
Após três séculos de cativeiro, raiou a liberdade para o negro escravo. Porém, como
cantaram seus descendentes mangueirenses, estavam “livres do açoite da senzala, mas
presos na miséria da favela” (GRES Mangueira, 1988). Na verdade, a liberdade virou
prisão, pois, ao assinar a Lei nº 3353 de 13 de maio de 1888, declarando extinta a
escravidão no Brasil, o Governo Imperial não a faz acompanhar-se de medidas que
facultasse realmente a inclusão sócio-econômica e política do ex-escravo. Analfabeto em
sua maioria, sem uma profissão reconhecida, sofrendo discriminações e preconceitos pela
sua antiga condição e, principalmente, sem terra para possibilitar a sua subsistência e
dignidade, os negros vão para os centros urbanos serem perseguidos e vitimizados
cotidianamente em sua relação com aqueles que, de várias formas e durante várias
gerações, se beneficiaram, se beneficiam e se beneficiarão da sua força de trabalho.
Isto e outras verdades da nossa História são silenciadas pela História idealizada pelo
IHGB
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e que encontrou no Colégio Pedro II e em seus catedráticos (GASPARELLO,
2004; MATTOS, 2001) os dinamizadores dessas premissas, logo assimiladas pelos
intelectuais em suas obras literárias, e pelos autores dos livros didáticos, sendo ainda hoje,
transmitida pelos professores e apreendida pelos alunos nas salas de aulas do ensino básico
até o universitário.
Alguns estudiosos dos problemas da sociedade brasileira – Jacques Lambert, Roger
Bastide, Roberto daMata, Hélio Santos,
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entre outros – relataram a existência de dois
brasis, a Belíndia - uma Bélgica rica com uma Índia extremamente pobre - separados sócio-
econômica e culturalmente pela enorme diferença de renda que sempre caracterizou a
sociedade brasileira desde a Colônia. De um lado a superabundância e do outro a absoluta
escassez de tudo. Porém dos quatro estudiosos citados, apenas um, SANTOS (2002)
associa essa construção sócio-econômica com a diferença epitelial. Do lado dos que tem
tudo a maioria da população é ‘branca’, enquanto do lado daqueles que nada tem, o
predomínio absoluto é de negros e pardos. Como diz o citado estudioso;
o abismo não é somente social e não separa apenas ricos de pobres. É também, e
fundamentalmente, um fosso que isola negros e brancos. (...) Uma doméstica que
viva em Guaianases (SP) ou Bangu (RJ) ao vir trabalhar na zona sul de uma dessas
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Fruto de um concurso que premiava aquele que melhor dissertasse sobre como deveria ser escrita a nossa
História. O vencedor foi o naturalista austríaco Karl Friedrich P. von Martius com a dissertação ‘Como se
Deve Escrever a História do Brasil’ (Revista Trimestral do IHGB, nº 24, jan.1845). Ver também MARTIUS,
1982.
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LAMBERT, Jacques – Os Dois Brasis. São Paulo: Ed. Nacional, col. Brasiliana 335, 1971; BASTIDE,
Roger – Brasil, Terra de Contrastes. São Paulo: Difel, 1976; DAMATTA, Roberto - O Que Faz o Brasil,
Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1994: DAMATTA, Roberto – Carnavais, Malandros e Heróis. Rio de Janeiro:
Zahar, 1978; SANTOS, Hélio – Em Busca de um Caminho para o Brasil. São Paulo: Senac, 2001.
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