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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICÃO E CULTURA
CONTEMPORÂNEAS
ANDRÉ LUIZ SOUZA DA SILVA
O HERÓI NA FORMA E NO CONTEÚDO:
análise textual do mangá
Dragon Ball
e
Dragon Ball Z
Salvador
2006
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ANDRÉ LUIZ SOUZA DA SILVA
O HERÓI NA FORMA E NO CONTEÚDO:
análise Textual do Mangá Dragon Ball e Dragon Ball Z
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em
Comunicação e Cultura Contemporânea da Faculdade de
Comunicação da Universidade Federal da Bahia como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Comunicação.
Orientador: Profº Dr. José Benjamim Picado
Salvador
2006
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Biblioteca
Central Reitor Macêdo Costa
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Silva, André Luiz Souza da.

O herói na forma e no conteúdo : análise textual do Mangá Dragon Ball e Dragon Ball Z

por
André Luiz Souza da Silva2006
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133 f. : il + anexo
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Orientador : Prof. Dr. José Benjamim Picado
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Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Comunicação, 2006
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. Histórias em quadrinhos - Japão - História.Heróis - Histórias em quadrinhos -
Aspectos
Psicológicos. 3. Histórias em quadrinhos - Linguagem. 4. Heróis na comunicação
de massa. I.
I.Picado, José Benjamim. II. Universidade Federal da BahiaFaculdade de Comunicação.
III. Título


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CDD - 741.59
Dedico a todos aqueles
que me ajudaram nesses
dois anos de jornada.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, aos meus pais, Vital Soares e Sônia Souza, aos meus irmãos,
Patrícia Júlia e a Luciano Souza, pela dedicação e paciência durante todo esse tempo. Em
especial a meu irmão e cunhado, Agripino Coelho, por perceber ainda nos meus primórdios
acadêmicos que esse sonho seria possível de se realizar.
Aos meus amigos e aliados nessa jornada, que o muitos e corro agora o risco de esquecer
algum deles: Isa Trigo, Antônio Neto, Ronalda Barreto, Stella Rodrigues (docentes da minha
graduação e da especialização na UNEB). Aos professores do mestrado Wilson Gomes (pela
disciplina), Giovandro Ferreira e Itania Gomes (pela paciência e pelas oportunidades), Jeder
Janotti Jr. (pela atenção e simplicidade em ver a vida), Maria Carmem (pela sua capacidade de
sorrir e por acreditar em mim desde o começo) e ao professor Marcos Palácios (que teve a
grandeza de me ouvir pela primeira vez mesmo sem saber direito o que eu faria na pós-
graduação). Também não poderia deixar de citar os meus companheiros de curso: Nelson
Júnior, Lílian Reichert e Cleomar Rocha (que acreditaram em mim em uma época em que eu
era apenas um andarilho na FACOM), Jorge Cunha, Juliana Guttmann, Edson Dalmonte e aos
meus colegas de pesquisa Greice Schneider, Angie Biondi, Jônathas Araujo e rio Barata.
Não posso esquecer também de Sol Benício (por confiar-me toda a sua coleção de “Dragon
Ball” e “Dragon Ball Z”, por tempo indeterminado), Ricardo Cidade (por me passar
informações valiosas sobre o universo dos mangás), Gurmecindo Pereira, Natacha Canesso,
Antônio Brotas, Rodrigo Cerqueira (pelas revisões), Ana Bicalho (pelo apoio, carinho e
ternura), Ely Fujyama (pela força em momentos cruciais) e a Claudiane e Lara (por
instituírem a poesia da minha vida).
Ao órgão de fomento de pesquisa CNPQ (pela concessão da bolsa de mestrado).
A Umberto Eco e Fresnault-Deruelle (autores que me inspiram academicamente). E,
finalmente, ao meu orientador e amigo José Benjamim Picado (por me ajudar a adquirir o
meu “Estilete de Sabre” e me estimular a ser um Cavaleiro Jedai com espada e tudo).
“Que a força esteja
com você.”
(mestre Yoda em Guerra nas Estrelas)
RESUMO
A presente dissertação, intitulada O herói na forma e no conteúdo: análise textual do mangá
Dragon Ball e Dragon Ball Z, objetiva averiguar os aspectos narrativos que compõem o
mangá ao longo dessa série, verificando o papel do herói e a sua relação com os demais
personagens. Para isso, a investigação analisa os aspectos plásticos do herói no contexto da
economia narrativa geral dos quadrinhos. O objetivo é ponderar e realçar certos aspectos de
ordem morfológica e das ações narrativas entre o herói do mangá e o herói das comics,
partindo do pressuposto de que o conceito de mangá deve ganhar uma amplitude que não se
restrinja à sua origem de produção. Portanto, a nossa proposta é pautada na análise interna dos
mangás, tendo em vista não a distribuição das imagens no espaço das páginas, como
também a construção da figura do herói.
ABSTRACT
This dissertation, named The hero in form and content: a textual analysis of “Dragon Ball”
and “Dragon Ball Z”, aims to study the narrative aspects which constitutes the manga
throughout this series, verifying the role of the hero and its relationship with the others
characters. To do so, this investigation analyses the hero’s plastic aspects inside the comics’
general narrative economy. It aims to ponder and to emphasize some morphological aspects
and the narrative action between the manga hero and the comics one, assuming that the
concept of manga should not be restrict to its production. Therefore, our proposal is based
upon the manga intrinsical analyses, observing not only the images disposal in the page, but
also the constitution of the hero.
RÉSUMÉ
Cette dissertation, intitulée Le héros dans la forme et dans le contenu : analyse textuelle des
mangas « Dragon Ball » et « Dragon Ball Z », se propose d’examiner les aspects narratifs qui
composent le manga tout au long de cette série, en verifiant le rôle du héros et sa relation avec
les autres personnages. Pour cela, cette recherche analyse les aspects plastiques du héros dans
le contexte de l'économie narrative générale des bandes dessinés. Le but est d’évaluer et de
souligner certains aspects d'ordre de la morphologie et des actions narratives entre le héros du
manga et le ros des bandes dessinées américaines, en partant de la présupposition que le
concept du manga devrait gagner une importance qui ne se limite pas à son origine de
production. Dès lors, notre proposition est centrée sur l'analyse interne des mangas, en gardant
à l’esprit non seulement la distribution des images sur l'espace des pages mais également la
construction de la figure du héros.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 -
Personagens de autoria de Osamu Tezuka 13
Figura 2 -
Charles Wirgman e Rakuten Kitazawa 14
Figura 3 -
Revista Dragon Ball de Akira Toriyama, lançada pela Editora Conrad 17
Figura 4 -
Tira de The Spirit com expansão espacial no último quadro 24
Figura 5 -
Página de The Spirit de Will Eisner 25
Figura 6 -
Página de Dragon Ball na qual o uso das onomatopéias integradas a
diagramação da página
26
Figura 7 -
Onomatopéia em forma de ideograma, ressaltando a idéia de força e descida
28
Figura 8 -
As onomatopéias de caráter estritamente informativo 28
Figura 9 -
Representação das linhas nas onomatopéias reforçando a tensão narrativa
dos mangás
29
Figura 10 -
Letras e balões com aspecto de imagem 31
Figura 11 -
Ícones nos balões assumindo um aspecto verbal 32
Figura 12 -
Páginas de Dragon Ball em que o discurso narrativo funciona praticamente
sem a presença do texto verbal
33
Figura 13 -
Exemplos do uso das onomatopéias e dos balões no mangá Dragon Ball 34
Figura 14 -
A forma do balão e a acentuação visual do texto ajudando a reforçar a
dramaticidade das situações exibidas nos mangás
35
Figura 15 -
Exagero facial conotando uma situação de humor 36
Figura 16 -
Padrões linhas expressando o estado dos personagens no mangá 37
Figura 17 -
Linhas são usadas para reforçar o estado psicológico dos personagens 38
Figura 18 -
Duas páginas de X que sugerem movimento e força 38
Figura 19 -
Utilização das linhas para a representação do movimento 39
Figura 20 -
Seqüência de quadrinhos na qual a decupagem leva a leitura linear do trecho
da história
41
Figura 21 -
Página de X-Men na qual a disposição das imagens leva a uma leitura
multilinear
42
Figura 22 -
Princípio da “tabularidade” produzindo um sentido narrativo 42
Figura 23 -
Linhas criando uma integração entre um quadrinho e outro 43
Figura 24 -
Incidência da cor pontuando as paginas em Watchmen 45
Figura 25 -
Eixo de leitura horizontal em Tintin, originário das tirinhas de jornal 46
Figura 26 -
A linearidade de leitura nos álbum em quadrinhos de Asterix e Spirou e
Fantasio
47
Figura 27 -
Página de Dragon Ball Z 47
Figura 28 -
Diagramação com sobreposição de figuras e assimetria dos quadros 49
Figura 29 -
Temáticas cotidianas em Dragon Ball e Dragon Ball Z 53
Figura 30 -
A quadrenização tema a tema nos mangás 54
Figura 31 -
Esquema de uma personagem de mangá 56
Figura 32 -
Uso da “hotline” em Dragon Ball e Dragon Ball Z 57
Figura 33 -
Dois momentos distintos da representação visual do Superman:
iconicamente e realisticamente
58
Figura 34 -
Formas de enquadramentos cinematográficos em Dragon Ball Z 62
Figura 35 -
Apresentação do vilão Cell sem a necessidade de um texto verbal 64
Figura 36 -
Representação da comicidade nos mangás através do exagero das
expressões
66
Figura 37 -
A imagem dependente do texto em Toda Mafalda 69
Figura 38 -
A imagem com uma certa independência do texto em Toda Mafalda 69
Figura 39 -
A imagem independente do texto em Toda Mafalda 70
Figura 40 -
Seqüência narrativa culminando em uma disjunção cômica 70
Figura 41 -
O aspecto cômico gerado por objetos e veículos que lembram brinquedos ou
réplicas
73
Figura 42 -
Super-herói das comics e dos seriados japoneses ironizados por Akira
Toriyama nas aventuras de Dragon Ball e Dragon Ball Z
78
Figura 43 -
Goku em uma situação de humor com a personagem Bluma 79
Figura 44 -
Goku na idade adulta 79
Figura 45 -
Duas passagens do Homem-Aranha com presença de senso de humor diante
de situações críticas
80
Figura 46 -
Dupla identidade: uma das características típicas do super-herói 82
Figura 47 -
Goku 84
Figura 48 -
Mestre Kame 84
Figura 49 -
Kulilin 84
Figura 50 -
Personagens de cunho fantástico: tartaruga 85
Figura 51 -
Personagens de cunho fantástico: porquinho falante 85
Figura 52 -
Personagens de cunho fantástico: sereia 85
Figura 53 -
Veículo encontrado nas histórias de Dragon Ball e Dragon Ball Z 85
Figura 54 -
Personagem Chichi: homenagem a Ultra Seven 86
Figura 55 -
Três exemplos de Xilogravuras, mostrando cenas do cotidiano japonês 87
Figura 56 -
Transição aspecto-para-aspecto encontrado freqüentemente nos mangás 88
Figura 57 -
Seqüência em quadrinhos com ritmo mais lento por causa da descrição das
imagens
89
Figura 58 -
Descrição aspecto para aspecto da personagem através da fragmentação da
imagem
90
Figura 59 -
Descrição dos personagens através de uma apresentação em página inteira 90
Figura 60 -
A evolução do herói Goku de Dragon Ball à Dragon Ball Z 92
Figura 61 -
Robin, um dos exemplos mais típicos do amigo do herói nas comics 99
Figura 62 -
Salvamento do amigo do herói 99
Figura 63 -
Goku e alguns dos seus amigos durante a saga de Dragon Ball e Dragon
Ball Z
100
Figura 64 -
Figura do mentor em Guerra nas estrelas: mestre Yoda 102
Figura 65 -
Figura do mentor em Dragon Ball e Dragon Ball Z: mestre Kame 102
Figura 66 -
Figura do mentor em O Senhor dos Anéis: mago Gandalf 102
Figura 67 -
Figura do mentor em Batman Begins: Ra’s al Ghul 102
Figura 68 -
Figura do mentor em Guerra nas estrelas: Obi-Wan 102
Figura 69 -
Picolo e Senhor Kaioh assumiram também os papéis de mestres na saga de
Dragon Ball Z
107
Figura 70 -
Caveira Vermelha: o arquiinimigo do Capitão América 111
Figura 71 -
Figura do vilão: tipo de traço mais grosseiro e quebradiço no contorno e na
distorção da sua musculatura
112
Figura 72 -
Figura do vilão: tipo de traço mais grosseiro e quebradiço no contorno e na
distorção da sua musculatura
112
Figura 73 -
Figura do vilão: uma coloração de pele diferenciada em relação ao herói 112
Figura 74 -
Figura do vilão: uma coloração de pele diferenciada em relação ao herói 112
Figura 75 -
Figura do vilão: o uso de sombras, principalmente aquelas localizadas no
rosto, para passar a idéia de sombrio e temeroso
112
Figura 76 -
Figura do vilão: Batman versus Ra’s Al Ghul 114
Figura 77 -
Figura do vilão: Super-Homem 114
Figura 78 -
Figura do vilão: Aventura e Ficção 114
Figura 79 -
Perspectiva e posicionamento dos personagens passando idéia de
superioridade do herói em relação ao vilão
115
Figura 80 -
Picolo 116
Figura 81 -
Raditz, Nappa e Vegeta 118
Figura 82 -
Vilões de Dragon Ball e Dragon Ball Z: Grande Pilaf 119
Figura 83 -
Vilões de Dragon Ball e Dragon Ball Z: Freeza 119
Figura 84 -
Vilões de Dragon Ball e Dragon Ball Z: Cell 119
Figura 85 -
Vilões de Dragon Ball e Dragon Ball Z: Majin Boo 119
Figura 86 -
Goku de forma destacada em Dragon Ball e Dragon Ball Z 124
1. INTRODUÇÃO
Personagens de autoria
de Os
amu Tezuka
Fig. 1. Personagens de
autoria de Osamu
Tezuka.
1.1 A ORIGEM DO MANGÁ
Os mangás, também popularmente conhecidos como
“quadrinhos japoneses”, que a algumas décadas atrás se
restringiam a uma produção e consumo no Japão, mas que hoje
alcançam sucesso em todo o mundo, têm uma origem que
remonta a uma data distante. Mesmo levando em consideração
que Dragon Ball e Dragon Ball Z estariam dentro da esfera mais
contemporânea das produções do mangá, configurada a partir da
década de 60, cujo principal precursor foi o artista Osamu
Tezuka, não poderíamos ignorar o percurso histórico pelo qual
os mangás passaram até chegar a sua atual formatação (Fig. 1).
O enfoque da nossa pesquisa não tem um viés histórico, mas
acreditamos que uma breve explanação sobre as origens do
mangá poderia ajudar no esclarecimento do seu conceito. Assim,
no decorrer da dissertação, aspectos ligados, por exemplo, a um certo tipo de humor, dado
pelos exageros faciais dos personagens, ficarão mais claros, se tivermos em vista as suas
procedência.
Segundo Luyten (2003, p. 2), as histórias em quadrinhos
1
japonesas não se diferenciaram
muito em relação às outras produções de hq’s
2
realizadas no resto do mundo até chegarem à
forma definitiva de sua linguagem. Assim como em muitos países europeus ou asiáticos, no
Japão, foram muitos os marcos que definiram o que denominamos de arte “seqüencial”.
Na Idade dia japonesa, durante séculos XI e XII, já se produziam desenhos pintados sobre
grandes rolos de papel de arroz nos quais se contavam uma história. Os mais famosos o
chamados de Chojugiga desenhos humorísticos de ssaros e animais de origem sacra,
elaborados pelo monge Kakuyu Toba. Até o século XV, muitos outros cartuns humorísticos
eram populares entre a população, exatamente quando o país passava por inúmeras guerras.
1
MacCloud (1995, p. 9) afirma que as histórias em quadrinhos são imagens pictóricas e justapostas em
seqüência deliberada, destinadas a transmitir informações e/ou produzir resposta no espectador.
2
Abreviação para histórias em quadrinhos.
Fig. 2. Charles Wirgman e Rakuten Kitazawa.
Outro tema também muito popular a partir do século XV foi o das histórias de fantasmas e
assombração de evidência humorística, como é o caso da Caminhada noturna de cem
demônios, de Hyakki Yako.
Mas foi no Período Edo (1660-1867) que os quadrinhos japoneses deram um grande salto, a
partir das obras do artista Katsushita Hokusai. Este gênero de arte consistia na produção de
gravuras em madeira, com temas populares, que projetou uma realidade mais livre do que a
dos cânones tradicionais. Dessa forma, Hokusai, entre os anos 1814 e 1849, criou um
conjunto de obras em 15 volumes, designadas de Hokusai Manga. Estes desenhos com
contornos de caricatura tinham como temática a natureza representada fantasticamente, a vida
nas cidades, as classes sociais e a personificação dos animais.
Alguns anos mais tarde, o mangá teve
o nome adotado por causa do
desenhista Rakuten Kitazawa. Este
desenhista pertenceu à geração de
artistas pós-abertura dos portos no
Japão (1853). Até esta data, o país
esteve isolado do resto do mundo, à
exceção da Holanda, por mais de 200
anos. O novo período nipônico,
denominado Meiji, trouxe muitas inovações para o país, inclusive no âmbito artístico e
jornalístico, com a vinda de estrangeiros, principalmente da Europa. Foi neste ambiente que
os japoneses conheceram as primeiras revistas humorísticas nos padrões com que eram
produzidas na Inglaterra e também na França.
Rakuten Kitazawa sofreu grande influência do inglês Charles Wirgman, que editou o jornal
The Japan Punch e que trouxe para o meio jornalístico japonês os modelos da imprensa
britânica, como as charges políticas, levando ao deslumbramento os leitores nipônicos (Fig.
2).
A partir dessa repercussão, surgiu, em 1877 a primeira revista japonesa humorística,
denominada Marumaru Shimbum, que foi publicada por 30 anos.
Os japoneses, a princípio, introduziram muitas histórias vindas dos Estados Unidos, que
surgiram no início do século XX, nos jornais. Entretanto, gradativamente, começaram uma
produção local a partir do momento em que constaram que os temas, além do conceito de
humor usado pelos artistas norte-americanos, não representavam os fatos do seu país.
O outro marco editorial no Japão ocorreu a partir de 1920, momento em
que as histórias em quadrinhos japonesas ganharam definitivamente a
denominação de mangá. O nome é derivado das charges
3
desenhadas
pelo artista Hokusai. A tradução da palavra mangá significaria,
literalmente, “desenhos irresponsáveis”, mas levou tempo para que a
terminologia fosse absorvida pelo imaginário popular, até porque, na
época do seu surgimento, eram usadas outras palavras para descrever
ilustrações cômicas e até mesmo as próprias charges.
4
Com o passar dos anos, o mangá foi se definindo e se consolidando como uma forma de
expressão e comunicação achegar à sua configuração atual. O mangá contemporâneo se
diferencia, graficamente, das hq’s americanas (comics) e européias por possuir personagens
com olhos grandes, de forma geométrica simplificada e cabelos espetados, e suas narrativas
contêm, geralmente, muita ão e poucos diálogos. os seus temas estão, invariavelmente,
centralizados na luta entre o bem e o mal. As características do mangá, como as conhecemos
hoje, foram definidas em meados dos anos 40 pelo “pai do mangá moderno”, o desenhista
Osamu Tezuka.
O artista inspirou-se em alguns detalhes usados por Walt Disney para a caracterização das
suas criações, sobretudo o tamanho dos olhos. A influência do mangá pode ser observada, no
Brasil, nos quadrinhos de Maurício de Souza, a partir dos anos 70, com seus personagens
Mônica, Magali, Chico Bento e outros (GRECO, 2000, p. 17).
3
A palavra charge, em francês, significa “ataque”, o que parece conveniente, principalmente se levarmos em
consideração que a charge, geralmente, é uma representação gráfica que tem por objetivo criticar alguém ou
alguma situação temporal.
4
Antes da adoção do termo mangá, havia outros nomes para designar a arte narrativa em imagens seqüenciais,
como Toba-e (desenho de toba), Giga (desenhos divertidos), cuja origem é Chojugica desenhos engraçados de
pássaros e animais –, Kioga (desenhos loucos), Ponchi-e (desenhos Punch) (LUYTEN, 2000, p. 43).
Com o decorrer do tempo, fatores como a expansão dessa arte para resto do mundo,
principalmente por meio da animação, e a percepção mercadológica dos editores para usos
específicos, possibilitaram ao mangá atingir diversas faixas etárias e finalidades, tornando,
assim, este tipo de hq um meio de comunicação cada vez mais segmentado. Dessa forma,
podemos citar, genericamente, alguns tipos de mangá:
a) Por idade: Kodomo Mangá (dirigido às crianças), Shõnen Mangá (dirigido aos meninos),
Shõjo Mangá (dirigido às garotas), Seinen Mangá (dirigido aos adultos), Josei Mangá
(dirigido às mulheres);
b) Por gêneros: Harem Mangá (um garoto rodeado por garotas), Magõ Shõjo (ou Magical
Girl uma garota que se transforma e adquire poderes especiais), Mecha (robôs gigantes),
Shõjo-ai (romance lésbico), Shõnen-ai (romance Gay).
também o mangá erótico, chamado simplesmente de hentai no ocidente,
ainda que no Japão a denominação de Seijin Mangá ou Ecchi seja mais comum. O hentai se
subdivide em categorias, que também servem para classificar produtos como jogos, desenhos
animados e games:
a) Softcore: Loli-con (meninas), Shõtan-com (meninos), Yuri (tema lésbico), Yaoi (tema gay)
e;
b) Hardcore: Futanari (hermafroditas), Ero-Guro (erótico grotesco), Kemono (animal
humanóide);
Desta maneira, o mangá, como um tipo peculiar de histórias em quadrinhos, ajuda a
desconstruir a idéia equivocada, mais ainda pregnante, de que este meio comunicacional é
endereçado somente para um público infantil.
1.2 SOBRE DRAGON BALL E DRAGON BALL Z
Impulsionada pelo sucesso de Dragon Ball, exibido pela Rede Bandeirantes no ano de 2000, a
Editora Conrad começa a publicar os episódios do mangá Dragon Ball, intercalando na
seqüência numérica de suas edições Dragon Ball Z, ambas do artista japonês Akira
Fig. 3 Revista Dragon
Ball
de Akira Toriyama,
lançada pela Editora
Conrad.
Toriyama,
5
com periodicidade quinzenal, em formato pequeno e com as histórias em preto e
branco (uma cor). O que distingue esse mangá dos demais é o fato de que a leitura dos balões,
dos quadros e das páginas podem ser lidos de maneira nipônica,
isto é, da direita para esquerda. No Japão, a saga de Dragon Ball
e Dragon Ball Z saía na revista de mangá semanal, chamada
Shonen Jump, e vendeu mais de 109 milhões de exemplares
em todo o mundo (Fig. 3).
A série Dragon Ball conta a história do garoto Goku e seus
amigos em busca das “sete esferas do dragão”, que, juntas, o
capazes de realizar qualquer desejo solicitado. As aventuras são
recheadas de vilões, situações de humor, artes marciais
misturadas com o aumento dos poderes extra-humanos dos
personagens, geralmente de origem mística ou biológica, que se
defrontam ocasionalmente em torneios de luta.
Em Dragon Ball Z encontramos Goku na idade adulta, casado, mais poderoso e com maiores
responsabilidades. O herói assume a tarefa de defender o mundo em que vive da horda de
malfeitores, que ora quer dominar o planeta, ora quer destruí-lo.
Assim, na saga, tanto os mocinhos como os bandidos objetivam juntar as esferas do dragão
para utilizá-las como instrumento de poder – resultando em uma espécie de caça ao tesouro.
Para criar Dragon Ball, Toriyama uniu uma lenda chinesa a uma indiana. A primeira falava
sobre a existência das “Sete Esferas do Dragão”, que invocavam um Dragão que concederia
um desejo qualquer a pessoa. A lenda indiana, por sua vez, versava sobre um macaco de pedra
humanizado, cujo nome era Sun Wun-Kun, que podia voar em uma nuvem e carregava um
bastão mágico.
5
O criador da série nasceu em abril de 1955 nas proximidades de Nagoya, no Japão. Abandonou os estudos em
1977 para começar a desenhar e, algum tempo depois, foi contratado pela Shueisha, uma grande editora
japonesa. Descobriu o desenho quando criança através dos clássicos Disney e das obras de Osamu Tezuka. Akira
Toriyama também é autor do mangá cômico de grande repercussão durante quatro anos no Japão (1980-1984),
chamado Dr. Slump. Os personagens desta série, por sinal, tiveram uma rápida aparição na saga Dragon Ball (no
Brasil, DB, 14). Para titulo de citação, usaremos a numeração corrente de 1 a 83 e não a numeração alternativa
oferecida pela editora, representado pela letra “Z”, quando a saga Dragon Ball Z se inicia.
Para essa pesquisa utilizamos as 83 revistas da saga Dragon Ball e Dragon Ball Z,
6
publicados no Brasil de dezembro de 2000 a outubro de 2003.
1.3 O PROBLEMA DA PESQUISA E SUA DIMENSÃO
A pesquisa, intitulada O herói na forma e no conteúdo do mangá,
7
objetivou analisar os
aspectos narrativos que compõem o mangá através das obras Dragon Ball e Dragon Ball Z,
verificando o papel do herói nessas histórias em quadrinhos. A escolha de Dragon Ball e
Dragon Ball Z deu-se, principalmente, pelo fato de ser uma obra completa, o que possibilitou
verificar com maior precisão o percurso do herói.
Utilizamos a série de mangá chamada Dragon Ball e Dragon Ball Z para analisar o herói,
privilegiando as características da sua morfologia, isto é, os seus aspectos de construção
plástica, na esperança de que esta possa se constituir como suplementação de uma abordagem
textual. Para responder ao questionamento sobre o papel do herói nos mangás, foram tomados
os seguintes pressupostos:
a) O conceito de mangá ganha uma amplitude que o se restringe mais à sua origem de
produção e é independente da classificação de produtores e críticos. Portanto, a nossa
predileção de abordagem é tanto pelo caminho das características narrativas, da construção
dos personagens, quanto por sua morfologia e também pelo arranjo das ginas, verificando,
neste caso, a sua vetorização de leitura;
b) O mangá é uma prova da capacidade do texto-imagem de narrar sem a necessidade de uso
do texto-escrito, configurando-se, portanto, em um meio comunicacional muito mais visual do
que verbal, mesmo com a presença das palavras, através dos tulos balões, onomatopéias e
legendas;
6
As histórias de Dragon Ball Z são intercaladas com a série em mangá Dragon Ball, publicada no Brasil pela
Editora Conrad. São
33 números da coleção sob o título de Dragon Ball e 50 números da coleção sob o título
Dragon Ball Z, totalizando 83 números no período de dezembro de 2000 a outubro de 2003.
7
O titulo é inspirado nas pretensões de Scott MacCloud, o qual afirmava que, para chegar a uma
conceitualização mais precisa sobre as histórias em quadrinhos, era necessário fazer uma espécie de cirurgia
estética e separar a forma do conteúdo (MACCLOUD, 1995, p. 5).
c) O herói é o ponto central da estrutura narrativa do mangá, o havendo possibilidade de
elaboração de narrativas paralelas com os outros personagens.
8
Do ponto de vista teórico, a contribuição desta pesquisa estaria mais no âmbito da análise
interna
9
dos mangás, que a maioria dos estudos sobre este tema é direcionada para a
historiografia ou para uma análise mais sociológica, principalmente aquelas que tematizam a
ideologia. Com isso, pretende-se conceituar com mais propriedade o que vem a ser
denominado de “Mangá”, a partir da estruturação narrativa e das características morfológicas
dos personagens.
O mangá tornou-se, nesses últimos anos, um expressivo fenômeno comunicacional de massa,
saindo dos limites de um produto midiático tipicamente local, para ganhar notório destaque
em todo o mundo, fato que se realiza também no Brasil. A literatura acadêmica que tem como
temática as histórias em quadrinhos fazem sempre uma abordagem de reconstituição histórica
ou ideológica
10
desse meio comunicacional, ficando, portanto, muito a desejar no que se
refere a pesquisas que contemplem a compreensão dos aspectos do discurso textual do mangá.
