Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
Eleusa Bilemjian Ribeiro
O PROCESSO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL
DO ASSISTENTE SOCIAL:
O ESTÁGIO CURRICULAR OBRIGATÓRIO
Rio de Janeiro
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
3
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
Eleusa Bilemjian Ribeiro
O PROCESSO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL
DO ASSISTENTE SOCIAL:
O ESTÁGIO CURRICULAR OBRIGATÓRIO
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social da ESS/UFRJ,
como requisito parcial para obtenção do título
de Doutor em Serviço Social, sob a orientação
da Profª Drª Yolanda Guerra.
Rio de Janeiro
2008
ads:
4
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
Eleusa Bilemjian Ribeiro
O PROCESSO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL
DO ASSISTENTE SOCIAL:
O ESTÁGIO CURRICULAR OBRIGATÓRIO
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social da ESS/UFRJ, como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor em Serviço Social. Aprovada
pela banca abaixo indicada:
______________________________________________
Profª. Drª Yolanda Guerra (orientadora)
______________________________________________
Prof. Dr. Carlos Eduardo Montaño
______________________________________________
Profª Drª Cláudia Mônica dos Santos
______________________________________________
Profª Drª Fátima da Silva Grave Ortiz
______________________________________________
Profª Drª Walderez Loureiro Miguel
5
Ficha Catalográfica
Ribeiro, Eleusa Bilemjian
O processo de formação profissional do assistente social: o estágio
curricular obrigatório / Eleusa Bilemjian Ribeiro; orientadora Yolanda Guerra
Rio de Janeiro: UFRJ, Escola de Serviço Social, 2008.
271 f.
Tese (doutorado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Serviço
Social.
Inclui Referências bibliográficas.
1. Serviço Social. 2. Educação. 3. Formação Profissional. 4. Estágio. 5. Supervisão.
I. Guerra Yolanda. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Serviço
Social. III. Título.
6
AGRADECIMENTOS
Ao final do doutorado e em uma retrospectiva, quantas e quantas colaborações,
expressões de encorajamento, apoio e solidariedade para que esse momento chegasse.
Pessoas amigas, familiares, colegas de caminhada e de profissão, professores da UFRJ e da
UCG, alunos da graduação e do mestrado da UCG, enfim, são manifestações incontáveis
que nos animaram a percorrer o caminho traçado, que nos deram forças para sempre
avançar, apesar dos tropeços, das dificuldades e dos desafios. Essas manifestações nos
trouxeram a força necessária para chegarmos a esse momento.
Finalizar o doutorado e apresentar a tese exigiu muito esforço, dedicação e o
estabelecimento de prioridades. Nesse processo muitas dificuldades, angústias, sacrifícios
não de quem está doutorando, fazendo sua produção, mas de todos com quem
convivemos, aqueles a quem queremos bem e de quem nos afastamos, pois temos um
dever a cumprir. Um dever exigente e criterioso que, de um lado, possibilitou o nosso
amadurecimento pessoal, intelectual e afetivo, a realização de um projeto acadêmico e
profissional, de outro, veio mostrar as nossas fragilidades, as limitações intelectuais,
muitas delas ainda não superadas.
Assim, esse agradecimento vem com um grande carinho e amizade por aqueles que
participaram comigo nessa caminhada rumo à realização desse projeto. Foram muitos,
impossível nominá-los, mas, em especial quero agradecer a:
Meu esposo José Nazareno que, sempre pronto e aflito com minha aflição,
dedicou apoio incondicional, dividindo preocupações e emprestando o ombro amigo.
Meus filhos, noras e netos obrigada por compreenderem as ausências e muitas
vezes as angústias e a pouca paciência.
Meus irmãos, irmãs, cunhados(as) e sobrinhos(as) pela amizade, interesse e
compreensão.
À Yolanda Guerra, minha querida orientadora, que soube com habilidade, presteza,
sabedoria e muita dedicação estabelecer as condições, mesmo à distância, para a realização
dessa tese, mostrando caminhos, questionando, incentivando.
7
Aos colegas da banca obrigada por aceitarem o convite, obrigada pelas
contribuições e sugestões que vieram enriquecer essa tese.
Às minhas colegas e amigas de caminhada: Darci, Denise, Marilene, Omari e Tina,
como foi bom contar com vocês. Sabia que não estava sozinha, que minhas dificuldades e
preocupações não eram minhas, eram nossas. Marilene, minha gratidão por tudo, por
seu interesse, disponibilidade e presença. Foi muito bom contar com você.
À Walderez a grande articuladora desse convênio, UCG UFRJ, que, juntamente
com Nobuco Kameyama, buscou melhor qualificar o quadro de professores do Curso de
Serviço Social da UCG. Hoje, vocês colhem os frutos desse trabalho.
Às minhas colegas de profissão, supervisoras de estágio didáticas e profissionais,
estudantes estagiárias, foi a participação de vocês na pesquisa, que possibilitou a realização
dessa tese. Obrigada pela disponibilidade e pelas informações.
Queridos professores do doutorado. Vocês não foram apenas professores, foram
amigos que nos abriram caminhos, mostraram possibilidades profissionais, apontaram
alternativas e desafios, nos ensinaram pelo exemplo e pela dedicação.
Enfim o agradecimento à Universidade Católica de Goiás pelo apoio e pela
iniciativa, lembrando que a instituição é pioneira no oferecimento do curso de graduação e
mestrado em Serviço Social na região Centro-oeste e que soube vislumbrar a importância
desse doutorado não só para seus cursos, mas para a profissão e para o conjunto da
categoria no Estado de Goiás.
Enfim, a todos aqueles que participaram anonimamente ou não foram aqui
lembrados, eu sei que vocês são muitos, a minha gratidão.
8
RESUMO
A presente tese trata do estágio curricular no processo de formação do assistente social,
enfocando os aspectos políticos e históricos que o envolvem. Essa temática é relevante por
explicitar a articulação universidade e o mercado profissional dos assistentes sociais,
considerada um dos elementos responsáveis pela introdução do estudante no aprendizado
da dinâmica da realidade social bem como do processo técnico-operativo da profissão.
Os efeitos da crise mundial do capitalismo contemporâneo têm determinado as condições
objetivas e subjetivas nas quais o estágio se efetiva, ou seja, as atuais relações sociais de
trabalho, que apresentam novas exigências aos trabalhadores e indicam a necessidade de
um outro perfil de profissional e de estagiário. Tal condição concorre para o
distanciamento do estágio de seus propósitos acadêmicos para uma aproximação, cada vez
maior, aos interesses e conveniências dos campos de estágio.
Essa discussão foi realizada tendo por base: a realidade brasileira em seus aspectos sociais,
econômicos, políticos e culturais, a experiência do Curso de Serviço Social da
Universidade Católica de Goiás (UCG), expressão da educação superior brasileira, e o
mundo do trabalho, campo empírico da pesquisa realizada. Trata-se de uma discussão
desafiante referente às relações da universidade com o espaço sócio-ocupacional dos
assistentes sociais, campo de estágio dos estudantes do curso.
A temática relacionada ao estágio é inesgotável e possibilita a realização de outros estudos
e trabalhos que, com certeza, irão aprofundar, confirmar ou negar as reflexões iniciadas e
contribuir para que o estágio curricular cumpra suas finalidades pedagógicas e enriqueça o
processo de formação profissional.
Palavras-chave: educação, processo de formação, estágio, campo de estágio, supervisão.
9
ABSTRACT
The present thesis speaks about curricular probation in the process of social worker
formation; focus the politics and historical aspects that evolve. This theme is important for
explain the articulation between university and professional market of social worker,
consider one of the elements responsible for the introduction for the student in the learning
of dynamics social reality like technic - operative of profession.
The effects world-wide crisis in the contemporaneous capitalism has determinate the
objectives and subjective conditions of probation, the actual work social relation presents
new exigencies to workers and indicate the necessity of another professional profile and
probationer. This condition co-operate for the distance for theirs proposes and approximate
each more to interest and convenience of probation camps.
This discussion was realized based in the: Brazilian reality in theirs social, economics
politics cultural aspects and experience of social work course of Catholic University of
Goiás ( UCG), expression of brazilian superior education, and the work world, empiric
camp of search realized. It’s about a challenging discussion referring to relation of
university as occupational-place of social worker, probation camps for students of course.
This themes related to probation is unfailing and become possible the realization of
another studies and work that certainty will go to deepen and confirm or deny this begging
reflection and contribute for the curricular probation accomplish their pedagogic purpose
and enrich the process of professional formation.
Key Words: education formation process probation probation camps and
supervision.
10
RELAÇÃO DE SIGLAS
ABEPSS - Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
ABESS - Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social
ABRE - Agência Brasileira de Estágio
AI - Ato Institucional
AP - Ação Popular
APTA - Associação do Pequeno Trabalhador Autônomo
BIRD - Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
BM - Banco Mundial
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CAE - Coordenação de Assuntos Estudantis
CBCISS - Comitê Brasileiro da Conferência Internacional de Serviço Social
CD - Compact Disc
CEAS - Centro de Estudos e Ação Social
CEB - Comunidades Eclesiais de Base
CEPAJ - Centro de Estudos, Pesquisas e Extensão Aldeia Juvenil
CF - Constituição Federal
CFE - Conselho Federal de Educação
CFESS - Conselho Federal de Serviço Social
CIEE - Centro de Integração Empresa-Escola
CLT - Consolidação das Leis do Trabalho
CNE - Conselho Nacional de Educação
CNI - Confederação Nacional da Indústria
COFI - Comissão de Orientação e Fiscalização (do CFESS)
CRAS - Centros de Referência de Assistência Social
CRESS - Conselho Regional de Serviço Social
CRUTAC - Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária
CSU - Centro Social Urbano
CUT - Central Única dos Trabalhadores
DC - Desenvolvimento de Comunidade
ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente
ENESSO - Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social
EPB - Estudo de Problemas Brasileiros
EUA - Estados Unidos da América
FCDL - Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas
FEBEM - Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor
FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FIES - Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior
FMI - Fundo Monetário Internacional
FUMDEC - Fundação Municipal de Assistência Social
GO - Goiânia, Goiás
IAPC - Instituto de Pensão e Aposentadoria dos Comerciários
IAPI - Instituto de Pensão e Aposentadoria dos Industriários
IAPs - Institutos de Previdência Social
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
11
IDAGO - Instituto de Desenvolvimento Agrário de Goiás
IEL - Instituto Euvaldo Lodi
JUC - Juventude Universitária Católica
LBA - Legião Brasileira de Assistência
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social
MARE - Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado
MEC - Ministério da Educação
MPF - Ministério Público Federal
OAB - Ordem dos Advogados do Brasil
ONG - Organização Não-Governamental
ONU - Organização das Nações Unidas
OVG - Organização das Voluntárias de Goiás
PAIF - Programa de Atenção Integral à Família
PDH - Programa de Direitos Humanos
PET - Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PROEX - Pró-Reitoria de Extensão e Apoio Estudantil
PROUNI - Programa Universidade para Todos
PT - Partido dos Trabalhadores
PTB - Partido Trabalhista Brasileiro
REUNI - Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais
SEMAS - Secretaria Municipal de Assistência Social
SENAC - Serviço Nacional da Aprendizagem Comercial
SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SER - Departamento de Serviço Social
SESC - Serviço Social do Comércio
SESI - Serviço Social da Indústria
SINPAS - Sistema Nacional de Previdência Social
SM - Salário Mínimo
SNI - Serviço Nacional de Informações
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso
UCG - Universidade Católica de Goiás
UFG - Universidade Federal de Goiás
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNATI - Universidade Aberta à Terceira Idade
UnB - Universidade de Brasília
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação
12
RELAÇÃO DE QUADROS
Quadro nº 1
Habilidades necessárias aos estagiários, segundo opinião dos próprios
estagiários. Goiânia – 2007
Quadro nº 2
O estágio no Projeto Lei 993/07 e na legislação vigente. Goiânia
2007
Quadro nº 3
Instituições campo de estágio dos estudantes do Curso de Serviço
Social da UCG e a distribuição dos estagiários. Período de 1957 a
1964
Quadro nº 4 Instituições campo de estágio dos estudantes do Curso de Serviço
Social da UCG e a distribuição dos estagiários. Período de 1965 a
1970
Quadro nº 5 Instituições campo de estágio dos estudantes do Curso de Serviço
Social da UCG e a distribuição dos estagiários. Período de 1971 a
1977
Quadro nº 6 Concepção dos supervisores profissionais sobre o estágio. Goiânia
2007
13
RELAÇÃO DE TABELAS
Tabela
1 Amostragem da pesquisa realizada com as supervisoras dos Campos de
Estágio do Curso de Serviço Social da UCG. Goiânia – 2007
Tabela
2 Amostragem da pesquisa realizada com as estagiárias do Curso de Serviço
Social da UCG. Goiânia – 2006
Tabela
3 Expectativa das estagiárias do Curso de Serviço Social da UCG em
relação ao estágio curricular obrigatório. Goiânia – 2006
Tabela
4 Alternativas apresentadas pelas estudantes do Curso de Serviço Social da
UCG para custear seus estudos. UCG/PROEX/CAE – 2007
Tabela
5 Estudantes do Curso de Serviço Social que trabalham. UCG/PROEX/CAE
– 2007
Tabela
6 Participação das estudantes do Curso de Serviço Social na renda familiar.
UCG/PROEX/CAE – 2007
Tabela
7 Renda do grupo familiar das estudantes ingressas no Curso de Serviço
Social da UCG em 2007/2. UCG/PROEX/CAE – 2007
Tabela
8 Jornada de trabalho das estudantes ingressas no Curso de Serviço Social
da UCG em 2007/2. UCG/PROEX/CAE – 2007
Tabela
9 Componentes do grupo familiar das estudantes ingressas no Curso de
Serviço Social da UCG em 2007/2. UCG/PROEX/CAE – 2007
Tabela
10 Estado civil das supervisoras dos campos de estágio e professoras
supervisoras do Curso de Serviço Social da UCG. Goiânia – 2007
Tabela
11 Faixa etária das supervisoras dos campos de estágio e professoras
supervisoras do Curso de Serviço Social da UCG. Goiânia – 2007
Tabela
12
Ano da graduação das supervisoras dos campos de estágio e professoras
supervisoras do Curso de Serviço Social da UCG. Goiânia – 2007
14
Tabela
13 A pós-graduação realizada por supervisoras de estágio e professoras
supervisoras do Curso de Serviço Social da UCG. Goiânia – 2007
Tabela
14 Ano de ingresso das supervisoras de estágio e professoras supervisoras na
instituição e ano em que iniciaram a supervisão de estágio. Goiânia – 2006
Tabela
15 Forma da seleção das supervisoras dos campos de estágio e professoras
supervisoras do Curso de Serviço Social da UCG. Goiânia – 2007
Tabela
16 Faixa etária das estagiárias do Curso de Serviço Social da UCG. Goiânia
2006
Tabela
17 Faixa etária dos calouros e das estudantes ingressas no Curso de Serviço
Social da UCG. UCG/PROEX/CAE 2007. Goiânia – 2006/2007
Tabela
18 Estado Civil das estagiárias do Curso de Serviço Social da UCG. Goiânia
–2006
Tabela
19 Convivência das estagiárias do Curso de Serviço Social da UCG com a
família. Goiânia – 2006
Tabela
20 Situação de trabalho das estagiárias do Curso de Serviço Social da UCG.
Goiânia – 2006
Tabela
21 Salário das estagiárias do Curso de Serviço Social da UCG que trabalham.
Goiânia – 2006
Tabela
22 Participação na renda familiar por parte das estagiárias do Curso de
Serviço Social da UCG que trabalham. Goiânia – 2006
Tabela
23 Opinião das supervisoras dos campos de estágio do Curso de Serviço
Social da UCG sobre o movimento de contratação de profissionais e
estagiárias nessas instituições. Goiânia – 2007
Tabela
24 Opinião das estagiárias quanto à existência de relação entre a expectativa e
a vivência do estágio do Curso de Serviço Social da UCG. Goiânia – 2006
15
SUMÁRIO
Introdução ....................................................................................................................
15
Capítulo I – O estágio na educação superior brasileira, um processo histórico....
27
1.1. As “reformas” do Estado brasileiro .................................................................. 34
1.2. As reformas na educação superior brasileira ....................................................
1.2 1. Estágio curricular na universidade brasileira e a ditadura militar de
1964 – A reforma universitária de 1968 .................................................
48
60
1.2.2. Estágio e educação superior brasileira – A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB-96) ................................................................................
80
Capítulo II - O estágio curricular e o processo de formação profissional
em Serviço Social ..................................................................................
109
2.1. A origem do Serviço Social e a criação das primeiras escolas no Brasil ......... 119
2.2. O estágio no processo de formação em Serviço Social nos currículos de 1982
e de 1996 ...........................................................................................................
144
Capítulo III - O estágio no Curso de Serviço Social de Goiânia e o mundo do
trabalho ...............................................................................................
169
3.1 O estágio no curso de Serviço Social de Goiânia – aspectos históricos ........... 173
3.2. Estágio e projeto político-pedagógico do curso de Serviço Social de Goiânia
– projeto de formação de 1999 ..........................................................................
192
3.3. O estágio no curso de Serviço Social de Goiânia e as instituições campo de
estágio ...............................................................................................................
213
Algumas Considerações...............................................................................................
244
Referências ...................................................................................................................
257
16
INTRODUÇÃO
Esta tese analisa o estágio curricular do Curso de Serviço Social no contexto de
profunda crise do capitalismo contemporâneo, como uma dimensão determinada e
histórica no processo de formação dos assistentes sociais e as condições objetivas e
subjetivas nas quais ele se efetiva, como requisito fundamental da formação social dos
assistentes sociais. Essa temática envolve a discussão do estágio curricular, componente da
formação profissional, destacando-o como um aspecto relevante para a articulação entre o
espaço sócio-ocupacional do assistente social e o processo de formação profissional.
Considera-se o estágio como um dos elementos responsáveis, mas não o único, pela
introdução do estudante no aprendizado da dinâmica da realidade profissional e social. Ele
ocupa uma posição que lhe possibilita realizar a articulação entre formação e exercício
profissional, entre conhecimentos ético-político, teórico-metodológico e técnico-operativo
da profissão.
Na concepção aqui adotada, o estágio é curricular e obrigatório; como as
demais disciplinas do projeto de formação profissional, ele não tem existência por si só, de
forma independente e autônoma, pois, ele é componente curricular que deve estabelecer a
relação do processo de formação com o mundo do trabalho dos profissionais. Não há como
discutir estágio dissociado do projeto de formação e do espaço de atuação profissional dos
assistentes sociais. Essas duas dimensões, cada uma em sua especificidade, participam no
processo de formação profissional.
A discussão sobre o estágio é recorrente na profissão pelos inúmeros
problemas que ele encerra. A isto se acresce o fato de que o processo de formação
profissional envolve não só o mercado de trabalho dos assistentes sociais, como também as
entidades da categoria: Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
(ABEPSS), Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Conselho Regional de Serviço
Social (CRESS), Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (ENESSO). Assim,
a nosso juízo, o tema é sempre atual, é relevante dada à sua relação com a formação e com
17
o mercado profissional. Esse tema tem composto pautas de debates nas instâncias da
categoria e nos diversos cursos da graduação, em avaliações isoladas e conjuntas com as
instituições campo de estágio, em nível nacional.
Assim, analisar o papel desempenhado atualmente pelo estágio curricular
relacionado ao mercado profissional do assistente social, no contexto do capitalismo
contemporâneo
1
, é um desafio posto não só para as entidades da categoria, mas, também, a
todos os profissionais e estudantes, em vista das mudanças operadas no mundo do trabalho
nos últimos anos, decorrentes da crise internacional do capital no pós-70 da década
passada. Ela possibilitou a expansão, em vários países da Europa e também no Brasil, da
ideologia neoliberal, fundamento da “reforma” do Estado brasileiro ocorrida na década de
1990, no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Desta forma, o modo de
produção capitalista foi introduzindo mudanças no mundo do trabalho alterando relações
estabelecidas entre patrão e empregado e entre estágio e campos de estágio, provocando a
desregulação do trabalho, situação que se tem agravado, assumindo dimensões maiores e
mais perversas. Novas situações que privilegiam a acumulação capitalista são criadas,
tomando o trabalho como mercadoria, inclusive aquele desenvolvido pelos estagiários,
submetendo-os às determinações do capital. À medida que a força de trabalho do estagiário
é equiparada à de qualquer outro trabalhador, o estágio vai se descaracterizando de sua
dimensão acadêmica para servir aos interesses das instituições que demandam o trabalho
do estagiário.
A reforma” do Estado brasileiro e o avanço da política neoliberal no país,
foram o suporte legal, político e ideológico, necessário à ampliação no reconhecimento da
subordinação da educação ao mercado, movimento este que tem no estágio um de seus
principais expoentes. Dentre os documentos oficiais que favorecem essa situação
destacam-se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/96) (BRASIL, 1996)
e as leis, decretos e resoluções relacionados ao estágio, muitos dos quais serão analisados
nesta tese.
1
O capitalismo contemporâneo é uma configuração do capitalismo, iniciada na crise dos anos de 1970, que
provocou uma série de mudanças de dimensão mundial, nos aspectos econômicos, sociais, políticos e
culturais, mantendo “no centro da sua dinâmica o protagonismo dos monopólios” (Netto; Braz, 2006, p. 211).
É o processo denominado de mundialização do capital, “entendida como ‘o quadro político e institucional
que permitiu a emersão, sob a égide dos EUA, de um modo de funcionamento específico do capitalismo,
predominantemente financeiro e rentista, situado no [...] prolongamento direto do estágio do imperialismo’”
(CHESNAIS, 1997, apud NETTO; BRAZ, 2006, p. 211).
18
No sentido de desvelar como tem sido desenvolvida essa relação no Curso de
Serviço Social da Universidade Católica de Goiás (UCG), campo empírico da presente
pesquisa, elegeu-se como objeto, o estágio curricular no processo de formação dos
assistentes sociais do Curso de Serviço Social da UCG, consideradas as exigências dessa
formação expressas nas Diretrizes Curriculares da Associação Brasileira de Ensino em
Serviço Social (ABESS) de 1996 e as determinações do mundo do trabalho decorrentes do
projeto neoliberal. Esse debate envolve as relações que se estabelecem nessas duas
instâncias: curso e espaço sócio-ocupacional dos assistentes sociais.
Uma questão preocupante e desafiadora é o fato de que o estágio curricular no
curso de Serviço Social, como também em outras áreas profissionais tem disponibilizado
para o mercado uma mão-de-obra de baixíssimo custo, semi-profissional/especializada e
atualizada. Assim, ao se apropriar da força de trabalho do estagiário o mundo do trabalho
estabelece novas condições ao estágio, segundo a sua lógica, exigindo estagiários mais
disponíveis e preparados para atender seus interesses, muitas vezes alheios ao processo de
formação. O trabalho desenvolvido por meio do estágio supervisionado, como também o
trabalho dos trainees
2
, possibilita que ele se apresente com mais qualidade e atualização,
condições que favorecem sua busca e utilização pelo mercado.
Constata-se que a lógica do mercado alcançou, por meio do estágio curricular,
a universidade como um todo. O Curso de Serviço Social de Goiânia não ficou alheio a
esta tendência do mercado, em suas relações com os campos de estágio, de ampliação na
utilização da mão-de-obra de estagiários, reduzindo a possibilidade de contratação de
profissionais, desrespeitando princípios e diretrizes da formação profissional. Tal realidade
levou à construção da seguinte hipótese: uma tendência do mercado de trabalho em
buscar com mais intensidade a contratação de mão-de-obra de estagiários, dificultando a
2
São considerados trainees jovens ainda “cursando o ensino superior ou recém-formados que, após um longo
e bem estruturado treinamento, passam a ocupar posições técnicas e até gerenciais. Algumas empresas
procuram para seus programas de trainees profissionais formados há dois ou três anos, enquanto outras ainda
optam por recrutá-los nas faculdades. [...] O trainee não é um estagiário [...]. É esperado que, no longo prazo,
os trainees assumam posições como gerente sênior. Estes programas em geral têm como estratégia permitir às
empresas utilizar o trainee no suprimento de suas funções técnicas e gerenciais. O trainee é preparado para
ocupar tanto um cargo técnico, de nível superior, quanto uma posição de chefia, como supervisor ou gerente.
Algumas empresas que recrutam trainees para cargos técnicos, na verdade estão preparando-os para
assumirem em breve postos de analistas” (CAMPOS, GESTÃO DE CARREIRA. In.:
<http://carreiras.empregos.com.br/comunidades/campus/gestao_de_carreiras/duvidas_trainee.shtm>).
19
contratação de profissionais. Essa tendência é evidenciada, segundo depoimento de
algumas profissionais entrevistadas, não só na área privada como também em outras
instâncias.
Como objetivo priorizou-se: a) analisar o estágio, no seu processo histórico-
social, para apreender sua organização e desenvolvimento nas dimensões do processo de
formação e mercado profissional, tendo em vista as condições econômicas, políticas,
sociais e culturais que o determinam; b) avaliar os mecanismos e estratégias utilizadas pelo
mercado para maior absorção da mão-de-obra de estagiários e a incorporação da sua
lógica; c) avaliar o desenvolvimento do estágio ante a proposta do Projeto Político-
Pedagógico do Curso de Serviço Social de Goiânia de 1999 e a dos campos de estágio, que
contemplam interesses que se conjugam e se opõem.
O interesse por esse tema decorreu do envolvimento da pesquisadora com o
estágio curricular em diversas instâncias da UCG e, no Curso de Serviço Social onde
exerceu a supervisão de estágio e, desde o segundo semestre de 2007, exerce a
coordenação de estágios. As análises e constatações aqui apresentadas advêm da formação
continuada, da experiência profissional, da pesquisa bibliográfica e documental e dos
dados coletados por ocasião da pesquisa empírica realizada com estudantes estagiários e
profissionais que exercem a supervisão nos campos de estágio. Ressalta-se que em 1999
apresentou ao Programa de Mestrado em Educação Brasileira da Faculdade de Educação
da Universidade Federal de Goiás (UFG) a dissertação de mestrado intitulada: A
compreensão polissêmica do estágio no ensino superior.
Historicamente, o estágio é espaço de aprendizagem. Não obstante, é também,
utilizado como espaço para apropriação de uma força de trabalho qualificada e de baixo
custo, realidade que conta com o respaldo jurídico-legal. Nesse aspecto ressalta-se a
Constituição Brasileira de 1988 (BRASIL, 1988), em vigor, que trata da educação no
sentido do “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho” (Art. 205) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, a LDB/1996 (BRASIL, 1996) que, em consonância com a Carta Magna, defende
que “a educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social” (Art.
1º § 2º).
20
A Constituição Brasileira de 1937 (BRASIL, 1937) atribuía às indústrias e
sindicatos a responsabilidade pelo ensino profissional aos aprendizes, terminologia
utilizada na época para designar os estudantes nessa modalidade de ensino.
Diz o texto constitucional de 1937, na Seção da Educação e Cultura, art. 129:
Art 129 - A infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à
educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos
Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos
os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas
faculdades, aptidões e tendências vocacionais.
O ensino pré-vocacional profissional destinado às classes menos favorecidas é
em matéria de educação o primeiro dever de Estado. Cumpre-lhe dar execução a
esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de
iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações
particulares e profissionais.
É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera da sua
especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou
de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que
caberão ao Estado, sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e
subsídios a lhes serem concedidos pelo Poder Público.
(http://www.planalto.gov.br, acesso em 2006).
Assim, as indústrias tinham à disposição o trabalho dos estudantes,
denominados aprendizes como também preparava e selecionava seu quadro de pessoal.
As várias reformas na educação brasileira bem como as leis específicas ao
estágio têm significado muito mais que mudanças e/ou alterações no ensino, constituem-se
instrumentos que estabelecem as condições atuais do processo de formação como os
recém-criados cursos e faculdades voltados, cada vez mais, aos interesses do mercado. No
estágio observa-se a situação de estudantes que acabam por se submeterem às atividades a
eles designadas, nem sempre relacionadas ao conteúdo previsto no projeto pedagógico do
curso. Outros desenvolvem atividades próprias de profissional, até substituindo-o, situação
que contraria o Código de Ética Profissional e a Lei de Regulamentação da profissão que
facultam o exercício profissional apenas ao assistente social. São situações que desafiam
professores, estudantes e profissionais de diferentes áreas ao tempo que comprometem a
qualidade da formação profissional.
O estágio seja ele obrigatório ou não, é uma atividade curricular que supõe um
nível de conhecimento ético-político, teórico-metodológico e técnico-operativo que se
21
desenvolverá no sentido de contribuir/participar na preparação dos estudantes para o
mundo do trabalho. Nesse aspecto assume importância fundamental a dupla supervisão:
didática exercida por docente; e a profissional exercida por profissional da instituição
campo de estágio
3
. É importante nesse processo a articulação entre essas duas supervisões
no planejamento, na execução e na avaliação do estágio, o que irá assegurar a realização do
projeto desenvolvido no processo de formação.
Outro aspecto a se considerar é a grande expansão dos cursos de educação à
distância, que já alcançaram diversas áreas profissionais, inclusive o Serviço Social. Eles
têm sido objeto de discussão em várias instâncias da categoria, pois sua qualidade e
competência no sentido da formação profissional são aspectos a serem resolvidos. Como
serão seus estágios, também à distância, estágios não presenciais tipo laboratório?
Diante de toda essa realidade, fica o questionamento: Que significado
acadêmico o estágio tem assumido no processo de formação? O estágio é importante no
processo de formação – para quem? Que papel ele cumpre?
Para conhecer a visão de estágio nas instituições que oferecem o estágio
curricular ao Curso de Serviço Social de Goiânia, foi realizada uma pesquisa, por
amostragem, com cinco instituições: três da sociedade política e duas da sociedade civil.
Esse quantitativo representa cerca de quase 20% dos campos de estágio efetivos do curso,
isto é aqueles que oferecem vagas para o estágio periodicamente
4
.
Priorizou-se a natureza institucional dos campos de estágio, pois concebeu-se
que o interesse pelo trabalho do estagiário variava conforme a natureza da instituição.
3
Apesar de as Diretrizes Curriculares da ABEPSS/1996 denominarem a supervisão docente como supervisão
acadêmica, o Projeto Político-Pedagógico do Curso de Serviço Social de Goiânia (UCG/SER, 1999),
denomina como supervisão didática a exercida por docente, e supervisão profissional a exercida pelo
profissional do campo de estágio.
4
Além dos campos de estágio aqui considerados como efetivos, o curso conta ainda com os campos de
estágio por local de trabalho, aqueles em que o estagiário, funcionário da instituição participa no trabalho
profissional ali desenvolvido. Nesse caso a instituição apresenta o programa de Serviço Social que
desenvolve e se compromete com a supervisão do estagiário. Outra modalidade refere-se ao estágio por local
de moradia, possibilidade posta aos estudantes que residem em cidades do interior do Estado, geralmente no
entorno. Desde que haja instituição que desenvolva programa na área do Serviço Social e profissional que se
comprometa com a supervisão, condição do estágio ser ali realizado. São situações especiais que
equivalem ao estágio obrigatório. No caso da pesquisa, no cômputo do universo dos campos de estágio,
foram considerados como campos de estágio os campos efetivos do Departamento.
22
Assim, no âmbito público federal, estadual e municipal foram selecionadas instituições de
maior representatividade em cada uma destas esferas. No setor privado elegeu-se uma
instituição patronal e uma empresarial, conforme mostra a tabela 1.
Tabela 1 – Amostragem da pesquisa realizada com as supervisoras dos Campos de Estágio
do Curso de Serviço Social da UCG. Goiânia – 2007
SOCIEDADE POLÍTICA SOCIEDADE CIVIL
Municipal Estadual Federal Patronal Empresa
TOTAL CAMPOS
DE
ESTÁGIO
01 01 01 01 01 05
TOTAL 03 02 05
Fonte: Pesquisa realizada Goiânia, no segundo semestre de 2007.
O instrumento de coleta de dados foi a entrevista realizada com as profissionais
que exercem a supervisão nos campos de estágio, seguindo um roteiro bem definido, do
tipo questionário, onde as respostas às questões objetivas eram anotadas e gravadas pela
pesquisadora. Todo o registro dos dados foi feito por meio de gravação, com a
aquiescência das profissionais, conforme determinação do Comitê de Ética.
com as estagiárias a coleta de dados ocorreu por meio de questionário com
questões abertas e fechadas, abrangendo cerca de 20% dos estudantes matriculados na
disciplina de Estágio Supervisionado II e Estágio Supervisionado III (turmas matutina e
vespertina), selecionados de forma totalmente aleatória
5
, isto é foi aplicado o questionário
que estavam em sala de aula no horário dedicado ao estágio. Visando aprofundar o
conhecimento sobre o perfil os estudantes do curso de Serviço Social, recorreu-se à
pesquisa realizada pela Coordenação de Assuntos Estudantis (CAE), vinculada à Pró-
Reitoria de Extensão e Apoio Estudantil (PROEX), sobre o perfil dos calouros da UCG,
referente ao segundo semestre de 2007. A pesquisa feita também por amostragem aleatória,
apresenta dados dos estudantes de todos os cursos oferecidos por ocasião do vestibular e
também especifica os dados dos alunos de cada curso. Assim, foi possível, nas análises
sobre o perfil das estagiárias do Curso de Serviço Social, cruzar os dados dessa pesquisa
5
A seleção dos estagiários não incorporou a avaliação dos estudantes do Estágio Supervisionado I devido ao
pouco envolvimento deles com o estágio, pois, por ocasião da coleta de dados, eles haviam acabado de ser
encaminhados aos campos de estágio, o que poderia prejudicar a avaliação em pauta.
23
realizada com estudantes ingressos na universidade e os coletados pela doutoranda com as
estagiárias.
Ainda como fonte de pesquisa foram utilizadas às produções bibliográficas de
diversos autores do Serviço Social como Netto, Iamamoto, Guerra, Faleiros, Kameyama e
de outras áreas Chauí, Cunha, Fernandes, Frigotto, Ianni e outros. Recorreu-se às
Constituições Federais, às reformas da educação, às leis e decretos que dispõem sobre
Educação e estágio, os documentos relacionados ao Serviço Social e ainda a algumas teses,
dissertações e trabalhos de conclusão de curso da graduação.
A presente tese é apresentada em três capítulos que se articulam entre si.
O primeiro capítulo trata do estágio na educação superior brasileira, enfocando
as reformas do Estado brasileiro e as reformas educacionais delas decorrentes, com
destaque à Lei 5.540/68 (BRASIL, 1968), a denominada reforma universitária de 1968,
realizada pelo governo militar, no período da ditadura e a Lei 9.394/96, a LDB de 1996
(BRASIL, 1996), com base no neoliberalismo. Cada uma dessas reformas, no seu contexto
e na sua época, com seus propósitos, concorreram com poucas ou quase nenhuma exceção,
para a manutenção dos interesses da burguesia e da valorização do capital.
A reforma universitária de 1968 introduziu elementos que alteraram a
organização da educação superior brasileira, principalmente no sentido de fortalecer a
ditadura pela fragmentação do ensino. O demérito dessa reforma pode ser vista sob dois
aspectos: um deles a desarticulação do movimento estudantil e outro a expansão da
educação superior. Para compensar a desarticulação do movimento estudantil a ditadura
estabeleceu a proposta de equiparação entre estágio e extensão, e promoveu a instalação de
grandes programas nacionais que, segundo a compreensão de seus gestores, iriam articular
o país de norte a sul. Quanto à expansão da educação superior não houve ampliação da
rede pública, foi desencadeado o aumento quantitativo de instituições privadas de ensino
superior. O objetivo era preparar recursos humanos para o mercado, posição assumida por
várias instituições que, sob a chancela do Estado, tornavam-se instrumento de preparação
de pessoal. Eram universidades que, segundo Germano (1993, p. 138), apresentavam de
forma acentuada,
24
a preocupação em relacionar educação e mercado de trabalho. Nessa
perspectiva, o sistema educacional [...] deveria preparar a força de trabalho para
o sistema produtivo. O planejamento educacional deveria ser compatível com as
necessidades do mercado.
Essa preocupação conduziu a educação a serviço do sistema e muitas eram as
universidades que se reconheciam e eram reconhecidas como “propulsoras do
desenvolvimento” do país, iluminadas por um discurso que as “elevava” ao palco da
modernização.
a LDB/96 (BRASIL, 1996), ancorada no projeto neoliberal, trouxe para o
cenário nacional, uma nova versão de educação superior: a “educação escolar deve
vincular-se ao mundo do trabalho”, estabelece a lei em seu primeiro artigo. Nessa
perspectiva, foram implantados em todo o país os cursos rápidos: tecnológicos,
seqüenciais, a distância e outros, no sentido de atender às necessidades imediatas do
mercado. O conceito e a compreensão de universidade são ameaçados pelas escolas e
faculdades que oferecem essa modalidade de ensino, em especial os cursos à distância, que
alcançaram diversas áreas profissionais, inclusive o Serviço Social. Em relação a esses
cursos cabe um questionamento: como ficam os estágios dos alunos dos cursos à distância?
Seriam também estágios não presenciais?
Nesse sentido há preocupação quanto aos rumos da universidade como
instituição secular a serviço da humanidade, a universitas, que passa a dividir espaço com
as universidades operacionais, instituições geridas pelos empresários da educação. Essa
visão, de educação e de universidade, é fortalecida e valorizada nos instrumentos oficiais,
em que também o estágio, elemento da formação acadêmica, é buscado para atendimento
às necessidades e interesses do mercado. É uma posição de cunho neoliberal que confirma
a lógica empresarial de colocar a educação a seu serviço.
Assim, as reformas e outros documentos oficiais sustentam a relação entre
mercado e governo, em um pacto de colaboração no qual um apóia o outro e ambos se
beneficiam.
Finalmente, o estudo de caso deu-se sobre o estágio no curso de Goiânia.
Pretendeu-se, analisar criticamente o estágio curricular obrigatório no Curso de Serviço
25
Social da UCG, apontar alguns aspectos das condições em que ele se realiza, seus desafios
e perspectivas, os sujeitos envolvidos, fornecendo subsídios que possam qualificá-lo como
elemento fundamental na formação profissional.
Fechando esse capítulo trazemos algumas reflexões/discussões sobre o novo
projeto de lei (nº 993/07) que dispõe sobre o estágio de estudantes em instituições de
educação superior, documento aprovado na Câmara Federal e que tramita no Senado.
Essa proposta traz inúmeras inovações em relação à legislação atual do estágio, dentre elas
a concepção do estágio como ato educativo, sua carga horária máxima de 30 h/semanais e,
o aspecto considerado mais polêmico por um de seus mentores, o dispositivo que
estabelece punição às empresas pelo descumprimento da lei ou dos acordos.
Diz o projeto de lei:
Art. 3º § 2
o
O descumprimento de qualquer dos incisos deste artigo ou de
qualquer obrigação contida no termo de compromisso de estágio caracteriza
vínculo laboral do educando com a parte concedente do estágio para todos os
fins da legislação trabalhista e previdenciária.
Diz ainda o documento:
Art. 13 § 3
o
A instituição privada que reincidir na irregularidade de que trata
este artigo ficará impedida de receber estagiários por dois anos, contados da
data da decisão definitiva do processo administrativo correspondente.
O segundo capítulo trata do estágio nos diferentes projetos de formação. É feita
uma abordagem histórica, das origens da formação às Diretrizes Curriculares da ABESS de
1996 (ABESS, 1996). Assim, o capítulo perpassa o processo de formação desde as
primeiras escolas de Serviço Social com suas práticas de ajuda, os propósitos ajustadores
de indivíduos, grupos e comunidades e o movimento de busca de ruptura. Assim, o
movimento da vertente de busca de ruptura com a base teórico-metodológica conservadora
da profissão expressa-se no processo de formação profissional com a mudança curricular
de 1982, quando foi estabelecido o novo currículo mínimo da profissão, ancorado na
vertente marxista. Nesse sentido o estágio do curso assume uma postura de compromisso
com os segmentos populares e com a classe trabalhadora, cujas condições de vida e
trabalho passam a se constituir objeto da profissão. Intensificam-se as experiências
profissionais junto aos movimentos populares, associações de moradores e de posseiros
urbanos, no sentido de intervir nas condições de vida, trabalho e na organização desse
26
segmento, atuação desenvolvida em bairros periféricos e centros comunitários, em
instituições públicas e privadas. Outro aspecto ali abordado refere-se à revisão curricular
de 1996, com as Diretrizes Curriculares da ABESS/1996, hoje ABEPSS. Nessa perspectiva
a vertente marxista também sustenta o processo de formação estabelecendo a questão
social como eixo da formação e objeto do exercício profissional. Também neste projeto de
formação profissional o estágio se volta aos segmentos populares, sendo desenvolvido, nos
movimentos sociais, órgãos públicos, empresas públicas e/ou privadas, organizações não-
governamentais (ONGs) e programas de extensão.
No terceiro capítulo dedicou-se a analisar o estágio no Curso de Serviço Social
de Goiânia, face à criação da Escola em 1957. Neste sentido o estágio curricular é visto em
seu aspecto histórico, desde as primeiras turmas até os dias atuais (2007), quando foi
buscado, na empiria, a realidade que o envolve. Assim, o estágio é apresentado a partir dos
dados coletados com os profissionais dos campos de estágio, tabela 1, enfocando as
instituições campo de estágio e os estagiários do curso, tabela 2.
Tabela 2 – Amostragem da pesquisa realizada com as estagiárias do Curso de Serviço
Social da UCG. Goiânia - 2006
SOCIEDADE POLÍTICA SOCIEDADE CIVIL
Municipal Estadual Federal Privada
TOTAL CAMPOS
DE
ESTÁGIO
02 09 04 07 22
TOTAL 15 07 22
Fonte: Pesquisa - O Estágio no Curso de Serviço Social da UCG, realizada com os estagiários, para fins de
elaboração da tese. Goiânia, 2006/2.
Constata-se que o estágio curricular vivencia, por um lado, as injunções do
modo de produção capitalista e das diversas reformas que o sustentam. Por outro lado, as
dificuldades profissionais em desenvolver nos campos de estágio o processo ético-político-
profissional expresso nas Diretrizes Curriculares da formação profissional.
Desse modo, torna-se necessário encontrar formas de o estágio cumprir sua
finalidade no processo de formação profissional, desafio que tem provocado professores,
profissionais dos campos de estágio e estagiários, bem como as suas entidades: ABEPSS,
CFESS/CRESS e ENESSO.
27
O momento não poderia ser mais oportuno para o estudo do estágio: as
Comissões de Fiscalização dos CRESS(s), vem se ocupando em conhecer e por vezes
denunciar as condições nas quais o estágio e a supervisão se realizam; o CFESS investe na
formulação de uma Política Nacional para o Estágio; a ABEPSS e a ENESSO, já há algum
tempo vêm investindo esforços na reflexão dos espaços nos quais o chamado “ensino da
prática” se realiza. Neste momento está em curso pela ABEPSS e ENESSO o processo de
avaliação curricular, cujos resultados parciais mostram as fragilidades que a formação
profissional ainda possui neste aspecto.
Considera-se, ainda, que esta temática seja inesgotável, pois oferece
possibilidades de hipóteses e abordagens diversas. Apesar desse debate ser antigo na
formação das profissões, ele é atual e ainda pouco desenvolvido no Serviço Social. São
poucas as produções consolidadas sobre essa temática e até mesmo artigos publicados.
Dadas às novas demandas e a complexidade com que ele se coloca, deverá ser objeto de
outras pesquisas e, assim motivar novas investigações, despertar o ato criativo, para que
possa vir a contribuir com a formação acadêmica e com o debate da categoria, por meio de
suas organizações: ABEPSS, CEFESS/CRESS e ENESSO, apresentando alternativas na
relação teoria-prática e no enfrentamento dos desafios postos pela necessidade de maior
articulação entre processo de formação e mundo do trabalho.
28
CAPÍTULO I
O ESTÁGIO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA,
UM PROCESSO HISTÓRICO
A discussão acerca do estágio curricular no processo de formação do assistente
social envolve o processo de formação dos assistentes sociais e a realidade atual do mundo
do trabalho, que afeta o mercado profissional dos assistentes sociais, provocando reflexões
acerca das relações que são estabelecidas entre processo de formação e espaço profissional
com base da “reforma” do Estado brasileiro nos anos 1990.
A “reforma” do Estado brasileiro desencadeou uma série de reformas
específicas que, na área educacional, significou o aprofundamento da subordinação da
educação ao mercado de trabalho, conforme estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB/96), Lei 9.394/96 (BRASIL, 1996), do que decorreram
mudanças, adaptações e adequações nos processos de formação profissional para atender
aos propósitos da lei. Dessa forma, tem ocorrido um desencadeamento descomedido de
cursos profissionalizantes, seqüenciais, cursos a distância e outras modalidades de
formação profissional, necessárias para o maior avanço do mercado e ao fortalecimento da
lógica do capital.
Na década de 1990, Fernando Collor de Mello (1990-1992) assumiu a
presidência da República do Brasil e apresentou à população brasileira seu propósito de
combater a inflação e promover cortes nos chamados gastos públicos, pela abertura do
mercado interno, redução da quina estatal, incentivo às privatizações de empresas
estatais, processo de reformas e ajustes, dentre elas a reforma da educação e outras
29
medidas já expressas no denominado Plano Collor
6
.
Bringel (2005) expõe que, é
a partir do governo de Fernando Collor que se desenvolve um processo de
abertura da economia ao mercado internacional, dá-se início o corte nos gastos
públicos e no aumento generalizado de impostos. O corte nos gastos públicos
começou pela demissão de funcionários públicos do governo federal, pois o
plano pretendia tornar o Estado mais enxuto, e sob esta orientação foram
também anunciadas as privatizações, bem como a diminuição dos impostos de
importação, o que estimulava as importações.
Apesar de sua curta duração, esse governo, pode ser considerado um marco na
implantação do projeto neoliberal
7
no Brasil. Ele deu início à chamada “reforma” do
Estado brasileiro, com o desmantelamento do modelo nacional-desenvolvimentista e o
desencadeamento do Estado mínimo na área social e máximo para o capital, isto é, com a
transferência para a sociedade civil da responsabilidade social afeta ao Estado. A
minimização do Estado na área social representa, para a educação, segundo Bringel (2005),
o rejuvenescer da Teoria do Capital Humano, sob nova roupagem. A educação,
nesse processo, torna-se o expediente para ajustar os processos de formação da
força de trabalho à nova materialidade do processo de trabalho. Educação para a
competitividade, necessária e requerida pela lucratividade empresarial (p. 59).
Com o impeachment de Collor, seus sucessores imediatos, Itamar Franco
(1992-1995) e Fernando Henrique Cardoso, em dois mandados (1995-1999) (1999-2002),
assumiram a continuidade da “reforma” do Estado brasileiro, por ele iniciada, regida ainda
pelos preceitos neoliberais, sob o discurso da modernização e da racionalização. Apesar de
6
O Plano Collor, segundo Bringel (2005, p. 78), “reintroduziu o cruzeiro e instaurou o congelamento
imediato dos preços, seguido de gradual liberalização e livre negociações de salários. Na tentativa de não
permitir o deslocamento de recursos da poupança para o consumo, promoveu o confisco [...] de todas as
contas correntes, poupanças e demais investimentos financeiros”. Ancorando-se no aporte da teoria do capital
humano, o governo Collor implementou ainda vários programas no âmbito da educação: Programa Brasileiro
de Qualidade e Produtividade; Programa de Apoio à Capacitação Tecnológica da Indústria Brasileira;
Programa de Competitividade Industrial; Projeto de Reconstrução Nacional; Programa Setorial de Educação
e outros.
7
O termo neoliberalismo’ tem um significado específico no que concerne a um conjunto particular de
receitas econômicas e programas políticos que começaram a ser propostos nos anos 70”, assinala Therborn
(1995, p. 139). Segundo Iamamoto (2007, p. 149), o neoliberalismo “subordina os direitos sociais à lógica
orçamentária, a política social à política econômica, em especial às dotações orçamentárias. Observa-se uma
inversão e uma subversão: ao invés do direito constitucional impor e orientar a distribuição de verbas
orçamentárias, o dever legal passa a ser submetido à disponibilidade de recursos. São as definições
orçamentárias vistas como um dado não passível de questionamento que se tornam parâmetros para a
implementação dos direitos sociais implicados na seguridade social, justificando as prioridades
governamentais”.
30
o projeto neoliberal ter sido implantado na sociedade brasileira pelo então presidente
Collor, ele se consolidou, de forma mais definitiva, no primeiro governo de Fernando
Henrique Cardoso (ANDERSON, 1995).
O governo Cardoso implementou e consolidou o processo de reestruturação do
Estado, por meio do Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado, em 1995.
Conduzida por parâmetros neoliberais, a “reforma” do Estado tem marcado diversos
aspectos da vida social, econômica, política e cultural da sociedade que, segundo Netto
(2004), expressa a
dilapidação do patrimônio público pela via da privatização, o brutal aumento da
dívida líquida do setor público, o agravamento da vulnerabilidade do país em
face dos condicionantes externos [...], taxas de crescimento residuais e o
acréscimo em flecha do desemprego e da informalidade (p. 7).
A reforma” do Estado de Fernando Henrique Cardoso interferiu na
organização da Presidência da República e dos ministérios, para o que várias medidas
administrativas e legais foram adotadas com o objetivo de modificar princípios e normas
que até então norteavam a administração pública, ou seja, em desmontar o Estado para
redefinir o seu papel, reduzindo sua intervenção no mercado de trabalho e nas políticas
sociais, a fim de adequar-se às exigências dos organismos financeiros internacionais
(YAZBEK, 1998).
Com a “reforma” do Estado brasileiro várias outras ocorreram, sempre visando
o ajustamento e o equilíbrio do país aos interesses internacionais, segundo o receituário do
Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD)
8
e Fundo Monetário
Internacional (FMI)
9
. Para Abramides (2004, s. p.), “a Reforma do Estado cumpriu uma
8
O Banco Mundial, criado em 1944, após a Segunda Guerra Mundial, tem por meta principal ajudar as
pessoas e países mais pobres. Ele “proporciona empréstimos e assistência para o desenvolvimento a países de
rendas médias com bons antecedentes de crédito. O poder de voto de cada país-membro está vinculado às
suas subscrições de capital, que por sua vez estão baseadas no poder econômico relativo de cada país. O
BIRD levanta grande parte dos seus fundos através da venda de títulos nos mercados internacionais de
capital” (disponível em <http//:www.bancomundial.org.br; acesso em 14 de out. 2005).
9
O Fundo Monetário Internacional (FMI), criado em 1945, é um organismo internacional de controle
finaceiro que “tem como objetivo sico zelar pela estabilidade do sistema monetário internacional,
notadamente através da promoção da cooperação e da consulta em assuntos monetários entre os seus 181
países membros. Juntamente com o BIRD, o FMI emergiu das Conferências de Bretton Woods como um dos
pilares da ordem econômica internacional do pós-Guerra. O FMI objetiva evitar que desequilíbrios nos
balanços de pagamentos e nos sistemas cambiais dos países membros possam prejudicar a expansão do
31
função estratégica na programática neoliberal ao implantar as reformas: tributária,
previdenciária e educacional durante os oito anos do governo de Fernando Henrique
Cardoso”. Desse modo, as medidas adotadas provocaram a viabilização e consolidação da
concepção de um Estado mínimo na área social, ou seja, a redução de investimentos
financeiros nessa área e o descompromisso com o desenvolvimento das políticas sociais,
dentre elas, a educação.
Portanto, a partir da década de 1990, nos governos de Collor, Franco e
Cardoso, embora de forma e com dispositivos distintos, foram centrados esforços com o
objetivo de viabilizar a política neoliberal, com a retração do Estado e o avanço do
mercado, como regulador das relações sociais. Conforme Behring (2003), existe na
“reforma” uma busca em refuncionalizar o Estado brasileiro, nos marcos do
neoliberalismo, com mais mercado livre e menos Estado social. Para a autora, não se trata
de uma “reforma” do Estado e sim de uma contra-reforma “que implicou um profundo
retrocesso social, em benefício de poucos” (BEHRING, 2003, p. 22).
Segundo Sader (2004, p. 7), na “fase atual do capitalismo, a hegemonia está no
capital financeiro, na sua modalidade especulativa. Mais de 95% dos movimentos de
capital que se dão diariamente no mundo se processam na esfera especulativa, como venda
e compra de papéis”.
Trata-se de um crescimento econômico que tem beneficiado os especuladores,
gerando uma polarização entre o público e o mercantil. O espaço da universalização dos
direitos assegurado por meio das políticas públicas é invadido pela área financeira que se
tem apropriado de funções do Estado, gerando a atrofia dos direitos sociais. Apesar de o
capital financeiro não produzir riqueza, nem emprego, ele “favoreceu os projetos de
‘flexibilização laboral’, que representa maior precarização nas relações de trabalho”
(SADER, 2004, p. 7).
Com o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-_)
10
, vários aspectos dessa
comércio e dos fluxos de capitais internacionais” (disponível em <http//:pt.wikimedia.org/wiki/FMI acesso
em 14 de out. 2005).
10
A eleição de Luis Inácio Lula da Silva à Presidência da República, em 2002, significou para os segmentos
populares e trabalhadores brasileiros a esperança por um Brasil com trabalho, salários dignos, educação e
32
realidade mantiveram-se. Considerado representante da resistência à orientação econômica
do governo de Cardoso, ao eleger-se presidente da República, Lula da Silva detinha
uma grande força para articular um bloco político-social capaz de assegurar a
governabilidade com vistas a tornar processo o projeto mudancista de que o
comportamento petista durante a era Fernando Henrique Cardoso fornecia o
aval (NETTO, 2004, p. 11)
11
.
Mas o presidente Lula da Silva mantém a política de seu antecessor. Ele
também “assume a prática ‘neoliberal’ que combateu frontalmente durante a era Cardoso”
(NETTO, 2004, p. 13).
Apesar da prática reiterativa da era Cardoso, assumida por Lula da Silva,
um diferencial em relação a seu antecessor, o redimensionamento da ação do Estado, na
área social, pois um novo padrão de intervenção foi criado, com mais recursos e
investimentos, possibilitando a criação de novos programas sociais e a reativação de
programas suspensos e extintos em governos anteriores. Segundo resultado do estudo
realizado e divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de
2004, foram beneficiados pelos programas sociais de transferência de renda do governo
cerca de 39 milhões de brasileiros (BORGES, 2006). O autor esclarece:
A minuciosa pesquisa confirma que estas ações, que atingiram 21,4% da
população do país, estão de fato chegando às pessoas mais necessitadas.
Segundo Eduardo Nunes, presidente do IBGE, “elas beneficiaram 91% dos
domicílios com rendimento inferior a um salário mínimo". Em 2004, estes
programas bateram o recorde histórico ao contemplar 50,3% das "famílias
miseráveis" [...] A evolução das ações sociais do governo Lula é significativa e
consistente. Somente com o Bolsa Família, o governo beneficiou 3,6 milhões de
domicílios em 2003, 6,5 milhões em 2004 e 8,7 milhões em 2005. A meta é
atingir 11,2 milhões de famílias em 2006. Os recursos públicos investidos neste
programa saltaram de R$ 3,4 bilhões em 2003 para R$ 6,5 bilhões em 2005 - na
mais volumosa transferência de recursos da América Latina (BORGES, 2006, s.
p.).
Em seu Programa de Governo para o Brasil, a Coligação Lula Presidente
(2002) reconhece o neoliberalismo como uma “herança maldita” do governo Cardoso
(apud. LIMA, 2004) e apresenta diversos elementos para a construção de um outro modelo
saúde para todos. Além da esperança, o governo de Lula da Silva expressa uma grande mudança, a presença,
a ascensão, pela primeira vez na história do país, de um trabalhador de classe subalterna, operário sindical,
para traçar os rumos do Brasil.
11
A não ser quando declarado expressamente, os grifos referem-se ao texto original.
33
nacional de sociedade.
Em relação à educação superior, apesar de o referido programa afirmar
seu compromisso em priorizar a autonomia universitária nos termos do Art. 207
da CF, garantir a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, expandir
o número de vagas nas universidades, especialmente no setor público e ampliar
o financiamento público ao setor público (COLIGAÇÃO LULA
PRESIDENTE, 2002a, apud LIMA, 2004, p. 33),
Mas, muito pouco foi feito a esse respeito. O governo Lula continuidade e
aprofundamento à reforma do ensino superior gestada no governo Cardoso, ancorada nos
pilares mercantilistas e privatizantes de educação propostos pelo FMI e BIRD.
Assim, entre
as diretrizes do programa e as ações do governo existe um imenso hiato. Apesar
das críticas à “herança maldita” e dos compromissos firmados no programa de
governo, fica evidente que o BM e o FMI defendem, como fizeram ao longo da
década anterior, a mesma pauta para a reforma da educação que vem sendo
implementada pelo governo Lula: a) necessidade de investimento público no
combate ao analfabetismo, no financiamento da educação fundamental e do
ensino médio; b) abertura do setor educacional, especialmente da educação
superior, para a participação das empresas e grupos estrangeiros, estimulando a
utilização das novas tecnologias educacionais, sobretudo através da educação
superior à distância; e c) diversificação das fontes de financiamento da educação
superior (LIMA, 2004, p. 34).
A avaliação de Lima (2004), em meados do governo Lula da Silva, mais
precisamente em 2005, a pesquisa Datafolha, de 28 de julho de 2005 divulga a avaliação
da população brasileira, nos seguintes termos: “35% [das pessoas pesquisadas] ele [o
presidente Lula] vem fazendo um governo ótimo ou bom, para 40% ele tem sido regular e
para 23% ruim ou péssimo”. Entre ótimo, bom e regular, os índices indicam a aprovação
de 75% da população brasileira ao atual governo
12
.
12
“uma tímida retomada do crescimento do país e, sobretudo, a adoção de algumas medidas econômicas
heterodoxas, que causam urticária nos liberais de plantão-inclusive nos infiltrados neste governo. O Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que na gestão de FHC bancou a privataria do
estado, já destinou R$ 11,4 bilhões para a indústria nacional, o que explica a geração de 3,5 milhões de
empregos. Já os programas de microcrédito permitiram o acesso de 6 milhões de pessoas aos bancos
públicos, facilitando a abertura de milhares de pequenos negócios. Por sua vez, o crédito à agricultura
familiar pulou de R$ 2,4 bilhões em 2002 para R$ 9 bilhões na safra 2005/2006, viabilizando a inclusão de 1
milhão de famílias nas políticas de crédito”. (BORGES, 2006). Apesar de o autor falar em infiltração, não é
bem isso o que ocorre. Em virtude de alianças e compromissos políticos, essas pessoas ocupam cargos de
destaque, muitas vezes comprometendo o próprio programa do governo.
34
Desse modo, a avaliação mostra ainda que a aprovação do governo Lula da
Silva se sustenta, sobretudo, nos programas e projetos na área social, apesar da
minimização do Estado nessa área. A pesquisa mostra os seguintes índices:
32% dos brasileiros que consideram o desempenho do presidente ótimo ou bom
justificam sua opinião citando o Fome Zero (15%), o Bolsa Família (12%), o
Bolsa Escola (8%) e outros investimentos na área social. O desempenho do
presidente no que se refere ao combate ao desemprego vem em segundo lugar
na lista de razões citadas pelos que aprovam seu governo, com 19% de citações,
em de igualdade com as menções ao desempenho na área econômica, citado
por 18% (dos quais 9% citam especificamente o controle da inflação)
(DATAFOLHA, 2005).
Na política educacional, destacam-se os programas de governo: Programa
Universidade para Todos (PROUNI)
13
que, por meio de concessão de bolsas, busca a
ampliação no número de vagas na educação superior; o Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI)
14
que, pela ampliação de
vagas, procuram assegurar a educação superior para todos os segmentos da sociedade; o
Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior (FIES)
15
, uma iniciativa para
maior democratização no acesso e permanência dos estudantes na educação superior
privada, a quem o programa se destina, pois se trata de um fundo de financiamento; e
outros programas.
Assim pretende-se neste trabalho tratar a educação superior brasileira, com
recorte no processo de formação dos assistentes sociais e, nesse processo, destacar o
estágio curricular, um dos elementos fundamentais para a articulação da universidade com
o espaço sócio-ocupacional da profissão. A história da educação superior brasileira registra
13
O PROUNI foi criado pelo governo federal em 2004, entrando em vigor no início de 2005, e “tem como
finalidade a concessão de bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes de baixa renda, em cursos de
graduação e seqüenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior, oferecendo,
em contrapartida, isenção de alguns tributos àquelas que aderirem ao Programa” (Disponível em:
http://portal.mec.gov.br, acesso em 9 de mar. de 2008).
14
O REUNI, tem como um dos principais objetivos dotar as universidades federais das condições necessárias
para ampliação do acesso e permanência na educação superior (Disponível em: http://portal.mec.gov.br,
acesso em 9 de mar. de 2008).
15
“O Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior-FIES é um programa do Ministério da
Educação-MEC destinado a financiar a graduação no Ensino Superior de estudantes que não têm condições
de arcar integralmente com os custos de sua formação. Para candidatar-se ao FIES, os alunos devem estar
regularmente matriculados em instituições não gratuitas, cadastradas no Programa e com avaliação positiva
nos processos conduzidos pelo MEC” (Disponível em: http://portal.mec.gov.br, acesso em 9 de mar. de
2008).
35
as várias reformas educacionais realizadas que expressam avanços e recuos nos processos
de formação, na concepção de universidade e, especialmente na concepção e no papel que
o estágio curricular tem sido chamado a desempenhar.
1.1 AS “REFORMAS” NO ESTADO BRASILEIRO
A “reforma” do Estado brasileiro, ancorada no projeto neoliberal, orientou-se
pelo FMI e pelo BIRD, ganhando força no governo de Fernando Henrique Cardoso, a
partir da década de 1990.
O projeto neoliberal desencadeado mundialmente pela Inglaterra (1979),
durante governo Thatcher
16
, alastrou-se, na década de 1980, para vários outros países do
continente europeu e na América Latina. A longa e profunda recessão do período que se
seguiu ao término da Segunda Guerra Mundial foi o solo fértil para a expansão da
ideologia neoliberal que atingiu o mundo capitalista avançado, combinando, pela primeira
vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação.
Nesse sentido, assinala Soares (2002),
o ajuste neoliberal não é apenas de natureza econômica: faz parte de uma
redefinição global do campo político-institucional e das relações sociais. Passa a
existir um outro projeto de ‘reintegração social’, com parâmetros distintos
daqueles que entraram em crise a partir do final dos anos 70 (p. 12 - 13).
A situação de crise internacional afetava também a estrutura da sociedade
brasileira que, sob circunstâncias traumáticas vividas no período militar, ao final da década
de 1970 e nos anos 1980, manifestava erosões em sua base social, culminando com a
16
Ao mesmo tempo que o neoliberalismo se consolidou nos Estados Unidos e Inglaterra, suas idéias se
expandiram para outros países, como a Alemanha (1982), Dinamarca (1983) e países da Europa ocidental,
igualmente para o outro lado do mundo, Austrália, Nova Zelândia e também na América Latina
(THERBORN, 1995). Soares (2002, p. 23) salienta que a adoção do modelo neoliberal é anterior à Inglaterra
e EUA. Para ela, a “entrada dos países latino-americanos no processo de ajuste e das reformas é variável no
tempo. O Chile, país onde ocorreu a mais radical ruptura político-institucional do continente, inicia o ajuste
nos anos 70”. Vale lembrar a ditadura de Pinochet (1973 a 1989). Conforme Anderson (1995, p. 19), o Chile
tem “a honra de ter sido o verdadeiro pioneiro do ciclo neoliberal da história contemporânea”. Após o Chile e
também a Bolívia, a ideologia neoliberal consolidou-se em outros países da América: México, 1988;
Argentina e Venezuela, 1989; Peru, 1990; EUA com o governo Reagan, e Brasil 1995, no governo de
Fernando Henrique Cardoso (ANDERSON, 1995).
36
promulgação da Constituição Brasileira de 1988 (BRASIL, 1988). Ela estabeleceu as
condições necessárias ao avanço e instauração da democracia no país. Contudo,
ao mesmo tempo em que tínhamos no plano jurídico-político a Constituição
mais avançada da nossa história republicana, o aparelho de Estado [...]
continuava articulado ao projeto político-econômico da ditadura, [...] havia um
divórcio nítido entre a estrutura do Estado brasileiro, a sua funcionalidade e o
ordenamento constitucional emergido do Parlamento constituinte em 1988
(NETTO, 2000, p. 12).
Assim, a realidade brasileira indicava e justificava a necessidade da “reforma”
do Estado que propunha o rompimento com a administração pública burocrática
17
para
instalação da administração pública gerencial
18
(BATISTA, 1999), um modelo que iria
“adequar as estruturas do Executivo, Legislativo e Judiciário ao novo ordenamento
jurídico-político do país. E foi justamente isso que não aconteceu” (NETTO, 2000, 12).
O projeto da “reforma” do Estado no governo Cardoso foi conduzido pelo
Ministro da Administração Federal e da Reforma do Estado (MARE), Bresser Pereira.
Segundo Batista (1999, p. 65), o projeto tem por fundamento o pensamento neoliberal e
pode ser caracterizado “como a tragédia aventureira do capital”, pois “é constituído com
elementos centrais do velho”, ou seja, velhos modelos sedimentados ao longo da história
brasileira, que visam manter privilégios e interesses da sociedade burguesa. Em termos de
reforma, trata-se de um projeto que guarda identidade com a fusão, extinção e criação de
órgãos públicos. Em seu primeiro período de governo, o presidente Fernando Henrique
Cardoso informava que os
Ministérios estão passando por uma profunda transformação, porque deixam de
ser ação burocrática e órgãos de ação direta, para serem órgãos efetivamente
reguladores, que permitam salvaguardar o bem público e induzir a ação do setor
privado na direção daquilo que é definido como bem público (CARDOSO,
1999, s. p).
A reforma exerce, assim, importante papel na manutenção maquiada de
estruturas arcaicas, pesadas e hierarquizadas, que se sustentam na centralização e
17
A administração pública burocrática fundamenta-se na lógica instrumental e se propõe a construir/
implementar e profissionalizar o quadro de carreira dos trabalhadores públicos, garantir os contratos de
propriedade, bem como manter a ordem e a justiça (BATISTA, 1999).
18
A administração pública gerencial visa romper com a administração pública burocrática efetuando o
controle de resultados. Nessa administração, distinção entre o interesse público que não pode ser
confundido com o interesse pessoal (BATISTA, 1999).
37
superposição de órgãos e funções. No caso, é um processo regressivo com um receituário
composto por medidas conservadoras que contemplam interesses minoritários, em
detrimento das condições de vida e trabalho da maioria da população brasileira que se
alijada desse processo, em termos da participação social, política, econômica e cultural,
como tem ocorrido historicamente na sociedade.
São reformas” e/ou mudanças que se dizem populares, porém são autoritárias
trazendo as marcas da dominação e exploração, conforme pode ser observado na sociedade
brasileira em vários momentos históricos, desde o período do descobrimento do Brasil. O
Brasil colônia tinha as raízes da dominação assentadas em Portugal, reforçando relações de
exploração territorial e humana, de apadrinhamento e tutela entre Portugal e segmentos da
população recém-estabelecidos no Brasil, haja vista as capitanias hereditárias.
A organização econômica do país era fundamentada no modelo agro-
exportador, com a produção predominantemente agrária e extrativa: açúcar, ouro, borracha
e café. Os senhores de engenho e a aristocracia agrária representavam o segmento
dominante na sociedade. Segundo Fernandes (1974, p. 16), esse segmento estava
inserido no processo de mercantilização da produção agrária, todavia este
processo apareceria, como tal, aos agentes econômicos que controlavam as
articulações das economias coloniais com o mercado europeu. Nesse sentido,
ele ocupava uma posição marginal no processo de mercantilização da produção
agrária e não era nem poderia ser o [segmento] antecessor do empresário
moderno.
Mesmo desenvolvendo uma produção agrária, de tipo colonial, esse segmento
mantinha uma relação de clientelismo com a metrópole e “participava da apropriação
colonial (através da expropriação de terras e do trabalho coletivo dos escravos)”
(FERNANDES, 1974, p. 17). Assim, defendendo os interesses da colônia criavam riquezas
e asseguravam privilégios.
A Proclamação da Independência do Brasil, em 1822, promoveu a passagem
do Estado colônia para o Império, com uma administração pública patrimonialista
19
.
19
A administração pública patrimonialista caracteriza-se por práticas despóticas. Tem a esfera estatal como
espaço privado e cultiva o clientelismo e o apadrinhamento. Nesse processo, por ocasião da independência,
os interesses senhoriais foram mantidos com “repressão violenta. (...) Ao mesmo tempo em que havia a
guerra contra as tropas portuguesas, desenrolava-se outro drama, que era o do abafamento político da voz que
vem de baixo, do povo”, diz Fernandes (1995, p. 51).
38
O país deixou de ser colônia de Portugal, mas foram mantidos os princípios
liberais, bem como os substratos materiais, sociais e morais estabelecidos no Brasil
colônia, pois o príncipe regente continuava no poder como legítimo representante dos
interesses de Portugal no Brasil. O período de
transição (...) da colônia para o império foi uma revolução de complô, não foi
uma revolução popular. Tanto isso é verdade que os segmentos senhoriais
conseguiram manobrar, rapidamente, no sentido de manter a ordem contra as
pressões populares, porque a independência abria uma perspectiva concreta de
participação do povo (FERNANDES, 1995, p. 50).
A condição de império alterou a estrutura jurídico-política do Estado, mas não
modificou “o centro de onde emanam as decisões sobre a organização social da nação, não
suprime a mão-de-obra escrava, a concentração de renda, a dependência econômica, a
política desencadeada pelas grandes potências” (GUERRA, 1998, p. 74). Foram mantidas
as condições do modelo anterior, necessárias para um maior desenvolvimento do
liberalismo e do espírito burguês, com prevalência dos privilégios estamentais. O sistema
era regido pelo mandonismo que defendia como critério para seleção/definição do poder de
mando o “homem bom”, o “senhor cidadão”, aquele que tinha escravos, terras e votos
20
(BATISTA, 1999).
Assim, a mudança advinda com a Independência brasileira “pode ser pensada
como constituída por dois elementos contraditórios: o elemento revolucionário e o
elemento conservador” (GUERRA, 1998, p. 74). Trata-se de elementos antagônicos, pois
ao passo que o elemento revolucionário supõe a renovação e o progresso em aspectos que
podem ser sociais, econômicos, políticos e culturais, o elemento conservador visa manter a
realidade, não promovendo alterações no sistema vigente.
Esse modelo de Estado prolongou-se mesmo após a Proclamação da República,
em 1889. A República não conseguiu assegurar uma nova proposta de administração
estatal, apesar de desencadear a queda do Império. Sua lógica foi mantida, pois “trocam-se
os mandantes, mas não a lógica burguesa de origem colonial” (BATISTA, 1999, p. 68).
20
A Constituição Brasileira de 1824 trouxe, para o “âmbito da legalidade, a presença do senhor cidadão [...]
Criam-se os sujeitos de direitos, civis e políticos” (BATISTA, 1999, p. 67). Os que não eram cidadãos,
aqueles que não tinham escravos, terras e votos, “viviam sob o controle, a desmobilização e a repressão
estatal”, esclarece Batista (1999, p. 67).
39
O Estado republicano, conforme Guerra (1998), inaugura um novo momento
na história das idéias no Brasil: o ideário positivista que passa a enformar as instituições
sociais e jurídico-políticas que o liberalismo, como ideologia oficial ajudou a moldar e
injetou conteúdos (p. 77).
Fundamentada em princípios positivistas, a República também defendia e
buscava manter a ordem e administrar a justiça, com a garantia dos contratos de
propriedade, ou seja, pelo clientelismo e apadrinhamento.
Como representante da ordem e do progresso, a República conquistava
garantias e ampliava espaços em que perfilavam os interesses da burguesia, assegurando a
sua prevalência na sociedade brasileira. As camadas populares não tiveram vez nem voz,
ficando excluídas desse processo, sem participação nas tomadas de decisões na vida social,
econômica e política do país e sem condições de emitir opinião e/ou elaborar uma pauta de
reivindicação.
Com esse quadro ídeo-político e com uma emergente burguesia industrial, a
Revolução de 1930 foi instalada no Brasil, promovendo a ascensão de Getúlio Vargas
(1930-1945) à presidência da República e a substituição da administração pública
patrimonialista pela administração pública burocrática. O país investiu na
profissionalização do funcionalismo público, na promoção e redução das importações, na
refração da economia agrária exportadora e na industrialização que se expandia após 1930.
O governo Vargas imprimia uma nova fase ao capitalismo brasileiro, desencadeando o
processo de passagem de uma economia colonial a uma economia de mercado (BATISTA,
1999).
O modelo de administração do governo Vargas propunha a criação de um
Estado forte, com poder de intervir nos conflitos entre as classes sociais, capaz de construir
e implementar medidas para “profissionalizar o quadro de trabalhadores públicos; criar a
idéia e implementar o quadro de carreira; constituir uma hierarquia funcional e
implementar a impessoalidade” (BATISTA, 1999, p. 68).
Comprometido com os interesses dominantes, Vargas buscava desenvolver o
país por intermédio do populismo, que
40
vai se tornar uma constante nas relações entre Estado burguês e classe
trabalhadora em momentos de composição/recomposição dos blocos no poder:
em momentos de crise de hegemonia estabelecem-se alianças, firmam-se pactos
entre aparelho estatal, sistema partidário e sindicalismo (GUERRA, 1998, p.
81).
Instalou-se o pacto social
21
e, com ele, a expansão e o amadurecimento do
mercado de trabalho, com maior investimento e desenvolvimento na industrialização e
maior diversificação no setor agrário. Para sustentação do seu projeto oficial, o governo
Vargas buscou o engajamento dos trabalhadores e a incorporação de alguns de seus
interesses e reivindicações. Assim, como usava uma mão para cooptar a classe
trabalhadora, a outra reprimia. A expansão da industrialização brasileira trouxe o aumento
na produção da mais-valia, maior manifestação da questão social e maior pauperização dos
trabalhadores brasileiros.
O governo Vargas instaurou a reorganização do Estado brasileiro, assumindo o
projeto da administração pública burocrática com a profissionalização do funcionalismo
público, a promoção e redução nas importações, a refração no modelo econômico agrário
exportador período da cafeicultura e da pecuária, ou política do cacom leite e maior
investimento na industrialização que se expandia após 1930.
Assim, o governo brasileiro imprimia uma nova fase ao capitalismo brasileiro,
desencadeando o processo de passagem de uma economia colonial para uma economia de
mercado (BATISTA, 1999). A exemplo de governos anteriores, e neles buscando
inspiração, Vargas estabeleceu, a partir de 1930, uma política de ampliação dos programas
e serviços na área social
22
, com a criação dos institutos de previdência social, os IAPs. Na
21
A consolidação do pacto social, ou projeto nacional industrial foi resultado da ação populista do governo
Vargas, na década de 1930. De caráter burguês, o pacto impulsionou a industrialização brasileira e sua
vinculação ao capital internacional e, por seu caráter populista, pôde contar com a adesão e apoio de
trabalhadores (MONTAÑO, 2003).
22
No período compreendido entre a Proclamação da República e o governo Vargas (1930), são
desenvolvidos vários programas/projetos na área social. Destacam-se as campanhas de saúde no combate à
febre amarela, varíola, aftosa, combate aos acidentes de trabalho, campanhas para o saneamento de portos, a
homologação da Lei Eloy Chaves (1923), programas diversos de habitação, associações de apoio mútuo, etc.
Eram programas/projetos e/ou atividades cuja intervenção e abrangência não cobriam as necessidades ou a
prevenção dos males sociais, mas serviam como referência e ponto de partida para a intervenção do Estado
na área social. a CLT/1943, dentre outras inúmeras medidas, propunha: salário igual para trabalho igual,
regulamentação do trabalho feminino com proibição de atividades em horário noturno e dispensa da gestante
no período de gravidez, bem como a licença maternidade. Também o trabalho de crianças e adolescentes foi
regulamentado, estabelecida a idade mínima de 14 anos para o trabalho infantil e o controle de seu horário e
jornada de trabalho (AGUIAR, 1984; SETUBAL, 1983).
41
área trabalhista foi aprovada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Decreto-lei
5.452 de 1º de maio de 1943, que regulamentava as relações patrão-empregado, sob
intervenção e controle do Estado, situação que se alterou em 1988, com a promulgação
da Constituição Brasileira. Foi criada ainda na década de 1940, a Legião Brasileira de
Assistência (LBA)
23
e outras instituições congêneres.
Segundo Guerra (1998, p. 81), a CLT criou um
aparato jurídico-legal, que visa o controle da força de trabalho, no estímulo à
associação sindical, ao cooperativismo, enfim na programática de ação adotada
pelo governo no abrandamento dos conflitos entre capital-trabalho [...] [e o]
atrelamento das organizações representativas dos trabalhadores ao Estado
Outras medidas adotadas pelo governo Vargas, advindas dos Estados Unidos
da América (EUA) apregoavam a erradicação, o controle e o combate da pobreza pelo
desenvolvimento dos países subdesenvolvidos
24
, como o Brasil e outros do terceiro mundo.
