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Ao mesmo tempo em que defendia a plenitude do mundo, Hobbes demonstrava
como alguns argumentos usados pelos que defendiam a existência do vazio não
poderiam ser plausíveis. Em outras palavras, não poderiam ser utilizados como provas
“científicas” de conhecimento verdadeiro. Em um dos casos, ele questionou se seria
possível construir duas superfícies tão polidas e perfeitas que se fossem colocadas em
contato nem mesmo uma partícula poderia ficar entre elas como foi proposto por Boyle,
um exemplo de virtuoso, membro da Royal Society. Segundo o pensador:
“se eu devesse negar a possibilidade da arte humana de fazer as superfícies de
dois corpos rígidos se tocarem tão precisamente que nem a menor partícula
pudesse passar entre elas, então eu não vejo como essa hipótese possa ser
corretamente mantida, nem que nossa negação possa ser corretamente mostrada
como improvável.”
118
O filósofo alegava também que outras explicações dadas por Boyle como esta
acima a favor do vazio estavam mais próximas de sonhos do que de reais comprovações
dos fenômenos naturais.
119
Ora, podemos assumir que o tom de ironia também estava
direcionado à postura adotada pela própria Royal Society, e não somente por Boyle, já
Against Atheism (1653) e The Immortality of the Soul (1659), onde ele defendia que as teorias propostas
por Hobbes possibilitavam o estabelecimento do ateísmo na sociedade, baseando-se em argumentos que
já pressupunham a existência de Deus. More defendia o verdadeiro sentido de vida cristã, onde os valores
e os ensinamentos cristãos deveriam guiar as vidas dos homens. Para ele, entre outros dos platonistas de
Cambridge, a ciência natural era um vasto laboratório para confirmações de verdades religiosas. Além
disso, a ciência revelava suas limitações e finalmente a falta de comprovações cientificas para algum
fenômeno exigia explicações de âmbito religioso. Neste ponto More também não concordava com
Hobbes, pois, para este, uma das sementes da religião é a ignorância de causas secundárias, pois numa
concepção material, sempre há uma causa anterior ao fenômeno que se está observando, ou seja, sempre
há uma causa secundária. More, no entanto defendia que uma das causas do ateísmo é a ignorância da
insuficiência das causas secundárias. Essa insuficiência demanda explicações de âmbito religioso,
revelando a onipotência do Criador. Suas diferenças se davam justamente porque defendiam teorias da
matéria distintas. A mortalidade da alma, conseqüência direta da concepção hobbesiana, era algo que
More não podia permitir, e por esse motivo ele não tolerava a teoria defendida por Hobbes de que ela era
simplesmente uma qualidade de um corpo vivo, sem a aura espiritual que a religião lhe proporcionava.
Apesar da importância deste episódio e do interesse que gera, não é do âmbito da presente dissertação
aprofundar-se nele, já que mereceria uma atenção especial. Pode-se encontrar maior detalhamento sobre
essa polêmica em S. I. Mintz. Op cit. p. 80.
118
T. Hobbes. De Corpore. p. 419.
119
S. Shapin & S. Schaffer. Leviathan and the Air-Pump. p . 125.