Acreditamos que o herói é o ponto central para a conceitualização do mangá e que os aspectos
acima citados giram em torno da construção do mesmo, diferentemente, portanto, das hq’s
européias ou das norte-americanas, que admitem o uso de personagens com papéis mais
difusos ou polêmicos no desenrolar das narrativas, como, por exemplo, as histórias em
quadrinhos ligadas ao movimento underground nos Estados Unidos.
11
8
Este seria, portanto, o motivo para que os desdobramentos narrativos levem a uma finitude. O mané exibido
ao leitor como uma saga, pois conta a trajetória do herói.
9
Também conhecida academicamente por análise estrutural.
10
Seguindo esta linha de abordagem das histórias em quadrinhos podemos citar: A explosão criativa dos
quadrinhos (CIRNE, 1977); Para ler quadrinhos (CIRNE, 1975); Uma introdução política aos quadrinhos
(CIRNE, 1982); História e crítica dos quadrinhos brasileiros (CIRNE, 1990); Super Homem e seus amigos do
peito (DORFMAN e MARTELART, 1978); Para ler o Pato Donald: comunicação de massa e colonialismo
(DORFMAN e MARTELART, 1980); e Mangá: o poder dos quadrinhos japoneses (LUYTEN, 2000).
11
Os quadrinhos underground, influenciados pela iniciativa no campo da música e pelo movimento hippie,
tinham como seu idealizador o quadrinísta Robert Crumb. Estas histórias em quadrinhos visavam produzir
materiais alternativos, diferenciando-se das comics os quadrinhos das grandes editoras. Os temas geralmente
envolviam drogas, sexo, violência, crítica ao capitalismo e subversão à ordem do sistema. Eram representados,
geralmente, por anti-heróis politicamente incorretos e associados às minorias sociais: negros, mendigos, gays,
latinos, mulheres, crianças, deficientes físicos entre outros. Estilisticamente, o traço é estereotipado, com cenas
de subúrbios, prostíbulos, boates com muita sombra e pouca luz. A difusão das histórias acontecia em fanzines
ou em revistas de pouca tiragem de editoras alternativas.
Mesmo ainda na vertente sociológica, a bibliografia científica que fala especificamente dos
fenômenos das histórias em quadrinhos ainda é incipiente se compararmos às publicações
sobre outros meios comunicacionais como a televisão e o cinema.
Para Carrier (2000), no que se refere às histórias em quadrinhos, pouca reflexão houve sobre o
sucesso que experimentam certos artistas deste campo de produção, o que parece denotar um
preconceito estético no que diz respeito a ponderações acadêmicas sobre esta forma de arte.
Verifica-se, assim, um sistemático silenciamento científico acerca desse tipo de expressão.
No caso dos mangás, em função da sua repercussão junto aos leitores e das possíveis
influências na formação de comportamentos e de novos valores, entendemos ser fundamental
a realização de estudos científicos voltados para o entendimento desse fenômeno no que toca
à experimentação, priorizando os aspectos comunicacionais e estéticos.
A escolha por Dragon Ball e Dragon Ball Z é dada pelo sucesso alcançado no mundo inteiro,
principalmente junto ao público jovem, aliado também à possibilidade de averiguação das
características morfológicas, poéticas e temáticas do herói, que esta série, no nosso
entendimento, parece comportar os principais traços para denominar uma história em
quadrinhos de mangá, considerando a sua estruturação interna e não a sua realização no
Japão. Em outras palavras, acreditamos que o mangá deve ser conceituado mais
freqüentemente pelos pesquisadores, tendo em vista estas características estruturais do que o
simples fato de uma origem nipônica.
Além disso, a escolha de Dragon Ball e Dragon Ball Z é justificada por possuir personagens
com papéis bem definidos para a articulação narrativa, isto é, sem serem dúbios, como anti-
heróis, ou com crise de identidade. Por fim, ressaltamos que essas características estruturais
estão diretamente ligadas aos principais objetivos, ou estratégias, desse tipo de história em
quadrinhos, isto é, a fidelização do leitor.
Mais especificamente, nesta perspectiva, a pesquisa usando Dragon Ball e Dragon Ball Z visa
a contribuir para o entendimento desse tipo de hq pelo viés das análises dos elementos
narrativos, considerando que a história conta um fato que se passa em determinado tempo e
lugar. A mesma existe na medida em que algum tipo de ão é praticada pelos
personagens.
Um fato, em geral, acontece por uma determinada causa e se desenrola envolvendo certas
circunstâncias que o caracterizam. É necessário, portanto, mencionar o modo como ocorre o
acontecimento, isto é, de que maneira o fato ocorreu. Um acontecimento provoca
conseqüências decorrentes da ação. Portanto, é nesta contextura narrativa que pretendemos
nos debruçar para entender o papel dos heróis nos mangás, usando como objeto a saga de
Dragon Ball e Dragon Ball Z.
Tendo em vista este panorama, foram colocados como objetivos desta pesquisa a investigar a
constituição do herói nas narrativas do mangá através da análise dos aspectos visuais, poéticos
e temáticos; analisar as diferenças entre o herói do mangá e o herói representado
principalmente pela comics, considerando as características semiológicas das imagens e a
operacionalização desses aspectos no desenrolar narrativo; discutir e estabelecer novas bases
conceituais para o mangá e para as comics, tomando como ponto de partida os elementos
narrativos; identificar e verificar como se articulam esses elementos narrativos nas obras
Dragon Ball e Dragon Ball Z, que possam servir de pressuposto para a análise das estruturas
internas da construção das narrativas e do modelo do herói nessas hq’s; verificar a
importância do herói como elemento restaurador da ordem nas reviravoltas narrativas do
mangá, e como isso acontece através das análises internas do texto; e, também, constatar que
a ausência do texto verbal não causa prejuízos na compreensão do papel do herói dentro da
narrativa do mangá.
Considerando estes objetivos, a pesquisa abordou a discussão sobre o papel do herói nas
narrativas do mangá, tendo como base teórica os pressupostos sobre a estrutura e a narrativa
das histórias em quadrinhos, desenvolvidas, principalmente, pelo pesquisador francês
Fresnault-Deruelle.
Ao longo dos seus textos, o autor analisa diversas hq’s, verificando as informações semânticas
contidas nos quadrinhos tais como a relação entre os quadros, os balões, as onomatopéias e as
formas das letras, e também a relação dos personagens com o cenário, o contraste ou
tratamento diferenciado do traço estilístico entre os personagens e os elementos da cena e a
distribuição desses subsídios na composição de um plano.
Fresnault-Deruelle procurou definir uma gramática das hq’s, contemplando, por um lado, os
elementos morfológicos correspondentes aos diferentes constituintes distinguidos no código
das hq’s (por exemplo: a vinheta, o plano, o ângulo de visão, a legenda, o balão e a
onomatopéia) e, por outro, os elementos sintáticos, responsáveis pela combinação dos
elementos morfológicos, correspondendo, essencialmente, a relação imagem/texto.
É neste cenário que também entram em jogo os elementos constituintes da estruturação da
página em que o herói das histórias em quadrinhos, obedecendo a uma ordem estrutural
narrativa diferente da construção do herói encontrado, por exemplo, nos contos mitológicos e
religiosos, articula-se e evidencia-se aos olhos do leitor, causando admiração de forma
modelar, que pretendemos abordar no capitulo sobre a configuração do herói nas narrativas do
mangá Dragon Ball e Dragon Ball Z.
***
Para descrever e averiguar as questões relacionadas ao papel do herói na forma e no conteúdo
dos mangás, organizamos a dissertação da seguinte maneira.
Analisaremos, na primeira parte da pesquisa, as questões de ordem ligadas às características
do mangá, compreendendo a estruturação das páginas, a morfologia dos personagens, a
construção das poéticas narrativas e as escolhas temáticas. Esse intuito surge na esperança de
que estes tópicos possam dar conta de uma conceituação mais precisa do fenômeno dos
mangás estruturalmente falando, tendo como pivô a imagens e as suas implicações textuais.
Uma vez realizada esta primeira etapa, partiremos, então, para uma averiguação final e mais
especifica do papel do herói no interior das narrativas, elegendo o personagem Goku, de
Dragon Ball e Dragon Ball Z, como um exemplo típico de herói de mangá. Para isso, iremos
analisar não Goku atuando como herói da saga, como também a sua relação com os outros
personagens, a exemplo dos seus aliados e dos seus inimigos, e de que maneira esta relação na
narrativa, considerando as suas implicações, contribui para a constituição do mito heróico no
mangá.
2. AS CARACTERÍSTICAS DO MANGÁ
2.1 A ESTRUTURAÇÃO DAS PÁGINAS
A disposição espacial dos elementos gráficos nasginas das histórias em quadrinhos, com o
passar dos anos, saiu de uma estruturação horizontal, como nas tirinhas de jornal, para uma
disposição na qual os quadrinhos aparecem em tamanhos diferentes. Como bem observa
Fresnault-Deruelle (1976, p. 16), as páginas de hq’s evoluíram ao longo da sua história. Elas
não são mais agrupamentos horizontalizados das representações seqüenciais narrativas, dadas
pela disposição lado a lado dos quadros, como ainda ocorre no caso das tirinhas de jornal.
Até porque, se bem observadas, as tirinhas de jornal ou os “comics strips” têm também o seu
caráter de distribuição espacial, principalmente se levarmos em consideração a disposição do
ambiente interno do quadrinho e a possibilidade de sua expansão dada pela ausência do
contorno. Ou então: “[...] a simples inovação entre o espaço contido e o ‘não espaço’ (espaço
branco entre os quadrinhos) também tem um significado dentro da estrutura narrativa”
(EISNER, 1999, p. 49).
No exemplo abaixo, verificamos que, ainda que os quadrinhos estejam sob o regime
horizontal, encontramos, por exemplo, a idéia de infinitude. Este conceito é causado pela
representação do último quadrinho devido à ausência do contorno. Portanto, o espaço aberto
conota o infinito pedido pelo contexto narrativo (Fig. 4).
As páginas das hq’s adquiriram a sua vigência através de soluções criativas elaboradas pelos
artistas ao longo da história. Mesmo se considerarmos que estas páginas, do ponto de vista
geométrico, tenham a aparência de tiras devido à sua configuração, a exemplo das hq’s de
composição mais tradicional, como os álbuns de Tintin (Hergé), ainda assim, notamos que
estas hq’s, no que diz respeito à sua leitura, funcionam através de uma estruturação não linear
Fig. 4. Tira de The Spirit com expansão espacial no
último quadro (Spirit, 2, p. 32).
Fig. 5. Página de The Spirit de
Will Eisner. A forma adquire
função instrutiva para a
compreensão da história.
dada pela sua composição visual. Em outras palavras, marcações visuais, como repetição de
cores ou de formas em uma página de história em quadrinhos, conotam climas ou tensões do
desenrolar narrativo daquele momento. Portanto, as ginas das hq’s representam,
simbolicamente, a entonação de uma situação narrativa.
Segundo Fresnault-Deruelle (1976, p. 17), a
composição das páginas deve funcionar através da
integração das suas variáveis visuais (forma, cor, linha,
etc.). Assim, o espaço em uma página de hq ganha o
patamar de significação para o entendimento narrativo.
Isso implica em uma forma de leitura que sai do
parâmetro linear para um tipo de leitura guiada pela
distribuição dos elementos visuais na superfície da
página, o que é denominado pelo autor de estrutura
tabular. As formas e a disposição desses elementos
servem de instruções para a compreensão da história.
As hq’s de Will Eisner, por exemplo, adquiriram um
status representacional considerável no que diz respeito
à adequação da configuração dos quadrinhos e sua
disposição na página para melhor contextualizar a fábula (Fig.5).
O próprio Will Eisner, em seu livro Quadrinhos e arte seqüencial, demonstra, através de
alguns exemplos de páginas, uma possibilidade de ritmo ou de clima narrativo através do
efeito, denominado por ele de metaquadrinho. Isto é, a página é vista primeiramente na sua
totalidade, e só depois o leitor encontra percurso ou vetor linear.
É preciso ter em mente que, quando o leitor vira uma página, ocorre uma
pausa. Isso permite uma mudança de tempo, um deslocamento de cena; é a
oportunidade de controlar o foco do leitor. Trata-se aqui, de uma questão de
atenção e retenção. Assim como o quadrinho, a página tem de ser usada como
uma unidade de contenção, embora também ela seja meramente uma parte do
todo do composto em si (EISNER, 1999, p. 63).
Do mesmo modo, nos quadrinhos norte-americanos, principalmente as comics produzidas a
partir de meados da década de oitenta por artistas como Frank Miller, (Cavaleiro das Trevas),
Bill Sienkiewicz (Electra Assassina), Todd Macfarlane (Homem-Aranha e Spaw), Jim Lee
(Capitão América, Os Vingadores), entre outros, devem, em parte, o seu renome ao fato de
criarem páginas diferenciadas, através de uma diagramação assimétrica.
Estas ginas diferenciadas são a prova das
estratégias de autoria para instaurar certos operadores
de enunciação, que são fundantes para se construir a
instância da recepção através do olhar direto do leitor
na página.
Especificamente nos mangás, encontramos diversos
exemplos de páginas diagramadas de forma arrojada
(Fig. 6). Nestes casos, temos ainda a peculiaridade do
uso das onomatopéias como elementos de
importância para a composição da página. Tanto é
assim que, nas adaptações dos mangás para outros
países como, por exemplo, as edições de Dragon Ball
e Dragon Ball Z para o Brasil, as onomatopéias,
representadas pelos ideogramas, são mantidas como
nas edições originais japonesas, ficando apenas a
cargo dos editores colocarem um pequeno asterisco
ao lado das mesmas e realizarem a tradução do referido som de uma forma discreta em algum
canto da página.
A necessidade de analisar as páginas surgiu em decorrência do viés escolhido: verificar os
mangás do ponto de vista estrutural, envolvendo elementos que a compõem, assim como a sua
disposição e as suas implicações quanto à narrativa.
Os mangás, hoje conhecidos em todo o mundo, possuem características marcantes,
principalmente aquelas do ponto de vista gráfico, que os diferenciam das outras formas de
histórias em quadrinhos. Além daquelas, largamente citadas em livros e em revistas
especializadas, atreladas à configuração dos personagens, tais como os olhos grandes, as
formas geométricas simplificadas, existem outras igualmente importantes para o
entendimento do mangá, tais como a predominância da produção em preto e branco, a leitura
Fig. 6. Página de Dragon Ball
(DB 4, p. 66) na qual há o uso
das onomatopéias integradas
a diagramação da página.
da direita para esquerda, a preferência para a construção pela narrativa que prioriza os
elementos visuais em detrimento dos elementos verbais e a integração dos elementos visuais
ao espaço da página.
Neste tópico, procuraremos analisar os mangás, partindo de algumas características
relacionadas à estrutura da página, reiterando, portanto, o nosso objetivo de definir este tipo
de história em quadrinhos não a partir da sua origem de produção ou da sua historicidade, mas
a partir das marcações no que diz respeito a sua composição gráfica.
Essa composição gráfica, dentro da economia visual dos mangás, acontece através de alguns
operadores icônicos. Para isso, separamos alguns desses operadores, os quais julgamos
possuir maior pregnância pela vertente estrutural no que diz respeito às suas implicações na
atividade de leitura. São eles:
a) as onomatopéias e os balões;
b) as linhas e;
c) a utilização o espaço.
2.1.1 As Onomatopéias e os Balões
Começaremos, portanto, o estudo da estruturação das páginas dos mangás pelas
representações das onomatopéias.
12
Kaiser (1967), teórico da literatura alemão, define onomatopéia como a formação lingüística
que imita um determinado som natural. Já Grammont (1965), professor e gramático francês, a
define como a imitação de ruídos e sons da natureza. Este último autor salienta que a
onomatopéia nunca é uma reprodução exata, mas uma aproximação. Desta forma, os sons da
língua possuem determinadas qualidades, e os sons da natureza possuem outras, não havendo
a possibilidade de um substituir o outro estritamente.
13
12
O termo onomatopéia vem do grego Onomatopiia (ação de imitar uma palavra por imitação do som ou
criação de palavra).
13
Encontramos as referências desses dois teóricos no capítulo intitulado “Onomatopéias nas histórias em
quadrinhos” de Naumin Aizen (in MOYA, 1977, p. 269-279).
Fig. 7. A onom
atopéia em forma de ideograma, colocada no eixo diagonal em toda
a página, ressalta a idéia de força e descida de Goku
rumo ao solo (DBZ, 40, p. 39).
Fig.8. As onomatopéias nessa página aparecem de forma mais comedida e têm
caráter estritamente informativo (Les Aventures de TintinL’Ire Noire, p. 45).
Assim, a onomatopéia é um conjunto de caracteres tipográficos que não formam,
necessariamente, palavras, aparecendo evidentemente na composição de uma página de hq no
intuito de representar, através do valor icônico, sons da natureza, instrumentos de música,
barulhos de máquinas, etc. Este destaque na página acontece tanto em relação ao tamanho e à
cor, assim como também ao uso de algum tipo de caractere tipográfico especial, visando
imitar o som natural da coisa representada no decorrer da narrativa.
As onomatopéias nos mangás não são apenas meras referências sonoras, como também, a
partir da própria plasticidade dos ideogramas,
14
fazem parte, de maneira integrativa, da
página.
14
Os ideogramas, chamados de “kanji” em japonês, vieram da China e sofreram algumas adaptações no Japão,
tanto é que são usadas três escritas diferentes: o kanji, que são ideogramas que podem ter a leitura japonesa e
chinesa, dependendo da palavra; o hiragana, que não são exatamente letras e nem ideogramas, mas sílabas e se
originaram de uma adaptação do kanji” para facilitar a leitura; e, finalmente, o katakana, que é uma versão do
hiragana para escrever palavras de origem estrangeira.
Fig 9. A representação das linhas
nas onomatopéias reforçam a
tensão narrativa dos mangás. Neste
caso, temos a idéia de força e
energia do combate (DBZ 44, p. 80).
A forma como as onomatopéias encontram-se integradas a uma página de mangá diz respeito
às possíveis soluções encontradas pelos artistas para a configuração dos elementos gráficos
em um espaço limitado. Esta configuração proporciona um caminho que serve de guia para a
leitura (Fig. 7).
Portanto, as onomatopéias extrapolam a sua dimensão simplesmente informativa tais como
são encontradas tradicionalmente nas histórias em quadrinhos (Fig. 8). Isto acaba gerando
implicações do tipo: o que seria apenas a representação de uma informação sobre um som de
um determinado objeto, por exemplo, passa para uma dimensão de composição ou arranjo
visual, fazendo parte, assim, do conjunto de elementos relevantes para a diagramação do
espaço.
As onomatopéias nos mangás, na maioria dos casos,
aparecem sobrepostas aos desenhos ou, em outras
oportunidades, extrapolando o próprio limite do
quadro. Cabe observar também que as
representações das linhas nas onomatopéias
expressam situações correntes pelas quais os
personagens estão passando. A qualidade dessas
linhas, como a sua espessura ou o seu aspecto, que,
dependendo da situação sugerida, pode ser ondulada
ou quebradiça, por exemplo, corrobora para que o
leitor tenha a sensação de melódico, de energético,
de áspero, de repugnante e assim por diante (Fig. 9).
McCloud (1995) afirma que as emoções podem ser
visíveis através de um único sentido. No caso das
hq’s, a visão é o sentido privilegiado. As emoções
dos seres ou o estado das coisas seriam representados
por linhas e texturas que, dependendo da sua
qualidade, “[...] pode evocar uma resposta emocional
ou sensual no espectador” (MCCLOUD, 1995, p. 118-122).
Entretanto, o autor adverte que estes efeitos com uma carga expressionista ou cinestética,
muito usados nas hq’s européias e nos mangás românticos (Shõjo Mangá e Josei Mangá),
funcionam se estiverem ancorados aos conteúdos de cenas circunvizinhas, ou melhor, que
estes efeitos são mais eficazes se estiverem atrelados a algum tipo de contextualização na
narrativa (MCCLOUD, 1995, p. 133).
Para Fresnault-Deruelle (1993), o encanto dos quadrinhos está na capacidade de retirar os
signos verbais de sua afonia para investir sobre seus aspectos aproximadamente
representacionais ou icônicos.
Daí que se pressente que o verbal não é o devedor da problemática única da
phoné. Na contra-corrente do idealismo à qual venho fazendo menção, (...) o
significante gráfico e tipográfico trabalha para se inscrever também numa
nova relação da dupla: texto-imagem. Paralelamente, teremos que tomar estas
relações em conta (FRESNAULT-DERUELLE, 1993, p. 229-230).
Em um outro texto, o autor afirma que as utilizações dos sinais de interjeição nas histórias em
quadrinhos servem para expressar, por exemplo, as emoções ou acompanhar o movimento dos
personagens quando estes representam o som (FRESNAULT-DERUELLE, 1970, p. 145-
146).
Corroborando com a idéia de que o texto pode ser lido como imagem nas histórias em
quadrinhos, Eisner (1999, p. 10) afirma que: “O letramento, tratado graficamente e a serviço
da história, funciona como uma extensão da imagem. Neste contexto ele fornece o clima
emocional, uma ponte narrativa, e a sugestão de som”.
Lembramos que Fresnault-Deruelle (1970) referia-se aos balões às suas diversas
configurações, dependendo da adequação do contexto. Neste caso, o autor classifica como
balão também as onomatopéias, denominadas por ele de balão-zero. O balão-zero é
caracterizado por aspectos difusos; serve para demonstrar uma certa atmosfera, tendo, nestes
casos, um grafismo peculiar para a representação de uma explosão ou de um toque telefônico,
por exemplo (FRESNAULT-DERUELLE, 1970, p. 148).
Segundo o autor, o balão assume, metominicamente, a fala do personagem, sendo que a
entonação da voz e a intencionalidade da enunciação são representadas através das suas
Fig. 10. Exemplos, encontrados em Asterix e os Louros de César (p. 5 e 45), de
como as letras e os balões assumem um aspecto de imagem.
diversas formas e também das letras (Fig. 10). Portanto, o balão nasce na dialética entre a
“língua” e a “fala” (FRESNAULT-DERUELLE, 1977, p. 230).
Assim, na concepção de Fresnault-Deruelle (1970, p. 149-151), o balão teria o papel de
intermediar o texto e a imagem. Os balões seriam, então, uma configuração entre os códigos
lingüístico e icônico. Para isso, o autor lembra de casos em que os grafismos (as letras) que
remetem a uma palmeira, por exemplo, assumem um significado de tipicidade ao continente
africano ou o canguru, igualmente para a Austrália, e assim por diante. Nestes casos, existe o
uso de alfabetos diferenciados para a representação de um enunciado do tipo árabe ou chinês,
agindo assim como uma espécie de clicnarrativo (Fig. 10). De uma forma inversa, uma
mensagem icônica pode substituir uma mensagem lingüística, na qual os desenhos
representados nos balões assumem, nitidamente, a função da língua, como se fossem alfabetos
(Fig. 11).
Fig. 11. Exemplos encontrados em Astérix – Le Grand Fossé, (p. 24) e
L’Odyssée d’Astérix (p. 20), de como os ícones nos balões assumem um
aspecto verbal.
Se compararmos com as idéias proferidas por Roland Barthes em “A Retórica da Imagem”,
estas declarações de Fresnault-Deruelle demonstram um outro tipo de percepção no que diz
respeito à função do texto nas histórias em quadrinhos.
Para Fresnault-Deruelle, o que interessa são as imagens que assumem o papel de texto através
de ícones convencionados nas hq’s. No caso de Barthes, a sua preocupação esconcentrada
na relação de dois domínios distintos, isto é, na relação entre o texto e a imagem.
Barthes (1982, p. 33) afirma que a narrativa visual estará sempre condicionada e a serviço da
narrativa escrita, o que é denominado de função relais. Segundo essa concepção, a imagem
não sobreviverá sem o auxílio do texto escrito. Caso não houvesse a presença da escrita, as
conotações inferidas pelo leitor estariam distantes das intencionalidades narrativas propostas
pelo autor da obra. Entretanto, verificamos em diversas hq’s que, dependendo da maneira
como é construída a narrativa, a imagem seqüenciada pode contar a história sem a ajuda do
texto escrito.
As hq’s de Dragon Ball e Dragon Ball Z são pontuadas por quadrinhos sem que haja a
interferência do texto escrito (Fig. 12). Provavelmente, essa forma de narrar, encontrada de
um modo geral no mangá, é uma influência de outros meios comunicacionais como o cinema
e a televisão, nos quais a predominância do visual é evidente.
Fig. 12. Uma das páginas encontradas em
Dragon Ball em que o discurso narrativo
funciona praticamente sem a presença do
texto verbal (DB 29, p. 52).
Ressaltamos que as análises de Fresnault-
Deruelle estavam debruçadas nas
representações do verbal da Escola Franco-
Belga e, em específico, nas histórias em
quadrinhos de Tintin (Hergé). Afinal, esta
escola de “Bandes Dessinées” conseguiu, com
o passar do tempo, criar uma eficiente
gramática de representação icônica, expressa,
principalmente, pela configuração da forma dos
balões e de letras com tamanhos em destaque
ou tipos especiais.
A significação é dada a partir de uma outra
ordem: a matéria visual transfere o seu valor,
que não está mais ligado à estrutura da língua,
e sim à estrutura perceptiva das imagens. A
matéria visual nas hq’s saiu do âmbito da
indexabilidade para a exploração do iconísmo,
visando, assim, um ordenamento simbólico.
No caso do nosso universo de pesquisa, acreditamos que estas observações podem ser
estendidas sem prejuízos maiores também para as representações nos mangás. Afinal, as
onomatopéias são apresentadas nos mangás de acordo com o contexto da história. O seu
grafismo, muitas vezes, conota não o estado dos personagens, mas a situação deão em que
os mesmos estão envolvidos.
Não obstante, nada impede, por exemplo, que as onomatopéias, através do uso das linhas em
perspectiva, o possam passar a idéia de movimento, de deslocamento dos personagens ou
dos objetos. No que se refere à representação verbal, assim também como na Escola Franco-
Belga de quadrinhos, podemos encontrar fartamente, nos mangás, páginas e páginas onde os
balões com textos adquirem um acentuado grau de expressividade por meio de tamanhos e
formas específicas, dando peso ou dramaticidade à fala do personagem.
Fig. 13. Alguns exemplos do uso das onomatopéias e dos balões no mangá Dragon
Ball (DB 14, p. 13 e 47).
Nas aventuras de Dragon Ball e Dragon Ball Z, podemos averiguar, facilmente, que as
onomatopéias e os balões assumem o papel de reforço representacional de movimento, de
profundidade, de estado de coisas e dos personagens.
As onomatopéias estão posicionadas na página para causar no leitor a sensação de força, de
velocidade, de energia. Quase sempre são localizadas diagonalmente, ocupando também boa
parte do espaço do quadro ou amesmo da página. O seu contraste, ora em preto, ora em
branco, dependendo da composição dos outros elementos do quadrinho, funciona como
chamariz para a notação primeira do olhar, gerando, assim, uma leitura dinâmica (Fig. 13).
A leitura dinâmica implica em arranjar os quadrinhos de maneira que proporcionem a imersão
na narrativa por parte do leitor. Este processo ocorre através da percepção dos elementos
visuais mais destacados no espaço da página.
Além do uso destacado das onomatopéias, os mangás também não menosprezam a
importância dos balões para ajudar a reforçar os estados psicológicos dos personagens, como
raiva, alegria, tristeza, espanto e comicidade. A construção de tipos, tamanhos e cores
específicas servem para simbolizar estas variações, através de metonímias.
Desta forma, as letras e os balões, no que diz respeito ao seu traçado, o acompanham o
estado dos personagens, como também reforçam a sua expressividade representada pelo
desenho (Fig. 14).
Fig.
14. A forma do balão e a acentuação visual do texto, juntamente com as linhas de
fundo e a expressividade do personagem, ajudam a reforçar a dramaticidade das
situações exibidas nos mangás (DB, 23, p. 83).
2.1.2 As Linhas
15
Além do uso das onomatopéias e dos balões como colaboradores para a construção do
discurso narrativo, os mangás também contam com a utilização das linhas, que servem tanto
para acentuar o teor dramático ou cômico do acontecimento da história, como para produzir
um sentido através das imagens integradas em uma página.
A primeira utilização das linhas seria em função da expressividade facial dos personagens,
fartamente encontrada nos mangás e nos animes,
16
principalmente através dos olhos e bocas,
aparentando, assim, figuras com um aspecto caricatural
17
(Fig. 15).