Nesse sentido, a industrialização e o capitalismo justificavam-se, apesar de suas mazelas,
como a chave de ouro, a fórmula mágica para assegurar a passagem do Brasil da condição
de país subdesenvolvido a “país em vias de desenvolvimento”. A industrialização, no
entanto, não era bem vista pelo segmento oligárquico, vinculado à área rural, pois a
23
Vale destacar que a Legião Brasileira de Assistência Social (LBA) foi criada como uma associação no
governo de Getúlio Vargas pelo Decreto-Lei 4.830, de 15/10/1942 (BRASIL, 1942), constituiu-se um dos
primeiros espaços de trabalho dos assistentes sociais no Brasil. Seu objetivo original era, conforme Art. 1º do
decreto de sua criação, “prestar, em todas as formas úteis, serviços de assistência social, diretamente ou em
colaboração com instituições especializadas, fica reconhecida como órgão de cooperação com o Estado no
tocante a tais serviços, e de consulta ao que concerne ao funcionamento de associações congêneres”. Em
1969, governo de Emílio Médici (1969-1974), pelo Decreto-Lei 593 de 27/5/1969 (BRASIL, 1969), a
LBA passa, a Fundação LBA. Com a promulgação da Lei nº. 6.439, de de setembro de 1977, foi criado o
Sistema Nacional de Previdência Social (SINPAS), órgão vinculado Ao Ministério da Previdência e
Assistência Social, ao qual a LBA passou a integrar. em 1979, governo do presidente Ernesto Geisel
(1974-1979) é aprovado o Estatuto da Fundação LBA, pelo Decreto . 83.148, de 08 de fevereiro de 1979,
que determina como sua “finalidade primordial promover, mediante o estudo do problema e o planejamento
das soluções, a implantação e execução da política nacional de assistência social, bem como orientar,
coordenar e supervisionar outras entidades executoras dessa política” (BRASIL, 1979, Art. 2º). Conforme o
Art. do referido documento, o objetivo precípuo da fundação é: a prestação da assistência social à
população carente, mediante programas de desenvolvimento social e de atendimento às pessoas,
independentemente da vinculação destas a outra entidade do SINPAS [...]”. A instituição é extinta no
governo de Fernando Henrique Cardoso por meio da Medida Provisória nº. 813, de de janeiro de 1995, e
seu acervo patrimonial disposto conforme Decreto 1.686/95. Extinta a LBA é criado o Programa
Comunidade Solidária de responsabilidade da nova 1º Dama do país.
24
O termo subdesenvolvimento era utilizado pelos EUA e outros países ricos para caracterizar o Brasil e
demais países do terceiro mundo que apresentavam realidade similar. Eram usadas também, além de países
subdesenvolvidos, as terminologias: países periféricos, dependentes, marginalizados, e outros, conforme o
contexto social, passando mais tarde para a expressão países em via de desenvolvimento.
42
burguesia emergente, representada pelos grupos econômicos ligados à industrialização
constituía ameaça a seus interesses e privilégios. Contraditoriamente, “é das mãos desse
grupo [cafeicultores] [...] que sairão os capitais utilizados nos impulsos iniciais à
industrialização” (IANNI, 1963, p. 20). Outra medida indicada era a ajuda, traduzida
sobretudo no investimento em recursos humanos. Para isso, os EUA prestavam assistência
aos países subdesenvolvidos, na preparação, profissionalização e aperfeiçoamento de
pessoal para o trabalho.
Nem as reformas do Estado varguista, com a promulgação das Constituições de
1934 e 1937, nem a expansão industrial brasileira conseguiram promover a justiça social
ou alterar as relações sociais no modo de produção capitalista. O avanço na
industrialização e a busca de abertura do Brasil ao mercado internacional reforçavam os
interesses de acumulação privada que acentuavam a distribuição de renda, provocando
concentração de riqueza, com aumento da pobreza e acirramento das injustiças sociais que
afetavam a maioria da população do país. Conforme Coutinho (1998), que se
reconhecer o crescimento econômico desencadeado no pós Estado varguista (1930-1945)
até os anos 1980; contudo, foi um crescimento que, a partir daquela década, levou o Brasil
a uma das piores distribuições de renda, colocando-o entre os países mais injustos do
mundo. Portanto, ao promover a expansão capitalista, o governo Vargas confirmava que o
“espaço público era privilégio dos de cima; conseqüentemente, os de baixo (a população de
um modo geral) nunca eram atendidos de uma maneira direta” (FERNANDES, 1995, p.
51).
Além da burguesia agrária, ascendeu à condição dominante a burguesia
industrial urbana que, segundo Netto (1990), veio consolidar a generalização do
capitalismo. Dessa forma, acentuaram-se as relações de exploração e foram fortalecidas as
facções oligárquicas dominantes nos planos nacional e internacional. As relações do Brasil
com o exterior ampliaram-se e coube ao Estado brasileiro a missão de gerar as condições
necessárias para a internacionalização do mercado brasileiro.
A (re)organização do Estado brasileiro a partir da Revolução de 1930 e
também com o golpe de 1964, pode ser caracterizada como modelo de administração
pública burocrática. São regimes fortes, ditatoriais, regidos pelo autoritarismo e pela
43
centralização política e econômica. O período da ditadura militar
25
iniciado no Brasil em
1964, com o golpe impetrado contra o governo do Presidente João Goulart Jango (1961-
1964), durou até 1985, com a homologação pelo Congresso Nacional de emenda
constitucional que aprovava: eleição direta para presidente, direito de voto aos analfabetos,
reconhecimento dos partidos políticos, incluindo partidos comunistas, eleição para escolha
de prefeitos de capitais, estâncias hidrominerais e municípios considerados de segurança
nacional e outras medidas, igualmente a convocação da Assembléia Nacional Constituinte
que durou até 1988, com a promulgação da Constituição brasileira. O advento da nova
Constituição brasileira fortaleceu a superação da ditadura militar e a instalação do Estado
de direito, com apoio de segmentos da sociedade que exigiam a redemocratização do país.
Das manifestações populares guarda-se o significado do movimento das Diretas Já iniciado
em 1983, da Assembléia Nacional Constituinte, em 1985, das greves, das ameaças de
greves e de outras manifestações populares.
A redemocratização do país e a promulgação da Constituição brasileira de
1988 permitiram a volta às urnas, que elegeu Tancredo Neves para presidente da República
do Brasil. Em vista da morte de Neves, assumiu a presidência o vice, José Sarney (1985 a
1990), para um governo de transição encarregado de promover a passagem da ditadura
militar para o Estado de Direito com a (re)democratização do país. Assim, foi eleito pelo
voto direto o presidente da República Fernando Collor de Mello (1990-1992) que
governou o país por dois anos, até o seu impeachment. Em seu governo uma nova proposta
de reforma de Estado veio à tona, na busca de superação do Estado burocrático brasileiro.
Contudo, é “sobretudo, na gestão [...] Fernando Henrique Cardoso, que a temática passou a
ser discutida, conquistando novos espaços concretos” (BATISTA, 1999, p. 70), com um
modelo de Estado em conjugação com o mercado.
Assim, a partir da primeira metade da década de 1990, no governo de Fernando
Henrique Cardoso, efetivou-se a proposta de “reforma” do Estado brasileiro, do Ministro
25
João Goulart ao incorporar o discurso popular-sindical, propunha reformas de base na sociedade brasileira
contando, para esse fim, com o apoio de alguns sindicatos, intelectuais, membros da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB) e diversas lideranças, dentre elas, “os deres do Nordeste [...] Francisco Julião, deputado
federal do Partido Socialista Brasileiro, organizador das Ligas Camponesas; Miguel Arraes, Prefeito de
Recife e depois governador de Pernambuco [...] membro do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB); Celso
Furtado, economista, sem partido, organizador da SUDENE, [...] Padre Melo, da Igreja Católica [...] Além
dessas lideranças [...] grupos e líderes ligados ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), à Igreja Católica
(como Ação Popular, AP), ao Partido Comunista do Brasil, ao Partido Comunista Brasileiro, etc.” (IANNI,
1978, p. 84).
44
da Administração Federal e da Reforma do Estado, Bresser Pereira. Premida pelo processo
de globalização a “reforma” do Estado era uma imposição que, para Bresser Pereira
(1997),
levou a um enorme aumento do comércio mundial, dos financiamentos
internacionais e dos investimentos diretos das empresas multinacionais.
Significou um aumento da competição internacional [...] e uma reorganização
da produção a nível mundial patrocinada pelas empresas multinacionais (p. 14).
Essas mudanças evidenciavam um destinatário, ou seja, a quem as mudanças
decorrentes do projeto de reforma irão beneficiar. O projeto propunha a transformação da
sociedade nacional “em província da sociedade global” e expressava a vitória de uma
nova hegemonia no comando burguês desse país. Isto é algo inédito na história
política brasileira – ganha hegemonia nos centros decisórios estatais, aquela
parcela que passa a representar o capital financeiro [...]. Trata-se, agora, de um
bloco que é burguês, um bloco conservador modernizante, mas que tem uma
clara hegemonia no seu interior. E, dizendo de uma maneira clara: é o governo
dos banqueiros (NETTO, 2000, p. 15)
Desta forma, efetivou-se a “reforma” do Estado, na busca da superação da
administração pública burocrática, considerada por Bresser Pereira (1998) como uma
estrutura de dinâmica lenta, com grande corrupção interna impunemente permitida e
escondida pela própria democracia e a implantação da administração pública gerencial que,
segundo o então ministro, iria recuperar a governança e a governabilidade no país
26
. No
modelo proposto, o mercado passou a ter maior espaço em plano mundial, aprofundando a
concentração de renda e gerindo ações na área social até então próprias ao welfare State.
A “reforma” do Estado brasileiro, conduzida nos termos da administração
pública gerencial, deve ser considerada, segundo Faleiros (2004, p. 33), em três aspectos:
“o primeiro se refere ao contexto neoliberal, o segundo à transformação do estado
desenvolvimentista em estado de sustentação da competitividade [...], e o terceiro [...] à
reforma do aparelho do Estado”.
26
Para o Ministro da Administração Federal e da Reforma do Estado, Bresser Pereira (1998, 33), dois
elementos deveriam sustentar a “reforma” do Estado: a “governança [...] [que é] a capacidade financeira e
administrativa, em sentido amplo, de um governo implementar políticas” e “governabilidade [...] [a]
capacidade política de governar derivada da relação de legitimidade do Estado e do seu governo com a
sociedade”. Esses dois elementos, governança e governabilidade, são interdependentes, pois sem
governabilidade é impossível a governança e vice-versa, diz o ministro, sobretudo se for considerado que na
governança pode estar incluída também a capacidade de agregar diferentes interesses.
45
Com esses parâmetros e de acordo com o receituário político e econômico
ditado pelo FMI e pelo BIRD, foram estabelecidas as regras para a realização do
ajuste estrutural macroeconômico, por meio de medidas de ajuste fiscal, de
liberação comercial e de liberação de preços [...]. A causa fundamental por trás
dessa onda de reformas era a crise fiscal do Estado (BRESSER PEREIRA,
1998, p. 31).
o presidente Cardoso justificava a “reforma” pela necessidade “de um
Estado mais inteligente, um Estado que tenha definição de objetivos, que organize as
estratégias, que implemente [...] políticas globais do país” (CARDOSO, 1999, s. p.)
Contudo, o discurso oficial tem outro significado se percebido pelo prisma da
hegemonia nacional. A proposta de contra-reforma do Estado assenta-se em interesses
capitalistas exógenos, e os interesses nacionais, sobretudo da grande maioria da população,
ficam relegados. É o caso do crescimento da área empresarial financeira e a redução de
gastos na área social, o que significa a minimização das políticas sociais que se deslocam
da esfera estatal para a esfera privada.
Ao final do primeiro mandato do governo de Fernando Henrique Cardoso,
1995, a “reforma” do Estado foi encaminhada e efetivada. Ela apresentava novos
programas, aliás, pacotes que incluíam privatizações
27
, terceirização, implementação de
parcerias com organismos da sociedade civil, expansão do terceiro setor e do voluntariado,
(des)regulamentação e (des)responsabilização do Estado e outras medidas, cujo objetivo
era ocultar os interesses das grandes potências e encaminhar o país em direção ao
fortalecimento do Estado mínimo, conforme o ideário neoliberal
28
.
27
Segundo o ministro, “privatização é um processo de transformar uma empresa estatal em privada.
Publicização de transformar uma organização estatal em uma organização de direito privado, mas pública
não estatal. Terceirização é o processo de transferir para o setor privado serviços auxiliares ou de apoio”
(BRESSER PEREIRA, 1998, p. 19). Faleiros (2004, 41) destaca que a “privatização efetivou a transferência
do patrimônio estatal para empresas privadas, do público para o mercado [...], ou seja, o provimento de
serviços coletivos pelo Poder Público passou para mãos privadas, a maioria para as multinacionais”. Outro
aspecto também destacado por Bresser Pereira (1998, p. 19), é o das empresas siderúrgicas e mineradoras,
“carro-chefe do desenvolvimento da era Vargas, da era Kubitschek e da era da ditadura militar, contribuindo
para a infra-estrutura do próprio capitalismo nacional. Com a reforma tornaram-se suporte do
desenvolvimento do capitalismo internacional”.
28
Quanto a esses novos padrões de intervenção social, em especial ao terceiro setor, destaca-se a obra de
Carlos Montaño (2003), indicada nas referências dessa tese.
46
O discurso ideológico veiculado pelos meios de comunicação oficiais acerca da
reforma veio acalentar as expectativas de grande parte da população, vítima das mazelas do
sistema capitalista. A fala de Fernando Henrique Cardoso bem retrata essa realidade. Diz o
presidente, “temos que transformar o Estado para que ele continue sendo efetivamente, um
órgão regulador de interesses da população e que induza as ações na direção daquilo que se
imagina ser o bem comum” (CARDOSO, 1999, s. p.). Essa era a face da “reforma” que o
sistema apresentava para a sociedade brasileira e veiculava pelos meios de comunicação. O
discurso oficial expressava um pseudo-envolvimento das pessoas, como se todos fossem
iguais e como se a “reforma” tivesse um caráter de neutralidade ante a realidade social e a
sociedade de classes
29
.
Os propósitos do governo em implantar/implementar a “reforma” do Estado
brasileiro, valendo-se de mecanismos ideológicos, conseguiram obter grande número de
adesões, não obstante o brutal aumento da dívida externa, o crescimento do desemprego e
do trabalho informal, a privatização de importantes setores econômicos do país, a
maximização do mercado e a minimização do Estado no atendimento das demandas
sociais, enfim, a desnacionalização brasileira.
Dessa forma, tornavam-se claras a reprodução mundializada do capital e a
função desempenhada pelas “reformas” que, historicamente, sempre favoreceram a
burguesia brasileira. Com a lucidez que lhe é peculiar, Fernandes (1987), na década de
1980, avaliava a impossibilidade de rompimento do presente com o passado para uma
opção de futuro, quando afirma que, estamos “diante de uma evolução histórica em que o
‘setor velho’ da economia não se transformou nem se destruiu para gerar o ‘setor novo’.
Daí [...] um paralelismo econômico estrutural, tão orgânico e profundo quão persistente”
(FERNANDES, 1987, p. 80-81).
Com a “reforma” do Estado brasileiro, além da proposta de outro modelo de
29
Assim, veiculada ideologicamente, a “reforma” do Estado brasileiro acalentava propostas que se
mostravam como “cortina de fumaça”, com o objetivo de ocultar as possíveis ameaças aos intentos dos
segmentos dominantes e de seus privilégios. Para Coutinho (1998, p. 123), elas se caracterizam como
“instrumento de chantagem: se não privatizarmos o patrimônio público, se não reduzirmos os escassos
direitos sociais conquistados, se não nos adequarmos à Cartilha do Consenso de Washington etc., então o
Plano Real fracassará, não atrairemos os milagrosos investimentos estrangeiros e ficaremos assim de fora da
inevitável ‘globalização’, o novo e charmoso nome da velha dependência, agora anunciada como portadora
de um futuro luminoso”.
47
Estado, uma nova concepção de cidadão foi apresentada à sociedade. O Estado enfocava as
ações voltadas não mais para o cidadão, usuário das políticas sociais, mas ao denominado
cidadão-cliente, ou seja, ao cidadão consumidor, aquele que não depende de políticas e/ou
programas focalistas de assistência social, pois tem plano de saúde, paga a educação
escolar, tem casa própria, enfim, contribui para com a circulação do capital e para que a
face do Estado gerencial seja apresentada, com governança e governabilidade. Aos
usuários das políticas sociais, a inserção “em programas [que] são, na maioria das vezes,
temporários, flutuantes, baseados em critérios ad hoc, desconsiderando os direitos
adquiridos. O inserido hoje pode não sê-lo amanhã” (FALEIROS, 1997, p. 194), pois
também as mudanças no mundo do trabalho têm gerado condições adversas aos
trabalhadores
30
.
O então ministro Bresser Pereira (1998, p. 53) expressa essa expectativa do
governo em relação ao perfil do cidadão necessário ao novo modelo de Estado que,
segundo ele,
pressupõe cidadãos [...] menos protegidos ou tutelados pelo Estado, porém mais
livres, na medida em que o Estado que reduz sua face paternalista, torna-se ele
próprio competitivo, e, assim, requer cidadãos mais maduros politicamente.
Cidadãos talvez mais individualistas porque mais conscientes de seus direitos
individuais, mas também mais solidários, embora isto possa parecer
contraditório, porque mais aptos à ação coletiva e portanto mais dispostos a se
organizar em instituições de interesse público ou de proteção de interesses do
próprio grupo.
Ao propor uma administração voltada para o bem-estar do cidadão-cliente, o
projeto não especifica quem é o cidadão sujeito dessa proposta. Para Faleiros (2004, p.
194), o cidadão brasileiro sequer tornou-se cidadão-cliente, sequer conseguiu
viver/sobreviver do seu salário, quando o tem, pois o sujeito de direitos passou a
contribuinte-cliente, com pouca voz e nenhum voto nas agências reguladoras, e pouco
poder nos Conselhos”.
30
“Economicamente as grandes empresas e grandes organizações passaram a suprimir milhões de empregos
em pouco tempo, sem, contudo, diminuir a produtividade, estabelecendo a produção de acordo com o preço
das mercadorias e da mão-de-obra em nível mundial. As pessoas ao perderem o emprego, ou o
assalariamento, também perderam a base de garantia dos seguros e se fragilizaram em relação aos
dispositivos de proteção social e de oportunidades então vigentes” (FALEIROS, 1997, p. 189).
48
Na “reforma” do Estado, prevaleceu a defesa da competitividade como
discurso oficial, o que fortalece o capital multinacional, pois o
contribuinte, [...] pagou as contas do aumento de tarifas, do racionamento de
energia [...], da falta de qualidade de muitos serviços. o se tornou sequer
cidadão-cliente nas muitas reclamações diferidas e na falta de acesso e
qualidade dos serviços públicos como educação e saúde. A promessa de se
combater a miséria não se realizou. Tampouco se implementou a governança
participativa através do uso da lei como direito (FALEIROS, 2004, p. 22).
Assim, a “reforma” do Estado brasileiro, com forte matiz ideológico, é como
um canto de sereia que ilude e atrai. O discurso da autonomia e do bem-estar do cidadão-
cliente constitui um engodo, uma vez que está voltado para privilegiar a minoria dos
brasileiros, ocultando o fundamento neoliberal que sustenta a “reforma” segundo interesses
burgueses voltados para a financeirização e a mundialização do capital.
Nas eleições presidenciais de outubro de 2002 confrontaram-se dois projetos
políticos de sociedade: o neoliberal defendido pelo governo Cardoso e o apresentado como
democrático popular da coligação do Candidato Lula da Silva. O resultado das urnas
assegurou a vitória e ascensão ao poder do projeto político democrático-popular com a
posse de Luiz Inácio Lula da Silva na presidência do Brasil em janeiro de 2003. Com ele,
expectativas, ansiedades, dúvidas, esperanças e um grande desafio político: efetivar a
“reforma” do Estado brasileiro, “conciliando” os interesses dos segmentos populares com
os interesses burgueses daqueles que, em troca do apoio nas eleições, pressionavam pela
continuidade de seus privilégios.
Para equilibrar o quadro de contraposição entre interesses antagônicos e de
cortes financeiros na área social, o governo acena com programas emergenciais e pontuais,
bem como com algumas reformas específicas como a da previdência, a trabalhista a da
educação superior e outras.
O quadro das “reformas”, conforme já tratado anteriormente, tem exercido
grande influência no processo de formação dos profissionais, pois ele coloca como
exigência do mercado, um profissional cujo perfil deve expressar, mais que os princípios e
conhecimentos da formação, os interesses do mercado. Neste estudo e investigação, nesta
tese, destacou-se o Curso de Serviço Social da Universidade Católica de Goiás (UCG), e
49
nele o estágio como um aspecto do processo de formação. O rebatimento das reformas no
processo de formação está mais presente no estágio curricular, por sua própria condição de
elemento articulador entre a formação e o exercício profissional, ou seja, universidade e
mercado profissional dos assistentes sociais. Dentre os documentos decorrentes das
reformas que nacionalmente afetaram e afetam a educação superior em vel nacional,
destacam-se, na ditadura militar a reforma universitária de 1968, Lei 5.540/68 (BRASIL,
1968), no governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1996, a LDB/96 (PRASIL, 1996), e
atualmente, no governo Lula da Silva, o ante-projeto de reforma da educação superior que
tramita no Congresso Nacional (BRASIL, 2005). A seguir serão tratadas essas três
reformas na educação superior, mostrando como o estágio é colocado em cada uma delas.
1.2. AS REFORMAS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA
A universidade é uma instituição diferenciada e autônoma em relação às
demais instituições da sociedade. Sua relação com o Estado não pode ser tomada de forma
isolada, em uma relação de exterioridade, pois seu caráter é determinado pelas relações
democráticas geridas pelo Estado; ou, como afirma Chauí (2003, s. p.), “a universidade
como instituição social diferenciada e autônoma é possível em Estado republicano e
democrático”.
Frente ao quadro de “reformas” do Estado e da educação, a autonomia
universitária vê-se ameaçada, o que expressa uma ameaça de transformação das
universidades em organizações sociais (CHAUÍ, 1999a)
31
. Segundo a autora,
uma organização difere de uma instituição por definir-se por uma prática social,
qual seja, a de sua instrumentalidade: está referida ao conjunto de meios
particulares para obtenção de um objetivo particular. Não está referida a ações
articuladas às idéias de reconhecimento externo e interno, de legitimidade
interna e externa, mas a operações definidas como estratégias balizadas pelas
idéias de eficácia e sucesso no emprego de determinados meios para alcançar o
objetivo particular que a define. É regida pelas idéias de gestão, planejamento,
previsão, controle e êxito. Não lhe compete discutir ou questionar sua própria
existência, sua função, seu lugar no interior da luta de classes, pois isso, que
31
Marilena Chauí trata com grande competência as mudanças que estão ocorrendo nas universidades
brasileiras. Merecem destaque seus artigos, em especial, “A universidade operacional”, publicado na Folha
de S. Paulo de 9 de maio de 1999 e Serviço Social e Sociedade de novembro de 1999, com o título “A
reforma do ensino superior e a autonomia universitária”.
50
para a instituição social universitária é crucial, é, para a oganização, um dado de
fato. Ela sabe (ou julga saber) por que, para que ou onde existe.
Nessa perspectiva, a universidade em relação com a sociedade perde sua
identidade e o seu caráter universalista, que historicamente lhe tem sido atribuído, tomando
a educação superior o como um direito social, mas um serviço, um privilégio para
poucos. A autora (2003) esclarece:
Essa relação interna ou expressiva entre universidade e sociedade é o que
explica, aliás, o fato de que, desde seu surgimento, a universidade pública
sempre foi uma instituição social, isto é, uma ação social, uma prática social
fundada no reconhecimento público de sua legitimidade e de suas atribuições,
num princípio de diferenciação, que lhe confere autonomia perante outras
instituições sociais, e estruturada por ordenamentos, regras, normas e valores de
reconhecimento e legitimidade internos a ela (p. 2).
A conversão da universidade em organização expressa o projeto de
modernização adotado pelo presidente do Brasil na gestão anterior, Fernando Henrique
Cardoso que, conforme o ideário neoliberal, abraçou os propósitos de enxugar, encolher a
ação do Estado e, concomitantemente, expandir a ação privada em dimensões mundiais,
haja vista a criação da educação tecnológica, a transformação das escolas técnicas em
centros federais de educação tecnológica (CEFET’s) e outras medidas estabelecidas pela
LDB/96
32
(BRASIL, 1996).
As mudanças introduzidas no cenário nacional com a “reforma” do Estado
brasileiro e da educação superior consolidaram a subordinação da educação ao capital e o
ajustamento dos processos de formação profissional às necessidades do mercado. Tal
posição extrapola a relação universidade e sociedade e, em alguns casos, os interesses do
mercado passam a ser os do processo de formação. Os atuais empresários da educação,
sustentados pelo aparato jurídico-legal, oferecem cursos ligeiros, de baixo custo, como os
profissionalizantes, seqüenciais, cursos à distância e outras modalidades de formação
necessárias ao avanço do mercado e ao fortalecimento da lógica do capital. De acordo com
Mascarenhas (2005, p. 161),
32
Com a explosão das faculdades particulares no início da década de 1990, atualmente o número total passa
de 2.200, o número de vagas aumentou, assim como a disputa por alunos, já que muitas vagas acabam
ociosas. Nos últimos anos, o número de universidades, escolas e cursos particulares no Brasil cresceu de
forma desenfreada. Entre novembro de 2001 e julho de 2003, 544 novos estabelecimentos de ensino superior
foram autorizados a funcionar pelo Ministério da Educação (MEC), quase um por dia. Desde 1995, o número
de estudantes que cursam o ensino superior dobrou, mas ainda é baixo. Apenas 12% dos jovens com idade
entre 18 e 24 anos freqüentam faculdade. (LISITA, 2008).
51
essa ligação direta e imediata [entre educação e mercado de trabalho] tem
causado sérios danos ao processo educacional porque desconhece as suas
especificidades, desrespeitando completamente a lógica da prática educativa.
Aliás, o que tem acontecido no estabelecimento da relação educação/mundo do
trabalho via mercado de trabalho é a submissão do espaço educacional à lógica
do mercado. E essa não é a lógica mais adequada ao processo educativo que tem
um tempo próprio, uma forma de acontecer, uma maneira de se constituir.
O legado da “reforma” do Estado brasileiro, com referência nos princípios
neoliberais, provoca a transferência dos direitos sociais, como educação, saúde, cultura e
outros aspectos da vida social de responsabilidade exclusiva do Estado, para o setor de
serviços não-exclusivos do Estado, isto é, serviços que podem ser definidos e
administrados pelo mercado (CHAUÍ, 2003).
A criação do setor de serviços não-exclusivos do Estado, segundo Chauí
(1999a), não visa a defesa dos direitos sociais adquiridos pelos trabalhadores em suas lutas,
ao contrário, significa o deslocamento dos serviços relacionados aos direitos sociais para o
mercado, reforçando a desobrigação do Estado referentes às políticas sociais, fortalecendo,
instituições prestadoras desses serviços, o caráter de organização social com as quais o
Estado celebra contratos de gestão, afirma Chauí (1999a, s/p).
Dessa maneira, a Reforma encolhe o espaço público democrático dos direitos e
amplia o espaço privado não ali onde isso seria previsível nas atividades
ligadas à produção econômica –, mas também onde não é admissível – no
campo dos direitos sociais conquistados
Considerada, então, no rol dos serviços não exclusivos do Estado, a educação
superior fica à mercê dos impactos gerados pelas medidas estabelecidas pela reforma” do
Estado alterando aspectos relevantes que, historicamente, a caracterizam, para transformá-
la em:
a) um serviço; b) [...] a educação deixou de ser considerada um serviço público
e passou a ser considerada um serviço que pode ser privado ou privatizado. Mas
não só isso. A reforma do Estado definiu a universidade como uma organização
social e não como uma instituição social (CHAUÍ, 2003, p. 03).
No entanto, a universidade é uma instituição social que historicamente compõe
a sociedade e exprime, de maneira determinada, a estrutura e o modo de funcionamento da
sociedade da qual é componente. Ela não pode ser tratada como uma organização, devido
ao seu caráter e propósitos que são universais, isto é, desenvolve “uma prática social, uma
52
atividade humana e histórica que se define no conjunto das relações sociais, no embate dos
grupos ou classes sociais, sendo ela mesma forma específica de relação social”
(FRIGOTTO, 1995, p. 31). Assim, a universidade não pode ser concebida na perspectiva
operacional, em que ela perde algumas de suas características principais: a historicidade, e
relação com a sociedade nos aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais, elementos
que concorrem para o seu reconhecimento, legitimidade e autonomia perante as demais
instituições sociais.
O Estado assim, não só liberou espaço para a iniciativa privada na área social,
como também a subsidia, de forma indiscriminada, o que afeta, sobremaneira, a destinação
de recursos para as políticas sociais.
Percebe-se, na educação superior brasileira, um desvio, sem critérios, de
recursos públicos para as escolas particulares o que significa, de um lado, a preparação e a
abertura de caminhos para os empresários da educação e, de outro, uma maior exclusão dos
segmentos de baixa renda das universidades públicas, cabendo-lhes como consolação os
famosos cursos profissionalizantes.
Aliás, desde o período da ditadura militar, a partir de 1964, a educação superior
privada conta com subsídios do governo federal para criar/ampliar suas atividades.
Conforme Netto (2001b, p. 62),
a política educacional da ditadura para o ensino superior não se submeteu à
orientação dos interesses do grande capital apenas contendo o acesso à
graduação e reduzindo a alocação de recursos públicos, liberados para
investimento em áreas mais prioritárias para os monopólios: transformou, pela
primeira vez na história brasileira, o ensino superior num setor para
investimentos capitalistas privados extremamente rentáveis a educação
superior sob a autocracia burguesa, transformou-se num “grande negócio”. A
assim chamada livre iniciativa encontrou um dos seus vários paraísos,
estabelecendo as suas universidades – o que não impediu, por vários canais, que
nelas fossem injetados vultosos recursos públicos.
Tal realidade ampliou-se ao final da cada de 1990, com a política neoliberal
adotada pelo governo Cardoso e a “reforma” do Estado brasileiro. Nessa perspectiva e
ainda lembrando que a educação é um direito constitucional
33
, questiona-se: quem são os
33
A transferência dos serviços da área social do Estado para a iniciativa privada reduz a participação popular
na educação superior, como também contraria a própria Constituição Brasileira de 1988 (BRASIL, 1988),
53
cidadãos a quem a educação é concebida como direito?
Chauí (1999b) pondera que o
primeiro argumento em favor do ensino universitário público pago baseia-se
num dado de fato: os filhos da classe média e da classe dominante estudam em
caros colégios particulares, recebem uma formação aprimorada, fazem os
cursinhos pré-vestibular (em geral, caríssimos) e tomam praticamente todas as
vagas nas universidades públicas, delas excluindo os filhos da baixa classe
média e da classe trabalhadora (que permanecem fora do ensino superior ou
cursam universidades privadas dispendiosas e muitas vezes de baixo nível).
A esse argumento acrescenta-se um segundo, também com base em fatos: fala-
se nos elevados custos das universidades públicas, que poderiam ser reduzidos
com a cobrança de mensalidades para os filhos das classes abastadas. [...]
Significa, em primeiro lugar, que os ricos são vistos como cidadãos (pagam
impostos e mensalidades) e os pobres não (mesmo que saibamos que, neste país,
os ricos justamente não pagam impostos); em segundo lugar, que a educação
não é vista como um direito de todos, mas como um direito dos ricos e uma
benemerência para os pobres;
em terceiro lugar, que a cidadania, reduzida ao pagamento de impostos e
mensalidades, e o assistencialismo, como compaixão pelos deserdados,
destroem qualquer possibilidade democrática e de justiça (destaque nos itens de
autoria da doutoranda).
Essa realidade é dada, conforme pode ser observada nas condições de vida das
estagiárias do Curso de Serviço Social da UCG. Elas recebem baixos salários, participam
na renda familiar e ainda precisam pagar as mensalidades do curso cujo valor no primeiro
semestre de 2008, é de seiscentos e trinta e quatro reais e quarenta e cinco centavos.
Segundo reflexão de Chauí (1999b), como também de Cunha (1985), os
estudantes de maior poder aquisitivo freqüentam as universidades públicas, e os estudantes
de menor poder aquisitivo têm acesso às instituições de educação privada que oferecem
maior número de vagas, o que diminui a concorrência no exame vestibular, facilitando o
ingresso dos estudantes.
As mudanças decorrentes da “reforma” do Estado brasileiro apresentam um
pressuposto ideológico básico, qual seja, tornar o mercado o responsável, o portador da
racionalidade sócio-política, o principal agente no desenvolvimento do bem-estar social,
assumindo atribuições até então de responsabilidade do Estado brasileiro. Em decorrência,
que em seu artigo 6
o
dispõe: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição”.
54
há uma retração do Estado na área social e a transferência dessa atribuição ao setor privado
e ao setor público não-estatal, o que fortalece o caminho da privatização e da expansão das
instituições privadas na educação, com primazia de relações centradas na lógica e no
interesse do mercado. Essas mudanças ocorreram de forma acentuada no governo Cardoso,
indicando/apontando transformações no mundo do trabalho e na qualidade da educação
superior brasileira (CHAUÍ, 1990).
Ao alcançarem a educação superior brasileira e o mundo do trabalho e ao
internalizarem a sua lógica, essas mudanças afetam sobremaneira o estágio curricular em
suas relações com o espaço sócio-ocupacioal do assistente social que passa a exigir do
estagiário uma posição cada vez mais voltada para seus interesses, conseqüentemente, uma
posição menos acadêmica, no sentido do conhecimento teórico-metodológico. Também as
universidades públicas passam por experiências desagradáveis, pois lhes são retirados não
recursos financeiros como também a referência que tinham na sociedade. Em seu lugar,
são inseridas idéias e propósitos afetos à lógica do mercado, com suas regras, normas e
princípios aplicados aos cursos, muitos deles adotando como seus esses elementos
reconhecidos e próprios do mundo do trabalho, isto é, têm apenas a si próprios como
referência, adotam controle de qualidade e eficácia para assegurar sucesso no emprego.
Assim, destituída de suas características como instituição, a universidade afasta-se dos
princípios que até então asseguraram sua existência e sua particularidade, trazendo à tona a
fragilidade atual em termos de identidade institucional que se ancora na realidade
normativa e valorativa da própria sociedade.
Nessa perspectiva, há uma extensão da lógica do mercado que atravessa a
educação e que pode ser percebida nos propósitos da universidade, que demanda um outro
perfil de profissional e de estagiário. Isto é, a diferença entre a lógica da universidade e a
lógica do mercado é atravessada pela educação o que subentende o estágio curricular.
Assim, o estágio e os cursos tornam-se prisioneiros das condições impostas pelo mercado
que alteram a situação de vida e trabalho dos profissionais como também de muitos
estagiários, pois significa uma outra modalidade de formação e uma outra modalidade de
prática profissional.
Regida pela instrumentalidade do próprio mercado a universidade é desafiada a
55
apreender, de
um lado, uma materialidade de formas de sobrevivência, organização e relações
de trabalho, diversas das formas dominantes e resultantes da exclusão do
mercado formal de trabalho e, de outro, o desejo de entender os processos de
formação humana articulados a esta nova realidade (FRIGOTTO, 1998, 47).
Percebe-se que, há cursos, em que o estágio curricular assume um caráter
menos acadêmico e mais empresarial, o que altera, sobremaneira, a sua posição histórica
na educação superior, haja vista que eles compõem uma determinada concepção de
educação, articulada a determinados projetos de sociedade, projetos pedagógicos e grades
curriculares, assunto que será tratado nos próximos capítulos.
Esta tese entende o estágio como uma dimensão determinada e histórica na
formação profissional que não tem existência por si só, de forma independente, autônoma,
fragmentada, como vem sendo tratado pelo atual mercado de trabalho. Tanto na formação
profissional, como no mundo do trabalho, o estágio tem assumido uma posição que
concorre para uma maior articulação teoria e prática, universidade e sociedade. Seu caráter
processual e histórico identifica-se com a educação superior brasileira desde seus
primórdios e com as lutas de muitos educadores, na defesa da educação como processo
coletivo de formação profissional, como direito de todos os brasileiros, no que pesem as
desigualdades sociais desenvolvidas no modo de produção capitalista.
No bojo do processo de formação profissional, o estágio curricular se apresenta
e se desenvolve, ancorado em conteúdos teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico-
operativos que sustentam a formação profissional e envolvem: conteúdos teórico-práticos,
habilidades, atitudes e sobretudo valores ético-político-profissionais. Esses elementos,
somados a contatos de supervisores didáticos, supervisores profissionais e estagiários, com
projetos e propostas de trabalho, estudos e pesquisas, delineiam um perfil de profissional e
de profissão, que compõe a formação dos estudantes, preparando-os e inserindo-os na
profissão e no mundo do trabalho.
Como componente do/no processo de formação, o estágio curricular também
está sujeito às mudanças decorrentes do avanço capitalista em escala mundial e às
diferentes visões de mundo. Ele não se define de forma homogênea nos vários cursos do
56
ensino superior, pois envolve leituras de realidade, conforme a opção teórico-metodológica
e a intencionalidade dos seus atores: estagiários e supervisores (professores e profissionais
dos campos de estágio). Nessa perspectiva, assume uma roupagem própria e específica em
cada curso e, muitas vezes, no interior de um mesmo curso, ou em uma mesma instituição
campo de estágio, conforme a visão de mundo de profissionais e estagiários que participam
do processo, o que indica não haver uma tendência uníssona em sua concepção e no seu
desenvolvimento. Essas várias possibilidades por ele assumidas lhe um caráter
polissêmico e multifacetado, que abrange não só a ele próprio, como a toda formação.
É histórica a diversidade conceitual de estágio curricular. Ela se circunscreve
não só ao estágio como também à universidade, e à sociedade, expressando, em sua
estrutura e em seu funcionamento, as diversas dimensões da sociedade. Em consonância
com as divisões e contradições da sociedade há, no interior das universidades, concepções,
posicionamentos e projetos também diferentes e conflitantes, presentes tanto na totalidade
da formação como na especificidade do estágio curricular. Como instituição social, a
universidade tende a acompanhar as mudanças e transformações sociais, econômicas,
políticas e culturais que se operam na sociedade.
Os responsáveis pela educação superior brasileira foram vários, desde o
período da vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808, quando foram criados
os primeiros cursos de educação superior, seja com as iniciativas dos jesuítas para
implantação do ensino superior, no século XVI, quando promoviam as licenciaturas
culturais que, embora não se caracterizassem como grau de nível superior visavam a
preparação de quadros para o magistério e correspondiam aos cursos de formação de
professores
34
. Era um sistema de educação que se assentava em moldes tradicionais
portugueses da educação que foram implementados pelos primeiros jesuítas, ou seja: de
cunho religioso – católico e jesuítico orientado pelo modelo europeu.
Se para Portugal a preocupação maior em relação ao Brasil era a exploração
das riquezas naturais e a expansão/ocupação territorial, para os jesuítas era a educação e a
34
Cunha (1986) ratifica as idéias de Campos de que as iniciativas para a criação de uma universidade no
Brasil provinham dos jesuítas que chegaram ao Brasil em 1549, logo após o seu descobrimento.
57
catequese
35
. Eles assumiram a dimensão religiosa e educacional no país, intervindo na
catequese dos nativos e na política, sobretudo nas relações casa grande e senzala. É
histórica a participação da igreja católica no desenvolvimento e controle da sociedade
brasileira, em especial na educação, em que ela sempre buscou exercer o domínio. Em
1759, o Marquês de Pombal determinou a expulsão dos jesuítas, o fechamento de seus
colégios que, para alguns autores, caracterizou-se como a primeira reforma na educação
a reforma Pombalina, que visava a laicização do ensino.
Pode-se considerar, para efeito da problematização que esta tese desenvolve,
que a vinda da família real portuguesa para o Brasil e sua permanência por treze anos
(1808 a 1821) ocasionaram uma série de mudanças
36
nos aspectos sociais, econômicos,
políticos, culturais e administrativos, dentre elas, a criação dos cursos de educação superior
com as escolas médico-cirúrgicas, na Bahia e no Rio de Janeiro e, em nível médio, a
Escola de Ciências, Artes e Ofício. Apesar da existência desses primeiros cursos em nível
superior, só em 1828 foram criadas no país as primeiras faculdades com os cursos jurídicos
em Recife e em São Paulo (CAMPOS, 1940).
Segundo Campos (1940), por ocasião desses primeiros cursos, o estágio
curricular se fazia presente, como é o caso dos cursos da área médica em que ele era
desenvolvido por meio da prática de instrumentos
37
ou treinamento, modalidade
vivenciada nas enfermarias dos hospitais, onde os estudantes, denominados praticantes,
35
Portugal procurava assegurar o seu domínio e evitar as invasões estrangeiras na colônia. Para isso,
incentivou medidas de ocupação territorial e uma primeira solução adotada foi a organização de expedições
exploradoras as entradas e bandeiras, que abriam caminhos e criavam cidades. Outra medida foi a divisão
do país em capitanias hereditárias doadas a portugueses radicados no Brasil e a outros vindos de Portugal,
que se tornavam donatários de grandes extensões de terras que eram passadas de pai para filho, pois
constituíam-se em patrimônio familiar hereditário.
36
As mudanças que ocorreram na realidade brasileira com a transferência da família real portuguesa para o
Brasil referem-se a: a) no aspecto político-econômico, a abertura dos portos às nações amigas, a criação do
Banco do Brasil, do Erário Régio, e de diversas fábricas; b) no aspecto político-administrativo, a criação de
ministérios, da escola da marinha, academia militar e outras; b) no aspecto cultural, a criação de cursos de
educação superior, as escolas médico-cirúrgicas, em nível médio - a Escola de Ciências, Artes e Ofício, a
imprensa régia, biblioteca, jardim botânico, teatro, museu e outras (SILVA NETTO, 2002).
37
Informa Campos (1940) que, naquela época, a prática de instrumentos era uma preocupação não do
estágio curricular, mas das disciplinas do próprio curso e também do governo, pois em 1815, por
determinação do príncipe regente, foi estabelecido que as “lições [estágio] se dariam no Hospital da Santa
Casa de Misericórdia por concorrerem aí para as experiências e operações” (CAMPOS, 1940, p. 139).
Assinala ainda o autor que, na época, o estágio curricular era também considerado um método disciplinador,
destinado a interessar o estudante no problema científico, torná-lo assíduo e aplicado. Constituía-se como
“lições de coisas” que o estudante ia aprendendo e assumindo com maior motivação, assiduidade e disciplina.
58
aprendiam e praticavam, em situação real, o uso adequado e correto dos instrumentos,
segundo as especialidades das áreas: cirurgia, obstetrícia e outros. Os praticantes não
podiam fazer qualquer reflexão ou comentário à cabeceira do doente, pois o espaço da
teoria era a sala de aula. Assim, eles aprendiam o conteúdo teórico em sala de aula e
realizavam a prática nos hospitais, espaço do estágio curricular, o que confirmava a
fragmentação teoria-prática e a concepção de estágio como aplicação de conhecimentos
teóricos.
Essa concepção de estágio curricular assemelhava-se à da prática de disciplina
ou a aula prática, modalidade presente em vários cursos e desenvolvida no próprio espaço
acadêmico, geralmente em laboratórios, sem uma maior relação com a prática profissional
ou com o mundo do trabalho. Trata-se de um conhecimento restrito e específico,
geralmente incluído em determinadas disciplinas ou conteúdos. Caracteriza-se pela busca,
de forma focada, dos conhecimentos necessários à formação dos estudantes. Questiona-se
a equivalência entre prática de disciplinas ou aula prática e estágio curricular, pois na
prática de disciplinas ou aula prática o estudante vivencia uma situação de aprendizagem
específica relativa a determinados aspectos do conhecimento, o que nem sempre envolve a
realidade do trabalho profissional.
Embora a vinda da família real portuguesa para o Brasil houvesse
impulsionado a criação de cursos de educação superior, somente em 1920, cerca de trinta
anos após a proclamação da República, foi fundada a primeira universidade brasileira, a
Universidade do Brasil, atualmente Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
38
(CAMPOS, 1940). Era uma instituição social de natureza pública, que possibilitava aos
estudantes brasileiros freqüentarem o ensino superior sem deixar o país, uma situação
polêmica na época, haja vista que o fato de um filho estudar no exterior assegurava às
famílias mais abastadas poder e stato social
39
.
38
A criação da primeira universidade brasileira se concretizou com a assinatura do Decreto 14.343/20,
pelo Presidente da República Epitácio Pessoa (1919-1922). Em 1925, o governo federal de Arthur Bernardes
(1922-1926) autorizou a criação de outras universidades que se instalaram nos Estados de Pernambuco,
Bahia, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, nas suas capitais. Eram universidades formadas pela
aglomeração de diversos cursos e faculdades existentes, situação que perdurou até o estabelecimento da
autonomia universitária, pela Resolução 2/94 do CFE. A exemplo da Universidade de Coimbra, as aulas
eram ministradas por catedráticos vitalícios (CAMPOS, 1940).
39
A oposição brasileira à idéia de criação das universidades vinha de segmentos dominantes da sociedade
brasileira, que buscavam a manutenção do stato quo e do gozo de privilégios por meio do ensino superior.
59
O período compreendido entre a criação dos primeiros cursos de ensino
superior (1808) e a proclamação da República (1889) evidencia fatos políticos
significativos: revoluções, conflitos civis, religiosos e militares, a independência do Brasil
(1822), a abolição da escravatura (1888), as tentativas de criação da universidade brasileira
e outros acontecimentos que, direta e/ou indiretamente, marcaram a educação brasileira em
todos os níveis.
Desde o período colonial, evidenciam-se na história da educação superior
brasileira características de uma sociedade discriminatória, em que as relações de
exploração próprias do modo de produção capitalista remetem a um quadro que se opõe à
participação dos segmentos populares nos bens e serviços produzidos. Em sociedades de
classe, os interesses são bem diferentes, inconciliáveis e contraditórios. O acesso e
participação dos segmentos dominantes e populares nos diversos níveis da educação dão-se
em condições as mais adversas, de discriminação e subjugação das frações populares e de
fortalecimento da desigualdade social. Essa condição tem sido ideologizada e naturalizada
pelo poder dominante, tanto no período colonial, imperial e republicano.
No primeiro governo Vargas (1930-1945) foi aprovado o Decreto nº 19.851/31,
criando o Estatuto das Universidades Brasileiras (BRASIL, 1931), medida que teve grande
influência na educação superior brasileira. O estatuto, em seu art. define como
finalidade da educação superior
elevar o nível da cultura geral, estimular a investigação científica em qualquer
domínio; habilitar ao exercício de atividades que requerem preparo técnico e
científico superior; enfim concorrer pela educação do indivíduo e da
coletividade [...] para a grandeza da Nação e para o aperfeiçoamento da
Humanidade (BRASIL, 1931).
O art. 2º completa o art. 1º afirmando que, essa finalidade atende aos “reclamos
e necessidades do país” (BRASIL, 1931). No entanto, em uma sociedade de classes, falar
em “necessidades do país”, “grandeza da Nação”, “aperfeiçoamento da humanidade” é
negar as diferenças estabelecidas pelo modo de produção capitalista, é camuflar a
existência da questão social. Se a reforma Pombalina (1770) pode ser considerada a
Temia-se perder a exclusividade da educação superior de seus filhos. Assim, buscava-se manter o acesso à
educação superior no interior do próprio grupo social, apoiando e reforçando a oposição externa, vinda
sobretudo de Portugal fundamentada no “receio de que as universidades [brasileiras] concorressem para o
rompimento dos laços que nos uniam às Cortes de Lisboa” (CAMPOS, 1940, p. 235).
60
primeira reforma na educação brasileira, o Decreto 19.851/31 foi a primeira reforma na
educação superior brasileira, possibilitando a expansão e organização do ensino superior
em todo o território nacional. Esse decreto instituiu o sistema universitário para a educação
superior, facultando-lhe o direito de ser ministrada por instituições isoladas: faculdades,
escolas e/ou institutos.
Um dos efeitos imediatos da criação do Estatuto das Universidades Brasileiras,
segundo Cunha (1986, p. 294 - 301), foi a
reforma da Universidade do Rio de Janeiro, [...] antes constituída apenas das
Faculdades de Direito e de Medicina e da Escola Politécnica, incorporava os
seguintes institutos isolados mantidos pelo governo federal: Escola de Minas
[situada em Ouro Preto], Faculdade de Farmácia, Faculdade de Odontologia,
Escola Nacional de Belas Artes e Instituto Nacional de Música. Deveria
incorporar, também, a Faculdade de Educação, Ciências e Letras, a Escola de
Higiene e Saúde Pública e a Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas,
quando fossem criadas de fato.
Após a promulgação do estatuto, outros documentos surgiram com o objetivo
de regulamentar e organizar a educação superior brasileira. Entretanto, a sua constituição
deve-se também à resistência de muitos trabalhadores da educação e àqueles estudantes
que, impregnados por seus ideais, imprimiram, em cada época, mediante avanços e recuos,
marcas de suas lutas e enfrentamentos na construção da educação brasileira.
Foram várias as reformas educacionais que ocuparam o cenário da educação
superior brasileira. Dentre elas destaca-se a Lei 5.540/68 (BRASIL, 1968), conhecida
como a reforma universitária de 1968 que, homologada em plena ditadura militar,
imprimiu uma série de mudanças no sistema educacional brasileiro e também nos estágios
curriculares.
A ditadura militar e todo seu aparato repressivo impuseram um longo período
de incertezas diante do autoritarismo estabelecido que transformou a sociedade
democrática brasileira em palco de torturas, prisões e toda sorte de arbitrariedades que se
concretizaram, conforme Netto (2001, p. 31), em uma dita modernização conservadora
conduzida no interesse do monopólio: benesses ao capital estrangeiro e aos grandes grupos
nativos, concentração e centralização em todos os níveis”.
61
1.2.1. ESTÁGIO CURRICULAR NA UNIVERSIDADE BRASILEIRA E A
DITADURA MILITAR DE 1964 – A REFORMA UNIVERSITÁRIA DE 1968
No bojo do processo de construção da educação superior brasileira destaca-se o
estágio curricular como componente desse processo, com sua diversidade conceitual
40
;
complementação do ensino, aplicação de conhecimentos, estágio supervisionado, estágio
de férias, trabalhos de final de curso, prática forense, estágios de ação comunitária, estágio-
extensão (fruto da reforma universitária de 1968), preparação de recursos humanos, prática
de ensino, trabalho prático, estágio básico, estágio fundamental, prática de instrumentos,
treinamento, vivência profissional, prática de disciplinas e outros (Ribeiro, 1999).
Essa diversidade expressa diferentes concepções e entendimentos referentes
não ao estágio curricular, mas à própria universidade, à formação profissional, à
realidade social, econômica, política e cultural dos cursos, e dos campos de estágio. São
concepções que envolvem visões de mundo, entendimentos e conceitos, vinculados às
disposições jurídico-legais da área educacional, às concepções de educação e de projeto
ético-político-pedagógico dos cursos, aos projetos profissionais e às análises da conjuntura
em cada época.
Ao final da década de 1960, a Portaria nº 1002/67 (BRASIL, 1967) que
dispunha acerca da admissão de estagiários nas empresas como também a Lei 5.540/68
(BRASIL, 1968), foram homologadas, no auge da ditadura militar, governo Costa e Silva
(1967-1969). Ambos os documentos a Portaria 1.002/67 e a Lei 5.540/68 foram
aprovados no regime militar e expressam um aspecto do conjunto de discursos e práticas
adotados pela ditadura no redirecionamento e controle do sistema educacional brasileiro e
na formulação e implementação de sua política educacional. Várias alterações, algumas
ainda em vigor, foram introduzidas na educação superior brasileira por meio da Lei
5.540/68, a reforma universitária de 1968. Ela apresentou no cenário nacional um novo
modelo de universidade
41
cujo propósito fundamental se assentava na indissociabilidade
40
Estudo relativo à diversidade de concepções do estágio na educação superior é parte do processo de
investigação realizados em nossa dissertação de mestrado – A compreensão polissêmica do estágio no ensino
superior, apresentada em maio de 1999, ao Programa de Mestrado em Educação Brasileira, da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG).
41
A implementação da reforma universitária na Universidade Católica de Goiás (UCG) ocorreu em 1972,
quando as mudanças propostas na Lei 5.540/1968 foram implantadas: organização por departamentos, regime
62
ensino pesquisa extensão, que veio contribuir, substancialmente, no fortalecimento e
expansão da pesquisa e dos projetos e programas em extensão universitária, alguns de
abrangência nacional. Pela extensão, uma outra concepção de estágio surge, ou seja, o
estágio com identificação na extensão, visando promover uma maior articulação
universidade-sociedade, como também maior articulação nas dimensões do ensino, da
pesquisa, e da extensão. Nesse sentido, as universidades, em especial as particulares,
assimilam as disposições da legislação para abertura de campos de estágio no seu interior,
usufruindo da mão-de-obra do estagiário em seus programas, principalmente de extensão,
absorvida em vista às grandes vantagens que ela oferece.
Em vários cursos foram expandidos programas e projetos de extensão que
passaram a considerar similares trabalhos comunitários, estágio curricular e extensão.
Dessa forma, diversos programas e projetos de extensão foram (re)elaborados,
pois as instituições de educação superior, de acordo com o Art. 20 da Lei 5.540/68,
“estenderão à comunidade, sob forma de cursos e serviços especiais, as atividades de
ensino e os resultados da pesquisa que lhes são inerentes”. Essa modalidade de estágio
ganhou ênfase, passando a integrar a formação acadêmica em diferentes cursos, buscando
promover a propalada articulação universidade e sociedade.
A Lei nº 5.540/68 introduziu na educação superior brasileira uma série de
outras mudanças, mas não invalidou o estágio em empresas, preconizado pela Portaria
1.002/67. Manteve e ratificou o fortalecimento do mercado com os cursos
profissionalizantes para preparação de recursos humanos em níveis superior e médio.
Afirma o documento que
além dos cursos correspondentes a profissões reguladas em lei, as universidades
e os estabelecimentos isolados poderão organizar outros para atender às
de créditos, implantação de programas e projetos de extensão e outras. Seguindo os propósitos da lei, o Curso
de Serviço Social, que era ministrado em escola isolada passou a compor a estrutura universitária, no
Departamento de Serviço Social. É dessa época, a “partir do convênio, assinado em 30/04/1972, [que] a
antiga Faculdade passa a se denominar, por exigência da Reforma, Departamento de Serviço Social (SER),
sendo daí em diante regido ‘pelo Estatuto, Regimento, Instruções Regimentais e todas as normas internas da
Universidade Católica de Goiás’” (MIGUEL, 1980, p. 120).
63
exigências de sua programação específica e fazer face a peculiaridades do
mercado de trabalho regional (BRASIL, 1968, Art. 18).
Em seu Art. 23, diz a lei que
Os cursos profissionais poderão, segundo a área abrangida, apresentar
modalidades diferentes quanto ao número e à duração, a fim de corresponder às
condições do mercado de trabalho.
§ 1º. Serão organizados cursos profissionais de curta duração, destinados a
proporcionar habilitações intermediárias de grau superior (BRASIL, 1968, art.
23)
Outras mudanças referem-se à organização universitária em sua forma e
conteúdo, isto é, a fragmentação do grau acadêmico de graduação; flexibilização de tempo
para a conclusão dos cursos, os quais poderiam ser realizados em tempo mais reduzido ou
prorrogado, conforme as condições e interesses dos estudantes; implantação do regime de
créditos no ensino; a departamentalização e outras mudanças. Segundo Cunha (1985, p.
242) foi ainda estabelecido um
processo de substituição das unidades acadêmicas estanques numa estrutura
administrativo-pedagógica de modo a eliminar a duplicidade de trabalho e,
também, aumentar a taxa de utilização dos recursos espaço, instalações e
professores.
Justificada pela necessária contenção de gastos, a estrutura acadêmica adotada
foi a departamentalização que visava desmobilizar os estudantes do regime seriado para
integrá-los ao novo processo educacional, isto é, em departamentos e em disciplinas
comuns, como Moral e Cívica, mais tarde denominada Estudo de Problemas Brasileiros
(EPB), as do ciclo básico
42
e outras. Dessa forma, eram aglutinados estudantes de
diferentes períodos e cursos em um mesmo espaço físico, sala de aula ou auditório, com
apenas um professor que, valendo-se de recurso áudio-visual, sobretudo o microfone,
ministrava sua aula. Tal realidade significava, de um lado, economia de recursos humanos
docente, de espaço físico e de material didático e, de outro, a massificação da
aprendizagem, pois como as turmas eram numerosas, os professores tinham dificuldades
42
Com o argumento da contenção de gastos, as mudanças eram efetivadas e aceitas por todos, haja vista a
instituição do curso ou ciclo básico, “medida que objetivava o aproveitamento da ‘capacidade ociosa’ [...] em
alguns cursos superiores de pequena procura [...]. Como os estudantes afluíam em grande número para certos
cursos, outros ficavam com vagas disponíveis. Assim, uma das providências tomadas para aumentar o
atendimento das escolas de nível superior a custos adicionais menos que proporcionais foi a ‘abertura das
fronteiras’ entre os diversos cursos” (CUNHA, 1985, p. 242).
64
em identificar os estudantes e eles, em se (re)conhecerem como turma.
Também a matrícula por disciplinas foi a
maneira encontrada para que aquela “economia” tornada possível pela
departamentalização se efetivasse. Os alunos não se matriculavam mais em
disciplinas que constituíam cada série, mas em cada disciplina, “compondo” o
currículo conforme os pré-requisitos [...] e de acordo com os seus interesses
intelectuais e profissionais (pelo menos supostamente) (CUNHA, 1985, p. 242).
Assim, eliminadas as fronteiras entre os diversos cursos e unificadas as
disciplinas afins, a capacidade ociosa de determinados cursos era sanada por medidas que,
aliadas ao novo modelo de exame vestibular, unificado por área do conhecimento e
classificatório, visavam à contenção de gastos, sem a devida preocupação com a
especificidade dos cursos, pois tais medidas eram justificadas pela necessidade de suprir
conhecimentos e desenvolver uma educação mais geral (CUNHA, 1985).
Para Germano (1994, p. 193), os
princípios mais importantes contidos na reforma educacional proposta pelo
Regime Militar não chegaram a se efetivar. [...] Para que esses princípios
fossem efetivados seria necessário cumprir as seguintes grandes metas:
a) universalização e ampliação da escolarização obrigatória do 1º grau;
b) profissionalização do 2º grau;
c) organização do ensino superior sob a forma prioritária de universidade e não
de escolas isoladas. Isso aumentaria consideravelmente os gastos com educação.
Contudo, o grande triunfo da reforma universitária/1968, para a ditadura
militar, foi a desarticulação do movimento estudantil
43
pois eliminava-se a possibilidade de
os estudantes permanecerem juntos na mesma turma até o final da graduação, conforme
ocorria no modelo anterior. Outro aspecto refere-se à expansão da educação superior com
menor gasto de recursos do Estado, pois o governo militar desobrigava-se de investir na
educação conclamando e incentivando a participação da iniciativa privada
44
. As medidas
43
Além das mudanças ocorridas na organização das universidades, também os movimentos sociais em geral,
em todos os níveis, sofreram ações repressivas. O movimento estudantil e dos docentes, nas instâncias
estadual e federal, sofreram represálias, bem como o movimento popular. Muitos aspectos dessas mudanças,
bem como suas seqüelas, passados quarenta anos da reforma universitária de 1968, ainda se fazem presente
em várias universidades brasileiras, como é o caso da atrofia do movimento estudantil.
44
Situação semelhante ocorreu em conseqüência da “reforma” do Estado brasileiro no governo de Cardoso,
nos anos de 1990, que transferiu a ação do Estado para o mercado que passou a gerir as políticas sociais,
65
implantadas pela reforma universitária para a contenção de gastos eram favoráveis à
iniciativa privada na educação, pois a possibilidade de lucro era aumentada em relação ao
modelo anterior, o seriado. “Desse modo o Estado pavimentou o caminho da privatização
do ensino, sobretudo nos níveis médio e superior” (Germano, 1994, p. 195). Com o
discurso da modernização e da restauração da universidade pública brasileira, a ditadura
militar promoveu e facilitou o crescimento e a proliferação progressiva das empresas
educacionais privadas.
Trata-se de uma contradição explicada pela conjuntura do período militar que
subordinava as áreas consideradas menos prioritárias às mais prioritárias, ou seja, a
educação ao planejamento e ao trabalho.
Segundo Saviani (1998, p. 78),
a partir de 1964, o protagonismo no âmbito do planejamento educacional se
transfere dos educadores para os tecnocratas o que, em termos organizacionais,
se expressa na subordinação do Ministério da Educação ao Ministério do
Planejamento, cujos corpos dirigente e técnico eram, via de regra, oriundos da
área de formação correspondente às ciências econômicas
Assim, orientadas por tecnocratas e regidas por empresários da educação, as
instituições de educação superior eram transformadas em instrumento de propagação,
veiculação e difusão de idéias, valores, princípios e interesses da própria ditadura que
buscava afirmação na sociedade e, também, do segmento empresarial. Estabelecia-se,
portanto, um movimento que, com outra roupagem, está presente na sociedade atual, a
troca de favores para atender a interesses específicos dos segmentos dominantes e do
próprio Estado.
Tanto no período da ditadura como nos dias atuais com a reforma da educação
brasileira, inculca-se a idéia de um modelo de sociedade necessário ao país. Os interesses
da ditadura militar estavam localizados para além do Brasil, pois eles transcendiam as
fronteiras brasileiras para se inserir
num mosaico internacional em que uma sucessão de golpes de Estado [...] era
adotando uma nova/velha terminologia: política de benefícios na qual se situam os programas assistenciais,
educacionais, habitacionais, cursos e outros. Como também os projetos sociais; ação comunitária; ações
corporativas; e outras.
66
somente o sintoma de um processo de fundo: movendo-se na moldura de uma
substancial alteração na divisão internacional capitalista do trabalho, os centros
imperialistas, sob o hegemonismo norte-americano, patrocinaram,
especialmente no curso dos anos sessenta, uma contra - revolução preventiva
em escala planetária (com rebatimentos principais no chamado Terceiro Mundo,
onde se desenvolvem, diversamente, amplos movimentos de libertação nacional
e social) (NETTO, 2001b, p. 16).
O período da ditadura militar foi implantado no Brasil em 1964, a partir do
golpe impetrado contra o governo do Presidente João Goulart Jango (1961-1964), que,
apoiado por lideranças populares apresentava um programa de governo, que, para os
protagonistas do golpe, ameaçava à ordem burguesa e aos interesses capitalistas.
Conforme Germano (1994, p. 50),
a sociedade civil tornou-se mais ativa diante da ampliação da participação
política e da organização dos trabalhadores urbanos e rurais. Outros setores da
sociedade também se organizaram e participaram ativamente das mobilizações
em favor das reformas de Base, como os estudantes e os militares subalternos
(sargentos, marinheiros, etc.).
Conduzindo seu governo para um processo de reformas de base, o programa do
presidente Goulart ameaçava as condições até então favoráveis à burguesia brasileira. O
carro-chefe de seu programa de governo era a reforma agrária a ser realizada segundo os
interesses do campesinato, antagônica, portanto, às vantagens historicamente acumuladas
pelos segmentos dominantes na sociedade: burguesia, alguns políticos, alas conservadoras
da igreja católica e outros. Confrontavam-se, naquele momento, dois projetos de
sociedade: o de interesse da burguesia e o de interesse popular, com manutenção da
democracia e implantação de reformas de base.
Pode-se então afirmar que o golpe militar não apenas derrotou um governo
voltado aos interesses populares, mas
uma alternativa de desenvolvimento econômico-social e político que era
virtualmente a reversão do já mencionado fio condutor da formação social
brasileira. O que os estrategistas [...] de 1964 obtiveram foi a postergação de
uma inflexão política que poderia – ainda que sem lesionar de imediato os
fundamentos da propriedade e do mercado capitalistas romper com a
heteronomia econômica do país e com a exclusão política da massa do povo
(NETTO, 2001b, p. 25).
Mais do que um golpe militar, o golpe de 1964 foi uma adequação do Estado
67
brasileiro, nos aspectos sócio-econômico-político e cultural, às normas ditadas pelos EUA.
Foi uma reorganização do Estado para bloquear sua ação em defesa dos interesses
populares e assegurar sua função controladora a serviço dos interesses da reprodução
ampliada do capital, tanto no plano nacional como internacional. Para Nogueira (2004, p.
19), com o golpe de 1964, foi colocada em prática uma
política econômica voltada para a produção de bens de consumo duráveis,
favoreceu as grandes empresas nacionais e estrangeiras, capitalizou e
reprivatizou a economia, reduziu salários e estimulou um verdadeiro ‘inchaço’
do sistema financeiro.
A modernização advinda com o golpe “recheou de artificialismo a estrutura
produtiva” e promoveu um elevado custo social, diz o autor.
A contra-revolução preventiva, como o denomina Netto (2001b) o golpe
militar, bloqueou qualquer pretensão de mudança, prevalecendo os interesses da burguesia
cujas finalidades eram:
[1] adequar os padrões de desenvolvimento nacionais e de grupos de países ao
novo quadro do inter-relacionamento econômico capitalista, marcado por um
ritmo e uma profundidade maiores da internacionalização do capital; [2] golpear
e imobilizar os protagonistas sociopolíticos habilitados a resistir a esta
reinserção mais subalterna no sistema capitalista; e enfim, [3] dinamizar em
todos os quadrantes as tendências que podiam ser catalisadas contra a revolução
e o socialismo.
Os resultados gerais da contra-revolução preventiva [...] mostraram-se nítidos a
partir da segunda metade da década de sessenta (NETTO, 2001b, p. 16).
Os aparelhos repressivos do Estado exerciam o controle da sociedade fazendo
que fossem abortadas as possibilidades da participação popular, refutadas e destruídas as
propostas e projetos do governo Goulart, aniquiladas ações, desmobilizados os
movimentos populares e perseguidas suas lideranças, cassados grandes expoentes
nacionais, enfim, destruídos sonhos e intenções.
Buscando assegurar a governabilidade, o país crescia em termos capitalistas,
com a expansão e dinamização de suas forças produtivas agricultura e indústria e, “em
vinte anos tornou-se outro: mais capitalista, mais moderno, mais deformado e injusto,
radicalizando uma tendência que vinha se acentuando desde a década de 50”
(NOGUEIRA, 2004, p. 17). Portanto, o regime militar não pode ser considerado
68
reacionário no sentido de não frear ou bloquear o desenvolvimento capitalista do país e a
modernização da sociedade. Para o autor, ele o foi reacionário “porque não pode sê-lo”
(NOGUEIRA, 2004, p. 17).
Para Basbaum (1977), em uma reflexão similar às de Netto (2001), Germano
(1994) e outros, instalava-se no Brasil um modelo de governo que, regido pelo
autoritarismo e pela repressão, disseminava o terror cultural, guardando grandes
semelhanças ao protótipo alemão: o “fascismo que, [...] é, antes de tudo, a supremacia da
força bruta contra a inteligência” (BASBAUM, 1977, p. 169). Como destaca Germano
(1994, 29), o nazi-fascismo é uma “forma de totalitarismo [...] vinculado a um determinado
nível do desenvolvimento do capitalismo”.
Entretanto, o que até então fora
uma ditadura reacionária, que conservava um discurso coalhado de alusões à
democracia e uma prática política no bojo da qual ainda cabiam algumas
mediações de corte democrático-parlamentar, converte-se num regime político
de nítidas características fascistas [haja vista o AI-5 e suas conseqüências]
(NETTO, 2001b, p. 38).
Apesar do discurso anti-socialista de defesa da democracia e combate ao
comunismo, os propósitos da ditadura militar recém-instalada eram “antidemocrátic[os],
[...] prendeu, espancou e torturou a torto e a direito, disseminou ódio e pavor, abusou do
arbítrio e da repressão” (NOGUEIRA, 2004, p. 17). Os atos institucionais (AIs) e o
Serviço Nacional de Informações (SNI), legitimavam o abuso de poder, a repressão e o
terror que se instalavam em todo território nacional. Grande parte da população era
submetida a torturas, prisões, perseguições, cassações de direitos civis e políticos. A força
do poder e da dominação, em nome da democracia, bania e/ou condenava ao exílio grandes
expoentes intelectuais, a massa crítica do país: professores, escritores, políticos, artistas e
outros.
O modelo de sociedade instalado pela ditadura militar durou mais de vinte
anos, regido pela repressão e pela violência, sob o manto do combate ao comunismo e de
defesa da democracia no país.
No contexto da ditadura militar, foi homologada a primeira documentação
69
jurídico-legal referente ao estágio curricular, de abrangência nacional; trata-se da Portaria
1.002/1967 (BRASIL, 1967)
45
. Como primeiro documento relacionado ao estágio, a
referida Portaria, para alguns, era uma medida redentora, pois “nada havia a respeito [de
estágio] até que surgiu a Port. 1.002, de 29 de setembro de 1967, baixada pelo Ministro
do Trabalho e Previdência Social”, afirma Cortez (1984, p. 11). Por outro lado, tanto a
Portaria quanto a Lei 5.540/1968 (BRASIL, 1969), são documentos que fortaleceram a
supremacia do setor empresarial em vários aspectos, pois reproduziram interesses do
mercado. Em relação ao estágio curricular, nos cursos de educação superior a seleção de
estagiários, a supervisão e o planejamento são atividades realizadas pelas empresas que são
campo de estágio, já a avaliação, quase sempre, é competência da universidade, pois
envolve a nota
46
. Também pelo estágio curricular valores e idéias próprias do setor
empresarial eram transmitidos aos estagiários, como também fortalecida a dissociação
teoria e prática, entre universidade e campos de estágio. O depoimento de um coordenador
de estágio da UCG, curso da área técnico-científico, em que tal situação é mais freqüente,
mostra a negação da teoria pelo profissional do campo de estágio. Diz ele:
no meio deles [dos profissionais], a gente muito isso, o ditado: “na prática
a teoria é outra”. Então, eles tentam dar uma sustentação em atividade prática,
não buscando a informação. A pessoa usa a informação da escola, mas [...]
renega. Pelo fato de ele estar usando aquilo com uma certa freqüência, ele
considera que aquilo não tem mais nada a ver com a escola, [...] [mas] na
realidade tem. [...] A forma de fazer é que cada um tem a sua [...]. Mas sem o
conhecimento teórico que ele adquiriu aqui ele não consegue chegar a lugar
nenhum. (R. E., Apud Ribeiro, 1999, p. 133).
A legislação pertinente aos estágios curriculares para os cursos de educação
superior acentua a força dos segmentos dominantes da sociedade ao estabelecer a
supremacia do mercado nas questões afetas ao estágio. Essa realidade é verificada no
primeiro instrumento de regulamentação do estágio, a Portaria nº 1002/67, que destaca, em
um de seus considerandos, como função “das Faculdades e Escolas Técnicas vinculadas à
45
Assinada em 29 de setembro de 1967, pelo então Ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, responsável à
época pelo Ministério de Estado dos Negócios do Trabalho e Previdência Social, a referida portaria evidencia
o deslocamento da competência do Ministério da Educação para o do Trabalho e Previdência Social,
confirmando Savianni (1998) no que se refere à transferência das atribuições dos educadores para os
tecnocratas, conforme tratado em páginas anteriores.
46
Segundo um dos coordenadores do Curso de Engenharia, vários aspectos do estágio curricular são
desenvolvidos pela empresa. Segundo ele, “esse é um problema que a gente ainda tem no departamento. A
dificuldade de um acompanhamento mais próximo do estagiário, de uma forma efetiva. [...] é uma situação
que a gente tem questionado, a qualidade desse resultado para nós mesmos, aqui no Departamento [...] nessa
diversidade de empresas [...] a gente não consegue ir em cada ponto desses durante o semestre” (1999).
70
Diretoria do Ensino Industrial a preparação de técnicos nos moldes e especialidades
reclamados pelo desenvolvimento do país” (BRASIL, 1967). A portaria dispõe sobre a
admissão de estagiários nas empresas”, oferecendo a elas uma série de vantagens. O
documento acentua e fortalece o vínculo do estágio nas empresas, com a transferência do
eixo da formação profissional das universidades para o setor empresarial e subordinando a
educação ao trabalho e a realidade do estágio às empresas que são campos de estágio. Para
o setor empresarial são condições ideais para contratação de estagiários, uma mão-de-obra
semi-especializada e de baixo custo.
O documento o conceitua estágio, mas seus considerandos especificam as
condições em que ele deveria ser realizado. Assim, a portaria indica que o estágio
curricular é fundamental, tendo em vista:
[a] [...] a urgente necessidade de criar condições que possibilitem o
entrosamento empresa-escola, visando à formação e ao aperfeiçoamento
técnico-profissional;
[b] [...] a preparação de técnicos nos moldes e especialidades reclamados pelo
desenvolvimento do País; [...]
[c] a prática efetivada, inclusive nas empresas, [que] concorre para que o ensino
superior ou tecnológico ofereça melhores resultados [...] (BRASIL, 1967).
Anterior à Lei 5.540/68 (BRASIL, 1968) que estabelece ensino, pesquisa e
extensão como o tripé da educação superior, a Portaria 1002/67 (BRASIL, 1967),
anunciava a importância da relação universidade e sociedade por meio do estágio
curricular, entendendo por sociedade o setor empresarial, haja vista que ela “dispõe sobre a
admissão de estagiários nas empresas”. Em seu art. a portaria remete para as empresas a
competência pela realização do estágio, ao instituir “nas empresas a categoria Estagiário a
ser integrada por alunos oriundos das Faculdades ou Escolas Técnicas de nível colegial”
(BRASIL, 1967). O documento elaborado no período da ditadura militar explicita o papel
por ela atribuído a faculdades, escolas e, mais especificamente, ao estágio, qual seja, criar
condições para um bom entrosamento empresa e escola por meio da preparação de técnicos
para a área empresarial, segundo seus interesses e necessidades, ou seja, “nos moldes e
especialidades reclamados pelo desenvolvimento do país” (BRASIL, 1967).
Ao longo do processo histórico brasileiro, conforme já foi tratado, percebe-se a
identidade estabelecida pelo Estado entre os interesses dos segmentos dominantes e os da
71
sociedade. É como se a sociedade fosse homogênea, neutra, não classista e independente
da vinculação ou das relações nela estabelecidas.
Dessa forma os interesses seriam os mesmos para todos o que possibilitaria aos
segmentos dominantes representá-la. Ideologicamente, essa é a imagem veiculada na
sociedade, pelo Estado e suas instituições: todos os homens são iguais.
Somente se levarmos em conta o advento e a natureza do Estado moderno,
poderemos compreender a função implícita ou explícita da ideologia ou, para
usar os termos clássicos, a tentativa para fazer com que o ponto de vista
particular da classe que exerce a dominação apareça para todos os sujeitos
sociais e políticos como universal e não como interesse particular de uma classe
determinada (CHAUÍ, 1981, P. 20).
No entanto, a citada igualdade é uma quimera, é uma pseudo-igualdade, ela é
restritiva em todos os aspectos: sociais, econômicos, políticos e culturais. Não uma
igualdade material, pois “os homens não são individualmente iguais, é impossível querer
que sejam socialmente iguais”, assinala Cunha (1985, p. 31). A igualdade expressa pelo
liberalismo
47
como a igualdade perante a lei o direito de votar e ser votado, o direito à
vida, à liberdade, à propriedade.
Também a Constituição Brasileira de 1988 (BRASIL, 1988), promulga em seu
art. 3º, dentre os objetivos da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.
No entanto, o Estado não é neutro. Ele oculta o fato de que a sociedade, em
todas as suas esferas, é atravessada por conflitos e por antagonismos ancorados na luta de
classes. Tal realidade exprime
a existência de contradições constitutivas do próprio social, [...] que a figura do
Estado tem como função ocultar. Aparecendo como um poder uno, indiviso,
47
O liberalismo corporificou-se na França, durante o século XVIII como um sistema de idéias e convicções,
adotadas no contexto das lutas de classe entre burguesia e aristocracia. Seus princípios: individualismo,
liberdade, propriedade, igualdade e democracia (CUNHA, 1985).
72
localizado e visível, o Estado moderno pode ocultar a realidade do social, na
medida em que o poder estatal oferece a representação de uma sociedade, de
direito, homogênea, indivisa, idêntica a si mesma, ainda que, de fato, esteja
dividida (CHAUÍ, 1981, p. 20).
O Estado deve ser visto em sua dupla função, diz Nogueira (2004, p. 61), como
um aparato de dominação, [que] condensa as relações sociais e age em
conformidade com as classes que dominam a economia e que sustentam um
projeto de hegemonia. [...] Tratar o Estado como algo neutro, em cujo interior se
compartilham responsabilidades e se “resolvem” as diferenças é tão insuficiente
e problemático quanto tratá-lo como encarnação viva do mal, mero “comitê de
negócios” destinado a oprimir as massas.
Por outro lado, o Estado
continua a ser peça-chave na vida concreta (territorial) dos povos do mundo.
[...] o Estado precisa ser assimilado tanto como estrutura de dominação quanto
como parâmetro ético de convivência e lócus para o encontro de soluções
positivas para os problemas sociais (NOGUEIRA, 2004, p. 61).
Como aparato de dominação, ele se aproxima do mercado estabelecendo
relações que favorecem a lógica capitalista, como é o caso das “reformas” do Estado
brasileiro, das leis, dos decretos e medidas, que propiciam o avanço do modo de produção
capitalista, colocando o mercado como o principal gestor dos programas na área social, e,
nesse sentido, convém lembrar que essas reformas contemplam, na área educacional, a
expansão do ensino superior privado, que, ancorada na lógica empresarial tem submetido
processos de formação profissional e, neles, o estágio. instituições que oferecem vagas
para os estudantes, em especial, aquelas que oferecem estágio remunerado, muitas vezes,
com atividades alheias ou pouco aproveitáveis no seu processo de formação. Os estagiários
são subutilizados, sobretudo aqueles contratados por trinta e quarenta horas.
Nesse sentido, documentos oficiais que regulamentam a educação superior e o
estágio, evidenciam a relação universidade-sociedade, traduzida como mercado de
trabalho. Tal propósito aparece na Lei 5.540/68 (BRASIL, 1968) que atribui à extensão
a responsabilidade por essa relação. Diz a lei que:
as instituições de ensino superior: a) por meio de suas atividades de extensão,
proporcionarão aos corpos discentes oportunidades de participação em
programas de melhoria das condições de vida da comunidade e no processo
geral do desenvolvimento (Art. 40).
