- Haveis de entender, começou ele, que a virtude e o saber, têm duas existências paralelas,
uma no sujeito que as possui, outra no espírito dos que o ouvem ou contemplam. Se
puserdes as mais sublimes virtudes e os mais profundos conhecimentos em um sujeito
solitário, remoto de todo contacto com outros homens, é como se eles não existissem. Os
frutos de uma laranjeira, se ninguém os gostar, valem tanto como as urzes e plantas bravias,
e, se ninguém os vir, não valem nada; ou, por outras palavras mais enérgicas, não há
espetáculo sem espectador. Um dia, estando a cuidar nestas coisas, considerei que, para o
fim de alumiar um pouco o entendimento, tinha consumido os meus longos anos, e, aliás,
nada chegaria a valer sem a existência de outros homens que me vissem e honrassem; então
cogitei se não haveria um modo de obter o mesmo efeito, poupando tais trabalhos, e esse
dia posso agora dizer que foi o da regeneração dos homens, pois me deu a doutrina
salvadora.
Neste ponto, afiamos os ouvidos e ficamos pendurados da boca do bonzo, o qual, como lhe
dissesse Diogo Meireles que a língua da terra me não era familiar, ia falando com grande
pausa, porque eu nada perdesse. E continuou dizendo:
- Mal podeis adivinhar o que me deu idéia da nova doutrina; foi nada menos que a pedra da
lua, essa insigne pedra tão luminosa que, posta no cabeço de uma montanha ou no píncaro
de uma torre, dá claridade a uma campina inteira, ainda a mais dilatada. Uma tal pedra, com
tais quilates de luz, não existiu nunca, e ninguém jamais a viu; mas muita gente crê que
existe e mais de um dirá que a viu com os seus próprio olhos. Considerei o caso, e entendi
que, se uma coisa pode existir na opinião, sem existir na realidade, e existir na realidade,
sem existir na opinião, a conclusão é que das duas existências paralelas a única necessária é
a da opinião, não a da realidade, que é apenas conveniente. Tão depressa fiz este achado
especulativo, como dei graças a Deus do favor especial, e determinei-me a verificá-lo por
experiências; o que alcancei, em mais de um caso, que não relato, por vos não tomar o
tempo. Para compreender a eficácia do meu sistema, basta advertir que os grilos não podem
nascer do ar e das folhas de coqueiro, na conjunção da lua nova, e por outro lado, o
princípio da vida futura não está em uma certa gota de sangue de vaca; mas Patimau e
Languru, varões astutos, com tal arte souberam meter estas duas idéias no ânimo da
multidão, que hoje desfrutam a nomeada de grandes físicos e maiores filósofos, e têm
consigo pessoas capazes de dar a vida por eles.
Não sabíamos em que maneira déssemos ao bonzo, as mostras do nosso vivo
contentamento e admiração. Ele interrogou-nos ainda algum tempo, compridamente, acerca
da doutrina e dos fundamentos dela, e depois de reconhecer que a entendíamos, incitou-nos
a praticá-la, a divulgá-la cautelosamente, não porque houvesse nada contrário às leis
divinas ou humanas, mas porque a má compreensão dela podia daná-la e perdê-la em seus
primeiros passos; enfim, despediu-se de nós com a certeza (são palavras suas) de que
abalávamos dali com a verdadeira alma de pomadistas; denominação esta que, por se
derivar do nome dele, lhe era em extremo agradável.
Com efeito, antes de cair a tarde, tínhamos os três combinado em pôr por obra uma idéia
tão judiciosa quão lucrativa, pois não é só lucro o que se pode haver em moeda, senão
também o que traz consideração e louvor, que é outra e melhor espécie de moeda,
conquanto não dê para comprar damascos ou chaparias de ouro. Combinamos, pois, à guisa
de experiência, meter cada um de nós, no ânimo da cidade Fuchéu, uma certa convicção,
mediante a qual houvéssemos os mesmos benefícios que desfrutavam Patimau e Languru;
mas, tão certo é que o homem não olvida o seu interesse, entendeu Titané que lhe cumpria
lucrar de duas maneiras, cobrando da experiência ambas as moedas, isto é, vendendo