A outra, ainda ligada à aparência dagina, são as representações gráficas das linhas
encontradas no interior dos quadros e na relação entre elas, quando pensamos na
diagramação
18
dos quadrinhos como um espaço limitado pela folha para reforçar
expressivamente uma determinada passagem narrativa. Enquanto o primeiro aspecto estaria
mais ligado a implicações icônicas da imagem, o segundo estaria ligado à utilização espacial
da página através da disposição das imagens, a fim de produzir um sentido narrativo.
15
Entendemos aqui linhas como um recurso a um certo estilo de traço usado para reforçar aspectos da situação
narrativa que se desenrolam.
16
Desenhos animados com as mesmas características oriundas da plasticidade dos mangás.
17
Exploraremos este tópico mais adiante, na abordagem sobre a morfologia dos personagens.
18
Entendemos aqui diagramação como a possibilidade de determinar a disposição dos elementos gráficos, tais
como, textos, ilustrações e fotografias em um espaço finito como, por exemplo, uma página de revista. Seria a
disposição desses elementos gráficos em uma estrutura predeterminada, a fim de produzir um certo sentido de
leitura.
Fig. 15. Trecho de uma história de Dragon Ball onde o exagero facial do personagem
diante de uma surpresa conota uma situação de humor (DB, 3, p. 9).
Começaremos, então, com a utilização das linhas nos mangás para passar a idéia de exagero
facial dos personagens, ou, dito de uma outra maneira, para ressaltar o aspecto caricatural dos
personagens.
Geralmente, quando o personagem de mangá encontra-se em algum momento específico da
história, como, por exemplo, em uma cena onde um clima de tensão narrativa, como uma
discussão ou uma declaração de um dos personagens em tom de ameaça, acontece uma
espécie de disfunção, encarnada graficamente nas linhas e formas do rosto dos personagens.
Essa disfunção realiza-se repentinamente, abrindo algo parecido como um parêntese ou um
hiato no meio da história. Lembramos que essa mudança na aparência dos personagens ocorre
também em momentos hilários, nos quais o humor irrompe no fluxo narrativo.
Personagens que aentão conservavam uma certa simetria e proporcionalidade de olhos e
bocas, em momentos específicos na história o representados de maneira distorcida, com
olhos exageradamente arregalados e bocas que praticamente tomam todo o rosto. Às vezes
Fig. 16. Exemplos encontrados em Dragon Ball demonstrando a importância dos
padrões linhas com a finalidade de expressar o estado dos personagens no mangá
(DB, 4, p. 57) e (DB, 19, p. 87).
também a cabeça se torna desproporcional ao corpo para que o destaque da expressividade
facial seja mais visível aos olhos do leitor (Fig. 15).
Em Dragon Ball e Dragon Ball Z, é comum encontrarmos os personagens em situações de
tensões narrativas, como aquelas, por exemplo, que antecedem uma batalha. Os recursos
visuais dos quais o autor Akira Toriyama faz uso são as de texturização do fundo do quadro
com linhas para mostrar o estado dos personagens: medo, surpresa, raiva, etc. O fundo do
quadro, nesses casos, é totalmente substituído por uma composição de linhas de cunho
abstrato, cujo objetivo é traduzir os sentimentos dos personagens (Fig. 16).
Em uma rápida análise de outras séries de mangás, como Samurai X (Nobuhiro Watsuki) e X
(desenhos de Mokona Apapa e texto de Nanase Ohkawa), para
ver
ificar se essas linhas
expressivas o correntes em outros títulos, constatamos que, de fato, este recurso é o mais
comum quando existe a necessidade, do ponto de vista gráfico, por parte do ilustrador de
destacar o estado psicológico dos personagens (Fig. 17) ou a idéia de movimento e força (Fig.
18).
Fig. 17. Nestes exemplos, as linhas são usadas para reforçar o estado psicológico
dos personagens (Samurai X, 1, p. 96 e 102),
Figura 18. Duas páginas de X que sugerem movimento e força, respectivamente (X, 1,
p. 74 e 101).
Fig. 19. A utilização das linhas para a representação do
movimento (DBZ, 28, p. 76 e 90) e (DB, 30, p 13).
Entendemos que essas linhas são usadas ao fundo do quadro para reforçar a expressividade do
personagem e para proporcionar a ênfase narrativa, seja ela de comicidade ou dramaticidade,
tendo em vista a expressividade do mangá, dados os aspectos caricaturais por meio do
exagero facial.
Segundo Mccloud (1995, 132), mesmo quando pouca ou nenhuma distorção dos
personagens numa cena, um fundo distorcido ou expressionista pode afetar nossa leitura dos
estados interiores do personagem”. O autor lembra que estes padrões de linhas vão atribuir
essas sensações aos personagens com os quais se identificam.
Outro aspecto que deve ser levado em consideração em uma página de mangá é a utilização
das linhas também para expressar movimento nos quadros. Os mangás, com o passar dos
anos, adquiriram um refinamento no que se refere à representação do movimento, que é efeito
da adoção e do reconhecimento das suas propriedades dinâmicas as linhas diagonais ou
aquelas que se originassem de um ponto de fuga –, servindo, portanto, para a configurar ou
aparentar a idéia de velocidade, de força, de profundidade ou, amesmo, de movimentação
de câmera, como se fosse um close-up análogo ao cinema.
Portanto, podemos analisar as linhas que aparecem nos mangás em duas dimensões. A
primeira concerne à relação das linhas com o quadro no sentido de reforço da narração,
demonstrando o estado dos personagens (aspectos psicológicos), isto é, dentro do universo
mais icônico da constituição da imagem. A outra se refere ao estado dos personagens e dos
objetos no que diz respeito à sensação de movimento, de força e de profundidade (Fig. 19).
Mccloud (1995, p. 114) denomina estas linhas que conotam animação de “linhas de
movimento subjetivo”. Para ele, “se a observação de um objeto em movimento é envolvente,
ser esse objeto deve ser mais ainda”. De uma outra maneira, podemos afirmar que, nos
mangás, o movimento é representado, na sua grande maioria, pela fixação ou focalização da
figura e pelo deslocamento do fundo de tal maneira que, em vez da visualização de um
cenário, por exemplo, o que é representado graficamente são simplesmente linhas
perspectivadas ou paralelas.
A segunda dimensão é que essas linhas expressivas fazem parte da utilização da página como
representação visual, através do aproveitamento do espaço para organização dos vetores de
leitura, processo que Fresnault-Deruelle (1976) chama de tabularidade. A leitura é regida pela
distribuição espacial das imagens, que, dependendo da complexidade dessa repartição, podem
ter a aparência de um mosaico ou de um quebra cabeça. Isto é, o princípio é o de uma
fragmentação de um determinado momento da narrativa em imagens, que podem demonstrar,
por exemplo, diferentes pontos de vista dos personagens ou até mesmo acontecimentos
simultâneos.
Corroborando a idéia sobre tabularidade das hq’s, Groensteen (1999, p. 3-5) afirma que, ao
invés da fixação na decomposição das unidades constritivas elementares, os estudos sobre as
histórias em quadrinhos deveriam ser ampliados para uma dimensão que contemplasse a
Fig. 20. Seqüência de quadrinhos de uma página de Asterix, a
decupagem leva a leitura linear do trecho da história. (Asterix, Le
Grand Fossé, p. 39).
integração e articulação dessas unidades visuais, já que estas proporcionam a geração do seu
discurso narrativo. O autor denomina esta integração dos elementos visuais das hq’s de
artrologia
19
.
A artrologia, segundo Groensteen (1999, p. 27), ocorre em dois níveis:
1. De forma restrita, através da decupagem das imagens para fins de seqüenciamento
narrativo linear. Essa seqüência narrativa obedece ao mesmo eixo horizontal, quando nos
deparamos com textos verbais, percorrendo a superfície da esquerda para direita (leitura
ocidental) e de cima para baixo (Fig. 20);
2. De forma geral, através da integração das imagens para fins de seqüenciamento
multilinear. Imagens-chave ativam a leitura através das suas unidades visuais mais
pregnantes, tais como a forma e as cores que se articulam. Assim, ocorre uma conexão das
diversas imagens no espaço da página, contribuindo também para o entendimento da
narração (Fig. 21).
19
O termo artrologia vem do grego e significa articulação.
Fig. 22. Página de Valentina
, de Guido Crépax, onde o princípio da “tabularidade” está
em jogo a fim de produzir um sentid
o narrativo.
Fig. 21. Página de X-Men na qual a disposição das imagens leva
a uma leitura multilinear (X-Men - Widescreen, 2003, p. 22).
O leitor irá apreender essas figuras não como fragmentos isolados, mas como imagens que
estão interligadas a fim de produzir um sentido único. Essa integração pode ocorrer tanto pelo
uso de cores como de formas similares, proporcionando a quem observa uma leitura
multilinear. É muito comum também o recurso de imagens entrelaçadas ou fusão das mesmas.
Fig. 23. As linhas ajudam a criar uma
integração entre um quadrinho e outro (DB,
83, p. 67).
As linhas, por sua vez, funcionam como uma espécie de vetor ou guia para o direcionamento
do olhar. Essa leitura de primeiro nível geralmente ocorre tendo como ponto de partida
alguma imagem mais pregnante, isto é, alguma imagem que se destaque em relação às outras,
seja pela forma diferenciada, pelo seu tamanho, pela suas cores, seja pela a sua posição na
página. A partir daí, o olhar é guiado para as outras imagens, em uma espécie de
reconhecimento para que só posteriormente ocorra a leitura ordenada tradicionalmente, isto é,
uma leitura linear da esquerda para direita e de cima para baixo.
Cabe lembrar que a inventividade dada pela disposição dos elementos visuais na composição
de uma página de histórias em quadrinhos não representa necessariamente uma exclusividade
do universo dos mangás. Artistas gráficos como Moebius, Will Einer e Guido Crépax
trabalhavam com uma certa liberdade espacial em suas histórias em quadrinhos, rompendo,
portanto, com o paradigma de uma leitura
horizontalizada, herdadas das tirinhas de
jornal (Fig. 22).
A diferença desses trabalhos em relação aos
mangás é que, nesses últimos às linhas, além
de funcionarem icônicamente dentro dos
limites do quadro, são usadas, muito
freqüentemente, como o vetor de leitura. O
próprio quadrinho é constituído por linhas
diagonais que cruzam a página, reforçando a
conexão entre as imagens (Fig. 23).
2.1.3 A Utilização do Espaço
Anteriormente, afirmamos, a partir dos
preceitos de Fresnault-Deruelle (1976), que
as histórias em quadrinhos evoluíram no
tocante a distribuição espacial, saindo de um
perfil narrativo “linear” para o tabular”.
Essas páginas de quadrinhos o concebidas
Fig. 24. A incidência
da cor para a
pontuação das
paginas em Watchmen
(Moore e Gibbons).
para a constituição de um sentido de leitura. As imagens mais pregnantes servem como ponto
de partida para a integração com as outras imagens, gerando, assim, uma leitura multilinear.
Essa integração foi denominada por Groensteen (1999) de artrologia da imagem.
Lembramos que ver uma história em quadrinhos hoje em dia significa, paralelamente,
participar de uma experiência visual, contendo a vetorização horizontal (linear) com todos os
requisitos necessários tradicionalmente constituídos na nossa cultura, como a leitura da
esquerda para a direita,
20
o olhar de cima para baixo, observando as imagens
seqüenciadamente e a interpretação do texto verbal um após o outro. Para isso, somos
dotados da possibilidade de execução de uma leitura espacial, em que a nossa percepção
visual captura inevitavelmente os elementos mais destacados nas ginas ou de duas páginas
ao mesmo tempo.
21
Estes elementos podem ser ressaltados de diversas formas, seja
pelo seu tamanho, pela sua forma, pela sua repetição, pelo seu
posicionamento, seja, se este for um recurso disponível, também
pela utilização das cores. As cores, neste caso, podem se destacar
no espaço de duas maneiras: através do uso de tonalidades mais
“fortesem relação às outras ou através de uma repetição tonal
para a geração de um significado específico.
Em Watchmen,
22
por exemplo, o recurso da cor serve para contar
uma história passada, mas que é representada concomitantemente
aos acontecimentos presentes vivenciados pelos personagens.
23
A
solução inventiva foi espalhar quadrinhos, ao longo das páginas,
de tom monocromático rubro para indicar os relatos ocorridos.
(Fig. 24)
20
Salvo os mangás, que seguem o modo de leitura orienta,l a leitura é realizada da direita para esquerda. Estas
características foram mantidas por exigências editorias para a distribuição do mangá Dragon Ball e Dragon Ball
Z pela Editora Conrad.
21
No caso de uma revista de hq aberta, estas páginas estão dispostas lado a lado.
22
De Alan Moore e Dave Gibbons, publicada no Brasil em 1989 pela Editora Abril.
23
Agradeço por esta passagem a meu amigo Jônathas Araujo no que se refere às discussões sobre a espacialidade
das páginas de hq’s em um das nossas reuniões do grupo de pesquisa.
Estes quadrinhos acabam saltando aos olhos do leitor e convidando-o para uma leitura
isomorfa, principalmente se levarmos em consideração que toda a arte de Watchmen é
colorida e que a diagramação segue os moldes tradicionais, ou seja, com três faixas
horizontalizadas e com três a quadro quadrinhos por faixa.
Portanto, nenhum quadrinho é destacado no que diz respeito ao privilégio da localização da
página, à adoção de uma forma inusitada do retângulo ou ao rompimento de representações de
figuras e objetos do quadro. Mesmo em algumas oportunidades, quando visualizamos um
quadro maior, percebemos que o mesmo segue o padrão dos demais, e que a sua área ocupada
é nada mais do que a soma de alguns quadrinhos, o que pode ocorrer tanto no eixo horizontal,
quanto no eixo vertical, ou até mesmo em ambos os casos.
Concluímos que, em Watchmen, assim como em diversas outras hq’s de diagramação mais
conservadora,
24
o ponto forte nesses esquemas supra-segmentais
25
não é a diagramação, mas
marcações de cor e de traço para pontuar a narrativa.
A diferença entre quadrinhos em preto e branco e em cores é profunda,
afetando cada nível da experiência de leitura. Em preto e branco as idéias por
trás da arte o comunicadas de maneira mais direta, o significado transcende
a forma. Em cores planas, as formas assumem mais significância. O mundo se
torna um playground de forma e espaço (MCCLOUD, 1995, 132).
Especificamente nos mangás, os ilustradores fazem uso de composições variadas na
diagramação das páginas, incluída a plasticidade dos ideogramas em forma de onomatopéias,
com o objetivo de compensar a ausência de cores. Criam também ênfases narrativas, gerando,
assim, algumas instruções pertinentes para a leitura multilinear. Estas instruções possibilitam
conotações durante toda a história, como conflitos ou lutas entre os personagens (marcações
através das onomatopéias de socos, pontapés, etc.), ou reviravoltas (marcações através das
onomatopéias de explosões, tiros, etc.).
24
Particularmente aquelas originárias da escola européia, como as aventuras de Tintin (Hergé) ou Asterix (de
Albert Uderzo e René Goscinny).
25
Para Fresnault-Deruelle (1976, p. 17), as estruturas supra-segmentais são as articulações de imagens, que têm
algum tipo de destaque com a finalidade criar uma ênfase narrativa.
Fig. 25. A história de Tintin, mesmo em
uma página de revista em quadrinhos,
permanece com o eixo de leitura
horizontal, originário das tirinhas de
jornal (Les Aventures de Tintin – L’Ire
Noire, p. 31).
No que se refere à exploração espacial das páginas, os mangás se diferenciam das produções
mais tradicionais de histórias em quadrinhos, como aquelas instituídas pela Escola Franco-
Belga de “Bande Dessinée”, nos moldes iniciados pelo quadrinísta Hergé.
Hergé teve como maior obra As Aventuras de Tintin, na qual contava as histórias de um jovem
repórter (Tintin), que, junto com o seu o de estimação Milou e seus amigos, o Capitão
Haddock e a dupla Dupont e Dupond, participava de aventuras de mistério e suspense em
diversas partes do mundo.
Tintin surgiu pela primeira vez na revista Petit
Vingtième, em preto e branco, entre 1929 a 1940.
Depois as tirinhas foram publicadas pelo Jornal
Le Soir, onde permaneceu até 1944. Essas tiras
foram reunidas em um livro, editado inicialmente
pela própria Petit Vingtième, e, posteriormente,
foram publicadas pela Editora Casterman. A
partir de 1942, Tintin começou a ser publicado
em cores, sendo que a maioria das suas tirinhas
em preto em branco foram coloridas nesse
período. Em 1946, Tintin ganhou a sua própria
revista.
Ainda que Tintin tenha migrado das tirinhas de
jornal, onde a vigência de leitura é linear, para as
páginas das revistas, a estruturação dos
quadrinhos permanece a mesma, tendo a
horizontalidade com eixo de visualização das
imagens e textos (Fig. 25).
Nesta mesma configuração, poderíamos citar também os trabalhos de Goscinny e Uderzo em
Asterix, ou as histórias em quadrinhos de Tommy e Jerry em Spirou e Fantasio, todas elas
oriundas da tradição da Escola Franco-Belga de “Bande Dessinée” (Fig. 26).
Fig. 27. Página de
Dragon Ball Z
em que
mesmo antes de uma leitura linear
compreendemos a dinâmica da ação de
vido
aos quadrinhos de formas irregulares e
diagonais (DBZ, 35, p. 80).
Comparativamente, os mangás o
concebidos de uma maneira que visa
aproveitar todo o espaço da página através
de composições que envolvem imagens
sobrepostas ou imagens que chegam a
extrapolar o limite da página. Essa
articulação de quadrinhos no que diz
respeito aos seus tamanhos e as suas formas
diferenciadas servem para auxiliar na
produção de um significado para a história
(Fig. 27).
Para Calazans,
As tiras configuram-se como uma gestalt de
quadrinhos em fila indiana, e cada tira
sobreposta à outra, no formato coluna do jornal
um aspecto pobre, limitado e monótono de
uma parede de tijolos. Por outro lado, culturas
Fig. 26. A linearidade de leitura permanece também nos álbum em quadrinhos de
Asterix e Spirou e Fantasio, respectivamente (Astérix – Le Grand Fosse, p. 27 e
Spirou e
Fantasio – Luna Fatal, p. 20).
midiáticas, como a nipônica, desenvolvem o mangá, no qual o veiculo revista
permite a exploração do campo visual da página como um todo. Fenômeno
semelhante observa-se nas hq’s européias, com muito maior sofisticação na
narrativa (1997, p. 146).
Corroborando com esta afirmação, Cirne ressalta que:
Na revista, os quadros podem libertar da rigidez operatória provocada pela tira
[...] planos ocupam áreas as mais variadas, desde as panorâmicas (verticais e
horizontais, grandes e pequenas) até simples quadrados. Obtém-se na revista
uma visão global da página, ao primeiro olhar verificando-se a funcionalidade
(ou não) dos cortes e as direções de leitura (1972, p. 36).
Fresnault-Deruelle (1976, p. 22) lembra que este tipo de sistema descritivo começa a surgir a
partir da década de 60, na transição da escola clássica das histórias em quadrinhos.
Nos mangás, o desenvolvimento da sua dinâmica visual começa, coincidentemente, a sofrer
influências também na década de 60, principalmente, pelo boom da televisão.
A mídia impressa, ao sentir-se ameaçada, soube tirar proveito da televisão e
adaptou-a aos quadrinhos. Isso, no Japão, se deu de modo mais intenso do
que em outros países. A nova geração de desenhistas pós-televisão
desenvolveu uma linguagem visual com o uso mínimo de palavras
(LUYTEN, 2000, p. 168).
Esta forma de estruturação realiza-se no espaço de uma página isoladamente, assim como
(uma ocorrência cada vez mais freqüente nas hq’s) se levarmos em consideração a
possibilidade de leitura “tabular”, isto é, de leitura de duas páginas simultaneamente.
Nos mangás, tendo em vista que a sua produção se privilegiando o modo monocromático,
cujo objetivo é o barateamento das revistas para o leitor, os recursos para as entonações
narrativas são de outra ordem: a forma sobressalente dos quadros, assim como a sua
assimetria. É comum também o encontro de quadrinhos nos quais personagens ou objetos
aparecem destacados, sobrepondo o limite, dado pela linha do quadro.
Fig. 28. Exemplos de diagramação com sobreposição de figuras e
assimetria dos quadros (DBZ, 28, p. 84 e 63).
Geralmente, isto ocorre quando alguma necessidade na fábula de representação da ação.
Este recurso acaba criando um efeito de tridimensionalidade e profundidade de campo,
mesmo levando em conta a não utilização das cores (Fig. 28).
Do ponto de vista histórico, percebemos que os artistas da arte em quadrinhos conseguiram
romper com o paradigma de uma estrutura linear. Esse processo culmina na estrutura tabular,
gerando, assim, um percurso de leitura pautada na vetorização das imagens. O olhar, neste
caso, percorre dentro de um vetor a partir da dobra de um reconhecimento, isto é, atravessa
um caminho gerativo tendo em vista a diagramação como foco discursivo.
Ressaltamos, neste ponto, que os mangás, ao que parece, já possuíam desde os seus
primórdios uma estruturação tabular. Historicamente falando, os mangás saltam das charges
para, a partir de 1920, serem representados como uma arte seqüencial de fato através de
revistas.
26
26
Luyten (2000, p. 26) faz uma breve citação das tiras de jornal japonesas da década de 20, dedicadas ao público
adulto, mas desde então os quadrinhos nipônicos massivamente já apareciam em revistas.
Por fim, resta saber quais as implicações acopladas aos aspectos de estruturação da página
para a exaltação da figura do herói no mangá?
Verificando as histórias de Dragon Ball e Dragon Ball Z, podemos dizer que nas passagens
em que o protagonista da saga, Goku, aparece, geralmente é de maneira enfatizada se
compararmos aos outros personagens, inclusive o vilão. Este destaque acontece
independentemente da situação em que Goku se encontra na narrativa. Disjunto, portanto, das
vantagens ou desvantagens postas na saga para a realização dos seus objetivos.
A conseqüência disso é, inevitavelmente, uma centralidade narrativa em torno do herói.
Mesmo quando Goku não aparece, há sempre uma expectativa que isso ocorra. Esta esperança
é demonstrada através dos diálogos dos personagens, que giram em torno dos feitos de Goku.
Este clima de probabilidade é transferido para o leitor, que começa a compartilhar junto com
os outros personagens o surgimento do herói. Neste caso, a sua aparição está sempre atrelada
a algum feito a se realizar, como, por exemplo, uma luta de um torneio de artes marciais, o
enfretamento de algum inimigo.
Quando finalmente Goku aparece, a sua representação gráfica é sempre destacada na página
por intermédio das suas poses e expressões faciais. Para a valorização do surgimento do herói
em Dragon Ball e Dragon Ball Z, o artista Akira Toriyama usa estratégias que geralmente são
observáveis com facilidade em toda a saga, o que é feito da estruturação do espaço disponível,
visando acentuar a figura do herói, tais como a representação em primeiro plano de Goku,
muitas vezes até extrapolado os limites do quadrinho, e também a sua figura em uma
seqüência de poses que teriam um caráter mais apresentativo e, conseqüentemente, mais
contemplativo do que representante de uma ação – mais como um fetiche para o deleite leitor,
do que uma genuína simbolização do personagem realizando algo.
Em outros mangás, conhecidos também no Brasil, como O Lobo Solitário e Filhote (Kazuo
Koike e Goseki Kojima), Blade (Hiroaki Samura), Vagabond (Takehiro Inue), são
encontradas estratégias semelhantes para a constituição evidenciada do herói na página.
2.2 A ESCOLHA DAS TEMÁTICAS
As escolhas temáticas nos mangás foram se modificando gradativamente ao longo da história.
Segundo Luyten (2000, p. 26-28), mesmo antes da Segunda Guerra Mundial os mangás
haviam se estabelecido no gosto popular dos japoneses e marcado a sua autonomia estilística.
Os artistas do mangá também souberam adaptar conteúdos temáticos ao gosto local. Depois
da derrota na Segunda Grande Guerra, estes artistas evitaram abordar temas bélicos e
partiram, então, para escolhas temáticas que pudessem canalizar a agressividade, tais como o
boxe, artes marciais e a luta livre.
Hoje em dia, no repertório dos mangás, encontramos com uma certa facilidade a temática
bélica, que implica nas narrativas, principalmente aquelas de ficção científica, conflitos de
grupos ou times rivais, devidamente armados, ou histórias que envolvem destruição ou
proteção do mundo contra invasores estrangeiros, por meio da alusão ao holocausto, tais como
Akira (Katsuhiro Otomo) e Dragon Ball e Dragon Ball Z (Akira Toriyama).
Também é muito comum encontrar histórias que gravitem em torno de lendas de samurais e
ronins
27
do Japão feudal, tais como Lobo Solitário e Filhote (Kazuo Koike e Goseki Kojima),
Blade (Hiroaki Samura), Vagabond (Takehiro Inue) e Samurai X (Nobuhiro Watsuki).
Estes títulos, que envolvem aspectos ligados a violência, a guerras e a lutas, ainda que estejam
dentro de grupos classificatórios específicos, estão contidos em uma grande aglomeração
denominada de shonen mangá ou, traduzido a grosso modo, quadrinhos masculinos.
Este tipo de mangá é invariavelmente lembrado, principalmente por educadores e pais, devido
a sua exibição explícita e exagerada de violência, no qual a possibilidade de morte ou
mutilação dos personagens é uma constante em cada página lida.
28
27
Os samurais guerreiros, que dominaram o Japão entre os séculos XI e XIX,
seguiam um rígido código de ética
chamado bushido (o caminho do guerreiro) e prezavam a honra e a devoção ao seu senhor sobre todas as coisas,
inclusive a própria vida. Em caso de derrota ou humilhação, praticavam o harakiri suicídio executado com a
própria espada para ter uma morte digna. Os ronins são guerreiros que, em geral, buscam vingança, porque se
tornaram sem-mestre (o mestre morreu ou por alguma desonra o desertou). Nesse caso, a "vingança" é para obter
a honra perdida e tem um sentido de reparação.
28
Diferentemente das comics, onde os heróis, por exemplo, acabam conservando, na maioria das vezes, um certo
pudor no final da narrativa, a qual culmina em poupar o malfeitor de um tipo de punição que resultem em morte
ou mutilação. Os bandidos nas comics geralmente são presos ou enviados para algum exílio. Caso o vilão morra
Antagonicamente, temos um outro grande grupo de histórias em quadrinhos direcionados para
o público feminino, denominados de shojo mangá, tais como o pioneiro A Princesa e o
Cavaleiro (Tezuka Osamu).
29
Geralmente, neste tipo de mangá, os assuntos em pauta são histórias ligadas à fantasia e aos
sonhos românticos, com a presença de personagens alusivos ao príncipe encantado dos contos
de fadas, que possui qualidades inerentes e idealizadas como sensibilidade ao universo
feminino, parcimônia, inteligência e cavalheirismo.
Tanto no caso dos quadrinhos do shonen mangá como também nos quadrinhos do shojo
mangá, a prevalência das implicações narrativas é a mais simples possível, geralmente ficam
em torno da dicotomia entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, entre o oficial e o
alternativo, entre o comum e o extraordinário, entre o coloquial e o fantasioso, entre o belo e o
feio.
No caso de Dragon Ball e Dragon Ball Z tampouco poderia ser diferente. Encontramos estas
dicotomias durante toda a saga, implicadas em invasões alienígenas e possibilidades de
destruição do planeta, na qual Goku, investido no papel de herói, está sempre disposto a
salvar os seus amigos e a humanidade.
As histórias dessa saga contêm ingredientes cuja função é destacar um aspecto sobrenatural
dos personagens, dos lugares e das circunstâncias, baseados em lendas como uma de origem
chinesa. Essa história falava da existência de sete esferas que, quando reunidas, invocavam
um Dragão com poderes para conceder um desejo qualquer a pessoa que o chamou. A outra
lenda é indiana e fala sobre um macaco de pedra humanizado, cujo nome era Sun Wun-Kun,
que voava em uma nuvem e carregava um bastão mágico.
Os mangás masculinos (shonen mangá) exploram a noção do “Ki”, que significa “força”. Este
poder pode ser usado tanto para o bem quanto para o mal, e todo ser vivo possui esta energia,
restando a cada um, através do treinamento e da disciplina, desenvolvê-lo. Cabe lembra que,
ou sofra alguma seqüela na história, isso é atribuído argumentativamente à culpicidade de seus atos maléficos e
não por conseqüências das ações do herói.