73
Essas medidas, somadas ao incentivo à ampliação da rede particular de
educação, comprovam a direção privatista que o Estado, em diferentes contextos e
dimensões, conferiu à educação superior brasileira. No art. 2º da Portaria nº 1002/67
(BRASIL, 1967) foi estabelecido que: “as empresas poderão (grifo nosso) admitir
Estagiários em suas dependências, segundo condições acordadas com as Faculdades ou
Escolas cnicas e fixadas em contratos-padrão de Bolsa de Complementação
Educacional”. Os interesses do mercado são assegurados pelo Estado, pois as empresas
poderão admitir o estagiário. Uma preocupação de as empresas participarem no processo
de formação do estagiário, segundo os projetos curriculares dos cursos, parece não ter
registro nos propósitos do modo de produção capitalista.
Sem considerar o processo histórico do estágio e para fortalecer os segmentos
dominantes que apoiaram o golpe, a ditadura institui oficialmente a categoria estagiário,
por meio da Portaria 1002/67. A partir de então, em diversas cursos, o estágio foi
deslocado para fora da universidade, ligando-se cada vez mais às empresas e ao mercado.
É uma confirmação do vínculo do estudante, para fins de estágio, ao próprio campo de
estágio, pois valendo-se do incentivo da Bolsa de Complementação Educacional, também
instituída pela portaria, as empresas que são campo de estágio conseguem atrelar o estágio
ao mercado, comprometendo o processo de formação e invalidando a possibilidade da
crítica ao trabalho profissional e/ou à lógica do mercado.
Várias outras vantagens foram conferidas às empresas contratantes de
estagiários, conforme o art. 3º da portaria.
Art. Os estagiários contratados através de Bolsas de Complementação
Educacional não terão, para quaisquer efeitos, vínculo empregatício com as
empresas, cabendo a estas apenas o pagamento da Bolsa, durante o período de
estágio (BRASIL, 1967).
A isenção do vínculo empregatício eximia as empresas do pagamento de
encargos sociais: férias, 13º salário, sistema de seguridade social, fundo de garantia por
tempo de serviço (FGTS), o que favorecia, concretamente, a redução de custos com
pessoal, possibilitando maior acúmulo de capital
48
. Outra vantagem para as empresas
48
Absolutamente, situação semelhante é adotada no mundo do trabalho para redução de gastos com pessoal:
contratos temporários, terceirização e outras formas que também contam com amparo jurídico-legal. São
74
refere-se à possibilidade de selecionar e preparar mão-de-obra, ajustando-a as necessidades
da empresa:
A grande procura por oportunidades de estágio coloca à disposição do mercado
de trabalho a atrativa mão-de-obra de um expressivo contingente de estudantes
que se caracteriza por: certo grau de escolaridade superior ao da média dos
brasileiros; relativa familiaridade com os problemas da área profissional;
ausência de certos “vícios” de um profissional, o que permite amoldar o
estudante segundo a “filosofia” da instituição; e a possibilidade de um
desempenho efetivo sob a auréola de proteção que a condição do “estagiário”
confere tanto ao próprio estudante quanto à “parte concedente da oportunidade
do estágio curricular” (SILVA, 1987, p. 126).
Nesse contexto e, com base em análises de Germano (1993), Basbaum (1977) e
outros, pode-se afirmar que os estagiários, participando no mundo empresarial, e
envolvidos em atividades profissionais e remunerados pela bolsa de complementação
educacional, ficavam neutralizados ante a nova condição. O sistema valia-se também de
elementos jurídicos-legais, no caso a Portaria 1.002/67 e em seguida a Lei 5.540/68
trazendo a força da extensão para os programas comunitários, agora com outra roupagem,
e conseguiam enfraquecer a luta estudantil e tornar aceito, por muitos, o desmonte
realizado com o golpe de 1964, em suas entidades. Aliás, foram desmantelados não o
movimento estudantil, mas toda organização popular, com medidas repressivas que
expressavam o autoritarismo do regime em relação aos segmentos populares que, como
foi dito, eram submetidos pela violência, pelas torturas, perseguições, cassações de direitos
civis, suspensão dos partidos políticos e a condenação de grandes expoentes intelectuais ao
exílio.
Ainda no período da ditadura militar, durante o governo Ernesto Geisel (1974-
1979), foi homologada a Lei nº. 6.494, de dezembro de 1977 (BRASIL, 1977), que passou
a “dispor sobre o estágio curricular dos estudantes no ensino superior e no
profissionalizante do 2º grau e supletivo”
49
. Em sua versão original, artigo 6º, a lei
estabelece o prazo de trinta dias para sua regulamentação o que só ocorreu após cinco anos,
em 1982, no governo de João Figueiredo (1979-1985), por meio do Decreto 87.497/82
(BRASIL, 1982).
processos que geralmente isolam o trabalhador, fora do local de trabalho. Essa realidade será aprofundada
mais à frente.
49
A Lei 6.494/77 foi alterada em 1994, no governo Itamar Franco (1992-1995), pela Lei nº. 8.859/94 que
ampliou sua abrangência para “escolas de educação especial”.
75
A Portaria 1.002/67 (BRASIL, 1967) estabeleceu as bases legais e ideológicas
para que a Lei nº. 6.494/77 (BRASIL, 1977) circulasse no espaço acadêmico e empresarial.
A referida lei mantém o caráter opcional da bolsa de estágio e cria a equivalência entre
estágio e extensão. Diz o documento: “Art. O estágio, independentemente do aspecto
profissionalizante, direto e específico, podeassumir a forma de atividades de extensão,
mediante a participação do estudante em empreendimentos ou projetos de interesse social”.
Também ela manteve as vantagens para o segmento empresarial ao instituir,
em seu art. 4º, o não-vínculo empregatício, o que significa isenção de pagamento das
obrigações sociais, do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), o pagamento ou
não da bolsa de estágio que é opcional, a possibilidade de qualquer jornada de estágio,
desde que compatível com o horário escolar do estagiário.
A referida Lei é regulamentada pelo Decreto nº 87.497/82 (BRASIL, 1982)
que, homologado na década de 1980, período em que o país desfrutava a perspectiva da
democratização, veio regulamentar a Lei 6.494/77 (BRASIL, 1977), resguardando em seu
Art. 2º, o caráter acadêmico atribuído ao estágio, ao considerar como
estágio curricular, [...] as atividades de aprendizagem social, profissional e
cultural, proporcionadas ao estudante pela participação em situações reais de
vida e trabalho de seu meio, sendo realizada na comunidade em geral ou junto a
pessoas jurídicas de direito público ou privado, sob responsabilidade e
coordenação da instituição de ensino. (grifos nossos).
Apesar de a lei ter sido alterada em 1994
50
, seu conteúdo continua a favorecer
as empresas, pois, segundo Silva (1987, p. 126), “a exploração dos estágios como
parcela do mercado de trabalho que pode ser manipulada de modo a fornecer mão-de-obra
de baixo custo e fácil substituição e reposição”. A própria interpretação dada à lei pelos
setores contratantes de estagiários mostra a situação indicada por Silva (1987), como é o
caso de jornadas de estágio de quarenta horas a serem cumpridas pelo estagiário que, em
conformidade com a lei, em seu art. 5
º
, deveria “compatibilizar-se com o seu horário
escolar e com o horário da parte em que venha a ocorrer o estágio”. Contudo, os campos de
estágio, sobretudo os de área empresarial, solicitam o estagiário para uma jornada de
50
Passados quase vinte anos (1977 a 1994) da Lei nº 6.494/77, que dispõe sobre o estágio, foi homologada a
Lei . 8.859/94 que “modifica dispositivos da Lei [...], estendendo aos alunos de ensino especial o direito à
participação em atividades de estágio” (BRASIL, 1994).
76
quarenta horas semanais, o que corresponde à jornada de trabalho estabelecida na CLT
para os trabalhadores. Aliás, é essa a condição desejada por muitas instituições campo de
estágio em que o estagiário até mesmo substitua o profissional. A tulo de exemplo, no
primeiro semestre de 2007, um campo de estágio na área empresarial pública ofereceu
vaga em estágio curricular obrigatório ao Curso de Serviço Social da UCG, com seleção
sob sua responsabilidade, jornada de estágio de quarenta horas/semanais, com bolsa
equivalente a dois salários mínimos. A alegação da profissional é que tiraria férias e
precisava da estagiária para responder pelas atividades do setor.
Trata-se de uma empresa de economia mista e de grande porte, que na década
de 1980/1990 contava com expressivo número de assistentes sociais e estagiários.
Atualmente, há apenas duas assistentes sociais, uma lotada no setor de recursos humanos e
outra no atendimento às políticas públicas desenvolvidas com os funcionários da empresa e
apenas uma estagiária que possa suprir as necessidades de mão-de-obra da empresa. Essa
realidade é comum nos campos de estágio que devem oferecer aos estagiários atividades
que, conforme a Lei 6494/77 (BRASIL, 1977), art. 1º, § , propiciem “a
complementação do ensino e da aprendizagem”; contudo, muitas instituições não
observam o disposto no referido artigo em sua íntegra
51
, o que supõe uma supervisão
permanente, que envolve os estágios serem planejados, executados, acompanhados e
avaliados em conformidade com os projetos curriculares dos cursos
Alguns itens da Portaria 1002/67 (BRASIL, 1967) foram igualmente
confirmados, inclusive os que se referem ao vínculo entre campo de estágio e estagiário em
que são mantidos os mesmos princípios ali definidos, ou seja:
O estágio não cria vínculo empregatício de qualquer natureza e o estagiário
poderá receber bolsa, ou outra forma de contra prestação que venha a ser
acordada, ressalvando o que dispuser a legislação previdenciária, devendo o
estudante, em qualquer hipótese, estar segurado contra acidentes pessoais (LEI
nº 8.859/94, Art. 4º) (grifo nosso).
Os documentos afetos ao estágio asseguram às empresas contratantes de
51
Diz a Lei 6494/77 em seu Art. 1º, §que “Os estágios devem propiciar a complementação do ensino e
da aprendizagem a serem planejados, executados, acompanhados e avaliados em conformidade com os
currículos, programas e calendários escolares, a fim de se constituírem em instrumentos de integração, em
termos de treinamento prático, de aperfeiçoamento técnico-cultural, científico e de relacionamento humano”
(BRASIL, 1977).
77
estagiários as mesmas vantagens: a) pagamento de bolsa de complementação educacional
para estagiário cujo valor dificilmente ultrapassa um salário mínimo; b) dispensa do
vínculo empregatício; c) isenção de encargos sociais férias, 13º salário, recolhimento de
FGTS; c) seleção e preparação de mão-de-obra; e outras.
Essa situação faculta às empresas beneficiadas pela lei colocarem-se como
legítimas representantes da sociedade na busca de “integração universidade-sociedade”,
instituindo relações que possibilitavam e possibilitam, por intermédio do estágio curricular,
acesso à mão-de-obra de estagiário e de professores que exercem a supervisão. Também
por meio do estágio, os profissionais das instituições campo de estágio têm oportunidade
de atualização, pois adquirem os conhecimentos produzidos/estudados nas universidades e
o acesso às informações, bibliografias, textos, CDs, etc. Estabelece-se assim um pacto
empresa, governo e universidade em que, um colabora com o outro e todos se beneficiam,
cada um a seu modo e segundo seus interesses.
A possibilidade de o estágio em programas e projetos de extensão, introduzido
em âmbito nacional pela reforma universitária de 1968 (BRASIL, 1968) é reforçada tanto
na Lei 6.494/77 (BRASIL, 1977), quanto no Decreto nº 87.497/82 (BRASIL, 1982) que
a regulamenta, criando uma pseudo-identidade entre extensão e estágio. Assim, ao propor a
realização do estágio em programas, projetos e atividades de extensão, a reforma
universitária de 1968 (BRASIL, 1968) atribuía uma outra dimensão ao estágio, ou seja, a
dimensão comunitária. Se, pela extensão, o governo militar buscava a concretização do
compromisso social, cultural e político que deve existir entre universidade e sociedade, ele
também criava condições para o retorno da participação de estudantes e professores nos
programas comunitários, suspensos com o golpe de 1964. A maioria desses programas era,
conforme afirma Germano (1993), controlado” por representantes da ditadura, com
objetivos voltados a interesses do próprio regime, não da população atendida. Assim,
à medida que os sucessivos governos militares tornaram impossível a
participação política e social organizada dos estudantes, [...] era preciso
encontrar um sucedâneo para canalizar as energias dos jovens e “possibilitar um
contato direto com os problemas do país”. Ocorria, aqui, uma espécie de
“transformismo”, em que o Estado procurava cooptar as lideranças estudantis e o
conjunto dos estudantes, uma vez que se tratava de programas diretamente
controlados por autoridades governamentais e mesmo pelas Forças Armadas
(GERMANO, 1993, p. 136).
78
Coube ao estágio/extensão promover o maior envolvimento” dos estudantes e
professores com a realidade. Cury et al (1997) ao referirem-se ao estágio em extensão
tratam da articulação universidade e sociedade, em que o estágio é o elemento
fundamental. Daí, a importância de os estagiários fazerem o “mergulho na realidade”,
dizem os autores, encharcando-se do meio, pois, só assim, poderão influenciar os campos
de estágio e serem por eles influenciados. Nessa analogia, os autores ressaltam o valor da
apreensão da realidade na relação teoria e prática, simbolizada pelo “mergulho” que o
estagiário precisa fazer “em relação à situação existente dentro de um determinado âmbito
da área de conhecimento da profissão” (CURY et al, 1997, p. 40).
Também Iamamoto (1999) chama a atenção para o que considera “um dos
maiores desafios” dos dias atuais: o profissional “desenvolver sua capacidade de decifrar a
realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar
direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano” (IAMAMOTO, 1999, p. 20).
Para a ditadura militar, o “mergulho na realidade”, de Cury et al. (1997), ou a
“capacidade de decifrar a realidade”, de Iamamoto (1999), eram idéias utilizadas no
sentido de escamotear a dureza do regime militar em relação aos segmentos populares.
Assim, os participantes do estágio: estudantes, professores, profissionais das instituições
campo de estágio e usuários dos programas eram envolvidos nas políticas sociais
estabelecidas e nos programas de extensão. Dessa forma eram criados instrumentos que,
além de regulamentarem o estágio e (re)estruturarem o ensino superior, buscavam o
fortalecimento e a adesão de estudantes, professores, profissionais e “populações carentes”,
às medidas estabelecidas.
Foi de grande importância para a ditadura militar a instalação dos denominados
“programas nacionais de integração”, implantados sob o manto da “articulação” estágio e
extensão, universidade e sociedade, seus propósitos eram de legitimação do regime. Dentre
esses programas destacam-se: o Projeto Rondon, os Campi Avançados, os Centros Sociais
Urbanos (CSUs), o Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária
(CRUTAC), a Operação Mauá, e outros, que buscavam
combater a “subversão”, reintroduzir o denominado desenvolvimento de
comunidades e levar adiante uma prática paternalista e caritativa de assistência
às populações ditas “carentes”. Enfim, as ações assumiam o significado de uma
79
doação do Estado e do lado “favorecido” da sociedade aos necessitados, [...]
sobretudo do interior do país. (GERMANO, 1993, p. 137)
A Lei nº 6.494/77 (BRASIL, 1977) faz avançar seus propósitos, ao estabelecer,
em seu art. 1º § 2º, o “estágio somente poderá verificar-se em unidades que tenham
condições de proporcionar experiência prática na linha de formação, do estagiário” e, no §
do mesmo Artigo, que os estágios “devem propiciar a complementação do ensino e da
aprendizagem”. Tais posições confirmam a visão fragmentada de educação que dicotomiza
teoria-prática, ao considerar o estágio desvinculado, independentemente do projeto de
formação, pois ele irá proporcionar experiência prática” e “propiciar a complementação
do ensino”. Observa-se, contudo, a dubiedade da lei que, ao propor no § do art. 1º, a
necessidade de o estágio realizar a complementação do ensino, estabelece também que os
estágios sejam “planejados, executados, acompanhados e avaliados em conformidade com
os currículos, programas e calendários escolares”.
Nesse sentido questiona-se: o estágio deve ser “planejado, executado,
acompanhado e avaliado em conformidade com os currículos, programas e calendários
escolares”, porque a lei afirma sua necessidade ou seriam esses seus propósitos
expressos nos projetos pedagógicos dos cursos?
Justamente a partir da segunda metade da cada de 1960, a conjuntura
indicava uma centralização de poder expressa na homologação da Portaria 1.002/67
(BRASIL, 1967) e na Lei 5.540/68 (BRASIL, 1968), respectivamente, cujas finalidades
referem-se, conforme Netto (2001, p. 16), a “golpear e imobilizar os protagonistas
sociopolíticos habilitados a resistir a esta reinserção”, no caso, os professores e estudantes
considerados oposição à ditadura, e “dinamizar em todos os quadrantes as tendências que
podiam ser catalisadas contra a revolução e o socialismo”. Eram, portanto, estratégias de
busca de hegemonia, utilizadas pelo regime para o fortalecimento e reorganização do
Estado em termos burgueses, com a adesão da sociedade e a eliminação de seus opositores.
A intenção de manter o projeto conservador de sociedade, com o discurso do
combate à inflação, à corrupção e ao comunismo, o dito “inimigo interno” do Estado
brasileiro e de toda a América Latina, esteve sempre presente (GERMANO, 1994). No
entanto, de fato, a ditadura militar buscava a compatibilização e o equilíbrio social, político
80
e econômico do país, em sintonia com segmentos externos, no caso os EUA, conforme
salientou o próprio presidente Castelo Branco (1964-1967): “Temos a convicção de que o
Brasil e a grande nação norte-americana cruzam seus interesses econômicos e comerciais
do plano de uma digna política e de uma amizade recíproca” (Apud, AGUIAR, 1984, p.
98). A fala do então presidente confirma a dependência do Brasil aos credores externos, e
consagra uma aliança aceita tanto pelos segmentos dominantes externos como internos da
sociedade brasileira e da nação norte-americana, união que favoreceu a instalação do
nacional-desenvolvimentismo no Brasil.
Naquele período, muitas instituições educacionais de caráter privado foram
criadas, regidas por empresários da educação e instituições existentes, contando com
recursos do governo militar, como uma das formas de cooptação, de escolas (professores,
estudantes e seus familiares) para a adesão ao regime militar, o que também contribuiu
para sua permanência por cerca de vinte anos.
Encerrado o período da ditadura militar e consolidada a Constituição Brasileira
de 1988 (BRASIL, 1988), o país retoma seu processo democrático golpeado em 1964. A
retomada da democracia veio nos termos do projeto neoliberal que se consolida na década
de 1990, no governo Fernando Henrique Cardoso com a “reforma” do Estado brasileiro e
uma outra proposta de reforma educacional que se estabelece pela Lei 9.394, a LDB/96
(BRASIL, 1996). Esses aspectos serão tratados a seguir, mostrando a posição do estágio
curricular, na educação e nas relações com o mercado de trabalho.
1.2.2. ESTÁGIO E EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA – A LEI DE DIRETRIZES E
BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL/1996
A década de 1990 marca a “reforma” do Estado brasileiro que, ancorada nos
princípios neoliberais, sustenta o avanço do projeto burguês de sociedade com a
reordenação do Estado brasileiro. Com a redução do Estado na área social e a expansão do
mercado, o país foi adequando-se às exigências ditadas pelo Banco Mundial (BIRD) e
Fundo Monetário Internacional (FMI), sujeitando-se ao mercado financeiro, que trazia
medidas facilitadoras às novas tecnologias e à redefinição tempo e espaço.
81
Para Dowbor (1998), os conhecimentos tecnológicos acumularam-se, nos
últimos anos, mais do que em toda a história da humanidade. Para o autor, as
mesmas tecnologias que redefinem os nossos tempos estão redefinindo os
nossos espaços. O planeta encolheu de maneira impressionante. A telemática
permite que hoje qualquer biblioteca de bairro possa acessar bancos de dados de
qualquer parte do mundo, a custos reduzidíssimos, criando um, espaço
científico integrado mundial. Os mercados financeiros internacionais transferem
diariamente mais de um trilhão de dólares sem nenhum controle dos bancos
centrais [...]. Enquanto isso, os instrumentos de regulação continuam sendo de
âmbito nacional, criando um gigantesco espaço de vale-tudo internacional.
(DOWBOR, 1998, p. 10)
Essa realidade, presente ainda nos dias atuais, tem gerado uma grande
defasagem entre o avanço tecnológico e a ausência de instrumentos de regulação da
economia nacional em âmbito mundial, o que agrava, substancialmente, a distância entre
ricos e pobres. Trata-se de um problema para o Estado brasileiro que se classifica como
tendo “a distribuição de renda mais absurda do mundo: 1% de famílias mais ricas no Brasil
aufere 17% da renda do país, como que 50% mais pobres, cerca de 80 milhões de pessoas
auferem cerca de 12%” (DOWBOR, 1998, p. 11).
No mundo capitalista, a distribuição de renda gera as desigualdades em
todos os níveis. O processo de desenvolvimento histórico do país mostra que o
moderno se constrói por meio do “arcaico”, recriando elementos de nossa
herança histórica colonial e patrimonialista, ao atualizar marcas persistentes e
ao mesmo tempo, transformá-las, no contexto de mundialização do capital
(IAMAMOTO, 2007, p. 128).
A processualidade histórica do modo de produção capitalista cria e recria as
desigualdades com o objetivo de assegurar sua lógica. Elas revelam, conforme Iamamoto
(2007, p. 128 - 129),
o descompasso entre temporalidades históricas distintas, mas coetaneamente
articuladas, atribuindo particularidades à formação social do País. Afetam a
economia, a política, e a cultura, redimensionando, simultaneamente, nossa
herança histórica e o presente. [...] A noção de desenvolvimento desigual é
utilizada em sua acepção clássica [...]: a desigualdade entre o desenvolvimento
econômico e o desenvolvimento social, entre expansão das forças produtivas e
as relações sociais de formação capitalista. Revela-se como reprodução
ampliada da riqueza e das desigualdades sociais, fazendo crescer a pobreza
relativa à concentração e centralização do capital.
A sociedade brasileira, na segunda metade da década de 1990, é a expressão do
82
avanço do projeto neoliberal que significa, o avanço das privatizações nos serviços sociais,
dentre eles, a educação superior, maior endividamento externo e interno, difusão e
inculcação de idéias que fortalecem o projeto conservador de sociedade e outras medidas
que acentuam as relações desiguais em toda a sociedade.
Para o Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação
(UNESCO), Mayor (1999, p. 7), no final do século XX, a educação superior
está num estado de crise em praticamente todos os países do mundo. [...] a
capacidade de suporte público está declinando. A diferença entre os países em
desenvolvimento e os países desenvolvidos, no que se refere ao ensino superior
e à pesquisa, que já era enorme, está ficando maior.
Com o amparo de medidas legais, como a reforma universitária de 1968
(Brasil, 1968), da LDB/1996
52
, e, mais recentemente pelo anteprojeto da universidade nova
(BRASIL, 2005) e outras medidas oficialmente adotadas, uma série de mudanças concorre
para a expansão indiscriminada da educação superior brasileira, pelos setores privados.
Analisando um período de 25 anos, a UNESCO aponta algumas tendências
para a expansão quantitativa da educação superior em vel mundial, dentre as quais
destaca as substanciais diferenças entre as regiões e países e, também, como tendência
geral, o
crescimento demográfico; avanços significativos na provisão da educação
primária e de segundo grau, o que significa que mais jovens estão habilitados
para ingressar no ensino superior; o crescimento econômico [...], e a consciência
de que esse desenvolvimento está bastante relacionado com o investimento no
ensino superior. Outra razão principal é o surgimento de países independentes e
democráticos, que vêem no ensino superior o instrumento-chave, não somente
para seu desenvolvimento econômico futuro, mas também para as mudanças
sociais, culturais e políticas necessárias para remover os vestígios e a herança
do colonialismo e outros sistemas não democráticos; para criar uma identidade
nacional, desenvolver recursos humanos locais e capacidades para receber e
aplicar conhecimento e tecnologia (UNESCO, 1999, p. 29 - 30).
No Brasil, esse crescimento quantitativo acelerou-se com a reforma
52
A regulamentação da LDB tem se dado por meio de um acervo de medidas legais, originárias do
Executivo, e, mais especificamente, do Ministério da Educação e do Desporto (MEC) e do seu órgão
assessor, o Conselho Nacional de Educação (CNE). Materializa-se em um conjunto de iniciativas e de
instrumentos jurídicos leis, medidas provisórias, decretos, emendas constitucionais, resoluções e portarias,
resoluções e pareceres –, que, silenciosamente, vem realizando uma verdadeira reforma na universidade
brasileira” (IAMAMOTO, 2000, p. 36).
83
universitária de 1968, no período da ditadura militar, culminando no governo Cardoso, sob
influência neoliberal, quando foi homologada, em 1996, a LDB/96 (BRASIL, 1996). O
ensino superior privado cresceu, em dez anos, 1986-1996,
34,8%, como o ensino público federal cresceu apenas 19,4%. O ensino estadual
foi o que apresentou maior índice de crescimento - 58,1% -, expressando
tendência à descentralização nesse âmbito, visto que o municipal apresentou um
crescimento de apenas 5,3%. Mas a proporção entre o total das matrículas no
ensino superior público e privado, no período de dez anos (1986-1996),
permanece praticamente inalterado: em 1986 as matrículas nas universidades
públicas representavam 40,7% e nas privadas 59,3%. em 1996, essa
proporção alterou-se para 39,36% nas IES públicas e 60,64% nas IES privadas
(IAMAMOTO, 2000, P. 41)
A expansão de instituições privadas na educação superior brasileira tem gerado
grande concorrência no mercado educacional na disputa pelos estudantes. Os dados
estatísticos mostram o decréscimo nas matrículas em instituições públicas e a expansão do
ensino privado. Mas os dados estatísticos não expressam, segundo Iamamoto (2000), a
lógica mercantil e empresarial adotada no governo Cardoso, de estímulo às privatizações e
ao novo modelo de universidade operacional ou de resultados e serviços, em grande parte
legitimados pela LDB/96. Isto é, o crescimento quantitativo da educação superior brasileira
não significa que o acesso à educação superior esteja intervindo no quadro das
desigualdades sócio-econômicas de parte da população brasileira. Em termos do alunado,
percebe-se na rede privada, a redução quantitativa de estudantes em determinados cursos,
como também sua migração de um curso para outro e de uma faculdade para outra
53
,
sempre na busca da melhor oferta, isto é, do curso e/ou instituição de ensino privado que
garanta maior facilidade em termos de custo e maior rapidez de inserção no mercado.
Assim,
a expansão dos alunos matriculados tem se concentrado mais nos programas de
estudo envolvendo gastos menores com pessoal, equipamento e funcionamento
em geral do que em ramos que demandam maiores gastos, tais como ciências
naturais e tecnologia (UNESCO, 1999, p. 32).
Nesse sentido, por meio da LDB/96 (BRASIL, 1996) novas idéias indicam às
universidades brasileiras, assumirem outra identidade, concepção e atribuição de educação
53
A concorrência está presente em um mesmo curso e em cursos afins. Atualmente, por força das reformas
educacionais, várias mudanças na educação têm contribuído para essa realidade, dentre elas, os cursos a
distância, que já foram oferecidos também no Serviço Social com preço cerca de cinco a seis vezes mais
baixos que o do curso da UCG, até então único em Goiás.
84
superior, pela adequação educacional aos novos propósitos estabelecidos. Ancorada na
ideologia neoliberal, a LDB/96 concorreu para o fortalecimento do projeto de governo ao
apresentar a necessidade da vinculação entre educação e trabalho, relação que se assenta no
modo de produção e reprodução capitalista, caracterizado por relações de dominação e
centralização de poder, agora em dimensão mundial. Assim, a educação e, logicamente o
estágio curricular, encontram respaldo legal para legitimar sua função articuladora por
excelência da relação cursos e campos de estágio, formação profissional e mundo do
trabalho, para servir ao mercado e seus interesses.
Com relação à política de ensino superior, Netto (2000a, p. 27) afirma que ela
envolve cinco traços:
o primeiro traço é o [...] favorecimento à expansão do privatismo [...] a
transformação do ensino superior em área de investimento capital [...],
o segundo traço é a liquidação, na academia, da relação ensino/pesquisa e
extensão. [...],
[...] terceiro traço dessa política a supressão do caráter universalista da
universidade,
o quarto traço está vinculado ao nexo organizador da vida universitária – a
subordinação dos objetivos universitários às demandas do mercado, o mercado
passa a ser uma das referências da vida acadêmica. [...],
quanto ao quinto traço, trata-se, [...] da redução do grau de autonomia
universitária [...].
O caráter privatista atribuído à educação, como já foi visto, vem assumindo um
crescendo da década de 1990, em decorrência os demais traços indicados por Netto
(2000a), que se entrecruzam dando formatação à educação brasileira a partir da década de
1990. A não relação ensino/pesquisa/extensão e a supressão do caráter universalista
historicamente atribuído à universidade, bem como a perda de sua autonomia, concorrem
para a subordinação dos objetivos universitários à lógica do mercado.
São elementos que contribuem para o aumento da concorrência no mercado
educacional e a mercantilização da educação superior, pois a educação passa à condição de
mercadoria e, como tal, é posta à venda. Nesse processo são eliminadas até mesmo as
condições básicas de acesso aos cursos, pois são desrespeitados critérios e normas
elementares estabelecidos para seleção, como a conclusão do estudo de e graus. Em
Goiânia, no vestibular do primeiro semestre de 2008, uma instituição privada aceitou que
85
uma criança de oito (08) anos efetivasse inscrição ao vestibular para o Curso de Direito,
via internet, conseguindo aprovação e, o que é pior, foi matriculada no referido curso,
segundo informações do jornal O Popular (GOIÂNIA, 08/03/2008).
Para o Ministro da Educação, Fernando Haddad, a situação é preocupante. Ela
desrespeita princípios e normas federais afetas à educação superior e ignora os critérios
estabelecidos. A Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de Goiás (OAB-GO) pede
rigor na fiscalização do ensino e “cobra das autoridades do setor que fiscalizem se existem
na [referida universidade] outros casos de ingresso sem a conclusão do ensino médio”
(GOIÂNIA, 06/03/2008).
A intervenção do
Ministério Público [Federal] em Goiás (MPF/GO) deu prazo de 20 dias para que
o Ministério da Educação fiscalize a regularidade do processo seletivo do
campus de Goiânia da [referida universidade]. O MPF investiga os indícios de
mercantilização do ensino e ausência de critérios no processo seletivo da
instituição. [...] O curso de Direito da [...] [referida instituição] está sendo
investigado pelo MPF. Um dos problemas é a superlotação das salas. Apesar da
grande quantidade de alunos, a [referida universidade] se dispõe a dividir as
turmas se o quantitativo ultrapassar cem estudantes por sala (GOIÂNIA,
08/03/2008, p. 5).
Como mostram as reportagens, o vestibular é livre em determinadas
instituições como também a matrícula que independem de documentos definidos como
necessários, o que precariza a educação superior.
Contudo, há opiniões favoráveis como a do
presidente da Associação das Mantenedoras de Ensino Superior de Goiás, [...],
diz que o o vestibular não está falido. Segundo ele, com o aumento do número
de faculdades nos últimos anos, a concorrência diminuiu. “Não faz sentido
faculdade particular recorrer a um processo seletivo do mesmo nível das
instituições mais concorridas”. Nas palavras dele, cada instituição precisa se
adaptar ao mercado que lhe cabe (LISITA, 07.03.2008).
O reitor da referida instituição se justifica: “o garoto fez a prova como
‘treineiro’”, diz ele (GOIÂNIA, 07/03/2008, p. 3). Este é um exemplo da educação vendida
como qualquer outra mercadoria. Comercializada como um produto à disposição de quem
possa por ele pagar. Assim, são assegurados os objetivos dos empresários da educação que
utilizam meios e estratégias próprias na legitimimação de uma educação mercantilizada
86
cuja lógica está no avanço da racionalidade do mercado.
Mas, essa realidade não é exclusiva a um determinado curso. Ela está presente
em quase todos os cursos superiores
54
, em vista a grande oferta de vagas ao exame
vestibular pelas instituições privadas, e a diversidade de novas propostas em educação
superior: cursos à distância, seqüenciais, profissionalizantes e outros. Com isso, as
empresas de educação superior assumem também a responsabilidade social estabelecida
pela “reforma” do Estado brasileiro e pela LDB/96, com o objetivo de chamar a si as
atividades afetas à área social, no caso específico, a educação (BRASIL, 1996).
Por outro lado, nas áreas: social, econômica, política e cultural, as idéias e a
programática neoliberal ganham força, prevalecendo na sociedade e assegurando como
hegemônico o projeto da burguesia.
Segundo Marx e Engels (1993), as idéias da classe dominante são, em cada
época, socialmente aceitas como idéias dominantes. Para melhor veicular suas idéias, ela
conta com o apoio de instituições diversas e até do Estado, assim,
a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua
força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de
produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual
[...]. As idéias dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações
materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como idéias;
portanto, a expressão das relações que tornam uma classe a classe dominante;
portanto, as idéias de sua dominação (p. 72).
Fundamentadas em diferentes projetos de sociedade as universidades assumem
posicionamentos que, tensionados por interesses e propósitos distintos, podem conduzir a
formação profissional na defesa dos direitos sociais ou do projeto burguês de sociedade,
que busca a privatização da educação superior e sua mercantilização. Nesse caso, sem
expressar com clareza a posição assumida, veicula um discurso democrático, pluralista, de
defesa da cidadania, executor de projetos pedagógicos comprometidos com uma posição
54
Observa-se essa realidade também na s-graduação, em que os assistentes sociais manifestam interesse
numa área de conhecimento e buscam outra que facilitará sua inserção no mercado, ascensão profissional, ou
tenha um custo menor. A situação da UCG exemplifica essa realidade, haja vista que ela ofereceu nesse ano,
2007, o Mestrado em Serviço Social. Muitos profissionais, sobretudo recém formados expressaram interesse
pelo curso, mas, nem da seleção participaram, pois segundo eles o valor das mensalidades é muito alto.
Assim, buscaram a pós-graduação lato e strictu sensu, em áreas afins tanto na UFG, como na Universidade
de Brasília (UnB) e até em outras universidades privadas que oferecem menor custo.
87
crítica de educação e de sociedade, mas que mantêm, na prática, a reprodução do stato quo
e das relações dominantes da sociedade. É uma posição que obscurece e mascara as
relações que sustentam e reproduzem o modo de produção capitalista, que tende a negar a
luta de classes e as desigualdades dela decorrentes.
Essa posição político-pedagógica, ao defender a privatização da educação
superior pública, coloca-se em confronto com outro projeto de sociedade e de educação, de
caráter democrático, expressão do compromisso com a socialização e a construção de uma
sociedade ética, histórica e política na defesa da justiça e dos direitos sociais, um projeto
de caráter universalista e democrático, que informa a concepção de seguridade
na Constituição Federativa de 1988, que nos norteia e do qual somos parte.
Aposta no avanço da democracia, fundada nos princípios da participação e do
controle popular, da universalização dos direitos, garantindo a gratuidade no
acesso aos serviços, a integralidade das ações voltadas à defesa da cidadania de
todos, na perspectiva da equidade. Pensar a defesa dos direitos, requer refundar
a política, impõe reafirmar a primazia do Estado [...] na condução das políticas
públicas (IAMAMOTO, 2002, p. 32)
Com tal perspectiva, a educação superior brasileira busca sua sustentação na
realidade, ou seja, na cultura local, regional e nacional, na permanente articulação política
com a sociedade, com o objetivo de assegurar o fortalecimento dos direitos sociais, das
dimensões do ensino, inclusive do estágio curricular, promovendo intervenções com base
na leitura da realidade sem se subordinar/submeter à lógica do mercado e à política
neoliberal que a sustenta. Essa proposta prioriza e defende não os interesses do mercado ou
do terceiro setor, mas a preparação de profissionais capazes de encontrar saídas e de dar
direção ao seu pensar e fazer, no enfrentamento da questão social, no fortalecimento e
democratização da educação pública. Trata-se de reconhecer que, no bojo dos desafios
existem perspectivas sócio-econômico-político-culturais que podem e devem ser
(re)construídas, coletivamente, por meio de pesquisas e de projetos de intervenção no
campo democrático, dos conselhos de direito, dos sindicatos e partidos políticos, de
produções que, disponibilizadas, poderão provocar o repensar da sociedade que não está
pronta e não é determinada; ao contrário, é dinâmica e está em permanente processo de
construção/reconstrução.
Esse projeto é polêmico, desafiante e, nos dias atuais até utópico, o no
sentido de quimeras ou fantasias, mas em uma situação ideal, realizável e possível, calcada
88
na realidade. Portanto, ele pode e deve ser buscado para subsidiar conceitos, currículos,
projetos de universidade e o próprio mundo do trabalho. Trata-se de um desafio posto para
todas as instâncias e áreas da formação profissional, com o objetivo de assegurar uma
formação que pode
capacitar os futuros [...] [profissionais], mediante elementos teóricos e técnicos,
para a leitura crítica dos orçamentos sociais, de modo a viabilizar estratégias
voltadas à negociação de recursos para programas e projetos sociais que
fortaleçam o projeto ético-político ora em construção (IAMAMOTO, 2002, p.
34).
Destaca Silva (1987) que medidas ultrapassam a relação universidade e
mercado, pois pressupõem uma reciprocidade indispensável entre universidade-sociedade,
o que envolve o estágio curricular. “É preciso pensar o estágio, [como] fator relevante no
processo de formação profissional, como um termômetro que permite medir, registrar ou
[...] aferir a relação entre a universidade e a sociedade” (SILVA, 1987, p. 131).
Essa posição não é homogênea no âmbito universitário, porém suscita o debate,
haja vista a preocupação de Maranhão (1997, p. 63) de que “não basta [ao estagiário]
pensar apenas na formação acadêmica, mas na sua inserção no contexto social e
mercadológico”. Conforme a perspectiva da globalização, ele informa que o estágio
curricular pode ser desenvolvido para além das fronteiras do país, com inserção do
estagiário no contexto internacional. É uma expansão que pode fortalecer a subjugação do
ensino ao mercado internacional e aumentar sua influência no mundo do trabalho, o que
reforça também, a visão de estágio curricular como preparação de recursos humanos para o
mercado, pensamento que reforça a lógica mercadológica.
O Caderno UniverCitando de O Popular traz estampada a seguinte manchete
“Do estágio ao emprego” e um artigo intitulado “Agarre esta oportunidade” (GOIÂNIA,
26 de maio de 2007).
Segundo a reportagem,
não basta fazer estágio para se valer dos benefícios que ele traz. Mais do que
cumprir o tempo de aprendizado, é preciso saber tirar o máximo proveito da
oportunidade, agindo com interesse e ética desde o começo. Dependendo de
como o estagiário se comporta, ele pode encerrar os meses de aprendizado e
experiência com uma vaga de emprego garantida (ANGELES, 2007, p. 4)
89
A repórter, em momento algum, destaca o valor ou a importância de um curso
bem feito e/ou do conhecimento adquirido pelo estudante. Veicula a idéia de estágio
dissociada da formação e dos conteúdos necessários à profissão, como se o estágio
existisse por si só. A autora reforça a relação estágio curricular e empresa, em que o valor
maior está no comportamento do estagiário e em sua capacidade de “tirar o máximo
proveito da oportunidade” gerada pelo estágio.
em 1998, o Centro de Integração Empresa - Escola, o CIEE
55
, fez circular, o
folder intitulado Estágio – investimento produtivo, em que afirma:
O estágio é a primeira ponte que permite superar a barreira entre o mercado de
trabalho e a escola [...] O estágio não constitui apenas um estímulo ao
investimento que o estudante faz em seu futuro. Treinar diretamente novos
talentos é também um investimento produtivo para a empresa moderna [...]
porque facilita e torna mais eficiente o processo de recrutamento e seleção
(CIEE, 1998, p. 14).
Percebe-se que o CIEE, (re)atualiza tais idéias ao publicar no jornal local, as
habilidades consideradas necessárias ao estágio, segundo opinião dos próprios estagiários:
trabalho em equipe; ética; comunicação verbal; iniciativa; flexibilidade; relacionamento
interpessoal; foco nos resultados; planejamento e organização; criatividade; liderança e
outras, conforme o quadro nº 1.
Os dados mostram os índices de prioridade em que essas habilidades se
apresentam aos próprios estagiários. Elas dissociam teoria e prática, ou seja, os conteúdos
do estágio dos adquiridos na formação, que sequer são citados.
55
O Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) surgiu em
outubro de 1964, anterior portanto à Portaria nº
1002/67 (BRASIL, 1967), primeiro instrumento específico de normatização do estágio. Segundo a Cartilha
do Estudante CIEE Estagiário (200-, p. 4), ele surgiu no Rio de Janeiro, na sede da Associação Comercial e
Industrial de São Cristóvão, como uma possibilidade de os filhos de dois rotarianos obterem experiência
profissional durante as férias escolares. O CIEE caracteriza-se como uma “instituição que promove a
aproximação entre os sistemas de ensino e os setores de produção, com a finalidade de identificar e captar
oportunidades de estágio para estudantes”. É uma ”instituição filantrópica e de assistência social, não
governamental, sem fins lucrativos e mantida pelo empresariado nacional, que promove a integração dos
jovens estudantes ao mercado de trabalho, aperfeiçoando a sua qualificação profissional por meio de
programas de estágios e treinamento nas empresas conveniadas” (CIEE, 200-, p. 31). Seu maior objetivo “é
encontrar, para os estudantes de nível médio, técnico e superior uma oportunidade de estágio que os auxiliem
a colocar em prática tudo o que aprenderam na teoria” (Disponível em<http//: www.ciee.org.br, acesso em 1º
de setembro de 2006).
90
Quadro nº 1 - Habilidades necessárias aos estagiários, segundo opinião
dos próprios estagiários. Goiânia – 2007
Habilidades Percentual
01. Trabalho em equipe 15,0%
02. Iniciativa 15,0%
03. Comunicação verbal 14,7%
04. Ética 12,2%
05. Relacionamento interpessoal 11,2%
06. Planejamento e organização 9,5%
07. Criatividade 6,9%
08. Flexibilidade 5,5%
09. Foco nos resultados 5,4%
10. Liderança 3,7%
11. Outras 0,9%
Fonte: CIEE (Apud. ANGELES, 2007).
Esse posicionamento é também o ponto de vista expresso no depoimento do
presidente executivo do CIEE, que traçou o perfil de estagiário e de profissional
demandados pelas empresas. Ele confirma que a empresa demanda um tipo de estagiário e
de profissional que coincide, em alguns aspectos, com o perfil traçado pelos estagiários.
Diz ele:
O CIEE busca atender a uma nova demanda que vem detectando tempos no
mercado de trabalho: a procura por profissionais com formação abrangente e
não mais focada apenas na habillitação acadêmica para execução de
determinadas atividades. [...] Hoje, as empresas valorizam o profissional que,
além de dominar técnicas específicas de sua área de atuação, também tenha uma
visão holística do mundo, o que pressupõe o desenvolvimento da sensibilidade
para a arte e o interesse pela permanente atualização de conhecimentos e
informações sobre os mais diversos campos (BERTELLI, In.: CIEE 2006).
Em sua reportagem, Angeles (2007) apresenta, além dos dados da pesquisa
quadro 1, depoimentos de alguns estagiários que conseguiram o emprego por meio do
estágio. Os depoimentos mostram que os estudantes assimilaram as habilidades exigidas
para inserção no mercado bem como o papel atribuído por algumas empresas ao estágio
pré-condição para o emprego.
91
Três estagiários considerados “bem-sucedidos” foram citados
56
como modelo
na reportagem. Diz um deles: “Agir com compromisso não apenas rendeu reconhecimento
como abriu portas” (estagiário 1). “Ele [o estagiário 1] que ainda não terminou a faculdade,
hoje coordena o trabalho dos estagiários e se declara feliz”, reforça a repórter Angeles
(2007, p. 4).
Referindo-se à estagiária 2, Angeles (p. 4) afirma que ela
também está contente com o rumo que o aprendizado prático traçou em sua vida
profissional. [...] fez estágio de um mês [...] quando cursava o período, em
2003. O segundo contrato como estagiária veio em 2004 e a contratação como
funcionária [...] em 2005 (ANGELES, 2007, p. 4).
Diz a estagiária 2: “Para atuar no campo profissional é preciso ter experiência e
o estágio é o melhor caminho [...] mesmo que o estudante não receba bolsa para isso”. o
estagiário 3 atribui ao estágio a base para manter-se na profissão: “Pude verificar o que a
profissão oferecia e ter certeza de que era realmente o que queria seguir”. Segundo
Angeles (2007, p. 5) para os estagiários 1, 2 e 3, “um dos fatores que [...] contribuiu para
que ficassem com a vaga foi sair do feijão com arroz, ou seja, fazer mais do que a função
pedia”. Os depoimentos permitem inferir que “sair do feijão com arroz” pode ser
considerado “fazer mais do que a função pedia” e, na era do voluntariado, o
desenvolvimento do estágio curricular até mesmo sem o recebimento da bolsa de estágio.
Essas diversas concepções de estágio estão em consonância com os propósitos
da universidade operacional, componente da lógica do mercado que visa a administração
das instituições de educação nos mesmos moldes da administração de empresas. Assim,
um bom gestor empresarial pode dirigir uma instituição de educação superior. Nessa
perspectiva, o estágio curricular é o elemento que possibilita a seleção e treinamento de
recursos humanos para o mercado. A função atribuída ao estágio, já introjetada em
professores, estudantes e profissionais de algumas instituições campo de estágio, é aceita
tanto pelos cursos e universidades quanto por instituições diversas da sociedade, ou seja, é-
lhe imputado um caráter não-acadêmico, papel secundário na formação profissional, pois o
estagiário irá compor equipes profissionais e participar na política de recursos humanos,
em nome da lógica, da flexibilização e da modernização das relações entre as
56
A identificação dos três estagiários citados no artigo em depoimentos pessoais será aqui designada por
estagiário 1, estagiária 2 e estagiário 3.
92
universidades e as empresas, conforme afirma o presidente executivo do CIEE
(BERTELLI, apud ANGELES, 2007).
A Cartilha do estudante estagiário (CIEE, 200_) mostra que a concepção
instrumental de estágio se acentua e se hipostasia. Segundo a referida Cartilha (200_),
o estágio é para as empresas um eficiente recurso de formação e aprimoramento
científico e tecnológico de futuros profissionais, se o um dos melhores meios
para recrutar jovens talentos. A atividade permite que a organização antecipe a
preparação e a formação de um quadro qualificado de recursos humanos,
preparando a empresa para os desafios do futuro. Além disso, com a concessão
de oportunidades de estágio, a organização cria e mantém um espírito de
renovação e oxigenação dos seus recursos humanos (RH) (CIEE, 200_, p. 11).
A posição do CIEE em 1998, 200_ e 2007 mantém-se, apesar das reformas
educacionais desses períodos: a LDB/96 (BRASIL, 1996) no governo de Fernando
Henrique Cardoso e a Universidade Nova do governo Lula da Silva (2005). Para os
agentes de integração universidade e sociedade, os interesses empresariais falam mais alto
que as propostas e processos de formação. As mudanças no mundo do trabalho provocam a
demanda de um novo perfil de estagiário que será buscado em quaisquer instituições de
educação, independentemente do alinhamento dessas instituições a essas mudanças. Assim,
os agentes de integração disponibilizam para os campos de estágio, na pessoa do
estagiário, uma mão-de-obra de qualidade, de baixo custo que, no processo de estágio
curricular pode até ser selecionada para posterior contratação, como foi explicitado pela
profissional que supervisiona o estágio na instituição patronal: “Por ter sido estagiária fui
convidada. A outra assistente social [...] também foi estagiária da instituição” (C. S., 2007).
Também a fala do atual presidente executivo do CIEE ao jornal local, O
Popular do dia 26 de maio de 2007, confirma ser o estágio
a mais eficiente porta de entrada dos estudantes para o mundo do trabalho. [...]
Um dos principais objetivos que levam as organizações a investir em estagiários
é descobrir e recrutar talentos aptos a ocupar, no futuro, cargos de gestão
(BERTELLI, apud ANGELES, 2007, p. 4 - 5).
No IV Encontro Nacional de Estágio realizado em Goiânia, de 24 a 26 de
setembro de 2001, circulou material ilustrativo motivando as empresas à contratação de
estagiários. O referido encontro, promovido e coordenado pelo Instituto Euvaldo Lodi
93
(IEL)
57
, teve como tema Estágio: o instrumento de sucesso para o futuro profissional, o que
confirma o compromisso político-ideológico dos agentes de integração. Percebe-se que os
dois maiores agentes de integração em Goiânia, IEL e CIEE, têm os mesmos propósitos
para o estágio, ou seja, alinhá-lo aos interesses do mercado, pois ele é um instrumento,
conforme o tema do evento, que irá assegurar o sucesso, segundo as prioridades do
mercado.
Veiculada em divulgação eletrônica, agência do Rio de Janeiro, especializada
em recursos humanos, trata o estágio curricular como uma atividade qualquer, em sua área
de atuação. Desconsidera o estágio como elemento curricular, como parte de um processo
de formação para incluí-lo em suas atividades. “Utilizamos ferramentas modernas que
adaptamos a cada realidade, criando assim soluções orientadas aos nossos clientes”, diz o
material. (http://www.claveconsultoria.com.br, acesso em 18 de março de 2004).
Assim, a agência destaca dentre suas atribuições, a:
a) construção de modelo de competências;
b) treinamento em técnicas de entrevista por competências;
c) programas corporativos de estagiários e trainees;
d) terceirização de recrutamento e seleção.
Os clientes dessa agência são empresas de grande porte
58
, que, por meio dela
fazem também a divulgação de seus produtos. As universidades são ignoradas, pois cliente
é quem compra o produto, no caso as empresas que, por meio da bolsa-estágio, o trabalho
do estudante. No entanto, as agências se autodenominam instituições intermediárias entre
57
“O Instituto Euvaldo Lodi (IEL) faz parte do Sistema Confederação Nacional da Indústria (CNI). Foi
criado em 1969 com o objetivo de promover a interação entre a Indústria e a Universidade. Atualmente, tem
foco no desenvolvimento empresarial por meio da capacitação empresarial e aperfeiçoamento da gestão, além
da oferta de programas de estágios e bolsas. Atua também em cooperação com centros tecnológicos e de
pesquisa, no Brasil e no exterior, para o desenvolvimento de projetos para atendimento das demandas
empresariais. Para o desenvolvimento das suas ões, o IEL conta com Núcleos Regionais vinculados às
Federações de Indústrias nos estados e Distrito Federal. O diálogo permanente com o setor empresarial torna
o IEL uma das mais importantes entidades brasileiras no suporte ao desenvolvimento da indústria,
contribuindo para a superação de gargalos e identificação de oportunidades para as empresas”
(www.iel.org.br, acesso em 26 de nov. de 2006).
58
O site da agência destaca empresas denominadas clientes, apresentando seus ícones para divulgação de
seus produtos e obras na área social. São indicados dentre seus clientes: Coco-Cola, NET, PetroFlex,
Ipiranga, Globo, MetrôRio, Gerdau, Sotrex e outras.
94
universidade e empresa, condição que permite considerar o campo de estágio como espaço
de aprendizagem do exercício profissional.
Vale lembrar, conforme dito, que, a Portaria 1002/67 (BRASIL, 1967),
homologada pelo então Ministro Jarbas Passarinho, instituiu, no Art. 1º, do documento: “a
categoria de Estagiário a ser integrada por alunos oriundos das Faculdades ou Escolas
Técnicas de nível colegial”.
De forma acentuada, houve, no período da ditadura militar, situação que
persiste nos dias atuais,
preocupação em relacionar educação e mercado de trabalho. Nessa perspectiva,
o sistema educacional [...] deveria preparar a força de trabalho para o sistema
produtivo. O planejamento educacional deveria ser compatível com as
necessidades do mercado (GERMANO, 1993, p. 138).
A série de vantagens dadas às empresas pela portaria, submeteu o sistema
educacional ao sistema produtivo, conforme observou Germano (1993). Por outro lado
acentuou o fortalecimento da divisão entre pensamento e ação e a dicotomia teoria-prática,
tornando as instituições de ensino verdadeiras fábricas ou oficinas de preparação de
pessoal para a área empresarial. Nesse sentido o mercado conta com a anuência dos
agentes de integração que atuam na “mediação” universidade e mercado, defendendo os
interesses do mercado.
Na década de 1960 foram criadas as agências de integração universidade e
mercado. O CIEE data de 1964, o IEL de 1969, dois anos após a homologação da Portaria
1002/67 e, posteriormente, outras instituições congêneres foram surgindo e também
assumindo a responsabilidade pela “intermediação” nas relações universidade e
sociedade
59
.
59
Segundo informa a Coordenação de Estágios da Universidade Católica de Goiás UCG (2006), o IEL e o
CIEE cobram das empresas 10% do valor de cada bolsa de estágio por eles intermediada. Em razão da
rentabilidade financeira desse setor, Goiânia conta com várias agências de intermediação: IEL, CIEE, Central
de Estágios Geire Agente de Integração Ltda, Empreza Consultores Associados S/C Ltda, Húnica
Administração Estratégica de Recursos Humanos Ltda, NUBE Núcleo Brasileiro de Estágios Ltda, STAG
Central de Estágios Ltda, Talentos Consultoria e outras. Veiculada pelo correio eletrônico, agência do Rio de
95
O modelo educacional advindo no período da ditadura militar de 1964,
orientado pela Lei nº 5.540/68 (BRASIL, 1968), já abria espaço para a integração
universidade e sociedade, conforme tratado neste trabalho, o que justifica o
surgimento, na época, do CIEE e do IEL, que deveriam promover a integração,
priorizando a lógica do mercado.
Tanto o Portal do IEL como o do CIEE explicitam, em seus históricos, que
sua criação ocorreu com
o objetivo de promover a interação entre a Indústria e a Universidade. Hoje a entidade
ainda mantém o foco nesta interação com os centros de conhecimento, por meio de
programas de estágio e bolsas, mas ampliou significativamente suas linhas de atuação
voltadas ao desenvolvimento empresarial promovendo a articulação institucional, a
promoção de uma cultura empreendedora e a capacitação empresarial, como condições
fundamentais para a competitividade das indústrias brasileiras. (IEL/CIEE).
O mesmo informativo expressa de forma clara sua posição em defesa do
mercado:
O IEL tem como objetivo promover o desenvolvimento da indústria brasileira,
por meio da capacitação empresarial, aperfeiçoamento da gestão e suporte à
inovação. Com isso, desempenha um papel estratégico no aumento da
competitividade da Indústria Brasileira. (IEL, 2006).
Mantendo um discurso de defesa dos interesses dos estudantes, o CIEE
explicita como seu “maior objetivo [...] encontrar, para os estudantes de nível médio,
técnico e superior uma oportunidade de estágio que os auxiliem a colocar em prática tudo o
que aprenderam na teoria”. O mesmo site informou que ele
é uma associação filantrópica de direito privado, sem fins lucrativos,
beneficente de assistência social e reconhecida de utilidade pública que, dentre
vários programas, possibilita aos jovens estudantes brasileiros, uma formação
integral, ingressando-os ao mercado de trabalho, através de Treinamentos e
Programas de Estágio” (CIEE, 2006).
Atualmente, em suas tarefas, o CIEE (200_, p. 11) apresenta-se como parceiro
Janeiro que atua nesse ramo desde 1993 apresenta-se como “uma empresa reconhecida [...] na prestação de
serviços em Recursos Humanos. [...] Possuímos forte atuação nas áreas [...] de Trainees e Estagiários, [...].
Utilizamos ferramentas modernas que adaptamos a cada realidade, criando assim soluções orientadas aos
nossos clientes” (www.claveconsultoria.com.br).
96
das instituições de educação, atuando “como facilitador e agilizador na busca de estratégias
que identifiquem, viabilizem concretizem oportunidades no mundo empresarial e que
permitam aos futuros profissionais o desenvolvimento do seu potencial competitivo”.
Assim, com um discurso da defesa de interesses comuns, esses agentes
buscam
cumprir não somente sua missão de fortalecer a ampliar a sustentabilidade do
setor produtivo [...] oferecendo a oportunidade de estágio cooperativo, mas,
também, agregar valores e benefícios a todos os envolvidos nesta atividade:
instituição de ensino, indústria, alunos e agente de integração (SOARES, M. L.,
2001, p. 8).
Tal afirmativa encontra ressonância entre agentes de integração e mercado. No
IV Encontro Nacional de Estágios, a representante do IEL/SC apresentou o rol de
vantagens às empresas e estudantes confirmando as diferenças no compromisso dos
agentes de integração com esses dois segmentos.
Vantagens para as empresas:
1. Os períodos de estágio nas indústrias [...] são em tempo integral. O aluno
não se preocupa com aulas, trabalhos e provas. Dedica-se totalmente às
atividades dentro da indústria.
2. O modelo do curso faz com que a indústria adote o conceito de vaga
permanente de estágio. Quando um aluno encerra seu período de estágio,
outro o substitui [...]. Portanto, no convênio entre a universidade e a
empresa, é mencionada a quantidade de vagas permanentes oferecidas pelas
indústrias.
3. Oferecem à indústria a oportunidade de selecionar talentos.
4. Os estagiários que não vierem a integrar o quadro de pessoal da empresa
podem se transformar em simpatizantes, parceiros, clientes ou fornecedores
dela, particularmente em função da oportunidade que lhes foi oferecida e
pelas relações construídas, sem contar o potencial do jovem estagiário de
vir a se tornar, [...] um tomador de decisões na empresa em que estiver
trabalhando.
5. Os estagiários podem ser a interface entre a empresa e a universidade.
Vantagens para o aluno:
1. Formação acadêmica mais qualificada, pela diversificação de atividades.
2. Conhecimento da realidade do trabalho desde o início do aprendizado.
3. Maior facilidade em identificar oportunidades de trabalho.
4. Maior facilidade de inserção no mercado de trabalho.
5. Ampliação da convivência com profissionais da área. (SOARES, 2001, p.8)
97
Essa é uma visão de estágio que compõe o modelo de formação universitária
iniciado com a ditadura militar, isto é, um modelo privatista e mercantilista, que se
aprofunda com o projeto neoliberal, ancorado na “reforma” do Estado brasileiro (BRASIL,
1995) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996), no governo de
Cardoso, sofrendo alterações no governo Lula da Silva que apresenta propostas
relacionadas ao projeto Universidade Nova (Brasil, 2005), que busca assegurar direitos aos
estudantes e formas de mantê-los na educação superior, com os seguintes programas:
ProUni Programa Universidade para Todos
UNIAFRO Afro-Brasileiros
INCLUIR Pessoas com Deficiência
PROLIND População Indígena
PEC-G Programa Estudante Convênio de Graduação
FIES Financiamento ao Estudante de Ensino Superior
CELPE-Bras Certificado de Proficiência da Língua Portuguesa para
Estrangeiros
PROEXT Programa de Apoio à Extensão Universitária
PET Programa de Educação Tutorial
PRODOCÊNCIA Programa de Consolidação das Licenciaturas
PMQESU Programa de Modernização e Qualificação do Ensino Superior
NAPRO Núcleo de Atividades do Projeto Rondon
PROMISAES Projeto Milton Santos
IMA Instituto Machado de Assis
COLIP Comissão de Língua Portuguesa
Portal do Mundo Acadêmico
PingIFES Plataforma de integração de dados das IFES
Plano Nacional de Extensão
Programa de Recuperação e Ampliação dos Meios Físicos das Instituições de
Ensino Superior
REUNI - Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
Expansão 1ª Fase de Expansão do Ensino Superior.
(www.portal.mec.gov.br acesso em 1º de março de 2008).
No entanto, no modelo de educação e de estágio nos governos democráticos
após a ditadura, ainda persiste o estágio curricular como um elemento que deve apresentar
vantagens para quem o oferece e para quem o recebe. Confirma-se a instrumentalidade do
estágio com o objetivo de beneficiar ou o mercado ou o estagiário, constituindo uma falsa
imagem como se, por meio dele, todos os estagiários pudessem sanar as falhas do processo
de formação e adquirir a experiência profissional.
Trata-se de uma imagem distorcida do real, necessária ao exercício da
dominação em sociedades de classes que, segundo Chauí (1981, p. 3), nasce de um
discurso
98
que pretende [...] anular a diferença entre o pensar, o dizer e o ser e [...]
engendrar uma lógica da identificação que unifique pensamento, linguagem e
realidade para, através dessa lógica, obter a identificação de todos os sujeitos
sociais com uma imagem particular universalizada, isto é, a imagem da classe
dominante.
Assim, vão se sedimentando as idéias dominantes como se fossem de todas as
classes sociais, camuflando a perversa realidade gerada pelo modo de produção capitalista,
isto é, a questão social
60
e suas expressões. Essa condição afeta também o estágio
curricular que, por sua vez, divide teoria e prática, pois o ideário dominante veicula que na
universidade produção e desenvolvimento da teoria e no campo de estágio da prática,
para alguns estagiários e supervisores, realiza-se, pelo estágio, a aplicação da teoria
adquirida. Dessa forma, os estudantes consideram a prática dissociada da teoria,
atribuindo-lhe maior importância e significado no processo de formação
61
, o que confirma,
para eles, a assertiva de que, na “prática a teoria é outra”.
O depoimento de algumas estudantes do Curso de Serviço Social da UCG
2006, segundo semestre, mostra que a divisão teoria e prática é presente e se expressa na
maior valorização por elas atribuída à prática: “aprendi muito no meu campo de estágio.
[...] a assistente social [...] é bastante dedicada e me passou várias experiências que, com
certeza, vão ser muito importantes no decorrer da minha vida profissional” (E. C. F.,
2006).
A estudante não se refere ao conhecimento teórico-metodológico adquirido no
curso, como se o aprendizado só ocorresse no estágio.
Outra estagiária diz que o campo de estágio é
muito rico em informações, onde trabalha uma equipe multi-profissional, onde o
60
Compreender a questão social na atual conjuntura, segundo Iamamoto (1999, p. 27), é apreendê-la, “como
o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a
produção é cada vez mais coletiva, o trabalho torna mais amplamente social, como que a apropriação dos
seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade”.
61
Nem todos os estudantes assimilam essa concepção de estágio. também os que conseguem perceber a
articulação teoria e prática, como também a mercantilização que assedia o estágio. O depoimento de uma
estudante do Curso de Serviço Social, entre os sujeitos dessa pesquisa, realizada em novembro de 2006,
confirma que o “estágio obrigatório é de suma importância, mas temos que descobrir a forma de ajudar os
estudantes nas facilidades em realizar o estágio, dando condições reais para que o estágio seja realmente um
momento de estudo e não algo mercadológico como vem se tornando” (DH, 2006); ou: o estágio “ajuda
articular as matérias apreendidas na universidade com as experiências vivenciadas no campo de estágio”.
99
aprendizado nos ensina muitas coisas pessoais e em nossa vida profissional.
Aprendi muito com a supervisora [...] [profissional do campo], [ela] é de grande
sabedoria, adquiri conhecimentos que vêm [ao] encontro da capacitação para
minha vida profissional. (M. H., 2006).
Novamente observa-se o enaltecimento dado ao campo de estágio e à figura da
supervisora profissional que é destacada como modelo. Portanto, o mérito do
conhecimento e da aprendizagem é atribuído ao campo de estágio e à sua supervisora,
conforme mostrou o depoimento dessas estagiárias.
Tal posicionamento é reforçado pela representante do IEL que indica outros
motivos/oportunidades do estágio em empresa, que se referem à “possibilidade de testar e
desenvolver aptidões e capacidades” e à “oportunidade de convivência e contatos com o
ambiente profissional e, conseqüentemente, de abertura de perspectivas de emprego/
trabalho” (SOARES, M. L. 2001, p. 7). O estágio, considerado aplicação de
conhecimentos, refere-se à possibilidade de o estudante utilizar, empregar, testar, aplicar,
no campo de estágio, os conhecimentos adquiridos no curso. uma tida dissociação
entre teoria e prática, confirmada também por algumas estagiárias do Curso de Serviço
Social da UCG
62
. Estágio é o “lugar de colocar em prática tudo que aprendemos em sala de
aula”, ou ainda, a oportunidade de “vivenciar na prática o que aprendi e aprendo aqui no
curso”, em ambos os depoimentos aparece a visão de teoria apartada da prática ou vice-
versa. É a fragmentação entre conhecimento teórico e a prática, o que indica que, na
universidade, o estudante adquire o conhecimento teórico, e no estágio, quase sempre nos
últimos períodos do curso, realiza a aplicação da teoria no espaço profissional.
Conforme Campos (1940), esse pensamento estava presente no estágio do
Curso de Agricultura da Bahia, em 1812, quando, “sempre que possível”, o professor
aliava, teoria e prática, por meio da
aplicação das doutrinas, [...] particularizando a invenção e prática dos melhores
métodos, instrumentos e máquinas que se usam na lavoura e suas fábricas [...]
Findará o curso explicando os diferentes métodos [...], unindo sempre quando
possível, a teoria e prática [...]. Fará com freqüência passeios literários para
exercício prático de seus ouvintes pelas terras cultivadas dos subúrbios da Bahia
[...] a fim de examinar os terrenos [...] e o estado das respectivas culturas, e
indicar os possíveis melhoramentos (CAMPOS, 1940, p. 148 - 149).
62
Os depoimentos das estagiárias da amostragem do Curso de Serviço Social da UCG, expressam os dados
coletados na pesquisa realizada em novembro de 2006, conforme citado anteriormente.
100
Ainda segundo Campos (1940), no Curso de Direito, em 1927, o estudante,
pelo estágio, tinha oportunidade de aplicar os conhecimentos hauridos do curso no
mercado profissional. Para o autor era necessário estar preparado para essa aplicação de
conhecimentos.
nos Cursos de Comércio e Economia Política, em torno de 1808, o estágio
era considerado um aspecto do ensino que possibilitava ao estudante a aplicação de
conhecimentos “indispensáveis aos verdadeiros negociantes”. O estudante que não fizesse
o estágio estaria com sua formação incompleta, pois não teria a formação necessária a um
“verdadeiro” profissional (CAMPOS 1940).
Em pesquisa sobre o estágio realizada recentemente, 1997, em um dos cursos
da UCG
63
, o coordenador de estágio confirmava a fragmentação teoria e prática,
defendendo o estágio curricular como aplicação de conhecimentos. Nesse curso, até a
responsabilidade pela supervisão do estágio era exclusiva dos profissionais dos campos de
estágio, pois a eles competia a orientação do estágio e ao professor a atribuição da nota.
No entanto, o conhecimento existe tanto na universidade como nas instituições
campo de estágio. Não como separar teoria e prática, pois ambas o fundamentais à
formação profissional. É a união e a articulação teoria-prática, ou seja, do saber e do fazer
que irá assegurar o conhecimento necessário ao exercício profissional. Contudo, essa
dicotomia ainda não foi superada na educação superior brasileira e nem no espaço
profissional.
Para Macedo (2001, p. 3) das Faculdades Integradas de Curitiba, o estágio é
“uma atividade de interesse curricular, com objetivos educacionais”. Segundo o autor,
possibilita o desenvolvimento acadêmico do estudante como também é uma estratégia de
profissionalização, [...] instrumento de integração do estudante no mundo do trabalho, em
que ele tem a oportunidade de aperfeiçoamento técnico, cultural, científico e social”.
O estágio é também considerado vivência da vida profissional, isto é, o
63
A informação refere-se à pesquisa que realizada no 2º semestre de 1997, na Universidade Católica de
Goiás, buscando o conhecimento sobre o estágio em cinco cursos, nas áreas de ciências sociais, ciências da
vida e área técnica, na perspectiva dos estagiários e dos coordenadores de estágio, o que resultou na minha
dissertação de mestrado, apresentada em 1999..
101
estudante estagiário participa, com o profissional do campo de estágio, da situação real da
vida profissional, tomando contato com o processo ético-político, teórico-metodológico e
técnico-operativo da profissão. Ele irá (re)conhecer suas aptidões e limitações, buscando
capacitar-se para o exercício profissional. O presidente da Federação das Câmaras de
Dirigentes Lojistas de Santa Catarina (FCDL/SC) (PELLIZZARO JR., 2006, p. 7)
considera que o estágio é “a porta de entrada para o jovem no mercado de trabalho, [...] a
forma de o aluno ter sua primeira oportunidade no mercado de trabalho”.
A possibilidade de o estágio vir a ser a “porta de entrada para o jovem no
mercado de trabalho”, conforme Pellizzaro Jr. (2007, p. 3), talvez possa ser percebida nos
cursos cujo mercado de trabalho esteja mais voltado para a área empresarial, a exemplo de
Engenharia, Medicina, Administração e outros para os quais o estágio constitui
oportunidade de seleção de mão-de-obra. Sua fala não foi confirmada na realidade de
estágio do Curso de Serviço Social da UCG.
Uma das questões da pesquisa era conhecer a expectativa dos estudantes em
relação ao estágio curricular obrigatório, a opção “ser contratado” – não obteve nenhuma
indicação, conforme mostra a tabela 3. A maior preocupação/expectativa expressa por
77,7% das estagiárias do referido Curso, em resposta a questões abertas era adquirir
conhecimentos para a vida profissional.
Tabela 3 Expectativa das estagiárias do Curso de Serviço Social da UCG em relação ao
estágio curricular obrigatório. Goiânia – 2006
Fonte: Pesquisa O Estágio no Curso de Serviço Social da UCG, realizada com os estagiários, para fins de
elaboração da tese. Goiânia, 2006.
Alternativas Número de
estagiárias
Percentual de
estagiárias
Adquirir conhecimentos para a vida profissional 21 77,7
Receber bolsa de estágio 4 14,9
Cumprir exigência curricular 1 3,7
Ser contratado - -
Branco 1 3,7
TOTAL
27 100,00
102
Percebe-se que as concepções de estágio curricular se alteram ante as
mudanças no processo econômico-sócio-político e cultural da realidade brasileira, as
diferentes leis e decretos referentes a estágio e exercício profissional, as reformas
educacionais, os projetos pedagógicos dos cursos, as metamorfoses do mundo do trabalho,
são elementos que exercem grande influência no processo de formação como também no
exercício profissional e na formação profissional, incluindo o estágio. Ele pode divergir de
um curso para outro e em um mesmo curso, mas converge em seus propósitos acadêmicos
referentes à necessidade de o estagiário adentrar o mundo do trabalho profissional e ter
possibilidade de vivenciar o processo ético-político, teórico-metodológico e técnico-
operativo da sua profissão, apesar da presente fragmentação teoria-prática.
Assim, é de se ressaltar a importância e a necessidade de as políticas públicas
comporem o projeto político de sociedade como uma dimensão da vida social, dentre elas,
também a educação superior brasileira e, logicamente, o estágio, para que seja pensado
como um elemento articulador, conforme indica Frigotto (1998), capaz de contribuir para a
retomada do caráter universal e democrático da educação.
Nesse sentido destaca-se a proposta do Projeto de Lei 993/07 aprovado na
Câmara dos Deputados Federais e em apreciação pelo Senado Federal, referente ao estágio.
O projeto “dispõe sobre o estágio de estudantes de instituições de educação superior, de
educação profissional e de ensino dio, altera a redação do art. 428 da Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT), e dá outras providências” (BRASIL, 2007).
O referido projeto traz uma série de mudanças em relação aos documentos
atuais Lei 6.494, de 1977 e Decreto 87.497, de 1982 –, conforme destaca o quadro
nº 2, p. 107.
Para D’Ávila, uma das autoras da proposta hoje projeto de lei
64
,
64
O Projeto de Lei 993/07 foi elaborado em conjunto pelos deputados Átila Lira (PSB-PI) e Manuela
D'Ávila (PCdoB-RS), visando a revogação da Lei 6.494, de 1977 e do Decreto 87.497, de 1982 que
regulamentam o estágio. A atualização da lei sobre estágios era necessária, haja vista que a atual lei tem mais
de 30 anos, o que significa que foi elaborada no período da ditadura militar, anterior, portanto, à Constituição
Brasileira de 1988 e a LDB/1996. “‘Hoje é um dos dias mais felizes da minha vida pública’, disse a deputada
federal Manuela d´Ávila (PCdoB/RS), 25 anos, após apresentar o relatório da lei dos estágios na tribuna da
Câmara dos Deputados em Brasília. A deputada teve o substitutivo ao Projeto de Lei 993/07, do Executivo,
aprovado nesta quarta-feira, dia 27 de junho. O relatório segue agora para o Senado Federal” (BARROS,
2007).
103
o projeto vai garantir que os estagiários não sejam explorados como mão-de-
obra barata. A intenção da proposta é caracterizar melhor a prática do estágio
para evitar o uso de alunos como substitutos de mão-de-obra. Um dos
instrumentos do projeto é a aplicação de multas pela fiscalização trabalhista,
variáveis de R$ 240 a R$ 2,4 mil, à pessoa jurídica que descumprir as novas
regras. Os deputados incluíram a correção da multa com base na inflação.
O dispositivo que mais causou polêmica na discussão foi a punição pelo
descumprimento da lei ou dos acordos. Segundo a proposta, empresas que
desrespeitarem as normas terão o estágio caracterizado como vínculo laboral
para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária. Para alguns
deputados, isso poderia inibir a contratação de estudantes. No entanto, o
destaque para votação em separado (DVS) apresentado em Plenário para retirar
esse dispositivo foi rejeitado.
Além disso, a instituição privada reincidente em qualquer dos casos ficará
impedida de receber estagiários por dois anos.
Apesar de receios de que o projeto diminua o número de vagas para os
estagiários, Manuela D'Ávila acredita que a proposta dá mais segurança jurídica
às empresas. ''Quem tiver a oportunidade de ler o substitutivo vai ter a certeza
de que, como teremos segurança jurídica, vai aumentar a capacidade dos
empregadores de conceder o estágio'', destacou. (BARROS, 2007).
Analisando a proposta, o Ministro da Educação Fernando Haddad, indica à
presidência da República o objetivo que o projeto pretende, qual seja,
contextualizar o estágio de estudantes em relação às profundas mudanças
ocorridas na sociedade brasileira nas últimas décadas, no âmbito das relações de
trabalho e também no panorama educacional. Essa nova realidade evidencia que
a Lei
6.494, de 1977, e o Decreto
87.497, de 1982, que a regulamenta,
encontram-se hoje defasados, necessitando de urgente atualização (HADDAD,
2007).
Afirma ainda o ministro que a proposta traz inúmeras inovações em relação à
legislação atual referente ao estágio, a Lei 6.494 (BRASIL, 1977) e o Decreto nº 87.497
(BRASIL, 1982), dentre as quais ele destaca:
a concepção do estágio como ato educativo supervisionado, colocando mais
claramente o papel da escola, no intuito de evitar que o contingente de jovens
estagiários passe a engrossar as estatísticas de trabalhadores precarizados em
nosso país. [...];
a possibilidade de as instituições de ensino celebrarem com entes públicos e
privados acordo de concessão de estágio, no qual se explicitem o processo
educativo compreendido nas atividades programadas para seus educandos. [...];
normatização precisa dos direitos e obrigações do concedente e estagiário, dos
limites da jornada e concessão de bolsas, além do seguro contra acidentes
pessoais, de modo a garantir o estágio como meio de consolidação dos
conhecimentos escolares e não forma de recrutamento de mão-de-obra. [...];
disciplina da atuação dos agentes de integração, delimitando o seu papel e
propiciando maior e melhor fiscalização, em razão da simplificação das regras
de estágio e suas obrigações, sujeitando aqueles que mantém estagiários em
104
desconformidade com a Lei penalidades definidas, o que evitará o
desvirtuamento do estágio como ato educativo supervisionado.
O site da BONDENEWS
65
traz vários depoimentos e comentários referentes ao
projeto de lei em que as pessoas, geralmente estagiários, emitiram opinião, algumas
enaltecendo a lei e indicando o avanço em relação aos documentos anteriores outros
apresentando críticas e até desabafos. Dentre os que enaltecem o documento, destacam-se
o estabelecimento das férias e da jornada de estágio para o máximo de trinta
horas/semanais, conforme segue:
"Como estagiário 10 meses, fico muito feliz em ver este possível progresso,
pois além de trabalharmos de igual para igual nas instituições, e não termos
CTPS assinada, rias é um direito do ser humano, pois temos uma jornada
tripla (manha, tarde e noite) e mesmo assim não temos direito à férias. Espero
que isto realmente aconteça..." Antonio Junior - Curitiba.
"Estas medidas são muito positivas, eu já estagiei durante dois anos seguidos e
não tive nenhum dia de férias, o que sobrecarrega e acaba desqualificando o
trabalho do estagiário. Espero também que possa inibir um pouco aquelas
empresas que fazem rodízio de estagiários de dois em dois anos e não contratam
ninguém!". Simone Silva - Porto Alegre.
"Essa nova lei proporcionará aos estagiários mais segurança e mais vontade de
continuar seus estudos simultaneamente com o trabalho, o direito a férias
proporcionará grandes vantagens á vida de nós estagiários." Edilaine Monteiro -
Itumbiara-Go.
"Só espero que com essa nova lei as empresas não joguem ainda mais o valor da
bolsa auxilio dos estagiários lá em baixo." Rodrigo Felix – S. Paulo.
"Até que enfim as autoridades competentes deste país perceberam a forma
arbitrária que muitas empresas tratam estagiários neste país, vejo que essa
mudança é precisa e trará bons resultados, o estudante precisa de condições
básicas de trabalho como, férias, vale transporte e carga horária compatível com
seu curso." Cícera - Brasília.
"Numa visão geral acho que as medida são positivas. Mas olhando pelo lado
empresarial, creio que as ofertas de estágios tendem a cair, assim como a
remuneração”. Juliana Nogueira - Recife (BONDE, 2007).
