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que morava na vila e a que de fato era sumamente afeiçoado, e para esse fim pediu
permissão a seus pais. Estes, vendo o estado de tristeza e abatimento em que ia
caindo seu filho, e considerando que aquele passeio poderia ser uma salutar
distração para fazê-lo esquecer-se de Margarida, não ousaram negar a permissão
pedida; antes a concederam com sumo gosto, e até o autorizaram a ficar na vila os
dias que quisesse.
À tardinha desse mesmo dia, o rapaz montou a cavalo, e tomou o caminho
da vila, mas lá não chegou. O caminho, que se dirigia da fazenda de Antunes para a
vila Tamanduá, ia ganhar a estrada real meia légua além da casa de Umbelina, pela
frente da qual, como já sabemos, passava essa mesma estrada. Apenas Eugênio
nela entrou, colheu as rédeas ao animal, retardando-lhe o passo o mais que podia.
Quando porém a noite de todo se fechou, voltou de súbito as rédeas, e voltando a
galope pela estrada real voou direito à casa de Umbelina.
Pretendia ali passar a noite, enquanto durassem os divertimentos, findos os
quais montaria de novo a cavalo e viria amanhecer na vila.
Ressoavam as violas e adufes; o folguedo já tinha começado à sombra da
figueira do terreiro.
Além do luar, que estava soberbo, duas grandes fogueiras acesas no terreiro
a alguma distância, iluminavam de modo original e pitoresco o âmbito, dentro do
qual se desenhavam destacando-se vivamente as figuras daquela curiosa e
interessante reunião, uns no centro, dançando, outros em derredor, sentados pelo
chão ou em tamboretes e cepos de pau. O clarão das fogueiras avermelhava a
cúpula gigantesca da figueira, que com sua espessa folhagem abrigava os convivas
do orvalho frio da noite.
Eugênio chegou-se à roda tolhido e ressabiado. Porém Margarida, que
apenas o avistou, soltou um grito de alegre surpresa, e veio imediatamente colocar-
se ao pé dele, fez com que logo cobrasse ânimo e presença de espírito, e tomasse
assento na roda com todo o desembaraço.
Atraídos pela beleza de Margarida, como dissemos, alguns rapazes
freqüentavam a casa de Umbelina, e lhe requestavam a filha. Esta, porém, não lhes
dava a mínima atenção, e em sua cândida inocência nem mesmo suspeitava o
verdadeiro motivo, por que tanto a festejavam.
Entre esses aspirantes ao amor da rapariga, o que mais padecia era um
certo rapaz por nome Luciano. Era um moço que teria a rigor os seus vinte e cinco
anos, de bonita e agradável presença, tropeiro bem principiado, que já tinha alguns
lotes de burros no caminho do Rio, e que além de tudo se tinha em grande conta de
bonito, de rico e de bem nascido, pelo que não deixava de ser sumamente ridículo,
quando não era insolente.
Cheio de si olhava os demais pretendentes por cima dos ombros, e sorria-se
deles no intimo da alma com desdém e compaixão, porque estava profundamente
convencido que ninguém mais do que ele estava no caso de merecer a preferência
da encantadora menina e as boas graças da senhora Umbelina. No meio de todos
aqueles pés-rapados que ali andavam, quase todos gente de cor e sem eira nem
beira, ele, o único que possuía alguma coisa, e que se trajava com decência, ele, o
único branco legítimo que ali pisava, não tinha o menor receio de ser preterido por
quem quer que fosse; pelo menos esta era a sua firme convicção.
Luciano não conhecia a Eugênio, a quem nunca em sua vida tinha visto, e
estava muito longe de suspeitar que Margarida tivesse um amante, cujo amor
corresponde-se. Quando viu pois a não disfarçada e especial predileção de que
Margarida o rodeava, o tom de íntima familiaridade com que conversavam, e mais