29
A princesa e o Cavaleiro estreou aqui no Brasil em forma de desenho animado, sendo exibido pela TV Record
na década de 70 e reprisado nos anos 80. O mangá já foi publicado no Brasil pela editora JBC.
Fig. 29. A saga de Goku em Dragon Ball
e Dragon Ball Z
inclui também temáticas
cotidianas, como, por exemplo, tomar
banho (DB, 1, p. 41).
Goku, já na primeira edição de Dragon Ball, aparece como herói, mesmo sendo uma mera
criança, e é possuidor de uma força desproporcional ao seu pequeno tamanho, capaz de
carregar, por exemplo, objetos bem maiores e bem mais pesados do que ele.
Outra vertente que aparece na saga, comum também a este tipo de mangá, é a predileção para
destacar o aspecto de destruição e hecatombe.
Segundo Luyten:
As histórias em quadrinhos em geral têm grande predileção pela temática da
ficção cientifica, e não é raro vermos nelas a destruição do planeta e da
humanidade. Os mangás e animês no Japão também não fogem à regra, porém
uma grande recorrência e ênfase acentuada nas hecatombes (2000, p.
226).
Em Dragon Ball e Dragon Ball Z, ainda que
Goku e seus amigos procurem evitar este tipo de
acontecimento, eventualmente, entre uma
história e outra, isto acaba acontecendo, como a
passagem em que Piccolo destrói a Lua para
evitar que Gohan, o filho de Goku, sob a
influência maléfica do satélite, se transformasse
em um enorme macaco gigante durante a fase de
treinamento do garoto (DBZ, 34, p. 57). Ou
então quando Vegeta e Nappa resolvem destruir
uma cidade inteira por pura diversão e exibição
de poder (DBZ, 35, p. 39).
Segundo Luyten (2000: 226), a explicação pode
ser dada por duas vertentes: a primeira é oriunda
da turbulenta história política do Japão, ligada às
guerras civis do século XVI, que resultaram na
unificação nipônica. A segunda explicação está
ligada ao episódio do holocausto nuclear, com as
bombas lançadas pelos Estados Unidos sobre
Fig. 30. A quadrenização tema a tema nos
mangás pode gerar um clima de expectativa,
de contemplação e também de arrasto
temporal (DB, 29, p. 15) .
Hiroshima e Nagasaki.
Nas histórias do mangá, ainda que o herói tenha grandes missões como salvar a humanidade
de alguma ameaça ou inimigo, a sua trajetória é sempre intercalada por momentos ordinários
de angústia, de indecisões, de humor e de paixões. Nestas passagens, o herói é retratado em
ambientes domésticos, como a escola ou o trabalho, realizando tarefas corriqueiras, comuns
ao cotidiano do leitor (Fig. 29).
Ocasionalmente, dentro de uma mesma página de história nos mangás, é possível averiguar
uma outra modalidade de configuração temática, isto é, a possibilidade de mudança entre um
tópico e outro.
Mccloud (1995, p. 78) afirma que, nos
mangás, as transições tema a tema estão
em quase todas as partes da narrativa e
que as mesmas têm sido elemento
integrante dos quadrinhos japoneses.
Para o autor, esta representação gráfica
tema a tema, na maioria das vezes, é usada
para: [...] estabelecer um clima ou
sentido de lugar, o tempo parecer nessas
combinações silenciosas. Em vez de atuar
como ponte entre momentos distintos,
aqui o leitor deve compor um único
momento, utilizando fragmentos
dispersos” (MCCLOUD, 1999, p. 79).
A conseqüência de uma estruturação tema
a tema dentro da narrativa do mangá é a
valorização de uma visão mais
contemplativa, panorâmica e de
ambientação, como se fossem
“preparativos visuais” que antecedem a consumação da ação (Fig. 30).
Retomando os aspectos identificatórios entre o mundo narrado e o mundo real, podemos
destacar outro ponto importante para o reforço desse elo: a peculiar ausência, no decorrer das
histórias, de uma identidade secreta ou dupla identidade da figura do herói no mangá.
Mesmo aquelas histórias em que o herói precisa, de alguma forma, assumir um novo perfil,
como no caso das narrativas sobre robôs gigantes, conhecidos também como Mecha Mangá,
percebemos esse traço, ainda que o protagonista se “esconda por de trás de algum
equipamento de alta tecnologia.
Estes equipamentos, que mais lembram algum tipo de armadura medieval, a exemplo de
Evangelion (Hideaki Anno), têm sempre o comando do protagonista, que, por sinal, tem a sua
identidade previamente conhecida, e sem nenhum constrangimento, pelos outros personagens.
Este aspecto revelado da identidade do herói reforça a relação com o leitor, já que os
denominados benfeitores ou protetores da nossa sociedade, ou pelo menos aqueles que
realizaram grande feitos constatados na historicidade do mundo real, têm os seus nomes e os
seus rostos estampados em livros ou documentados de alguma maneira; seja pelo viés da
representação fotográfica ou pictórica. “Os mangás se solidarizam com o leitor: os
personagens lutam, amam, brigam, aventuram-se, viajam e até exercitam-se por ele”
(LUYTEN, 2000, p. 40).
A saga de Goku em Dragon Ball e Dragon Ball Z, por exemplo, traz implicações não só dos
seus feitos heróicos, como também de seus pequenos feitos, como cortar lenha (DB, 1, p. 7-9),
pescar (DB, 1, p. 13-14), tomar banho (DB, 1, p. 41-43) e dormir (DB, 1, p. 47-48). Nestes
casos, a ambiência, como os móveis e objetos, assume um papel importante para melhor
representar o cotidiano e gerar uma conexão com o leitor.
Além disso, Goku cresce, aprende coisas novas, casa-se, tem filho, netos e morre,
representando uma simulação da vida real em uma perspectiva da exibição estrutural dos
pontos mais importantes na trajetória humana, segundo a interpretação do autor.
Fig. 31. Esquema de uma personagem de
mangá: rosto triangular, boca pequena,
olhos grandes e cabelo estilizado. (Curso
de Mangá
: ed. Extra, p. 38).
2.3 A MORFOLOGIA DOS PERSONAGENS
A aparência dos personagens de mangá é o traço mais evidente para definir esse tipo de
história em quadrinhos como tal. Os personagens de mangás geralmente têm uma aparência
que se enquadra dentro de um esquema mais cartunizado.
30
O reforço do estereótipo se dá na
constituição dos olhos de tamanho grandes e brilhantes, em que a expressividade do olhar é
evidenciada, fruto da herança do teatro japonês.
31
Nesse mesmo esquema, se enquadram
também a boca e o nariz que se configuram praticamente como pequenos traços, sem detalhes
dos bios ou das narinas. A cabeça quase sempre tem a aparência de um triângulo invertido,
na qual uma certa personalidade é ressaltada
pelos cabelos, com tipos de cortes variados,
como os espetados. No caso dos cabelos dos
personagens, algumas alternativas de cores, se
o mangá for colorido, podem ser preto, o mais
corrente (Goku, Gohan e outros em Dragon
Ball e Dragon Ball Z), verde (Bluma em
Dragon Ball e Dragon Ball Z) ou laranja
(Rurouni Kenshin em Samurai X). Estes
personagens não aparentam muita força física,
pois geralmente não são musculosos. As suas
indumentárias também não apresentam nada
muito destacado, no sentido de configuração
da sua identidade.
O herói de mangá se diferencia do super-herói
das comics não por sua indumentária raramente os protagonistas usam roupas colantes,
capa e máscara – mas também por outros aspectos, conectados a sua personalidade.
30
Desenhos mais humorísticos e com traços simplificados.
31
Originário da companhia “Takarazuka”, que mistura música com representação teatral, e é exclusivamente
composta por mulheres com olhos bem destacados pela maquiagem para assumir papeis masculinos.
Fig. 32. Uso da “hotline” em Dragon Ball
e Dragon Ball Z reforçando a relação
figura e fundo.
Sendo assim, podemos afirmar que os personagens dos mangás são concebidos icônicamente,
através de uma economia ou simplificação do seu esquema representacional
32
(Fig. 31).
Esta simplificação do esquema representacional, a princípio, parece coerente, se levarmos em
conta que as revistas de mangás são produzidas em grande número em uma cor.
33
São impressas em papel jornal e monocromáticas, variando entre o rosa, azul,
verde, roxo ou preto. A utilização dessas cores de papel pode parecer, à
primeira vista, fortuita, mas tem um significado relacionado com o contexto
da história em que figura, se levarmos em conta a simbologia das cores dentro
da cultura japonesa (LUYTEN, 2000, p. 43).
Ao contrário das histórias em quadrinhos da escola norte-americana, as linhas,
34
nos mangás,
têm uma aparência uniforme e delgada, denominadas também de “hotline”,
35
principalmente
aquelas usadas para contornar os personagens.
A “hotline”, por necessidade e convenção da indústria das histórias em quadrinhos (sobretudo
as dos mangás), é usada de longa data para privilegiar algumas sensações que as cores
poderiam proporcionar: como a idéia de profundidade de campo e de volume de objetos,
através da escala de tonal. Portanto,
tradicionalmente, os artistas gráficos das hq’s,
na ausência do colorido como recurso, seja por
motivos econômico-comerciais, seja por opção
plástica, sempre trabalharam com a linha no
intuito de substituir ou, ao menos, de se
aproximar das sensações que podem ser
estimuladas com as cores.
Nestes casos, o volume, por exemplo, pode ser
32
Existem algumas exceções, como no caso do subgênero de mangá denominado de Gerigá, nos quais os
desenhos são mais detalhados, com pouca estilização e personagens com olhos pequenos, tais como: Akira
(Katsuhiro Otomo) e Lobo Solitário (Kazuo Koike e Goseki Kojima) (SHIMAMOTO, 1999).
33
Para o leitor japonês, a presença das cores como pano de fundo da história é um indicio para o significado
do discurso e ajuda a criar a atmosfera (LUYTEN, 2000, p. 44).
34
A abordagem das linhas, neste caso, adquire uma função distinta daquela vista anteriormente, quando
analisamos as linhas no interior do quadro para evidenciar o aspecto expressionista que ela pode proporcionar,
ligada às sensações cinéticas como movimento e velocidade.
35
Termo técnico oriundo do campo de produção das histórias em quadrinhos. “Hotline” é a designação dada a
uma linha fina que constitui as das imagens.
Fig. 33. Dois momentos distintos
da representação visual do
Superman: iconicamente e
realisticamente.
conseguido por meio de uma certa irregularidade da linha, quando no seu percurso na
superfície do papel pode variar de fina para mais grossa através de técnicas de finalização
com bico de pena ou pincel. Já a profundidade pode ser conseguida através do contraponto de
linhas propriamente finas junto com linhas mais espessas, acentuando assim a relação figura e
fundo (Fig. 32).
Entretanto, nos mangás, as linhas são apresentadas dentro de uma uniformidade não só
durante toda a história, como também se fizermos uma comparação da história com as capas.
Assim, nas capas de Dragon Ball e Dragon Ball Z, estas, ainda que coloridas com suas
respectivas possibilidades tonais, permanecem, no que diz respeito ao tratamento da linha, da
mesma forma que no interior das páginas. Deduzimos, então, que as linhas finas nos mangás
assumem uma outra função diferente daquela meramente estilística ou como recurso para a
evidenciar o volume e a profundidade. Na realidade, as linhas representadas desta maneira são
um reforço para a iconicidade dos desenhos dos mangás.
Este aspecto icônico dos personagens de mangá apontam para mais uma estratégia usada
pelos artistas no sentido de promover uma aproximação com o leitor através da especialidade
do cartum
36
(MCCLOUD, 1995, p. 42). Lembremos que este tipo de representação icônica,
por influência dos mangás e animês, tem sido cada vez mais freqüente na produção das hq’s e
de desenhos animados norte-americanos. Podemos citar, sob essa influência, os novos
seriados animados do Batman, Superman, Jack Chan e as Garotas Super-Poderosas. Também
podemos mencionar boa parte das comics de meados
da década de 80 realizados por artistas como Frank
Miller e Jim Lee.
Para o mangá, o uso da iconicidade configura-se
numa vantagem no que diz respeito ao seu
significado, considerando que os ícones têm como
seus principais atributos a simplicidade, a
subjetividade e um caráter mais universal de
representação, o que possibilita uma maior facilidade
de projeção para o leitor.
36
Os cartuns são imagens conceitualmente simplificadas e representantes do “mundo interno”, sendo geralmente
de cunho humorístico (MCCLOUD, 1995, p. 41).
Ainda assim, lembramos que, mesmo em desenhos mais realistas de quadrinhos, como as
histórias de Flash Gordon (Alex Raymond), ou de Tarzan
37
(Harold Foster), nos quais
encontramos uma representação dos personagens e também dos cenários com características
quase que pictórica, a modelação icônica se faz presente. Afinal, os desenhos denominados de
realistas ou pictóricos, que muitas vezes se aproximam da fotografia, como, por exemplo, os
trabalhos de Alex Ross, estão sujeitos a uma certa interferência da subjetividade, tendo em
vista que entram aspectos ligados ao estilo do artista e às suas soluções inventivas pelo viés da
simplificação da representação, mesmo que isso ocorra com discrição (Fig. 33).
A fotografia e o desenho realista são os ícones que mais se aproximam de seus
equivalentes reais. que muitas coisas os diferenciam dos seus equivalentes
reais são planos, menos detalhados, não se movem, não têm cor. Porém,
como ícones pictóricos, são “realistas” (MCCLOUD, 1995, p. 28-29).
É importante notar que podemos estabelecer, genericamente, dois pólos distintos de
representação: de um lado temos as hq’s de vertente mais realista, nas quais as comics fizeram
escola; do outro lado, encontramos as hq’s de vertente mais icônica ou cartunizada, dentre as
quais podemos situar quase toda a produção dos mangás e também boa parte da produção
européia, principalmente aquelas histórias em quadrinhos oriundas da Escola Franco-Belga.
Neste caso, tanto os mangás como também as histórias em quadrinhos da Escola Franco-
Belga
38
são concebidos, comumente, através do uso do antagonismo representacional: de um
lado temos a configuração dos personagens através de uma representação cartunizada,
contraponto-se aos cenários e objetos representados de maneira mais análoga à realidade.
Mccloud (1995, p. 43-44) denomina esse contraponto de “efeito máscara”. Segundo ele,
durante um certo tempo nos mangás, esse foi um “estilo nacional”.
39
O “efeito máscara”
consiste também na possibilidade da construção de personagens simplificados, para uma
melhor identificação com o leitor, juntamente com outros “[...] de formas mais realistas, para
serem objetificados, enfatizando a sua infamiliaridade com o leitor”.
37
O personagem de quadrinhos é baseado no romance de Edgar Rice Burroughs.
38
Podemos citar as hq’s de Tintin (Hergé) ou de Asterix (Uderzo e Goscinny).
39
Temo usado por Mccloud (1999, p. 43) para definir o antagonismo entre o realismo do fundo dos quadros e a
iconicidade dos personagens. Somos levados a acreditar, também, que o termo “estilo nacional” ou estilo
genérico pode ser aplicando às características morfológicas dos personagens, sem maiores prejuízos.
A necessidade de uma representação realística nos mangás não serve apenas para mostrar
detalhes dos objetos, por exemplo, mas também para conscientizar o leitor de que o objeto é
dotado de peso, textura e complexidade física (MCCLOUD, 1995, p. 44).
Além do aspecto predominantemente icônico dos mangás, podemos notar uma outra
característica que os diferencia principalmente das comics: as roupas dos personagens,
incluindo a do protagonista da história, geralmente de aspecto comum, lembrando muitas
vezes a maneira de se vestir do leitor.
Portanto, no que se refere à indumentária, quase sempre as figuras do mangá vestem-se de
maneira coloquial ou, se for um mangá ligado ao mundo das tradições japonesas ou das artes
marciais, costumam usar algo próximo ao kimono”, como no caso da maioria dos
personagens de Dragon Ball e Dragon Ball Z.
40
No caso específico das vestimentas, o mangá é bastante diferente das comics e mais próximo
das hq’s européias, dispensando, portanto, roupas colantes e coloridas, capas e máscaras.
Estas roupas ainda têm a propriedade de rasgar-se com facilidade, assim como acontece na
vida real. Aqui também encontramos a idéia de proporcionar uma aproximação do leitor
através de uma certa identificação cotidiana dada pela roupa dos personagens, principalmente
pela representação da vestimenta do herói das histórias.
Não obstante, quase que paradoxalmente a esta configuração ordinária das indumentárias,
podemos observar que as figuras dos mangás não dispensam os apetrechos tecnológicos ou o
amparo de armas brancas, como tampouco o uso de poderes ou de objetos de origem
sobrenatural.
41
As heroínas, por sua vez, geralmente de estatura menor em relação ao personagem masculino,
possuem um aspecto adolescente.
42
Entretanto, no decorrer dos anos, segundo Luyten (2000,
40
Nome japonês que significa “roupa de casa”, sendo erroneamente denominada de “roupa de luta” nas artes
marciais.
41
É comum nas histórias dos mangás o viés tecnológico, como as bulas de robôs gigantes, denominados de
Mecha Mangá, nas quais podemos citar Evangelion e Transformers, ou histórias com implicações mágicas como
no caso de Dragon Ball e Dragon Ball Z, nas quais Goku é auxiliado por uma nuvem voadora denominada de
Kinto’Um e um bastão mágico, além das sete esferas do dragão.
42
Atribuem-se questões culturais da sociedade japonesa, na qual a mulher é submissa ao homem, repercutindo
então na representação do feminino nos mangás para a idéia de fragilidade, dependência e inexperiência
social em relação ao masculino.
p. 236), as heroínas sofreram uma metamorfose, visando a agradar o gosto do leitor ocidental,
principalmente o do norte-americano:
Basta comparar animês produzidas na década de 1990 com os de 1970 e
veremos a diferença. As heroínas de olhos grandes e pernas longas receberam
fartas quantias de silicone em seus seios, tornando-se “ocidentalmente” sexys.
E com isso formou-se um novo estereótipo para as histórias recentes:
“bigbreasted women, merchs, and lots of gore” [mulheres de seios grandes,
mecânica e muito sangue derramado].
Em suma, podemos afirmar que a morfologia peculiar dos personagens do mangá é um dos
pontos mais característicos para defini-lo como tal. Mesmo levando em conta as
diferenciações estilísticas de um desenhista para outro, ainda é possível traçar um perfil ou
estabelecer um padrão genérico dentro da diversidade de títulos exibidos no mercado,
configurando-se praticamente como um “estilo nacional”, que tem sua matriz constitutiva no
Japão.
2.4 A CONSTRUÇÃO DAS POÉTICAS NARRATIVAS
As narrativas dos mangás funcionam dentro de um regime muito mais próximo do ritmo
fragmentado da televisão, em que as elipses temporais e espaciais são feitas com a troca
rápida de imagens, tendo em consideração também que a força do que é visto é maior do que
é pronunciado verbalmente para a construção da narrativa.
Nos mangás de hoje encontramos também em número expressivo os “efeitos” que são
originários do cinema, como o close-up extremamente fechado, o plongée e o contra-plongée
e, nos casos dos quadrinhos que induzem o movimento, o foco centrado na figura e o fundo
aparentando-se distorcido e ilegível, representado por linhas perspectivadas, para passar o
conceito de locomoção rápida (Fig. 34).
Fig. 34 Exemplos
encontrados em Dragon
Ball Z de formas de
enquadramentos
cinematográficos (DBZ:
63, p. 65, 77 e DBZ: 62, p.
44, 83).
Estes efeitos estão espalhados por toda a estrutura da narração, as quais têm o objetivo de
contar um fato que se passa em determinado tempo e lugar. A história só existe na medida em
que há algum tipo de ão praticada pelos personagens. Um fato, em geral, acontece por uma
determinada causa e desenrola-se envolvendo certas circunstâncias que o caracterizam. É
necessário, portanto, mencionar o modo como ocorre o acontecimento, isto é, de que maneira
o fato ocorreu. Por sua vez, um acontecimento provoca conseqüências decorrentes da ação.
Sendo assim, a maneira de configurar visualmente os quadrinhos ganha uma relevância para
os desdobramentos narrativos.
As ações desenvolvidas pelo herói acontecem em uma perspectiva temporal independente do
ritmo de leitura do receptor. Mesmo considerando que o movimento dos quadrinhos é dado
pelos olhos do leitor, o tempo é determinado pelos intervalos entre um quadro e outro,
denominados de sarjetas. Esses intervalos proporcionam, assim, os deslocamentos de tempo e
de lugar, denominados por Cirne (1975) de pequenas e grandes elipses, respectivamente.
Metz (1972, p. 61), ao verificar a narrativa no cinema, afirma que:
Poderíamos acreditar ser possível uma leitura transversal do filme devido à
livre exploração do conteúdo visual de cada plano, no entanto, ele é quase
sempre objeto de umas leituras longitudinais, precipitadas, projetadas para
frente, que aguardam uma continuão. As seqüências não somam planos, elas
os suprimem.
Esta declaração pode ser aplicada, sem prejuízos, às hqs, tendo em vista que o encadeamento
dos quadrinhos assemelha-se ao plano-seqüência cinematográfico no que diz respeito ao
desenvolvimento narrativo, através das ações dos personagens, principalmente a do herói.
Para Fresnault-Deruelle (1980, p. 125), os personagens das hq’s aparecem em função do
recorte seletivo de autor da obra, decidido a pôr em cena apenas os momentos que considera
importantes.
No mangá, em específico, a atuação do herói ocorre geralmente através de uma narrativa
linear, representada por uma imagem-ação. Deleuze (1985) analisa as imagens
cinematográficas, classificando a sua estrutura pautada na narrativa linear como imagem-
movimento. Podemos dizer que o mangá obedece a essa estrutura, contrapondo-se às
possibilidades de soluções narrativas encontradas principalmente na produção européia, como
nas hq’s criadas por Moebius,
43
ou em diversas histórias em quadrinhos oriundas do
movimento underground.
44
A lógica narrativa dessas hq’s é predominantemente não-linear
ou, como classificado por Deleuze (1990), é uma lógica narrativa de imagem-tempo.
43
Autor de diversas obras de hq’s, entre elas: Blueberry, The Long Tomorrow, O Rola-Doida, Garagem
Hermética e Arzach. Esse artista, dependendo do tipo de histórias que produz, pode assinar tanto como Moebius
ou como Gir (abreviação de Giraud).
44
As hq’s underground surgiram nos Estados Unidos nos anos 60, influenciadas pela iniciativa no campo da
música e pelo movimento hippe, tendo como seu idealizador o quadrinísta Robert Crumb. As histórias em
quadrinhos underground visavam produzir materiais alternativos, diferenciando-se das comics. Os temas
geralmente envolviam drogas, sexo, violência, crítica ao capitalismo e à ordem do sistema. Eram representados
geralmente por anti-heróis politicamente incorretos e associados às minorias: negros, mendigos, gays, latinos,
mulheres, crianças, deficientes físicos e outros. Estilisticamente, o traço é estereotipado, com cenas de subúrbios,
prostíbulos, boates com muita sombra e pouca luz. Muitas dessas hq’s são possuidoras de uma construção
narrativa não linear.
Fig. 35. Seqüência em quadrinhos de Dragon Ball e Dragon Ball Z
, em que
o vilão Cell apresenta-se sem a necessidade de um texto verbal (DBZ, 63,
p. 42-43).
Essa relação entre o movimento e o tempo é encontrada nas histórias em quadrinhos através
do sentido dado pelo leitor ao acompanhar os planos-seqüência, a ordem das legendas e dos
balões e até a própria disposição dos elementos visuais distribuídos em um plano.
Geralmente, as aventuras das histórias em quadrinhos de Dragon Ball e Dragon Ball Z são
conectadas, mantendo uma ordem cronológica dos acontecimentos. O herói, assim como os
seus aliados e os seus adversários, segue um percurso temporal linear. Apesar de interligadas,
as aventuras têm como propriedade uma autonomia entre um episódio e outro, mantendo uma
estrutura geral interna para cada conto.
As histórias de Dragon Ball e Dragon Ball Z o pontuadas por quadrinhos sem que haja a
interferência do texto escrito
45
(Fig. 35). Provavelmente, essa forma de narrar, encontrada de
um modo geral no mangá, é uma influência de outros meios comunicacionais como o cinema
e a televisão.
45
Existe outro bom exemplo para ilustrar esta possibilidade: uma longa seqüência de luta de Gohan (o filho de
Goku) e seus aliados contra o alienígena Nappa, que dura oito ginas sem a presença de praticamente nenhum
texto (DBZ, 36, p. 83-88).
Outro ponto marcante nas histórias dos mangás e também nos animês é a expressividade
acentuada pelo exagero ou distorções dos olhos e bocas, principalmente, o que leva os
personagens ao aspecto caricatural momentâneo. O humor, neste caso, não se apenas por
uma situação narrativa engraçada, mas especialmente pela reação dos personagens perante a
situação apresentada.
Esta distinção caricatural dos personagens de mangá se realiza, inesperadamente, dentro do
encadeamento da história, gerando assim uma disjunção narrativa.
Para Morin (1976, p. 175), considerando o eixo seqüencial das histórias em quadrinhos ou a
sua estruturação linear,
46
é distinguível em uma historieta três funções ordenadas de narrativas
e que também são encontradas facilmente no mangá:
1. uma função de normalização que situa os personagens;
2. uma função locutora de deflagração, com ou sem locutor, que coloca o problema a
resolver ou questiona-o;
3. uma função interlocutora de distinção, com ou sem locutor, que resolve “comicamente” à
questão.
Segundo a autora, esta última função proporciona a bifurcação da narrativa de um
desdobramento sério para o cômico. “Neste caso a bifurcação é possível graças a um elemento
polissêmico, o disjuntor sobre o qual a história deflagrada (normalização e locução) tropeça e
se volta para tomar uma direção nova e inesperada” (MORIN, 1976, p. 175).
A função disjuntiva não diz respeito estritamente ao jogo de palavras, isto é, não se restringe
ao texto verbal, mas também contempla o texto visual, através do iconismo das imagens,
visando à comicidade nas hq’s (Fig. 36).
Estas historietas são raramente jogos de palavras. São largamente jogos de
signos. (...), mas este aspecto verbal não é o mais corrente: com mais
freqüência os signos se apagam diante dos elementos referenciais da narrativa,
46
Cabe frisar que Violette Morin desenvolveu estas funções analisando historietas, ou tirinhas de jornal.
Entretanto, acreditamos que as funções propostas pela autora também servem para estudar as hq’s mais
amplamente.
Fig. 36. A representação da comicidade nos mangás através do
exagero das expressões (DB, 14, p. 11 e DB, 18, p. 76).
gesto, ação sentimento, cujas diversas significação ou polissemia alimentam a
disjunção (MORIN, 1976, p. 175-176).
Lembramos que, tradicionalmente, uma certa tendência da escola de análise semiológica
da imagem de subordinar os aspectos icônicos do discurso visual às características do discurso
enunciativo pelo caminho das funções textuais, tratado na semiologia da escola barthesiana.
Afinal, é de autoria de Barthes (1990, p. 33-34) a função de relais. Segundo o autor, o relais é
mais ordinariamente encontrado nas charges, nas histórias em quadrinhos e também no
cinema. Neste sentido, a imagem teria uma relação de complementaridade da palavra.
O relais, portanto, serve como progressor da ação dentro da narrativa; assume o papel de
“embreagem” entre um momento e outro do encadeamento dos acontecimentos da história.
Portanto, o relais é associado à possibilidade que o texto verbal tem de dar um certo sentido a
imagem.
Entendido desta forma, Barthes não levava em consideração que a imagem tem a sua
capacidade inerente de sobreviver sem o auxílio da palavra, possuindo o seu potencial
comunicacional autônomo do texto verbal, isto é, um potencial discursivo, que se realiza
através da sua enunciação icônica, principalmente se levarmos em conta o uso das imagens
nas artes seqüenciais.
A função de relais, exercida pelo texto verbal, dado pelos balões e legendas primordialmente,
pode ser dispensada como já demonstraram alguns artistas das hq’s, destacando os desenhistas
dos mangás, que, influenciados pelo ritmo cinematográfico e televisivo, impõem uma leitura
mais dinâmica à história, principalmente quando as seqüências são representação de alguma
ação.
Nestes trechos do mangá, é possível realizar um rouler de tempo-espaço narrativo sem o
auxílio de uma única palavra, isto é, a própria disposição dos elementos internos da imagem
pressupõe o antes e o depois graças ao entendimento do acontecido no quadro, através do qual
é possível passar um clima de suspense, de urgência, de contemplação, etc.
Eisner (1999, p. 16) afirma que é possível contar uma história apenas por meio de imagens,
sem o auxílio, portanto, das palavras. A história pode ser toda desenrolada em pantomima,
significando uma tentativa de explorar o texto visual a serviço da expressão narrativa. “A
ausência de qualquer diálogo para reforçar a ão serve para demonstrar a viabilidade de
imagens extraídas da experiência comum”.
Com o tempo, através de novos estudos semiológicos voltados para o fenômeno das histórias
em quadrinhos, ficou mais evidente a possibilidade de independência das imagens para
produzir significados. Esses estudos que seguem essa linha de pensamento foram
desenvolvidos, a partir de então, por pesquisadores como Fresnault-Deruelle e Violette Morin.
A partir da reflexão desses autores, cai gradativamente a hipótese barthesiana de que a
imagem sem a presença do texto verbal poderia gerar uma polissemia de sentidos com pouca
ou nenhuma conexão com uma certa intencionalidade comunicacional previamente
estabelecida. Na concepção de Barthes, uma imagem não ancorada a um texto verbal geraria
discrepâncias de sentidos.
Afinal, Barthes acabou por ignorar a gênese material e plástica dos conteúdos visuais das
imagens e, conseqüentemente, também ignorou os resultados que poderiam ser obtidos a
partir de uma observância mais aguda dos fenômenos da representação visual, enquanto parte
de uma estrutura textual de significação.
Uma dessas possibilidades de entendimento é a sua capacidade conotativa, gerando uma
disjunção, uma bifurcação de sentido que a imagem pode proporcionar no ato de leitura
dentro de um contexto narrativo.
Esta disjunção tem a capacidade de paralisar a narrativa. Esta paralisia encontra-se dentro do
funcionamento interno da narrativa.
As narrativas deste sistema são portanto duplas narrativas: uma narrativa
convencionalmente dita normal vem apoiar-se sobre uma narrativa
convencionalmente dita parasita, cada uma encontrando-se igualmente
fortalecida e destruída pela outra (MORIN, 1976, p. 180).
Desta maneira, a instauração da comicidade é dada pelo atributo do inesperado, quebrando,
assim, a linearidade coerente em uma seqüência narrativa. Esta incoerência pode ser
representada tanto por um texto verbal, como também por um texto visual.
Nas comics strips, ou tirinhas de jornal, por exemplo, principalmente aquelas de teor mais
anedótico,
47
a disjunção pode ocorrer de três maneiras:
47
Inferimos aqui a possibilidade de ocorrências disjuntivas com outras finalidades além da comicidade. Se,
genericamente, a disjunção conota uma quebra da linearidade da narrativa no que diz respeito à sua coerência
Fig. 37. A imagem dependente do texto em Toda Mafalda (Quino, 1991, p. 233).
1. Somente através do texto verbal: a sucessão de imagens, neste caso, pouco colabora para a
configuração do efeito inesperado. As imagens são repetitivas, aparentado uma estrutura
muito parecida entre elas. Historietas como a de Mafalda (Quino) e dos Peanuts (Schulz)
estão repletas deste tipo de situação, nas quais as repetições dos personagens na mesma
posição e a pobreza do fundo dos quadrinhos causam ao leitor não uma sensação de
monotonia como também uma incompreensão do teor da mensagem, se forem tomadas
como referência somente a imagem (Fig. 37);
2. Através da interação do texto verbal com o texto visual: este tipo de ocorrência tende a ser
mais freqüente no universo das hq’s, onde ambas estão atreladas para um entendimento
específico da mensagem. Entretanto, é possível notar a disjunção analisando isoladamente
as imagens. Afinal, mesmo na ignorância do seu verdadeiro significado, levamos em
consideração que estas imagens ainda carecem de algum tipo de complemento verbal para
rematar o sentido da mensagem. Todavia, a notação disjuntiva já é verificável por meio da
expressividade do desenho, mudança ou exagero expressivo dos personagens ou até
mesmo dos movimentos bruscos de objetos contidos na cena (Fig. 38);
para um desfecho previsível, podemos incluir, então, como passagens correntes à disjunção aquelas que sugerem
suspense, culminando em um acontecimento inesperado, como a instauração do terror, por exemplo.
Fig. 38. A imagem com uma certa independência do texto em Toda Mafalda (Quino,
1991, p. 233).
Fig. 40. Seqüência narrativa que
culmina em uma disjunção cômica
(DB, 13, p. 87-88).
Fig. 39. A imagem independente do texto em Toda Mafalda (Quino, 1991, p. 230).
3. Somente através do texto visual: a sucessão de imagens consegue construir um sentido
sem a presença do texto verbal. O fator inusitado ocorre através de uma espécie de
desordem de um entendimento narrativo que até então era representado por imagens
coerentes, apontados para um determinado desfecho, que, de certa forma, pode ser
previsto pelo leitor. Entretanto, para a sua surpresa, o final é outro, pois inesperadamente,
irrompe uma imagem destoante, provocando o efeito de comicidade para concluir a
mensagem (Fig. 39).
Nas narrativas dos mangás, a segunda
possibilidade, construída por seqüenciamento das
imagens acompanhadas de textos verbais e
finalizando com uma imagem sem vocábulos, isto
é, tendo apenas uma cena impactante, é muito
comum e encontrada fartamente toda vez que a sugestão é a indução para a comicidade (Fig.
40).
Como dito anteriormente, os mangás, a partir da década de 60, sofreram uma decisiva
influência de meios comunicacionais como o cinema e a tv. Os acontecimentos narrativos
passaram a ser mais dinâmicos, graças à adoção de uma diagramação assimétrica, a utilização
de linhas diagonais que são tanto usadas para a construção do quadro como também para
expressar velocidade, no interior desse espaço. Além disso, foi mais corriqueiro deste então o
exercício representacional conotando a independência de texto visual em relação ao texto
verbal, o que possibilitou, conseqüentemente, ao artista do mangá realizar experimentos,
visando acentuar o humor através do uso de imagens sem a escrita.
Podemos citar artistas nipônicos de renome, como Osamu Tezuka e Akira Toriyama, que
começaram a implementar uma forma narrativa nos seus mangás, a qual, em muitos
momentos, dispensavam a utilização do texto verbal.
Osamu Tezuka (citado em LUYTEN, 2000, p. 33), afirma que:
Como um tipo de hieróglifos e que, na verdade, o ato de desenhar não é só um
processo de fazer figuras, mas uma maneira de escrever uma história com um
singular tipo de símbolo. E como vivemos em uma sociedade extremamente
visual, a ilustração é o esperanto da aldeia global.
Estes momentos escolhidos pelos artistas de mangá para gerar um trecho na história sem o
comparecimento da escrita servem também para representar uma passagem narrativa, na qual
ocorre um prolongamento temporal realizado através de um tensionamento de expectativas
que vai crescendo até se consumar o desenlace da ação, perpetuando, assim, para o leitor, a
idéia de suspense. Ou então, esta forma de quadrinizar sem o uso do texto verbal é corrente
quando uma necessidade narrativa de reconhecimento do lugar ou de conjuntura prevista
para o posterior engendramento dos fatos da história. O objetivo é, portanto, gerar instruções
visuais para que o leitor possa compreender melhor a situação que está por vir.
No que diz respeito à geração de um efeito cômico, os artistas do mangá acentuam estas
possibilidades através da ausência de texto verbal. O burlesco realiza-se por uma disjunção
que culmina em um acentuado expressionismo dos personagens, com uma configuração
chegada ao caricato, por meio do exagero facial, que pode conotar dor, raiva, espanto, tristeza
e etc. Geralmente, esta ausência de texto verbal ocorre no último quadro, onde a comicidade
explode através do destaque do desenho burlesco.
Os mangás Dragon Ball e Dragon Ball Z estão recheados de passagens que levam a uma
disjunção narrativa cômica. Invariavelmente, o os vilões, como também o herói Goku e
os seus amigos passam, em algum momento da saga, por uma situação vexatória, pautada em
um tipo de humor banalizado, em que pequenos descuidos no cotidiano das ões dos
personagens, ou até mesmo em momentos de confrontação e realização de tarefas
importantes, acabam, inesperadamente, desencadeando uma transição para o humor. A
conseqüência disso encontra-se na exibição visual de situações que demonstram tombos,
sustos, acessos de cólera e desespero, configurados de forma exageradamente caricatural. A
preferência se por meio de olhos esbugalhados e bocas desproporcionais ao rosto para
exprimir sentimento de raiva, espanto, cinismo, ironia, e assim por diante.
Algumas outras representações de comicidade nos mangás talvez não façam muito sentido na
nossa cultura, isto porque estão diretamente ligados ao universo cultural japonês:
[...] O fato que o mestre Kame sangra pelo nariz sempre que uma garota
bonita ou se mete em alguma situação constrangedora com roupas íntimas
(calcinhas, principalmente). Para nós este fato pode parecer bem estranho, mas
em alguns mangás essa é a forma engraçada de mostrar que o personagem,
geralmente masculino, está ansioso ou excitado (e o mestre Kame é mestre em
se meter em confusão por causa disso!). Este tipo de expressão tornou-se
popular porque alguns desenhistas adaptaram para o desenho a palavra
japonesa “Hanaji”, que significa sangue pelo nariz. Esta palavra no Japão é
usada também para mostrar excitação (DB, 5, p. 94-95).
Mesmo se levarmos em conta a nossa ignorância sobre a origem de alguns significados
encontrados nos mangá, ainda assim sabemos, mediante o mote narrativo, que se trata de uma
situação de humor. Como o passar de tempo, o leitor de mangá, independentemente de ter ou
não este background cultural, aprende a reconhecer estas marcações representacionais como
situações especificamente humorísticas, da mesma forma que distingui as representações
visuais no lugar do texto como normalmente acontece também em produções quadrinísticas
originárias da escola de histórias em quadrinhos franco-belgas: em um lugar de escrever
palavrões na fala dos personagens, convencionou-se utilizar desenhos icônicos de caveira, de
Fig. 41. O aspecto cômico
também é gerado por objetos
e veículos que lembram
brinquedos ouplicas (DB,
31, capa).
bomba, de faca, etc., em uma clara demonstração de que o texto visual toma lugar do texto
verbal.
Sobre as metáforas visuais nas histórias em quadrinhos, Eco (1993, p.144) afirma que:
[...] poderíamos citar, por exemplo, vários processos de visualização da
metáfora ou do símile, como os que aparecem nas estorinhas humorísticas: ver
estrelas, ter o coração em festa, sentir a cabeça rodar, roncar como uma serra,
são tantas expressões que, na estória em quadrinhos, se realizam como recurso
constante a uma simbologia figurativa elementar. À mesma categoria
pertencem as gotinhas de saliva que exprimem concupiscência, a
lampadazinha acesa que significa tive uma idéia etc. Mas na realidade, esses
elementos iconográficos compõem-se numa trama de convenções mais ampla,
que passa a constituir um verdadeiro repertório simbólico, e de tal forma que
se pode falar numa semântica das estórias em quadrinhos.
Este aspecto cômico realizado pelas metáforas visuais
muitas vezes é auxiliado por um ambiente ou objetos
também de representações burlescas, como as naves e
veículos que surgem durante a saga, os quais lembram
brinquedos ou plicas miniaturizadas da nossa realidade.
Estas réplicas conseguem manter o seu índice com o
referente através de um desenho minucioso de detalhes,
chegando até mesmo ao nível da inclusão de logotipo dos
fabricantes (Fig. 41).
Contudo, o tipo de traço usado por Akira Toriyama sugere
um aspecto mais icônico desses objetos integrando-os à
aparência dos personagens.
Cabe lembrar que esta relação dos objetos representados
com o referente é usual nos mangás, mas, na maioria dos
casos, estes objetos, e também os cenários, são desenhados de forma mais realística possível.
Aspectos fotográficos e de detalhismo, contendo peso, textura e complexidade física,
contrastam com a simplicidade do traço e o esquematismo geométrico dos personagens, o que
é denominado de efeito máscara”. No caso de Dragon Ball e Dragon Ball Z, o efeito de
contraste entre a figura e o fundo não é tão evidente. Ambas se apresentam aos olhos do leitor
de uma maneira mais integrada.
Para Mccloud (1995, p. 43-44):
Esta combinação permite que os leitores se disfarcem num personagem e
entrem num mundo sensorialmente estimulante. Um conjunto de linhas pra
ver, outro conjunto para ser. [...] Os estilos híbridos resultantes mostraram
uma tremenda variação icônica, como personagens muito cartunizados e fundo
quase que cinematográficos.
Em Dragon Ball e Dragon Ball Z, esta distinção entre cartum e fotográfico é diminuída, pois
o tratamento dado pelo desenhistas aos cenários e objetos são adjetivados por uma certa
leveza no traço.
Deste modo, a identificação do leitor como Goku não se dá somente pelos seus feitos
heróicos, mas também pela possibilidade de envolver-se em situações hilárias, assim como
acontece na vida real.
Uma das explicações pode ser encontrada nos personagens do mangá, que, ao
contrário dos super-heróis produzidos no Ocidente, são heróis concebidos a
partir do mundo real, nos quais as pessoas podem encontrar, além de uma
espécie de miniatura de suas vidas, os ingredientes para vivenciar suas
fantasias (LUYTEN, 2000, p. 40).
Ao contrário das histórias em quadrinhos norte-americanas, no mangá, o herói, entre um
grande feito e outro, pode envolver-se em situações engraçadas ou até mesmo ridículas, sem
que isso afete a sua imagem heróica perante o leitor.
No moderno mangá, os heróis são desenhados a partir do mundo real. Neste
aspecto incide a diferença fundamental em relação aos personagens ocidentais
são pessoas comuns na aparência e de conduta modesta. Podem ser
funcionários de companhias, estudantes, aprendizes em restaurantes,
esportistas, donas de casa, que, entretanto, no decorrer do enredo da história
podem realizar coisas fantásticas. Podem se envolver em romances, voar para
o espaço ou se defrontar com um suposto chefe de escritório numa sangrenta
batalha. [...] O leitor se identifica com os heróis porque eles retratam sua vida
diária e o remetem para o mundo para esse mundo de fantasia. Ele poderia ser
o próprio herói da história porque está próximo da sua realidade (LUYTEN,
2000, p. 71).
3. A CONFIGURAÇÃO DO HERÓI NAS NARRATIVAS DO MANGÁ DRAGON
BALL
E
DRAGON BALL Z
3.1 A FIGURA DO HERÓI
pontuamos, anteriormente, algumas características do herói, principalmente aquelas de
ordem morfológica, no intuito de criarmos um contraponto entre o herói do mangá e o herói
encontrado nas histórias em quadrinhos norte americanas.
Eco (1993, p. 248) observa que os mitos tinham como base narrativa o uso do acontecido, o
que corroborava a sobrevivência do seu estatuto pautado nos acontecimentos consumados.
Este condicionante garante a sobrevivência do mito, passando-o de geração para geração,
dada inicialmente através da oralidade e muitas vezes expandidas para outras culturas. A
história constituída servia, portanto, para modelagem do próprio mito, adquirindo contornos
divinos e servindo idealisticamente como exemplo a ser seguido ou referencial a ser
alcançado pela humanidade.
Para que o mito garanta a sua sobrevivência, torna-se necessário, através da narrativa, que
haja uma empatia, por intermédio de características identificáveis, entre o personagem e o
leitor. Esta identificação se através de traços de personalidade e das peripécias realizadas
pela figura mitológica durante o desenrolar narrativo, que, dentro de uma coerência da
história, permanece vinculado ao cotidiano, ao mundo real, ainda que estas peripécias sejam
da ordem do espetacular, do fabuloso e do heróico, servindo, portanto, como fonte inspiradora
para aqueles que acessavam o mito através das suas fábulas.
48
Estas últimas afirmações exprimem os dois eixos em que o problema do mito adquire
pertinência. Por um lado o eixo da história, da bula ou da narrativa, isto é, o eixo da
ordenação temporal que funda os mitos e, por outro, o eixo dos caracteres míticos, isto, é
dos personagens e de seus aspectos ou feitos heróicos.
Mais adiante, Eco (1993, p. 249) nota que os mitos nascem e sobrevivem na
contemporaneidade principalmente pela difusão dos romances, que trazem em suas histórias a
possibilidade de contá-los em tempo presente, levando, consecutivamente, ao incremento do
critério da imprevisibilidade, já que o leitor tem a sensação de acompanhar em tempo real os
48
Entendemos por fábula o esquema fundamental da narração, a lógica das ações e a sintaxe dos personagens, o
curso dos eventos ordenado temporariamente. Pode não constituir, necessariamente, uma seqüência de ações
humanas, e sim uma série de eventos que dizem respeito a objetos inanimados ou também às idéias (Eco, 1979,
p. 84).
acontecimentos junto com os personagens, garantindo, assim, a atenção para o desfecho
narrativo por meio do suspense. O autor destaca que, nos quadrinhos do Superman, por
exemplo, a concepção de tempo entra em crise através da fragmentação da sua estrutura, pois
a ênfase seria para o tempo do qual se narra e não mais o qual se narra (ECO, 1993, p. 256-
257).
Nas hq’s, que o originárias da tradição dos romances do século XIX,
49
encontramos estas
estratégias narrativas de imprevisibilidade e de suspense, baseadas no engendramento da
continuidade através de histórias que permanecem interligadas, constituindo um universo de
ações e implicações. A tática, associada a outros critérios, como a constituição de personagens
com poderes carismáticos
50
para assimilação do leitor, levou a uma longevidade do
Superman, do Batman, do Homem-Aranha, entre tantos outros.
Especificamente nos mangás, temos também heróis que possuem um perfil que lembram os
heróis das comics. Para isso, cabe lembrar o protagonista Goku da série Dragon Ball e
Dragon Ball Z.
Podemos dizer que Goku, em primeira instância, é possuidor de nuances que o caracterizam
como um típico “super-herói”, pouco se diferenciando daqueles encontrados nas comics no
que se refere aos poderes e às habilidades, configurando-se, portanto, como um legítimo
representante da bondade e das benfeitorias.
Entretanto, como vimos anteriormente nas questões ligadas à morfologia dos personagens
dos mangás, verificamos que Goku não se veste com excesso de cores, não usa capa e nem
tampouco oculta a sua identidade secreta usando uma máscara. Do ponto de vista da aparência
física, não se diferencia muito dos demais personagens que participam da saga, a não ser pela
inusitada presença de uma cauda de macaco, herança genética comum aos habitantes do seu
planeta de origem, a qual, posteriormente, acaba sendo decepada em um das suas aventuras.
Contudo, tirando estes detalhes ligados à sua aparência, os demais, como o seu
49
Entendemos por romance o gênero literário, em geral em prosa, que busca representar a existência humana por
meio de uma seqüência narrativa envolvendo rios personagens. Como expoentes do romance, podemos citar
obras como Drácula (1897) de Bram Stoker, O Médico e o monstro (The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr.
Hyde, 1886) de Robert Louis Stevenson, ou ainda as narrativas policiais de Edgar Allan Poe e Aghata Christie.
Fig. 42. O super-herói das comics e também dos seriados japoneses, no estilo “Power
Rangers”, são ironizados por Akira Toriyama nas aventuras de Dragon Ball e
Dragon Ball
Z. À esquerda, desenho de Gohan na identidade de Sayaman (DBZ, 38, p. 62).
comportamento e as suas peripécias narrativas, conotam a tipicidade das histórias em
quadrinhos de super-heróis, que está baseada nas seguintes premissas:
1. todos os acontecimentos narrativos estão centralizados nas ações de Goku. Ainda que
em alguns momentos esteja ausente da narrativa, ele geralmente é aguardado, usado como
referência exemplar ou simplesmente citado por qualquer motivo pelos outros
personagens. Além das referências dos personagens, também o próprio autor da saga
colabora argumentativamente a fim de destacar o herói, como, por exemplo, através dos
títulos, nos quais as ocorrências do nome Goku ocorrem freqüentemente: Goku e seus
Amigos”, “Goku vai ao Mar”, “Goku contra Oolong” (DB, 1), “A Chegada de Goku”, “O
Misterioso Son Goku” (DBZ, 46), e assim por diante;
2. as ações de Goku geram modificações ou interferências nos acontecimentos narrativos
de forma destacada;
3. os acontecimentos narrativos o lineares e suscetíveis a levantar um tema ligado a
figura de Goku ou a alguma das suas ações, como, por exemplo, vingança, superação do
herói (em habilidade e força), relações sociais e afetivas, etc;
4. Goku é o detentor da solução final dos obstáculos ou dos problemas apresentados;
Fig. 43 e 44. Goku, ainda pequeno, em uma situação de humor com a personagem
Bluma (DB, 1, p. 45), e na idade adulta, impotente diante do rapto do seu filho Gohan
por Raditz (DBZ, 1, p. 52).
5. a bula es sempre ligada à bipolaridade entre o bem e o mal, entre o certo e o
errado, entre o forte e o fraco, entre o belo e o feio, e Goku é o representante positivo
dessa dicotomia.
Ainda que a fórmula usada por Akira Toriyama nas aventuras de Dragon Ball e Dragon Ball
Z seja fundada em princípios estruturais narrativos simples como a bipolaridade entre o
certo e o errado e os feitos heróicos representados fantasticamente sem perder de vista os
aspectos de humanização do protagonista, o que garante a proximidade e a identificação do
leitor –, o autor não esquece, principalmente no final da saga, de ironizar o super-herói das
histórias em quadrinhos da escola norte americana e também os personagens dos seriados de
tv japoneses, denominados de Super “Sentai”, como no caso dos episódios dos Power
Rangers (Fig. 42).
51
Assim, na edição brasileira de Dragon Ball Z (DBZ, 38), Gohan, o filho mais velho de Goku,
agora com dezesseis anos de idade, assume a identidade secreta de um vigilante mascarado
com capa, chamado de o Grande Sayaman Este novo personagem é uma clara alusão ao
universo dos super-heróis, feita através de situações que envolvem preocupações corriqueiras
51
“Sentai” significa, em japonês, força tarefa ou esquadrão. Este tipo de série de TV tem como premissa básica a
história de cinco pessoas que ganham poderes especiais e usam roupas com uma determinada cor para combater
os malfeitores. No Brasil, além de Power Rangers, exibida pela Rede Globo (1994), teve grande sucesso também
seu antecessor, Changeman, exibido pela Rede Manchete (1988).
Fig. 45. Duas passagens do Homem-
Aranha, nas quais podemos observar o senso
de humor do herói diante de situações críticas (Graphic Marvel: 3 –
A Vingança do
Monólito Vivo, p. 59 e 57).
encontradas nas comics, tais como a de esconder a identidade secreta dos seus amigos, o uso
da capa e de um uniforme colante, entre outras referências, o que constata o tom jocoso
constantemente encontrado nos mangás.
Sabemos que, a princípio, o herói dos mangás tem uma aparência que muito lembra o leitor,
isto é, costuma vestir-se de maneira casual e, dentro da narrativa, suas atitudes, quando o
estão realizando grandes feitos, o são muito diferentes das nossas ações cotidianas.
Também a sua personalidade tem traços que ajudam a gerar uma empatia com o leitor no
decorrer da história, como, por exemplo, um certo senso de humor (Fig. 43) ou insegurança e
impotência (Fig. 44).
Quanto aos aspectos que ligam o caráter do herói ao desenvolvimento da narrativa, este por
muitas vezes, passa por situações comuns que lembram a vida do leitor, como problemas de
relacionamentos sociais, conflitos pessoais e etc. Pensando dessa forma, podemos destacar os
personagens da Marvel Comics (Stan Lee), que, a partir dos anos 60, segundo os críticos de
revistas especializadas, instauram um novo jeito de cativar a recepção e, conseqüentemente,
conseguiram manter a fidelidade de público entre uma aventura e outra.
Fig. 46. Dupla
identidade: uma das
características
típicas do super-
herói.
Personagens como o Homem-Aranha, por exemplo, têm grande repercussão junto aos fãs.
Essa empatia ocorre principalmente se levarmos em conta que a maioria das pessoas que lê a
história desse herói encontra-se na adolescência. Afinal, o herói é a representação de um rapaz
comum, que mora com uma tia no subúrbio de Nova York e tem problemas corriqueiros,
como qualquer outro jovem da sua idade, como a falta de dinheiro e a insegurança nos
relacionamentos sociais e amorosos.
52
Mesmo quando Peter Parker assume o papel de herói, tendo atitudes corajosas para salvar os
cidadãos de Nova York de perigos diversos, ainda assim mantém os traços da sua
adolescência, como um senso de humor juvenil, rindo dos seus próprios infortúnios. Os vilões
muitas vezes também são alvos dos seus comentários durante os combates, nos quais a
aparência dos malfeitores é o tema principal das piadas do Homem-Aranha. (Fig. 45)
É possível, então, dizer que os personagens das comics instauram uma
nova maneira de construir não necessariamente o herói que
continua, pelo menos na gênese dessas figuras, e o
circunstancialmente, sinônimo do ideal de perfeição, justiça, bondade
e inteligência –, mas sim o seu antípoda, representado por
personagens de aparência comum, como nos casos de Peter Parker
(Homem-Aranha) ou Clark Kent (Superman). Em outras palavras,
poderíamos dizer que o herói das comics simboliza ainda a
idealização da completude humana, tais como nos mitos da narrativa
clássica, mas que, neste universo, os produtores e artistas em geral
conseguiram instaurar a figura do outro, sendo este outro um antípoda
e também um complemento do herói. Tanto é que uma das principais características do herói
das comics é a sua dupla identidade (Fig. 46).
Afirmamos aqui que a identidade secreta do herói nas histórias em quadrinhos tem como
objetivo maior gerar uma franca identificação com o leitor e com a sua realidade. Assim, o
herói, quando representado na figura do Clark Kent (Superman) ou do Peter Parker (Homem-
Aranha), por exemplo, traz nas suas narrativas e, conseqüentemente, na maneira de se
52
Cabe dizer que esta configuração, dentre outras possíveis, é uma escolha, uma aposta nos principais traços
eleitos pelos criadores do personagem para representar um adolescente, pautado em pressupostos estereotipados,
objetivando conquistar seu público.
apresentar ao leitor, implicações, complicações e imperfeições capazes de instaurar um elo
entre o mundo ficcional e o mundo real.
Essas características encontradas nas histórias em quadrinhos podem ser consideradas como
marcos coerentes que dão sentido ao universo ficcional do qual tanto o Superman quanto o
Homem-Aranha participam. A coerência passa desde a ordem dos eventos narrativos até a
morfologia dos personagens. Portanto, esse aspecto estrutura o universo ficcional, que
obedece a uma certa lógica similar à da realidade.
Os mundos ficcionais o parasitas do mundo real. Não existe nenhuma regra
relativa ao número de elementos ficcionais aceitáveis numa obra. E, com,
efeito, aqui uma enorme variedade – formas como a fábula, por exemplo, a
todo instante nos levam a aceitar correções em nosso conhecimento do mundo
real. No entanto, devemos entender tudo aquilo que o texto não diferencia
explicitamente do que existe no mundo real corresponde às leis e condições do
mundo real (ECO, 1994, p. 89).
As histórias de Dragon Ball e Dragon Ball Z são abundantemente pontuadas por essas
referências à lógica do mundo real. Nesse universo, conseguimos admitir seres alienígenas ou
de natureza mística em coexistência com pessoas de aparência e atitudes normais, interagindo
socialmente sem estranhamentos de ambas as partes. Essas, por sua vez, convivem
amistosamente com figuras que têm uma aparência animal, mas que se comportam como
humanos. Na saga também encontramos naves espaciais com automóveis do nosso cotidiano.
A construção de mundo de Dragon Ball e Dragon Ball Z nos leva a uma reflexão para
entender o papel do herói dentro da lógica de funcionamento do universo dos mangás,
principalmente se comparada ao universo das comics. Ao tomarmos como ponto de partida o
universo dos quadrinhos de super-heróis, notaremos que, através das suas narrativas,
geralmente esse mundo é constituído de acordo com as leis que se assemelham às da nossa
realidade. Por exemplo, no mundo do Superman, a lei da gravidade parece obedecer à mesma
ordem à qual nos somos submetidos, o que garante ao herói das comics, e a alguns outros
personagens como os vilões, a sua diferença, o seu caráter excepcional e extraordinário.
Dessa forma, o herói consegue se sobressair em relação aos outros indivíduos desse mundo
narrativo. Assim, podemos entender que a caracterização do personagem das comics, como o
uniforme, a capa e a scara fazem parte, de forma conseqüente, dessa diferenciação. O
uniforme é um conjunto simbólico que notabiliza o herói nas suas histórias através das cores,
formas e emblemas. Afinal, o restante da população de Metrópolis, a cidade onde o Superman
reside e realiza a maioria das suas peripécias narrativas, é composta por indivíduos que se
vestem e agem como no nosso mundo real.
Constatamos que a adoção do uniforme pelo herói (o que o diferencia) nas comics é resultado
de alguma história ligada a sua origem. Dessa forma, existem explicações narrativas para que
determinado personagem se vista de tal maneira: Batman aparenta ser um morcego não
para instaurar horror nos malfeitores, mas porque esse horror também está presente na sua
infância, quando Bruce Wayne (Batman) cai em um buraco e encontra uma caverna cheia de
morcegos. O Homem-Aranha, baseado nos seus poderes recém adquiridos, como a habilidade
de escalar as paredes com as próprias mãos, resolve confeccionar uma roupa com detalhes
alegóricos do universo aracnídeo.
Nos mangás, especificamente em Dragon Ball e Dragon Ball Z, esse caráter excepcional que
o herói adquire é mais relativo, quando analisamos a forma de construção de mundo. Goku
encontra-se desprovido de algum tipo roupa que o destaque dos demais personagens. A sua
morfologia, incluindo também a indumentária, pode ser considerada como comum, se
comparada ao nosso mundo. Esse caráter ordinário se torna mais evidente se levarmos em
conta que, nesse universo, é perfeitamente aceitável pessoas com a aparência de Goku, como
no caso de Bluma e de Mestre Kame, coexistirem com figuras como Rei Picolo e Pilaf, que
têm uma aparência diferenciada. Essa diferenciação pode ser notada, inicialmente, pelo tom
da pele. Reafirmamos, baseado nas idéias de Eco (1993), que mesmo aquelas figuras dos
mangás de aparência mais estranha e dotadas de poderes mágicos estão dentro dos limites da
compreensão do leitor no que se refere à lógica de funcionamento desse universo. A função
de uma perna, por exemplo, seria a mesma daquela encontrada no mundo real.
O comparativo entre o universo das comics e dos mangás colabora para que venhamos a
entender porque o herói do mangá abre mão do uso de uma identidade secreta. Podemos
observar não por intermédio da análise dos episódios de Dragon Ball e Dragon Ball Z,
mas também de outros títulos, como Black Jack (Osamu Tezuka) ou Samurai X (Nobuhiro
Watsuki) que o herói é constituído sem a presença do outro, isto é, o herói não possui uma
identidade secreta para vivenciar uma existência paralela, na qual seria possível desfrutar de
ações e cotidiano comuns.
Fig. 47, 48 e 49. Goku, mestre Kame e Kulilin, respectivamente.
Portanto, o herói dos mangás tem a liberdade de existir simultaneamente entre universo do
ordinário e do extraordinário sem constrangimentos ou embaraços não para ele como para
os demais personagens da narrativa. Assim, nas histórias dos mangás, o herói é possuidor não
de virtudes, talentos e poderes excepcionais, como também contém um certo grau de
fragilidade, de deficiência ou de limitação, dando, assim, um certo realismo à sua trajetória no
âmbito de reações possíveis ao mundo do leitor, ligado assim, aos seus estados emocionais.
Esse fortalecimento com o leitor no que diz respeito a sua humanidade é muito mais evidente
sem o uso de dicotomias identificatórias como ocorre nas hq’s da escola norte americana.
Para termos um entendimento melhor sobre o funcionamento dos traços descritivos e as suas
implicações narrativas nos mangás, podemos fazer uso da citação de Barthes (1976, p. 25-31),
na qual afirma que em uma narrativa existem dois níveis verificáveis para uma análise
estrutural.
O primeiro seria o nível integrativo de vetor verticalizado, ligado aos índices, isto é, aos
aspectos indiciais descritivos ou índices caracteriais referentes aos personagens, às
informações relativas à sua identidade, às notações de atmosfera, etc. Portanto, são índices
ligados à morfologia, à construção do mundo no que diz respeito à sua caracterização. Nas
aventuras de Dragon Ball e Dragon Ball Z, observamos a evidência descritiva através dos
personagens que possuem peculiaridades morfológicas, como a cauda de macaco e o cabelo
pontiagudo de Goku (Fig. 47), os óculos e o casco de tartaruga de mestre Kame (Fig. 48) e a
careca com os seis pontos ou poros de Kulilin (Fig. 49). Do ponto de vista da construção do
Fig. 50, 51 (D
B, 1, p. 56 e DB,
2, p. 8, respectivamente) e
52 (DB, 5, p. 26). As
narrativas de Dragon Ball e
Dragon Ball Z
são recheadas
de personagens de cunho
fantástico.
Fig. 53. Um dos veículos
encontrados nas histórias de
Dragon Ball e Dragon Ball Z
desenhados detalhadamente
pelo artista Akira Toriyama,
baseado em veículos
verdadeiros.
universo narrativo, as características desses personagens são plausíveis e pouco causa espanto
aos demais que habitam esse mundo.
53
Dessa maneira, notamos que
essas passagens narrativas, em
que um personagem faz
referência ao outro no que diz
respeito à morfologia, têm a
função de criar uma situação de
humorística maior do que
necessariamente um espanto no
sentido de uma impossibilidade
do mundo em que eles habitam.
Afinal, nesse mundo,
encontramos tartarugas (Fig. 50)
e porquinhos falantes (Fig. 51),
assim como sereias (Fig. 52) convivendo
com personagens com a morfologia parecida com a nossa.
Ainda no nível integrativo, os mangás Dragon Ball e
Dragon Ball Z possuem a peculiaridade de caráter
referencial dos objetos, como no caso de veículos que
são desenhados em detalhes pelo autor Akira
Toriyama para lembrar os de verdade
54
(Fig. 53).
Akira Toriyama também se utiliza de alusões para
construir alguns personagens. Por exemplo, a
garotinha Chichi é uma clara homenagem ao
personagem Ultra Seven dos seriados de Live Action
japonês
55
(Fig. 54).
53
É bem verdade que a cauda de macaco de Goku causou um certo assombro em Bluma, que achou estranha
essa peculiaridade do garoto. Inversamente, Goku se espantou ao constatar que Blumao tinha uma cauda igual
à dele. Entretanto, essas diferenças são assimiladas por ambos do decorrer da saga (DB, 1, p. 19). A cabeça de
Kulilin é motivo de piada para Goku por lembrar uma bola de boliche (DB, 5, p. 31).
54
Esses veículos, apesar de lembrarem os reais, têm as suas proporções alteradas, ou um “encurtamento de suas
dimensões, o que nos lembra brinquedos.
Fig. 54. Ultra Seven é homenageado por Akira Toriyama
em
Dragon Ball
através da personagem Chichi.
Assim, essas constituições, tanto dos personagens como dos objetos em Dragon Ball e
Dragon Ball Z, são elementos para a instauração do humor na narrativa. São motivações para
que os personagens, principalmente Goku, proporcionem situações engraçadas, que são
atribuídas ao embaraço e às desproporções.
Portanto, os caracteres descritivos dos personagens e dos objetos encontrados em Dragon Ball
e Dragon Ball Z colaboram como o segundo nível sugerido por Barthes, o vel denominado
de distributivo. O nível distributivo está ligado às funções da história, isto é, aos aspectos
seqüenciais narrativos ou a um ato complementar e conseqüente, de acordo com uma certa
ordem pertinente no discurso narrativo (BARTHES, 1976, p. 25).
Lembramos que as origens das
hq’s, do ponto de vista da sua
trajetória histórica, oriunda dos
contos populares romanescos do
século XIX, herdam toda uma
tradição que privilegia os
aspectos pertinentes do discurso
narrativo desse gênero, para o
qual a ação é mais importante do
que a descrição de um
personagem, de um lugar ou de
uma situação.
Assim, levaremos em
consideração, para fins de análise,
que, nos mangás, em alguns momentos da narrativa, há um privilégio maior do aspecto
descritivo do que do aspecto narrativo.
55
Ultra Seven foi um seriado produzido em 1967 pela Tsuburaya Productions logo após da conclusão da saga do
primeiro Ultraman. Vindo da nebulosa M-78, Seven assume na terra a identidade de Dan Moroboshi (que não é
hospedeiro, mas sim o próprio herói) e entra para a Patrulha Ultra, um grupo de elite que protege o planeta.
Quanto preciso, Dan assume a forma de Ultra Seven e combate os mais terríveis monstros para defender a Terra
(DB, 2, p. 96).
Fig. 55. Três exemplos de Xilogravuras,
mostrando cenas do cotidiano japonês:
Torii Kiyonobu. (Courtesan painting a
screen - 1711), Nakajima Matabei
(Shintoku's Souvenirs from Nara – 1713) e
um desenho anônimo (Kume spies on a gir -
1688-1704), onde encontramos tanto os
aspectos descritivos como também a
possibilidade das imagens poderem contar
histórias.
Partimos do pressuposto de que existe uma diferença no que diz respeito ao modo como os
mangás constroem os seus personagens. Dessa forma, procura-se promover atribuições de
uma ordem, cujos valores relacionados ao perfil dos personagens são mais pregnantes do que
nas comics.
Percebemos nos mangás uma descrição de lugares ou de momentos –, que necessariamente
não abdica de uma certa narratividade na composição das imagens.
O traço descritivo acompanhou a arte japonesa desde os seus primórdios, principalmente as
ilustrações que objetivavam delinear cenas do cotidiano no país. Podemos citar, por exemplo,
uma série de xilogravuras do século XVII ao XIX de artistas japoneses, como Torii Kiyonobu
e Nakajima Matabei, que construíam imagens nas quais os efeitos de simultaneidade entre o
narrativo e o descritivo aparecem (Fig. 55).
Fig. 56. Mccloud mostra, em seu livro, a transição
aspecto-para-aspecto encontrado freqüentemente
nos mangás (MCCLOUD, 1995, p. 79).
Nesses casos, certa discrição no que diz respeito aos detalhes das indumentárias, dos
lugares e dos objetos. Entretanto, ainda assim, as pessoas representadas desempenham algum
tipo de ação, o que conota a uma possibilidade de contar história.
56
Assim, os artistas dos mangás, tendo
este legado histórico e cultural,
incorporam graficamente nas suas
narrativas momentos em que a ação
efetivamente fica em segundo plano,
dando lugar a um caráter que sugere
ao leitor mais uma contemplação
através de descrições de personagens
ou ambientes. Isso reafirma as
observações de Mccloud (1995, p.
79) de que nos mangás as transições
aspecto para aspecto ocorrem com
muito mais freqüência do que em
outros tipos de histórias em
quadrinhos (Fig. 56).
As transições aspecto para aspecto
incidem entre os quadrinhos. Uma
cena inteira, por exemplo, de um
ambiente pode ser fragmentada em
pedaços menores como se fosse
sugerido ao leitor, através de cada
uma das imagens, que percorresse,
por meio da vetorização do olhar cada quadro. Dessa forma, podemos contemplar a imagem
inteira, com a junção de todos os quadros.
56
Sobre essa possibilidade das imagens contarem histórias, podemos indicar a dissertação de Greice Schneider,
intitulada O Olhar Oblíquo: narrativa visual na fotografia de Robert Doisneau, na qual aborda a possibilidade
que certas imagens, no caso as produzidas por Doisneau, têm de suscitar a narratividade (SCHNEIDER, 2005).
Fig. 57. Seqüência em quadrinhos onde o ritmo é mais lento por causa da descrição das
imagens, que conotam, neste caso, reconhecimento ou contemplação de um lugar (O
Espinafre de Yukiko, p 8 e 9).
Esta transição aspecto para aspecto, que tem como objetivo mais evidente a contemplação do
que de narração, gera, nesses casos, um retardo ou, ao menos, uma diminuição no fluxo
narrativo, servindo, portanto, para explicar ou descrever um personagem ou uma situação.
Podemos, então, considerar esta transição como uma espécie de parênteses dentro do
encadeamento das ações narrativas, visando oferecer ao leitor subsídios, através da contenção,
para entender melhor os personagens e a história.
Esta característica mais descritiva nos mangás gera um paradoxo, principalmente se levarmos
em conta que este tipo de histórias em quadrinhos, na maioria das vezes, tem um ritmo de
leitura muito rápido. O seqüenciamento narrativo dos mangás por meio de imagens que
geralmente estão sem o acompanhamento do texto verbal leva ao privilégio do movimento, da
ação dos personagens. Entretanto, devemos considerar que, em alguns momentos, este ritmo
narrativo acelerado dos mangás é substituído por uma velocidade mais lenta. Esse ritmo
cadenciado tem o intuito de descrever lugares, pessoas ou de criar determinadas situações
narrativas nas quais o estado de tensão ou de expectativa prepondera (Fig. 57).
Fig. 58.
Descrição aspecto para aspecto
da personagem através da
fragmentação da imagem. Fig. 59. Descrição dos personagens,
através de uma apresentação em página inteira (DBZ, 72, p. 70).
Eco (1994, p. 65) afirma que:
Na ficção escrita, com certeza é difícil estabelecer o tempo do discurso e o
tempo da leitura: entretanto, não dúvida de que às vezes uma grande
quantidade de descrição, uma abundância de detalhes mínimos podem ser
não tanto um artifício de representação quanto uma estratégia para diminuir
o tempo de leitura até o leitor entrar no ritmo que o autor julga necessário
para a fruição do texto.
Ressaltamos que essas seqüências de imagens encontradas nos mangás – seja para passar uma
idéia de rapidez dos acontecimentos narrativos, como no caso de um combate, seja para
passar a idéia de sua lentidão, geralmente configuradas como interlúdios com um teor
contemplativo – têm em comum a predominância os desenhos ao invés dos textos verbais.
Sendo assim, a segunda ocorrência, de valor mais descritivo, é encontrada em alguns
momentos das aventuras de Dragon Ball e Dragon Ball Z, como, por exemplo, quando
percebemos que o tempo passa mais lentamente, visando proporcionar ao leitor uma descrição
da situação, seja através das transições aspecto-para-aspecto, na utilização de quadro a quadro
(Fig. 58), seja através de quadros que ocupam uma página inteira na qual, ao invés de
representar uma ação, aparece uma representação descritiva dada pelo desenho. Esta
apresentação de personagens ou lugares em página inteira tem como intuito proporcionar
explicações sobre uma determinada passagem narrativa ou levar o leitor a uma ambientação, a
um clima narrativo (Fig. 59).
Frisamos que, se a imagem tem uma estruturação mais descritiva, conseqüentemente, o seu
caráter é mais informativo. Assim, o seu discurso tem como objetivo instruir o leitor aos
aspectos ligados às características do personagem, da situação ou do lugar. O aspecto
descritivo leva ao fortalecimento da tipicidade, isto é, dos caracteres constitutivos,
principalmente relacionadas à figura herói, já que é através da apresentação primeira de traços
visuais, como a maneira de se vestir ou de posar diante do leitor, que são oferecidos indícios
identificatórios de papéis tomados na narrativa.
A questão, a saber, é se Goku estaria configurado na estereotipia do herói encontrado
facilmente nas hq’s norte-americanas. As comics são repletas de personagens apreciados pelo
público, tais como Batman, Superman, Mulher Maravilha, Hulk, Capitão América, etc. Estes
personagens, por sua vez, receberam a denominação, pelos seus produtores, pela mídia e pelos
fãs, de super-heróis. Esta designação parte das suas propriedades peculiares, que são ligadas
às habilidades e aos poderes sobre-humanos.
Para a configuração estereotipada de Goku como herói na narrativa de Dragon Ball e Dragon
Ball Z, primeiramente observaremos os aspectos ligados às suas características morfológicas e
também às suas ações como protagonista no interior da saga.
No que diz respeito à morfologia, podemos dizer que o herói Goku não possui traços que o
diferenciem de um ser humano comum (com exceção da cauda que ostentava até um
determinado momento da saga), e mesmo a sua indumentária pouco se destaca dos outros
personagens. Esta roupa, por sinal, costuma ser rasgada com uma certa facilidade nos
combates com os seus inimigos, diferentemente de alguns heróis das comics, como o
Fig. 60. A evolução do herói Goku de Dragon Ball à
Dragon Ball Z
.
Superman, que permanece com o seu uniforme intacto depois das batalhas, graças à sua aura
que não protege o seu corpo, como também o seu traje. Portanto, com estes aspectos
morfológicos comuns, Goku é a representação genérica de uma criança ou de um adolescente.
Na narrativa, pelo viés das peripécias do herói, ocorre a conexão com o leitor. Para Eco
(1993, p. 214), é através da narrativa que a tipicidade é acionada de fato, e o leitor, por sua
vez, estabelece o vínculo com um determinado personagem, reconhecendo o tipo proposto. A
tipicidade geralmente é caracterizada pela conotação positiva dadas aos personagens da
história.
Eco (1993) acrescenta que a tipicidade
se torna realizável a partir da leitura
da obra, com o desenrolar narrativo e
com a atuação dos personagens através
da ação dentro da história, e o
enquanto permanecer latente dentro do
âmbito meramente poético.
[...] um discurso sobre a tipicidade: portanto
um problema do típico não interessa à
estética enquanto permanece no estágio de
poética (que seja ela inspiração ou fórmula
expressa), mas quando emerge em fase
de “leitura de obra” (ECO, 1993, p. 214).
Nos mangás de Dragon Ball e Dragon
Ball Z, as ações do protagonista Goku
procuram estabelecer vínculos com o leitor através de atitudes que representariam alguém de
capacidades intelectuais e psicológicas comuns. Todavia, progressivamente, o herói Goku não
consegue desenvolver os seus superpoderes, como também aprende a refinar a suas
estratégias de combate para vencer os seus inimigos. Para isso, se leva em consideração as
implicações e as conseqüências desta progressão não para o herói, como também para a
realidade em que vive, estabelecendo, assim, um sistema de coerências. Tanto é que as
deduções e as reações de Goku diante dos desafios são proporcionais ou condizentes com a
sua capacidade de interpretação do seu universo em que desfruta decorrentes da sua idade
biológica no momento em que ocorrem os fatos narrativos (Fig. 60).
Por sua vez, estes fatos, obstáculos ou desafios, durante toda a saga de Dragon Ball e Dragon
Ball Z, parecem possuir um mesmo nível de grandeza, no que diz respeito à suas implicações
para a manutenção da ordem. Isto é, estes eventos geralmente envolvem:
a possibilidade de aprimoramento das técnicas de luta;
a possibilidade de ganhar algum torneio de artes marciais ou;
a possibilidade de domínio ou destruição da Terra por algum vilão.
Cabe lembrar que as funções que caracterizam o herói como um “tipo” têm o seu
enraizamento na própria estrutura das narrativas.
Para que entendamos melhor as implicações da tipicidade do herói, reiteramos sumariamente
que a série Dragon Ball conta a história do garoto Goku e de seus amigos em busca das sete
esferas do dragão, que, juntas, são capazes de realizar qualquer desejo solicitado. As
aventuras são recheadas de vilões, situações de humor, artes marciais misturadas com o
aumento dos poderes extra-humanos dos personagens, geralmente de origem mística ou
biológica, os quais se defrontam ocasionalmente em torneios de luta.
Em Dragon Ball Z encontramos Goku adulto, casado, mais poderoso e com maiores
responsabilidades. O herói assume a tarefa de defender o mundo em que vive da horda de
malfeitores, que ora querem dominar o planeta, ora querem destruí-lo.
Assim, na saga, tanto os mocinhos como os bandidos objetivam juntar as esferas do dragão
para utilizá-las como instrumento de poder, o que resulta em uma espécie de caça ao tesouro.
Portanto, toda a série de Dragon Ball e Dragon Ball Z conta a história de Goku desde a sua
infância até a idade adulta.
Dessa forma, os aspectos morfológicos estariam inseridos, portanto, ao eixo integrativo, isto
é, aos aspectos construtivos do personagem. Não obstante, estes aspectos integrativos
peculiares a um determinado personagem derivam de uma estrutura maior, denominada, na
concepção de Eco (1993), de tipo:
57
Tipizar comportará, neste caso, caracterizar, ou seja, determinar e
representar um indivíduo. D. Quixote é um tipo, mas de que ele é tipo se
não a de todos os D. Quixotes? Tipo, por assim dizer, de si mesmo? [...] Em
outros termos: na expressão de um poema (numa personagem poética, por
exemplo), encontramos as nossas mesmas impressões plenamente
determinadas e realizadas e chamamos de típica a expressão que podemos
chamar de simplesmente de estética (Eco, 1993, p. 212).
Destarte, a tipicidade seria a constituição da estereotipia traduzida em traços que abrangem
gestos, poses, trejeitos, discursos, indumentárias, entre outros, facilmente reconhecíveis pelo
leitor, no que se refere a um estilo sinóptico de um personagem. Em linhas gerais,
consideramos a estereotipia como a forma de idealizar, generalizar através das representações
icnográficas, levando o leitor ao reconhecimento dos personagens na fábula. No entanto, fica
a ressalva de que a estereotipia é um modo de tipificação. Assim, se o efeito da tipicidade,
próprio dos quadrinhos, se manifesta no plano da estereotipia, isto diz respeito, portanto, a um
nível específico da manifestação do fenômeno da tipicidade, mas não à caracterização do
mesmo em seu todo.
Teríamos, então, o tipo Dom Quixote, Dom Juan, assim como também teríamos o estilo
James Bond, Sherlock Homes e Superman. Estes últimos, respectivamente, seriam
representantes da síntese do espião, do detetive e do super herói, facilmente encontrados em
diversas obras narrativas do cinema, dos romances e também das histórias em quadrinhos.
Para que se estabeleça a ponte entre o leitor e o personagem típico, é necessário que este
último tenha distinções que possibilitem ao leitor o seu reconhecimento ou, ao menos, uma
determinada projeção no personagem. Este reconhecimento baseia-se na realidade cotidiana
do leitor (ECO, 1993, p. 214). Portanto,o é por acaso que nas narrativas de Dragon Ball e
Dragon Ball Z, Goku, entre um desafio e outro, parece levar uma vida normal junto com os
seus amigos, realizando ações coloquiais, como passeios e afazeres domésticos.
57
Cabe lembrar que Eco se baseia, para o desenvolvimento da sua idéia de tipicidade, entre outros autores, nos
preceitos de De Sanctis extraídos da sua obra Estética (Bari: Laterza, 1902) e de Croce extraídos da sua obra
Lezioni e Saggi su Dante (Turim: Einaudi, 1955), ambos citados em Apocalípticos e Integrados (1993), no
capítulo intitulado “O uso prático do personagem”.
Esta identificação es no carisma de determinados tipos junto ao público. Na nossa
concepção, a figura do herói das hq’s, por exemplo, possui como formulação a dualidade
necessária, pautada na tipicidade reconhecível da seguinte forma: primeiramente através do
reconhecimento do leitor, isto é, o personagem tem sensibilidades e conflitos ligados ao nosso
cotidiano e também aos nossos questionamentos existenciais. Goku, principalmente quando
criança, desenvolve ações narrativas periféricas que envolvem, por exemplo, tomar banho
(DB, 1, p. 41), dormir (DB, 1, p. 47), etc. Em outras palavras, durante toda a saga de Dragon
Ball e Dragon Ball Z, ainda que o objetivo principal da história seja achar as sete esferas do
dragão, encontramos Goku, em alguns momentos, se relacionando com os outros personagens
de forma cotidiana, através de afazeres comuns.
A maioria dos personagens dos mangás possui um tipo de vida muito próximo dos hábitos e
costumes do Japão, seja contemporaneamente, seja ligado ao passado histórico-cultural. Esta
marcação é vista principalmente na figura do herói, levando o leitor a uma identificação em
primeira instância. Cabe ressaltar que, apesar das peculiaridades regionais, encontramos,
também misturadas, características de um cotidiano, de um conteúdo marcadamente ocidental,
de uma moda norte americana, com aspectos cosmopolitas de grandes cidades como Nova
York.
O conjunto de fatores mencionados exerce uma carga de tensão que começa
desde a infância e se estende até a maturidade. O indivíduo conta com
poucas oportunidades para sair do rígido controle da sociedade. Como as
histórias em quadrinhos poderiam exercer alívio a essa tensão e a esse
estresse no Japão?
Uma das explicações pode ser encontrada nos personagens do mangá, que,
ao contrário dos super-heróis produzidos no Ocidente, são heróis
concebidos a partir do mundo real, nos quais as pessoas podem encontrar,
além de uma espécie de miniatura de suas vidas, os ingredientes para
vivenciar suas fantasias. São abundantes e oferecem uma válvula de escape
silenciosa, afeita os japoneses, que preferem reprimir e interiorizar seus
sentimentos (LUYTEN, 2000, p. 40).
Por fim, a projeção para o leitor está ligada a habilidades intelectuais e/ou físicas supra-
humanas do herói. As ações realizadas por Goku, mesmo aquelas que envolvam atividades
simples, como pescar usando a própria cauda com uma isca, geralmente envolvem um
diferencial a partir de sua força específica. Dessa maneira, o ato de pescar ganha um valor
inusitado (DB, 1, p. 13).
De uma forma ou de outra, notamos que o leitor só pode se identificar com o herói quando
este sai do eixo meramente descritivo, que o constitui através de caracteres morfológicos, para
o eixo das ações narrativas, que servem para o engendramento da fábula. Os mangás se
solidarizam com o leitor: os personagens lutam, amam, brigam, aventuram-se, viajam e até
exercitam-se por ele” (LUYTEN, 2000, p. 40).
Portanto, a constituição dos mundos narrativos é importante para entender como se configura
o herói nos mangás, pois é a partir dele que podemos, enquanto leitores, atribuir valor às
peripécias do protagonista.
No caso de Goku, as suas marcações de tipicidade conotariam, por meio de elementos
miméticos engendrados pelo enredo, uma certa ocidentalização. Podemos constatar a
ocidentalização nos mangás através da transformação visual de certos personagens, a começar
pelas heroínas, que tiveram, além de mudanças no conteúdo de suas histórias, os olhos
alterados e busto aumentado para atender ao mercado norte-americano, além de mudanças no
conteúdo no mangá feminino. Assim, no mangá, a questão do herói implica também na
construção do mito nas hq’s.
O tema do mito já foi pontualmente explorado em seus mais diferentes enfoques, como o vs,
por exemplo, que aborda a sua relação do idealismo, ou as suas implicações na nossa
sociedade. Especificamente nas histórias em quadrinhos, Eco (1993) aborda a questão
mitológica através da relação com o leitor principalmente no capítulo que ele intitula de “O
Mito do Superman”, em Apocalípticos e Integrados. Para ele, é possível verificar a estrutura
do mito encontrada nas histórias em quadrinhos. Lembramos que, para Eco (1993, p. 248-
249), o mito das histórias em quadrinhos se diferencia daqueles encontrados na antiguidade,
pois, neste último caso, a história já é dada no tempo passado, enquanto que, nas hq’s, o mito
é renovado periodicamente ao público através das suas publicações:
A personagem das histórias em quadrinhos nasce, ao contrário, no âmbito de
uma civilização do romance. A narrativa preferida nas antigas civilizações
era quase sempre a que se referia alguma coisa acontecida e conhecida
do público. (...) A tradição romântica (e aqui não importa se as raízes dessa
atitude se implantam bem antes do romantismo) oferece-nos ao contrário,
uma narrativa em que o interesse principal do leitor é deslocado para a
imprevisibilidade do que acontecerá, e, portanto, para a invenção do enredo,
que passa para o primeiro plano. O acontecimento não aconteceu antes da
narrativa, aconteceu enquanto se narra, e, convencionalmente, o próprio
autor não sabe o que sucederá. (ECO, 1993, p. 248-249).
Reiteramos que a experiência do mito sempre acompanhou a história da humanidade. Como
figuras mitológicas, poderíamos citar, entre tantas, uma série de personagens oriundos da
literatura grega, tais como Hércules e Édipo; dos contos nórdicos como Thor e Odin; da
mitologia hebraica e cristã como Moisés e Jesus; e também das lendas celtas como o rei
Arthur.
Para Eliade (1991), o mito pode ser definido da seguinte maneira:
[...] o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido
no tempo primordial, o tempo fabuloso do ‘princípio’. Em outros termos, o
mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade
passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um
fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano,
uma instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma ‘criação’: ele relata
de que modo algo foi produzido e começou a ser. O mito fala apenas do que
realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente. Os personagens dos
mitos são os Entes Sobrenaturais. Eles são conhecidos, sobretudo pelo que
fizeram no tempo prestigioso dos ‘primórdios’. Os mitos revelam, portanto,
sua atividade criadora e desvendam a sacralidade (ou simplesmente a
‘sobrenaturalidade’) de suas obras. Em suma, os mitos descrevem as
diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado (ou do
‘sobrenatural’) no Mundo. É essa irrupção do sagrado que realmente
fundamenta o Mundo e o converte no que é hoje. E mais: é em razão das
intervenções dos Entes Sobrenaturais que o homem é o que é hoje, um ser
mortal, sexuado e cultural (ELIADE, 1991, p. 11).
O herói, como protagonista das narrativas das hq’s, depara-se sempre um uma
situação/problema da ordem do imponderável para os outros personagens e parte para
desempenhar ões, durante o desenrolar da história, buscando uma solução que consista em
restabelecer a ordem ou criar uma nova ordem. Ainda que o leitor preveja que, no final da
fábula, a vontade do herói vai prevalecer, ele acompanha os desenvolvimentos narrativos,
projetando-se no lugar do herói, para descobrir como o mesmo irá solucionar a
situação/problema.
Portanto, o mito do herói nas histórias em quadrinhos continua ligado aos grandes feitos, ao
caráter extraordinário das realizações ou ações, que superam as limitações humanas. O herói é
a representação dos valores positivos que inspiram a humanidade desde os seus primórdios.
3.2 A FIGURA DO AMIGO DO HERÓI
A figura do amigo do herói sempre esteve presente nas narrativas desde a antiguidade.
Podemos citar, por exemplo, o herói grego Aquiles, na Ilíada, que teve na sua aventura o
preceptor e mestre Quirão, o homem-cavalo, e Fênix, um nobre amigo da corte de seu pai.
Também podemos usar como modelos Sancho Pança, fiel companheiro de Dom Quixote, ou
Watson, das aventuras de Sherlock Homes.
Nas histórias em quadrinhos, o amigo ou o ajudante do herói sempre foi, durante muito
tempo, uma estratégia declarada pelos produtores das histórias em quadrinhos, a fim de
fortalecer afetivamente os laços com o leitor.
Estas estratégias, que têm como objetivo estabelecer um elo entre o herói e o leitor, não são,
necessariamente, nenhuma novidade na história das hq’s. Nas comics, os artistas e criadores
foram percebendo que os grandes feitos heróicos, ainda que causassem admiração, o eram
suficientes para manter a fidelidade do leitor. Portanto, se fez necessário, com o passar do
tempo, a criação de terminados elos no discurso narrativo, para que a relação herói-leitor
fosse fortalecida. Assim, vimos o surgimento de mascotes, como o cãozinho Krypton do
Superboy, ou os ajudantes de herói, como Jimmy Olsen, do Superman; Ricardito, do Arqueiro
Verde; Kid Flash, do Flash; Moça Maravilha, da Mulher Maravilha; Aqualad, de Aguaman;
Bucker, do Capitão América; Tonto, do Cavaleiro Solitário; Luthar, de Mandrake; ou o
menino prodígio – Robin –, do Batman, assim como tantos outros.
Estes personagens no estilo “amigo do herói” estão fortemente ligados às peripécias narrativas
do protagonista. Em algum momento da história, o herói acaba solicitando o seu auxílio para a
realização de alguma tarefa importante. O amigo do herói serve também de motivo para a
mobilização do herói com o intuito de salvá-lo de algum apuro.
58
58
É muito comum, por exemplo, nas aventuras de Batman, que o mesmo precise salvar Robin de alguma
situação perigosa.
Fig. 61. Robin é um dos exemplos mais típicos do amigo do herói nas comics. Fig.
62. O amigo do herói, em alguns momentos da narrativa, precisa ser salvo,
demonstrando, assim, a sua fragilidade e inexperiência para enfrentar o perigo
(Batman – O Cavaleiro das Trevas, n. 3, p. 36).
Levaremos em conta aqui, para fins de análise da narrativa, um determinado enfoque para a
figura do amigo do herói. Consideraremos, nesta categoria, os personagens que aparecem de
forma destacada durante toda a jornada do herói, prestando ajuda incondicional e não aqueles
que surgem eventualmente. A nosso ver, esta diferenciação se torna necessária tendo em vista
que a figura do amigo do herói é também um elemento constituinte para a formação do mito
do herói nas hq’s e de suas peripécias narrativas.
Por exemplo, na edição da revista de hq Detective” (DC Comics, n. 38 de abril de 1940), Jerry
Robinson decidiu que Bob Kane e Bill Finger deveriam acrescentar um jovem amigo nas
aventuras de Batman – Robin, o Garoto Prodígio (Boy Wonder em inglês) –, inspirado,
segundo o autor, em Robin Hood, ilustrado por M. C. Wyatt. Batman jamais seria o mesmo.
Com a vinda de Robin, Batman se humanizou consideravelmente. Ganhou um interlocutor e
não foi mais o vingador solitário do início (Fig. 61).
Do ponto de vista da narrativa, o amigo do herói, muitas vezes, assume o papel de aprendiz –
é o caso de Robin, por exemplo que se instrui com Batman sobre as técnicas de lutas e de
Fig. 63. Goku e alguns dos seus amigos durante
a saga de Dragon Ball e Dragon Ball Z (DBZ, 83,
p. 89).
combate ao crime. Entretanto, esta condição de aprendiz gera certas implicações narrativas,
como, por exemplo, a necessidade do herói salvá-lo de momentos de perigo em decorrência
da sua inexperiência em lidar com certas situações como executar algum plano para deter o
vilão (Fig. 62). Em outras situações, o amigo acaba sendo o executor do plano elaborado pelo
herói, ou ainda como um facilitador para que o mesmo realize as suas peripécias.
No universo dos mangás, a figura do amigo do herói aparece com muita freqüência.
Raramente o herói do mangá consegue realizar as suas façanhas sem algum tipo de
colaboração prévia ou durante a ão, sem a ajuda de algum aliado. Portanto, a questão a
saber, neste momento, é: tendo em vista a figura do amigo do herói nas narrativas de Dragon
Ball e Dragon Ball Z, quais as
implicações desse arquétipo para o
funcionamento do modelo narrativo nos
mangás?
Nas aventuras de Goku, o aparecimento
dos amigos do herói ocorre
paulatinamente, na medida em que as
aventuras vão se desenrolando. Os
amigos de Goku têm uma aparência, de
um modo geral, comum, com exceção
daqueles não-humanos, como o
porquinho Oolong e o extraterrestre
Picolo. Ainda assim, eles preservam um
aspecto humanizado com o uso de
roupas, postura bípede e capacidade de
se expressar verbalmente (Fig. 63).
Todos os amigos de Goku têm algum tipo de força, habilidade, conhecimento ou poder
específico. Estes atributos são convenientes para o herói durante a narrativa, pois acabam
servindo, em algum momento, para ajudá-lo em sua jornada para salvar o mundo ou vencer
algum oponente em um torneio de artes marciais.
Entretanto, embora os amigos do herói tenham tais características, dentro do engendramento
da estrutura narrativa, nenhum deles supera a capacidade e a força de Goku. Tanto é assim
que, por diversas vezes, durante toda a saga, Goku precisa partir em socorro a fim de livrar os
seus companheiros de algum perigo. Nas estratégias de combate aos inimigos, ainda que a
tarefa envolva o trabalho em equipe, Goku é o detentor da palavra final e, muitas vezes, o
pivô para que os planos de estabelecer ou criar uma nova ordem na narrativa aconteçam.
Dessa forma, estabelece-se a dependência dos aliados do herói à sua figura, o que,
conseqüentemente, ajuda a colocá-lo mais em evidência.
É importante notar que existe, durante a fábula, uma relação complementar entre o herói e os
seus aliados: a figura do amigo não apenas reforça a imagem do protagonista através das suas
deficiências e dependências no que se refere à ação, ao feito narrativo, como também
legitimiza o herói. Esse, por sua vez, precisa do balizamento, do reconhecimento dos seus
congregados para que as suas atitudes se destaquem na história. Afinal, o herói,
invariavelmente, precisa também de algum tipo de contribuição dos seus ajudantes para a
realização das suas ações.
3.3 A FIGURA DO MESTRE (GURU)
Nas narrativas, sejam elas oriundas dos romances literários, do cinema ou das histórias em
quadrinhos, de um modo geral, é muito comum o herói ser tutelado por um certo mestre ou
guru.
A figura do mestre é representada por algum indivíduo que outrora já foi um grande guerreiro
(um herói do passado) e que, com o passar do tempo, conseguiu acumular conhecimento e
experiência suficientes para ensinar o herói a cumprir a sua missão. Portanto, a maior
oferenda que o mestre pode dar ao seu pupilo é o conhecimento. Nota-se que o conhecimento
pode tomar várias feições, dependendo do objetivo que o herói tem que realizar. Em alguns
casos, o conhecimento oferecido pode ser algum tipo de sabedoria filosófica para enfrentar as
adversidades da aventura (mestre Yoda em Guerra nas Estrelas, Fig.64), ou, em outros casos,
pode ser um ensino para que, futuramente, o herói possa travar diretamente o confronto com o
seu inimigo, seja através do uso de alguma técnica de luta (mestre Kame em Dragon Ball e
Dragon Ball Z, Fig. 65) ou controle de algum poder mágico (mago Gandalf em O Senhor dos
Anéis ou Mestre dos Magos em Caverna do Dragão, Fig 66). Em todos os casos, o mestre é
(Fig. 64 e Fig. 68) A figura do mentor em Guerra nas Estrelas com o mestre Yoda e Obi-Wan
Kenobi. (Fig. 65) Em Dragon Ball e Dragon Ball Z com o mestre Kame. (Fig. 66) Em
O Senhor
dos Anéis com o mago Gandalf. (Fig. 67) Em Batman Begins com Ra’s al Ghul.
uma figura-chave para a trajetória do herói na história. Geralmente é a partir do encontro do
mestre com o seu pupilo que a busca do herói inicia-se, podendo ser tutelado ou não pelo guru
a partir desse ponto da narrativa.
Após o mestre julgar que o herói está preparado para a missão, realiza-se, então, o momento
da despedida para que o herói possa findar os seus objetivos e retornar para o reconhecimento
e celebração dos seus amigos. Este retorno tem um caráter especial no se refere à relação
mestre-herói, pois acaba sendo, para o herói, a consagração e equiparação ao seu mestre.
O retorno do herói ao mestre pode ocorrer por alguma necessidade, seja para aconselhamento,
seja para um acerto de contas. Geralmente, a desavença acontece quando o herói acaba
contrariando os ensinamentos do mestre, como acontece nos filmes Batman Begins com o
mestre Ra’s al Ghul (Fig. 67) e o pupilo Bruce Wayne, ou em Guerra nas Estrelas: Episódio
III: a Vingança do Sith (Fig. 68), no qual Anakin Skinwalker passa definitivamente para o
lado negro da força, transformando-se em Darth Vader, quando se rebela contra o seu mestre
Obi-Wan Kenobi. Assim, o mestre se torna o maior oponente para o herói no seu trajeto. No
caso de um confronto entre o mestre e o herói, acaba sendo, um momento de grande tensão
narrativa, que é expressa, ressaltando o caráter dramático, através dos pensamentos, dos
diálogos e dos atos dos personagens.
Outro aspecto que cabe ressaltar é o de que o mestre, nas narrativas, em relação aos outros
personagens, acaba tendo um conhecimento privilegiado por ser o único com a capacidade de
habilitar o herói para a aventura, como também por conhecer as suas virtudes e fraquezas.
Assim, nós podemos estabelecer a nossa primeira diferença entre o mestre e os demais
companheiros do herói. Enquanto, os ajudantes têm a amizade com o herói fundada
principalmente pelos laços de admiração, no caso da figura do mestre, trata-se, de alguma
maneira, de dar continuidade ao seu conhecimento ou à sua habilidade. Afinal, a leitura mais
freqüente nas narrativas é a de que o mestre é a representação do herói em uma época
passada. Não é a toa que encontramos, nessas histórias, a figura do mestre quase sempre
representada pelo modelo de um personagem mais velho, partindo do pressuposto simbólico
de que o ancião é sinônimo de sabedoria, o que, intrinsecamente, implica o no
conhecimento prático ou filosófico, mas também na paciência para enfrentar os revés do
desenrolar narrativo e na sabedoria para saber qual o momento certo de agir.
Em Dragon Ball e Dragon Ball Z, a figura do guru é representado pelo Mestre Kame.
59
De
aparência irreverente, o ancião mora em uma pequena ilha, junto com a sua tartaruga.
Logo no inicio da saga (DB, 5 e 6), o Mestre Kame
60
se compromete a treinar o pequeno
Goku e seu amigo Kulilin para que aprendam artes marciais. O treinamento compreendia na
realização, durante oito meses, de tarefas cotidianas que iam desde a entrega de leite durante a
madrugada, arar uma imensa lavoura, ao trabalho como ajudantes no ramo da construção
civil. Este todo de treinamento proporcionado pelo Mestre Kame gerou protesto dos seus
discípulos, principalmente o de Goku, por não compreenderem a relação daquelas tarefas com
o aprendizado das artes marciais. Por fim, perceberam que tanto esforço os tornavam mais
fortes e habilidosos, estando, assim, prontos para participar do torneio de artes marciais.
Esta passagem do treinamento de Goku, de forma subliminar e de cunho didático, reforça uma
certa tendência da cultura japonesa a imaginar os seus objetivos de maneira idealizada,
ligados ao trabalho, ao esforço para atingir o rito, à conquista dos objetivos e ao
reconhecimento social. O herói do mangá sofre todas as conseqüências que, supostamente,
passamos na vida real para atingir um novo aprendizado: a insegurança, a dúvida, o cansaço, a
ignorância, o medo e a raiva. Cabe lembrar também que aqui se trata de mais uma estratégia
de autoria para fortalecer os laços entre o protagonista e o leitor.
Luyten (2003, p. 138) afirma que “[...] o ato de trabalhar o é simplesmente um mero
trabalho. Como em muitas outras coisas no Japão, é uma cerimônia, e essa sensibilidade para
cerimônias e ritos cria uma atmosfera diferenciada.”
Gotemba (2001), afirma que:
Cada pessoa tem uma visão diferente sobre o trabalho no Japão. Não
devemos esquecer que nascemos para nos aperfeiçoar naquilo que temos de
falho. Com certeza, os erros e acertos enriquecem nossas experiências, e a
monotonia da vida, em troca de dinheiro apenas, não deixa as pessoas
perceberem o quanto elas estão deixando de lado.
59
Na língua japonesa, “Kame” significa tartaruga. Este animal, para os nipônicos, simboliza a força e a
perseverança. Dentre os Cinco Elementos da Natureza (água, ar, fogo, terra e metal), a tartaruga domina o reino
da Água. Sua simbologia também está relacionada ao sentido de longevidade, que dizem ser ela a que mais
vive dentre os animais. Portanto, parece bastante conveniente nas aventuras de Dragon Ball e Dragon Ball Z que
a tartaruga seja associada ao mestre ancião.
60
Alusão ao filmes de artes marciais, como Karatê Kid, nos quais o mestre expõe o seu pupilo a várias situações
vexatórias, alegando ser o caminho para o aprendizado.
Na cultura ocidental, o trabalho é visto como um meio para o enriquecimento do indivíduo, na
qual o gozo e a alegria da vida estão nos momentos de lazer e diversão, cujo resultado é a
satisfação pessoal. na cultura oriental, em uma perspectiva filosófica, não existe uma linha
divisória entre trabalho e satisfação pessoal, havendo, portanto, uma integração entre estes
dois pólos.
Assim, a figura do mestre nos mangás, além de ser o do mentor, é o do disciplinador,
elevando o herói ao status padronizado e idealizado, o mais próximo possível da perfeição no
que diz respeito às lições propostas. Muitas vezes o herói consegue atingir com tamanha
primazia este patamar que consegue superar o mestre, levando, portanto, a renovação do ciclo
mestre-aluno / aluno-mestre.
Em Dragon Ball e Dragon Ball Z, Goku, desde o início, se preconizava esta capacidade de
superar o Mestre Kame a qualquer momento da saga, na medida em que ia ficando mais hábil
e mais forte.
No desenrolar das suas aventuras, Goku vai demonstrando sinais de que a possibilidade de
superação do seu mestre é possível através de ações que causavam espanto aos demais
personagens, como, por exemplo, conseguir voar em uma nuvem voadora (DB, 1, p. 68),
arrastar uma pedra desproporcional ao seu tamanho (DB, 6, p. 36-37), conseguir voar apenas
usando a cauda (DB, 8, p. 83), vencer inimigos maiores do que ele (durante toda a saga), e
assim por diante. Estas ações podem ser denominadas de pistas, deixadas no decorrer da
narrativa a fim de, mais uma vez, gerar um jogo de expectativas e especulações por parte do
leitor. Portanto, a nossa argumentação derivará para questões que contemplem a análise dos
aspectos que se relacionam às estratégias textuais na ficção narrativa. Isto é, saímos da
descrição do universo dos mangás para tratar dos seus recursos e usos, em geral.
Segundo Eco (1979, p. 94) “[...] preferimos dizer que um texto narrativo introduz sinais
textuais de tipo variado para sublinhar o fato de ser relevante a disjunção que está por ocorrer.
Chamemo-los de sinais de suspense”.
Para o autor, quando o leitor encontra-se em uma situação de expectativa, significa dizer que,
neste momento disjuntivo, existem previsões sobre os possíveis caminhos que um texto
narrativo pode tomar. Afinal o Leitor-Modelo é convocado a contribuir, no desenrolar da
história, na tentativa de antecipar as situações narrativas que vão suceder (ECO, 1979, p. 95).
Assim, o que entra em jogo são suposições sobre o que pode acontecer a partir daquele ponto
da história, ficando a especulação do leitor para qual desenlace a sucessão de acontecimentos
levará os personagens.
Partimos da premissa que existem dois momentos decisivos para os desdobramentos
narrativos. O primeiro, e mais comumente comentado, é aquele que recebeu a denominação
de clímax da história. Entendemos como clímax o ponto máximo da tensão narrativa a partir
de onde acontece desfecho.
Dessa forma, nas histórias em quadrinhos em geral, nos romances literários, no cinema e no
teatro, o clímax ocorre, mais freqüentemente, quando o herói encontra-se com o vilão para o
confronto. Esse encontro é o ponto na narrativa a partir do qual as ações dos personagens
decidirão o final da fábula. Entretanto, quando existe uma relação entre a figura do mestre e a
do herói, um outro tipo de tensão narrativa, aporque nesse encontro o herói procura ou
adquirir conhecimento, através de conselhos, ou proporcionar alguma natureza de confronto
com o seu mentor por meios intelectuais ou físicos. Em ambos os casos, o herói procura de
alguma maneira obter benefícios como o reconhecimento, firmando-se, assim, como
protagonista da história.
Nos mangás, a ocorrência em que o herói busca adquirir o conhecimento com o mestre é mais
freqüente. Goku, por exemplo, além de passar períodos de aprendizado com o Mestre Kame
(DB 5, e 6), teve também como mentor Kami-sama, o Kaio do Norte (Senhor Kaioh ou Daí
Kaio Sama) (DBZ, 34). Gohan, o filho mais velho de Goku, teve, quando criança, como
professor Picolo (DBZ, 33 e 34) (Fig. 69).
Fig. 69. Picolo e Senhor Kaioh assumiram também os papéis de mestres na saga
de Dragon Ball Z.
Podemos notar alguns aspectos genéricos, analisando a figura do mestre e a figura do herói
nas histórias em quadrinhos do tipo comics e mangás:
a) Na perspectiva da cultura oriental, com reflexos nas histórias dos mangás, podemos
salientar:
a relação entre o mestre e o discípulo ocorre de forma respeitosa e
inquestionável por parte do aluno;
em caso de questionamento dos seus propósitos, o mestre poderá se dar o
direito de gerar algum tipo de punição para o seu pupilo, pois se entende que a
hierarquia deve ser mantida a todo custo;
a sucessão do mestre pelo aluno acontece naturalmente, sem confrontos ou
sobressaltos;
o simples fato de o mestre reconhecer no seu discípulo, com o passar do tempo
da história, igualdade ou superioridade de força e sabedoria é uma garantia
sucessória futura;
por tudo isso, a relação entre mestre e discípulo é regida pelo signo da
estabilidade.
b) Já na perspectiva da cultura ocidental, com reflexos nas histórias das comics, podemos
salientar:
a relação entre o mestre e o discípulo nem sempre ocorre de forma respeitosa e
inquestionável, podendo o aluno, em algum momento da narrativa, pôr em
dúvida a força e o conhecimento, assim como também os propósitos do mestre;
este questionamento acaba por provocar, inevitavelmente, no decorrer da
história, o confronto entre dois modelos de personagens;
a sucessão do mestre pelo aluno acontece mediante algum tipo de conflito;
o mestre não reconhecer no seu discípulo, com o passar do tempo da história,
igualdade ou superioridade de força e conhecimento, o havendo,
conseqüentemente, uma garantia sucessória futura;
assim, a relação é regida pelo signo da instabilidade;
geralmente, é neste ponto narrativo que um dos dois personagens,
posicionando-se antagonicamente em relação ao outro, revela-se o verdadeiro
herói ou vilão;
esta revelação tanto pode acontecer apenas para os personagens envolvidos na
trama, como também pode ocorrer para o leitor, gerando uma disjunção e uma
reviravolta na história.
3.4 A FIGURA DO VILÃO
O vilão representa, nas narrativas, a antítese do herói. As histórias contadas por meio de
livros, filmes, histórias em quadrinhos, etc. estão povoadas de personagens que, de uma forma
ou de outra, têm como meta realizar algum tipo de prejuízo para a humanidade. Esses
objetivos são a conquista de poder, seja ela de ordem financeira, mística ou tecnológica, bem
como por motivações do campo afetivo, como o sentimento de vingança, rejeição ou desamor.
Para que o leitor identifique o vilão no andamento da história, pelo menos aquele que
podemos chamar com certeza assim, sem que haja margem para considerações dúbias, é
necessário que a sua figura tenha traços marcantes, tanto no nível integrativo, como também o
nível distributivo. Esta caracterização realiza-se através de um conjunto de atributos, que
geralmente são caracteres morfológicos, os quais possuem valor simbólico que conotam a
idéia de imperfeição, de feiúra, de aspereza, etc. Enfim, o vilão deve conter uma gama de
atributos considerados negativos perante o leitor.
Morfologicamente falando, a constituição de um vilão típico é composta por características
grotescas,
61
em um estilo caricatural, reforçando mais ainda a idéia de imperfeição quando
comparado ao herói.
Frisamos que, durante um longo tempo, segundo Kaiser (1957, p. 14), o grotesco foi tratado
pela Estética como um subgênero do Cômico, denominado, portanto, de Cômico-grotesco no
sentido dado por Flögel em sua obra História do Cômico-grotesco (Geschichte des Grostesk-
Komischen), de 1788.
Flögel não define nem delimita a noção do grotesco, nem do ponto de vista
histórico nem do ponto de vista sistemático. Qualifica de grotesco tudo o
que se aparta sensivelmente das regras estéticas correntes, tudo que contém
um elemento corporal e material nitidamente marcado e exagerado. Möser e
Flögel conhecem apenas o cômico grotesco baseado no principio do riso, ao
qual atribuem um valor de regozijo e alegria. Este foi o objeto de seus
estudos: a commedia dell’arte para Möser e o grotesco medieval para Flögel
(BAKHTIN, 1996, p. 31-32).
Para a Estética, o grotesco, até então, esteve associado aos aspectos de comicidade ligados
mais precisamente a idéias que suscitavam cru, baixo, burlesco, como também associado ao
cômico de mau gosto. Criticando essa visão, Bakhtin sugere uma ampliação do conceito de
grotesco. O autor, mesmo admitindo que o grotesco encontra-se correlacionado com “[...] as
imagens do corpo, da bebida, da satisfação das necessidades naturais, e da vida sexual”
(BAKHTIN, 1996, p. 16), o que leva a uma representação de imagens hipertrofiadas e
exageradas, ressalta que o mesmo também tem um caráter de positividade. Dessa forma,
através de uma retrospectiva histórica que vai desde a idade dia, passando pelo período
renascentista até os nossos tempos, Bakhtin procura desconstruir o significado do grotesco
ligado meramente aos aspectos satíricos. O autor ressalta que o grotesco está ligado, antes de
tudo, à vida e ao carnavalesco:
Na realidade, a função do grotesco é libertar o homem das formas de
necessidade inumana em que se baseiam as idéias dominantes sobre o
mundo. O grotesco derruba a necessidade e descobre o seu caráter relativo e
limitado. A necessidade se apresenta num determinado momento como algo
sério, incondicional e peremptório. Mas historicamente as idéias de
61
A origem etimológica da palavra grotesco (“grotesca”) é empréstimo tomados do italiano. La grottesca e
grottesco, como derivações de grotta (gruta), foram palavras elaboradas para um determinado tipo de
ornamentação, encontrada em fins do século XV em escavações feitas em Roma e depois em outras regiões da
Itália. Esta ornamentação à “moda bárbara” eram pinturas que representavam diversos tipos de figuras
monstruosas (KAISER, 1957, p. 18).
necessidade o sempre relativas e versáteis. O riso e a visão carnavalesca
do mundo, que estão na base do grotesco, destroem a seriedade unilateral e
as pretensões de significação incondicional e intemporal e libertam a
consciência, o pensamento e a imaginação humana, que ficam assim
disponíveis para o desenvolvimento de novas possibilidades. Daí que uma
certa “carnavalização” da consciência precede e prepara sempre as grandes
transformações, mesmo no domínio científico (BAKHTIN, 1996, p. 43).
Gombrich (2001), restaurando a trajetória da caricatura na história da arte, lembra que este
tipo de representação gráfica tomou um sentido mais específico a partir da Idade dia, o
qual ia além de um mero aspecto do cômico. A caricatura, naquele momento, também estava
associada ao negativo, ao sombrio e ao demoníaco. Assim, nos parece razoável afirmar que
um artista gráfico, como um ilustrador de romances ou um desenhista de histórias em
quadrinhos, ao conceber o vilão, geralmente considera traços ligados à maldade e à
negatividade com uma relação direta a um tipo de representação visual que se através de
uma estruturação de qualidade caricatural.
Nas hq’s em geral, e também em determinados tipos de filmes, a narrativa é regida pela
trajetória do herói. Os vilões encontram-se dentro de uma regra de estereotipia na qual o
conceito de anormalidade física, feito através da representação da imagem, é bastante
evidente. Portanto, o vilão, na sua condição de ser imperfeito, apresenta-se perante o herói
com alguns tipos de deformidade, configurados, por exemplo, por meio da desproporção
corporal ou da baixa estatura (o Pingüim para o Batman, ou o Toupeira para o Homem-
Aranha), deformidades físicas como cicatrizes, principalmente aquelas encontradas nas faces,
o que, por conseqüência, os leva a esconder o seu rosto devido à vergonha proporcionada
pelas seqüelas (como o Darth Vader em Guerra nas Estrelas ou o Doutor Destino em o
Quarteto Fantástico).
62
Nas comics, os vilões possuem características morfológicas ligadas ao grotesco e ao bizarro, e
isto se tornava mais evidente em determinados períodos em que este tipo de representação era
mais conveniente no intuito de servir a uma certa ideologia, como foi o caso de diversas
histórias em quadrinhos produzidas durante a Segunda Guerra Mundial. Heróis como o
Capitão América tinham sempre como inimigos os japoneses, os chineses e os alemães, e,
posteriormente, durante a guerra fria, os russos, assim como também, no período mais recente
62
Sustentamos a idéia de que o vilão esconde seu rosto, na maioria das vezes, fundamentado mais por algum tipo
de deformação física do que por necessidade de possuir uma identidade secreta, como acontece com o herói.
Existem exceções no universo das hq’s, tais como o vilão Duende Verde, que aparece em diversas aventuras do
Homem-Aranha. No caso do Duende Verde, ele é levado a usar uma máscara por possuir uma outra identidade, a
do milionário e cientista Norman Osborn.
Fig. 70. Caveira Vermelha: o
arquiinimigo do Capitão
América.
(década de 80), os ditadores de algum país da América do Sul. O Caveira Vermelha, por
exemplo, o arquiinimigo do Capital América, tem um rosto todo deformado, cadavérico, e em
um tom avermelhado, ressaltando o aura diabólica e repugnante, dando sentido à sua
denominação (Fig. 70).
Na perspectiva das narrativas dos mangás, principalmente
aqueles que abordam temas de ficção científica, a figura
do vilão que também foi iniciada e motivada pelos
inimigos da Segunda Guerra Mundial, é quase sempre
representada por algum estrangeiro ao mundo do herói,
geralmente de origem alienígena.
Nas histórias de Dragon Ball e Dragon Ball Z, os
inimigos de Goku são seres que, na sua maioria, vêm de
outros planetas, como, por exemplo, Raditz, o irmão mais
velho de Goku (DBZ, 1), ou Vegeta e Nappa, originários
do mesmo planeta de Goku (DBZ, 33).
Luyten (2003, p. 118) afirma que, para os ocidentais, o
“outro”, ou o vilão, é representado por atitudes ambíguas
e feições de raposa. Os inimigos, aos olhos dos japoneses, são traçados de forma animalesca,
com narizes e queixos exagerados.
Na perspectiva dos quadrinhos, podemos perceber que até o tratamento gráfico empregado
para a representação do inimigo é diferenciado em relação ao herói quando realizamos um
comparativo entre os dois.
Esta diferenciação quanto ao tratamento gráfico pode expressar-se através de um tipo de traço
mais grosseiro e quebradiço no contorno do vilão e na distorção da sua musculatura (Figura
71 e 72), uma coloração de pele diferenciada em relação ao herói (Figura 73 e 74), o uso de
sombras, principalmente aquelas localizadas no rosto, para passar a idéia de sombrio e
temeroso (Figura 75).
Figura 71 (Garth, p. 59), figura 72 (X-Men Widescreen, p. 68), figura 73 (Garth,
capa), figura 74 (Batman – O Caso dos Peixes Sorridentes) e figura 75 (Coleção
Invictus Extra nº 2: Batman versus Rã’s Al Ghul, p. 53).
Os vilões dos romances, em geral, o herdeiros da tradição do grotesco que vêm desde a
idade média. Entretanto, a concepção de Bakhtin (1996, p. 16) atribui ao termo grotesco um
sentido mais amplo, que objetiva ressaltar os seus aspectos positivos ligados à cultura cômica
popular da Idade Média e aos espetáculos carnavalescos.
O grande ventre de Sancho Pança, seu apetite e sua sede são ainda
fundamental e profundamente carnavalescos; sua inclinação para a
abundância e a plenitude não tem ainda o caráter egoísta e pessoal, é uma
propensão para abundância em geral. Sancho é um descendente direto dos
amigos demônios pançudos da fecundidade que podemos ver, por exemplo,
nos célebres vasos coríntios. Nas imagens da bebida e da comida estão
ainda vivas as idéias do banquete e da festa. O materialismo de Sancho, seu
ventre, seu apetite, suas abundantes necessidades naturais constituem o
“inferior absoluto” do realismo grotesco, o alegre túmulo corporal (a
barriga, o ventre e a terra) aberto para acolher o idealismo de Dom Quixote,
um idealismo isolado, abstrato e insensível [...] (BAKHTIN, 1996, p. 20).
Todavia, os vilões das histórias em quadrinhos são constituídos por traços tanto de ordem
morfológica, quanto da ordem do comportamento, que estão inseridos dentro da concepção
negativa do grotesco. A morfologia do vilão, na sua deformidade, é um dos marcadores
preferidos dos ilustradores das hq’s para reforçar o oposto da figura do herói.
O traço marcante do realismo grotesco é o rebaixamento, isto é, a
transferência ao plano material e corporal, o da terra e do corpo na sua
indissolúvel unidade, de tudo que é elevado, espiritual, ideal e abstrato. Em
certos diálogos cômicos muito populares na idade Média, como por
exemplo, os que mantêm Salomão e Marcul, um contraponto entre as
máximas salomônicas, expressas em tom grave e elevado, e as máximas
jocosas e pedestres do bufão Marcul que se referem todas
premeditadamente ao mundo material (bebida, comida, digestão, vida
sexual) (BAKHTIN, 1996, p. 18).
Quanto aos aspectos faciais do vilão das histórias em quadrinhos, percebemos que é normal a
sua representação de olhar perdido, diabólico ou insano, quando o personagem jura vingança
ou arquiteta algum plano. O seu rosto tende a tomar traços exagerados em momentos de
cólera, enfatizando, principalmente, os olhos e a boca, ressaltando, portanto, o aspecto
grotesco e caricatural (Figuras 76, 77, 78). Afinal, o exagero das emoções deve ser
demonstrado graficamente pelo exagero e deformidade facial em determinadas passagens
narrativas para marcar a intensidade maléfica do vilão.
A deformidade corporal, sobretudo no que diz respeito ao ressalte do seu rosto, culmina em
um tipo de feiúra. Essa representação do feio é construída para contrapor à beleza clássica,
geralmente destinada à figura do herói. Esse aspecto de contraposição é um dos recursos mais
comuns usados pelos ilustradores para configurar visualmente o vilão nas hq’s.
[...] as imagens grotescas conservam uma natureza original, diferenciam-se
claramente das imagens da vida cotidiana, preestabelecidas e perfeitas. São
imagens ambivalentes e contraditórias que parecem disformes, monstruosas
e horrendas, se consideradas do ponto de vista da estética “clássica”, isto é,
da estética cotidiana preestabelecida e completa (BAKHTIN, 1996, p. 22).
No que se refere à composição dos elementos gráficos, notamos que o vilão dos quadrinhos
muitas vezes aparece de forma desfavorável, se o compararmos ao herói. Esse desfavor se
através do tipo de enquadramento usado ou também pelo posicionamento do vilão no espaço
do quadrinho, colocado de forma inferior em relação ao herói (Fig. 79).
Fig. 76. Batman versus Ra’s Al Ghul, 2, p 45. Fig. 77. Super-Homem, 35, p. 28. Fig. 78.
Aventura e Ficção, 14, p. 10.
Fig. 79. Muitas vezes a perspectiva e o
posicionamento dos personagens ajudam a
passar a idéia de superioridade do herói em
relação ao vilão (Garth, p. 42).
Nos mangás, a aparência do vilão, no que
diz respeito ao tratamento dado pelo artista,
não foge muito dos esquemas gráficos que
aparecem nas comics. Podemos notar que,
em ambos os casos, o vilão tem uma forma
quebradiça nas suas linhas, uma
desproporção corporal que conota o
grotesco, um excesso de sombras que es
relacionado muito mais ao estado
psicológico do personagem, evidenciando
uma possível insanidade, do que
necessariamente ao posicionamento do
mesmo em uma simples relação de iluminação dos corpos. Em se tratando das cores, notamos
que há uma forte tendência do uso de tonalidades escuras como o preto, o cinza e o lilás.
Em Dragon Ball e Dragon Ball Z, no que se refere ao vilão, o tratamento gráfico
empreendido para a sua representação não chega a ter uma forma diferenciada se a
compararmos com a dos outros personagens, principalmente se usarmos como parâmetro a
figura do herói. As linhas o apresentam um aspecto grosseiro ou quebradiço, como
normalmente acontecem em outros mangás.
63
Porém, características que ligam ao grotesco ou
ao caricatural permanecem, como a desproporção física em relação aos outros personagens ou
indumentárias de aparência cômica, e assim por diante.
Acreditamos que tais características, no que se refere ao tratamento gráfico homólogo entre o
vilão e o herói nos mangás Dragon Ball e Dragon Ball Z, decorre das implicações narrativas
que ocorrem durante toda a saga.
Em muitos casos, o que percebemos em Dragon Ball e Dragon Ball Z é que os personagens
que representam a figura do vilão, como Picolo (uma espécie de reencarnação ou clone de um
vilão denominado de Rei Picolo) e Vegeta (nativo do mesmo planeta do herói), por exemplo,
63
Como, por exemplo, os mangás do gênero de terror. Neles o vilão recebe um tratamento gráfico diferenciado,
com linhas mais fortes, uma certa texturização (hachuras) da pele através do uso de linhas paralelas e também
um excesso de pigmentação em preto para a representação das sombras.
Fig, 80. Picolo, personagem que
passa de vilão a aliado nas
aventuras de Dragon Ball Z, tem
um tratamento gráfico similar
dispensado ao herói e os seus
amigos (DBZ:33, p.56)
assumem, gradativamente, uma postura de aliado de
Goku. A principio parece uma aliança provisória,
motivada por alguma ameaça (geralmente de um
segundo vilão), que não interfere na segurança do
mundo em que vive o herói, mas também nos planos e
interesses do primeiro vilão.
Notamos que, na realização de um comparativo entre
os vilões desta saga, existem diferenças no que se
refere às articulações narrativas. O primeiro vilão tem
um caráter de permanência, através da constância, isto
é, o número de aparições narrativas durante toda
aventura de Dragon Ball e Dragon Ball Z,
possibilitando, posteriormente, a sua mudança de
papel de vilão para amigo do herói (Fig. 80).
Cabe dizer que esta mudança ocorre gradativamente,
como uma espécie de processo de humanização do
vilão. Geralmente, esta transformação é dada por
algum tipo de percepção do herói e de seus aliados de
que o vilão em questão, afinal de contas, conserva
algum tipo de bondade. Dessa maneira, portanto,
um processo de transformação do vilão (figura maligna) para um aliado do herói (figura
benigna), mesmo que o próprio vilão não se conta, através do seu comportamento na
narrativa.
64
Podemos notar que, durante toda a saga, existem duas ocorrências pertinentes que servem
para ilustrar a transição de alguns vilões para a condição de amigo do herói:
A primeira ocorrência desse tipo, em Dragon Ball e Dragon Ball Z, é quando Picolo
resolver unir-se a Goku para enfrentar o irmão mais velho do herói, chamado Raditz,
que vem à Terra para revelar a verdadeira origem do herói e lembrá-lo de que o seu
64
Não podemos esquecer que a união do vilão com o herói e seus aliados ocorre, a principio, por conveniência e
estratégia e que o vilão pretende voltar a rivalizar com o herói assim que a ameaça for eliminada.
objetivo é, na realidade, de destruir todos os terráqueos, e não protegê-los. Na recusa
de Goku de aceitar este destino, Raditz resolve então seqüestrar o filho primogênito do
herói, Gohan. Assim, Picolo e Goku, juntos, resolvem enfrentar o novo vilão. Dentro
da lógica de Picolo, esta união é necessária porque Raditz representa um ameaça aos
seus planos de conquistar o mundo. No confronto (DBZ: 33), Raditz acaba sendo
morto por Goku e Picolo, mas o preço dessa vitória é a morte do herói.
65
Com a morte
de Raditz, Picolo resolve treinar o pequeno filho de Goku nas artes marciais para
tentar deter os novos inimigos, Nappa e Vegeta. que o vilão, antes de morrer,
revelou que, no prazo de um ano, após uma longa viagem espacial, dois novos vilões
estarão na terra para dá continuidade à missão de destruição do planeta.
A segunda ocorrência também acontece em “Dragon Ball Z” (DBZ, 24), quando
Vegeta resolve unir-se aos amigos de Goku para combater os andróides que no futuro
destruirão a terra.
66
Depois de enfrentarem os andróides, Vegeta, ainda a contragosto,
permanece aliado aos amigos de Goku, pois têm interesse, posteriormente, em desafiar
Cell (uma espécie de mutação genética que obteve o seu poder através das células dos
seus inimigos, inclusive as de Goku).
Antagonicamente, cabe lembrar aqui que os outros vilões, tais como o Grande Pilaf (DB, 4) e
o Freeza (DB, 10), além de Raditz, Nappa e Cell (DBZ, 24), citados anteriormente, têm um
caráter de permanência provisória na saga. Eles não fogem do estigma do estrangeiro no
sentindo de intruso, aquele que vem de um outro lugar para causar desequilíbrio à ordem e
conquistar, a todo custo, o mundo.
Entretanto, estes novos execráveis representam não só uma ameaça para o mundo, mas
também uma ameaça para os vilões que chegaram anteriormente com o mesmo objetivo,
gerando, assim, inusitadamente, a união entre os antigos vilões, estabelecidos
narrativamente na história, o herói e os seus amigos. Dessa forma, o antigo malfeitor assume
o papel de um novo aliado (Fig. 81).
65
Goku, morto, vai de encontro ao mestre Kaioh O Senhor das Fronteiras, afim de solicitar um treinamento
especial para poder voltar ressuscitado para o planeta Terra e ajudar os seus amigos a enfrentar a nova ameaça.
66
Goku, nessa passagem, encontra-se debilitado por causa de uma doença do coração e acaba sendo derrotado
pelos andróides, ficando durante algum tempo fora de combate.
Fig. 81. Raditz, Nappa e Vegeta,
vilões que apareceram simultaneamente no início de
Dragon Ball Z, sendo que este último torna-se aliado de Goku até o final da saga
(DBZ, 34, p. 91-92).
Estes novos vilões parecem ter um aspecto mais grotesco do que aqueles vilões já
estabelecidos na saga. Por exemplo, o Grande Pilaf (Fig. 82), apesar da sua denominação de
qualidade superlativa, não passa de um mero anão com sonhos de poder. Freeza (Fig. 83)
possui chifres e a pele é revestida de carapaças por todo o corpo. Cell (Fig. 84) tem uma
aparência alienígena, sem narinas e uma boca que mais parece uma concha quando está aberta
e Majin Boo (Fig. 85) que possui uma tromba na cabeça. Mesmo os vilões de aparência mais
humana, como Raditz e Nappa (Fig. 81), originários do mesmo planeta em que o herói
nasceu, possuem uma bizarra cauda de macaco.
67
Nas histórias em quadrinhos, percebemos que o vilão é o causador da desordem no mundo
narrado. É a partir dessa situação de instabilidade proporcionada pelo malfeitor que o herói
assume, de fato, o seu papel de salvador. Esta junção entre vilão e herói não representa,
necessariamente, uma novidade no universo das hq’s. Eventualmente, nas comics, podemos
nos deparar com ocorrências deste tipo, dadas por circunstâncias bem parecidas com aqueles
que detectamos nos mangás.
67
A cauda de macaco é o único ponto fraco dos nativos do planeta Vegeta, que possuem grande força e poder.
Entretanto, exposto a luz do luar, transformam-se em macacos gigantes com a capacidade de destruição
descomunal, tendo, nesta condição, a incapacidade de agir racionalmente. Não é a toa que Goku e,
posteriormente, Vegeta (que tem o mesmo nome do seu planeta natal) têm a cauda extirpada para evitar maiores
transtornos, eliminado, assim, o elemento grotesco desses personagens.
Fig. 82, 83, 84 e 85, respectivamente. Alguns vilões que aparecem nas histórias de
Dragon Ball e Dragon Ball Z (Grande Pilaf, Freeza, Cell e Majin Boo) têm como
principal característica à aparência grotesca.
Todavia, a diferença reside no fato de que, nas comics, a estruturação narrativa é feita de tal
maneira que heróis e vilões seguem uma espécie de fluxo e refluxo temporal. Ou seja, como
observou Eco (1993, p. 253) quando analisou o Superman, essa diferença possui a dualidade
de permanecer inconsumível, assim como os mitos clássicos. Dessa forma, permanece
inconsumível a própria existência da parábola mitológica, atrelada aos modos de uma
existência cotidiana.
Portanto, sempre se faz necessário recontar as histórias, preencher as lacunas de tempo entre
uma história e outra, indefinidamente, através de outras narrativas. Assim, o herói das comics
consegue permanecer jovial e, ao mesmo tempo, manter-se ligado por referências cotidianas
ao leitor. E para render implicações narrativas infinitamente, é comum que alianças feitas
outrora pelos personagens sejam desfeitas no momento seguinte.
nos mangás, as alianças podem ter um caráter mais permanente, as modificações que os
personagens sofrem, como a convenção de um vilão em aliado do herói, contribuem para um
desfecho da saga no qual a vitória do bem sobre o mal se dá, inclusive, por meio do processo
transformador, tendo em vista que os malfeitores não só entendem os propósitos do herói,
como também resolvem ajudar a partir de um determinado ponto da história.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta dissertação teve como principal objetivo analisar a figura do herói dentro das narrativas
que compõem o mangás. A nossa abordagem considerou os aspectos de ordem morfológica
dos personagens, assim como as ações dos mesmos dentro da fábula, as quais poderiam gerar
algum tipo de colaboração para instituir o papel do herói.
Entendemos como morfologia um sentido que contemple não a constituição física dos
personagens, ligado à sua caracterização, como a roupa ou tipo de cabelo, mas também a pose
e o seu destaque em relação aos outros personagens, principalmente em relação ao antagonista
da fábula.
Para a nossa investigação, usamos como corpus a série de mangá Dragon Ball e Dragon Ball
Z, do artista Akira Toriyama, que fez sucesso inclusive no Brasil, tendo como o seu principal
personagem Goku. Goku vem de um outro planeta e cresce em uma terra ficcional. Ele
vivenciou uma trajetória de acontecimentos que possibilitou que os seus poderes e as suas
habilidades se desenvolvessem na medida em que a saga avançava.
Nesse mundo, observamos uma estruturação que lembra o nosso, isto é, encontramos cidades
de portes variados, onde nos deparamos com habitantes envolvidos em diversidades de tarefas
cotidianas, como ir a escola, trabalhar, etc. As construções desses lugares lembram,
genericamente, as nossas casas e edifícios. Os veículos, como carros, caminhões e motos,
também são ilustrados de tal maneira a se assemelhar com o que encontramos no nosso dia a
dia. Dessa forma, o universo ficcional construído em Dragon Ball e Dragon Ball Z é parecido
com a nossa realidade, pelo menos de maneira preliminar.
Entretanto, apesar do mundo ficcional dessa série possuir um tipo de referência que lembra o
nosso, existem outras possibilidades, possíveis nas fábulas, como, por exemplo, a
existência de automóveis junto com naves e foguetes em uma incomum naturalidade.
Também em Dragon Ball e Dragon Ball Z, encontramos seres humanos misturados com seres
zoomórficos. É comum achar tartarugas (DB, 1, p. 56), porquinhos falantes (DB, 2, p. 8) e
sereias (DB, 5, p. 26) convivendo com personagens de aparência comum. Isso sem
mencionar outras criaturas de aparência alienígena. Geralmente esses indivíduos são os vilões
da série.
É bem verdade que este caráter fantástico não instaura necessariamente uma novidade, que
na literatura ficcional podemos encontrar diversas obras nas quais os aspectos comuns e
incomuns pertencem a um mesmo mundo, articulando-se coerentemente dentro da narrativa.
para ilustrar essa possibilidade, podemos citar as aventuras de Harry Potter (J. K.
Rowling) e as histórias do Sítio do Pica Pau Amarelo (Monteiro Lobato).
Podemos notar que a configuração de Goku como herói o está atrelada a uma constituição
pré-estabelecida do estereótipo heróico. O estereótipo heróico é mais comum nas comics, nas
quais o caráter extraordinário de personagens com o Superman, Homem-Aranha, dentre
outros, se dá, principalmente, pelo seu aspecto espetaculoso em um mundo que se assemelha
com o nosso. Afinal, eles conseguem, nas suas ações, voar, disparar raios ou escalar paredes,
enquanto os demais são apenas espectadores dos seus grandes feitos.
Nos mangás, de uma forma geral, o herói não é o único detentor de poderes e habilidades
especiais. Ocorrências narrativas ligadas à magia, como aquelas que acontecem
freqüentemente em Dragon Ball e Dragon Ball Z, são realizáveis não por Goku, mas são
potencialmente possíveis a outros personagens, ainda que esses tenham uma rápida passagem
na história, ou sejam apenas personagens secundários.
O que nos leva a conclusão de que Goku é o herói muito mais por suas ações narrativas do
que por seus poderes ou características morfológicas. Ainda que a sua morfologia tenha um
caráter diferenciado, como o seu tipo de cabelo, por exemplo, essa diferença não se no
sentido de um pré-requisito para que assuma o papel de protagonista. Afinal, os outros
personagens são constituídos também com traços morfológicos diferenciados para que o leitor
possa identificá-los na história.
Portanto, o que faz realmente de Goku o protagonista o é o conjunto de características,
como a sua indumentária ou o seu porte físico e sim as suas ações na história. Nas comics, a
caracterização do herói passa por uma simbolização dada pelas cores e grafismos encontrados
nos seus uniformes. Nos mangás e, especialmente, nos quadrinhos de Dragon Ball e Dragon
Ball Z, os feitos narrativos são mais importantes do que uma configuração indicial do herói.
Em outras palavras, a aparência do herói nos mangás o é tão formidável quanto as suas
realizações.
Entretanto, notamos que, nos mangás, a dicotomia entre o bem e o mal, entre o belo e o feio
entre o certo e o errado permanece engessada dentro de um esquema tradicional de oposições,
e a que a morfologia serve para caracterizar esses antagonismos.
A oposição entre a figura do herói e a do vilão, além de poder ser constatada através das suas
ações, também pode ser investigada pela estruturação visual ou tratamento gráfico destinados
a esses arquétipos. Como vimos no tópico que trata da figura do vilão nos mangás, o malfeitor
é representado visualmente pelo viés do grotesco. Essa representação geralmente tem um
sentido caricatural e exagerado, com todas as deformações possíveis, as quais estão ligadas a
certo infortúnio vivido na sua origem.
Assim, os vilões dos mangás herdam toda a carga do conceito de grotesco no se refere apenas
a sua negatividade. Isto é, os produtores desse tipo de hq ignoram a amplitude dada por
Bakhtin (1996), que realiza uma reconstituição histórica do grotesco, na qual os aspectos de
cunho carnavalesco, cômico e corporal também são valorizados. Assim, essas características
apontam para um valor positivo do grotesco.
Observamos, de um modo geral, nos romances dos quais as histórias em quadrinhos
descendem, uma certa reverência à deformidade do grotesco. O grotesco encarnado na figura
do vilão funciona como uma estratégia narrativa para criar um contraponto com o mito do
herói, idealizado por suas virtudes e por um tipo de beleza pautada nos cânones clássicos.
Dessa forma, a simetria e a proporção sica do herói reforçam a sua bondade e o aproximam
do divino. Lembramos que o sentido do divino é a configuração do perfeito como expressão
de um tipo de beleza baseada na arte grega. Afinal, a arte grega está ligada ao espírito e a
inteligência. Ela tem como principais características o racionalismo e amor pelo belo.
Assim, a figura do herói surge a partir dessa idealização, que tem como exemplo, Hércules,
Aquiles e tantos outros. Esse referencial de herói serve de matriz até hoje para que os autores
das histórias em quadrinhos, principalmente os produtores das comics, possam criar os seus
personagens.
Fig. 86. Goku aparece de forma
destacada em Dragon Ball e Dragon
Ball Z (DB, 3, p. 70).
Nos mangás, notamos que as ações narrativas do herói permanecem também no âmbito dos
grandes feitos, assim como ocorrem com os protagonistas dos contos clássicos. Entretanto, a
partir das peripécias de Goku na série Dragon Ball e Dragon Ball Z, podemos verificar que o
herói do mangá, ainda que possua poderes extraordinários para a execução de tarefas difíceis,
é mais humanizado na medida em que realiza feitos comuns como dormir, comer e estudar.
Assim, o herói dos mangás consegue aproximar-se
do leitor o pela vertente dos seus prodígios,
mas também porque intercala entre as suas
grandes ações atividades comuns, próximas à
nossa realidade. Ao contrário da maioria das
comics, parece que nesse tipo de história em
quadrinhos, as atividades cotidianas são o
importantes para a constituição do herói quanto os
seus feitos mais extraordinários.
Além das verificações relacionadas às ações do
herói nas narrativas e seus aspectos morfológicos,
procuramos também investigar a sua representação
nas páginas do mangá no que diz respeito à sua
diagramação.
Afinal, constatamos que, durante toda a saga de
Dragon Ball e Dragon Ball Z, a diagramação
contribui para destacar o protagonista Goku. Esse destaque pode acontecer de várias
maneiras, sendo que a mais freqüente é o uso da perspectiva ou da sobreposição de planos
para evidenciar o herói em relação aos outros personagens. A proeminência ocorre através de
arranjos dos elementos gráfico, como linhas e formas, que o favoreçam visualmente. (Fig. 86)
Especificamente no tópico em que tratamos da questão estrutural das ginas dos mangás,
constatamos que as histórias em quadrinhos, de uma maneira geral, saíram de um regime
linear, no qual o vetor de leitura estava atrelado a uma horizontalidade para um sistema
denominado por Fresnault-Deruelle (1976) de tabular, ligado a espacialidade.
A tabularidade implica em uma nova maneira de distribuir os desenhos, os balões, as legendas
e as onomatopéias no espaço da página, que é utilizada pelo artista de forma a produzir
um sentido narrativo específico,
Se pensarmos, por exemplo, em passagens em que Goku precisar firmar-se como herói,
notamos que as páginas voltadas às suas peripécias favorecem o destaque da sua atuação.
Lembramos que a forma de representá-lo no plano gráfico é sempre destacada, seja através da
sua sobreposição em relação aos outros personagens ou ao fundo, seja através da extrapolação
da sua figura dos limites do quadro.
Tendo em vista que a questão mais geral desse trabalho foi analisar o papel do herói nos
mangás através da série Dragon Ball e Dragon Ball Z, essa dissertação representa, portanto,
uma contribuição no esforço de conceituar os mangás por meio de investigações centradas nas
peripécias de Goku, considerando a sua morfologia e a sua relação com outros personagens,
como os vilões, o guru e os seus aliados.
Sem desprezar outras pesquisas sobre o fenômeno das histórias em quadrinhos,
principalmente aqueles trabalhos nos quais o foco são os mangás, tais como os realizados pela
professora Sônia Luyten (2000 e 2003), acreditamos ser possível ampliar as pesquisas sobre
esse gênero de histórias em quadrinhos
para além de uma abordagem estritamente sociológica
ou de recapitulação histórica. Esse é um esforço de ampliar os horizontes para entender esse
tipo de história em quadrinhos pelas fronteiras da estética e da análise textual das imagens.
Como citamos no início dessa dissertação, é necessário definir os mangás através da
relativização argumentativa que limita o seu conceito apenas ao pólo de produção japonesa.
Ainda que as suas origens estejam fincadas nesse país, acreditamos que o mangá pode ser
identificado independentemente da sua origem. Essa identificação pode se dar também através
da estruturação das suas imagens na página, da configuração dos seus personagens,
principalmente a do herói, e da construção dos seus universos narrativos.
A questão da tabularidade das páginas das hqs (FRESNAULT-DERUELLE, 1976), assim
como a idéia sobre a artrologia da imagem das histórias em quadrinhos (GROENSTEEN,
1999) são boas chaves metodológicas para que os estudos das hq’s sejam direcionados de
maneira mais eficaz para a análise imanente das imagens. Acreditamos que esses todos
podem ser desenvolvidos e aplicados para entendermos o fenômeno dos mangás.
Como vimos, os mangás representam um importante fenômeno comunicacional, e uma das
suas principais características é a predominância do texto visual em relação ao texto verbal.
Para uma futura tese, pretendemos estudar mais profundamente as articulações das imagens
desse tipo de história em quadrinhos no que se refere a sua disposição dos elementos gráficos
no espaço das páginas.
Teremos como ponto de partida as teorias sobre a tabularidade (FRESNAULT-DERUELLE,
1976) e da artrologia (GROENSTEEN, 1999). Além desses, autores como E. H. Gombrich
(1995) e Carrier (2000) poderão também trazer contribuições para o amadurecimento de uma
tese sobre os mangás. Esses estudiosos oferecerão subsídios para o desenvolvimento de uma
teoria e de um método mais especifico para definir esse tipo de histórias em quadrinhos a
partir da sua estrutura interna.
Nesse empreendimento, usaremos o corpus a rie Samurai X, de Nobuhiro Watsuki.
Acreditamos que este tipo de abordagem, iniciada nessa dissertação, pode mostrar a sua
eficácia para compreendermos os mangás como fenômeno e como funciona a sua visualidade
narrativa em um comparativo com outros tipos de hq’s.
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