Outros demonstram preocupação e insegurança em relação às mudanças que
deverão ser efetuadas, tais como: queda no valor da bolsa, na oferta de vagas e na forma
como as empresas irão lidar com as inovações que o projeto traz. Assim eles se expressam.
65
A BONDENEWS é um veículo de comunicação eletrônica do Estado do Paraná denominada BONDE, a
comunicação de 27 de junho de 2007, apresentou em Opinião do Leitor uma série de comunicações
relacionadas ap projeto de lei, as quais foram apresentadas neste trabalho como depoimentos dos leitores.
<http://www.bonde.com.br/bondenews/bondenewsd.php?id=739LINKCHMdt=20070627> (BONDE. 2007).
A BONDE é conveniada com a Agência Brasileira de Estágio (ABRE), empresa cuja atuação está
diretamente voltada para o setor de recursos humanos, especificamente para a área de estágios. Segundo o
Portal ABRES, em “consonância com a legislação vigente, operamos como o elo de integração entre os
estudantes, as empresas concedentes de estágio e as Instituições de Ensino Público ou Privado” (ABRES,
2008).
105
"Todas essas medidas só vêm para melhorar o panorama atual do estágio. É uma
proposta limpa e desinteressada, como poucas se encontra. E a queda no número
de vagas, se ocorrer, será momentânea, pois nenhuma empresa diminuirá (ou
pode diminuir) seu rendimento nos momentos atuais. A oferta de vagas de
emprego e estágio deve acompanhar o crescimento econômico. Quem critica a
lei não tem uma visão economico-social global sobre a situação". Dante Souza
De la Vega - São Paulo.
"As novas medidas tomadas pelo governo, com certeza vão facilitar a vida dos
estagiários e valorizar seu trabalho, pois, realmente é difícil para os estudantes
(principalmente para os que trabalham oito horas diárias), manter suas notas
entre a média exigida pela a instituição de ensino. Contudo, não é viável afirmar
que com a nova lei, irá diminuir o número de vagas para estágio. Estamos dando
um importante passo, pois, em nosso país apenas se fala em educação, mas
poucas medidas são tomadas para que ela aconteça, de modo que possa atingir
todos os brasileiros de maneira justa. Oferecendo oportunidades aos menos
favorecidos, assim formando cidadãos dignos e uma nação educada." Darian
Escobar - São Borja-RS (BONDE, 2007).
Algumas pessoas fazem críticas ao estágio e vêm no projeto de lei uma
alternativa para a relação campo de estágio e estagiário, pois as empresas não contratam o
profissional, preferindo o trabalho do estagiário, conforme afirmam os depoimentos que
seguem.
“Sou a favor da mudança sim, [...] os estudantes, trabalham muito para ganhar
pouco, [...] fica muito difícil também porque as empresas contratam de ano a
ano estagiários e não dão oportunidade de crescimento para os que estão na
empresa, daqui uns dias nenhum estudante consegui ter um emprego com
carteira assinada!!!!!”. Marla - São Luiz Gonzaga-RS.
"[...] gostei das alterações na lei, que como estagiário eu espero que
acrescentem um tempo limite para que se mantenha a pessoa como estagiário,
pois o que está acontecendo é que muitas empresas contratam a pessoa como
estagiário por um longo período de tempo e não fazem questão de efetivar pela
comodidade do "estágio" não ter vínculo empregatício, em minha opinião para
se saber se uma pessoa serve para continuar na empresa seis meses bastam, no
máximo um ano de estágio, pois se não conseguir aprender em um ano,
dificilmente aprenderá da maneira correta em um período de tempo maior." Ilair
dos Santos - Três de Maio.
"A nova lei para o estagiário sem sombra de duvidas vem para melhorar a
qualidade de estudo daqueles que fazem de seu estágio um verdadeiro trabalho.
[...] Devendo esse valor [da bolsa] ser entregue ao aluno sem mais despesas,
livre para seus estudos. As ferias e um outro ponto muito importante que o
estágio tem por finalidade integrar o aluno ao seu meio de trabalho e não criar
um vínculo de escravidão, não podendo o estagiário desfrutar de sua vida, bem
como a vida academia, em função de uma mera relação de estágio! onde somos
mal pagos e explorados!" Manoel – S. Paulo.
"Até que enfim alguém pensou no estagiário! Só de ter férias já está bom
demais, eu não compreendo qual a diferença do aprendizado que o estagiário
adquire ao trabalhar em empresas durante anos e não tirar férias!!! É cansativo,
desmotivante [...]. O estágio virou uma comodidade aos concessionários das
vagas, existem milhões, eu disse milhões, de estagiários de administração de
empresas "estagiando" como telefonistas, de Direito só carregando papel
(processo), e vem me dizer que isso é estágio? A empresa quer alguém que
atenda as necessidades e não ter responsabilidade nenhuma (vínculo
106
empregatício)." Poliana Lobo - Brasília (BONDE, 2007).
Por outro lado, aqueles que defendem a área empresarial e vêm na nova
proposta de estágio uma ameaça às empresas e, por conseguinte, para os estagiários,
conforme os depoimentos:
"Não concordo com essa nova lei, ela vem para prejudicar o estagiário, pois
não é vantagem nenhuma para nós [...]. A empresa o vai ter lucro nenhum
sobre essa nova situação e vai acabar mandando muitos estagiários embora.
Antes de ser aprovada deveria ser feita uma pesquisa com os estagiários para
ver se eles aceitam, pois todos os que eu conheço não aprovaram essa idéia.
ridicula". Michele Moreno Zardetto - São Caetano do Sul.
"A intenção do Governo é boa, está visando diminuir os abusos que muitas
empresas cometem, pois conheço estagiários que fazem trabalho de guardinha
mirim ao invés de estar aprendendo algo relacionado ao seu estudo, porém vale
ressaltar que a carga tributária para as empresas hoje ao contratar um efetivo é
muito alta. Com essas mudanças não haverá vantagem para o empresário
contratar um estagiário que trabalhe por 6 horas, o empresário vai optar por
contratar um CLT com o salário base da categoria e não vai mais contratar
estagiários. Diminuindo assim a oportunidade para iniciantes. Essa lei deveria
ser melhor elaborada. Para não prejudicar os estudantes." Roberta Willisk -
Santos (BONDE, 2007).
Segundo seus autores e também o atual ministro da educação, o referido
projeto se propõe a inovar em relação às legislações anteriores, buscando assegurar ao
estágio sua dimensão acadêmica na instância do mercado profissional, campos de estágio.
Contudo, o referido projeto de lei gera polêmica entre políticos, empresários,
estagiários, como também nas instâncias que envolvem essa discussão. Parte da iniciativa
privada se mostra insatisfeita com a proposta, pois muitos dos privilégios relativos ao
estágio foram banidos. O lobby dos empresários é um elemento que concorre para que a
votação do projeto no senado ainda não tenha sido realizada.
Nesse sentido observa-se que a realidade educacional brasileira continua refém
dos interesses do modo de produção capitalista, o que afeta sobremaneira os diferentes
processos de formação em cada contexto e em cada época. No Serviço Social, ampliaram-
se as escolas e implementaram-se práticas profissionais, ancoradas em diferentes projetos
teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico-operativos. No capítulo II serão mostrados
alguns desses aspectos no processo de formação dos assistentes sociais.
107
Quadro nº 2 – O estágio no Projeto Lei nº 993/07 e na legislação vigente. Goiânia, 2007
NOVA LEGISLAÇÃO PROPOSTA
LEGISLAÇÃO VIGENTE
Concepção
Estágio é ato educativo
Instrumento de integração para a
complementação do ensino (Lei
6494/1977).
Atividade de aprendizagem (Decreto
87497/82)
Papel da
Escola
Como ato educativo, o estágio deve
compor o projeto pedagógico do curso
o que torna mais definido o papel das
universidades/cursos.
Ele é complementar na formação (Lei
6494/1977).
É realizado mediante a participação do
estudante nos campos de estágio, em
atividades relacionadas à formação.
Sob responsabilidade e coordenação
da instituição de ensino (Decreto
87497/1982).
Obrigações
dos campos
de estágio
Oferecer ao estagiário seguro contra
acidentes pessoais.
Jornada de estágio em comum
acordo, não podendo ultrapassar 6
horas diárias, isto é, 30 h/semanais.
É assegurado ao estudante cujo
estágio tenha duração igual ou
superior a um ano, período de recesso
de 30 dias.
Exigir do educando a apresentação,
em prazo não superior a 6 meses, de
relatório de atividades.
Quando do desligamento do
estagiário, entregar termo de
realização do estágio com indicação
das atividades desenvolvidas, dos
períodos e da avaliação do
desempenho.
A jornada em estágio deverá
compatibilizar-se com o horário
escolar e com o horário da parte em
que venha a ocorrer o estágio. (Lei
6494, Art. 5º)
A duração, carga-horária e jornada de
estágio serão definidas pela instituição
de ensino. (Dec. nº 87497, Art. 4º - b)
Obrigações
da
instituição
de ensino
Exigir do educando a apresentação
periódica, em prazo não superior a
seis meses, de relatório de atividades.
Elaborar normas e instrumentos de
avaliação.
Providenciar o seguro de acidentes
pessoais em favor do estudante.
(Decreto 87497/1982. Art . 8º)
Disposições
Gerais
É vedada aos agentes de integração
representar quaisquer das partes para
fins de estágio.
O total de estagiários não poderá ser
superior a 10% do quadro de pessoal
do campo de estágio.
-
Fonte: Quadro construído a partir da legislação atual e do projeto de lei proposto para o estágio.
108
CAPÍTULO II
O ESTÁGIO CURRICULAR E O PROJETO DE FORMAÇÃO
PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL
O projeto de formação profissional, constitutivo e constituinte do processo
sócio-histórico de emergência e consolidação do Serviço Social como profissão, passou
por diferentes posições ético-políticas, teórico-metodológicas e técnico-operativas: pelos
princípios da igreja católica; pelo ajustamento social sob influência norte-americana das
ciências sociais com a expansão do welfare State
66
nos países capitalistas desenvolvidos;
por uma atuação crítica, em consonância com a vertente marxista e a busca de intervenção
nas condições de vida e trabalho da classe trabalhadora, suas lutas e organização, e,
atualmente, com as diretrizes curriculares (BRASIL, 1996), cujo eixo da formação está
centrado na questão social, como expressam as Diretrizes Gerais da Associação Brasileira
de Ensino em Serviço Social da ABEPSS (BRASIL, 1996). Os diferentes projetos
pedagógicos que nortearam a formação profissional ao longo das últimas décadas
expressam a capacidade teórico-metodológico, ético-política e técnico-operativa de
segmentos da categoria que, inseridos no espaço acadêmico, ousaram e colocaram o
Serviço Social como área de conhecimento.
Nos dias atuais, tanto o processo de formação quanto o exercício profissional
são marcados por transformações societárias decorrentes do reordenamento da acumulação
capitalista em dimensão mundial, que desencadeou a “reforma” do Estado brasileiro na
década de 1990, durante o governo Cardoso da qual decorreram várias outras, incluindo a
LDB/96 (BRASIL, 1996). Como foi visto no capítulo anterior, a “reforma” do Estado
66
Se o Welfare State teve suas origens no século XIX, de par com o surgimento da questão social, dos
direitos políticos e das primeiras conquistas no campo dos direitos sociais, o seu apogeu só ocorre no período
compreendido entre 1945 e 1975 [...]. Isto porque foi nesse período que o Estado capitalista passou a exercer
um decisivo papel regulador da economia e da sociedade e a se constituir na principal fonte de provisão e de
financiamento do bem-estar social”, assinala Pereira (2000, p. 123).
109
brasileiro provocou a expansão das atividades de natureza financeira, a minimização do
Estado na área social, com redução de recursos e investimentos estatais; por outro lado,
acirrou o crescimento da iniciativa privada com o desenvolvimento das políticas sociais,
dentre as quais se destaca, neste trabalho, a educação superior.
A “reforma” do Estado brasileiro provocou a rápida expansão de mudanças no
mundo do trabalho que se constituem verdadeiras amarras e armadilhas às profissões e aos
trabalhadores, pois são exincias decorrentes da flexibilidade dos processos de trabalho
que se caracteriza
pelo surgimento de setores da produção inteiramente novos, novas maneiras de
fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas
altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A
acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento
desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por
exemplo, um vasto movimento do emprego no chamado “setor de serviços”,
bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então
subdesenvolvidas. [...] envolve um movimento [...] de compressão “espaço-
tempo” [...] no mundo capitalista – os horizontes temporais da tomada de
decisões privada e pública se estreitaram, enquanto a comunicação via satélite e
a queda dos custos de transporte possibilitaram cada vez mais a difusão
imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e variegado
(HARVEY, 2003, p. 140).
Para o Serviço Social, a flexibilidade dos processos de trabalho significa uma
série de desafios, pois o assistente social depara-se, além das novas atribuições exigidas
pelo mercado, com as mudanças na educação superior brasileira, decorrentes sobretudo do
processo de privatização que acompanha a lógica do mercado, tornando a educação fonte
de lucros
67
.
Historicamente, tanto o Serviço Social quando outros processos de formação
têm sido orientados por projetos ético-político-profissionais que se aliam a projetos
hegemônicos de sociedade situação que, no Serviço Social, se alterou nos anos 1970 com o
movimento de busca de ruptura com a vertente conservadora.
67
Nesta concepção cabe reafirmar que o direcionamento da educação para o mercado deve início na ditadura
militar quando a “política educacional [...] para o ensino superior não se submeteu à orientação dos interesses
do grande capital apenas contendo o acesso à graduação e reduzindo a alocação de recursos públicos,
liberados para investimento em áreas mais prioritárias para os monopólios: transformou, pela primeira vez na
história brasileira, o ensino superior num setor de investimentos capitalistas privados extremamente
rentáveis” (NETTO, 2001a, p. 62).
110
As várias mudanças que perpassaram o processo de formação profissional do
assistente social contribuíram na construção da profissão que hoje se apresenta à
sociedade. Nos últimos anos, o mercado tem imposto novas exigências, configurando um
outro perfil de profissional, estabelecendo ao Serviço Social uma série de desafios,
provocando questionamentos e o repensar do processo de formação e do exercício
profissional. Dentre eles destacam-se:
a) como o Serviço Social poderá assumir o atual projeto profissional que busca,
criticamente, analisar o modo de produção capitalista, tendo em vista tal situação?
b) Como enfrentar a questão social e suas mazelas, expressas nas más
condições de vida e trabalho, cada vez mais precárias, da maioria dos trabalhadores: saúde,
educação, trabalho, habitação, segurança, lazer e outras, em um mercado marcado por
rápidas transformações?
Como foi visto, a LDB/96 (BRASIL, 1996)
68
introduziu o trabalho no
cenário da educação superior e definiu novas modalidades de formação profissional, que
visam atender a esses propósitos, ou seja, elementos relativos à racionalidade do mercado
em que se destacam:
a competitividade, a produtividade, a rentabilidade, a flexibilização e a
eficiência – [elementos que] passam a atingir as diferentes esferas da vida social
[...] tem-se, hoje a “sociedade de mercado”, regida por critérios de racionalidade
e apoiada por instrumentos jurídicos afetos a área educacional, que forjam uma
mentalidade utilitarista da educação, aliando-a a uma posição de viés
conservador que remete ao esforço individual, o sucesso e o fracasso na
educação, no trabalho [...], pois “cada um deve se virar no mercado”
(IAMAMOTO, 2000, p. 65).
Em decorrência, observa-se a precarização da formação profissional e das
profissões que atinge diferentes esferas da vida sócio-profissional. Ao “estabelecer as
diretrizes e bases da educação nacional”, a LDB/96 traz inovações na educação que
envolvem os diferentes níveis da formação: educação superior, ensino médio e
fundamental. Em seu artigo 1º, propõe para a educação, uma abrangência que extrapola os
espaços acadêmicos para inserir-se na vida familiar, na convivência humana, tanto no
68
A LDB/96 compõe o conjunto das reformas decorrentes da “reforma” do Estado brasileiro, desencadeada
no governo de Cardoso e que expressa os princípios do ideário neoliberal que orientam o país para a
consolidação de um Estado de direito mínimo, com o fortalecimento da iniciativa privada, até mesmo na
educação superior.
111
trabalho, quanto nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos e organizações
sociais e nas manifestações culturais. Contudo, esse mesmo artigo, em seu § 2º, especifica
que a educação “deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”, o que
significa uma
educação menos comprometida com a formação cidadã e mais voltada para os
interesses do mercado, uma educação garantida mais como espaço privado e
menos como direito social. Trata-se, enfim, de uma inversão nos propósitos
educacionais de construção da cidadania (BOSCHETTI, 2000, p. 82).
Mas, não só a LDB/96 (BRASIL, 1996) estabeleceu e incentivou a relação
educação-trabalho, pois outros documentos atinentes à educação superior brasileira,
também indicaram essa posição. Nesse sentido, vale lembrar a Lei 5.540/68 (BRASIL,
1968) que estabeleceu a reforma universitária de 1968 e os documentos relacionados ao
estágio curricular, desde a Portaria 1002/67 (BRASIL, 1967), a Lei 6.494/77
(BRASIL, 1977) e o Decreto 87.497/82 (BRASIL, 1982). Cada um desses documentos,
a seu modo e em sua época, nas relações com as instâncias da formação universidades,
faculdades e outras – favoreceu ao mercado.
Desde a década de 1960 a intervenção do Estado faz-se presente na ampliação
do ensino superior privado em detrimento do ensino público, regulamentando a educação e
o estágio curricular, haja vista a Lei 5.540/68 (BRASIL, 1968) e a Portaria 1002/67
(BRASIL, 1967) que atenderam aos interesses empresariais. Com isso, a vinculação
educação-mercado de trabalho, claramente especificada na LDB/96 (BRASIL, 1996),
ganhou maior força e maior diversificação, pois foram estabelecidos cursos
profissionalizantes de curta duração, seqüenciais e outros. Tal realidade, que se ancora no
projeto neoliberal, implicou mudanças na educação superior brasileira, levando a
alterações em muitos processos de formação. Aliás, foi o que ocorreu, segundo Netto
(2001), com o processo de renovação do Serviço Social no Brasil em que
a inscrição da formação (graduação e pós-graduação) do assistente social no
âmbito universitário foi avaliada por nós como um dos vetores significativos
que intervieram de forma decisiva no processo de renovação da profissão no
Brasil; [...] esta inserção influiu poderosamente nos rumos das perspectivas
renovadoras brasileiras. Entretanto [...] sem deixar margem a dúvidas, que
nenhuma delas vinculou-se tão umbilicalmente à universidade como a da
intenção de ruptura (NETTO, 2001a, p. 249).
A LDB/96 (BRASIL, 1996) legitimou, na formação profissional, o atrelamento
112
entre a educação e o trabalho, envolvendo sobretudo os estágios curriculares que, muitas
vezes, se vêem à mercê de critérios e de seleções estabelecidos pelos campos de estágio,
geralmente específicos aos interesses do próprio campo. No exercício profissional, os
espaços de trabalho estão reduzidos, em virtude dos novos parâmetros decorrentes das
mudanças no mundo do trabalho e da minimização do Estado no tocante a investimentos e
serviços relacionados às políticas públicas.
Atualmente, uma tendência do mercado em contratar trabalhadores para
prestação de serviços e trabalhos temporários, terceirizados, e outras formas, de acordo
com suas necessidades e interesses. Iamamotto (1999) esclarece:
Na esfera do mercado profissional de trabalho do assistente social as refrações
desse processo indicam uma tendência ao redimensionamento de seu perfil. Esta
não parece indicar [...] uma “crise de materialidade do Serviço Social”, mas sim
que base material e organizacional do exercício profissional, dependente das
organizações públicas e privadas atuantes no campo das políticas sociais, está
sofrendo uma mudança de forma (p. 182).
Conforme a profissional que atua em instituição municipal, R. C. V. (2007), os
assistentes sociais que deixam a instituição não são substituídos: havia “três hoje são dois”,
[e que uma delas] “é contratada para prestação de serviços”. Nos órgãos estatais, o número
de assistentes sociais é muito pequeno, afirma a assistente social S. P. P. (2007):
Os quadros foram diminuindo... A gente tem que trabalhar no sentido de formar
quadros lá. [...] Com esse novo pacto de gestão, a gente propõe uma equipe forte
de acompanhamento e avaliação de todas as ações no Estado, as ações dos
municípios para você ter uma visão de como está a assistência no Estado. E
temos pouquíssimos funcionários na área específica da assistência. [...] A área
da assistência [...] é muito fragmentada.
Em âmbito federal a assistente social E. C. P. (2007) conta que, em Goiânia, há
apenas duas profissionais contratadas mediante concurso. É um quantitativo que, segundo
ela, está se mantendo. “Temos uma vaga a mais a ser preenchida [...] por processo seletivo
e que pode vir qualquer uma dessas áreas de formação”. A profissional refere-se aos
profissionais de denominada equipe técnica, composta por, assistente social, pedagogo,
psicólogo, engenheiro e outros, conta ainda com duas estagiárias do Curso de Serviço
Social. Na avaliação de E. C. P. (2007), a instituição não busca o trabalho do estagiário
para suprir mão-de-obra, pois a
113
responsabilidade técnica é do profissional, a estagiária é o apoio. [...] As
meninas aqui nos ajudam muito em relação à organização da papelada. [...] É
esse que é o papel delas, [...] em qualquer estágio, de qualquer área, agiliza o
nosso trabalho.
A precariedade na condição de trabalho aparece de forma naturalizada na fala
da assistente social que, justifica a presença de estagiários:
Nós não temos o estagiário, nós temos a figura do prestador de serviços
também, que é contratado sem vínculo, igual [ao estagiário], tem contrato com
IEL [Instituto Euvaldo Loddi], tem contrato com terceirizados que contratam e
prestam serviços aqui dentro: é digitador, recepcionista tem menores também.
Então a proporcionalidade é de empregados com o restante dos terceirizados
[...] e os estagiários, vigilantes, copeiras e aí vai... (E. C. P. 2007)
As novas modalidades de contratação de trabalhadores e a redução do Estado
na área social levam à expansão do mercado na oferta e desenvolvimento de programas na
área social, sem a correspondente ampliação de seus trabalhadores e profissionais. Estas
medidas estão afetas à política neoliberal adotada no Brasil
69
com “retorno do predomínio
da lei de mercado da oferta e demanda, a redução do Estado, a desorganização das políticas
sociais e a desregulamentação das relações de trabalho” (CARDOSO et al, 2000, p. 88).
Tal realidade tem alterado projetos de formação e projetos profissionais não só
de assistentes sociais, mas, das profissões em geral. No Serviço Social o avanço ético-
político, teórico-metodológico e técnico operativo, a partir da década de 1990, foi
significativo para a resistência e a luta dos profissionais na manutenção de suas conquistas,
com coerência político-profissional assumida desde os movimentos de busca de ruptura
com o conservadorismo na profissão.
Nesse sentido, destacam-se as Diretrizes Curriculares
70
da ABEPSS de 1996, o
69
O avanço do neoliberalismo provoca também, o “retorno crescente de antigas formas de assistencialismo e
uma tendência à refilantropização. Essas ações, porém, são diferentes das que se realizavam no século XIX e
mesmo no início do século XX no Brasil. Aquelas eram realizadas pela Igreja, pelas pessoas de ‘boa vontade’
e pelas damas da sociedade; as de hoje são efetivadas pelo capital. É o que Iamamoto (1999) denomina
‘filantropia empresarial’ ou ‘novo tipo de ação social’” (CARDOSO et al, 2000, p. 89). (sic).
70
Em 1946, surgiu no Brasil a Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (ABESS), quando existiam
apenas três escolas de Serviço Social no país, o que demonstra a preocupação e o compromisso dos primeiros
assistentes sociais brasileiros com a formação profissional. Em 1998, expressando o avanço na pesquisa e na
produção do conhecimento na área do Serviço Social, ela passou a denominar-se Associação Brasileira de
Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). Seu objetivo é congregar as Unidades de Ensino em torno
da promoção e construção de um significado social para a formação dos assistentes sociais, imprimindo-lhe
rigor teórico-metodológico e relação histórica com a sociedade”. Assim, ela assegura direção intelectual e
114
novo Código de Ética
71
Profissional, de 1993 e a renovação, em 1993, da Lei de
Regulamentação da Profissão em vigor desde 1957.
Contudo, ainda persistem trabalhos profissionais de parcela da categoria que
mantêm e reproduzem referenciais teóricos conservadores que sustentam, informam e
orientam a atuação que se distancia dos atuais princípios da profissão, mantendo uma
prática que se atém ao imediatismo, ao ativismo, o que contribui para o fortalecimento do
modo de produção capitalista e o projeto burguês de sociedade.
Ainda, referindo-se ao atual projeto profissional em curso pelo Serviço Social
brasileiro, Iamamoto (1997, p. 104 - 105) afirma que ele é demarcado pelas condições reais
e efetivas do exercício profissional, e tem a capacidade de,
por um lado [...] responder às demandas atuais feitas à profissão a partir da
realidade do mercado de trabalho, visto ser o assistente social um profissional
assalariado [...] e, por outro lado, de reconhecer e conquistar novas e criativas
alternativas de atuação, expressão das exigências históricas apresentadas aos
profissionais pelo desenvolvimento das sociedades nacionais. Subjacente a estas
afirmativas está o fato de ser o desenvolvimento da profissão compreendido
como um fenômeno histórico, [...] que resulta das determinações da realidade
social impostas à profissão pelas relações sociais de produção e pelos processos
políticos.
Se o projeto ético-político do Serviço Social sofre injunções do mercado,
respaldado no espaço da formação profissional pela LDB/96 (BRASIL, 1996), ele também
possibilita uma intervenção profissional alternativa, ancorada na realidade social, a ser
traçada pelos profissionais com base nas expressões da questão social. Nesse sentido, é
importante a reflexão da Comissão de Orientação e Fiscalização (COFI) do Conselho
Federal de Serviço Social (CFESS) (COFI/CFESS, 2002, p. 8) que considera
objeto do Serviço Social a questão social e as suas múltiplas determinações na
vida social, [...] demandas que compõem matéria prima da profissão. Cabe ao
profissional identificar os objetos, elaborar sua proposta de intervenção,
fundamentando sua prática cientificamente.
político-pedagógica ao processo de formação profissional (ABEPSS, 2007). As Diretrizes Curriculares da
profissão foram aprovadas em 1996, portanto, no período ABESS. Contudo, faremos referência a elas como
ABEPSS/1996, considerando que foram referendadas pelo MEC em 1999 (CRESS 7ª R., 2002).
71
O Código de Ética Profissional e a Lei de Regulamentação da Profissão são documentos normativos que
reafirmam e orientam, em seus princípios fundamentais, o compromisso teórico-político da categoria com a
democracia, a liberdade e a justiça social, estabelecendo: direitos e responsabilidades, relações profissionais
com os usuários, com as instituições empregadoras, com os assistentes sociais e outros profissionais, relações
com a própria categoria, suas entidades organizativas e outras da sociedade civil (CFESS/CRESS, 1993).
115
Avaliando a atuação do Serviço Social a partir dos anos de 1990, no Brasil,
percebe-se que a profissão se apresenta consolidada e com
autodomínio, construindo um processo crítico, consoante ao contexto da
redemocratização das instâncias públicas [...]. Assim, [...] foi possível atualizar
o texto de Lei [de regulamentação da profissão], que passou a identificar-se
como Lei 8662/93, datada de 07 de [...] [junho] de 1993 (COFI/CFESS, 2002, p.
11).
A Lei de Regulamentação da Profissão, Lei 8662/93 (BRASIL, 1993), o
novo Código de Ética Profissional de 30 de março de 1993 (CEFESS, 1993), as Diretrizes
Curriculares da ABEPSS (ABESS, 1996) orientaram a elaboração dos diversos projetos
pedagógicos dos cursos de Serviço Social, cujo reconhecimento é inquestionável nas várias
instâncias. No âmbito da produção científica, houve também grandes avanços, sobretudo
em decorrência da implantação de cursos de pós-graduação, o que tem assegurado, à
profissão, uma bibliografia própria e específica
72
. Os programas de pós-graduação, em
sentido estrito e lato, expandem-se nas universidades e abrem o diálogo do Serviço Social
com outras profissões e com assistentes sociais estrangeiros, em especial da América
Latina, cuja presença é mais notada nos cursos de mestrado e doutorado, na condição de
estudantes, conferencistas, professores e também compondo bancas da avaliação.
Desenvolve-se, portanto, um processo de maturidade política e profissional dos assistentes
sociais que intervieram até mesmo em fatos e acontecimentos nacionais: movimento das
Diretas , Assembléia Nacional Constituinte e promulgação da Constituição Brasileira
(1988), aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), do Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA) e outras (NETTO, 1996; COFI/CFESS, 2002).
Para Brites e Barroco (2000, p. 24), as diretrizes curriculares ao possibilitarem
o rompimento do Serviço Social “com o voluntarismo e o isolamento profissional e com as
falsas interpretações acerca da direção social do projeto ético-político profissional”, elas
asseguraram uma direção social aos cursos e à profissão fortalecendo a vertente de ruptura
do Serviço Social com a ordem burguesa e reafirmando o seu compromisso ético-político,
72
Em relação às produções científicas destaca-se a importância da revista Serviço Social e Sociedade, com
circulação no Brasil desde 1979, cuja veiculação tem uma periodicidade quadrimestral. Convém ressaltar
ainda as produções bibliográficas específicas do Serviço Social em virtude da implantação de cursos de pós-
graduação strictu e lato sensu, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Acerca dessa temática, ver
Kameyama (1998).
116
teórico-metodológico e técnico-operativo com os interesses da classe trabalhadora e com
as organizações populares, no enfrentamento da questão social. As autoras (2000, p.25),
afirmam a possibilidade de rompimento com a “idéia de que ética se reduz à subjetividade
e de que o Marxismo não leva em conta o indivíduo e a subjetividade”.
Nesse sentido, destaca-se que, ante as injunções e particularidades do modo de
produção capitalista, com maior produtividade decorrente do avanço do setor financeiro,
tecnológico e da automação, o Serviço Social, ancorado na direção dada pelo projeto ético-
político profissional, tem buscado intervir nas relações sociais capitalistas e no quadro de
exploração da força de trabalho que deflagra a questão social.
Desse modo, o processo de formação profissional em Serviço Social, apesar
das orientações emanadas da LDB/96 (BRASIL, 1996), busca garantir à profissão uma
direção social hegemônica que possibilite “integrar o rigor da crítica com a capacidade de
manter viva a iniciativa política” (IAMAMOTO, 2000, p. 38), isto é, assegurar a “direção
social, os eixos fundamentais, a perspectiva teórico-metodológica, a formação do mercado
de trabalho e o tratamento dispensado à análise da realidade social brasileira” (ABESS,
1996, p. 145).
A vivência do projeto ético-político-profissional constitui um desafio para a
profissão, pois avançar
na consolidação da hegemonia do projeto ético-político do Serviço Social nos
âmbitos do trabalho e da formação universitária requer a sabedoria de
antecipar sugestões, jogar com as cartas da política do ensino superior na busca
de reverter ou conduzir seu processo e resultados para os horizontes pretendidos
(IAMAMOTO, 2000, p. 38).
Assim, o processo de formação profissional em Serviço Social não se
reduziu à elaboração/reformulação de uma grade curricular, à oferta de um conjunto de
disciplinas, nem a um simples projeto para assegurar um título profissional ou uma
inserção no espaço sócio-ocupacional do assistente social.
A esse respeito, informa Kameyama (1998):
Subjacente ao esforço no sentido de ampliar o debate em torno da formação
profissional, [...] coloca-se o entendimento de que a revisão curricular não se faz
117
apenas por um ato legal, na medida em que se concebe que o currículo não se
limita a uma grade de disciplinas, mas engloba, de forma articulada, as três
dimensões de um projeto educacional: docência teórico-prática, pesquisa e
extensão, orientadas por diretrizes básicas norteadoras da formação profissional
(p.48).
O projeto de formação profissional caracteriza-se como um processo bem
mais amplo, que se fundamenta no movimento histórico da realidade e na articulação das
três dimensões do ensino docência teórico-prática, pesquisa e extensão que, em
conjunto, asseguram a direção social da formação profissional dos assistentes sociais
(KAMEYAMA, 1998).
A seguir, será feita uma análise da origem do Serviço Social no Brasil e em
Goiás, com a criação do curso de Goiânia em 1957, ocasião em que era forte a influência
dos princípios das Ciências Sociais no processo de formação dos assistentes sociais. Tal
fundamento possibilitava o aprimoramento dos instrumentos de intervenção junto à
pobreza, amenizando os conflitos, por meio de práticas ideológicas, paliativas e
ajustadoras, que escamoteavam sua dimensão político-ideológica, gerando a submissão e a
adequação social, sem questionamento da ordem vigente. Mas, a história da formação dos
assistentes sociais, não em Goiás, mas em todo o país aponta um processo em que os
fundamentos ético-políticos, teórico-metodológicos e técnico-operativos alteram-se
conforme orientação do projeto político-profissional da categoria e a realidade conjuntural,
o que tem desencadeado diferentes projetos curriculares e distintas práticas profissionais.
2.1 A ORIGEM DO SERVIÇO SOCIAL E A CRIAÇÃO DAS PRIMEIRAS
ESCOLAS NO BRASIL
Nesse item serão feitas algumas digressões acerca do contexto no qual emerge
o Serviço Social. As primeiras formas de assistência o assistencialismo e o filantropismo
que ocorreram na passagem do capitalismo concorrencial ao monopolista, na Europa, no
século XIX, sob a hegemonia da Inglaterra, considerada por alguns profissionais como o
ponto de arranque na constituição do Serviço Social. Contudo, essa concepção nega a tese
histórico-crítica do surgimento da profissão, ou seja, o surgimento da profissão em
decorrência do seu movimento histórico permeado pelo processo de desenvolvimento da
sociedade capitalista, em sua face monopolista, ou seja, o surgimento e a consolidação do
118
Serviço Social a partir da criação e inserção do assistente social em um espaço sócio-
ocupacional que lhe é específico. Tal posição é defendida por Netto (1992), Iamamoto
(1999) e outros.
constitui fundamento profissional do Serviço Social: a criação de um espaço
sócio-ocupacional onde o agente cnico se movimenta mais exatamente, o
estabelecimento das condições histórico-sociais que demandam este agente,
configuradas na emersão do mercado de trabalho.
Portanto, a discussão sobre a emersão do Serviço Social envolve diferenças,
demarcadas e tensionadas
pela conjunção de uma dupla dinâmica: a que decorre do confronto entre os
protagonistas sócio-históricos na emersão da ordem monopólica e a que se
instaura quando, esbatendo mediatamente aquele confronto na estrutura sócio-
ocupacional, todo um caldo cultural se instrumentaliza para dar corpo a
alternativas de intervenção social profissionalizadas. Ambas as dinâmicas se
inscrevem no tecido armado pelo jogo das forças das classes sociais, ainda que
não sejam diretamente redutíveis a este postos o peso específico e a
configuração peculiar dos vetores constitutivos daquele caldo cultural (NETTO,
1992, 76).
Numa retomada do desenvolvimento e expansão do modo de produção
capitalista, em escala mundial, observa-se em vários países, a precarização econômica e a
dependência determinando e ocultando que tal desenvolvimento é decorrente da
concentração da terra, do avanço da tecnologia no campo com a expulsão e migração dos
trabalhadores da área rural para as áreas urbanas, num movimento campo-cidade, cujo
resultado logo se manifesta nas expressões da questão social, principalmente nas grandes
cidades. Essa dinâmica deixa marcas tanto na concentração da riqueza quanto na expansão
da pobreza, pois as perversas condições do modo de produção capitalista impediam que,
por meio do trabalho
73
, a realidade de vida dos trabalhadores alcançasse outro patamar
pois, a
reprodução ampliada do capital é acompanhada não só de uma reprodução
ampliada das relações de classes, à proporção que o proletariado absorvido
pelo capital se expande; mas esta reprodução da relação social é também uma
reprodução do antagonismo de classe que tendem a se aprofundar. A
73
Para Marx (1991, p. 41) o “trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o
homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. (...) se defronta com
a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua
corporalidade [...] a fim de apropriar-se na matéria natural numa forma útil para sua própria vida”. Nesse
movimento, homem e natureza modificam-se. O homem, por meio de sua força de trabalho, modifica a
natureza, e ao fazê-lo, ele também se modifica, diz o autor.
119
acumulação da miséria é proporcional á acumulação do capital
(IAMAMOTO; CARVALHO, 1985, p. 62)
Segundo Marx (1988) o trabalho é uma categoria muito simples e muito antiga
que, no modo de produção capitalista, de um lado eleva o número de desempregados à
disposição do capital o exército de reserva e cria os dependentes da assistência social e,
de outro, facilita aos segmentos dominantes, a apropriação individual da riqueza produzida
coletivamente.
Prossegue o autor, enfatizando que há uma troca desigual em que
o trabalho que e valor de troca se caracteriza pela apresentação, por assim
dizer, às avessas, da relação social das pessoas [...]. Somente na medida em que
um valor de uso se relaciona com um outro como valor de troca é que o trabalho
das diferentes pessoas se relaciona entre si como igual e geral. Por isso, se é
correto dizer que o valor de troca é uma relação entre pessoas, é preciso
acrescentar: relação encoberta por coisas [...] de tal maneira que a relação das
pessoas com seu trabalho se apresenta como sendo um relacionamento de coisas
consigo mesmas e de coisas com pessoas (MARX, 1991, p. 40, 41).
Nesse sentido, a “utilização da força de trabalho é o próprio trabalho”, assinala
Marx (1988, p. 142), pois a categoria que produz a riqueza é o trabalho, em um processo
em que “o comprador da força de trabalho a consome ao fazer trabalhar o vendedor dela”
(MARX, 1988, p. 142).
Portanto, é pelo trabalho que os homens estabelecem relações consigo mesmos,
com a natureza e com os outros homens
74
, condição que, no sistema capitalista, não se
apresenta aos trabalhadores. O capital expropriou o trabalhador do domínio e do uso de sua
força de trabalho, e lhe impôs condições consideradas por ele necessárias ao
desenvolvimento das relações de trabalho e que vêm alterando a relação homem-homem,
homem-natureza.
São relações que não deixam opção ao trabalhador que, a um tempo, precisa
assegurar a reprodução/reprodução de sua força de trabalho, sua sobrevivência e de sua
74
“O primeiro pressuposto de toda história humana é naturalmente a existência de indivíduos humanos vivos
[...]. Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião, ou por tudo que se queira. Mas
eles próprios começam a se diferenciar dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida [...].
Produzindo seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material. [...]. O que
eles são coincide, portanto, com sua produção, tanto com o que produzem, como com o modo como
produzem. O que os homens são, portanto, depende das condições materiais de sua produção”, declaram
Marx e Engels (1993, p. 27 - 28).
120
família, e a reprodução ampliada do capital. É uma relação permeada por contradições e
confrontos em que prevalece a gica do capital. O trabalhador, cidadão livre, vende sua
força de trabalho perdendo todos os direitos sobre ela. Assim, o trabalho, atividade por ele
realizada, perde sua função social, que é transferida a um dono que passa a consumi-la
como seu proprietário. Seu valor é calculado segundo aquele que a compra, pois sua oferta,
historicamente, é bem maior que a procura, o que faz baixar seu custo. Assim, crescem os
lucros dos que detêm o capital e são rebaixados os preços, expressos nos salários dos que
vendem a força de trabalho.
A força de trabalho é então tratada como uma mercadoria, apropriada e
consumida pelo capitalista, evidenciando dois fenômenos peculiares:
O trabalhador trabalha sob o controle do capitalista a quem pertence seu
trabalho [...]. porém: o produto é propriedade do capitalista, e não do produtor
direto, do trabalhador [...]. A partir do momento em que ele [o trabalhador]
entrou na oficina do capitalista, o valor de uso de sua força de trabalho, [...]
pertence ao capitalista. O capitalista, mediante a compra da força de trabalho,
incorporou o próprio trabalho, como fermento vivo, aos elementos mortos
constitutivos do produto, que lhe pertencem [...]. O processo de trabalho é um
processo entre coisas que o capitalista comprou, entre coisas que lhe pertencem.
O produto desse processo lhe pertence de modo inteiramente igual ao produto
do processo de fermentação em sua adega (MARX, 1988, p. 147).
O trabalhador é, portanto, espoliado daquilo que lhe é inerente, sua força de
trabalho, que não mais lhe pertence.
A partir do final do século XVIII e início do século XIX, a classe trabalhadora
começou a viabilizar seu processo de organização. A Inglaterra, berço e palco dos
primeiros protestos dos operários fabris, nesse período, sofreu a revolta dos trabalhadores
contra a submissão da vida humana aos interesses do capital. Assistiu à destruição de
fábricas e máquinas, pois os trabalhadores, como classe em si, ainda não tinham
consciência de que seus reais opressores eram os donos dos meios de produção e não as
máquinas e as indústrias. Assim, nessa fase de organização, dirigiam-se
não diretamente ao opressor, ao explorador, mas ao instrumento da exploração,
ao símbolo da opressão: a máquina [...]. A vitória da máquina significava a
derrota do trabalhador; para não ser derrotado, era preciso destruí-la, bem como
a fábrica que a abrigava (MARTINELLI, 1995, p. 43 - 44).
Com o avanço da organização, a consciência de classe para si começou a
121
desenvolver-se, o que possibilitou o redirecionamento no alvo de seus protestos aos
patrões. Contudo, os trabalhadores se perceberam como classe às vésperas da Primeira
Guerra Mundial, com a fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores
75
.
Ressalta Netto (1992, p. 56) que
é o protagonismo proletário que [...] põe a resolução da “questão social” como
variável das lutas direcionadas à ultrapassagem da sociedade burguesa. [...]
trata-se de visualizar a sua solução como processo revolucionário. Isto é: a
“questão social” é colocada no seu terreno específico, o do antagonismo entre o
capital e o trabalho, nos confrontos entre seus representantes.
Assim, havia uma tímida mistura de rebeldia e resistência, pois os
trabalhadores adotavam uma atitude submissa e dócil, virtudes enaltecidas pela igreja e
adotadas também pelo Serviço Social. A realidade de vida dos trabalhadores rurais em
busca de emprego, dos trabalhadores urbanos empregados, mas recebendo baixos salários,
e dos desempregados, elevava o quantitativo de trabalhadores em busca da sobrevivência.
Como resultado, mais miséria e pauperismo em toda a Europa.
Convém lembrar que as leis e decretos de proteção dos trabalhadores,
promulgados desde os séculos XIV, algumas com vigência ainda no século XIX, visavam
não a defesa, mas a repressão e o controle desse segmento, com restrições ao seu direito de
liberdade. Tais documentos favoreciam os interesses da burguesia, que tinha o domínio da
mão-de-obra. Contudo, esses dispositivos legais não eram suficientemente eficazes para
conter os protestos e as manifestações dos trabalhadores cujas lutas objetivavam não
apenas a sobrevivência e a organização, mas dirigiam-se contra os próprios documentos
76
.
75
Somente com a fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores teve início o processo de
organização dos trabalhadores, “queestará consolidado às vésperas da Primeira Guerra Mundial, (...) pelo
qual a classe operária urbana vai elaborar os seus dois principais instrumento de intervenção cio-política, o
sindicado e o partido proletário” (NETTO, 1992, p. 51).
76
Historicamente, as leis e decretos referidos são dispositivos promulgados ideologicamente e nos marcos do
liberalismo. Segundo Faleiros (1980), eram justificados pela necessidade da assistência aos pobres, segmento
social considerado pela burguesia européia como
social
mente
incapaz; contudo, amparavam não os
trabalhadores, mas os segmentos dominantes da sociedade. O Estatuto dos Aprendizes (1563), por exemplo,
restringia a liberdade dos trabalhadores, denominados aprendizes de ofício, facultando aos donos de terras
recrutar mão-de-obra e denunciar os que recusassem o trabalho. O Estatuto dos Residentes e a Lei do
Assentamento (ambas do século XIV) impediam que o trabalhador se deslocasse entre aldeias sem o
consentimento, por escrito, da autoridade local. Outra iniciativa foi a Poor Law (Lei dos Pobres) na
Inglaterra, em 1597, que declarava indigentes as pessoas que eram atendidas pelo sistema modalidades de
assistência pública e lhes retirava o direito de cidadania. Ficavam confinadas nas casas de correção, pois a
pobreza era considerada problema individual, um desvio de caráter. Registra ainda o autor (1980), que a
122
Por vezes são necessárias essas digressões para mostrar o contexto em que
emerge o Serviço Social, pois a profissão se explica na história. Nesse sentido,
reportando-se a atuação da igreja católica, em especial no continente europeu, observa-se o
desenvolvimento de ações assistencialistas, de cunho caritativo, no atendimento às
necessidades materiais dos pobres, visando amenizar os efeitos da desigualdade social,
realizadas, sobretudo por meio de mulheres voluntárias. Essas ações promoviam a
assistência, mas, também, o controle e a repressão, para que a ordem social fosse mantida.
As atividades eram fortemente apoiadas nos princípios da igreja católica da época
77
e se
desenvolviam sob inspiração das virtudes teologais fé, esperança e caridade e dos
princípios emanados principalmente pelas encíclicas
78
Rerum novarum (1891) e
Quadragesimo anno (1931), por documentos posteriores e pela filosofia de São Tomás de
Aquino, o neotomismo
79
. Os fundamentos da tradição católica com base no neotomismo
fundamentavam os postulados e os princípios operacionais do Serviço Social
80
.
proteção aos trabalhadores eram desenvolvidas nas work houses casas de internamento e as indoor relief
a ajuda intramuros. Segundo o autor, uma ajuda de fato, o primeiro mínimo social, foi arbitrado, no final
do século XVIII (1795), quando os juízes ingleses, diante da fome na cidade de Spenhamland, calcularam o
valor diário do mínimo social tendo como referência o preço do pão. Assim, os pobres recebiam, por dia,
uma quantia equivalente ao preço do pão.
77
Em pesquisa documental nos trabalhos de conclusão do curso (TCCs) dos primeiros estudantes do Curso
de Serviço Social da Escola de Goiânia, encontra-se já no epígrafe de um dos TCCs que relata a experiência
do estágio na área da saúde, a confirmação e o exemplo da tendência da igreja por meio da caridade, externar
o amor ao próximo. Diz a epígrafe, “A medicina, como o Serviço Social é a ciência do ‘próximo é a arte do
‘próximo’ é a religião do ‘próximo’” (PAES, 1960).
78
A encíclica Rerum Novarum, publicada em 1891, por Leão XIII, trata de direitos e responsabilidades do
capital e do trabalho. Descreve a função do governo e defende o direito dos trabalhadores à organização de
associações. Conforme Ferreira et al. (1983, p.21) “os assistentes sociais declararam o Dia do Assistente
Social no país, escolhendo a data da Rerum Novarum que é, [...] a carta do trabalhador, a carta magna do
operariado. Isto mostra a harmonia que existe, mostra a influência da Igreja”. A Quadragésimo Anno, de
1931, publicada por Pio IX, trata da ordem social, os efeitos da cobiça e da concentração do poder
econômico; clama pela justa distribuição da riqueza; defende o direito à propriedade; declara a finalidade
social da propriedade e o seu papel na promoção da harmonia entre as classes sociais (Encíclicas sociais,
http://pensocris.vilabol.uol.com.br/enciclicas.htm); acesso em 29 de nov de 2006). A encíclica Quadragésimo
Anno, difere-se das demais por apontar caminhos para a solução da chamada questão social, buscando a
humanização nas relações sociais de trabalho, justamente quando o modo de produção capitalista, apoiado na
industrialização, assumia novas dimensões, cada vez mais perversas, acentuando a má distribuição de renda e
a exploração da força de trabalho, concorrendo para o crescimento da situação de pobreza e miséria que
reinava na Europa, mais especificamente da Inglaterra (Encíclicas sociais,
http://pensocris.vilabol.uol.com.br/enciclicas.htm); acesso em 29 de nov de 2006).
79
O neotomismo significa a retomada no século XX da filosofia de Santo Tomás de Aquino do século XII.
Sua presença é marcante nas primeiras décadas do século XX, com sua doutrina que analisa o homem como
um ser individual “composto de duas substâncias incompletas: a alma e o corpo. A união dessas duas
substâncias numa substância única [...] nos o ser humano(AGUIAR, 1984, p. 41 - 42). Fundamenta-se,
ainda, o neotomismo nas “leis que dirigem a comunidade ao bem-comum: a lei natural, a lei humana e a lei
divina. [Na relação Estado e igreja, o] Estado deve respeitar a Igreja. Assim não existe conflito entre e
123
A ênfase à ideologia da igreja e dos princípios das Ciências Sociais perpassou
o processo de formação e o exercício profissional, estabelecendo conceitos diversos, a
exemplo o de homem e de sociedade, segundo a “estrutura do Estado, da Família e da
Profissão” (FERREIRA, 1959, apud. MIGUEL, 1980, p. 26).
Com base no neotomismo, cada pessoa deve cumprir bem seu papel, sua
função na sociedade, para que não haja conflitos, para que seja mantida a ordem e, em
decorrência, todos possam alcançar o progresso
81
. “Estaremos, assim, os Assistentes
Sociais contribuindo para minorar um pouco o sofrimento de nossos semelhantes,
praticando deste modo, o grande princípio do Serviço Social O IDEAL DE SERVIR”,
afirma Jordão (1960, p. XIII). Essa posição nega a sociedade de classes e a concentração
de renda, tratando todos como iguais, em uma sociedade do faz de conta, dita homogênea,
que oferece “as mesmas condições” para todos, independentemente de situação econômica,
raça e credo, regida, portanto, pela neutralidade, pela justiça, e pelo amor ao próximo. Essa
foi a base que sustentou os primeiros Cursos de Serviço Social no Brasil, uma
miscigenação entre filantropia
82
e profissão que envolvia, segundo Netto (1992), uma
relação que é
razão, e se cada um procura realizar sua tarefa não há conflito entre Igreja e Estado” (AGUIAR, 1984, p. 43).
Com fundamentação conservadora os princípios do neotomismo cruzam, em nome da religião e da paz,
interesses próprios da igreja e do Estado que, juntos, se arrogam guardiães da ordem e do equilíbrio na
sociedade, articulando e razão. O trabalho de conclusão de curso do Curso de Serviço Social mostra a
fundamentação neotomista presente em seu estágio curricular na área de saúde, conforme registra Paes (1960,
p. 3): “A medicina psico-somática no seu desenvolvimento mostra-nos o paciente como uma unidade
composta de corpo e espírito e que sofre, portanto, influência de ambos”.
80
Eram os postulados do Serviço Social à época: dignidade da pessoa humana, sociabilidade essencial da
pessoa humana, perfectibilidade humana. Dos postulados, decorrerem os princípios operacionais da
metodologia do Serviço Social: a) estímulo ao exercício da livre escolha e da responsabilidade das decisões;
b) respeito aos valores, padrões e pautas culturais; c) ensejo à mudança no sentido da auto-promoção e do
enriquecimento do indivíduo, do grupo, da comunidade, das populações; d) atuação dentro de uma
perspectiva de globalidade da realidade social (AGUIAR,1984; MIGUEL, 1980; SÁ, 1995).
81
Deve-se lembrar os dizeres de ordem e progresso da bandeira brasileira têm uma fundamentação ídeo-
política, de cunho positivista, voltado para a manutenção dos interesses burgueses de ordem para a
conservação da realidade tal como está e, assim, assegurar o progresso, uma proposta conservadora de não-
mudança.
82
Para a igreja, a filantropia justifica-se pois a questão social, antes de ser uma questão econômico-política, é
uma questão moral e religiosa. A sociedade é tida como um todo unificado, mediante conexões orgânicas
existentes entre seus elementos, que se sedimentam pelas tradições, dogmas e princípios morais de que a
Igreja é depositária. Deus é a fonte de toda a justiça, e apenas uma sociedade baseada nos princípios cristãos
pode realizar a justiça social” (IAMAMOTO, 1997, p. 18).
124
inegável e, [...] muito complexa; de um lado compreende um universo ídeo-
político e técnico-cultural, que se apresentam no pensamento conservador; de
outro, envolve modalidades de intervenção características do caritativismo
ambos os veios cobrindo igualmente a assistência “organizada” e o Serviço
Social. NETTO (1992, p. 66-67).
Essa relação de continuidade na profissão é assumida por alguns autores para
explicar sua gênese. Contudo, o Serviço Social como profissão inserida na divisão sócio-
técnica do trabalho é reconhecido a partir das demandas do mercado, representado
prioritariamente pelo Estado, que contrata os assistentes sociais para desenvolver
atividades interventivas na área social. Assim, é traçado o caminho da profissionalização
pelo reconhecimento do trabalho do Serviço Social e a inserção dos assistentes sociais no
espaço sócio-profissional.
Mas, pondera Netto (1992), a concretização, de fato, da ruptura do Serviço
Social com suas protoformas expressa,
objetivamente, a condição do agente e o significado social da sua ação; o
agente passa a inscrever-se numa relação de assalariamento e a significação
social do seu fazer passa a ter um sentido novo na malha da reprodução das
relações sociais (p. 69).
A emergência do Serviço Social como profissão, é posta no processo de
compra e venda da força de trabalho, ou seja, ele se constitui profissão quando o assistente
social se insere no mercado como trabalhador e passa a desempenhar funções de
intervenção no sentido de reduzir as mazelas decorrentes do modo de produção
capitalista
83
.
Para Netto (1992) a profissionalização do assistente social ocorreu com sua
inserção no mercado por meio de relações de trabalho e de assalariamento, para intervir
nas expressões da questão social com parâmetros profissionais.
É com esse giro que o Serviço Social se constitui como profissão, inserindo-se
no mercado de trabalho [...] tornando-se vendedor de sua força de trabalho. [...]
Não é a continuidade evolutiva das protoformas ao Serviço Social que esclarece
a sua profissionalização, e sim a ruptura com elas (NETTO, 1992, p. 69).
83
Observa-se que a demanda da atuação do assistente social, segundo Iamamoto e Carvalho (1985, p. 84),
“não deriva daqueles que são o alvo de seus serviços profissionais – os trabalhadores – mas do patronato, que
é quem diretamente o remunera, para atuar, segundo metas estabelecidas por estes, junto aos setores
dominados. Estabelece-se, então, uma disjunção entre intervenção e remuneração, entre quem demanda e
quem recebe os serviços profissionais”.
125
Portanto, o Serviço Social só é considerado
prática institucionalizada e legitimada na sociedade ao responder às
necessidades sociais derivadas da prática histórica das classes sociais na
produção e reprodução dos meios de vida e de trabalho de forma socialmente
determinada (IAMAMOTO, CARVALHO, 1985, p. 16).
Completa Iamamoto e Carvalho (1985) afirmando que o basta ao assistente
social ter um contrato de trabalho ou estar inserido no mercado para que a profissão seja
caracterizada como prática institucionalizada; é necessário que ela responda às
necessidades sociais, e não são quaisquer necessidades sociais, mas aquelas “derivadas da
prática histórica das classes sociais na produção e reprodução dos meios de vida e de
trabalho” (p. 16).
Assim, analisar historicamente o Serviço Social implica o estudo do
movimento que envolve o exercício profissional e o processo de formação dos assistentes
sociais em diferentes contextos e conjunturas, articulando, portanto, a profissão com a
totalidade e a história, o que tem desencadeado novos projetos profissionais e várias
mudanças curriculares.
Com a expansão e maior consistência do desenvolvimento industrial brasileiro,
tornavam-se mais evidentes as mazelas do modo de produção capitalista, o antagonismo
entre operariado e burguesia nacionais, o acirramento das contradições capital e trabalho
com uma maior explicitação das diversas manifestações da questão social que assumia
dimensões bem mais visíveis e perversas.
Além do capitalismo agrícola, Vargas incentivou e apoiou o capitalismo
industrial urbano, mesmo enfrentando resistências da oligarquia brasileira, representada
pelos cafeicultores que consideravam incompatíveis a industrialização e a economia
agrícola da nação. Mas, “é das mãos desse grupo de cafeicultores que sairão os capitais
utilizados nos impulsos iniciais à industrialização” (IANNI, 1963, p. 20). Assim, a inserção
do capitalismo no Brasil ampliava-se sem rupturas com a oligarquia agrária.
Para amenizar as tensões e manter a ordem, o Estado que até então tratava a
questão social como caso de polícia, em nome da sua regulação e controle, passou a
intervir em suas expressões e incorporando algumas das reivindicações dos trabalhadores.
126
Dessa forma, demonstrava interesse pelas causas encaminhadas pelos trabalhadores,
conseguindo adesão desse segmento, apoio e participação aos propósitos/projetos em
andamento, com o avanço do novo pólo industrial e manutenção do sistema vigente.
Esclarece Netto (1992) que:
o capitalismo monopolista, pelas suas dinâmicas e contradições, cria condições
tais que o Estado por ele capturado, ao buscar legitimação política através do
jogo democrático, é permeável a demandas das classes subalternas, que podem
fazer incidir nele seus interesses e suas reivindicações imediatas. [...] este
processo é todo ele tensionado, o pelas exigências da ordem monopólica,
mas pelos conflitos que esta faz dimanar em toda a escala societária (p. 25).
A história do Serviço Social brasileiro mostra que no quadro conjuntural da
década de 1930, governo Vargas, emergiram os primeiros cursos, iniciativa do Estado
varguista e segmentos dominantes da sociedade no sentido de assegurar a força de trabalho
necessária à criação de um projeto nacional industrial, de caráter burguês, de expansão do
modo de produção capitalista interno, com subordinação ao capital internacional
84
. O
processo de acumulação capitalista brasileiro inseria-se no pólo industrial, novo mercado
em consolidação no governo Vargas, com fortes vínculos ao mercado mundial. Foi
um momento excepcionalmente rico de significações, pela maneira como
ilumina o fenômeno da instauração do capitalismo industrial no Brasil. [...]
[Abrange] dois períodos singulares das transformações históricas da sociedade:
a vigência do sistema agrário-comercial, amplamente vinculado ao capitalismo
internacional [...] e a época do sistema urbano-industrial (IANNI, 1963, p. 18).
São condições materiais concretas que tornam a questão social mais perversa e
mais visível, objetivando a criação de Cursos de Serviço Social no Brasil, iniciativa de
grupos e frações da classe dominante, da igreja e do Estado. Foi grande o incentivo da
igreja junto aos movimentos laicos, para que apoiassem essa iniciativa, compondo as
primeiras turmas do curso.
A adesão desses grupos possibilitou a criação da
84
Conforme Fiori (2003, p. 269), os “efeitos econômicos da nova posição hegemônica da Inglaterra
alcançam o Brasil, na segunda metade do século XIX, quando o país é reintegrado na economia-mundo
européia, na condição de periferia econômica primário-exportadora. Até a crise econômica mundial de 1930
o país segue uma trajetória de crescimento e modernização restrita a suas áreas exportadoras”.
127
primeira escola brasileira [...] fundada em São Paulo em 1936, pelo Centro de
Estudos e Ação Social (CEAS) que dava assim cumprimento a uma de suas
principais finalidades: difundir e intensificar a formação e ação social católicas
(FERREIRA, apud MIGUEL, 1980, p. 20).
A criação dessa escola ocorreu, informa Miguel (1980), sob a
influência do pensamento católico europeu bastante experiente no
‘tratamento’ aos problemas sociais, sobretudo daqueles decorrentes da
Revolução Industrial, no que diz respeito à condição de exploração da classe
operária (p. 26).
Por meio das escolas, dava-se início à preparação de pessoal para intervir nas
expressões da questão social, ou seja, para que se constituíssem as “bases materiais e
organizacionais, e principalmente humanas, [...] de apoio à expansão da Ação Social”
(CARVALHO, 1980, p. 48).
Em 1937, foi criada a segunda Escola de Serviço Social, no Rio de Janeiro e,
nos anos seguintes, surgiram várias escolas em todo o território nacional, difundindo a
profissão, sempre sob a influência dos princípios da igreja católica, de origem européia.
De acordo com Iamamoto (1997),
a profissão o se caracteriza [...] como nova forma de exercer a caridade, mas
como forma de intervenção ideológica na vida da classe trabalhadora, com base
na atividade assistencial; seus efeitos são essencialmente políticos: o
enquadramento dos trabalhadores nas relações sociais vigentes, reforçando a
mútua colaboração entre capital e trabalho (p. 20).
A justificativa para a criação dessas escolas era a falta de pessoal preparado
para lidar com os problemas sociais; em outras palavras, a necessidade de profissionais
com condições de intervir nas manifestações da questão social, promover o ajustamento
dos indivíduos, tendo em vista a manutenção da ordem e o equilíbrio na sociedade.
Diante das mudanças estruturais e políticas ocorridas a partir da década de
1930, e na expectativa em restabelecer antigos privilégios, a igreja aliou-se ao Estado, em
uma
relação de ambigüidade, [...] unidos pela preocupação [em] resguardar e
consolidar a ordem e a disciplina social se mobilizaram para, a partir de
distintos projetos corporativos, estabelecer mecanismos de influência e controle
128
[...] que a ordem anterior não fora capaz de preencher (CARVALHO, 1980, p.
53 - 54).
Segundo o editorial da revista Serviço Social e Sociedade (1983, p. 4 - 5), na
primeira fase da trajetória do Serviço Social, o
pensamento consensual, a visão harmônica da sociedade, de colaboração e
solidariedade entre as classes sociais [...] não são aleatórios. Integram-se a um
projeto político de um dos segmentos da Igreja Católica, quando nessa época
adotava como proposta de intervenção a construção de uma sociedade
consensual. [...] não punha em questão o modo de produção capitalista,
propondo-se a humanização através da colaboração entre as classes em conflito.
Essa concepção, e consequentemente a prática da profissão, torna-se
hegemônica. Isto é, os profissionais que assumiam posições de comando de
instituições e escolas partilhavam dessa ideologia, respaldados na militância
política do movimento católico.
Mediados e defendidos pela igreja e pelo Estado os projetos de interesse da
burguesia significavam, a um tempo, o apoio à expansão ou amadurecimento do
mercado de trabalho e a difusão do sistema capitalista. Esse processo gerava mais
empregos, e também, a produção da mais-valia, o aumento e a centralização do capital, em
síntese, maior desigualdade e maior pauperização dos trabalhadores brasileiros.
Iamamoto (1999, p. 27) ressalta a importância da resistência dos trabalhadores,
pois é na “tensão entre produção da desigualdade e produção da rebeldia e da resistência”
que os grupos sociais se organizam. Também nessa relação, de forma ideológica, a questão
social naturalizava-se como uma situação que independe do sistema ou das relações por ele
estabelecidas. É como se toda a situação sócio-econômica das pessoas dependesse delas
próprias, individualmente, pois “todos são iguais perante a lei” e “todos têm iguais
oportunidades”, como apregoa o liberalismo
85
.
Os princípios do liberalismo, verdadeiros axiomas dessa ideologia, sustentaram
o pensamento da época em vários organismos de diferentes países, defendendo o
individualismo, a liberdade, a propriedade, a igualdade e a democracia.
85
“O liberalismo é um sistema de idéias elaborado por pensadores ingleses e franceses no contexto das lutas
de classe da burguesia contra a aristocracia. E foi [...] no século XVIII, na França, que essa doutrina se
corporificou na bandeira dos revolucionários de uma classe, a burguesia e na esperança de um povo que a ela
se uniu”, afirma Cunha (1985, p. 27). Seus princípios: o individualismo, cujo maior expoente e defensor é
Jonh Locke que defende o estado natural dos homens “em que prevaleciam a liberdade e a igualdade”, afirma
Cunha (1985, p. 28). Nesse estado, prevalece a lei do mais forte, provocando confusão o que leva à
insegurança. Assim, surgiu o Estado, cuja função social é estabelecer a ordem permitindo a cada indivíduo,
em competição com os demais, o seu pleno desenvolvimento segundo suas condições e potencialidades.
129
Declara Cunha (1985) que o
individualismo acredita terem os diferentes indivíduos atributos diversos e é de
acordo com eles que atingem uma posição social vantajosa ou não. Daí o fato de
o individualismo presumir que os indivíduos tenham escolhido voluntariamente
[...] o curso que os conduziu a um certo estágio de pobreza ou riqueza” (p. 28 -
29).
Desse modo, pode-se dizer que por meio da ideologia dominante inculca-se nos
trabalhadores a idéia de que são pobres, em razão da inépcia em direcionar suas vidas.
Assim, eles passam a aceitar a responsabilidade por tal situação, por eles e pela sociedade
considerada como fracasso pessoal. O sistema capitalista deixa de ser o elemento
determinante das condições de vida dos trabalhadores, bem como o responsável pelas
desigualdades que imperam na sociedade. A condição de pobreza é transferida aos
trabalhadores e por eles assumida como decorrência da falta de estudos ou da falta de
competência própria para manterem a si mesmos e à sua família, e até mesmo para
conseguirem trabalho.
Esse argumento, de cunho liberal e positivista, torna-se expressão do discurso
dominante para justificar o desemprego e os baixos salários. Nesse sentido, a falta de
saúde, de educação, de moradia, o próprio desemprego e outras manifestações da questão
social, que decorrem da constituição estrutural do país, é assumida como incompetência e
inabilidade de cada um dos trabalhadores, daí sua anuência às normas vigentes e a
subjugação ao stato quo. Trata-se de uma posição tacanha que visa, pelo senso comum, a
naturalização da miséria e da pobreza, como se progresso social fosse uma decorrência do
progresso individual.
É oportuno destacar um dos princípios basilares apregoado pelo liberalismo – a
liberdade. Nesse desiderato, o indivíduo é “livre”, condição para o gozo da liberdade
individual, em quaisquer dos aspectos: econômico, intelectual, política, social, religioso e
outros, para buscar sua posição na sociedade.
Cunha (1985) chama a atenção sobre o discurso que o liberalismo tece em
relação ao
princípio da liberdade para combater os privilégios conferidos a certos
indivíduos em virtude de nascimento ou credo. O princípio da liberdade
130
presume que um indivíduo seja tão livre quanto outro [perante a lei], para
atingir uma posição social vantajosa, em virtude de seus talentos e aptidões. (p.
29).
Com base em princípios constitutivos do ideário liberal, a sociedade é “igual”
para todos. Segundo Cunha (1985, p. 33), “a doutrina liberal reconhece as desigualdades
sociais e o direito que os indivíduos mais talentosos têm de ser materialmente
recompensados”. Se a sociedade oferece as mesmas oportunidades a todos, conforme a
doutrina liberal, apesar das desigualdades sociais, ela “supõe necessariamente que, em
última instância, o destino pessoal é função do indivíduo como tal [...] tanto o êxito como o
fracasso sociais são creditados ao sujeito individual tomado enquanto mônada social”
(NETTO, 1992, p. 31- 32).
Em razão das idéias difundidas pela vertente liberal calcada nas concepções de
individualismo, de liberdade e de igualdade perante a lei, todos podem participar do poder,
que é um direito de cidadania, podem governar ou serem governados, votarem e/ou serem
votados. No entanto, as condições de participação em eleições são determinadas por
parâmetros financeiros, que impedem muitos trabalhadores de fazer parte de campanha
eleitoral, pois não têm condições de arcar com os seus altos custos.
um outro princípio que relacionado aos citados fortalecem ainda mais os
interesses da burguesia; é o princípio da propriedade, que segundo Locke, é um direito
natural dos homens.
Mas, nem todos gozam desse direito natural; aliás, poucos sequer conseguem a
casa própria. Cunha (1985) declara que, na:
“Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, da Revolução Francesa, a
propriedade aparece imediatamente após a liberdade entre os “direitos naturais
imprescindíveis”. [...] Locke considera que o Estado existe para proteger os
interesses do homem que, pelo seu próprio esforço, acumulou bens e
propriedades [...] qualquer indivíduo pobre, mas que trabalha e tenha talento,
pode adquirir propriedade e riqueza (p. 30 - 31).
Cumpre salientar que os princípios do liberalismo regem não apenas a
organização da sociedade, eles orientam projetos e propostas curriculares de vários cursos
superiores, compondo disciplinas e dando sustentação aos processos de formação
profissional. Justifica-se então o assistente social contribuir para o tratamento das
131
disfunções sociais que se manifestam nos indivíduos, visando ajudá-los a superar a
situação de incapacidade, seja ela material ou moral, superar os desajustamentos e
reintegrá-los na sociedade como cidadãos úteis. Esse trabalho, que se vincula ao Serviço
Social tradicional
86
, era realizado com base na influência norte-americana na profissão,
década de 1940. De cunho curativo, preventivo e promocional o Serviço Social visava
assegurar o equilíbrio e a harmonia na sociedade, considerados ainda, por muitos,
elementos fundamentais à vida coletiva.
De forma fragmentada, o processo teórico-metodológico do Serviço Social
tradicional, era desenvolvido em três níveis de intervenção individual, grupal e comunitária
por meio do serviço social de caso, serviço social de grupo e serviço social de comunidade
que passou a desenvolvimento e organização de comunidades, sendo posteriormente
denominado desenvolvimento de comunidades (DC).
Somente na conjuntura de 1954, precisamente no mês de abril, que o presidente
da república Getúlio Vargas (1951-1954), com a assinatura do Decreto n.º 35.311/54,
regulamentou o ensino do Serviço Social em todo o Brasil (MIGUEL, 1980).
Segundo Miguel (1980, p. 59), em
seu artigo 2º [o referido decreto] define como finalidades do curso:
I – promover a formação de pessoal técnico habilitado para execução
[...]
e
direção do Serviço Social.
II aperfeiçoar e propagar os conhecimentos e técnicas relativas ao Serviço
Social;
III contribuir para criar ambiente esclarecido que proporcione a solução
adequada dos problemas sociais.
As finalidades estabelecidas pelo decreto fortaleceram a prática profissional
conservadora dos assistentes sociais do Brasil e deram direção ao processo de formação
profissional, com o objetivo de exercer o controle e a disciplina na sociedade.
86
Netto (1981) chama a atenção para o conceito de Serviço Social tradicional, distinguindo-o do Serviço
Social clássico, realizado pelos pioneiros e que se constitui nas fontes da profissão como exemplo, ele cita
Mary Richmond. Já por “Serviço Social Tradicional deve entender-se a prática empiricista, reiterativa,
paliativa e burocratizada que os agentes realizavam e realizam efetivamente na América-Latina.
Evidentemente, um nexo essencial entre ambos: parametra-os uma ética liberal-burguesa e sua teleologia
consiste na correção – numa ótica claramente funcionalista – de resultados psicossociais considerados
negativos ou indesejáveis” (NETTO, 1981, p. 59 - 60).
132
Nesse período o processo de formação profissional ainda fundamentava-se no
neotomismo e nas orientações das Ciências Sociais, principalmente no positivismo,
visando a preparação de profissionais para uma intervenção segundo aqueles parâmetros,
ou seja, a busca do ajustamento, da integração social, da harmonia e do equilíbrio da/na
sociedade. Sob
influência da visão funcionalista/reformista e da filosofia de Maritain, [...] [o
curso buscava] pela formação teórico-prática, desenvolver o homem
integralmente e ainda, sob os propósitos desenvolvimentistas, [...] superar as
condições de subdesenvolvimento em que se encontrava o país (UCG/SER,
1984, p. 18 - 19).
São esses os propósitos orientadores do currículo mínimo de 1953, conduzido
pela ABESS, hoje ABEPSS, e homologado pela Lei 1.889/53, de 13 de junho de 1953
(BRASIL, 1953). O currículo mínimo de 1953 regulamentava o processo de formação nos
Cursos de Serviço Social em todo o país, dando-lhes direção, dispondo “sobre os objetivos
do ensino do Serviço Social, sua estruturação e ainda as prerrogativas dos portadores de
diplomas de assistentes sociais e agentes sociais” (BRASIL, 1953).
O referido currículo estabeleceu que:
Art. 2º O ensino do Serviço Social é feito em nível superior em três séries, no
mínimo, de duração de um ano cada uma.
Art. 3 Dentro da orientação metodológica compatível com o nível superior do
curso, a formação teórica e prática de Assistentes Sociais compreenderá o
estudo das seguintes disciplinas, no mínimo:
I Sociologia e Economia; Direito e Legislação Social;Higiene e Medicina
Social; Psicologia e Higiene Mental; Ética Geral e Profissional.
II Introdução e fundamentos do Serviço Social: Métodos de Serviço Social;
Serviço Social de Casos - de Grupo - Organização Social da Comunidade;
Serviço Social em suas especializações: Família - Menores - Trabalho - Médico.
III – Pesquisa Social (BRASIL, 1953)
A influência da Filosofia e da Psicologia delineavam a concepção de homem e
de sociedade, conjugada aos princípios e doutrinas da igreja católica. A ênfase à ideologia
da igreja e dos princípios das Ciências Sociais perpassou o processo de formação e o
exercício profissional, estabelecendo conceitos diversos, a exemplo o de homem e de
sociedade, segundo a estrutura do Estado, da Família e da Profissão” (FERREIRA, 1959,
apud. MIGUEL, 1980, p. 26). Os documentos constantes nos arquivos da ABESS, segundo
Sá (1995), apresentam depoimentos de representantes de escolas de Serviço Social que, por
133
ocasião da IV Convenção da ABESS em 1954, destacavam alguns conceitos, adotados nos
processos de formação, tais como:
Homem - ser integral: a formação não deve ser unilateral, abrangendo o homem
em sua totalidade considerada integralmente. No dizer de Maritain, [...] significa
[...] guiar o homem no dinamismo crescente, por meio do qual ele se torna
uma pessoa humana, dotada de conhecimentos, de capacidade julgadora e
virtudes morais”. Conforme Amoroso Lima, que complementa o depoimento, é
tornar o homem capaz de receber “[...] a herança espiritual da Pátria e da
civilização a que pertence, preservando assim os empreendimentos seculares
das gerações. Por fim, [...] conclui com Pio XI, que formar o homem integral é
torná-lo “como deve ser e portar-se nesta vida terrena ...” (ABESS, 1954, p. 1.
apud. SÁ, 1995, p. 105).
Nessa época, além dos princípios humanista-cristãos e da formação filosófica,
sociológica e psicológica, os projetos curriculares ancoravam-se em conteúdos específicos
do Serviço Social e de outras disciplinas denominadas correlatas: Pesquisa, Organização de
Comunidade, e outras. Segundo (1995, p. 95), a Filosofia justificava-se pela
“necessidade da ‘formação moral’ e da ‘formação técnica’. Uma [formação moral]
fundamentada na filosofia aristotélico-tomista, a outra, [formação técnica,] respaldada
pelos valores positivista/funcionalistas”.
Afirma a autora que,
entre o sacral e o profano, a doutrina cristã aristotélico-tomista e o positivismo
funcionalista, os princípios morais e os princípios sociológicos, a essência e a
existência, momentaneamente, a igreja e o próprio Serviço Social optaram por
uma atitude existencialista diante da realidade, como uma possível ntese ou
saída (SÁ, 1995, p. 156 - 157).
Tanto a formação quanto a atuação profissional confirmavam a proposta de
manutenção da ordem social, pelo controle não apenas dos indivíduos, mas também de
grupos e comunidades. É um posicionamento político-ideológico que visa assegurar a
coesão social segundo a ordem burguesa. De acordo com esse desiderato, eram introjetados
nos indivíduos comportamentos e posturas ideais, necessárias para assegurar a
“normalidade” social e a reprodução da força de trabalho (NETTO, 1992).
Percebe-se que, desde então, o processo de formação profissional objetivava
assegurar uma formação pessoal, científica, técnica e prática, em uma divisão que
fortalecia a fragmentação no projeto curricular, pois os conteúdos eram vistos de forma
134
estanque e dissociados.
Pela formação pessoal, buscava-se “uma formação moral muito sólida”, afirma
Ferreira (1944 apud. AGUIAR, 1984). Eram priorizadas, na formação pessoal, os aspectos
éticos, morais, humanísticos e religiosos dos estudantes, com base nos ensinamentos da
igreja católica.
Com a formação científica, propunha-se conteúdos de fundamentação teórica a
que competiam “disciplinas científicas como a Sociologia, Psicologia e Biologia e também
a Moral” (FERREIRA, 1944. apud. AGUIAR, 1984, p. 33). Eram disciplinas gerais de
interesse de vários cursos, pois asseguravam uma fundamentação mais geral.
A formação técnica realizava-se com a fundamentação metodológica. É
a formação específica do Assistente Social. Consiste no estudo das teorias do
Serviço Social então existentes e sua adaptação à nossa realidade. O Assistente
Social deve combater os desajustamentos individuais e coletivos. Daí a
formação técnica ensinar ‘como’ fazê-lo. É a formação cnica que vai dar ao
Assistente Social, conhecimento sobre o Serviço Social e dar-lhe condições de
colocá-lo em prática (FERREIRA, 1944. apud. AGUIAR, 1984).
A formação prática, com equivalência aos estágios curriculares, caracterizava-
se como a aprendizagem do “como fazer” e pelo uso do instrumental técnico da profissão,
sobretudo visitas, entrevistas e reuniões. Diz a autora que a
formação prática é a aprendizagem do ‘como fazerna realidade das diferentes
instituições com que os futuros assistentes sociais mantinham contatos. Ao final
da década de 40 é que começam as organizações de estágios” (FERREIRA,
1944. apud. AGUIAR, 1984, p. 33).
Em 1949, por ocasião do Congresso Pan-Americano, informa Kfouri (1949,
apud. AGUIAR, 1984, p. 33) “a parte prática [do curso] girava exclusivamente em torno
de visitas realizadas a obras sociais e a famílias necessitadas”.
A Lei 1.889/53 (BRASIL, 1953) dispôs, em seu parágrafo único do Art.
que
As aulas de Serviço Social deverão atingir ¼ no mínimo do total das aulas e as
Escolas de Serviço Social deverão organizar os seus programas, atendendo a
135
que no ano haja preponderância da parte teórica, no segundo ano seja
observado o equilíbrio entre a parte teórica e a prática e no ano haja
preponderância da parte prática.
