,002). Também não houve
diferença no comportamento de respostas da tarefa de Números entre os grupos (p=0,383),
sendo que o grupo experimental gastou em média 5,5 ± 1,7 s a mais do que o grupo de
controle (p=0,002).
4.3 Interferência
A interferência no TCPS foi calculada pela diferença no tempo gasto entre os cartões
3, nomes de cores, e 1, cores. Na tarefa Números, a interferência foi calculada pela diferença
entre os cartões 3, números coloridos e 1, cores. A média da interferência segundo tarefa e
grupo está apresentada na Figura 4.
27
-5
0
5
10
15
20
25
Stroop Número
Grupo
Interferência (s)
Controle Experimental
Figura 4. Média (+ erro padrão) da interferência segundo tarefa e grupo
Através de uma ANOVA com medidas repetidas observou-se efeito significante da
interação entre grupo e tarefa (p<0,001), ou seja, os grupos não apresentaram o mesmo
comportamento de interferência nas tarefas realizadas. Com o objetivo de detectarmos onde se
encontram as possíveis diferenças foram construídos contrastes. Para o TCPS observa-se que
o grupo experimental apresentou uma interferência menor do que a apresentada pelo grupo de
controle (p<0,001), sendo essa diferença estimada em 14,7 ± 1,8 s. Para a tarefa Números não
foi observada diferença estatisticamente significante da interferência entre o grupo de controle
e o experimental (p=0,815).
No grupo de controle foi observada diferença estatisticamente significante de
interferência entre o TCPS e a tarefa Números (p=0,027), sendo a diferença de 4,2 ± 1,8 s.
Também no grupo experimental observou-se que a interferência no TCPS foi menor do que
na tarefa Números (p<0,001), sendo essa diferença estimada em 18,5 ± 1,8 s.
28
5. DISCUSSÃO
Os resultados obtidos em nosso experimento mostram que a tarefa de Números
conseguiu produzir significativa interferência nos dois grupos de voluntários. Os
participantes analfabetos demonstraram um tempo de execução significativamente maior em
todas as condições.
Conforme esperado, no TCPS os voluntários do grupo de controle gastaram
significativamente mais tempo para a nomeação das cores de nomes de cores (14,9±1,4 s),
enquanto o grupo experimental não apresentou qualquer efeito de interferência (0,2±1,02 s)
ao longo dos cartões, gastando em cada um deles praticamente o mesmo tempo utilizado para
a simples nomeação de cores (23,7±1,2 s).
Na tarefa de Números, ambos os grupos apresentaram o mesmo padrão de
comportamento, demonstrando interferências de 19,1±1,3 s (grupo de controle) e de 18,7±1,4
s (grupo experimental), respectivamente. Embora seja provável que os números, assim como
as palavras, tenham seu processamento facilitado em relação às cores, pela extensiva prática
que temos com eles, acreditamos que a falta de relação entre essas dimensões, cores e
números, não seria capaz, por si só, de produzir uma interferência tão significativa quanto a
encontrada. Acreditamos, portanto, que esse efeito representa em grande parte a conseqüência
da solicitação adicional de nomeação dos números que, tornando-os parte do conjunto de
respostas, aumentou significativamente a facilitação do seu processamento involuntário.
De fato, como colocam Magem e Cohen (2002), estímulos com características
semelhantes ao conjunto de respostas potenciais produzem maior interferência que estímulos
não relacionados à tarefa. Os mecanismos seletivos atencionais baseados nos requerimentos
29
de uma tarefa atuam facilitando a representação de estímulos irrelevantes a ela, mas ao
mesmo tempo relacionados, tornando-os capazes de interferir e determinar uma falha
atencional.
O grupo de controle gastou na condição crítica (terceiro cartão) da tarefa de Números
significativamente mais tempo (p=0,02) do que na condição crítica (terceiro cartão) do TCPS.
Acreditamos que este comportamento pode estar sendo determinado pela maior demanda
exigida dos participantes com o requerimento de alternar a nomeação dos números com a
nomeação das cores no terceiro cartão - enquanto no TCPS apenas a solicitação de nomeação
das cores é exigida na condição crítica -, de modo a tornar a tarefa de Números mais sensível
do que o TCPS para a detecção de déficits atencionais.
Bohnen et al. (1992) propuseram uma modificação no TCPS similar à modificação
introduzida pela tarefa de Números, solicitando, em um quarto cartão, a leitura dos nomes de
cores alternadamente à nomeação das cores de sua impressão, com o objetivo de detectar
déficits atencionais em indivíduos com traumatismos cranianos leves, não detectados pelo
TCPS. Os resultados do estudo levaram à conclusão de que a interferência obtida com a
introdução do novo cartão elevou a exigência de flexibilidade mental e capacidade de
elaboração de estratégias dos participantes, aumentando a sensibilidade do TCPS a ponto de
permitir a detecção de déficits atencionais sutis.
Na tarefa de Números, em todas as condições, o grupo experimental gastou
significativamente mais tempo que o grupo de controle. Este fato parece estar de acordo com
as evidências de que a nomeação seqüencial de elementos verbais está fortemente relacionada
com as habilidades de leitura (BOWERS; SWANSON, 1991). Ainda, conforme citado por
Capovilla e Capovilla (2001, 2004), os maus leitores apresentam desempenhos inferiores em
memória de trabalho fonológica, velocidade e precisão de acesso léxico (habilidade de obter
30
acesso rápido e fácil à informação fonológica armazenada na memória) e baixa velocidade de
processamento cognitivo geral.
Na tarefa de Números, o grupo de controle não demonstrou sofrer influência causada
pela nomeação seqüencial alternada entre cores e números, no cartão 2, utilizando
praticamente o mesmo tempo que foi gasto para a nomeação isolada de cores. O grupo
experimental, entretanto, apresentou um tempo significativamente maior para a nomeação
alternada de estímulos. Swanson et al. (1996) sugerem que as limitações apresentadas no
desempenho da memória operacional de indivíduos com dificuldade de leitura refletem
limitações no sistema de processamento executivo central. O mesmo tipo de limitação pode
estar determinando o comportamento do grupo experimental.
Finalmente cabe considerar que, embora os participantes do grupo de controle deste
estudo não tenham tido dificuldade para a leitura de palavras simples, todos eles cursaram
apenas até a 4ª série do ensino fundamental. a escolarização formal não seja a única variável
influente no analfabetismo funcional, há uma idéia bastante generalizada de que esta condição
está associada a um nível de leitura de 0 a 4 anos de escolarização formal (MOREIRA, 2003).
Portanto, não se pode excluir a hipótese de que boa parcela desses indivíduos sejam
analfabetos funcionais.
31
6. CONCLUSÃO
O presente estudo mostrou que a tarefa de Números produz uma interferência no
desempenho de indivíduos analfabetos equivalente à interferência produzida pelo TCPS em
indivíduos que apresentam habilidade de leitura, com padrões de comportamento de respostas
similares. A interferência na tarefa de Números em indivíduos com e sem a habilidade de
leitura desenvolvida produziu resultados diferentes nos dois grupos, com os analfabetos
apresentando um tempo significativamente maior que o grupo de controle para a realização de
todas as condições apresentadas. A tarefa de Números mostrou ser sensível para a detecção de
déficits atencionais em indivíduos analfabetos e para a avaliação da atenção seletiva e
flexibilidade mental quando a capacidade de leitura está comprometida.
Seria de interesse investigar se a ausência da habilidade de leitura e escrita também
pode estar associada a alterações no desempenho executivo atencional, considerando que a
ausência de experiências precoces de aprendizagem da linguagem escrita parece modificar a
organização funcional do cérebro adulto para o processamento da linguagem (CASTRO-
CALDAS et al., 1998).
A análise qualitativa dos erros na tarefa de Números pode auxiliar na discussão das
hipóteses sobre os processos atencionais prioritariamente prejudicados no desempenho do
indivíduo: de resistir à interferência dos números, de alternar as respostas adequadamente ou
ainda de manter as estratégias até o final da tarefa.
A aplicação da tarefa de Números em outros indivíduos, como crianças, disléxicos e
estrangeiros, pode ajudar a determinar o valor clínico da tarefa nos casos em que a ausência
da habilidade de leitura não é completa.
32
Finalmente, novos experimentos envolvendo outros níveis de escolaridade podem
ajudar a contextualizar melhor o desempenho de indivíduos analfabetos funcionais.
33
7. REFERÊNCIAS
ALGOM, D. et al. The perception of number from the separability of the stimulus: the Stroop
effect revisited. Memory & Cognition, v.24, n.5, p.557-572, 1996.
ASTON-JONES, G.S. et al. Attention. In: Zigmond, M.J. et al (ed). Fundamental
Neuroscience. San Diego: Academic Press, 1999. Cap. 54, p.1385-1409.
BADDELEY, A. The fractionation of working memory. Proc. Natl. Acad. Sci. USA, v. 93,
p. 13468-13472, 1996.
BESNER, D.; STOLZ, J. A. Unconsciously controlled processing: the Stroop effect
reconsidered. Psychonomic Bulletin & Review, v.6, n.3, p.449-455, 1999.
BOHNEN, J. et al. Modification of the Stroop color word test improves differentiation
between patients with mild head injury and matched controls. The Clinical
Neuropsychologist, v.6, n.2, p.178-184, 1992.
BOWERS, P.G.; SWANSON, L.B. Naming speed deficits in reading disability: multiple
measures of a singular process. Journal of Experimental Child Psychology, n.51, p. 195-
219, 1991.
BROWN, T.L. et al. Automaticity in reading and the Stroop task: testing the limits of
involuntary word processing. American Journal of Psychology, v.115, n. 4, p.515-543,
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CALLAHAN, C.D. The assessment and rehabilitation of executive function disorders. In:
JOHNSTONE, B.; STONNINGTON, H.H. (eds). Rehabilitation of neuropsychological
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2001. Cap.4, p. 87-124.
CASTRO-CALDAS, A. et al. The illiterate brain: learning to read and write during childhood
influences the functional organization of the adult brain. Brain, n.121, p. 1053-1063, 1998.
CAPOVILLA, F.C.; CAPOVILLA, A.G.S. Compreendendo a natureza dos problemas de
aquisição de leitura e escrita: mapeando o envolvimento de distúrbios cognitivos de
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39
ANEXO A - Tarefa de Números
Cartão 1 - cores
40
Cartão 2 - cores e números
5
4
9
8
8
5
4
9
5
4
8
9
41
Cartão 3 - números coloridos
8 4 5 9
4 9 8 5
5 4 9 8
4 5 8 9
5 8 9 4
9 5 4 8
42
Cartão 4 - números
4 9 8 5
8 4 5 9
5 9 4 8
8 5 4 9
9 4 5 8
5 8 9 4
43
ANEXO B - TCPS
Cartão 1 - cores
44
Cartão 2 - palavras coloridas
CADA NUNCA HOJE TUDO
HOJE TUDO NUNCA CADA
NUNCA CADA TUDO HOJE
TUDO HOJE CADA NUNCA
CADA NUNCA HOJE TUDO
NUNCA TUDO CADA HOJE
45
Cartão 3 - nomes de cores
MARROM AZUL ROSA VERDE
AZUL VERDE MARROM ROSA
MARROM ROSA VERDE AZUL
VERDE AZUL ROSA MARROM
MARROM VERDE AZUL ROSA
ROSA AZUL VERDE MARROM
46
Cartão 4 - leitura
CADA NUNCA HOJE TUDO
HOJE TUDO NUNCA CADA
NUNCA CADA TUDO HOJE
TUDO HOJE CADA NUNCA
CADA NUNCA HOJE TUDO
NUNCA TUDO CADA HOJE
47
ANEXO C - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezado (a) Sr (a):
Você está sendo convidado para participar de uma pesquisa sobre a validação de um
teste de nomeação de cores que está sendo desenvolvido pela mestranda Thelma Kulaif, do
Departamento de Neurociências e Comportamento do Instituto de Psicologia da Universidade
de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Luiz Eduardo Ribeiro do Valle. O experimento
será realizado em um único encontro na própria escola.
A pesquisa envolve a aplicação de dois testes de nomeação de cores que irão requerer
basicamente que você diga em voz alta as cores que serão apresentadas em alguns cartões.
Esses dois testes irão requerer juntos, aproximadamente 10 minutos para a sua execução.
Os resultados desta pesquisa serão anônimos, ou seja, a publicação dos resultados não
vai incluir os nomes ou quaisquer outros dados que possam identificá-lo.
Sua participação na pesquisa é voluntária e você é livre para interrompê-la em
qualquer momento.
Eu li a proposta acima e entendi os procedimentos. Proponho-me a participar como
voluntário do experimento.
Nome:______________________________________________________________
Assinatura:__________________________________________________________
Data:_______________________________________________________________
Pesquisador:_________________________________________________________
48
ANEXO D - Testes de Acuidade Visual e Daltonismo
49
ANEXO E - Tabelas de tempos de execução por sujeito
Teste de Stroop - Controle
Tempo por prancha (s)
Sujeito
4 1 2 3
A1 22 20 36 50
A2 13 17 22 37
A3 18 20 29 48
A4 15 17 19 22
A5 11 14 17 24
A6 16 18 24 28
A7 17 20 24 38
A8 22 19 22 25
A9 19 24 33 42
A10 15 20 15 27
A11 15 15 25 29
A12 19 27 28 30
A13 15 18 23 40
A14 18 21 18 26
A15 16 17 28 28
A16 11 20 24 30
A17 15 15 19 30
A18 19 15 20 24
A19 16 22 30 51
A20 11 13 17 22
A21 19 25 27 46
A22 19 18 20 24
A23 13 17 22 43
A24 19 19 20 25
A25 22 18 23 42
A26 13 14 21 28
A27 15 19 26 40
A28 10 12 20 32
A29 18 20 32 36
A30 20 19 22 33
Média 16,36667 18,43333 23,53333 33,33333
Epm 0,616783 0,622718 0,925666 1,601245
50
Teste de Stroop - Experimental
Tempo por prancha (s)
Sujeito
4 1 2 3
NA1 20 23 22
NA2 25 41 26
NA3 23 20 17
NA4 30 26 28
NA5 24 23 24
NA6 28 28 32
NA7 22 19 42
NA8 14 17 14
NA9 20 25 25
NA10 14 16 16
NA11 20 20 18
NA12 21 26 24
NA13 32 23 23
NA14 17 21 18
NA15 26 26 23
NA16 18 19 24
NA17 33 30 38
NA18 23 24 24
NA19 21 20 21
NA20 15 13 11
NA21 31 37 39
NA22 26 30 25
NA23 17 16 16
NA24 17 17 15
NA25 24 28 25
NA26 19 20 19
NA27 43 35 34
NA28 26 19 19
NA29 27 34 26
NA30 36 25 30
Média 23,73333 24,03333 23,93333
Epm 1,237288 1,220028 1,371243
51
Teste de Números - Controle
Tempo por prancha (s)
Sujeito
4 1 2 3
A1 14 21 20 53
A2 10 21 17 27
A3 12 19 18 50
A4 11 13 26 50
A5 10 13 13 25
A6 14 19 33 44
A7 15 21 21 39
A8 14 19 21 29
A9 16 25 28 49
A10 10 13 16 29
A11 10 12 15 40
A12 18 24 29 39
A13 13 22 25 34
A14 13 16 19 39
A15 14 16 17 34
A16 8 17 27 30
A17 10 14 15 40
A18 14 19 18 34
A19 12 24 18 43
A20 10 13 12 26
A21 12 23 17 39
A22 14 16 19 34
A23 14 17 14 34
A24 15 15 16 33
A25 11 16 15 31
A26 10 14 16 36
A27 11 19 20 38
A28 15 13 14 24
A29 12 18 17 37
A30 15 22 18 47
Média 12,56667 17,8 19,13333 36,9
Epm 0,42259 0,70205 0,938001 1,425023
52
Teste de Números -
Experimental
Tempo por prancha (s)
Sujeito
4 1 2 3
NA1 14 17 18 43
NA2 20 29 32 33
NA3 14 20 20 36
NA4 19 25 69 38
NA5 20 20 25 45
NA6 21 33 41 45
NA7 16 23 25 45
NA8 12 13 15 22
NA9 18 18 20 45
NA10 12 14 20 36
NA11 20 23 19 42
NA12 18 19 18 30
NA13 15 24 48 49
NA14 15 14 14 42
NA15 20 25 45 48
NA16 17 24 20 40
NA17 21 39 24 58
NA18 20 25 30 45
NA19 15 16 32 34
NA20 13 14 16 24
NA21 19 41 28 53
NA22 26 23 34 63
NA23 12 17 19 29
NA24 13 15 13 32
NA25 18 27 28 41
NA26 17 15 21 32
NA27 15 24 25 54
NA28 12 16 16 30
NA29 21 26 24 55
NA30 24 36 43 46
Média 17,23333 22,5 26,73333 41,16667
Epm 0,677526 1,363523 2,246803 1,818224
53
APÊNDICE - O Teste de Cores e Palavras de Stroop modificado para
Analfabetos
THELMA KULAIF e LUIZ E.RIBEIRO DO VALLE
Universidade de São Paulo.
RESUMO
O teste de cores e palavras de Stroop (TCPS) é um instrumento de estabelecida reputação e
amplamente utilizado na prática neuropsicológica como medida de atenção seletiva
(SPREEN, 1998). Entretanto, este teste não é eficaz quando aplicado em indivíduos sem a
capacidade de leitura. A tarefa de Números é uma modificação do TCPS e foi utilizada neste
estudo para avaliar o desempenho atencional de voluntários analfabetos. Participaram desta
pesquisa 30 indivíduos analfabetos (grupo experimental) e 30 voluntários com escolaridade
até a 4ª série do ensino fundamental (grupo de controle). Ambos os grupos realizaram a tarefa
de Números e o TCPS. O grupo de controle apresentou um efeito de interferência de 14,9 s no
TCPS e de 19,1 s na tarefa de Números, e o grupo de experimental, que praticamente não
apresentou interferência no TCPS (0,2 s), aumentou o tempo de execução para 18,7 s na tarefa
de Números. O grupo experimental gastou significativamente mais tempo em todas as
condições. Os resultados demonstram que a tarefa de Números produz um efeito de
interferência que não depende da capacidade de leitura, e pode ser de grande valor para a
avaliação da atenção seletiva e flexibilidade mental de indivíduos analfabetos.
54
A condição experimental do Teste de Cores e Palavras de Stroop (TCPS) consiste em
nomes de cores impressos em cores incongruentes (como a palavra AZUL impressa em tinta
rosa), que devem ser rapidamente nomeadas. A leitura dos nomes deve ser inibida, e não há
congruência entre a cor a ser nomeada e o nome da cor impressa. Comparada com a simples
nomeação de cores, a condição experimental propicia um marcado fenômeno de interferência,
produzindo aumento no tempo de resposta e na quantidade de erros. É o chamado efeito
Stroop (MACLEOD, 1991).
A consistência encontrada no padrão de assimetria da interferência, com as palavras
interferindo na nomeação das cores, mas não o contrário, e o grande interesse teórico
despertado por seu efeito, que parece ser o resultado da força de processos automáticos e
controlados, deram a esse teste o status de “padrão-ouro” do processamento atencional
(LEZAK, 2004; MACLEOD, 1992).
Como coloca Spreen (1998), existem várias versões deste teste, como a de Golden
(1976, 1978); Dodrill (1978); Graf, Uttl, e Tuokko (1995); Trenerry et al. (1989) e Victoria
(1981), a versão que será utilizada aqui. Esta versão requer um tempo de administração mais
curto e, por isso, é de grande valor prático.
Nível educacional, a idade e a habilidade intelectual geral influenciam o desempenho
do participante neste teste, mas diferenças de gênero não estão sempre presentes (COMALLI;
WAPNER; WERNER, 1962 CRAMER, 1967; HOUX; JOLLES; VREELING, 1993; KLEIN,
1997; OBONSAWIN et al., 2002; UTTL; GRAF, 1997). Entretanto, sua utilidade é limitada
quando há prejuízo na habilidade de leitura, como é o caso dos analfabetos. Apesar da
abundância de trabalhos e estudos dedicados a esse assunto ainda são raros instrumentos
similares ao TCPS em eficiência e praticidade e que sejam sensíveis a essa população.
O conceito de analfabetismo, tradicionalmente utilizado para designar a incapacidade
de ler e escrever, tem sido revisto para inclui as pessoas aparentemente alfabetizadas, mas de
forma insuficiente. Assim, a partir de 1978, a UNESCO adotou o uso do termo analfabetismo
funcional para poder englobar aqueles indivíduos que não conseguem utilizar as habilidades
de leitura, escrita e cálculo na solução de problemas cotidianos e que apresentam uma
inserção social deficitária, dificultando seu próprio desenvolvimento e o desenvolvimento de
sua comunidade. O grau de alfabetização adquirido nessa população, freqüentemente com
menos de 4 anos de escolaridade, não é suficiente para fazer frente às necessidades cotidianas
impostas pelo contexto econômico, político e sociocultural da sociedade moderna. É estimado
que mais de 900 milhões de pessoas no mundo façam parte desse contingente (MOREIRA,
2003). Ainda, conforme citado em Castro-Caldas et al. (1988), a ausência de experiências
precoces de aprendizagem da linguagem escrita parece modificar a organização funcional do
cérebro adulto para o processamento da linguagem.
O objetivo do presente estudo é desenvolver uma modificação do teste de cores e
palavras de Stroop que seja aplicável a indivíduos sem a habilidade de leitura. Os indivíduos
analfabetos são seguramente uma população com ausência dessa capacidade e, por este
motivo, foram escolhidos para este estudo. Dessa forma, pretendemos especificamente: 1)
Testar a hipótese de que a tarefa de Números cria uma interferência no desempenho de
indivíduos analfabetos equivalente à interferência produzida pelo TCPS em indivíduos sem
essa limitação; 2) Investigar os efeitos da interferência na tarefa de Números em indivíduos
com e sem a habilidade de leitura.
MÉTODO
Participantes
55
Foram participantes nesta pesquisa 60 adultos de ambos os sexos (44 mulheres e 16
homens), com idade média de 39 anos (20-55 anos). A participação foi voluntária e
consentida com a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (ANEXO C).
Considerando limitações práticas envolvidas na realização deste projeto, a seleção dos
voluntários foi baseada tão somente na capacidade de leitura correta das palavras CADA,
NUNCA, HOJE e TUDO, utilizadas no segundo cartão do TCPS. Assim, os participantes que
conseguiram ler corretamente as palavras do TCPS foram considerados no grupo de controle e
aqueles que não conseguiram ler corretamente as mesmas palavras foram considerados no
grupo experimental. Indivíduos com comprometimento mental, conforme referido, informado
pela escola ou observado durante a sessão, assim como aqueles com história pregressa de
comprometimento neurológico foram excluídos do experimento. Apenas duas voluntárias não
estavam, no momento da pesquisa, empregadas formalmente.
Na tentativa de minimizar a influência de fatores sócio-econômicos, culturais e
educacionais não controlados, todos os participantes foram recrutados em empresas
terceirizadas de limpeza e em projetos de alfabetização para jovens e adultos do ciclo
fundamental, na cidade de São Paulo, e todos os voluntários do grupo de controle cursaram
apenas até a 4ª série do ensino fundamental. Todos apresentaram visão normal ou corrigida e
não tiveram problemas para discriminar as cores.
Material
O teste de Cores e Palavras de Stroop (TCPS), versão Vitória, é um teste
cronometrado que compreende três cartões, 1 (cores), 2 (palavras coloridas) e 3 (nomes de
cores), cada um contendo 24 estímulos dispostos em seis fileiras com quatro itens em cada
uma delas (ANEXO B). O primeiro cartão, 1 (cores), contém retângulos coloridos com as
cores rosa, verde, azul e marrom, que devem ser rapidamente nomeadas. O segundo cartão, 2
(palavras coloridas), contém as palavras CADA, HOJE, NUNCA e TUDO impressas nessas
mesmas cores, mas somente as cores devem ser nomeadas. No terceiro cartão, 3 (nomes de
cores), os nomes dessas quatro cores estão impressos em cores incongruentes (por exemplo, a
palavra AZUL aparece impressa na cor rosa). Novamente aqui, a leitura dos nomes deve ser
evitada e as cores impressas devem ser rapidamente nomeadas. No presente experimento,
entretanto, também incluímos um quarto cartão, 4 (leitura), contendo as mesmas palavras do
segundo cartão, mas agora com impressão em tinta preta, para averiguarmos a eficiência da
leitura. A avaliação do teste reflete o tempo gasto pelo indivíduo em cada cartão e o número
de erros cometidos, não autocorrigidos. Erros corrigidos espontaneamente são considerados
acertos. Tipicamente, os pesquisadores têm se baseado num escore de interferência definido
como a diferença entre o tempo gasto no cartão de interferência e no cartão neutro (3-1),
apesar de ainda ser controversa a questão sobre qual a forma mais adequada para a
determinação desse escore (MACLEOD,1991; SPREEN, 1998).
A tarefa proposta com números e cores também é cronometrada e utiliza quatro
cartões, 1, 2, 3 e 4, cada um com 24 estímulos (numéricos e coloridos) randomicamente
ordenados e dispostos com organização espacial semelhante àquela do TCPS (ANEXO A).
Selecionamos apenas números pronunciados com duas sílabas (assim como os nomes das
cores utilizadas). O primeiro cartão, 1 (cores), consiste de retângulos coloridos nas cores azul,
verde, rosa e preto, que devem ser rapidamente nomeadas. O segundo cartão, 2 (cores e
números, e utilizado neste estudo como o cartão controle), alterna as duas classes de
estímulos, os números, impressos em preto, e as cores, em retângulos separados, seguindo a
mesma disposição espacial de seis linhas e quatro colunas. O voluntário deve nomear
rapidamente ambos os estímulos, conforme a sua disposição alternada no cartão. O terceiro
56
cartão, 3 (números coloridos), substitui os retângulos coloridos da prancha anterior por
números coloridos, enquanto mantém os números pretos. Aqui, o participante deve falar o
número, quando ele for preto, e falar a sua cor, quando for colorido, o mais rápido que puder.
O quarto cartão referido aqui, 4 (números), contém os números 4, 5, 8 e 9, impressos em
preto, que devem ser rapidamente nomeados.
Procedimento
Os voluntários executaram individualmente ambas as tarefas, tendo parte do grupo
realizado primeiro o TCPS e depois a tarefa de Números e a outra parte do grupo realizado a
condição inversa. Os cartões de Stroop foram sempre apresentados na seqüência 1 (cores), 2
(palavras coloridas), 3 (nomes de cores) e 4 (leitura), para evitar qualquer tipo de alteração na
tarefa original. Os cartões de Números foram sempre aplicados na seqüência 4 (números), 1
(cores), 2 (cores e números) e 3 (números coloridos), com o objetivo de iniciar a tarefa com o
cartão mais fácil e de termos garantia que o voluntário conhece as cores e os números
apresentados. As aplicações ocorreram em apenas uma sessão e sempre em uma sala
disponível na própria instituição visitada. Em ambas as tarefas, a rapidez do desempenho em
cada cartão foi avaliada com um cronômetro manual, conforme utilizado na prática clínica.
Erros autocorrigidos foram considerados acertos. A contagem do tempo só era iniciada depois
que o voluntário demonstrava ter compreendido a tarefa, respondendo corretamente pelo
menos à primeira linha de cada cartão.
Sabemos que a operação manual de um cronômetro não só está longe ser uma situação
ideal, em termos de precisão e acurácia, como também não elimina a possível influência do
experimentador nos resultados alcançados. Contudo, diante de limitações práticas implicadas
na realização deste trabalho, e, considerando que o cronômetro manual é o instrumento
comumente utilizado na situação clínica, optamos por esta escolha. Embora os tempos obtidos
pelos participantes possam ser alterados com a medição computadorizada, acreditamos que o
padrão dos resultados não será modificado em sua essência. Consideramos ainda, que a
situação experimental também pode, eventualmente, influenciar o desempenho de
participantes que não estejam familiarizados com a informação computadorizada, ou com a
situação de laboratório, como é o caso de grande parte da população incluída neste estudo.
Análise dos dados
Inicialmente foi demonstrada a homogeneidade entre os grupos (controle e
experimental) por meio da comparação das variáveis sócio-demográficas. Para essa avaliação
utilizamos o teste Qui-Quadrado, no caso das variáveis qualitativas, e o teste t de Student, no
caso das variáveis quantitativas. Em seguida, as médias (e erro padrão) dos tempos de
execução (medidos em segundos) dos 60 participantes foram submetidas à análise de
variância ANOVA com medidas repetidas. Com o objetivo de comparar tanto os grupos
quanto as tarefas foi avaliado o efeito de tarefa, grupo, cartão e as possíveis interações entre
esses efeitos. No caso de significância estatística prosseguiu-se a análise por meio da
construção de contrastes para a avaliação das diferenças específicas. Em toda a análise
estatística foi adotado um nível de significância α=0,05.
RESULTADOS
57
Amostra
Foi avaliada a homogeneidade dos grupos da amostra com relação ao sexo e idade. A
amostra foi constituída por uma maior porcentagem de mulheres, sendo que essa proporção
foi mantida entre os grupos(p=0,559). A idade variou de 20 a 55 anos, sendo que no grupo de
controle a idade média foi de 37,8 anos (desvio padrão = 9,9 anos) e no grupo experimental
foi de 41,8 anos (desvio padrão = 7,8 anos). Por meio de um teste t de Student observou-se
uma diferença apenas marginalmente significante (p=0,091) entre ambos os grupos, ou seja, a
idade média do grupo experimental tendeu a ser maior que a do grupo de controle, sem
entretanto, tal diferença alcançar significância estatística.
A partir de um sorteio aleatório, parte da amostra realizou inicialmente o TCPS e em
seguida a tarefa de Números, e a outra parte realizou a seqüência inversa. Não houve
associação entre grupo e seqüência (p=0,121).
Tempo de execução
A média e erro padrão dos tempos utilizados pelos voluntários em cada cartão e em
ambas as tarefas, estão apresentados na Tabela 3. Os tempos relativos ao cartão 4 (leitura) do
TCPS não foram obtidos dos voluntários analfabetos, pois eles não conseguem ler as palavras.
Tabela 3 - Média ± erro padrão do tempo de execução (segundos) das tarefas segundo cartão e grupo.
Tarefa
Stroop
Números
Cartão
Controle
(n=30)
Experimental
(n=30)
Controle
(n=30)
Experimental
(n=30)
1
18,4 ± 0,6 23,7 ± 1,2
17,8 ± 0,7 22,5 ± 1,4
2
23,5 ± 0,9 24,0 ± 1,2
19,1 ± 0,9 26,7 ± 2,3
3
33,3 ± 1,6 23,9 ± 1,4
36,9 ± 1,4 41,2 ± 1,8
4
16,4 ± 0,6
-
12,6 ± 0,4 17,2 ± 0,7
Nota: TCPS - 1-cores; 2-palavras coloridas; 3-nomes de cores; 4-leitura. Tarefa de Números - 1-cores; 2-cores e
números; 3-números coloridos; 4-números.
Através de uma ANOVA com medidas repetidas foram testadas as seguintes variáveis:
tarefa (TCPS e Números), grupo (controle e experimental), cartões (1, 2 e 3) e todas as
possíveis interações entre essas variáveis. Observou-se efeito significante da interação entre
tarefa, grupo e cartão (p<0,001) e, também, de todas as interações duplas (p<0,001). Dessa
forma, prosseguiu-se a análise através da construção de contrastes para avaliar onde se
encontram as diferenças.
58
No TCPS, o grupo de controle apresentou aumento significativo no tempo de respostas
nos três cartões (p<0,001), sendo que do cartão 1 (cores) para o 2 (palavras coloridas) o
aumento médio no tempo de resposta foi de 5,1 ± 0,9 s (p<0,001) e do cartão 2 (palavras
coloridas) para o 3 (nomes de cores) o aumento médio foi de 9,8 ± 1,1 s (p<0,001),
demonstrando o efeito Stroop. O grupo experimental, conforme esperado, não apresentou
diferença estatisticamente significante do tempo de resposta em cada um dos cartões
(p=0,944).
Na tarefa de Números, o grupo de controle não apresentou aumento estatisticamente
significante do tempo de resposta do cartão 1 (cores) para o 2 (cores e números) (p=0,387),
mas do cartão 2 (cores e números) para o 3 (números coloridos) houve um acréscimo
significante estimado em 17,8 ± 1,9 s (p<0,001). O grupo experimental apresentou aumento
significativo no tempo de respostas nos três cartões avaliados (p<0,001), sendo que do cartão
1 (cores) para o 2 (cores e números) houve um acréscimo médio de 4,2 ± 1,5 s (p=0,008) e do
cartão 2 (cores e números) para o 3 (números coloridos) houve um acréscimo médio de 14,4 ±
1,9 s (p<0,001).
Também foram feitas comparações entre as tarefas (TCPS e Números) dentro de cada
um dos grupos (controle e experimental). No grupo de controle observou-se que não houve
diferença estatisticamente significante do tempo de respostas gasto no cartão 1 (cores) do
TCPS e no cartão 1 (cores) da tarefa de Números (p=0,420). Comparando-se o tempo de
respostas do cartão 2 entre o TCPS (palavras coloridas) e a tarefa de Números (cores e
números) observou-se que na primeira foram gastos 4,4 ± 1,7 s a mais do que na segunda. No
cartão 3, entretanto, observou-se uma inversão de comportamento, ou seja, o grupo de
controle gastou em média 3,6 ± 1,5 s a mais na tarefa de Números (p=0,021).
No grupo experimental não houve diferença estatisticamente significante do tempo de
respostas gasto no cartão 1 (cores) de ambas as tarefas (p=0,119), o mesmo ocorrendo com o
cartão 2, palavras coloridas, do TCPS e cores e números, da tarefa de Números (p=0,116). No
cartão 3, entretanto, esse grupo gastou, em média, 17,2 ± 1,5 s a mais na tarefa de Números
(números coloridos) do que no TCPS (nomes de cores) (p<0,001).
Interferência
Através de uma ANOVA com medidas repetidas observou-se efeito significante da
interação entre grupo e tarefa (p<0,001), ou seja, os grupos não apresentaram o mesmo
comportamento de interferência nas tarefas realizadas. Com o objetivo de detectarmos onde se
encontram as possíveis diferenças foram construídos contrastes. Para o TCPS observa-se que
o grupo experimental apresentou uma interferência menor do que a apresentada pelo grupo de
controle (p<0,001), sendo essa diferença estimada em 14,7 ± 1,8 s. Para a tarefa Números não
foi observada diferença estatisticamente significante da interferência entre o grupo de controle
e o experimental (p=0,815).
No grupo de controle foi observada diferença estatisticamente significante de
interferência entre o TCPS e a tarefa Números (p=0,027), sendo a diferença de 4,2 ± 1,8 s.
Também no grupo experimental observou-se que a interferência no TCPS foi menor do que
na tarefa Números (p<0,001), sendo essa diferença estimada em 18,5 ± 1,8 s.
DISCUSSÃO
59
Os resultados obtidos em nosso experimento mostram que a tarefa de Números
conseguiu produzir significativa interferência nos dois grupos de voluntários. Os
participantes analfabetos demonstraram um tempo de execução significativamente maior em
todas as condições.
Conforme esperado, no TCPS os voluntários do grupo de controle gastaram
significativamente mais tempo para a nomeação das cores de nomes de cores (14,9±1,4 s),
enquanto o grupo experimental não apresentou qualquer efeito de interferência (0,2±1,02 s)
ao longo dos cartões, gastando em cada um deles praticamente o mesmo tempo utilizado para
a simples nomeação de cores (23,7±1,2 s).
Na tarefa de Números, ambos os grupos apresentaram o mesmo padrão de
comportamento, demonstrando interferências de 19,1±1,3 s (grupo de controle) e de 18,7±1,4
s (grupo experimental), respectivamente. Embora seja provável que os números, assim como
as palavras, tenham seu processamento facilitado em relação às cores, pela extensiva prática
que temos com eles, acreditamos que a falta de relação entre essas dimensões, cores e
números, não seria capaz, por si só, de produzir uma interferência tão significativa quanto a
encontrada. Acreditamos, portanto, que esse efeito representa em grande parte a conseqüência
da solicitação adicional de nomeação dos números que, tornando-os parte do conjunto de
respostas, aumentou significativamente a facilitação do seu processamento involuntário.
De fato, como colocam Magem e Cohen (2002), estímulos com características
semelhantes ao conjunto de respostas potenciais produzem maior interferência que estímulos
não relacionados à tarefa. Os mecanismos seletivos atencionais baseados nos requerimentos
de uma tarefa atuam facilitando a representação de estímulos irrelevantes a ela, mas ao
mesmo tempo relacionados, tornando-os capazes de interferir e determinar uma falha
atencional.
O grupo de controle gastou na condição crítica (terceiro cartão) da tarefa de Números
significativamente mais tempo (p=0,02) do que na condição crítica (terceiro cartão) do TCPS.
Acreditamos que este comportamento pode estar sendo determinado pela maior demanda
exigida dos participantes com o requerimento de alternar a nomeação dos números com a
nomeação das cores no terceiro cartão - enquanto no TCPS apenas a solicitação de nomeação
das cores é exigida na condição crítica -, de modo a tornar a tarefa de Números mais sensível
do que o TCPS para a detecção de déficits atencionais.
Bohnen et al. (1992) propuseram uma modificação no TCPS similar à modificação
introduzida pela tarefa de Números, solicitando, em um quarto cartão, a leitura dos nomes de
cores alternadamente à nomeação das cores de sua impressão, com o objetivo de detectar
déficits atencionais em indivíduos com traumatismos cranianos leves, não detectados pelo
TCPS. Os resultados do estudo levaram à conclusão de que a interferência obtida com a
introdução do novo cartão elevou a exigência de flexibilidade mental e capacidade de
elaboração de estratégias dos participantes, aumentando a sensibilidade do TCPS a ponto de
permitir a detecção de déficits atencionais sutis.
Na tarefa de Números, em todas as condições, o grupo experimental gastou
significativamente mais tempo que o grupo de controle. Este fato parece estar de acordo com
as evidências de que a nomeação seqüencial de elementos verbais está fortemente relacionada
com as habilidades de leitura (BOWERS; SWANSON, 1991). Ainda, conforme citado por
Capovilla e Capovilla (2001, 2004), os maus leitores apresentam desempenhos inferiores em
memória de trabalho fonológica, velocidade e precisão de acesso léxico (habilidade de obter
acesso rápido e fácil à informação fonológica armazenada na memória) e baixa velocidade de
processamento cognitivo geral.
Na tarefa de Números, o grupo de controle não demonstrou sofrer influência causada
pela nomeação seqüencial alternada entre cores e números, no cartão 2, utilizando
praticamente o mesmo tempo que foi gasto para a nomeação isolada de cores. O grupo
60
experimental, entretanto, apresentou um tempo significativamente maior para a nomeação
alternada de estímulos. Swanson et al. (1996) sugerem que as limitações apresentadas no
desempenho da memória operacional de indivíduos com dificuldade de leitura refletem
limitações no sistema de processamento executivo central. O mesmo tipo de limitação pode
estar determinando o comportamento do grupo experimental.
Finalmente cabe considerar que, embora os participantes do grupo de controle deste
estudo não tenham tido dificuldade para a leitura de palavras simples, todos eles cursaram
apenas até a 4ª série do ensino fundamental. a escolarização formal não seja a única variável
influente no analfabetismo funcional, há uma idéia bastante generalizada de que esta condição
está associada a um nível de leitura de 0 a 4 anos de escolarização formal (MOREIRA, 2003).
Portanto, não se pode excluir a hipótese de que boa parcela desses indivíduos sejam
analfabetos funcionais.
CONCLUSÃO
O presente estudo mostrou que a tarefa de Números produz uma interferência no
desempenho de indivíduos analfabetos equivalente à interferência produzida pelo TCPS em
indivíduos que apresentam habilidade de leitura, com padrões de comportamento de respostas
similares. A interferência na tarefa de Números em indivíduos com e sem a habilidade de
leitura desenvolvida produziu resultados diferentes nos dois grupos, com os analfabetos
apresentando um tempo significativamente maior que o grupo de controle para a realização de
todas as condições apresentadas. A tarefa de Números mostrou ser sensível para a detecção de
déficits atencionais em indivíduos analfabetos e para a avaliação da atenção seletiva e
flexibilidade mental quando a capacidade de leitura está comprometida.
Seria de interesse investigar se a ausência da habilidade de leitura e escrita também
pode estar associada a alterações no desempenho executivo atencional, considerando que a
ausência de experiências precoces de aprendizagem da linguagem escrita parece modificar a
organização funcional do cérebro adulto para o processamento da linguagem (CASTRO-
CALDAS et al., 1988).
A análise qualitativa dos erros na tarefa de Números pode auxiliar na discussão das
hipóteses sobre os processos atencionais prioritariamente prejudicados no desempenho do
indivíduo: de resistir à interferência dos números, de alternar as respostas adequadamente ou
ainda de manter as estratégias até o final da tarefa.
A aplicação da tarefa de Números em outros indivíduos, como crianças, disléxicos e
estrangeiros, pode ajudar a determinar o valor clínico da tarefa nos casos em que a ausência
da habilidade de leitura não é completa.
Finalmente, novos experimentos envolvendo outros níveis de escolaridade podem
ajudar a contextualizar melhor o desempenho de indivíduos analfabetos funcionais.
REFERÊNCIAS
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61
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