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nele encontramos, além de descrições e de narrações, diálogos, bilhetes, páginas de diários,
fábulas, que são ficções dentro da ficção. Tomamos algumas palavras de Marthe Robert
para elucidar melhor a presença de narrativas dentro de narrativas:
Da literatura, o romance faz rigorosamente o que ele quer: nada o impede de
utilizar para seus próprios fins a descrição, a narração, o drama, o ensaio, o
comentário, o monólogo, o discurso; nem de ser a seu bel-prazer, pouco a pouco
ou simultaneamente, fábula, história, apólogo, idílio, crônica, conto, epopéia;
nenhuma prescrição, nenhuma proibição pode delimitar a escolha de um sujeito,
de um cenário, de um tempo, de um espaço; a única proibição à qual ele se
submete, em geral, é aquela que determina sua vocação prosaica; porém, nada o
obriga absolutamente a segui-la rigidamente, ele pode, se julgar pertinente,
inserir poemas ou simplesmente ser “poético”.
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Essa liberdade, própria do romance, não leva a escrita de Nélida, n’A república
dos sonhos, à escrita “[...] vanguardista, experimental [...]” de sua primeira fase, segundo
Naomi Hoki Moniz (1993, p. 12). A fase vanguardista é marcante em seus primeiros
trabalhos: Guia-mapa de Gabriel Arcanjo (1961), Madeira feita cruz (1963), o livro de
contos Tempo das frutas (1966), Fundador (1969), A casa da paixão (1972), os contos
de Sala de armas (1973), Tebas do meu coração (1974). Obras de uma primeira fase de
Nélida Piñon que procuraram desafiar a ordem natural da linguagem.
Antonio Candido, no volume que recolhe alguns Textos de Intervenção, faz um
estudo lúcido e profético em “Vanguarda: renovar ou permanecer”. Lúcido porque
demonstra uma ampla compreensão das tendências do tempo em que escreveu, e profético
porque nós, hoje, posicionados no século XXI, podemos reconhecer, em suas palavras, a
trajetória que a literatura percorreu, exatamente como ele previu quando fez uma
intervenção no I Ciclo de Debates da Cultura Contemporânea, em 1975. De fato, os
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“De la littérature, le roman fait rigoureusement ce qu’il veut: rien ne l’empêche d’utiliser à ses propres fins
la description, la narration, le drame, l’essai, le commentaire, le monologue, le discours; ni d’être à son gré,
tour à tour ou simultanément, fable, histoire, apologue, idylle, chronique, conte, epopée; aucune prescription,
aucune prohibition ne vient le limiter dans le choix d’un sujet, d’un décor, d’un temps, d’un espace; le seul
interdit auquel il se soumette en général, celui qui détermine sa vocation prosaïque, rien ne l’oblige à
l’observer absolument, il peut s’il juge à propos contenir des poèmes ou simplement être ‘poétique’”.
(ROBERT, 1981, p. 15).