A lei indicava uma preocupação em articular teoria e prática, desde o segundo
ano do curso. Destaca Miguel (1980, p. 93) que, a
formação do assistente social [...] está pois, assim compreendida [...]: ‘o ensino
teórico e prático, estágios supervisionados e realização de um trabalho final de
exclusiva autoria do aluno’ este também chamado trabalho de conclusão de
curso (TCC) ou Relatório Final.
Apesar das recomendações da lei para que se alcançasse o equilíbrio entre parte
teórica e prática, a fragmentação continuava presente, nos anos 1950 como também na
década de 1960 com a reforma universitária de 68 (BRASIL, 1968) e, mais recentemente,
com a LDB/96 (Brasil, 1996). A preocupação e as recomendações da lei e os propósitos do
processo de formação pouco alteraram a apartação teoria e prática.
Para atuar de forma condizente com as atribuições que lhes eram próprias, os
assistentes sociais buscavam fundamentação teórica nos princípios do liberalismo, no
positivismo, no funcionalismo e nos princípios da igreja que justificavam o ajustamento
social (SETUBAL, 1983, p. 114). Consoante com essa proposta, o corpo docente dos
cursos era composto por professoras que defendiam os princípios liberais e a crença
católica, pois além do magistério deveriam, mediante proposta curricular de curso,
contribuir para a evangelização, a difusão do catolicismo e a manutenção da ordem e da
harmonia na sociedade. O curso visava também, assegurar aos futuros assistentes sociais,
uma formação integral: teórica, técnica, prática e pessoal. Os estudantes
87
eram
selecionados segundo critérios pautados em aptidão pessoal, devotamento e conduta ética,
compreendida como moral católica e outros critérios que viessem contribuir para o
fortalecimento dessa atitude, apregoada pela igreja católica
88
(SETUBAL, 1983).
87
A mesma razão apresentada em relação ao corpo docente é válida também para as estudantes. O Curso de
Serviço Social é ainda procurado mais por mulheres que por homens. Os motivos podem estar localizados
não na origem da profissão como também no seu piso salarial. Apesar dos vários estudos existentes a
respeito, essa temática é ainda pertinente e relevante para estudos e pesquisas.
88
No período compreendido entre a criação dos primeiros cursos até a reforma universitária de 1968, muitas
escolas de Serviço Social adotavam, em seu processo seletivo, além de provas escritas, entrevistas e testes
psicotécnicos sendo, os dois últimos, instrumentos, ideológicos que possibilitavam a seleção de estudantes
com o perfil desejado, segundo aqueles critérios.
136
Em suas raízes, o Serviço Social e também a docência, eram atribuídos às
mulheres, que apresentassem conduta pessoal e familiar exemplar e eram componentes de
famílias honradas e abastadas da sociedade
89
. Era, portanto, uma atividade feminina por
excelência, exercida de forma voluntária, que exigia mais que a competência profissional,
um comportamento moral e de bons costumes, segundo as normas de conduta consideradas
válidas na sociedade. Aliavam-se, portanto, a uma dimensão de gênero com aspectos
éticos, morais, religiosos e econômicos. Havia a expectativa de que a assistente social,
tanto na intervenção profissional quanto no exercício da docência, desempenhasse um
determinado papel conforme sua condição de mulher, vinculada a uma determinada classe
e a uma determinada cultura, o que lhe assegurava o comportamento esperado, ou seja, a
solução de problemas de acordo com os ditames dominantes na sociedade
90
. Entretanto,
nem sempre houve correspondência entre a atuação esperada e a desenvolvida, ou seja, a
expectativa da sociedade estabelecida pela ideologia e pelo senso comum em relação ao
trabalho do assistente social e a sua atuação, segundo o estatuto profissional, cuja
fundamentação vem sendo historicamente construída.
Apesar dos avanços, das mudanças e do reconhecimento de seu estatuto
profissional, o Serviço Social ainda está a requerer maior autonomia e determinação, no
tocante à sua atuação profissional, compreendida no interior do processo de intervenção na
questão social, buscando a superação de práticas subalternas e conservadoras e investindo
na formação profissional e no debate da categoria.
Desde o final do governo Dutra (1946-1951), no governo Getúlio Vargas
(1951-1954), concluído por Café Filho (1954-1955) e de Juscelino Kubitschek (1956-
89
Para Netto (1992), a imagem do Serviço Social, não pode ser vista descolada de sua raiz profissional que
advém de fundamentos científicos como também da relação entre sua institucionalização profissional “e o
fenômeno, universalizado e indiscutível, de ele apresentar-se como ‘profissão feminina’ [...]. Em tal
afirmação a ruptura com o regime do voluntariado não equivaleu à ruptura com a subalternidade técnica (e
social) a que se destinava e alocava a força de trabalho feminina” (NETTO, 1992, p. 84).
90
Nesse sentido, os assistentes sociais desenvolviam campanhas e ofereciam cursos profissionalizantes,
objetivando a capacitação dos usuários, criando possibilidades de acesso ao mercado de trabalho. Eram assim
ideologizados os princípios liberais e os valores burgueses, pois, por acreditarem que o sucesso e/ou o
fracasso dependem de cada um, era preciso preparar as pessoas, criar condições para competirem, em
“igualdade”, no mundo do trabalho e demais instâncias da sociedade.
137
1961), a política desenvolvimentista
91
adotada no Brasil, apresentou novas perspectivas
para o Serviço Social. O desenvolvimentismo foi institucionalizado pela Organização das
Nações Unidas (ONU)
92
, por meio do desenvolvimento de comunidade, que se constitui
em extenso programa de assistência social, técnica e cultural realizado em países da
América-Latina, visando, dentre seus propósitos “manter a paz e a segurança
internacionais”. Assim, era “necessário” frear a ameaça comunista, após a consolidação do
bloco socialista e sua expansão nos países orientais. Os países capitalistas, temendo a
difusão das idéias e propósitos comunistas, buscaram, sob orientação da ONU, estratégias
para garantir a ordem social e, a preservação dessa ameaça. Esse cenário motivou a
institucionalização do desenvolvimento de comunidade, sobretudo nos países mais pobres.
(AMMANN, 1982). Com o desenvolvimento de comunidade, o Serviço Social foi
chamado a atuar em âmbito nacional, o que selou a “aliança entre Serviço Social e projetos
governamentais, sobretudo aqueles que visavam por fim às nossas condições de país
subdesenvolvido” (GUERRA, 1995, p. 139).
A busca de rompimento com esse lastro conservador na profissão eclodiu no
final da década de 1950 e início dos anos 1960, quando alguns assistentes sociais na
América-Latina começaram a manifestar inquietações em relação aos propósitos
ajustadores do Serviço Social, sua visão acrítica e a-histórica, ou seja, questionavam seus
fundamentos teóricos, seus princípios e postulados.
Segundo Setubal (1983, p. 120), foi o
despertar crítico de alguns assistentes sociais que, não satisfeitos com os
resultados dos seus trabalhos, procuraram refletir sobre a sua prática, ao tempo
em que se preocuparam em elaborar teorias adequadas à realidade brasileira e
91
“A exigência social que aflora da ideologia desenvolvimentista, formulada através do discurso e da prática
de Juscelino Kubitschek, como a afirmativa ‘só a técnica podeabreviar a superação dos fatores de atraso
com que nos defrontamos’ concorre a compreensão de que a ideologia não tem de modo algum caráter
inessencial, pelo contrário, sua necessidade é [...] fundamental”, afirma Miguel (1980, p. 65).
92
A ONU “é uma instituição internacional formada por 192 Estados soberanos, [...] para manter a paz e a
segurança no mundo, fomentar relações cordiais entre as nações, promover progresso social, melhores
padrões de vida e direitos humanos. Os membros são unidos em torno da Carta da ONU, um tratado
internacional que enuncia os direitos e deveres dos membros da comunidade internacional” (ONU, 2006b.
www.onu-brasil.org.br/conheca_onu.php). Foi instituída após a segunda Guerra Mundial. “Em 1947, foi
realizada a Primeira Sessão Especial da Assembléia Geral da ONU. O Discurso de abertura foi feito pelo
Chefe da Delegação do Brasil, o Chanceler Oswaldo Aranha” (ONU, 2006a.
www.batalhaosuez.hpg.ig.com.br).
138
em questionar a metodologia até então utilizada pelo Serviço Social. O
despertar desses profissionais mobilizou a classe para um movimento intitulado
de “reconceitualização do Serviço Social”.
No Brasil, em pleno período da ditadura militar, o movimento de revisão no
Serviço Social emergiu em âmbito nacional
93
, na correlação de forças própria do sistema,
como uma tendência na profissão, envolvendo alguns profissionais considerados
vanguarda nesse movimento, em diferentes localidades e instituições. A necessidade da
revisão profissional, de forma mais crítica, era imprescindível e inadiável, para a busca de
superação de práticas profissionais que reforçavam o conservadorismo e mantinham o
stato quo.
Somente na segunda metade dos anos 1970, uma revisão mais crítica do
Serviço Social ganhou expressão, quando não era mais possível, à profissão, escamotear
os antagonismos da relação capital-trabalho que sustentavam e sustentam a sociedade
brasileira. A renovação do Serviço Social foi um movimento que segundo Netto (1981, p.
62), representou a ascensão do
processo histórico como matriz para alterar medularmente o perfil profissional
do Serviço Social. Isto lhe propicia [...] compreender o estágio atual da
profissão: uma etapa de transição, na qual componentes do processo de
reconceptualização se integram no espaço institucional ampliando
positivamente as formas de intervenção.
Com contradições e incertezas, o movimento de busca de ruptura desencadeou
um movimento de revisão crítica do processo ético-político, teórico-metodológico e
técnico-operativo adotado, até então, pelo Serviço Social. A busca de ruptura
93
Nas discussões e debates em busca de superação da herança conservadora da profissão destaca-se, em
1967, o Encontro de Araxá, promovido pelo Comitê Brasileiro da Conferência Internacional de Serviço
Social (CBCISS) que visava “a teorização do Serviço Social era imperativo inadiável, nesta fase da sua
evolução no Brasil. Esse esforço compreenderia a busca de análise e síntese dos seus componentes
universais, dos seus elementos de especificidade e de sua adequação ao contexto econômico-social da
realidade brasileira” (CBCISS, 1967, p. 3). O referido encontro reuniu 38 assistentes sociais em torno da
necessidade da revisão teórico-metodológica da profissão, mas, não conseguiu promover a ruptura com o
conservadorismo. Ele pode ser considerado, à época, um avanço por possibilitar e até mesmo provocar
discussões e debates que motivaram e despertaram a categoria para a necessidade de um processo de revisão
do marco teórico-metodológico do Serviço Social (CBCISS, 1967). em 1970, o Encontro de Teresópolis
conseguiu mobilizar 741 assistentes sociais em sete encontros regionais: “Goiânia, Fortaleza, Manaus, Belo
Horizonte, Campinas (São Paulo), Porto Alegre e Rio de Janeiro (GB)” (CBCISS, 1978, p. 5). Com base nos
resultados desses encontros, em Teresópolis, Rio de Janeiro, foi discutida por 33 profissionais, a metodologia
do Serviço Social, indicada como uma necessidade imposta pela realidade brasileira. Outros momentos de
discussão profissional podem ser destacados: Encontro de Sumaré, BH e outros.
139
com a herança conservadora expressa-se como uma procura, uma luta por
alcançar novas bases de legitimidade da ação profissional do Assistente social,
que, reconhecendo as contradições sociais presentes nas condições do exercício
profissional, busca colocar-se, objetivamente, a serviço dos interesses dos
usuários, isto é, dos setores dominados da sociedade (IAMAMOTO, 1997, p.
37).
Trata-se de uma influência da vertente marxista que foi adentrando o Serviço
Social brasileiro, dando direção a uma prática profissional crítica, que possibilita: a) o
desvelamento das relações capital-trabalho; b) um novo posicionamento da categoria em
relação à luta de classes, à exploração da força de trabalho, à acumulação capitalista e à má
distribuição de renda; c) o reconhecimento das categorias centrais – totalidade, contradição
e mediação.
Contudo, a prática conservadora não foi superada na profissão que passou a
conviver com as duas vertentes: a conservadora e de perspectiva de ruptura, o que
possibilitava uma atuação profissional conforme a adesão do assistente social.
Para Netto (1996),
confrontam-se dois “paradigmas” de profissional: o técnico bem adestrado que
vai operar instrumentalmente sobre as demandas do mercado de trabalho tal
como elas se apresentam, ou o intelectual que, com qualificação operativa, vai
intervir sobre aquelas demandas a partir de sua compreensão teórico-crítica,
identificando a significação, os limites e as alternativas da ação focalizada (p.
126).
Ressalta-se, novamente, a força do espaço acadêmico, que é mais suscetível às
mudanças e do qual emerge a compreensão teórico-crítica da realidade, no sentido do
enfrentamento das demandas estabelecidas pela lógica do mercado, haja vista, conforme já
apresentado, que o movimento da vertente de ruptura foi mais rapidamente assimilado nas
instâncias da formação que no espaço ocupacional dos assistentes sociais.
No entanto, o conjunto das teorias que configuram a profissão desde sua
gênese, está ainda presente no estatuto da profissão, de forma sincrética, orientando as
diferentes possibilidades e enfoques profissionais, como assinala Netto (1996):
O sincretismo nos parece ser o fio condutor da afirmação e do desenvolvimento
do Serviço Social como profissão, seu núcleo organizativo e sua norma de
atuação. Expressa-se em todas as manifestações da prática profissional e revela-
se em todas as intervenções do agente profissional como tal. O sincretismo foi
140
um principio constitutivo do Serviço Social (p. 88).
Para o autor, é preciso
desmontar o ecletismo que permeou o processo, resultante na assimilação mal-
digerida da teoria marxiana haurida não em fontes originais, mas na
divulgação rasteira, de tipo manualesco [...] como a ‘teoria da dependência’, a
‘teoria do populismo’ e quejandos. No mesmo plano, a tarefa é a de liquidar
com o epistemologismo (clara marca althusseriana) e os equívocos dele
derivados, tais como a postulação de uma teoria própria do Serviço Social, bem
como, ainda, a utilização arbitrária e indevida da proposta de Paulo Freire
(NETTO, 1981, p. 61).
A estrutura sincrética na profissão apóia-se em fundamentos que não se
descolam de determinações também sincréticas, como valorações e componentes de
referência teórica
94
. Para Netto (1981, p. 61), há que se considerar os
fundamentos objetivos da estrutura sincrética do Serviço Social: o universo
problemático original que se lhe apresentou como eixo de demandas histórico-
sociais, o horizonte do seu exercício profissional e a sua modalidade específica
de intervenção.
Conforme Iamamoto (1999, p. 213), o movimento de ruptura
se viu [...] prisioneiro de uma antiga contradição, denunciada por Lukács: a
coexistência de ‘uma ética de esquerda e uma epistemologia de direita’ [...]
Subjacente encontra-se ainda a ilusão de que a consciência teórica resultaria
direta e unilateralmente da luta de classes, movida pela vontade política.
Resta então, como problema substantivo, “determinar se o sincretismo teórico
do Serviço Social é um dado permanente, a que estaria condenada a profissão, ou se pode
ser ultrapassado” (NETTO, 1996, p. 146).
O enfrentamento desse debate supõe um outro elemento também importante
que se relaciona a essa temática, afirma Guerra (1995). A autora refere-se à
instrumentalidade do Serviço Social, campo saturado de mediações, e a autora destaca
algumas premissas que considera relevantes:
– O Serviço Social desenvolve ações instrumentais como exigências da sua
forma de inserção na divisão social e técnica do trabalho. [...] a
instrumentalidade denota a ‘razão de ser’ do Serviço Social [...] o que lhe
94
Nesse sentido convém destacar a crítica que já existe por parte de Iamamoto (2007) em sua recente
produção: Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social.
141
possibilita a passagem das teorias às práticas.
A função de mediação que a instrumentalidade do Serviço Social encerra,
deve ser adequadamente dimensionada. [Elas] [...] incorporam padrões de
racionalidade subjacentes às teorias e métodos.
– A instrumentalidade [...] coloca-se [...] como campo de mediação nos quais os
padrões de racionalidade e as ações instrumentais se processam.
[...] predominância do paradigma da racionalidade formal a direcionar a
intervenção profissional
– Se o fazer do assistente social é dado pela sua instrumentalidade, pela
manipulação de variáveis empíricas, esta dimensão [...] é capaz de designar os
processos que se manifestam no âmbito da profissão [...] as racionalidades que o
sustentam (GUERRA, 1995, p. 37 - 38).
O sincretismo e a instrumentalidade são questões interdependentes que se
entrecruzam, segundo a visão de mundo que permeia a prática profissional dos assistentes
sociais. A base teórica adotada profissionalmente determina os fundamentos indicados pela
autora, bem como os elementos do projeto ético-político, teórico-metodológico e técnico-
operativo que se pretende desenvolver.
Esse problema tem raízes bem mais profundas e complexas. Vale citar a
natureza sócio-profissional do Serviço Social. É desta que decorrem, posta a
carência de um referencial teórico crítico-dialético, as peculiaridades que
fazem dele um exercício prático-profissional, medularmente sincrético
(NETTO, 1981, p. 88).
Nesse sentido, a grande demanda dirigida ao Serviço Social refere-se às
expressões da questão social em suas diversas manifestações. A intervenção profissional
ocorre de forma institucional e se caracteriza como espaço, por excelência, do fazer do
assistente social, locus no qual são fragmentadas e classificadas as necessidades dos
trabalhadores, para uma intervenção profissional individual, grupal ou comunitária. Os
critérios ou seja, seus interesses, objetivos, metas e finalidades, são estabelecidos pela
instituição ou pelo próprio assistente social, segundo a especificidade da vida social.
Nessa direção, a fragmentação aparece sob a roupagem de políticas sociais focalistas, com
fim em si mesmas, tratadas em um processo teórico-metodológico que visa resultados
imediatos e superficiais. São ações crivadas pelo sincretismo que unificam idéias e/ou
doutrinas, até mesmo inconciliáveis, “deixando na sombra a estrutura profunda daquela
que é a categoria ontológica central da própria realidade social, a totalidade” (NETTO,
1996, p. 91).
142
A vertente marxista absorvida no espaço da formação profissional tem
fundamentado vários cursos de Serviço Social desde 1982
95
, promovendo, sob a orientação
da Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social (ABESS), a revisão de seus projetos
pedagógicos, com o objetivo de incorporar instrumentos de intervenção segundo o projeto
político da profissão, na defesa de direitos e nas lutas populares.
E, finalmente, registra-se que, apesar de o projeto ético-político com aporte na
vertente marxista ocupar uma posição hegemônica no âmbito profissional e dos avanços
político-teórico-metodológicos encetados pela categoria, coexistem ainda no Serviço
Social diversas formas: propostas filantrópicas e cristãs, auridas no neotomismo e nas
encíclicas, com seu arcabouço humanista e ideológico; as práticas de fundamentação
positivista e funcionalista, que visam a manutenção da ordem e do ajustamento na
sociedade; e aquelas de busca de ruptura com o conservadorismo e de compromisso com a
renovação crítica do Serviço Social. Na continuação do presente capítulo será tratado o
processo de formação profissional com base na proposta da ABESS de 1982 e como o
estágio curricular se apresenta nessa proposta.
2.2 O ESTÁGIO NO PROCESSO DE FORMAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL NOS
CURRICULOS DE 1982 E DE 1996
O movimento de busca de ruptura com o Serviço Social tradicional situa-se em
um processo amplo, de caráter mundial, desencadeado na América-Latina a partir dos anos
1950 que, na “segunda metade dos anos 1960 marca, na maioria dos países em que o
Serviço Social se institucionalizara como profissão, uma conjuntura de profunda erosão
de suas práticas tradicionais” (NETTO, 2005, p. 6).
O editorial da revista Serviço Social e Sociedade (1984, p. 3) mostra que a
busca de rompimento com a base teórica da profissão e a reformulação do seu processo de
95
Na XXI Convenção da Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social, realizada em 1979, em Natal,
foi definida uma nova proposta curricular para o processo de formação profissional que vigorou a partir de
1982. Ocorreu um debate amplo, participativo, complexo e polêmico, pois envolvia a elaboração de um
processo de formação profissional para o Serviço Social conforme vertente marxista. Essa discussão será
retomada mais à adiante, ainda neste capítulo.
143
formação profissional vem se constituindo em preocupação central da categoria,
que desde 1975, na Convenção da Associação Brasileira de Ensino de Serviço
Social realizada em Piracicaba, definiu como um dos compromissos a serem
assumidos pelas Entidades profissionais e seus agentes, a necessidade de
revisão do Currículo nimo do Curso de Serviço Social. [...] Neste sentido,
constituiu-se como um momento de fundamental importância a realização da
XXI Convenção da Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social em 1979
– Natal, quando o novo Currículo Mínimo é aprovado pelos convencionais
presentes em meio a um animado debate.
Nesse sentido, Netto (1981, p. 61) destaca três níveis centrais nesse movimento
do Serviço Social. São eles: “Em primeiro lugar seu arcabouço teórico [...]. Em segundo
lugar [...] suas alternativas metodológicas [...]. Enfim, a crítica [...] sobre o âmbito
político”.
No Brasil como também na América-Latina, a gênese do processo de busca de
ruptura foi “comandada por uma questão elementar: qual a contribuição do Serviço Social
na superação do subdesenvolvimento?” (NETTO, 2005, p. 9).
Para a busca de ruptura com as amarras do conservadorismo no Serviço Social
e sua adequação à realidade latino-americana e brasileira foram desenvolvidas polêmicas e
desencontros entre os profissionais. O movimento não era aceito com tranqüilidade por
todos os assistentes sociais, pois envolvia uma opção teórica-política que indicava o
rompimento com práticas profissionais sedimentadas por longos anos, ou seja, com o
Serviço Social tradicional
96
.
Segundo Netto (2005, p. 09), as indagações da base conservadora ao
movimento de busca de ruptura possibilitaram
96
Netto (1981) esclarece: “Creio que é necessário distinguir claramente Serviço Social ‘clássico’ de Serviço
Social ‘tradicional’. Serviço Social ‘clássico’ denota o exercício profissional tal como foi postulado pelos
agentes profissionais que se dedicaram a um mínimo de sistematização, constituindo de fato as fontes do
Serviço Social (Mary Richmond é o exemplo mais típico). Por Serviço Social ‘tradicional’ deve entender-se a
prática empiricista, reiterativa, paliativa e burocratizada que os agentes realizavam e realizam efetivamente na
América-Latina. Evidentemente, um nexo essencial entre ambos: parametra-os uma ética liberal-burguesa
e sua teleologia consiste na correção numa ótica claramente funcionalista de resultados psicossociais
considerados negativos ou indesejáveis, sobre o substrato de uma concepção (aberta ou velada) idealista e/ou
mecanicista da dinâmica social, sempre pressuposta a ordenação capitalista da vida como um todo factual
ineliminável. Gostaria de ressaltar que essa distinção é instrumental: ela permite indicar que a prática
profissional refratária ao processo de reconceptualização dista muito do Serviço Social clássico’ e esta
indicação tem enorme significado heurístico no debate contemporâneo. Por exemplo: a prática postulada
‘classicamente’ pelo case work [...] supõe uma rede de agências sociais interatuantes numa articulada
estrutura de serviços eficientes (públicos e privados), um aparato estatal eficaz e uma sociedade civil
complexa e estruturada; ora, esta prática, entre s, realizou-se (e se realiza hoje, parcialmente) na ausência
ou quase ausência, destas pré-condições” (p. 59 - 60).
144
constelar uma espécie de grande união contra o tradicionalismo: todos aqueles
assistentes sociais que estavam convencidos da necessidade de contribuir
profissionalmente para as mudanças sociais requeridas para superar o quadro do
subdesenvolvimento vincularam-se na luta contra o Serviço Social tradicional.
Esse movimento sedimentou-se como contestatório ao stato quo, afirma
NETTO (1981, p. 59).
Enquanto fenômeno profissional, [...] instaurou-se como uma resposta possível
elaborada por setores da comunidade profissional como alternativa à evidente
falência do Serviço Social institucional que, no continente, sempre foi um
Serviço Social a que cabe a caracterização de tradicional
Essa realidade apresentava-se também no âmbito da formação, na qual a
adesão dos diversos cursos no país ocorreu de forma lenta e processual, haja vista que o
posicionamento crítico relativo ao Serviço Social tradicional exigia uma nova visão de
mundo, de sociedade e de profissão, posição que também encontrava barreiras colocadas
pelos assistentes sociais que se dedicavam à docência. Era preciso romper com os laços
que unem a imagem do assistente social e do Serviço Social, traçada pelo senso comum, às
práticas voluntárias e assistencialistas, desenvolvidas pela profissão em suas protoformas.
É importante estabelecer uma nova imagem da profissão, configurada e assumida
criticamente pelas demandas e o amadurecimento da categoria, o que fortalece seu
reconhecimento como uma profissão que “se constitui pela/nas formas de produção e
reprodução da vida social” (GUERRA, 2000, p. 155).
Conforme Netto (2005, p. 6), a busca de ruptura com o conservadorismo
justificava-se, pela
transição da década de 1960 para 1970 [que] foi, de fato, assinalada em todos os
quadrantes por uma forte crítica ao que se pode, sumariamente, designar como
‘Serviço Social tradicional’: a prática [...] orientada por uma ética liberal-
burguesa, que, [...] visava enfrentar as incidências psicossociais da ‘questão
social’ sobre indivíduos e grupos, sempre pressuposta a ordenação capitalista da
vida social como um dado factual ineliminável.
Também a ABEPSS (1996, p. 145) refere-se à
conjuntura histórica do final dos anos 70 e início da década de 80 [que] colocou
a revisão do currículo e da formação profissional como uma necessidade
histórica, contextualizada pela crise da ditadura, pela reorganização da
sociedade, pelas especificidades da universidade brasileira.
145
Foi um processo em que a adesão crescente dos profissionais veio mostrar que
a maturidade teórico-política da vertente de ruptura do Serviço Social [se]
expressa na produção teórica, na organização política da categoria, no Código
de Ética de 1986 e na formulação curricular de 1982 (BRITES; BARROCO,
2000, p. 19).
Nessa perspectiva, ou seja, na busca em estabelecer uma outra posição política
perante a profissão e adentrando cada vez mais a realidade brasileira em seus aspectos
sociais, econômicos, políticos e culturais, com o olhar direcionado para os interesses da
classe trabalhadora, que segmentos da categoria buscaram a superação do modelo burguês
conservador de sociedade e a aproximação com o pensamento de Marx.
Esse processo foi importante para a
profissão rever os fundamentos teórico-práticos das suas ações, [e] refletir sobre
os projetos que mobilizam a intervenção profissional, as demandas
contempladas nas respostas efetivamente produzidas pela intervenção do
conjunto da categoria profissional (GUERRA, 1995, p. 139).
Mas o movimento não conseguiu desencadear, no conjunto dos assistentes
sociais, o rompimento com o conservadorismo e a superação do Serviço Social tradicional,
porém, obteve o reconhecimento e o engajamento de muitos que se aliaram às lutas dos
trabalhadores, conferindo um outro sentido político ao Serviço Social, provocando erosões
em sua base teórica conservadora e injetando conteúdos da vertente marxista. Assim, a
profissão foi conquistando novos rumos, no engajamento de profissionais a projetos
populares, na busca e defesa das condições de vida e trabalho dignas aos trabalhadores,
tendo como fundamento do seu fazer profissional a totalidade, a historicidade, a
contradição e a mediação, categorias que vieram assegurar uma nova dimensão ao projeto
político-profissional.
Para Netto (1989), a aproximação com a vertente marxista pode ser
considerada uma leitura enviesada da obra de Marx, pois o Serviço Social não foi às
fontes, isto é, aos próprios textos de Marx. Ele buscou fundamentação em intérpretes e
adaptações de concepções conservadoras. Consolidou-se “a aproximação de um marxismo
sem Marx. O resultado foi um universo teórico presidido por fortes traços ecléticos, dando
lugar a uma ‘invasão às ocultas, do positivismo no discurso marxista do Serviço Social’”
146
(IAMAMOTO, 2000, p. 211).
Como as bases teóricas utilizadas não foram as do próprio Marx, estabeleceu-
se uma aproximação/incorporação muito peculiar que se
singularizou por três traços interligados. Em primeiro lugar [...] se realizou sob
exigências teóricas muito reduzidas [...] Em segundo lugar, e decorrentemente, a
referência à tradição marxista era muito seletiva e vinha determinada menos
pela relevância da sua contribuição crítico-analítica do que pela sua vinculação
a determinadas perspectivas prático-políticas e organizacional-partidárias.
Enfim, a aproximação não se deu às fontes marxianas e/ou aos “clássicos” da
tradição marxista, mas especialmente a divulgadores e pela via de manuais de
qualidades de níveis duvidosos (NETTO, 1989b, p. 97).
Pode-se afirmar que a direção social dada a esse novo projeto curricular visava,
de um lado, o rompimento com o lastro conservador que fundamentava a profissão e, de
outro, a rearticulação de um projeto vinculado à vertente teórica marxista, isto é, um
Serviço Social crítico, “comprometido com os interesses da massa da população,
preocupado com a qualificação acadêmica e com a interlocução com as ciências sociais e
investindo fortemente na pesquisa” (NETTO, 2005, p. 18). Assim, com maior
comprometimento com as condições de vida e trabalho da classe trabalhadora, a profissão
assumiu como núcleo básico, como eixo condutor, como valor central, um compromisso
com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. Conseqüentemente, o
projeto profissional vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova
ordem social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero(NETTO, 1989a, p. 105).
Essa nova direção levou vários assistentes sociais à identificação da atuação
profissional com a militância política
97
, assumindo trabalhos de base nos movimentos
populares e vinculando-se a partidos políticos de esquerda. No entanto, os assistentes
sociais, como categoria, não conseguiram libertar-se de
suas raízes, [que trazem] o selo de legitimidade de classe, como um dos
instrumentos a serviço da dominação político-ideológica e da apropriação
econômica, isto é, como um tipo de ação social essencialmente política, ainda
que travestida de aparência técnico-burocrática e filantrópico-moralizadora
(IAMAMOTO, 1997, p. 194 - 195).
97
Conforme Iamamoto (1997, p. 199), esse foi um equívoco da profissão, “a diluição das particularidades
profissionais na militância política, levando ao esvaziamento de ambos: do Serviço Social e da prática
político-partidária. [...] esse equívoco vincula-se [...] [às] dificuldades para definir a profissão que o
significado social do Serviço Social não se mostra de imediato, de forma transparente –, aquela dificuldade é
escamoteada e substituída pelo chamamento à militância”.
147
Para sua maior legitimação como profissão, o Serviço Social carecia de
conhecimentos acumulados e, sobretudo, de produção científica específica em sua área
profissional, o que ocorreu, segundo Kameyama (1998), a partir da implantação do
currículo mínimo de 1982 e da ampliação dos programas de pós-graduação no Serviço
Social, especialmente mestrado e doutorado. Para a autora (1998), no âmbito da pós-
graduação, o Serviço Social, a partir da década de 1970 iniciou a produção do
conhecimento
98
. Contudo, a
maioridade das Ciências Sociais se configura ao longo das décadas de 80 e 90 e
[...] nessa grande área do conhecimento o Serviço Social se insere [...] [com] as
teses de doutorado elaboradas a partir de 1984 (KAMEYAMA, 1998, p. 36 -
37).
Pode-se então concluir que a maturidade e o avanço ético-político, teórico-
metodológico e técnico-operativo de assistentes sociais possibilitaram respostas e
mudanças na realidade do Serviço Social, especialmente mediante a ainda incipiente,
produção científica e iniciativas de rompimento com a prática tradicional. A busca de
alguns assistentes sociais de superação do Serviço Social tradicional, de ruptura com a
formação e atuação profissional que visava a manutenção da ordem social, pelo controle
não apenas dos indivíduos, mas também de grupos e comunidades, expressava um
posicionamento ídeo-político de conservação e de coesão social segundo a ordem
burguesa. Assim, o movimento de busca de ruptura, em consonância com a realidade social
brasileira, com as demandas da categoria e avaliações realizadas em todo o território
nacional, propunha a busca de superação da prática acrítica e ahistórica até então
dominante. Entendida na dimensão processual, o movimento visava o rompimento com o
processo teórico-metodológico do Serviço Social importado dos Estados Unidos da
América sem qualquer adequação à realidade brasileira, defendendo o ajustamento até
mesmo de comportamentos e posicionamentos necessários à garantia da normalidade
social e à reprodução da força de trabalho.
Aliada à opção teórico-política dos assistentes sociais, a intervenção técnico-
operativa, de forma individual ou coletiva, apresenta várias racionalidades, em planos e
graus de abrangência distintos, pois,
98
Como já foi informado anteriormente, Kameyama (1998) apresenta, no Caderno da ABESS n. 8, um
balanço do crescimento da pós-graduação em Serviço Social no Brasil, no período de 1975 - 1997, o que
impulsiona a produção científica da categoria.
148
ao mesmo tempo em que produzem uma racionalidade objetiva mediante sua
intervenção [...] incorporam-na, não como simples reflexo da realidade, mas
mediados por procedimentos racionais que envolvem diferentes níveis de
apreensão do real. Esses diferentes momentos [...] os conduzem a atribuir
significado às atividades individuais ou coletivas que realizam (GUERRA,
1995, p. 35).
Destaca Faleiros (1981, p. 35) que, nesse movimento,
o Serviço Social se torna, por um lado, nada mais que um serviço arbitrário,
exclusivamente pessoal, de prestação de relações e recursos individualizados.
Por outro, [...] uma engrenagem da máquina do capital para produzir a paz
social ou o consumo operário necessários à acumulação, sem que haja sujeitos
concretos, [...] mas só força de trabalho.
O movimento de busca de ruptura, não conseguiu, à época, alcançar a
hegemonia profissional, mas provocou cisões no interior da categoria, ocasionando a
convivência das duas posições, ou seja, a prática tradicional do Serviço Social e a de busca
de sua superação.
Dessa forma, pode-se considerar que a atuação profissional ocorria,
concomitantemente, de um lado, com profissionais que se mantinham fiéis à manutenção
da ordem e ao ajustamento social e, de outro, com os que se comprometiam com a classe
trabalhadora na perspectiva da transformação da sociedade
99
. Contudo, afirma Iamamoto
(1997), é preciso considerar a crítica às vertentes teóricas e o seu
contradiscurso [...] [que] não podem ser caracterizados ainda como uma ruptura
com a herança conservadora do Serviço Social. Situam-se nos marcos do
humanismo e do desenvolvimentismo, não atingindo as bases da organização da
sociedade (IAMAMOTO, 1997, p. 36).
São as diferentes visões de mundo que conduzem os posicionamentos teórico-
político dos assistentes sociais e sustentam a prática profissional. Para Faleiros (1981, p.
34), a ruptura com o lastro conservador na profissão
pode, por muitos, ser considerada utópica e, por alguns subversiva. Mas nada
mais é que a consciência da pluralidade da História, o reconhecimento da
divergência, o movimento da diferença, o processo da contradição. As
sociedades não são monolíticas, unitárias, uniformes.
99
Essas podem ser consideradas as três principais posições que dividiam a profissão, pois sabe-se que: a) na
vertente do pensamento marxista são muitas as posições/interpretações; b) a influência da igreja católica com
suas teorias e princípios nunca esteve ausente, haja vista seus representantes que marcaram o Serviço Social:
Jacques Maritain, Theilhard Chardin e outros; c) a influência de matrizes mais recentes, como a
fenomenológica, representada em seu humanismo sobretudo por Paulo Freire, o pós-modernismo e outras.
149
Lopes (1989) complementa Faleiros (1981), ao afirmar que o debate
desencadeado, nacionalmente, acerca do movimento de busca de ruptura
aclarou o pluralismo na profissão, desnudando o mito da “homogeneidade” da
Igreja, do tecnicismo e do próprio processo de reconceituação que também não
é homogêneo e, como tal, não é uma vertente. Como movimento que é,
desenvolveu-se marcado por divergências nascidas de várias vertentes, tendo o
materialismo histórico como ponto de referência (LOPES, 1989, p. 46).
Com ambigüidades, contradições e incertezas, as bases da profissão foram se
alterando, em um processo repleto de historicidade, marcando a profissão em seus diversos
aspectos e dimensões, assegurando avanços na busca de superação de mitos e projetos
conservadores.
De acordo com Iamamoto (1997),
A prática profissional não tem o poder miraculoso de revelar-se a si própria.
Adquire seu sentido, descobre suas alternativas na história da sociedade da qual
é parte. Assim sendo, é lançado o olhar para mais longe, para o horizonte do
movimento das classes sociais e de suas relações nos quadros do Estado e da
sociedade nacional, que se torna possível desvelar a prática do Serviço Social,
apreender os fios que a articulam às estratégias políticas das classes, desvendar
a sua necessidade, os seus efeitos na vida social, assim como os seus limites e
suas possibilidades (p. 120).
O posicionamento teórico-político “do serviço social, vinculado à luta de
classes, não foi obra de nenhum ‘iluminado’, mas o resultado de um processo histórico
complexo de lutas, de resistência ao imperialismo e à ordem dominante” (FALEIROS,
2005, p. 25), assumido, inicialmente, no âmbito da formação profissional, por professores,
estudantes e profissionais que buscavam a viabilização de uma nova proposta curricular
que envolvesse conteúdos teóricos, estágio curricular e, logicamente, a luta dos
trabalhadores. Muitas escolas discutiam/trabalhavam o processo/projeto de formação
profissional, com base nas contradições e na luta de classes, posicionando-se a favor dos
trabalhadores, visando uma sociedade justa, democrática, fraterna e solidária (UCG/SER,
1985).
Esses elementos são dados pela realidade social que envolve a profissão e a
opção ético-político, teórico-metodológica e técnico-operativa dos assistentes sociais. No
entanto, o pouco conhecimento e a pouca produção acumulados no Serviço Social, afirma
Iamamoto (1997, p. 196),
150
ajunta-se a um novo álibi: a prática como fonte de teoria”, que submete a
relação teoria e prática a uma análise empiricista, com claros traços de cunho
positivista, porém envernizada por um discurso dito “dialético”, com forte
inspiração maoísta.
Essa influência mesclou tanto a formação quanto o exercício profissional e
ainda se faz presente em depoimentos de estagiários e de profissionais que se apropriam do
velho refrão ao afirmar que: “na prática a teoria é outra”.
Um dos motivos dessa cisão teórico-prática, segundo Guerra (2000, p. 153),
refere-se à posição, ao espaço que o
ensino da prática tem ocupado [...], secundário no âmbito do currículo. Aqui
está uma clara subalternidade das “chamadas” disciplinas “práticas” em relação
às “teóricas”. Historicamente, no Serviço Social, o ensino da prática tem sido
limitado
1) ao ensino de instrumentos e técnicas e/ou das “chamadas” metodologias de
ação;
2) ao aprendizado restrito aos campos de estágio.
Do surgimento das primeiras escolas de Serviço Social aos dias atuais, vários
encaminhamentos foram aplicados à formação profissional e também ao estágio curricular,
expressando tendências que apresentam em suas bases componentes teórico-metodológicos
conservadores. Afirma Netto (1992, p. 66):
Trata-se da relação de continuidade que efetivamente existe entre Serviço
Social profissional e as formas filantrópicas e assistenciais desenvolvidas desde
a emergência da sociedade burguesa. Essa relação é inegável e [...] muito
complexa.
O movimento da vertente de ruptura do Serviço Social buscou libertar-se do
caráter técnico-instrumental presente na profissão aliando-se a programas educativos de
cunho mais humanista com propósitos transformadores.
Contudo, a profissão não consegue se libertar de uma série de mitos que a
envolve como também aos assistentes sociais. Permanece na profissão e na sociedade em
geral idéias, dentre as quais se destacam:
a) a prática social reduzida a qualquer atividade, à atividade em geral.
b) a concepção utilitária da prática social, traduzida profissionalmente na
preocupação com a eficácia técnica, com o resultado imediato e visível,
151
quantificadamente mensurável.
c) a prática social apreendida na sua imediaticidade, como um dado, que teria
o poder miraculoso de revelar-se a si mesma, como coisa “natural”. Essa
naturalização da vida social e essa coisificação da prática [...] são
apreendidas [...] como se fossem reveladoras da concretude do real.
(IAMAMOTO, 1997, p. 115)
A prática profissional regida por parâmetros instrumentais, pelo ativismo e
pelo imediatismo, apresenta a imagem ilusória de uma profissão que irá intervir na questão
social, alterando por meio de seu agir profissional traduzido em eficiência e eficácia, as
relações capital e trabalho. Muitas vezes, os dados estatísticos são elementos que
comprovam as ditas eficiência e eficácia, exigências de muitas instituições empregadoras.
Os dados justificam a razão de ser da própria instituição e revelam uma pseudo-eficiência e
até a necessidade da intervenção proposta, resultado do trabalho profissional transformador
do assistente social. Assim, subjugada por teorias conservadoras e envolvida por mitos, a
prática profissional manteve-se ingênua, negando teorias que não a confirmavam. Essa
posição reforça a dicotomia teoria e prática, pois canoniza os práticos, os profissionais que
vivem o dia-a-dia da prática, cabendo à formação profissional o desenvolvimento de
teorias, no espaço da intelectualidade.
No âmbito da formação profissional, conforme visto, o currículo mínimo
discutido e aprovado em 1979, na XXI Convenção da ABESS em Natal-RN é reconhecido
pelo MEC em 1982. O referido currículo é “resultante de uma série de acordos, que
expressa as tendências contraditórias no Serviço Social brasileiro daquele momento, razão
pela qual não é um currículo articulado, homogêneo” (MESA REDONDA [Carmelita],
1989, p. 16)
100
. O referido currículo “foi negociado em Convenção da ABESS, pelas
‘forças vivas’ da profissão daquele momento. Portanto ele é a expressão da correlação de
forças que se expressava e lutava pela hegemonia política” (MESA REDONDA [Raquel],
1989, p. 16). Refletindo acerca da Convenção da ABESS no período, a debatedora afirma
ter acompanhado todo o processo:
A conclusão que me fica presente desses fatos, é que temos que olhar para esse
movimento de mudança de currículo como um dado de ruptura, mas como não
estávamos suficientemente amadurecidos politicamente, como não houvesse
100
Por ocasião dos dez anos de circulação da revista Serviço Social e Sociedade, a editora lançou o número
30, comemorativo da revista, e logo no início apresenta os registros da mesa-redonda do Conselho Editorial,
da qual participaram vários assistentes sociais Desvendando a História: o surgimento da revista Serviço
Social & Sociedade e seus nexos de articulação com os movimentos sociais e da categoria.
152
uma grande coesão, não soubemos ser verdadeiramente políticos em nossas
negociações. [...] o pessoal do Sul tinha diferentes tendências, assim como o do
Nordeste [...] Por outro lado, é do Nordeste [...] que surgem os primeiros
adeptos da linha gramsciana. Convivia-se com várias tendências, porém a linha
conservadora era muito forte (MESA REDONDA [Maria Lúcia], 1989, p. 17).
Essas informações mostram que o movimento de busca de ruptura não foi
tranqüilo para os profissionais. Havia embates de posições divergentes que procuravam
assegurar a hegemonia no âmbito das idéias e da organização da categoria.
A convenção da ABESS (1979) expressou, portanto, a divergência da categoria
no tocante a dois projetos: busca de ruptura e manutenção do modelo tradicional.
Prevaleceu o projeto de ruptura que assegurou a vertente marxista como fundamento do
processo de formação. Conforme avalia Netto (1984, p. 5) que, à época, as escolas tinham
o eixo da profissão conforme três direções: “ou reproduzindo os parâmetros tradicionais,
ou travestindo-os de modernidade, ou rompendo definitiva e radicalmente com eles”
Com a aprovação do currículo mínimo de 1982 (BRASIL, 1982), apesar da
ditadura militar governo de João Figueiredo (1979-1985) os cursos de Serviço Social
em todo o país, iam processualmente assumindo a proposta curricular, alterando seus
projetos, criando as condições necessárias para o rompimento do quadro teórico
conservador, pois o processo teórico-metodológico da formação profissional, a partir de
1982, ancorava-se na vertente marxista para a leitura e intervenção da/na realidade
brasileira.
Assim, as posições da vertente de busca de ruptura iam transpondo as barreiras
do conservadorismo e trazendo à tona, com base na formação profissional os propósitos de
um Serviço Social, “comprometido e articulado com o projeto social histórico dos setores
populares [...] no âmbito das entidades de representação da categoria a nível latino-
americano e caribenho” (ABRAMIDES, 1989, p. 29).
Um projeto/processo de formação profissional crítico, como o estabelecido
para o Serviço Social a partir de 1982, segundo Guerra (2007, p. 8), envolve “uma
possibilidade (o que não quer dizer efetividade) de os profissionais tomarem consciência
dos fundamentos (objetivos e subjetivos) sobre os quais a prática profissional se
desenvolve”. Essa possibilidade nem sempre acontece nas revisões curriculares, pois,
153
existe uma condição básica aos processos de mudança, qual seja, passar da apreensão
sensível do objeto à práxis. “É na práxis que o homem deve demonstrar a verdade, isto é, a
realidade, e o poder, o caráter terreno de seu pensamento”, asseveram Marx e Engels
(1993, p. 126).
Realmente, passar da apreensão sensível do objeto à práxis envolve um
processo de maturidade profissional, o despertar da consciência para si, que leva a
profissão à busca e à apreensão da realidade em um processo coletivo, capaz de propor
alternativas com o objetivo de promover mudanças na realidade em suas dimensões
sociais, econômicas, políticas e culturais.
Concorda-se com Guerra (2007, p. 8) que uma opção crítica dos profissionais
envolve um processo de tomada de
consciência dos fundamentos (objetivos e subjetivos) sobre os quais a prática
profissional se desenvolve, porque os projetos profissionais se organizam em
torno de um conjunto de conhecimentos teóricos e de saberes interventivos, de
valores, princípios e diretrizes éticas e políticas, de orientação sobre o perfil de
profissional que se deseja formar e de diretrizes para tal.
Mas, indaga-se:
a) seria possível aos assistentes sociais como categoria, com base no processo
de formação, assumir uma opção crítica ante a própria profissão e a realidade?
b) teriam os assistentes sociais domínio teórico-metodológico para proceder à
análise de realidade na vertente marxista, considerando a prática imediatista a então
desenvolvida?
c) como articular o projeto profissional com o projeto popular no sentido de
assegurar um outro projeto de sociedade?
Essas são algumas preocupações e desafios que se colocam à profissão, no
âmbito da formação e do exercício profissional.
Após o estabelecimento do currículo mínimo de 1982 (BRASIL, 1982), as
154
escolas tiveram dois anos para as revisões curriculares. Assim, programavam seus cursos
balizados pelos parâmetros estabelecidos no documento do MEC, na conjuntura em que se
inseriam os cursos e nas opções políticas de seus agentes/atores. Mantinham-se as
disciplinas obrigatórias da área básica e da área profissional e as disciplinas
complementares e/ou eletivas.
O estágio curricular estava previsto na área profissional com a seguinte
proposta: “haverá um Estágio Supervisionado obrigatório com a duração de, no mínimo
10% do tempo de duração do curso, tempo esse que não se computará na carga horária
mínima do curso” 2º, BRASIL/CFE, 1982)
101
. No ementário das disciplinas que
compõem o projeto curricular, o estágio supervisionado
propõe-se a introdução do Estágio Supervisionado (caraterizado no currículo
mínimo atual como Estágios Práticos). Este estudo é importante como forma de
aprendizagem prática das estratégias de ação profissional comuns aos campos
fundamentais de atuação do Serviço Social. Supõe a aprendizagem de
habilidades técnicas e capacidade de análise das repercussões profissionais face
a aplicação dessas habilidades (BRASIL/CFE, 1982).
De acordo com a Resolução, o estágio curricular busca a superação da
fragmentação teoria-prática do currículo anterior por outra fragmentação bem semelhante:
“Este estudo [o estágio] é importante como forma de aprendizagem prática das estratégias
de ação profissional comuns aos campos fundamentais de atuação do Serviço Social”.
Nesse raciocínio, o estágio curricular cuida da aprendizagem prática que se dedica ao
desenvolvimento de habilidades técnicas, conforme propõe o documento. Já a
aprendizagem teórica é desenvolvida apenas nas disciplinas ditas teóricas, pois elas
também não tratam da prática.
Assim as escolas programaram e organizaram seus estágios curriculares
segundo o currículo mínimo, a realidade institucional à qual se vinculam e à conjuntura
local/regional. O estágio curricular do curso de Goiânia será tratado no capítulo III.
Com a LDB/96 (BRASIL, 1996) encerrou-se a prática dos currículos mínimos
e a ABESS, hoje ABEPSS, encaminhou ao MEC as novas diretrizes curriculares da
101
A duração mínima do curso é de 2.700 horas, conforme prevê o art. da referida resolução. O estágio
deve corresponder a 10% da carga horária total do curso, 270 horas, mais as horas proporcionais
correspondentes às demais disciplinas e atividades que compõem a duração do curso.
155
formação profissional, que foram aprovadas em 1996.
As novas diretrizes curriculares para os Cursos de Serviço Social (BRASIL,
1996), estabeleceram o perfil de profissional que se pretende formar, para que e para quem
formá-los, tomando por pressupostos a realidade dos anos de 1990, que expressam
profundas transformações decorrentes do avanço do projeto neoliberal no Brasil, da
“reforma” do Estado, a reeleição de Fernando Henrique Cardoso para presidente e, na área
educacional, a aprovação da LDB/96 (BRASIL, 1996). Conforme esse quadro, ocorreram
transformações nos processos de produção e reprodução da vida social, em virtude da
reestruturação produtiva e as novas formas apresentadas aos profissionais no
enfrentamento da questão social (ABEPSS, 1996).
O contexto do referido período e as transformações dele decorrentes
configuram uma regulação específica para o trabalho e para as profissões, trazendo à tona a
lógica do modo de produção capitalista, com uma nova roupagem, pois historicamente ele
se renova para atender às exigências atuais de velhos propósitos, ou seja, assegurar a
acumulação do capital em dimensões mundiais e, como decorrência, a manutenção do stato
quo.
Assim, um outro caminho foi sendo traçado não para o Serviço Social, mas
para as profissões em geral, que indica perspectivas de enfrentamento aos desafios
apresentados pelas novas faces do mundo do trabalho e que está a exigir, maior e melhor
articulação entre as demandas/desafios do mercado, formação profissional, prática
profissional e a realidade social, econômico, político e cultual da sociedade.
Com isso, a relação dialética entre diretrizes curriculares e perfil profissional
que se pretende alcançar indica a necessidade de assistentes sociais não apenas para as
exigências do mercado, mas profissionais capazes de criticamente analisar essa realidade e
propor projetos de intervenção que contribuam para a “construção de uma nova cidadania
coletiva, capaz de abranger as dimensões econômicas, políticas e culturais da vida dos
produtores de riqueza, do conjunto das classes subalternas” (IAMAMOTO, 1998, p. 185).
No âmbito da formação profissional, a partir das Diretrizes Curriculares de
1996 o projeto de formação de muitos cursos remetem,
156
diretamente, a um conjunto de conhecimentos indissociáveis, que se traduzem
em núcleos de fundamentação constitutivos da formação profissional. São eles:
1. núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social; 2. núcleo de
fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira; 3. núcleo de
fundamentos do trabalho profissional (ABEPSS, 1996, p. 63).
Esses três núcleos congregam um conjunto de ementas, programas de
disciplinas e atividades que compõem o processo de formação profissional, cada um
conforme especificidades e particularidades próprias que expressam a totalidade dos
conhecimentos afetos à formação profissional. Eles não são autônomos nem subseqüentes,
mas indissociáveis e se caracterizam por níveis diferenciados de apreensão da realidade
social e profissional necessários à operacionalização das diretrizes curriculares no processo
de formação dos assistentes sociais.
O documento afirma, portanto, que “a formação profissional constitui-se de
uma totalidade de conhecimentos que estão expressos nestes três núcleos, contextualizados
historicamente e manifestos em suas particularidades”.
Propõe, ainda, ir “abrindo novos caminhos para a construção de
conhecimentos, como experiência concreta no decorrer da própria formação profissional.
Esta é a grande moldura da configuração geral das diretrizes gerais” (ABEPSS, 1996, p.
64).
Assim considerados, os núcleos podem constituir eixos articuladores do
processo de formação, desdobrando-se em áreas de conhecimento, envolvendo os
componentes curriculares matérias, disciplinas, atividades complementares e atividades
indispensáveis e integradoras do processo curricular, ou seja, todo processo da formação.
A categoria trabalho como eixo central do processo de reprodução da vida
social é reafirmado no núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social, que o
enfoca segundo a vertente marxista. O trabalho é o conjunto das atividades realizadas pelo
homem na sociedade. Nessa perspectiva, o núcleo enfoca a configuração da sociedade
burguesa “em suas especificidades quanto à divisão social do trabalho, à propriedade
privada, à divisão de classes e do saber, em suas relações de exploração e dominação, em
suas formas de alienação e resistência. Implica reconhecer as dimensões culturais, ético-
políticas e ideológicas dos processos sociais, em seu movimento contraditório e elementos
157
de superação” (ABEPSS, 1996, p. 64).
O núcleo de fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira
trata do conhecimento da sociedade em suas dimensões sociais, econômicas, políticas e
culturais e, numa perspectiva histórica.
o núcleo de fundamentos do trabalho profissional “considera a
profissionalização do Serviço Social como uma especialização do trabalho e sua prática
como concretização de um processo de trabalho que tem como objeto as múltiplas
expressões da questão social (ABEPSS, 1996, p. 66). Nesse núcleo localiza-se a
disciplina de estágio curricular que deve, com maior propriedade, realizar a articulação
dialética entre processo de formação e exercício profissional, estabelecidas nas relações
universidade-sociedade, que se constroem na mediação estágio-mercado, de forma que,
processualmente, elas se criam e recriam segundo uma totalidade social, envolvendo e
estabelecendo desafios, limites e possibilidades tanto para a formação quanto para o
exercício profissional.
Como visto anteriormente, os demais núcleos também asseguram relações
entre formação e exercício profissional, não podendo ser atribuída essa tarefa apenas a um
núcleo, no caso, os fundamentos do trabalho profissional, locus do estágio. Se o estágio é
um dos elementos articuladores entre a relação universidade-sociedade, entre processo de
formação-exercício profissional, ele apresenta um movimento que perpassa os três núcleos,
cujas propostas enfocam categorias centrais da vertente marxista: trabalho, questão social,
totalidade e outras.
Assim, compondo o Núcleo de Fundamentos do Trabalho Profissional, o
estágio curricular destaca-se como componente das atividades indispensáveis e
integradoras do currículo e tem, dentre seus principais desafios, a necessidade de
possibilitar a articulação entre: a) formação e exercício profissional; b) conhecimentos
ético-político, teórico-metodológicos e técnico-operativos; c) inserção do estudante no
espaço profissional, desenvolvendo atividades segundo os propósitos ético-políticos,
teórico-metodológicos e técnico-operativos da profissão.
Este núcleo “considera a profissionalização do Serviço Social como uma
158
especialização do trabalho e sua prática como concretização de um processo de trabalho
que tem como objetivo as múltiplas expressões da questão social” (ABEPSS, 1996, p. 66).
Segundo o documento, o estágio
se configura a partir da inserção do aluno no espaço sócio-institucional
objetivando capacitá-lo para o exercício do trabalho profissional, o que
pressupõe supervisão sistemática. Essa supervisão será feita pelo professor
supervisor e pelo profissional do campo, através da reflexão, acompanhamento
e sistematização com base em planos de estágio, elaborados em conjunto entre
unidade de ensino e unidade campo de estágio, tendo como referência a Lei
86662/93 (lei de Regulamentação da Profissão) e o Código de Ética do
Profissional (1993). O Estágio Supervisionado é concomitante ao período letivo
escolar (ABEPSS, 1996, p. 71).
Portanto, o estágio não deve ter um caráter complementar no processo de
formação profissional e nem se caracteriza como uma atividade prática realizada no mundo
do trabalho ou no mercado profissional, de forma dissociada do projeto curricular da
formação, aspecto que diferencia o Serviço Social das outras profissões. O estágio deve
possibilitar articulação horizontal e vertical das diversas disciplinas e atividades que
compõem os três eixos do projeto de formação: núcleo de fundamentos teórico-
metodológicos da vida social; núcleo de fundamentos da formação sócio-histórica da
sociedade brasileira; e núcleo de fundamentos do trabalho profissional (ABEPSS, 1996).
Isto significa que ele deve se articular com o eixo da formação como um todo, e, ao mesmo
tempo com as disciplinas do período e com o mundo do trabalho. Suas possibilidades,
estabelecidas pelo processo de formação, expressam condições ideais para sua realização,
contudo, elas sofrem interferência das determinações do mercado em que prevalecem
interesses ditados por outra gica, ou seja, pela lógica do modo de produção capitalista.
Assim, a articulação entre formação e exercício profissional para fins de estágio, torna-se
um desafio, pois são antagônicos os princípios emanados pela educação e pelo mercado.
As diretrizes curriculares (BRASIL, 1996) consideram de grande significado
ao processo de formação dos assistentes sociais, o conhecimento crítico e histórico da
realidade brasileira, estabelecendo como eixo do processo de formação a questão social
102
.
102
A condição sócio-econômica de muitos estudantes do Curso de Serviço Social, sobretudo aqueles que
freqüentam escolas particulares, estabelece outra prioridade, fazendo com que os aspectos políticos e críticos
da formação propostos para o estágio venham a ocupar segundo plano, ou seja, a realidade de vida desses
estudantes, cada vez mais precarizadas, aproxima-se da condição sócio-econômico, dos usuários das políticas
159
Nesse sentido, alguns aspectos relevantes ao processo de formação que foram destacados
pelas diretrizes curriculares (Brasil, 1996) além do conhecimento crítico e histórico da
realidade brasileira, o conhecimento do processo histórico dos projetos curriculares, em
especial o currículo mínimo de 1982 (BRASIL, 1982), que tem sido legitimado pela
profissão, e sua articulação com o projeto social da classe trabalhadora, seus interesses,
necessidades e lutas. Também foi ressaltado o avanço na produção teórica do Serviço
Social, fruto da consolidação do projeto profissional e da crescente expansão da pós-
graduação, que tem atraído uma parcela expressiva da categoria que busca qualificação,
nos cursos de pós-graduação stricto sensu mestrado e doutorado –, cujas dissertações e
teses muitas vezes se transformam em produções científicas, contribuindo para o aumento
quanti-qualitativo do acervo bibliográfico em Serviço Social.
Outros elementos também são indicados pela ABEPSS, como pressupostos
norteadores do processo/projeto de formação profissional:
1. O Serviço Social se particulariza nas relações sociais de produção e
reprodução da vida social como uma profissão interventiva no âmbito da
questão social, expressa pelas contradições do desenvolvimento do
capitalismo monopolista.
2. A relação do Serviço Social com a questão social [...] é mediatizada por um
conjunto de processos sócio-histórico e teórico-metodológicos constitutivos
de seu processo de trabalho.
3. O agravamento da questão social [...] no Brasil, [...] determina uma inflexão
no campo profissional do Serviço Social [...] resultante de novas requisições
postas pelo reordenamento do capital e do trabalho, pela reforma do Estado e
pelo movimento de organização das classes trabalhadoras, com amplas
repercussões no mercado profissional de trabalho.
4. O processo de trabalho do Serviço Social é determinado pelas configurações
estruturais e conjuntuais da questão social e pelas formas históricas de seu
enfrentamento, permeadas pela ação dos trabalhadores do capital e do Estado,
através das políticas e lutas sociais (ABEPSS, 1997, p. 60 - 61).
Esses pressupostos traçam, segundo Cardoso (2000, p. 9),
um determinado desenho da profissão: particularizam o Serviço Social no
conjunto das relações de produção e reprodução da vida social, como uma
profissão de caráter interventiva, cujo sujeito o Assistente Social intervém
no âmbito da questão social.
sociais, população demandatária do Serviço Social, assim, o estágio se apresenta como condição de acesso à
bolsa-estágio.
160
A questão social
103
é apresentada como fundamento histórico-social básico da
profissão, eixo central do processo/projeto da formação profissional. Os pressupostos,
princípios e diretrizes, estabelecidas pela ABEPSS têm uma abrangência nacional e
constituem elementos norteadores de propostas e projetos pedagógicos para os cursos de
graduação.
A “reforma” do Estado brasileiro e as decorrentes mudanças e tendências do
mundo do trabalho justificam a necessidade atribuída ao processo/projeto de formação de
rigoroso trato histórico, ético-político, teórico-metodológico e técnico-operativo da
realidade social e do Serviço Social, por parte dos profissionais. Aliás, a leitura crítica e
propositiva da realidade e do próprio Serviço Social é um elemento fundamental para o
processo/projeto da formação, pois a apreensão da questão social em suas diversas
manifestações irá possibilitar a elaboração de projetos de intervenção segundo os
princípios das diretrizes curriculares da categoria.
Nesses princípios ancoram-se a formação e o exercício profissional, o que
possibilita aos profissionais e estudantes a apreensão da realidade, seus problemas e
desafios na produção e reprodução da vida social.
Um dos maiores desafios que o assistente social vive no presente é desenvolver
sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas
e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de demandas emergentes no
cotidiano. Enfim, ser um profissional propositivo e não executivo
(IAMAMOTO, 1999, p. 20).
O conhecimento da realidade é um instrumento fundamental para reflexão e a
intervenção do Serviço Social, na elaboração de análises de conjuntura. Trata-se de um ato
político, que mostra e explica a realidade, suas relações e tendências, a luta de poder e
outros aspectos necessários à elaboração de projetos de conhecimento e de intervenção.
Outro princípio da formação profissional é a “adoção de uma teoria social
crítica que possibilite a apreensão da totalidade social em suas dimensões de
103
Compreender a questão social na atual conjuntura, segundo Iamamoto (1999, p. 27), é apreendê-la, “como
o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a
produção é cada vez mais coletiva, o trabalho torna mais amplamente social, enquanto que a apropriação dos
seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade”.
161
universalidade, particularidade e singularidade” (ABEPSS, 1997, p. 61), o que significa
elaboração de “um projeto social anticapitalista [...] [envolvendo] componentes
socioeconômicos e emancipadores que a cultura profissional recentemente abrigou sejam
potenciados e atualizados. É nessa perspectiva [...] que pode abrir o Serviço Social a
demandas que transcendam o horizonte da ordem do capital” (NETTO, 1996, p. 127 -
128).
Historicamente, muitas teorias conservadoras forneceram subsídios e
fundamentação para o processo de formação e o exercício profissional do assistente social,
dando-lhes uma direção ético-política, teórico-metodológica e técnico-operativa, e como
exemplo, as correntes positivistas e funcionalistas e o neotomismo. Apesar do
amadurecimento profissional o pensamento conservador ainda subsiste, pois a profissão
não conseguiu superar as amarras de suas raízes.
Segundo Netto (1996, p. 111), a
década de oitenta consolidou, no plano ídeo-político, a ruptura com o histórico
conservadorismo do Serviço Social. Entendamo-nos: essa ruptura não significa
que o conservadorismo [...] foi superado no interior da categoria profissional;
significa, apenas, que [...] posicionamentos ideológicos e políticos de natureza
crítica e/ou contestadora em face da ordem burguesa conquistaram legitimidade
para se expressarem abertamente. É correto afirmar-se que, ao final dos anos
oitenta, a categoria profissional refletia o largo espectro das tendências ídeo-
políticas que tensionam e animam a vida social brasileira. Numa palavra,
democratizou-se a relação no interior da categoria e legitimou-se o direito à
diferença ídeo-política.
o contexto do final dos anos 1980 e da década de 1990 demandou novas
competências profissionais, seja no âmbito do mercado de trabalho tradicional dos
assistentes sociais o setor público federal, estadual e municipal seja na crescente
demanda do setor privado, das novas organizações não-governamentais (ONGs) ou nas
instituições filantrópicas. Decorre então a necessidade de uma leitura crítica, política e
histórica da realidade, própria da teoria social marxista, para orientar, teórica e
metodologicamente, a prática profissional. É ela que consegue apreender criticamente a
realidade social por meio da categoria da totalidade em suas dimensões de universalidade,
particularidade e singularidade, sem fragmentar o conhecimento ou negar a totalidade
como categoria histórica.
162
Os princípios da formação profissional evidenciam a preocupação com a não-
fragmentação, a não-dispersão e a pulverização de disciplinas teóricas entre si: “Superação
da fragmentação de conteúdos na organização curricular, evitando-se a dispersão e a
pulverização de disciplinas e outros componentes curriculares” (ABEPSS, 1996, p. 61). É
fundamental a coesão das disciplinas entre si e com os demais componentes curriculares:
estágio curricular, oficinas, atividades complementares, programas de extensão. Esses
elementos concorrem para o processo de formação profissional, assegurando o perfil de
profissional demandado pela categoria, expresso no Código de Ética Profissional
(CFESS/CRESS, 1993) e na Lei de Regulamentação da Profissão (BRASIL, 1993). Nesse
sentido foi muito importante a superação do currículo mínimo na formação dos assistentes
sociais, pois as diretrizes curriculares superam o denominado conteúdo bancário,
cumulativo, que dissociava as disciplinas pela falta de um eixo condutor e pela pouca
possibilidade de articulação entre os conteúdos, situação presente até então na formação
profissional.
As diretrizes curriculares de 1996 (ABEPSS, 1996) para a formação do
profissional destacam as mediações que historicamente incidem sobre o perfil de
profissional e as novas demandas e respostas que a profissão “é instigada a construir”, e
que implicam a capacitação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa para
1. apreensão crítica do processo histórico como totalidade;
2. investigação sobre a formação histórica e os processos sociais
contemporâneos que conformam a sociedade brasileira, no sentido de
apreender as particularidades da constituição e desenvolvimento do
capitalismo e do Serviço Social no País;
3. apreensão do significado social da profissão desvelando as possibilidades
de ação contidas na realidade;
4. apreensão das demandas consolidadas e emergentes postas ao Serviço
Social via mercado de trabalho, visando a formular respostas profissionais
que potenciem o enfrentamento da questão social, considerando as novas
articulações entre público e privado;
5. exercício profissional cumprindo as competências e atribuições previstas na
legislação profissional em vigor. (ABEPSS, 1996, p. 62).
As diretrizes curriculares da ABEPSS de 1996 ressaltam a necessidade de
reelaboração dos projetos pedagógicos dos cursos, tendo entre seus princípios, além da
“indissociabilidade nas dimensões de ensino, pesquisa e extensão [...] [a]
indissociabilidade entre estágio e supervisão acadêmica e profissional” (ABEPSS, 1996, p.
163
61 - 62). Assim, foram construídos, em todo o país, novos projetos pedagógicos dos cursos
de Serviço Social, cuja direção social se assenta na questão social e no conhecimento da
realidade em seus aspectos sociais, econômicos, político e culturais, pontos centrais do
processo de formação e intervenção profissional, envolvendo o conhecimento das novas
configurações do espaço profissional e do mundo do trabalho.
Para Cardoso (2000, p. 7), essa revisão curricular criou um
espaço privilegiado na reconstrução do projeto de formação profissional do
Assistente Social, [...] onde são configurados: pressupostos e princípios de base
da direção social da formação; alguns eixos transversais a todo processo; o
perfil do bacharel em Serviço Social e um conjunto de componentes curriculares
que superam uma visão de currículo construído apenas por disciplinas, ao
mesmo tempo em que estimula a participação do alunado na vida universitária,
através de diferentes mecanismos (iniciação científica, monitoria, pesquisa e
extensão, oficina/laboratório, etc.).
Como em outros cursos e profissões, também no Serviço Social uma
diversidade de concepção e de encaminhamento do processo/projeto de formação
profissional nos aspectos ético-políticos, teórico-metodológicos e técnico-operacionais,
apesar das orientações nacionais da ABEPSS que apontam uma direção única para o
processo de formação do assistente social. Essa diversidade está presente no processo de
formação e também no exercício profissional dos assistentes sociais, decorrentes das
contradições e confrontos das lutas sociais onde embatem tendências de
conciliação e de reforma com outras de transformação da ordem vigente no bojo
do processo revolucionário e ainda com outras que visam apenas modernizar e
minimizar a dominação (FALEIROS, 1987, p. 51).
A diversidade do/no processo/projeto de formação e no exercício profissional
decorre, de um lado, das diferentes visões de mundo, das opções teórico-político-
metodológicas dos assistentes sociais supervisores acadêmicos e supervisores dos
campos de estágio e dos estagiários e das intencionalidades desses atores; de outro lado,
uma condição real das instituições prestadoras de serviços sociais que não conseguem
atender à população que busca esses serviços, provocando uma crescente pressão da
população demandatária dos serviços sociais. Tal fato decorre do aumento progressivo da
pauperização dos trabalhadores, fruto do aprofundamento da questão social, e da falta de
verbas e recursos das instituições públicas que acabam por desenvolver políticas sociais
“pobres, para os pobres”, haja vista a redução do Estado na área social provocada pela
164
política econômica do governo de Cardoso, que transferiu para o mercado a gestão de
programas e projetos sociais. Um terceiro fator refere-se à questão de que as diretrizes
curriculares da ABEPSS/1996 (BRASIL, 1996), em sua aprovação pelo MEC, foi por este
órgão esvaziada e não teve seus pontos centrais incorporados
104
.
Desde o final da década de 1970 e, especialmente na década de 1980, conforme
já foi dito, a formação e a atuação profissional dos assistentes sociais têm adotado a
vertente marxista
105
para análise da realidade e fundamentação do seu processo teórico-
metodológico. Nessa perspectiva, estudos e pesquisas do/no Serviço Social estavam
centradas na
crítica da emergência, do desenvolvimento, da consolidação e dos vetores de
crise da sociedade burguesa e do ordenamento capitalista. Nessa teoria social, o
traço peculiar, mais pertinente e decisivo refere-se ao seu cariz histórico-
ontológico. [...] esta teoria articula-se sobre a perspectiva de totalidade: a
sociedade é apreendida como uma totalidade concreta, dinâmica e contraditória
[...] A categoria da totalidade, nesta angulação, é simultaneamente, a categoria
central da realidade histórico-social (NETTO, 1989b, p. 92 - 93).
No entanto, é bom reafirmar que tal direção que é hegemônica, não é exclusiva
no interior da categoria. profissionais que até tendem a concordar com o projeto ético-
político da profissão, mas, no dia a dia, conferem aos princípios desse projeto outro
sentido, isto é, esvaziam esse projeto e desenvolvem um processo teórico-metodológico
que se ancora no projeto conservador de sociedade, contrapondo-se à vertente marxista,
que segundo eles, não encontra aplicabilidade no cotidiano do exercício profissional. Essa
posição harmoniza-se com o projeto neoliberal da sociedade brasileira, que se fortalece e
se ancora nas ciências sociais de cunho conservador
106
.
Para Boschetti (2000), essa realidade pode ser considerada um
104
A esse respeito ver Iamamoto (1999).
105
“O método crítico dialético, a teoria do valor trabalho e a perspectiva da revolução [...], [sustentam a]
arquitetura teórica marxiana [que] está fundada neste tripé sem a presença simultânea desses três
componentes, a sua construção histórica desaba” (NETTO, 1989b, p. 95).
106
Nesse aspecto constitui-se a um tempo necessidade e desafio ao projeto de formação profissional,
selecionar ou eleger como campo de estágio as instituições em que os profissionais conseguem desenvolver
uma prática profissional segundo os propósitos norteadores da profissão. O estudante exerce pressão junto a
direção do curso para que a instituição que oferece bolsa seja campo de estágio, por outro lado, nem sempre
essas instituições desenvolvem um trabalho de qualidade, que irá contribuir com o processo de formação dos
estudantes.
165
principal desafio que se coloca [que] é assegurar, coletivamente, a direção ética,
política e técnico-operacional constante nas diretrizes curriculares, que
associadas à lei de regulamentação da profissão e ao código de ética
profissional, materializam um determinado projeto de profissão (p. 95).
A direção social proposta no processo/projeto de formação “expressa uma
concepção de ensino e aprendizagem calcada na dinâmica da vida social, o que estabelece
os parâmetros para a inserção profissional na realidade sócio-institucional” (ABEPSS,
1996, p. 62) o que pressupõe o constante repensar crítico do processo de formação e do
exercício profissional.
Quando desvinculação entre direção social do processo de formação e o
exercício profissional, as conseqüências são várias, e elas afetam, substantivamente, o
estágio curricular como uma dimensão da formação profissional, nos aspectos teórico-
práticos e nas relações com o mercado de trabalho/campos de estágio. Assim, formação e
meio profissional devem alimentar-se mutuamente, conforme propõe as Diretrizes
Curriculares do projeto/processo de formação profissional
107
.
Portanto, a lógica das diretrizes curriculares assenta-se na relação formação e
exercício profissional, processo em que o estudante se instrumentaliza para exercer a
profissão conforme os propósitos da direção social estabelecida e assumida pelo Serviço
Social e normatizada nas Diretrizes Curriculares (BRASIL, 1996), na Lei de
Regulamentação da Profissão (BRASIL, 1993) e no Código de Ética Profissional
(CEFSS/CRESS, 1993), os dois últimos atualizados na década de 1990.
No próximo capítulo serão enfocados aspectos referentes à realidade do estágio
em Goiânia, vinculado ao Curso de Serviço Social da UCG. Para isso é discutido, com
base nas Diretrizes Curriculares da ABESS (1996) e na Projeto Político-Pedagógico do
curso, o estágio em instituições da esfera federal, estadual e municipal, na autarquia e na
instituição privada.
107
A formação e o exercício profissional exigem “não apenas detectar as determinações de sua inserção na
sociedade. Implica, ainda, identificar as raízes teóricas de que é caudatária, que vem informando certas óticas
de leitura da sociedade e do exercício profissional. [...] E essa herança carrega, como ingredientes básicos,
tanto o conservadorismo europeu como as vertentes empiristas e pragmáticas das Ciências Sociais norte-
americanas, além dos componentes doutrinários presentes nas origens confessionais da profissão. Tais
elementos m um rebatimento significativo nas perspectivas de análise da prática social e profissional [...]
Esses traços e muitos outros vêm incidindo na compreensão do ensino da prática, que tende a ser reduzido ao
‘como fazer’, numa visão tecnicista e instrumental do exercício da profissão” (IAMAMOTO, 1997, p. 195).
166
CAPÍTULO III
O ESTÁGIO NO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL DE GOIÂNIA
E O MUNDO DO TRABALHO
Em algumas unidades de ensino do Brasil, inclusive no Curso Serviço Social
de Goiânia, o processo de formação profissional, implantado no segundo semestre de 1999,
ancora-se nas Diretrizes Curriculares da ABEPSS de 1996. Fundamentou-se em materiais
que são referência, para a formação profissional: Lei de Regulamentação da Profissão/1993
(BRASIL, 1993), Código de Ética Profissional/1993 (CEFSS/CRESS, 1993), LDB/96
(Brasil, 1996), como também, em documentos da própria universidade e na realidade
goiana e brasileira.
O referido projeto destaca como elementos orientadores da formação
profissional: marco referencial, perfil profissional, metodologia, estrutura curricular, inter-
relação entre ensino, pós-graduação, pesquisa, extensão e serviços, estágio curricular,
monografia, atividades complementares, política de egressos e formação continuada. Esses
elementos destinam-se à preparação de um profissional para intervir na questão social, com
atitude crítica, propositiva, criativa e ética, fundamentada na vertente marxista.
As duas últimas revisões curriculares do curso, a de 1984 e 1999, tiveram por
base teórico e metodológica a vertente marxista e a realidade sócio-histórica, econômica,
política e cultural brasileira e goiana em cada época. Esses elementos entrecruzam-se com
os fundamentos e princípios ético-políticos, teórico-metodológicos e técnico-operativos do
167
Serviço Social, assegurando ao processo de formação seu caráter histórico. Mas, ele não é
homogêneo nem monolítico. Envolve uma série de intermediações/articulações que
correspondem a cenários, atores, épocas, relações de poder, espaços geográficos,
linguagens e outros elementos. Em outras palavras, ele envolve razões objetivas para a
sua persistência, assim como a renovação vinculada à necessidade de completar,
ultrapassar ou repudiar algo do passado” (SÁ, 1995, p. 56). O processo histórico vem
mostrar que “ao mesmo tempo em que se gesta uma idéia, uma prática, contragesta-se essa
própria concepção” (EDITORIAL SERVIÇO SOCIAL E SOCIEDADE, 1983, p. 4).
A análise histórica do Serviço Social tanto no processo de formação como no
de intervenção, em diferentes contextos e conjunturas, articula a profissão com a realidade
social em seus aspectos sócio-econômico, político e cultural o que tem desencadeado
diferentes projetos de exercício e formação profissional.
Em Goiânia, por ocasião da criação do curso, o mercado profissional era
reduzido a poucas instituições e não contava com pessoal preparado para atuar nas
manifestações da questão social ou mesmo responder aos apelos da política do governo.
Conforme Miguel (1980), apenas o Serviço Social do Comércio (SESC) contava com uma
assistente social que teve grande participação na criação da escola. Nesse sentido, em
1957, a Escola de Serviço Social
108
, ao “ser inaugurada em plena efervescência do
desenvolvimento juscelinista, [...] através das disciplinas que compõem seu currículo, está
vazada pelo chamamento dessa ideologia”, afirma Miguel (1980, p. 93)
109
.
Com articulação entre Igreja Católica, Conferência São Vicente de Paula, Liga
Goiana de Assistência, Associação do Pequeno Trabalhador Autônomo (APTA) e
representantes patronais, os empresários do comércio e da indústria
110
, foi criado o Curso
108
A respeito da criação do Curso de Serviço Social em Goiânia, é brilhante a obra de Miguel (1980): O
Serviço Social e a “promoção do homem”, um estudo de ideologia.
109
Miguel (1980) apresenta depoimentos de assistentes sociais das primeiras turmas da Escola de Goiânia
que comprovam a adesão profissional ao desenvolvimentismo apregoado pelos Estados Unidos da América
desde os anos 1940, e assimilado também pelos dirigentes do país. O “subdesenvolvimento era a tônica das
disciplinas em classe”; “dependia de todo povo brasileiro vencer a etapa de subdesenvolvimento que há anos
nos fazia escravos”; “o desenvolvimento era visto como uma cruzada e todo mundo queria dela participar”
(MIGUEL, 1980, p. 93).
110
Os empresários do comércio e da indústria criaram em vários Estados brasileiros, ainda na década de
1940, para atendimento aos trabalhadores e seus familiares, o Serviço Social do Comércio (SESC), o Serviço
168
de Serviço Social. Portanto, o Curso de Goiânia teve origem a partir de interesses de
segmentos dominantes da sociedade na época: igreja católica, Estado e classes patronais
(MIGUEL, 1980).
Segundo a autora (1980, p. 72), “o jogo de interesses em que se constrói a idéia
de necessidade da Escola não expressava demanda da comunidade em geral”, mas desses
segmentos dominantes. A título de exemplo, ela relaciona o envolvimento desses
segmentos na criação da Escola, conforme se segue.
a segunda carta dirigida ao Presidente, em nome da Escola, é referendada
pela representante dessa, pelo Arcebispo de Goiânia, pelo Governador do
Estado, Secretários do Interior e da Justiça, da Saúde e Cultura, da Agricultura,
prefeito de Goiânia, Presidente da Assembléia Legislativa, Diretores da
Faculdade de Filosofia e Direito, Inspetor Regional do IBGE em Goiás,
Delegados do IAPI e do IAPC. (MIGUEL, 1980, p. 75)
Diz a referida carta que:
A Escola de Serviço Social de Goiás [...] se encontra em regular funcionamento,
realizando todas as suas finalidades estatutárias, com as prerrogativas de
instituto superior outorgados pelo Decreto 40.854 de 29 de janeiro do ano
passado [1957] (MIGUEL, 1980, p. 75).
A correspondência enaltecia ainda a iniciativa pelo seu pioneirismo
111
e
associando-a aos ideais do presidente da República na época, Juscelino Kubitschek de
Oliveira o fundador de Brasília:
Em Goiânia, instalou-se a Escola de Serviço Social de Goiás, a primeira e a
única na vasta extensão do Brasil Central, como uma colaboração espontânea
da Associação Brasileira de Educação Familiar e Social ao esforço que a
Presidência da República vem fazendo no sentido de interiorizar a Capital
Federal (MIGUEL, 1980, p.75).
O limitado espaço de trabalho profissional dos assistentes sociais em Goiânia
Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), o Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Nacional
de Aprendizagem Industrial (SENAI), respectivamente.
111
O curso de Serviço Social de Goiânia manteve-se o único na Região Centro-Oeste até a década de 1970
quando foram criados os cursos nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins. Em seus
primeiros quinze anos, a escola de Goiânia foi mantida pela Associação Brasileira de Educação Familiar,
instituição religiosa vinculada à igreja católica. Com a reforma Universitária de 1968 (Brasil, 1968) passou,
em 1972, a compor a estrutura da UCG, com a denominação de Departamento de Serviço Social (SER)
(MIGUEL, 1980). Passados cinqüenta anos 1957-2007 comemorou-se o Jubileu de Ouro do Curso de
Serviço Social em Goiás.
169
teve significativa expansão com a criação da Escola de Serviço Social, pois, foi aumentada
a demanda por profissionais, sobretudo em instituições estatais, em âmbito estadual,
federal e municipal. A formação profissional continuou sob a coordenação da Associação
Brasileira de Educação Familiar e Social
112
, até sua incorporação à UCG o que ocorreu
com a efetivação da reforma universitária de 1968 (BRASIL, 1968), Lei nº 5.540/68
(BRASIL, 1968), no governo militar de Costa e Silva (1967-1969). Em 1965 a escola
passa a Faculdade de Serviço Social e, por força da reforma universitária de 1968, em
1972, compõe a estrutura da Universidade Católica de Goiás (UCG) com a denominação
de Departamento de Serviço Social da UCG, condição em que se mantém até a presente
data. A reforma universitária de 1968 (BRASIL, 1968) promoveu uma série de mudanças,
dentre elas a introdução de disciplinas obrigatórias, em todo o país e em todos os cursos:
educação física e Estudo de Problemas Brasileiros, “explicitando assim a função da Escola
como aparelho ideológico do Estado” (MIGUEL, 1980, p. 121).
Na década de 1960, conforme tratado no Capítulo II, os governos de
Kubitschek e de Quadros trouxeram maior presença e participação dos assistentes sociais
nas instituições públicas, principalmente em âmbito federal. Havia grande identidade entre
as propostas e projetos dos referidos presidentes com as da maioria dos assistentes sociais
nos aspectos do desenvolvimentismo, religioso e moral.
Ainda nessa década, apesar das marcas do nacional-desenvolvimentismo, o
Serviço Social também viveu, a partir do golpe de 1964, as agruras e arbitrariedades da
ditadura militar. Em Goiás, houve o desmantelamento da Secretaria Trabalho, substituída
pela recém-criada Secretaria de Serviços Sociais
113
que passou a encaminhar, em âmbito
estadual, as políticas públicas. A ação dos profissionais no atendimento às demandas do
Estado era de responsabilidade da recém-criada Secretaria (MIGUEL, 1980). Assim, uma
outra prática política foi sendo construída, respondendo de forma mais eficiente aos
112
A Associação Brasileira de Educação Familiar e Social é uma instituição religiosa da “sociedade civil, de
âmbito nacional, que estendeu por todo o País uma rede considerável de escolas [...] e centros sociais”,
informa Miguel (1980, p. 75), relatando a carta, citada anteriormente, ao presidente da República, sobre a
criação da Escola de Serviço Social em Goiás.
113
Segundo Miguel (1980, p. 110), “as discussões em torno da Secretaria de Serviços Sociais compreendem
um valioso documento não só para estudos da ciência política, mas também para análise ideológica”.
170
propósitos da ditadura militar e dando outro rumo às relações entre a profissão, o Curso de
Serviço Social e o Estado. As manifestações profissionais e o estágio vinculados aos
movimentos sociais e às lutas populares eram obrigadas a refluir, apesar de seu significado
político na busca de melhoria das condições de vida dos trabalhadores. Com isso, observa-
se que os dados estatísticos referentes ao estágio dos estudantes do curso, quadros 3
(p.172), e nº 4 (p.175) mostram que no período de 1957, data da criação do curso, até 1970,
uma maior incidência de estagiários nas instituições da sociedade política. A partir daí,
ano de 1971 a 1977, o quadro nº 5 (p.178) deixa clara a redução quantitativa de estagiários
nessa instância e seu crescimento nas atividades ligadas à igreja, espaço de resistência à
ditadura militar e de fortalecimento das lutas populares.
Portanto, vários projetos ético-políticos, teórico-metodológicos e técnico-
operativos, na área do Serviço Social, surgiram em todo o território nacional, compondo o
processo de formação dos assistentes sociais. Eles não firmaram os rumos do processo
de formação como também sustentaram o exercício profissional. Como será visto a seguir,
o estágio curricular, componente do processo de formação, segue as orientações traçadas
segundo as diretrizes postas à formação profissional. No Curso de Goiânia o estágio
compôs diferentes projetos de formação, conforme será visto a seguir, bem como se
submeteu às opções de supervisores (docentes e dos campos de estágio), de estagiários,
interesses institucionais e ainda à realidade social-econômica-política e cultural de Goiânia
e do país, em suas diversas manifestações.
3.1 O ESTÁGIO NO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL DE GOIÂNIA – ASPECTOS
HISTÓRICOS
Em sua origem, o processo de formação profissional dos assistentes sociais em
Goiás orientou-se pelos princípios da Doutrina Social da Igreja, sobretudo o neotomismo e
pelos princípios das Ciências Sociais, o positivismo e o funcionalismo. Nesse sentido, a
criação da Escola de Serviço Social de Goiânia, em 1957, seguiu as orientações teórico-
metodológicas da ABESS, hoje ABEPSS, ao instituir seu projeto de curso segundo o
currículo mínimo de 1953. A dimensão prática era determinante na profissão segundo o
pensamento católico, pois
171
“O Serviço Social deve agir” como se sua outra dimensão, a teórica não lhe
coubesse construir. Nasce para “reajustar”, não trazendo no seu enunciado
elemento questionador da “ordem vigente” não vendo, pois, criticamente a
história, a vida e o cotidiano como um processo (MIGUEL, 1980, p. 29).
Nesse sentido, dentre os critérios estabelecidos aos Cursos de Serviço Social
naquele currículo mínimo constavam, desde o segundo ano, atividades práticas obrigatórias
e supervisionadas, necessárias ao reconhecimento dos estudantes como profissionais.
Conforme Netto (2001b), em meados dos anos 1940, havia, em nível dos
grandes centros, a criação de um mercado nacional de trabalho para os assistentes sociais,
que absorvia os recém-formados assistentes sociais
114
. Nos anos 1950 e na entrada dos
anos 1960, o processo de industrialização impulsionava a expansão desse mercado. Mas é
“um mercado de trabalho emergente e ainda em processo de consolidação” (NETTO,
2001b, p. 120).
Em Goiânia, o espaço profissional dos assistentes sociais, ainda era restrito e se
circunscrevia, sobretudo às instituições do Estado, campo de estágio dos estudantes do
curso. Muitos desses campos contratavam os estudantes após a conclusão do curso.
O estágio é componente curricular no processo de formação desde os primeiros
projetos de formação, não em Goiânia como em todo o Brasil. Ele compõe diferentes
projetos curriculares, conforme opções ético-políticas e teórico-metodológicas dos cursos e
(re)configura-se segundo legislações pertinentes à formação profissional: reformas da
educação superior, diretrizes curriculares e projetos pedagógicos dos cursos, como também
interesses e intencionalidades dos agentes partícipes do processo: professores, estudantes e
profissionais dos campos de estágio.
O quadro nº 3 mostra como os estagiários que compuseram as primeiras turmas
do Curso de Serviço Social em Goiânia, no período compreendido entre 1957 a 1964,
foram distribuídos nas instituições campos de estágio que, na época, estavam “divididos
com as classes patronais, através do SESC e do SESI, com a igreja católica, com o Estado
e com algumas instituições particulares” (MIGUEL, 1980, p. 95).
114
Conforme já apresentado no primeiro capítulo a LBA destacou-se como um dos primeiros espaços
ocupacionais de assistentes sociais, a partir de sua criação em 1942, vindo a se constituir em campo de
estágio de vários estudantes das turmas iniciais de Serviço Social no Brasil.
172
Quadro 3 Instituições campo de estágio dos estudantes do Curso de Serviço Social da
UCG e a distribuição dos estagiários. Período de 1957 a 1964
SOCIEDADE
POLÍTICA
SOCIEDADE
CIVIL
ESTADO PATRONAIS IGREJA Particular
Comun.
Rural
Saúde
Menor
SESI
SESC
Comun.
Urbana
Comun.
Rural
Saúde
CAMPOS
DE
ESTÁGIO
1 4 2 6 2 2 1 1
TOTAL
DE
ESTAGIÁRIOS
TOTAL 7 8 3 1 19
Fonte: Miguel (1980, p. 95)
115
Apesar de interesses e programas específicos, um denominador comum
congregava o estágio curricular nessas instituições: a busca da “promoção do homem”,
respeitados os princípios e postulados estabelecidos para a profissão. No quadro 3,
observa-se que, de forma geral, o estágio curricular nesse período, ou seja, das estagiárias
das primeiras turmas, ficou restrito às instituições que se organizaram para a criação do
curso. Nada mais lógico, em virtude da conjuntura da época e da fundamentação teórica do
curso.
Assim, as classes patronais mediante suas instituições, SESC e SESI, “estão
recebendo os ‘benefícios’ pelos quais lutaram quando da criação da Escola. Isto porque ao
dividir os ‘frutos’ decorrentes da ‘produção’ da escola, [...] foram as mais agraciadas”
(MIGUEL, 1980, p. 95). Essas duas instituições tiveram, em conjunto, o maior número de
estagiários: oito, sendo seis no SESI e dois no SESC, dado que confirma o jogo de
interesses indicado por Miguel (1980), por ocasião da criação da Escola. As instituições
promotoras lutaram, articuladamente, para que a criação da Escola se concretizasse e suas
instituições pudessem contar com recursos humanos na área da assistência, em um
primeiro momento, o estagiário e, depois, o profissional, para promover o ajustamento dos
115
Miguel (1980) ilustrou a realidade do estágio no Curso de Serviço Social, no período de 1957 a 1977, em
três quadros nos quais destaca as instituições campo de estágio nas colunas: instituições patronais,
instituições do Estado, da Igreja e das particulares. Com base nesses elementos e buscando adequar o
material apresentado por Miguel (1980) às análises deste trabalho, foram realizadas alterações nos quadros
originais de Miguel, mantidas, sua essência, os dados estatísticos em cada período e os critérios adotados pela
autora. Assim, com base em Miguel (1980), os campos de estágio foram organizados nos três quadros em
duas grandes colunas congregando instituições da sociedade política e instituições da sociedade civil.
Compõe o bloco da sociedade política o Estado, com os campos de estágio em comunidade rural, saúde e
menor; o bloco da sociedade civil as instituições patronais – SESC e SESI, a igreja com estágio em
comunidades urbana e rural e as instituições particulares.
173
trabalhadores da indústria e do comércio.
O quantitativo de estagiários designados para a classe patronal criava
condições que possibilitavam “‘promover’ um nível de satisfação, ‘bem-estar’ e ‘educação
social’ à família do operário e do comerciário, [a preço simbólico,] criando uma imagem
de quanto e como ‘promovem seus empregados’” (MIGUEL, 1980, p. 96). Assim, uma
maior assistência social poderia ser desenvolvida com aqueles trabalhadores e familiares
necessitados, mediante controle e ajustamento de conflitos decorrentes da questão social,
pois, segundo fundamentação teórica hegemônica adotada na época, ancorada nos
princípios da igreja católica e das Ciências Sociais, esse era o propósito da profissão. Essa
bagagem teórica de viés conservador veio contribuir para a redução da capacidade e/ou
intensidade de luta desses trabalhadores, no enfrentamento e reivindicação de direitos por
parte deles, haja vista que o ajustamento social, ou seja, a manutenção do stato quo, era
necessária para manter o equilíbrio da sociedade, assegurar a ordem e o progresso.
Explica Miguel (1980, p. 96) que, nenhum
trabalho desenvolvido pelos alunos [em estágio] foi realizado diretamente com
o empregado ou operário, nesse período estudado [1957-1964], o que pode
indicar que o trabalho do estagiário está, indiretamente, servindo à manipulação
e ao controle dos conflitos dos empregados, na indústria e no comércio,
suavizando assim as disfunções ocorridas nas relações de produção, porque,
diretamente, está sendo utilizado na assistência à família dos empregados,
sobretudo à mãe gestante e aos filhos. O empregado que é ‘assistido’, através de
um trabalho desenvolvido junto a sua família, [...] tem sua capacidade de luta e
reivindicação consideravelmente diminuída, ou melhor, facilmente controlada.
Percebe-se ainda, nos dados do quadro 3 que, para uma distribuição
quantitativa de estagiários, a sociedade civil foi mais agraciada, pois pode contar com doze
estagiários em suas instituições campo de estágio, ao passo que no âmbito do Estado,
apenas sete estagiários: quatro na área de saúde; dois, na atuação com o menor, atualmente
a política da criança e do adolescente; e uma, na área rural, cujo estágio se desenvolveu no
Instituto de Desenvolvimento Agrário de Goiás (IDAGO)
116
, “no Combinado Agro-Urbano
116
O IDAGO é um órgão do Estado de Goiás que “coordena os instrumentos que devem levar avante a
política agrária desenvolvimentista’. Dentro desse ‘espírito a estagiária desenvolveu um trabalho de
adaptação social através de visitas, entrevistas’ [...]” (BRITO, 1964 apud, MIGUEL, 1980, p. 97). Esse
trabalho, em consonância com Serviço Social Rural, criado em 1955, foi se “organizando e começa suas
atuações a partir de 1959. Sua presença marcante será a partir de 1960. Esse serviço receberá apoio do
governo e de vários programas internacionais, bem como de órgãos patronais da área” (AGUIAR, 1984, p.
89).
174
de Arraias, cuja ‘política de povoamento e colonização’ tem em vista a mobilização do
meio rural” (MIGUEL, 1980, p. 97). Buscava-se assim, com a participação dos estagiários,
a contribuição do Serviço Social na solução dos problemas da vida rural e treinamento
de pessoal para enfrentá-los(BRITO, apud. MIGUEL, 1980, p. 97). Na Arquidiocese de
Goiânia
117
o estágio era desenvolvido por meio da Ação Católica, sobretudo a Juventude
Universitária Católica (JUC), em atividades de educação de base com as famílias mais
pobres, nos bairros periféricos de Goiânia, segundo princípios do cristianismo que se
conjugava com a fundamentação humanista de Paulo Freire. Apenas duas estagiárias
vincularam-se a esses programas no período em tela, conforme mostra o quadro nº 3.
A influência da construção de Brasília e o advento das propostas
desenvolvimentistas dos governos de Kubitschek e Quadros atingiram o Serviço Social por
meio do processo de desenvolvimento de comunidade. Assim, ainda na década de 1960,
conforme foi visto, os assistentes sociais aderiram aos programas comunitários,
desenvolvendo os projetos de Desenvolvimento de Comunidade no Estado de Goiás.
Com o golpe de 1964, o poder foi assumido pelos militares e houve alterações
em toda a sociedade brasileira, afetando as profissões e os processos de formação. Os
projetos e experiências profissionais e de estágio mais comprometidas com os segmentos
populares e de trabalhadores foram desarticulados, em âmbito local e nacional, sendo
priorizado o estágio curricular em instituições indicadas pelo sistema e os recém-criados
programas de extensão, como o Projeto Rondon e outros
118
. Tais medidas implicaram não
somente mudanças nas instituições demandatárias do estagiário, como nos rumos do
próprio processo de formação.
Também as reformas educacionais, dentre elas, a reforma universitária (Brasil,
117
“A Arquidiocese é uma estrutura eclesial de nível local, também conhecida como Igreja particular. Difere-
se de uma diocese comum, por ser sede de uma província eclesiástica dirigida por um arcebispo
metropolitano”, esclarece Duarte (2003, p. 18). Informa a autora que a Arquidiocese de Goiânia foi criada em
26 de março de 1956, pelo Papa Pio XII que extinguiu a sede metropolitana da cidade de Goiás, antiga
capital do Estado, erigida em 1933, transferindo-a para Goiânia. Um ano após a transferência da
arquidiocese, 1957, foi criada a Escola de Serviço Social.
118
A Lei 5.540/68 (BRASIL, 1968), em seu art. 40, propunha às instituições de ensino superior que: “a) por
meio de suas atividades de extensão, proporcionarão aos corpos discentes oportunidades de participação em
programas de melhoria das condições de vida da comunidade e no processo geral do desenvolvimento”, o
que justificava até mesmo a criação de tais programas.
175
1968) de 1968
119
, influenciaram o Curso de Serviço Social de Goiânia, alterando sua
proposta curricular e estabelecendo mudanças e exigências, que subordinaram a formação
profissional a uma nova ordem que, conforme visto, concorreu para que, em 1972, o
curso viesse compor a estrutura da UCG. Essas mudanças afetaram a distribuição
quantitativa de estagiários por instituições campo de estágio, no período compreendido
entre 1965-1970, conforme mostra o quadro nº 4.
Quadro nº 4 Instituições campo de estágio dos estudantes do Curso de Serviço Social da
UCG e a distribuição dos estagiários. Período de 1965 a 1970
SOCIEDADE
POLÍTICA
SOCIEDADE
CIVIL
ESTADO PATRONAIS
IGREJA PARTICULAR
Munic.
Estad.
Federal
SESI
SESC
Comun.
Urbana
Comun.
Rural
Saúde
Menor
TOTAL
DE
ESTAGIÁRIOS
CAMPOS
DE
ESTÁGIO
4 13 9 7 7 7 1 1 3 52
TOTAL 26 14 8 4 52
Fonte: Miguel (1980, p. 110).
Percebe-se uma ampliação no número total de estagiários no curso que, de
dezenove no período de 1957-1964, passa a cinqüenta e dois no período de 1965 a 1970.
Houve um aumento quantitativo da ordem de 36,6%, o que, de um lado expressa a
expansão e aceitação do Curso de Serviço Social no Estado de Goiás com o fortalecimento
da profissão no Centro-Oeste, e, de outro, a
consolidação do mercado nacional de trabalho para os assistentes sociais, como
variável das modificações ocorridas durante o ciclo autocrático burguês, [que]
não derivou apenas da reorganização do Estado – que, ao que tudo indica,
permaneceu e se mantém, ainda hoje, como o principal empregador desses
profissionais (NETTO, 2001b, p. 121).
Verifica-se ainda, no quadro 4 que, no período de 1965 a 1970, o Estado,
nos planos municipal, estadual e federal, concentrava o maior número de estagiários.
119
A reforma universitária (Brasil, 1968) de 1968 (BRASIL, 1968) ao estabelecer o tripé da educação
superior, incluiu a extensão como uma dimensão do ensino que, amparada pela Lei 6.494/77
(BRASIL,1977) de regulamentação do estágio, possibilitou e incentivou a realização de estágios em
programas e projetos de extensão, o que contribuiu para a abertura de campos de estágio na própria
universidade, sob a Coordenação de Estágio e Extensão da Universidade e a coordenação de estágio do
próprio curso, condição ainda presente no Curso de Serviço Social de Goiânia.
176
Houve um aumento percentual aproximado de 370% se comparado à realidade do período
anterior 1957 a 1964 (quadro 3), isto é, o número de estagiários passou de sete, período
de 1957 a 1964, para vinte e seis, período 1965 a 1970.
Miguel (1980, p. 110) destaca, no plano estadual, alguns elementos decorrentes
do golpe de 1964 que afetaram sobremaneira o estágio do Curso de Serviço Social, como
“o fechamento de possibilidades de estágio para alunos da Escola em certas instituições e a
abertura de outras, no caso a Secretaria de Serviços Sociais do Estado de Goiás”. A
referida secretaria, criada em 1965, tinha por objetivo planejar e executar a política do
reajustamento do homem no seu meio e promover o bem-estar da população goiana
(MIGUEL, 1980, p. 110). Ela foi considerada campo de estágio congregando grande
número de estagiários. O resultado desse movimento se expressa no aumento de postos
para estágio em âmbito estadual que passou de sete para treze, distribuídos entre a
Secretaria de Serviços Sociais, programas comunitários, Casa do Interior e trabalhos com
crianças e adolescentes. Comparando os dados dos dois períodos históricos enfocados por
Miguel (1980), observa-se que o Estado não deu continuidade ao trabalho na área rural, em
decorrência da conjuntura política que desmantelou experiências e movimentos sociais
voltados aos segmentos populares. Dentre esses movimentos, era forte a luta pela terra com
a proposta em pauta da reforma agrária. Por outro lado, intensificavam-se as políticas
sociais, sobretudo aquelas de cunho assistencialista vividas pela profissão (AGUIAR,
1984).
Também o segmento patronal absorveu grande número de estagiários que passa
de oito para quatorze. Houve maior demanda por estagiários na atuação com o comerciário
e sua família, aspecto que pode ser observado no quadro 4 e no aumento quantitativo de
estagiários no SESC que correspondeu a 28,5%, passando de dois para sete, enquanto que,
no SESI, nesse mesmo período, o aumento foi de apenas um estudante alterando de seis
para sete o número de estagiários. Aliás, desde a década de 1940, o trabalho com grupos
expandiu-se com o atendimento das famílias timas da Segunda Guerra Mundial. Tal
ampliação alcançou o SESC, a partir da década de 1950, que ampliou suas atividades e
programas de bem-estar e socialização com diferentes grupos de comerciários e familiares.
Alguns profissionais realizavam trabalhos voluntários em bairros periféricos,
177
ampliando o estágio em programas comunitários, principalmente vinculados à igreja, cujo
efeito multiplicador pode ser observado na elevação do número de estagiários de três para
oito, o que corresponde a igual número de experiências comunitárias, como apontam os
quadros 2 e 3.
Como já visto, a aproximação entre o Serviço Social e a igreja católica é
histórica. É uma aproximação que, segundo Iamamoto (1999, p. 219),
se desenvolve nos marcos do pensamento conservador, como um estilo de
pensar e de agir da sociedade capitalista, no bojo de um movimento reformista
conservador. Articula elementos cognitivos e valorativos diversos em um
arranjo teórico-doutrinário particular, presidido pela doutrina social da Igreja e
os desdobramentos do neotomismo, pelo moderno conservadorismo europeu e a
sociologia funcionalista, especialmente em suas versões mais empiricistas
norte-americanas. Esse arranjo teórico doutrinário, matizado em sua evolução
por influências específicas, é o fio que percorre toda a trajetória do
conservadorismo profissional, estreitamente imbricada ao bloco cio-histórico
que dá sustentação política ao Serviço Social na sociedade brasileira.
Nesse aspecto, vale lembrar as encíclicas do Vaticano
120
que, a partir da década
de 1960, provocavam maior engajamento de leigos no Plano Pastoral da Arquidiocese de
Goiânia. Ao contrário de encíclicas anteriores, elas tratam das condições dos pobres, da
120
Mater et magistra, publicada em 1961, pelo Papa João XXIII, convoca os cristãos a trabalharem por um
mundo mais justo. Lamenta a crescente distância entre nações pobres e ricas, a corrida aos armamentos e as
dificuldades dos agricultores, defende a participação dos trabalhadores na posse, gestão e lucros das
empresas, promove o auxílio aos países menos desenvolvidos, isento de intenções dominadoras
(http://pensocris.vilabol.uol.com.br/encíclicas.htm). Pacem in terris, 1963, de João XXIII, define o âmbito
dos direitos humanos como fundamentos da paz, incita ao desarmamento, reconhece que todas as nações têm
igual dignidade e direito ao seu próprio desenvolvimento, promove a revisão da distribuição de recursos e o
controle das políticas das empresas multinacionais, promove políticas estatais que favoreçam ao acolhimento
dos refugiados; propõe um conceito de sociedade baseada na subsidiariedade; indica a ONU como autoridade
pública mundial encarregada da promoção do bem comum mundial
(http://pensocris.vilabol.uol.com.br/encíclicas.htm). Gaudium et spes, 1965 de Paulo VI, a encíclica foi
publicada no Concílio Vaticano II com o título Alegria e Esperança, A Igreja no Mundo Atual. O documento
deplora a pobreza mundial e a ameaça de guerra nuclear crescentes, fundamenta as decisões políticas e
econômicas na dignidade humana, perspectiva a paz como ordenamento da sociedade com base na justiça,
estabelece o conceito para comunidade internacional baseada na subsidiariedade, estabelece organizações
para fomentar e harmonizar o comércio internacional, declara a responsabilidade dos cristãos na construção
dum mundo mais justo e mais pacífico (http://pensocris.vilabol.uol.com.br/encíclicas.htm). Populorum
progressio, 1967, Paulo VI trata do desenvolvimento dos povos. Afirma os direitos das nações pobres ao
desenvolvimento humano pleno, denuncia as estruturas econômicas que promovem a desigualdade,
reconhece que o desenvolvimento autêntico não se limita ao crescimento econômico, ensina que os recursos
devem ser partilhados mediante subsídios, assistência técnica, relações comerciais justas e propõe a
constituição de um Fundo Mundial que encaminhe os capitais agora gastos em armamentos, para os pobres,
ensina que a propriedade privada não é direito absoluto de ninguém, indica obrigações recíprocas para as
multinacionais, estas empresas deveriam ser pioneiras da justiça social incita ao bom acolhimento dos jovens
e dos trabalhadores emigrantes de nações pobres (http://pensocris.vilabol.uol.com.br/ encíclicas.htm).
178
justiça, dos direitos humanos e até denunciam as estruturas econômicas que promovem a
desigualdade entre os povos. À época, início dos anos 1960, as relações entre o curso,
igreja e Estado eram estreitas, o que justificava a vinculação do estágio curricular aos
programas dos órgãos estatais, em diversas frentes e às pastorais da igreja, onde eram
ampliados os trabalhos comunitários desenvolvidos pela arquidiocese com a participação
de alguns estudantes, professores e profissionais do Serviço Social. A partir da década de
1970, a Igreja de Goiânia se contrapunha ao autoritarismo da ditadura militar, posição que
atraia os jovens aos seus programas desenvolvidos com as camadas populares. Considerada
a ausência de uma formação científica crítica à época e impedidos de participar nos
movimentos sociais, os estudantes canalizavam para a ação social da igreja o trabalho de
estágio, assumindo uma concepção de questão social voltada aos segmentos mais pobres
na sociedade.
Com base em Miguel (1980), o projeto do curso de 1984 indicava que, no
período de maior violência da ditadura, final da década de 1960 e década de 1970,
grande parte dos estágios dos alunos, [...] esteve ligado à igreja católica, não
pela mudança do compromisso desta, agora, “preferencialmente com os
pobres”, como também pelo espaço que a igreja proporcionou à população para
debater seus problemas, no período da repressão. (UCG/SER, 1984, p. 19).
Quadro 5 Instituições campo de estágio dos estudantes do Curso de Serviço Social da
UCG e a distribuição dos estagiários. Período de 1971 a 1977
SOCIEDADE
POLÍTICA
SOCIEDADE
CIVIL
ESTADO PATRONAIS IGREJA
PARTIC.
Munic.
Estad.
Federal
SESI SESC Comun.
URBANA
Comum
RURAL
Educaç.
Saúde
TOTAL
DE
ESTAGIÁRIOS
CAMPOS
DE
ESTÁGIO
4 18 5 3 3 35 3 2 3 76
TOTAL 27 6 40 3 76
Fonte: Miguel (1980, p. 123).
Nota-se, no quadro 5, o maior quantitativo de estagiários em programas da
igreja, desenvolvidos com os segmentos populares e trabalhadores, assim distribuídos:
trinta e cinco na área comunitária urbana, três na área comunitária rural, e dois na área
educacional.
179
Tal demanda, justificada pela conjuntura da época e pela posição da igreja de
compromisso com os segmentos mais pobres e excluídos da sociedade
121
, é explicitada em
informação do próprio curso no texto emitido em 08 de abril de 1973.
Diz o documento:
Por solicitação “de vigários, de leigos engajados no Plano Pastoral da
Arquidiocese de Goiânia, na Capital e no Interior”. A Faculdade de Serviço
Social, sentindo o surgimento de uma nova realidade para a práxis do Serviço
Social refletiu. Tomou consciência de que as obras sociais [vinculadas ao
Estado] não estavam oportunizando [...] aos alunos estagiários o treinamento
adequado à sua formação profissional, isto é, experiência supervisionada nos
três processos de Serviço Social (MIGUEL, 1980, p. 124).
A expansão quantitativa de estagiários nas instituições da igreja católica, com
concentração na área urbana, indica ainda, segundo Miguel (1980, p. 124), o
“privilegiamento na política da Escola em atender às demandas da igreja”. Esse
“privilegiamento”, conforme a autora, confirma os dados do quadro 5, com o aumento
de 500% de estagiários nesses programas, no período compreendido entre 1971 a 1977, em
relação ao período 1965 a 1970 (quadro nº 4).
Tal ampliação não foi verificada nas instituições da sociedade política,
instância do Estado, apesar da criação da Secretaria de Serviços Sociais, nem nas empresas
patronais ou particulares, conforme ilustra o referido quadro. O Estado e as instituições
particulares mantiveram crescimento quantitativo de estagiários bem inferiores ao da
igreja, ao passo que as instituições patronais sofreram uma queda de 57%, isto é passaram
de quatorze para seis estagiárias.
Assim, com um discurso de formação mais adequada aos estagiários,
envolvendo-os nos três processos: Caso, Grupo e Comunidade, a solicitação de vigários e
121
É nessa época, cada de 1970, que surge a teologia da libertação, importante posicionamento de um
segmento da igreja que se volta para os desafios da realidade social da América Latina, nos aspectos
relacionados à: terra, moradia, saúde, educação e outros. É a denominada igreja progressista, questionada e
perseguida pela igreja conservadora, pelo próprio Vaticano. Seu maior expoente é Leonardo Boff com as
Comunidades Eclesiais de Base (CEB). Destaca-se também nessa linha de ão Paulo Freire que se volta
mais para movimentos de base referentes à educação. A igreja de Goiânia aliava-se a esse posicionamento de
igreja e encontrou, na época, a adesão de alguns professores e estudantes do Curso de Serviço Social,
conforme mostra Miguel (1980).
180
leigos engajados em movimentos comunitários da igreja era atendida com o objetivo de
fortalecer a Pastoral Arquidiocesana sem qualquer ônus com pessoal. Trata-se de um
exemplo da subjugação, ainda na década de 1970, dos assistentes sociais à igreja católica,
com o fornecimento de mão-de-obra sem qualquer remuneração ou bolsa de estágio, sob a
supervisão da escola.
Conforme Miguel (1980, p. 125), outro documento, divulgado em 1972,
explica a opção do curso também com o discurso da preocupação com o processo de
formação dos estudantes:
a Faculdade de Serviço Social fez opção pela abertura de campos de Estágio,
em Bairros da Capital e no interior do Estado, assumindo ela mesma, os
encargos da Supervisão. [...] tendo em vista:
1 – proporcionar aos alunos estagiários maior capacidade operacional [...];
engajá-los em uma conjuntura técnico-administrativa e, assim, prepará-los para
o exercício profissional;
2 – promover as comunidades e populações levando-as a uma consciência
participativa, para uma conseqüente integração no processo de
desenvolvimento.
No entanto, nem com esses programas a escola conseguiu superar a
fragmentação do Caso, Grupo, Comunidade, apesar da preocupação de professores e
alunos em realizar a integração no processo metodológico do Serviço Social e a vivência
de uma práxis mais adequada à formação dos estudantes, mediante maior envolvimento na
realidade a ser conhecida e trabalhada (MIGUEL, 1980).
Convém lembrar que, na década de 1970, houve também expansão no mero
de assistentes sociais engajados no movimento de busca de ruptura com as vertentes
conservadoras no Serviço Social, reforçando as perspectivas da profissão para a superação
dos modelos teórico-metodológicos norte-americanos e as vertentes de cunho religioso
adotados no Brasil, haja vista a busca de maior adequação do Serviço Social à realidade
brasileira, com a introdução de novas tendências teórico-metodológicas e técnico-
operativas no exercício profissional e no processo de formação, ou seja, a adoção da
vertente marxista
122
.
122
Segundo Netto (1992, p. 83), “nem mesmo no interior do chamado movimento de reconceptualização
estas concepções foram vencidas, ainda que vários dos seus protagonistas substituíssem a ‘maturidade
181
Dentre as alternativas para avançar o processo de formação e melhor articular
seus conteúdos com atitude crítica ante a necessidade de mudanças na formação e no
exercício profissional, alguns professores, supervisores e estudantes do Curso de Goiânia
elaboraram, em 1972, o plano de estudo integrado de Serviço Social. Conforme a autora,
o que se projeta para o Serviço Social [...] visa ser uma resposta a
questionamentos levantados [...] nas reflexões de equipe técnica do
Departamento [...] e nas avaliações periódicas [...] de Estudos e de Estágio [...],
[...] estão concordes professores, supervisores e alunos em criticar o Serviço
Social desvinculado da realidade e em opinar e pedir sua integração tão
preconizada pelos teorizadores do Serviço Social no Brasil. [...] O
Departamento concluiu o seguinte: a integração [...] com disciplinas
complementares é importante e válida; a integração ao nível dos três processos é
absolutamente necessária; a integração [...]: Teoria X Prática é a exigência mais
forte e imperativa deste momento histórico do Serviço Social em Goiás
(MIGUEL, 1980, p. 125).
A busca de superação da fragmentação teoria e prática, proposta em 1972, o
conseguiu atingir seu intento. No espaço da formação havia profissionais e estudantes
mobilizados para fazer avançar a luta de segmento da categoria contra o conservadorismo,
produzindo documentos e fazendo reflexões sobre o processo de ruptura do Serviço Social.
No entanto, muitos profissionais continuavam um trabalho com o intuito de manutenção da
ordem social e tratamento das disfunções, vinculados ao projeto da burguesia e à
manutenção da sociedade de classes. Era a explicitação de projetos societários diferentes,
antagônicos e excludentes.
Somente em 1979, a partir da XXI Convenção da ABESS, foi aprovado o
currículo mínimo do Curso de Serviço Social que indicou novos rumos para o processo de
formação profissional, com opção teórico-metodológica da vertente marxista para a leitura
e intervenção da/na realidade brasileira. Assim, processualmente, as escolas de Serviço
Social foram alterando seus projetos curriculares, rompendo com o quadro teórico
conservador, pois os objetivos da profissão ancoravam-se na vertente marxista e se
referiam à articulação com o movimento popular e com os trabalhadores.
Aprovado pelo MEC como Resolução nº 06/1982 (BRASIL, 1982) referente ao
currículo nimo de 1982 estabeleceu, dentre as disciplinas da área profissional, o estágio
supervisionado “como forma de aprendizagem prática” (ementa). Diz ainda o documento
científica’ por uma intencional prática de desmistificação ideológica dos valores do Serviço Social
tradicional”.
182
que ele “supõe a aprendizagem de habilidades técnicas e capacidade de análise das
repercussões profissionais face à aplicação dessas habilidades” (ementa).
De acordo com a referida resolução, as escolas tinham o prazo de até dois anos
para elaborarem seus projetos curriculares, programarem e organizarem, seus estágios. O
Curso de Serviço Social de Goiânia havia, desde os anos 1970, desencadeado amplo
debate relativo à necessidade de mudança no projeto curricular, o que facilitou o
envolvimento e a participação de professores e estudantes. O relato do histórico
apresentado no próprio documento mostra que, a partir da segunda metade da década de
1970, isto é, desde 1975, o SER “vem discutindo o seu ensino, a sua prática de estágio, a
prática profissional do Serviço Social, a realidade onde se dá essa prática, enfim, a
formação profissional que vem proporcionando a seus alunos” (UCG/SER, 1984, p. 5).
Uma mudança curricular dessa envergadura, ou seja, envolvendo outra matriz teórica, não
é implantada por decreto ou por um novo documento, ela é processual e implica uma
decisão política e engajamento dos atores envolvidos, em especial dos professores, nas
diretrizes estabelecidas.
Assim, em Goiânia, a revisão curricular do Curso de Serviço Social de 1984
123
ocorreu ancorada na vertente marxista. Apesar de construído e operacionalizado
coletivamente, conforme informa o documento, esses elementos têm significados
diferentes para cada um dos professores e estudantes, que compõem o processo de revisão
curricular, porque a apreensão da realidade não é mecânica, ela ocorre em conformidade
com as concepções de mundo das pessoas e, na perspectiva marxista, quando se fala no
objeto do Serviço Social, estamos referindo-nos também ao sujeito que se constrói
historicamente” (KAMEYAMA, 1989, p. 104).
Segundo Marx e Engels (1993, p. 126), “não é a consciência que determina a
123
A proposta curricular de 1984 é decorrente do amadurecimento de propostas anteriormente delineadas
pelo Departamento de Serviço Social (1979, 1980) em que o estágio curricular é o elemento central,
dinamizador da formação. Desta forma, o “novo currículo propõe como núcleo central da formação
profissional a disciplina Trabalho Social entendida como um processo educativo, que, através de um conjunto
de conhecimentos teóricos e práticos busca identificar e analisar os fatores históricos, políticos, econômicos,
sociais e culturais referidos a uma estrutura social concreta, no sentido de possibilitar uma práxis em uma
realidade específica. O Trabalho Social, como núcleo central da formação profissional, consiste em um
processo de conhecimento teórico gradativo e concomitante à intervenção na realidade, durante todo o curso
de Serviço Social” (UCG/SER, 1984, p. 27).
183
vida, mas a vida que determina a consciência”. O despertar da consciência para si
124
remete
à apreensão crítica da realidade e ao envolvimento e engajamento das pessoas nos
processos de mudança. Contudo, esse movimento de apreensão da realidade não é igual
para todos, porque as pessoas não são iguais. “Não se parte daquilo que os homens dizem,
imaginam ou representam, e tampouco dos homens pensados, imaginados e representados
para, a partir daí chegar aos homens de carne e osso”, afirmam Marx e Engels (1993, p.
126). Em outra palavras, os homens trabalham, lecionam, sustentam a si mesmos e suas
famílias, realizam diferentes atividades e de diferentes formas, conforme vão apreendendo
e se inserindo na realidade na qual essas atividades se desenvolvem.
Nessa perspectiva, ao promover sua mudança curricular, o Curso de Serviço
Social de Goiânia, redefiniu os rumos do processo de formação segundo o currículo
mínimo de 1982, contando com o posicionamento político de seus protagonistas,
professores e estudantes. O projeto de formação profissional é hegemônico, porém ele não
congregou a unanimidade em sua elaboração, ou seja, o corpo docente, discente e
administrativo.
Contudo, ele ficou caracterizado como um
processo pelo qual o aluno se capacita para o exercício profissional através do
desenvolvimento crítico-reflexivo, da visão globalizadora do homem em suas
condições reais de um dado processo histórico e da intervenção na realidade que
venha contribuir para sua transformação (UCG/SER, 1984, p. 25).
Essa decisão levou à definição do objeto da profissão como as “condições de
vida e trabalho da classe trabalhadora, suas formas de luta e organização e suas relações
com o Estado” (UCG/SER, 1985, p. 10).
Assim, condições de vida e trabalho da classe trabalhadora, suas formas de luta
e organização, passaram a eixo central da formação, desenvolvido por meio das disciplinas
da grade curricular e também pelo estágio curricular, denominado nesse projeto de
124
A consciência em si “é, [...] antes de mais nada, mera consciência do meio sensível mais próximo e
consciência da conexão limitada com outras pessoas e coisas situadas fora do indivíduo que se torna
consciente; é ao mesmo tempo consciência da natureza que, a princípio, aparece aos homens como um poder
completamente estranho, onipotente, inexpugnável” (MARX E ENGELS, 1993, p. 43). Mas, o processo de
maturidade profissional supõe o despertar da consciência para si, aquela que leva à apreensão crítica da
realidade para, coletivamente a categoria encontrar e propor saídas capazes de alterar o stato quo.
184
formação como Trabalho Social. Para isso, o Serviço Social articulava-se aos “movimentos
sociais, [...] tendo em vista a própria mobilização das organizações estaduais e nacionais
dos assistentes sociais” (FALEIROS, 2000, p. 164).
Com base em documentos anteriores, sobretudo a reforma universitária de 1968
(BRASIL, 1968) e na Lei 6.494/1977 (BRASIL, 1977) que regulamentavam o estágio,
os programas e projetos de extensão foram reconhecidos, na proposta curricular de 1984,
também como espaço de estágio. Assim, esses programas/projetos foram expandidos, pois
ofereciam as condições históricas objetivas e subjetivas para que o estágio curricular
obrigatório fosse realizado com os segmentos populares. Ampliava-se então a atuação
profissional nos movimentos populares: associações de moradores, áreas de posse
125
e
outros, facilitando a realização da opção política de profissionais, professores e estagiários.
Assim, estágio, extensão e, para alguns a militância, identificavam-se, não no Curso de
Serviço Social como em outros cursos: Direito, Enfermagem, Arquitetura, Educação e
outros.
Em conformidade com o contexto da época e com os propósitos do currículo
mínimo de 1982, ao mesmo tempo em que o projeto curricular de 1984 se apresentava
como alternativa para a realização político-pessoal de alguns profissionais ele também
fazia restrições ao estágio em instituições públicas. Eram negados tanto os estágios como o
trabalho profissional nas instituições, como espaço de atuação do Serviço Social, pois
segundo o pensamento da época, as instituições expressavam o próprio governo militar, a
“reprodução dos interesses dominantes” (UCG/SER, 1984, p. 42).
Desde o Seminário das Disciplinas de Estágio, realizado em 1985, o Curso de
Serviço Social de Goiânia, lançou seu primeiro Caderno de Prática Caderno Número I,
“que surge no momento de maior reflexão sobre as questões teórico-práticas afetas ao
estágio e com a preocupação em se tornar instrumento de divulgação da produção
125
Na realidade goiana, a posse urbana, denominada em outros regiões de favela e/ou invasão, constitui-se na
posse ilegal de terras para moradia. Um conjunto de moradores sem condições de adquirir a casa própria, por
meio de compra do imóvel ou aluguel, ocupa determinada área propriedade particular; propriedade do
Estado, praças; ou ruas – e lá constroem seus barracos de madeira, de sucata como latas, papelão, etc. Poucos
têm condições de construir em alvenaria suas moradas. Essas pessoas são trabalhadores de baixa renda,
desempregados, migrantes e outros, denominados posseiros urbanos. Com a posse, eles partir daí, abraçam a
luta pela sobrevivência e pela legalização da área de posse junto aos órgãos públicos. Essa é uma expressão
da questão social que, em Goiânia, tem suas raízes no processo de parcelamento urbano, que concentrou
grande extensão de áreas para grupos econômicos vinculados ao capital imobiliário.
185
científica do SER” (UCG/SER, 1985, p. 3). Eram, portanto, apresentadas em formato de
cadernos, as conclusões do seminário que se propunham ao aprofundamento e reflexão do
processo teórico-metodológico do Serviço Social e à busca de “indicadores comuns na
orientação da prática do Serviço Social” (UCG/SER, 1985, p. 7).
Segundo o Caderno de Prática 1985, “o estágio do Curso de Serviço Social é
uma exigência curricular à formação profissional do Assistente Social. Ao longo da
história do [...] [do curso,] o estágio tem-se redefinido” (UCG/SER, 1985, p. 03). No
momento, da revisão de 1984, ele foi programado como eixo do processo de formação, sob
a denominação de Trabalho Social I, II, III, IV, V, VI, VII.
O documento explicita que o estágio deve ser compreendido como
Um processo educativo dos agentes sociais envolvidos: professores, alunos e
população;
o compromisso do SER, através de professores e alunos, com as classes
populares no processo de transformação social;
uma experiência teórico-prática;
um instrumento de conhecimento e de intervenção em uma realidade específica,
e ainda
um instrumento de troca de experiência entre o SER e a população (UCG/SER,
1985, p. 3)
Ressalta-se que o o estágio curricular, como toda a formação dos
estudantes, estava voltada para a transformação social, mediante atuação com a classe
trabalhadora e segmentos populares. O documento de 1985 informa os campos de estágio
do curso, organizando-os em seis conjuntos do seguinte modo:
estágio em posses urbanas;
estágio com categorias profissionais;
questões relativas à pesquisa no SER;
estágio na área de saúde;
participação e organização da população por entidades representativas de
bairros;
estágio em instituições de bem-estar social.
Por razões explicitadas, a prioridade estabelecida pelo curso foi dada ao
estágio em posses urbanas. Destacavam-se onze áreas de posse como campos de estágio,
distribuídas nas regiões Norte, Sul e Leste do município de Goiânia. O estágio em áreas de
186
posse
126
expressava o compromisso do Curso de Serviço Social estudantes e professores
– com os segmentos populares, suas lutas e organizações, com os objetivos de:
1. Contribuir para ampliar a participação dos posseiros urbanos movimentos
sociais em torno da posse da terra;
2. veicular informações jurídicas e políticas sobre o problema da terra e do
direito à moradia;
3. contribuir para o encaminhamento coletivo das lutas dos posseiros urbanos;
4. contribuir para a criação de alternativas de sobrevivência;
5. Contribuir na organização do posseiro urbano; no fortalecimento de sua
entidade representativa;
6. contribuir para o processo de conhecimento das áreas de posse e dos posseiros
(Caderno de Prática I, 1985, p. 16).
Dentre seus objetivos, o estágio curricular propunha:
preparar profissionais capazes de analisar criticamente a realidade e intervir
profissionalmente de forma comprometida e crítica junto às classes populares,
através de instituições e movimentos sociais [...] através do processo de ensino
teórico-prático, em uma relação dialética (UCG/SER, 1985, p. 16).
O estágio com categorias profissionais destacava cinco campos de estágio: dois
em empresas uma instituição pública e uma privada, duas instituições sociais e uma em
programa comunitário da própria universidade, envolvendo atuação profissional junto aos
trabalhadores da área de limpeza, vigilância, zeladoria e jardinagem.
Buscava-se, por meio desse estágio,
contribuir na explicitação da identidade das categorias profissionais, em um
processo de participação, organização e mobilização, a partir das condições
de vida e de trabalho;
Contribuir na democratização dos canais de participação pela veiculação de
informações [...];
Contribuir para o fortalecimento das associações e/ou organizações
específicas enquanto prática democrática, comprometida com os interesses da
categoria;
Buscar a articulação das práticas com categorias profissionais, com os
movimentos populares e sindicais (UCG/SER, 1985, p. 31).
Em todas as áreas de atuação, havia “o trabalho com as categorias [que] vem se
126
O estágio em áreas de posse teve origem com a atuação de estagiários do curso em instituições cujos
centros comunitários situavam-se em bairros periféricos. Eram constatadas “a existência de posses próximas
a estes Centros Comunitários, a participação de posseiros urbanos nas atividades destes e ainda a necessidade
de levantar práticas alternativas que possibilitassem concretizar os objetivos do Serviço Social junto às
classes populares” (UCG/SER, 1985, p.12). Como resultado da atuação do Serviço Social junto às posses
urbanas tem-se, ainda hoje, expressivos nomes de posseiros e ex-posseiros, verdadeiros intelectuais dos
movimentos sociais urbanos, até em nível nacional, no Partido dos Trabalhadores (PT), na Central Única dos
Trabalhadores (CUT), no Movimento Nacional de Moradia e outros.
187
dando em nível de grupalização, enquanto que algumas destas vivenciam o processo de
organização” (UCG/SER, 1985, p. 32), com as mais diversas denominações.
Outra modalidade de estágio curricular no Curso de Serviço Social de Goiânia,
na época, desenvolvia-se por meio da pesquisa realizada, sobretudo, com os segmentos
populares. Buscava-se, dessa forma, a tão propagada articulação ensino – pesquisa
extensão, o tripé da formação profissional. Contudo, a avaliação mostrou que essa
articulação é complexa e envolve muito mais que o estágio em pesquisa, envolve intenções
de professores, estudantes e pessoal administrativo. Constatou-se ainda que essa
modalidade de estágio não traz “retorno para a população. É um saber morto que vai ficar
engavetado na universidade, ou apropriado pela classe dominante ou ainda poderá ser
objeto de alguma publicação a ser lida por um mínimo de pessoas” (UCG/SER, 1985, p.
37). É uma avaliação que ao negar a pesquisa como instrumento de busca de
conhecimento, confirma a fragmentação ensino pesquisa – extensão como também teoria
prática. Mostra ainda a falta de articulação dos trabalhos dos professores entre si, com os
profissionais dos campos de estágio e com os coordenadores doe programas de extensão,
pois a realidade apreendida pela pesquisa é subsídio aos projetos de intervenção no âmbito
do mercado profissional, inclusive nos campos de estágio e no planejamento e execução de
programas de extensão. Para isso, é necessária a articulação dos professores entre si e com
os profissionais.
Na área da saúde, o estágio propunha aprofundar o conhecimento referente à
política de saúde, planejada e coordenada pela Secretaria de Saúde do Estado de Goiás,
órgão normativo da política de saúde e desenvolvida pelas diversas instituições e
programas nessa área, buscando:
1. Obter um maior aprofundamento sobre a natureza dos serviços prestados pela
previdência social urbana e rural e Secretaria de Saúde para ampliar o
conhecimento das pessoas envolvidas, como também, dos demais alunos e
professores do SER.
2. Sistematizar, através da elaboração de uma cartilha a ser distribuída à
população que procura as áreas de estágio, a fim de orientá-la na busca e
prestação desses serviços (UCG/SER, 1985, p. 38).
a participação
127
e a organização da população em suas entidades
127
O departamento entende, segundo o documento de estágio, “participação popular, [como] a necessidade
que o indivíduo possui de tomar parte, fazer parte e ter parte em atividades, objetivando a melhoria das
condições de vida dentro da comunidade e a organização da classe trabalhadora” (UCG/SER, 1985, p. 51).
188
representativas de bairro faziam parte do estágio realizado em oito bairros periféricos de
Goiânia, alguns acoplados às áreas de posse, buscando desenvolver, por meio dos centros
comunitários, centros pastorais e associações de moradores, atividades que facilitassem o
relacionamento entre pessoas e grupos que buscavam esses centros. Ele se assemelhava ao
estágio curricular em áreas de posse, em que se buscava o desenvolvimento da consciência
política dos moradores em relação à sua própria realidade e à da sociedade.
O estágio curricular em Instituições de bem-estar social referia-se ao realizado
nas instituições que trabalhavam essa política – FEBEM, LBA, Secretaria de Serviço
Social, Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social e ainda o Solar Colombino
128
instituições que desenvolviam, à época, a Política de Bem-Estar Social, algumas delas
extintas e/ou substituídas. A preocupação no desenvolvimento desse estágio centrava-se
sobretudo no levantamento das necessidades dos usuários e informação/distribuição dos
recursos institucionais existentes (UCG/SER, 1985).
Os estudantes podiam escolher os campos de estágio segundo intenções
próprias, ou a proposta político-pedagógica desses campos ou ainda conforme o
quantitativo de vagas disponibilizadas pelas referidas instituições para, em seguida, serem
encaminhados aos diferentes espaços profissionais, para vivenciarem o estágio curricular
supervisionado e obrigatório, necessário à integralização dos créditos para conclusão do
curso.
Assim, no projeto de 1984, o estágio foi considerado elemento central, o eixo
do processo de formação do Curso de Serviço Social de Goiânia. Sua efetivação contou
com a participação dos estudantes, professores no exercício da supervisão e supervisores
dos campos de estágio. O currículo de 1984 vigorou na escola de Goiânia até junho de
1999 quando foi implantado o novo Projeto Político-Pedagógico do SER, de acordo com as
Diretrizes Curriculares da ABESS de 1996, hoje ABEPSS, e que será tratado a seguir.
128
O Solar Colombino é uma instituição criada no início dos anos 1970, para abrigar idosos. É mantida pela
Irradiação Espírita Cristã, contando com trabalho de voluntários e doações de provedores.
189
3.2 ESTÁGIO E PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DO CURSO DE
SERVIÇO SOCIAL DE GOIÂNIA – PROJETO DE FORMAÇÃO DE 1999
O Projeto Político-Pedagógico do Curso de Serviço Social de Goiânia entrou
em vigor no segundo semestre de 1999.
As Diretrizes Curriculares da ABEPSS/1996 orientam o processo de formação
para que o estágio seja desenvolvido no conjunto das disciplinas da estrutura curricular do
curso, pois ele
é uma atividade curricular obrigatória que se configura a partir da inserção do
aluno no espaço sócio-institucional objetivando capacitá-lo para o exercício do
trabalho profissional, o que pressupõe supervisão sistemática. Esta supervisão
será feita pelo professor supervisor e pelo profissional do campo, através da
reflexão, acompanhamento e sistematização com base em planos de estágio,
elaborados em conjunto entre unidade de ensino e unidade campo de estágio,
tendo como referência a Lei 8662/93 (Lei da Regulamentação da Profissão) e o
Código de Ética Profissional (1993). (ABEPSS, 1996, p. 71).
No projeto curricular, o estágio está vinculado ao
núcleo de fundamentos do trabalho profissional [...] que considera a
profissionalização do Serviço Social como uma especialização do trabalho e sua
prática como concretização de um processo de trabalho que tem como objeto as
múltiplas expressões da questão social (ABEPSS, 1996, p. 66).
Ainda com base nas Diretrizes Curriculares de 1996, o estágio compõe a
estrutura curricular no rol das atividades indispensáveis integradoras do currículo. Assim,
ele deve ser programado, diz o texto das Diretrizes, “objetivando capacitá-lo [o estudante]
para o exercício do trabalho profissional”. (ABEPSS, 1996, p. 71).
Segundo o Projeto Político-Pedagógico do Curso de Serviço Social de Goiânia
– 1999, o estágio é programado tendo por referência principal a política de estágio da UCG
e as Diretrizes Curriculares da ABEPSS. Contudo, a concepção de estágio do documento
refere-se apenas à política de estágio da UCG. Assim, no processo de formação dos
estudantes do Serviço Social da UCG
o estágio constitui uma atividade acadêmica vinculada às dimensões do
ensino, da pesquisa e da extensão É compreendido como processo de
aprendizagem dos estudantes e ocorre em campos de atuação profissional, em
interação universidade e sociedade. A prática de estágio deve estar sempre
associada à realidade e contribuir na construção do conhecimento enquanto
190
processo social, coletivo e histórico. O estágio é ainda, um elemento
confirmador e realimentador do currículo e da formação profissional (UCG,
1997, apud, UCG/SER, 1999, p. 60).
Ele é ainda, instrumento de articulação das dimensões, ensino, pesquisa e
extensão e elemento da vivência do processo ético-político, teórico-metodológico e
técnico-operativo da formação profissional. Cumpre também a missão de articular a prática
reflexiva à operativa, ou seja, a teoria à prática, o processo de formação com o exercício
profissional e aos instrumentos reguladores da profissão, projeto profissional e código de
ética da categoria.
Sua organização é feita pelo
eixo das políticas sociais e dos movimentos sociais: Saúde, Assistência Social,
Educação, Habitação e Políticas Empresariais [...]. Os alunos serão matriculados
em disciplinas de estágio supervisionado, correspondente a 04 créditos, cada
uma. O estágio supervisionado estará articulado com as oficinas [...]. Cada
política social contará com um professor supervisor responsável pela escolha e
contato com as Instituições campos de estágio, que trabalhará em parceria com a
Coordenação de Estágio (UCG/SER, 1999, p. 61 - 62).
O estágio foi discutido no XXXII Encontro Nacional CFESS/CRESS realizado
em 2004, em Brasília, com a participação de alguns membros de entidades representativas
da categoria: Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (ENESSO), da
ABEPSS, da Direção do CEFESS/CRESS
129
. Na abertura de sua conferência, Nogueira
(2004, p. 27) afirma: “Falar de estágio é abordar um campo minado”. Referia-se ela a
descontentamentos e queixas relacionados ao estágio de “professores tecendo críticas aos
alunos e supervisores, supervisores descontentes com alunos e professores, e os alunos
criticando tudo e todos professores e supervisores”. Realmente são muitos os impasses e
desafios na relação do estágio com ele mesmo, com o processo de formação e com o meio
profissional (campos de estágio). Nesse aspecto, a insatisfação leva a conseqüências que
acarretam a desqualificação do estágio com repercussão no processo de formação
profissional e no próprio reconhecimento do Serviço Social. Essa situação é a expressão da
129
Publicação do CFESS/CRESS em conferências e deliberações do XXXII Encontro Nacional
CFESS/CRESS, realizado em Brasília, em 2004, apresenta algumas falas e depoimentos das três entidades
representativas da categoria: Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (ENESSO), da ABEPSS,
da Direção do CEFESS/CRESS sobre o estágio. Contou ainda o encontro com a participação de professores
de cursos e diversas universidades.
191
necessidade de maior articulação teoria e prática como forma de evitar os desencontros
teórico-metodológicos no encaminhamento da supervisão, o que possibilitaria ao estágio
realmente responder aos seus propósitos estabelecidos na formação profissional a partir das
Diretrizes Curriculares da ABEPSS/1996.
Nesse sentido, pode-se afirmar que o estágio é um aspecto dos mais polêmicos
na formação profissional. Trata-se de uma posição presente na maioria das escolas, entre
supervisores e estagiários, cuja solução tem sido buscada em reformas, alterações
curriculares e materiais normativos. Mas, conforme Kameyama (1998, p. 48), o estágio
envolve, “além das indicações formais em relação à carga horária, ementa, conteúdo
programático, estruturação, [...] em uma das expressões de uma velha e sempre atual
questão: a relação teoria/prática”.
Falta um trabalho conjunto e uma adesão ídeo-política e teórico-metodológica
que possa alimentar o estágio na construção da práxis, como unidade teoria-prática. Nesse
sentido, apesar de responsabilidades e papéis diferenciados, os profissionais que exercem a
supervisão nos campos de estágio e os professores supervisores precisam internalizar a
importância da articulação entre as duas supervisões no processo de formação dos
estudantes, ou seja, maior envolvimento e articulação entre os atores que participam no
estágio. Conforme Guerra (2000), a pouca articulação entre os atores do estágio constitui
um desafio para o processo de formação profissional. Nem sempre os interesses e opções
dos atores envolvidos social, política e historicamente no estágio, são consoantes com os
propósitos, princípios e valores estabelecidos nas Diretrizes Curriculares e nos Projetos
Profissionais dos cursos, pois mesmo entre os professores do curso, os propósitos do
projeto de formação, para o estágio não estão suficientemente internalizados, haja vista a
dissociação teoria-prática.
Portanto, a pouca ou nenhuma articulação entre os supervisores de estágio, no
âmbito da universidade e dos campos de estágio leva a dois elementos fundamentais não só
ao estágio, mas ao próprio processo de formação: um deles a relação de confronto que vai
sendo estabelecida entre a universidade e os campos, e o outro, a relação teoria-prática.
No primeiro caso, a dissociação estabelecida entre o curso que forma o
estagiário e o campo que oferece o estágio leva a uma negação de algo fundamental nesse
192
processo, a interação que deve existir entre a universidade e a realidade em que ela se
insere, isto é, a interação entre o mercado de trabalho profissional e o processo de
formação profissional. Como componente curricular, o estágio é um elemento político,
determinado e histórico, que não tem existência desvinculado da proposta curricular do
curso e das relações que este estabelece com a sociedade e com o mundo de trabalho dos
assistentes sociais. Ele não existe por si e não pode ser visto de forma independente,
autônoma e fragmentada, como um aspecto isolado no processo de aprendizagem ou no
espaço profissional, pois o estágio curricular é um elemento que “propicia o conhecimento
social, econômico, político e cultural [da realidade] que leva ao crescimento ético-político,
teórico-metodológico, técnico-operativo” (UCG/SER, fórum de estágio, 2007) dos
estudantes, dos professores e profissionais supervisores.
Até mesmo no aspecto jurídico-legal, a relação da universidade com a
sociedade é prevista e defendida. A reforma universitária de 1968 (Brasil, 1968) que
propôs a indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão na formação profissional,
estabeleceu, em seu artigo 20 que “as universidades e os estabelecimentos isolados de
ensino superior estenderão à comunidade, sob forma de cursos e serviços especiais, as
atividades de ensino e os resultados da pesquisa que lhes são inerentes”. Desde 1968, a
citada lei recomendava a articulação universidade sociedade, o que ocorria sobretudo por
meio das diversas atividades de extensão e do estágio, no sentido de fortalecer o mundo
capitalista. Também a LDB/96 (Brasil, 1996) propõe, dentre suas finalidades (artigo 43),
“VI – estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os
nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta
uma relação de reciprocidade”. em seu art. 53, a mesma lei reforça a necessidade dessa
ligação, ao propor: “No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem
prejuízo de outras, as seguintes atribuições: [...]. III estabelecer planos, programas e
projetos de pesquisa científica, produção artística e atividades de extensão”. Aliás, a
estreita relação entre o estágio e extensão, referida anteriormente como equivalência,
fortalece os laços entre universidade e sociedade, previsto nas duas reformas da educação e
conferem também ao estágio a tarefa de cumprir essa função.
O outro elemento é a necessidade da relação/articulação teoria e prática, que
perpassa este trabalho. Ela expressa o próprio projeto curricular que busca assegurar na
193
formação profissional, conteúdos e conhecimentos planejados e organizados em sua grade
curricular ao visar garantir determinada concepção de profissão e determinado perfil de
profissional.
Para esse intento, segundo Netto (1989a), busca-se ressonância na vertente
marxista que, para apreensão da realidade
constitui um elenco de determinações simples que permite o movimento da
razão no sentido de agarrar e reconstruir o movimento imanente do processo
objetivo, o movimento do objeto real [...] [a] reflexão teórica, [...] não
“constrói” um objeto: ela reconstrói o processo do objeto historicamente dado
(p. 143).
Considerando que desde o currículo mínimo de 1982, e as Diretrizes
Curriculares de 1996, a base teórico-metodológica da profissão se ancora na vertente
marxista, que nem sempre é aceita pelos profissionais dos campos de estágio e nem mesmo
por muitas instituições que oferecem o estágio. Nessas condições, como realizar a o
sonhada articulação teoria e prática se os atores, sujeitos desse processo, defendem
posições teórico-metodológicas muitas vezes antagônicas?
A relação teoria e prática requer clareza política, disponibilidade/interesse e
articulação, elementos que expressam o posicionamento de profissionais em relação aos
aspectos ídeo-políticos e teórico-metodológicos que envolvem o exercício profissional e o
estágio. Contudo, essas posições não são iguais para todos os assistentes sociais, pois
alguns se identificam mais com os objetivos institucionais que com o projeto ético-
profissional, o que determina as diferentes formas de encaminhamento do estágio e do
processo de formação.
Nas palavras de Guerra (2000, p. 160),
Criar oportunidades para a efetivação de “outra” concepção de ensino para o
Serviço Social, tal como ensino teórico-prático, oriundo da produção coletiva de
diversos sujeitos com níveis de responsabilidades e papéis diferenciados implica
um trabalho conjunto entre professores, supervisores, estudantes dirigidos à
criação de metodologias capazes de permitir a síntese [...] entre a transmissão e
captação de conhecimentos teórico-críticos e a aquisição de valores/princípios
ético-políticos e habilidades.
Assim, a relação teoria e prática trata também da relação entre supervisores e
194
estagiários, atores reais em uma relação profissional, em que a busca de ruptura com o
Serviço Social tradicional, com as teorias e metodologias conservadoras que sustentaram a
profissão é o elemento determinante. Mas, segundo Iamamoto (1997, p. 193), “pouco se
tem avançado no amadurecimento de propostas que representem um saldo substantivo no
processo de qualificação teórica e técnico-política de profissionais”.
Nessa realidade, alguns desafios são apresentados à formação profissional e à
supervisão do estágio. Dentre eles destaca-se a necessidade de rompimento com a vertente
conservadora em um espaço profissional que visa sua manutenção e que, muitas vezes, é
denunciado pelos próprios estagiários nos fóruns de estágio, pois sentem-se inseguros em
relação aos rumos da sua formação
130
.
Há uma tendência atual nos campos de estágio, favorecida pela lógica do
mercado, de redução na oferta de vagas, com diminuição do quantitativo de estagiários por
campo de estágio e a elevação da sua jornada para quarenta horas/semanais, às vezes trinta
horas. Assim, oferecem-se uma e/ou duas vagas, para quarenta horas semanais de estágio
no valor compatível ao salário mínimo pago para o estagiário de vinte horas/semanais.
Essa situação tem rebatimento na supervisão de estágios realizada em muitas
universidades, como a UCG. Instituição privada, a UCG também é dirigida pela lógica do
mercado, pois também ela visa assegurar sua condição financeira, para o que estabelece
um número mínimo de doze estagiários por turma de supervisão. Com isso,
concentração, em um mesmo horário de supervisão e com um mesmo professor, de campos
de estágio diferentes em natureza e em política social como também estagiários de
períodos curriculares diferentes. Esse fator é também determinante para desarticulação
teoria e prática, pois muitas vezes, supervisor de campo e docente nem se conhecem, não
condições reais para isso. A dificuldade, portanto, não está apenas no campo de estágio
mas também na universidade.
O homem faz a história, diz Marx (1991), mas ele a faz em condições reais,
130
estagiários que acabam por considerar a prática com uma valoração bem maior que a teoria, pois é
que irão atuar profissionalmente. Nessa condição eles reproduzem o conhecimento adquirido, pois a teoria é
tarefa da universidade, do professor, pois o espaço profissional seria para a realização da prática cotidiana.
Esse é um problema do estágio, mas também da profissão e da formação.
195
pois o “concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações, isto é, a unidade
do diverso. Por isso, o concreto aparece no pensamento como o processo de síntese, como
resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo” (p. 16).
Assim ocorre com o estágio. Suas condições reais são dadas pelos atores envolvidos, pelos
campos de estágio, espaço de atuação profissional, pela UCG, pelo projeto do curso, enfim,
pelos diversos elementos que determinam as condições concretas em que ele ocorre, o que
não impede que hoje, na UCG, essas condições sejam alteradas.
A relação teoria e prática envolve então, uma série de elementos cuja síntese
expressa as condições reais em que ela ocorre. Intervir nessa realidade é um desafio para o
processo de formação, pois a articulação teoria e prática não acontece por decreto, como
afirma Kameyama (1998). Ela pressupõe condições determinadas e históricas, subentende
uma indissociabilidade e uma interdependência estágio, curso, campo de estágio, que
assegura maior qualificação no processo de formação profissional, maior consciência
crítica e política.
Como parte do processo de formação, o estágio curricular não existe dissociado
nesse processo que enfrenta diferentes concepções de mundo presente no curso e no campo
de estágio. Aliás, para os campos de estágio, ele representa a possibilidade de uma mão-de-
obra que oferece muitas vantagens, apesar da desvinculação existente entre o exercício do
estágio e a proposta do processo de formação.
Segundo Guerra (2000, p. 160), as Diretrizes Curriculares, ao considerarem “o
ensino do Serviço Social teórico-prático, não é meramente uma questão semântica”. Ela é,
afirma a autora, uma proposta e uma realidade de busca de rompimento com a
visão positivista entre ciência pura e aplicada, os que pensam e os que fazem, os
professores da teoria e os professores da prática, vigente na cultura da profissão.
[...] Mas para isso temos que nos manter, mais uma vez, não apenas na
contracorrente, mas a “contrapelo” da ofensiva burguesa e de suas formas de
manter sua hegemonia a qualquer custo (GUERRA 2000, p 160).
Assim que, em um processo/projeto de formação profissional na perspectiva
marxista, teoria e prática não existem apartadas. Elas compõem uma unidade articulada,
um movimento em que esses elementos estão um contido no outro, um alimentando o
outro. São
196
inseparáveis no processo do conhecimento e devem ser consideradas na sua
unidade, levando em conta que a teoria não só se nutre na prática social e
histórica como também representa uma força transformadora que indica à
prática os caminhos da transformação (KAMEYMA, 1989, p. 101).
Como é possível romper com as diversas barreiras ao estágio no processo de
formação e buscar uma real articulação teoria e prática?
Uma das saídas encontradas pelo Curso de Serviço Social de Goiânia, foi a
criação de uma instância em que professores, supervisores dos campos de estágio e
estagiários possam se reunir para trocar experiências, idéias, conhecimentos, fazer
reflexões, discussões e avaliações sobre o estágio em sua proposta teórico-metodológica,
ético-política e técnico-operativa segundo as Diretrizes Curriculares e sua
operacionalização nos campos de estágio. Trata-se do Fórum de Estágio do Curso de
Serviço Social, com reuniões mensais de responsabilidade da coordenação de estágio do
curso.
Em 2007, considerando a finalização do período letivo e a necessidade de
avaliação do curso, o último fórum do semestre foi dedicado à avaliação do estágio. Os
participantes subdivididos em quatro grupos, por política social, avaliaram, em um
primeiro momento, os seguintes aspectos relacionados ao estágio:
a) objetivos do estágio para as instituições e as exigências político-
pedagógicas da formação profissional;
b) conteúdo das disciplinas do Estágio I, II, III;
c) metodologia da supervisão didática e profissional;
d) processo de avaliação utilizado (nota) para os estudantes;
e) relação entre os supervisores docente e do campo de estágio;
f) dificuldades e perspectivas.
Em um segundo momento, a coordenação de estágios sintetizou os relatórios
dos grupos e, em nova reunião foi discutida a síntese do trabalho dos grupos.
O resultado dessa avaliação veio confirmar a pouca articulação entre a
universidade e o mercado no âmbito da supervisão do estágio. Um estagiário assim se
expressou: “falta de interação entre a supervisão do professor e a supervisão do
profissional do campo de estágio”. Conforme visto, cada supervisor trabalha isolado em
virtude das próprias condições do estágio e da concepção de estágio por eles adotada.
Outro aspecto observado: “há dificuldade do supervisor profissional em articular conteúdos
197
teóricos com a prática”. Percebe-se a visão distorcida que se transforma quase que em mito
a universidade é o espaço dos estudos e aprofundamentos teóricos, e o campo de estágio
da prática, da imediaticidade. No entanto, a busca do conhecimento, da teoria é uma
necessidade, uma exigência que se apresenta a todos os profissionais, seja ele supervisor
acadêmico ou supervisor do campo de estágio, observa uma professora.
Esse mito é um dos aspectos que concorre para a apartação entre universidade
e mercado, entre a supervisão didática e a supervisão profissional. Ele está presente,
sobretudo em posicionamentos de alguns profissionais inseridos nos campos de estágio e
entre estagiários. É um conjunto de idéias preconcebidas que, de modo acrítico, vão sendo
internalizadas e aceitas como verdadeiras. Assim, a idéia de que a pós-graduação em nível
de mestrado e doutorado devem estar voltados apenas para os docentes ou profissionais
que pretendem exercer o magistério é uma afirmativa sem fundamento. Porém, o senso
comum também a sustenta, difundindo a importância e a necessidade de formação
continuada para professores e profissionais que desenvolvem pesquisa. A eles compete o
estudo, o domínio dos conteúdos advindos nos cursos de pós-graduação. Aos profissionais
inseridos em outros espaços profissionais os cursos lato sensu, mas, sobretudo, o domínio
da experiência, da técnica e da prática, conhecimentos que orientam a atuação profissional
de muitos.
Contudo, os dados da pesquisa realizada apresentam uma realidade diversa. A
maioria das professoras que exercem a supervisão, 45,5%, fizeram cursos lato sensu
enquanto que, entre os profissionais dos campos de estágio, esse nível de formação
corresponde a 36,2%. Traçando um paralelo, entre a situação atual da pós-graduação entre
os supervisores didáticos e profissionais, a partir dos dados coletados e com base na tabela
13, tem-se, em números percentuais a seguinte realidade:
Doutorado - 22,9% dos supervisores profissionais e 9,1% dos professores;
Mestrado - 13,5% dos supervisores profissionais e 36,4% dos professores;
Especialização - 36,2% dos supervisores profissionais e 45,5% dos professores.
Tal realidade mostra que os mitos são frágeis e que o senso comum nem
sempre corresponde à verdade, pois os cursos lato e stricto sensu estão mais presentes
198
entre os supervisores profissionais que os didáticos, ou seja os supervisores de campo de
estágio apresentam um desempenho melhor que os docentes supervisores.
A dupla supervisão determinada pelas Diretrizes Curriculares/1996 como
condição necessária ao estágio é definida em muitos documentos que se pautam no
processo de formação, incluindo o Projeto Político-Pedagógico do Curso de Serviço Social
de Goiânia (UCG/SER, 1999). O referido projeto destaca que, a
supervisão de estágio será didática e profissional. A supervisão didática será
exercida por professores do Departamento [...]. A supervisão profissional [...]
por profissionais do campo de estágio devidamente cadastrados no CRESS-19ª
Região (p. 61).
Um pouco adiante, o documento estabelece que a
supervisão de estágio constitui uma ação educativa permeada por uma relação
pedagógica. A ação supervisora baseia-se em uma seqüência de ações, com
sentido e uma direção orientadas por um projeto de Estágio. O processo de
supervisão deve contemplar momentos significativos que se articulam, cujos
objetos, entre outros, são o processo de aprendizado e a inserção na prática
profissional [...]. A supervisão didática e a supervisão profissional estabelecerão
contato, obrigatoriamente [...]. (UCG/SER, 1999, p. 62).
A supervisão didática e a profissional, se realizadas conforme as Diretrizes
Curriculares da ABEPSS e o Projeto Político-Pedagógico do Curso, não irão fragmentar
teoria e prática, mas ao contrário, aproximá-las, pois a troca de conhecimentos e de
experiência entre os profissionais que exercem a supervisão, na instância do departamento
e do campo de estágio, contribuem para uma melhor qualificação do estagiário.
Outro elemento dessa discussão e que não pode ficar esquecido trata da
exigência apresentado ao trabalho do profissional, tanto àquele desenvolvido em
instituições campo de estágio, quanto em instituições em geral. A demanda institucional e
emprersarial indicam a necessidade de um profissional que atue em consonância com seus
propósitos, isto é, ela quer um profissional para legitimar e reproduzir a ela própria e a
ordem social, no caso, a sociedade de classes, contribuindo na regulação das relações
sociais. assistentes sociais que assimilam e até se submetem a esses propósitos do
mercado profissional, com atitude de subserviência, de subjugação aos interesses e à
própria lógica do mercado. Neste caso, a prática institucional é assimilada como sua,
situação em que, quase sempre, o profissional se distancia ou confronta com as orientações
199
e determinações estabelecidas à profissão pela Lei que a Regulamenta e pelo Código de
Ética Profissional. Tais situações levam o curso à reflexão sobre a possibilidade de
capacitar esses campos de estágio ou discutir sua validade em continuar a subsidiar o
processo de formação dos estudantes, pois esse modelo de prática profissional não irá
assegurar a aprendizagem, ao contrário trará confusões teórico-práticas que o estagiário
dificilmente irá superá-las.
Na pesquisa realizada com os supervisores dos campos de estágio, a assistente
social da instituição patronal assim se expressa em relação à sua expectativa e a da
Instituição quanto ao trabalho do estagiário: “Nós somos [...] [a instituição]” (C. S., 2007)
131
.
A assistente social C. S. (2007) identifica-se com a instituição em que trabalha,
conforme declara, em relação à expectativa sua e da instituição para com o trabalho das
estagiárias:
Eu acho que [a expectativa da Instituição] é a mesma minha. [...] acho que é
contribuir na formação. Porque se eu chegar e justificar, não, a gente não quer
mais estagiário, ela vai assumir aquilo que alguém está falando para ela. É
empresa mesmo.
Também na área empresarial, nota-se essa identificação, pois não há, segundo
informa (M. P. A., 2007), solicitação de programas e atividades para o Serviço Social
desenvolver, pois “a percepção é quase que conjunta” tanto da assistente social como da
empresa, diz ela. A profissional, imbuída dos propósitos e dos ideais da Instituição,
assimila as necessidades e expectativas da empresa como suas, como parte da sua atuação
profissional. Assim, atende às necessidades empresariais sem que haja necessidade de uma
solicitação dela.
O estágio como um elemento da formação profissional, encerra diferentes
concepções e encaminhamentos. Nem sempre ele assume o que lhe é definido pelo
projeto/processo de formação, ou seja, as orientações estabelecidas pelas Diretrizes
Curriculares para todos os cursos de Serviço Social, aprovadas pela ABESS em 1996,
segundo a qual o estágio se caracteriza no rol das atividades indispensáveis integradoras
131
A assistente social, ao afirmar “nós somos [...] [a Instituição]”, citou o nome do campo de estágio, omitido
para resguardar o sigilo em relação à identidade da profissional.
200
do currículo”. Ele encerra, segundo ABEPSS (1996, p. 71), alguns aspectos básicos, quais
sejam:
é uma atividade curricular obrigatória; se configura a partir da inserção do aluno
no espaço sócio-institucional; [deverá] capacitá-lo para o exercício do trabalho
profissional, o que pressupõe supervisão sistemática [...] que será feita pelo
professor supervisor e pelo profissional de campo; [deverá contar com] planos
de estágio, elaborados em conjunto entre unidade de ensino e unidade campo de
estágio; tendo como referência a Lei 8662/93 (Lei de Regulamentação da
Profissão) e o Código de Ética Profissional (1993)”.
No projeto curricular do Curso de Serviço Social de Goiânia, esses aspectos
foram planejados, tendo em vista que: a) o estágio, atividade curricular obrigatória,
compõe o Projeto Político-Pedagógico do Curso sob a denominação de Estágio
Supervisionado I, II, III. Ele está localizado na grade curricular nos quinto, sexto e sétimo
períodos do curso, respectivamente, quando ocorre o encaminhamento dos estudantes aos
campos de estágio conveniados com a UCG; b) com a inserção dos estudantes nos campos
de estágio eles passam a contar com supervisão sistemática de professor do Curso e de
profissional do campo; todos os campos de estágio contam com a dupla supervisão,
didática e profissional, também com programas de extensão da UCG, cuja supervisão
profissional é exercida por professores do curso que dispõem de carga horária extensão
nesses programas
132
; c) a Lei 8662/93 (BRASIL, 1993) de Regulamentação da Profissão e
o atual Código de Ética Profissional (CEFSS/CRESS, 1993) são elementos norteadores do
processo de formação e, logicamente, do estágio, conforme indicação da ABEPSS (1996);
esse material normativo envolve uma questão ético-político-profissional que muitas vezes
se confronta com a intencionalidade de profissionais dos campos de estágio, de professores
supervisores e de estagiários, pois supõe compromisso e envolvimento desses agentes com
a formação e com a profissão.
132
O curso tem como campos de estágio os seguintes programas de extensão: Centro de Estudos, Pesquisas e
Extensão Aldeia Juvenil (CEPAJ), Escola de Circo, Programa de Direitos Humanos (PDH), Universidade
Aberta à Terceira Idade (UNATI). Os supervisores profissionais dos campos de estágio em extensão, espaço
profissional próprio da universidade, são professores que dedicam uma carga horária máxima de doze
horas/semanais em extensão, o que envolve participação em atividades do programa, reuniões da equipe e
supervisão profissional das estagiárias. Essa realidade tem gerado insatisfação nos estagiários, em especial
aqueles que fazem estágio de oito horas/semanais, às vezes em final de semana, em horário incompatível com
o da supervisora. Daí a afirmação: “o meu campo de estágio não tem supervisor”. É verdade. O campo conta
com profissional, mas o exercício da supervisão é relegado, pois o programa e suas atividades são
prioritários. Essa situação é institucional, e não se refere apenas a esta universidade, ela sempre aparece em
avaliações de estágio e até incorre no descumprimento do Artigo 14, parágrafo único que diz: “Somente os
estudantes de Serviço Social, sob supervisão direta de Assistente Social, em pleno gozo de seus direitos
profissionais, poderão realizar estágio de Serviço Social” (grifo da autora) (CEFESS/CRESS, 1993).
201
Nos campos de estágio, os dados coletados mostram uma outra concepção e
encaminhamento que vem sendo dado ao estágio, nem sempre compatível com os
propósitos e objetivos das Diretrizes Curriculares. Esse conhecimento foi buscado nas
instituições campo de estágio de Goiânia, por meio de uma coleta de dados por
amostragem, envolvendo cinco instituições, o que abrange cerca de quase 20% dos campos
de estágio. A amostragem priorizou a participação de três instituições públicas e duas
privadas. Assim, no setor público, foram selecionadas uma instituição federal, uma
estadual e uma municipal e, no setor privado uma instituição patronal e uma empresarial. O
motivo para essa escolha decorre do pensamento de que o interesse pelo trabalho
profissional, a relação com o estagiário e com a UCG como também a concepção de
estágio sofre variações conforme a natureza da instituição. Assim, a amostragem teve por
critério de seleção a própria natureza institucional e a maior demanda de vagas e de
estagiários.
Com entrevistas de acordo com um roteiro preestabelecido, foi possível
perceber os elementos que norteiam o estágio naqueles espaços profissionais e a concepção
de estágio dos assistentes sociais (Quadro nº 6).
O quadro nº 6 (p. 202) apresenta a síntese dessas concepções para as assistentes
sociais que exercem a supervisão
133
. A maioria delas, no âmbito do discurso, dizem
considerar o estágio como uma relação teoria-prática. Não obstante o discurso, a posição
dessas assistentes sociais expressa o senso comum, ou seja, um pensamento que é aceito de
forma acrítica por grande número de pessoas: a teoria tem um endereço que é a
universidade, essa é concebida como um espaço do estudo continuado, da pós-graduação,
que se dirigem aos profissionais que exercem ou pensam exercer a docência. Aos
profissionais inseridos no mercado de trabalho, fora da docência, a realização de atividades
do cotidiano, a prática pela prática, o imediatismo.
133
Em todos os campos de estágio a supervisão é exercida por assistentes sociais do sexo feminino. Em
nenhum deles foi notada a presença masculina, daí o tratamento no feminino. Vale lembrar que foram
entrevistados supervisores profissionais de cinco instituições selecionadas por natureza: empresa privada,
instituição patronal, instituição pública vinculada ao governo federal, instituição pública vinculada ao
governo estadual, instituição pública vinculada ao governo municipal (Ver, na introdução, tabela 1). Para
resguardar a identidade das instituições e dos profissionais entrevistados, utilizam-se as terminologias
empresa, instituição patronal, instituição federal, instituição estadual e instituição municipal com iniciais
fictícias para as assistentes sociais: M. P. A., C. S., E. C. P., S. P. P., R. C. V., respectivamente.
202
Quadro nº 6 – Concepção dos supervisores profissionais sobre o estágio. Goiânia – 2007
Campos de Estágio Opinião
Institituição
empresarial
“É um momento de junção entre teoria e prática no qual [...] [o
estagiário] vai ter uma leitura prática daquilo que através das suas
aulas e [...] poder testar, ver a possibilidade de [...] funcionamento
profissional, ter essa experiência para [...] atuar no futuro como
profissional” (M. P. A., 2007).
Instituição
patronal
“É um espaço da prática, não que ele seja dissociado, mas é um espaço
em que ele vem mesmo vivenciar a práxis profissional. É essa troca,
porque enquanto o estagiário nos questiona ou traz uma reflexão, [...]
está participando do nosso cotidiano, enriquece tanto a minha prática e eu
posso colaborar com ele” (C. S., 2007).
Instituição
federal
“É aquela oportunidade que a gente tem de vivenciar a prática. De
preparar o aluno para o mercado de trabalho, fazer com que ele consiga
fazer a síntese do teórico e da prática. Consiga também, teorizar a própria
prática. Também não adianta [...] dissociar: a teoria está lá na faculdade e
a prática aqui, é outra coisa. [...] trabalhar dentro de uma linha teórica
definida e [...] ter o retorno, como teorizar essa prática [...]. Então eu
acho que esse mergulho na prática essa capacidade de levar teoria para a
prática e trazer da prática uma nova ntese, é fundamental no
conhecimento da realidade” (E.C.P., 2007).
Instituição
estadual
“Na minha compreensão o estágio faz parte do processo formativo. [...]
ele deve facultar ao aluno o máximo de condições de aprendizagem
possível. [...] ele [o estagiário] deve ser acolhido da melhor forma e os
profissionais têm que ter essa compreensão. Colocar a informação nas
mãos do aluno, colocar todos os dados, de trabalhar junto com o aluno
para ele ver como se trabalha. [...] proporcionar informações,
conhecimento e orientação. O supervisor ele tem que trabalhar no sentido
que isso aconteça dentro da instituição” (S. P. P., 2007).
Instituição
municipal
“Estágio é o momento que o aluno tem para vivenciar na prática, as
teorias da academia. Onde ele [o estagiário] vai buscar os subsídios
verdadeiros para sua aprendizagem. [...] é um momento que ele está
colocando em prática tudo que ele está vendo na teoria” (R. C. V., 2007).
Fonte: quadro elaborado com base nos dados coletados com as supervisoras dos campos de estágio.
UCG/SER, 2007/2.
A assistente social da empresa, M. P. A. (2007) expressa a fragmentação teoria
203
e prática, pois, segundo ela, no estágio não se a teoria, da mesma forma que não o
curso no campo de estágio (quadro nº 6). Para ela, a teoria está na universidade e a prática,
no campo de estágio. Essa fragmentação, apresentada pela supervisora, alcança, além da
divisão entre espaço da formação e do exercício profissional, os conteúdos da formação
com a teoria apartada da prática, e vice-versa, e até as atribuições profissionais das duas
supervisoras é especificada. Informa ainda M. P. A. (2007) que a supervisora do campo de
estágio
tem que estar se atualizando, mas, quem está na academia [...] tem um acesso
maior, [...] tem aquela leitura diferenciada, podendo fazer essa junção que eu
acredito que seja bom para as três partes, tanto para o aluno, quanto para o
profissional, quanto para os supervisores acadêmicos.
Também para R. C. V. (2007), a fragmentação teoria e prática está presente, e
ela percebe a necessidade de articulação entre os conteúdos teóricos e práticos, pois para
ela, o estagiário irá “vivenciar na prática, as teorias da academia, colocar em prática tudo
que ele está vendo na teoria” (R. C. V, 2007).
A supervisora da instituição patronal, C. S. (2007), nega a dissociação teoria e
prática, conforme expressa em sua afirmativa (quadro 6), mas considera o estágio “um
espaço da prática”, em que “há uma troca [...] de atualização de conhecimentos”. A troca
supõe a existência de coisas diferentes a serem trocadas, no caso, conteúdos: “o estagiário
[...] traz uma reflexão está participando do nosso cotidiano, enriquece [...] a minha prática
[...] e eu posso colaborar com ele”.
Apenas S. P. P. (2007), por ser professora do curso, relacionou o estágio ao
processo de formação. Ela apresenta uma rie de recomendações à sua operacionalização,
mas que ficam no imediatismo, na reprodução do trabalho do profissional, aquilo que os
estagiários sempre buscam, “a receita”: “Colocar a informação nas mãos do aluno, colocar
todos dados, de trabalhar junto com o aluno para ele ver como se trabalha”.
A assistente social da instituição federal não relacionou estágio e formação
profissional mas estágio com aspectos teóricos e com o mercado de trabalho. É a
“oportunidade [...] de preparar o aluno para o mercado de trabalho, fazer com que ele
consiga fazer a síntese do teórico e da prática”, diz ela. É interessante o movimento que
204
apresenta entre teoria e prática para buscar, com a prática, a síntese.
Percebe-se que a concepção de estágio curricular como também o seu
encaminhamento nos diversos campos de estágio é diferente, como também o é o perfil das
assistentes sociais que exercem a supervisão do estágio e das estagiárias. O estágio
curricular é programado com o objetivo de acompanhar a direção social do projeto do
curso, elaborado com base nas diretrizes curriculares da ABESS (ABESS, 1996). Contudo,
a recíproca não corresponde à realidade das instituições que são campo de estágio e que
buscam o estagiário para suprir a falta de mão-de-obra em atividades que nem sempre
correspondem aos propósitos da formação. São muitos os estagiários que aceitam o valor e
a carga horária estabelecidas pelos campos de estágio como ainda as condições para a
realização o estágio. Para muitos a bolsa torna-se mais importante que a política social que
o campo de estágio desenvolve.
Apesar de seu caráter comunitário e filantrópico, a UCG é uma instituição
privada que também segue a lógica do mercado. Oferece um produto do qual os estudantes
são compradores, no caso específico, o Curso de Serviço Social. Assim, os estudantes
submetem-se ao pagamento de mensalidades
134
, e as estagiárias justificam a busca de
estágio com bolsa pela necessidade de pagar a faculdade e poderem concluir os estudos
135
.
Nesse aspecto é como se o estágio pudesse garantir a permanência no curso, evitando a
evasão.
134
A título de esclarecimento, a mensalidade paga pelos estudantes do Curso de Serviço Social em valores
para 2008, conforme Portaria 277/2007-GR (Gabinete da Reitoria), é de cento e quarenta e um reais e seis
centavos por disciplina de quatro créditos. Se o estudante matricular-se em 24 créditos (seis disciplinas), o
que é comum, ou seja, o equivalente a aulas de segunda a sexta feira, deverá pagar (oitocentos e quarenta e
seis reais e trinta e seis centavos).
135
Nenhuma estagiária referiu-se à necessidade de uma política de bolsas na UCG, considerando que a
instituição administra as bolsas por meio de programas e convênios vinculados à Política de Assistência
Estudantil da Universidade Católica de Goiás. Atualmente segundo dados do site da instituição
(<www.ucg.br>) a instituição mantém em seu programa de bolsas, bolsas acadêmicas: o Programa
Universidade para Todos (PROUNI), do governo federal; a Bolsa de Incentivo à Cultura (BIC), para os
estudantes que participam em programas, atividades e eventos culturais como - coral, dramatização e outros;
a Bolsa Monitoria para os estudantes monitores; e a Bolsa Iniciação Científica (BIC/PROPE), para os
estudantes que se inserem em programas de pesquisa. Dentre as bolsas de assistência estudantil, a UCG
oferece: Bolsa Universitária da Organização das Voluntárias do Estado de Goiás (OVG), um convênio entre
UCG e OVG; Bolsa Empresa, doações que serão convertidas em bolsas de estudos; e Bolsa Prefeitura
Municipal, concedida pelas prefeituras que dispõem de legislação específica que possibilita a destinação de
recursos para bolsas de estudos para alunos dos municípios. São bolsas que, na maioria, se caracterizam
como prestação de serviços, pois exigem uma contraprestação de serviço por parte dos estudantes.
205
Mas, não é a evasão, trata-se também da própria sobrevivência. Como Marx
e Engels (1993, p. 27) afirmam: “o primeiro pressuposto de toda história humana é
naturalmente a existência de indivíduos humanos vivos. O primeiro fato a constatar é, pois,
a organização corporal destes indivíduos”.
Tabela 4 Alternativas apresentadas pelas estudantes do Curso de Serviço Social da UCG
para custear seus estudos. UCG/PROEX/CAE – 2007
Alternativas
%
Família 20,00
Trabalho próprio 6,67
Bolsa de estudo (expectativa) 53,33
Financiamento 6,67
Outros 13,33
T O T A L 100,00
Fonte: Sistematização dos dados da pesquisa: O perfil do calouro da Católica. Curso de Serviço Social
UCG/PROEX/CAE, 2007/2)
136
.
Na situação das estagiárias, antes mesmo de se constituírem como tal, elas
precisam se constituir e se manterem como seres vivos, o que significa terem as condições
materiais de sobrevivência, para então, poderem assumir suas atividades normais: estudar,
trabalhar e mesmo fazer o estágio curricular. A tabela 4 mostra as possibilidades
apresentadas pelas estudantes
137
por ocasião do vestibular, para pagamento do curso.
As estudantes do Curso de Serviço Social ingressas na universidade no
segundo semestre de 2007 têm a expectativa de conseguirem uma bolsa de estudo
(53,33%) ou financiamento (6,7%)
138
. Somados, esses índices correspondem a 60% de
estudantes que esperam ajuda externa para fazerem o curso, e 20% têm a família como
136
A referida pesquisa é feita periodicamente pela UCG, por meio da Coordenação de Assuntos Estudantis
(PROEX/CAE), com alunos ingressos nos diversos cursos. Trata-se de uma amostragem, pois é realizada na
Semana do Calouro com estudantes presentes no evento. São apresentados os dados sócio-econômicos dos
estudantes ingressos no curso.
137
O tratamento às estudantes é feminino porque a amostragem apresenta, com o índice de 100%, que elas
são mulheres.
138
Os planos de financiamento disponibilizados pela UCG são: o Crédito Educativo Interno (CEI), da própria
universidade; o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) Programa do Ministério da
Educação; o Crédito
U
U
n
n
i
i
v
v
e
e
r
r
s
s
i
i
t
t
á
á
r
r
i
i
o
o
PRAVALER, programa de financiamento para calouros e veteranos de
qualquer curso de graduação. Apresenta como diferencial a possibilidade de maior prazo, após concluir o
curso, para quitação da dívida.
206
responsável pelo custeio do curso. Nenhuma delas indica recurso próprio para arcar com as
despesas na universidade, apesar de 53,33% serem trabalhadoras, conforme dados da
tabela 5.
Tabela 5 Estudantes do Curso de Serviço Social que trabalham. UCG/PROEX/CAE
2007
Alternativas %
Sim 53,33
Não 46,67
T O T A L
100,00
Fonte: Sistematização dos dados da Pesquisa “O Perfil do Calouro da Católica. Curso de Serviço Social”
(UCG/PROEX/CAE, 2007/2).
Como afirmam Marx e Engels (1993):
O modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende, antes de
tudo, da natureza dos meios de vida já encontrados e que têm de reproduzir.
Não se pode considerar tal modo de produção de um único ponto de vista [...].
Trata-se muito mais, de uma determinada forma de atividade dos indivíduos,
determinada forma de manifestar sua vida, determinado modo de vida dos
mesmos. Tal como os indivíduos manifestam sua vida, assim são eles (27).
Tabela 6 – Participação das estudantes do Curso de Serviço Social na renda familiar. UCG/
PROEX/CAE – 2007
Alternativas %
É arrimo de família 20,00
Contribui com parte indispensável 26,67
Não contribui 20,00
É mantido pela família 6,67
Sem resposta 26,67
T O T A L 100,00
Fonte: Sistematização dos dados da Pesquisa “O Perfil do Calouro da Católica. Curso de Serviço Social”
(UCG/PROEX/CAE, 2007/2).
É uma realidade que confirma: “não se pode considerar [...] [o] modo de
produção de um único ponto de vista”, ou seja, não é o fato de trabalhar que assegura
condições financeiras para arcar com as opções de vida das pessoas, haja vista que 26,67%
contribuem com parte indispensável para a renda familiar e 20% é arrimo de família,
conforme tabela 6.
207
Tabela 7 Renda do grupo familiar das estudantes ingressas no Curso de Serviço Social
da UCG em 2007/2. UCG/PROEX/CAE – 2007
Renda familiar %
Até 3 salários mínimos 80,00
Mais de 3 a 5 salários mínimos -
Mais de 5 a 10 salários mínimos -
Acima de 20 salários mínimos 6,67
Sem resposta 13,33
T O T A L 100,00
Fonte: Sistematização dos dados da Pesquisa “O Perfil do Calouro da Católica. Curso de Serviço Social”
(UCG/PROEX/CAE, 2007/2).
Observa-se, que 80% dessas estudantes têm renda familiar equivalente a até
três salários mínimos. Considerando-se que, por ocasião da pesquisa, o salário mínimo
equivalia a trezentos e oitenta reais, essas famílias recebiam não mais que um mil cento e
quarenta reais para se manterem, valor que deve cobrir despesas de moradia, transporte,
alimentação, vestuário, escola e/ou faculdade para todos os componentes familiares que
estudam e outras. Apenas 6,67% das estudantes apresentam situação familiar diferenciada,
com rendimento superior a vinte salários mínimos.
A realidade de vida da maioria dessas estudantes justifica a busca de estágio
remunerado a pesquisa mostra que, dentre as opções propostas pelas estudantes, para se
manterem na educação superior, ou seja, para cursarem o Serviço Social, apenas 20%
indica certa independência, pois terão os estudos pagos pela família (tabela 3) e 6,67% das
estudantes do curso dizem ser mantidas pela família (tabela 7).
A tabela 8 mostra que a jornada de trabalho das estudantes trabalhadoras varia
entre vinte a mais de quarenta horas semanais, e apenas 6,67% trabalham até vinte horas
semanais Nota-se que 40% das estudantes trabalham quarenta horas/semanais, numa
jornada de trabalho máxima para os trabalhadores, conforme a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT).
208
Tabela 8 – Jornada de trabalho das estudantes ingressas no Curso de Serviço Social da
UCG em 2007/2. UCG/ PROEX/CAE – 2007
139
Jornada de Trabalho %
Até 20 horas semanais 6,67
Mais de 20 horas e menos de 40 horas -
De 40 horas ou mais por semana 40,00
Sem resposta 53,33
T O T A L 100,00
Fonte: Sistematização dos dados da Pesquisa “O Perfil do Calouro da Católica. Curso de Serviço Social”,
UCG/PROEX/CAE, 2007/2.
Os dados da referida pesquisa indicam que a condição financeira das
estudantes é baixa, pois se forem cruzados os dados referentes à renda do grupo familiar
(tabela 7) com o número de componentes das famílias (tabela 9), pode-se verificar que
40% dos componentes familiar, cujo número é de quatro a seis pessoas (tabela 9),
possivelmente serão mantidas por uma renda familiar de até três salários mínimos,
conforme tabela 7.
Os dados do Perfil do Calouro da Católica apresentam a realidade do Curso de
Serviço Social e exemplifica a realidade de muitos outros cursos da UCG e de demais
instituições de educação superior particulares, que são buscadas por estudantes de mais
baixa renda, que não conseguem acesso ao ensino público
140
pois,
as escolas públicas almejam a manutenção de um padrão elevado de ensino e,
por isso, são rigorosas na seleção dos candidatos. Os estudantes de origem
operária não transpõem com facilidade a barreira da seleção, sendo assim, os
constituintes de uma demanda insatisfeita, mercado preferencial das escolas
particulares (CUNHA, 1985, p. 162).
Ocorre então, a evasão escolar
141
, pois muitos não conseguem assumir os
elevados custos da educação privada. Na UCG, do segundo semestre de 2006 ao primeiro
semestre de 2007, período de um ano, houve uma evasão de 20,1% do total de estudantes a
139
Os dados da tabela referem-se a todos os alunos, ingressos no curso, não apenas aos que trabalham, pois,
os demais índices indicam: 20 horas/semanais para 6,67%; 40 horas/semanais, 40%, e sem resposta 53,3%,
que se aproxima do índice anterior de 46,6% de estudantes que não trabalham (UCG/CAE, 2007/2).
140
Essa questão pode ser aprofundada com a obra de Cunha (1985), “Educação e desenvolvimento social no
Brasil”.
141
Em uma classificação em ordem decrescente da evasão na UCG no período 2006/2 para 2007/1 o Curso
de Serviço Social está em quarto lugar, perdendo apenas para os cursos de Teologia cujo índice foi de 41,8%,
Publicidade e Propaganda, com 30,2%, e Jornalismo com 27,1%.
209
área de Ciências Sociais e humanas. No curso de Serviço Social, no referido período, a
evasão foi superior, pois seu índice foi de 23,3% (Arquivo do SER/UCG).
Tabela 9 Componentes do grupo familiar das estudantes ingressas no Curso de
Serviço Social da UCG em 2007/2. UCG/PROEX/CAE – 2007
Número de pessoas do grupo familiar %
É sozinho 6,67
02 a 03 pessoas 26,67
04 a 06 pessoas 40,00
07 a 09 13,33
Mais de 9 pessoas 6,67
Sem resposta 6,67
T O T A L 100,00
Fonte: Sistematização dos dados da Pesquisa “O Perfil do Calouro da Católica. Curso de Serviço Social”
(UCG/PROEX/CAE, 2007/2).
Essa é a face dos estudantes do Curso de Serviço Social em uma instituição de
educação superior privada, no caso a UCG. A condição sócio-econômica das estudantes é
determinante em relação à escolha do campo de estágio em que elegem como critério o
valor da bolsa oferecida. O estágio passa a ser buscado também como fonte de renda,
apesar de cada dia mais, as estudantes serem exploradas pelo mercado empresarial que
oferece estágio curricular obrigatório e não-obrigatório, com bolsa, às vezes de baixíssimo
valor, captando assim, uma o-de-obra mais qualificada, semi-especializada e de mais
baixo custo. O sistema capitalista estabelece
uma indissociável relação entre a produção dos bens materiais e a forma
econômico-social em que é realizada, isto é, a totalidade das relações entre os
homens em uma sociedade historicamente particular, regulada pelo
desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social (IAMAMOTO, 2001,
p.11).
Portanto, o estágio expressa não a realidade institucional à qual se vinculam,
universidade e campos de estágio, como também a realidade de seus atores, a visão de
mundo, as opções teórico-metodológicas, ético-política e técnico-operativas dos
supervisores, estagiárias e estagiárias, as suas propostas em nível da graduação, a busca da
pós-graduação, enfim, elementos que determinam a atuação profissional dessas
supervisoras, conforme será visto a seguir.
210
3.3 O ESTÁGIO NO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL DE GOIÂNIA E AS
INSTITUIÇÕES CAMPO DE ESTÁGIO
Em um aspecto mais geral em relação ao estágio, observa-se que existem
programas e/ou atividades em que profissionais e estagiários são chamados a atuar. Essa
atuação apresenta uma dupla realidade. De um lado, são demandas que têm um
planejamento institucional a ser seguido e, nele, a assistente social insere as demandas da
população usuária e aquelas consideradas por ela como válidas. De outro, o profissional
faz o atendimento imediato, sem um planejamento prévio, para intervir nas necessidades
dos usuários. Em ambos os casos, os profissionais atendem a demandas com o objetivo de
intervir nas manifestações da questão social. Em muitos desses casos, o envolvimento
do estagiário.
O estágio é considerado uma questão polêmica, como elemento do/no processo
de formação e na aprendizagem dos estudantes, seja como articulador entre universidade e
mundo do trabalho, seja como relação teoria e prática, ou outro aspecto a ele atribuído. Ele
é parte do processo de formação, fator determinante na relação entre o referido projeto de
formação, orientado pelas Diretrizes Curriculares da ABEPSS/1996, com o Projeto Ético-
Político-Profissional/1993 e a Lei de Regulamentação da Profissão (BRASIL, 1993).
Na área empresarial, o estágio é uma experiência mais recente no Curso de
Serviço Social de Goiânia, sendo desenvolvido em apenas uma empresa, com
características bem mercantilista, e, como tal, não tem por objetivo contribuir para o
processo de formação dos estudantes, mas assegurar a reprodução do capital. Segundo
Kuenzer (2002, p. 132), é importante refletir a respeito do modo “como a empresa enfrenta
a relação entre saber obtido na escola e saber obtido pela experiência no trabalho”. Essa
reflexão mostra que o sistema empresarial reivindica trabalhadores com conhecimento e/ou
experiência na área de seu interesse, sendo considerado conhecimento tanto aquele
adquirido no sistema regular de ensino quanto nos cursos profissionalizantes, modalidade
bem diversificada com a LDB/96 (Brasil, 1996)
142
. Com base na relação entre esses dois
tipos de saber, o “operário vai estabelecer seus conceitos de saber teórico/prático, que
142
Atualmente, até para o estágio curricular, a experiência aparece como um dos critérios, o que pode ser
observado nos cartazes de divulgação de vagas para estágio.
211
desempenham papel muito importante no processo de sua constituição enquanto
trabalhador” (KUENZER, 2002, p. 132). Para a autora, a forma como ele
capta essa relação contribui para definir seu comportamento político, aceitando
em maior ou menor grau a sua condição subalterna, os critérios de valorização
do seu trabalho, os critérios de salário e promoções, submetendo-se e/ou
discutindo, negociando, reivindicando (p. 132).
É interessante relacionar a reflexão apresentada por Kuenzer (2002) com a
atuação do Serviço Social e a subalternidade de muitos assistentes sociais perante outros
profissionais, o que se reporta também aos estagiários. No estágio, a apreensão da
expectativa da instituição no tocante à relação teoria e prática pode ser elemento
determinante na forma como o supervisor e/ou o estagiário se relacionam com a
instituição. Muitas vezes, essa relação leva o profissional ao ativismo ou o estagiário a
afirmativas de que “na prática a teoria é outra”.
Na empresa pesquisada, no primeiro semestre de 2007, havia apenas uma
estagiária e uma assistente social, mas, até 1992 eram duas, segundo informação de M. P.
A. (2007). A supervisora considera o atual número de profissional insuficiente diante da
demanda, pois “precisaríamos de duas assistentes sociais”, diz ela. Para realizar suas
tarefas ela usa o trabalho com a seguinte estratégia:
em um determinado momento você prioriza uma coisa: ou você prioriza o
atendimento aqui, dentro da empresa, ou você prioriza lá, na fundação, na
creche, no conjunto. Então eu tenho por prática [...], dois dias da semana é mais
fundação e o restante eu fico aqui (M. P. A., 2007).
É uma situação em que a profissional se submete às determinações da empresa
e ainda busca formas e estratégias para bem desempenhar sua função. Assim, a assistente
social e a estagiária visam à valorização e o reconhecimento do trabalho profissional, por
meio de relações internas, com a própria empresa, como também com a universidade,
“espaço do conhecimento”, das teorias”, condição que pode assegurar a confirmação do
desempenho do profissional na empresa.
Dentre os programas e atividades desenvolvidos pela empresa, a profissional é
212
mais chamada a atuar na área de benefícios
143
, pela qual ela é responsável:
Esses benefícios envolvem: habitação, programas sociais [...] aos familiares dos
funcionários [...] no momento da necessidade de um direcionamento, de um
aconselhamento para determinadas ações, em busca de alguns de seus direitos
que estão dentro das Políticas Sociais que eles ainda não tenham conhecimento,
nós passamos essas orientações (M. P. A., 2007).
A assistente social tem autonomia profissional, afirma M. P. A. (2007) para
programar suas atividades, contudo, percebe-se que sua autonomia é relativa, pois a
imediaticidade, segundo necessidades e expectativas dos usuários, é determinante da sua
ação profissional. Não há um planejamento próprio do Serviço Social, existe uma
demanda [que é] do próprio usuário, do próprio funcionário, algumas são
criadas por eles, a gente percebe essa necessidade e programamos uma ação
para intervir naquela situação, sobretudo a questão da habitação é uma delas, em
relação ao conjunto [habitacional], alguns benefícios como a creche, o plano de
saúde, é o próprio funcionário que nos busca. Agora em relação a projetos
sociais que s executamos essa leitura já parte do Serviço Social (M. P. A.,
2007).
Também o número de estagiárias é reduzido. A empresa contava, no primeiro
semestre de 2007, com uma estagiária com vinte horas/semanais, recebendo bolsa
equivalente a um salário mínimo. Para este ano, 2008, a mesma empresa atualizou-se e
continua oferecendo uma vaga para estágio, no valor inferior a um salário mínimo e com
uma jornada semanal de quarenta horas.
A realidade dessa empresa reflete a de muitas outras que, em uma reação em
cadeia, ampliam suas atividades sem aumentar o quadro de pessoal. Contam com o
trabalho que o estagiário realiza sob orientação do profissional que, por sua vez, realiza os
projetos e programas de interesse da instituição, sem que haja solicitação ou indicação da
própria empresa. Para a supervisora, a “percepção [da necessidade da atuação] é quase que
conjunta. Mas o direcionamento para se atuar, para se desenvolver qualquer ação é
encaminhado para o Serviço Social, é daqui que parte” (M. P. A., 2007).
143
Dentre os projetos sociais que a empresa desenvolve M. P. A. (2007) destaca: “Vida Ativa, em parceria
com o SESI que vem substituir o Segundo Tempo, do governo federal, que trabalha o esporte e a educação
[...] [conta com] 200 crianças sendo atendidas”. A opção pelo desenvolvimento desses projetos foi uma
decisão do próprio Serviço Social, informou a profissional. Observa-se que a parceria com a instituição
patronal relacionada à área industrial, reproduz sob outra denominação, o programa do governo, de
atendimento em atividades esportivas e culturais a estudantes filhos dos funcionários da empresa, em seu
horário fora da escola.
213
A atual conjuntura do mundo do trabalho tem apresentado aos profissionais os
mais complexos desafios. O assistente social busca sua realização profissional no mundo
do trabalho e, ao fazê-lo, se depara com uma situação desafiadora, pois o mercado
demanda um profissional com atitude conservadora, que atenda à sua lógica, ao passo que
os documentos reguladores da profissão a Lei de Regulamentação da profissão, o Projeto
Ético-Político Profissional, e também as Diretrizes Curriculares, indicam o perfil de
profissional almejado e suas atribuições, o que supõe conhecimentos teórico-
metodológicos, ético-políticos e técnico-operativos reconhecidos e legitimados pela
categoria.
De acordo com Guerra (2007),
O assistente social [...] se realiza quando sua força de trabalho é vendida no
mercado por intermédio de determinadas condições e relações de trabalho,
meios e mediações tais como: um contrato (formal ou informal) que define as
bases nas quais se dará o exercício profissional do assistente social [...] estas
definem um tipo de relação que se estabelece entre o profissional e a instituição,
bem como determina as atividades/projetos para os quais é contratado, limita a
sua autonomia que será sempre relativa ao contexto sócio-histórico e à
capacidade estratégica do profissional (p. 6)
Nesse sentido, como parte do processo de atuação profissional do assistente
social, duas vertentes culturais, antagônicas, apresentam-se. Uma delas, que se ancora na
perspectiva marxista, sustenta o Projeto Ético-Profissional/1993 e as Diretrizes Curricuares
da ABEPSS/1996,
articula-se sobre a perspectiva de totalidade: a sociedade é apreendida como
uma totalidade concreta, dinâmica e contraditória, que se constitui de processos
que, eles mesmos, possuem uma estrutura de totalidade de maior ou menor
complexidade. A categoria da totalidade, nesta angulação, é simultaneamente a
categoria central da realidade histórico-social e a categoria nuclear da sua re-
produção teórica (NETTO, 1989a, p. 93).
Assim, a profissão busca orientação em um projeto profissional crítico, ou seja,
na perspectiva marxista, o que significa a possibilidade de construção permanente [...] do
profissional que conhece suas competências e imprime qualidade técnica às suas ações
com uma direção crítica clara e consciente” (GUERRA, 2007, p. 9). Dessa forma, resgata-
se o compromisso profissional com as camadas populares e os movimentos sociais.
A outra vertente vincula-se à lógica do mercado, em que
214
a totalidade é substituída por um simulacro, o ‘todo’, equacionado como
integração funcional de “partes” [...]. Estes saberes [...] são costurados pelo
racionalismo formal e incorporados pelo serviço social, em uma operação em
que este o refuncionaliza e rearranja conforme o seu objetivo profissional de
intervenção (NETTO, 1989a, p. 93 - 94).
A atuação profissional, portanto, norteia-se muito mais pelo ativismo do que
por um projeto ético-político profissional. É uma prática que ainda se ancora em teorias
conservadoras.
Essa realidade leva o estágio curricular a vincular-se a uma ou a outra posição,
conforme a escolha do supervisor do campo de estágio a quem quase sempre o estagiário
se submete. Muitas vezes, o estagiário deixa de cumprir os objetivos propostos para o
estágio para desempenhar atividades que lhe são atribuídas pelo supervisor profissional,
reforçando assim os projetos e programas de interesse do mercado, que se confrontam com
o projeto curricular do curso.
Dentre os cinco campos de estágio pesquisados, as assistentes sociais de três
deles informaram conhecer o projeto de formação profissional. Uma delas diz que o
conhecimento foi adquirido durante o período de faculdade; a outra informou que quando
trabalhava em outro campo de estágio o projeto foi apresentado em reunião; e a terceira
supervisora, também professora no curso, participou das reuniões para sua elaboração.
Com exceção da professora, o conhecimento a cerca do projeto curricular é superficial,
adquirido sem uma relação direta com o exercício da supervisão. As duas supervisoras que
desconhecem o projeto e, logicamente, as Diretrizes Curriculares da ABEPSS/1996, assim
se justificaram: “O que a gente conhece é o que discute com as meninas, as disciplinas que
elas estão fazendo, os estágios... os eventos externos que elas participam” (E. C. P., 2007);
ou, conforme C. S. (2007), “eu acho que não tive acesso nele ainda. Eu já tinha saído da
faculdade. Eu sei que houve mudanças, mas como ele está agora eu não sei, não”.
Essas informações confirmam certo desconhecimento por parte de alguns
supervisores em relação ao projeto do curso como ainda a pouca articulação das
supervisoras entre si, com os campos de estágio e com a universidade. Os conteúdos
ministrados na universidade são desvinculados da realidade dos campos de estágio e vice-
versa, pois a proposta da formação explicitada nas Diretrizes Curriculares da ABESS de
1996, no projeto pedagógico do curso e nos objetivos e propósitos do estágio, são
215
documentos que muitas profissionais dos campos de estágio não conhecem ou dele têm
uma informação superficial. De igual forma, poucos professores conhecem a realidade e os
propósitos dos campos de estágio, o que torna o estágio uma atividade fragmentada, sem
sustentação teórico-prática.
A expectativa do campo de estágio em empresa e da assistente social que
exerce a supervisão, em relação ao trabalho do estagiário, apresenta-se sob duas
perspectivas: como alguém que vai auxiliá-la no desenvolvimento de suas atividades e
como alguém que irá proporcionar-lhe e ao campo de estágio a atualização profissional.
Poucas supervisoras expressam preocupação com o processo de formação dos estudantes.
Para a assistente social da empresa M. P. A. (2007), a estagiária é
um agente também de transformação porque ele vem da área acadêmica, bem
próximo ao que está sendo discutido, ao que é novo e também às teorias antigas
que nós precisamos às vezes nos adequar [...]. Ele vem como um agente de
contribuição, de troca, ele não tem aquela visão... que carrega alguns vícios da
própria empresa. Ele tem a condição de fazer a leitura crítica e propor ações que
venham sanar determinados problemas que até então não tenhamos percebido.
A gente sempre espera essa proposta. (M. P. A., 2007)
Para ela, não diferença entre a sua expectativa e a da empresa. Conforme
discutido anteriormente e também mostrado no quadro 6, a profissional espera que a
estagiária lhe forneça atualização profissional pois “o estagiário vem da área acadêmica,
bem próximo ao que está sendo discutido”, mas também espera a contribuição para o
campo de estágio: “Ela [a estagiária] tem a condição de fazer a leitura crítica e propor
ações que venham sanar determinados problemas que até então não tenhamos percebido”
(M. P. A., 2007). Nota-se a preocupação de que estágio e empresa estejam em sintonia, que
haja afinidade entre a profissão, o curso e os interesses da empresa. Novamente nota-se a
identificação da profissional com a empresa, pois, em relação ao planejamento do estágio,
ela afirma:
todos os estágios são discutidos em uma reunião ampla, então se torna o meu
interesse, que estou diretamente ligada àquele estudante. Eu tenho condição de
mostrar à empresa a minha expectativa e ela apontar se essa expectativa
realmente [...] coincide com o que ela espera (M. P. A., 2007).
Ela própria informa que deve existir sintonia entre a sua expectativa e a da
instituição, pois assimilou como sua a expectativa institucional, pelo menos em relação
216
ao estágio. No tocante ao processo de formação profissional, ela não expressa nenhuma
expectativa sua ou da instituição, pois nada disse a respeito, é como se o estágio nada
tivesse a ver com o curso e nem com o projeto curricular do qual ele é componente.
Na instituição patronal, o estágio do Serviço Social difere em vários aspectos
da empresa, destacando-se o quantitativo de assistentes sociais e de estagiários. A
instituição contou, no segundo semestre de 2007, com dezesseis estagiários que atuavam
em cerca de cinco unidades diferentes, recebendo cada estagiário uma bolsa de um e meio
salários mínimos para vinte horas/semanais de estágio, aliás, esse estágio tem grande
demanda pelos estudantes que definem sua opção pelo campo de estágio após a seleção
dessa instituição.
A pesquisa foi realizada em uma das unidades, na qual atualmente, duas
assistentes sociais prestam serviços e uma terceira que exerce a coordenação da unidade,
em cargo administrativo. “Então, na época que eu fiz estágio [1992] eram cinco, daí caiu
para três. [...] Aí, quando entrei, [...] em 1993, era só uma”, informou C. S. (2007). O
número de profissionais é maior que na empresa, e esses profissionais atuam em funções
de coordenação/administração e na área operacional, no desenvolvimento de “quatro
programas: cultura, saúde, assistência e lazer”, conforme afirma C. S. (2007). São
programas
144
que envolvem atividades realizadas por assistentes sociais, de acordo com os
propósitos e as necessidades da instituição.
A indicação de atividades aos estagiários é feita pela equipe de profissionais
com a participação deles. Realiza-se uma avaliação segundo a aptidão e experiência
acumulada em relação aos programas e, com base nela, ocorre o encaminhamento às
diversas frentes, como assinala uma entrevistada.
[A] gente entra em um consenso. Com o grupo de estagiários: o que você tem
de conhecimento nisso. Então é legal você estar mais envolvido com essa frente.
Mas a gente volta a afirmar que a gente trabalha enquanto equipe, não é que eles
vão ficar só em uma atividade e esquecer as demais. Tem que haver essa troca
de conhecimento, que aí é que está a riqueza do campo (C. S., 2007).
144
A ação comunitária é uma proposta que [...] tem de ir na comunidade, dar acesso a alguns serviços [...]
trabalha com parcerias, as parcerias requerem um tempo para programar, para planejar [...] uma atividade]
mais interna [...], mais gerencial, da unidade [...]. A unidade tem uma coordenação que [...] sugere, a gente
[os técnicos] conversa, mas a gente ouve a coordenadoria e gerência”, declara C. S. (2007).
217
A instituição federal conta com duas assistentes sociais e duas estagiárias que
fazem estágio de vinte horas/semanais, com bolsa de um salário mínimo cada. Como nos
campos de estágio anteriores, os programas e/ou atividades
145
dos quais os estagiários irão
participar é definida em equipe, informa uma das assistentes sociais da Instituição (E. C.
P., 2007). Mas, “elas [as estagiárias] participam em todos os programas”. Por ser uma
instituição federal, segundo a assistente social, possibilidade de que, além das reuniões
técnicas e análise de projetos, as estagiárias participem de contatos que o campo de estágio
estabelece com as prefeituras das cidades do interior do Estado e do entorno. Trata-se de
uma atuação em que, com uma autonomia relativa, a assistente social desenvolve
estratégias políticas e mostra às estagiárias novas possibilidades, como atividades de
prefeituras do entorno e do interior do Estado. Ao realizar seu trabalho para promover
mudanças no saneamento básico e preservação ambiental, a assistente social mostra aos
prefeitos a importância do trabalho político
146
.
Assim, diz E. C. P (2007), o Serviço Social busca suprir
uma das coisas que elas sentem falta, [...] o fazer, o executar com a
população. Então, pelo menos quando a gente vai acompanhar [o trabalho,] [...]
elas vão [...]. E elas chegam eufóricas, elas chegam assim tive que fazer isso,
tive que fazer aquilo, mil idéias. É isso que enriquece o aprendizado delas [...]
quando chega o relatório elas terão visão crítica do que foi visto lá na prática,
na ponta.
No entanto, existem limites institucionais que tornam relativa a autonomia do
145
Destaca a profissional que as estagiárias participam de “reuniões cnicas, na elaboração de pareceres
técnicos... Então, sempre que chegam os relatórios ou projetos novos, nós sentamos [...] com o aluno do que
se trata aí elas já aprenderam a pegar o volume principal, que tem a proposta principal completa de
Engenharia, de trabalho social, com os alunos de recursos e tudo mais, elas montam [...] [um boneco] de
parecer, [...] a parte de análise é nossa, mas nós fazemos muito o exercício com elas de botar elas ali ao lado,
de sentar junto, folhear e ver o que está tendo de fragilidade naquela proposta” (E. C. P., 2007).
146
Para promover mudanças no saneamento básico e assegurar a preservação ambiental, a assistente social
atua nas prefeituras do entorno e do interior do Estado no sentido de mostrar aos prefeitos a importância em
“mobilizar pessoas, [...] e mostrar o que [...] está fazendo... Gente, montar cano por debaixo do asfalto nunca
eu tive reconhecimento [diz o prefeito], agora sei, vou levar o povo lá para ver a obra, vou mostrar que é
importante [...] não [...] deixar o lixo cair lá na boca de lobo, com relação a água [...] o benefício [...] da água
tratada [...]. Tem uns que saem daqui rindo [...] porque os dividendos políticos [...] ser[ão] maiores. [...]
esgoto, água, [...] não voto, o que voto é o asfalto e a casa. Então agora eles viram uma forma de dar
voto. Depende da [...] forma de persuasão que a gente desenvolve. Então a gente une ali a parte educativa
com os interesses políticos do gestor” (E. C. P., 2007). A assistente social tem uma autonomia relativa,
conforme ela mesma, o que permite ao estágio o conhecimento e a vivência de estratégias políticas da
atuação profissional.
218
Serviço Social ao propor sua ação. As diretrizes dos trabalhos desenvolvidos são traçadas
nacionalmente, de acordo com a política da instituição, que é fortemente hierárquica e nem
sempre tem o alcance sobre a área social e nem pessoal técnico suficiente e
disponibilizado, expõe a assistente social. A instituição “é um braço do governo federal
[...]. Nossa autonomia vai até aonde é possível” (E. C. P., 2007).
Com essa condição institucional, as estagiárias são supervisionadas por
assistente social, mas subordinadas a uma gerência geral, e à
gerência de serviços, que é de serviço técnico de Engenharia e de Trabalho
Social e tem uma gerência de operações que é a parte operacional desses
programas. Dentro dessas gerências tem várias supervisões [...] [a instituição em
Goiânia] é um braço do governo federal. Ela também não tem autonomia por si
só. [...] nossa autonomia vai até onde é possível (E. C. P., 2007).
Logicamente, o estagiário também segue essas orientações e acata a
subordinação hierárquica, vinculando-se à equipe interdisciplinar, que indica o
programa/atividade a ser realizada, pois os profissionais atuam em conjunto, tanto na
análise e supervisão de projetos, como no acompanhamento dessas atividades, informa E.
C. P., (2007). A instituição desenvolve ainda, afirma ela, por meio de “convênio com o
Ministério do Meio Ambiente, repasse de alguns materiais da área de educação ambiental
que também [as estagiárias] têm acesso”.
Para a assistente social, as estagiárias que atuam na instituição têm um
diferencial muito grande que é o interesse pelo estudo [...], o interesse pelo
aprendizado [...]. À medida que elas enriquecem os conhecimentos m
condições de contribuir melhor aqui dentro e futuramente serem profissionais
mais competentes” (E. C. P., 2007).
É interessante a reflexão da assistente social em relação ao interesse e
disponibilidade das estagiárias no processo de formação. Considera o engajamento, o
interesse e compromisso dos estagiários pelo trabalho, um diferencial no processo de
formação dos estudantes
147
.
147
Avançando um pouco mais e aprofundando sua reflexão, (E. C. P., 2007) traça um paralelo entre o
processo de aprendizagem diurno e noturno, pois as duas estagiárias que atuam estudam à noite. Diz a
assistente social: “eu tirei meu preconceito com relação ao curso noturno. [...] essas duas meninas que vieram
para agora, são muito interessadas. Elas querem ver tudo, elas devoram tudo, elas querem discutir tudo e
[...] a gente tem que dar conta do pique delas”. Informa ainda E. C. P. (2007) que, segundo a supervisora
219
Como a maioria das instituições campo de estágio, também a instituição federal
tem uma expectativa em relação ao trabalho dos estagiários, afirma E. C. P. (2007), e
espera que o estagiário
trabalhe dentro daquela área específica de atuação técnica, em apoio ao
profissional técnico. [...] [Os estagiários] da área técnico-social dão o apoio para
nós na organização dos documentos, nos processos, no entendimento do
começo, meio e fim do processo que [...] é importante para eles.
Segundo a assistente social, o envolvimento dos estagiários nos procedimentos
técnico-administrativos, ou como ela mesma declara, na “organização da papelada”,
contribui para o processo de formação, pois, à medida que digitam pareceres, abrem
processos, lêem a documentação, e passam a “compreender o processo, discutir conosco,
perguntar de recursos, fazer a ata, todos eles saem sabendo isso” (E.C. P., 2007).
na instituição estadual, são desenvolvidos programas de assistência social do
governo do Estado, e os estagiários atuam com os assistentes sociais de Goiânia, nos
programas de governo que contam com o expressivo número de estagiárias, dezesseis,
umas com bolsa de estágio, outras não. O critério de acesso à bolsa de estágio, cujo valor é
de um salário mínimo, é o famoso QI (quem indica), forma clientelista que ainda figura
não só na sociedade goiana, como também nos campos de estágio, sobretudo aqueles
ligados à rede estadual e que oferecem a bolsa. A profissional que supervisiona a
instituição estadual é também professora do curso, acumulando a dupla supervisão:
didática e profissional
148
. Considera que as mudanças de governo influenciam a
programação e o desenvolvimento do trabalho dos assistentes sociais. Segundo sua
avaliação, ao final dos anos 1980, houve a unificação da política da assistência em uma
fundação que, no ano seguinte, 1990, com a mudança de governo, foi substituída por “uma
Secretaria de Administração Direta. [Aquele governo] congela os salários por dois anos e
deixa os programas [sociais] todos morrerem por inanição, foi tirando os técnicos, não foi
investindo e tudo foi diluindo”. (S. P. P., 2007). Com o próximo governo, novamente
foram divididos os programas por políticas sociais. “Aí, fragmentou tudo de novo”, diz ela.
acadêmica, o perfil dessas estagiárias é exceção em relação ao restante da turma, “não precisa ficar muito
animada não, porque elas são exceções”.
148
A assistente social S. P. P. (2007) trabalha na área da assistência social do Estado mais de trinta anos.
Acompanhou várias políticas de governo, bem como as mudanças ocorridas na política social, pois cada
governo realizava uma mudança, diz ela.
220
O momento histórico e o avanço do ideário neoliberal, segundo ela, não influenciam a
determinação dessas mudanças que decorrem “exatamente de um gestor que tinha uma
visão técnica [o que unificou a política da assistência]. E vem um outro [que a
fragmenta] que tem só uma visão politiqueira” afirma (S. P. P., 2007).
Seu cargo na instituição dá-lhe autonomia para indicar/encaminhar os
estagiários às frentes de estágio, as quais, ela diz, busca ampliar. Assim, as estagiárias são
inseridas em programas
149
que, segundo S. P. P. (2007), a Instituição “ainda executa de
forma errada”.
Os programas e atividades que as estagiárias desenvolvem são indicados pela
supervisora e acompanhados pelas profissionais que coordenam essas atividades. A
Instituição ignora a vinculação da estagiária com a supervisão e com a universidade, e não
reconhece a supervisora como responsável pelo trabalho de estágio ali realizado
150
. A
vinculação hierárquica das estagiárias é com o setor de recursos humanos (RH) da
instituição. Considera-se
o aluno quase como o funcionário. [...] A expectativa deles [da Instituição] é de
uma mão-de-obra barata mesmo, de tratar o estagiário como funcionário. Eles
não estão nem sabendo da nova lei do estágio que o estagiário não pode ser
tratado dessa forma, até porque não tem vínculo empregatício (S. P. P., 2007).
A idéia de que a exploração do trabalho do estagiário ocorre em empresas, e
que nas instituições públicas isso não acontece, ou melhor, sua incidência é menor, é
negada na fala de S. P. P. (2007). A instituição estadual busca também a mão-de-obra do
estagiário pelas vantagens que ela apresenta. A sua própria vinculação à RH e não ao setor
149
Dentre os programas/atividades, destaca a secretaria que “tem uma unidade [...] com idosos; ela tem um
abrigo de criança e adolescente que tem que passar para o município [...]; ela tem a unidade de adolescentes
em conflito com a lei, presos lá, por medida de privação de liberdade; tem o PPC [que] ainda é executado
[...]; tem o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PET) [...]; Programa do Jovem Cidadão que
também vai ser municipalizado; .... Então é assim, estou tentando, invadindo os espaços onde a [...]
[instituição] tem atuação ainda para que os alunos possam estar conhecendo. (S. P. P., 2007). Além dessas
atividades, são realizadas “oficinas educativas com todos os adolescentes que [lá] trabalham [...] é sobre
sexualidade, drogradição, com enfoque de saúde [...], com os profissionais, assistentes sociais da saúde”, diz
ela.
150
“Hoje mesmo eu tenho reunião com a chefe [do RH), [...] a que cuida da mobilização de pessoas, para
dizer para ela que eu sou a supervisora [...] que qualquer mudança de aluno e qualquer problema com questão
de licença de aluno, ela realmente recorra a mim, porque eu estou sabendo da realidade do aluno, [...] que eu
estou acompanhando o aluno mais de perto. [...] Também nunca foi feito esse trabalho, [...] no sentido do
supervisor ter essa aproximação com RH para assegurar [...] direitos [de estagiários]”, afirma S. P. P. (2007).
221
de Serviço Social já confirma essa posição.
Sua expectativa pessoal, afirma S. P. P. (2007), é “assegurar que o estágio
tenha um papel bem definido dentro, no sentido da instituição saber que o [seu] papel
[...] é favorecer o aprendizado do aluno”. Para conseguir seu intento, ela busca maior
proximidade com o gestor da instituição. Em outras épocas, “a gente conseguiu fazer isso.
Agora a gente vai tentar de novo, mostrar que o estagiário é importante, que a instituição
tem um papel importante também, no sentido de favorecer esse aprendizado” (S. P. P.,
2007).
A instituição municipal desenvolve a política da assistência no município de
Goiânia
151
. Seus estagiários estão distribuídos em diversos Centros de Referência de
Assistência Social (CRAS), nos quais eles se inserem nos programas e atividades ali
desenvolvidos. A unidade do CRAS na qual foi realizada a pesquisa conta com duas
assistentes sociais e duas estagiárias. Não bolsa de estágio para as estagiárias ou
qualquer outra forma de compensação, como vale transporte ou vale alimentação.
Como na instituição estadual, a assistente social da secretaria municipal
participa da indicação de atividades às estagiárias e busca “encaixar as estagiárias em todos
os programas” (R. C. V., 2007).
A orientação às estagiárias “do que fazer” no campo de estágio, programas e
atividades
152
é da competência da equipe que coordena o CRAS: assistente social,
151
A política de assistência municipal era até então, desenvolvida pela Fundação Municipal de Assistência
Social (FUMDEC) que passou a Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS), em 2007. Contudo,
ela ainda mantém a estrutura anterior para o desenvolvimento de seus programas. Sua atuação é voltada aos
diversos bairros da periferia, por meio dos CRAS. Conta atualmente com 26 centros de referência, espaço no
qual os estagiários desenvolvem os estágios. O processo de passagem de fundação para secretaria municipal
trouxe novo alento aos profissionais que atuam na perspectiva de realização de um trabalho mais
reconhecido, valorizado e de maior credibilidade que pode contribuir até mesmo com um melhor
desenvolvimento do estágio. O processo de transição de fundação para secretaria, porém, ainda não
possibilitou vislumbrar os rumos da assistência social na instância municipal, informa R. C. V. (2007).
152
Segundo a assistente social, as estagiárias participam de “reuniões com idoso, reuniões de bolsa família,
as visitas domiciliares... Então a gente procura mostrar o leque de todas as atividades: é reunião, é visita
domiciliar, é palestra ... Elas estão dentro desse cadastro único do Benefício de Prestação Continuada para
que saia daqui sabendo fazer já um parecer... preencher ficha... para [...], lá na frente, não saber nem conhecer
uma ficha, e aí, como que eu faço. [...] quem não fizer um trabalho bom é porque não quer, todo o material,
todos os livros atualizados nós temos p/ oferecer p/ elas. [...] Aqui não falta material, o que falta a gente
compra” (R. C. V., 2007).
222
psicóloga, fonoaudióloga, professoras e outros, pois “aqui a gente faz de acordo com os
profissionais, a gente tenta colocar dentro daquilo que a gente acha que é melhor” (R. C.
V., 2007). Considera ainda a assistente social ser necessário um trabalho em
nível das famílias, [...] um projeto de intervenção em nível do adolescente, do
deficiente, da criança, do adulto, então o que nós queremos [...] um] trabalho
[...] com a família... O PAIF é um programa integrado da família, então s
queremos, [...] agora, fazer frente a isso (R. C. V., 2007).
É lógico, as instituições têm uma expectativa em relação ao trabalho das
estagiárias, mas a assistente social não conseguiu explicitar qual seja. Está muito ansiosa,
tanto ela como as demais profissionais daquele CRAS, em relação aos rumos da Instituição
agora como secretaria:
Eu acho que nós vamos ter que ouvir a fala dos responsáveis [para saber da
expectativa], quem vai ser a equipe que vai estar porque não vai adiantar ser
Secretaria se os que estiverem não tiverem essa visão. Mas eu acredito
que, agora, nós não podemos deixar que retroceda, nós temos que querer uma
Secretaria atuante, uma Secretaria de posição mesmo, na área da Assistência
Social [...]. Nós temos que fazer [...]. A Secretaria tem que dar conta de cumprir
com essa missão dela (R. C. V., 2007).
A assistente social mostra-se entusiasmada com a criação da Secretaria
Municipal de Assistência Social. Como uma profissional efetiva, com mais de trinta anos
de casa, ela alimenta um sonho, uma esperança de que, com os colegas e estagiários, possa
tornar-se protagonista, sujeito no processo histórico:
eu vivi 34 anos de FUMDEC. Não quis me aposentar enquanto não fosse
Secretaria de Assistência Social para eu ver [...] [esses] dois momentos: um
antes e um agora, como secretaria. [É um] divisor de águas, porque eu acho que
como secretaria nós vamos ter um peso muito maior [...]. Mas eu acredito que,
agora, nós não podemos deixar que retroceda, nós temos que querer uma
secretaria atuante, uma secretaria de posição mesmo... na área da assistência
social [...]. Nós temos que fazer... gente, a secretaria tem que dar conta de
cumprir com essa missão dela (R. C. V., 2007).
A supervisora espera que, com a passagem de fundação para secretaria, haja mudanças em
relação ao trabalho do Serviço Social e do estagiário, possibilitando sua realização em um novo patamar,
“senão cai por terra toda filosofia do trabalho social” (C. V. R., 2007). Para ela, apesar de o novo gestor ainda
não ter se manifestado a respeito da condução da pasta, haverá mais credibilidade no trabalho dos
profissionais e também dos estagiários. Afirma C. V. R. (2007):
Nós ainda não tivemos uma fala com o novo secretário, mas a gente acredita
que agora tudo mudou. [...] vai ser a hora do estagiário realmente trabalhar,
223
atuar, fazer os concursos e já ficar dentro [da instituição], ser utilizado como
mão-de-obra qualificada dentro da própria secretaria.
Apesar da expectativa da assistente social, a realidade sócio-econômica-
política e cultural da sociedade brasileira, nos marcos do neoliberalismo, ameaça sonhos e
esperanças de muitos brasileiros, incluindo os assistentes sociais. A instituição assumir
uma outra dimensão, não significa, necessariamente, que ocorrerão as mudanças
necessárias e esperadas. O declínio de uma certa modalidade de bem-estar social nos dias
atuais é inegável, provocando o refluxo dos direitos sociais e tornando os trabalhadores da
instituição municipal desejosos e confiantes na mudança institucional, apesar de
apreensivos em relação aos seus rumos.
Como bem lembra Braga (2004), nos dias atuais a esperança é ameaçada pela
inquietação, pois
os sinais dados na área social promovem grandes inquietações, porque não
apontam uma ruptura com os pressupostos dos governos [...]. Nesse cenário,
mais do que nunca os assistentes sociais têm que estar articulados em torno do
projeto profissional, defendendo a publicização das políticas sociais e a
universalização do acesso aos direitos sociais e dos princípios da justiça social,
liberdade e a centralidade na democracia enquanto socialização da riqueza
socialmente produzida (p. 11).
Para as instituições campo de estágio, o estagiário ainda é considerado e
utilizado como mão-de-obra de baixo custo, apesar do discurso da formação profissional
de muitos.
O estágio tem um papel fundamental para estabelecer uma relação entre
processo de formação e processo de trabalho. “Ele articula ao mesmo tempo os três agentes
sujeitos da formação profissional: o aluno estagiário, o supervisor de campo e o supervisor
acadêmico docente”, assinala Reis (2004, p. 18). E mais, envolve o projeto profissional dos
assistentes sociais e o processo de formação profissional, expressos no Código de Ética
(CEFESS/CRESS, 1993), Lei de Regulamentação da Profissão (BRASIL, 1993) e nas
Diretrizes Curriculares (BRASIL, 1996). Contudo, o estudo veio mostrar que, nessa
articulação, nem sempre esses elementos são buscados e/ou assumidos pelo conjunto dos
profissionais. Muitos se situam ainda em processos anteriores, de viés conservador,
realizando o exercício profissional e orientando o estágio para o ativismo, para o
atendimento imediato das demandas profissionais, com o risco de reproduzir e repetir
224
práticas já superadas, conforme os documentos da profissão.
Assim o movimento que é realizado no processo de formação por meio do
estágio, articula duas instâncias: a) a universidade, pelo curso que oferece e pelo estágio; b)
o mercado de trabalho profissional, pelo campo de estágio. É um movimento que pode
fortalecer ou não o projeto político da categoria e o processo de formação profissional, pois
nele se entrelaçam elementos e condições que determinam e são determinantes nessa
relação/articulação, dentre eles,
visões de homem e mundo, [...] ideologias, formas de agir, sancionadas pelo
modo de produção/reprodução capitalista ou que visam uma crítica a ele, ou
seja, por projetos profissionais que têm uma vinculação com projetos coletivos
conservadores ou progressistas, tenham os seus protagonistas consciência ou
não disto (GUERRA, 2007, p. 8 - 9).
Contudo, a articulação universidade e mercado de trabalho profissional
apresenta-se frágil. Ela sofre os efeitos das condições e das relações entre as duas
instâncias, tendo em vista a realidade específica de cada uma e o contexto sócio-
econômico, político e cultural em que elas se inserem. Assim que se considerar alguns
aspectos nessa relação, como os que se seguem.
As reconfigurações no mundo do trabalho ocorreram em virtude do avanço do
neoliberalismo no Brasil e no mundo. Essas mudanças alcançam as profissões em geral e,
logicamente, também o Serviço Social. Dentre elas destacam-se: a minimização do Estado
brasileiro e a ampliação do mercado na área social, as novas e complexas relações entre
Estado e sociedade civil, no estabelecimento e redimensionamento das políticas sociais
com medidas focais e paliativas de combate à pobreza. Como exemplo, pode ser citado o
avanço do terceiro setor, do voluntarismo, das redes sociais de proteção e outros, novas
modalidades na contratação como também novas formas de seleção do trabalhador.
As mudanças do mercado impõem novas exigências a todos os trabalhadores,
independentemente de categoriais profissionais e de instituições, para manterem-se em
condições de acesso e de permanência no trabalho.
Verifica-se a dissociação entre as duas supervisões de estágio: a do profissional
do campo e a do docente. Esses profissionais trabalham de forma independente em termos
225
de conteúdos teórico-metodológicos e técnico-operativos, contudo, falta a articulação entre
eles para assegurar o não fracionamento do processo de formação ou a maior ou menor
valorização de uma dimensão em detrimento da outra.
Amplia-se a imediaticidade no cotidiano do trabalho de muitos assistentes
sociais que, ao assumirem a supervisão, transmitem aos estagiários a base teórico-
metodológica de vertentes conservadoras que orientam sua atuação profissional.
As saídas para essa situação estão descritas no projeto político-pedagógico do
Curso (UCG/SER 1999), nas Diretrizes Curriculares da ABEPSS/96 (ABEPSS, 1996), no
Código de Ética Profissional (Brasil, 1993), na Lei de Regulamentação da Profissão
(BRASIL, 1993) e no aporte jurídico-legal de cada política social.
Como ponto central da discussão, determinante nesse processo, indaga-se:
a) É possível buscar formas para o rompimento e enfrentamento das questões
apresentadas?
b) existe clareza e vontade política dos atores envolvidos no estágio em “fazer
valer” os propósitos contidos nesses documentos, em especial os que regulamentam a
formação e o exercício profissional?
Com base na pesquisa realizada e buscando conhecer quem são as assistentes
sociais que exercem a supervisão nos campos de estágio foi elaborado o perfil dos atores
que mais diretamente participam do estágio: supervisoras dos campos de estágio,
professoras supervisoras e estagiárias
153
. Nesse aspecto, foi considerado não a amostragem
proposta, mas o universo dos supervisores dos campos de estágio, ou seja todas as
supervisoras dos campos de estágio, como também da universidade. Assim, foi possível a
apreensão e o conhecimento da realidade das supervisoras que participam do processo de
formação e também das estagiárias.
153
Convém lembrar que exercem a supervisão de estágio tanto nas instituições que oferecem estágio como na
universidade, entre os docentes supervisores, apenas profissionais do sexo feminino. Em nenhum dos campos
localizamos a figura masculina nessa função. Também entre os estagiários, por ocasião da coleta de dados
apenas a presença feminina se fez representar.
226
Trata-se de perfis profissionais diversificados, como diferenciada é a atuação e
a atitute delas frente à profissão, individual e coletivamente. Assim, observa-se, no tocante
a estado civil, idade, ano da graduação, pós-graduação, tempo de trabalho na instituição e
outros aspectos.
Tabela 10 – Estado civil das supervisoras dos campos de estágio e professoras supervisoras
do Curso de Serviço Social da UCG. Goiânia – 2007
Supervisoras doscampos de
estágio
Professoras supervisoras
ESTADO CIVIL
%
%
Solteira 4 16,6 2
18,2
Casada ou c/ companheiro 15 62,6 7
64,6
Separada / Divorciada 3 12,5 1
9,1
Viúva 2 8,3 1
9,1
T O T A L 24 100,0 11
100,0
Fonte: Pesquisa realizada em Goiânia, no segundo semestre de 2007.
Percebe-se que a maioria das supervisoras, tanto as dos campos de estágio
(62,6%), quanto as docentes (64,6%), é casada, sendo pequeno o índice nas demais
alternastivas, conforme pode ser visto na tabela 10. Apenas 18,2% das professoras
supervisoras e 16,6% das supervisoras dos campos de estágio são solteiras.
Tabela 11 – Faixa etária das supervisoras dos campos de estágio e professoras supervisoras
do Curso de Serviço Social da UCG. Goiânia – 2007
Fonte: Pesquisa realizada em Goiânia, no segundo semestre de 2007.
Em relação à faixa etária (tabela 11), observa-se que a maior concentração
ocorre na faixa de mais de 60 anos de idade, com o índice de 45,4%, o que significa que
são professoras mais idosas, com maior experiência acadêmica e mais tempo de contrato
Supervisoras dos campos
de estágio
Professoras supervisoras
FAIXA ETÁRIA
% %
Menos de 30 anos 2 8,2 - -
De 30 a 34 anos 2 8,2 1 9,1
De 35 a 39 anos 4 16,6 1 9,1
De 40 a 44 anos 3 12,5 - -
De 45 a 49 anos 3 12,5 - -
De 50 a 54 anos 4 16,6 2 18,2
De 55 a 59 anos 3 12,5 2 18,2
De 60 anos a mais 3 12,5 5 45,4
T O T A L 24 100,0 11 100,0
227
na UCG. Dentre as supervisoras do campo de estágio apenas 12,5% apresenta essa idade.
Não se percebe uma concentração significativa, em determinada faixa etária. Duas
supervisoras profissionais (8,2%) têm idade inferior a 30 anos, as mais novas do grupo. O
maior índice entre as supervisoras dos campos de estágio (16,6%), concentra-se nas faixas
de 35 a 39 anos e de 50 a 54 anos de idade.
Tabela 12 – Ano da graduação das supervisoras dos campos de estágio e professoras
supervisoras do Curso de Serviço Social da UCG. Goiânia – 2007
Supervisoras dos
campos de estágio
Professoras
Supervisoras
Ano da Graduação
% %
2004-2005 3 12,5 - -
2002-2003 3 12,5 1 9,1
1996-1997 1 4,2 - -
1992-1993 3 12,5 1 9,1
1990-1991 2 8,2 1 9,1
1988-1989 1 4,2 - -
1986-1987 2 8,2 1 9,1
1984-1985 1 4,2 - -
1982-1983 1 4,2 - -
1980-1981 1 4,2 1 9,1
1978-1979 - - 1 9,1
1976-1977 3 12,5 1 9,1
1974-1975 1 4,2 - -
1972-1973 - - 1 9,1
1970-1971 1 4,2 2 18,1
Antes de 1970 1 4,2 1 9,1
TOTAL 24 100.0 11 100.0
Fonte: Pesquisa realizada em Goiânia, no segundo semestre de 2007.
A diferença entre as supervisoras não se refere apenas à faixa etária, mas
significa também épocas e projetos curriculares de formação diversos
154
. A tabela 12
possibilita a constatação de que 66,5% das supervisoras dos campos de estágio e 36,4% das
professoras supervisoras concluíram suas graduações após a revisão curricular de 1984,
154
Em Goiânia, conforme visto, as duas últimas revisões curriculares que culminaram com o processo de
formação ancorado na vertente marxista, na busca de superação, também no âmbito da formação profissional,
com os processos teórico-metodológicos que buscavam o ajustamento social, o equilíbrio e a harmonia da
sociedade, ocorreram em 1984, com o currículo mínimo de 1982 e, em 1999, com Diretrizes Curriculares da
ABEPSS/1996.
228
portanto, essas supervisoras tiveram uma formação profissional conforme projetos
curriculares que propunham a ruptura com as vertentes conservadoras na profissão.
A tabela 13 mostra que as supervisoras de estágio, tanto nos campos de estágio
quanto na universidade, têm buscado a pós-graduação. Dentre os cursos de pós-graduação
realizados pelas profissionais dos campo de estágio, prevalecem os cursos lato sensu, com
o índice de 36,2%. Na modalidade stricto sensu – doutorado são 22,9%, e mestrado,
13,5%. O número de supervisoras profissionais com formação na modalidade stricto sensu,
expressa o envolvimento de professoras convidadas (duas) e efetivas (duas) que acumulam
a docência com outro trabalho no qual exercem a supervisão e, também, com supervisão
profissional em programas de extensão. Apenas uma profissional com doutorado não tem
algum vínculo com a universidade.
Tabela 13 A pós-graduação realizada por supervisoras de estágio e professoras
supervisoras do Curso de Serviço Social da UCG. Goiânia – 2007
Supervisoras dos campos de estágio Professoras supervisoras
Doutorado
155
Mestrado Especializ.
Doutorado Mestrado Especializ.
PÓS-
GRADUAÇÃO
% Nº % % % %
%
cursando 4 18,4 - - - - 1 9,1 - - -
-
2006-2007 1 4,5 1 4,5 1 4,5
- - 1 9,1 -
-
2004-2005 - - 1 4,5 - - - - 2 18,2
-
-
2000-2001 - - 1 4,5 1 4,5
- - 1 9,1 -
-
1998-1999 - - - - - - - - - - -
-
1994-1995 - - - - 2 9,2
- - - - - -
1990-1991 - - - - 1 4,5
- - - - - -
1988-1989 - - - - - - - - - - - -
1986-1987 - - - - 1 4,5
- - - - 1 9,1
1980-1981 - - - - 1 4,5
- - - - 4 36,4
Antes 1970 - - - - 1 4,5
- - - - -
-
TOTAL 5 22,9 3 13,5 8 36,2
1 9,1 4 36,4
5 45,5
Fonte: Pesquisa realizada em Goiânia, no segundo semestre de 2007.
Obs.: 1. Cursaram a graduação: seis supervisoras profissionais (27,4%) e uma professora (9%).
2. Considerou-se, nos dados da presente tabela, apenas a pós-graduação mais recente.
A LDB (Brasil, 1996)
156
estabelece, em seu artigo 52, que o corpo docente das
155
Dentre as supervisoras de campo de estágio, cinco são também professoras do curso e exercem dupla
supervisão, sobretudo em programas de extensão, o que explica o índice, indicado na tabela 13 de
significativo número de supervisoras de campo de estágio com mestrado e doutorado. Exceto as professoras,
apenas uma supervisora dos campos de estágio tem doutorado o acadêmico, realizado na Universidade
Federal de Goiás (UFG) e seis têm apenas a graduação em Serviço Social.
156
Art. 52. As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de
nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por:
229
universidades seja composto por, no mínimo, um terço de professores com titulação de
mestre ou doutor. No Curso de Serviço Social, a maioria das professoras supervisoras
(45,5%) são especialistas. Uma doutoranda é professora no quadro efetivo da instituição, e
todas as 36,4% das mestres, são professoras convidadas, com contratos temporários na
UCG.
As supervisoras didáticas têm uma experiência em supervisão acumulada
mais tempo, década de 1970 (36,4%) e década de 1980 (9,1%), totalizando, nessas duas
décadas 45,5%. As supervisoras profissionais, que assumiram a atividade a partir dos anos
2000 totalizam 58,4% e 37,6% começaram experiência mais recentemente, nos anos de
2006-2007, conforme mostra a tabela 13. A diversidade observada entre supervisores dos
campos de estágio e docentes supervisores em relação à data de ingresso na instituição e de
exercício da supervisão de estágio mostra que, tanto na universidade quanto no mercado de
trabalho, diferentes práticas de supervisão, o que acarreta encaminhamentos teórico-
metodológicos, segundo a compreensão ético-política, teórico-metodológica e técnico-
operativa de cada uma, em decorrência do processo de formação vivenciado. São
diferentes condições de conhecimento profissional, de vida e de trabalho.
A tabela 14 mostra a grande oscilação na supervisão de estágio, em relação ao
ano de ingresso na universidade e na atividade. As profissionais que foram contratadas
após 1990, são professoras temporárias, com instabilidade no trabalho, pois o ximo que
podem permanecer na instituição é por dois anos.
Apenas duas assistentes sociais (8,2%) trabalham nas instituições campo de
estágio há mais de trinta anos, e, entre as professoras quatro (36,4%). Prevalecem como
supervisoras dos campos de estágio profissionais contratadas mais recentemente, ou seja, a
partir da década de 1990 e dos anos 2000, (62,1%), realidade semelhante a das professoras
(63,6%) que, a partir da década de 1990, a UCG contratou para a supervisão de estágio
(tabela 14). Esses dados evidenciam a necessidade de pessoal no curso, o que é suprido
[...] IIum terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado” (Brasil,
1996).
230
pelas professoras convidadas desde 1990
157
. A partir dessa data, os professores do Curso
de Serviço Social são convidados para contratos temporários, de acordo com a nova ordem
do mercado, que se apóia nos fundamentos neoliberais.
Tabela 14 Ano de ingresso das supervisoras de estágio e professoras supervisoras na
instituição e ano em que iniciaram a supervisão de estágio. Goiânia – 2007
Supervisoras dos campos de estágio
Professoras supervisoras
Ano de ingresso na
instituição
Ano do ingresso
na supervisão
Ano de in
gresso na
instituição
Ano de ingresso
da supervisão
Início na
instituição e na
supervisão
% % %
%
2006-2007 4 16,6 9 37,6 2 18,1 3 27,2
2004-2005 2 8,2 - - - - - -
2002-2003 1 4,1 3 12,5 - - - -
2000-2001 1 4,1 2 8,3 1 9,1 1 9,1
1998-1999 3 12,5 5 20,9 - - - -
1996-1997 6 - 3 12,5 1 9,1 1 9,1
1994-1995 3 12,5 1 4,1 1 9,1 1 9,1
1990-1991 1 4,1 - - 1 9,1 - -
1986-1987 - - - - 1 9,1 1 9,1
1982-1983 1 4,1 - - - - - -
1978-1979 1 4,1 1 4,1 1 9,1 1 9,1
1976-1977 - - - - 1 9,1 1 9,1
1974-1975 1 4,1 - - 1 9,1 1 9,1
1972-1973 - - - - 1 9,1 1 9,1
TOTAL 24 100, 24 100, 11 100, 11 100,
Fonte: Pesquisa realizada em Goiânia, no segundo semestre de 2007.
A garantia da realização do estágio segundo o projeto político-pedagógico do
curso depende, em grande parte, do conhecimento e da adesão das professoras
supervisoras, das supervisoras dos campos de estágio e das estagiárias à sua proposta e à
articulação entre às duas supervisões, conforme prevê o Projeto Político-Pedagógico do
SER/1999. Esses elementos viriam assegurar e qualificar o aprendizado, possibilitando
maior articulação teoria e prática e maior troca de conhecimentos e experiências entre
mundo do trabalho e universidade.
157
Em 1990 a UCG realizou a última seleção para professores efetivos no Curso de Serviço Social. A partir
de então, o Departamento de Serviço Social vem trabalhando com professores convidados, isto é, com
contratos de trabalho temporário, conforme a política adotada pela instituição. Nessa condição, os professores
convidados permanecem no máximo dois anos no curso, podendo ser recontratados após seis meses. Ao que
tudo indica, as transformações societárias que atingem o mundo do trabalho foram bem aceitas pela
universidade que, em vista de sua própria natureza particular e filantrópica aderiu a essa nova forma de
contratação, que significa mais lucro e menos despesa. Essa é uma adesão que tem provocado a precarização
do trabalho o que, nem sempre, assegura a qualidade do serviço realizado, no caso da UCG, a qualidade no
processo de formação. A análise a partir da tabela 14 mostra que a maioria das professoras têm mais tempo
de UCG e mais experiência acadêmica, pois salvo raríssimas exceções, docentes com mais idade assumem o
contrato temporário como professoras convidadas.
231
Como assegurar o desenvolvimento do estágio com qualidade, segundo o
projeto curricular do curso quando 54,5% das professoras supervisoras atuam na condição
de convidadas?
Tabela 15 – Forma da seleção das supervisoras dos campos de estágio e professoras
supervisoras do Curso de Serviço Social da UCG, Goiânia – 2007
Supervisoras dos campos de estágio
Empresa/
ins.privada
Instituição
patronal
Instituição
federal
Instituição
estadual
Instituição
municipal
Professora
Total
Instituições
Formas
de seleção
% % % % % % %
Concurso Públ.
2 11,7
- - 3 100
2 33,3
2 40 1 14,3
10 25,6
Curriculum vitae
7 41,2
- - - - 1 16,7
1 20 2 28,5
11 28,2
Entrevista
8 47,1
- - - - 2 33,3
- - 3 42,9
13 33,4
Indicação
- - - - - - 1 16,7
1 20 1 14,3
3 7,7
Outros*
- - 1**
100
- - - - 1**
20**
- - 2 5,1
TOTAL 17 100,
1 100,
3 100,
6 100,
5 100
7 100,
39 100,
Fonte: Pesquisa realizada em Goiânia, no segundo semestre de 2007.
* Um dos campos de estágio refere-se ao Conselho Tutelar, no qual os conselheiros o eleitos, condição
da assistente social.
** Contratado por meio do estágio.
É interessante observar (tabela 15) que as instituições federais contratam as
profissionais por concurso, o que não se observa nos demais campos de estágio. Na
instituição estadual, apenas 33,3% foram concursadas, as demais foram selecionadas por
curriculum vitae, entrevista e até por indicação, instrumentos que possibilitam o
subjetivismo, pois não deixam claros os critérios adotados. Situação similar pode ser
observada nas instituições municipais, em que 40% das profissionais foram concursadas e
as outras tiveram acesso ao trabalho por meio de curriculum vitae, indicação e seleção com
base no estágio curricular. Nos últimos anos, o estágio constitui instrumento de seleção de
pessoal. Também na instituição patronal, a seleção é feita com base no estágio, conforme
depoimento da assistente social: “Por ter sido estagiária fui convidada. A outra assistente
social que atua [...] [na instituição] também foi estagiária” (C. S., 2007). O estágio então
pode ser visto, na perspectiva do mercado, como um instrumento que facilita e torna mais
eficiente o processo de seleção e recrutamento de pessoal como também o treinamento que
ocorre por meio dele. Nesse sentido os campos de estágio contam com o incentivo das
agências de intermediação: IEL, CIEE e outras. Na área privada na qual se inclui também
as empresas, a seleção de pessoal também se concentra em elementos subjetivos. Segundo
a Tabela 15, apenas 11,7% dessas instituições fizeram concurso para seleção de assistente
232
social. As demais submeteram-se a entrevista e/ou apresentaram curriculum vitae.
Conforme a perspectiva neoliberal, o mundo do trabalho nos países capitalistas
vem sofrendo uma série de transformações que, no Brasil, se manifestaram, com maior
intensidade, a partir dos anos 1990. Contrata-se pessoal por indicação, avaliação de
curriculum vitae, entrevistas e outras formas que não asseguram nem a transparência no
processo de seleção nem a estabilidade do trabalhador.
Aliás, a lógica mercadológica perpassa até mesmo os serviços sociais e as
políticas sociais, impondo uma outra racionalidade que tem (re)orientado o exercício
profissional, com concepções de eficácia, eficiência, produtividade, competência,
conforme aquela gica, ou seja, de acordo com as exigências e necessidades do mundo
burguês (GUERRA, 2007). Tal realidade interfere em vários aspectos no perfil dos
profissionais, incluindo aqueles que exercem a supervisão de estágio, nos campos de
estágio e nas universidades, como também no perfil dos estagiários que, em alguns casos,
priorizam essa lógica em detrimento dos princípios orientadores da formação profissional.
Esses dados equivalem a alguns dos aspectos do perfil das profissionais dos
campos de estágio e da universidade que desenvolvem a função de supervisoras. Pelo ano
de graduação das assistentes sociais e pelo projeto curricular cursado, avalia-se que muitas
delas foram alunas de algumas das professoras da universidade que exercem a supervisão,
elemento que pode facilitar ou dificultar a relação entre as profissionais.
as estagiárias do curso são estudantes que fizeram pelo menos dois anos do
curso, pois o estágio tem início a partir do quinto período, conforme programação
curricular. Elas são predominantemente do sexo feminino
158
e apresentam faixa etária bem
diversificada, conforme mostra a tabela 16. Prevalecem estudantes com idade mais
avançada, ou seja, de 23 a 52 anos. Não há uma grande concentração em determinada faixa
etária, pois 31,8% delas têm entre 23 a 28 anos, seguido de 22,8% com 35 a 40 anos e 13,6
com 47 a 52 anos. Apenas uma estagiária, o que corresponde a 4,5%, tem idade entre 17 a
22 anos (Tabela 16).
158
Por ocasião da coleta de dados, havia mulheres nas salas de aula, portanto o índice de 100% de
estagiárias do sexo feminino.
233
Tabela 16 – Faixa etária das estagiárias do Curso de Serviço Social da UCG. Goiânia –
2006
Fonte: Pesquisa realizada com os estagiários do Curso de Serviço Social da UCG, para fins dessa tese, no
segundo semestre de 2006.
Portanto, convivem na mesma condição de estagiária estudantes com visão de
mundo e interesses bem diversos, determinados pela idade. Aliás, em pesquisa realizada
pela UCG/PROEX/CAE com os calouros do Curso de Serviço Social no segundo semestre
de 2007 – O perfil do calouro da Católica do Curso de Serviço Social –, percebe-se
também a prevalência de estudantes com faixa etária maior em relação aos demais
estudantes da UCG (tabela 17). uma concentração da ordem de 79,33%, na faixa etária
de 18 anos a 21 anos, conforme dados da pesquisa. Os estudantes calouros do Curso de
Serviço Social estão, na faixa etária de 25 a 35 anos, (40%), seguidos dos acima de 35 anos
(33,33%). Caracteriza-se um tipo de estudante que se difere dos demais no âmbito da
universidade, pois são senhoras que estudam por vontade própria e com uma opção bem
mais definida
159
.
A diferença de idade entre as estudantes do Curso de Serviço Social e dos da
UCG indicam que as futuras assistentes sociais serão profissionais com mais experiência
de vida, assumindo interesses e motivações profissionais mais determinadas, haja vista que
têm uma trajetória de vida bem diferente da maioria dos estudantes ingressos nas
universidades.
159
Na pesquisa O perfil do calouro da Católica. Curso de Serviço Social (UCG/ PROEX/CAE, 2007/2)
100% dos calouros afirmaram que o curso corresponde a sua escolha. Muitas vezes, a pessoa com mais idade,
que cumpriu suas obrigações familiares, como criar os filhos, busca um curso superior com uma
expectativa mais específica. Querem estudar, ou sair de casa em busca de afirmação perante a família,
parentes e amigos, ou promoção funcional, pois muitas trabalham fora de casa.
Faixa etária Nº de estagiárias % de estagiárias
De 17 a 22 anos 1 4,5
De 23 a 28 anos 7 31,8
De 29 a 34 anos 4 18,2
De 35 a 40 anos 5 22,8
De 41 a 46 anos 2 9,1
De 47 a 52 anos 3 13,6
TOTAL 22 100,0
234
Tabela 17 – Faixa etária dos calouros da UCG e das estudantes ingressas no Curso de
Serviço Social da UCG. UCG/ PROEX /CAE, 2007. Goiânia – 2007
Fonte: sismatização dos dados da pesquisa O perfil do calouro da Católica. Curso de Serviço Social.
(UCG/PROEX/CAE, 2007/2).
Apesar da idade mais avançada, a maioria das estagiárias (45,5%) são solteiras
(tabela 18). Apenas 9% são viúvas, e 4,5% são separadas/divorciadas, e 41%, casadas ou
com companheiros.
Tabela 18 – Estado civil das estagiárias do Curso de Serviço Social da UCG. Goiânia –
2007.
Estado civil
Nº de estagiárias
% de estagiárias
Solteiros 10 45,5
Casados ou c/ companheiro 9 41,0
separados ou divorciados 1 4,5
Viúvos 2 9,0
TOTAL 22 100,0
Fonte: Pesquisa realizada com os estagiários do Curso de Serviço Social da UCG, para fins dessa tese, no
segundo semestre de 2006.
Tradicionalmente, a pessoa solteira mora com a família pai, mãe, irmãos,
separando-se dela por desavenças ou por fins matrimoniais. No último caso, nova família é
constituída. A tabela 19 mostra que 77,3% das estudantes pesquisadas moram com a
família
160
. Constata-se que apenas 22,7% não moram com a família, sem especificar se
estão sozinhas ou com amigos.
160
Não houve preocupação em estabelecer as condições dos laços familiares dos estagiários, pois o objetivo
da questão era verificar, nesse período de vida, o vínculo do estagiário com a estrutura familiar, seja ela
composta por esposa ou esposo, pai e mãe ou parentes.
Faixa etária UCG Serviço Social
Abaixo de 18 anos 21,36 -
De 18 anos 29,33 -
De 19 a 21 anos 28,64 26,67
De 22 a 24 anos 7,38 -
De 25 a 35 anos 8,46 40,00
Acima de 35 anos 4,72 33,33
Sem resposta 0,10 -
TOTAL 100,00 100,00
235
Tabela 19 – Convivência das estagiárias do Curso de Serviço Social da UCG com a família
Goiânia – 2007
Mora com a família Nº de Estagiárias % de estagiárias
Sim 17 77.3
Não 5 22,7
TOTAL 22 100,0
Fonte: Pesquisa realizada com os estagiários do Curso de Serviço Social da UCG, para fins dessa tese, no
segundo semestre de 2006.
A situação de estudante-trabalhadora não prevalece entre as estagiárias, pois
apenas 27,3% delas trabalham, conforme indica a tabela 20. Das estagiárias pesquisadas,
68,2% não trabalham e uma (4,5%) é aposentada. As mudanças verificadas no mundo do
trabalho
161
e o aumento considerável do desemprego têm afetado a inserção dos
trabalhadores de modo geral no mercado, incluindo essas estudantes.
Tabela 20 Situação de trabalho das estagiárias do Curso de Serviço Social da UCG.
Goiânia – 2007
Trabalha Nº de Estagiárias % de estagiárias
Sim 6 27,3
Não 15 68,2
Aposentada 1 4,5
TOTAL 22 100,0
Fonte: Pesquisa realizada com os estagiários do Curso de Serviço Social da UCG, para fins dessa tese, no
segundo semestre de 2006.
O salário das estagiárias que trabalham varia entre um e dois salários mínimos,
com o índice de 83,4%, como mostra a tabela 21. Apenas uma estagiária, aposentada,
recebe acima de quatro e meio salários mínimos.
Tabela 21 – Salário das estagiárias do Curso de Serviço Social da UCG que trabalham.
Goiânia – 2007
Salário Nº de estagiárias % de estagiárias
1 a 1½ S.M. 4 66,8
Mais de 1½ a 2 S.M. 1 16,6
Mais de 4½ S.M. 1 (aposentada) 16,6
TOTAL 6 100,0
Fonte: Pesquisa realizada com os estagiários do Curso de Serviço Social da UCG, para fins dessa tese, no
segundo semestre de 2006.
161
O avanço verificado nos últimos anos no modo de produção capitalista, calcado no modelo neoliberal,
concorre para o desemprego, situação em que prevalência do trabalho morto sobre o trabalho vivo, ou
seja, da substituição do trabalhador pela máquina e exigência de domínio cada vez maior da tecnologia para o
trabalhador assegurar condições de inserção no mercado.
236
Apesar de estudarem em uma universidade paga e ganharem um pequeno
salário, 83,4% das estagiárias participam na renda familiar, conforme mostra a tabela 22, o
que denota comporem famílias de baixo poder aquisitivo. Essa realidade confirma a
reflexão feita anteriormente de que os estudantes de maior poder aquisitivo freqüentam
as universidades públicas, pois estudam em melhores colégios, têm acesso a material
bibliográfico e, nos dias atuais, à Internet, dispõem de mais informações e conhecimentos
acumulados, ao passo que os estudantes de menor poder aquisitivo ocupam as vagas das
particulares, pois a concorrência é menor, e eles conseguem, assim, ingressar na educação
superior (CUNHA, 1985).
Tabela 22 – Participação na renda familiar por parte das estagiárias do Curso de Serviço
Social da UCG que trabalham. Goiânia – 2007
Participação na renda familiar Nº de Estagiárias % de estagiárias
Sim 05 83,4
Não 01 16,6
TOTAL 06 100,0
Fonte: Pesquisa realizada com os estagiários do Curso de Serviço Social da UCG, para fins dessa tese, no
segundo semestre de 2006.
Assim, considerando a situação de desemprego e de baixos salários do país,
para grande número de trabalhadores como também para os estudantes, uma maior
demanda dos estagiários pelo estágio com bolsa, mesmo que seu valor seja mínimo, pois
ajuda a pagar as despesas, como afirmam. Essa situação retrata a condição sócio-
econômica das estagiárias e suas famílias que buscam, primeiramente, o estágio em
instituições que oferecem bolsas de estágio ou fazem o estágio com oito horas semanais em
qualquer outro campo de estágio.
Na formação profissional, o estágio com uma maior carga horária (dezesseis e
vinte horas semanais) possibilita aos estagiários uma vivência com maior intensidade do
processo teórico-metodológico e técnico-operativo da profissão. Por outro lado, sendo
usado como mecanismo de melhoria das condições financeiras próprias ou da família, o
estágio tem alterado seu sentido acadêmico, passando a servir aos interesses pessoais dos
estagiários.
Apesar de as estagiárias buscarem o estágio prioritariamente em campos que
oferecem bolsa de estágio, elas expressam como maior expectativa adquirir
237
conhecimentos, conforme mostra a tabela 03 (capítulo I). Poucas conseguem avaliar o
estágio em seus aspectos teórico-etodológico e/ou técnico-operativo, como também
estabelecer a relação com a projeto curricular do curso, conforme mostram as questões
abertas da pesquisa realizada. Assim, não discutem o estágio em si, mas em seu aspecto
administrativo e de supervisão. Os aspectos negativos prevalecem sobre os positivos,
expressando uma insatisfação tanto com a coordenação de estágios quanto com a
supervisão, sem especificar a distinção entre supervisão didática e supervisão profissional.
Além dos problemas que as estagiárias apresentam, relacionados, sobretudo, à
insatisfação com a coordenação de estágio e com a supervisão, outros aspectos são
indicados individualmente: a necessidade de diminuição da carga horária de supervisão,
ajuste na periodização iniciando o estágio mais cedo, relação mercadológica da UCG,
necessidade de ampliação no número de campos de estágio, falta de condições do campo
que não oferece espaço físico para o estágio e outros.
Quanto aos aspectos positivos, afirmam as estagiárias que o estágio ajuda a
articulação teoria e prática, que ele é necessário à formação, ele possibilita o fazer, pois
ajuda as pessoas e trabalha em prol daquelas que se encontram com dificuldades no
momento, o que denota o enfoque tradicional ainda presente na profissão, destacado por
elas como aspecto positivo. O agir no sentido da ajuda às pessoas necessitadas é motivo
pelo qual as expectativas da estagiária foram realizadas. Na opinião das estagiárias, o
estágio é rico em termos de estudo e compreensão da realidade, possibilitando a articulação
com associação de moradores e com todas as políticas sociais, a leitura crítica da realidade
e a vivência em rias das expressões da questão social, o que proporciona condições ao
estagiário de se preparar para o mercado de trabalho com uma visão crítica da realidade,
além de outras observações.
Pelo estágio as estudantes têm condições de articular teoria e prática como
também se inteirar da realidade que envolve o mundo do trabalho em sua área profissional,
adquirindo conhecimentos que possibilitam posições ético-político e teórico-metodológica,
segundo os documentos que norteiam a profissão. Muitos dos professores (54,1%) e dos
profissionais (27,3%), conforme mostra a tabela 12, concluíram o curso de graduação após
238
1988
162
. Fizeram o curso segundo o projeto curricular de 1984 de perspectiva marxista.
Mas, fica a dúvida: Por que o estágio traz a marca do profissional e o da vertente que
sustentou seu processo de formação? Por que a prática profissional de vários campos de
estágio não supera as ações imediatas?
Sabe-se que o processo de formação é inesgotável, ele não se encerra numa
graduação ou numa pós-graduação. Também o rompimento com uma visão de mundo ou
uma prática profissional é um processo carregado de determinações o que pode ser o
determinante das condições teórico-práticas que envolvem o estágio.
Muitas vezes, os conhecimentos adquiridos nos campos de estágio são mais
fortemente assimilados pelos estudantes. Como também, muitas vezes, eles são dissociados
dos conhecimentos ético-político e teórico-metodológico adquiridos no processo de
formação, que são negados para enaltecer os aspectos técnico-operativos que sustentam a
prática. Assim, uma vez profissionais, esses estudantes reproduzem as rotinas de trabalho
vivenciadas nos campos de estágio, sem articulação com o projeto político-pedagógico de
sua formação.
A supervisão seja ela de docente ou de profissional de campo de estágio, deve
buscar o estabelecimento de mediações entre as expressões da questão social trabalhadas
nos campos de estágio e os conteúdos teórico-metodológicos do projeto de formação
profissional. É o resgate dessa dupla conjunção rigor teórico-metodológico e
acompanhamento da dinâmica societária – que permiti atribuir um novo estatuto à
dimensão interventiva e operativa da profissão” (CARDOSO et al. (1996, p. 16) .
Portanto, é no contato com a realidade que os estagiários vão sedimentando o
conhecimento necessário ao exercício profissional. “As informações sobre o mundo do
trabalho vão sendo confrontadas, tomando forma e consistência, ou diluindo-se e
dismistificando-se no imaginário criado pelas expectativas de cada um [dos estagiários].
Mas sempre buscando a preparação para compreender e intervir na realidade sócio -
ecnômica - política e cultural, bem como enfrentar os desafios que, diariamente, são postos
162
O projeto do Curso de Serviço Social da UCG segundo o currículo mínimo de 1982 foi implantado em
1984, tendo sua primeira turma de formandos em 1988. Assim, a data acima indicada refere-se à conclusão
do curso dos primeiros profissionais formados em Goiânia no projeto curricular ancorado na vertente
marxista.
239
para toda a sociedade brasileira” (Ribeiro, 1999, p. 75).
Assim, o estágio pode realizar sua dimensão política ao criar condições para
que os estagiários adquiram competência propositiva, crítica e criativa, como também,
apresentem resposta às muitas expectativas da população demandatária do Serviço Social
em relação ao estágio e à profissão.
240
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
O presente trabalho confirma que o estágio é um elemento político e
histórico que compõe o processo de formação dos assistentes sociais. Ele envolve
quatro dimensões: a formação profissional, a universidade, o mundo do trabalho e o
Estado.
Discutir o estágio curricular significa refletir e abordar o processo de
formação profissional, em que o estágio é uma atividade curricular e obrigatória.
Articula o próprio projeto pedagógico do curso, em suas dimensões teórico-
metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas, como também estabelece relações
da universidade com o mundo do trabalho. Isto implica o processo de aprendizagem
profissional pela articulação teoria e prática. O estágio orienta-se pelas normas
específicas da categoria: Lei de Regulamentação da Profissão (BRASIL, 1993), Código
de Ética Profissional (CEFSS/CRESS, 1993) e Diretrizes Gerais da Formação
Profissional (ABEPSS, 1996), como também pelas principais normas da área
educacional relacionadas ao estágio: LDB/1996 (BRASIL, 1996), Lei 6.494/1977
(BRASIL, 1977) e Decreto 87.497/1982 (BRASIL, 1982), os dois últimos,
documentos de regulamentação do estágio.
Assim, para discutir o estágio buscou-se contextualizá-lo historicamente
para, em seguida, mostrar sua realidade no Curso de Serviço Social de Goiânia/UCG,
como expressão da educação superior brasileira e do mundo do trabalho.
Os efeitos da crise mundial do capital nos anos 1970 repercutiram em diversos países,
incluindo o Brasil, levando o governo brasileiro de Cardoso, no início da década de
1990, em seu primeiro mandato presidencial, a promover a “reforma” do Estado sob
orientação do FMI e BIRD, o que concorreu para o avanço da política neoliberal, em
um processo, que trouxe como resultado a instituição do mercado como o grande
determinante das relações sociais, econômicas, políticas e culturais da sociedade. Os
efeitos da crise mundial do capital nos anos 1970 repercutiram em diversos países,
incluindo o Brasil, levando o governo brasileiro de Cardoso, no início da década de
241
1990, em seu primeiro mandato presidencial, a promover a “reforma” do Estado sob
orientação do FMI e BIRD, o que concorreu para o avanço da política neoliberal, em
um processo, que trouxe como resultado a instituição do mercado como o grande
determinante das relações sociais, econômicas, políticas e culturais da sociedade. Nesse
sentido o trabalhador, ao assumir um outro perfil que lhe era determinado, atendia às
novas exigências do mercado, alterando a qualidade de sua força de trabalho,
resumindo-a ao saber fazer segundo interesses e determinações do mercado. Essas
mudanças alcançaram também o estágio curricular que teve que se redimensionar, no
atendimento às necessidades dos campos de estágio. Uma primeira alteração mostra que
o estágio passou a ser solicitado pela força de trabalho que o sustenta o estagiário. O
trabalho do estudante no estágio é então comprado pelo mercado que o utiliza da mesma
forma que o faz com o trabalhador, para produzir valor. Assim, tanto um quanto o outro,
subordinam-se às exigências estabelecidas pelo mercado, pois precisam assegurar as
condições materiais de sobrevivência.
Observa-se, então, que as relações entre mercado de trabalho e estágio
passam por mediações, dentre elas, o processo de conhecimento cada vez mais
vinculado às relações de produção, que tem por “objetivo [...] a constituição de certo
tipo de trabalhador, conveniente aos interesses capitalistas” (KUENZER, 2002, p. 76),
no caso o estagiário.
Nessa condição, o estágio afaste-se de sua função acadêmica, do projeto
pedagógico do curso, para atender, cada vez mais aos interesses e conveniências dos
campos de estágio, mercado profissional dos assistentes sociais. O mercado de trabalho,
por sua vez, contrata o estagiário para realizar atividades de profissional, pois o
estagiário é uma mão-de-obra que apresenta baixíssimo custo e não cria vínculo
empregatício com o mercado. Portanto, o estágio curricular torna-se um instrumento
que o mercado utiliza, também, para seleção de mão-de- obra, ou seja, ele possibilita às
empresas não a seleção do recurso humano como também sua preparação, o
“treinamento”.
No redimensionamento do papel do ensino superior, a universidade deixa de
ser a instituição secular a serviço da humanidade, preocupação expressa por Netto
242
(2000, p. 28), pois a universidade supõe “a noção de universitas que marca a instituição
desde a sua emergência, lá na Idade Média”, para vincular-se aos interesses do mercado.
O grau de escolarização torna-se uma condição para a inserção no mercado
de trabalho pois o modo de produção capitalista impõe exigências que, segundo
Kuenzer (2002, p. 182) envolve
um processo de afirmação/negação do saber do operário [saber não livresco],
determinado pelos interesses do capital. Ou seja, o capital, segundo suas
necessidades, contraditórias, de por um lado exercer dominação pelo controle
do saber, e por outro de se utilizar do saber do operário como força produtiva,
ora nega, ora afirma o saber do operário, utilizando-se para isso de critérios de
valorização e desvalorização do saber teórico e do saber prático, que também
são utilizados diferentemente nas distintas circunstâncias.
A posição contraditória do mercado, pontuada por Kuenzer (2002), afeta o
estágio. Conforme sua conveniência, o mercado afirma ou nega a teoria, o saber que o
estagiário vem adquirindo na universidade. Como exemplo, pode-se citar a fala da
supervisora do campo de estágio (C. S., 2007), que confirma a teoria:
É rico para nós enquanto supervisores [..] essa troca [...]. Há uma troca assim de
atualização de conhecimentos. [...] enquanto o estagiário nos questiona ou traz
uma reflexão, de alguma forma está participando do nosso cotidiano, enriquece
tanto a minha prática e eu posso colaborar com ele.
As mudanças e novas exigências do mercado têm afetado o processo de
formação profissional não do Serviço Social, mas em outras profissões, alterando as
condições reais em que o estágio curricular se realiza. São exigências que precarizam, cada
vez mais, o trabalho, o estágio e a educação. No âmbito das universidades como também
entre alguns profissionais quem defenda e confirme essa posição por considerar que, no
desempenho das atividades práticas o estagiário irá realizar seu aprendizado e se preparar
para o exercício profissional.
Esse é um dos desafios com que a educação superior se depara. Com a reforma
do Estado e mantendo a mesma referência que sustentou sua idéia original, outras reformas
foram sendo implantadas, dentre elas, as estabelecidas pela LDB/96 (BRASIL, 1996), a
qual expressa e defende a educação na lógica do mercado. Por outro lado, as universidades
deverm buscar manter a finalidade básica, seu caráter universalista, mesmo ameaçadas
pelas reformas e pelo mercado.
243
A universidade propõe-se à formação de profissionais críticos, criativos e
propositivos, uma das determinações do projeto político-pedagógico do Curso de Serviço
Social de Goiânia (SER/UCG, 1999), que busca, pelo estágio curricular a articulação com
o mercado que, no marco do governo Cardoso apresentou sérios desafios.
Um documento internacional pontua:
Os desenvolvimentos-chave no ensino superior ocorridos nos últimos 25 anos
são de expansão quantitativa, que tem sido acompanhadas por desigualdades de
acesso entre países e regiões, diferenciações de estruturas institucionais,
programas e formas de estudo e dificuldades financeiras. As dificuldades
financeiras m crescido cada vez mais em detrimento do funcionamento do
ensino superior, levando ao decréscimo da qualidade acadêmica (UNESCO,
1999, p. 29).
Tais desafios envolvem estagiários e trabalhadores que vão assumindo e
naturalizando as condições gerais que lhes são estabelecidas pelo mundo do trabalho. No
estágio curricular o estudante assume as determinações dos campos de estágio que
significam determinações do mercado, dentre elas a disponibilidade de quarenta
horas/semanais, em contrapartida à bolsa de estágio recebida, cujo valor geralmente o
ultrapassa a um salário mínimo. É uma situação que beneficia as instituições/empresas que
oferecem estágio, pois, além do baixo salário pago, usufruem dos incentivos e vantagens
que o sistema oferece por meio de leis, decretos e outros documentos relacionados à
educação superior e ao estágio: isenção de pagamento de férias, décimo terceiro salário,
obrigações sociais e o principal, a instabilidade contratual, pois o estagiário não tem
vínculo com o mercado.
trabalhadores e também estagiários que, devido à precariedade financeira,
às vezes também familiar, buscam simplesmente assegurar condições de suprir
mensalmente as necessidades próprias e/ou familiares, e por isso, aceitam e se submetem a
qualquer tipo de trabalho, exercendo funções diversificadas que muitas vezes os
desqualificam, pois estão aquém de sua formação profissional ou, ao contrário, extrapolam
os conhecimentos da área da formação. Nesse sentido, eles se apresentam ao mercado e
acatam os critérios estabelecidos que priorizam o melhor domínio tecnológico, a
atualização, a capacidade de assimilação de conhecimentos e informações gerais, domínio
de línguas estrangeiras, maior produtividade e outros, ou seja, a capacidade de adaptação a
um mercado configurado segundo os interesses de uma economia cada vez mais
244
internacionalizada.
A condição atual do mercado tem implicações com a educação superior,
realidade sentida principalmente no estágio. Segundo avaliação da UNESCO (1999), em
um mundo em mudanças, muitos são os desafios à educação superior, cujas respostas
deveriam ser guiadas por três palavras-chaves, que determinam seu
funcionamento e posição: relevância, qualidade e internacionalização [...].
A relevância do ensino superior é considerada principalmente em termos do
papel e do espaço deste na sociedade, suas funções com referência ao ensino, à
pesquisa e aos serviços resultantes, assim como os termos de suas ligações com
o mundo do trabalho de uma forma geral, relações com o Estado e recursos
políticos, além de interações com outros níveis e formas de educação.
A necessidade de relevância adquire novas dimensões e maior urgência no
instante em que [...] graduados [...] possam por em dia seus conhecimentos,
aprender novas habilidades, e que possuam as qualidades de ser não somente
bons profissionais em busca de emprego, mas também criadores de empregos
em mercadaos de trabalho mutantes. [...].
Um dos pré-requisitos para o funcionamento bem-sucedido e para a
administração do ensino superior reside nas boas relações com o Estado e com a
sociedade [...] baseadas nos princípios de liberdade acadêmica e autonomia
institucional, que são essenciais para a preservação de qualquer instituição de
ensino superior como comunidade de livre pesquisa, podendo realizar suas
funções criativas, reflexivas e críticas da sociedade (UNESCO, 1999, p. 12 -
15).
Nesse sentido, as tendências e desafios apresentados à educação superior têm
relação/implicação direta com o trabalho, com o espaço do exercício profissional. São
desafios que denunciam e propõem uma realidade que precisa ser repensada pelos muitos
atores que dela participam, para revelar a sociedade de classes, a precarização do trabalho e
do estágio. Em razão das mudanças no mundo do trabalho e na educação superior, o
estágio está sendo prejudicado em seus propósitos acadêmicos e se tornando atividade do
mercado, para assegurar sua lógica na perspectiva de contratação de pessoal.
A pesquisa confirma a tendência do mercado de trabalho em buscar com mais
intensidade a mão-de-obra de estagiários, ocasionando a diminuição de contratos de
profissionais, pois a mão-de-obra de estagiários apresenta maiores vantagens financeiras se
relacionadas à dos profissionais. Os depoimentos dos supervisores dos campos de estágio
mostram essa tendência, como também os dados da tabela 23, em que as informações das
245
supervisoras profissionais indicam a movimentação de assistentes sociais e de estagiários
nos campos de estágio, ante a demanda do mercado ao trabalho profissional. Em todos os
campos de estágio uma explícita redução no número de assistentes sociais, e o de
estagiários tem oscilado, aumentando, mantendo-se e diminuindo. Essa diminuição ocorreu
em instituição de instância federal por decisão do órgão central. Percebe-se ainda, nos
últimos semestres, a ampliação de oferta de vagas para estágio, em instituições públicas e
privadas que solicitam o estagiário para atividades as mais diversas.
Tabela 23 Opinião das supervisoras dos campos de estágio do Curso de Serviço Social da
UCG sobre o movimento de contratação de profissionais e estagiárias nessas
instituições. Goiânia – 2007
Assistente Social Estagiários
Pessoal
Campo de Estágio
Aumenta
Mantém Diminui Aumenta
Mantém Diminui
Instituição Federal - - X - - X
Instituição Estadual - - X x - -
Instituição Municipal - - X - x -
Instituição Patronal - - X - x -
Empresa Privada
-
- X x
- -
TOTAL - - 5 2 2 1
Fonte: Pesquisa realizada em Goiânia, com as profissionais dos campos de estágio no segundo semestre de
2007 e com estagiários no segundo semestre de 2006.
As supervisoras dos campos de estágio, informam a diminuição no número
de profissionais nos campos de estágio, o aumento e a manutenção no número de
estagiários, mas não atribuem uma condição à outra, como também não atribuem tal
fato às mudanças no mundo do trabalho ou ao avanço do projeto neoliberal. Elas
justificam ou melhor naturalizam a redução quantitativa de assistentes sociais: a
instituição federal – a não contratação se deve ao trabalho em equipe, no qual todos são
“considerados com a mesma competência”; a instituição estadual – os profissionais “são
muito poucos, os quadros foram diminuindo”; a instituição municipal “o número de
profissionais diminuiu mas é uma diminuição temporária porque o [programa...] não
pode ficar com uma assistente social”; a instituição patronal a diminuição não é no
Serviço Social, mas toda “a equipe técnica [foi] reduzida”; a empresa
163
a assistente
163
Nessa empresa não havia estagiário até 2007, quando foi aberto o campo de estágio e oferecida apenas
uma vaga. Convém registrar que a assistente social foi contratada em janeiro de 2006, e, em dezembro de
246
social chama a si e ao Serviço Social a justificativa da não-contratação “nós como
profissionais temos que demonstrar essa necessidade e sermos atuantes para garantir
que isso aconteça”.
As assistentes sociais também não acreditam que as estagiárias vêm ocupando o
espaço profissional dos assistentes sociais. Segundo elas, são realizadas atividades
específicas, individualmente ou em conjunto, conforme mostram alguns depoimentos/
argumentos por elas apresentados:
A responsabilidade técnica é do profissional, o estagiário é o apoio. As meninas
aqui nos ajudam muito com relação à organização da papelada. Numa reunião
técnica aqui, ao mesmo tempo que elas estão assistindo, elas estão fazendo os
relatórios a ata. Isso daí para elas é um aprendizado. [...] Agiliza o nosso
trabalho. É esse que é o papel delas [...] Bom, não tendo estagiário eu tenho que
contratar mais um profissional, técnico-bancário, que é chamado o profissional
que não tem nenhuma função técnica que trabalha também na agência (E.C. P.,
2007).
O estagiário não assina os pareceres, ele não assina os projetos, ele não tem a
responsabilidade definida que o profissional tem. [...] Na execução ele também
não assina sozinho [...]. Por ex., essas meninas que estão fazendo as oficinas
sempre têm um profissional junto com elas ou um profissional da saúde, ou um
profissional da assistência [...]. O trabalho difere nesse sentido, ele pode até
assumir com a mesma responsabilidade, mas ele não tem exatamente a
responsabilidade, a autonomia de responder por aquele resultado (S. P. P.,
2007).
Porque o estagiário aqui tem a liberdade de [...] [coordenar] reunião, [...] ele faz
visitas, começa junto com o profissional depois ele faz ... A única coisa que ele
passa para a gente é o seguinte, todas elas chegam e falam: olha eu visitei,
escrevi isso aqui, a senhora concorda? a gente vai orientando em cima do
que elas colocaram. [...]. Elas fazem de tudo, liberdade de visitar, de fazer
reunião, de participar, de programar [...]. Até então a [instituição] nunca, pensou
[...] utilizar a mão-de-obra barata. [...] Eu [...] até então nunca vi isso não. [...]
Eles não contratam o estagiário se não tiver o profissional (R. C. V., 2007).
Eles [os estagiários] estão aprendendo, então você não vai exigir uma atuação ...
técnica .... profissional coerente, [...] porque a gente pressupõe que o
profissional tenha isso. [...] quanto ao aprendizado a gente nota, as limitações
[...]. Até por isso, o aquele assumir as atividades, como se ele trabalhasse
aqui e deixasse para ele fazer relatório, fazer projeto, não. Dela mesmo é a
prática, estar vivenciando, por isso que tem a supervisão profissional que está
acompanhando diariamente, questionando, fazendo amadurecer algumas
atitudes, até a questão da ética, a postura profissional (C. S., 2007).
2007 ela pediu demissão e o campo foi fechado por falta do profissional para a supervisão. Essa empresa
ainda não conseguiu criar as condições necessárias para a fixação de assistente social, sempre que é
oferecida vaga e feita a seleção, em seguida ocorre o pedido de demissão.
247
Hoje eu tenho treze anos de formada então eu tenho uma bagagem de
conhecimento técnico, mas também tenho uma bagagem de conhecimentos
práticos. É tudo atrelado, então eu tenho condições de perceber uma situação e
tentar direcionar o usuário para a melhor opção ... Assim, abro o leque de
opções para que ele possa definir qual a melhor [...]. Isso envolve também. a
questão da própria empresa. O que o estagiário tem acesso ao poder de decisão
dentro da empresa, difere do que eu tenho acesso, do que eu posso estar
concedendo em relação a benefícios... ( M. P. A., 2007)
Observa-se que as opiniões das assistentes sociais, apesar de diferentes,
expressam o paradoxo entre a impossibilidade jurídico-legal de o estagiário realizar o
trabalho de profissional e a possibilidade de ele poder realizar as mesmas atividades que o
profissional. Conforme S. P. P. (2007), o estagiário “está sempre junto [...] ele pode até
assumir com a mesma responsabilidade, mas ele o tem exatamente a responsabilidade, a
autonomia de responder por aquele resultado”. A profissional, no entanto, admite que a
instituição “trata o aluno quase como funcionário”. Outra condição é apresentada por R. C.
V. (2007), que admite a liberdade de as estagiárias a realizarem a programação: “o
estagiário aqui tem a liberdade [...] de participar, de programar”. Ao mesmo tempo em que
C. S. (2007) aceita que as estagiárias desenvolvam as atividades por elas mesmas, apenas
acompanhadas por uma profissional, ela fala da necessidade do “amadurecimento de
atitudes, até a questão da ética, [...] a postura profissional”. M. P. A. (2007) nega essa
possibilidade e traça um divisor entre o espaço do profissional e o espaço do estagiário: “O
que o estagiário tem acesso ao poder de decisão dentro da empresa, difere do que eu tenho
acesso, do que eu posso estar concedendo em relação a benefícios”. Para E. C. P. (2007), a
“instituição [...] não reconhece o estágio curricular. [...] o estagiário é o apoio. [...] [a
instituição] espera que o estagiário trabalhe dentro daquela área específica de atuação
técnica, em apoio ao profissional técnico” (E. C. P.).
Percebe-se, pelos depoimentos das profissionais, que em todas as instituições, o
estagiário é considerado recurso humano para suprir a falta de pessoal na área social,
auxiliando, realizando ou apoiando o assistente social em suas atividades.
Apesar da dupla supervisão, não uma articulação entre elas, e nem com o
Projeto político-pedagógico do curso ou o Projeto Ético-Político Profissional. Em nenhum
momento, esses documentos foram citados como referência ou orientação para o estágio.
Dentre as cinco instituições pesquisadas, apenas a supervisora profissional de uma das
instituições afirmou conhecer o referido projeto, o que é óbvio, considerando que ela é
248
professora antiga no curso, tendo inclusive participado na elaboração do projeto. Com uma
supervisão desarticulada entre si e do projeto político-pedagógico do curso e do projeto
ético-político profissional, qual o sentido do estágio?
que se considerar que o mercado impõe limitações e empecilhos à
realização do estágio, haja vista as mudanças introduzidas no mundo do trabalho e a
apropriação do trabalho do estagiário. Assim, sem uma diretriz para o estágio, a atividade
acaba apresentando a imagem do “bom menino/boa menina” que vai cumprir as
determinações dos profissionais, em contrapartida à bolsa de estágio que recebe.
Tal situação evidencia a fragmentação teórico-prática e a minimização do
estágio. Nesse aspecto, a divisão entre pensamento e ação fortalece a dicotomia teoria e
prática, tornando as instituições de ensino verdadeiras “fábricas ou oficinas” de preparação
de pessoal. Assim, as atividades atribuídas às profissionais, supervisoras dos campos de
estágio, são divididas com as estagiárias que também são responsáveis pelo “fazer”
profissional que, conforme visto, é uma exigência do mercado de trabalho.
Assim, estrutura-se uma relação que
foi dando origem, historicamente, a uma pedagogia escolar centrada ora nos
conteúdos, ora nas atividades, mas nunca comprometida com o estabelecimento
de uma relação entre o aluno e o conhecimento que verdadeiramente integrasse
conteúdo e método, de modo a proporcionar o domínio intelectual das práticas
sociais produtivas (KUENZER, 1998, p. 34).
Nesse sentido, o mercado determina ao estágio curricular um caráter utilitário,
pragmático e subordinado à lógica e aos interesses dos campos de estágio, como também,
aos interesses das profissionais que o contam com recursos humanos suficientes na área
social.
Constata-se então, a fragmentação teoria-prática, a subutilização e a exploração
das estagiárias como força de trabalho, a desarticulação supervisoras acadêmicas e
supervisoras profissionais, a desarticulação projeto curricular e estágio, elementos que
precarizam o estágio e comprometem o processo de formação dos assistentes sociais.
249
Tabela 24 Opinião das estagiárias quanto à existência de relação entre a expectativa e a
vivência do estágio do Curso de Serviço Social da UCG. Goiânia – 2007
Fonte: Pesquisa realizada com os estagiários do Curso de Serviço Social da UCG, para fins dessa tese, no
segundo semestre de 2006.
Mas, apesar das condições dadas ao estágio e às estagiárias, 59,1% da
amostragem consideram que o estágio tem correspondido às suas expectativas. Existe
relação entre o que esperavam do estágio e o que vivenciam nos campos estágio. como
justificativa elas apresentam, com alguns equívocos, os argumentos de que o estágio:
Superou minhas expectativas [...] o estágio foi muito importante (estagiário de
instituição municipal).
Consegui observar a importância da teoria vivenciada na sala de aula e prática
no campo (estagiário de instituição estadual).
É um campo onde as pessoas trabalham em “prol da ajuda” àquelas que se
encontram com dificuldades no momento (estagiário de instituição estadual).
A vivência no campo de estágio aproximou-me mais com o trabalho com as
famílias (estagiário de instituição filantrópica).
Foi possível vivenciar e participar de todas as atividades coordenadas pelo
Serviço Social no local do estágio (estagiário de instituição filantrópica).
Pela supervisão que é bem direcionada pela leitura crítica (estagiário de
programa de extensão da UCG).
Me ajudou a ter uma vivência com a realidade daqueles que utilizam o Serviço
social (estagiário de instituição federal).
Ampliou meus conhecimentos (estagiário de instituição patronal).
No entanto, 36,4% das estagiárias da amostragem, não fazem a mesma
avaliação, e embora cometam equívocos em relação ao estágio, afirmam:
Deixa a desejar, pois muitas vezes não temos espaço necessário e nem o
acompanhamento para desenvolvermos como profissionais (estagiária da
instituição estadual).
Me ajudou a ter uma vivência com a realidade daqueles que utilizam o Serviço
social (estagiário de instituição federal).
Relação entre expectativa e
vivência no estágio
Nº de Estagiárias % de estagiárias
Sim 13 59,1
Não 08 36,4
Branco 01 4,5
TOTAL 22 100,0
250
Temos que descobrir a forma de ajudar os estudantes nas facilidades em realizar
o estágio, dando condições reais para que o estágio seja realmente um momento
de estudo e não algo mercadológico como vem se tornando (estagiária de um
programa de extensão da UCG).
Apenas atendo aos adolescentes e preencho fichas (estagiária de uma instituição
federal),
Tem ações que se desvinculam das atribuições e competências do assistente
social (estagiária de uma instituição privada).
O campo é ótimo, mas as supervisões de estágio são muito fracas, falhas,
precisam melhorar, estão defasadas (estagiária de uma instituição estadual).
Outro aspecto a ser observado em relação ao estágio refere-se à sua utilização
como instrumento de seleção e preparação de recursos humanos para o mercado. Esse é um
entendimento mais recente, próprio da lógica empresarial, em que fica explícita uma nova
função a ele atribuída. Esse papel atribuído ao estágio torna-se aceito nas instâncias
acadêmicas, como também em instituições e empresas, pelos profissionais. Em alguns dos
campos de estágio, as supervisoras foram estagiárias na instituição, a qual continua usando
essa estratégia para a seleção de pessoal. possibilidade dos “bons” estagiários serem
convidados a trabalhar como profissionais da Instituição. Serão futuros assistentes sociais
“bons”, úteis aos propósitos da instituição, ou seja, eles já conhecem as normas e interesses
da instituição, que, como bem avalia Silva (1987, p. 126), apresentam vantagens, tais
como: “relativa familiaridade” com os problemas da área profissional, ausência de certos
“vícios” de um profissional, o que permite amoldar o estudante, segundo a “filosofia da
instituição”. Com isso, deixam de fazer concurso e/ou seleção, ou ocupam posição
privilegiada em relação aos colegas, pois além do conhecimento a respeito da instituição,
têm o conhecimento de suas necessidades e expectativas, prejudicando assim, a
democratização do acesso ao mercado de trabalho.
Com os dados da pesquisa empírica e documental realizada, podem-se ensaiar
algumas considerações acerca do estágio curricular no processo de formação dos
assistentes sociais.
Apresentam-se alguns questionamentos/preocupações, em relação ao papel do
estágio, do mercado, da profissão e da universidade, partícipes na realização do estágio,
portanto no processo de formação. Dentre eles, o papel que o estágio/estagiárias vêm
assumindo em relação ao seu processo de formação. Elas aceitam e priorizam os campos
251
de estágio que oferecem melhores condições em termos de valor da bolsa de estágio. Como
visto, a universidade em que estudam é particular e muitas delas precisam pagar seus
estudos, manterem-se e cumprir o estágio, o que impossibilita uma conciliação em termos
de trabalho e estágio. Assim, mesmo sabendo-se exploradas pelo mercado e alimentando a
expectativa de virem a ser contratadas, submetem-se às condições por ele estabelecidas. O
mercado profissional propõe ser parceiro da universidade no processo de formação das
estagiárias. Entretanto coloca-se como campo de estágio, o mercado passa a usufruir das
vantagens acordadas em documentos oficiais para acesso a uma mão-de-obra com
qualidade, atualizada e com supervisão da universidade, cujo custo é baixo em termos de
“salário” e obrigações sociais. Mas, não é isso, o mercado tem ainda a possibilidade de
seleção e preparação de seus quadros profissionais.
Nesse contexto, as assistentes sociais ficam em desvantagem. Concorrem a uma
vaga no mercado entre elas mesmas, com as novas tecnologias que muitas vezes
desconhecem, com os cortes efetuados pelo Estado na área social e, ainda, com as
estagiárias que apresentam, além das vantagens contratuais exploradas pelos campos de
estágio, expectativa “salarial” bem menor, o que as torna uma atrativa mão-de-obra para o
mercado.
Por fim, que se destacar o papel da universidade, que, de um lado, deve
assegurar suas finalidades e responder pela operacionalização de projetos de cursos
aprovados nas instâncias competentes e, de outro, relacionar-se com o mercado, por meio
de seus campos de estágio, necessários à efetivação e desenvolvimento do processo de
formação, mantendo um posicionamento que assegure sua autonomia e suas finalidades.
A temática referente ao estágio permite várias abordagens e análises, o que
indica a possibilidade de novos subsídios para vários outros trabalhos que, com certeza,
irão aprofundar, confirmar ou negar as reflexões iniciadas e contribuir para que o estágio
curricular cumpra suas finalidades pedagógicas e enriqueça o processo da formação
profissional. Que ele assuma sua posição de articulação teoria e prática, com as demais
disciplinas e atividades do projeto de formação, com os atores envolvidos no estágio e com
os campos de estágio, em especial com os profissionais que exercem a supervisão.
assim ele poderá deixar sua condição complementar e periférica na formação profissional,
252
ao receber o mesmo tratamento que as demais disciplinas, e concorrer para a reflexão de
seu processo, para o redimensionamento de seus caminhos rumo às Diretrizes Curriculares
da ABEPSS e ao Código de Ética Profissional, ancorados no Projeto Ético-Político da
Profissão, e, na realidade sócio-econômica-política e cultural, na prática profissional e nas
demandas da categoria profissional. Enfim, que o estágio seja expressão real da unidade
teoria-prática.
Com a preocupação de contribuir com o debate acerca do processo de
formação, em especial com o estágio, apresenta-se a seguir, alguns pontos para reflexão:
1. Como assegurar o reconhecimento do estágio como atividade acadêmica tanto por
parte de professores que exercem a supervisão quanto pelos profissionais dos
campos de estágio?
2. Como, no processo da supervisão, pode ser avaliado o papel desempenhado pelos
supervisores, tanto o professor quanto o profissional da instituição campo de
estágio? A quem compete a função acadêmico-pedagógica da supervisão?
3. Como avaliar o programa de estágio elaborado pela universidade e desenvolvido
pelo estagiário em um determinado campo de estágio?
4. Como lidar com a situação de um convênio assinado pelas partes, universidade e
instituição campo de estágio, quando ele é desrespeitado e a universidade nem fica
sabendo?
5. Como assegurar um caráter universalista para o estágio, ou seja, que ele não seja
apenas o desdobramento de políticas sociais específicas e focalistas, a exemplo:
especialista em saúde porque faz o estágio em hospital, ou em habitação porque dez
o estágio em área de posse, e outros?
6. Como lidar com as novas “categorias”: voluntariado e aprendiz, que concorrem
com os profissionais e estagiários no mercado de trabalho?
253
REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL
(ABEPSS). Breve histórico da ABEPSS. Disponível em: <http://www.abepss.org.br>
Acesso em: 19 março 2008.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO EM SERVIÇO SOCIAL (ABESS) Diretrizes
gerais para o Curso de Serviço Social (com base no currículo mínimo aprovado em
Assembléia Geral Extraordinária de 8 de nov. de 1996). In.: Cadernos da ABESS 7
Edição Especial, São Paulo, n. 7, p. 58, nov. 1997.
ABRAMIDES, Maria Beatriz. A reforma da educação Superior no Brasil sob a lógica
neoliberal no governo Lula. PUC viva. Jul./set. 2004. Disponível em:
<http://www.apropucsp.org.br/revista/r21_r04.htm> Acesso em: 22 abr. 2005.
____________. A ANAS e sua relação com o projeto profissional alternativo de Serviço
Social no Brasil. Serviço Social e Sociedade n° 30. São Paulo, ano X, n. 30, nov. 1989.
AGUIAR, Antônio Geraldo de. Serviço Social e Filosofia: das origens a Araxá, São
Paulo: Cortez, 1984.
AMMANN, Safira Bezerra. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. 3.
ed. São Paulo, Cortez, 1982.
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: GENTILI, Pablo; SADER, Emir
(orgs.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. São Paulo, Paz
e Terra, 1995, p. 9.
ANGELES, Nara de Los. Agarre esta oportunidade. In: Jornal O Popular, Caderno
UniverCitando. Goiânia, 26 de maio de 2007.
BARROS, Alessandra. Câmara aprova proposta de Manuela para regulamentação de
estágio, de 28 de junho de 2007. Disponível em
<http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=20521> Acesso em 15 de nov. de 2007.
BASBAUM, Leôncio. História sincera da República: (1961 a 1967). 2. ed. São Paulo,
Alfa-Omega, 1977.
254
BATISTA, Alfredo. Reforma do Estado, uma prática histórica de controle social. Serviço
Social e Sociedade n° 61. São Paulo, ano XX, v. n. 61, p 63, nov. 1999.
BANCO MUNDIAL (BIRD). O QUE É O BANCO MUNDIAL? Disponível em:
www.bancomundial.org.br - Acessado em 14/10/2005.
BEHRING, Elaine Rossetti. Brasil em contra-reforma: a desestruturação do Estado e
perda de direitos. São Paulo, Cortez, 2003.
BONDENEWS. Jornal on-line BONDE. Disponível em:
<http://www.bonde.com.br/bondenews/bondenewsd.php?id=739LINKCHMdt=20070627>
2007
BORGES, Altamiro. Programas sociais do governo Lula. La Insígnia, de 11 de abr. de
2006. Disponível em: <http://www.lainsignia.org/2006/abril/ibe_035.htm> Acesso em: 23
fev. 2008.
BOSCHETTI, Ivanete. Implicações da reforma do ensino superior para a formação do
assistente social: desafios para a ABEPSS. Reforma do Ensino Superior e Serviço
Social, Temporalis 1. Brasília, Ano I, n. 1, p. 81, jan./jun. 2000.
BRAGA, Lea Lúcia Cecílio. Mensagem da Abertura do XXXII Encontro Nacional
CFESS/CRESS. In: CFESS. Conferências e Deliberações do XXXII Encontro Nacional
CFESS/CRESS. Brasília: CFESS, 2004.
BRASIL. Ministério da Educação. Projeto de lei 993/07. Dispõe sobre o estágio de
estudantes de instituições de educação superior, de educação profissional e de ensino
médio, altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, e
outras providências. Brasília, 27 de junho de 2007, acesso em jan. 2008.
____________. Ministério da Educação. Anteprojeto de lei. Estabelece normas gerais
para a educação superior, regula o Sistema Federal da Educação Superior e outras
providências. Brasília, 29 de julho de 2005, última versão.
____________. Presidência da República. Lei 9.394, 20 de dezembro de 1996.
Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação LDB). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, 23 dez.
1996.
____________. Senado Federal. Decreto nº 1.686, de 26 de outubro de 1995. Dispõe sobre
255
o acervo patrimonial da extinta Fundação Legião Brasileira de Assistência, e outras
providências. Disponível em: <http://www6.sendo.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes>
Acesso em 18/5/2008.
____________. Congresso Nacional. Lei 8.859/1994. Modifica dispositivos da Lei
6.494, de 7 de dezembro de 1977, estendendo aos alunos de ensino especial o direito à
participação em atividades de estágio. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/l8859.htm> Acesso em 01 fev. 2008.
____________. Lei 8.662. Lei de Regulamentação da Profissão. De 7 de junho de
1993, que dispõe sobre a profissão de Assistente Social e outras providências. Brasília,
1993.
____________. Constituições (1937 a 1988). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm> Acesso em ...
____________. Presidência da República. Decreto 87.497 de 19 de agosto de 1982.
Regulamenta a Lei 6.494 de 7 de dezembro de 1977, que dispõe sobre o estágio de
estudantes de estabelecimento de ensino superior e de ensino profissionalizante e do
segundo grau regular e supletivo, nos limites que especifica e outras providências.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, 19 ago. 1982.
______________. Ministério da Educação. Conselho Federal de Educação. Parecer nº 412
referente ao Processo 7408/82, aprovado em 9 de agosto de 1982. Disponível em:
<http://www.ssrede.pro.br/curr82.doc> Acesso em 4 nov. 2007.
____________. Senado Federal. Decreto - lei nº 83.148 de 8 de fevereiro de 1979. Aprova
o Estatuto da Fundação da Legião Brasileira de Assistência - LBA. Disponível em:
<http://www6.sendo.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes> Acesso em 18/5/2008.
____________. Presidência da República. Lei 6.494, de 7 de dezembro de 1977. Dispõe
sobre os estágios de estudantes de estabelecimento de ensino superior e de ensino
profissionalizante de segundo Grau e Supletivo e outras providências. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil. Brasília, 9 dez. 1977.
____________. Senado Federal. Decreto - lei nº 593 de 27 de maio de 1969 cria a
Fundação da Legião Brasileira de Assistência - LBA. Disponível em:
<http://www6.sendo.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes> Acesso em 18/5/2008.
____________. Congresso Nacional. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa
normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola
256
média e outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil.
Brasília, 29 nov. 1968.
____________. Ministério do Trabalho e Previdência Social. Portaria 1.002 de 29 de
setembro de 1967. Dispõe sobre admissão de estagiários nas empresas. Brasília. Diário
Oficial [da] Republica Federativa do Brasil. Brasília, 6 out. 1967.
____________. Congresso Nacional. LEI 1.889, de 13 de junho de 1953. Dispõe sobre os
objetivos do ensino do serviço social, sua estruturação e ainda as prerrogativas dos
portadores de diplomas de assistentes sociais e agentes sociais.
<http://www.senado.gov.br>. Acesso em: 16 fev. 2008.
____________. Presidência da República. Decreto - lei 5.452, 1 maio 1943. Aprova a
Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil.
Brasília, 27 dez. 1961.
____________. Presidência da República. Decreto - lei 4.830 de 15 de outubro de 1942
de criação da LBA. Estabelece a contribuição especial para a Legião Brasileira de
Assistência e outras providências. Disponível em:
<http://www6.sendo.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes>. Acesso em 18/5/2008.
____________. Conselho Nacional de Educação. Decreto 19.851, de 11 de abr. de
1931.
BRESSER PEREIRA, Luís Carlos. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos
de controle. Cadernos MARE da reforma do Estado; Brasília: Ministério da
Administração Federal e Reforma do Estado, 1997, v. 1.
____________. Reforma do Estado para a cidadania. São Paulo, Editora 34; Brasília,
ENAP, 1998.
BRINGEL, Acácia Aparecida. Políticas educacionais e ão sindical na década de 1990.
In: MASCARENHAS, Ângela Cristina Belém (org.). Educação e trabalho na sociedade
capitalista: reprodução e contraposição. Goiânia: Editora da UCG, 2005.
BRITES, Cristina Maria; BARROCO, Maria Lúcia Silva. A centralidade da ética na
formação profissional. Diretrizes Curriculares: polêmicas e perspectivas.
TEMPORALIS. Brasília, ano I, n. 2, p. 19, jul. a dez./2000.
CAMPOS, Ernesto de Souza. Educação superior no Brasil. Rio de Janeiro, Ministério da
Educação, 1940.
257
CAMPOS, GESTÃO DE CARREIRA. (Programa Trainne) Disponível in.:
http://carreiras.empregos.com.br/comunidades/campus/gestao_de_carreiras/duvidas_traine
e.shtm Acesso em 23/07/2008.
CARDOSO, Fernando Henrique. Discurso de abertura do presidente da República. In:
Seminário Água, O Desafio do Próximo Milênio. 1999. Disponível em:
<http://www.ana.gov.br./institucional/docs/oq_discur.doc> Acesso em 15 out. 2005.
CARDOSO, Franci Gomes et. al. Questão social: fenômeno vinculado à histórica luta de
classes e determinante básico do Serviço Social como profissão. SER Social, Questão
social e Serviço Social. Brasília, nº 6, p. 79, jan./jun. 2000.
CARDOSO, Isabel Cristina da Costa et al. Proposta básica para o projeto de formação
profissional – novos subsídiios para o debate. Cadernos da ABESS n° 7 Edição Especial,
São Paulo, n. 7, p. 15, nov. 1997, edição especial.
CARVALHO, Raul de. Modernos Agentes da Justiça e da Caridade. Serviço Social e
Sociedade São Paulo, Ano I, n° 2, p. 43. março de 1980.
CFESS/CRESS. Deliberações do XXXII Encontro Nacional. Brasília: CFESS, 2004.
CFESS. Código de Ética Profissional. De 13 de março de 1993. Brasília, 1993.
CENTRO DE INTEGRAÇÃO EMPRESA ESCOLA (CIEE). Portal CIEE. Disponível
em <http://www.ciee.org.br> Acesso em 01 nov. 2006.
____________. Cartilha do estudante estagiário, São Paulo: 200-.
____________. Um grande negócio para o futuro de sua empresa. São Paulo: CIEE,
1998. (folder).
CHAUÍ, Marilena. A universidade pública sob nova perspectiva. Revista Brasileira de
Educação. Rio de Janeiro, n. 24, s/p., set./dez. 2003. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-
4782003000300002&script=sci_arttext&tlng=pt> Acesso em 23 fev. 2007.
____________. A universidade operacional. Folha de S. Paulo. Caderno MAIS, Brasil
258
500 d.c., São Paulo, 09 de maio de 1999a.
____________. Universidade em liquidação. Folha de S. Paulo. Caderno MAIS, São
Paulo. Acessível em: <http://firgoa.usc.es/drupal/node/3035, acessado em 23 fev. 2007, 11
de julho de 1999b.
____________. A reforma do ensino superior e a autonomia universitária. Serviço Social e
Sociedade São Paulo, ano XX, v. n. 61, p 118, nov. 1999c.
____________. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo:
Editora Moderna , 1981.
CLAVE CONSULTORIA. Consultoria em recursos humanos. Disponível em:
<http://www.claveconsultoria.com.br> s/d., acesso em 18 mar. 2004.
COMISSÃO DE FISCALIZAÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL
(COFI/CEFESS). Reflexões sobre atribuições privativas do(a) assistente social. In:
Atribuições privativas do assistente social – em questão. CEFESS, fev. 2002.
COMITÊ BRASILEIRO DA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE SERVIÇO
SOCIAL (CBCISS). Documento de ARAXÁ. 2. ed. Rio de Janeiro: 1967.
____________. Documento de Teresópolis. 5. ed. Suplemento n. 4. Rio de Janeiro: 1978.
CORTEZ, Julpiano Chaves. O estágio de estudantes na empresa: comentários à Lei n.
6.494, de 07.12.1977 e ao Decreto n. 87.497, de 18.08.1982. São Paulo: LTr, 1984.
COSTA, Ana Maria Santana Neiva; COSTA, Maria José Pereira. Contextualização da
assistência social no Estado brasileiro. Serviço Social e Sociedade. São Paulo, ano IV, n.
12, ago. 1983.
COUTINHO, Carlos Nelson. Contra a corrente: ensaios sobre democracia e socialismo.
Revista Praga. Estudos marxistas, São Paulo, n. 6, p. 137, set. 1998.
CUNHA, Luiz Antônio. A universidade temporã. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1986.
____________. Educação e desenvolvimento social no Brasil. 8. Edição, Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1985.
259
CURADO, Elza. O Serviço Social de Grupo e sua influência no Clube Pré-Natal do
Serviço Social da Indústria (SESI). Trabalho de Conclusão de Curso (graduação)
Departamento de Serviço Social da Universidade Católica de Goiás (UCG). Goiânia. 1960.
CURY, Carlos Roberto Jamil et. al., Estágio nas licenciaturas: 300 horas. In: ENCONTRO
NACIONAL DE ESTÁGIOS, 1., 1997, Curitiba, Anais... Curitiba, UFPR, 1997. (Mesa
redonda).
D’ÁVILA, Manuela Câmara aprova proposta de Manuela para regulamentação de
estágio. Disponível em http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=20521, acesso em
15/07/2007.
DOWBOR, Ladislau. Globalização e tendências institucionais. In: DOWBOR, Ladislau,
IANNI, Octávio, RESENDE, Paulo-Edgar A. (orgs.). Desafios da globalização.
Petrópolis. Vozes, 1998, p. 9.
DUARTE, Teresinha. Se as paredes da catedral falassem: a Arquidiocese de Goiânia e
o regime militar. Goiânia: Editora da UCG, 2003.
EDITORIAL. SERVIÇO SOCIAL E SOCIEDADE. Serviço Social e Sociedade. São
Paulo, ano V, n. 14, abr. 1984.
EDITORIAL. SERVIÇO SOCIAL E SOCIEDADE. Serviço Social e Sociedade. São
Paulo, ano IV, n. 12, ago. 1983.
ENCÍCLICAS SOCIAIS. Relação das principais encíclicas sociais, com sumário.
Disponível em: <http://pensocris.vilabol.uol.com.br/enciclicas.htm> Acesso em, 29 nov.
2006.
FALEIROS, Vicente de Paula. Reconceituação do Serviço Social no Brasil: uma questão
em movimento? Serviço Social e Sociedade, São Paulo, ano XXVI, n. 84, p. 21, nov.
2005.
____________. A reforma do Estado no período FHC e as propostas do Governo Lula. In:
ROCHA, Denise; BERNARDO, Maristela (orgs.). A era FHC e o Governo Lula:
transição? Brasília; Instituto dos Estudos Socioeconômicos (INESC), 2004.
____________. Aonde nos levam as Diretrizes Curriculares? Diretrizes Curriculares:
polêmicas e perspectivas. TEMPORALIS. Brasília, ano I, n. 2, p. 163, jul. a dez./2000.
260
____________. Estratégias em Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1997.
____________. Confrontos teóricos do movimento de reconceituação do Serviço Social na
América Latina. Serviço Social e Sociedade São Paulo, ano VIII, n. 24, p. 49. ago. 1987.
____________. Metodologia e ideologia do trabalho social. São Paulo: Cortez Editora e
Livraria Ltda, 1981.
____________. A política social no estado capitalista: as funções da previdência e
assistência sociais. Cortez Editora, 1980.
FERNANDES, Florestan. Entrevista. Universidade e Sociedade. Sindicato ANDES
Nacional. São Paulo, n. 9, p. 50-54, out. 1995.
____________. A Revolução Burguesa na Brasil. Rio de Janeiro: Guanabara, 1974.
FIORI, José Luís. O vôo da coruja. Rio de Janeiro: Record, 2003.
FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL (FMI). Fundo Monetário Internacional
Introdução. Disponível em: www.pt.wikimédia.org/wiki/fmi - Acessado em 14/10/2005.
FRIGOTTO Gaudêncio. Educação, Crise do trabalho assalariado e do desenvolvimento:
teorias em conflito. In: FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Educação e crise do trabalho:
perspectivas de final de século. Petrópolis: Vozes, 1998 p. 25.
FRIGOTTO Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo: Cortez,
1995.
GERMANO, José Willington. Estado militar e educação no Brasil. 2. ed. São Paulo:
Cortez, 1994.
GUERRA, Yolanda. O projeto profissional crítico: estratégia de enfrentamento das
condições contemporâneas da prática profissional. Serviço Social e Sociedade, São Paulo,
ano XXVIII, n. 91, p. 5 a 33, mar./2007.
____________. Ensino da prática profissional no Serviço Social: subsídios para uma
261
reflexão. Diretrizes Curriculares: polêmicas e perspectivas. TEMPORALIS. Brasília,
ano I, n. 2, p. 153, jul. a dez./2000.
____________. Instrumentalidade do processo de trabalho e Serviço Social. In: Serviço
Social e Sociedade, São Paulo, ano XX, n. 62, março/2000.
____________. A racionalidade hegemônica do capitalismo no Brasil Contemporâneo,
uma análise de suas principais determinações. 1998. Tese (Doutorado). São Paulo,
Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC) – São Paulo.
____________. A instrumentalidade do Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1995.
HADDAD, Fernando. E. M. Ministerial (EMI)
/2007/MEC. s/d. Disponível em
<http//www.portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/lei_estagio_19_04_2007.pdf> Acesso em jan.
2008
_____________. Comentário sobre o Projeto de Lei 993/07. BONDENEWS.
Disponível in.:
<http://www.bonde.com.br/bondenews/bondenewsd.php?id=739LINKCHMdt=20070627>
. Acesso em novembro de 2007.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. 12. ed. São Paulo: Loyola, 2003.
IAMAMOTO, Marilda. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro,
trabalho e questão social. São Paulo: Cortez, 2007.
____________. Atribuições privativas do(a) assistente social. Brasília: CEFESS, 2002.
____________. Reforma do ensino superior e Serviço Social. Reforma do ensino
superior e Serviço Social, Temporalis. Brasília, ano I, n. 1, p. 35, jan./jun. 2000.
____________. A questão social no capitalismo. In: Temporalis. ABEPSS, ano 2, n. 3, p.
9, Jan/Jul. 2001.
____________. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação
profissional. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1999.
____________. Renovação e conservadorismo no Serviço Social. São Paulo: Cortez,
1997.
262
IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul. Relações sociais e Serviço Social no Brasil.
3. ed. São Paulo: Cortez, [Lima, Peru], 1985.
IANNI, Octávio. A política mudou de lugar. In: DOWBOR, Ladislau; IANNI, Octávio;
RESENDE, Paulo-Edgar A. (orgs.). Desafios da globalização. Petrópolis, RJ, Vozes,
1998, p. 17.
____________. Industrialização e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1963.
____________. O colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1978.
INSTITUTO EUVALDO LODI (IEL) –. Portal do IEL. Conheça o IEL. Disponível em:
<http://www.iel.org.br> Acesso em 26 nov. 2006.
____________. IEL Informa, Goiânia, v. 3, n. 12, fev. 1997.
JORDÃO, Sônia Caruza. Organização do Serviço Social em um Centro de
Cancerologia. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) Departamento de Serviço
Social da Universidade Católica de Goiás (UCG). Goiânia, set. 1960.
KAMEYAMA, Nobuco. A trajetória da produção de conhecimentos em Serviço Social:
avanços e tendências (1975 a 1997). Caderno ABESS/CEDEPSS São Paulo, n. 08. p. 33,
nov. 1998.
____________. Metodologia: uma questão em questão: concepção de teoria e metodologia.
Cadernos ABESS. São Paulo, n. 03, p. 99. Março 1989.
KUENZER, Acácia Zeneida. Pedagogia da Fábrica. As relações de produção e a
educação do trabalhador. São Paulo: Cortez, 2002.
____________. Desafios teórico-metodológicos da relação trabalho-educação e o papel
social da escola. In: FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Educação e crise do trabalho:
perspectivas de final de século. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 55.
LIMA, Kátia Regina de Souza. Reforma universitária do governo Lula: o relançamento do
conceito de público não-estatal. In: NEVES, Lúcia Maria Wanderley (org.). Reforma
263
universitária do governo Lula: reflexões para o debate. São Paulo: Xamã, 2004.
LISITA, Gabriel. Vestibulares estão falidos. In: Jornal “Diário da Manhã”, Goiânia,
edição de 07 mar. 2008, p. 10-11.
LOPES, Josefa Batista. A formação profissional em Serviço Social na América Latina e no
Caribe processo histórico e perspectivas atuais. In: Serviço Social e Sociedade São
Paulo, ano X, n. 30, p. 40, maio/ago. 1989.
MACEDO, Magali de. Programa Talentos em Ação. Faculdades Integradas Curitiba.
Apresentação. In: IV Encontro Nacional de Estágio, Anais... Goiânia, 24 a 26 de setembro
de 2001.
MARANHÃO, E. A. A LDB e as diretrizes curriculares. In: ENCONTRO NACIONAL
DE ESTÁGIOS, 1., 1997, Curitiba, Anais...Curitiba, UFPR, 1997.
MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: identidade e alienação. São Paulo: Cortez,
1995.
MARX, Karl; ENGELS, Frederich. A ideologia alemã. 9. ed. São Paulo: Hucitec, 1993.
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos. 5. ed. São
Paulo: Nova Cultural, 1991. (Os Pensadores).
____________. O capital: crítica da economia política. Vol. I., 3. ed. São Paulo: Nova
Cultural, 1988, (Os Economistas).
MASCARENHAS, Ângela Cristina Belém. Educação, Trabalho e Política: uma relação
inevitável. In: MASCARENHAS, Ângela Cristina Belém (Org.). Educação e trabalho na
sociedade capitalista: reprodução e contraposição. Goiânia: Editora da UCG, 2005.
MAYOR, Federico. Prefácio. In.: Política de Mudança e Desenvolvimento no Ensino
Superior. Rio de Janeiro: Garamond, 1999.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (MEC). Portal. Disponível em
<http://portal.mec.gov.br>, acesso em 9 mar. 2008.
MESA REDONDA DO CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA SERVIÇO SOCIAL &
264
SOCIEDADE. Serviço Social e Sociedade. São Paulo, Ano X, n. 30, p. 5 a 28, abr. 1989.
MIGUEL, Walderez Loureiro. O Serviço Social e a promoção do homem: um estudo de
ideologia. 3. ed. Goiânia: Editora UCG, 1980.
MONTAÑO, Carlos. Terceiro Setor e Questão Social Crítica ao padrão emergente de
intervenção social. São Paulo: Cortez, 2003.
NETTO, José Paulo. O Movimento de Reconceituação 40 anos depois. Serviço Social e
Sociedade. São Paulo, ano XXVI, n. 84, p. 5, nov. 2005.
____________. A conjuntura brasileira: o Serviço Social posto à prova. Serviço Social e
Sociedade São Paulo, ano XIV n. 79, p. 5, set. 2004.
____________. Cinco Notas a Propósito da “Questão Social”. In: Temporalis. ABEPSS,
ano 2, n. 3, p. 9, Jan/Jul. 2001a.
____________. Ditadura e Serviço Social. Uma análise do Serviço Social no Brasil
pós-64. 5. ed., São Paulo: Cortez, 2001b.
____________. Reforma do Estado e Impactos no Ensino Superior. Reforma do Ensino
Superior e Serviço Social, Temporalis 1. Brasília, Ano I, n. 1, p. 11, jan./jun. 2000.
____________. Transformações societárias e Serviço Social: notas para uma análise
prospectiva da profissão no Brasil. Serviço Social e Sociedade São Paulo, Ano XVII, n.
50, p. 87, abr. 1996.
____________. Capitalismo monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1992.
____________. O Serviço Social e a tradição marxista. Serviço Social e Sociedade. São
Paulo, ano X, n. 30, p. 89, Abr. 1989b.
_____________. Notas para a discussão da sistematização da prática e teoria em Serviço
Social. Cadernos ABESS, São Paulo, n. 3, p. 141, mar. 1989a.
____________. A propósito da disciplina de metodologia Serviço Social e Sociedade n°
14. São Paulo, ano V, v. n. 14, abr., 1984.
265
____________. A crítica conservadora à reconceptualização. Serviço Social e Sociedade
São Paulo, ano III, n. 5, p. 59, mar. 1981.
NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um Estado para a sociedade civil. Temas éticos e políticos
da gestão democrática. São Paulo: Cortez, 2004.
NOGUEIRA, Vera Maria Ribeiro. O Estágio Curricular como Espaço de Aprendizagem
Profissional. In: CFESS. Conferências e Deliberações do XXXII Encontro Nacional
CFESS/CRESS. Brasília: CFESS, 2004, p. 27.
O POPULAR. Cartas dos leitores. Goiânia, 27 jan. 2007, cad. 1, p. 09.
OLIVEIRA, Delza Luiza de. Técnica de motivação em dois grupos. 1962. Trabalho de
Conclusão de Curso (graduação). Departamento de Serviço Social da Universidade
Católica de Goiás (UCG). Goiânia.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). O Brasil na ONU.
<http://www.batalhaosuez.com.br/onu1BrasilNaONU.htm> Acesso em 26 nov. 2006a.
____________. Conheça a ONU. Disponível em:
<http://www.onu-brasil.org.br/conheca_onu.php> Acessado em 26 nov. 2006b.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO (UNESCO), Política
de mudança e desenvolvimento no ensino superior. Rio de Janeiro, Garamond, 1999.
PAES, Maria Augusta Coutinho. O Serviço Social Médico na recuperação dos
alcoólatras. 1960 Trabalho de Conclusão de Curso (graduação). Departamento de Serviço
Social da Universidade Católica de Goiás (UCG). Goiânia.
PELLIZZARO JÚNIOR, Roque. Na teoria e na prática. Revista Agitação. São Paulo, ano,
XII, n. 68, p. 7 mar./abr. 2006.
PEREIRA, Potyara Amazoneida P. A questão social e as transformações das políticas
sociais: respostas do Estado e da sociedade civil. Ser Social Questão social e Serviço
Social. Revista semestral do Programa de pós-Graduação em Política Social do
Departamento de Serviço Social da UnB. Brasília, nº 6, p. 119, jan./jun. 2000.
REIS, Marcelo Braz Moraes dos. A Política Nacional de Fiscalização e o Estágio como
266
Espaço de Aprendizagem do Exercício Profissional. In: CFESS. Conferências e e
Deliberações do XXXII Encontro Nacional CFESS/CRESS. Brasília: CFESS, 2004.
RIBEIRO, Eleusa Bilemjian. A compreensão polissêmica do estágop no ensino
superior. 1999. Dissertação (Mestrado). Goiânia, Universidade Federal de Goiás (UFG)
Goiânia.
SÁ, Jeanete L. Martins de. Conhecimento e currículo em Serviço Social. São Paulo:
Cortez, 1995.
SADER, Emir. Direitos e Esfera Pública. Serviço Social e Sociedade. São Paulo, ano
XXIV, n. 77, p. 5, março de 2004.
SAVIANI, Dermeval. Da nova LDB ao novo Plano Nacional de Educação: por uma
outra política educacional. Campinas: Autores Associados, 1998.
SÃO PAULO, DATAFOLHA. Opinião pública. São Paulo, 26 de julho de 2005.
Disponível em: <http://datafolha.folha.uol.com.br/po/razoes_pres_21072005.shtml>
Acessado em: 23 fev. 2008.
SETUBAL, Aglair Alencar. Alguns Aspectos da História do Serviço Social no Brasil.
Serviço Social e Sociedade São Paulo, n. 12, ago. 1983.
SETÚBAL, Aglair Alencar. Alguns aspectos da história do Serviço Social no Brasil.
Serviço Social e Sociedade São Paulo: n. 12, ago. 1983.
SILVA NETTO, João Lourenço da. D. João VI e a Família Real Portuguesa no Brasil
1808. Juiz de Fora, Fev 2002. Disponível em:
<http://paginas.terra.com.br/educacao/jlourenco/Dom%20Jo%E3o%20VI%20e%20a%20F
amilia%20Real%20Portuguesa%20no%20Brasil%20-%201808.htm> Acesso em 25 maio
2007.
SILVA, Ademir Alves da. A questão dos estágios e o mercado de trabalho. Serviço Social
e Sociedade São Paulo, ano VIII, n. 24, p. 124, ago. 1987.
SOARES, Laura Tavares. Os custos sociais do ajuste neoliberal na América Latina. São
Paulo: Cortez, 2002. (Questões da Nossa Época).
SOARES, M. L., Maria Luiza Gomes. IEL/SC e UFSC: Integrando o Estágio Cooperativo.
In: IV Encontro Nacional de Estágios, Anais... Goiânia, 24 a 26 de set. de 2001.
267
THERBORN, Göran. Pós - Neoliberalismo: a história não terminou. In: SADER, Emir;
GENTILLI, Pablo. (orgs.). Pós-Neoliberalismo: as políticas blicas e o estado
democrático. São Paulo: Paz e Terra, 1995, p. 39.
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS (UCG). Portal eletrônico. Goiânia.
Disponível em: <http://www.ucg.br> Acesso em 03 maio 2006.
UCG, GABINETE DA REITORIA. Portaria nº 277/2007-GR. Goiânia, 2007.
UCG/PROEX/CAE. O perfil do Calouro da Católica (Relatório de Pesquisa). 2º semestre
de 2007
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo