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MARCOS TARCÍSIO FLORINDO
O DEOPS/SP NA ERA VARGAS: MODERNIZAÇÃO
INSTITUCIONAL E PRÁTICAS TRADICIONAIS DE
ATUAÇÃO POLICIAL NO CONTROLE E NA REPRESSÃO
SOBRE O MOVIMENTO OPERÁRIO.
ARARAQUARA
2007
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Marcos Tarcísio Florindo
O DEOPS/SP na Era Vargas: modernização institucional e práticas
tradicionais de atuação policial no controle e na repressão sobre o
movimento operário.
Tese apresentada à Faculdade de Ciências e
Letras da Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho” (Unesp), Campus de
Araraquara, para obtenção do título de Doutor
em Sociologia (área de concentração: cultura e
ideologia).
Orientador:
Prof. Dr. Renato Bueno Franco
ARARAQUARA
2007
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AGRADECIMENTOS
A realização do presente trabalho só foi possível graças à colaboração direta e
indireta de muitos amigos e colegas. Manifestamos nossa gratidão a todos e de forma
particular:
ao professor orientador Renato Bueno Franco, por aceitar o desafio e colaborar com sua
execução;
aos professores Angelo Del Vecchio e Milton Lahuerta, membros da banca de qualificação,
pelas questões oportunas colocadas no momento exato;
aos professores Evaldo Sintoni (in memorian) e Alzira Lobo de Arruda Campos, pela
paciência de educar e formar;
à esposa, Daniela Ribas Ghezzi, pela dedicação, companheirismo, carinho e auxílio preciso
em todos os momentos;
aos amigos Carlo Romani, Luiz Alberto Zimbarg, Marivaldo Aparecido de Carvalho, Flora
Zinneck, Luís Gustavo Escrivão Mubarak, Élcio da Riva Moura, Juliana Barretto de
Toledo, a pequena Tarsila, Biancca Scarpelini de Castro, Laésse Venâncio Lopes, Simone
Ribas Ghezzi, Fábio Negrão Balbi e Natália Aparecida Morato Fernandes, pela ajuda,
sempre requisitada, em diversas ocasiões;
aos meus pais, Tarcizio Sebastião Florindo e Luzia Leite Florindo, assim como minha irmã,
Luciana Maria Florindo, por tudo, sempre;
aos funcionários da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, Campus de Araraquara,
assim como aos atendentes dos arquivos e das bibliotecas consultadas no decorrer da
pesquisa, pela “paciência”;
aos amigos de Santos, de São Paulo, de Araraquara e de Franca;
à CAPES, cuja bolsa de fomento tornou possível esta realização.
3
Para
Daniela Ribas Ghezzi
amor, companheirismo, carinho,
respeito e dedicação sempre!
4
SUMÁRIO
Introdução............................................................................................................................07
I. Estado, polícia e sociedade: normatização das condutas e controle da criminalidade.
1. Estado, polícia e sociedade...............................................................................................27
2. Modernização da sociedade e controle da criminalidade.................................................40
3. Polícia e exclusão social: formação do Estado e estratégias de dominação no Brasil......55
4. São Paulo entre o “velho” e o “novo”: estruturas de poder e burocratização da polícia..68
5. A formação do DEOPS/SP e a repressão política e social na década de 1920.................81
II. O DEOPS/SP na Era Vargas: modernização institucional e práticas policiais.
1. Estado e controle da sociedade na Era Vargas..................................................................94
2. O DEOPS/SP na Era Vargas: crescimento institucional e organização burocrática.......110
3. O DEOPS/SP – procedimentos de investigação e controle da sociabilidade popular....130
4. A modernização – conservação da polícia e o trato arbitrário da questão social............148
III. O DEOPS/SP e o controle da questão social (1930 – 1935).
1. O exercício da vigilância e da repressão sobre as associações operárias........................165
2. A grande repressão de 1932 e o novo ambiente para a penetração do ideário fascista em
São Paulo.............................................................................................................................185
3. O DEOPS/SP e a vigilância e a repressão sobre as frentes antifascistas........................206
4. A formação da ANL, a intentona comunista e o reinado do terror policial....................231
5
IV. O DEOPS/SP e o controle da ordem política e social (1936 – 1941).
1. O cerco aos comunistas do PCB em São Paulo durante o Estado de guerra (1936 –
1937)...................................................................................................................................256
2. A imposição do Estado Novo e a caçada ao comitê dissidente do PCB de São Paulo
(1938 –1939).......................................................................................................................282
3. A inovação e a continuidade das práticas de investigação policial: as prisões dos quadros
dirigentes do PCB em São Paulo e no Rio de Janeiro (1939 – 1940).................................310
4. O DEOPS/SP e a sedimentação das novas práticas de investigação policial: isolamento,
cerco e detenção do C.R. de São Paulo do PCB em 1941..................................................332
V. Considerações Finais....................................................................................................344
Fontes e Bibliografia
Fontes
1. Arquivos e bibliotecas.....................................................................................................347
2. Depoimentos orais transcritos........................................................................................347
3. Documentos Policiais (Fundos DEOPS/AESP).............................................................350
4. Arquivos do Cedem/Unesp............................................................................................353
Bibliografia
1. Manuais de polícia, relatórios policiais impressos, obras de reminiscência e relatos
memorialísticos de policiais e de militantes da revolução social........................................356
2. Livros, artigos, dissertações e teses.................................................................................365
6
INTRODUÇÃO
Polícia e política são entidades que não poderão andar juntas, sem o risco de ambas se infeccionarem.
Olyntho Nogueira
O presente trabalho analisa as práticas e as técnicas de vigilância, investigação e
contenção desempenhadas pela Delegacia de Ordem Política e Social de São Paulo no
controle da questão social e da repressão às dissidências políticas durante a vigência da Era
Vargas. Este órgão policial especializado foi criado em 1924, quando Washington Luís
(futuro Presidente da República deposto na revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao
poder) ainda ocupava o posto maior no executivo estadual paulista. Sua incumbência era
conter qualquer distúrbio de origem político-social que propugnasse transgressões à ordem
pública consignada pelas normas do poder vigente. Desde sua formação, passando por todo
o período cronológico definido para esta pesquisa, o DEOPS/SP
1
notabilizou-se como
instituição emblemática para a formação dos padrões norteadores dos modos e meios de
atuação da moderna polícia judiciária paulista.
No âmbito da polícia civil, a formação de delegacias especializadas – divididas
em departamentos que cuidavam da prevenção e da repressão às diversas modalidades da
contravenção e do crime – representou o esforço governamental em adequar a organização
policial e as práticas de policiamento no sentido das proposições de polícia moderna,
oriundas dos centros mais adiantados do capitalismo. Assim como nesses centros
irradiadores das reformas, a criação da moderna polícia correspondeu à necessidade de
adequar as formas do controle social aos imperativos colocados pela modernização da
sociedade.
A modernização capitalista da sociedade, alterando os padrões de produção por
meio da industrialização, quando se instaura, traz em seu bojo implicações e conseqüências
difíceis de serem previstas ou controladas pelas elites no poder. Estas podem ser mesmo
arrastadas para o ostracismo político, em meio ao complexo conjunto de mudanças que
1
Ou Departamento Estadual de Ordem Política e Social, última denominação das diversas assumidas pelo
órgão, antes de sua extinção em 1983, na transição da ditadura militar para o regime democrático. A sigla
DEOPS, correspondente a esta denominação, foi adotada como referência por sociólogos e historiadores que
se debruçam sobre as atividades do departamento ao longo de sua existência.
7
acompanham os variáveis e diversificados processos de transformação social, denominados
genericamente de “revolução burguesa”. A modernização da produção e a proliferação
fabril implicam em deslocamentos populacionais, promovendo o crescimento das cidades,
fazendo despontar a sociedade de massas. Ela amplia a diferenciação social a partir do
surgimento de novas formas de divisão do trabalho, afetando as velhas hierarquias de
comando e de subordinação. A crescente circulação de pessoas, mercadorias e informações,
as quais acompanham a formação de novos mercados e a intensificação da concorrência,
recriam os padrões de conduta social. Cresce a demanda pelo “desencantamento do
mundo”, preconizada por Max Weber (o que pode ser percebido na laicização da política,
do saber e mesmo dos comportamentos sociais, cada vez mais “racionalizados” e
“autocontrolados”). A intensificação dos conflitos sociais, em meio a decadência das velhas
relações de poder (baseadas nas diferenciações do sangue e do nascimento), e o surgimento
de novos atores sociais – como a classe operária – exigem ampliar o papel do Estado no
controle do corpo social. Surgem novos alicerces para o exercício legítimo da dominação
política, baseados no próprio ideário burguês da igualdade jurídica e da aplicação
“imparcial” das leis.
2
Embora os processos de modernização capitalista ocorram de maneira desigual
e conforme mecanismos de difusão muito variáveis (importando mais em rupturas e
conflitos do que em continuidades pré-determinadas), a formação da classe operária
circundando as periferias das cidades – acompanhada da crescente percepção, por parte das
autoridades, de sua importância econômica e força política – colocou para o Estado a tarefa
de aperfeiçoar o funcionamento de seu órgão público de vigilância e contenção, adequando-
os também às novas proposições da dominação política e econômica.
Da mesma maneira que a expansão do “populacho” das cidades implicou em
incertezas e temores em relação à promoção de desordens políticas e sociais, a solução
encontrada pelas autoridades governamentais foi a promoção e a expansão da formação de
forças policiais devidamente burocratizadas, controladas por normas legais e regulamentos
disciplinares. A modernização da polícia envolveu a elaboração da carreira e a
especialização da “profissão” policial, cujo desempenho, no controle dos espaços sociais,
devia estar abalizado por teorias e técnicas de caráter científico (caso da criminologia, da
2
Sobre o assunto, ver: FAORO, 1994. p. 97 a 115; BOUDON, 2000. p. 361 a 367.
8
antropometria, da balística, entre outras). A ampliação dos tentáculos da organização,
relacionadas ao aumento das demandas do policiamento moderno, requeria o
aperfeiçoamento do planejamento das rotinas administrativas (incluindo a organização e
sistematização dos arquivos de documentos e registros), assim como dos modos e meios de
intervenção policial nos ambientes sociais (requisitando o contínuo treinamento e a
especialização dos efetivos). A orquestração burocrática e a normatização dos
procedimentos operacionais visavam ampliar a eficiência instrumental da polícia em suas
intervenções, atuando como aparelho ao qual foi delegado o exercício legítimo do emprego
da força – cujo monopólio é continuamente reivindicado pela autoridade política – nos
ambientes sociais.
A burocratização do aparato público de repressão (no sentido específico da
formação de novos vínculos profissionais, abalizados por critérios de produtividade
operacional) perfazem um dos caminhos recorrentes da modernização das forças policiais
por diversas e diferentes sociedades. No entanto, a orquestração burocrática das
organizações policiais perseguem diferentes efeitos de poder, conforme os requisitos
exigidos para a dominação política e econômica em cada formação social. Como bem
percebeu Michel Foucault, nas sociedades européias de formação capitalista clássica
(centros irradiadores das reformas burocráticas da polícia para outras formações sociais), a
modernização do aparato estatal de vigilância e punição correspondeu ao desabrochar de
uma nova economia política do poder, relacionada ao desenvolvimento da modernidade
capitalista. Essa requeria cada vez mais a propagação das normas e das “tecnologias
disciplinares”, como meios de conduzir as condutas pessoais pelo corpo social, valorizando
a imposição do autocontrole e da vigilância mútua, como termos corriqueiros e rotinizados
do controle social. Tais alterações nas disposições do poder aconteciam no mesmo
momento da instauração de um regime legal baseado na igualdade jurídica e na construção
da percepção individual do direito, reforçando o papel do “poder disciplinar” como meio de
marcar as diferenças hierárquicas entre os indivíduos.
3
Nessas sociedades, caso da França e da Inglaterra, onde o êxito da revolução
burguesa ampliou as possibilidades de inclusão política e econômica das classes
subordinadas, coube à polícia, mais que perseguir e prender criminosos, instaurar os
3
Sobre o assunto, vide: FOUCAULT, 1984, 1999.
9
mecanismos viabilizadores da propagação das “disciplinas” pelo corpo social. Nesse
sentido, a polícia, para atuar com eficiência, necessitava demonstrar que suas intervenções
nos cenários de conflitos sociais estavam conformadas aos padrões imparciais de aplicação
das normas legais, mesmo quando sua ação era eminentemente repressiva. A atuação
policial, regulada por estas normas, ao perseguir os desvios criminais tipificados na letra da
lei, além de favorecer o mapeamento do corpo social e efetuar a classificação da
delinqüência, permitia também o enquadramento desta em um circuito fechado, no qual
produzia-se, a um só tempo, a sua segregação e o seu isolamento social, operado com o
devido concurso da prisão. A detenção nas “casas correcionais”, prescrita nos códigos
penais como forma usual de se efetuar a punição e a “correição” do indivíduo delinqüente,
mais que “recuperar” o infrator, devolvia-o devidamente marcado ao convívio social,
facilitando os controles policiais, sempre vigilantes aos passos dos “egressos” e severos
com as possíveis ações “reincidentes”. Assim, a modernização da polícia, a tipificação
criminal dos desvios, e a generalização da prisão como forma de punição, orquestravam o
gerenciamento e mesmo a rotinização da criminalidade, reforçando a disseminação das
novas tecnologias da dominação.
A modernização da polícia brasileira, ocorrida nas primeiras décadas do século
passado, importou também na crescente demanda pela burocratização da instituição e sua
conformação aos padrões de operação modernos (incluindo a sua positivação como
mecanismo de segregação e de isolamento social da criminalidade). Embora a carta
constitucional republicana prefigurasse a igualdade jurídica, a renovação burocrática da
organização policial e a absorção de novas técnicas de policiamento não procuraram, nas
raias da atuação imparcial, tampouco na busca da aceitação popular, os denominadores
institucionais avaliados como pertinentes para viabilizar sua atuação legítima no corpo
social. Pelo contrário, coube à moderna polícia instrumentalizar a violência e o temor como
forma de adequação das classes populares aos ritmos da modernização da sociedade,
capitaneada pelo Estado. A atividade policial no Brasil, caracterizada desde sempre pela
arbitrariedade no contato com os indivíduos e grupos pertencentes aos setores subordinados
da população (validando sua posição de poder oficioso de justiça para um vasto contingente
populacional, segregado dos assuntos do poder oficial), acabou por ter suas características
extra-legais expandidas e legitimadas, em meio ao processo de modernização da própria
10
instituição. As normas burocráticas, desfiguradas de seu sentido de limitar a
discricionariedade, eram adaptadas para ampliar a eficiência da ação da polícia na
corroboração dos critérios do poder tradicional, os quais se valiam da própria exclusão
política e social dos setores subordinados, como maneiras efetivas para assegurar o controle
estrito sobre a população. Isso em meio a um tempo de renovações das próprias demandas
do poder provocadas pelo aprofundamento do processo de modernização capitalista da
sociedade.
O processo de modernização da sociedade brasileira tem suas peculiariedades. A
“revolução burguesa” no Brasil procurou excluir do termo “revolução” o seu sentido de
revolver e transformar. Importava mais conservar do que mudar. A literatura atinente
encontra no conceito da “modernização conservadora”
4
(que se faz sem rupturas fortes e
procurando adaptar às mudanças a continuidade dos privilégios das elites), uma chave de
interpretação coerente para o entendimento do processo de industrialização e formação de
uma sociedade de massas nessas plagas. A modernização conservadora da sociedade,
errática, passiva, violenta e excludente, tomou rumo forte e decisivo na Era Vargas. O
protagonismo estatal, intermediando interesses e procurando centralizar e dirigir os rumos
do processo modernizante, não só bloqueou a organização da sociedade civil como
promoveu a absorção controlada das demandas e reivindicações populares pelas entranhas
da burocracia estatal. Aliás, essa mesma burocracia seria definitivamente expandida e
ganharia contornos organizacionais cada vez mais conformados ao padrão racionalizante da
autoridade legal, entretanto seu papel estratégico na questão política valorizava a
continuidade (e mesmo a legitimação) de práticas administrativas e de modos de
intervenção pouco modernos.
A questão capital da orquestração de um novo conteúdo político para o controle
do mundo do trabalho colocou a polícia política, desde cedo, no centro do quadro das
referências do poder. Embora ao assumir a Presidência da República, Getúlio já pudesse
contar com aparelhos policiais de feição moderna, sobretudo em São Paulo e no Rio de
Janeiro, principais cidades industriais, as quais contavam também com um irriquieto
movimento operário (cujas organizações eram fomentadas, entre outros, pelos perigosos
partidários da revolução social, os “agitadores” anarquistas, comunistas e demais
4
Sobre o assunto, ver: SOUZA,1990; VIEIRA, 1994; NOGUEIRA, 1998; VIANNA, 1999.
11
socialistas) a política estatal de absorção controlada da questão social devia estar amparada
pela generalização da vigilância policial, de tom despótico, e pela intensificação das
práticas de profilaxia social dos indesejáveis. Ao invés do arranjo “disciplinar” das formas
do controle social, a adequação dos trabalhadores à disciplina das fábricas e aos renovados
requisitos do comportamentos citadino, redundou na positivação e institucionalização do
poder arbitrário da polícia, como meio de impor as demandas da dominação política e
econômica ao corpo social. O DEOPS/SP – cuja responsabilidade pela vigilância do mundo
do trabalho já lhe conferia um papel proeminente nos assuntos do poder, desde sua
formação, na década anterior – teria sua estrutura organizacional continuamente renovada e
ampliada durante a vigência da Era Vargas. A polícia da ordem, por sua importância
instrumental, se destacaria dos demais departamentos da polícia civil. Ela era o pólo
agregador da renovação institucional das políticas para a polícia. Amparada por incontáveis
verbas e por novas atribuições, os policiais especialistas do departamento veriam sua
importância política no cenário social – e nas esferas governamentais – ascender pari passu
ao processo de implementação e legitimação do regime autoritário, que caracterizou o
período.
O DEOPS era a polícia da soberania do Estado. Seu papel era fazer valer o
direito do mais forte. Confirmar o poderio do príncipe (num momento em que esse
requisitava cada vez mais poder sobre os assuntos sociais) era o objetivo de suas
intervenções nos cenários sob vigilância, corroborando também critérios diferenciados de
eficiência para abalizar sua atuação. O DEOPS/SP tornou-se célebre pela utilização de
práticas violentas e extra-legais de vigilância e de controle, no trato da questão social e da
contenção aos movimentos políticos de caráter popular. No entanto, para além da
truculência característica no desempenho de suas funções – traço comum de diversas
agências policiais formadas ao longo da história brasileira, espelhando a própria política
estatal de delegar à polícia um amplo poder de intervenção nos espaços de circulação da
sociabilidade popular – o DEOPS, devido à sua relevância instrumental nas táticas do
poder, tornou-se o protagonista principal, dentre as delegacias especializadas, de um ciclo
de renovação (o qual referenciava ao mesmo tempo a conservação) dos modelos de
policiamento e repressão desempenhados pela polícia civil.
12
O enquadramento criminal dos comportamentos considerados perniciosos à
ordem política e social (combinado ainda à tradicional política do Estado em delegar o
controle da sociabilidade popular menos a difusão das normas do direito e mais à jurisdição
arbitrária da polícia) corroborou o desenvolvimento de práticas de policiamento e de
contenção discricionárias, valorizadas como métodos eficazes de atuação policial pelas
autoridades. Estas, valorizando a experiência passada de geração para geração de agentes
policiais no contato com o mundo da desordem, configuraram procedimentos de
investigação e de repressão com características inquisitoriais
5
, os quais estimavam o
vigilantismo em detrimento da investigação, além de procurar resolver os casos em
conformidade com as convicções, formuladas de antemão, das culpas – ou não – dos
implicados. No âmbito do DEOPS/SP, e devido as características da atuação da agência,
conformada a missão de defesa da ordem social, elaborou-se, desde sua formação, o apetite
pela demarcação e mapeamento dos setores potencialmente perigosos da sociedade. Cabia
aos policiais recolher uma gama de informações variadas sobre as movimentações
consideradas sediciosas, oriundas das classes populares. Essas eram recolhidas e delatadas
às autoridades pelo imenso contingente de agentes reservados ligados ao órgão, cooptados
ou infiltrados nos ambientes sob vigilância permanente, prestando serviços como agentes
duplos. As informações coletadas pelos infiltrados demarcavam os focos de desordem,
apontando os implicados e prefigurando as culpas. Os delatados eram presos nos momentos
considerados oportunos pelas autoridades, que então procuravam orientar a investigação de
acordo com as informações já levantadas, no sentido de confirmá-las. Muitas vezes as
detenções efetuadas não eram avisadas à justiça, e os detidos eram mantidos em regime de
incomunicabilidade, porquanto durassem as investigações. Preestabelecida a culpa, de
acordo com as convicções das autoridades, competia a estas decidir as formas de punição,
que podiam ir da “prisão seqüestro”
6
– entremeadas por maus tratos, como maneira de se
fazer a “correição” – até a qualificação do preso e o encaminhamento do caso às instâncias
do judiciário, por meio do inquérito policial. O último procedimento era preferível somente
nos casos em que os policiais consideravam certeira a punição da justiça, de maneira
correlata com as próprias convicções dos agentes.
5
Sobre o assunto, ver: LIMA, 1989.
6
Usamos o termo “seqüestro” para caracterizar as prisões efetuadas pelo DEOPS/SP não relatadas à justiça. O
procedimento era comum no período estudado.
13
Tais práticas de policiamento, caracterizadas pela arbitrariedade (consentida
pelo poder), ao invés da adequação da atuação policial às normas do direito, imputavam o
direito do policial de impôr a ordem conforme suas próprias percepções de justiça, nos
ambientes sob sua “jurisdição”. A reiteração da utilização do instrumental discricionário, na
resolução dos conflitos, era o catalizador da formação profissional. Tais assertivas tiveram
conseqüências diretas na formação de quesitos considerados importantes para o
desempenho da atividade profissional dos agentes. O “bom policial” era aquele que, pela
experiência e intimidade no contato com o mundo da desordem, conseguia, por meio da
“malícia” e da “perspicácia”, confirmar as proposições de antemão levantadas sobre os
acusados nos casos investigados. Entre os procedimentos considerados importantes para
separar “o joio do trigo” (demarcando as diferenças entre os indivíduos, apontando-os
conforme suas pretensas “propensões” à desordem e ao crime), estava a observação dos
trejeitos e maneiras de comportamento, a observação dos contatos e amizades, a verificação
das origens étnicas e religiosas, a observação da vida pregressa (indivíduos anteriormente
fichados eram considerados culpados de antemão), a atenção e a exploração das falas
contraditórias nos interrogatórios, entre outros modos e meios de corroborar a investigação
de acordo com os pressupostos e os estereótipos valorizados pelos policiais. Tal
procedimento de resolução dos casos, coroados pela confissão do acusado, ao invés das
modernas técnicas de policiamento, requeriam a permanência das práticas extra-legais de
investigação – como a tortura nos interrogatórios, utilizadas como método de arrancar
confissões – e importavam renovada significação aos modelos tradicionais de atuação.
Embora esses procedimentos de investigação tradicional perfaçam o substrato
formador dos métodos e táticas de investigação e contenção de outros departamentos
especializados da polícia paulista, construindo as auto-referências de uma cultura
operacional da polícia civil
7
, coube ao DEOPS, devido às suas atribuições tão caras ao
poder, a iniciativa de aprimorar as técnicas de vigilância e de investigação da polícia
judiciária. Isso acontecia pari passu às requisições das elites estatais, as quais, orquestrando
e procurando orientar as demandas políticas e sociais da modernização capitalista da
sociedade, determinaram importante papel às intervenções do órgão, no sentido de
enquadrar e dirimir as atividades reivindicatórias das organizações operárias, surgidas de
7
Sobre o assunto, ver: MINGUARDI, 1988; CUNHA ,1998; SOUZA, 1998.
14
forma independente ao poder e orientadas pelos abnegados partidários da revolução social.
Essas organizações de caráter permanente, que, conforme o caso, operavam com mais ou
menos apelos de organização burocrática, e cujos ativistas, no geral, eram defensores
tenazes da emancipação política e social das classes trabalhadoras, ampliavam o temor das
autoridades em relação à quebra do seu tradicional monopólio do poder. A aparição de
novas formas de organização política das classes populares, conseqüência considerada
“indesejada” da expansão da modernidade nos ambientes sociais, requeria a contínua
capacitação dos agentes da polícia, no sentido de detectar as movimentações de caráter
sedicioso e acompanhar o desenvolvimento das ações, por vezes clandestinas, de seu
militantes nos meios operários. Diferente das demais delegacias especializadas da polícia
civil, voltadas para a contenção dos considerados “crimes comuns” – cujas autoridades,
naquela época, destacavam sua baixa sofisticação em relação aos níveis de organização e de
“periculosidade” percebidos nos “crimes políticos e sociais” – a atividade policial dopsiana
desde sempre esteve voltada para dissolver os “complexos aparatos de sedição
organizados e mantidos pelos ativistas da revolução proletária. Esses deviam ter suas
iniciativas debeladas, para a conformação do movimento operário ao espírito da
modernização – conservação das relações sociais.
A especificidade da atuação do órgão, para além de conferir sua importância
política no cenário do poder, ampliou a necessidade de incrementar as práticas de
investigação e de contenção tradicionais, consubstanciadas então pelas novas técnicas da
investigação policial. Contra a atuação voluntariosa e renitente dos militantes anarquistas
nos sindicatos de São Paulo (a qual só refluiu nos primeiros anos da Era Vargas,
concomitante ao novo enquadramento político da questão social e sua combinação com a
ampliação legal das possibilidades de intervenção arbitrária da policia nos sindicatos), e,
sobretudo, com a gradual expansão das atividades do partido comunista nas esferas sociais
no decorrer dos anos 1930 (cuja organização partidária, clandestina e burocratizada
conforme os quesitos de sua inspiração leninista, estava orientada para evitar as investidas
da repressão, valendo tal assertiva também para as dissidências trotskistas), coube ao
DEOPS/SP desenvolver métodos de vigília e de cerco específicos, orientados para conter as
atividades dessas organizações de contra-poder. Consoante a tarefa diferenciada da
delegacia na tipificação criminal dos implicados nos crimes de sedição politica e social, os
15
agentes do órgão continuamente aperfeiçoaram suas práticas de investigação dos casos, isso
de acordo com as mudanças de táticas e de métodos de atuação dos ativistas, anotados nos
meios vigiados.
Às necessidades práticas do policiamento político e social, cujo o alvo era
debelar as atividades de “crime organizado” dessas associações e de seus militantes,
combinou-se a pressão do Estado pelo enquadramento penal das atividades consideradas
perigosas a segurança nacional, intensificadas durante a Era Vargas. Essas demandas
políticas encontraram ressonância na ampliação do emolduramento institucional das
atividades do policiamento. Partindo das premissas de atuação tradicional, valorizadas
pelos agentes e jamais abandonadas, a modernização das práticas de investigação da polícia
tomaram novo rumo com a debelação da intentona comunista de 1935, quando a
arbitrariedade requerida à sua atuação foi novamente consubstanciada pelo poder, com a
formação do Tribunal de Segurança Nacional (TSN). Esse órgão de justiça de exceção,
destinado a impor as demandas arbitrárias do controle policial como medidas oficiais de
justiça, corroborou a necessária adequação entre os predicados de profilaxia social,
executadas pela polícia, com as necessidades de formalizar o processo legal de imputação
das penas, imposto pela burocratização do aparelho de Estado. No entanto, se a formação
do tribunal de exceção correspondeu à intensificação da demanda repressiva, sua efetivação
como órgão responsável pelo julgamento dos crimes políticos e sociais importou também
na reiteração da “obrigatoridade” do encaminhamento formal dos processos de investigação
policial. Nesse sentido, ampliou-se a demanda interna, no DEOPS/SP, para adequar as
práticas de investigação às imposturas do processo formal de justiça, apontando os
implicados e prefigurando suas responsabilidades nos casos “solucionados” por meio da
elaboração dos inquéritos policiais, os quais eram encaminhados à apreciação e ao
julgamento dos juízes do tribunal.
O aprimoramento institucional do maquinário público de controle e de repressão
política e social suscitou novas alterações nas rotinas do policiamento. O novo
enquadramento legal, embora referendasse a discricionariedade do “tradicional” poder
extra-legal da polícia de pré-julgar os indivíduos nos casos investigados, requeria a
incrementação das noções preestabelecidas de culpa, destilada nas dependências da
delegacia, corroborando-a com indícios e evidências mais veementes do cometimento dos
16
crimes imputados aos detidos. As acusações contra os indiciados nos inquéritos doravante
deviam estar consubstanciadas pela apreensão de provas documentais e demais
testemunhos, forjados ou não, do ato criminal apontado. A coleta de provas e demais
indícios da autoria dos delito, e sua devida manipulação nos inquéritos policiais
encaminhados ao “egrégio tribunal”, deviam confirmar aos juízes, responsáveis pelas
sentenças, os “acertos” das predisposições policiais. Aliás, para as autoridades da delegacia,
o sucesso da empreitada investigativa estava relacionado a aceitação, em juízo, das
premissas de culpa e de indiciamento penal sugeridas no inquérito. Dessa maneira, a
convicção policial do tratamento e da punição dos “criminosos”, formulada de acordo com
as noções estabelecidas de profilaxia social dos “indesejáveis”, encontrava o necessário
resguardo na decisão judicial, permitindo o enquadramento dos indiciados nas letras da Lei
de Segurança Nacional, vigente desde 1934. A modernização da instituição policial,
correlata e relacionada às demais estratégias de modernização conservadora das
instituições, capitaneadas pelo Estado, referendou a manutenção de sua posição de destaque
nas atividades arbitrárias de profilaxia social. A polícia da ordem se modernizava sem
perder aquilo que nela era “prático”: sua posição de relevo nas atividades violentas de
contenção, tramadas conforme o velho arranjo entre as demandas do poder e as percepções,
por parte das autoridades policiais, dos modos e meios eficazes para impor o controle
arbitrário nos espaços sociais.
Para analisar as transformações das práticas de policiamento político e social,
observando as mudanças impostas pela absorção das reformas técnicas e burocráticas,
correlatas à modernização da sociedade e à assunção de novas formas de administração dos
conflitos sociais (sem perder de vista as demandas de controle específicas impostas ao
policiamento local, de acordo com as exigências do modelo de modernização conservadora,
intensificado nos anos 1930), optamos, no presente trabalho, por combinar a análise
sociológica e política – imprescindível ao exame das funções instrumentais da polícia no
controle e na propagação das demandas do poder – ao rigoroso tratamento dado às fontes,
característico das formas de construção da narrativa histórica.
A análise sociológica nos fornece avaliações referentes aos decursos da
formação de forças policiais de feições modernas, em diferentes formações sociais,
relacionando-o ao processo mais geral da modernização capitalista e da burocratização das
17
instituições
8
. O apontamento das reiterações de certos fenômenos permite a elaboração de
um quadro de referências teóricas, o qual, mediado pela especificidade local das formas
assumidas pela dominação política e econômica, possibilita a inteligibilidade do processo
histórico, peculiar ao caso brasileiro. Desta forma, o trabalho agrupa os elementos
sociológicos mais relevantes do processo de modernização institucional da polícia e coteja-
os com a narrativa histórica, capaz de dar uma dimensão interna ao caso analisado. O
tratamento sistemático das fontes documentais aqui utilizadas permite-nos dimensionar a
velocidade (e até mesmo a violência) com que tal modernização ocorreu no Brasil,
evidenciando também suas formas específicas e demais distinções (e/ou similitudes) com
os processos de modernização policial anotado nos países capitalistas clássicos, cujo
modelo de organização institucional do policiamento tornou-se referência para os
reformadores locais
9
.
O período referenciado para a reconstrução das atividades policiais abarca os
anos emblemáticos, conforme nossa análise, para as paulatinas mudanças nas práticas de
investigação e contenção efetuadas pelos agentes policiais. O recorte se inicia com a
assunção de Vargas ao poder, em 1930 e se encerra com a análise das subseqüentes
“quedas” dos comitês deliberativos formados pelo PCB para coordenar a atividade
comunista em São Paulo, ocorridas entre 1936 e 1941. Embora o DEOPS/SP já houvesse,
desde antes, formatado procedimentos considerados eficazes para a execução de suas
demandas de policiamento discricionário, foi com a crescente incorporação da questão
social às raias da burocracia estatal – acompanhada da proliferação de leis cujo objetivo era
tolher em definitivo as possibilidades de atuação dos partidários da revolução social nos
meios operários – que os modos e meios de intervenção da polícia assumiram feição cada
8
Sobre o assunto, ver WEBER, 1982; FOUCAULT, 1999; MONET, 2001; MONJARDET, 2002; BITTNER,
2003; REINER, 2004.
9
A relação que procuramos construir entre a interpretação sociológica e a abordagem histórica da realidade
filia-se, de certa maneira, aos pressupostos metológicos (relativos à objetividade do conhecimento nas
ciências sociais) que se tornaram relevantes desde Max Weber. Para o célebre autor alemão, os estudos
históricos assumem importância fundamental na interpretação da realidade observada pelo pesquisador. Numa
relação de “oposição complementar” à sociologia – que analisa as regularidades dos fenômenos sociais e suas
disposições mais gerais em cada formação social – a abordagem histórica enfoca as especificidades dos
acontecimentos tais como estes se apresentaram em cada realidade estudada. Nesse sentido, a história fornece
ao cientista social um testemunho cultural imprescindível à construção do saber sociológico, visto que coloca
a pesquisa empírica não somente a favor da verificação da regularidade dos fenômenos, mas sobretudo, na
constatação de seus aspectos particulares que permitem a construção, por parte do pesquisador, de
mecanismos compreensivos adequados àquela determinada realidade social. Sobre o assunto, ver: COHN,
1991, p. 79 a 127; GHEZZI, 2007, p. 10 – 11.
18
vez mais “modernizada”, sem perder suas características inquisitoriais. Estamos atentos
para observar como a crescente incorporação estatal da questão sindical, ocorrida no
período, importou em alterações nos modelos de atuação policial nos sindicatos e demais
ambiente obreiros. Devemos ressaltar ainda que a repressão posterior a debelação da
intentona comunista de 1935 (a qual “encerrou” as parcas possibilidades da formação e do
desenvolvimento de organizações de fomento dos ideais revolucionários nos meios
populares), foi tomada como um marco fundamental para as mudanças dos procedimentos
investigativos do DEOPS/SP. A criminalização definitiva das atividades de agitação e
propaganda dos partidários da revolução social e a densa repressão pós intentona, que
preparou o caminho para o regime ditatorial (devidamente imposto com a instauração do
Estado Novo, em 1937), redundou na valorização, pelos quadros do partido comunista, dos
procedimentos de atuação clandestina do organismo partidário. A atividade cada vez mais
clandestina dos militantes permitiu a sobrevida da organização em São Paulo, e foi para
debelar as atividades da cúpula partidária do PCB paulista que os policiais do departamento
reordenaram suas práticas de investigação. Nesse sentido, o estudo das investigações
efetuadas entre 1936 e 1941 permitem analisar as mudanças nos modelos de atuação
policial.
Optamos por uma narrativa que refaz os itinerários, passo a passo (conforme as
possibilidades abertas pelas fontes), das mais significativas diligências policiais efetuadas
contra os partidários da revolução social e suas organizações no período proposto. Para
tanto, foi necessário evidenciar os procedimentos e técnicas de atuação policial postos em
uso, anotando as continuidades do modelo tradicional e referenciando as modificações das
práticas relativas as atividades de investigação, cerco e mesmo incriminação dos detidos.
Nossa narrativa procura valorizar as falas dos protagonistas envolvidos (tanto dos policiais
como, na medida do possível, dos militantes da revolução social). Esta posição implica na
técnica de incorporar grande número de documentos ao texto, em detrimento à sua
incorporação nos anexos, no intuito de tornar a leitura mais fluída.
As principais fontes utilizadas para a construção da narrativa foram os próprios
prontuários policiais dos principais militantes da revolução social (tanto anarquistas, como
comunistas, assim como socialistas) e de suas associações, elaborados pelo DEOPS/SP.
Nosso intuito era selecionar e recolher os relatórios que evidenciassem as formas de
19
atuação da polícia, e que estivessem relacionados ao desenvolvimento das investigações e
ao desempenho diverso dos agentes nas principais diligências. Tais relatórios, guardados
hoje sob os cuidados do Arquivo do Estado de São Paulo, permitem ao pesquisador
construir as tipologias dos procedimentos tradicionais de investigação e contenção,
analisando sua “evolução” própria, em consonância com as pressões do poder e as
distinções e mudanças de atuação observadas nos “alvos” do policiamento. Outro corpo
documental importante utilizado no trabalho – o qual corrobora, sobretudo, as adequações
das práticas investigativas e de contenção, aos pressupostos do enquadramento legal dos
crimes políticos e sociais, vigentes no decorrer do período – é o conjunto dos processos
encaminhados pelo DEOPS/SP para o Tribunal de Segurança Nacional. Existem cópias
destes documentos (sobretudo dos processos efetuados contra as cúpulas partidárias do
PCB paulista, entre 1937 e 1941) guardados nos Arquivos do Cedem/Unesp, nos fundos
doados pelo historiador Dainis Karepovs.
Para corroborar ou confrontar, conforme o caso – os relatórios “oficiais” da
polícia guardados nesses arquivos, mobilizamos também outras fontes. Entre estas,
destacamos os relatos memorialísticos das autoridades policiais e dos militantes da
revolução social, os relatórios de estatística criminal encomendados pelo Estado, e os
manuais de procedimentos e de técnicas de policiamento, escritos por agentes de polícia.
Estes documentos, sobretudo os manuais de procedimento e as biografias policiais,
permitiram também ampliar nossas observações acerca das impressões dos próprios
policiais sobre as reformas que atingiam em cheio o coração da instituição, alterando e
conservando os próprios padrões consubstanciadores da cultura operacional da polícia. Os
relatos permitem também avaliar posturas políticas acerca do papel social da polícia nas
relações de poder, além de demarcar o pensamento dos agentes sobre os quesitos
considerados primordiais para execução “profissional” de suas funções no corpo social.
No primeiro capítulo, analisamos alguns aspectos importantes do complexo
metabolismo entre o Estado, a polícia e a sociedade, reinaugurados pela propagação da
modernidade capitalista, observando seus impactos nas relações de poder e dominação. A
discussão se ocupa em qualificar a dimensão instrumental da polícia moderna,
burocratimente organizada, nas demandas de vigilância e no desempenho das práticas de
contenção dos espaços sociais (investigando também os requisitos necessários à execução
20
“profissional” do policiamento). No decorrer da pesquisa, tornou-se evidente a crescente
posição de relevância da polícia nas novas demandas do controle político e social,
inauguradas pela modernização capitalista. Tal observação corrobora seu papel
proeminente nos rearranjos do poder, relacionados à legitimição das formas de dominação
política assumidas pelo Estado. O capítulo também destaca aspectos da formação da
moderna polícia brasileira, avaliando sua pertinência instrumental nas práticas de vigilância
e repressão, condicionadas tanto pelos critérios das políticas de controle social, como pela
valorização destas pelas elites governamentais locais. Apontamos também a formação de
modelos de atuação policial, relacionadas aos quesitos exigidos para sua ação eficaz como
órgão implementador das normas vigentes de controle para as classes deserdadas do direito.
Dessa maneira, ilustrando as diferenças dos processos do devir social, e conformando-os
aos critérios de poder requeridos à modernização da instituição policial no Brasil, mais
especificamente em São Paulo (e em certa medida, também o Rio de Janeiro), avaliamos
também as razões da permanência da arbitrariedade e da violência da polícia como formas
de enquadramento dos comportamentos sociais considerados “indesejados e perniciosos” à
normalização da ordem social burguesa.
Encerramos o capítulo com uma breve análise das reformas policiais ocorridas
em São Paulo na década de 1920, as quais determinaram a especialização dos
departamentos da polícia civil e a formação do DEOPS/SP. No âmbito da polícia política,
evidenciamos a elaboração de práticas de policiamento relativas à defesa e manutenção da
ordem política e social, conformada às práticas tradicionais do poder. Observamos também
como essas permitiram a acomodação das práticas tradicionais de policiamento ao conjunto
de técnicas e de procedimentos enfatizados pela burocratização do órgão. As demandas de
contenção, consonantes às estratégias do poder, e às práticas políticas dos atores sociais
“indesejados” – que determinaram a tipologia de ação dopsiana – também serão
apresentados no presente capítulo.
No segundo capítulo, analisamos as mudanças institucionais nas políticas do
controle social a partir da revolução de 1930, investigando suas características de
renovação e de conservação do trato autoritário à questão social (observando também como
essas corroboraram com a permanência dos modelos de intervenções arbitrárias da polícia,
efetivada nos cenários de conflito). A centralização política e a absorção desmobilizadora
21
das demandas sociais, nas entranhas da burocracia estatal, combinadas ao crescente viés
autoritário do regime, foi ampliando o poder operacional do DEOPS nos ambientes sob
vigilância. As novas delegações do policiamento político e social também alargaram a
relevância institucional do órgão junto às esferas governamentais. A crescente importância
do departamento na implementação das diretrizes do poder determinou a renovação do seu
enquadramento político. Para impôr o controle policial arbitrário nos espaços sociais, cabia
ao Estado “disciplinar” a polícia, garantindo sua “obediência” e ampliando sua eficácia
instrumental. Esses pressupostos estão evidenciados na leitura que fizemos dos decretos
estatais referentes às contínuas reorganizações do quadro administrativo da agência. Nosso
intuito (conformado ao procedimento de reconstruir os passos da expansão física e material
do órgão) foi observar o impacto do crescente enquadramento burocrático nas atividades
práticas e rotineiras desempenhadas pelos agentes no cumprimento de suas funções de
policiamento. A elaboração de modelos orientadores da ação policial, valorizados nos
manuais de procedimentos e utilizados no cotidiano das operações, está destacada e foi
discutida nesse capítulo. Tal demarcação permite detectar os aspectos relevantes para a
formação da cultura operacional, demonstrando como se efetivou a incorporação dos novos
procedimentos “técnicos” aos pré-requisitos da “experiência” (cujas prédicas eram
consideradas, isso pelos próprios policiais, como importante instrumental viabilizador da
formação profissional). Por último, analisamos como as novas metodologias de ação
utilizadas no período em referência corroboraram com a manutenção dos princípios
arbitrários que sustentavam as práticas do policiamento.
No terceiro capítulo, nos ocupamos em reconstruir o itinerário das principais
investigações e diligências efetuadas pelo DEOPS/SP entre 1930 e 1935 contra os
militantes da revolução social e suas associações. Nossa atenção – orientada para observar,
relacionar e apontar os procedimentos usuais utilizados pelos agentes – referencia também
as adequações das práticas de ação conforme os “alvos” das diligências e os objetivos
“práticos” da policia no desempenho da cada investigação. Tomando como referência
inicial as práticas de vigilância e de repressão utilizadas nos sindicatos e associações
operárias – cujas atribuições de controle eram delegadas ao DEOPS desde a sua formação,
determinando importante papel na elaboração das tipologias tradicionais de contenção
desempenhadas pelo órgão – procuramos estabelecer os modelos de ação e também
22
verificar os impactos graduais da crescente institucionalização política da polícia nas
práticas do policiamento. É importante reafirmar que a incorporação das modificações
ocorriam e tomavam corpo de acordo com as mudanças (percebidas do ponto de vista dos
policiais do órgão) nos comportamentos e nos modelos de ação dos vigiados.
As novas determinações do poder para a questão social encontraram na força
policial o seu mais efetivo implementador nos meios populares. O período em referência,
caracterizado pelo aumento da agitação política, ficou marcado, entre outras características,
pela formação do Ministério do Trabalho (abalizando a questão da incorporação operária e
importando também na criminalização definitiva do sindicalismo independente), pela
intensificação da repressão verificada durante o desenrolar da revolução constitucionalista
de 1932, e, logo no ano seguinte, pela ampliação dos combates de ruas entre ativistas das
esquerda revolucionárias e da direita, embebida pela novidade das ideologias fascistas. O
acirramento dos conflitos sociais, provocados pela modernização capitalista, em meio as
transformações dos ambiente citadino, determinou o surgimento de movimentos políticos
de massa, como a Ação Integralista Brasileira (de conformação inspirada nos movimentos
fascistas europeus) e a Aliança Libertadora Nacional (frente ampla das esquerdas para o
combate das proposições autoritárias da direita proto-fascista). A crescente “agitação”
redundou em diversas modificações nas demandas políticas da repressão social. Estas
referenciaram as renovações das formas de investigação e contenção, enquanto
acrescentavam renovados atributos ao desempenho do policiamento. Encerramos o capítulo
analisando as práticas arbitrárias de contenção postas em prática com a repressão que se
seguiu à debelação da intentona comunista de 1935, a qual ratificou o reinado do terror
policial (sob novas condições institucionais) como meio efetivo de controlar e dirimir a
agitação politica nos espaços sociais.
O quarto capítulo refaz o itinerário das investigações efetuadas contra as cúpula
dirigentes do PCB entre 1936 e 1941. A intentona comunista de 1935 ampliou a pressão
política pela extirpação do “vírus de Moscou” do corpo da sociedade brasileira. Embora a
organização comunista estivesse na alça de mira da repressão, as práticas contumazes de
investigação e de cerco da polícia política paulista não lograram, no primeiro momento, em
debelar as atividades da cúpula partidária em São Paulo. A intermitente campanha movida
pelos policiais paulistas contra o organismo dirigente local do PCB, agindo na
23
clandestinidade, redundou em diligências que entremearam sucessos e fracassos para os
agentes do órgão. Os policiais, analisando suas performances operacionais e refazendo os
passos de suas investidas a cada nova diligência efetuada contra o organismo partidário (as
quais permitiam, por meio dos interrogatórios dos detidos e da apreensão de documentos
internos, também reciclar o conhecimento dos “especialistas” sobre as operações rotineiras
da organização comunista clandestina), ampliaram as possibilidades para o
desenvolvimento das práticas de investigação e cerco do policiamento político e social. As
modificações paulatinas nas práticas de contenção, desempenhadas pelo DEOPS/SP,
aconteciam em consonância à necessidade de adequar a investigação policial ao modus
operandi da organização comunista. Outro importante fator para a renovação das práticas
de investigação policial, citado anteriormente, esteve relacionada a formação do Tribunal
de Segurança Nacional, o qual colaborou na formalização dos processos de incrimação
elaborados pelo DEOPS/SP. O período em referência, caracterizado pela ratificação dos
princípios autoritários do regime, com a decretação definitiva da ditadura em 1937,
determinou o papel proeminente da polícia política, na renovação das práticas usuais do
policiamento.
Como uma última ressalva, vale relembrar que a utilização de arquivos policiais
(tanto do DEOPS/SP como dos demais departamentos de polícia) como fontes, para a
pesquisa histórica e sociológica, podem configurar problemas extras para os pesquisadores.
Os relatórios são redigidos sob a lógica própria da administração policial. Seu fundamento
principal é o procedimento acusatório, positivando evidências sobre a autoria de delitos os
quais se conheceram posteriormente ao desenrolar dos acontecimentos. O processo é
instruído para formar uma convicção da culpa, muitas vezes arrebatada sob forte pressão,
nos interrogatórios e depoimentos. Alguns desses documentos estão tisnados pelo forte
caráter ideológico, requerido à execução do policiamento em defesa da ordem. Por outras
vezes, as acusações evidenciadas pelas autoridades repousam em interpretações mais
“factícias” do que “factuais”, quando relacionadas aos fatos investigados
10
. No entanto, são
essas mesmas características que transformam os documentos do DEOPS/SP em
testemunhos culturais da maior relevância para o entendimento das políticas de controle
social desempenhadas no Brasil ao longo da história republicana. A atividades policiais
10
Sobre o assunto, ver: CAMPOS, 2000. p. 3.
24
desenvolvidas pelo departamento refletem a execução “prática” das demandas táticas
requeridas ao complexo aparato de desmobilização política, elaborado pelo aparelho estatal.
Essas práticas de policiamento, denotando seu caráter arbitrário e violento, espelham o
autoritarismo sempre vigente nas relações entre o Estado e os setores subordinados da
população. A análise dos procedimentos da polícia política, em meio a um tempo de
instalação e de organização de instituições viabilizadoras do desenvolvimento do “Brasil
moderno”, permite vislumbrar as razões e apontar os caminhos que possivelmente
determinaram a expansão, para outros departamentos policiais, dessas metodologias de
investigação (elaboradas para conter a ação dos aparelhos burocratizados de sedição
política e social, mantidos pelos militantes da revolução proletária). Isto, conforme a
própria modernização capitalista e seus efeitos nas relações sociais, alterava as demandas
do policiamento, ampliando a requisição de incrementos nas práticas de investigação e de
controle dos desvios sociais deliberados.
Por fim, do ponto de vista técnico do trabalho, esclareço que procurei
padronizar a escrita, transcrevendo os documentos utilizados de acordo com o sistema
ortográfico vigente, respeitando a sintaxe original. Alguns destes documentos apresentam
referências incompletas. Isto ocorreu devido as “falhas” na catalogação original das fontes,
como a não numeração das folhas de boa parte dos relatórios dos fundos DEOPS/SP, assim
como à não indexação de alguns fundos dos Arquivos do Cedem/Unesp.
25
I. ESTADO, POLÍCIA E SOCIEDADE: NORMATIZAÇÃO DAS CONDUTAS E
CONTROLE DA CRIMINALIDADE.
1. Estado, polícia e sociedade.
Todas as organizações criadas para o benefício comum da sociedade, todas as instituições formadas para
inspirar o temor de Deus e das leis seriam inúteis se uma força pública não fosse destinada para as fazer
respeitar[...] Sem esse auxílio, mesmo o Estado mais bem constituído acaba por se dissolver, como estes
palácios magníficos que, resplandecentes de ouro e pedrarias, falta-lhes um teto que o proteja das
intempéries.
Nicolau Maquiavel
Qualquer indivíduo que vivencie as relações interpessoais colocadas pelo
cotidiano de uma sociedade moderna conhece a polícia e reconhece, mesmo de forma
intuitiva, certas prerrogativas de seu mandato no controle do corpo social. Aliás, são poucos
aqueles que não têm uma opinião sobre o desempenho dos policiais no cumprimento das
funções delegadas para o policiamento dos espaços públicos. Mal amada por alguns ou
evocada como salvaguarda das instituições por outros, a figura da polícia está firmemente
inserida no quadro das instituições essenciais e características da sociedade contemporânea.
Até os observadores mais críticos do papel da agência na efetivação das práticas do
controle social não podem discordar da afirmação de Robert Reiner sobre o “fetichismo da
polícia”, ou seja, a pressuposição corrente de que a polícia é um pré-requisito essencial para
a ordem social, e que, sem a força policial, o caos vai instalar-se (REINER, 2003, p. 19).
Tal impressão parece acentuar-se nos momentos de crise, quando a violência urbana se
eleva no sentido de criar a sensação da “cidade partida”, como acontece nos conflitos entre
policiais e facções criminosas nas grandes cidades brasileiras. Esta percepção de estarmos
para sempre dependentes da vigilância policial demonstra o papel chave da instituição no
desenvolvimento e no controle dos padrões de civilidade, necessários à consolidação da
ordem social moderna.
Embora vestígios de organismos sociais com funções típicas de polícia possam
ser observados desde a Grécia antiga, a formação de forças policiais, cujo mandato de
vigilância abarca os diversos grupos sociais que compõem a sociedade – mais sobre uns do
que sobre outros, está diretamente relacionada ao “momento em que a divisão do trabalho
26
se acentua e estruturas diferenciadas de dominação política, religiosa e militar aparecem”
(MONET, 2001, p.32). O nascimento da moderna organização policial e a delegação de seu
mandato no controle do corpo social está diretamente ligada aos conflitos e rupturas que
caracterizaram o desenvolvimento das relações de poder e de submissão nas sociedades
capitalistas. A criação e as contínuas reformulações das agências policiais ao longo do
tempo são como um espelho da própria formação e do desenvolvimento do Estado
moderno. Afinal, são os policiais agentes do Estado, organizados numa agência burocrática
estatal que os recruta, remunera e controla de acordo com regras jurídicas explícitas. Isto,
sem esquecer que a característica do mandato de intervenção da polícia, no corpo social, é
fazer valer a regra da lei sancionada pelo Estado.
A polícia é, na verdade, a face mais tangível da realidade do Estado para grande
parte da população, pois é por meio da ação desta instituição que muitos tomam contato
cotidiano com o poder público, “como um aborrecimento brutal ao longo de uma vida
regulada por decretos” (BENJAMIN, 1990, p.136). A polícia e seu poder de devassar o
comportamento cotidiano dos cidadãos confirma o conceito, caro à ciência política, que
todo o Estado tem a força como fundamento de poder.
Porém, como ensinou Max Weber, o exercício da força nas relações de poder
tem de se tornar legítimo para configurar uma estrutura de dominação. É assim que
podemos definir o Estado como a entidade que reivindica o exercício do monopólio da
violência legítima dentro de um determinado território. Esta reivindicação interna e
constante se sustenta de diversas maneiras – ideológicas, jurídicas – mas antes de tudo, tem
de ser pragmática: “pela criação, manutenção e comando de uma força física suscetível, por
sua superioridade, de impedir a qualquer outra pessoa o recurso à violência, ou de contê-los
nos quadros que o próprio Estado autoriza. Essa força pública é comumente denominada
polícia” (MONJARDET, 2002, p.13). Portanto, cabe a polícia um papel fundamental na
confirmação do poderio do Estado. Suas intervenções no ambiente social, para além de
redimir os conflitos e dissensões, permitem a consolidação do poder requerido pela
autoridade política. Na sociedade moderna, “a polícia desenvolveu-se como a organização
especializada encarregada da manutenção da ordem, e a ela foi confiada a capacidade de
emprego legítimo da força, que é monopólio do Estado” (REINER,2004, p.16.).
27
Está nos departamentos policiais a principal fonte de especialistas que o
aparelho administrativo pode formar para a monopolização da força legitimada em seu
próprio território. Diferente do exército, voltado para a guerra – podendo ser mobilizado em
conjunto com as forças policiais nas situações de grave crise política nas quais a própria
legitimidade do poder teme seu esfacelamento – a polícia esta orientada para lidar com os
conflitos corriqueiros do cotidiano, tanto pela negociação como pela contenção. Este é o
prenúncio do sentido político de toda a atividade policial. A visibilidade e a aceitação de
sua atuação nas ruas, como organismo legítimo de segurança, são uma necessidade e uma
condição para o exercício do poder político. A legitimidade da atuação policial se confunde
com a legitimidade da dominação exercida por meio da administração do Estado. Cabe à
polícia velar, nos ambientes sociais, sobre o “pacto” social anunciado no regime da lei, que
na formulação clássica do Estado burguês anuncia a igualdade jurídica e a imparcialidade
de sua aplicação. Ora, na prática, a lei e a justiça numa sociedade de classes, onde os
interesses postos nas balanças dos conflitos são antagônicos, refletem a própria assimetria
necessária à reprodução da ordem social.
[...] seria hipocrisia ou ingenuidade acreditar que a lei é feita para todo mundo
em nome de todo mundo; que é mais prudente reconhecer que ela é feita para
alguns e se aplica a outros [...] que nos tribunais não é a sociedade inteira que
julga um dos seus membros, mas uma categoria social encarregada da ordem
sanciona a outra fadada à desordem (FOUCAULT, 1999, p.243).
A lei organiza o poder do Estado e institui estratégias atinentes à conservação
da ordem social. A noção de imparcialidade das leis cria a noção de que lei e ordem são
termos simétricos e vinculados ao bem comum. Porém, não podemos esquecer que na
sociedade de classes a aplicação das leis reproduz as desigualdades sociais. Como percebeu
e ressaltou Anatole France em um aforismo: “a lei, em sua majestática igualdade, proíbe
tanto o rico como o pobre de dormir sob a ponte e mendigar nas ruas”. Nesse sentido, a lei
e o direito são, além de parciais, parte de uma gestão de procedimentos com o fito de
garantir os privilégios das elites (BENJAMIN, 1990,136), isto de acordo com uma versão
de ordem social aventada pelas necessidades de reprodução do poderio dessas mesmas
elites. A ordem social, bem como a expressão de seus valores morais, culturais e políticos,
procura sancionar uma noção de sociabilidade entre os grupos que permita a reprodução
28
das estratégias de dominação. A construção dos valores que compõem a ordem social
(valores estes mutáveis conforme as necessidades do tempo) está vinculada ao medo social
da desordem, ou seja, do temor e da necessidade de conter a proliferação de
comportamentos que pudessem desestabilizar as hierarquias sociais: “todas as sociedades,
até estes tempos de modernidade avançada, reconheceram e temeram, no imaginário e na
realidade, a liberação dos processos explosivos” (BALANDIER, 1982, p.39). Daí a
condenação política e posterior criminalização destes comportamentos nas letras da lei:
Quanto mais se aproxima da época contemporânea, tanto mais se percebe que
aos olhos dos governantes, há apenas uma única forma de criminalidade que tem
realmente importância: o que eles definem como comportamentos políticos
transviados e criminosos, o que pode ir da greve ilícita até o terrorismo,
passando pela homossexualidade, como nas comunas italianas do fim da idade
média, ou na época hitleriana (MONET, 2001, p.70).
A criminalização tipifica na lei os comportamentos desviantes da ordem
desejada pelas elites, o que permite organizar a repressão por meio das instituições de
contenção (ALVES, 1989, p.5). Em relação à agência policial, os termos se invertem: a
ordem passa sempre na frente da lei, operando a organização do controle em termos das
estratégias do poder. A lei é o dispositivo fundador que legitima a ação policial, porém, no
tocante à manutenção da ordem, a lei é equívoca: “precisa para determinar as infrações que
os protestatários podem cometer, ela é mais flexível quanto aos meios que a polícia deve
utilizar e quanto às finalidades exatas que suas intervenções devem perseguir” (MONET,
2001, p.239). Nesse sentido a polícia, na maioria da suas intervenções públicas, evoca a lei
menos pelo que reza a letra e mais como um recurso prático que permite sua atuação em
situações nas quais o primordial, de fato, é a manutenção da paz consignada pela versão de
ordem social vigente.
Aí reside a função primordial da polícia na sociedade, que é a de investir seus
poderes de intervenção na resolução de situações de conflito tendo como limite o uso da
violência. Em outras palavras: impor a ordem, não desprezando a negociação, mas tendo a
força como recurso legítimo. Nesse sentido, a polícia mantém sobre a sociedade um poder
instituinte da regra jurídica que, embora baseado em suas prerrogativas, é acionado sob
uma forma própria ao poder policial. Dessa maneira, a afirmação de que os fins do poder
policial seriam sempre idênticos aos da lei e do direito é falsa (BENJAMIN, 1990, p.136).
29
Na verdade, seu poder é o de impor-se com certa autonomia em situações e locais aos quais
as leis do Estado não penetram, ou são ineficazes como condutoras do comportamento.
Aliás, a ação policial tenta disciplinar os comportamentos no sentido de normalizá-los,
tomando como referência o imaginário da ordem. Essa é a intenção do controle policial, por
exemplo, nas frestas sociais menos abarcadas pela noção de direito burguês, como o notório
caso do controle coercitivo sobre a sociabilidade operária.
Disto deriva a percepção, corrente nos meios policiais, de que as normas legais
criam sérios impedimentos para o controle eficaz da criminalidade (BITTNER, 2003, p.31).
Para os agentes da polícia, uma bem proporcionada liberdade frente aos ditames legais é
parte constituinte do trabalho cotidiano de contenção dos distúrbios. A atuação da
organização policial – e de seus agentes – privilegia a discricionariedade no cumprimento
de seu mandato legal, sobretudo para os policiais de linha, ou seja, aqueles que atuam nas
ruas em contato com a população e suas contendas. A característica do trabalho do agente
policial nas ruas, que privilegia a intervenção in loco no cenário do conflito, pressupõe que
esse saiba discernir sobre os modos e meios apropriados de ação para cada situação. Cabe,
em última instância, ao policial resolver a hora que se encerra a negociação e se inicia a
contenção violenta, assim como cabe ao discernimento do agente intervir ou esperar para
coletar mais dados que podem levar a implicação ou não do suspeito, para um posterior
processo judicial.
Não podemos esquecer que um dos atributos oficiais da polícia é este, o de
auxiliar da justiça, pois é a polícia – mais especificamente o segmento conhecido como
polícia judiciária – quem investiga os delitos, colhe as informações, interroga os suspeitos e
prefigura a sua responsabilidades, por meio de um inquérito
11
enviado às instâncias
jurídicas, responsáveis pelo processo criminal. Nestes procedimentos a polícia retém a
posse de informações que prefiguram a culpa ou não dos implicados nas ocorrências e, em
grande parte dos casos, ela é a instância inicial do processo jurídico, pois é a partir dos seus
relatórios e inquéritos que toda a maquinaria da justiça inicia seu movimento. Aliás, de
11
De elaboração privativa do órgão de contenção, o inquérito consiste das diligências e investigações levadas
a cabo pelo aparelho da polícia judiciária para elucidar os crimes, cuja finalidade é, nas palavras de um
policial, “colher e transmitir às autoridades competentes os indícios e provas, indagar quais são seus autores e
cúmplices, e concorrer eficazmente para que sejam levados a tribunais”. (MONDIN, 1967, p.49). O inquérito
caracteriza a natureza própria da polícia judiciária, “a verdade, a polícia judiciária é basicamente um
instrumento utilizado pelo judiciário para a coleta de dados” (MINGUARDI, 1991, p.15). Sobre o assunto,
ver: FLORINDO, 2000 p.23.
30
certa maneira, a evocação do judiciário é dependente do arbítrio policial. É a intervenção
desse agente que vai definir primeiro, na maioria das ocorrências, se esta merece ou não ser
tipificada como caso criminal e elevada às instâncias oficiais da justiça. A
discricionariedade do agente de polícia, nas suas intervenções, pode conduzir a soluções
que vão da simples admoestação no próprio local até à prisão para averiguações e um
posterior processo. As implicações das partes envolvidas nas ocorrências dependem em
grande parte do entendimento policial dos motivos e de sua interpretação dos fatos.
Embora seja bastante comum se assumir que a polícia é parte do sistema de justiça
criminal, seria mais correto dizer que ela funciona à parte do sistema. Embora para
um observador sem uniforme possa parecer que policiais, promotores, juízes e
funcionários correcionais estejam unidos na luta contra o crime, eles, de fato, estão
coordenados apenas de modo muito fraco. A polícia, especialmente, engaja-se com
o resto do sistema em um relacionamento do tipo ame ou deixe-o (BITTNER,
2003, p.290).
O poder discricionário da polícia e a liberdade de atuação dos agentes nas ruas
caracterizam o papel instrumental da polícia na economia do poder. Mais que o
funcionamento à parte do sistema legal, a conhecida tendência da organização policial à
execução de funções judiciárias destaca o seu papel como “gradação extra-oficial de
autoridade, que serve para complementar o sistema judicial oficial. As práticas policiais são
um complemento do sistema judicial e não uma violação dele” (LIMA, 1994, p.2). Nesse
sentido, a polícia pode funcionar como um juizado de pequenas causas, uma justiça barata e
popular de primeira instância (SOUZA, 1998, p.14), que se encarrega de arbitrar os
conflitos e encaminhar os casos para uma solução de justiça informal, sem o concurso do
aparato legal e de acordo com a percepção policial de punição. Um tribunal de rua capaz de
evitar a morosidade do processo penal e de impôr com eficácia a lógica do controle social
nos ambientes sociais menos abarcados pela noção de cidadania. Pois é fato que o arbítrio
policial se realiza com mais intensidade nos setores menos favorecidos, naqueles que
Robert Reiner classificou como “propriedades da polícia”:
Uma categoria se transforma em propriedade da polícia quando os poderes
dominantes da sociedade (na economia política e etc) deixam os problemas de
controle social nas mãos da polícia. Eles são grupos de baixo status, sem poder,
vistos pela maioria dominante como problemática e desagradável. A maioria está
preparada para deixar a polícia lidar com suas 'propriedades' e fazer vistas
grossas para a maneira como isso é tratado. Como exemplo temos os
31
vagabundos, os alcoólatras de áreas deterioradas, os desempregados ou com
empregos que ninguém quer, minorias étnicas, gays, prostitutas e organizações
políticas radicais. A principal função da polícia sempre foi a de controlar e
segregar grupos assim, e ela esta armada com uma bateria de leis permissivas ou
discricionárias para tal finalidade [...] A preocupação com a 'propriedade da
policia' não é tanto de aplicar a lei, mas de manter a ordem usando a lei como
um recurso entre outros (REINER, 2004, p.143).
É na atividade de supervisão sobre os espaços de convivência das classes
populares, portadoras do estereótipo da desordem e da criminalidade, que a polícia põe em
prova sua eficácia nas estratégias do poder. Aliás, quanto mais requisitada a supervisão
policial sobre os ambientes de circulação popular, tendeu a ser menor à capacidade
histórica do Estado em promover o acesso dos grupos sociais à noção de cidadania. A
própria atuação policial e suas características operacionais são frutos do modo de
socialização política promovida pelo Estado, o que variou conforme as demandas do tempo
e das necessidades do poder e de sua manutenção. “A polícia comprometeu-se em conflitos
mais ou menos numerosos e mais ou menos vivos segundo os países. Ela adotou, em
conseqüência, formas de organização diferentes, construiu repertórios de ações que, ao se
'rotinizarem', contribuíram para modelar as culturas cívicas atuais”(MONET, 2001, p.56).
Quanto mais o grau de participação política é rarefeito em uma sociedade,
propende a ser maior o espaço legado para a utilização do repertório arbitrário da policia.
Assim será alargado também o intervalo permitido para que a polícia elabore interferências
calcadas em seu poder discricionário. Representante da autoridade do Estado em ambientes
de cidadania rarefeita, neles a polícia exerce, para além da contenção violenta e muitas
vezes arbitrária dos distúrbios, uma série de funções administrativas em relação à ordem
pública. Afinal, a intervenção policial também é solicitada para o atendimento de gestantes
em trabalho de parto, para demover a intenção de suicidas, para lidar com os doentes
mentais, para atender prontamente os acidentes e promover o resgate de vítimas, entre
outras atividades que não podem ser elencadas como de controle da criminalidade.
Assim, os policiais podem ser considerados verdadeiros especialistas no
controle e na contenção dos conflitos sociais. O funcionamento da instituição é
explicitamente político, pois ao gerenciar os conflitos, a polícia faz valer nas ruas o poder
do Estado. A polícia é o instrumento que simboliza o funcionamento da ordem legal. “A
polícia nada mais é que um mecanismo de distribuição, na sociedade, de uma força
32
justificada por uma situação” (BITTNER, 2003, p.230). Uma força que, embora tenha
como pedra de toque a coerção, pode ser aplicada em situações diversas. Como afirmou a
pesquisadora Dominique Monjardet, a polícia é como um “martelo” utilizado pelo Estado.
Comumente se admite que um martelo serve principalmente para bater pregos,
mas sabe-se que, (sic) ele serve para “quebrar o vidro” e libertar-se, em caso de
acidente que torne as portas inacessíveis. Como picareta, ele ajuda a escalar as
montanhas. Sabe-se também que pode permitir rachar uma cabeça. Seguramente,
não é a soma infinita das possíveis utilidades do martelo que pode defini-lo, mas
a dimensão comum a todos os seus usos, que é aplicar a força sobre um objeto.
Acontece exatamente o mesmo em relação à polícia: instrumento de aplicação de
uma força (a força física em primeira análise) sobre o objeto que lhe é designado
por quem a comanda (MONJARDET, 2002, p.22).
A aplicação da força nas relações sociais é o denominador comum da função policial: este
é o princípio que referencia as diferentes faces do ofício de polícia, todavia a força não tem
em si mesma função social própria, a aplicação da coerção persegue efeitos determinados
por quem a comanda. “Toda polícia é instituída como força a serviço de uma ordem, de um
poder e de sua lei” (MONJARDET, 2002, p.293). A característica essencial da polícia é sua
instrumentalidade e, sendo instrumental por definição, a análise do objeto “polícia” não se
efetiva sem a observação dos modos e dos meios da afirmação de seu mandato numa
determinada formação social. O desempenho da função policial – calibrado por relações de
poder – fornece a tônica do contato entre a teoria e a instituição. Em última analise, “toda a
teoria da polícia é ‘transitiva’ [isto é] visa explicar seu objeto relacionando a outra coisa
que não é ela mesma” (BROUDER, 1984 apud MONJARDET, 2002, p.293).
Toda tentativa de medir um desempenho, uma eficácia, e até o mais simples
‘resultado’ da ação policial, introduz fins e meios no debate. Estas coisas são
debatidas desde que o mundo é mundo, o que sem dúvida é a melhor desculpa de
que dispõem as autoridades policiais para se dispensar, o mais das vezes, de
fazer dela o objeto de ensino a seus recrutas (MONJARDET, 2002, p.296).
A percepção sociológica sobre a organização policial, tributária das teorias das
organizações complexas, enfatiza suas características contraditórias com o modelo ideal de
organização burocrática. A estrutura da organização, altamente formalizada e
hierarquizada, vivencia uma tensão permanente decorrente do pouco alcance dos controles
formais para regrar os procedimentos dos níveis hierárquicos mais baixos. Afinal, como
isolar e demarcar um lócus para a disciplina profissional se as missões policiais nas ruas
33
são tão diferenciadas quanto são as possibilidades de conflito social? O que pensar da
vigilância institucional da justiça se a própria justiça depende funcionalmente das
informações da polícia? Mais que um complicador para uma análise da organização
policial, a pouca efetividade dos controles internos e a forte resistência para os controles
externos concretizam um problema prático vivenciado no cotidiano dos setores da
sociedade mais atingidos pelo arbítrio policial. “Entretanto, é através da crença de que
atividades práticas derivam e são controladas pelo desenho racional da estrutura que
organizações adquirem legitimidade junto ao ambiente externo” (PAIXÃO, 1982, p.66).
A instrumentalidade da polícia, situada na contradição entre direito e força,
demarcou os passos de seu próprio desenvolvimento institucional nas sociedades modernas.
A polícia é uma instituição na qual a organização não pode ser observada sem a análise do
poder que a instituiu e direciona suas forças de acordo com objetivos mais ou menos
velados ou explícitos. A análise da polícia não se desprende da análise do poder, aliás, esta
o revela e realça suas prioridades. A polícia e seus agentes são a “caixa preta” das
necessidades do poder, pois suas práticas exprimem sua verdade indizível, ou seja, os
modos e meios do emprego social da força e da astúcia (MONJARDET, 2002, p.280).
É neste sentido que para entender a polícia e sua atuação torna-se necessário
relacionar o seu modus operandi com as formas que a dominação assumiu e priorizou em
cada sociedade. As diferentes modalidades de policiamento estão relacionadas aos meios e
aos fins buscados com a utilização da força nas relações sociais. Os objetivos da aplicação
da força, nas relações de poder, são ao mesmo tempo diferentes e complementares. Para
atingir seus efeitos necessitam da formação de corpos policiais diferenciados e
intercambiáveis. O policial uniformizado que vigia de modo ostensivo às ruas da cidade,
cumpre uma função política diferente do espião policial que se infiltra em uma organização
terrorista. O investigador da polícia judiciária observa itens muito distintos em suas
diligências do policial designado para o controle de fluxo do trânsito numa grande cidade.
As técnicas e os aparato instrumentais são diversos, como são diversas as funções
requeridas ao policiamento.
Assim, existem forças policiais cujo objetivo efetivo é a prevenção do crime,
outra o controle dos tumultos, outra a captura dos delinqüentes, outra ainda a repressão
política aos dissidentes. (BAYLEY, 2001, p.89). Mas isto não significa que suas formas de
34
atuação não interagem, não só porque dependendo da gravidade do distúrbio, o aparato de
controle mobiliza todo seu efetivo para restaurar a ordem ameaçada, mas, sobretudo por
que o gerenciamento dos conflitos pela força requer mesmo a diferenciação e a inter-
relação entre os diferentes corpos policiais. As diferentes modalidades de organização
policial, refinadas conforme os efeitos de poder específicos requeridos pela autoridade
política, consolida a formação de uma vasta rede de vigilância e controle policial da
sociedade, baseada na própria integração e articulação entre os diversos segmentos.
Se os corpos policiais são diferenciados em meios e objetivos específicos, a
aplicação da força, de acordo com necessidades eminentes do poder pode fornecer certos
denominadores comuns à atividade policial num determinado território. As necessidades do
poder definem políticas para a polícia e estas decisões reverberam decisivamente na
atividade policial, influenciando os modelos de ação e definindo padrões de conduta para os
agentes. A eficácia instrumental da atividade policial requer a contínua capacidade do
Estado em definir os alvos e os objetivos prioritários para a sua atuação, direcionando
efetivos e recursos, privilegiando modelos operacionais afinados com as necessidades do
uso do “martelo” nas relações sociais. Aliás, coube ao Estado moldar os diferentes
segmentos policiais, direcionando sua eficácia instrumental de acordo com demandas
sociais e políticas que possibilitavam a legitimação de seu próprio poderio.
A aplicação da força nas relações sociais é um dos esteios da soberania do
poder político quando este não advém do consenso ou do carisma. Quanto mais o poder
político carece de consentimento e se mantém no estribo de sua própria autoridade, mais a
polícia aparece como uma autêntica polícia da soberania
12
e sua a atuação se distancia das
raias do direito e se conforma em fazer valer o direito do mais forte, ou a razão do Estado.
Sua prioridade é debelar os focos de insurgência e manter sobre estrito controle a
população, sobretudo os setores marginalizados. O combate ao desvio social deliberado,
função instrumental da polícia criminal, torna-se uma questão de repressão política e social.
Para isto, valoriza-se a profissão do policial como a de um soldado da ordem, atento à
defesa dos valores dominantes. A sociedade enquadrada primordialmente sobre esta
modalidade de policiamento torna-se um campo de suspeição permanente, na qual a
eficácia da vigilância se confunde com a capacidade de intromissão do olhar policial em
12
Sobre o assunto, ver: MONJARDET, 2002, p.281.
35
todos os ambientes sociais. A violência nas diligências é uma aposta no temor como forma
de controle, favorecida pela própria ineficácia ou mesmo ausência deliberada de controle
social sobre suas atividades.
Em sociedades cujas relações de poder sempre atreladas ao conflito entre as
classes – evoluíram da fábrica social privilegiando a formação do consentimento mais que a
afirmação da força como viés da dominação, onde a necessidade de maior integração entre
os diversos segmentos sociais colocou como tarefa ao Estado uma certa “despolitização” da
atividade policial – que caminhou pari passu a uma maior integração econômica dos
setores desfavorecidos – a aplicação da força tendeu, sobretudo, a transformar-se em meio
de imposição de normas de conduta e de socialização dos valores dominantes. Nestas
sociedades, a atividade policial, sem deixar de ser repressiva, experimenta um maior
enquadramento aos limites impostos pelo direito. Aliás, sua eficácia operacional depende
de sua aceitação como órgão legítimo para a imposição da força, o que é alcançado
mediante a valorização do discurso da “imparcialidade” de suas ações na mediação dos
conflitos de interesses. Cabe a esta polícia situar-se como expressão da autoridade entre a
força de seu mandato e a possibilidade da coerção. A eficácia de sua atuação depende de
uma maior aderência com o corpo social sob sua observação.
E neste sentido que o caráter do regime político afeta o funcionamento da
polícia na sociedade. “A atividade policial é crucial para se definir a extensão prática da
liberdade humana” (BAYLEY, 2001, p.203). Quanto mais o poder está concentrado,
maiores são as chances da interferência policial arbitrária nos espaços sociais e mais grupos
sociais são marginalizados e estigmatizados sobre o arbítrio policial. Quanto mais o poder
está disperso, maiores são as chances de seu controle se operar por visibilidade e aceitação.
O caráter da dominação política, fruto direto das formas de contato entre as classes, modula
a percepção da organização policial sobre suas funções, o que permite a elaboração interna
de modelos de atuação que são valorizados e utilizados pelos policiais em suas atividades
de policiamento.
Embora enquadrada pelas necessidades da política, como requer seu papel na
estrutura estatal, torna-se perigoso afirmar que o “martelo” é simplesmente um mero
apêndice do Estado. Assim como existem políticas para a polícia, definidas pelos governos,
existem também políticas da polícia, definidas internamente, tanto nas capas altas de sua
36
burocracia, como na ilharga da atuação dos agentes pelo corpo social. Universo de
especialistas organizados formalmente, detentor de competências exclusivas, a polícia
desenvolveu – e desenvolve continuamente – interesses próprios e uma cultura operacional
que baliza seu funcionamento e atuação. Embora relacionada às demandas do poder, a
cultura da polícia não se desprende de suas auto-referências, que definem e priorizam os
modelos de investigação, a distribuição dos poderes internos, as características valorizadas
ou depreciadas na conduta dos agentes, entre outros fatores que configuram o próprio perfil
da organização policial. Afinal, não há campo profissional que não crie seu quantum de
autonomia: “[...] na prática, nenhuma polícia se resume à realização estrita da intenção
daqueles que a instituem e têm autoridade sobre ela, à pura instrumentalidade. Há sempre
um intervalo, mais ou menos extenso, mais ou menos controlado, mas jamais nulo.”
(MONJARDET, 2002, p.23).
A posição da policia na estrutura do poder define a importância política da
polícia. E quanto mais o poder se projeta pela sociedade, mais os interesses políticos da
polícia se projetam na estrutura do poder, criando maior visibilidade sobre os conflitos e
demandas internas da organização. Lutas políticas dos grupos internos, formando
“pirâmides paralelas”
13
que disputam cargos, benesses e recursos. Coesão dos mesmos
grupos frente às críticas “de fora”, dimensionando e caracterizando o forte corporativismo
da instituição. Definição das formas de ação de acordo com o seu entendimento de crime e
repressão, afinal não é sobre todas as ilegalidades tipificadas na lei que a polícia lança seu
arsenal repressivo. Crimes praticados contra a propriedade e crimes de colarinho branco
recebem atenção e tratamento diferenciado na estrutura da agência. Ao mesmo tempo, é
necessário frisar que quanto mais o projeto político necessita das forças policiais para
manter a ordem, maior é o espaço legado para a corrupção e a arbitrariedade no cotidiano
de suas intervenções. “A legalidade do aumento da repressão implica uma contrapartida de
maior ilegalidade para seu funcionamento” (PINHEIRO, 1991, p.87).
Para os policiais, sua função no corpo social é “natural” tal como o ar que se
respira, pois como dissertam os manuais de polícia, “a policia apareceu quando se
13
Segundo Luís Antônio Paixão, as pirâmides paralelas são os “micro grupos, liderados por delegados gerais,
que barganham e competem por vantagens pessoais na alocação e promoção do pessoal” (PAIXÃO, 1982,
p.70). Segundo o autor, a formação desses micro grupos caracteriza a luta pelo poder nas delegacias policiais.
37
organizaram os primeiros aglomerados humanos” (PESTANA, 1963, p.19). Ao mesmo
tempo, crêem os agentes que sua relevante atuação social é incompreendida pela população.
A literatura atinente destaca a percepção dos policiais como pertencentes a uma instituição
“mal amada” (MONET, 2001, p.276), o que reforça a coesão interna e a noção de que
somente policiais entendem, defendem e, conforme o caso, acobertam policiais. Nesse
sentido, às orientações prévias sobre a escolha dos modos e meios de atuação nas cenas de
conflito, as práticas e as rotinas que demarcam as atividades dos policiais são criadas,
valorizadas e passadas de agente para agente, em meio às demandas internas do trabalho. A
conduta policial é modelada de acordo com a cultura operacional específica da instituição,
que cria e recria seus valores e sua tradição. Para os policiais, o bom desempenho está
menos relacionado com a atuação de acordo com as normas burocráticas ou técnicas do que
com as práticas valorizadas pela experiência prévia e pela tradição. “Os policiais ingleses
costumam dizer que não se pode fazer a polícia com o código permanentemente sobre os
olhos. Quanto aos franceses, destacou-se que sua ignorância das leis que eles devem fazer
respeitar só se iguala ao desconhecimento dos próprios usuários” (MONET, 2001, p.153).
A opacidade da organização policial, sua posição defensiva diante da
sociedade, sua necessidade de coesão mediada por valores internos, são produtos diretos da
sua instrumentalidade política. A polícia é poder. A ação da polícia controla e orienta o
comportamento das pessoas e dos grupos sociais, inculcando noções de certo e de errado
correspondente à conduta desejada no espaço público. Para o controle da sociabilidade
popular, a ação da polícia desde sempre se confundiu com à própria lei. Aliás, foi menos
pela lei e mais pela ação da polícia que se apresentou, se instrumentalizou e se disseminou
pela sociedade a versão de ordem social desejada pelos grupos controladores do poder. Sua
atuação, mais ou menos arbitrária ou violenta, mediadora ou legitimada, conforme cada
viés assumido pelas formas de dominação, tem um papel fundamental na manutenção das
regras que permitem a exploração econômica e o predomínio político da classe dominante
sobre os setores subordinados. A polícia vela pela própria versão moderna de liberdade da
sociedade capitalista, não mais relacionada ao não trabalho, e sim à venda da mão de obra.
Foi para controlar o mundo do trabalho que se aparelhou à polícia.
38
2. Modernização da sociedade e controle da criminalidade.
Em nossos dias, tudo parece estar impregnado de seu contrário. O maquinário; dotado de maravilhoso poder
de amenizar e aperfeiçoar o trabalho humano, só faz, como se observa, sacrifica-lo e sobrecarrega-lo. As
mais avançadas fontes de saúde, graças a uma misteriosa distorção, tornaram-se fontes de penúria. As
conquistas da arte parecem ter sido conseguidas com a perda do caráter. Na mesma instância em que a
humanidade domina a natureza, o homem parece escravizar-se a outros homens e a sua própria infâmia. Até
a pura luz da ciência parece incapaz de brilhar senão no escuro pano de fundo da ignorância. Todas as
nossas invenções e progressos parecem dotar de vida intelectual às forças materiais, estupidificando a vida
humana ao nível da força material.
Karl Marx
As análises mais conservadoras sobre a necessidade de se aparelhar as forças
policiais relacionam à modernização da sociedade com o aumento da criminalidade. Este
discurso, renovável ao longo do tempo, procura colocar a polícia como “paladina da
segurança” que observa e vigia, para além do cumprimento às normas da lei, por uma
versão de ordem moral que constantemente está ameaçada pelas hordas de “arruaceiros e
pervertidos” que o crescimento da economia capitalista faz jorrar nas periferias de suas
áreas de expansão. Para os defensores dessa concepção, a polícia teria uma função
missionária em sua vigília permanente sobre as classes populares, velando pelas exigências
do padrão moral e supervisionando a adequação dos trabalhadores aos requisitos da ordem.
Mais que uma resposta ao aumento da criminalidade, a modernização das forças
policiais está relacionada às transformações nas representações que as camadas dominantes
fazem da noção de equilíbrio social. Não podemos esquecer que a criminalização de
comportamentos, assim como o aumento e a modernização dos efetivos policiais, eram
parte de uma estratégia de adequação do controle social às transformações, impostas pelo
próprio avanço da modernidade que tinha como pedra de toque “o abalo constante de todas
as condições sociais” (MARX, 1990, p.69). Dessa maneira, era necessário conter e orientar
os impulsos das classes e dos indivíduos, formatando uma nova pedagogia de controle, que
pudesse devolver a percepção do equilíbrio em meio à agitação de um novo tempo.
O capitalismo impôs novas condições de modernização à sociedade,
relacionadas ao desenvolvimento da indústria e do espaço urbano, o que requeria a
formação de novos modelos de comportamento social, adequados à nova realidade da
exploração do trabalho. Era necessário adequar a cadência do labor ao ritmo das máquinas,
39
elaborando formas de administração adequadas ao novo panorama de planejamento e
execução da produção, colocados pelo modelo de organização das indústrias. A produção
fabril requeria reforços na vigilância sobre o trabalhador, que devia estar enquadrado por
normas disciplinares que otimizassem, de forma autoritária, sua capacidade produtiva.
Tal sujeição à disciplina do trabalho é extraordinariamente sentida pelos operários
da indústria porque, em contraste com uma plantação, em que se trabalhava sob o
regime tributário, a empresa industrial moderna repousa em um processo seletivo
muito severo. O industrial de nossos dias não contrata um operário só porque ele se
oferece para trabalhar por um salário módico. Pelo contrário, põe o homem na
máquina e lhe diz: ‘Agora trabalha, verei quanto você vai ganhar.’ E se o homem
não se mostra em condições de ganhar um determinado salário mínimo, então lhe
diz: ‘Estamos descontentes. Você não é dotado para este ofício; não podemos
utilizar o seu trabalho’. O homem é descartado, e isso ocorre porque a máquina não
é utilizada ao máximo se não se incorpora a ela um homem que saiba faze-la
render plenamente (WEBER, 1993, p.102).
Foi no sentido da otimização das forças produtivas que categorias como
ordenação, coordenação e direção assumiram novos contornos, passando a implicar um
quadro administrativo cada vez mais amplo e controlado. A acumulação do capital depende
da racionalização da produção para intensificar a exploração do trabalho assalariado. A
centralização política a partir do Estado encontrava sua correspondente na centralização da
produção a partir do planejamento. A administração das esferas decisórias da sociedade se
tornava cada vez mais burocrática e racional. Esse processo irresistível de racionalização
das instituições, que para autores como Weber constituiu a própria mola mestra do
desenvolvimento histórico, imporia a “racionalização” das relações sociais como fator
imperativo do processo originado pela expansão da economia de mercado. Aliás, as
modernas instituições capitalistas seriam a “própria materialização da racionalidade
(WEBER, 1982, p.66), entendendo racionalidade como o que predispõe o “sóbrio
capitalismo burguês com sua organização racional do trabalho” (WEBER, 2001, p.28). Dito
de outra forma: eficiência racional, continuidade de operação, rapidez, precisão e cálculo de
resultados.
A lógica da economia capitalista requeria que tais princípios não fossem
incorporados somente pelas instituições públicas e privadas da sociedade – caso da polícia,
como comentaremos a frente. Tornava-se necessário que os princípios dessa
“racionalidade” reverberassem na conduta dos indivíduos, impondo o auto-controle como
40
conseqüência do processo civilizador
14
, originado e referenciado pelas transformações do
ambiente social. A dinâmica da modernidade trazia novas preocupações para os detentores
do poder. Era importante canalizar e direcionar seus efeitos, otimizando-os ou restringindo-
os, conforme os imperativos economicos e políticos, no sentido de aprofundar as estratégias
de dominação. Foi preciso adestrar a sociabilidade das classes populares de maneira que tal
processo, de transformação dos comportamentos, não se desdobrasse em formas de
organização que desafiassem a ordem social. Era importante controlar e limitar as
aspirações dos trabalhadores. Afinal, como já disse Norbert Elias: “Nenhuma sociedade
pode sobreviver sem canalizar as pulsões e emoções do indivíduo, sem um controle muito
específico do seu comportamento” (ELIAS, 1993, p.270).
Tal pressuposto era essencial naquele momento de avanço da economia
industrial, que trazia como conseqüencias o crescimento das cidades e a emersão da própria
sociedade de massas. Foi no intuito de otimizar a produção e dissipar o medo da revolta que
ocorreu a tipificação, como crime, de comportamentos sociais até então tolerados, como a
vagabundagem, a mendicância e principalmente os ajuntamentos públicos de caráter
reivindicatório ou político, sobretudo quando esses eram de caráter popular. Parafraseando
Michel Foucault, podemos entender o tolerado observando aquilo que não é tolerado. A
criminalização e a repressão de certas condutas estão diretamente relacionadas com a
valorização de outras, atinentes às estratégias de controle da sociabilidade popular.
O projeto burguês de dominação comporta pedagogicamente a repressão, pelos
efeitos que ela produz sobre a consciência dos trabalhadores. Não se trata apenas
de incutir o medo pela ameaça, mas instituir toda uma estratégia articulada de
longa duração para permitir o enquadramento de toda a população trabalhadora
dentro de uma ordem orgânica de funcionamento da sociedade (ALVES, 1990, p.
221).
À polícia cumpria desenvolver o delineamento pragmático do controle via
imposição da força no corpo social. Presente em todas as sociedades modernas, as funções
das polícias nas estruturas do poder se tornavam mais semelhantes conforme a própria
expansão da sociedade de mercado e de suas lógicas de sujeição. O aparelhamento das
forças policiais e o delineamento de seu modelo de organização, calcadas no princípio da
racionalidade burocrática, se expandiram de acordo com a expansão da modernidade
14
Sobre o assunto, ver: ELIAS, 1993, p.268.
41
capitalista: “um caminho contínuo leva desde as modificações nas lutas sanguíneas, ou por
meio de arbitramento, até a atual posição do policial como o representante de Deus na
terra” (WEBER, 1982, p.247). A universalização da ordem social burguesa permitiu a
generalização da polícia como órgão burocrático de controle da sociabilidade.
Porém, assim como não existe uma linearidade no desenvolvimento das
formações capitalistas, também não existe um modelo de operação universal para atuação
das forças policiais e para a organização das formas de policiamento ditas modernas.
Criadas pelo Estado para conter as tensões internas da sociedade num contexto de intensa
transformação das relações sociais, a organização policial e seu modus operandi refletem as
injunções políticas e sociais que orquestraram sua formação, e sobre as quais ela tem o
mandato de atuar. Não podemos esquecer que a maior ou menor truculência em suas
abordagens, o respeito maior ou menor aos estatutos legais em suas diligências relacionam-
se com os mecanismos que articulam as estratégias de dominação da cada sociedade. A
maior ou menor intensidade de tais condutas policiais é um reflexo do impacto da nova
dinâmica social nas relações de poder, demonstrando também como estas foram absorvidas
e controladas pelos interesses dominantes.
A literatura atinente ao tema costuma apontar a formação da polícia
metropolitana de Londres como o berço da moderna organização policial: “A criação da
polícia metropolitana constitui marco tanto no combate ao crime quanto na definição dos
princípios gerais que permitiram a emergência de um novo conceito de ordem urbana e do
padrão de sociabilidade admitido” (SOUZA, 1998b, p.1). Embora modificações
semelhantes estivessem ocorrendo simultaneamente na França, onde a velha gendermarie
era substituída das funções de policiamento de Paris pela guarda civil uniformizada
15
, foi
primeiro na Inglaterra que pari passu ao desenvolvimento do mundo urbano e industrial se
burocratizou a organização policial (na direção da ênfase no controle dos procedimentos
pela norma técnica e legal, assim como da profissionalização e especialização das carreiras
policiais). O modelo inglês valorizava as estatísticas dos delitos e as modernas teorias da
15
“A criação quase simultânea, dos primeiros corpos de agentes uniformizados [não armados, de início] em
Paris e Londres provavelmente não passa de coincidência. Em compensação, quando uma nova onda de
modernização policial atinge a Europa, em meados do século XIX, é deliberadamente que os governos da
Prússia, da Áustria ou do norte da Europa enviam suas missões de estudo para Londres [...] O próprio
Napoleão III não falta ali: pensando na Exposição Universal, ele envia uma delegação à capital inglesa antes
de instaurar um sistema de subdivisão das Ruas da capital” (MONET, 2001, p.52).
42
criminologia, como métodos para conferir caráter científico à atividade de repressão. Foi
também na Inglaterra que primeiro se desenvolveu a concepção preventiva, e não apenas
reativa, do papel da polícia no impedimento dos delitos. Mais que reagir ao ato criminoso
praticado, cabia à polícia prevenir os comportamentos delituosos para que tais atos não
ocorressem: “essa mudança de orientação põe fim à privatização milenar das funções
policiais, retirando toda margem de manobra e iniciativa no início do processo penal. O
crime é daí em diante negócio de Estado e de suas agências”. (MONET, 2001, p.53).
A novidade da “nova” polícia era de ser uma força burocraticamente organizada,
encarregada com um mandato para “prevenir” o crime por meio da patrulha e da
vigilância regulares de toda a sociedade (mais especificamente os participantes
das “classes perigosas”). A aplicação da lei de forma intermitente e irregular,
dependente da iniciativa privada, foi substituída pelo policiamento estatal
contínuo, financiado pelo bolso público. O controle, dependente da legitimação
pelas tradições particulares de respeito pessoal, foi substituído pela autoridade
impessoal, legitimada por valores racionais de legalidade universalistas. A
burocratização do trabalho da polícia colocou as operações diárias do sistema de
controle nas mãos de desconhecidos agentes do Estado, homens que não
operavam em seu próprio interesse, mas (presumivelmente) no interesse geral
(REINER, 2004, p.58).
Nesse país de formação capitalista clássica, a criação da polícia moderna
estava afinada à lógica do controle repressivo das tensões internas da sociedade. Porém, a
função do bobby
16
inglês (num meio social onde o êxito e a nitidez da revolução burguesa
haviam alargado o raio de ação das classes, tanto nos setores burgueses como nas camadas
populares) era a de “limitar os riscos de enfrentamento e sensibilizar as novas camadas
operárias urbanas para os valores políticos e disciplinas de vida, que são impostos pela
modernização social” (MONET, 2001, p.52). Nessa intenção, a polícia inglesa enfatizava a
“imparcialidade” de sua atuação, mesmo quando enquadrava os conflitos pela coerção. O
discurso da imparcialidade buscava obter o consentimento dos vigiados, e acabou
sancionando formas de policiamento que valorizaram a criação de uma polícia
uniformizada, e que somente portava armas de fogo em situações específicas. “A ideologia
da polícia britânica sempre se baseou num comportamento diferenciado, baseado na
comunidade (...) histórias convencionais da polícia britânica tentam traçar uma linhagem
16
Denominação popular dada aos agentes uniformizados da polícia inglesa. O nome, diminutivo de Robert,
fazia referência a Sir Robert Peel, criador da polícia de Londres.
43
direta entre as formas tribais de autopoliciamento coletivo e o bobby inglês” (REINER,
2004, p.25).
A formação da organização policial inglesa obedeceu às injunções e
necessidades do controle político e social daquela sociedade. A ênfase na imparcialidade de
atuação, sua afirmação de ideais comunitários, entre outros aspectos, surgiram da
necessidade de impor legitimidade para sua atuação frente à oposição de setores das classes
que compunham a sociedade britânica. Membros das classes altas tomavam a criação da
polícia como interferência do poder central em assuntos locais; setores das classes
populares se opunham à chegada da “praga dos gafanhotos azuis”, principalmente após a
intervenção da polícia nas manifestações operárias. E foi no movimento operário que a
polícia encontrou seus maiores críticos. (REINER, 2004,p.60).
A negociação dos conflitos que irrompiam com o avanço da modernidade
capitalista também era questão proeminente na modernização da polícia francesa. As
modificações na polícia de Paris, com a instauração da guarda civil uniformizada e não
armada
17
, em substituição aos gendarmes, identificados com o “sistema centralizado e
politizado que Fouché estabelece na França e nos países ocupados” (MONET, 2001, p.51)
durante as guerras napoleônicas, era uma tentativa de enquadrar, sobre outros modos, a
organização policial. A gendermarie, centralizado seu comando nacional em Paris, existia
desde o antigo regime, porém seu modo de atuação no período posterior a revolução havia
sido definitivamente refinado pelo próprio Fouché. Esse fora o comandante da temível
polícia política que com seus delatores secretos atemorizou a população francesa no
período napoleônico e também da restauração
18
. A reforma policial, concomitante a
londrina, tratava de modificar o trato policial com as desconfiadas classes populares, afinal,
em Paris, “a cada vez que um operário é preso, os outros se dirigem à prisão, que assim se
17
A medida de policiar a cidade sem portar armas de fogo ou sabres seria revogada posteriormente por
pressão dos próprios agentes policiais. Sobre o assunto, ver: MONET, 2001, p.52.
18
Joseph Fouché pode ser considerado como um precursor da moderna polícia política. Iniciou sua “carreira
policial” durante o período do terror jacobino (1793 – 1794), quando foi designado pela Convenção para
comandar a polícia de Lion e Nantes, tornando-se responsável por 1.906 execuções. Sobreviveu ao período do
terror e foi um dos depositores de Robespierre. Após um período de ostracismo, apoiou o golpe de Napoleão
contra o Diretório em 1799. Foi nomeado Ministro da Polícia por Napoleão, sendo o artífice principal da
criação de sua polícia de incontáveis agentes delatores espalhados por todos os setores da sociedade francesa,
entre eles, o célebre Vicdoq, o ex-prisioneiro que se tornou chefe de investigações da Surete, ou polícia civil.
Fouche foi o inspirador de Victor Hugo para construir o a figura do inspetor Javert, o implacável policial
parisiense do clássico Os miseráveis, que jamais deixava um perseguido em paz. Ao morrer, Fouché deixou
uma fortuna de 30.000.000 libras. Sobre o assunto, ver: BOISSIERE, 1937.
44
torna um símbolo de luta de classes” (PERROT,1988, p.295). Embora sem abrir mão do
forte controle centralizado da organização policial, a modernização social requeria que os
representantes da autoridade do Estado fossem, se não amados, pelo menos aceitos
(MONET, 2001, p.52).
A medida que, sob pressão das forças liberais, os regimes autoritários se abrem à
média burguesa – a essas ‘novas camadas sociais’ de que falará na França Léon
Gambetta, no alvorecer da III República – os governantes estão cada vez mais
preocupados em legitimar a dominação que exercem através dos aparelhos
repressivos. Severas com as ‘classes perigosas’, a polícia deve-se mostrar
protetora para com as ‘classes laboriosas’. Assegurar que a sociedade inteira
viva sob o reino da lei supõe que se dedique uma boa parte dos recursos policiais
a tarefas estranhas à pura repressão política (MONET, 2001, p. 65).
A busca de denominadores de legitimidade em torno da atividade policial, em
meio ao conflito de sua aceitação, configura parte de uma estratégia muito mais ampla de
pacificação da sociedade. A burocratização da organização policial representou a
sincronização das demandas do controle social com as novas demandas do controle da
ordem, que requeriam tanto a absorção controlada, quanto a repressão das reivindicações
das classes populares, notadamente do nascente movimento operário e de suas
organizações. Estas contestavam a modernização de cima para baixo contando com meios
de organização de baixo para cima, que absorviam gradualmente as imposturas da
modernidade. Associações operárias, sindicatos, partidos, entre outras instituições,
ampliavam seu raio de influência vis a vis com a expansão da indústria e a proliferação dos
operários. A massificação dessas organizações imporia sua burocratização em moldes
modernos, inaugurando novos modelos de organização política para as classes
trabalhadoras, que redefiniriam as formas de negociação entre patrões e empregados. A
capacidade de enfrentamento do movimento operário com o poder era expandida, no ritmo
da absorção e da adaptação das técnicas de planejamento às necessidades dos movimentos
de caráter reivindicatório. Para reprimir os impulsos violentos das nascentes organizações
operárias, era necessário esvaziar a questão social de seu conteúdo revolucionário,
importando para isso, incorporar certas reivindicações na esfera do direito, o que também
permitiu construir um limite legal para a manifestação política.
A incorporação de reivindicações na esfera da norma legal, estratégia no
embate político em meio ao calor das batalhas entre as classes, permitiu a gradual aceitação
45
da supervisão policial sobre os ambientes sociais. A legitimidade da atuação policial na
Inglaterra, “foi ajudada e ajudou o processo pelo qual a classe operária, a principal fonte de
hostilidade inicial para com a nova polícia, incorporou-se nas instituições políticas e
econômicas da sociedade britânica”. (REINER, 2004, p.85). A luta pela representação
política dos diversos grupos organizados tornou-se um freio à expansão desenfreada do
controle violento da burocracia estatal sobre o corpo social. A expansão da noção de direito
requeria a intensificação das estratégias que permitiam a dominação e a assimetria das
relações sociais. Ao controle coercitivo da polícia, acoplaram-se novas formas de controle,
mais sutis, interessadas em inculcar no indivíduo, por meio da gestão científica, as marcas
de poder do próprio processo racionalizante.
A complexidade da sociedade moderna exigiu o aperfeiçoamento racional das
instituições, que elaboraram por meio das formações burocráticas uma eficiente e renovada
macro política da dominação
19
, com isto inaugurou-se novas dinâmicas para as relações de
poder, na qual a previsibilidade, a repetição e a rotinização tornaram-se a tônica para o
adestramento físico e moral. Michel Foucault analisou os meandros da positivação dessas
formas do controle “desencantadas” no cotidiano dos indivíduos, afirmando, por meio da
própria individualização, os pressupostos de uma micro-física do poder. Para o autor, a
ascensão da economia capitalista, nos países europeus de formação clássica, permitiu a
positivação de mecanismos que exigiam uma nova economia da sujeição: “as mudanças
econômicas tornaram necessário fazer circular os efeitos do poder por canais cada vez mais
sutis, chegando até os próprios indivíduos, seus corpos, seus gestos, cada um de seus
desempenhos cotidianos” (FOUCAULT, 1984, p.214). Este novo modelo do poder, cujo
embrião repousava em instituições que o aplicavam anteriormente ao desenvolvimento do
capitalismo, notadamente aquelas que dependiam de um grau desenvolvido de organização
administrativa, como os conventos, monastérios e quartéis; tornaram-se, no decorrer do
desenvolvimento da sociedade industrial e urbana, as fórmulas gerais da dominação.
19
Segundo Max Weber, “quando se estabelece plenamente, a burocracia esta entre as estruturas de poder mais
difíceis de destruir. A burocracia é o meio de transformar uma ‘ação comunitária’ em ‘ação societária’
racionalmente ordenada. Portanto como instrumento de ‘socialização’ das relações de poder, a burocracia foi
e é um instrumento de poder de primeira ordem – para quem controla o aparato burocrático” (WEBER, 1982,
p.264).
46
As minúcias do regulamento, o olhar esmiuçante das inspeções, o controle das
mínimas parcelas da vida e do corpo darão em breve, no quadro da escola, do
quartel, do hospital ou da oficina, um conteúdo laicizante, uma racionalidade
econômica ou técnica a esse cálculo místico do ínfimo e do infinito...Uma
observação minuciosa do detalhe, e ao mesmo tempo um enfoque político dessas
pequenas coisas, para controle e utilização dos homens, sobem através da era
clássica, levando consigo todo um conjunto de técnicas, todo um corpo de
processos e de saber, de descrições, de receitas e dados. E desse esmiuçamento,
sem dúvida, nasceu o homem do humanismo moderno (FOUCAULT, 1999,
p.121).
Essas técnicas minuciosas de propagação das relações de poder pelos seus
efeitos condicionantes, que reverberavam na conduta dos indivíduos, procurando moldar-
lhes o comportamento, foram denominadas de “poder disciplinar” por Foucault. E foi por
meio da “disciplina” que se buscou efetivar um ajuste, cada vez mais sutil e controlado,
entre as imbricações da racionalização das atividades produtivas e os jogos das relações de
poder. A disseminação do poder disciplinar, pelo corpo social, caminhou pari passu a
crescente aplicação do conhecimento técnico nas esferas da atividade humana. Seus efeitos
de poder foram otimizados, como estratégia de dominação, pela criação e difusão de
diversas relações de comunicação normalizadas pelas organizações e pelos contatos inter-
pessoais dos indivíduos, acoplados às modernas instituições.
20
Para Foucault, a disciplina
“é um tipo de poder, uma modalidade para exercê-lo que comporta todo um conjunto de
instrumentos, de técnicas, de procedimentos, de níveis de aplicação e alvos, ela é uma
física, uma anatomia do poder, uma tecnologia”.(FOUCAULT, 1999, p.177). Uma
tecnologia que visa criar a vigilância de um sobre o outro, instaurando uma rede de controle
que abarca toda a sociedade e impõe a lógica do autocontrole, tanto no sentido da repressão
dos comportamentos, como da instrumentalização dos corpos, ou seja, no sentido da
obtenção da eficácia produtiva na execução das tarefas do cotidiano, como requer a lógica
20
Segundo Foucault: “Trata-se de três tipos de relação que, de fato, estão sempre imbricadas uns nos outros,
apoiando reciprocamente e servindo-se mutuamente de instrumentos. A aplicação da capacidade objetiva, nas
suas formas mais elementares, implica relações de comunicação (seja de informação prévia, ou de trabalho
dividido); liga-se também a relações de poder (seja de tarefas obrigatórias, de gestos impostos por uma
tradição ou um aprendizado, de subdivisões ou de repartição mais ou menos obrigatória do trabalho). As
relações de comunicação implicam atividades finalizadas (mesmo que sejam apenas a ‘correta’ operação dos
elementos significantes) e induzem a efeitos de poder pelo fato de modificarem o campo da informação dos
parceiros. Quanto às relações de poder propriamente ditas, elas se exercem por um aspecto extremamente
importante através da produção e da troca de signos; e também não são dissociáveis das atividades
finalizadas, seja daquelas que permitem exercer este poder (como as técnicas de adestramento, os
procedimentos de dominação, as maneiras de obter obediência), seja daquelas que recorrem, para se
desdobrarem, a relações de poder (assim na divisão do trabalho e na hierarquia das tarefas.)” (FOUCAULT
apud DREYFUSS e RABINOW,2000, p.241).
47
capitalista de eficiência das instituições. Os efeitos da disciplina são tanto econômicos
quanto políticos sobre os indivíduos: aumento da capacidade de trabalho e diminuição das
possibilidades de revolta.
O poder disciplinar e seus efeitos de conduzir condutas implicaram a
positivação do poder, visto que para além da proibição de certas condutas, ele permeou a
construção de novos modelos de comportamento calcados na valorização, pelos indivíduos,
das normas sociais. Foi no próprio sentido da individualização, de sua ação sobre as
condutas, que o poder fabricou saber, transformando o corpo e seus movimentos num
campo para a classificação e para o adestramento, de acordo com sua operacionalidade
econômica e sua docilidade política. Segundo Foucault, a construção da individualidade foi
o primeiro efeito da imensa maquinaria do poder: “o indivíduo é um efeito de poder
simultaneamente, ou pelo próprio fato de ser um efeito, é seu centro de transmissão. O
poder passa através do indivíduo que ele constituiu” (FOUCAULT,1984, p.183). A
construção da individualidade e o surgimento e a difusão de novas formas de saber e de
controle social teriam implicações diretas na renovação técnica do aparato policial.
Medidas técnicas tiveram de socorrer o processo administrativo de controle. Nos
primórdios dos procedimentos de identificação, cujo padrão da época é dado
pelo método de Bertillon, encontramos a definição da pessoa através da
assinatura. Na história desse processo, a descoberta da fotografia representa um
corte. Para a criminalística não significa menos que a invenção da imprensa para
a literatura. Pela primeira vez, a fotografia permite registrar vestígios duradouros
e inequívocos de um ser humano (BENJAMIN, 1989, p.45).
A nova modalidade do poder, relacionada com o surgimento da economia
capitalista e suas novas táticas de sujeição, permitiram a inversão dos princípios da
dominação política. Ao invés da sujeição a partir do topo da sociedade, como requeria o
modelo político centrado na legitimidade da soberania real e da obrigação legal da
obediência da imensa massa de súditos, o poder disciplinar e a individualização reforçaram
o surgimento de uma noção de soberania e de direito público calcado no corpo social e na
representação do poder. As disciplinas não implicaram no fim do direito baseado na
soberania, e sim ajustaram a soberania e o direito às necessidades de coesão do corpo social
disciplinado: “Os sistemas jurídicos – teorias ou códigos – permitiram uma democratização
da soberania, através da constituição de um direito público articulado com a soberania
48
coletiva, no exato momento em que esta democratização fixava-se profundamente, através
dos mecanismos de coerção disciplinar” (FOUCAULT, 1984, p. 189).
A disciplinas não expulsaram o direito da história, ao invés disto, colocaram o
direito como complemento necessário a disciplinalização do corpo social. A sociedade
disciplinar é uma sociedade de homens juridicamente livres, como requer a ordem social
burguesa. Os códigos jurídicos, afirmados sobre os conceitos da liberdade e da igualdade
eram condições para o adestramento vigilante das disciplinas, que no sentido contrário ao
direito, hierarquizam as posições sociais conforme as aptidões e as necessidades da
dominação. As disciplinas tabulam as normas e marcam os “desvios”, criando meios para a
correção e punição. As disciplinas se tornaram a grande invenção do poder, otimizadas pela
dominação política burguesa, visto que colocaram toda a população como alvo das relações
de dominação.
A burguesia compreende perfeitamente que uma nova legislação ou uma nova
constituição não serão suficientes para garantir sua hegemonia; ela compreende
que deve inventar uma nova tecnologia que assegurará a irrigação dos efeitos de
poder por todo o corpo social, até mesmo em suas menores partículas. E foi
assim que a burguesia fez não somente uma revolução política; ela soube
instaurar uma hegemonia social que nunca mais perdeu (FOUCAULT, 1984,
p.218).
Isso colocou o Estado moderno surgido das revoluções burguesas como
entidade ao mesmo tempo totalizadora e individualizante, uma instituição responsável pela
formatação da legitimidade legal e pela vigilância das tecnologias disciplinares no
cotidiano dos indivíduos e de suas organizações. E foi na aparente contradição entre a
soberania e a disciplina, que o modelo de dominação calcado na norma se disseminou pelo
corpo social, integrando os indivíduos ao direito e os hierarquizando de acordo com as
estratégias do poder. Para a efetivação dessa nova tecnologia da dominação, coube à polícia
um papel fundamental, pois ao mesmo tempo em que está ligada como aparelho de Estado
ao centro da soberania política, era incumbência da agência desenvolver o funcionamento
específico das formas de vigilância permanente da sociedade, observando a positivação das
disciplinas no corpo social.
A polícia [...] deve ser como um olhar sem rosto que transforma todo o corpo do
campo social em um campo de percepção: milhares de olhares postados em
49
todas as partes, atenções móveis e sempre alertas, uma longa rede hierarquizada.
Uma tomada de conta permanente do corpo do indivíduo (FOUCAULT, 1999,
p.176).
A polícia seria o “panóptico” do corpo social, uma instituição sempre vigilante
e onidisciplinar. Mais do que impor o medo como forma de sujeição, devia a polícia
perseguir os comportamentos desviados e instaurar a rotinização das formas de
individualização. Isso em meio à emersão de uma sociedade na qual as velhas práticas
oficiais de punição violenta eram descartadas, devido a sua vinculação com a noção de
soberania real. A nova economia da punição substituía gradualmente a “justiça do sangue”
e do espetáculo do suplício público por práticas “sóbrias”, relacionadas às novas diretrizes
legais, nas quais o castigo, mais que violentar o corpo, imporia sobre este a conduta de
acordo com a norma. A efetivação da prisão como modalidade de punição representa “o
momento mais terrível da organização burocrática” (MOTTA, 2004, p.236), pois ela
sintetiza a política de sujeição baseada no controle disciplinar. “A prisão é controle, é
disciplina, é centralização decisória, é absoluta separação dirigente-dirigido e, em muitos
casos, utilização econômica do corpo” (MOTTA, 2004, p.237). E foi nas relações entre as
engrenagens da justiça, da polícia e da prisão que se consolidou uma nova economia
política da punição. Como bem percebeu o célebre anarquista russo Piotr Kropotkin, figura
de proa do socialismo libertário do século XIX, comentando sobre a “vida cinzenta” dos
prisioneiros, como ele observou nos três anos passados em prisões parisienses, entre 1882 e
1885. Para o editor do jornal La Revolte, a prisão operava a desmoralização do preso
extraindo destes a capacidade do exercício da vontade própria. A prisão operava a
transformação dos homens em máquinas.
Quase todos os internos em nossas prisões são pessoas que não tiveram firmeza
suficiente para resistir às tentações que os cercam, ou que não foram capazes de
dominar o impulso apaixonado que durante um breve instante tornou-se mais
forte do que eles. Ora, nas prisões – tal como nos monastérios – o prisioneiro é
mantido afastado de todas as tentações do mundo exterior e suas relações com
outros homens são tão limitadas e de tal modo reguladas que ele raramente fica
sobre influência de grandes paixões. Mas, exatamente por isso, ele quase não
tem oportunidade de exercer e fortalecer sua vontade. Ele é como uma máquina.
Não pode escolher entre duas maneiras de agir e as pouquíssimas oportunidades
que lhe dão para exercer sua vontade estão ligadas a assuntos sem à menor
importância. Durante toda sua vida ele foi manipulado e comandado antes que
pudesse agir: precisa apenas seguir a corrente e obedecer para escapara de um
castigo cruel. Sob tais condições, qualquer força que pudesse ter a sua vontade
50
ao entrar na prisão acaba por desaparecer. E onde irá ele encontrar forças para
resistir às tentações que irão surgir diante de si, como por encanto, tão logo ele
ultrapasse os muros da prisão? Onde encontrará forças para resistir ao primeiro
impulso de um caráter apaixonado, se durante tantos anos, tudo fizeram para
matar nele a força interior da resistência, para fazer dele um instrumento dócil
nas mãos daqueles que o governam? (KROPOTKIN, apud WOODCOCK,
1984a, p.114).
Como a experiência ensinou ao arguto príncipe russo convertido ao
anarquismo, havia uma clara relação entre a prisão e o adestramento social. Porém, as
relações entre polícia e prisão são mais profundas na nova economia do poder. Acima da
“regeneração” dos presos, a pena correcional e a vigilância policial fabricavam a
marginalidade: “elas realizam em todo campo das ilegalidades a diferenciação, o
isolamento e a utilização de uma delinqüência” (FOUCAULT, 1987, p.234). A polícia
fornecia os infratores e era atrás das grades da prisão que a delinqüência, segregada,
construía os contatos internos que possibilitavam o seu próprio isolamento social,
facilitando os controles policiais. A libertação do prisioneiro devolvia-o, definitivamente
marcado, à vigilância policial nas ruas. A prisão, para a polícia, era espaço de cooptação de
colaboradores e de multiplicação das denúncias de uns contra os outros: “polícia - prisão -
delinqüência se apóiam uns sobre os outros e formam um circuito que nunca é
interrompido” (FOUCAULT, 1987, p.234). Mais do que perseguir e punir os criminosos,
competia a polícia o exercício da administração dos desvios, elaborando o gerenciamento e
a rotinização da delinqüência, isoladas em si mesma: “Ao movimentar, numa base ao
mesmo tempo externa e complementar ao âmbito jurídico-discursivo, mecanismos de
multiplicação das dissimetrias econômicas, sociais e de justiça, a polícia rotiniza os perigos
e as obssessões de uma sociedade” (SOUZA, 1998, p.18).
Os imensos efeitos da maquinaria do poder pensada por Foucault, para as
sociedades de formação capitalista clássica, têm se proliferado como modelo explicativo
das funções policiais em outras formações capitalistas. Embora a expansão do processo
civilizador do capitalismo faça também expandir a lógica da formação de organizações
policiais devidamente burocratizadas e que operam o mapeamento da delinqüência e seu
isolamento nas prisões, mesmo confirmando que isto seja reflexo do “desencantamento do
mundo” e do surgimento do “indivíduo disciplinado”, quais serão os limites destas
afirmações aplicadas às regiões periféricas do sistema? Quais seriam os limites das
51
tecnologias do poder efetivadas por meios da “sobriedade punitiva”, ou seja, da formação
dos sujeitos enquadrados pelo direito e pela norma disciplinar, em sociedades cujo legado
da dominação foi à exclusão de diversos setores sociais da própria noção de direito? Nestes
casos, qual foi o papel da polícia moderna? Coube a ela desenvolver sua atividade de
contenção aos desvios e de gerenciamento da criminalidade priorizando a expectativa do
uso da força como último recurso, ou foi a própria repressão o primeiro e principal recurso
da polícia no controle do corpo social?
A atuação policial persegue efeitos de poder, conforme requer a sua
instrumentalidade política. E a instrumentalidade da polícia nas relações sociais reflete as
necessidades do poder. Nas formações capitalistas observadas pelo autor, cujo lócus da
soberania foi redimensionado conforme a expansão da necessidade da negociação dos
conflitos e do surgimento da “sujeição disciplinar”, podemos advogar o aparecimento de
modelos de organização e a sistematização de rotinas do trabalho policial, cuja
instrumentalidade e efeitos requeridos pela aplicação da força seja a contenção “sóbria” ao
desvio social deliberado, sobretudo aqueles tipificados como contrários aos códigos de
conduta legal. Para isto, mesmo a ação repressiva mais enérgica necessita de um certo grau
de legitimidade e aceitação dos grupos que compõem o cenário social.
A adaptação dessa hipótese, para países da periferia do capitalismo, como o
Brasil, marcados por um confronto de classes absurdamente desigual, parece problemática.
Aqui, onde “os de baixo” são freqüentemente invisíveis para “os de cima”, salvo quando
lhes metem medo, o caminho para a modernização capitalista elevou a estratégia da
violência policial como fórmula primordial, para o enquadramento dos comportamentos
sociais. Mais que representação da violência, a arbitrariedade e a brutalidade da ação
policial foram às normas de administração do conflito de classes e da adequação dos
trabalhadores aos requisitos do mundo urbano e fabril. Seu modelo de atuação,
notadamente arbitrário, tem raízes profundas nas relações políticas, econômicas e sociais
que caracterizaram a formação capitalista brasileira. Embora devidamente reformulado o
aparato de controle policial, com a paulatina aquisição ao longo do tempo de instrumentais
técnicos de atuação e de quesitos burocráticos de organização, tais medidas não tinham o
intuito de abster a violência rotineira da polícia. Pelo contrário, a modernização da
instituição visava ampliar a eficiência tática de seu modo tradicional de atuação. Foi para
52
atuar no imenso hiato entre as classes que se modernizou a polícia. Mais que uma expressão
da sofisticada maquinaria do poder, aqui a polícia foi (e é) de fato, um poder que
reproduziu as assimetrias da representação política em nossa sociedade.
53
3. Polícia e exclusão política e social: formação do Estado e estratégias de dominação
no Brasil.
Seja qual for a emergência [...] a autoridade mais modesta e mais transitória que seja procura abandonar os
meios estabelecidos em lei e recorre à violência, ao chanfalho, ao chicote, ao cano de borracha, à solitária a
pão e água, e outros processos torquemadescos e otomano.
Lima Barreto.
O processo de modernização da sociedade brasileira tem suas peculiaridades.
Diferente do modelo clássico anteriormente discutido, nestas plagas a formação do Estado
não foi o resultado de processos sociais que operavam sob o signo da ruptura. Seria mais
adequado pensá-los sob o prisma da conservação, e não sob o da revolução. Aliás, podemos
analisar o próprio processo de modernização capitalista da sociedade brasileira tomando o
binômio conservação/mudança como a tônica do processo de desenvolvimento. Ao longo
da história do país, as mudanças, de acordo com as imposições do tempo, foram realizadas
articulando o novo ao antigo. Ao invés das classes, o orientador do processo foi o próprio
Estado, para o qual sempre confluíram e foram conciliados interesses novos e antigos,
tendo como preocupação dar um verniz de modernidade ao arcaísmo das relações sociais;
demarcadas originariamente pelos estatutos da escravidão e pela apropriação patrimonial
21
da noção de res publica como um privilégio das elites. Não obstante, podemos afirmar que,
no caso brasileiro, coube ao Estado formar a sociedade, mais do que a sociedade formar o
Estado. Isso deu aos detentores do poder a possibilidade de criação de mecanismos que
articulassem a manutenção das formas de dominação tradicional à dinâmica das
transformações, impostas pelo próprio avanço da ordem capitalista.
Tal maquinário de conservação do poder (arranjado para absorver os conflitos
das elites, capaz de conciliar interesses e incorporar as novas demandas políticas,
econômicas e sociais, destituídas de sua força transformadora) criou um espiral no qual o
planejamento do progresso esteve sempre associado à necessidade de conter a mobilização
das classes populares. Porém, planejar e conduzir o progresso não significou congelar o
21
A análise histórica do patrimonialismo no Brasil, a partir do molde português, foi realizada por Raymundo
Faoro em sua clássica obra Os donos do poder, lançada originalmente em 1957.
54
movimento da história. Cada novo consenso preparou o caminho para novos dissensos
22
e a
cada novo conflito posto pelo próprio aprofundamento do processo modernizador, mais
sofisticados e pragmáticos deveriam ser os instrumentos de contenção para a
desmobilização das reivindicações de caráter popular. Foi para acompanhar este
movimento que se criou e continuamente modernizou-se a polícia.
Competia à polícia um papel fundamental no planejamento do nosso modelo de
desenvolvimento excludente, pois a ela foi delegado o papel histórico de instrumentalizar,
nas ruas, os mecanismos que permitiam a própria exclusão das classes populares do
processo político. Sua ação sempre esteve pautada pela necessidade de gerenciar a própria
desmobilização, por meio de intervenções pragmáticas e arbitrárias que visavam impor,
pelo temor, a versão de ordem social desejada pelos detentores do poder. Nessa acepção, a
polícia buscou interferir diretamente na sociabilidade das classes populares, estigmatizando
e reprimindo os comportamentos que não estavam de acordo com o padrão de civilidade
requerido pelas nossas elites.
A arbitrariedade caracterítica das forças policiais no Brasil no contato com as
classes populares relacionou-se desde cedo com a imposição de instituições burocráticas de
controle, aparentemente modernas, para vigiar uma sociedade carente de outros atributos
fundamentais da modernidade. (HOLLOWAY, 1997, p.24). A organização policial criada
no império escravocrata – que também realizou reformas no sentido da centralização e da
hierarquização de sua estrutura, assim como da definição das funções de polícia em
judiciária e administrativa
23
– procurou formatar uma polícia com semblantes de
modernidade para vigiar os embriões urbanos em uma sociedade cujo status quo estava
firmemente demarcado pelos estatutos da escravidão e pela proeminência política e
econômica do mundo agrário. Ao invés da racionalidade econômica impor a lógica da
modernização das instituições, havia a primazia da razão política do controle sobre o
território e a população. A formação capitalista brasileira, assentada na continuidade do
modelo mercantil, criava impedimentos ao florescimento da ordem competitiva moderna. A
22
A referência da discussão proposta é o conceito de revolução passiva desenvolvido por Antônio Gramsci
para análise do processo de modernização conservadora do Estado italiano. Tal conceito, adaptado à realidade
brasileira por autores como Marco Aurélio Nogueira, Luis Werneck Vianna e Carlos Nelson Coutinho (em
obras citadas na bibliografia), foi desenvolvido pelo autor original na obra “A ciência política e o príncipe
moderno”, que já conta com diversas traduções para o português. Entre estas, ver: GRAMSCI, 1978. p. 147 a
236.
23
Sobre o assunto, ver: PESTANA, 1961.
55
economia era refém da política, demarcando a riqueza não como conseqüência da
racionalização da produção, mas sim da expansão dos domínios sobre pessoas e terras.
“Preservação do território e controle sobre a população [...] A economia era concebida
como dimensão instrumental aos seus propósitos políticos” (VIANNA, 1999, p.15).
24
A continuidade das formas tradicionais de dominação e a construção de um
quadro administrativo
25
embasado nesses pressupostos, em meio ao avanço das instituições
capitalistas, permitiram a articulação de relações características da dominação patrimonial
com outras, típicas da dominação burocrático legal. A aparente contradição se resolvia no
pacto do poder, que admitia a expansão da autoridade legal do Estado como um quesito
para o controle e a coesão do imenso território, e também como uma trincheira para a
continuidade da ordem escravocrata. A autoridade política não proclamava a
universalização do direito como o termo fundador de sua legitimidade, pelo contrário, era a
continuação dos privilégios que demarcavam os fundamentos da soberania política.
Se por um lado à emergência do Estado nacional e de uma forma específica de
administração burocrática responderam pela necessidade de autonomização
política, por outro lado à legitimidade do exercício privado da justiça impediu
quem as elites se apercebessem da tarefa histórica que se lhes propunha o
controle do sistema político: universalizar seus interesses políticos e organizar a
apropriação do poder de modo efetivamente institucional (ADORNO, 1988,
p.55).
A tensão entre a emergência de um Estado constitucional e a necessidade da
reprodução das formas tradicionais de dominação expressava-se na própria contradição
entre a letra da lei e a prática da justiça. O império brasileiro, já em 1830, elaborou um
novo código criminal para substituir o livro quinto das Ordenações Filipinas, que desde sua
24
Segundo Raymundo Faoro, o patrimonialismo brasileiro impôs a sociedade de ordens, hierarquizada a partir do seu
topo
, como modelo de ordem social. E foi sob a égide da sociedade de ordens que se engendrou a sociedade
de classes, pois foram as relações de poder que construíram as relações de produção. Neste sentido, a
estrutura que irá determinar os modos de produção e de reprodução social estava subordinada mais a
formação política do que a economia, portanto a exploração econômica era politicamente orientada.
25
Como comenta José Murillo de Carvalho, no esteio da explicação que afirma a formação das elites políticas
brasileiras, formadoras do Estado nacional de acordo com a herança portuguesa de nossas instituições
políticas: “A homogeneidade ideológica e o treinamento foram características marcantes da elite portuguesa,
criatura e criadora do Estado absolutista. Uma das políticas dessa elite foi reproduzir na colônia uma outra
elite feita à sua imagem e semelhança. A elite brasileira, sobretudo na primeira metade do século XIX, teve
treinamento em Coimbra, concentrada na formação jurídica, e foi, em sua grande maioria, parte do
funcionalismo público, sobretudo na magistratura e no exército. Essa transposição de um grupo dirigente teve
talvez maior importância que a transposição da própria Corte portuguesa e foi fenômeno único nas Américas”
(CARVALHO, 1996, p. 33).
56
publicação, em 1603, vigorava como fonte para os procedimentos penais no Brasil. O novo
código, “expressão audaciosa de filosofia jurídica liberal que os juristas europeus mais
progressistas ainda estavam tentando implementar em suas nações” (CAULFIED, 2000,
p.57), procurava simbolizar, aos olhos doutos, a nova condição do Brasil como nação
moderna. O código de 1830 foi o primeiro código penal autônomo da América Latina.
Inspirado no modelo do direito clássico, o código procurava dirimir o poder arbitrário do
Estado sobre o indivíduo, com base no direito da soberania divina, e eliminava a distinção
de classes para os sujeitos jurídicos, mola do procedimento penal aristocrático. Partindo da
premissa de que a lei somente poderia sacrificar a liberdade individual em função de um
bem-estar social maior, o novo código “especificou o ‘bem social comum’, garantindo a
repressão de cada ‘ato criminoso’ e estabeleceu a igualdade de ‘responsabilidade criminal’
para todos, independente da identidade do infrator” (CAUFIELD, 2000, p.58).
Elaborado como instrumento de política liberal, que procurava demarcar a
posição do Brasil na direção dos “avanços da civilização”, o novo código surgiu como
resposta conciliadora, entre os imperativos da política moderna e o anacronismo das
relações sociais. A aplicação do seu enfeixe legal permaneceu letra morta nas práticas da
justiça. Os preceitos liberais de controle da sociabilidade não encontravam ressonância na
realidade das relações de dominação. Ao invés de enfeixar os valores que compunham a
noção de ordem social requisitada pelas elites, o novo código, incompatível com a estrutura
hierárquica da sociedade, foi tomado por grande parte dessas elites como uma ameaça para
a reprodução do seu poderio. Na burocracia estatal, vozes se levantavam manifestando o
perigo dos princípios liberais contra os fundamentos da centralização política.
Quando os legisladores do partido conservador montaram uma campanha bem-
sucedida, que visava reverter esses efeitos, reescrevendo o código de
procedimento penal em 1841, eles receberam o apoio de muitos liberais e da
maioria dos juristas (FLORY, 1981, apud CAULFIED, 2000, p.92).
Para os detratores do código penal, preocupados com as revoltas liberais da
década de 1830, o princípio da igualdade perante a lei era incompatível com o “nível
cultural” e com o grau de “evolução” da sociedade brasileira. A população ainda não seria
povo, não estava preparada para um contrato social moderno e o caos se instauraria caso o
“barbarismo” não fosse rigidamente controlado. A impossibilidade da vigência prática da
57
cidadania política e social legava à polícia as rédeas do controle sobre grande parte da
população, que deserdada do direito, tornava-se sua “propriedade”. A reforma do código
penal, acontecida em 1841, contemplou novas atribuições à polícia, de acordo com as
expectativas de controle da sociabilidade manifestada pelas elites.
A legitimação e o reconhecimento dos suspeitos; a repressão aos ébrios, vadios e
vagabundos, mendigos, turbulentos, prostitutas escandalosas e outros indivíduos
perigosos, aos quais podia ser imposta a obrigação de assinar o termo de bem viver
e segurança; evitar os ajuntamentos ilícitos e vigiar as sociedades secretas;
inspecionar os teatros, espetáculos e divertimentos públicos; julgar as
contravenções às posturas das câmaras municipais; vigiar sobretudo o que dizia
respeito à prevenção dos delitos e manter a ordem e a tranqüilidade públicas. À
polícia judiciária ficaram as atribuições de: proceder ao corpo de delito, prender os
culpados, conceder mandatos de busca e apreensão, julgar os crimes que não
estivessem imposta pena maior que multa até cem mil réis, prisão, degredo ou
desterro até seis meses com multa correspondente à metade desse tempo ou sem
ela e três meses de casas de correção ou oficinas públicas (VIEIRA, 1965, p.354).
O alargamento das atribuições da polícia e a sobreposição de delegações de
justiça, confirmado pelo novo código, em meio ao refluxo da legislação liberal, clarifica o
papel central desta instituição no desenvolvimento da estratégia de contenção arbitrária dos
espaços sociais. Os historiadores infra-institucionais da policia referem-se ao período como
a fase “semi-autônoma” da instituição, em relação ao judiciário (VIEIRA, 1965, p.355).
Sob esse enfoque, no momento de sua formação, competia à polícia brasileira um papel
diferenciado, nas estratégias do poder, daquele exercido pelas suas congêneres européias do
século XIX. Aqui devia menos à polícia normalizar comportamentos frente às imposições
do controle e disciplina, requerida pela generalização do mercado de trabalho livre, e mais
complementar uma estrutura de dominação baseada no privilégio legal de poucos e seu
domínio sobre o corpo e o espírito de muitos. Para os pobres, livres ou não, a polícia era a
própria lei. O controle policial era requisitado sobretudo nas cidades, espaço físico no qual
a vigilância do senhor de escravos perdia eficácia. Embora o aumento do comércio nos
centros urbanos permitisse a criação de um mercado de trabalho mais ou menos livre, a
ação da polícia garantia, na prática, a não distinção entre escravos e homens livres pobres,
sujeitos ao seu arbítrio. Sua função foi reproduzir no nascente espaço urbano as demanda
de controle patrimonial da população.
O anacronismo das relações sociais incidiu diretamente sobre o comportamento
policial. Como um capitão do mato urbano, a polícia vigiava os setores sociais que estavam
58
diretamente sobre sua alça de mira. Aliás, como demonstrou Bretas (1997), os efetivos de
baixo escalão eram provenientes dos mesmos extratos sociais que a ela cabia reprimir, o
que inviabilizava sua autoridade sobre os de cima. A ordem patrimonial inviabilizava a
afirmação do monopólio da força pela polícia, pois pelas ruas transitavam “freqüentemente
abusando do poder armado, policiais, militares do exército e da armada, guardas nacionais e
noturnos, todos eles dotados de autoridade, contra a desprotegida marginalidade”
(BRETAS, 1997, p.53).
O recurso à violência era, para essa polícia, a aposta de fazer valer seu poder nas
ruas. Eram os tempos do major Vidigal, que fazia a ronda pelas ruas do Rio com seu
pessoal portando paus e chicotes, distribuindo golpes e chibatadas a torto e a direito, de
acordo com as vontades do comandante.
26
A noção de obediência às autoridades policiais
era efetivada por meio da arbitrariedade, tornando-se o denominador comum da ação de
contenção. A violência legitimava a polícia como representação da ordem, permitindo
arbitrar os conflitos do cotidiano nos espaços sociais habitados pelos setores mais humildes
da população.
Essa conjugação de precariedades e poder que marcava o serviço policial
influenciava diretamente as formas de ação da polícia e os padrões que são
construídos para suas relações com os cidadãos. A forma perversa de
incorporação política que a polícia representava impediu seu funcionamento
efetivo enquanto parte de um sistema encarregado de realizar o processo
penal...transformar a administração policial da justiça em processo penal era um
luxo que as autoridades com muita freqüência preferiam evitar...Essa
administração informal da justiça realizada pela polícia, entretanto, não é apenas
um exercício de aleatoriedade, mas, ao contrário, termina por consolidar-se em
práticas reconhecidas. Passa a existir um código informal de processo penal que
dispensa advogados e juízes (BRETAS, 1997, p.114).
Na gênese do Estado e da sua polícia – podemos perceber mecanismos que se
perpetuaram no decorrer do processo de modernização da sociedade brasileira. O modelo
de revolução burguesa, articulando a modernização capitalista por meio de “conciliação” e
de “exclusão”, determinou também que o modelo de renovação das instituições policiais
seguisse um padrão de incorporação das novidades sem que estas pudessem interferir no
seu modus primaz. Aqui, a polícia moderna era uma representação das hierarquias que
26
A figura do major Vidigal foi imortalizada na obra de Manuel Antônio de Almeida Memórias de um
sargento de Milícias.
59
consignavam uma sociedade dividida entre cidadãos e não cidadãos. A legitimidade do
policiamento, desde sempre foi afirmada pela arbitrariedade e pela violência, visto que
coube historicamente à instituição o papel de cordão sanitário entre o mundo dos incluídos
e dos excluídos (SOARES, 2000, p.41). A circulação restrita de valores democráticos
permitiu que o sistema policial brasileiro fosse implementado sob o signo de um modelo
duplamente repressivo: repressão política e repressão social
27
.
Foi no contexto da mudança da ordem escravocrata para ordem burguesa, na
transição do império para república, que se deu o redimensionamento do papel do Estado
como agente do controle social. A proclamação da república consagrou os princípios do
mercado de trabalho formalmente livre e da igualdade jurídica perante a lei. No papel, o
povo tornava-se seu próprio soberano. Os novos tempos, republicanos, de igualdade dos
direitos, desarticularam as formas tradicionais de controle privado do mundo do trabalho,
conforme consagravam os estatutos da abolida escravidão. A coerção física passou a ser
atributo exclusivo do Estado. Embora tal ditame estivesse fundamentado na própria lógica
da igualdade jurídica, o pacto de poder das elites determinava os próprios limites da lógica
do direito. Na prática, quatrocentos anos de escravidão e de enquadramento violento às
normas do poder não permitiam qualquer igualdade política ou social.
A continuidade das formas tradicionais de dominação requisitava a exclusão
dos setores populares dos assuntos do poder. Cabia às elites organizar e determinar o
funcionamento da sociedade de acordo com suas premissas
28
. O povo devia aceitar
passivamente os ditames que valorizavam sua subordinação. A contestação popular dessas
imposições, as reivindicações formuladas pelos “de baixo”, era vista como sinal de atraso e
de insubordinação. Ao Estado cumpria a função missionária de encaminhar a população nas
sendas da modernidade. Nas entrelinhas, seu papel era articular as novidades da
modernização com os dispositivos de poder que garantiam a continuidade das formas de
dominação tradicional. Para isso, tornava-se necessário redimir os focos de revolta e de
insubordinação, no contexto de uma realidade social que se dinamizava pari passu ao
aprofundamento do modelo de gestão capitalista da sociedade.
27
SOUZA, 1998, p.37.
28
Sobre o assunto, ver: ADORNO, 1988.
60
Durante a república velha também se intensificou, ainda de forma tímida, o
processo de industrialização. Embora as políticas públicas estivessem atreladas à lógica
econômica determinada pelo interesse dos plantadores de café, carro chefe da nossa
economia de caráter agro-exportador, a incipiente indústria já demonstrava sua capacidade
de modificar o ambiente urbano. A cidade de São Paulo – centro cuja pujança dos negócios
do café estimulou a própria proliferação industrial – triplicou sua população entre 1900 a
1925, saltando de 240.000 a 750.000
29
. Em 1929, a cidade contava com cerca de 9.000
estabelecimentos industriais de diversos portes, empregando 140.000 trabalhadores.
30
Suplantando as cidades concorrentes, como Campinas, Sorocaba e Santos, a capital do
estado transformava-se no mais expressivo centro administrativo, comercial e industrial
paulista, concentrando capitais e força de trabalho. Após três séculos de confinamento em
seu núcleo central – o raio de expansão da cidade não passava de um quilometro da Praça
da Sé
31
– São Paulo crescia, no compasso da construção das chaminés das fábricas e da
chegada e fixação de milhares de imigrantes de diversas nacionalidades, que vinham
atraídos pelas possibilidades de emprego. O crescimento acelerado transformava os ares e a
paisagem daquela que se tornaria a nossa maior metrópole.
As mudanças atingiam os diversos ambientes da cidade: “Ao lado de
maltrapilhos e mendigos que pechincham uma fugitiva esmola, cruzam industriais
arrogantes e garbosos. Desfilam, em direções opostas, mameludas matronas e figurinhas
lépidas de costureirinhas. E a vida turbilhona numa mistura incaracterística”
(FLOREAL,2003, p.20). A modernidade fincava seus pés de aço na terra da garoa. “[...]
tudo pulula numa agitação delirante, nevrótica (sic), produzida por milhares de indivíduos
dominados do desejo de se tornarem alguma coisa pelo dinheiro” (FLOREAL, 2003 p.21).
A ocupação dos espaços na cidade renovada seguia a lógica da diferenciação de
status entre seus habitantes. As políticas de modernização e embelezamento dos serviços e
espaços públicos, que passavam pela remodelação dos sistemas de água e de esgoto,
iluminação e alargamento das ruas, criação de avenidas e construção de parques para o
lazer, atingiam, sobretudo, as privilegiadas regiões da Sé e Consolação, redutos dos ricos e
dos bem apessoados. Ali, a “Chicago” brasileira mostrava seu compasso afinado com as
29
CAMPOS, 2000, p.15.
30
SIMÃO, 1966, p.31.
31
Sobre o assunto, ver: BRUNO, 1967. p. 65 a 77.
61
maiores realizações da “civilização”. Porém, era na baixada dos rios Tietê e Tamanduateí,
regiões sujeitas às enchentes periódicas e desvalorizadas no mercado imobiliário que a
cidade mais se expandia.
Seguindo a várzea dos rios e a linha demarcada pela rede ferroviária, antigos
subúrbios eram transformados em bairros operários. Era o caso do antigo Brás e do Bom
Retiro, passando por Ipiranga, Mooca, Água Branca e Lapa. “A única alternativa para a
maior parte da população era a habitação coletiva. Os cortiços concentravam-se em áreas
específicas, na proximidade das fábricas e dos trilhos das estradas de ferro” (BERTOLLI,
2003, p.43). A segregação entre as classes se refletia na ausência da preocupação do poder
público em remodelar estas áreas. “A água fornecida à população desses distritos era
captada do rio Tietê. De 30 análises efetuadas entre 1906 e 1908, 16 delas concluíram ser
não potável o líquido distribuído” (BERTOLLI, 2003, p. 45). A pavimentação das ruas era
restrita e a iluminação pública quase ausente. Ali, os novos habitantes pobres da cidade, de
diversas origens étnicas e culturais, eram legados a sua própria sorte pelos poderes
públicos.
Em meio à panacéia de nacionalidades, cores, nomes e costumes que
modificavam o cotidiano da cidade em ebulição, tomava corpo um novo agente social, fruto
da própria modernidade. A convivência nos bairros habitados pelos novos trabalhadores
geraria conflitos e compromissos para além das trancas dos quartos alugados em cortiços,
atravessando os portões das fábricas, tornando-se a extensão e o complemento da
experiência comum, lavrada nos teares e demais máquinas da produção. Formava-se o
proletariado. A cultura operária em elaboração (fruto das vivências partilhadas no cotidiano
da miséria e da esperança, do conformismo e da resistência, passando pelas insalubres
condições de trabalho e pelos baixos salários, pelas festas religiosas e étnicas) modificava
os costumes populares.
32
Nos espaços mais pobres da cidade, justamente nesses que mais
expandiam suas fronteiras de modo desordenado, brotavam novas formas de sociabilidade
popular, que ameaçavam o decantado poderio das elites: “Para a América do Sul afluem
estrangeiros de todas as espécies, formando centros urbanos de vocação cosmopolita e
densa, fatores demográficos de grande relevância na progressão da criminalidade. O crime
[...] é sempre mais grave entre nós” (BARROS, 1934, p.175).
32
Sobre o assunto, ver: FLORINDO, 2000, p.11.
62
A relação entre o crescimento das cidades e a expansão das ilegalidades ganhava
força como interpretação das “causas do crime” nos discursos dos agentes públicos
responsáveis pelas políticas de segurança, isso conforme a própria expansão do parque
industrial da cidade redimensionava as necessidades práticas das políticas de controle da
população. “A razão desse anômalo crescimento da delituosidade [...] está no contato mais
imediato de indivíduos de índoles e costumes diversos, que tornam mais áspero o conflito
vital, na reunião de ociosos que aí vem procurar fortuna sem trabalho” (SÃO PAULO,
1939, p.12). Para as elites no poder, os novos tempos traziam novos medos, que
requisitavam a formação de uma nova polícia, capaz de impor controle nos espaços
perigosos da nova geografia urbana: “começam a se delinear as novas concepções acerca da
‘moderna polícia’, mais compatível com o nosso ‘grau de civilização e modernidade’, onde
se aprofundava a divisão do trabalho, exigindo, igualmente, no interior da organização
policial, um maior grau de especialização” (CAVALCANTI, 1985, p.64.)
A organização policial foi continuamente remodelada durante toda a vigência da
república velha. Esse foi o período da criação da polícia civil e da redefinição de seus
atributos de polícia judiciária (com a prerrogativa de investigar os crimes e encaminhar o
processo ao judiciário, por meio do inquérito policial). A carreira policial também foi
modificada, pressupondo que o cargo de delegado fosse somente atribuído a bacharéis de
direito, nomeados pelo Estado.
33
Foi nessa época que as autoridades começaram a enfatizar
o papel preventivo da polícia, assim como da necessidade de conferir novos padrões de
organização e de quesitos de eficiência para a execução das atividades policiais. A
modernização ocorria pari passu ao aprofundamento das relações capitalistas, confirmando
aos renovadores o sentido prático dos preceitos da moderna organização policial, de acordo
com as experiências observadas nos centros adiantados do capitalismo.
É que a polícia, pela natureza mesmo da sua existência, procurava acompanhar o
crescimento do meio social a que servia, e como esse meio apresentava constante
transformação, tão constante que surpreendia aos mais atilados planejadores do
policiamento da capital, ela se via, por igual, na contingência de renovar-se e
reaparelhar-se continuamente, daí resultando essas reiteradas reformas, essas
repetidas ampliações do pessoal, essas amiudadas criações de novos cargos, tanto
de autoridades como de serviços técnicos e administrativos (VIEIRA, 1965,
p.361).
33
Sobre o assunto ver: VIEIRA, 1965.
63
No entanto, diferente do modelo inglês analisado anteriormente (o qual também
foi referência para os nossos reformadores)
34
, não foi o consentimento tácito e o interesse
mútuo o inspirador do novo modelo policial. À polícia não cabia resolver os conflitos
apostando na violência como último recurso, pelo contrário, aqui a violência era o primeiro
recurso. O quadro social pintado por autoridades e policiais constantemente fazia alusão à
“guerra” que a polícia enfrentava para controlar os espaços públicos, ameaçados pela horda
de estrangeiros indesejáveis que afluíam para a cidade, formando “verdadeiros quistos
dentro da capital”.
35
O discurso policial enfatizava seu papel de soldado avançado da
ordem, justificando a intervenção violenta como uma necessidade frente aos desafios do
controle social num ambiente em transformação.
Mas não tardará muito que tenhamos de precaver-nos contra a infiltração
manhosa dos elementos ocorridos de outras terras, em busca para melhor campo
para suas incursões delituosas. Precisaremos então reduzi-los a impotência,
oferecendo-lhes guerra intransigente e sem quartel, sistemática, encarniçada,
irredutível (TERRA, 1939, p.327).
A legitimidade da atuação policial não pairava nas raias da imparcialidade, mas
sim na instrumentalização do terror. Sua função era fazer valer a força pela força como
critério de adestramento das classes populares. Numa sociedade na qual a lógica do direito
burguês se amoldava às desigualdades sociais, cuja fruição, como um privilégio, estava
restrita as camadas superiores, cabia a polícia impor seu poder extra-judicial para uma
ampla parcela da população. O baixo controle institucional sobre a polícia combinava com
sua instrumentalidade nos jogos do poder. A opção pela violência policial, no trato com os
populares, confirmava que, mais do que representação do poder, a soberania do Estado na
ordem do trabalho livre não se descolava da questão do controle estrito sobre sua população
e o território. Nessas plagas, a norma que media a eficácia operacional da polícia era sua
capacidade de dar respostas rápidas às afrontas ao poder desencadeadas pelos populares. Aí
valia a lei de Talião, como nos dizeres de um policial, sobre a necessidade da punição física
para os criminosos sob investigação:
34
A literatura atinente ao tema confirma a inspiração inglesa e francesa na especialização da polícia brasileira.
Sobre o assunto, ver as obras de Luís Antônio Francisco de Souza, citadas anteriormente.
35
“Estrangeiros no Brasil” Jornal A gazeta in Prontuário DEOPS/SP n.13 de Daniel Cohen.
64
Podem os castigos corporais serem considerados vexatórios e anti-humanos, ou
mais que isso; são atos praticados pelos criminosos, cujo cinismo é tão
deslavado e provocante que lhes faz dizer, nas barbas da polícia; matei, roubei,
fiz o que quis, mas nada contarei...com a máxima franqueza e lealdade esposmos
a doutrina dos mestres, por que dez anos de escrupulosos serviços prestados à
função policial nos convenceram que os elementos daninhos que infestam a
sociedade não merecem ser cultivado com o mesmo acatado desvelo dos
indivíduos úteis e bons, para o sossego público e eficiência da própria polícia
(DI FRANCESCO, 1931, p.72).
A novidade da “predominância da penalidade incorporal”, no tocante ao
adestramento do movimento operário, jazia como letra amorfa no enfeixe do código penal.
A burocratização da instituição policial, a criação de “colônias correcionais”, embora
delineassem como estratégia de ação para a polícia o mapeamento esmiuçado do corpo
social e o isolamento da criminalidade em si, não requisitava a noção de “imparcialidade”
como forma de legitimar o policiamento. Pelo contrário, o não reconhecimento da
existência de uma questão social pelas elites era o pano de fundo para estigmatizar as
reivindicações populares como obra de desagregadores da harmonia social consolidada
pelas leis do Estado. Para as elites pensantes, afeitas ao malabarismo de conformar em seus
discursos a modernidade pretendida com a realidade das relações de poder, mesmo a noção
de classe social devia ser banida do vocabulário político. Como afirmou Rui Barbosa numa
conferência no Teatro Lírico do Rio de Janeiro:
Não me agrada, senhores, esse nome de ‘classes’. Quisera ver banida da
linguagem política numa democracia onde não parecem ter lugar essas
expressões de graduação e antagonismo. Como ‘classes’, numa sociedade
nivelada, onde os próprios vestígios da escravidão se vão diminuindo na fusão
de todas as raças? Como ‘classes’, no regime de costumes que reduz todas as
distâncias, apaga todas as diferenças, e iguala todas as condições? Como
‘classes’, no estado legal de direitos, hierarquias e dignidades que se oferecem a
todos os indivíduos sem acepção de nascimento, cor ou herança? Como
‘classes’, no gênero de coletividades cujos membros não se extremam uns dos
outros, senão pelas circunstâncias do valor ou da sorte, circunstâncias cegas,
providenciais ou caprichosas que abatem os mais nobres ou elevam os mais
humildes? O vocábulo soa mal porque favorece os equívocos, invejas,
rivalidades e, melhor seria, destarte, removê-lo de uma aplicação incoveniente
(RIBEIRO, 1985 apud CAMPOS, 2000, p.12).
Diferente da realidade política, econômica e social das formações capitalistas
clássicas (cujos conflitos viabilizaram o surgimento e a expansão das tecnologias
disciplinares como formas eficientes de autocontrole e adestramento da classe operária), a
65
obediência aos ditames da ordem, no momento do desencadeamento da industrialização
brasileira, tiveram na brutalidade policial o instrumento privilegiado de enquadramento.
Sob alegação de que estavam em jogo interesses do conjunto da nação, o Estado “não agia
com sutileza disciplinadora para garantir a ordem pública. Ao contrário, os donos do poder
não hesitaram em valer-se, até à náusea, da violência física para imobilizar os indesejáveis”
(PATTO, 1999, p.171). No Brasil, mais especificamente em São Paulo, não era a regra da
soberania do capital o positivar e individualizar as relações do poder. Pelo contrário, foi a
positivação da polícia, como instrumento da autoridade e do terror do Estado, a tônica de
orquestração das formas de desmobilização e adestramento da classe operária. Em meio a
uma realidade social e política que se valia da exclusão como estratégia para a manutenção
da dominação, coube ao “martelo do Estado” ajustar-se para bater pregos e rachar cabeças,
isso de acordo com sua visão de castigo e punição.
66
4. São Paulo entre o “velho” e o “novo”: estruturas do poder e burocratização da
polícia.
Liberdade completa, ninguém desfruta, começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a
Delegacia de Ordem Política e Social.
Graciliano Ramos
A centralidade da atuação policial, no controle da sociabilidade popular,
requeria que essa organização se comportasse, para os governantes, como um instrumento
eficaz na vigilância e imposição das formas de dominação política. A especificidade da
eficácia policial em nossa formação social relacionava-se com sua capacidade de
desmobilizar conflitos e conformar as classes populares com as expectativas do poder. Para
isso, tornava-se necessário “disciplinar” à polícia, isto de acordo com os imperativos
colocados pela própria modernidade, ou seja, dotá-la de eficiência técnica e científica. A
modernização burocrática da instituição ampliava sua capacidade operacional e ao mesmo
tempo permitia ao Estado organizar os corpos policiais conforme as demandas da
imposição da força nas relações de poder, otimizando sua instrumentalidade.
É interessante notar que as reformas administrativas e processuais, que
definitivamente deram caráter moderno à polícia paulista, foram iniciadas na gestão do Ex-
Presidente da República Washington Luís, como Secretário da Justiça e da Segurança
Pública (1906 – 1912) e expandidas durante o período que este ocupou a “presidência” de
São Paulo (1920 – 1924). O lema de sua gestão como secretário da segurança era “a
segurança do Estado acima do direito do cidadão”, demonstrando a clara articulação entre
repressão policial e controle das classes perigosas, identificadas com a expansão do
proletariado. E foi durante sua gestão no governo do Estado que a frase que se tornaria o
símbolo das relações entre capital e trabalho durante a república velha: “a questão social é
caso de polícia”, foi a ele atribuída.
A paternidade da frase pouco importa
36
. O fato é que as reivindicações operárias
durante a vigência da república velha foram considerada casos de polícia, por serem
36
Segundo a historiadora Cristina Roque Lopreato: “Quando candidato ao governo de São Paulo, em discurso
proferido durante o banquete oferecido pelo Partido Republicano Paulista, no Teatro Municipal de São Paulo,
na noite de 25 de janeiro de 1920, Washington Luis observou que ‘em São Paulo, pelo menos, a agitação
67
consideradas obras criminosas de agitadores estrangeiros. Embora as reformas na
organização policial anunciassem uma “nova era” no trato entre a polícia e a população,
marcada pelo avanço da civilidade, o quadro geral das modificações estava determinado
pela necessidade de conter as reivindicações populares que ameaçassem a noção de ordem
pública vigente.
Foi neste sentido, que, por exemplo, o secretário Washington Luis remodelou a
Força Pública do Estado, contratando a Missão Francesa composta de oficiais do exército
francês, para dar instrução militar aos soldados de São Paulo, o que marcaria
definitivamente o caráter militar da polícia uniformizada paulista. A profissionalização dos
soldados da força levava em consideração, entre outras, a otimização de seu desempenho na
atuação sobre os movimentos paredistas dos trabalhadores. Nas grandes greves e meetings
operários do período sempre se constata a intervenção repressiva, muitas vezes violenta,
dos soldados da Força Pública
37
, orientados por delegados da polícia civil responsáveis
pelas diligências de contenção as greves e manifestações dos “contumazes agitadores”. Para
além da reordenação da policia uniformizada, as inovações do período de gestão de
Washington Luis como secretário da segurança atingiram toda a estrutura policial do
Estado e as diversas modalidades de policiamento.
Ele foi francamente favorável a uma maior especialização das ações policiais,
incentivando a realização de congressos policiais, reaparelhando os serviços de
identificação criminal, de policiamento urbano, a assistência policial nas ruas da
capital, bem como mantendo a delinqüência urbana e rural sob controle cerrado.
operária é uma questão que interessa mais à ordem pública do que a ordem social. Não quer dizer isto que as
lições tumultuosas das revoluções alheias não sirvam ao encaminhamento seguro de nossa evolução, na qual o
trabalho e o capital têm de ser defendidos, visto que, se o capital não vive sem o trabalho, o trabalho não
prospera sem o capital. Só no consórcio humano e inteligente dos dois, as crises atuais encontrarão remédio e
solução.’ (EGAS, 1927, p.31) Na interpretação desta passagem do discurso feita por Amadeu Amaral, quando
da sua candidatura a uma vaga de deputado estadual nas eleições paulistas de 1922, pode estar a origem do
mal entendido. Ao analisar a plataforma política do então presidente de São Paulo, Amadeu Amaral, um dos
seus desafetos, afirmou: ‘O Senhor Presidente do Estado, em sua plataforma, teve uma expressão que fez bela
carreira através da imprensa nacional e da opinião conservadora, sendo festejada como a fórmula precisa e
luminosa da chamada questão social entre nós. Disse s. exa. que questão operária era antes de ordem pública
do que qualquer outra ordem [...] Deixou assim indicada à solução que se antolhava melhor: consistia no
emprego de medidas enérgicas, no sentido de abafar as agitações. Quem teria de proceder, principalmente, era
a polícia, não o legislador [...] Para muita gente, como para o honrado Dr. Washington Luis, a questão social
no Brasil se reduz à mera questão de polícia’ (DEBES, 1994, p.287). Difundida sobre a forma sintética ‘a
questão operária é um caso de polícia’, a frase entrou para os anais da história com sendo de autoria de
Washington Luis, apesar de não ter sido por ele pronunciada” (LOPREATO, 2000, p. 209).
37
Sobre o assunto, ver o artigo de Heloísa Rodrigues Fernandes, denominado: “A Força Pública do Estado de
São Paulo”, publicado in FAUSTO, 1986, p.234 a 256.
68
Ainda na mesma direção, em sua administração, procurou implementar a
construção da penitenciária do Carandiru, da nova sede do Tribunal de Justiça,
além de promover a construção de colônias penais e instituições disciplinares
(SOUZA, 1998 a, p.82).
A reformulação policial no Estado de São Paulo e a elaboração de suas novas
feições administrativas – medida registrada também nos principais Estados da Federação,
caso do Rio de Janeiro – refletem a intensificação da estratégia repressiva por parte do
Estado, em meio à tensão do cenário político e social do período. Inovações na máquina de
contenção são correlatas ao aumento do medo social da desordem: elas revelam o temor de
ruptura com a noção de ordem social vigente. Este temor (supervalorizado ou não pelos
grupos dirigentes) está relacionado a estímulos reais oriundos das dissidências políticas e
das camadas populares da população. As inovações do período revelam a ambigüidade do
significado de modernização para nossas elites políticas. Foi para conter a ferro e a fogo a
modernidade do surgimento das dissidências políticas, de novos modelos embrionários de
organização popular, que se modernizou a polícia.
No entanto, como já afirmamos anteriormente, planejar e tentar conduzir o
devir social no sentido de desmontar as “armadilhas” colocadas pelo próprio processo
modernizador (como no caso da política deliberadamente arbitrária de desmobilização das
classes trabalhadoras), não significou congelar o movimento da história. A violência do
Estado, aliada ao arcaísmo das relações entre capital e trabalho,
38
fortaleceu, no seio da
nascente classe operária, a propagação dos ideários da revolução social. Os portadores das
idéias rebeldes, militantes das organizações fundadas com a perspectiva de desencadear a
revolução, defendiam diferentes ideários e diferentes técnicas para a insurreição. Suas
38
Como afirma Warren Dean sobre as condições de trabalho no seu estudo clássico sobre a industrialização
de São Paulo: “As condições de trabalho em São Paulo dificilmente se justificariam. Em 1920 o industriário
paulista médio recebia cerca de quatro mil réis (sessenta centavos de dólar) por dia e para ganhá-los,
trabalhava dez horas por dia ou mais, durante seis dias por semana. As mulheres representavam cerca de um
terço da força de trabalho, e havia muitas crianças; é possível que a metade de todos os operários fosse menor
de dezoito anos e quase 08% eram menores de catorze. Como quatro mil réis mal davam para comprar meio
quilo de arroz, de macarrão, de banha, de açúcar e de café, não admira que famílias inteiras fossem trabalhar,
muito embora às mulheres e às crianças se pagasse menos por tarefa equivalente. O orçamento para uma
família de sete pessoas, publicado por um órgão de governo do Rio de Janeiro em 1919 destinava, só para
alimentos, quatro vezes mais o que recebia o trabalhador médio em São Paulo [...] As condições de trabalho
eram duríssimas; muitas estruturas que abrigavam as máquinas não haviam sido originalmente destinadas a
essa finalidade; além de mal iluminadas e mal ventiladas, não dispunham de instalações sanitárias. Os
acidentes se amiudavam, porque os trabalhadores cansados, que trabalhavam às vezes, além do horário e sem
aumento de salário ou trabalhavam aos domingos, eram multados por indolência ou pelos erros cometidos, se
fossem adultos, ou surrados se fossem crianças” (DEAN, s/d. p.163 e164).
69
organizações disputavam o papel de orientador nas lutas do nascente movimento operário,
procurando modelar e defender as reivindicações dos trabalhadores e também os
conscientizar de seu pretenso papel de agentes históricos da transformação social. Embora
marcados pelas diferenças de idéias, estratégias e métodos, os militantes desses grupos não
duvidavam que a apregoada revolução do proletariado traria em seu ventre os instrumentos
para a construção de uma sociedade sem classes, o que poria fim a séculos de dominação
do homem sobre o homem. Pregavam a inevitabilidade desse processo de transformação
violento, que colocaria frente a frente dominantes e subordinados, numa luta de vida ou
morte pelos meios materiais que definiam sua própria existência.
Entre esses grupos, inseridos na tradição revolucionária do socialismo
internacional (cujas diversas matrizes permitiam as divisões e as subdivisões de correntes e
segmentos), dois merecem destaque, no cenário da construção de opções políticas do
emergente movimento operário de São Paulo das primeiras décadas do século XX. Tratam-
se dos anarquistas e dos comunistas. A presença e a ação das organizações e dos militantes
anarquistas e comunistas, no ambiente urbano de São Paulo, demarcaram tanto a história
das formas de resistência popular, assim como das políticas institucionais de renovação dos
aparelhos de poder do Estado.
Os anarquistas e suas correntes sindicais, agrupadas em torno do ideário
anarcossindicalista, cuja maioria dos militantes era estrangeira – o que permitiu afirmar a
construção ideológica que relacionava ao estrangeiro a corrupção da ordem social –
fizeram seu debut na cena urbana com as primeiras greves do século XX. Seus jornais,
sindicatos, associações de auxílio mútuo, grupos teatrais, centros culturais, entre outros
organismos de denúncia e divulgação, afirmavam o ideário libertário expondo as mazelas
da sociedade capitalista e organizando as reivindicações dos trabalhadores. A importância
dos anarquistas, no cenário da resistência operária, pode ser aquilatada observando o espiral
ascendente de greves ocorridas no período. Algumas, como a greve geral de 1917,
tornaram-se verdadeiros marcos do movimento sindical brasileiro
39
.
39
A greve geral de julho de 1917, pelas suas proporções e pela reação desencadeada após seu termino, merece
uma breve caracterização. Seu início foi marcado pela parede dos trabalhadores do Cotonifício Crespi e da
Fábrica Mariângela, ambas situadas no bairro do Brás, em São Paulo. As difíceis condições de sobrevivência
do operariado de São Paulo naquela época, potencializadas pela crise do sistema econômico local decorrente
das incertezas dos rumos da grande guerra que ensangüentava o solo europeu, forneciam os ingredientes
capazes de ampliar a capacidade de enfrentamento das massas populares com o poder. No confronto entre
70
Para os anarquistas, sobretudo os militantes filiados as correntes sindicais, a
greve, combinada com o boicote e a sabotagem da produção, eram instrumentos de
primeira ordem nas estratégias que preparariam o terreno para a emancipação do
proletariado. O ideário libertário tinha em alta consideração a estratégia da “ação direta”
como meio de acender o estopim da revolução. A ação direta creditava aos próprios
trabalhadores a capacidade de enfrentar os poderes da sociedade. O operário não devia
esperar nada de intermediários externos que se colocassem na mediação do conflito entre o
capital e o trabalho. Sua ação autônoma e voluntária imporia as condições de luta e os
meios de ação contra a opressão. Neste sentido, a greve geral se tornava à expressão
coletiva da ação direta e a matriz da mudança revolucionária da sociedade. A participação
decisiva das lideranças anarquistas nas greves, momento emblemático para a elaboração da
cultura de resistência do movimento operário, viabilizou a manutenção do prestígio destes
militantes junto ao operariado de São Paulo até a metade da década de 1930
40
. Foi no
decorrer desta década, diante de novas diretrizes das políticas públicas de enfrentamento da
questão social, que o movimento anarquista e os sindicatos sob orientação
anarcossindicalista declinaram definitivamente como instrumento de luta do movimento
operário.
O medo das elites, em relação à atuação dos libertários, originou uma
diversidade de leis, como a lei n. 1.641 de 1907, que regulamentava a expulsão de
estrangeiros indesejáveis. Porém, a situação de caos e de desordem social, colocada por
movimentos de maior amplitude, impôs às autoridades novas determinações para o
enfrentamento do movimento operário. Não podemos esquecer que o Prefeito de São Paulo
durante os distúrbios da greve geral de 1917 era o ex-secretário Washington Luis, que se
viu obrigado a acatar algumas reivindicações dos grevistas, como a exigência do aumento
policiais e grevistas na Fábrica Mariângela faleceu o sapateiro espanhol José Ineguez Martinez. E foi em
decorrência dessa primeira morte que o movimento se espalhou, paralisando a cidade e descambando para um
verdadeiro motim popular, que durou dias. Entre tiroteios, barricadas, depredação de bondes, ocupações de
fábricas, o saldo oficial de mortos computou somente o falecimento de três operários – o citado José
Martinez, mais Nicola Salerno e Eduardo Binda – porém as inúmeras fontes extra-oficiais elevam o número
de mortos nos conflitos entre grevistas e policiais até a casa das centenas. A dificuldade do levantamento dos
números reais de mortos se deve aos enterros clandestinos promovidos pela polícia e pelo corpo de
bombeiros, muitos realizados nas madrugadas frias de julho no cemitério do Araçá. Sobre o assunto, ver:
LOPREATO, 2000.
40
A direção anarcossindicalista de diversos sindicatos de São Paulo no início dos anos 1930 pode ser
confirmada observando os relatórios policiais ajuntados ao prontuário DEOPS/SP n.716 da Federação
Operária de São Paulo.
71
das feiras livres para abaixar o preço dos gêneros de primeira necessidade.(LOPREATO,
2000, p.60). O temor de novas revoltas que atassem as mãos das autoridades públicas pode
ser um dos motivos de suas preocupações em ampliar as reformas na organização policial,
o que foi feito efetivamente durante sua gestão no governo do Estado no período posterior.
A situação requeria que novos instrumentos legais consubstanciassem a repressão policial.
Novas leis, de âmbito federal, foram criadas, como a lei n. 4.269 de 1921, de repressão ao
anarquismo, que condenava a doutrina e criminalizava às ações de militância.
No esteio do sucesso da revolução bolchevique de 1917 na Rússia, surgia em
1922 o Partido Comunista do Brasil, seção da IIIª Internacional, sediada em Moscou. O
PCB, formado sob os auspícios da revolução de sucesso no leste, traria ao movimento
operário a novidade do modelo de organização leninista de partido. Moldada das células
aos comitês decisórios na rigidez do modelo burocrático – do qual também acatava os
princípios de hierarquia e disciplina – coordenando as suas ações locais de acordo com a
plataforma política internacional, desenvolvida pelo Komintern de Moscou; a organização
comunista, ao menos em tese, estava direcionada para formar uma vanguarda de militantes
“profissionais”, preparados para insuflar e orientar as reivindicações proletárias no caminho
da revolução. “A organização revolucionária deve englobar, antes de tudo e sobretudo,
pessoas cuja profissão seja a atividade revolucionária” (LENIN, 1979, p.158). A
necessidade de incorporar ao partido as noções de organização de uma verdadeira
burocracia racional, e de insuflar nos militantes a disciplina característica do modelo de
organização capitalista, fazia-se necessária, na medida que a organização comunista devia
estar apta para enfrentar, sobreviver e mesmo rebater às investidas das forças policiais
burocratizadas do Estado
41
. Entre as tarefas práticas da organização comunista, estava
nivelar a atuação revolucionária com a atuação da polícia política moderna, representados
na Rússia czarista pela okhrana, a temível polícia política do czar
42
.
E é aqui que se torna necessária ‘a luta contra a polícia política’ uma luta muito
especial, uma luta que nunca poderá ser travada ativamente por uma massa tão
41
Como afirmou o próprio Lênin: A ação revolucionária “terá muito mais probabilidade de êxito se uma
‘dezena’ de revolucionários profissionais, provados, bem preparados, pelo menos tão bem quanto é a nossa
polícia, centralizar todos os aspectos do trabalho clandestino: edição de panfletos, elaboração do plano
aproximado, nomeação de um grupo dirigente para cada bairro da cidade, cada zona fabril, cada
estabelecimento de ensino, etc.” (LÊNIN, 1979, p.168).
42
Sobre o assunto, ver: SERGE, 1979.
72
ampla como aquela que participa das greves. Esta luta deve ser organizada
‘segundo todas as regras da arte’ por pessoas que tenham como profissão à
atividade revolucionária. (LENIN, 1979, p.157).
A atuação do PCB no cenário social, iniciada nos anos 1920, ganharia impulso a
partir da década de 1930, demarcando no decorrer desta década novas balizas para o campo
de organização das esquerdas brasileiras, que perdurariam por anos a fio. Os comunistas
eram críticos ferrenhos do “espontaneísmo” das massas, ou como afirmava o próprio Lênin
“a história de todos os países atesta que, apenas por suas próprias forças a classe operária só
pode atingir a consciências trade-unionista” (LÊNIN, 1904 apud PILSIER, 2004, p.276). O
partido era o instrumento que direcionaria o movimento operário e moldaria sua
consciência de agente histórico do processo de transformação social. Cabia aos quadros
profissionalizados do partido desempenhar o papel de estado maior do proletariado na
guerra social, dirigindo-o em suas reivindicações. O partido era a “vanguarda” do
proletariado, o que fazia prevalecer a “unidade da vontade” como quesito necessário ao
cumprimento de seu papel histórico, aprofundando o caráter anti-democrático de sua
organização. No entanto era este mesmo caráter que tornava possível a manutenção da
organização em momentos de densa repressão, quando a clandestinidade se impunha como
estratégia de sobrevivência e salvaguarda da estrutura partidária.
O PCB, como sessão da Internacional Comunista de Moscou, acatava as
diretrizes emanadas pelo Komintern, que sem perder de vista a geopolítica do imperialismo,
previa as etapas da revolução socialista de acordo com as etapas do desenvolvimento
econômico de cada nação. No Brasil, a verticalização das cadeias de comando do partido
ocorreu pari passu a sua subordinação à política emanada pelo Komintern, sobretudo após
1929, quando foi fundado o Secretariado Sul-Americano da entidade, com sede no Uruguai,
demonstrando o novo papel que os países da região ocupavam na agenda da organização
43
.
Das distensões internas do campo comunista, surgiria também à dissidência
43
Segundo Paulo Sérgio Pinheiro: “A percepção da hegemonia americana pela I.C. levou a uma reavaliação
da importância dos países latino-americanos, mas também contribuiu para a ocultação do verdadeiro caráter e
dos verdadeiros conflitos da sociedade da América Latina. Houve uma tendência a analisar os conflitos sob a
ótica do conflito inter-imperialista, como se as classes orientassem sua ação basicamente por eles [...] A
articulação com a I.C., antes ardentemente desejada, agora será imposta. Os assessores, que até então tinham
tido um papel quase ritual (como por exemplo na fundação do partido), passarão a ser presenças importantes.
Não se trata simplesmente de uma mudança de linha, mas de uma decisiva reviravolta organizacional. Por
meio dela, o partido será mais facilmente bolchevizado, a partir de cima.” (PINHEIRO, 1991, p. 202 e 241)
73
trotskista, resultado das disputas pelo poder entre Stálin e Trotsky no centro nervoso da
revolução mundial, a União Soviética. Os trotskistas, nascidos dos expurgos dos partidos
comunistas, constituíram grupos e partidos dissidentes em diversos países. No Brasil as
primeiras distensões trotskistas aconteceram em 1928
44
, ano da expulsão de Trotsky do
Partido Comunista da Rússia soviética. Em 1931, em São Paulo, era formada a Liga
Comunista, que reunia os militantes trotskistas, ligados também a União dos Trabalhadores
Gráficos, verdadeiro bastião do trotskismo na capital durante os primeiros anos da década
de 1930.
45
O antigo temor da revolta dos escravos era agora revigorado nos tempos do
trabalho livre. A possibilidade de que a política de cunho insurrecional, promovida pelos
instigadores da revolução social, conseguisse tomar corpo nas ruas da cidade, assustava
nossas elites. Governantes e empresários concordavam que a sucessão de greves, meetings,
orientados pela perspectiva da revolução socialista, era o maior desafio imposto à execução
das demandas de ordem social da república. A salvaguarda da ordem política e social,
confundida com a própria noção de salvaguarda da soberania, era a questão proeminente da
política de segurança pública do Estado brasileiro. Uma questão que atravessou épocas,
determinando regimes políticos e formas de governo ao longo do século XX. Como
afirmou Paulo Sérgio Pinheiro: “se houve uma política consistente do Estado brasileiro em
todo esse período foi a da repressão às dissidências políticas” (PINHEIRO, 1991, p.328).
A principal inovação da gestão do então “governador” Washington Luís, no
tocante à modernização das agências de repressão, foi a criação das polícias especializadas,
o que até hoje caracteriza a divisão operacional e administrativa no âmbito dos
departamentos da polícia civil. Foi com decreto lei nº 2034 de dezembro de 1924
46
, que se
determinou à formação de delegacias policiais especializadas nas diversas modalidades do
crime. Subordinada à coordenação do gabinete de investigações (espécie de central de
polícia da época), a polícia judiciária adentrava no tempo dos especialistas, da formação de
agentes com treinamento específico para o combate, a prevenção e a investigação de formas
específicas de distúrbios. A especialização da polícia trouxe diversas novidades ao campo
da atividade do policial.
44
Sobre o assunto, ver: CAMPOS, 2000. p. 73.
45
Sobre o assunto, ver: Prontuário DEOPS/SP n. 677, da União dos Trabalhadores Gráficos.
46
Existe uma cópia desta lei no Prontuário DEOPS/SP n. 3477 de Comunicação Interna.
74
A polícia especializada e científica, como requeria o discurso dos seus
criadores, passaria a privilegiar quatro desdobramentos: a utilização das técnicas
criminalísticas no desenvolvimento das investigações criminais (o que significa, entre
outras, a utilização do retrato falado, da balística e impressões digitais); o controle mais
rigoroso do fichário dos presos, sobretudo com metodologias mais avançadas de
identificação (a formação e a manutenção do arquivo passaram a ser o coração da atividade
policial); o intercâmbio com polícias nacionais e estrangeiras (o que efetivava a troca de
experiências e de informações sobre as modalidades do crime e dos “métodos” dos
criminosos); e a pesquisa e o conhecimento sobre as tendências hereditárias para o crime (a
utilização dos pressupostos da antropologia criminal como método orientador da atividade
policial)
47
.
A criação das polícias especializadas marcou definitivamente a
institucionalização burocrática das atividades policiais. Através da formação do
especialista, o que se enfatizou foi à profissionalização técnica do policial
48
, o que o deixou
menos afeito ao controle institucional ou popular sobre suas atividades. O perfil, requerido
pelos modernizadores, contemplava à expansão da lógica burocrática como fio condutor
das reformas do modelo de organização da agência, relacionando a otimização do
planejamento infra-institucional, com economia de tempo e ampliação dos resultados
práticos de sua atuação. A modernização implicava na profissionalização da atividade
policial, formando “um corpo de funcionários quase técnicos”, pois “os cargos de polícia
não constituem uma profissão. Era necessário que passassem a constituir, pois que o
desempenho desses cargos tomava ao funcionário todo tempo, esforço e atividade.”
(BARRETO, 1929, p. 15). Dessa maneira, ajustavam-se e contemplavam exigências
antigas, que reverberavam nos discursos de reforma da polícia, sentidas como necessidades
pelas elites há pelo menos uma década. Já em 1905, os debates da Comissão de Justiça da
Assembléia do Estado de São Paulo enfatizavam a necessidade de regularizar e especializar
a profissão policial.
47
Sobre o assunto, ver: SOUZA, 1998; FLORINDO, 2000.
48
Segundo Jean-Claude Monet, “é a profissionalização que cava o fosso entre formas antigas e modernas de
polícia. A noção de polícia moderna remete, com efeito, a evoluções precisas que constituem a função policial
como profissão: estabelecimento de critérios meritocráticos - o concurso -, em matéria de recrutamento;
elaboração de um saber técnico através dos processos de formação; remuneração suficiente para que o ofício
policial seja exercido em tempo integral; desenvolvimento, enfim, de uma identidade profissional que se
exprime por uma cultura que tem suas normas, valores e ritos” (MONET, 2001, p.62).
75
Para melhorar o funcionamento das instituições policiais, urge estabelecer a
polícia de carreira, incumbindo os serviços à pessoal escolhido, de aptidões
especiais, mediante um regular sistema de promoções, que permita obter, nos
cargos superiores, o concurso de auxiliares experientes, conhecedores pela
prática, de todas as particularidades do importante ramo da administração
pública, destinada a manter a segurança individual e a propriedade (Anais da
Câmara dos Deputados, 1905, apud BARRETO, 1929, p.17).
A “profissionalização” de acordo com preceitos burocráticos, como requer a
doutrina clássica, leva em conta a formação de um ethos profissional, consignado pela
criação de técnicas instrumentais e de valores deontológicos, transmissíveis por códigos e
verificáveis durante sua aplicação pela observância das normas legais (PAIXÃO,1982;
MONET, 2001). A estrutura burocrática exige uma divisão “científica” das funções e das
operações, otimizando as finalidades objetivas do trabalho. A literatura atinente ao tema
afirma que esses preceitos não são suficientes para abarcar a complexidade da
profissionalização das forças policiais, visto que a instrumentalidade institucional da
organização implica em tensão permanente entre autoridade e autonomia
49
.
No caso da modernização da polícia paulista, a burocratização e a
profissionalização das forças policiais, de acordo com os preceitos vinculados às normas
que se universalizavam no aparelho público de diversos países, esbarravam em dificuldades
derivadas das relações de poder desenvolvidos por nossas elites. Para essas, o controle do
aparato do Estado era correlato à obediência estrita da polícia aos ditames políticos do
grupo do poder, o que não permitiu, por exemplo, que a nomeação das autoridades policiais
fosse realizada mediante concurso público até meados da década de 1940.
50
Os delegados
49
Como afirma Jean-Claude Monet, observando que para os policiais a polícia é menos um ‘ofício’ e mais
uma ‘causa’: “É inútil, com efeito, procurar avaliar o papel da polícia examinando o que ela produz. Ao
contrário é capital saber quem são exatamente esses homens aos quais a sociedade confia meios materiais,
financeiros e jurídicos tão consideráveis. O que fazem os policiais importa, com efeito, menos para a
sociedade do que a maneira como o fazem. Ora, se ela é um ofício, dificilmente a policia pode passar por uma
profissão [...] Certamente, existem princípios gerais que orientam a ação policial, normas jurídicas que
pretendem enquadra-las, receitas que, experimentadas no passado, se transmitem quase imutavelmente de
uma geração a outra. Mas essas normas abstratas pesam menos que a lógica de situação, e a maneira como as
coisas são conduzidas no concreto da ‘esquina das Ruas’ é indissociável da personalidade daquele que age,
das motivações e dos valores que o animam” (MONET, 2001, p.130).
50
A lei que regulamentou os concursos para o funcionalismo público, incluindo os ocupantes de cargos
policiais, foi a lei n. 284 de 28 de outubro de 1936. (sobre o assunto, ver: WAHRLICH, 1983) Porém o
critério de nomeações para cargos policiais, mesmo no corpo de investigadores, ainda não havia sido de todo
abandonado em 1939, conforme demonstra ofício encaminhado ao Ministério da Justiça pela Chefia de
polícia do D.F. em 19 de junho do ano citado. Sobre o assunto, ver: TERRA, 1939, p.453
76
eram nomeados pelo chefe do executivo e ou pelo Secretário de Segurança. O principal pré-
requisito normativo para nomeação era o diploma de bacharel em direito e muitos eram
destituídos de suas funções quando se trocava o governo, ou ainda quando agiam em
desacordo com suas diretrizes. Para as autoridades governamentais, esse era meio eficaz de
garantir a obediência política da estrutura policial, não sem causar certo desconforto no
próprio corpo de delegados mantidos pela polícia civil, que por vezes criticavam as práticas
discricionárias levadas a efeito pelos seus superiores hierárquicos. Como comentou o
delegado Plínio Barreto sobre a exoneração de seu colega Bráulio Ribeiro de Mendonça,
delegado regional de Sorocaba, demitido do cargo em 1924 após 14 anos de serviço:
Não obstante seus antecedentes, sem motivo justo, sem a menor sindicância, por
mero capricho das autoridades, foi exonerado do cargo de Delegado Regional de
Sorocaba [...] Achou o governo que, sendo os delegados de polícia de livre
nomeação e demissão do chefe do executivo, era-lhe, e é, facultado despedi-los
quando bem lhe parecer (BARRETO, 1929, p.11).
No campo das atividades dos policiais de linha, a necessidade e a pressão para
conter a todo custo a mobilização política das demandas populares super valorizava a
imposição de formas arbitrárias de controle. Muitas vezes o policiamento era relegado aos
investigadores extra-quadros, que estavam na polícia contratados pela livre indicação das
autoridades superiores. Estes aspirantes a policiais, alguns cooptados quando eram alvos da
própria ação policial, outros, colaboradores por afinidades com a causa da polícia – caso
dos russos brancos que emigraram para São Paulo após o sucesso da revolução russa
51
formavam uma formidável linha de frente, apta a realizar os “trabalhos sujos”, devido a sua
própria condição de pertencerem à polícia sem estarem devidamente incorporados aos
quadros policiais mantidos pelo Estado. O hiato político e social existente entre as classes
iria determinar a forma específica dos encontros e confrontos entre os militantes das
51
Os jornais operários denunciavam a participação destes russos brancos nas atividades de contenção
efetivadas pela polícia. No prontuário DEOPS/SP n. 490, de Leo Ivanoff, ex-capitão do exército da Russia
Imperial, presidente da Federação da Cruz Vermelha Russa (associação que aglutinava os “brancos” na
capital) e colaborador assíduo do DEOPS/SP em diversas funções, podemos ler um ofício de 1933 da citada
Federação que felicitava a indicação do Dr. Cayubi para o cargo de Delegado de Ordem Social. Os termos da
missiva permitem observar a estreita colaboração entre os russos brancos e as autoridades responsáveis pela
repressão ao movimento operário. “Nós, os russos brancos, que já sofreram muito das conseqüências do
comunismo, e que, domiciliados atualmente neste belo país que é o Brasil, naturalmente não podemos até
pensar, que pela infelicidade, o bolchevismo pode atacar nossa segunda pátria. [...] Pedimos acreditar que a
colônia russa branca, em caso de necessidade, sempre e por todos os meios possíveis, ajudará a V.Exa. nesta
difícil tarefa. (doc.cit., f.3)
77
organizações do movimento operário e os agentes do poder público. A violência era a
corriqueira solução para o amansamento dos conflitos, o que distanciava sua atuação das
normas legais e enfatizava a discricionariedade arbitrária, como meio rotineiro de
intervenção. Assim, nos dizeres de um policial:
Vive a polícia entre a faca e a parede; se de um lado lhe reconhecem a faculdade
de recorrer a todos os meios de defesa, sem ficar adstrita a fórmulas e agindo
discricionariamente, tendo uma ação indefinida como a própria vida e intervindo
nos fatos com a solicitude e sem peias, de outro lado é acoimada de arbitrária,
violenta, brutal, etc e etc; como se ela fosse responsável pelos atos que pretendeu
reprimir (FRANCESCO, 1931, p.17).
Cabia a essa polícia, segundo os critérios definidos pelo Estado, a
exclusividade sobre as investigações, as diligências e as perícias para a elaboração dos
inquéritos policiais. Caso a investigação elaborada pelos “técnicos” fosse concluída
indiciando o suspeito, o inquérito era encaminhado para o poder judiciário, que iniciaria o
devido processo. A exclusividade da polícia na investigação dos delitos, aliada ao saber
técnico que definia seus critérios de acerto e erro, de acordo com terminologias infra-
institucionais, deu a essa polícia um poder de intervenção sem precedentes na cena social.
“Universo de profissionais, ela nega àqueles que não fazem parte da panela qualquer
aptidão para avaliar a pertinência da sua atividade e se entrincheira solidamente contra as
intrusões do olhar profano” (MONET, 2001, p.277).
Entre as delegacias especializadas formadas no âmbito da polícia civil de São
Paulo, uma, devido ao seu papel central na manutenção das estratégias de poder político
consignado pelas elites, ganhou destaque, tornando-se um símbolo do tratamento
autoritário da questão social na república brasileira. Estamos falando da Delegacia de
Ordem Política e Social, ou DEOPS, que funcionou de 1924 até 1983, como observatório
privilegiado para o controle e a repressão dos grupos e indivíduos engajados em projetos
políticos alternativos aos implementados pelos donos do poder, entre outras funções. A
centralidade da estratégia de contenção às reivindicações de caráter popular, e a
necessidade de controlar a inclusão política de acordo com as demandas desmobilizadoras
da dominação tradicional, colocaram o DEOPS no centro da questão do poder republicano.
Cumpria ao DEOPS articular as novas determinações legais de acordo com as
demandas de contenção no corpo social. O DEOPS/SP foi o protagonista principal, no
78
âmbito da polícia civil, da edificação de um ciclo renovado da organização do modelo
repressivo. A importância da repressão política e social colocou a atividade da agência no
centro da própria elaboração de um novo modelo de policiamento, que aliava, de acordo
com as necessidades do poder, as práticas tradicionais de repressão, consignadas pela
cultura policial, com o novo modelo burocrático, de especialistas. Conforme já foi avaliado
pela pesquisa histórica, o DEOPS tornou-se o “pólo agregador das demais delegacias
[especializadas] no tocante à tipificação do crime”. (PEDROSO, 2002, p.8). A trajetória da
polícia política revela o próprio sentido da trajetória modernizadora das funções policiais
no Brasil, demonstrando a amplitude da estratégia de desmobilização das reivindicações de
caráter popular na elaboração do modelo de policiamento. Redefinir em nosso passado a
extensão desses aspectos é, desde já, perceber as condições que definiram a permanência
das práticas arbitrárias no contato cotidiano entre os policiais e os membros das classes
populares.
79
5. A formação do DEOPS/SP e a repressão política e social na década de 1920.
O crime esta na própria organização da polícia.
Paulo Barreto, o “João do Rio”
A estratégia repressiva foi, durante a vigência da 1
a
república, o sustentáculo da
política de controle do movimento operário. A repressão aberta às greves, o
empastelamento dos jornais operários e a intermitente invasão das sedes sindicais, com a
prisão – muitas vezes não registradas – das lideranças, era a maneira corriqueira do contato
entre as autoridades e operários (FAUSTO, 1977, p.242). Essas práticas foram
intensificadas no decorrer dos anos 1920, sobretudo quando a crise política provocada pelo
próprio avanço da modernidade capitalista começou a fissurar as alianças tradicionais do
poder que sustentavam os arranjos formadores da república dos barões do café. E foi
durante o governo do Presidente Arthur Bernardes que as contradições do sistema de poder
acirraram os conflitos intermitentes entre os de “dentro” e os de “fora" do pacto.
A aliança política das oligarquias cafeeiras, que dirigiam os destinos políticos
do Brasil desde os primórdios da república, era contestada por diversos setores da
sociedade, os quais reivindicavam maior participação no cenário político e social. Esses
incluíam desde o nascente movimento operário, passando por setores militares, como os
tenentes, chegando até outros grupos das oligarquias estaduais, alijadas do campo decisório
do poder central. A própria formação do DEOPS/SP não pode ser analisada sem levar em
consideração a tensão política e social do período. A contestação ao governo por setores
das próprias elites políticas elevava o papel do proletariado urbano nos cenários dos jogos
do poder. O temor do governo com as possibilidades de greves e adesões a motins
refletiam-se na intensificação da repressão. A modernização do aparato repressivo veio
acompanhada por instrumentos legais que permitiam a ampla liberdade para a atuação
policial, como o Estado de sítio, as leis de exceção e a suspensão das garantias individuais,
vigentes por quase todo o governo Bernardes. A situação, muito próxima ao Estado de
guerra interna – embora acontecimentos como o bombardeio da cidade de São Paulo,
80
durante a revolta tenentista de 1924, configurem cenários de uma verdadeira guerra civil
52
autorizam a observação de que foi para efetuar o próprio enquadramento violento da
população que se renovou a policia. Sob os auspícios do arbítrio policial eram remetidos
aos cárceres e as colônias correcionais dissidentes políticos, estrangeiros, operários,
prostitutas, desempregados, ladrões, menores abandonados, vadios, entre outros
considerados perigosos e sumariamente incluídos na verdadeira política de profilaxia social
dos espaços público.
53
A deliberada política de profilaxia social dos indesejáveis legava à instituição
policial amplos poderes de intervenção no ambiente das “classes perigosas”. A estratégia
repressiva, ponteada pela necessidade de conter as ameaças à ordem, estava organizada de
modo a tratar o crime político como doença social, cuja potencialidade de contagiar as
massas era considerada nos discursos dos orientadores do processo de cientifização da
polícia, isto de acordo com os pressupostos das modernas doutrinas da criminologia.
Eis porque os códigos são tão severos contra os instigadores de movimentos
subversivos da ordem pública. Há na multidão um potencial de agressividade
cujas causas podem ser buscadas no atavismo, ou nos recalques dos desgostos e
sofrimentos dentro da disciplina social. De que maneira basta uma faísca para
produzir um incêndio ou explosão, basta uma voz de incitamento para arrebatar
a massa humana em atos de verdadeiro desvario. Ou será que existe em todos
nós um fundo de epilepsia, que a pressão psicológica, a excitação produzida pelo
incitamento à revolta desencadeia? Lembremo-nos da lição de Lombroso e
Laschia a respeito da epilepsia política [...] sobre o império da nevrose coletiva,
cada qual pratica o seu ato contra a propriedade, incidindo a lei penal (BRITO,
1946, p. 146).
A psicologia das multidões, na versão elaborada por Lemos Brito, figura chave
no desenvolvimento de uma política carcerária durante as décadas de 1920 e 1930
54
, faz
alusão clara aos ensinamentos da antropologia criminal de Lombroso e seu arsenal de idéias
que desembocavam na figura controvertida do criminoso nato
55
. Esse discurso refletia o
52
A literatura acadêmica sobre o assunto é extensa, entre outros, ver: CORREA, 1972.
53
Sobre o assunto, ver: PINHEIRO, 1993.
54
Lemos Brito foi presidente do conselho penitenciário do Distrito Federal e também da Sociedade Brasileira
de Criminologia.
55
O criminoso nato de Lombroso, para Pierre Darmon, “seria um subproduto do atavismo, o funesto fruto de
uma espécie de seleção natural às avessas, um monstro híbrido aparentado ao homem e ao animal, portador de
estigmas regressivos cujas raízes estariam perdidas num passado longínquo e remoto. A tendência criminal os
instintos sanguinários e anti-sociais desse homem das cavernas, desse fóssil vivo perdido no mundo
civilizado, seriam outro tanto de reminicências, de restos de uma organização ancestral imperfeita, ela mesmo
tributária de atavismos animais” (DARMON, 1991, p.57).
81
cerne das preocupações de nossas autoridades, para além de seus compromissos com a
ciência e a “boa doutrina”. A reincidência do medo da “explosão subversiva” da multidão,
traço constitutivo do pensamento das elites dirigentes sobre a questão da segurança pública,
encontrava nos pressupostos do crime como doença um verdadeiro relicário de conceitos e
de proposições ditas científicas, que referendavam sua estratégia de contenção as
reivindicações de caráter popular. As predisposições genéticas e hereditárias que alguns
indivíduos possuíam para o crime, transformavam-no em “símio, ser intolerável e
indesejável” (TÓRTIMA, 1998, p.100). Para esses animalizados – sobretudo os
reincidentes, acostumados ao ambiente das delegacias – a teoria referendava a
impossibilidade da recuperação social. Nesse sentido, para o Estado conter a proliferação
do crime era necessário isolar e repelir o criminoso, o que transformava o crime comum em
uma questão menos da alçada do direito e mais da ação da polícia. Eram os policiais os
técnicos em isolamento e captura dos focos das doenças sociais no corpo da sociedade,
eram esses que deviam intervir e realizar a desinfecção da persistente chaga da desordem.
O sucesso da antropologia criminal na elaboração teórica de nossos analistas
do crime, em detrimento de outras doutrinas criminais em voga à época – caso da doutrina
clássica a qual prefigurava os condicionantes sociais e a investigação dos fatos para a
resolução dos casos
56
– confirma que a estigmatização do crime enquanto doença era parte
necessária para a consolidação da tática de profilaxia social dos indesejáveis. A necessidade
de conter o contágio implicava em purgar o organismo social dos incontáveis meios de
transmissão dos vírus, representados por todas as formas de criminalidade e criminosos.
Embora existissem leis atinentes à punição do crime político, a política repressiva
deliberadamente não distinguia o crime político dos crimes comuns, sobretudo nos
momentos de maior repressão:
Talvez o principal objetivo dessa aparente confusão tenha sido o de criminalizar os
prisioneiros detidos por motivos meramente políticos. A estratégia seria a de deter
o operário ativista para averiguações colocando-o na mesma cela dos criminosos
comuns. Com o acúmulo de detenções, a atividade política subversiva, aos olhos
da opinião pública, passaria a ser vista como um delito qualquer como o furto, o
homicídio ou a vadiagem e assim, a imagem do prisioneiro político passaria a ser
associada à do bandido comum. Desse modo, criou-se um nevoeiro entre quem foi
preso por motivos de ordem política, e os infratores detidos por delitos comuns
(ROMANI, 2003, p. 256).
56
Sobre o assunto, ver: CANCELLI,1993.
82
A política de profilaxia social do ambiente urbano era efetivada na prática pela
Delegacia de Ordem Política e Social. A agência formada com o mandato genérico de
“exercer constante vigilância sobre os agitadores, associações operárias e agremiações que
concorram pessoas exaltadas”, assim como “desenvolver máxima vigilância contra
quaisquer modalidades de anarquismo e agir com solicitude para expulsão de estrangeiros
perigosos”, demonstrava o amplo espectro de intervenção consignada aos “especialistas” da
delegacia. Sua atuação devia estar orientada para “velar pela integridade e segurança da
pátria e pela existência política e segurança interna da República”
57
, confirmando o lugar
da polícia nas estratégias de consolidação do poder dominante. A classe operária era
“propriedade da polícia”. Sobre ela os agentes da ordem atuavam conforme as expectativas
do poder, que na pressão por uma sociedade livre dos vírus da desordem, referendavam a
intervenção arbitrária e violenta como modo eficaz de gerenciamento da criminalidade,
sobretudo nos momentos de maior conflito. Como relata o célebre militante operário
Everardo Dias, figura de proa do sindicalismo revolucionário das primeiras décadas do
século XX, a respeito da repressão policial durante o governo Arthur Bernardes:
As turmas de agentes prendem a torto e a direito, seja quem for que se encontre de
certa hora em diante circulando por determinadas ruas vigiadas, ou suas
imediações. São as canoas, como se denominam essas prisões em massa. Cidadãos
são arrancados das mesas dos cafés ou de dentro dos automóveis. Nos subúrbios ou
bairros suspeitos da cidade, são caçados mendigos, vadios, invertidos,
desocupados, malandros, pequenos negociantes, caixeiros, etc., seja quem for que
tenha a desgraça de passar na hora do cerco; seja velho ou moço, são ou doente,
aleijado ou perfeito, limpo ou sujo. Todos esses mal-aventurados são levados para
a Polícia Central e despejados na carceragem e na geladeira, aos magotes de vinte
ou trinta (DIAS, 1926, p.23).
A violência policial era o complemento necessário à consolidação de uma
estratégia de dominação, referendada pela não inclusão à esfera do direito, de uma grande
parte da população. A arbitrariedade da polícia era a norma de imposição da versão de
ordem social imputada às classes trabalhadoras, sem o respaldo da lei, cujos enfeixes
jaziam letra morta, para a maioria dos casos de intervenção. A liberdade de atuação da
polícia, sobre os de “sua propriedade”, colocava o seu poder discricionário como uma
57
Sobre o assunto, ver decreto lei n. 2034 de 30 de dezembro de 1924 (que institui o DEOPS/SP).
83
versão corrente do próprio direito, que devia ser aplicada em conformidade com as
situações, sem a ingerência e a fiscalização do poder judiciário. Isto é o que afirma em
1928, num despacho da Procuradoria do Estado de São Paulo, o Procurador Geral Costa
Manso:
Tenho por impraticáveis quaisquer medidas judiciais contra o uso das faculdades
discricionárias que constituem o poder de polícia. Seria lamentável que os juízes
pudessem intervir no policiamento, impondo normas à autoridade sobre a execução
dos atos de sua competência privativa. Além de não estar o juiz em contato direto
com os elementos perturbadores – as fórmulas judiciais, necessariamente lentas,
não correspondem à rapidez imposta a ação restauradora do equilíbrio da ordem
perturbada. A segurança pública reclama providências enérgicas e imediatas. É
necessário, muitas vezes, que a autoridade policial antes proceda contra a lei, para
evitar mal maior. A fiscalização judiciária, evidente, embaçaria de tal modo o
exercício do poder policial, que pode se dizer, o tornaria inútil (MANSO, 1928,
apud SOUZA, 1998, p.145).
O expediente de legar à jurisdição policial os conflitos sociais, passando ao
largo da esfera do direito, colocou para a polícia especializada a tarefa de qualificar e punir
o crime e o criminoso de acordo com preceitos vinculados à própria cultura policial. A
rarefeita vigilância da justiça era um implemento necessário ao papel legado aos
especialistas da policia, que realizavam o controle administrativo da criminalidade de
acordo com preceitos infra-institucionais, dispensando em muitos casos o inquérito policial.
A lógica punitiva prescrevia, para a maioria das detenções em greves, manifestações e
meetings – muitas vezes nem registradas nas delegacias – alguns dias de “xadrez”,
entremeados por maus tratos, que eram aplicados com mais ou menos intensidade conforme
a percepção policial da “periculosidade” do indivíduo que caia nas suas malhas. Formatou-
se assim desde cedo no âmbito do DEOPS/SP uma seleção das práticas de repressão e das
penas aplicáveis segundo a intuição policial. A discricionariedade era valorizada e o
conhecimento técnico se subordinava à lógica do mapeamento das ruas, dos contatos entre
autoridades e indivíduos à margem.
Para alguns “novatos” no contato com a polícia, sobretudo quando não tinham
origem proletária e nem eram estrangeiros, as penas corretivas da polícia geralmente não
iam muito além da prisão por alguns dias. Embora a prisão não fosse “nenhum ato de
carinho”, pois como relembra Hilcar Leite, célebre militante trotskista, as “pessoas eram
agarradas a muque [...] e os agentes do DOPS, da 4
a
Delegacia, prendiam no peito e na
84
raça” (GOMES, 1988, p.177), a primeira prisão correspondia ao momento que a polícia
definitivamente “marcava” o sujeito. Alguns delegados, no momento da soltura, ainda
passavam um sermão corretivo e avisavam das complicações da reincidência. Como
rememora o escritor e jornalista Afonso Schmidt, quando de sua primeira prisão ainda na
década de 1920:
Depois de alguns dias no xadrez, o delegado mandou-me embora, juntamente
com outros elementos aos quais se dava o nome de ‘perigosos’...Antes da saída,
porém, resolveu aconselhar-me:
– Você, um brasileiro, metido com essa corja! Não compreende que o governo
está prestigiado por toda a população? Deixe de dar murro em faca de ponta e
trate de sua vida, que é melhor [...] (SCHMIDT, 1958, p.316).
Porém, avaliando a periculosidade conforme a reincidência e as informações
coletadas sobre as atividades dos indivíduos fichados, a polícia confirmaria a inserção do
sujeito nas raias da delinqüência e da suspeição permanente. Este modo de atuação
“preventiva” não era uma característica só do DEOPS e sim de todo o aparato de delegacias
especializadas mantidas pela polícia civil de São Paulo. O que confirma que modelo de
operação da policia requeria não só o isolamento da criminalidade em si, mas também seu
enquadramento numa lógica de justiça extra-oficial, que se valia da exclusão do direito
formal como meio de afirmação do poder de polícia sobre os setores sociais
desprivilegiados do corpo social
58
.
58
A permanência deste modo de operação policial, e sua disseminação pelas diversas delegacias da polícia
civil, pode ser avaliada na leitura do tópico sobre as “prisões preventivas” do anuário A estatística policial
criminal do Estado de São Paulo, ano de 1939. O relatório elaborado pela Secretaria de Segurança Pública
do Estado reitera a importância preventiva da prisão para averiguações, momento da identificação do sujeito
pela polícia, quando ainda o próprio “corretivo” policial pode ser a solução para impor ao indivíduo a conduta
de acordo com os valores da ordem social. “As detenções policiais correcionais são determinadas pela quebra
do respeito à moral pública, marcando também o princípio da vida policial de qualquer cidadão, detido na
maioria das vezes para ‘averiguações’. Travado deste modo, o contato inicial com os órgãos garantidores da
segurança social, a alternativa está aberta para o ex-detido. Ou seguir o caminho do dever, ou enveredar pelas
trilhas sombrias da delinqüência. O primeiro, o caminho do dever e do direito, será palmilhado si o corretivo
policial revestir-se de uma convincente e apropriada lição, que logre atingir e refletir-se nas profundezas
anímicas do indivíduo e reajustar as bases ligeiramente estremecidas de sua estrutura moral; si, todavia, não
for aproveitado o exemplo, a punição corretiva, dado aos múltiplos e complexos fatores endógenos e
exógenos, pode-se vaticinar a volta do transgressor, ontem correcionado preventivamente. Com a reiteração
ou a reincidência das detenções policiais e correcionais [...] o cidadão está correndo de encontro à hora fatal
de integrar-se na falange dos infelizes delinqüentes. E o momento propício para a manifestação de taras e
pendores [...] Essa exteriorização mórbida é verificável em todos os agrupamentos humanos. Preciso se faz,
portanto, evitá-la, previní-la, afim de impedir a perturbação da ordem” (SÃO PAULO, 1939, p.11).
85
Essa modalidade tática do isolamento da criminalidade não dispensava, como
meio de intimidação e para quebrar a resistência dos mais renitentes, as práticas
“corretivas” da tortura física. Os safanões, as pauladas no “corredor polonês”, os
compulsórios banhos gelados em noites frias, entre outros suplícios, eram os tormentos
daqueles presos mais visados pelas autoridades, sujeitos a detenções extralegais mais
longas. A pedagogia do terror requisitava a violência como meio de adestramento para os
de fora do pacto do direito.
Como relembra, em seus relatos memorialísticos, o anteriormente citado
Everardo Dias: durante uma de suas diversas prisões, após passar pelo interrogatório de um
delegado “de vista curta, que se tivesse lido meus artigos, não teria perpetrado a ignomía
que perpetrou” (DIAS, 1920, p.12), o militante foi jogado sem acusação formal numa cela
sem comida. Depois de alguns dias de confinamento, Everardo foi retirado de sua cela por
um grupo de praças da Força Pública. O intuito dos policiais era fazer valer o “merecido
castigo”.
Mandam-me entrar num barracão, galpão ou nome que tenha, e que serve de
alojamento para os praças. Estes acham-se todos presentes, formando um grande
círculo. Estão todos armados de carabina. O silêncio é completo. O cabo manda me
despir outra vez. Olho receoso, começo a ter a intuição dolorosa de que algo muito
trágico vai acontecer.
Ao lado do cabo esta um soldado de pequena estatura, moreno, antipático.
Cochicham...O meu coração bate descompassadamente e uma ânsia espantosa se
apossa do meu ser. Completamente nu, mandam-me entrar para o círculo formado
pelos praças. O insolente soldadinho fala:
- Sabe para que tirou a roupa? Foi para apanhar!
Com toda pachorra estica uma grande, uma grossa corda, de quatro dedos mais ou
menos de largura, dessas que usam a tiracolo; dobra-se alisa-a e medindo a
distância, profere com sarcasmo:
- São só vinte e cinco!
E eu me preparo para receber o ignóbil flagício. Nunca me senti tão vil, tão
indigno de mim mesmo! Nunca me julguei capaz de submeter-me docilmente,
passivamente, a tamanha baixeza, a tão extensa ignomia! Mas abatido como estava
pela fome, rendido pelo sono, mortificado pela sede e pela febre – eu não era um
homem, era um mísero, um deplorável frangalho humano.
E assim com uma submissão repelente, no meio de dez ou doze praças armados,
que apreciavam em silêncio o hediondo espetáculo, eu recebi o tremendo castigo.
(DIAS, 1920, p.27)
Outras vezes, sobretudo, nos momentos de maior intensidade de repressão, a
lógica punitiva da polícia, afirmada nos preceitos de profilaxia social do espaço público,
referendava o banimento do detido para as colônias correcionais. Essas eram verdadeiros
86
depósitos de indesejáveis construídos pelo Estado, cujo sentido da “correção” era sinônimo
de morte física. As primeiras deportações para institutos ditos correcionais ocorreram ainda
no ano de 1905. O Acre foi escolhido como destino para os infelizes deportados e lá estes
foram vendidos como escravos para os políticos locais que controlavam a extração da
borracha nos seringais
59
. O modelo célebre desses institutos penais durante a 1
a
República
foi a “Colônia Clevelândia”,
60
situada no extremo norte do Brasil, à divisa com a Guiana
Francesa. Para Clevelândia foram enviados, durante a fase aguda da repressão bernardista,
em 1924, 946 prisioneiros. Desses, 491 estavam mortos no ano de 1926
61
. A elaboração da
lista de enviados, responsabilidade do titular da 4
a
Delegacia Especializada do Distrito
Federal, ou Delegacia de Ordem Política e Social, permite entrever a nebulosa articulação
entre polícia e justiça, requisitada pelas estratégias de dominação consignada pelas elites no
poder.
Considerando-se as acusações aos ‘indesejáveis’, efetivamente fundamentadas em
artigos do Código Penal, é possível obter um perfil ainda mais claro dos
desterrados. A esmagadora maioria foi embarcada apenas com base no apelativo
atribuído pela autoridade policial: dos 155, somente 56 foram condenados ou
denunciados por crime, ou seja, pouco mais de um terço. Fundamentando-se nos
apelativos ou condenações anteriores, a autoridade policial simplesmente decide
desterrar o preso, comunicando depois o fato ao Chefe de Polícia e ao Presidente
da República. Comprova-se assim que os indesejáveis foram considerados ‘vadios’
sem que a maioria dos casos tivesse havido qualquer formalidade judicial
(PINHEIRO, 1993, p.102).
A deliberada estratégia de confundir os meandros da atividade judiciária com a
atividade policial, para além de demonstrar às prerrogativas extrajudiciais da polícia na
estrutura do poder, revela, na temerária simbiose entre justiça e polícia, a própria lógica
requerida pelo poder para a administração dos conflitos sociais. A atribuição extra-oficial
do exercício da justiça pela policia, que permitia que diversos casos não chegassem as
bailas dos tribunais, recobria o não cumprimento das parcas leis de regulamentação do
trabalho fabril, duramente conquistadas durante as greves operárias da 1
a
República.
Muitas dessas leis, como a regulamentação das férias remuneradas (1926) ou a
regulamentação do trabalho de menores (1927), eram cumpridas somente no início de sua
59
Sobre o assunto, ver: CAMPOS, 2000, p.18.
60
Sobre o assunto, ver: ROMANI, 2003.
61
Sobre o assunto, ver: PINHEIRO, 1993, p.101 a 103.
87
promulgação, estando sujeitas a revisões de acordo com as pressões dos industriais.
(DEAN,s/d, p.173). A política de exclusão dos trabalhadores requeria o seqüestro do direito
pela polícia para que um denso nevoeiro recobrisse a própria noção de direito.
Foi intensa, desde a formação da agência, a colaboração do empresariado
paulista nas diligências policiais efetuadas pelo DEOPS/SP, perpassando essa prática por
todo o período estudado neste trabalho. Devia a polícia especializada, para executar suas
funções preventivas e investigativas, mapear o ambiente de circulação das classes
trabalhadoras, apontando e registrando os indivíduos propensos a desordem. Os
empresários de São Paulo colaboravam enviando suas “listas negras”, que delatavam os
operários engajados politicamente, assim como os propensos à indisciplina. As “listas
negras”, elaboradas pelas administrações das fábricas e empresas públicas, são abundantes
nos prontuários elaborados pelo DEOPS. Contendo o nome completo do apontado e seu
endereço, as listas são complementadas com impressões como “agitador perigoso”,
“simpatizante do anarquismo”, entre outras, que elencam os motivos do apontamento.
Muitos dos nomes são sublinhados com lápis vermelho pelas autoridades policiais. Sobre
esses, a vigilância da polícia é mais intensa. Para a polícia, estes registros são preciosos
mapeamentos, que orientam a atividade de repressão durante as greves e manifestações
operárias.
Mapear o corpo social era uma tarefa essencial para o exercício da atividade
policial. As práticas investigativas do DEOPS, suas estratégias de prevenção da ordem e
repressão dos delitos careciam do conhecimento apurado do ambiente sob intervenção e do
reconhecimento prévio das atividades dos implicados. A informação era a pedra angular
das estratégias de vigilância e de repressão desenvolvidas pela agência. Desde o início de
suas atividades, os policiais do DEOPS se esforçaram em criar contatos com indivíduos
oriundos dos próprios ambientes sob suspeição. A prática reconhecida da polícia, do acerto
e do diálogo mantido entre a esfera da ordem e da desordem, era a aposta maior da política
preventiva da polícia. A tática da infiltração de agentes policiais nos meios operários,
muitas vezes cooptados nesses próprios meios, foi posta em prática desde os primórdios do
funcionamento da agência, tornando-se a marca registrada do modelo de investigação
elaborado pela polícia política, no seu posterior desenvolvimento institucional.
62
62
Sobre o assunto, ver: FLORINDO, 2000.
88
O campo de registro era toda a classe trabalhadora. Em 1928 a Secretaria de
Justiça e Segurança Pública de São Paulo afirmaria que o DEOPS já havia identificado
102.654 operários dos 300.000 que trabalhavam nas indústrias paulistas. (PINHEIRO,
1991, p.111). A vigilância sobre o operariado se justificava pela própria lógica do controle
extrajudicial desenvolvido pela polícia. Para essa, nos momentos de crise econômica ou
política, quando a pressão das elites requeria a intensificação do policiamento, era mais
fácil deter os sujeitos conhecidos e que já estavam sob sua alça de mira.
Durante a 1
a
república, a atividade dopsiana esteve mais orientada para prender e
intimidar, usando o cabedal da violência, os “agitadores contumazes”, do que para
processá-los nos termos das leis que tipificavam os crimes contra a ordem social. Tal
premissa se revela no tratamento dado ao crime político e social para a grande massa dos
implicados nessa categoria, assentados nos documentos policiais sob a rubrica genérica de
vadios e embarcados, em conjunto aos criminosos comuns, para o mesmo destino, como
estão nas listas de embarque para Clevelândia. A confusão entre crime político e crime
comum revela a racionalidade da política de exclusão, que não distingue a reivindicação de
direitos do banditismo.
63
A legislação referente ao crime político, representadas pelas leis
anteriormente citadas (expulsão dos indesejáveis e repressão ao anarquismo) era evocada
em justiça sobretudo nos casos de estrangeiros passíveis de expulsão. Algumas vezes
também eram processados os militantes “nacionais” que se destacavam nos momentos de
maior tensão política. Esses procedimentos reforçavam a propaganda da ordem, criando
maior visibilidade para a política de profilaxia social dos indesejáveis. Atingir os
protagonistas proeminentes do movimento operário era um meio de incitar a confusão e o
refluxo do próprio movimento.
63
Esse é o pressuposto da lei 2.231, promulgada em 19 de dezembro de 1925. Essa lei definia os crimes que
mereciam o arrolamento em inquérito policial para posterior processo legal, de acordo com o Código Penal
vigente. A lei não distingue o crime político do crime comum, recomendando inquéritos para motim ou
desordem perante a justiça; ajuntamento para cometer crime, desobediência à autoridade; imprudência,
negligência ou imperícia na arte ou profissão que causassem acidentes de trens ou nas linhas férreas; aos que
trouxessem armas em eleições, promovessem ameaças, ultrajes aos cultos e violassem segredos e domicílios;
aos que atentassem contra a liberdade do trabalho, ao ultraje público ao pudor, a ocultação ou abandono de
menores; a lesão corporal por imprudência, negligência ou imperícia; o duelo, ao dano , o furto. A lei também
reclamava processos para as seguintes contravenções: violação das leis de inhumação e profanação dos
túmulos e cemitérios; loterias, rifas e jogos de apostas; de casa de penhores, fabrico e uso de armas; sobre
contravenções de perigo comum, nomes supostos ou outros disfarces; sob sociedades secretas, uso ilegal da
arte tipográfica, omissão de declarações no registro civil e danos as coisas públicas; mendigos, capoeiras e
vadios (VIEIRA, 1965, p.383).
89
Um caso que se tornou exemplar aconteceu nos desdobramentos da greve geral
de 1917, tendo como protagonista compulsório o jornalista e anarquista Edgard Leuenroth.
O célebre militante libertário, um dos mais vigiados pelo DEOPS paulista
64
, diretor de
sindicatos e jornais constantemente invadidos e depredados pela polícia, somente sofreu
um processo legal durante a sua intensa carreira de militante na 1
a
República. O fato
ocorreu justamente após a referida greve, na qual o jornalista se destacou como porta-voz
dos interesses dos grevistas. A acusação de ser o mentor intelectual da invasão do Moinho
Santista, ocupado pelos trabalhadores durante as manifestações paredistas, acabou
caracterizada no inquérito e no processo judicial como crime de roubo
65
.
Durante os distúrbios ocorridos nas dependências do Moinho Santista, a polícia
prendeu 16 pessoas de diferentes nacionalidade e profissões. Sob flagrante, todos foram
interrogados e deviam responder a inquérito policial. Após uma semana todos foram
libertados, por pressão do Comitê de Defesa Proletária (CDP), que estava à frente do
movimento de 1917 e que tinha entre seus membros a nata dos anarquistas conhecidos pela
polícia de São Paulo, como Francesco Cianci, Antônio Candeias Duarte, Luigi Damiani,
Rodolfo Felippe e o próprio Edgard Leueunroth. Posteriormente ao término da greve,
quando os ânimos refluíram, a polícia saiu à caça dos principais líderes. Leuenroth foi
novamente preso e a pedido do delegado Bandeira de Mello, o juiz da 4
a
vara criminal de
São Paulo, Matheus Chaves expediu posteriormente seu mandato de prisão como incurso
nas penas do artigo 356 combinado com o parágrafo 2
o
do artigo 18 do código penal
66
. A
denúncia contra Leuenroth estava alicerçada nos depoimentos de alguns dos implicados no
dia dos distúrbios no Moinho Santista. Dentre estes, dois agentes policiais confirmaram que
Leuenroth, às portas do Moinho, havia falado em “expropriação”. Foi o bastante para
acusá-lo de autor intelectual do roubo de gêneros alimentícios, ocorridos na invasão da
referida empresa.
A decisão do juiz confirmava que, embora acusado de roubo, o processo contra
Leuenroth era um processo contra suas idéias e sua influência, tida como “perniciosa” no
64
Sobre o assunto, ver o prontuário DEOPS/SP n. 122, de Edgar Leuenroth.
65
Sobre o processo contra Egard Leuenroth, ver KHOURY, 1988; ALVES, 1989; LOPREATO, 2000.
66
O artigo 356 do código penal afirmava ser crime “subtrair, para si ou para outrem coisa alheia móvel,
fazendo violência à pessoa ou empregando força contra a coisa”. O artigo 18 que trata da autoria dos delitos
dispõe em seu artigo 2
o
. “Os que, tendo resolvido a execução do crime, provocaram e determinaram a outros a
executá-los por meio de dádivas, promessas, mandatos, ameaças, constrangimentos, abusos ou influências de
superioridade hierárquica” (LOPREATO, 2000, p.187).
90
meio sindical de São Paulo.
O denunciado Edgard Leuenroth na sua defesa se confessa anarquista, e nessa
qualidade era por certo que se julgava com o direito de se pôr a frente do
operariado paulista para guiar-lhe os passos, encamilhar-lhe a sua ação
reivindicativa, e assim poder eficaz e praticamente servir-se dele para a
conquista dos seus ideais políticos. Obedecia, portanto, a um plano consciente e
deliberado e visava um fim certo e determinado, que satisfaria aos seus desejos e
correspondia aos seus desígnios políticos; e para conseguir esse fim servia-se do
braço executor do operário, cujos sentimentos explorava, aproveitando-se da
época especial de temerosa crise que atravessava o nosso país, como todo o
mundo, para incutir-lhes no espírito essas idéias subversivas, instigando e
determinado à prática dos crimes que eles cometeram (Apud LOPREATO, 2000,
p.189).
No dia de seu julgamento, o advogado de defesa Evaristo de Morais protestou
contra o arbítrio policial que descumpriu a ordem da justiça de prender todos os implicados,
promovendo somente a prisão de Edgard. Foi o bastante para que o juiz “sem nenhum
motivo legal e sem dar explicação” (ALVES, 1989, p.200) decidisse cancelar os trabalhos
do júri. Esse foi o primeiro procedimento arbitrário da justiça, que procurou adiar o
julgamento do anarquista até que a propaganda em torno das razões de sua prisão e
processo esfriassem na imprensa operária. Esta, embora proibida de se pronunciar sobre o
caso, declarava suas impressões nos jornais do movimento, como nesse artigo do jornal O
combate.
Prevaricou o delegado Bandeira de Melo, quando ordenou que fossem soltas as 16
pessoas presas em flagrante na ocasião do assalto do Moinho Santista; prevaricou o
promotor público que não teve palavras para protestar contra os atos da polícia,
que soltou os réus de crime inafiançável e presos em flagrante. [...] prevaricou o
juiz de direito, quando mandou prender novamente, depois de pronunciados os 16
có-reus, executores materiais do crime, para ordenar que fossem de novo postos
em liberdade, antes do julgamento, conservando na cadeia pública o autor
‘psíquico e intelectual’ ( Apud ALVES, 1989, p.201).
Entre diversas idas e vindas, o jornalista acabaria sendo absolvido do processo,
mas não antes que o procedimento judicial cumprisse sua função nos jogos do poder, que
era desqualificar a atividade militante, referendando a inclusão do ideário da revolução
social nas sendas do crime, indiferente a sua origem política ou comum. A propaganda em
torno do processo estava vinculada à expectativa de poder das elites, que era combater com
91
todas as armas a propagação da desordem política e social. Mais que um processo judicial,
o julgamento de Edgard era um procedimento político e ideológico.
O velho Edgard, ao longo de sua carreira militante anarquista, somente seria
processado mais uma vez nos termo da justiça. Isso ocorreria em 1936, em plena Era
Vargas. O novo processo refletia uma nova realidade do arcabouço institucional do poder,
na qual os procedimentos jurídicos assumiriam nova dimensão, em meio ao próprio
alargamento do espaço de atuação do Estado na sociedade. A própria acusação imputada ao
velho militante libertário, acusado de atividades “protocomunistas”
67
, revela por si só uma
mudança fundamental nas diretrizes da política de repressão e controle do espaço público.
A Era Vargas inauguraria uma nova fase para as políticas de controle dos
trabalhadores. O aprofundamento da modernização capitalista expandiria o temor das elites
em relação aos perigos emanados da convivência com as classes perigosas. O controle do
mundo do trabalho requeria o aperfeiçoamento dos novos modelos de gestão dos conflitos
sociais, que passavam por mudanças na política estatal e também pela intensificação da
vigilância e repressão policial sobre o movimento operário. A 4
a
delegacia policial, ou o
DEOPS seria objeto da atenção dos reformadores. A centralidade da repressão no projeto
político legaria, ao órgão responsável por combater aqueles que ameaçassem a ordem
social, recursos materiais incalculáveis, endossados muitas vezes por verbas secretas, que
viabilizaram o aprimoramento dos métodos de investigação desse departamento. O
crescimento da agência especializada acompanhou o próprio crescimento das cidades e dos
espaços nos quais a vigilância era requisitada, o que determinou a implementação de novos
métodos de organização institucional e também o aprimoramento técnico das funções
policiais. Aliás, “a especialização do DEOPS só podia ser avaliada no tocante às
investigações das atividades criminais. Essa prática foi, sem dúvida, aprimorada pelos
métodos de investigação ostensivo realizados pelos investigadores policiais” (CANCELLI,
1993, p.34). A centralidade da repressão política e social, nos assuntos do poder, delegou
ao DEOPS o papel central na própria reformulação dos métodos de polícia judiciária, isto
num dos momentos mais emblemáticos da nossa história, em que a modernização
conservadora, dirigida pelas elites, viabilizava as condições que determinariam o
desenvolvimento do chamado “Brasil moderno”.
67
Relatório do Serviço Especial de 21/02/1936. doc.21. Prontuário DEOPS/SP n.122 de Edgard Leuenroth.
92
II. O DEOPS/SP NA ERA VARGAS: MODERNIZAÇÃO INSTITUCIONAL E
PRÁTICAS POLICIAIS.
1. Estado e controle da sociedade na Era Vargas
Antigamente, a vida dos sindicatos estava no sentimento de igualdade e na efervescência das idéias. Hoje,
quando entro num desses grandes sindicatos, diante de guichês que separam os operários, funcionários e
diretores, tenho a impressão de estar numa repartição pública. O corpo cresceu sem o verdadeiro espírito
do sindicalismo.
Edgar Leuenroth
Nascida no bojo da crise mundial que assolou o capitalismo liberal – cujo crash
da Bolsa americana de 1929 revelou suas proporções mundiais – a Era Vargas foi
inaugurada por um movimento armado que depôs o ultimo presidente constitucional da 1
a
República, o Dr. Washington Luís. A crise mundial do mercado amplificou o esgotamento
do antigo sistema político local, calcado na preponderância das elites agro-exportadoras do
café. A revolução de 1930 e seus desdobramentos, os quais manteriam Getúlio Vargas no
poder até o término da II Guerra mundial, em 1945, redefiniriam a agenda pública do
governo. No esteio do processo de industrialização, cujo artífice principal era o próprio
Estado, a sociedade urbana se remodelaria definitivamente. A modernização capitalista a
partir de então tomaria um novo prumo e se aceleraria, associada de maneira indelével à
formação, pelo governo, de novos aparatos estatais burocratizados de intervenção política,
econômica, social e cultural na sociedade. Nessa orquestração das políticas públicas
destacam-se a montagem de aparelhos de intervenção no mundo do trabalho, cuja criação
permitia ampliar e recompor as formas do controle social por meio da própria “estatização”
das relações sociais
A Era Vargas e seu modelo de modernização, “pelo alto”, cujo Estado
centralizado e centralizador assumiu o papel preponderante na direção da nossa “revolução
burguesa” (conduzida, portanto, pelo aparato burocrático público ocupado nos posto chaves
por elites oriundas do mundo agrário, como era o caso do próprio Getúlio), confirmou a
nova etapa de modificações que atingiam em cheio os espaços de convivência da sociedade.
Inaugura-se um autêntico processo de modernização conservadora, nas quais as alterações
93
impostas pelas necessidades da conjuntura deviam estar acompanhadas de restaurações
modernizantes das condições que permitiam a continuidade dos grupos tradicionais do
poder.
O desmantelamento da velha ordem não ultrapassou os limites de uma
‘modernização conservadora’: sem qualquer reformulação radical da estrutura
sócio-econômica existente encaixavam-se no sistema político novos grupos e
interesses, devidamente cooptados e burocratizados [...] a almejada implantação
de um Estado forte e centralizado significou, de fato, não a marginalização dos
interesses econômicos dominantes no período anterior, mas sim uma redefinição
dos canais de acesso e influência para a articulação de todos os interesses, velhos
ou novos, com o poder central. (SOUZA, 1990, p.85)
Assim como a 1
a
República, a Era Vargas consolidou um sistema elitista de
dominação. Porém, ao contrário da velha ordem derrubada, na qual a repressão era o ponto
convergente da magérrima agenda trabalhista do governo, o novo projeto político requeria
uma nova ordenação da questão social nos assuntos do poder. As elites governantes
requisitavam, como condição para o controle das classes trabalhadoras, um Estado “que
submeterá a sociedade a si [...] dedicando-se a um complexo mecanismo de controle
político e social das massas emergentes” (NOGUEIRA, 1998, p.37). A modernização de
talhe conservador referendaria a inserção das classes trabalhadoras à órbita da tutela estatal.
A estratégia de incorporação da classe operária aos ditames da ordem legal foi o principal
legado, dentre tantos outros da Era Vargas, para a modernização da sociedade brasileira,
referendando também novas táticas para a imposição da repressão policial no seio do
conflito entre capital e trabalho.
O governo Vargas, na tentativa de viabilizar o processo controlado de
modernização capitalista da sociedade, consubstanciou a política repressiva como um pilar
do enquadramento popular à tutela e aos ditames renovados do poder estatal. Era uma
época de inovações. A emergência de uma sociedade fabril, urbana e de massas requeriu a
absorção dirigida das demandas operárias à esfera do direito. Era necessário esvaziar o
conteúdo político da questão social, enquadrando as “classes perigosas” aos ditames da
ordem requerida. Nesse processo, a outorga do direito devia estar acompanhada da
eliminação dos focos de resistência, representados principalmente pela atuação dos
militantes da revolução social. A profilaxia da sociedade caminhou no mesmo passo da
burocratização das estruturas de poder. “Se os anos 20 trazem para o Brasil a modernidade
94
das dissidências (...) ganhamos depois de 1930 a modernidade da manipulação, da tutela e
da ampliação do controle do Estado sobre a sociedade” (PINHEIRO, 1991,p.331).
A legitimidade da intervenção estatal autoritária nas instituições sociais,
ocorridas no período após a revolução de 1930, estava baseada, entre outras, na salvaguarda
da nação frente à agitação política desencadeada pelos partidários da revolução social. Este
foi um dos argumentos principais que consubstanciaram a formação de uma ideologia
estatal autoritária que chancelou o papel tutelar do Estado sobre as organizações operárias.
A ação de anarquistas, socialistas e comunistas no movimento operário, a comunicação dos
militantes nacionais com entidades e grupos estrangeiros, sobretudo em relação ao PCB e
sua filiação à Internacional Comunista, a prisão de agentes do Komintern em missões junto
aos comunistas brasileiros, como o casal Markus e Olga Pandarsky, acontecida em São
Paulo em 1931
68
, reforçavam a tese de uma conspiração internacional para desestabilização
do poder.
Um novo e significativo aporte para o medo das elites ocorreu com a cooptação
de Luís Carlos Prestes, o célebre líder militar exilado das rebeliões tenentistas, às fileiras do
comunismo. Desde 1927 até 1930, durante seu exílio passado na Bolívia, no Uruguai e na
Argentina, Prestes se envolveu num polêmico “namoro” com quadros dirigentes do PCB,
monitorados pelos agentes da internacional comunista
69
. Já em 1930, em Buenos Aires,
Prestes revelou a afinidade de suas idéias com o ideário marxista leninista, porém tal fato
ocorreu no mesmo momento em que a política da Internacional Comunista guinava para o
obreirismo. A radicalização sectária do obreirismo, decorrente da necessidade de purificar
o partido da “perniciosa influência dos intelectuais pequenos burgueses” (naquele momento
expurgados dos quadros do poder e caçados na Rússia soviética como parte da afirmação
do poder ditatorial de Stalin no centro de comando da revolução socialista, espalhando-se, a
purga, como diretriz política a ser adotada pelos partidos comunistas nos diversos países),
impunha a proletarização dos quadros dirigentes da organização e o afastamento de
lideranças políticas identificadas como “pequeno-burguesas”. Tal política determinou as
críticas do PCB às posturas políticas de Prestes, ocorridas durante o ano de 1931
70
. Já o
68
Sobre o assunto, ver Prontuário DEOPS/SP n.888, de Olga Pandarsky.
69
São diversos os autores e suas versões as quais analisam a filiação de Prestes ao comunismo, entre essas,
destacamos: VIANNA, 1992; WAACK, 1993; PINHEIRO,1993.
70
Sobre o assunto, ver: DULLES, 1977. p.341.
95
próprio Komintern mostrava mais interesse em Prestes do que o próprio PCB. E foi no
decorrer do mesmo ano que a Internacional decidiu levar Prestes à União Soviética, para
prepará-lo como um possível quadro dirigente da revolução comunista. A filiação de
Prestes ao PCB e sua colocação junto ao quadro dirigente do partido seria decidida na
própria Moscou, em 1934, quando novamente a Internacional passou a considerar viável a
política de alianças do proletariado com outros segmentos da sociedade
71
.
Os manifestos de Prestes que demonstravam sua gradual afinação com o ideário
comunista (corroborando com o seu conseqüente afastamento político dos tenentes rebeldes
da década de 1920), definiram a posição do novo governo em relação ao mítico líder da
coluna invicta. Deve-se ressaltar que, da mesma maneira como os comunistas procuraram
Prestes no exílio, os líderes da Aliança Liberal também o fizeram. A presença de Prestes no
staff da revolução de 1930 era um pré-requisito para o complexo jogo de alianças de Vargas
para a tomada do poder, assinalando a adesão inconteste dos tenentes rebeldes da década de
1920 às diretrizes de sua plataforma política. Antes da definição clara de Prestes aos
princípios do marxismo-leninismo, diversos emissários da Aliança Liberal, inclusive o
próprio Getúlio Vargas,
72
procuraram o tenente no exílio. Os emissários de Getúlio
prometeram dinheiro à Prestes, para a compra de armas, dinheiro que foi entregue e
repassado aos cofres da Internacional Comunista em 1931, quando da ida de Prestes para
Moscou. A figura mítica do “cavaleiro da esperança” – que durante sua estada na URSS foi
nomeado integrante da EKKI, ou comissão política do secretariado da IIIº Internacional,
exemplificando a nova importância da América do Sul e das regiões ditas “semicoloniais”
no planejamento da revolução comunista internacional – foi fator decisivo para o
fracionamento do movimento tenentista, pois muitos tenentes radicais, identificados com
Prestes, decidiram optar pela filiação ao partido, sobretudo quando a própria Internacional
Comunista determinou o ingresso de Prestes no PCB.
71
As políticas da Internacional Comunista e a influência de suas diretrizes nas políticas adotadas pelo PCB
serão devidamente analisadas no decorrer dos próximos capítulos deste trabalho.
72
Segundo William Waack, “em dezembro de 1929 e em janeiro de 1930, Prestes encontrou-se secretamente,
duas vezes, em Porto Alegre, com Getúlio Vargas. Seu passaporte falso fora providenciado por Osvaldo
Aranha, mais tarde Ministro das Relações Exteriores de Getúlio. Inicialmente Prestes havia sido cotado para
um alto posto militar no movimento que desaguou na revolução de 1930. Vargas queria pedir o apoio de
Prestes, que jamais esteve interessado nisto. ‘Eu era muito sectário’, lembraria mais de cinco décadas depois.
[...] O resultado do encontro não se restringiu à tensa troca de frases de efeito entre os dois homens que se
tornariam inimigos e só voltariam a se ver – separados por uma grande tragédia e uma guerra mundial –
quinze anos depois.” (WAACK, 1993, p.29).
96
O governo Vargas levou a sério as possibilidades do movimento operário nos
jogos do poder. A revolução, feita antes que o “povo a fizesse”, enfocou, desde seus
primórdios, a ampliação dos instrumentos estatais de controle da sociabilidade popular. As
elites encasteladas no poder estatal, naquele momento de crise do mercado mundial e
conseqüente descrença dos pressupostos políticos do liberalismo, buscaram afirmar a nova
ideologia do Estado centralizador das instituições destacando o caráter orgânico da
sociedade e o papel de articulador da harmonia social que cabia a instituição estatal. O
“Leviatã benevolente” combatia a degenerescência do período anterior – marcado pela
profusão dos conflitos entre capital e o trabalho – estruturando estas relações e orientando a
cada parte como encontrar-se em sua essência e função específica em relação com o todo
orgânico da sociedade. E nesse sentido que “a formação da ideologia de Estado no caso
brasileiro é inseparável da assimilação pelas elites intelectuais do país do conjunto de idéias
sociológicas que se convencionou chamar de proto-fascistas” (LAMOUNIER, 1986,
p.361).
Foi nas teorias autoritárias em voga na Europa, potencializadas pela
derrocada do mercado liberal
73
, que as elites dirigentes foram buscar as receitas para o
sucesso do novo arcabouço legal para intervenção estatal nas relações entre capital e
trabalho. O corporativismo sindical, inspirado nas receitas do fascismo então triunfante no
velho continente, era a nova diretriz para o enfrentamento da questão social e para a
desmobilização das classes populares. As premissas autoritárias da “nova direita” fascista, e
suas propostas e métodos para o controle cerrado dos conflitos oriundos do mundo do
trabalho, foram progressivamente adaptadas e mesmo recriadas conforme as demandas da
realidade nacional. Seu intuito era “congelar a luta de classes” naquele momento em que o
país aprofundava sua inserção no sistema capitalista, impulsionando a industrialização.
Como afirmava Francisco Campos, figura de proa do novo regime: “O corporativismo mata
o comunismo como o liberalismo gera o comunismo. O corporativismo interrompe o
processo de decomposição do mundo capitalista previsto por Marx como resultante da
anarquia liberal” (CAMPOS, 1940 apud LENHARO, 1986, p.22).
73
Sobre as elites políticas e intelectuais da geração de 1930, comenta Hélgio Trindade: “Esta geração é anti-
liberal. Explica-se esta atitude de um lado pelo impacto da revolução soviética e de outro pela incapacidade
das democracias liberais de fazerem face à ameaça socialista, dois fenômenos considerados como sinais de
decadência do liberalismo. Por outro lado, este anti-liberalismo se combina com a tendência a centralização
do poder político inspirado nos modelos autoritários europeus” (TRINDADE,1974, p.108).
97
Uma das medidas de primeira hora do novo governo foi a criação do Ministério
do Trabalho e a elaboração das leis sindicais. A criação do novo ministério constava dos
dezessete itens do programa de “reconstrução nacional” apresentado por Vargas em seu
discurso solene de posse da Presidência da República, proferido no Palácio do Catete um
mês após ter sido deflagrado o golpe de Estado: “Instituir o Ministério do Trabalho,
destinado a superintender a questão social, o amparo e a defesa do operariado urbano e
rural” (SILVA, 1983, p.32). O novo governo, nas palavras do então Ministro do Trabalho,
Lindolfo Collor, reconhecia que “a existência da questão social entre nós nada tem de grave
ou inquietador: ela representa um fenômeno mundial, é demonstração de vida e de
progresso” (CERQUEIRA FILHO, 1982 apud CAMPOS, 2000, p.13). Porém, a nova
configuração legal proposta para o conflito capital e trabalho, desabonando a lógica do
próprio conflito a partir dos interesses divergentes entre patrões e operários, resquícios do
“individualismo” liberal, confirmava o novo papel do Estado como “organizador” das
classes no sentido do bem comum e da pretensa “harmonia social”. O novo Estado devia
ser forte, pois só um Estado forte “poderá sobrepor-se para fixar e garantir direitos”
(ALBERTO, 1931, apud SOUZA, 1990, p.70).
A nova configuração da ordem do Estado sobre a questão social requeria o
adensamento da vigilância repressiva sobre os meios operários, pois era no seio do próprio
operariado que “desagregadores armados de ideologias alienígenas” semeavam a
desarmonia social. A promulgação de leis trabalhistas permitia ao Estado cumprir um duplo
objetivo: esvaziar o conteúdo político e social das organizações operárias, canalizando as
aspirações, e, ao mesmo tempo, legitimar e intensificar a própria repressão policial nos
meios sindicais.
Um exemplo era a lei de sindicalização, promulgada em 19 de março de 1931 por
meio do decreto nº 19.770. Este instituto definia novas regras para a formação de sindicatos
e confederações de trabalhadores, que, doravante, passariam pelo crivo da burocracia
estatal para obter alvará de funcionamento. Para a outorga, o Estado proibia nas novas
organizações a propaganda ideológica de caráter político e social, assim como determinava
que o sindicato enviasse fichas, contendo os dados pessoais de todos seus associados, ao
novo Departamento do Trabalho, órgão ligado ao recém fundado Ministério do Trabalho.
Essa mesma lei afirmava que as reuniões sindicais deveriam ser avisadas com antecedência
98
ao Departamento, o qual, deveria enviar dois representantes seus para acompanhá-las. Por
fim, as novas regras impossibilitavam aos estrangeiros obter acesso aos cargos
administrativos dos sindicatos. (DULLES, 1977, p.375)
A lei tipificava os “elementos indesejáveis” de acordo com as necessidades de
execução do projeto governamental. A nova legislação criminalizava qualquer forma de
reivindicação política de caráter autônomo que pudesse emergir do movimento operário.
Seu enfoque era debelar a atuação de anarquistas – cuja maioria dos militantes era
estrangeira – e de comunistas, ambos compromissados com o ideário revolucionário de
transformação das relações sociais. A criminalização das condutas insurgentes apontava o
modelo de trabalhador requerido pelos valores da ordem. “Os trabalhadores do Brasil”,
aclamação que ecoava da boca do líder nos discursos oficiais no 1
o
de maio, deviam ser
transformado “numa força orgânica de cooperação com o Estado e não deixado, pelo
abandono da lei, entregue à ação dissolvente de elementos perturbadores, destituídos do
sentimento de pátria e família.” (VARGAS, 1931, apud FARIA, 1984).
A modernização conservadora elaborava um novo modelo de disciplina
operária. A racionalização das condutas dos trabalhadores valeu-se menos da
individualização e da criação coletiva dos “sujeitos de direito” do que da sujeição da
cidadania ao direito corporativo e à participação controlada dos trabalhadores na esfera
pública. Na seqüência da lei de sindicalização, seguiram-se outras cujo intuito era
aperfeiçoar a incorporação institucional dos trabalhadores, como o decreto nº 21.186, que
regulamentava às 8 horas de trabalho para os empregados do comércio; o nº 21.396, que
instituía as comissões mistas de conciliação, incumbidas de dirimir os dissídios entre
patrões e empregados, sob supervisão do Ministério do Trabalho; o nº 21.417, que
regulamentava o trabalho feminino
74
. A outorga, na letra da lei, de reivindicações históricas
do proletariado permitia ao Estado o esvaziamento do conteúdo revolucionário da questão
social. O discurso da luta de classes era silenciado e combatido, e a nova retórica clamava
pela noção de harmonia entre o capital e o trabalho.
Aos partidários da revolução social atuantes nos sindicatos, criminalizados e
tolhidos no seio de organização da própria classe, cujas mãos estavam atadas pela
repressão, não restava outra postura a não ser a de colocarem-se de antemão contrários ao
74
Sobre o assunto, ver: DULLES, 1977, p. 400.
99
cumprimento dessa nova legislação. Afinal, como diziam os trotskistas da União dos
Trabalhadores Gráficos, “uma diretoria que desviar o curso dessa rota (colaboração), será
substituída imediatamente pelo processo de intervenção do ministério do trabalho”.
75
A
intervenção do Estado favorecia o crescimento e a vulgarização dos sindicatos amarelos,
cooptados ou mesmo criados pelo Ministério. Os órgãos de divulgação do movimento
operário, de inspiração revolucionária, denunciavam a índole conservadora por detrás das
fachadas tidas como modernas da nova legislação trabalhista. Este era o caso dos
anarcossindicalistas ligados a Federação Operária de São Paulo (FOSP), entidade que
congregava os sindicatos cuja orientação política mantinha-se fiel aos princípios libertários.
Para os anarquistas, os novos institutos tinham o “puído de ‘agradar’ o proletariado e, ao
mesmo tempo, garrotea-lo fascisticamente”.
76
Algumas das inovações, como a
obrigatoriedade da caderneta profissional, eram tidas como um meio de intensificar o
controle policial sobre os operários de São Paulo, sobretudo pelo fato de que vinham
acompanhadas de medidas impositoras da censura sobre a imprensa proletária.
[...] particularmente o novo regime de tirania implantado pelos estipêndios dos
ricaços nacionais e estrangeiros, se manifesta mais acentuadamente na imposição
da indigna carteira profissional, a qual se reduz os trabalhadores a categoria de
criminosos, salteadores e se faculta ao governo e ao patronato uma fiscalização
da vida particular de cada trabalhador, e facilita contra ele toda sorte de
perseguições e coações. Contra essa tentativa reacionária, assim como a
suspensão do jornal A Plebe e O Trabalhador, como também da imposição da
carteira policial, todo trabalhador consciente deve protestar. Esta carteira é um
prontuário policial.
77
A estratégia da imposição da tutela estatal, que concedia benefícios aos
trabalhadores legalizados – benefícios nem sempre cumpridos pelos empresários e pelo
próprio Estado – em troca de mais uma volta no parafuso da dominação, referendava como
tática a sistemática repressão policial aos dissidentes. A ação estatal contabilizava de
antemão a reação dos partidários da revolução social. Os anarquistas manteriam-se fiéis aos
princípios libertários e tentaram sustentar, enquanto puderam, os sindicatos independentes
organizados por militantes ácratas. Suas sedes sindicais, paulatinamente esvaziadas pela
75
Prontuário DEOPS/SP n. 577 da União dos trabalhadores Gráficos.
76
“correspondência do Rio” in A plebe, edição de 24 de dezembro de 1932. Prontuário DEOPS/SP n.716 da
FOSP, vol.1.
77
Boletim do Sindicato dos Vidreiros. Prontuário DEOPS/SP n.716 da Federação Operária de São Paulo,
Vol.2.
100
ilegalidade, padeciam com as constantes intervenções policiais e prisões dos ativistas. Os
comunistas tentariam, posteriormente à decretação das primeiras leis sindicais, infiltrar-se
nas associações ligadas ao Estado. Seus militantes, quando identificados, sofriam com as
perseguições policiais e prisões – muitas vezes seguidas de deportações, mesmo dos
ativistas nacionais. A estratégia de desmobilização do movimento operário contava, desde o
início, com o aporte tático da polícia política, cujo conhecimento dos ambientes vigiados,
aliado as suas prerrogativas de intervenção, permitia ao governo não só encaminhar a
questão sindical, mas também sabotar in loco as oposições ao projeto. Esse foi o caso da
estratégia do DEOPS/SP de “embargo das organizações comunistas”, comentada em um
relatório policial datado de junho de 1931.
Em São Paulo, a ação do Partido Comunista, da Confederação Geral do Trabalho e
da Federação Sindical Regional (ambos órgãos do PC) tem sido embargada em
grande parte por uma tática inteligente desenvolvida pela DOPS que, aproveitando
a posição ideológica das correntes predominantes no seio do proletariado militante,
fez com que prevalecesse o critério apolítico nas organizações que, apesar de
discutido com seus acendrados mentores, teoricamente estão, quer queiram quer
não, de acordo com o apoliticismo da lei de sindicalização do Ministério do
Trabalho. Essa tática produziu os melhores resultados, trazendo conseqüentemente
uma sensível divisão de forças nas diversas facções sindicais existentes.
Estabeleceu assim a guerra de tendências, a guerra de escolas dentro dos quadros
do sindicalismo político e anti-político.
78
Os novos instrumentos legais dotavam a polícia especializada, o DEOPS, de
novos atributos para o exercício da vigilância nos meios sindicais. Ao contrário da fase
final da 1
a
República (quando o não cumprimento das referências legais era o mote da
estratégia de controle, permitindo, na ausência do direito, o arbitrário da atuação policial), a
Era Vargas e suas leis permitiram consignar o direito como um referendo à arbitrariedade
da polícia. O alargamento das condutas ilegais ampliou o próprio poder discricionário da
polícia especializada de fazer valer as prerrogativas da ordem no seio das organizações de
trabalhadores. Os “benefícios legais” da sindicalização operária tinham como complemento
a intensificação da repressão política e social, confirmando a política de exclusão presente
na estratégia de “inclusão controlada” das demandas populares. Não podemos esquecer que
o segundo Ministro do Trabalho do governo Vargas era exatamente o delegado geral do
DEOPS carioca, Pedro Salgado Filho, que se notabilizou no comando da delegacia por
78
Relatório do agente reservado Antônio Guioffi, 10/06/1931.Prontuário DEOPS no. 716 da Federação
Operária de São Paulo. Vol.1
101
prender todo e qualquer dirigente sindical incômodo, além de decretar a proibição de
greves. (ROSE, 2003). A onipresença do olhar policial sobre o mundo do trabalho era
construída aumentando o gradiente dos grupos enquadrados sob a lógica da suspeição
permanente. Nos meios vigiados, as medidas arbitrárias da polícia permaneciam como
modo eficaz para controlar e regular os conflitos, porém agora essas medidas estavam
acobertadas por leis que dissimulavam o desempenho policial extra-legal. Mais que coibir
a ação violenta dos órgãos públicos, a ampliação dos direitos dos trabalhadores referendou
a violência da polícia como seu complemento, efetivando um novo espectro para a
imposição do temor, como meio de regular os comportamentos sociais. Como ponderou
Everardo Dias: “A polícia revolucionária era mais cínica e não esperava: entrava no local e
prendia abertamente, com exibição de armas, dirigindo epítetos vexatórios e deprimentes as
vítimas da violência” (DIAS, 1977, p.178).
A institucionalização da repressão política e social, nos quadros do poder, pode
ser avaliada observando-se a proliferação de leis especialmente destinadas à contenção dos
denominados “crimes políticos”. Essa tendência, iniciada na república velha com as leis de
expulsão dos imigrantes indesejados e de repressão ao anarquismo, ganha amplitude e
importância de acordo com o aprofundamento do processo de modernização da sociedade
durante a Era Vargas. A centralização política requerida pelo Estado ganhou aporte, através
da unificação da competência privativa da União de legislar sobre o direito processual
79
,
consignada pela constituição de 1934. (DRAIBE, 1985, p. 67). Isso permitiu a reforma do
código de processo penal, iniciada também em 1934, e consolidada no início da década de
1940. Tais dispositivos vieram acompanhados da promulgação da Lei de Segurança
Nacional (LSN), ou “lei monstro”, nos dizeres dos periódicos dos militantes da revolução.
A Lei de Segurança Nacional foi implementada com o decreto lei n. 38 de abril de 1935,
que definia quais seriam os crimes contra a ordem política e social. Por meio dessas leis,
aperfeiçoadas no decorrer da Era Vargas, a ação dos militantes da revolução social nas
organizações operárias foi definitivamente repelida. As lacunas das legislações anteriores
foram preenchidas, definindo processos e penas para todas as situações de confronto
79
Sobre o assunto, comenta Paulo Alves: “A lei moderna, na concepção da doutrina de Francisco Campos, é
aquela que tem caráter regulamentador e atinge as práticas tanto das instituições privadas quanto das públicas.
A regulamentação, portanto, deveria ser uma atividade de âmbito do Estado para assegurar a igualdade entre
os cidadãos e as instituições, eliminando os privilégios e os monopólios privados” (ALVES,1993, p.257).
102
político possível. O autoritarismo da legislação e os dispositivos engendrados para resolver
as situações de conflito iriam permitir o gradual fechamento do regime político,
consignando também a justiça de exceção, que anunciaria a entrada do país nas sendas da
ampliação dos direitos sociais.
A asfixia dos canais tradicionais de participação dos militantes da revolução
social acabou por redefinir as estratégias dos grupos. A radicalidade da repressão se
expressou na correlata radicalização da atuação de anarquistas e comunistas. O embate de
forças desiguais, a contínua perseguição policial nos sindicatos, a clandestinidade em meio
ao aumento do próprio embate ideológico na sociedade – que, em sintonia com a situação
política mundial, se dividia cada vez mais entre posições de caráter esquerdistas e pró-
fascistas, expressas aqui na formação das frentes antifascistas e de grupos admiradores das
idéias totalitárias de direita, que culminaram na fundação da Aliança Nacional Libertadora
(ANL)
80
e da Ação Integralista Brasileira (AIB)
81
, respectivamente – acabou por fortalecer
a tendência de frentes únicas contra o fascismo e a reação, no seio das organizações dos
militantes revolucionários. Os violentos combates de ruas entre os partidários da revolução
social e os militantes integralistas inflamavam as posições dos grupos. O crescimento da
ANL e a sua transformação em um movimento de massas, foi saudado pelos comunistas
como um prenúncio da rebelião contra o governo. Conseqüentemente, para as elites
encasteladas na cúpula do poder, o recrudescimento da agitação política e social justificava
medidas mais duras de contenção por parte do Estado.
A decretação da ilegalidade da ANL, referendada após o famoso discurso de
Prestes, seu presidente de honra, no qual clamava “todo poder à Aliança”, foi a gota d’água
80
Segundo Marli Gomes Vianna “A história da ANL começou no segundo semestre de 1934. Seu lançamento
em março de 1935 foi o coroamento de um processo de lutas concretas, de organizações parciais, de
acumulação de forças por parte dos setores antifascistas da sociedade. Passou pelas lutas grevistas
reivindicatórias da classe operária, pela discussão de programas de ação entre grupos e partidos de esquerda e
pelos tenentes inconformados com os rumos que tomara a revolução de 1930 – lideranças, grupos e
reivindicações que encontraram um denominador comum na luta contra o integralismo e a lei de segurança
nacional” (VIANNA, 1992, p.108).
81
Segundo AGGIO, BARBOSA e COELHO, “Fundada em 1932, a AIB se orientava por preceitos
claramente identificados com a doutrina nazi-fascista, cunhada na oposição ao liberalismo, ao comunismo e
aos judeus, aos quais creditavam a crise vivida no contexto da época por deterem o domínio do capital
financeiro internacional. Inspirados no nazi-fascismo, os integralistas professavam a crença num Estado forte
capaz de por fim aos antagonismos sociais, dentro de uma ordem corporativa de colaboração entre as classes.
Seus princípios eram norteados com base no tradicionalismo conservador da igreja católica, de onde adveio o
lema do movimento, ‘Deus, pátria e família’, com os quais pretendiam construir uma sociedade desprovida de
vícios e calcada na unidade em torno das virtudes cristãs”. (AGGIO, BARBOSA, COELHO, 2002, p.32).
103
para a radicalização dos tenentes de esquerda e para os comunistas. Corria o mês de julho
de 1935. A perspectiva “favorável” para um levante que propiciaria a tomada do poder
pelos aliancistas, primeiro passo da revolução social, era referendado pelas lideranças
locais do PCB, em consonância com os quadros militares do partido. O aval da III ª
Internacional foi acompanhado com a seleção e o envio de quadros do Komintern, para
apoiar e organizar o movimento. A fracassada tentativa de levante ocorrida em novembro
de 1935, quatro meses após o banimento da ANL, denominada pelo governo de “intentona
comunista”, foi desencadeada sobretudo pelo setor militar do partido. A debelação da
precipitada rebelião encerra de forma trágica e violenta o ciclo de rebeldia iniciado na
última década da república velha. Daí em diante, vigorou a reação, o autoritarismo
explícito do Estado, as leis de exceção, e a densa cortina da repressão policial, garantindo a
estratégia de poder autoritária que se consolidaria com a decretação do Estado Novo em
1937.
A aposta dos comunistas em tomar o poder em 1935 estava consignada pela
situação política desfavorável ao governo. A ditadura imposta com a revolução de 1930
abrandara com a imposição da assembléia constituinte em 1933 e com a promulgação da
nova Carta Magna em 1934. A assembléia, embora tivesse referendado a legislação
trabalhista e posteriormente corroborasse a Lei de Segurança Nacional, afirmara seu
compromisso com a redemocratização do Brasil. Mesmo a atuação arbitrária da polícia
sofreria restrições legais, pois a carta garantia uma maior subordinação da instituição
policial às determinações da justiça. O breve período de distensão, que permitiu o próprio
surgimento da ANL, foi marcado pelo aumento das greves e manifestações operárias e por
rupturas nos quadros das elites que apoiavam Vargas. Porém, a tentativa de levante
comunista consolidou o apoio das elites dissidentes ao governo, renovando e ampliando o
poder político de Getúlio. Ao Estado cabia enfrentar o “vírus da desagregação comunista”,
o que permitiu a decretação do Estado de sítio após novembro de 1935, equiparado pelo
congresso em 1936 ao “Estado de guerra”, que era renovado periodicamente pelo
parlamento, garantindo assim o fortalecimento do executivo em detrimento do legislativo.
As novas medidas de força também eram uma garantia para a continuidade da ampla
liberdade de intervenção das forças policiais nos ambientes sob suspeição.
104
A insurreição validou a institucionalização da repressão política nos quadros
do poder. Em 1936 surgia a Comissão Nacional de Repressão ao Comunismo (CNRC),
responsável por centralizar as informações sobre comunismo e militantes em todo o
território nacional. Chefiada por um notório anticomunista, o deputado gaúcho Adalberto
Corrêa, a comissão não teria vida longa devido à denúncia de irregularidades, como o
desvio de verbas, supostamente enviadas para a Espanha, como auxílio para as forças
insurretas do General Franco durante a guerra civil que sangrava aquele país. Outra medida,
profícua no sentido da institucionalização jurídica da repressão, foi à formação do Tribunal
de Segurança Nacional (TSN), um verdadeiro tribunal de exceção, que perdurou como
instância de julgamento dos crimes políticos e sociais até o fim do regime ditatorial.
O TSN foi formado em agosto de 1936 como instância da justiça militar,
responsável pelo julgamento dos crimes contra a ordem política e social em âmbito
nacional. Funcionando somente no Rio de Janeiro, para além de representar a centralização
política da justiça contra o crime político, a instauração do TSN ratificou a implementação
legal da justiça de exceção, necessária à consolidação do viés repressivo do projeto político.
A profilaxia social dos indesejáveis estava legalizada pelos ritos de justiça sumária do
tribunal. Seus procedimentos não tinham nenhum vínculo com os procedimentos dos
tribunais da justiça formal. Os juízes, escolhidos entre os mais reacionários do exército e do
judiciário, tomavam a Lei de Segurança Nacional como instrumento legal para a aplicação
das sentenças. As leis ordinárias do país não serviam para esta instância de justiça político
militar, impossibilitando a utilização desses estatutos legais na defesa dos acusados, que,
segundo os ritos do tribunal, estavam dispensados até mesmo de comparecer em seus
próprios julgamentos. A defesa contava com prazo reduzido para apresentação dos seus
argumentos (três dias) e o número de testemunhas que esta podia requisitar era 40% inferior
aos demais tribunais da república, enquanto para a acusação não havia limites. A atuação
do tribunal era retroativa ao crime, e os juízes podiam julgar baseados na presunção da
culpa.
O seqüestro da noção de justiça, premissa para a implantação do projeto político
autoritário, se consolidaria com a decretação do Estado Novo. O temor das elites frente à
possibilidade da insurreição popular, conjectura amplamente utilizada para referendar o
endurecimento do regime e a concentração dos poderes no âmbito do executivo, não seria
105
questionado pelas demais instâncias de poder da República. O congresso, periodicamente,
renovava o Estado de sítio, impedindo a volta da legislação ordinária e do dispositivo
jurídico do hábeas corpus para os prisioneiros, mecanismo do direito impossibilitado pelo
regime de exceção. O Supremo Tribunal Federal jamais questionou o TSN e suas
sentenças. Na primeira negativa do congresso em revalidar o Estado de guerra proposto
pelo executivo, este, imbuído de um falacioso plano de insurreição comunista, elaborado
por militares integralistas, denominado plano Cohen, reuniu os motivos necessários para
fechar o legislativo e consignar a ditadura escancarada. Com a decretação do Estado Novo,
o TSN se tornaria um órgão autônomo de justiça especial. No novo arcabouço, as sentenças
do TSN se tornavam irrecorríveis. O réu, sem defensor, teria seu advogado indicado pelo
juiz responsável pelo processo. Os magistrados também referendariam a “livre convicção”
como uma modalidade para os julgamentos dos juízes, o que significava que o juiz podia
condenar um acusado baseado na sua presunção da culpa implicado, não obstante o fato de
haver ou não provas da sua culpabilidade. Para os juristas, a livre convicção do juiz era o
“instituto” que melhor se adequava à modalidade de “julgamento” desempenhado pelo TSN
ante os perigos à soberania política, representado pelos partidários da revolução social.
Nos momentos de agitação, a Justiça Especial, ante ao perigo que ameaça a
segurança do Estado, deve usar da maior energia na repressão a qualquer
manifestação, franca ou oculta, de solidariedade às ideologias extremistas,
quando, porem, não há perigo próximo a temer e esta forte o poder constituído,
deverá essa mesma justiça exercer as suas atribuições com a maior benignidade.
A segurança do Estado é o termômetro indicador da energia ou brandura das
suas decisões. É, por isto, especial essa justiça, chegando o seu arbítrio, em
situação de premente gravidade, até a poder condenar sem provas concretizadas
e só pela livre convicção. Esse conceito é o que bem se ajusta à justiça política
sempre oposto da justiça comum, em que a prova deve ser plena e o julgamento
pela constante dos autos. Na primeira, julga o juiz com ilimitado arbítrio, na
segunda, o juiz é compelido a proferir sua sentença condicionado ao que houver
sido alegado e provado.
82
Os ritos inquisitoriais do tribunal de exceção eram alimentados com os
inquéritos policiais elaborados pelas Delegacias de Ordem Política e Social, espalhadas
pelos estados brasileiros. O aprofundamento da estratégia repressiva elevou o papel do
DEOPS entre as esferas do poder, requerendo assim, como contrapeso à ampliação de
82
“Relatório da procuradoria do TSN para o processo n.1362 do Distrito Federal”. Procurador do TSN
Francisco de Paula Leite e Oiticica Filho. 30/09/1940. Arquivos do Cedem/Unesp, Fundos D. Karepovs, caixa
2.
106
liberdade para sua atuação, um maior controle administrativo das atividades do
policiamento. As novas instâncias de julgamento do crime político e social permitiram que
o arbitrário da ação da polícia se colocasse definitivamente como a medida da justiça.
Aliás, foi a partir da instauração do TSN, destinado a validar a presunção policial da culpa
elaborada nos inquéritos dos DEOPS, que houve uma maior preocupação das autoridades
em fazer valer o próprio inquérito policial como medida de instrução penal. A polícia se
enquadrava aos ritos da justiça no momento em que essa baniu de suas raias a noção
clássica de direito. Tratava-se de um pernicioso intercâmbio institucional correlato a
reestruturação do aparato estatal, ocorrido num momento de estrema agitação política e
social, enfatizando o caráter conservador das intervenções “modernizantes”.
O endurecimento do regime permitiu a onipresença do olhar da polícia
especializada por toda as instâncias do corpo social, alargando e redefinindo o espaço
geográfico para a afirmação da discricionariedade consentida. A atuação arbitrária da
policia sobre grupos sociais que, devido à sua posição nas hierarquias da sociedade,
passavam longe das portas das delegacias para resolver suas querelas, confirmava a
amplitude da repressão. Qualquer crítica ao governo era assunto de polícia, não importando
o respaldo social do autor. Esse foi o caso de Monteiro Lobato, célebre escritor de livros
infanto-juvenis, preso em 1941 por criticar a política do governo em relação ao petróleo, o
que lhe rendeu não só uma prisão preventiva, com também a instauração de um inquérito
policial e a condenação a seis meses de prisão em um processo julgado pelo TSN.
Da prova colhida nestes autos ficou provado à sociedade que o dr. José Bento
Monteiro Lobato, sobre haver injuriado o Sr. Presidente da República, procura
com notável persistência desmoralizar o Conselho Nacional do Petróleo,
apresentando-o a soldo de companhia estrangeiras, em cujo exclusivo benefício
toma toda as deliberações, o que, a ser verdade, constituiria, sem duvida, um
crime de lesa pátria, que comprometeria o próprio governo federal, de que ele é
representante. Não é demais repetir que o indiciado, ao prestar declarações, não
apresentou qualquer prova de suas acusações contra o Conselho. Nada mais,
portanto, é preciso dizer para demonstrar a suma gravidade do delito praticado
pelo indiciado.
83
Para o exercício do seu papel renovado na esfera de controle social, ampliado
juridicamente de acordo com as necessidades práticas da contenção arbitrária, era
83
“Relatório do Delegado adjunto de Ordem Política, Dr. Rui Tavares Monteiro. 01/02/1941. Prontuário
DEOPS/SP n.6575 de Monteiro Lobato.
107
necessário ampliar e remodelar a própria estrutura do DEOPS/SP. A organização da polícia
requeria a combinação entre, de um lado, o controle burocrático dos procedimentos, para o
efetivo controle da máquina expandida pelo governo, e, de outro, a delegação de autonomia
– leia-se fechar os olhos para a violência e a extra-legalidade nas diligências – o que era um
requisito para sua atuação eficaz, conforme as práticas de controle efetivadas
tradicionalmente pela polícia. Esse movimento tenso e aparentemente contraditório, de
impor controle burocrático e ao mesmo tempo fechar os olhos para o cumprimento das
normas legais no desempenho de suas funções, mais que um registro da ineficiência e do
amadorismo da polícia, revela a própria instrumentalidade “racional” do aparato repressivo
na imposição do projeto político. Como comentou Fillinto Muller, personagem central no
delineamento da política de repressão: o longevo Chefe de Polícia do Rio de Janeiro, que
ocupou o cargo com estatuto extra-oficial de ministério entre 1933 e 1942, logo no início de
sua gestão, determinava, por ele mesmo, os limites das inovações do controle burocrático,
para a boa execução das tarefas policiais nas ruas.
Ao invés de favorecer a administração policial, com sua aplicação rígida e
inoperante, viria a transformar os funcionários desta repartição em verdadeiros
autômatos, sem o menor estímulo para novas aspirações, empecendo, dest’arte, o
desenvolvimento da sua cultura e mentalidade [...] reduzi-los pois, à inércia,
limitando o âmbito dos seus estímulos aos interesses burocráticos, não é
contribuir para o bem da sociedade, mormente em se tratando de funcionários de
polícia, dos quais se deve exigir cultura multiforme, porquanto esta repartição
soluciona diariamente questões, algumas vezes bem complicadas, de ordem
administrativa, como também de ordem jurídica e social (MULLER, 1933 apud
TERRA, 1939, p.378) .
Apesar do enquadramento burocrático, o crítério a ser utilizado como medida
do desempenho e da eficiência policial era menos uma questão mensurável pela adequação
a princípios formais, e mais pela eficácia prática na política de higienização do corpo
social, diretriz delineada na expansão do seu poder efetivos nas ruas. Porém, o aumento do
poder político dos policiais trazia sempre o perigo do insulamento do órgão frente aos
ditames do poder. Para controlar os ambientes sociais em contínua e “perigosa”
transformação, era necessário instrumentalizar “pelo alto” o poder de polícia, no sentido de
manter suas largas prerrogativas de intervenção e, ao mesmo tempo, garantir a sua
subordinação política. Para enquadrar a população sobre o signo da tutela e da repressão,
tornava-se necessário “disciplinar” a polícia.
108
2. O DEOPS/SP na Era Vargas: crescimento institucional e organização burocrática.
A polícia política é aquela que se incumbe da manutenção da ordem política e social. Por sua vez, a ordem
política e social é a razão de ser de uma nação. Por isto todos os países civilizados mantêm uma polícia
política, cujos fins, inúmeros e complexos, dificilmente poderão ser definidos. É pois a polícia da profilaxia
social, purificando as coletividades e livrando-as dos vírus nefastos de agentes de toda a espécie que
pretendem a subversão da ordem pública. Dada a sua natureza, os fins da polícia política devem ser amplos,
dentro do princípio da garantia e da salvaguarda das instituições. Ela pode admitir, por isto mesmo, todas
as modalidades das demais polícias, no tocante aos processos de execução. Pode ser de ação direta e
indireta. Positiva e reservada. Pode ser de investigação técnica e científica. Desta forma, bem aparelhado
deve estar um órgão de tamanha relevância no todo policial.
Sylvio Terra
A criação de novos arranjos institucionais para a polícia política foi uma das
preocupações de primeira hora do governo revolucionário. Em São Paulo, o interventor
João Alberto, logo no início de seu curto mandato, emitiu dois decretos estaduais que
trouxeram importantes mudanças ao quadro organizacional da agência: o decreto nº 4.780,
de 28 de novembro de 1930, e o decreto nº 4.790, de 05 de dezembro do mesmo ano
84
.
O primeiro decreto determinou a desvinculação do DEOPS das cadeias de
comando interno da polícia civil. O modelo original, de subordinação operacional da
especializada ao Gabinete de Investigações, estava abolido. Ao contrário das delegacias
congêneres, que permaneceram sob o modelo antigo, o DEOPS passou a estar subordinado
diretamente ao chefe de polícia do novo regime, cargo então ocupado em São Paulo por
Vicente Raó
85
. Era o prenúncio de outras modificações posteriores, que amplificariam o
papel da agência como braço do executivo. A necessidade do novo regime em manter as
rédeas sobre os policiais responsáveis pela contenção política e social também reverberava
nas novas determinações administrativas. O decreto determinava a remoção das
autoridades identificadas com o velho regime das capas altas da hierarquia policial. Entre
as modificações propostas nas novas disposições, estava a nomeação de 11 delegados de
primeira classe para o interior do Estado, subordinados ao Delegado de Ordem Política.
Dessa maneira, a cúpula da interventoria recém empossada garantia vigilância policial ao
próprio cumprimento de suas proposições, supervisionada por autoridades da sua
confiança. Estas também informariam ao novo DEOPS, centralizador das informações,
84
Ambos os decretos podem ser observados no Prontuário DEOPS/SP nº 3.477 de Documentação Interna.
85
Futuro Ministro da Justiça do governo.
109
sobre os possíveis focos de resistência às determinações do novo governo no interior do
estado
86
.
O próprio DEOPS foi desmembrado: surgiram duas delegacias, a de Ordem
Política (DOP) e a de Ordem Social (DOS). Uma semana depois, era criada a
Superintendência de Ordem Política e Social (SOPS), cuja incumbência era a de coordenar
e dirigir os trabalhos das delegacias criadas
87
. A formação de uma Superintendência
diretamente ligada à Secretaria da Segurança Pública, e com atribuições equiparadas ao
próprio Gabinete de Investigações
88
, para além de mostrar a disposição do novo governo
em evitar oposições, reflete a nova dimensão que o controle da ordem política e social
alcançaria nos assuntos do poder.
A nova divisão organizacional refletia o horizonte das modificações que seriam
implementadas pelo novo regime no trato da questão social, antecipando, antes mesmo da
promulgação da legislação trabalhista, as novas configurações do delito social e político.
Na nova divisão organizacional, cabia a DOP vigiar, investigar e reprimir os atentados
contra os poderes do Estado, com o intuito de modificar a constituição, atingir as
autoridades, impedir o funcionamento dos órgãos públicos, entre outros crimes contra as
instituições ou o regime. O papel da DOS era vigiar e reprimir os agentes que instigassem
a violência entre as classes, induzindo os operários às greves e conclamando a revolução
social. Embora a atribuição dos mandatos das agências renovadas resguarde uma
proposital sobreposição, a nova divisão permitia antever o percurso instaurado pelo Estado
para o aprofundamento das formas de dominação. A especificação do crime político e do
crime social seria definitivamente consagrada na letra da lei na anteriormente citada LSN
em 1935.
89
86
Sobre o assunto, ver: FLORINDO, 2000, p.56 –57.
87
Decreto lei n.4.790 de 05/12/1930. Prontuário DEOPS/SP n.3477 de Comunicação Interna. Vol.1
88
O decreto lei n. 4.790 extinguiria também o recém criado cargo de Chefe de Polícia e suas atribuições são
devolvidas ao Secretário de Segurança Pública. A nova divisão do poder confirmava a emergência do DEOPS
nas hierarquias de comando da polícia de São Paulo: “Art. 3. Para superintender os diversos departamentos da
Secretaria da Segurança Pública, sob imediata direção do Secretário, ficam criados os seguintes cargos: a)
delegacia geral da capital [denominação ‘temporária’ do Gabinete de Investigações. Nota do autor]; b)
delegacia geral do Interior; c) Superintendência de Ordem Política e Social; d) inspetoria Geral da Força
Pública”. “§ 2. A superintendência de Ordem Política e Social será composta de um Chefe e dois delegados, a
ele subordinados, mas de nomeação do Secretário da Segurança” . Decreto lei n. 4.790. Prontuário DEOPS/SP
n. 3477 de Comunicação Interna.
89
Sobre o assunto, ver Decreto Lei n.38 de 04 de abril de 1935.
110
A velha 4
a
Delegacia policial do regime deposto, purgada, remodelada e
ampliada, agora requisitava um número de efetivos condizentes com suas atribuições. A
necessidade seria atendida com as verbas que seriam destinadas aos senadores e deputados
caçados pelo novo regime, que havia suprimido o Congresso Nacional e as Assembléias
Legislativas do Estado.
Art.3. Para servir junto a Delegacia de Ordem Política serão nomeados
comissários, escrivões, auxiliares e inspetores conforme as necessidades do
serviço, os quais receberão vencimentos equivalentes aos da polícia.
Art.4. Para as despesas resultantes da criação dos cargos acima e respectivos
serviços, fica transferida da Secretaria do Interior para a Secretaria da Justiça e
Segurança Pública o restante das verbas [...] parte relativa aos subsídios de
senadores e deputados mais os constantes da letra A e B do título diversas
despesas.
90
Outra grande novidade do decreto n.4.790 era a criação da Delegacia de
Sindicâncias e Inquéritos (DSI), também subordinada à Superintendência de Ordem
Política e Social. Embora criada com o provável intuito de levantar informações e
investigar os desmandos políticos e administrativos do governo anterior, a própria
formação de uma delegacia encarregada da elaboração e do encaminhamento dos
inquéritos e das sindicâncias, no âmbito da SOPS, revela prematuramente a intenção do
novo governo de dotar de certa processualística normativa a atividade policial. Era o
primeiro indício, confirmado no decorrer do período, que a questão social, antes caso de
polícia, se tornaria cada vez mais um caso do Estado e da sua polícia. A intervenção
policial, arbitrária ou não, devia adaptar-se paulatinamente ao enquadramento às malhas
burocráticas que passariam a consignar a atuação do poder estatal. Como comentou João
Carneiro Fontes, Chefe de Polícia de São Paulo em 1939, relembrando a formação da DSI
em 1931: “As atribuições desta última delegacia, de vida transitória, mostram que os
órgãos policiais, de então, precisavam adaptar-se à inteligência e aos processos de moderna
política” (FONTES, 1940, p.42).
A transitoriedade da DSI extinta em 1931 pelo decreto lei n. 5.080 de 26 de
junho
91
, cujos atributos foram incorporados à Delegacia Especializada de Ordem Política e
Social (fruto da fusão da DOS e da DOP prevista também no decreto) – revelam os
90
Idem.
91
Prontuário DEOPS/SP n.3477, de comunicação interna.
111
primeiros passos, talvez ainda vacilantes, da procura de uma nova intenção programática
para o desempenho da atividade da polícia. A prematura diferenciação dos delitos e das
punições – antes mesmo da oficialização de qualquer marco regulador nesse sentido – e a
preocupação com a incorporação de quesitos de processo legal, logo no primeiro momento
das reformas, revelam certa premeditação dos reformadores em relação ao novo
enquadramento administrativo da repressão. Para encaixar as “classes perigosas” nas
sendas da tutela burocrática do Estado sem os incômodos da contestação política, tornava-
se necessário diferenciar e redefinir os crimes políticos e sociais, separando-os em
definitivo do crime comum. Isso permitiria ampliar o arcabouço da legislação penal,
afirmando e especificando o enquadramento criminal das dissidências. Embora o objetivo
do governo não fosse diminuir do poder de policia sua habitual discricionariedade –
característica das intervenções nas ruas – tais premissas, antecipadamente reveladas, por
outro lado, confirmam que um maior enquadramento normativo da atividade policial era
um tópico desejável para os novos comandantes da instituição.
De qualquer maneira, a DSI foi uma primeira instância criada especificamente
para instilar a capacidade dos agentes em organizar burocraticamente a inquirição policial.
Esses agentes, posteriormente integrados aos corpos regulares da polícia civil,
disseminavam essas práticas pela instituição conforme as necessidades do policiamento. A
centralização desse aspecto no DEOPS demonstra o papel desta agência como um pólo
agregador das novas práticas requeridas à atuação policial, cuja expansão pelas outras
instâncias da polícia acontecia por meio das habituais transferências dos agentes policiais
pelos diversos departamentos da polícia civil, sobretudo dos inspetores (investigadores na
nomenclatura atual).
Os inspetores eram as figuras chaves do policiamento, pois eram estes os
responsáveis pela atuação policial nas ruas. “O inspetor possui uma atribuição policial
muito elevada, pois, a ele é entregue a elucidação de todos os casos que a polícia tem o
dever de solucionar” (FRANCO, 1936, p.379). A prática de transferir os inspetores entre
os diversos departamentos da policia era tomada como um método para o treinamento dos
agentes nas diversas modalidades de policiamento. As tarefas do inspetor da polícia civil
podiam se revelar tão múltiplas quanto eram as possibilidades que exigiam sua
intervenção. Daí a exposição destes às diversas experiências de policiamento, pois a
112
própria noção de “adquirir experiência” era considerada como um meio seguro de
treinamento. “O exercício do próprio cargo e suficiente para habilitá-lo a exercer esse
mister com proficiência e correção” (FRANCO, 1936, p.379). O “treinamento” e a
observação do desempenho das funções determinadas ficavam ao cargo de outros
inspetores, estes dos quadros permanentes de cada departamento, os quais eram os
verdadeiros especialistas nas diversas modalidades do crime e os responsáveis pela
efetivação das investigações. As transferências também eram um meio de efetivar a
vigilância de acordo com as demandas específicas do controle. Somente no ano de 1936,
segundo o relatório do Gabinete de Investigações enviado a Secretária de Segurança, “por
motivo de necessidade de uma melhor distribuição dos serviços de vigilância na capital
foram feitas 621 transferência de inspetores. Para o interior foram destacados 64 desses
servidores e de lá foram recolhidos 56, a maioria vinda das delegacias regionais”
(FRANCO, 1936, p.381).
Para o DEOPS/SP sempre afluíam, nos momentos de maior intensidade da
repressão, diversos delegados, inspetores, escrivões, entre outros funcionários da polícia,
que eram emprestados ao departamento até que perdurassem as diligências policiais
necessárias ao restabelecimento da ordem. Outra estratégia consignada pelo governo para
suprir os quadros da polícia política era antiga: os delegados do DEOPS podiam requerer a
contratação de policiais extra-quadros. A utilização de agentes extra-quadros, cuja
nomeação era pertinente aos arranjos infra-institucionais da organização policial, derivada
do contato entre esses agentes e as autoridades que os indicavam, foi um meio amplamente
utilizado pelo DEOPS para engrossar o número de investigadores subordinados à
delegacia. A contratação desses investigadores foi intensa nos anos trinta. Em 1939, devido
à existência de muitos “extranumerários” com vários anos de serviço e sem “contar com
qualquer espécie de apoio, dada a sua condição especialíssima, que é inerente à própria
função” (TERRA, 1939, p.453), foi planejado um plano de carreira dos extranumerários,
com quatro categorias distintas. O Estado também garantia para esses investigadores
“cotas” na novidade dos concursos públicos, efetuados para o preenchimento dos cargos
oficiais da polícia.
Entre as categorias de “colaboradores” extranumerários do DEOPS estava o
imenso contingente de “informantes”, ou agentes reservados, que eram os agentes duplos
113
mantidos pela delegacia nas organizações vigiadas. Os quadros reservados da delegacia, de
livre indicação das autoridades, formavam a coluna espinhal dos procedimentos de
investigação e contenção da agência (a informação levantada pelos “secretas” era de suma
importância para o delineamento e elaboração dos inquéritos policiais do DEOPS, como
analisaremos posteriormente). O quadro reservado garantia os contatos necessários da
agência com os meios vigiados, afinal, os secretas muitas vezes tinham origem ou livre
trânsito nos ambientes que requeriam vigilância, servindo, portanto, como pontos de apoio
para as investidas policiais. O gerenciamento da criminalidade elaborado pela polícia
passava necessariamente pelo amplo leque de informações confidenciais coletadas pelos
agentes reservados.
Também pertenciam aos efetivos contratados vários indivíduos que exerciam
diversos trabalhos na administração policial. Estes eram os tradutores de correspondência
do estrangeiro, censores postais, auxiliares administrativos, ocasionais fura-greves e
testemunhas de depoimentos, entre outros. Vale lembrar que muitos desses postos eram
ocupados por antigos reservados “queimados” nos meios vigiados, que, dessa forma, eram
“amparados” pelas autoridades no momento que se tornavam inúteis para as tarefas de
delação. A vida útil de um secreta atuante nos meios operários dificilmente ultrapassava
três ou quatro anos
92
, e havia no DEOPS uma grande demanda de reposição
Durante os dez primeiros anos da Era Vargas, ainda seriam expedidos mais oito
decretos estaduais
93
que modificaram o quadro estrutural da polícia especializada de ordem
política e social. As idas e vindas das diferentes denominações e atribuições dos setores
que compunham a agência de contenção, assim como de sua vinculação às cadeias de
comando da polícia civil, estavam ligadas às prioridades políticas do momento. Este foi o
caso da SOPS, extinta em 1931
94
, quando a defecção do aparelho policial já se completara,
sendo recriada em 1934, num esforço de centralização de comando das diversas instâncias
da agência frente ao surgimento da Aliança Nacional Libertadora
95
. Aliás, foi depois da
92
Sobre o assunto, ver: FLORINDO, 2000, p.115.
93
Esses decretos estão ajuntados no Prontuário DEOPS/SP n. 3477, de Comunicação Interna. No ano de
2002, os decretos foram copilados na obra organizada por Maria Aparecida de Aquino, Marco Aurélio
Vannucchi de Mattos e Walter Sweensson, O coração das trevas, o DEOPS visto por dentro, publicada
pelo Arquivo do Estado de São Paulo em 2001. Vide AQUINO et alli, 2001.
94
Decreto lei n.5080 de 26/06/1931. Prontuário DEOPS/SP n. 3477 de Comunicação Interna. Vol.1.
95
A criação da nova Superintendência de Ordem Política e Social (decreto lei n. 6.885 de 20/12/1934) assim
seria justificada pelo Secretário de Segurança Pública de São Paulo, Dr. Arthur Leite de Barros no seu
114
intentona comunista que o traço marcante das modificações na estrutura organizacional da
agência se acentuariam, afirmando um rumo que se tornaria irresistível após a decretação
do Estado Novo. Estas tinham como ponto de convergência o aumento das atribuições de
vigilância e repressão da agência, o que ocorria em conformidade ao fechamento do
regime político. A centralidade da questão social nos jogos do poder permitiu que a polícia
política assumisse, gradualmente, para além da vigilância sobre o mundo do trabalho e
repressão às dissidências políticas, varias outras funções: a incumbência de vigiar a entrada
e saída de estrangeiros do território nacional; a supervisão do trânsito de indivíduos nos
aeroportos e estações ferroviárias; a repressão dos crimes contra a economia popular; a
supervisão da fabricação e distribuição de armas e explosivos; e a vigilância aos hotéis e
seus hóspedes.
O crescimento da agência é identificável também pela gradual expansão das
rotinas burocráticas nos expedientes cotidianos da delegacia. O aumento do efetivo policial
sob o controle da cúpula do órgão, assim como dos locais de observação a serem
percorridos por seus agentes, preocupava os policiais responsáveis pelo gerenciamento das
ações de repressão e vigilância. Tal crescimento necessitava estar escudado em novas
formas de organização e sistematização das rotinas, que diminuíssem a possibilidade de
perda da eficiência em razão das novas demandas. Entre essas, podemos citar: a ênfase na
formação de regras gerais para elaboração e catalogação dos documentos policiais; o
aperfeiçoamento das formas de sistematização e classificação dos documentos nos
arquivos do DEOPS; o predomínio das ordens de serviço, dos relatórios de investigação,
dirigidos aos quadros superiores com o invariável “atenciosas saudações”, datilografado
logo abaixo da rubrica do autor; o surgimento de apostilas que recomendavam ao policial
novato, “de tudo será feito um comunicado”, que “deverá ser conciso, evitando-se a
relatório de prestação de contas ao Interventor J. Cardoso de Mello no ano de 1936: “Surgindo os primeiros
sinais de movimento que em novembro de 1935 explodiu em Natal e no Rio de Janeiro, enlutando o país, o
Governo do Estado cogitou organizar um aparelho policial que se destinasse a agir contra esse importante
setor inimigo da ordem e escolheu, então, os elementos mais adequados ao desempenho dessa missão,
reunindo-os sob uma direção única, para que esta aplicasse esses valores, conforme as circunstâncias
exigissem, separados ou conjuntamente, num eficiente serviço de prevenção e repressão ao extremismo.
Criou-se a Superintendência para a conjugação dos esforços das três delegacias especializadas [na época, a
Delegacia de Ordem Social, a de Ordem Política e a de Explosivos. Nota do autor]. Formou-se assim uma
frente única que se opôs com vantagem, à frente única de todas as esquerdas, as quais preparavam um
movimento que se poderia denominar ‘comuno-politico-militar’, pois partidários do comunismo, do
socialismo e do anarquismo compareciam as reuniões da Aliança Nacional Libertadora” (BARROS Jr., 1936,
p.126).
115
literatura desnecessária e ser preciso nas anotações” (APOLÔNIO, 1954, p.164). a
imposição de novas rotinas administrativas demonstram a gradual imposição de um
modelo de ordenação documental típico de uma burocracia racional, o que estava de
acordo com as reformas previstas para o novo ordenamento do expandido serviço
público.
96
Tais medida se faziam necessárias devido ao aumento dos expedientes da
agência, conforme comentava o chefe do setor de Arquivo Geral do órgão, sobre suas
atribuições:
Assim, além de sua colaboração com outros setores deste departamento, no
tocante a informações, cabe-nos, ainda informar sobre antecedentes político
sociais, em atestados e certidões, numerar e preencher capas de prontuários,
numerar e rotular caixetas, atender as requisições de prontuários das várias
delegacias, protocolar todos os papéis que transitam pelas dependências,
disciplinando seu fluxo, após o que, sob carga, são remetidos aos seus respectivos
destinos...Extraem-se, ainda, cópias de relatórios e outros documentos, quando
necessário, registra-se tudo em livro próprio e mais uma série de trabalhos
decorrentes de suas funções específicas.
97
Os cuidados para com o aprimoramento do corpo profissional da polícia
também estavam na pauta do novo governo. Num órgão que ampliava a sua burocracia,
gerando maior divisão e requerendo melhor sistematização dos trabalhos, tornava-se uma
necessidade explicitar o enquadramento profissional e de responsabilidades operacionais
dos funcionários. Em 1934
98
o quadro de carreira do inspetor policial foi modificado. O
policial novato ingressaria na categoria de aspirante, “elementos de vigilância”, e sua
nomeação dependeria da avaliação de seu desempenho pelas autoridades responsáveis.
Para a nomeação como inspetor, atribuição do Secretário de Segurança, o candidato devia
ser brasileiro nato ou naturalizado, contar de 21 a 35 anos, e comprovar residência na
capital por pelo menos cinco anos. Sua capacidade física e intelectual seria avaliada, assim
como seu estado de saúde, seu procedimento moral e seu histórico civil (SÃO PAULO,
1935, p.58).
96
Como comenta Beatriz Wahrlich: “Assim, por inspiração direta em burocracias européias tidas como
eficientes,quer por ter-se tomado como prescritivo o modelo ideal de Weber, o fato é que se procurava, desde
a Lei n.284 de 1936 – antes do DASP portanto – orientar a organização da emergente burocracia federal
brasileira numa direção algo semelhante às daquele modelo, embora em convivência com outras idéias de
outras procedências, nem sempre compatíveis entre si” (WARLICH, 1983, p.206).
97
Dossiê DEOPS/SP n. 50 -Z -30 -4152.
98
Sobre o assunto, ver: CANCELLI, 1993, p. 130.
116
A carreira de inspetor passou a comportar quatro classes distintas, com
atribuições e salários diferenciados. O policial recém nomeado entraria obrigatoriamente
na 3
a
classe, onde permaneceria um ano a título de experiência. Sua ascensão dependia de
um relatório elaborado pelo chefe dos investigadores; se aprovado, passaria para a 2
a
classe, com salário 100$000 superior, se reprovado, permaneceria na 3
a
classe. O topo da
hierarquia era ocupado pelos investigadores da classe especial “com atribuições de
investigação e funções especializadas” (SÃO PAULO, 1935, p.58). Esses eram os
especialistas lotados nas delegacias especializadas, responsáveis pela efetivação dos
trabalhos de investigação e supervisão das atividades dos inspetores de acordo com as
demandas do serviço. Entre os fatores que revelavam o merecimento da ascensão na
carreira estavam os elogios pessoais, atos que demonstrassem dedicação e bravura, ou
qualidades excepcionais do investigador, como a lealdade, a inteligência e a iniciativa no
desempenho das funções.
Existia uma cota fixa para o respectivo preenchimento das vagas de
investigadores da classe especial, da 2
a
e da 3
a
classe. O número limitado promovia certa
disputa entre os funcionários, na qual o objetivo era agradar o policial superior para
conseguir a promoção. Dessa maneira, esses superiores conseguiam manter obediência às
suas ordens, assim como dedicação no seu cumprimento. Essas regras passaram a valer, a
partir de 1939, também para os chamados investigadores extra-quadros, citados
anteriormente.
A formação do policial era enfatizada com a criação da Escola de Polícia de
São Paulo, que ministrava cursos de investigação, criminalística, e mesmo de repressão
política e social. Os cursos, que conferiam diplomas equiparados aos de nível superior para
delegados e de técnicos especializados para os investigadores, tinham obrigatoriamente
entre as disciplinas oferecidas aquelas destinadas à contenção dos aparatos sofisticados
montados pelos grupos “extremistas”.
99
A escola tinha, entre suas finalidades, a
organização de congressos e conferências nacionais sobre os temas da criminalidade,
policiamento, investigação, política prisional, entre outros. Tais eventos eram destinados à
troca de experiências entre os especialistas das diversas polícias estaduais, desta forma
99
Na biblioteca da Academia de Polícia de São Paulo é possível observar a grade dos cursos ministrados para
policiais desde a década de 1930.
117
contribuindo também para a formação e disseminação de paradigmas, ditos científicos, das
práticas policiais.
100
Foi também na Escola de Polícia que surgiu um dos primeiros
agrupamentos de reivindicação política da polícia, na figura do Centro Acadêmico de
Criminologia, formado pelos seus alunos (provavelmente com a anuência dos professores e
da instituição), logo após a formação da Escola.
O governo ainda formaria o laboratório de antropologia criminal, e foi lá que a
equipe do Profº Leonídio Ribeiro, coordenador do instituto, ganhou o prêmio Lombroso
por suas pesquisas que revelavam as características físicas de criminosos negros e
homossexuais (ROSE, 2001, p.37). Os princípios da antropologia criminal, do crime-
doença, ainda forneciam o arcabouço de legitimidade para as estratégias de profilaxia
social dos indesejáveis.
Para se verificar se o indivíduo é, realmente, um vagabundo involuntário ou
voluntário, se é uma vítima da ‘chômage’, de um desequilíbrio psíquico, de
desorientação profissional, ou é um mal vivente, um tipo anti-social, é mister –
preliminarmente – que todos aqueles contra os quais tenha de ser aplicado
medidas de polícia, consistente em simples detenção, sejam submetidos a exames
somáticos e psíquicos. Essa incumbência poderá ser desempenhada na polícia de
São Paulo pelo antropologista e pelo médico psiquiatra, ambos funcionários do
Laboratório de Antropologia do Gabinete de Investigações, para onde,
comumente, são enviados os detidos por vagabundagem (FONTES, 1940, p.26).
O intercâmbio policial era renovado. Policiais ligados ao DEOPS eram
enviados para estágios em polícias de diversos países, enquanto especialistas do
estrangeiro eram convidados para ministrar cursos aos policiais locais. Já em 1931, um
grupo de especialistas do FBI americano foi convidado para ensinar as novidades testadas
na repressão ao “extremismo” na América. Policiais brasileiros seguiriam posteriormente
para Nova York. Convênios policiais eram firmados com diversos países e suas polícias,
desde a polícia do Uruguai até a Gestapo alemã. No acordo da polícia brasileira com a
polícia política do Reich nazista, existia mesmo uma cláusula para o “encaminhamento de
idéias sobre a ação dos policiais para combate e possível execução de comunistas,
anarquistas e etc.” (CANCELLI, 1993, p.187). As informações coletadas por serviços
secretos de diversos países eram partilhadas, oficialmente ou não. O caso clássico, no
100
Um exemplo foi o “V Semana Paulista de Estudos Policiais”, realizada entre 27 de setembro e 2 de
outubro de 1943. Sobre o assunto, ver: SÃO PAULO [Academia de Polícia],1943.
118
Brasil, foi a utilização de informações coletadas pelo Serviço Secreto britânico e pela
Gestapo alemã nas diligências que efetuaram as prisões da cúpula do PCB e dos agentes do
Komintern após a intentona de 1935. A literatura atinente
101
confirma a presença de
policiais da Gestapo na prisão de “Harry Berger” e de sua esposa, agentes alemães da III
Internacional de Moscou, enviados com Prestes para dirigir a insurreição. O conhecimento
policial da presença de agentes estrangeiros do Komintern, e suas posteriores prisões,
teriam sido “facilitadas” pela presença, entre esses enviados, de um agente duplo ligado ao
Serviço Secreto inglês, o revolucionário profissional alemão (radicado na URSS) e técnico
em explosivos Franz Gruber.
Convênios também eram firmados com os países da América do Sul, no sentido
de troca de informações e de prontuários de anarquistas e comunistas nacionais e
estrangeiros. Muitas vezes os contatos entre as polícias estrangeiras eram efetuadas pelas
próprias embaixadas dos respectivos países, como nesse comunicado da Embaixada
Argentina repassado para o DEOPS/SP via Secretaria de Segurança Pública de São Paulo:
“a polícia de Buenos Aires está empenhada em organizar um serviço que torne mais
possível e eficiente a repressão da propagação das idéias da Rússia soviética neste país, e
para isso deseja conhecer o que a respeito temos feito entre nós”
102
. A partir desses
contatos, policiais faziam intercâmbio pelos países da América Latina. As embaixadas e
consulados também trocavam informações sobre militantes da revolução social em trânsito
pelos diversos países, informações que eram repassadas ao órgão responsável pelas
investigações e repressão.
[...] a legação do Brasil em Viena me comunicou deverem embarcar com
destino aos portos do Rio de Janeiro e Santos, cinco agentes secretos russos,
munidos de passaportes alemães, portadores de avultada soma, destinada a
propaganda comunista no Brasil [...] a sede da referida propaganda é em São
Paulo a Rua São Bento, n.78 e em Santos a Rua do Comércio, 84.
103
Autoridades estrangeiras também ministravam cursos para policiais no Brasil.
No DEOPS de São Paulo, mesmo um alto oficial da OGPU (denominação da então polícia
101
Sobre o assunto, ver: HILTON, 1985; MORAIS, 1986; CANCELLI, 1993; WAACK,1993.
102
Relatório Reservado do Ministério da Justiça e Negócios Interiores encaminhado ao DEOPS/SP.
21/06/1932. Prontuário DEOPS/SP n. 3477 do PCB, vol2.
103
“Comunicado reservado do Ministério das Relações Exteriores. Agentes comunistas para o Brasil”.
24/02/1933. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol.2.
119
política soviética), provável dissidente dos expurgos stalinistas, o “camarada” Agabekoff,
realizou atividades docentes para os investigadores do órgão.
104
Suas lições, traduzidas e
dispersas em diversos relatórios (como no denominado “Sistema de trabalho da OGPU”,
arrolado ao 3
o
volume do prontuário DEOPS/SP n. 2431, do PCB) encontrariam
ressonância nas práticas desenvolvidas pelos agentes da repressão. Tal revelação permitiu
a uma historiadora levantar uma instigante hipótese: “vários documentos constantes do
arquivo do DEOPS/SP, datados de 1926, permitem intuir que o modelo no qual se desejava
ver a polícia política era o da OGPU, o que acaba por fornecer uma inquietante imagem
dos agentes nacionais da repressão.” (CAMPOS, 1997, p.205).
As investigações na OGPU continuam quinze dias e os presos ficam oito meses
na cadeia sobre outros nomes para os parentes não podiam saber onde esta o
preso. Se o preso é um estrangeiro e não tem culpa, a GPU expulsa ele do
território da URSS. Muitos agentes da GPU são do serviço de contra
espionagem estrangeiro para desinformar o contra espionagem estrangeiro. Este
serviço esta sempre organizado pelos cônsules da USSR que são agentes da
OGPU. Exemplos, o cônsul Hakimoff em Meched, Pérsia, depois Apresoff, o
cônsul em Iêmen, Arábia [...]
105
No decorrer dos anos 1930, devido ao aumento de atribuições e à expansão
dos espaços sob intervenção, o DEOPS passou a contar com sua própria seção de arquivos,
estatística e probabilidade. Foi montado um serviço de rádio-escuta, um laboratório
fotográfico, e um departamento de contabilidade no interior das dependências do órgão.
Também foram acrescentadas à sua estrutura administrativa as seções de expediente,
tipografia, protocolo, biblioteca, carpintaria e cartório. Sob a chefia dos delegados do
DEOPS também estaria a polícia especial, um corpo de elite criado pouco antes da
intentona comunista, dedicado a intervir em greves e manifestações públicas. Os agentes
da polícia especial ganhariam notoriedade pela ampla utilização da violência em suas
intervenções públicas.
O Decreto n. 7.221 de 21 de Junho de 1935 criou a polícia especial de São
Paulo, com efetivo de 235 homens e diretamente subordinada à
Superintendência de Ordem Política e Social. Destina-se a intervenções rápidas,
enérgicas, eficientes, sempre que a ordem pública for perturbada por elementos
104
Sobre o assunto, ver: FLORINDO, 2000.
105
“Sistema de trabalho da OGPU”, pelo camarada Agabekoff, ex-chefe do setor oriental. Prontuário
DEOPS/SP n.2431, do PCB, vol.3. doc. 386.
120
anárquicos e dissolventes [...] A polícia especial está aquartelada no prédio n.20
da Rua Albuquerque Lins. Nesse prédio, que é da Prefeitura Municipal de São
Paulo, estão instalados o Comando, a Secretaria, a Pagadoria, os alojamentos da
guarda e da prontidão, a sala de ordens, o gabinete médico, a enfermaria, o
gabinete odontológico e as salas do Chefe do dia. Os campos de esporte e a
aparelhagem de ginástica estão em dois pátios de regulares proporções
(BARROS, 1936, p.144).
A formação da polícia especial como um corpo de agentes uniformizados,
subordinado ao DEOPS e especializado na repressão às manifestações públicas, reitera que
um dos objetivos das mudanças era em certa medida “insular” à agência, dotando sua
estrutura de autonomia frente aos outros departamentos policiais do Estado. O DEOPS era
um instrumento privilegiado do poder, o que requeria certa diferenciação administrativa
frente aos demais departamentos ligados à polícia civil de São Paulo. A criação dos
presídios políticos Maria Zélia e do Paraíso, diretamente subordinados a SOPS,
complementavam este direcionamento. O DEOPS era a polícia da soberania do Estado,
responsável por dirimir os focos de insurgência e afirmar os quesitos do poder. Sua divisão
funcional e organizacional se assemelhava às polícias congêneres da Europa, como a
própria OGPU, cuja divisão departamental interna explicitada nos relatórios do
“camarada” Agabekoff era muito semelhante à divisão adotada para o DEOPS/SP
106
(o que
provavelmente devia ocorrer em todas as polícias com estas características, desde a polícia
soviética, passando pelo Serviço Secreto inglês, até a Gestapo nazista).
No entanto, ao mesmo tempo em que a função instrumental do DEOPS/SP
requeria a formação de canais privilegiados de acesso ao poder e mesmo sua diferenciação
dos outros departamentos da polícia, a agência, ao longo de sua existência, manteve-se
sempre como órgão da polícia judiciária de São Paulo
107
. Ao contrário dos demais países
que dedicavam especial atenção ao policiamento político na época, como na própria Itália
fascista, na qual “urgia criar-se um organismo que pudesse operar em esfera mais vasta,
sem sofrer as restrições burocráticas nem se submeter a estreita dependência dos prefeitos
e dos questores” (SENISE, 1947, p.81), nos DEOPS não aconteceu a centralização
106
Ambas as organizações contavam com sessões especializadas em estrangeiros, espionagem, crimes contra
economia, gabinete químico, polícia especial, setor de prisões, de serviços reservado, entre outros
. “Sistema
de trabalho da OGPU, pelo camarada Agabekoff, chefe do Setor Oriental”. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do
PCB. Vol.3. doc 388.
107
Aqui, diferentemente da experiência de regimes autoritários que ocorriam no período, não ocorreu a
“militarização” do aparelho de repressão policial às dissidências políticas, tampouco sua centralização
administrativa ao nível federal.
121
administrativa no plano nacional. Nesse aspecto, a delegacia de São Paulo sempre esteve
subordinada formalmente aos estatutos e ao organograma da polícia civil estadual, e as
pressões para a federalização dessa organização policial, assim como de suas congêneres,
foram barradas pelas elites políticas e autoridades policiais locais, temerosas frente a perda
de autonomia (e de poder) no cenário regional.
Todavia, isso não quer dizer que o Estado nacional se absteve de preocupações
com a ampliação da coordenação das atividades policiais e mesmo com a troca de
informações entre as delegacias especializadas espalhadas pelo país, afinal, o policiamento
político e social era prioritário nos assuntos do poder. Mesmo assim, havia uma
predominância do olhar vigilante de acordo com as pressões políticas regionais e as
necessidades locais do policiamento. Em contrapartida, a manutenção dos DEOPS em
âmbito estadual permitiu que os modos e meios de efetivação das diligências da polícia
política, gradualmente refinados de acordo com as necessidades impostas pela resistência
dos abnegados militantes da revolução social, assumissem um papel preponderante no
desenvolvimento de novas práticas de investigação da polícia judiciária.
A polícia de soberania era o segmento privilegiado no âmbito das diretrizes do
poder, o que conferia maiores recursos ao órgão e ampliava a capacidade operacional dos
seus agentes. Isso estava de acordo com as necessidades de controle requeridas pelas elites
políticas. O desafio principal do poder naquela época não era controlar o pouco sofisticado
crime comum, e sim debelar o crime político e social, cuja orquestração por militantes
organizados e disciplinados conferia uma noção de periculosidade diferenciada e
extremada em relação ao primeiro
108
. Os agentes especializados da polícia política,
treinado no combate às “organizações de contra-poder” mantidas por esses militantes,
terminavam por disseminar suas práticas investigativas para outros departamentos
policiais, quando os delegados investigadores eram lotados temporariamente no
departamento. Esses procedimentos de investigação policial, paulatinamente aperfeiçoadas
durante todo o período estudado, forneciam um novo instrumental para o desenvolvimento
das atividades policiais contra a marginalidade, que podiam ou não ser incorporadas ao
108
Sobre o assunto, ver o manual A estatística criminal do Estado, o qual relata a inexistência de grupos de
crime organizado atuantes no Estado de São Paulo. Para as autoridades, as atividades criminosas (ligadas ao
crime comum) consideradas de planejamento sofisticado eram raríssimas. (SÃO PAULO, 1939, p.173).
122
cabedal de métodos comuns a todos os departamentos da polícia judiciária, isso conforme
as demandas práticas da contenção.
A política de reorganização da estrutura policial nos estados contou com o
aporte decisivo do governo federal, ansioso em uniformizar os modelos de atuação e de
organização policial pelo território nacional. Em 1936 o Ministério da Justiça, na gestão do
Ministro Vicente Raó, em parceria com o Chefia de policia do Rio de Janeiro, capitaneada
por Fillinto Muller, organizou o Congresso de Chefes de Polícia e Secretários de
Segurança dos Estados.
109
Em pauta, estava a troca de experiências entre as agências de
polícia, para efetivar a integração de métodos e viabilizar o intercâmbio de informações.
Para o congresso, de 15 dias, os secretários estaduais e seus respectivos chefes de polícia
foram divididos em quatro grupos de trabalho, cujos temas refletiam as preocupações
fundamentais do Estado na questão da segurança pública. Os problemas discutidos nos
grupos eram: a entrada, permanência e expulsão de estrangeiros indesejáveis; o problema
da propaganda extremista e sua repressão; o controle da importação e exportação de armas,
explosivos e munições; e a remodelação e uniformização da organização policial do país.
Assuntos como regionalização ou federalização dos efetivos policiais especializados
também perpassariam pelas mesas de discussão.
Os trabalhos contaram com a decisiva participação das autoridades dos DEOPS
de São Paulo e do Rio de Janeiro, núcleos iniciais das reformas, que agora deveriam se
expandir para as demais delegacias especializadas, que seriam criadas ou remodeladas nos
demais Estados da Federação a partir da experiência dos grandes centros do país. O relator
responsável pelos trabalhos do grupo dedicado às reformas das agências policiais foi o
delegado do DEOPS/SP Egas Botelho, cujas deliberações do relatório co-substanciaram os
princípios de “centralização política e descentralização administrativa” (FONTES, 1940,
p.14) como melhor estratégia para refinar o intercâmbio de métodos e de informações entre
os departamentos de polícia política espalhados pelos estados brasileiros.
Como bem demonstrou o dr. Egas Botelho [...] a centralização ou federalização
das polícias estaduais destinadas à repressão ao extremismo seria um grave erro,
porquanto, além de ir chocar-se contra postulado de que a exata divisão do
109
Sobre o assunto, ver: VIEIRA, Hermes 1965. Sobre as modificações que o congresso trouxe para as
polícias políticas dos demais Estados da Federação, mais especificamente o de Minas Gerais, vide: DUTRA,
1991.
123
trabalho o torna mais eficiente, aproveitável e perfeito, acarretaria muitos outros
inconvenientes, pois destruiria estímulos, dado o natural sentimento de que a
federalização corresponderia a um desrespeito à autonomia de que todos os
Estados são zelosos, afetaria a elasticidade e a rapidez necessárias ao bom êxito
das diligências e resoluções policiais, que ficariam entravadas, dependendo de
ordens e consultas da suprema direção dos serviços, e aumentaria o peso morto da
burocracia em 80%. Por outro lado, as determinações seriam dadas sem a
vantagem do conhecimento exato e da observação in loco, sem a intimidade
indispensável com os fatos e os flagrantes dos acontecimentos no seu setor.
(VIEIRA, 1965, p.406)
Para além de demonstrar a resistência das autoridades estaduais em relação às
demandas de centralização administrativa da polícia política, as deliberações do policial
paulista, acatadas pelos membros do congresso, situavam a visão dessas mesmas
autoridades sobre o locus que as demandas de burocratização devia ocupar na lógica de
reforma das instituições policiais. A instalação de mecanismos racionais de gestão e de
ordenamento das atividades, pressupostos da modernização requerida pelas novas práticas
do controle social, não deveria intervir na autonomia das agências em definir prioridades e
táticas de intervenção nos espaços sociais sob sua jurisdição. O novo arcabouço jurídico do
Estado, e a imposição do controle burocrático sobre os procedimentos dos agentes
públicos, embora consignasse novos espaços para legitimidade da intervenção da polícia,
não deveria coibir a atividade dos policiais nas ruas, nas quais a arbitrariedade era um
requisito para intervenção eficiente. Ao invés da centralização administrativa, ponderava o
Dr Egas Botelho:
É preferível que se intensifiquem os laços entre as polícias de todos os Estados, as
quais permutarão por cópias, os prontuários dos extremistas, manterão um
constante intercâmbio de informações e auxílios (VIEIRA, 1965, p.406).
Esta medida, referendada pelo congresso, logo daria bons frutos à atividade
investigativa desenvolvida pelo DEOPS/SP. Foi no início do ano de 1937, a partir da troca
de informações com o DEOPS/PR, que a polícia política de São Paulo tomou
conhecimento sobre a cisão que ocorria no PCB, envolvendo o grupo dirigente dissidente
de São Paulo, sob liderança de Hermínio Sachetta “Paulo” e Hilio de Lacerda Manna
“Luiz” e o grupo dirigente nacional, comandado por Lauro Reginaldo da Rocha “Bangu” e
124
Elias Reinaldo da Silva “André”.
110
Conforme observaremos nos capítulos posteriores, foi
esse o fio da meada que permitiu a desarticulação e prisão dos comitês dirigentes do PCB
entre 1937 e 1939.
111
Outra medida, profícua do ponto de vista da política defendida pelas
autoridades da polícia, implementada a partir das deliberações do Congresso, foi o aceite
do governo em acatar sugestões dos agentes policiais, nas modificações legais das
legislações sobre o crime e a criminalidade. A medida permitia aos especialistas da polícia
azeitar as novas demandas do controle social com as exigências práticas da repressão.
112
A predominância do policiamento de ordem política e social na reforma da
organização policial implementada durante a Era Vargas requeria a expansão dos
tentáculos da polícia política pelo interior, com a formação de sucursais subordinadas ao
DEOPS da capital, alocadas nas delegacias regionais das principais cidades do Estado. O
intuito era aperfeiçoar a rede de vigilância da polícia de soberania, o que também permitia
dotar as autoridades policiais do interior de novas prerrogativas “técnicas”, capazes de
melhorar o “rendimento” das agências
113
, pois, de acordo com o diagnóstico dos
criminalistas responsáveis pelas reformas,
No interior é um verdadeiro milagre que a polícia cumpra as ordens que recebe
da capital e consiga fazer um simulacro de polícia, para a garantia da ordem e
do trabalho. Pessimamente instaladas, sem facilidades de comunicação, sem
verbas, isto é, sem as verbas necessárias para movimentos rápidos, oscilando
entre a excessiva magnanimidade de uns funcionários e o excessivo rigor de
outros, que só compreendem a polícia-pavor (SILVA, 1943, p.38).
110
Sobre o assunto, ver: KAREPOVS, 2003, p.386.
111
Inquérito policial DEOPS arrolado ao processo TSN n.388 de 1937. Arquivos Cemap-Cedem Unesp.
Fundo Dainis Karepovs, caixa 2.
112
Eram baseadas nesses princípios as sugestões enviadas pelo então Superintendente da ordem política e
social de São Paulo, o Cel. José S. Portella, ao Secretário de Segurança, para aperfeiçoar a legislação de
crimes contra a economia popular, que orientavam as diligências da especializada nesse setor. O
superintendente, após elogiar as leis anteriores que definiam os crimes e a alçada da policia, requeria
complementos à legislação vigente, para dirimir os vácuos da intervenção policial. “Eis, descrita, a série de
leis referentes à economia popular, de alçada policial, cuja execução deu a Seção de Ordem Social o melhor
desempenho. Entretanto, nem sempre a seção pode assegurar integral cumprimento da lei, na parte referente
aos aluguéis, pois alguns proprietários gananciosos, com fundamento no artigo n. 1.209 do Código Civil, tem
intimado os inquilinos a desocuparem suas propriedades, para em seguida obriga-los a aluguéis mais
elevados. Tais casos têm se repetido cada vez mais com freqüência, reclamando novas medidas coibitivas,
afim de que os alevantados propósitos da lei não se disfarcem pela malícia dos proprietários sem escrúpulos”
(PORTELLA, apud FONTES, 1940, p.589).
113
Como afirma Dominique Monjardet: “Quanto mais o poder se projeta sobre a sociedade, mais ele procede
da dominação e não do consentimento, mais e mais ele é concentrado no aparato policial, e é a polícia de
soberania que domina. No regime nacional-socialista, a SS subordinava a si mesma todas as outras polícias,
do mesmo modo que na Espanha franquista, a guarda civil motorizada e a polícia política de inteligência e de
repressão dominavam as outras” (MONJARDET, 2003, p.285).
125
O DEOPS iniciou a Era Vargas como 4
a
Delegacia Auxiliar subordinada ao
Gabinete de Investigações, e terminou o período como Departamento Estadual de Ordem
Política e Social (decreto nº 11.782 de 30/12/1940). A alta cúpula do órgão controlava as
Delegacias de Ordem Política, de Ordem Social, de Estrangeiros, a de Armas e Munições e
as Seções de Serviço Secreto, de Crimes contra e a Economia Popular, de Administração
dos Presídios Políticos e de Estatísticas, Documentação e Publicidade. Em 1940 a
renovada Superintendência de Ordem Política e Social contava nos seus quadros efetivos,
lotados na agência, com 1 superintendente, 3 delegados especializados, 8 delegados
adjuntos, 3 escrivães, 10 escreventes, 1 oficial de gabinete, 1 auxiliar datilógrafo, 2 chefes
de seção, 84 escriturários, 1 técnico de armas, 1 técnico de explosivos, 1 pagador-
recebedor, 1 almoxarife, 1 porteiro, 13 contínuos, 20 serventes, 3 ascensoristas, 2
telefonistas, 3 guardas de prisão, 5 investigadores de classe especial e mais 195
investigadores subordinados, perfazendo o número total de 359 funcionários
permanentes
114
, fora os extra-quadros. O grande número de investigadores demonstra a
importância efetiva do controle das ruas, na política contínua de remodelação do órgão.
O controle e o direcionamento da conduta do policial também eram enfatizados
no período. Ao invés da responsabilização social pelos atos arbitrário praticados nas
atividades de policiamento, as mudanças necessárias para aperfeiçoar o desempenho
cotidiano previam o sigilo e o segredo absoluto em que deveria ocorrer a investigação
policial. “Determino aos Srs. Funcionários da polícia que não concedam informações a
pessoas estranhas ao serviço desta repartição sobre as diligências em execução, si não
depois que as mesmas estejam ultimadas” (TERRA, 1939, p.412). Os documentos do
DEOPS destinados a fomentar os princípios estruturantes do ofício de polícia ressaltam a
imagem do policial como a de um profissional vinculado à defesa intransigente dos valores
dominantes e à valorização das diretrizes governamentais. O agente de polícia não é um
profissional impessoal, como requeria o pressuposto clássico da burocracia racional. Como
nos dizeres de um manual de regras e procedimentos para o bom desempenho do ofício:
Dorme tranqüila a cidade, só não podem dormir aqueles que, sobre si, tem o dever
de garantir o sono despreocupado dos que vivem dentro da lei, respeitando as
114
Decreto lei n. 11.782 de 30 de dezembro de 1940.
126
instituições políticas vigentes para o bem comum. Os que colaboram no DEOPS
são, por isto, os sentinelas avançados da ordem pública. Suas missões, conquanto
árduas, são como um ideal a realizar e seus efeitos se concentram no equilíbrio
social (TERRA, 1939, p.140).
Ao contrário do tipo ideal de profissional ligado à moderna burocracia, a
impessoalidade no exercício da função do cargo não era a premissa do processo de
racionalização da instituição policial. Treinado para agir como soldado no front da guerra
que o governo travava contra as ideologias da revolução social, temperado para atuar como
guardião do fosso entre a inclusão e a exclusão política e social, se exigia do policial a
competência de agir como um guerreiro, imbuído da missão sagrada de defender e
disseminar os valores “fundantes da sociedade” contra a desagregação permissiva das
ideologias estrangeiras da revolução:
Nossa missão é da mais alta responsabilidade, no setor de polícia política e social.
Assiste-nos sempre, grande ardor patriótico, espírito de sacrifício, bem como ser
incansáveis e, às vezes, até estóicos, visando a execução dos nossos misteres, no
cumprimento de ordens de serviço, às vezes rigorosas e complexas. Dessa
maneira, incontestavelmente – só assim – serão prestados eficientes serviços na
defesa da ordem e, conseqüentemente, na defesa dos mais altos interesses da
unidade nacional. (APOLÔNIO, 1954, p.12)
Embora o discurso legitimador da polícia especializada anunciasse uma nova era
no campo da relação entre a polícia e a sociedade, calcada no respeito às normas de
civilidade, a burocratização do órgão de contenção não objetivou transformar os modelos
de conduta dos agentes responsáveis pelas atividades cotidianas de vigilância e repressão.
A renovação da sociedade exigia como contrapartida a renovação da polícia, na direção de
reconstruir e ampliar uma grande teia de vigilância, espalhada pelos diversos recantos do
corpo social. Uma teia que pudesse identificar, isolar e debelar os focos de insurgência,
assim como fazer valer na classe dos trabalhadores, através de sua atuação discricionária, as
prerrogativas da ordem. A delegação do fazer valer a justiça, em meio às frestas sociais
menos abarcadas pelo direito burguês, referendava sua atuação arbitrária. A norma de
eficiência não era reproduzir na cena social as metodologias importadas da polícia técnica e
científica. O termômetro da eficácia estava ajustado à rapidez na resolução dos casos, em
detrimento da investigação de acordo com os novos preceitos técnicos. Eficiência era
manter as aspirações populares sob rígido controle policial. Dissimulação e terror
127
combinados formaram um método corriqueiro de atuação no DEOPS para resolução dos
conflitos sociais.
128
3. O DEOPS/SP – procedimentos de investigação e controle da sociabilidade popular:
Quem chega à sala do comissariado do DOPS vê fixado à parede um cartaz. Seus dizeres – alinhados à moda
dos antigos dísticos romanos – exprimem um conceito sugestivo: ‘Informar para prevenir. Agir para
reprimir.’ O conteúdo da função dopsiana fica aí revelado com meridiana clareza. A polícia política
necessita de informantes. E com o material fornecido pelos alcagüetes que pode então passar a reprimir -
quer dizer, a espancar, torturar, para obter confissões das vítimas. O objetivo não tem nobreza, a missão
policial é sórdida, os meios são ignóbeis.
Carlos Mariguella
Ao longo da história da questão social no Brasil, o Estado privilegiou a estratégia
repressiva como um sustentáculo para a imposição das demandas do poder. Isso permitiu
que, no seio de seu principal instrumento para a contenção das classes populares – as
instituições policiais – florescesse uma cultura operacional que privilegiava a intimidação
como tática e as práticas extralegais como formas corriqueiras de procedimento. Formatou-
se uma cultura policial
115
calcada na arbitrariedade e na procura da debelação rápida dos
casos, sem respeito às normas constitucionais. A necessidade de responder à pressão das
elites por uma sociedade livre dos indesejáveis referendou esses procedimentos, que
ganharam status de metodologia no trabalho policial. Os direitos individuais, nesse
contexto, estavam subordinados à primazia do controle da ordem. Como diria Luiz
Apolônio – ex-chefe do corpo de investigadores e do Serviço Secreto do DEOPS, um dos
principais quadros especializados da delegacia na repressão ao comunismo, chefe das
equipes de investigadores que trabalharam nas diligências principais contra o PCB nas
décadas de 1930, 1940 e 1950, professor da Academia de Polícia após findar sua longeva
carreira de investigador – no seu manual de procedimentos aos novatos da polícia política:
Infelizmente, a maioria do povo não compreende a verdadeira finalidade da ação
preventiva da polícia. È tachada de arbitrária, violenta, etc. Isto, enquanto
alguém, desse mesmo povo, não sentir o benefício que a polícia lhe
proporcionou ao efetuar a detenção daquele que, momentos antes, ou mesmo
dias antes, roubou-lhe o dinheiro [...] no tocante a polícia política, ela, com seus
setores especializados age num sentido mais preventivo, que é tachado muitas
vezes de arbitrário. Pergunta-se, entretanto: deve a polícia política permitir – por
exemplo – que se efetive um ato violento, uma greve orientada por agitadores
ou, até mesmo uma revolução quando ela esta de posse de todos os planos e das
datas marcadas para tais atos? Deve ela agir? Não cometerá uma arbitrariedade?
115
A cultura da polícia envolve os valores, as normas, as perspectivas e as regras do ofício que direcionam
sua conduta. Sobre o assunto, ver: REINER, 2004, p.134.
129
[...] Ela possivelmente sacrificará a liberdade momentânea de dez, vinte ou mais
indivíduos, agirá em detrimento dos mesmos, mas beneficiará, quiçá, milhares
de pessoas que poderiam ver-se envolvidas, involuntariamente, em escaramuças
com a polícia no momento em que a mesma estiver desenvolvendo sua ação
repressiva. O grande povo, que ignora como se prepara um ato violento, uma
greve dirigida por comunistas, uma revolução, um motim, etc., dirá no dia
imediato a ação preventiva: ‘a polícia é arbitrária’. (APOLÔNIO, 1954, p.155)
O desabafo de Apolônio, queixoso da péssima impressão da população sobre a
polícia, que não entendia a natureza de sua atuação “preventiva” no sentido de evitar o “mal
maior”, confirma o sentido arbitrário relacionado ao poder de polícia, consignado pelas
estratégias de dominação. Aqui, como já foi dito anteriormente, realizar as investigações
sobre os crimes não era algo diferente de agir como justiça sumária. A norma da vigilância
requeria o uso dos critérios da instituição para selecionar criminosos em potencial nos
ambientes sociais sob controle. Tal procedimento prático alargava o poder discricionário
dos policiais, que podiam enquadrar qualquer indivíduo, desde que seu perfil se encaixasse
nos “perfis criminais” elencados pela instituição, transformando estrangeiros, judeus,
operários, negros, entre outros, nos potenciais suspeitos de sempre; portanto, sujeitos à
brusca intervenção das forças policiais, conforme as demandas táticas da repressão. Isso
impedia o desenvolvimento de relações de confiança recíproca entre a polícia e as classes
baixas da população, que, destarte, temiam e evitavam a intervenção policial, referendando
a estratégia de impor o temor como modalidade de controle. Ao cidadão comum, o melhor
era evitar escaramuças com a polícia.
Ontem às 20:00 horas a sede da Federação Operária de São Paulo foi
inesperadamente assaltada por numerosos policiais, os quais ao penetrarem no
recinto da mesma, cometeram toda sorte de depredações, espatifando
escrivaninhas, arrombando bibliotecas, rasgando livros, jornais e papéis das
secretarias dos sindicatos, transformando tudo em escombros.
Ao mesmo tempo os esbirros, de carabinas embaladas, davam ordem de prisão
aos 80 operários de várias classes, que tranqüilamente liam ou palestravam.
Estes operários, uma vez detidos, eram violentamente atirados às ambulâncias e
conduzidos a Polícia Central, e dali, ao posto da Rua dos Gusmões, onde foram
encerradas nos cubículos escuros, úmidos, verdadeiras geladeiras que estão
celebrizando aquela bastilha moderna.
Ali os operários permaneceram até as 24:00 horas, momento em que o Chefe de
Polícia e o Delegado de Ordem Social, dando ordem de liberdade para os detidos
[...] De qualquer forma, neste momento de absoluta calma nas organizações
operárias, quando não se registram sequer simples movimentos grevistas, nada
explica semelhante brutalidade. No instante do assalto não havia senão uma
130
reunião dos operários metalúrgicos, nas quais se tratavam questões internas do
respectivo sindicato.
116
A polícia de ordem política e social, orientada por uma noção de ordem pública
que visava manter o status quo das elites dirigentes, agindo com grande liberdade de ação
frente às normas jurídicas e instrumentalizando o temor como forma primordial de sua
atuação, aliou a modernização e as práticas científicas, introduzidas pela reforma do
aparelho de Estado, aos procedimentos antigos e tradicionais valorizados pelos policiais
como meios eficientes para a resolução dos casos
117
. Aliás, podemos afirmar que os
procedimentos científicos complementavam a investigação, que era orientada
primordialmente pelos procedimentos tradicionais, continuamente renovados de acordo
com as demandas do policiamento. Alguns policiais chegavam mesmo a rechaçar as tais
inovações ditas científicas.
Alguns investigadores antigos que já tiveram a sua época de glória não querem
ouvir falar em técnicas. ‘Uma baboseira, dizem eles. E com que mais implicam
é com a datiloscopia. Não admitem de modo algum que pela impressão se possa
identificar o indivíduo (FERRÃO, 1926 , p.46).
O modelo tradicional, que alguns historiadores classificam como
inquisitorial,
118
privilegia o vigilantismo em detrimento da investigação. Essa postura
encontrava ressonância na própria missão delegada pelo Estado para a polícia política, que
era salvaguardar as instituições frente à agitação promovida pelos “extremistas”. Dessa
maneira, a tarefa da polícia era demarcar os setores da sociedade potencialmente perigosos,
que na ótica da cultura policial tenderiam mais ao crime que o restante do corpo social. A
vigilância desigual requeria que o DEOPS acumulasse uma miríade de informações sobre
esses setores, para posteriormente, atribuir os crimes aos suspeitos convencionais,
sobretudo aos fichados no departamento. Na realidade, não se procurava o criminoso a
partir do crime, mas o crime através do suposto suspeito. Ao invés das “técnicas” de
investigação, tal modelo favorecia a “astúcia” do policial, que, por meio da experiência
acumulada nos anos de serviço, seria capaz de identificar o suspeito em potencial por meio
116
“Manifesto de protesto contra o assalto, depredações no local da Federação Operária e prisão de 80
operários”. Documentação apreendida. Prontuários DEOPS/SP n. 716 da FOSP. 20/05/1933. Vol.3.
117
Sobre o assunto, ver: FLORINDO, 2000.
118
Sobre o assunto, ver: LIMA,1989.
131
de estereótipos, como os trejeitos do andar e da fala, das idéias, dos trajes, das relações de
amizade, entre outros fatores que contribuíam para a efetivação dessas formas
preconceituosas de policiamento.
A imagem do ‘bom policial’ passa a estar diretamente ligada a sua capacidade de
observação e ‘intuição’ vinculada à tarefa da ‘profilaxia social’. Nota-se entretanto
que, para ‘intuir’ e ‘observar’, o conhecimento antes reivindicado como
eminentemente técnico e científico, deve ceder espaço para a experiência e o
‘conhecimento das ruas’. Em seu segundo número, a Gazeta policial veiculava a
coluna de Pedreira ensinando como os policiais deveriam tratar os indivíduos
egressos das penitenciárias - os ‘liberados’. Vigilância e permanente observação
são os termos correntes (CUNHA, 1998, p.13).
O casamento entre o modelo técnico e as práticas tradicionais o primeiro
favorecendo a continuidade dos pressupostos inquisitoriais – confirmava para os policiais
que suas atividades eram menos uma questão de proposições ditas científicas e mais uma
questão de experiência e malícia. O policial em suas diligências devia, antes de se ater às
normas de procedimento das técnicas criminalísticas, observar as práticas de
comportamento e investigação valorizadas de geração em geração pelos agentes. Entre
essas prédicas, para os policiais da polícia civil de São Paulo, estava a discrição ao “evitar
conversações sobre o serviço, na rua ou logradouros públicos. Não comentar o serviço com
os colegas [...] não afetar poses de investigador. Naturalidade. Confundir-se com o povo”
(APOLÔNIO, 1954, p.148), e também a argúcia: “comenta-se freqüentemente que o faro
policial é uma qualidade que não se pode adquirir, mas apenas se pode aperfeiçoar [...] ele é
o produto de uma longa prática e dedicação ao ofício” (FRANCESCO,1931, p.47). O bom
policial era, sobretudo, um observador perspicaz que aprendia sua profissão conhecendo os
ambientes de intervenção e entendendo como agiam os vigiados. “Bom policial é aquele
que conhece o meio em que exerce sua função, a cidade, os vícios, as suas desordens, as
suas fermentações, e, por outro lado, os desordeiros e agitadores” (FRANCESCO, 1931,
p.79).
A subordinação da lógica técnica à noção de experiência e malícia referenciava
para os agentes que o exercício de sua profissão assemelhava-se a uma “arte”. Como
“artistas de ofício”, era impossível exigir um modelo de conduta e atuação para as
intervenções nas cenas de conflito modulado por regras formais, pois, como artesões, cada
policial desenvolvia seus modos e meios conforme suas aptidões e seu caráter. A
132
discricionariedade, mais que uma delegação do poder, era um requisito para o
aprimoramento profissional. A livre escolha dos meios permitia ao policial habituar-se às
diversas contingências do seu trabalho. Para os indivíduos que cruzavam por seu caminho
em meio às escaramuças do cotidiano, restava-lhes resignar-se (conforme as circunstâncias
do momento e o “imprevisto” do encontro) aos desígnios da autoridade.
Incontestavelmente cada autoridade policial tem uma norma de agir; cada qual
forma seu caráter profissional de acordo com seu temperamento, preparo e meio
onde tem de agir. Cada qual encara as situações por prismas diversos e por
modos vários são resolvidos fatos iguais. O princípio da adaptação não é o
mesmo; há localidades em que a autoridade deve adaptar-se e outras há que se
adaptam as autoridades. Como há delegacias de modalidades diversas, há
também funcionários de caráter profissional diferente. (FRANCESCO, 1931,
p.87).
A experiência e a malícia, regras fundamentais do aprendizado da arte policial,
habilitavam o agente para o exercício delegado ao poder de polícia de fazer valer a lei de
acordo com as noções próprias ao aparelho policial. Afinal, como diferenciar os casos sob
sua “jurisdição extralegal” e determinar os casos que deveriam ser encaminhados para a
justiça, por meio do inquérito policial, sem o aporte dos valores criados pela própria
instituição e experimentados na prática pelas autoridades? “A prática e a observação
policial facilitam o conhecimento da psicologia das pessoas e, assim sendo, proporcionam
uma resolução acertada” (CAROPRESO, 1946, p. 93).
A atividade da polícia, de impor a ordem de acordo com as necessidades do
poder, utilizando mais ou menos de suas prerrogativas extralegais, aliada ainda ao vasto
cabedal de meios e modos de intervir para solucionar os casos e apontar os suspeitos – isto
conforme o cenário da intervenção e as pressões políticas por uma cidade higienizada –
requeria um ponto de convergência capaz de confirmar os acertos e validar as diversas
formas discricionárias de atuação. Foi nesse sentido que a efetivação da confissão dos
indivíduos sob suspeição tornou-se o cerne da investigação policial. A malícia e a astúcia
do agente estavam a serviço não da busca da verdade dos fatos que co-substanciariam o
julgamento do acusado, mas da culpabilização de antemão dos indiciados mediante a
confissão do crime. Esse era o substrato que determinaria o lugar comum da atividade
dopsiana, respaldando ao mesmo tempo a habilidade profissional dos agentes, como no
caso das tarefas dos inspetores.
133
E a diligência dessa gente é sempre caracterizada por uma maneira original.
Recebem o nome do suspeito e põem-se imediatamente ao seu encalço,
observando todo seu rastro e as particularidades dos seus passos. Uma vez
localizados colocam-no em uma emaranhada teia de perguntas capazes de trair
os mais finos ladinos. Com grande maestria sabem qual a sutilidade das
perguntas que devem ser feitas em cada caso, para a obtenção de resultados
satisfatórios. E se não conseguem a confissão definitiva do autor, reúnem mais
uma coleção de dados e nomes que freqüentemente constituem o caminho certo
para elucidação (CAROPRESO, 1946, p.89).
A confissão era um meio seguro de elucidar os casos e encaminhar os
processos para as instâncias da justiça em conformidade com a percepção policial das
implicações dos acusados. A confissão do suspeito assegurava ao policial a justeza de suas
observações, e rebatia as críticas que porventura colocassem em dúvida a eficácia do
aparelho em solucionar os crimes. No decorrer dos anos 1930, com a crescente
preocupação do Estado em encerrar o conflito social em suas malhas burocráticas (o que
elevou o papel das tramitações jurídicas para a formalização dos processos de controle da
ordem pública), as preocupações com a elaboração de inquérito policial tomaram uma nova
dimensão no cotidiano das atividades de investigação do DEOPS/SP. A serviço da extração
da confissão – o que permitiria o enquadramento dos acusados nas letras da lei das novas
legislações que definiam os crimes políticos e sociais – velhas práticas desde sempre
valorizadas pela cultura policial foram devidamente adaptadas às demandas impostas pela
burocratização do próprio serviço policial.
Entre essas práticas, duas, devido à sua larga utilização pelo DEOPS, ganharam
notoriedade no período estudado: a comentada utilização de agentes duplos – não
pertencentes aos quadros oficiais de funcionários do Estado – e a tortura. A interação entre
essas duas práticas formava o quadro de normalidade nas investigações desenvolvidas pelo
DEOPS/SP no período. Os agentes duplos atuavam disfarçadamente nos círculos de
sociabilidade dos revolucionários, delatando a movimentação dos vigiados à polícia.
Depois de presos, os suspeitos eram submetidos a sevícias físicas e psicológicas nos
interrogatórios, levadas a cabo nas dependências da delegacia, com o propósito de
formalizar as confissões sobre suas atividades e conseguir novas informações sobre as
organizações que militavam
119
. A manutenção da incomunicabilidade do preso, assim
119
Sobre o assunto, ver: FLORINDO, 2000.
134
como do apontamento institucional sobre sua prisão, eram avaliados de acordo com as
pertinências das investigações.
A infiltração era a base da atividade de investigação policial. A delação era o
pontapé inicial que dava origem aos inquéritos elaborados pela delegacia, pois ela permitia
a coleta dos indícios necessários para as etapas subseqüentes do processo investigativo.
Como afirmava o professor Luís Apolônio aos seus pupilos nas salas de aula da Academia
de Polícia:
Boa investigação é aquela que se consegue pelos meios da infiltração. Todos
nós, antes de ingressarmos para os quadros policiais, exercemos uma profissão.
O policial deve estar pronto para, repentinamente, voltar a exercer essa profissão
no interesse da policia. (APOLÔNIO,1954, p.159).
O número de infiltrados do DEOPS nas organizações vigiadas era gigantesco.
Da leitura do conteúdo encontrado nos diversos volumes do prontuário do Partido
Comunista Brasileiro, por exemplo, percebemos que em diversas instâncias da organização,
das células aos comitês deliberativos, encontram-se infiltrados da polícia, que mantinham
um fluxo de informação constante para o órgão de contenção
120
, dando ciência a este sobre
os movimentos do partido e de seus principais militantes. A situação não era diferente nas
organizações anarquistas e trotskistas. Aliás, a infiltração policial era uma tática
amplamente utilizada em todos os ambientes sob supervisão. Empresas, sindicatos,
repartições públicas, todos os locais que podiam contar com a participação de dissidentes
eram infiltrados pela polícia por meio de seus quadros reservados. Mesmo outras
repartições policiais eram varejadas pelos secretas do DEOPS, caso da Força Pública de
São Paulo.
Em aditamento ao relatório n.1, acrescentam os elementos incumbidos de
investigar em torno do caso (ZP1 e ZP6), o seguinte:
Conforme havia sido combinado dia 17, às 16 horas, ambos foram a Rua da
Olaria, onde deveria realizar-se uma reunião comunista, entretanto, como o
chefe da casa lá não estivesse, tal reunião não se realizou. Os investigadores, daí,
seguiram para o posto de serviço em que se encontrava o guarda n.2.736, pois é
este o chefe da casa, a qual deixara recomendado em sua casa que, no caso de
120
Como no caso sobre a sucessão presidencial em 1937, quando os policiais do departamento informavam da
postura política adotada pelo partido por meio de “um elemento de destaque do PCB, que a quatro anos e
meio tem mantido a chefia de polícia ao par de suas deliberações”. “informações diretas do PCB”.
26/09/1937. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do PCB, vol. 6.
135
ser procurado, deveria ser encontrado na Rua Padre Vicente [...] o 2.736 passou
a relatar que, após os últimos acontecimentos na guarda civil (exoneração de
vários companheiros) existia um grande esmorecimento entre os elementos
comunistas, e , que mister se tornava reanimá-los, pois sem esta animação não
podiam em absoluto prosseguir [...] no dia 1
o
de maio, necessitam os comunistas
imprescindivelmente, colocar uma bandeira vermelha na Rua Padre Adelino, e
em virtude de se encontrarem ali, todavia, dois guardas (civil e noturno) de
serviço, pretendem eles que o ZP1 os acompanhe afim de arrastar aqueles dois
guardas para uma outra localidade qualquer, momento esse que pretendem
colocar ali a referida bandeira. Que nesse mister, diz o ZP1, todos devem
comparecer armados na localidade, para no caso de algum flagrante enfrentar a
polícia
.
121
A tortura era utilizada pela polícia como um complemento às inquirições
pertinentes à elaboração do inquérito. Sua efetivação, nas dependências policiais, permitia
conduzir forçosamente as declarações prestadas pelos presos de acordo com a lógica da
linha de investigação elaborada nas diligências policiais. O suplício físico e psicológico
instigava a confissão, verdadeira ou não, do suspeito. Era também por meio da tortura que
os policiais levantavam novas denúncias sobre as atividades do detido, pois a reboque da
confissão, prova considerada irrefutável das atividades criminosas, outros indícios do
“crime” podiam ser levantados, como a localização de documentos partidários ou o
apontamento de ligações, aparelhos, entre outros. A tortura cumpria outros papéis na lógica
de controle social efetivada pela polícia. Na repressão política e social, a prática da tortura
também tinha efeitos na implementação de uma atmosfera de intimidação e temor que
devia envolver as classes subalternas da sociedade, promovendo o enquadramento aos
ditames da ordem instituída. Devemos lembrar que nos momentos de maior repressão,
mesmo indivíduos pertencentes às classes mais circunscritas à noção de cidadania, eram
atingidos pelas práticas da tortura, quando sob custódia do aparelho de Estado
(FLORINDO, 2000, p.26-27).
A interação entre a infiltração, o levantamento de informações, e a prisão
posterior do denunciado, mais o interrogatório (entremeado pela pressão e a tortura para
viabilizar a confissão), formavam os alicerces das práticas investigativas do DEOPS/SP.
Isto torna-se evidente no comentário de Antônio Vieira ( guarda da força pública ligado ao
comitê militar do PCB em São Paulo, ex-detento do presídio político Maria Zélia), o qual
explicita os passos que levavam da denúncia à prisão, passando pelo interrogatório nas
121
“Informe reservado”. Prontuário DEOPS/SP n.2.431 do PCB. Vol.4.
136
dependências da delegacia, até a detenção definitiva num dos presídios políticos mantidos
pela agência: “Fosse quem fosse o denunciado, seria preso, sua casa varejada e muitas das
utilidades domésticas conduzidas à polícia”. Após a prisão nas dependências do DEOPS
iniciavam-se as inquirições, cujo objetivo era “liquidar o detido, fosse homem, mulher ou
criança. O detido ficava a cuidado de um ou vários agentes encarregados de seviciá-lo”.
Após a confirmação das denúncias, por meio da confissão arrancada, o indiciado era
encaminhado ao presídio. Ainda segundo Antônio, se a vítima houvesse sobrevivido aos
termos correntes da investigação policial, o encaminhamento para a detenção definitiva
permitia um breve interregno nos seus sofrimentos.
[...] se saísse vivo depois do interrogatório iria para um presídio. Para o preso, a
ida para uma dessas detenções era quase uma salvação, porque na Delegacia de
Ordem Política da aludida Superintendência, o cidadão submetido a constantes
interrogatórios estava sujeito a espancamentos e torturas alucinantes [...] Ao ser
removido para um dos presídios a vítima se sentia renovada por haver saído de
um ambiente monstruoso, sem alimentação, sem roupa, sem ar e saturado de
piolhos (VIEIRA, 1957, p.81-82).
Os preceitos de polícia técnica permitiram que essas práticas tradicionais
paulatinamente assumissem caráter de metodologia científica. A infiltração ganhou novas
terminologias, como a “observação pessoal”. A campana, método de levantamento de
informações por meio do acompanhamento discreto dos passos dos denunciados pelos
investigadores, oficiais ou secretas, transformou-se na “técnica da sombreagem”. Houve
mesmo um esforço em determinar as linhas gerais que conduziriam estas atividades,
permitindo extrair o máximo de eficiência em conformidade com os objetivos da
investigação.
Chama-se ‘acampanar’ seguir e vigiar, de perto, os movimentos de uma pessoa, de
modo que esta não se dê por isso. Assim, uma das qualidades essenciais de um
policial é saber acampanar corretamente, porque ela é necessária em quase todos
os ramos da atividade do detetive ou do investigador [...] O fim da observação
pessoal, no caso, é positivar-se algum fato de que existem suspeitas. Ora, uma vez
ciente o observado de sua situação, procurará de todas as maneiras o disfarce de
suas verdadeiras intenções e, com isto, está o serviço inutilizado. Neste caso será
melhor que se o suspenda, porque prosseguir nele equivale a perder tempo ou ser
conduzido a um raciocínio falso em torno dos atos do ‘acampanado’. [...] O
policial, por outro lado, que se encontre incumbido do serviço de sombreagem, não
deve usar roupas vistosas, nem qualquer outra coisa capaz de voltar sobre a sua
pessoa à atenção geral. Deve sim, vestir-se e agir de maneira natural e concordante
com a sociedade e a localidade onde atua. Por exemplo, na cidade, as roupas
137
sóbrias e de estilo comum devem ser preferidas, salvo se o policial esteja
trabalhando, por um longo período, nas imediações de um bairro muito pobre e,
mesmo de estrangeiros, pois chamaria a atenção se não se vestisse de acordo
(TERRA, 1939, p.141)
Os agentes infiltrados, que no início da década de 1930 reportavam suas
delações diretamente ao delegado de ordem social, foram arregimentados no decorrer do
período em um departamento específico, o Serviço Secreto (S.S.). A importância do SS do
DEOPS pode ser avaliada tomando-se como referência o Decreto lei n. 9.893 b, de 31 de
dezembro de 1938, que deu ao setor o mesmo status conferido às demais delegacias
subordinadas à cúpula do órgão, corroborando sua autonomia em relação aos delegados
especializados e criando o cargo de delegado chefe do S.S. Coube ao setor, para além de
coordenar as atividades de infiltração, a responsabilidade da organização dos arquivos
policiais, normalizando o fluxo das informações. Foi o Serviço Secreto do DEOPS que
incrementou uma nova racionalidade para a organização dos documentos da polícia, com a
elaboração das pastas denominadas “dossiês”
122
, que caracterizaram a arquivística do
DEOPS/SP a partir dos anos 1940. Antes, os documentos apreendidos, os relatórios de
investigação, os comunicados reservados, entre outros documentos, eram guardados sem
maiores sistematizações nos prontuários individuais dos presos. Os dossiês arranjavam os
documentos segundo os assuntos e cronologia, facilitando a montagem dos inquéritos
policiais, que envolviam, na maioria dos casos, vários implicados. A elaboração das pastas
dossiês demonstram também a maior preocupação dos policiais com a elaboração dos
inquéritos ocorrida a partir da formação do TSN, cuja criação definiu um novo
enquadramento jurídico para a atividade policial contra os militantes da revolução social. A
ampliação dos procedimentos “legais” para o indiciamento dos envolvidos nos crimes
contra a ordem política e social requisitavam melhorias na montagem dos relatórios das
autoridades, pois esses deviam consubstanciar, com provas (como a apreensão de
documentos e a própria confissão), a convicção de culpa formulada nas dependências da
agências. As novas pastas permitiam também aprimorar a estratégia do sigilo segundo o
qual ocorriam as investigações, pois os meios de classificação dos documentos arquivados
eram somente acessíveis aos agentes responsáveis pelos arquivos. Os dossiês
122
Sobre o assunto, ver os trabalhos sobre as pastas dossiês do DEOPS/SP coordenadas pela Prof. Maria
Tereza de Aquino, no projeto dossiês Deops subvencionado pela FAPESP. AQUINO et alli, 2001.
138
permaneceram como sistema de arquivo padrão da delegacia até o encerramento das suas
atividades, ocorrida em 1983.
A prática da tortura também sofreu alterações, tornando-se menos uma prática
“corretiva”, como era nos anos 1920, e mais uma técnica que corroborava a investigação
conforme as demandas da repressão. Novas modalidades eram incorporadas aos
tradicionais espancamentos, arrancamentos de unhas e queimaduras com charutos. Foi nos
anos 1930 que surgiu, por exemplo, a “cadeira americana”, em cujo assento havia uma
mola escondida que atirava o interrogando longe quando suas respostas não estavam de
acordo com a perspectiva do interrogador (CANCELI, 1993, p.309). As mudanças
estratégicas das práticas da tortura, entre os períodos citados, eram percebidas pelas vítimas
preferenciais. Conforme a explanação de Hilcar Leite, notório militante trotskista daquela
época, havia diferenças no modo de abordagem dos policiais no momento das prisões e nas
posteriores inquirições: “Eles davam uns pescoções, uns empurrões, mas não com a tortura,
a tortura só veio depois de 1935” (GOMES, 1988, p.177).
O próprio Hilcar Leite experimentaria em primeira mão as novas “modalidades
técnicas” da tortura. O militante foi preso em São Paulo em 17 de maio de 1936. Sua prisão
foi motivada pela delação de um secreta, que apontou a casa habitada pelo ativista, na Rua
Borges Figueiredo n.227 como sendo o depósito dos documentos da Liga Comunista
Internacionalista
123
. Os documentos confirmavam que Hilcar era do Comitê Central da Liga
e encarregado da reorganização desta em São Paulo após as prisões de diversos militantes
ocorridas na esteira da repressão de novembro de 1935. Os policiais de São Paulo tomaram
sua prisão como a queda de um “peixe-graúdo”, que nos interrogatórios poderia confirmar
velhas desconfianças e lançar novas informações a respeito da organização e de seus
militantes. O tratamento dispensado ao Hilcar nas inquirições levadas a efeito no
DEOPS/SP confirmava a sofisticação das novas modalidades de sevícia física, que
inclusive podiam ser moduladas no sentido de criar o maior desconforto físico, sem,
entretanto, deixar marcas muito vizíveis pelo corpo do supliciado. Como declarou o
militante durante o seu julgamento no processo efetivado pelo TSN, ao juiz comissário para
inquirição de presos políticos:
123
“Inquérito Policial contra os militantes da LCI de São Paulo, pelo Delegado adido Cardoso de Melo,
29/06/1936”. Prontuário DEOPS/SP n.4.143 da Liga Comunista Internacionalista. Vol.1.
139
O declarante se encontra no presídio político desde 16 do corrente, não tendo
queixas gerais, a não ser as queixas gerais frente à alimentação, toalhas, roupas e
etc; que entretanto, na polícia, foi muito mal tratado, maus tratos esses que atribui
serem geralmente empregados com os presos comunistas, pois foi conservado
preso sentado com as costas para a parede incomunicável durante cerca de 28 dias
e por ocasião dos interrogatórios extenuantes, haviam pausas em que o declarante
ficava totalmente privado de reflexão, num estado de quase atonia.
124
Hilcar também declararia as maneiras através das quais teria sido submetido às
agressões: no momento da prisão, fora ele espancado, tendo lhe sido “aplicado nas mãos e
nos pés pancadas contínuas de cassetete de borracha maciça”
125
. Tais procedimentos
confirmam a combinação entre, de um lado, as antigas práticas corretivas dos “pescoções e
tapas” no momento da prisão seqüestro – geralmente não comunicada as instâncias formais
para o aprofundamento sigiloso das investigações – e de outro, das novas modalidades das
sevícias físicas desenvolvidas para extrair o máximo de informações do interrogado. A
capacidade da combinação dos elementos que possibilitavam quebrar a resistência dos
presos e extrair as confissões, de acordo com as necessidades da investigação policial, eram
os critérios que avaliavam o desempenho das equipes policiais responsáveis pelos
interrogatórios. O profissional de polícia mais capacitado era aquele que, combinando tais
elementos, elevava o “estado da arte” nas inquirições, confirmando as assertivas policiais,
ampliando o leque das informações, e não permitindo ao interrogado nenhuma
possibilidade de contradição ou rota de fuga. Como afirmava o interrogador-mor do
DEOPS, o investigador Luís Apolônio, sobre as maneiras de inquirir os comunistas,
O interrogatório é uma arte. Interroga-se com argúcia. De um interrogatório bem
orientado pelos conhecimentos que se possuírem em torno da atividade do
comunista, depende, também, a descoberta de planos conspirativos ou de
endereços e nomes preciosos. Antes de iniciar o interrogatório propriamente dito,
deve-se estudar o tipo do comunista que se tem à frente; verificar seus pontos
fracos; jogar com as palavras astuciosas para conseguir as contradições. Possuir
boa memória para anotar estas e rebater, depois, as alegações mentirosas do
interrogado. Observa, em extensão e profundidade, as alterações fisionômicas do
interrogado, anotando as diversas contrações de seu semblante. Uma pergunta deve
ter resposta imediata. A demora na resposta, indica perturbação do interrogado ou
meio para estudar uma resposta que não o prejudique (APOLÔNIO, 1954, p.180).
124
“Declaração de Hilcar Leite ao juízo de direito comissário para a inquirição de presos políticos”
30/06/1936. Prontuário DEOPS/SP n.3.815 de Hilcar Leite.
125
Declaração de Hilcar Leite ao juízo de direito comissário para a inquirição de presos políticos”
30/06/1936. Prontuário DEOPS/SP n.3.815 de Hilcar Leite.
140
O principal investigador do DEOPS no período, o especialista em bolchevismo
Luís Apolônio, era também o “artista principal” nos interrogatórios dos presos comunistas.
Durante as investigações que destruíram os Comitês Regionais do PCB em São Paulo entre
1936 e 1941 o inspetor arvorou-se em escrivão ad-hoc em todos os termos de declaração
dos envolvidos, centralizando as investigações e dominando o cenário das inquirições. A
prática de instruir-se como escrivão ad hoc era ilegal para o procedimento penal, o que foi
inclusive citado na defesa dos advogados de Hermínio e Ceres de Abreu Sachetta, e
também de outros membros da cúpula partidária paulista do partido “caídos” entre 1937 e
1938
126
. Porém as reclamações dos advogados não foram acatadas pelo juiz do TSN,
Antonio Pereira Braga, que sentenciou alguns dos envolvidos com as penas máximas
previstas na Lei de Segurança Nacional.
127
Luiz Apolônio continuaria sendo o interrogador
primaz do DEOPS para além do período estudado, sendo instruído para interrogar presos
mesmo depois de sua aposentadoria. Como relata Jacob Gorender, interrogado pelo
“professor Apolônio” durante sua prisão em 1970:
Ainda ágil nos seus setenta anos, Luiz Apolônio era o mais famoso investigador
da polícia política paulista. Fez grandes estragos no PCB nos anos 30 e tinha no
currículo os interrogatórios de dezenas de comunistas, inclusive Mariguella […]
Prestei o depoimento da fase policial em condições de aguda debilitação física e
num ambiente de terror onipresente. Duelava contra um inquisidor habilidoso.
Cada palavra solta se tornava definitiva, não poderia refazer o texto, como
acontece no trabalho do escritor e do jornalista (GORENDER, 1990, p.219).
Nos porões do DEOPS, Luís Apolônio se vangloriava da pretensa eficácia
técnica de seus métodos de inquirição. Por vezes propalava sobre a não necessidade da
utilização de “torturas” durante seus interrogatórios, conduzidos, conforme ensinava, com
“argúcia e planejamento”. Em muitos casos, mais sevícias eram mesmo desnecessárias,
126
“Embora a lei processual seja positiva e o assunto de competência seja coisa substancial, nada impediu que
o Sr. Apolônio, agente de polícia, servisse de delegado de fato, de escrivão de fato, de inquisidor real, de tudo,
no inquérito. Ora, é sabido que o escrivão ad hoc se admite para um ato, uma apreensão, uma diligência, um
depoimento, ou mesmo para um processo inteiro, quando esse processo se faz de uma só vez; mas escrivão ad
hoc num processo que leva quase quatro meses; e sem que se justificasse o impedimento do escrivão da
delegacia, não se admite, sem que se torne nulo todo o processo, por incompetência do escrivão”. Auto de
defesa pelo advogado Alberto Nunes Brigagão dos envolvidos no Processo n.705 do TSN. Arquivo do
Cedem/ Unesp, fundo Dainis Karepovs (DK), caixa 2.
127
Sentença proferida pelo juiz Antônio Pereira Braga para o processo n. 705. 20/06/1939. Arquivos do
Cedem/ Unesp, fundos DK, caixa 4.
141
pois, como afirma Jacob Gorender: “já lhe entregavam os presos triturados” (GORENDER,
1990, p.219). Embora no discurso procurasse encobrir a violência da inquirição policial, o
famoso interrogador na prática não dispensava certas modalidades de tormento no
momento de tomar as declarações dos investigados. Os relatos confirmam que o inspetor
abusava, durante as sessões, da combinação entre pressões físicas e psicológicas sobre os
interrogados. Uma das formas de pressão preferidas de Apolônio era efetuar a prisão, para
averiguações, dos entes queridos das vítimas, como nos casos de parentes do dirigente
comunista Hermínio Sachetta e sua esposa Ceres de Abreu, presos por que “atrapalhavam
as investigações
128
, ou, como no caso da perseguição intermitente contra o Sr. Thiers
Galvão, pai de Patrícia (Pagú) e Sidéria Galvão, que foi continuamente molestado até a
prisão das filhas
129
(aliás, durante um dos interrogatórios de Pagú, o inspetor “saiu da
linha”, e esbofeteou a jovem que lhe impunha forte resistência na inquirição, afirmando
“que iria fazer de tudo para desmoralizá-la”).
130
Outra modalidade preferida por Apolônio
para quebrar a resistência dos presos renitentes era provocar a fadiga física, esgotando o seu
sistema nervoso. Vejamos o caso relatado pelo comunista Heitor Ferreira Lima em suas
memórias:
Seriam 10 ou 11 horas da noite quando Apolônio, certamente já cansado, resolveu
dar por encerrada a inquirição, indo embora. Deixou-me, entretanto, de pé, com
ordens expressas aos três ou quatro ‘tiras’ que ficaram a fim de me vigiar, para que
me mantivessem naquela posição até eu contar minha residência. Eles sentaram-se
em volta da mesa e jogaram baralho a noite inteira, discutindo muito entre eles. Eu,
extenuado, sem nada ter comido nem bebido, permaneci de pé num esforço
tremendo. Algumas horas depois, esgotado, fingi desmaio, pedindo para ir à
privada, ficando sentado no vaso sanitário o maior tempo possível, voltando, em
seguida, para o meu lugar e minha posição. Já madrugada alta, cansado e abatido,
tive desmaio autêntico (LIMA, 1982, p.229).
O modelo de operação da polícia, mesclando aquisições modernas com práticas
tradicionais, caracterizando-se pela arbitrariedade, relaciona-se com as próprias
expectativas que as elites tinham em relação à sua atuação. Isto estava de acordo com uma
noção de criminalidade que referendava a contenção dos distúrbios e ameaças provenientes
128
Sobre o assunto, ver os termos de declaração de Miguel Naddeo (primo de Hermínio Sachetta) e do Sr.
Adolpho de Abreu (pai de Ceres) arrolados ao processo do TSN contra os membros do C.R./SP dissidente do
PCB. Arquivos do Cemap/Cedem Unesp. Fundos DK, caixas 1,2 e 4.
129
Prontuário DEOPS/SP n. 1.053, de Patrícia Galvão.
130
“Termo de declaração de Patrícia Galvão ao DEOPS/SP em 04/02/1936.” Prontuário DEOPS/SP n.1.053
de Patrícia Galvão.
142
da sociabilidade popular. Na manipulação das informações contidas nos inquéritos
policiais, evidenciando a culpa ao invés da investigação dos fatos, se revela o caráter de
gerenciamento da própria noção de criminalidade, exercido nas ruas pela delegacia de
ordem política e social. Seus agentes podiam criar desde a cena do crime até formatar o
cumprimento da pena, de acordo com os procedimentos atinentes à própria lógica
institucional da agência.
Portanto, podemos afirmar que era função do aparelho policial imprimir no seio
da sociedade uma noção de criminalidade que compunha uma versão determinada de ordem
social, ditada por nossas elites: “Faz parte do trabalho policial produzir a criminalidade (...)
A polícia manipula a ordem social para conseguir respeito à lei e, mais insidiosamente,
desrespeita a lei para garantir a ordem social” (SOUZA, 1998 a, p.118). Nesse processo, os
ensinamentos técnicos eram incorporados como meios capazes de dotar a polícia política de
um know how importante para o enfrentamento dos desafios do futuro. Isto sem modificar o
que nela era fundamental: a preponderância da intervenção arbitrária da policia no cenário
social estava garantida e era, desta forma, reverenciada nas práticas do controle dos espaços
sociais. As ponderações judiciais eram cumpridas preferencialmente quando estas iam ao
encontro da visão de punição prescrita pelos delegados nos inquéritos. São numerosos os
casos, ocorridos durante os anos de 1930, nos quais a polícia não cumpria as determinações
dos juízes favoráveis aos presos, sobretudo quando essas contrariavam as expectativas das
autoridades para o encaminhamento do caso em questão.
A própria Patrícia Galvão, durante sua prisão supracitada, conseguiu um
impensável hábeas corpus acatado pelo Juiz Federal Bruno Barbosa, cuja emissão da
ordem de soltura foi datada em março de 1936. O país estava em regime de exceção devido
ao levante comunista de novembro do ano anterior. A prisão de Pagú, efetuada em sua
residência, tinha como provas cabais do delito e do flagrante “de ato de propaganda
subversiva” a posse de materiais comunistas em sua casa. O juiz ponderou que era
impossível fazer propaganda com documentos que nem sequer haviam saído de sua casa,
quanto mais instaurar um flagrante. Reiterando o princípio constitucional do artigo 113 §.9
da Constituição de 1934, ainda vigente, que afirmava que “em qualquer assunto, é livre
manifestação do pensamento sem dependência de censura”, e também observando os
procedimentos irregulares da detenção, entremeados por depoimentos diferentes e
143
contraditórios dos próprios policiais, o juiz resolveu determinar a liberação da jovem. Sua
alegação decisiva era que, para manter presa Pagú, seria antes necessário mudar a
constituição vigente.
131
A raivosa reação do delegado de ordem social, Dr. Venâncio Ayres ao ato do
juiz, revela o locus da estratégia repressiva e de sua relação com o direito:
Informando o protocolado referente à comunista Patrícia Galvão e do qual, na
parte final, o mandato de soltura, expedido em favor da mesma, cumpre-me
acentuar o seguinte. Sou de opinião que não seja Patrícia Galvão posta em
liberdade [...] ora, se a mesma sentença absolutória considera perigosa á ordem
social a atuação de Patrícia Galvão, esta delegacia que é, precisamente de ordem
social, não pode conformar-se em ver em liberdade essa comunista, cujas atitudes,
em tempos normais e anormais devem ser vigiadas pela polícia [...] como medida
meramente policial, que é o que interessa a esta delegacia, entendo dever continuar
presa esta comunista. Isto não é um desrespeito ao ilustre Magistrado que a
absolveu. É uma prevenção.
132
E Pagú continuou presa. Outro exemplo notório, no qual o arbitramento
policial passaria por cima das regras do direito, foi no caso das expulsões de diversos
estrangeiros ocorridas em 1937. Os experts do DEOPS/SP previram que muitos dos presos
implicados nas diligências posteriores ao levante comunista de 1935 – presos que, ao rigor,
nada tinham a ver com os preparativos da intentona – seriam postos em liberdade,
beneficiados pela “macedada”, iniciativa liberalizante do novo Ministro da Justiça, José
Carlos de Macedo Soares. O ministro, numa tentativa de insuflar certo “ar de normalidade
institucional” ao regime de exceção imposto após novembro de 1935, emitiu decreto que
prefigurava a soltura dos presos sem julgamento ou culpa formada. Diversos estrangeiros,
cuja prisão se justificava pelas denúncias dos reservados do DEOPS (caso do espanhol
Gusmão Soller
133
, indiciado por proferir palestras anarquistas), foram reunidos antes da
publicação do decreto que certamente os beneficiaria, e embarcados para diversos pontos
da Europa com portarias de expulsão abalizadas pelos delegados do DEOPS. Entre os
trinta e três
134
presos expulsos de diversas nacionalidades em 1937, haviam vinte e cinco
131
Sentença de absolvição de Patrícia Galvão. Juiz Federal Bruno Barbosa, 20/03/1936. Prontuário
DEOPS/SP n.1053 de Patrícia Galvão.
132
Relatório do Delegado de Ordem Social, Dr. Venâncio Ayres. 23/03/1936. Prontuário DEOPS/SP n. 1053
de patrícia Galvão.
133
Prontuário DEOPS/SP n. 4045 de Gusmão Soller
134
Relatório dos extremistas expulsos do território nacional por portaria expedida pelo Sr. Ministro da Justiça.
Prontuário DEOPS/SP n. 2 de Abílio Neves.
144
espanhóis, cujo flagrante arbitrário foi a tentativa de embarca-los para regiões espanholas
dominadas pelas forças insurretas do General Franco, que combatia a República
reconhecida pelas leis brasileiras. O procedimento já havia ocorrido em 1936, quando onze
espanhóis foram embarcados para o porto de Vigo, sendo alguns fuzilados pelos rebeldes.
No caso ocorrido pouco antes da “macedada” de 1937, os espanhóis expulsos ilegalmente
foram embarcados para Marselha, na França, pela decisiva intervenção do Cônsul de
Espanha Andrés Rodrigues Barbeito, um republicano, que pagou do próprio bolso a
diferença do embarque dos expulsos.
135
Ainda sobre o caso das prisões revistas, existe uma inquietante anotação nos
diários de Getúlio Vargas sobre os objetivos consignados pelo “relaxamento” das práticas
repressivas: um comentário que aponta para a continuidade e a interação entre a
modernização das formas de controle e as práticas tradicionais da repressão para a
viabilização da profilaxia social dos indesejáveis.
Foram soltos trezentos e tantos presos, na qualidade de presos políticos, para bem
impressionar a opinião, conforme desejava o novo ministro. Na verdade, tratava-se
de simples batedores de carteira e punguistas, que o estado de guerra permitia
seqüestrar (VARGAS, 1995, p. 52).
A tensão entre polícia, justiça e profilaxia social dos indesejáveis se resolveria
com a instauração do anteriormente citado TSN, que faria a necessária adequação entre os
predicados da polícia e as necessidades formais do processo legal. Para um tempo de tensão
e novidades técnicas, a velha política do controle via temor e violência devia ser atualizada
e reformulada de acordo com os padrões modernos, que garantissem, para os donos do
poder, o controle administrativo do corpo social. A cultura policial extralegal, a liberdade
de ação, a arbitrariedade na efetivação de suas ações, entre outras características, mais que
um legado sombrio do passado policial, eram exatamente os aspectos da atuação que
deviam ser revigorados, como um calço que aparava a própria modernização das
instituições implementadas pelas elites. Estado e polícia, criador e criatura, em seu
movimento próprio, interligado e contínuo, confirmam os signos da modernização
conservadora na sociedade brasileira. A norma burocrática, aqui desfigurada de seu sentido
135
Sobre o assunto, ver a entrevista de Julia Garcia concedida a pesquisadora Ismara Isepe de Souza, in: SÃO
PAULO [Arquivo do Estado] 2002.
145
original de limitar os poderes discricionários, era adaptada às necessidades da exclusão
política e social das classes populares. Confirmar o poderio do príncipe era o seu critério de
eficiência.
146
4. A modernização – conservação da polícia e o trato arbitrário da questão social.
Pequenas coisas como um mandato de prisão de um magistrado são bastante obsoletas no Brasil republicano
moderno. O policial não está exatamente além nem acima da lei. Ele é a própria lei e o imperialismo dos
métodos que usa é sentido nos episódios mais comuns da vida cotidiana. O policial é o acusador, o juiz e
também o ‘senhor executor’. Não há apelação. Os brasileiros se tornaram tão acostumados a serem
‘mandados pelos patrões’ e receberem ordens que aceitam este estado de coisas como normal e
humildemente se resignam a isso – até que periodicamente se revoltam, apoiando uma revolução que,
qualquer que seja o objetivo, os deixa mais sob o controle policial do que antes.
Ernest Hamblach, diplomata inglês.
Uma das primeiras medidas do novo governo capitaneado por Vargas foi
enfatizar a pretensa ruptura que a política de seu governo faria em relação ao modelo de
intervenção “policialesco”, mantido pelas elites depostas, no trato das questões populares.
Ao novo gabinete estabelecido no poder, cuja revolução garantiu poderes ditatoriais,
tornava-se necessário granjear o apoio das classes populares urbanas, sobretudo em São
Paulo, estado de origem das forças políticas depostas pela revolução de 1930. Foi neste
sentido que o novo governo promoveu a desativação da cadeia do Cambuci, símbolo do
autoritarismo do velho governo e da arbitrariedade policial. A interdição daquela “bastilha
moderna”, título homônimo do livro de Everardo Dias
136
relatando as penúrias e aflições
dos presos ali depositados durante o regime anterior, incluiu a exposição à visitação pública
dos instrumentos de tortura encontrados nas dependências do antigo presídio. Um recado
mais contundente seria impossível.
Porém, ao mesmo tempo em que as autoridades nomeadas para o novo governo
de São Paulo demoliam os símbolos de opressão do regime anterior, militantes do
movimento operário, que criticavam a revolução da Aliança Liberal, eram presos e
encerrados na mesma malha de arbitrariedades policiais que caracterizaram o governo
deposto. Este foi o caso da deportação de Octávio Brandão, célebre dirigente comunista,
um dos mais importantes teóricos do PCB e candidato eleito pelo Bloco Operário e
Camponês (BOC)
137
ao Conselho Municipal do Rio de Janeiro. Segundo o próprio Octávio,
136
DIAS, 1926.
137
Segundo John Foster Dulles, a “coligação política dos grupos proletários, um sonho dos líderes do PCB,
parecia bastante viável quando Washington Luís assumiu a Presidência em 1926” (DULLES, 1977, p.247).
147
sua prisão (acontecida concomitante ao sucesso da revolução e à tiragem de uma edição de
A Classe Operária, jornal de divulgação do PCB, que criticava a Aliança Liberal), foi
conseguida por que um “traidor me vendeu, como nos tempos da escravidão, por seiscentos
mil-réis”. (BRANDÃO, 1993, p.42). Numa carta de Moscou, datada de 1931, Octávio
relata as etapas do seu forçado desterro.
Golpe fascista de 03 de outubro. Prisão. Vinte e sete horas em liberdade.
Ameaça de fuzilamento e prisão, por ter falado em comício contra a falsa
revolução dos liberais. Liberdade, vida semi-ilegal. Luta subterrânea. Prisão. E
finalmente da prisão diretamente para o exílio [...] a polícia política resolveu por
conta própria, que eu não poderia ficar mais no Brasil, apesar de ser brasileiro,
descendente de quatro gerações de brasileiros natos. Foi, portanto, com a maior
surpresa que, num dos cubículos da polícia central, recebi o comunicado do 4
o
delegado que teria de embarcar para Europa com a família. Respondi que não
queria sair do Brasil. Então foi cientificado que embarcaria de qualquer forma.
Vendo que a polícia queria mesmo deportar-me do país natal, propus,
sucessivamente, ir para um engenho de Alagoas [terra nata de Octávio - nota do
autor], para qualquer parte do Brasil, para o Uruguai, para qualquer país da
América Latina. Em vão [...] a polícia irredutível, obrigou-me a escolher o país
da deportação. Optei pela Alemanha. Por ser solidária na luta, a companheira
[Laura Brandão, sua esposa - nota do autor] também seria deportada. E
igualmente expulsas como indesejáveis, também seriam nossas três filhas, três
crianças a maior das quais tem nove anos.
138
É importante ratificar que o 4
o
delegado da polícia carioca, cargo
correspondente à chefia do DEOPS/RJ, era ocupado então pelo delegado Salgado Filho,
que conforme fora dito anteriormente, seria o futuro Ministro do Trabalho. E, a pedido do
delegado, o governo brasileiro requereu ao governo alemão a negação do pedido de
solicitação de permanência efetuado por Octávio Brandão. “Só pude ficar dois dias e três
Para aquela eleição, o PCB havia criado o Bloco Operário (BO). A estratégia de utilizar-se das eleições para
promover a agitação e ampliar as bases do partido, estendendo também o leque de alianças com outros setores
da sociedade, foi ratificada com a criação do Bloco Operário Camponês (BOC), em 1928, para concorrer às
eleições de 1929. A criação do BOC afirmava a diretriz de alianças com outros setores democráticos como
estratégia de luta política. A eleição de Minervino de Oliveira e Octávio Brandão para os cargos de
intendentes municipais no Distrito Federal confirma o relativo sucesso da empreitada no Rio de Janeiro.
Aliás, o governo federal e a polícia fizeram de tudo para impedir a posse dos dois candidatos eleitos. Segundo
Octávio Brandão, a posse só foi possível porque o prefeito do DF, cargo ocupado por Prado Jr., “quebrou
lanças” em favor do reconhecimento e posse dos candidatos. Segundo o próprio Octávio, disse o prefeito:
“esses dois eu sei que nunca virão aqui me pedir favores, mas com os outros eu estou até aqui...”(BRANDÃO,
1993, p.33). O sucesso do BOC do Rio não foi acompanhado pelo sucesso do BOC em São Paulo. “Afora
algumas intervenções pontuais no movimento sindical, o BOC pautou-se pela quase inoperância em terras
paulistas” (CAMPOS, 2000, p.68). A estratégia prevista pela formação do BOC seria desautorizada pelo
Komintern a partir da proletarização do partido e ascensão da política obreirista, que caracterizou a política do
PCB nos anos iniciais da Era Vargas.
138
Prontuário DEOPS/SP n. 358 de Octávio Brandão.
148
noites em Berlim. A polícia queria prender-me por seis meses e deportar-me. Então apelei
para a União Soviética, deram-me visto e fui para lá. Enquanto Getúlio esteve aqui, não
pude voltar” (BRANDÃO, 1993, p.43).
Foi durante o ano de 1931, concomitantemente à decretação da legislação
trabalhista, que as prisões, muitas vezes seguidas de deportações ilegais, começaram a
ocorrer com maior freqüência. Em São Paulo diversas lideranças conhecidas nos meios
sindicais eram continuamente molestadas pela polícia, isso independente de suas filiações
ideológicas, se ao anarquismo ou ao comunismo. Os prontuários do DEOPS/SP de
militantes conhecidos, como Aristides Lobo, ex-candidato do BOC paulista ao Congresso
Nacional, registram as diversas passagens destes pelos cárceres da delegacia no mesmo
ano.
139
Outro célebre militante comunista, o então iniciante Tito Batini, relembraria em
suas memórias um “caso” comentado por Aristides, decorrente de suas diversas passagens
pelos “xadrezes” do DEOPS. Trata-se de um diálogo um tanto insólito mantido pelo
ativista com o carcereiro Maximino, que já acostumado aos “pernoites” habituais do
trotskista nos “xadrezes” da delegacia, chamava-o de “compadre”:
- O senhor aqui outra vez?
- Pois é, companheiro, eles têm medo de mim somente por que sou um idealista.
- O que é isso?
- Idealista é a pessoa que possui um ideal.
- Então eu também tenho um ideal...Meu ideal é ser carcereiro.
- E por que, Maximino?
- Ué... ‘compadre’, tô de chave na mão, tô do lado de cá. Não sou bobo...
(BATINI,1992,p.122)
O destino preferencial, escolhido para os presos deportados ilegalmente do
território nacional era o Uruguai, cuja fronteira com o Brasil permitia com maior facilidade
o trânsito livre de pessoas. As deportações, realizadas sob surdina, burlavam ao mesmo
tempo a legislação penal e a diplomacia, pois a não instauração de um processo de
extradição, impraticável para brasileiros natos, correspondia à não comunicação ao país
receptor da deportação dos “indesejáveis”. Em meio à dupla fraude, os militantes eram
despachados para a fronteira gaúcha, sobretudo os considerados de maior “periculosidade”.
139
Sobre o asunto, ver o prontuário DEOPS/SP n.37,de Aristides Lobo. A pasta acusa cinco prisões durante o
ano de 1931. As detenções ocorreram em 23 de março, 26 de maio, 4 de julho, 1
o
de agosto e 12 de setembro.
149
Isso ocorreu com o comunista Leôncio Basbaum (preso pela polícia do Rio de Janeiro)
140
e
o trotskista Victor Azevedo Pinheiro, este último preso em São Paulo em conjunto com
Aristides Lobo. O prontuário de Victor Azevedo Pinheiro, que era jornalista, guarda um
artigo publicado no Diário da noite pelo seu companheiro de profissão Osvaldo
Chautebriand, no qual o afamado articulista repele a perseguição da polícia sobre seu
companheiro de profissão e ironiza o paradoxo da política governamental, que eliminava os
velhos presídios do regime anterior e ao mesmo tempo revalidava suas práticas arbitrárias:
Há cerca de uma semana a polícia de São Paulo resolveu deter alguns rapazes
comunistas, creio que mais ou menos vinte e em seguida remeteu à volúpia
reacionária do dr. Batista Luzardo. Entre esses apóstolos de Lênin está incluído
um companheiro nosso, que se preza do seu credo e não faz mistério de
teoricamente cultivá-lo. Lê os seus livros, debate as suas idéias e trabalha
honradamente para ganhar o pão. Não me consta que ele seja um criminoso de
qualquer espécie. Arrebanhando-os clandestinamente e até com surpresa, a
polícia revolucionária, a que queria viver a vista de todo mundo, está na
obrigação de explicar os motivos por que conserva em prisão esses moços, que
lhe parecem aos olhos vigilantes como famigerados instrumentos da Rússia
sonhadora [...] mas dirá o libertador reacionário da chefatura de polícia carioca
que estamos em plena ditadura e que o regime é o da madeira e do braço forte.
De fato, nada se opõe a esse argumento que é de natureza irrespondível [...]
Perguntarão, todavia, os que ouviram o palavreado fofo do dr. Luzardo no
consulado Washington Luis, porque é que se quebrou em São Paulo o Cambuci,
porque se expuseram a visitação pública os seus instrumentos de suplício?[...]
Tudo foi uma farsa. Quanto ao delegado Laudelino de Abreu trancafiou na
enxovia aqueles rapazes, não cometeu atentado maior à liberdade do que esta
perpetrando o dr. Luzardo em relação ao Vitor e aos seus companheiros de
infortúnio. Não é de mais repetir ainda mais uma vez que o que não presta no
Brasil é justamente a raça, mofina e dissoluta.
141
A aparente intenção do governo de renovar as formas de contato da
desacreditada polícia com a população, com o fito de granjear o apoio popular e arrefecer a
desconfiança com as novas diretrizes do poder recém instalado na cúpula do Estado, não
sobreviveriam aos primeiros atos efetivos dos novos governantes. A criação do Ministério
140
Assim relembra Leôncio Basbaum o episódio de sua deportação para o Uruguai em suas memórias.
“Voltando à detenção, deixaram-me passar a noite numa sala da administração, onde dormi em cima de uma
mesa. No dia seguinte, o mesmo capitão, cujo nome eu não me recordo, e que era então o próprio delegado
auxiliar disse-me que eu seria embarcado ‘para o sul’ e lá seria libertado, e que não voltasse para o Rio, pois
então a ‘cana seria mais dura’. E me deu vinte mil-réis para os cigarros, dos quais assinei um recibo. No
mesmo dia me levaram para o cais do porto, conduzido por dois tiras, onde eu já encontrei um grupo de
presos que também seria embarcado com destino ignorado. Desconfiei que me mandariam para o Uruguai,
onde a fronteira era livre” (BASBAUM, 1978, p.100).
141
“Como nos tempos do velho Cambuci”. Artigo publicando no Diário da Noite em 11/09/1931. Prontuário
DEOPS/SP n.441 de Victor Azevedo Pinheiro. Vol.1 folha 2.
150
do Trabalho e a promulgação das leis trabalhistas demonstrariam ao proletariado militante,
na prática, a importância da polícia nas diretrizes da política. A “normalização” da questão
social orquestrada pela burocracia estatal, e a correspondente defecção dos “elementos
intransigentes” garantiam o livre curso da arbitrariedade nas ações da polícia, facilitada
pelas características autoritárias do novo regime. O temor das elites em relação à sedição
das massas populares justificava a intervenção arbitrária, sem levar em consideração os
escassos limites jurídicos. Havia dispositivos legais, confirmados como diretrizes para
atuação policial na Consolidação das Leis Policiais, publicada em 1931 pelo governo
paulista, que permitiam a prisão preventiva de indivíduos por requisição policial. Embora o
estatuto citado afirmasse que a prisão para averiguação ou prevenção requisitava a anuência
de um juiz, os revisionados dispositivos legais consignavam a validade da solicitação das
autoridades, promovendo assim a continuidade das práticas de “prisão seqüestro” e
autorizando, de forma velada, o poder extra-judicial delegado aos responsáveis pelo
policiamento.
PRISÃO PREVENTIVA: para a prisão preventiva não é necessário que haja
prova cabal da criminalidade do acusado; basta que existem indícios veementes
[...] A autoridade policial poderá chamar a sua presença qualquer pessoa que
venha estabelecer em sua circunscrição e que se torne suspeita de crime ou de
pretensão de cometê-lo [...] a requisição da prisão preventiva não é uma
obrigação imposta à autoridade policial e sim um meio que deve ser usado
discretamente. A autoridade policial, porém, tem o dever de requisitá-la sempre
que o indiciado possa, não estando preso, perturbar a ação policial, destruindo
provas do crime, quer fazendo pressão sobre as testemunhas ou fugindo da ação
da justiça (SÃO PAULO, 1931, p 304-305).
A delegação discricionária à ação policial revalidava os métodos tradicionais
de investigação do órgão, isso conforme a noção de soberania nacional valorizada então –
solicitando o concurso da atuação policial arbitrária – estava consignada pelo imperativo
maior da fortaleza do Estado, e não da vontade do cidadão. A proeminência da percepção
de “defesa social” subjugava a lógica do direito individual. O cabedal de preceitos de
investigação e repressão, mais ou menos arbitrários, desenvolvidos no departamento e
valorizados por seus agentes, estava garantido como meio seguro e eficaz de atuação. A
“cultura da astúcia”, calcada na experiência prática do contato com o mundo da desordem,
se legitimava como “técnica” de policiamento, isso em meio ao aprofundamento das
reformas burocráticas que ampliavam o status dos quadros do DEOPS/SP de agentes
151
especializados do poder. A especialização efetivava uma trincheira contra a crítica dos de
fora, e, ao mesmo tempo, conferia à discricionariedade policial um lugar especial na
observação da defesa social. Sobre os de sua “propriedade”, a liberdade de ação da polícia
continuava sendo consubstanciada como meio rápido e eficaz de se fazer a correção e a
justiça. Isso era o que já sentiam na pele os prisioneiros do novo regime, como os citados
anteriormente Aristides Lobo e Victor de Azevedo Pinheiro.
Eu e meu amigo Victor de Azevedo Pinheiro atravessávamos a Avenida Rangel
Pestana, na madrugada de ontem, quando três ‘grilos’ nos interpelaram,
revistando-nos e acusando-nos de termos afixados cartazes da Liga Comunista
sobre a Assembléia Constituinte. Levados para a 7
a
Delegacia da Rua da Mooca,
mais dois ‘grilos’ se juntaram ao grupo e pusemo-nos a comentar o ocorrido. Neste
momento, vem do interior da delegacia um guarda civil de 1
a
classe e me agride,
aos gritos e empurrões, enquanto seus colegas armados de revolveres e cassetetes,
esperavam, naturalmente, uma reação de minha parte, para entrarem em ação.
Limitei-me a aparar os golpes que me eram desferidos pelo ‘valiente’, que não
logrou atingir-me. O meu companheiro procurou intervir, no que foi obstado por
um sinal que eu fiz. Depois de alguns minutos de luta, não conseguindo seu
objetivo, o irrequieto mantenedor da ‘ordem’ me deixou em paz, para atingir-me,
logo depois, quando me achava de costas, com um violento soco na cabeça,
amarrotando o meu chapéu. Mais tarde, fomos, eu e o meu companheiro metidos
num carro de presos e levados à polícia central, onde permanecemos até as sete
horas da manhã. Novo carro de presos veio buscar-nos e nos levou para o Gabinete
de Investigações, de que onde, fomos transferidos para a DOS à Rua Vitória. As
dezessete horas, finalmente, depois de interrogados pelo bacharel que dirige aquela
delegacia, e depois de termos aturado a imbecilidade dos agentes transformados
em ‘sociólogos’, opondo sérias objeções ao comunismo, fomos postos em
liberdade. Aqui deixo o meu protesto veemente contra as violências de que fomos
vítimas.
142
Conforme anotado anteriormente, a atuação da polícia especializada no trato
com o movimento operário não dispensava o vasto cabedal de práticas violentas de
policiamento como meio costumeiro de arrefecer a fervura da questão social. Contudo, a
própria política do Estado em relação à questão social, que exigia a renovação técnica e a
expansão dos tentáculos da polícia, insinuava que o renovado DEOPS não se devia limitar à
execução pura e simples da repressão. A polícia política agia em contato constante com os
ambientes operários. No combate aos agentes da revolução social, nas negociações e
intervenções nas greves, nos interrogatórios mais ou menos compulsórios de sujeitos
suspeitos, nos acertos travados entre a esfera da ordem e da desordem no cotidiano dos
142
Recorte do jornal Diário da Noite ajuntado ao Prontuário DEOPS/SP n.37 de Aristides Lobo. Folha 54,
vol.1.
152
bairros populares, enfim, em contato direto com os próprios operários, os policiais
construíram sua visão sobre os anseios e as frustrações dos trabalhadores. Essa experiência
de longa data com os meios operários – isso sem se esquecer que à maioria dos inspetores
eram oriundos de famílias de trabalhadores
143
– conferia, ao departamento, as prerrogativas
necessárias para que seus agentes fossem os melhores quadros que o Estado poderia
designar para a observação e a execução in loco das renovadas demandas políticas de
controle social, isso nos próprios ambientes sob vigilância. No mais, os especialistas da
delegacia eram os profissionais que detinham o conhecimento sobre a atuação de
comunistas e anarquistas, cujo aniquilamento era a outra face da moeda da política estatal
de incorporação das massas operárias:
Todos nós, convencidos do papel primacial da polícia entre os povos civilizados,
porque ‘cidade’, ‘polícia’ e ‘política’ etimologicamente são a mesma coisa [...]
Por esse motivo é que eu digo ‘o nosso erro principal é não ter confiança, é não
ter fé’. Mas, quando o governo se resolve a reunir as autoridades policiais e
propor teses e discutir, quando os funcionários são chamados a prestar a sua
colaboração, é sinal de que alguma coisa esta sendo feita no campo da
emancipação total da ação social da policia [...] hoje, a polícia é alguma coisa
em si [...] Os funcionários tem suas responsabilidades, as autoridades conhecem
as suas obrigações e já podem adotar seus critérios e normas (SÃO PAULO,
1943, p.36).
A questão da incorporação operária, no cenário do conflito, ocorria sob a
supervisão geral dos agentes da polícia. Seus homens podiam fechar sindicatos e interditar
reuniões impondo o terror, mas o intenso contato com os ambientes sob suspeição, somado
ao pretenso conhecimento técnico dos modos de intervenção policial nos cenários de
conflito, requisitavam mais delegações aos agentes responsáveis pelo policiamento político
e social. Com as verbas secretas e a ampla discricionariedade garantida ao poder de polícia,
as autoridades podiam traçar e implementar estratégias que viabilizassem a disseminação
das novas diretrizes estatais. As táticas eram diversas. Iam da publicação e distribuição de
panfletos e boletins que atacavam os dissidentes e valorizavam a política do governo, até o
143
Luiz Apolônio, por exemplo, morava no bairro do Brás e por algum tempo foi vizinho de uma família de
notórios anarquistas de São Paulo, os Gattai: “Em frente á casa, num terreno baldio que servia de quintal às
turcas, foram levantados dois sobradinhos Num deles veio a morar [...] a família Apolônio: mãe viúva, duas
filhas moças e um filho casado pai de duas crianças. Soube-se logo ser o cidadão inspetor da polícia política e
social. ‘Um tira’, disse papai contrafeito. Ele nunca tivera tanta razão como ao se contrariar com a
informação. Seria exatamente com o nosso vizinho Luiz Apolônio, que iria defrontar-se uns anos mais tarde,
na implantação do Estado Novo, em 1937, no cárcere, preso pela polícia política” (GATTAI, 1991,p. 241).
153
apoio financeiro velado nas campanhas de sindicalistas amarelos e demais colaboradores da
polícia nas eleições das associações
144
. As demandas do poder para o trato da questão social
tiveram nos agentes da polícia política um dos seus mais efetivos implementadores durante
a fase de consolidação das novas políticas públicas de cooptação do trabalhador à razão do
Estado:
Para o caso concreto da região de São Paulo, é preciso melhorar para o
proletariado, quer em atividade, quer desempregado, com o fim de diminuir o
campo de ação [dos comunistas]. Organizar um regular corpo de reservados,
para as fábricas, empresas e fazendas mais importantes, para poder estar assim, a
par de todos os planos, trabalhos e etc. Os menores e mulheres no corpo de
reservados, poderão prestar ótimos serviços. Publicação de boletins e folhetos
anti-comunistas, em linguagem acessível às massas, e distribuído entre essas, dá
o melhor resultado, assim como jornais sindicais, com base anti-comunistas.
145
O temor da propagação da desordem frente à atuação das “hostes” anarquistas
e comunistas era, por vezes, super dimensionado nos discursos dos técnicos da policia,
sobretudo nos comunicados destinados às esferas superiores da burocracia estatal. A
referência ao perigo eminente da desordem consolidava a posição requerida e requisitada
pelos agentes, de sentinelas avançados da ordem, consubstanciando a destinação de verbas
especiais e a posição privilegiada de acesso aos canais do poder. Os inspetores e delegados
incumbidos da vigilância aos meios operários confirmavam em seus relatórios a eterna
disposição dos militantes da revolução social de insuflar a desordem, “consciente e
obstinadamente [...] ininterruptamente, sorrateiramente e por todas as formas que se lhes
afiguraram como capazes de conduzir a um sucesso certo e compensador na sinistra
empreitada”.
146
A “periculosidade” de cada ativista, sempre apontada nos prontuários,
muitas vezes encontrava um lugar comum na impressão de que o sujeito em questão
tratava-se de um “agitador irrecuperável”, sobretudo no caso daqueles sempre interpelados,
os habituais “reincidentes”. Aliás, os ecos das doutrinas criminais de Lombroso e seus
criminosos natos se transmutavam em preconceito nas vozes de alguns agentes da polícia,
144
Como relata Octávio Brandão: “Esses amarelos estavam ligados diretamente à polícia em troca de verbas,
recebiam verbas da polícia. Eu lhe disse que o Soutelo [liderança portuária do Rio de Janeiro] ia ser preso,
puxou assim o cartão e provou ‘Eu não posso ser preso’. Era da polícia secreta, e ninguém sabia. Nós
desconfiávamos que ele era da polícia, mas não tínhamos provas” (BRANDÃO, 1993, p.57).
145
“O PC, sua estrutura orgânica, métodos e táticas”. Novembro de 1932. Prontuário DEOPS/SP n.2.431 do
PCB. Vol. 7. doc.612.
146
Relatório de qualificação dos extremistas atuantes na UTG”. Delegado adido A. Pinto Moreira.
12/08/1936. Prontuário DEOPS/SP n. 577 da União dos Trabalhadores Gráficos. Vol.2.
154
que não escondiam seu desdém moral aos revolucionários, cuja personalidade pervertida
tornava-os mais comparáveis a animais do que a pessoas, como no relatório elaborado pelo
secreta Mário de Souza
147
:
No almoço que foi oferecido ao jornalista Affonso Schmidt em Carvalho Araújo
só compareceram elementos extremistas. A ágape foi realizada em plena
desordem, pois que ao invés de se servirem nas mesas, iam para a cozinha e
comiam como se fosse uma cachorrada faminta. Beberam a valer. O
homenageado foi saudado pela Sra. Maria Lacerda de Moura, tendo o
homenageado respondido.
148
A imagem dos partidários da revolução social construída nas dependências da
polícia política enfatizava o “caráter criminoso” inerente às suas condutas sociais. “Os
agitadores geralmente são vagabundos e vivem melhores que os trabalhadores, por que da
mensalidade que pagam aos sindicatos, eles tiram o dinheiro para o seu sustento”.
149
A
alusão à situação de desocupados e usurpadores do operariado, referenciada desde a
república velha, demonstra que, para os policiais de linha, a ação de comunistas e
anarquistas nunca fora distinta de banditismo. Porém, os militantes não eram simples
bandidos comuns, como os detectados e reprimidos pela delegacia de furtos e demais
especializadas da polícia civil. “Tenacidade, abnegação, lealdade, disciplina e discrição são
os requisitos exigidos pelo PCB dos seus militantes. É certo que a maioria dos comunistas
atende a essas determinações superiores” (APOLÔNIO, 1954, p. 155). No discurso policial,
os resultados dessas diretivas das “organizações criminais” instituídas como contra-poder
reforçavam e expandiam a “perversidade” presente no caráter de cada ativo militante,
sobretudo naqueles já transformados em “contumazes” freqüentadores da delegacia: “nada
os liga ou prende aos meios que vivem, não tem residência fixa e não tem meios de vida
lícita [...] locomovem-se com a maior rapidez e facilidade no intuito de furtar-se à ação
punitiva da justiça e da vigilância da polícia”.
150
147
Mário de Souza foi um dos reservados do DEOPS mais atuante entre 1932 e 1935 nos meios sindicais.
Sobre o assunto, ver: FLORINDO, 2000, p 153 a 177.
148
“Informe reservado”. Agente Mário de Souza, 03/03/1933. Prontuário DEOPS/SP n. 011 de Affonso
Schmidt
149
“Relatório reservado”. S-1, 17/02/1933. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol.1. doc.48.
150
“Relatório”. Delegado de Ordem Política e Social João Carneiro Fontes, 03/09/1938. Prontuário
DEOPS/SP n. 3225 de Heitor Ferreira Lima.
155
As “perversões” de caráter moral, intelectual ou psíquica, tão caras à análise do
crime e do criminoso elaboradas pelos teóricos da antropologia criminal, eram
características apontadas e enfatizadas nos relatórios policiais que analisavam o “perfil
criminal” e as ações dos militantes da revolução social. Sinais de discrepância do modo de
vida requerido pela sociabilidade burguesa ganhavam destaque nas apreciações dos
delegados e investigadores, visto que o pretenso desvio moral reforçava a noção de culpa
forjada nas dependências da delegacia. O apontamento das “perversões” dos envolvidos nos
casos da polícia realçava também a sua condição de inadaptáveis aos padrões requeridos
pela ordem vigente. Tal enquadramento moralista é perceptível no caso da apreciação
policial sobre a conduta de Francisco Vaz e Yara Jardim, amigos da comunista Odila Nigro,
os quais viviam juntos sem estar casados, e que, segundo os relatórios do DEOPS/SP,
mantinham “exotismos pouco apreciáveis”, como por exemplo o hábito de se alimentarem
somente de frutas, entre outros modos e maneiras identificados como “primitivos”. A
devassa policial em assuntos da vida particular do casal buscava elementos para enfatizar a
pressuposição de que ambos, deliberadamente, negavam “tudo o que dizia respeito à
civilização”.
Ele, pela vida esportiva que leva, é um indivíduo anormalmente forte, tendo o
cabelo bastante crescido, de modo a lhe dar uma aparência selvagem. Ela, muito
embora tenha traços de beleza, é marcada por equimoses resultantes de sua
exposição quase permanente ao sol e às intempéries a que se submete. Ambos
manifestam um baixo nível de cultura e um alheamento completo à civilização e
desprezo pelos homens ‘contaminados por ela’, como declararam. Esse ‘Tarzan’,
nas horas que foge ao sensual ambiente de sua companheira, é ‘chauffeur’ de
ônibus.
151
Para as mulheres militantes, os apontamentos que corroborassem as noções
pré-estabelecidas pelos especialistas da polícia sobre os desvios de caráter moral e social
eram especialmente enfatizados nos interrogatórios levados a cabo nas dependências da
delegacia. Procurava-se instaurar um modelo de anti-feminilidade quando comparado aos
padrões vigentes. A imagem da mulher revolucionária era propositadamente confundida
com a da “prostituta, louca ou mentecapta, procurando criar a sensação de repulsa ou de
estranhamento social pela mulher contestadora” (CAMPOS, 1997, p.32). Os preconceitos
estavam tisnados pelo corte de classes. A “mentecapta” era a ativista de origem popular, de
151
“Prisão de comunistas”. Prontuário DEOPS/SP n. 1.053 de Patrícia Galvão. Fl.6.
156
baixa escolaridade, muitas vezes trazidas à senda da criminalidade pelos seus companheiros
revolucionários, os quais preferiam se relacionar sexualmente com pessoas do “mais baixo
nível social, na maioria analfabetas e inteiramente desligadas da atividade subversiva”. Tal
preferência ocorria, segundo a concepção dopsiana, devido ao fato dos militantes terem
“uma concepção de vida sexual exageradamente materialista”, cuja conseqüência era que
eles “não faziam questão da qualidade de vida dos maridos”.
152
Para as moças
contestadoras nascidas em berços mais afortunados, o desvio de personalidade inerente à
atividade subversiva passava pela devassidão sexual. No prontuário DEOPS de Patrícia
Galvão encontra-se uma folha manuscrita, como um apontamento para um diário, que
informava de um caso amoroso fortuito de Pagú, ocorrido durante uma viagem de navio à
Bahia. “Conheci um brasileiro que se escondeu no camarote até agora. É o tal que entrou no
Rio. Interessantíssimo. Esplendido animal – talentoso e sem um pingo de inteligência.
Ficou louco ... e na Bahia ...por mim ...Apesar dos trancos.”
153
O arrolamento da peça no prontuário policial da escritora e militante demonstra
como o “desvio de conduta” podia corroborar a noção de culpa formada nas dependências
policiais. Posteriormente, num relatório policial que fazia a apreciação das atividades
comunistas de Pagú, a ativista foi considerada “descontrolada” e “seduzível”. Em outra
peça, assinada pelo delegado Venâncio Ayres, a atividade de Pagú foi apontada como
“perniciosa”, entre outros motivos, pela “atração que no vulgo despertam mulheres
revolucionárias”.
154
O pior para os militantes sob vigilância acontecia quando seu “tipo” se
enquadrava ao mesmo tempo em diversos estereótipos criminais corroborados pelos
policiais da delegacia. O casal Markus e Olga Pandarsky, judeus, não casados, estrangeiros
de nacionalidade russa e enviados pela III ª Internacional de Moscou para orientar os
militantes nacionais do PCB, mereceram as piores apreciações – e provavelmente o pior
dos tratamentos – quando caíram nas garras da repressão. O jornal A folha da manhã, numa
reportagem relatando a expulsão dos dois militantes do Brasil, ocorrida em 1931, reiterava
a opinião das fontes policiais que abasteciam as páginas criminais do matutino paulistano:
152
Prontuário DEOPS/SP n.1948 de Eneida de Moraes. Ver também CAMPOS, 1997, p.31.
153
Prontuário DEOPS/SP n. 1053 de Patrícia Galvão.
154
“Relatório do delegado de ordem social, Dr. Venâncio Ayres”. 23/03/1936. Prontuário DEOPS/SP n.1.053
de Patrícia Galvão.
157
Os nossos leitores devem estar perfeitamente lembrados da sensacional notícia
que a Folha da Manhã deu em única mão, quando da prisão dos representantes
da GPU, que aqui em São Paulo organizaram um serviço de espionagem com o
auxílio de vários comunistas intelectuais, que em troco de poucos dólares,
diariamente levavam preciosas informações à perigosa agitadora Olga Yazikoff
Pandarsky. Esta, em companhia do amante, ocupava um quarto no cortiço da
Rua da Mooca, 170 [...] esse que era teatro de verdadeiros bacanais, por que
Olga Yazikoff, tipo perfeito de vampira, fazia-se obedecer cegamente. As farras
do prédio 03 do cortiço à Rua da Mooca são atestadas por inúmeras fotografias,
onde numa promiscuidade única, aparecem tipos suspeitos de intelectuais
paulistas e mulatos cariocas [...] Por esses dias será expulso o amásio de Olga,
completando a polícia o grande trabalho de expurgo de elementos perniciosos
que contaminam o operariado sadio.
155
As fotos mencionadas no relatório policial também estão arroladas ao
prontuário de Olga, permitindo, pela sua observação, notar as “invencionices” da polícia.
São fotos que não se distinguem de fotos entre amigos ou familiares, apresentando pessoas
vestidas em roupas de passeio que sorriem para as lentes. Outra foto mostra o casal
Pandarsky sentado numa cama, sem fazer a menor menção ao clima de promiscuidade
enxergado pela polícia.
156
A manipulação das informações e a acentuação do caráter
pervertido para explicitar a culpa dos indiciados faziam parte da estratégia de combater e
debelar as “doutrinas extremistas”. Sua função era corroborar o papel dos vigilantes da
ordem e demonstrar sua importância na defesa dos “valores da civilização”, ameaçadas
pelas “novas hordas bárbaras oriundas das estepes russas”. “Não há descanso para o
espírito nem repouso para os que lutam pela manutenção do regime, velando pelos seus
fundamentos”.
157
A ação dos partidários da revolução social, organizada, enérgica,
depravada, requisitava que “a reação se faça inexoravelmente e que os métodos de combate
sejam robustecidos, de maneira a se contraporem vantajosamente à inclemência dos
infratores”.
158
A apreciação sobre o caso Pandarsky adianta também um apontamento que se
tornaria recorrente com a gradual expansão das atividades do PCB, ocorrida no cenário
social dos anos 1930. A subordinação do partido à instâncias de comando estrangeiras, no
155
“Representante da OGPU deixa o território nacional”. A Folha da manhã, 06/08/1931. Prontuário
DEOPS/SP n.888 de Olga Pandarsky.
156
Sobre o assunto, ver: CAMPOS, 1997 ; FLORINDO, 2000.
157
“Inquérito policial indiciando Alfredo Silva, José Stachinni e outros”. Delegado adido Manoel Ribeiro da
Cruz. 13/02/1937. Prontuário DEOPS/SP n.3.005 de José Stachinni.
158
“Relatório de Investigação” Prontuário DEOPS/SP n.2.431 do PCB, vol 8.
158
caso o Komintern de Moscou, apresentava um novo desafio às políticas de profilaxia social
desencadeadas pelas elites, confirmando um novo e importante alento para a ideologia da
defesa social que corroborava o arbítrio da polícia sobre o movimento operário. Afinal,
coordenando a atividade comunista local existia o interesse efetivo de uma potência
estrangeira – no caso a União Soviética – de solapar a soberania e transformar o Brasil
numa república comunista subordinada a Moscou
159
.
Os últimos acontecimentos no centro da III Internacional, acontecimentos que
dependem da alteração pessoal em todos os departamentos comunistas, em
conseqüência do último congresso da IC, revelam ‘uma nova tática dos
bolchevistas em relação aos países ‘burgueses’ e ‘capitalistas’ [...] no lugar de
países desenvolvidos industriais, o início da revolução mundial será nos países
semi-coloniais [...] as informações acima, apesar de serem um tanto abreviadas,
tem uma significação muito importante para o Brasil. Principalmente porque os
comunistas sempre consideraram o Brasil, mesmo como os outros países sul
americanos, como países semi-coloniais e agrícolas – aliás, países que vão ser
iniciadores da revolução mundial. [...] Deste modo, no mesmo período caíram às
esperanças com os países industriais e surgiram probabilidades de organizar a
revolução em escala mundial começando com países coloniais e semi-coloniais.
Práticos, como sempre, os rapazes de Stalin aprontam agora uma nova
interpretação das leis marxistas referentes à relação entre capital e revolução, e
entre outras medidas, reorganizam todo o aparelho para a propaganda
revolucionária. A informação mencionada dá a idéia sobre essa reorganização,
mesmo como o esquema anexo apresenta a nova organização referente a um país
semi-colonial como o Brasil. Ficam ainda algumas palavras para indicar as provas
sobre a veracidade deste esquema de organização e das medidas recém empregadas
e empregadas no futuro próximo para intensificar o movimento comunista no
Brasil. Estas provas vão ser apresentadas junto com o relatório seguinte, depois de
estudar todas as questões.
160
Os especialistas do DEOPS eram a linha de frente no combate sem quartel ao
comunismo. Esses reclamavam autonomia operacional para ajustar as demandas da
repressão às necessidades de manutenção da ordem. Afinal, “só quem penetra as forças
secretas que movem a propaganda moscovita pode reconhecê-la e opor-lhe resistência”.
161
Sua atuação jamais devia ser limitada pelos procedimentos formais requerido aos processos
judiciais, visto que não se tratava de reprimir o crime comum, e sim o sofisticado aparato
159
A primeira referência às interferências da III ª Internacional nas diretrizes do PCB, encontrada durante a
pesquisa nos prontuários DEOPS é de 1929. Sobre o assunto, ver o relatório policial “A atividade comunista
no ano de 1929”. Prontuário DEOPS/SP n.2.431 do PCB vol.4.
160
“Os novos planos comunistas para a América do Sul”. Manuscrito assinado por J.P., 18/08/1930.
Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol.4.
161
“Inquérito policial indiciando Alfredo Silva, José Stachinni e outros”. Delegado adido Manoel Ribeiro da
Cruz. 13/02/1937. Prontuário DEOPS/SP n.3005 de José Stachinni.
159
de sedição organizado por “agitadores profissionais”, cujo intuito era o de ludibriar as
classes trabalhadoras e transformar o território nacional em “feudo dos instigadores dos
nossos homens de boa fé, da nossa gente crédula, por demais, em tudo que se lhe pretende
impingir com o rótulo de reivindicações, com a copa de humanitarismo”.
162
Assim, nas
palestras de Luiz Apolônio, reiteradas por diversos documentos policiais:
Os comunistas, para agradar o trabalhador, demonstram seu interesse por ele,
pela sua situação econômica, pelo bem estar de sua família etc. Evidentemente a
questão é outra. O agitador precisa deste operário para levá-lo a rua no momento
oportuno; precisa adestrá-lo a luta, para seguir o que todos os partidos desejam:
o poder. A questão econômica, portanto, é apenas motivo de preparação política
do operário. Com uma eventual tomada do poder pelos comunistas, o operariado
continuaria em situação pior, pois a ‘ditadura’ seria aplicada a ele também
(APOLÔNIO, 1954, p.178).
Para proteger a população considerada de “índole pacífica e ingênua” – idéia
que referendava a própria tutela do aparelho de Estado sobre as classes operárias – do
assédio dos extremistas de todas as matizes, a polícia procurava contar, de antemão, com os
“favores” da justiça. A convicção da culpa dos indiciados, formada nas dependências da
delegacia pelas autoridades policiais, não devia ser posta em dúvida pelos juízes que
analisavam as petições e os pedidos de hábeas corpus, encaminhados ao judiciário. Para os
policiais, “cada comunista é um agente de espionagem
163
” (APOLÔNIO, 1954, p.143) a
serviço de Moscou. A violência da repressão, quando se abatia sobre militantes ou
organizações operárias, não podia ser analisada ou questionada pelos “de fora” da
instituição. Para os policiais, o cenário de guerra interna emoldurado pelos relatórios
encaminhados às instâncias superiores deviam bastar para valorizar sua petição de
seqüestro dos predicados da justiça. A discricionariedade exigida pelo aparelho definia a
livre convicção das autoridades como meio eficaz para a punição dos “elementos
desagregadores da pátria”. Colocar-se em contraposição a esta postura dos policiais era
colaborar com o inimigo, sobretudo quando era o próprio inimigo que encaminhava a
petição. Como no caso da prisão dos militantes comunistas da Sociedade dos Estivadores
162
“Relatório de qualificação dos extremistas atuantes na UTG”. Delegado adido A. Pinto Moreira.
12/08/1936. Prontuário DEOPS/SP n. 577 da União dos Trabalhadores Gráficos. Vol.2.
163
Como diria Apolônio: “Levando-se em contas a organização do partido comunista ligado intimamente a
um órgão internacional de quem recebe orientação e ao qual devem obediência cega, e para o qual são
canalizados todas as informações do país, conclui-se que cada comunista é um agente de espionagem”
(APOLÔNIO, 1954, p.143).
160
de Santos, cujo pedido de hábeas corpus foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal
pelo professor, advogado e comunista Caio Prado Júnior. Ao saber do encaminhamento da
peça à justiça, pelo célebre professor, as autoridades do DEOPS/SP elaboraram relatórios
em defesa da atuação da delegacia santista (a qual efetuou a prisão dos militantes
estivadores), encaminhando-os também ao Supremo. O conteúdo desses relatórios
constituem um verdadeiro libelo à atuação discricionária da polícia como modo efetivo de
conter o desenvolvimento da desordem nos meios populares:
A concepção materialista da história devia acarretar, mais cedo ou mais tarde, na
Rússia ou alhures [...] a destruição de tudo o que estimamos, a ruína das grandes
instituições do mundo civilizado, a propriedade privada, a família, a justiça, o
exército, a moral, a religião. É mister, a luz de uma experiência sinistra, tomar
conhecimento de nossos deveres sociais, operar o trabalho de salvamento da
ordem, se não quisermos tornar, por omissão, nos mesmos cúmplices de um
inferno, cuja ameaça nos aterra. Não acreditamos que o mais elevado tribunal
judiciário do país empreste mão forte a esses elementos perniciosos,
estimulando-os a propaganda de suas idéias subversivas e lançando o gérmen da
revolução numa sociedade tradicionalmente pacífica e ordeira. Estamos
inclinados, ao contrário, a acreditar que o Supremo repelirá a petição dos
perigosos comunistas, ratificando assim a conduta enérgica do Delegado
Regional de Santos e dando o indispensável apoio à polícia de São Paulo, para
que prossiga sua campanha saneadora, mesmo por que não faltam elementos
idênticos de subversão da ordem pública nesta capital e em várias cidades do
interior do Estado, contra as quais as autoridades deverão agir com o máximo
rigor, em benefício da tranqüilidade geral.
164
Por vezes, como no caso citado no capítulo anterior envolvendo Pagú, alguns
juízes enfrentavam a pretensa onipotência do poder policial e deliberavam em favor dos
presos. Por outras, a conivência da justiça corroborava as reivindicações da polícia de
manter sobre seu estrito controle discricionário os destinos dos acusados de extremismo. O
mesmo Caio Prado Junior, acompanhado pelo advogado Geraldo Nosé, nos tempos da
formação da Comissão Popular de Inquéritos (entidade que congregava advogados e outros
intelectuais que denunciavam as práticas ilegais da polícia, buscando efetivar ações
jurídicas que favorecem os presos políticos)
165
denunciou à justiça a detenção ilegal de oito
presos comunistas, mantidos nas dependências do DEOPS sem processo e incomunicáveis.
Entre esses, estavam militantes conhecidos, como Vicente da Costa e Silva (ou “Roberto
164
“Inquérito lavrado pelo Delegado Regional de Santos, Dr. Pedro de Alcântara Oliveira, contra os núcleos
aliancistas da cidade”. Prontuário DEOPS/SP 1691 de Caio Prado Júnior. Vol.2 doc. 12
165
Sobre o assunto, ver: Prontuário DEOPS/SP n. 262 da Associação Jurídica do Brasil ou Comissão Popular
de Inquéritos.
161
Morena”, importante líder sindical em São Paulo), Fernando Parres e Manoel Aristides (um
comunista português que aguardava a seqüência de seu inquérito de expulsão do território
nacional e já estava mofando no DEOPS à quase dois anos).
O pedido de vistoria foi acatado pela justiça, que designou para visitar a DOS o
Juiz da 3
a
Vara Criminal de São Paulo, o dr. Mário Aguiar. Na data previamente
combinada, o juiz compareceu à DOS, sendo atendido pelo dr. Ignácio da Costa Ferreira,
delegado de ordem social, além de outros membros de seu staff. Primeiramente foram
apresentados ao juiz as extensas fichas criminais dos presos em questão, demonstrando sua
“periculosidade comprovada”. No ato de “correição”, nenhum preso foi encontrado nas
dependências da delegacia. Depois, o grupo se encaminhou ao presídio político do Paraíso,
para verificar outras denúncias contidas na petição. Ali, o juiz entrevistou diversos presos,
não sendo nenhum deles os citados na denúncia. Na ata de correição elaborada pelo próprio
DEOPS, o juiz denegou todos os quesitos reclamados. Para ele, não havia nenhum preso
particular das autoridades, e ninguém estava mantido sob o regime de incomunicabilidade,
como referenciado no pedido. Para receber visitas, bastava ao detento cumprir os
procedimentos de praxe. Também não havia sinais de trabalhos forçados no presídio,
tampouco foi encontrado qualquer instrumentos de tortura. As instalações dos cárceres
foram consideradas de boa qualidade. A questão levantada na petição sobre a existência de
inquéritos interrompidos era, portanto, uma farsa, como também a denúncia de que a
polícia confiscava dos presos os seus objetos pessoais. Aliás, para o juiz, os únicos objetos
confiscados eram os livros que faziam alusão ao comunismo, tomados como provas da
atividade subversiva, referendando a culpabilidade do indiciado no inquérito policial,
justificando suas apreensões. Dando-se por satisfeito, o dr. Mário Aguiar terminava assim a
ata de correição, elaborada com o “concurso prestimoso” dos agentes do DEOPS/SP:
Assim, tudo o que verificou, examinou, ouviu e constatou, concluiu o M. Juiz
Corregedor que, improcedem as reclamações feitas contra a Delegacia de Ordem
Social, que se acha funcionando normalmente no desempenho de sua finalidade,
pelo que declarou ao terminar essa correção que nenhuma deliberação havia de
ser tomada a respeito [...] determinou o juiz que extraída uma cópia desta ata,
fosse juntada aos autos de pedido de correição, dando o mesmo ao conhecimento
do dr. Caio Prado Júnior, primeiro signatário desta petição, visto que, tendo sido
o advogado intimado para assistir e acompanhar a diligência, conforme
requereu, deixou todavia de comparecer.
166
166
“Ata da correição na DOS”. Dr Mário Aguiar, 08/02/1934. Prontuário DEOPS/SP n. 1691 de Caio Prado.
162
O “doutor” Caio Prado não compareceu por motivos que nos parecem óbvios. O
advogado e professor era um dos alvos constantes das investigações dopsianas. Sua
periculosidade era atestada nos documentos reservados dos secretas encarregados de vigiar
os movimentos considerados subversivos à ordem política e social, o que efetivamente
podia comprometê-lo no momento em que criticava e contestava a ação arbitrária da
polícia. Embora o poder extra-judicial consentido à atividade policial atingisse sobretudo
indivíduos de origem popular, tradicionalmente deserdados do direito, e Caio Prado, na
contramão da pobreza, pertencesse a uma família abastada e influente na paulicéia – nos
documentos policiais era chamado, com desdém, de “proletário milionário” – estando
também na ocasião da petição requerida cumprindo seu papel de advogado, a anuência da
justiça com as práticas arbitrárias da polícia, per se, já desaconselhava o comparecimento
voluntário de um conhecido militante à Rua Visconde do Rio Branco, esquina com a Rua
Timbiras, sede então do DEOPS/SP. O papel delegado ao poder para as autoridades da
polícia política, consubstanciando a discricionariedade como meio efetivo de manter a
“defesa social”, permitia que a polícia extrapolasse, conforme suas necessidades, a tênue
linha da legalidade requerida à condução dos processos sob sua alçada. A arbitrariedade
policial se renovava no próprio processo de burocratização das instâncias do poder. Contra
os perigos da liberdade sindical, as investiduras da polícia garantiam a continuidade efetiva
de sua própria “ditadura” nos assuntos do movimento operário.
163
III. O DEOPS/SP E O CONTROLE DA QUESTÃO SOCIAL (1930 – 1935).
1. O exercício da vigilância e da repressão sobre as associações operárias.
Em tempo nenhum, no Brasil, foi o movimento operário sujeito à tamanha violência como depois de 24 de
outubro de 1930. Os cárceres da República velha não bastaram. A República nova arranjou novos, somando-
os aos velhos e enchendo-os todos de proletários. Dezenas de militantes comunistas tombaram mortos nos
conflitos provocados pela polícia política ou em espancamentos sofridos nas prisões e nas ilhas. Tipografias
saqueadas, sindicatos assaltados e fechados, residências vasculhadas, livros e jornais destruídos, comícios
dissolvidos a cacetadas e a tiros
.
Astrojildo Pereira
Embora pudesse haver certo interesse das autoridades do DEOPS/SP em super
dimensionar a atividade revolucionária em São Paulo nos documentos enviados para as
instâncias superiores do aparato público – o mesmo podendo ocorrer em relação aos
documentos das instâncias mais inferiores da escala hierárquica para seus superiores
imediatos – as atividades de investigação e repressão, planejadas e executadas sob a
supervisão do órgão, requeriam estar escudadas em informações coligidas com precisão.
Para atuar em organizações operárias, o DEOPS precisava conhecê-las, precisava penetrá-
las. A vigilância requeria o mapeamento interno da organização. O DEOPS devia conhecer
seus membros, perscrutar suas reuniões, demarcar as opiniões e entender as discussões.
Para identificar e relatar a atividade de militantes renitentes, os agentes deviam caracterizá-
los. Para isso necessitavam entender suas tendências e divergências, posturas e
comprometimentos, entre outros quesitos que permitiam assinalar e classificar seus modos
de atuação nos ambientes populares, e também seus meios de resistir às investidas da
polícia.
A capacidade “técnica” da polícia, posta à prova na resolução dos casos sob sua
alçada, estava baseada na capacidade de criar, sistematizar e gerenciar informações as quais
conduziriam à culpabilização dos suspeitos. A manipulação da informação era a viga de
sustentação das práticas repressivas da agência. A informação era a função dos agentes
reservados, que vigiavam discretamente os ambiente sob suspeição. Recrutados nas
próprias organizações onde deviam atuar, alguns sobre pressão policial, outros por
interesses pessoais, contando também com aqueles que colaboravam por afinidade
164
ideológica – caso dos integralistas, abundantes nos quadros de colaboradores do DEOPS
até o movimento ser posto na legalidade durante o Estado Novo
167
– o quadro reservado da
agência era o principal responsável pelo mapeamento do cotidiano do movimento operário.
Nada escapava à atenção dos secretas do órgão, sabedores da ânsia do departamento por
qualquer informação que corroborasse as investigações, orientando e referendando as
medidas preventivas e repressivas desenvolvidas pela agência.
Os secretas do órgão recém organizado após a revolução de 1930 apontavam o
frenético trabalho dos militantes da revolução social para reconstruir suas associações
sindicais, destroçadas pela repressão feroz dos anos finais do regime anterior. Os
anarcossindicalistas reorganizaram a Federação Operária de São Paulo (FOSP),
congregando os sindicatos sob orientação dos militantes ácratas. Os comunistas do PCB
também passaram a intensificar seu trabalho nos sindicatos de São Paulo, cuja penetração
até então era reconhecidamente insuficiente pelos próprios militantes
168
. Estes formariam a
Federação Sindical Regional (FSR)
169
no intuito de comandar frações nos sindicatos que
contavam com a participação de membros do partido. A distensão no movimento comunista
com o surgimento da oposição de esquerda (cujos membros seriam expulsos do PCB e
fundariam em 1933 a LCI, ou Liga Comunista Internacionalista) levou a direção da União
dos Trabalhadores Gráficos (ou UTG, o mais combativo segmento do operariado paulistano
167
Sobre o assunto, ver: FLORINDO 2000.
168
Comentando sobre as quedas dos quadros dirigentes do PCB ocorrida em São Paulo em 1932 (assunto que
será abordado posteriormente neste trabalho) comenta Leôncio Basbaum: “Praticamente se acabara o PCB em
São Paulo, onde, aliás, nunca fora grande coisa”. (BASBAUM, 1976, p.111). Sobre as deficiências do PCB na
capital paulista, afirma Octávio Brandão: “São Paulo sempre foi uma das nossas falhas, sempre as nossas
posições foram fracas” (BRANDÃO, 1993, p.35).
169
Embora a atividade sindical comunista fosse considerada, pelos próprios, insuficiente em São Paulo, os
analistas do DEOPS/SP percebiam que havia a preocupação do partido em incrementar essa atividade, e
apontavam a melhoria do trabalho dos comunistas neste setor desde o ano de 1929. “Relatando o movimento
comunista, é preciso dividi-lo em duas partes: uma – o desenvolvimento das idéias políticas, alteração delas
de acordo com o crescimento político da classe operária local ou sob influência dos diversos acontecimentos
políticos, em soma – idéia oficial do comunismo representativo, e outra parte – a de aplicação prática destas
idéias e a revelação da fisionomia verdadeira do trabalho comunista no país e estudos dos métodos – legais e
ilegais – de desenvolvimento da influência bolchevista na vida social. Quanto à parte primeira, o movimento
socialista- comunista no Brasil tinha passado no ano findo pela etapa de maior importância, pela etapa que
passam todos os partidos comunistas da sua idade. Acabou-se o período de crescimento e começa a vida de
um partido adulto[...] as organizações comunistas no ano findo aumentaram em quantidade e qualidade [...]
Uma vez pronta a construção partidária em linhas gerais [...] parece que os comunistas são preocupados em
reforçar esta construção e ensinar seus novos membros. Fazemos essa conclusão a priori, pois que a
confirmação só pode ser obtida por meio da rigorosa vigilância dentro do organismo partidário.” “A atividade
comunista em 1929”. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB, vol. 4.
165
sob direção do partido), a reboque, para a influência trotskista. A UTG, embora dirigida por
comunistas “por uma questão corporativa, mantinha-se relutantemente filiada a FOSP”.
170
O temor dos mantenedores da ordem em relação à possibilidade de decretação de
greves e de possíveis rebeliões se renovava com o movimento independente de
reorganização sindical. Essa era uma das principais preocupações das autoridades, e esses
temores refletiam-se nos relatórios de seus subordinados, infiltrados nas fábricas e
organizações. A imagem dos agentes policiais sobre o proletariado paulistano, nos
documentos de circulação interna e restrita ao âmbito da delegacia, revela-se, por vezes,
destoante do discurso oficial, que apontava as qualidades “cordiais” ou “ingênuas”
inerentes aos trabalhadores nacionais, muitas vezes presentes como substratos ideológicos
nos inquéritos enviados ao judiciário. A experiência das autoridades, adquirida nos embates
anteriores, corroborava a noção de que o proletariado era em si uma “classe perigosa”, cuja
“infestação pelas idéias extremistas” podia expandir e potencializar suas características, de
antemão indesejáveis. Para os policiais, o trabalhador paulista já era perigosamente
combativo, porque carregava o gérmen da organização mesmo quando estava
desorganizado.
Relativamente à apreciação das forças proletárias, é preciso distinguir um fator
psicológico importante. Os principais movimentos do proletariado de São Paulo
têm antecedentes que merecem serem conhecidos. Ninguém deve se iludir na
força da organização operária, mas afirmar-se na força operária em si [...] o
proletariado paulista tem todas as características do proletariado espanhol,
apesar de seu menor grau de cultura. É individualista por índole ou educação.
Traz em si o espírito da organização sem estar organizado [...] estas observações
tirada da experiência é sintomática.
171
A elaboração dessa análise do proletariado como “classe perigosa”, necessária
para justificar a arbitrariedade discricionária dos agentes policiais nos ambientes sob
suspeição, confirma também quanto a percepção policial sobre as classes subalternas era
tributária da experiência vivenciada no contato e nos conflitos entre policiais e
trabalhadores. A análise do reservado “anarquista” Antônio Ghioffi, atuante nos meios
170
Relatório reservado”. Agente Antônio Ghioffi. 10/06/1931. Prontuário DEOPS/SP n. 716 da FOSP. Vol.2.
doc.18.
171
Idem.
166
sindicais de São Paulo no início dos anos 1930
172
, acata como referências as paredes e
demais manifestações da década de 1910 e 1920 ocorridas na paulicéia, que tantos
problemas trouxeram aos mantenedores da ordem. A menção ao proletariado espanhol,
cujas organizações eram fortemente influenciadas pelo anarcossindicalismo, mais que
demonstrar a antiga filiação do agente duplo ao ideal libertário, revela a percepção
construída pelos próprios policiais sobre os perigos inerentes à ordem pública colocados
pela formação de um proletariado industrial na cidade, circundado pelas atividades dos
grupos revolucionários. Nesse sentido, a menção ao tido como “combativo” proletariado
espanhol, ganhava uma outra dimensão. Não podemos esquecer que na Espanha ocorreram
diversas sublevações operárias no decorrer dos anos 1920 e 1930. Foi também nesse país
que a tensão entre o fascismo e o antifascismo, disseminado em várias regiões no decorrer
da décadas citadas, atingiu seu ponto mais alto antes da 2
a
guerra mundial, com a
deflagração da guerra civil em 1936.
173
Para este influente infiltrado, a exemplo do que
intermitentemente ocorria na Espanha, a reorganização dos sindicatos anarquistas e
comunistas em São Paulo, circundadas pelas mesmas lideranças do movimento operário
que haviam sido duramente combatidas e banidas dos sindicatos pela repressão dos anos
finais da república velha, recolocava em pauta os antigos temores da revolta e da
insubordinação da classe trabalhadora.
A reunião de ante ontem promovida pela ‘Liga Operária do Anastácio’,
recentemente formada pela FOSP, que a mesma deu esse nome, tratou do caso
de um casal despedido da Companhia Armour em virtude do operário estar
distribuindo boletins subversivos em hora de serviço. Uma comissão de
operários foi ter entendimento com o gerente da Armour, que prontificou-se a
readmitir a mulher daquele, apenas. Ontem, para dar conhecimento desta
decisão, a FOSP convocou nova reunião, e na mesma ficou decidida bater-se
pela reintegração dos trabalhadores em questão. Ficou resolvido ainda
aguardarem resposta até sábado e, no caso de ser esta negativa, declarar a greve
dos operários da Armour, que nessa reunião compareceram em número de cerca
de cento e cinqüenta na primeira e duzentos na segunda. Hermínio Marcos, líder
da FOSP, usou da palavra em ambas reuniões e incitou os assistentes a
promoverem a agitação em torno desse caso para coesos, declararem e levarem
avante a greve.
174
172
O reservado Antônio Ghioffi atuou como agente duplo na FOSP, freqüentando também algumas reuniões
da UTG. Nas assembléias sindicais realizadas na federação anarquista o reservado era responsável pela
elaboração das atas de reunião, que então eram repassadas para o DEOPS. Diversas análises do movimento
sindical, suas tendências e efetivos, eram encomendadas pelos delegados do DEOPS ao reservado, o que
demonstra o respeito das autoridades pelas suas opiniões. Sobre o assunto, ver: FLORINDO, 2000.
173
Sobre o assunto, ver: ENZENSBERGER, 1987.
174
“Comunicado reservado”. Rubens de Almeida. 28/12/1931. Prontuário DEOPS/SP n. 716 da FOSP. Vol.1.
167
Os próprios policiais atestavam o maior sucesso dos anarcossindicalistas do que
dos comunistas no movimento de reorganização sindical ocorrido logo após a queda da
república velha. A FOSP, reorganizada, arregimentara quinze sindicatos de diversos ofícios
e formara duas ligas operárias de bairro.
175
“A FOSP tem desenvolvido atividades nos
centros operários, por meio de seus delegados, efetuando comícios em sedes particulares,
nos arrabaldes e subúrbios. Imprime e manda distribuir boletins e pelos seus órgãos difundi
o anarcossindicalismo.”
176
O próprio Hermínio Marcos, velho líder sindical e dirigente da
federação, “convidado” para uma entrevista com o Delegado de Ordem Social recém
impossado, o Dr. Cayubi, relatara que o “Chefe de Polícia pretendia fazer fechar a
federação, só não fazia atendendo a força que dispõe a mesma, embora essa não tenha
armas [...] queria o Dr. Chefe de Polícia evitar derramamento de sangue”. Embora o
policial tenha alertado o dirigente sindical para que os sindicalistas ligados à FOSP
mudassem de táticas, evitando a agitação subversiva, a “revelação” da autoridade incitaria o
velho anarquista: “Disse que agora tem conhecimento que a polícia teme a federação, e por
isso ia mandar imprimir e distribuir violentos boletins não só dando notícia do fato como
ainda continuando seus ataques”.
177
Ao contrário dos anarcossindicalistas, os comunistas do PCB não haviam
arregimentado a direção de nenhum sindicato em São Paulo – afora a UTG, o tradicional
reduto gráfico dos membros da oposição de esquerda, os quais, embora renegados pelo
partido, ainda se consideravam em 1931 como fração do PCB. Para reverter o quadro, a
FSR
178
, filiada à Confederação Geral do Trabalho no Brasil (CGTB) apostava na ampliação
175
Entre esses, encontravam-se a União dos Trabalhadores da Light, Sindicato dos Manipuladores de Pão,
Liga Operária da Construção Civil, União dos Artífices em Calçados, Sindicato dos Vendedores Ambulantes,
União dos Operários Metalúrgicos, União Geral dos Profissionais do Volante, Sindicato dos Operários em
Fábricas de Chapéu, Sindicato dos Alfaiates de São Paulo, União dos Operários em Fábricas de Vidro,
Sindicato dos Ferroviários do Estado de São Paulo, União dos Ladrilheiros, União dos Operários em Ofícios
Vários, Liga Operária da Lapa e Água Branca, Liga Operária da Vila Anatácio, União dos Canteiros de Itatiba
e União dos Trabalhadores Gráficos. Sobre o assunto, ver: Prontuário DEOPS n. 716 da FOSP, vol 2
(informes reservados) e Prontuário n. 2.431 do PCB vol.4. “Informação reservada” de 02/08/1934.
176
“FOSP”. Prontuário DEOPS/SP n.716 da FOSP vol. 3.
177
“Informe reservado” Mário de Souza. Prontuário DEOPS/SP n. 188 de Hermínio Marcos Hernandes.
178
Uma apreciação resumida das atividades da FSR em São Paulo e das práticas de contenção do DEOPS
sobre a entidade no ano de 1931 consta do “relatório sobre sindicatos”, enviado do DEOPS para o Gabinete
de Investigações: “Tem funcionado sempre clandestinamente e sem sede declarada. Suas reuniões são
efetuadas ora na residência de um membro, ora na residência de outro. A polícia, diversas vezes, tem varejado
a casa onde os elementos se reuniam. Os componentes da FSR são membros da comissão de agitação e
168
da propaganda nas associações de classe e nas empresas: “A maior propaganda é feita nas
fábricas, onde existem células e com o auxílio dos chamados intelectuais. A propaganda
externa consiste em boletins distribuídos entre operários”
179
. A atenção dos comunistas para
o movimento operário paulistano se acentuaria a partir do congresso das seções comunistas
latinas promovida pelo Komintern na cidade de Montevidéu em 1931. Tal congresso
deliberou em favor de escolher São Paulo como base para as ações sindicais no continente,
por esse ser o seu maior centro industrial. “Assim os comunistas foram se concentrando na
capital paulista, estabelecendo ligações com o interior, formando células e aplicando
diretamente, no meio paulista, as ordens emanadas do Komintern”(CAMPOS, 2000, p.152).
No final de 1931, a FSR realizou a conferência da unidade sindical, participando os
sindicatos dos metalúrgicos unidos, do vestuário e dos madeireiros. A UTG dos gráficos
trotskistas, em turras com os dirigentes anarquistas da FOSP, também se fez representar no
congresso da FSR, que por sinal, teve suas plenárias invadidas pelos policiais do
DEOPS
180
.
Para os agentes da polícia política, a ação de anarquistas e de comunistas
insuflava o potencial desordeiro inerente à massa trabalhadora. Como comentou o
investigador M. Netto, designado para acompanhar um festival em prol do Socorro
Vermelho Internacional (o SVI), organização mantida pelo PCB para o apoio e assistência
aos presos políticos e seus familiares, ocorrido no Centro dos Operários Tecelões em
janeiro de 1933: “Creio que até hoje não tive ocasião de presenciar propaganda comunista
mais intensa do que a deste festival. Percebe-se perfeitamente como o operariado esta
minado pelo ‘vírus’ das idéias avançadas subversivas, cada vez mais alarmantes”.
181
Para
debelar a atuação dos “pervertidos” que potencializavam as características desordeiras
propaganda do PCB, sua atividade é desenvolvida nos centros operários e procurando se infiltrar-se nos seus
sindicatos, afim de capturar a simpatia do proletariado. Geralmente são escolhidos indivíduos de fácil
oratória, conhecedores profundos dos assuntos sociais e que sabem cativar os auditórios. Até escolas
comunistas freqüentam para esses fins. A FSR não conta com grandes elementos para um movimento grevista
em São Paulo. Entretanto, iniciada uma greve, a FSR incontinenti, procura se assenhorar da situação, por
meio dos seus agentes que se infiltram nos meios operários, até conseguir ‘desideratum’, haja visto o
movimento de maio do ano corrente na SPR e outras indústrias”. “Relatório sobre sindicatos”. Prontuário
DEOPS/SP n.880 da Federação Sindical Regional de São Paulo.
179
“Informação reservada”. Delegado de Ordem Social, 02/08/1934. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do PCB.
180
Sobre o assunto, ver: Prontuário DEOPS/SP n. 880 da Federação Sindical Regional de São Paulo.
181
“Relatório de Investigação” Inspetor M. Netto, 14/01/1933. Prontuário DEOPS/SP n. 1962 do Socorro
Vermelho Internacional.
169
inerentes às massas, o remédio estava também consignado pela experiência adquirida nos
embates das décadas anteriores. Como afirmava o especialista Luiz Apolônio:
Em caso de greve geral, sérias perturbações da ordem, causadas por elementos
extremistas ou movimentos violentos, deverá se proceder ao fechamento das
associações conhecidas, prisão de seus dirigentes e anarquistas; prisão dos
elementos comunistas e apreensão dos órgãos de imprensa subversiva e boletins
extremistas
.
182
Além de enfrentar a costumeira sanha policial, o movimento de reconstrução
sindical promovido pelos partidários da revolução social esbarrava em outras dificuldades
não menos inibidoras. À eterna luta contra os sindicatos amarelos, incrementada com a
promulgação da legislação trabalhista, somavam-se as disputas entre os militantes das
correntes revolucionárias pela orientação dos sindicatos mais aguerridos. As divergências
entre anarquistas e comunistas não eram novas. Ela surgiria praticamente em conjunto com
a própria formação do PCB, em 1922, quando as notícias dos embates entre anarquistas e
comunistas ocorridos durante a fase de consolidação da revolução russa já haviam
penetrado nos círculos revolucionários de São Paulo. A divisão se acentuaria nas
assembléias sindicais e nos ataques sarcásticos entre os militantes nos jornais de divulgação
dos ideários anarquista e comunista. Quando os militantes se excediam na defesa de seus
pontos de vista nas plenárias operárias, o conflito por vezes descambava para as vias de
fato. Nos anos 1930 a própria cisão do movimento comunista através da formação da
oposição trotskista acentuariam as divisões. As autoridades do DEOPS acompanhavam
com interesse as disputas no seio das organizações de classe por meio dos comunicados
reservados dos secretas. O exemplo disso é a transcrição de um debate, terminado com
agressões, ocorrido durante uma assembléia na sede da União dos Operários em Fábricas de
Tecidos:
[...] os anarquistas, após discursos violentos e individualistas atacando este ou
aquele político, terminaram fazendo uma clara propaganda do anarquismo.
Nesse ínterim, um membro do partido comunista levantou-se no meio do salão e
interrompeu o propagandista, degenerando isto em grande confusão, sendo o
182
“Relatório de investigação”. Inspetor Luiz Apolônio. 10/01/1933. Prontuário DEOPS/SP n. 1579
Associação de Classes e Sindicatos. Vol. 1, folha 53.
170
membro do partido comunista, atirado escada a baixo, apesar de fazer uso de um
revolver [...].
183
O secreta em questão acompanhava uma reunião que definiria a decretação, ou
não, de greve da representativa classe dos tecelões em 1931. A UOFT era um dos
sindicatos com o histórico de lutas dos mais aguerridos de São Paulo. A FOSP e FSR
disputavam a liderança da associação, que estava então sob comando de um militante
histórico do movimento operário paulista, José Riguetti, um sindicalista revolucionário que
à época sofria uma sistemática campanha de difamação promovida pelos comunistas. Estes
chamavam o velho dirigente de agente provocador e traidor da classe obreira
184
, conforme o
tom de outras campanhas semelhantes, levadas a efeito entre os membros das diversas
correntes revolucionárias envolvidas nas disputas de uns contra os outros pela liderança nos
sindicatos. O agente encarregado de acompanhar a assembléia sindical ainda comentaria a
posição da FOSP e da FSR no tocante às reivindicações dos operários, que giravam em
torno da extensão da lei de férias para os trabalhadores ligados às federações não
reconhecidas pelo governo: “a FOSP, composta de anarquistas e trotskistas, tentam não
ampliar o movimento através de outras reivindicações, a não ser estritamente a lei de férias.
A FSR, orientada pelo PCB, tenta ampliar o movimento por outras reivindicações”.
185
Para além do conflito de diretrizes e concepções entre os revolucionários, o
pequeno trecho transcrito anteriormente acena para as novas condições da negociação
sindical, imposta pela política de controle com a promulgação da legislação trabalhista. A
discussão sobre a lei de férias, estendida aos sindicatos reconhecidos pelo Departamento do
Trabalho – órgão subordinado ao Ministério de Trabalho – colocava para os dirigentes dos
sindicatos não reconhecidos a obrigação de fazer valer às novas diretrizes legais para seus
associados. A formação do Departamento do Trabalho, centralizando a questão operária,
confirmava o papel da nova instituição de cunha imposta pelo Estado para intermediar a
183
“Informe reservado”. Prontuário DEOPS/SP n.716 da FOSP. Vol.1.
184
A acusação sobre Riguetti era alimentada pela suposta amizade que o líder sindical mantinha com Miguel
Costa, que logo após a revolução de 1930 assumiria o comando da Força Pública de São Paulo, isto antes de
romper com Vargas e posteriormente se tornar um dos quadros dirigentes da ANL no estado. A amizade com
Riguetti remontava à greve geral de 1917, na qual Miguel Costa tomou parte como intermediário das
negociações entre Comitê de Defesa Popular e os poderes públicos. Na época, Riguetti já era um importante
líder dos tecelões de São Paulo. O prontuário DEOPS de Riguetti não faz nenhuma menção à sua suposta
colaboração com a polícia. Aliás, o DEOPS aponta a periculosidade do velho líder sindical, que ainda seria
preso pelo DEOPS/SP em 1932. Sobre o assunto, ver Prontuário DEOPS/SP n.282 de José Riguetti.
185
“Informe reservado”. Prontuário DEOPS/SP n. 716 da FOSP.
171
questão sindical. A redefinição do papel do Estado na arena do conflito entre patrões e
trabalhadores modificava o caráter da negociação. A ilegalidade das associações
conduzidas pelos partidários da revolução social determinava, de antemão, a não
legitimação de suas reivindicações pelo poder. Nesse contexto, as lideranças encurraladas
procuravam promover protestos e greves, na ânsia de fazer extender para as associações
independentes os novos benefícios oferecidos para os sindicatos legais. Porém, a greve
conduzida por um sindicato fora da lei legitimava o pressuposto da repressão policial ao
movimento. Para os agentes do DEOPS/SP, a nova tática da imposição de organizações
operárias controladas pelo alto configurava um avanço no combate aos crimes contra ordem
social. O governo não deveria fraquejar diante das pressões operárias, e nem rever a
inacessibilidade dos sindicatos ilegais às mesas de negociação consignadas pelo poder. A
política de sindicalização desencadeada pelo Estado, que carregava no ventre a idéia de
criminalização dos “elementos subversivos”, permitia aos policiais avançar com força
revigorada nas práticas de profilaxia social da perigosa classe operária.
Julgo que o governo deverá não permitir que o Departamento do Trabalho tenha
relações com sindicatos que não estão reconhecidos pelo Ministério do Trabalho.
Se isto acontecesse, perderíamos a oportunidade de tirar dos meios operários os
maus elementos. Sabemos que os anarquistas e os comunistas são contra a lei de
sindicalização e, fatalmente, teriam de abrir luta contra ela, o que os poria em
inferioridade, em desespero de causa. Por outro lado, teríamos organizados os
operários pacíficos e ordeiros. É preciso lutar sem desfalecimento contra os
anarquistas e comunistas.
186
A reação dos sindicatos considerados ilegais de acordo com as medidas
governamentais era esperada pelos agentes da polícia. A prática preventiva dos agentes era
detectar de antemão as greves e armar as arapucas que barrariam o movimento, caso
possível, antes de sua conflagração. As práticas costumeiras de contenção efetivadas pelos
agentes eram recitadas como técnicas eficazes de obstrução das paredes, isso desde as altas
autoridades até os extratos mais baixos da carreira policial. Mesmo o reservado que
acompanhava a reunião na sede da UOFT, descambada em conflito entre os partidários da
FOSP e da FSR, já confirmava aos seus superiores as medidas cabíveis caso a greve dos
tecelões fosse realmente declarada: “proibir terminantemente as tipografias de imprimir
186
“Relatório reservado”. S-1, 17/02/1933. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol.1. doc.48.
172
manifestos ou boletins [...] vigilância na proximidade das fábricas mais importantes,
procurar segurar os agitadores dentro da sede dos tecelões e da FOSP”.
187
A medida de “segurar” os agitadores dentro da sede dos sindicatos pode ser
traduzida como repressão intimidante e violenta. O intuito era prender os líderes e arrancar,
pelo temor, a colaboração compulsória dos grevistas. A violência policial, tão utilizada
como estratégia eficiente de contenção, era efetivamente um instrumento caro à nova
engenharia do controle social. A ilegalidade das associações sindicais fomentadas pelos
revolucionários sociais consolidava o poder de intervenção arbitrário da polícia nas
associações operárias. Como no caso de uma “batida” na FOSP denunciada em panfleto
pelos anarcossindicalistas.
[...] na noite de quarta feira, quando alguns operários se dirigiam pacatamente
para suas residências, foram inopinadamente assaltados pelos beleguins que, sem
pretexto algum, os conduziram à prisão. No dia imediato uma comissão da
Federação conferenciava com a autoridade que dirige a repressão às ‘idéias
nobres e elevadas’ (Delegado de Ordem Social), o qual lhe prometia soltar os
referidos presos, se determinados companheiros se apresentassem a falar com
ele, apenas com o fim de ‘elucidar algumas pequenas questões’.
Por esse processo vergonhoso e vil conseguiu prender mais esses companheiros
e procurar outros. Métodos vergonhosos, mas dignos de quem os pratica.
188
Os protestos dos associados de nada adiantavam. Seus boletins, denunciando
os maus tratos policiais, terminavam nos prontuários DEOPS dos militantes, podendo
consubstanciar as acusações de extremismo, invertendo o sentido da denúncia. Os
sindicatos mais poderosos já estavam sumariamente condenados a sofrer os reveses
requeridos pela nova política de controle do movimento operário. Este era o caso da
aguerrida UTG, que congregava, para alem dos gráficos
189
, também os jornalistas, dirigida
à época pela fração trotskista, mas contendo também entre seus sócios notórios anarquistas
(como Edgard Leuenroth e Rodolfo Felippe), assim como militantes do PCB (como
Astrojildo Pereira e Fernando de Lacerda – que substituiu o primeiro na direção do partido
após a defecção da cúpula partidária promovida pela política obreirista), para além de uma
187
“ Informe reservado”. Prontuário DEOPS/SP n.716 da FOSP.
188
“Boletim aos operários”. Prontuário DEOPS/SP no. 716, da FOSP. Vol.3.
189
Os gráficos eram considerados, pelo seu maior grau de escolaridade, como uma elite no movimento
obreiro, sobre o assunto ver: GOMES, 1988, p.163.
173
constelação de agitadores “contumazes”, como João da Costa Pimenta
190
, Manoel
Medeiros, Plínio Mello, Coripheu de Azevedo Marques, entre outros. As manifestações de
desacordo da UTG (e demais sindicatos freqüentados pelos revolucionários) com a brusca
intervenção policial nas reuniões e eventos não deviam ser consideradas pelas demais
instâncias do poder. Ali, simplesmente a polícia realizava seu trabalho de profilaxia, como
requeriam as diretrizes de salvaguarda da ordem política e social, as quais garantiam ao
DEOPS suas amplas prerrogativas de intervenção.
Referentemente ao protesto constante do memorial apresentado em 8 do
corrente, ao Sr. Interventor Federal neste Estado, assinado pelo secretário da
União dos Trabalhadores Gráficos, desta capital, protesto esse contra ‘as
perseguições que vem sendo vítimas operários nossos associados por parte da
polícia de ordem política e social’. Esta delegacia tem a informar que é
justificada a vigilância exercida naquela união, porquanto naquela sede são
abertamente propagadas idéias subversivas. Essa mesma união era freqüentada e
nela expandiam seus ideais comunistas os agitadores Paulo de Lacerda,
Coripheu de Azevedo Marques, Antônio Mendes de Almeida, Henrique Couvre,
Astrojildo Pereira e outros, que no ano passado foram deportados para a
República do Uruguai, todos sócios daquela associação. Na ausência destes,
entretanto, outros elementos comunistas continuaram a freqüentar aquela sede,
ali fazendo abertamente propaganda com pleno consentimento da UTG. Foram
detidos ainda os conhecidos agitadores Plínio Mello e Manoel Medeiros,
também sócios da referida associação
.
191
A outorga de benefícios aos sindicatos legais, combinada à densa repressão
policial às associações consideradas “extremistas”, somada ainda as divergências de
anarquistas, trotskistas e comunistas do PCB no seio das organizações operárias,
determinaria o gradual esvaziamento dos sindicatos independentes conduzidos por
revolucionários. Diversas associações renitentes passariam, devidamente purgadas, para as
raias do controle do Departamento do Trabalho. Esse foi o caso da União dos
Trabalhadores da Light, filiado à FOSP, quando depois de uma tentativa de greve, “a Light
demitiu os elementos da vanguarda, ficando assim a organização sem uma direção
190
João da Costa Pimenta, operário linotipista, era considerado por seus pares revolucionários, como
Everardo Dias (1977) e Hilcar Leite, como “o maior gênio organizador do movimento sindical brasileiro”
(GOMES,1988, p.164). A sua eficiência de organizador sindical também era atestada pelo DEOPS/SP. O
prontuário DEOPS/SP n.217, de João da Costa Pimenta, permite observar sua carreira de militante. João, ex-
anarquista e militante comunista após a fundação da seção do PCB em São Paulo, líder de diversas greves e
fundador da UTG, afastou-se do partido após 1930. Apesar de afastado da militância partidária, o sindicalista
seria constantemente perseguido pelo DEOPS/SP, sendo preso e processado pelo órgão na repressão após a
intentona comunista de 1935.
191
“Relatório”. Prontuário DEOPS/SP n.577 da União dos Trabalhadores Gráficos. Vol.1.
174
eficiente, o que lhe valeu um longo período de inatividade”.
192
Na esteira da
desmobilização, consignada pela polícia e pelos administradores da empresa, o sindicato –
que passou a ser dirigido pelos “amarelos” – tornou-se legalmente constituído.
193
Outros,
como a outrora aguerrida UOFT dos tecelões, sofreram processos semelhantes logo após a
repressão de greves dirigidas pelos dirigentes “ilegais”. “Feita a reforma [...] de acordo com
as exigências do Departamento do Trabalho, foi a sua carta orgânica levada ao
conhecimento desse instituto e aceita as emendas que este lhe fez”.
194
As condições adversas para a reconstrução do movimento sindical eram
admitidas nas assembléias operárias. Hermínio Marcos, fazendo o balanço da atividade da
FOSP numa plenária dos membros associados em fins de 1931, segundo a transcrição de
um reservado do DEOPS, declarara “que mais não se tinha podido fazer em virtude da
pressão do Estado, por intermédio dos aparelhos conhecidos, entre eles, o Departamento do
Trabalho, que tinha impedido uma obra mais ampla de sindicalismo entre as massas”.
195
Em outra assembléia, comentando sobre uma greve efetivada pelos padeiros da capital em
1932, o próprio Hermínio Marcos afirmava que a “última greve demonstrou a capacidade
de luta e resistência dos padeiros”. O comentário foi ratificado pelo líder do sindicato da
categoria, o masseiro José Augusto: “os padeiros e os confeiteiros foram uma revelação do
movimento operário de São Paulo”; no entanto, o dirigente admitiu a derrota da parede, não
frente à intransigência dos patrões, mas diante da forte repressão policial: “a polícia
derrotou a greve e não o patronato. Se não tivesse sido a força reacionária contra o
movimento grevista, os padeiros teriam vencido em todas as linhas”.
196
192
“Situação dos trabalhadores da Light” Delegado de Ordem Social, 20/05/1935. Prontuário DEOPS/SP n.
710 da União dos Trabalhadores da Light. Vol.2.
193
O conflito entre amarelos e anarquistas no momento do desligamento da UTL dos quadros da FOSP ficou
registrado num relatório reservado elaborado pelo agente duplo Guarany: “Tendo os operários da Light se
desligado da Federação, reina confusão entre os componentes das duas entidades operárias, confusão esta que
se torna odiosa e até agressiva; passarei a historiar: quarta feira passada, saíram as ruas os componentes da
federação, colocando manifestos nos postes. Ao regressarem a sede, souberam que a policia e os
trabalhadores da Light tinham arrancados; saíram as ruas dispostos a ver se encontravam com um dos
improvisados malfeitores ao operariado, para torcer-lhe o pescoço; não encontraram ninguém. Na sessão de
ontem, houve protestos, sendo atacados a polícia de todos os nomes injuriosos, tendo um dos oradores ditos
que na reunião passada, dois inspetores de polícia tinham tido a ousadia de entrar na sede da federação, mas
se eles fossem homens, que aparecessem outra vez, que lhes sairia mal a brincadeira. Pediu a palavra um
operário da Light, o presidente recusou-o, taxando-o de traidor e aliado à polícia, e obrigaram-no a sair.”
“Informe reservado”. Agente Guarany, 06/04/1933. Prontuário DEOPS/SP n. 716 da FOSP. Vol 3. doc.153.
194
“Informe reservado”. Antônio Ghioffi, 05/08/1931. Prontuário DEOPS/SP n. 716 da FOSP. Vol.2.
195
“Plenária na FOSP”. Prontuário DEOPS/SP n. 716 da FOSP. Vol.1.
196
“Informe reservado: a assembléia dos confeiteiros”. Prontuário DEOPS/SP n.716 da FOSP. Vol.1 doc 66.
175
A simples filiação do sindicato ao Departamento do Trabalho não fazia
arrefecer o cerco policial sobre a instituição e seus associados. Aliás, a filiação consignava
a vigilância do DEOPS/SP, pois mesmo as reuniões não deliberativas deviam ser antes
comunicadas à polícia. Seus agentes, proclamados especialistas no combate ao
“extremismo”, propalavam as “lições da experiência”. Afirmavam os policiais que os
“combates” anteriores ensinavam que a quietude do movimento operário combinava com a
preparação de futuras agitações. Relaxar a vigilância era reabrir as portas dos sindicatos
purgados à ação “perniciosa” dos agentes da revolução social. A defecção e a vigilância nos
meios operários, para ser eficaz, devia ser permanente. A experiência policial corroborava a
probabilidade da reincidência. Um exemplo disso é o relatório de 1933, transcrito a seguir,
no qual o delegado de ordem social, Sr Ignácio da Costa Ferreira, sugere aos seus
superiores o cancelamento das reuniões operárias realizadas na legalizada UOFT:
Esta delegacia, zelando pela ordem social em São Paulo, vem expor os motivos
que a obrigam a solicitar vossas providencias no sentido de se proceder à
proibição de reuniões na sede da União dos Operários em Fábricas de Tecidos,
no Largo São José do Belém, n.23, sobrado. A União dos Operários em Fábricas
de Tecidos, que anteriormente obedecia à orientação do sindicalista José
Riguetti, tem sido alvo ultimamente de diversos elementos comunistas que
pretendem, e algo conseguiram, orientar a direção daquela associação de classe.
Conhecidos comunistas, cujos nomes e antecedentes seguem, começaram a
freqüentar aquela sede, com o fim de proceder à propaganda dos seus ideais. Aos
poucos foram sendo afastados os sindicalistas, para ceder lugar aos comunistas.
Reuniões foram efetuadas sob a orientação destes últimos. Os boletins
comunistas, convidando os operários têxteis às assembléias, davam o endereço
daquela união [...] A propaganda lenta, mas eficaz que os comunistas vem
fazendo entre os tecelões, vem surtindo efeito. A atual comissão executiva da
UOFT concorda, pelo menos indiretamente, com a orientação que vem sendo
dada àquela entidade. Esta se prestando para o contágio do credo comunista,
pois sua sede vem sendo constantemente cedida às entidades bolchevistas, que
dela se aproveitam, não só para propagar o credo vermelho, mas como para
ludibriar o operário inconsciente que, levado por uma falsa legalidade, pela
leitura fácil de boletins e pela palavra convincente dos escolhidos propagandistas
subversivos, se torna o operário revoltado e violento.
197
O documento citado demonstra o crescimento da influência do PCB nos meios
sindicais de São Paulo em meio à mudança de estratégia dos comunistas – adotada
posteriormente pela fração trotskista. Esses passaram a se infiltrar nos sindicatos
legalizados pelo Ministério do Trabalho, com intuito de ampliar a propaganda de seus
197
“Ao Sr. Chefe do Gabinete de Investigações”. Delegado de Ordem Social, 1933. Prontuário DEOPS/SP
n.2431 do PCB. Vol.5. doc.461.
176
ideais nos meios operários, montar células nas fábricas e galgar postos nas diretorias das
associações. O documento também faz referência e relata as conferências desenvolvidas
pelos militantes da revolução social no sindicato. As conferências eram um meio muito
utilizado pelos comunistas e anarquistas para propagarem seu ideal. Versando sobre
assuntos diversos, as conferências muitas vezes traziam um bom público para ouvir e
debater as idéias defendidas pelos militantes
198
. Realizadas nas associações e nos salões
operários, às conferências, invariavelmente, compareciam os secretas da polícia.
Obstar a propaganda dos revolucionários era um dos objetivos primordiais da
atividade policial. Nesse sentido, os agentes deviam estar atentos para apontar, registrar e
redimir todas atividades desencadeadas pelos militantes, cujo foco fosse a propagação,
impressa ou falada, dos ideários e das posições políticas das organizações tidas como
“subversivas”. As conferências permitiam traçar um quadro sobre os ânimos do movimento
operário, assim como incrementar o “perfil criminal” do militante conforme as exigências e
expectativas da vigilância. A capacidade oratória era um indício veemente de
periculosidade. Alguns conferencistas, como o célebre anarquista carioca José Oiticica,
“cuja ação intelectual irradia-se em todas as esferas, desde os mais baixos centros da
população obreira até as mais altas camadas sociais”
199
, eram mesmo proibidos de falar
com o proletariado de São Paulo, isso conforme as circunstâncias do momento político e da
fermentação da agitação operária, continuamente avaliadas pelas autoridades da polícia.
200
Os perfis de conferencistas traçados pelos vigias do DEOPS criam imagens instigantes
sobre personalidades célebres do período, como, por exemplo, a avaliação do reservado
Guarany sobre as “capacidades” de Tarsilla do Amaral, após proferir palestra no Clube dos
Artistas Modernos, seguida de uma exposição de artigos e de objetos diversos trazidos de
sua recente viagem à União Soviética.
198
Como comenta Zélia Gattai, em suas reminiscências de menina, comentando uma conferência antifascista
pronunciada no Salão das Classes Laboriosas pelo socialista Conde Frolla, ladeado por figuras notórias do
anarquismo, como Edgard Leuenroth e Orestes Ristori: “Ao chegarmos, uma hora antes do previsto para a
abertura das portas, já havia um mundo de gente na Rua, quase impedindo o trânsito. Foi aquela corrida
desesperada para pegarmos lugar! Eu saí na disparada para os lados do bar, morria de sede, como acontecia
sempre que ia a qualquer parte, fora de casa. Mamãe, perdida, chamando os filhos para que viessem colocar
uma senha na cadeira. Voltei correndo, deixei meu chapeuzinho cor-de-rosa ao lado da mamãe e saí na
disparada, sumindo em meio à multidão; minhas irmãs também usaram seus chapéus para guardar os lugares”
(GATTAI, 1979, p.174).
199
“Informe reservado”. Antônio Ghioffi. Prontuário DEOPS/SP n.860 de José Oiticica. Doc.2.
200
“Informe reservado”. Guarany. 06/04/1933. Prontuário DEOPS/SP n.5777 de Arsênio Palácios.
177
Tarsilla do Amaral é a maior e mais arrojada comunista dentre todas as comunistas
nacionais. É a maior por que impressiona a quase todos as que ouvem. É também a
mais arrojada, porquanto seus parceiros procuram sempre arrabaldes e lugares
ocultos para pregarem o comunismo, ao tempo em que ela serve de salões nobre,
onde, sem rodeios, ensina teórica e praticamente a doutrina vermelha. Tarsilla esta
munida de todos os apetrechos de propaganda comunista. Seu ‘museu’ é
extraordinário e além da expectativa: são discos, músicas, quadros, jornais,
revistas, etc, ontem, por exemplo, exposto à curiosidade pública.
201
O comentário indignado de Guarany, reclamando da liberdade de Tarsilla em
explanar suas opiniões ao público, demonstra como o DEOPS/SP mantinha posturas mais
cautelosas de ação quando os envolvidos na propaganda pertenciam aos círculos
privilegiados da sociedade, sobretudo se, nesses círculos, o denunciado fosse pessoa
notória.
202
Porém, para os menos afortunados, os elogios dos reservados às performances
dos conferencistas, como fez Guarany à exposição de Tarsilla, configuravam uma prova
cabal da periculosidade e mesmo de atividade criminosa. Era a partir da transcrição das
falas dos militantes em assembléias sindicais, festivais, conferências, ou do apontamento
das intervenções levadas a cabo nos sindicatos e associações, que o DEOPS selecionava os
indivíduos que seriam marcados como “perigosos”. A conotação do adjetivo nos
documentos policiais funcionava como uma senha segura para orientar futuras detenções.
Posteriormente à prisão, a maquinaria inquisitorial da policia iniciava o processo de
formação da culpa, a qual deveria corroborar as informações levantadas de antemão sob o
suspeito.
A prática investigativa da polícia (montada no tripé delação – interrogatório –
confissão) atingia indistintamente comunistas e anarquistas quando envolvidos em
atividades sindicais e de propagação aberta do ideário. A visibilidade requerida para a
atuação dos militantes envolvidos com a questão da reorganização sindical (que deviam
freqüentar os sindicatos para demarcar suas posições nas contendas trabalhistas) facilitava o
201
“Informe reservado”. Agente Guarany. 30/07/1933. Prontuário DEOPS/SP n. 1680 de Tarsilla do Amaral.
Doc. 4.
202
Embora tenha sido até acampanada pela polícia em 1937, o prontuário de Tarsilla do Amaral (1.680) não
registra nenhuma detenção. Seu marido, o médico simpatizante do comunismo Osório Cezar, outro
conferencista julgado perigoso pelos agentes do DEOPS, só seria preso após a intentona comunista de 1935.
Mesmo assim, ao adoecer na prisão, o delegado Venâncio Ayres, temendo que algo de mais grave acontecesse
com o preso nas dependências do presídio político, sugeriu sua soltura ao Superintendente de Ordem Política
e Social, porquanto se tratava: “de um comunista intelectual que, solto, não se envolveria em células”.
Prontuário DEOPS/SP n. 1.936, de Osório Cezar. Vol. 1 f.125.
178
acompanhamento das ações de militância por meio dos secretas. As informações levantadas
eram sistematizadas antes mesmo da prisão dos envolvidos, formando os apontamentos
que consubstanciavam as acusações. Posteriormente à prisão do acusado, a confirmação da
culpa de acordo com as informações previamente levantadas era devidamente “extraída”
nos interrogatórios. Viabilizada a confissão, encerrava-se a investigação, ficando ao critério
dos policiais o encaminhamento ou não do indiciado às instâncias da justiça, por meio do
inquérito policial.
Essas práticas de elucidação dos casos, conforme citado no capítulo anterior,
elaboravam o quadro de normalidades da investigação dopsiana no período, podem ser
observadas na leitura dos diversos relatórios de investigação elaborados por inspetores e
delegados do DEOPS. Os documentos, para além de cientificar as hierarquias superiores
das atividades realizadas pelo corpo de funcionários da agência, por vezes detalham as
diligências efetuadas pela polícia contra os acusados de atividades “extremistas”. No
informe sobre a investigação e a detenção do comunista João Batista Dubieux,
203
a
seqüência requerida ao “bom desempenho” dessas “técnicas” investigativas são
explicitadas passo a passo, confirmando o seu caráter de modelo orientador da atividade
policial.
O cerco sobre João Batista, ou “Zico”, nom de guerre do jovem ativista – o que
para os policiais já era um indício da filiação do investigado ao bolchevismo, pois sabia-se
da prática comunista de atuar nas organizações com pseudônimos – foi iniciado a partir do
apontamento, pelos quadros reservados da agência, das atividades de propaganda do futuro
indiciado. Segundo o policial que elaborou o relatório final da investigação:
Há tempos a Delegacia de Ordem Social, por intermédio do serviço reservado
que a mesma mantém, estava sendo informado que na Rua Voluntários da Pátria,
n.358, residência de um intelectual comunista, conhecido por Zico, ia ser
instalado um centro de cultura social, sob a direção do mesmo que, segundo
ainda informações de caráter secreto, expandia seu ideal no seio da classe
estudantil [...]
Após as denúncias das atividades de propaganda efetuadas por Zico, e a
descoberta de seu endereço, relatadas pelos secretas, a agência de contenção resolveu
203
“Informe sobre a atividade e conseqüente prisão do intelectual comunista João Batista Dubieux”.
30/07/1933. Prontuário DEOPS/SP n. 1914 do Centro de Cultura Social.
179
intensificar a vigilância sobre as atividades apontadas, no sentido de confirmá-las ou não.
Caso Zico fosse um militante comunista reincidente, a simples delação já serviria para
positivar sua “culpa”, mas como Zico não tinha antecedentes, as autoridades resolveram
aprofundar seus conhecimentos sobre o caso. Tais ponderações por vezes eram tomadas
pelos policiais responsáveis pelas investigações sobre os recém identificados na senda da
militância. A experiência tamm ensinava que muitas denúncias sobre a conduta de
indivíduos desconhecidos eram motivadas por interesses pessoais de alguns agentes extra-
quadros ainda “pouco confiáveis”. Estes, reconhecendo o poder inerente aos seus
apontamentos na lógica investigativa da polícia, aproveitavam-se deles para livrar-se dos
desafetos
204
nos ambientes que freqüentavam. Essas precauções eram eliminadas em alguns
casos, como o citado dos reincidentes (esses sempre “culpados” de antemão), nos
momentos de intensificação da estratégia repressiva, quando a polícia necessitava encher
seus xadrezes para demonstrar eficiência, e também quando o próprio delator, pelo acerto
de seus apontamentos anteriores, ganhava a “confiança” dos seus superiores
205
. A linha de
investigação seguida pela agência para positivar as denúncias passava muitas vezes pela
ordem, dada aos demais quadros reservados, de aproximarem-se do investigado ou de
pessoas próximas, no sentido de confirmar a atividade de militância. No caso de “Zico”, a
indicação de seu endereço criava outra possibilidade para averiguação, que podia ser
observada por meio da campana policial, efetuada mantendo a casa do denunciado sobre
estrita vigilância por um ou mais agentes, os quais se revezavam no serviço com descrição,
procurando confirmar a delação.
204
Esse foi o caso da investigação mantida sobre Mariano Chiasari, condutor da Light, denunciado por
atividade comunista, cuja veracidade da informação foi contestada no relatório do policial responsável pela
positivação da informação. “Trata-se de um condutor da Light, homem já bastante idoso e de fato bem doente.
Ultimamente sua casa tem recebido várias pessoas que o vão visitar, notando constantemente a presença de
Antônio Navarra Batista e outros empregados da Light e demais conhecidos. Ali vai também sempre o guarda
423, pois o mesmo é inquilino de Mariano. Todas as pessoas que conhecem Mariano e as pessoas que
freqüentam sua casa são unânimes em afirmar que ali não se fazem reuniões de caráter extremista e nenhuma
daquelas pessoas tem idéias subversivas. Naquelas imediações moram a muitos anos os inspetores Leôncio
(trabalha na 1
a
delegacia da Penha), Simões, Ferreira e Mário Boanova, os quais afirmam nunca terem notado
qualquer tendência comunista em Mariano ou pessoa que freqüentam sua casa. Há tempos um sub-inspetor da
guarda civil que era inquilino de Mariano Chiasari, em virtude de não pagar os aluguéis ha muito tempo e por
ser um mau inquilino, foi posto para fora da casa, por uma ordem de despejo que lhe moveu Mariano. Este
sub-inspetor prometeu-se vingar de Mariano, dizendo que havia de pô-lo na cadeia, parecendo que se trata de
uma vingança do mesmo”. “Reservado (cópia)”. 02/01/1935. Prontuário DEOPS/SP n.1009 do Partido
Socialista Brasileiro (PSB). 1
o
vol.
205
Sobre o assunto, ver: FLORINDO, 2000.
180
Diversos serviços de observação forma efetivados, até que os dados colhidos,
vieram corroborar com as primitivas informações. Continuavam a dizer a mesma
informação que Zico estava preparando ativamente, para o primeiro dia de
agosto, várias manifestações públicas, afim de comemorar a data da grande
guerra, com várias demonstrações de caráter extremista.
206
Confirmada a primeira denúncia e positivada pelos meios usuais a informação
de que “Zico” preparava-se para partir para a ação, a delegacia, por conta própria, resolveu
deter o militante para averiguações.
Em virtude de tais asserções, a delegacia tomou a deliberação de deter Zico,
como medida preventiva, pois dos planos para o dia 1
o
de agosto constavam, e
constam ainda, conforme declarações prestadas por Zico, manifestações hostis
aos consulados imperialistas nesta capital, provável ataques às estações de rádio,
e, finalmente passeata pública nas ruas da capital.
207
O relato policial sobre as atividades que eclodiriam no dia 1
o
de agosto parece
propositalmente exagerado. Talvez o intuito fosse abster qualquer interpolação da justiça
que contestasse a legalidade da medida de prisão preventiva prescrita pelas autoridades para
“Zico” (o que demonstra que seu caso foi arrolado em inquérito policial). As informações
coligidas e manipuladas pelos policiais queriam demonstrar que Dubieux, ainda militante
novato, já era um indivíduo com cargos importantes no partido, sabendo mesmo da
programação de atividades cuja circulação restringia-se aos quadros dirigentes antes de sua
efetivação, como, por exemplo, o suposto ataque contra emissoras de rádio. Embora a
densa repressão que se abateu por todo o período sobre o PCB criasse uma intensa
rotatividade nos cargos de comando da organização (devido às prisões e substituições
decorrentes), tal relato parece ajustar-se mais à medida repressiva desencadeada pela
polícia para resolver o “caso Zico” do que a confirmação efetiva das diretrizes do partido
para as manifestações que celebravam a data de comemoração do final da grande guerra de
1914 a 1918.
No mais, o próprio Dubieux, que se declarou dentista nos interrogatórios,
tentaria se defender da acusação policial de pertencer aos quadros do PCB. Sua versão dos
fatos, conforme declarada na inquirição, estava conformada ao espírito obreirista que
206
“Informe sobre a atividade e conseqüente prisão do intelectual comunista João Batista Dubieux”.
30/07/1933. Prontuário DEOPS/SP n. 1.914 do Centro de Cultura Social.
207
“Informe sobre a atividade e conseqüente prisão do intelectual comunista João Batista Dubieux”.
30/07/1933. Prontuário DEOPS/SP n. 1914 do Centro de Cultura Social.
181
dominava a instância partidária de então. Afirmava “Zico” da impossibilidade dele, sujeito
endinheirado, pertencer aos quadros do partido proletário. De acordo com o anotado no
relatório policial, o declarante diria “que é filho de capitalista. Diz não pertencer ao PCB
por ser, justamente filho de burguês, e não pode integrar as fileiras do partido pela absoluta
falta de confiança por parte dos dirigentes”. A declaração do indiciado seria contestada pela
polícia:
Entretanto, essa delegacia pelos dados que tem sobre as diversas formas de
propaganda do partido, e sobre as várias pessoas que da mesma são
encarregadas, tem fundamentos para contrapor essas asserções. O PCB mantém
entre as várias ‘comissões’ e ‘comissões de propaganda’, geralmente, fazendo
parte da mesma, elementos intelectuais, com as únicas incumbências, por meio
de compilações e impressão dos manifestos, propagar o comunismo. Sendo
porém uma tarefa extremamente ilegal e clandestina, o trabalho para evitar
suspeitas da polícia é feito com grande cuidado.
O fato de ter-se declarado “filho de burguês” não salvou Zico do interrogatório
violento nas dependências da delegacia. “A delegacia obteve sua confissão após cerrado
interrogatório, no qual Zico disse francamente de seus ideais, suas atividades e seus
propósitos para o 1
o
de agosto”. A convicção da polícia de sua culpa foi corroborada na
busca efetuada em sua casa, na qual foi apreendida uma agenda que relatava a impressão de
quatrocentos e cinqüenta boletins num mimeografo. Embora não houvesse indicação na
anotação sobre o conteúdo ou o destino dos boletins, que jamais foram apreendidos, a
evidência de atividade em prol do PCB era contundente demais para ser desperdiçada pelos
policiais.
Com interesse o interrogatório continuou mais severo neste ponto. Com o fim de
conseguir a localização do mimeografo. Após várias contradições, Zico acabou
confessando a casa que se encontrava essa máquina.
208
A prisão de Zico e sua capitulação nos interrogatórios era o destino
previamente traçado pela polícia para o encerramento do caso. Para o militante, não havia
alternativa. A convicção de culpa, formada anteriormente à prisão, havia sido corroborada
pela apreensão da agenda, cujo perigoso apontamento foi transformado em prova material
208
“Informe sobre a atividade e conseqüente prisão do intelectual comunista João Batista Dubieux”.
30/07/1933. Prontuário DEOPS/SP n. 1914 do Centro de Cultura Social.
182
da atividade comunista do indiciado. Para os policiais bastou isso como garantia para a
elaboração de um inquérito, procedimento elaborado preferencialmente para os casos que a
condenação na justiça era dada como certeira. A “tentativa” de negar filiação ao PCB era
filtrada pela “malícia” da polícia, tomando as negativas do declarante como uma tática para
atrapalhar a investigação e confundir os interrogadores. Para os policiais, essa era mais uma
comprovação do acerto de suas deduções. As negativas de “Zico”, interpretadas pelo
avesso, comprovavam as assertivas das autoridades e ampliavam a noção da periculosidade
do preso. A renitência em confirmar de pronto as acusações dos agentes corroborava a
impressão da captura de um militante treinado. A polícia conhecia as diretrizes emanadas
nas circulares do partido, preocupadas em orientar os ativistas sobre certas posturas para
quando presos e submetidos aos interrogatórios policiais. Essas aconselhavam que “é
sempre boa tática negar. Nos casos graves, negue terminantemente as declarações”.
209
Para
os policiais envolvidos no caso, mais que pertencer aos quadros do partido, a experiência e
a dedução demonstravam que Zico era um quadro de confiança e responsabilidades.
“Poucos são os membros do partido que sabem onde está funcionando a casa de
propaganda. A mesma somente é freqüentada pelos elementos escolhidos do partido e que,
com as incumbências que têm, são de absoluta confiança”.
210
A confissão de Dubieux,
arrancada em cerrado interrogatório, era uma questão capital para a conclusão das
“investigações” da polícia, cuja diretriz orientadora foi a presunção e a malícia dos agentes.
Embora sua culpabilidade já estivesse referendada antecipadamente, isso desde o início das
investigações, o encaminhamento de seu caso para a justiça, como réu confesso, era a
garantia da punição já requisitada e sugerida pela convicção policial.
209
“Circular n. 5” Diretório Estadual da ANL de São Paulo. Arquivo do Cedem/Cemap Unesp. Fundo
Asmob, caixa 3.
210
“Informe sobre a atividade e conseqüente prisão do intelectual comunista João Batista Dubieux”.
30/07/1933. Prontuário DEOPS/SP n. 1914 do Centro de Cultura Social.
183
2. A grande repressão de 1932 e o novo ambiente para a penetração do ideário fascista
em São Paulo.
À polícia compete estar atenta; saber separar o joio do trigo, estudando a finalidade das campanhas que
surgem, distinguindo os personagens que a dirigem, observando as táticas, examinando os manifestos,
boletins, panfletos atinentes às mesmas, com o intuito de não errar e apontar a justiça àqueles que, embora
sob os mais variados disfarces, atentam contra a soberania da pátria.
Luiz Apolônio
A preparação e a efetivação das diligências sobre os ativistas do movimento
sindical independente, e a repressão às greves e às manifestações operárias, eram as
atividades que ocupavam o maior espaço na agenda operacional do DEOPS/SP no início
dos anos 1930. A demanda de atuação estava sincronizada às exigências do poder. A não
ocorrência de greves ou de manifestações contrárias ao governo era o termômetro da
eficiência da polícia política. Os dissidentes, denunciados por suas insistentes intervenções
nos sindicatos ou apontados nas “incômodas” atividades de propaganda, quando presos,
eram triturados até confessarem suas ações previamente delatadas. As “técnicas” policiais
para “elucidação” das investigações e confirmação das denúncias eram aplicadas
indistintamente contra os militantes de todas as correntes da revolução social que caíam nas
garras da polícia, salvos alguns privilegiados pelo nascimento ou pela influência social,
desde que não fossem “contumazes agitadores”. Os militantes também eram considerados
sob a mesma rúbrica geral de criminosos pervertidos e aproveitadores das classes obreiras.
Porém, o tratamento indistinto nas dependências da polícia não caracterizava o
desconhecimento do DEOPS sobre as diferenças de organização e mesmo de atuação entre
os divergentes segmentos revolucionários. A questão era capital para a definição das
práticas de vigilância, pois era a partir do mapeamento das diferentes nuances entre as
tendências que se definiam os diversos padrões de conduta e perfis criminais dos suspeitos,
corroborando distintas formas de acompanhamento e de abordagem policial. O
conhecimento prévio dos modos e meios de atuação dos partidários da revolução social era
um componente fundamental da decantada “malícia policial”, posta a serviço para o
apontamento dos culpados. Conhecer os “criminosos” e suas formas de atuação permitia
direcionar as diligências e as inquirições de acordo com as necessidades da investigação.
184
Por outro lado, separar e classificar as diferentes modalidades de delito e de delinqüentes
era uma exigência do status técnico de polícia especializada e habilitada para a instrução
burocrática do processo penal. A prática estava duplamente legitimada, tanto pela cultura
policial quanto pela ciência criminal, e ambas reciprocamente evidenciavam as certezas das
diretivas da polícia para resolução dos casos, assim como possibilitavam acobertar as faltas
e os desvios das práticas de policiamento. Aprender a entender como pensavam e como
agiam os vigiados era o primeiro passo para o desenvolvimento de estratégias de controle
do movimento operário e de isolamento dos grupos renitentes.
As diferenças de atuação e de ideário entre anarquistas e comunistas, desde
sempre reconhecida pelos policiais, passou a ser mais enfatizada nos documentos da policia
no decorrer do ano de 1932, a partir do momento em que a influência da FSR fez-se sentir
com maior ressonância nas organizações operárias oficializadas pelo Departamento do
Trabalho.
211
Foi com a “permanente agitação” promovida pelos comunistas nos meios
sindicais que os policiais paulistas passaram a produzir relatórios que referenciavam a
estrutura e o funcionamento do aparelho burocratizado do partido, apontando suas
distinções em relação às organizações sindicais independentes, que até então eram os
segmentos “privilegiados” na elaboração dos roteiros de investigação e contenção
desenvolvidos pela agência. A medida evidencia o pragmatismo orientador da atividade
policial, que selecionava seus “alvos” conforme as exigências da época e o conhecimento
capturado in loco, no cenário do conflito. Outro fato que chamou a atenção dos policiais
sobre as atividades clandestinas do aparelho do PCB foi a transferência da cúpula partidária
do Rio de Janeiro para São Paulo.
A empreitada de transferir o Comitê Central (C.C.) do partido do Distrito
Federal para a capital paulista, efetivada com intuito de reforçar a atividade sindical no
principal centro industrial do país e abster a intensa repressão sobre os dirigentes do PCB
no Rio de Janeiro, acarretaria num enorme prejuízo à organização. Pois foi na esteira da
211
O sucesso dos comunistas nos sindicatos legais, em 1932, seria avaliado pelo DEOPS num relatório
elaborado em 1935 com o escopo de refazer o histórico da propaganda comunista anteriormente verificada em
São Paulo: “Do trabalho sindical resultaram conseqüências imediatas, entre elas a criação de um permanente
estado de agitação em vários sindicatos notadamente bancários, comerciários, contadores, ferroviários,
agitação essa capeadas pelas reivindicações econômicas de classe. Os movimentos grevistas da época tiveram
notória publicidade, salientam recordar, entre eles o de têxteis e ferroviários da SPR, dirigida por comunistas,
e padeiros, que embora orientada por anarquistas, foi largamente explorada pelo partido comunista como
movimento de massas”. “A propaganda comunista no Estado de São Paulo”. 10/07/1935. Prontuário
DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol 9.
185
intensa repressão, ocorrida durante a revolução constitucionalista de 1932, que ocorreria a
primeira grande “queda” da organização comunista em São Paulo, atingindo o quadro
dirigente nacional e estadual, além dos organismos de apoio e propaganda, dos núcleos
formados nos grupamentos estrangeiros e também dos ativistas atuantes no movimento
sindical. A repressão de 1932 desestruturou os trabalhos desenvolvidos pelo PCB de São
Paulo desde 1930, e foi celebrada desde então pelos policiais como a primeira grande
vitória do DEOPS/SP sobre os ativistas do partido. Como nos dizeres de Luiz Apolônio,
nas apostilas preparadas por ele para suas atividades docentes na Academia de Polícia: “em
1932 foi quando se realizaram as maiores diligências em São Paulo, pois aqui estava
funcionando o Comitê Central do partido, além do C.C. do Socorro Vermelho
Internacional” (APOLÔNIO, 1954, p.27). Os estragos na estrutura material da organização
seriam assim sintetizados num relatório policial.
Durante os três meses da revolução foi verdadeiramente notável o sucesso das
diligências policiais que resultaram no completo esfacelamento do partido, com
a localização e confisco de duas tipografias, localização de diversos escritórios
de propaganda, com a apreensão de diversos mimeógrafos e farto material de
propaganda.
212
A intensidade da repressão de 1932, potencializada pela decretação do Estado
de sítio com o irromper da revolução constitucionalista, atingiu todos os núcleos e grupos
considerados perigosos sob a ótica policial. A agitação dos meios operários era intensa
antes da conflagração do conflito. As greves, meetings e manifestações operárias, entre fins
de 1931 e o primeiro semestre de 1932, em cuja testa estavam os partidários da revolução
social, já haviam alertado a polícia sobre os perigos da agitação revolucionária naquele
delicado momento político, marcado por ressentidas rupturas nos quadros do poder
paulista. O irromper da guerra civil combinou-se com à forte intervenção policial no seio
das “classes perigosas”. Assim como nos anos de chumbo da implacável repressão
bernardista, ocorreram prisões em massa de operários, incluindo mulheres e crianças.
Estimou-se em 6.800 o número de pessoas detidas pela polícia durante o conflito.
213
Os
212
“A propaganda comunista no Estado de São Paulo”. 10/07/1935. Prontuário DEOPS/SP n.2.431 do PCB.
Vol 9.
213
Sobre o assunto, ver: O que era proibido dizer, cartilha escrita pelo trotskista Mário Pedrosa e publicada
pela LCI. Um exemplar, apreendido pela polícia, pode ser observado no Prontuário DEOPS/SP n.2030 de
Mário Pedrosa.
186
partidários da revolução social denunciavam, em boletins distribuídos nas ruas da cidade, a
arbitrariedade das diligências e prisões promovidas pela polícia política. Alguns desses
manifestos foram apreendidos pelo DEOPS e, como de costume, seu destino era o
arrolamento aos prontuários dos militantes. Esses documentos, guardados pela polícia,
ajudam hoje a dimensionar a intensidade da repressão que se abateu sobre o movimento
operário de São Paulo – pauta pouco discutida pela historiografia – durante os meses da
revolução constitucionalista.
Dezenas de trabalhadores oprimidos se acham presos nos cubículos dos
Gusmões, onde são espancados e molhados com água fria! O operário Ernesto
Herreira se acha encarcerado a quatro meses! Os operários de São Bernardo se
acham presos sem que suas famílias possam vê-los. Quatro irmãos trabalhadores
se acham presos, deixando desamparada sua velha mãe [...]
214
Os militantes das diversas correntes revolucionárias, desde sempre sob a alça de
mira dos agentes do DEOPS/SP, não escaparam ao cerco policial naquela temporada de
caça liberada nas ruas de São Paulo. A polícia agia com vigor redobrado, aproveitando-se
da oportunidade de atuar sem o comprometimento de oficialização à justiça sobre os
prisioneiros e seus destinos. O DEOPS/SP esvaziava seus arquivos e prendia todos os
militantes conhecidos. Dos trinta e cinco aderentes à LCI trotskista, trinta e quatro foram
presos em São Paulo durante a revolução constitucionalista (CAMPOS, 2000, p.138). O
ambiente de terror era reforçado pelas transferências e deportações dos presos considerados
mais perigosos. As colônias correcionais, como a de Dois Rios, na Ilha Grande, litoral
carioca, se encheram de ativistas, enviados para o desterro acompanhados de uma simples
petição, assinada pelo delegados da polícia política paulista. O clima de incerteza que
envolvia os prisioneiros foi rememorado por Leôncio Basbaum em suas memórias, quando
após ser preso em São Paulo e remetido ao Rio de Janeiro, acabou por desembarcar na Ilha
Grande sem nenhuma referência de até quando seria obrigado a cumprir a penitência
requisitada pelos policiais paulistas.
Não sabíamos quanto tempo iríamos ficar. Se fossemos condenados, saberíamos:
tantos meses ou tantos anos. Mas não éramos condenados, nem estávamos sob
cuidados da justiça, que ignorava a nossa existência. Isolados do mundo,
214
“O Socorro Vermelho protesta energicamente contra as bárbaras perseguições praticadas pela polícia
política paulista”. Prontuário DEOPS/SP n. 1962 do Socorro Vermelho Internacional.
187
poderíamos ficar ali anos e anos, ou quem sabe, até o fim da vida. Quando
estávamos ainda no Rio, na detenção, o Socorro Vermelho se esforçara por
encontrar um advogado para tratar de nossos casos, mas agora ninguém se
atreveria e o Estado de sítio, estava em vigor, por causa da revolução
constitucionalista, de São Paulo. Agora que estávamos nesse fim de mundo, era
mais difícil ainda [...] (BASBAUM, 1976, P.134).
A onda repressiva, que atingiu os quadros do PCB e forneceu à polícia fontes
importantes para a caracterização dos aparelhos clandestinos do partido em funcionamento
na capital paulista, foi posta em movimento antes mesmo do início da revolução. O partido,
apesar de ser contínuo seu crescimento em São Paulo – relatórios policiais confirmavam o
aumento do número de militantes e simpatizantes
215
– enfrentava uma séria crise de direção
após a defecção dos antigos dirigentes considerados “intelectuais” e sua substituição pelos
quadros ditos “proletários”, como requeriam as diretivas de Moscou. A nova direção
política da organização enfatizava a subordinação da atividade partidária à lógica do
controle da IIIª Internacional. Emissários do Komintern, vindos de Montevidéu, como o
casal Augusto e Inêz Guralsky e o argentino Gonzáles Alberdi
216
arbitravam os dissensos
entre os militantes e reforçavam as diretrizes obreiristas requisitadas por Moscou. Os
antigos dirigentes, caso de Astrojildo Pereira, foram obrigados a reconhecer seus “erros”
em penosas auto-críticas.
217
As novas direções, “eleitas” e substituídas com rapidez, por
vezes cooptavam e traziam para a cúpula partidária militantes com pouca experiência, cujo
principal atributo era ser um “autêntico operário”. Entre 1931 e 1932, passaram pelo cargo
de secretário geral do PCB os militantes Heitor Ferreira Lima, José Villar, Duvitiliano
Ramos e Fernando de Lacerda. Embora este último fosse médico e pertencente a uma
tradicional família de políticos, foi um dos quadros mais identificados com a política de
subordinação ao Komintern e as suas diretrizes
218
.
215
Em 1932, o número estimado de militantes era de 1.500. No final de 1933, as estimativas policiais
calculariam em 3.000 o número de adeptos do partido. Sobre o assunto, ver: “A propaganda comunista no
Estado de São Paulo”. 10/07/1935. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol. 9.
216
Sobre o assunto, ver: BASBAUM, 1976; DULLES, 1977; PINHEIRO, 1993.
217
Uma cópia da célebre auto-critica de Astrojildo, elaborada no momento de sua retirada do comando do
PCB, na qual “se considera incapaz de dirigir o partido e afirma que se retirava do palco para a platéia”
repousa em seu prontuário DEOPS/SP, de n. 44.
218
Segundo John Foster Dulles: “Inêz Guralsky e Fernando de Lacerda [...] levaram a política do obreirismo
bem além do que seria o desejo de Ferreira Lima: negaram aos intelectuais o direito de voto nas reuniões do
C.C. [...] Fernando de Lacerda tornou-se o novo secretário geral, enquanto Inêz mandava no partido”
(DULLES, 1977, p.389).
188
A disputa entre os quadros dirigentes arrefecia as normas internas de segurança
que deviam preservar o organismo clandestino do partido das investidas policiais.
219
Leôncio Basbaum, então secretário do C. R. de São Paulo, militante tido como intelectual,
cuja influência nas bases do partido era visceralmente combatida por Fernando de Lacerda
e sua mulher, Erecina (Cina) – elevada ao Comitê Central por imposição do marido –
relembra até que ponto as divergências entre os quadros de direção comprometiam a
segurança do organismo partidário:
Novas divergências começaram a surgir a propósito das questões mais tolas e
insignificantes, a ponto de tornar a própria atividade do C.C. impraticável. Uma
dessas divergências surgiu quando uma noite Cina trouxe para uma reunião dois
camaradas da base do partido, operários naturalmente, a pretexto de informar sobre
determinados fatos. Na hora da votação uma proposta de Cina havia sido derrotada,
mas ela exigiu que os dois companheiros que ela havia trazido, convidado, votassem
embora não fossem membros do C.C. ‘porque éramos um partido operário e
democrático e todo operário tem direito de voto’. O C.C. se reunia uma ou duas
vezes por semana e, de cada vez, ela trazia novos operários para apoiar suas
propostas. Aí resolvi mobilizar o meu fã-clube e comecei a trazer operários que,
portanto, teriam direito a voto nas decisões do C.C. O resultado foi que o número de
pessoas que se reuniam tornou as reuniões impraticáveis por excesso de gente: havia
algumas em que o número de presentes passava de quinze pessoas, quando o número
legal do Bureau Político era apenas cinco, o que, nas condições de ilegalidade em
que vivíamos, era absurdo (BASBAUM, 1976, p.116).
Foi na esteira das divergências entre as lideranças partidárias que a direção da
organização sucumbiu às investidas policiais. As prisões começaram a ocorrer em maio de
1932, após o insucesso da comemoração do 1
o
de maio promovida pela Federação Sindical
Regional. Algumas datas comemorativas do movimento operário, como a dia do trabalho, o
aniversário da revolução russa, entre outros, requeriam a intensificação da vigilância
policial. Nesses dias, rondas policiais percorriam os bairros pobres da cidade e uma enorme
quantidade de efetivos era deslocada para os locais de comemoração previamente
apontados pelos secretas. Os comícios e manifestações “antecipadas” sofriam sistemática
219
As condições de admissão dos partidos comunistas, elaboradas desde o I Congresso da III Internacional,
previam a criação de um organismo legal e outro clandestino, protegido da reação, que devia estar apto para
coordenar as atividades de agitação e propaganda mesmo nos momentos de maior repressão: “Em quase todos
os países da Europa e da América, a luta de classes entra no período da guerra civil. Em tais condições, os
comunistas não podem confiar na legalidade burguesa. Por isso é seu dever criar paralelamente à organização
legal, um organismo clandestino, capaz de cumprir no momento decisivo o seu dever para com a revolução.
Em todos os países onde, devido ao Estado de Sítio ou as leis de exceção, os comunistas não tenham a
possibilidade de desenvolverem legalmente toda a sua ação, é indubitavelmente necessário coordenar a
atividade legal e a ilegal”. 3
a
condição de Ingresso na Internacional. In Os quatros primeiros congressos da
Internacional Comunista. Edições Maria da Fonte, p. 119.
189
repressão. A comemoração do 1
o
de maio de 1932 ocorria em circunstâncias especiais. O
desemprego ampliava-se em São Paulo e as greves atingiam diversas categorias
profissionais, como os ferroviários, marceneiros, gráficos e tecelões. Do comitê dos
grevistas participavam os principais agitadores sindicais do PCB em São Paulo, como
Roberto Morena e Mário Grazini. As divergências na direção atrapalharam os preparativos
para a comemoração da FSR, marcada para o Largo da Concórdia no bairro do Brás. A
manifestação não pode ocorrer devido à intensa vigilância policial.
220
Em contrapartida ao fracasso da manifestação para o 1
o
de maio de 1932, a
cúpula do partido determinou a ampliação da agitação dos quadros nos meios grevistas.
Ainda durante o mês de maio, foi marcada uma reunião pública do comitê de greve. Era um
desafio à polícia. Para representar o PCB na reunião, realizada na sede da UTG, foram
designados membros importantes da direção partidária
221
. O momento estava propício para
a polícia arrebanhar comunistas. Como afirmou Leôncio Basbaum, enviado para insuflar
ânimo aos grevistas, exatamente por ser o secretário de agitação e propaganda do Bureau
Político do partido: “À noitinha, despedi-me de minha mulher na certeza que iria ser preso.
Dei-lhe algumas recomendações, apanhei uma escova de dentes, uma muda de meias e
cuecas, que meti no bolso do sobretudo e lá me fui” (BASBAUM, 1976, p 123).
Quando Basbaum assumiu a tribuna da reunião para falar em nome do PCB, a
a polícia invadiu o recinto espancando e prendendo os participantes, incluindo os quadros
do PCB presentes, entre eles Roberto Morena, Mário Grazini, Coripheu de Azevedo
Marques, Caetano Machado, o próprio Basbaum, entre outros. Os militantes presos na
ocasião seriam mantidos sob custódia até o final do ano de 1932.
A desarticulação dos organismos do PCB seria complementada com as “quedas”
da direção do Socorro Vermelho e das “casas de propaganda do PCB”, ambas ocorridas
durante a revolução constitucionalista. A queda da “casa de propaganda” do PCB, na qual
se imprimiam os jornais do partido (entre eles A classe operária) aconteceu quando a
polícia acampanava a comunista Eulália da Conceição. No dia 30 de julho de 1932, Eulália
se dirigiu à casa de “Miguel” onde residia também “Regina Machado”, pseudônimo de
Silvia, mulher do então detido Leôncio Basbaum. O investigador designado para
220
Sobre o assunto, ver: BASBAUM, 1976, p.122 e 123.
221
Sobre o assunto, ver: DULLES, 1977, p. 398.
190
acampanar Eulália percebeu a vigiada empacotando grande quantidade de papel. Anotou
também que no quarto havia uma cama de solteiro, e num canto, “uma máquina com um
rolo que muito parecia um mimeógrafo”. O investigador requisitou reforços e os policiais
esperaram Eulália sair para então penetrar na casa, encontrando o mimeógrafo, grandes
quantidades do jornal A classe operária e diversos metros de pano vermelho. As evidências
eram contundentes e os policiais resolveram esperar a volta da comunista para efetuar a
prisão, o que ocorreu às 18:00 horas do mesmo dia. Na casa também seria preso Samuel
Kleiman, que foi até lá para procurar Eulália
222
.
A queda da direção e do aparato gráfico do Socorro Vermelho aconteceria no
mês seguinte. A tipografia do SVI funcionava na casa da comunista intelectual Eneida
Costa, ou “Neide”. Em junho, as atividades de Eneida foram denunciadas por um
comissário do DEOPS alocado na Secretaria de Viação do Estado de São Paulo, local onde
trabalhava Eneida. Segundo o agente, na repartição Eneida nada fazia, passando os dias “a
fumar, a discutir comunismo e a aconselhar os colegas a leitura deste ou daquele livro de
idéias subversivas”
223
. Em agosto, com o acirramento da repressão após a eclosão da
revolução, os policiais resolveram dar uma “batida” na casa de Eneida, encontrando um
mimeógrafo e diversos documentos comprobatórios das atividades do SVI em São Paulo.
Na mesma época, outro mimeógrafo cairia na casa de Cid Franco, então membro da direção
da organização de auxilio aos presos.
224
A repressão de 1932 desarticulou também o trabalho dos comunistas
desenvolvidos nas comunidades estrangeiras de São Paulo. As “quedas” seriam
substanciais nos meios lituanos
225
e húngaros, porquanto as organizações mantidas pelo
PCB para angariar adeptos nessas comunidades estrangeiras (como a Sociedade Húngara de
São Paulo e o Centro Lituano de Cultura da Vila Zelina
226
), teriam seus ativistas presos e
suas sedes ocupadas pela polícia. Os simpatizantes da comunidade judaica, “que muito
contribui para a propaganda subversiva clandestina, sendo elemento de destaque na
222
Prontuário DEOPS/SP n. 1739 de Eulália da Conceição.
223
Prontuário DEOPS/SP n. 1948 de Eneida de Moraes Costa.
224
Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol.4.
225
Eduardo Maffei, militante comunista atuante nos anos 1930, relembra que os agentes do DEOPS
fomentavam um especial ódio aos comunistas lituanos. “[...] os lituanos, comunistas, eram odiados pela
polícia. Quem tivesse cabelo loiro e olhos azuis apanhava desde a detenção, mesmo que fosse simplesmente
suspeito” (MAFFEI, 1984, p. 92)
226
Sobre o assunto, ver os prontuário DEOPS/SP n. 538 e n.539, da Sociedade Amizade Húngara de São
Paulo e do Clube Lituano de Cultura, respectivamente.
191
organização comunista denominada O Socorro Vermelho”
227
, também sofreriam com as
apreensões e prisões policiais.
Embora as denúncias dos infiltrados corroborassem grande parte das
investigações e prisões efetuadas em 1932 – como no caso das supostas delações de
Sebastião “Gaguinho”, “policial declarado e responsável de imprensa do PC, da JC e do
SVI roubada pela policia”
228
ou do lituano João Gerulaits, o qual se tornou reservado da
polícia após sua prisão na casa de Olga Pandarsky e que “gratuitamente prestou relevantes
serviços à ordem social”, facilitando a “desarticulação de um importante núcleo comunista
dirigente no setor estrangeiro, bem como a apreensão de uma bem montada tipografia dos
comunistas lituanos”
229
– a intensa repressão forneceu ao DEOPS um novo cabedal de
informações e de saberes sobre o PCB, permitindo aos agentes aprimorar suas técnicas
investigativas. Na casa de Fernando de Lacerda, preso em maio durante as agitações
sindicais, foram encontrados os arquivos do PCB
230
. A quantidade enorme de documentos
internos apreendidos, composto de minuciosas atas de reuniões de células e dos comitês
deliberativos, informes da direção nacional e do bureau sul-americano, entre outros
231
,
ampliava o leque de informações da policia política sobre o modus operandi da
organização. O conteúdo dos documentos, analisados pelos policiais, permitiu também a
caracterização mais precisa, por parte das autoridades, das normas de conduta e meios de
atuação utilizados pela militância comunista. Os documentos apreendidos corroboravam
informações outrora levantadas por secretas e traziam novos dados para a elaboração das
diligências policiais.
A centralização das cadeias de comando do PCB e seu ajuste aos ditames de
Moscou reforçaram a lógica do controle burocrático sob as instâncias partidárias, em todos
seus níveis. O controle dos procedimentos dos dirigentes tornou-se enfático, requerendo
cada vez mais o ritual – pouco recomendável para uma organização ilegal – da elaboração
227
“Informação reservada” 02/10/1934. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do PCB, vol.4.
228
“Circular da Comissão da Juventude Comunista de São Paulo”. Prontuário DEOPS/SP n. 2391 de Noé
Gertel.
229
“Comunicado referente ao requerimento de naturalização de João Gerulaits”. Delegado Manuel Ribeiro da
Cruz, 29/01/1952. Prontuário DEOPS/SP n.205 de João Gerulaits.
230
Sobre a prisão de Lacerda, afirmaria o DEOPS/SP: “detido em maio, quando a testa da direção técnica do
partido, e isso foi corroborado pela abundante cópia de material interno”. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do
PCB. Vol.4.
231
Os documentos apreendidos na ocasião podem ser observados no prontuário DEOPS/SP n. 780 de
Fernando de Lacerda.
192
de atas, relatórios, balancetes, manuais, agendas, entre outros documentos escritos que
cuidavam de normalizar o funcionamento das diversas instâncias do partido. A prática da
elaboração de arquivos tornou-se uma atividade recorrente às diversas direções regionais e
nacionais que assumiram o controle da organização no período e, nos momentos de cerco
policial aos dirigentes, ocorreram invariavelmente à apreensão dessa documentação pela
polícia.
As conseqüências da “queda” dos documentos partidários em mãos policiais
foram sempre nefastas para o partido. Esses papéis expunham a organização clandestina e
permitiam o incremento do conhecimento da polícia sobre as atividades partidárias. Os
documentos apontavam os indivíduos em ascensão ou decadência na organização,
determinando, ao mesmo tempo, as diretivas para os interrogatórios dos presos, além de
auxiliarem as autoridades a apontar os culpados nos casos sob investigação. O caso citado
anteriormente, que envolveu o militante João Batista Dubieux, apontado como comunista
perigoso por conhecer a “casa de propaganda” do partido, explicita como os documentos
apreendidos – no caso específico, as normas de segurança da organização, que entre outras
afirmações, recomendavam que a localização da tipografia devia ser de conhecimento de
um número restrito de militantes – corroboravam a formação da convicção policial e o
apontamento das “culpas” dos implicados
232
.
Os documentos apreendidos forneciam ao DEOPS uma bússola para o exercício
da repressão. Embora o quadro reservado da agência há tempos viesse informando sobre o
modo de organização e os meios de atuação do partido comunista, foi com a queda do C.C.
do PCB em São Paulo, ocorrida num momento de “intensa agitação sindical promovida
pelos partidários de Moscou”, e com a apreensão dos documentos internos da organização,
232
A prática da manutenção de arquivos pelas camadas dirigentes do PCB permitiria aos agentes da polícia a
descoberta de outros crimes, para além dos delitos contra a ordem política e social. Esse foi o caso do célebre
assassinato de Elvira Cupelo Calônio, ou “Elza Fernandes”, mulher de “Miranda” ou Américo Maciel
Bonfim, secretário do PCB durante o episódio da malograda intentona de 1935 e apontada falsamente como
uma agente provocadora. O inquérito sobre o “justiçamento” de Elza só seria aberto pelos policiais devido aos
documentos que caíram com Luis Carlos Prestes em sua célebre prisão na Rua Honório em 1936. A
investigação somente seria encerrada em 1940, quando “caiu” o C.C. do PCB sediado no Rio de Janeiro
acarretando a prisão dos demais acusados do assassinato, entre eles Adelino Deycola dos Santos “Tampinha”,
Lauro Reginaldo da Rocha “Bangu”, Honório de Freitas Guimarães “Martins” e Eduardo Ribeiro Xavier
“Abóbora”. É interessante lembrar que nessa ocasião também foram apreendidos novamente os arquivos do
PCB, encontrados na casa de “Abóbora”. O episódio será analisado no quarto capítulo deste trabalho. Sobre o
assunto, ver no Cedem/Unesp no Fundo DK os documentos referentes aos processos do TSN contra militantes
do PCB. Na caixa 2 repousa uma cópia do processo n.1.381sobre o caso de Elvira Calônio.
193
que os agentes passaram a elaborar relatórios minuciosos sobre o organograma do
partido
233
. Nada que pudesse consubstanciar as futuras diligências escapava ao olhar
arguto dos técnicos da polícia: os meios de ligação entre as diversas instâncias partidárias, a
característica e o funcionamento das células e comitês, os modos de atuação dos militantes
envolvidos em tarefas de responsabilidade, as diretivas políticas e as subordinações
hierárquicas, enfim, os policiais dissecavam a estrutura burocrática do partido com o fito de
perceber suas rotinas e com o objetivo de direcionar suas investidas. A velha tática policial
de atuar conforme o conhecimento prévio do “inimigo”, corroborado pela infiltração e
delação, conquistava um substancial aporte com os documentos apreendidos em 1932.
A intenção policial se revela no conteúdo dos relatórios elaborados pelas
autoridades. A ênfase na discussão e sistematização dos denominados “métodos ilegais” de
atuação dos militantes expõe os objetivos da polícia. A análise dos agentes procurava
dissecar e elaborar um quadro geral das diretivas do partido para abster a reação, afinal,
“existe em todo partido uma forte ilegalidade. Os membros de um órgão não conhecem os
de outros e até os membros do mesmo órgão ignoram os meios em que o outro atua”.
Nesse item, era importante para as autoridades entender como os ativistas procediam às
ligações e normalizavam o fluxo de informações entre as diversas instâncias organizativas.
“A ilegalidade não é só para a polícia, como para eles mesmos, pois não depositam
confiança recíproca. Desconfiam até da própria sombra”. A desconfiança entre os membros
da organização, exagerada propositadamente pelos policias, era derivada das preocupações
com as infiltrações e as campanas mantidas pelo DEOPS. Os agentes policiais já conheciam
o modo habitual de efetuar as ligações entre os militantes, em pontos de encontro pelas ruas
da cidade. E a técnica do ponto de encontro também estava relacionada entre os métodos
ilegais de atuação do partido, ganhando destaque na dissecação das autoridades a partir das
apreensões.
As ligações entre os órgãos, isto é, Comitê Central, Comitê Regional, Comitê de
Zona e células são feitos por meio de encontros diários, chamados na gíria
comunista de ‘ponto de encontro’, em determinados locais públicos que variam
233
Existem diversos relatórios nos prontuários do DEOPS que evidenciam e caracterizam a organização do
PCB e os modos e meios de atuação das instâncias partidárias clandestinas e dos militantes. Alguns repousam
no prontuário n. 2431 do PCB em seus diversos volumes. O primeiro documento elaborado com essa
finalidade é datado de novembro de 1932 (vol.7), corroborando a afirmação de que foi a partir da queda do
arquivo do partido, em maio do respectivo ano, que o DEOPS/SP passou a sistematizar estas informações.
194
constantemente. A residência de um membro, embora da mesma célula, é ignorada
pelos demais, assim como os membros de todos os outros órgãos. As reuniões do
Comitê Central são ignoradas por todos os Comitês Regionais, isto é, são
ignorados os dias certos, horas e locais. O mesmo sucede com os Comitês
Regionais para os Comitês de Zona e destes para as células. Os Comitês de Zona
também são ilegais uns para os outros. A ligação da célula com o Comitê
respectivo é feita por meio do secretário de cada célula, quer dizer, se uma zona
tem cinco células, somente os cinco secretários tem encontro com o Comitê de
Zona. São expulsos todos os membros que conhecem outros que fazem parte de
outro órgão e contam as atividades do seu órgão a aquele membro.
234
Os relatórios policiais elaborados a partir da apreensão dos documentos
partidários, embora enfatizassem o funcionamento dos órgãos de comando da organização,
destacavam também o importante papel das células na difusão das idéias comunistas pelo
corpo social. “Da célula comunista: é o início da carreira comunista. A célula é um órgão
de base que liga todo o partido com as massas trabalhadoras, tendo vida própria”. Era dever
dos militantes fomentar a formação de células em empresas, ruas e bairros. “Numa
empresa, onde haja um militante comunista, é seu dever conversar com seus companheiros
de trabalho sobre a situação econômica de cada um, incitando-os a rebelar-se”. Segundo as
autoridades, após “seduzir” os trabalhadores e apontar a necessidade da “formação ou apoio
a um partido da classe”, os militantes convidavam o “simpatizante” para reuniões e
sugeriam o ingresso no PCB. Os documentos apreendidos permitiram aos policiais elaborar
uma sistemática caracterização do funcionamento orgânico das células, elevando o
conhecimento do DEOPS/SP sobre os organismos de base do partido.
A célula se compõe de três membros até o máximo de sete e tem um secretário,
que é responsável pela vida orgânica de célula, um elemento de agitação e
propaganda (agit-prop como é conhecido) que deve ter ligação com a comissão de
agitação e propaganda do Comitê de Zona. É o responsável por todo o material que
vem para a célula enviado pelo Comitê de Zona. Também é o encarregado de todo
o material de propaganda, como sejam: pinturas de parede com dísticos
comunistas, colocação de bandeiras, que são confeccionadas na própria célula e
etc. A célula também tem um tesoureiro, que deve fazer a cobrança das
mensalidades dos ‘camaradas’ [...] deve-se dar um balancete no fim de cada mês
da reunião de célula [...] Do dinheiro que recebe, fica o tesoureiro com 20% que é
para a célula e o restante é remetido ao Comitê de Zona. Esse mesmo tesoureiro
deve encarregar-se da realização de pic-nics, angariar dinheiro por meio de listas,
etc.
235
234
“O Partido Comunista, sua estrutura orgânica, métodos e táticas”. Novembro de 1932. Prontuário
DEOPS/SP n.2.431 do PCB vol. 7.
235
Idem.
195
A sistematização das informações sobre as instâncias da organização, assim
como dos meios de atuação dos comunistas, não demorou a demonstrar seus resultados
práticos na efetivação das diligências policiais. Após a reorganização do partido em São
Paulo, acontecida em 1933, o delegado de ordem social, Ignácio da Costa Ferreira, recém
reempossado no cargo, determinou aos investigadores “que exercessem severa vigilância
em torno das atividades de elementos comunistas em atividade nesta capital”. Os
investigadores confirmavam que “vários deles estão sendo vigiados”.
236
A relevância da
ampliação do conhecimento sobre a organização clandestina do PCB era citada nos
relatórios policiais, elaborados pelos inspetores designados para o acompanhamento das
atividades dos militantes. Nesses, os dados coligidos sobre o funcionamento da estrutura
partidária eram referenciados como um importante aporte para as investigações, visto que
otimizavam as intervenções da polícia política. Segundo os policiais, “a agência está
perfeitamente aparelhada para lhe dar combate”, porquanto era “conhecedora das táticas
desses indivíduos, das instruções que os mesmos recebem para seu trabalho ilegal e outros
meios para a organização e propaganda das idéias de Moscou”.
237
No documento citado, após fazer a apologia da eficiência tática da polícia
política e de seus renovados instrumentos para o combate ao comunismo, o policial
responsável pela redação passa a descrever o resultado de uma diligência efetuada com
sucesso, cujo alvo era uma célula comunista. Segundo o agente, as informações coligidas
após a prisão do C.C. em 1932 foram cruciais para o bom desempenho “técnico” da equipe
de inspetores. Afinal, como diria o redator, numa clara alusão ao trecho que exemplificava
os modos e meios de se efetuar ligações entre os militantes, copiado dos relatórios
elaborados pelos especialistas sobre a organização e o funcionamento do aparelho
clandestino do partido: “entre as várias manobras para o despiste, os comunistas usam o
ponto de encontro na via pública, em determinadas ruas da capital [...] os pontos variam
constantemente, a fim de distrair a atenção policial, não só, mas também dos próprios
elementos do partido”.
Sabedores dessas características de atuação, o grupo de investigadores foi
designado para acampanar num sábado o militante Mário Palermo, cujo endereço fora
236
“Célula comunista varejada pela polícia”. 04/09/1933. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol.1.
237
Idem.
196
apontado, para as autoridades, por delação dos secretas. A discreta observação iniciou-se
com a saída do comunista de sua residência. Um a um, os inspetores se revezaram durante o
dia na vigilância sobre as atividades de Palermo. No início da noite, o inspetor de “plantão”
notou que o vigiado “foi para o Largo do Santo Antônio do Pari, onde por alguns minutos,
ficou a espera de alguém. Em dado momento [...] um indivíduo dele se aproximou e disse-
lhe alguma coisa. Era o característico ponto de encontro”.
238
O inspetor redobrou seus cuidados e passou a seguir Palermo e seu
acompanhante, que andavam pela Rua Rodrigues dos Santos, mantendo “uma diferença de
poucos metros” entre um e outro. A caminhada terminou quando os dois entraram numa
loja, “no n. 124b, cuja porta de aço modulada levantou-se”. O investigador deteve-se à
espreita. Anotou a entrada de outros três indivíduos, “entre os quais outro elemento
conhecido e que poucos dias havia saído do gabinete [de investigações]. Tratava-se de
Antônio Arini, alfaiate”. As evidências eram fortes demais, sobretudo porque o
investigador havia identificado outro comunista adentrando a loja. “Não restava dúvida,
aquela era uma reunião de célula, em virtude do número de pessoas entradas, porquanto
essa não comporta mais de sete pessoas e um mínimo de cinco”.
239
Convicto de que havia localizado uma reunião de célula, o inspetor rapidamente
entrou em ligação com o delegado Costa Ferreira. Esse determinou o deslocamento de um
grupo de inspetores para efetuar a “batida” no local. No comando do grupo estava Luiz
Apolônio, que começava a se destacar como o grande “perito” do corpo de investigadores
designados para a repressão ao comunismo. Segundo o relato de Apolônio:
Ali chegando, e cercando o prédio em questão, cujos fundos dão para uma vila
composta de várias casas, verifiquei, antes de entrar, pela fechadura da principal
porta do número citado, que três indivíduos, entre eles Antônio Arinis, conhecido
militante comunista, estavam prestando atenção a alguém que falava, mas não se
podia ver em virtude de existir na loja uma prateleira que o cobria.
240
Luiz Apolônio percebeu um “vacilo” dos comunistas, visto que a porta de aço
da frente da loja “estava apenas abaixada”.
241
Daí decidiu por uma entrada rápida “afim de
não lhes dar tempo para uma fuga. Entrando nessas condições, foram surpresos naquela
238
“Célula comunista varejada pela polícia”. 04/09/1933. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol 1.
239
Idem.
240
“Relatório”. 02/09/1933. Inspetor Luiz Apolônio. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol.1.
241
“Célula comunista varejada pela polícia”. 04/09/1933. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol 1.
197
casa oito indivíduos reunidos”.
242
Apolônio enfatizaria que “um deles, cujo nome abaixo
segue, teve tempo de se desfazer de alguns papéis, atirando-os ao chão, debaixo de uma
cama ali existente”. Cercados pelo grupo de “tiras” armados, os militantes não impuseram
resistência à voz de prisão dada por Apolônio. Foram presos, “em posse de documentos
comprometedores”: Antônio Arinis e Mário Palermo, já conhecido da policia, mais Raul
Salgueiro, Sebastião Caetano, José Dirman, João Del’osso (vulgo “mulato”, cuja atividade
em prol do PCB já havia sido apontada por infiltrados), João de Araújo (locatário do
imóvel) e Alfredo Soares. Sobre o último, os policiais acrescentariam ao relatório a
informação de que esse, “natural do Estado de Alagoas, diz ter chegado a esta capital há
quatro dias, procedendo de Campinas e de ter saído do Rio há quatro meses, onde deixou
suas malas”.
243
Segundo o relato de Apolônio, era exatamente Alfredo Soares o indivíduo que
falava ao grupo no momento da interceptação dos agentes, tentando também, na ocasião, se
livrar dos papéis comprometedores apreendidos. Os documentos recolhidos, “referentes à
organização comunista e planos de reorganização da região de São Paulo”, ainda abalada
pelos reveses de 1932, somado ao acréscimo de um indivíduo a mais no número
considerado pelos policiais como limite para o funcionamento das células, convenceu os
agentes que Alfredo Soares era um dos “elementos” encarregados pela cúpula do partido
para colaborar com a renovação do setor paulista. A impressão estava corroborada também
pelas declarações do detido, que afirmou sua estadia no Rio de Janeiro, local onde
funcionava o C.C. reorganizado, antes de encaminhar-se para Campinas e São Paulo. A
convicção era reforçada por outras afirmações de Soares no depoimento. Esse negou a
tentativa de esconder os papéis apreendidos, conforme apontado pelos agentes nos
relatórios da diligência. No mais, segundo ainda os policiais, os outros presos interrogados
confirmaram que Soares era o militante mais experiente presente à reunião. Luiz Apolônio,
somando os indícios, concluía o relatório elaborando um perfil do “perigoso” ativista
detido: “pela conversa, pelo modo de falar, nota-se que é um elemento ativo do P.C.B,
conservando calma e lucidez em sua defesa. Os seus companheiros, entretanto, dizem que o
mesmo, na reunião, deu lições de comunismo a todos”.
242
“Relatório”. 02/09/1933. Inspetor Luiz Apolônio. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol. 1.
243
Idem.
198
Outra importante “queda” de acervo documental do PCB ocorreria no ano
seguinte, com as diligências policiais efetuadas contra uma escola de capacitação comunista
situada no bairro da Lapa, em São Paulo. Os agentes do DEOPS sabiam da medida
comunista, organizada pela juventude do partido, de preparar cursos para a aprimorar a
formação dos militantes neófitos, “imitando a URSS, que mantém essas escolas naquele
país, e que são freqüentadas por elementos inexperientes”. Foi com a queda dos
documentos de 1932 que os policiais concluíram definitivamente que “o partido comunista,
nessa capital, ideou esses cursos de capacitação para os novos adeptos”.
244
A existência da
escola na Lapa foi apontada pelos reservados do DEOPS. De posse da informação, as
autoridades conseguiram mesmo infiltrar um agente para freqüentar os cursos. Este
“apressou-se a informar que, de fato, se tratava de uma escola comunista”, ligada aos
comitês deliberativos do partido e não à juventude comunista, como pensaram de pronto os
policiais. “Mas a escola, objeto desse informe e do PCB, porquanto a integram indivíduos
todos maior de idade e que, uma vez de posse de todos os requisitos necessários para o
perfeito agitador, se atirariam à luta”.
245
O DEOPS/SP resolveu efetuar a “batida” no período “letivo” da escola, com o
intuito de arrecadar o máximo possível de alunos para seus cárceres. A casa onde
funcionavam os cursos, composta de quatro cômodos e banheiro, já havia abrigado
anteriormente um posto policial. “Em prateleiras rústicas” segundo o investigador
responsável pelo relatório de diligência, foram apreendidos diversos documentos, entre
eles:
[...] livros de propaganda comunista, folhetos mimeografados, cujos teores eram
atinentes ao aperfeiçoamento comunista; temas comunistas, também
mimeografados; circulares inúmeras sobre as tarefas do Partido Comunista;
correspondência entre elementos comunistas de vários Estados do país; programas
de propaganda e inúmeros outros documentos.
246
No momento da invasão policial estavam presentes na casa dez pessoas, “sendo
que um deles quis fazer uso de arma de fogo contra um inspetor de segurança, que foi
obstado imediatamente”. Foram presos Estevam e Rosa Kovacs, húngaros, apontados pelo
244
“Fechamento da escola de capacitação comunista e prisão dos seus principais elementos”. 30/07/1933.
Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB.
245
Idem.
246
Idem.
199
DEOPS como responsáveis pela escola e que tiveram portaria de expulsão instaurada pela
delegacia, mais os militantes Eduardo Braz da Silva, Marcelo José dos Campos, Nelson
Sierra, José Fonseca, João Pereira, Rogério Dias, Rafael Monteaperto e Sebastião
Francisco. O último seria eleito para o secretariado do restaurado Comitê Regional de São
Paulo do PCB em 1934
247
, formando com Joaquim Câmara Ferreira, Hermínio Sachetta,
José Stachinni, Noé Gertel, Tito Batini, Issa Maluf, entre outros, uma nova geração de
quadros dirigentes do partido no setor paulista, que então despontavam para a militância e
cujas trajetórias seriam “temperadas” pelos duros combates contra o fascismo. A
propagação dos ideários inspirados nas ideologias fascistas assumiriam novo espectro em
São Paulo ainda nos meses finais de 1932.
Para além da queda da organização comunista, da prisão dos trotskistas e
lideranças sindicais anarquistas durante o período da revolução constitucionalista, o ano de
1932 traria uma nova e inquietante preocupação para os militantes revolucionários. No dia
07 de outubro, quando já se conhecia o lado vencedor da guerra civil em São Paulo, Plínio
Salgado lançaria o manifesto fundador da Ação Integralista Brasileira (AIB) em cerimônia
ocorrida no Teatro Municipal da capital paulista. Os ventos renovados do autoritarismo que
varriam a Europa desde a ascensão de Mussolini à chefia do governo na Itália – o que
granjeou simpatizantes e adeptos do fascio na colônia italiana de São Paulo já na década de
1920 – atingiam definitivamente o Brasil, com a fundação da organização construtora da
variante mais representativa do fascismo tupiniquim. A AIB se consolidaria nos anos
subseqüentes como um verdadeiro partido de massas.
Os movimentos inspirados no fascismo, com mais ou menos apelos políticos
modernizantes ou conservadores, apresentam diversas variações entre si, conforme as
próprias diferenças de cada região ou país onde esses se formaram. Entretanto, os partidos e
as associações de inpiração fascista, tinham como características comuns o nacionalismo, o
antiliberalismo e o virulento anticomunismo. A assunção de Hitler ao cargo de chanceler na
247
Segundo depoimento de Sebastião Francisco ao DEOPS carioca em 1940 – quando da queda do C.C. do
PCB que funcionava no Rio de Janeiro – a reunião na Escola de Capacitação comunista que o levou à prisão
em 1933 tinha como escopo reorganizar diversas comissões do partido destruídas pela repressão de 1932. Tal
fato não foi mencionado pelos policiais no relatório elaborado à época, demonstrando que os agentes
envolvidos na diligência, embora houvessem percebido que a escola era mantida pela cúpula partidária e
destinada ao aprimoramento de militantes “maduros”, não perceberam o verdadeiro intuito dos comunistas
naquela ocasião. Sobre o assunto, ver no Cedem/Unesp, fundos Dainis Karepovs, na caixa 2, referente ao
processo do TSN n.1.362, o termo de declaração de Sebastião Francisco ao DEOPS/RJ em 13/05/1940.
200
Alemanha, ocorrida em janeiro de 1933, iniciando a ditadura nazista naquele país,
consolidaria a idéia do “fascismo como um movimento universal, uma espécie de
equivalente direitista do comunismo internacional tendo Berlim como sua Moscou”
(HOBSBAWN, 1995, p.120). Foi também com a vitória de Hitler na Alemanha que o
modelo político tornou-se o mais promissor da década de 1930.“O fascismo sem dúvida
parecia à história de sucesso da década” (HOBSBAWN, 1995, p.137).
O fascismo seduziria indivíduos tanto à direita como também à esquerda do
espectro político. Como no caso do italiano Edmondo Rossoni, ex-anarquista e ex-professor
da escola racionalista da Água Branca, divulgador da pedagogia de Francisco Ferrer
248
entre os filhos de operários de São Paulo. O professor idealista, voltando para Itália após
sua expulsão do Brasil ainda na década de 1910, tornou-se ativo jornalista, dirigente
sindical e Ministro da Agricultura de Mussolini. Rossoni pertenceu ao “Grande Conselho
fascista” da Itália desde sua fundação até sua reunião final, a qual destituiu o Dulce em
1943. Numa carta enviada para sua amiga anarquista Teresina Carini, moradora então na
cidade mineira de Poços de Caldas, Rossoni sintetizaria o aspecto sedutor e
“revolucionário” do fascismo, que provocaria defecções nos simpatizantes da esquerda de
todo o planeta: “Não se reconhece mais a Itália. Toda ela é jovem, vibrante, dominada por
uma vontade ilimitada de poder. Venceremos muitas provas!” (CÂNDIDO, 1996, p.67).
Por outro lado, a curta e grossa resposta de Terezina (que morreria fiel ao
socialismo) à carta de Rossoni, sintetizava a impressão dos partidários da revolução social
sobre o fascismo e seus adeptos: “Rossoni: sei um cani!” (CÂNDIDO, 1996, p.67).
No início dos anos 1930, as idéias fascistas se espalhavam por São Paulo e
conquistavam novos adeptos, fornecendo renovado alento aos críticos do socialismo
revolucionário. A vitória nazista na grande potência alemã faria exportar as idéias
xenófobas e anti-semíticas do partido, que encontrariam entusiastas nos meios intelectuais
da cidade. Em novembro de 1933, o jornalista Assis Chautebriand publicaria no Diário da
Noite o artigo As águas turvas do socialismo. O ensaio, recheado das idéias “renovadoras”
do nazismo e do fascio italiano, demonstra como o ideário totalitário permitia a
248
O educador espanhol Francisco Ferrer, fuzilado na Catalunha em 1909 foi o construtor de uma pedagogia
educacional que acreditava no papel da instrução como base da transformação social. Algumas escolas
modernas, baseadas na pedagogia de Ferrer, foram criadas pelos anarquistas em São Paulo durante a década
de 1910 e 1920.
201
reconstrução, sob nova argumentação, de velhos preceitos das elites políticas conservadoras
nacionais, sempre pouco afeitas à idéia da participação popular nos assuntos referentes ao
poder:
O capital e o trabalho devem andar de mãos dadas, servindo reciprocamente,
como na Itália fascista [...] a uma questão social evidentemente madura, como há
uma questão judaica, não menos inquietante que a primeira [...] por um jogo
bombástico de palavras, promete o socialismo, como promete a demagogia
liberal, aquilo que é em si mesmo irrealizável: descer o governo para as massas,
como se estas, incapazes e superficiais, pudessem dirigir alguma coisa.
249
A propaganda eivada de preceitos fascistas se fazia em todos os ambientes
sociais. Na abertura do Salão Paulista de Belas Artes, o presidente da comissão
organizadora proferiu o discurso à propaganda comunista pela Arte, outro libelo às idéias
hitlerianas sobre arte sã e “arte degenerada”, esta última promovida pelos “comunistas
judeus de Moscou”:
A arte é sempre social como expressão da vida. E reconhecendo esse seu grande
valor é que levou Hitler a determinar na Alemanha à volta à arte nacional e
tradicional germânica, dando combate aos vanguardistas da pintura e aos
modernistas da arquitetura, que desnacionalizando a arte visavam implantar a
desordem na sociedade [...] Daí a necessidade dos governos montarem vigilância
no setor intelectual-artístico, auxiliando também a arte equilibrada e sã com que
alimentará espiritualmente as multidões sofredoras e fáceis de serem empolgadas
pelas promessas falaciosas dos extremistas. O cultivo do espírito e o convívio com
a beleza enobrecem e nutrem as multidões, ensinam a moral, propagam o civismo,
elevam o nível da humanidade e confortam e amenizam a existência, sublinhadas
estas premissas, temos a notar que o grande escritor e crítico de arte Camill
Mouclair (entre outros) em vários de seus artigos e livros revela o plano oculto dos
judeus-comunistas de pretenderem destruir uma das colunas mais sólidas e nobres
da nossa civilização ocidental cristã, que é a arte tradicional latina. Dois são seus
principais objetivos: 1
o
) o rebaixamento do valor dos quadros clássicos [...] 2
o
) a
desorganização e aviltamento e o embrutecimento social produzido pela arte por
eles preconizada, a fim de preparar o terreno para uma ação mais segura, num meio
inculto, insensível e depravado [...]
250
A “reação policial” conquistaria substancial reforço com o surgimento da AIB,
pois o integralismo buscava perfilar seus militantes lado a lado dos policiais nas trincheiras
do combate aos partidários do “extremismo”. Aliás, a instituição policial tornou-se
ambiente privilegiado para a expansão da doutrina integralista. Um relatório elaborado por
249
“As águas turvas do socialismo”. Artigo publicado no Diário da Noite em 08/11/1933. Prontuário
DEOPS/SP n.1.009 do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Vol.1.
250
“A propaganda comunista pela arte”. Prontuário DEOPS/SP n. 163 de Galeão Coutinho.
202
colaboradores do PCB alocados na polícia do Rio de Janeiro confirmavam que no DEOPS
carioca haveriam mais de setenta funcionários filiados à AIB. Entre esses, estavam agentes
que se notabilizaram no período por suas ações violentas contra os partidários da revolução
social, como Francisco Menezes Julien, Emílio Romano, Sarandi Raposo e Serafim
Braga.
251
Nos quadros da polícia paulista não devia ser diferente. Os próprios documentos
policiais, a partir de 1933, passaram a fazer referências diretas às premissas ideológicas do
nazi-fascismo. Nos inquéritos policiais existem mesmo citações de frases dos hierarcas do
nazismo, como Goebbels
252
, indicando como o tratamento policial aos desordeiros sociais
era um meio efetivo de limpar a sociedade e garantir a proeminência do bem comum. Por
outro lado, o avanço da xenofobia no rol dos instrumentos cotidianos da política permitia
que os preconceitos (étnicos, religiosos, entre outros), transparecessem com maior reforço e
fervor, nos documentos escritos pelos agentes. Um reservado encarregado de vigiar uma
peça teatral nos meios lituanos vociferava: “este drama de certo foi escrito por algum judeu
de Moscou”.
253
A vigilância policial sobre o bairro do Bom Retiro, considerado o “gueto”
judeu da capital, se intensificaria pari passu a propagação da idéia do complô judaico
comunista.
254
A truculência da polícia política dos regimes fascistas contra os
agrupamentos da revolução social seduzia os policiais de São Paulo. Para esses, a liberdade
de atuação contra os extremistas, promovidos pelos regimes de força e de “regeneração
social” modelado pelas doutrinas totalitárias de direita, era a justa medida para a execução
da tarefa de profilaxia social. Como afirmaria Luiz Apolônio em 1954 para seus alunos na
Academia de Polícia, comentando sobre a propagação internacional do ideário comunista:
“o nazi-fascismo, por exemplo, era um entrave à sua caminhada” (APOLÔNIO, 1954,
p.11).
Para os partidários da revolução social, desde 1931 tolhidos na organização
sindical, enquadrados sob brutal repressão desmobilizadora durante a revolução
constitucionalista e enfrentando o avanço das idéias reacionários do fascismo no corpo
251
Sobre o assunto ver: FLORINDO, 2000. Do documento em questão encontra-se uma cópia no
Cedem/Unesp, fundos Dainis Karepovs, caixa de documentos avulsos.
252
“Inquérito de qualificação dos militantes da UTG” Delegado A P Moreira, 16/08/1936. Prontuário
DEOPS/SP n. 577 da UTG, vol.2.
253
“Impressões do festival dos culturistas”. Jonas, 18/11/1933. Prontuário DEOPS/SP n.539 do Clube Lituano
de Cultura da Vila Zelina.
254
Sobre o assunto, ver: WIAZOVSKI, 2001.
203
social, a reação a “esse estado das coisas” tornava-se uma questão de vida ou morte.
Paulatinamente, o conflito entre as tendências divergentes dos revolucionários daria lugar
ao entendimento que somente a união contra o inimigo comum poderia garantir a
sobrevivência dos distintos grupos. Dos seus postos privilegiados de observação, o
DEOPS/SP acompanhava o acirramento da agitação política. Sua atuação não se
conformaria à atenta vigilância. Cabia à polícia de ordem influir diretamente nas refregas.
Antifascistas e fascistas se degladiavam desde os anos 1920 no Brasil, mas a formação da
AIB criaria um novo panorama para o entendimento da gravidade do conflito e de suas
conseqüências. Para anarquistas, comunistas, socialistas, integralistas e policiais, as
disputas pela proeminência de suas assertivas nos espaços públicos não seriam as mesmas
após a intensificação dos combates nas ruas, acontecido entre 1933 e 1935.
204
3. O DEOPS/SP e a vigilância e a repressão sobre as frentes antifascistas.
Dada a cor neutra, a camisa fascista pode ser usada pelo decurião durante um mês consecutivo. O caldo da
lavagem, depois desse período, também pode ser aproveitado industrialmente em conservas raras e de fino
paladar, o que lhes dará um gosto em que refletirá a influência do chefe, isto é, ligeiramente salgado.
Aparício Torelly, o Barão de Itararé.
.
Recém saídos das cadeias e das colônias correcionais, os persistentes militantes
da revolução social de São Paulo iniciaram o ano de 1933 reconstruindo suas associações
duramente atingidas pela repressão de 1932. Os anarquistas reabriram a sede da FOSP na
Rua Quintino Bocaiúva, no centro da cidade e, como comentou o reservado José Vidotti,
atuante na federação a soldo do DEOPS/SP, num comunicado redigido no dia 31 de
janeiro: “a FOSP está lançando mão de todos os meios para propagar seu programa
anarcossindicalista. Reuniões diárias estão se realizando, e todo a classe operária é
convidada, por meio de boletins, a formar sindicatos aderentes a ela”.
255
Logo os seus
jornais, como o anti-clericalista A Lanterna, dirigido por Edgard Leuenroth, e o sindicalista
A Plebe, cujo editor à época era Rodolfo Felippe, estariam circulando novamente pelas ruas
da capital. Aliás, o próprio Vidotti, no mesmo relatório, denunciaria a publicação de uma
edição de A Plebe, a segunda desde dezembro.
Os militantes ácratas, ciosos defensores do sindicato independente e
revolucionário, continuaram rechaçando o sindicalismo oficial e orientando os sindicatos
filiados à federação de acordo com os pressupostos do anarcossindicalismo. Os trotskistas
da Liga Comunista Internacionalista, mais pragmáticos, passariam a intensificar seu
trabalho nos sindicatos legalizados pelo Estado, “organizando planos de reivindicação e
cativando assim a simpatia das massas”. Os resultados da tática dos militantes da LCI
seriam assim comentados pelas autoridades do DEOPS: “elementos comunistas,
pertencentes à corrente trotskista, conseguiram infiltrar-se habilmente nos sindicatos
reconhecidos pelo governo, ali exercendo intensa propaganda de arregimentação para
futuras atividades”. Segundo os policiais, a influência dos trotskistas se fazia sentir com
255
“Informe reservado”. José Vidotti. 30/01/1933. Prontuário DEOPS/SP n.716 da FOSP. Vol. 3. doc.114.
205
mais intensidade nos “bancários, contadores, metalúrgicos, barbeiros, gazistas,
profissionais do volante, professores de ensino livre e gráficos”.
256
Os relatórios policiais comentavam os estragos feitos à organização comunista
“stalinista” pela intensa repressão de 1932.
257
Não obstante, um novo Comitê Regional
seria reorganizado em São Paulo, tendo à testa Sebastião Francisco, ladeado, entre outros,
por Hermínio Sachetta (encarregado de Agitação e Propagando, ou, na linguagem
comunista, “Agit-Prop”), Antônio Fiesk (setor sindical), Hílio de Lacerda Mana (finanças),
João Raimondi (militares) e Joaquim Câmara Ferreira, “espécie de ministro sem pasta, pau
para toda obra” (MAFFEI, 1984, p.61). Outros indivíduos, recrutados na juventude
comunista – caso de Câmara Ferreira – também teriam destaque na cúpula partidária
paulista, como Arnaldo Pedroso d’Horta e Noé Gertel.
Os comunistas do PCB seguiam em suas tentativas de infiltração nos sindicatos
legalizados, orientação agora também dos trotskistas. A nova direção intensificaria a
atuação do partido no movimento sindical, alcançando sucesso e influenciando a direção de
diversas associações (para além da citada anteriormente UOFT dos tecelões). A ação do
PCB, segundo a polícia, se fazia sentir principalmente na Light, nos comerciários, nos
bancários e nos ferroviários. Mesmo antes da reorganização do Comitê Regional, o
DEOPS/SP, que julgava o partido moribundo na capital paulista, seria surpreendido pela
publicação em janeiro de 1933, de um manifesto exortando a população para a
comemoração do aniversário da morte de Lênin, em comício que deveria ser realizado no
Largo da Concórdia, no bairro do Brás.
258
Outras publicações seguiam-se à primeira,
determinando o fechamento do cerco sobre a “nova gráfica do partido”. Um reservado
denunciou o lançamento, “em breve”, de uma nova edição de A classe operária. Segundo
as informações levantadas pelo delator, as publicações do partido estavam sendo efetuadas
nas oficinas do jornal A opinião do povo. “Já por várias vezes tive a oportunidade de ver
notícias que mais tarde eram publicadas pelo partido comunista, notícias anteriormente
publicadas pela opinião do povo. É responsável pela redação desse jornal o idealista
Natalino Graziano”.
259
A denúncia motivou o fechamento do jornal e a posterior
256
Sobre o assunto, ver: “Informação reservada” 02/10/1934. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB vol.4.
257
idem.
258
“Informe reservado”. 02/01/1933. Prontuário DEOPS n. 716 da FOSP. Vol. 1 doc.43.
259
“Informe reservado”. Mário de Souza, 10/03/1933. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB, vol.1.
206
“investigação técnica” da polícia, que apreendeu os tipos de impressão e os levou para a
averiguação no Laboratório de Polícia Técnica do Gabinete de Investigações. O parecer do
sub-chefe do laboratório confirmou as diretivas levantadas pelo secreta, as quais, de
antemão, haviam sido tomadas como verdadeiras pelos policiais.
Os tipos usados na impressão do referido boletim do Partido Comunista do
Brasil, submetidos a exame, são quase novos e com um caráter de impressão
muito distinto do vulgarmente utilizado pela imprensa desta capital,
notadamente nos tipos ‘R’, ‘B’, ‘e’, ‘r’, ‘t’, ‘i’, ‘f’, ‘t’ e outros. O exemplar do
jornal A opinião do povo de 23 de fevereiro último apresenta em sua 2
a
e 3
a
páginas, artigos impressos com tipos idênticos aos precedentes descritos e
igualmente quase novos. É de se admitir, pois, a possibilidade de ter sido aquele
boletim impresso na mesma oficina tipográfica.
260
As arbitrariedades características da atuação policial no cenário da questão
social seguiam seu curso “habitual” no princípio de 1933. Os militantes envolvidos na
questão sindical continuavam sob cerco constante e, conforme os casos, eram presos de
acordo com a livre requisição das autoridades policiais. Seus jornais e órgãos de
divulgação, recentemente reimpressos, eram empastelados de tempos em tempos e seus
editores detidos, caso Rodolfo Felippe
261
de A Plebe, preso sem motivo declarado de 27 de
fevereiro até 16 de março
262
. Porém, para além da atuação dos militantes nos sindicatos
oficiais, considerada preocupante pelas autoridades da delegacia, os olheiros do DEOPS/SP
percebiam e anotavam certa diferença nos ambientes operários em relação ao período
anterior da intensa repressão de 1932.
Embora os militantes das diversas correntes mantivessem suas escaramuças nas
disputas sindicais, o avanço dos ventos fascistas no ambiente paulistano, em consonância
com o triunfo nazista na Alemanha, fazia crescer a importância da luta antifascista na
agenda dos partidários da revolução social de todas as tendências. A luta de vida ou morte
contra o fascismo assumia outra proporção com a fundação da AIB, que em março de 1933,
realizou sua primeira marcha em São Paulo. A ameaça fascista tornava-se cada vez mais
perigosa e palpável para os militantes da esquerda, ampliando as possibilidades de
260
“Relatório do Laboratório de Polícia Técnica do Gabinete de Investigações”ofício 0579. Moyses Marx,
sub-chefe do Laboratório, 21/03/1933. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB vol.1.
261
Sobre o assunto, ver: Prontuário DEOPS/SP n.716 da FOSP
262
Sobre o assunto, ver: Prontuário DEOPS/SP n.400 de Rodolfo Felippe.
207
entendimento entre os divergentes e iniciando as negociações para a união das tendências e
sua atuação conjunta, contra o inimigo comum.
A possibilidade da união das esquerdas revolucionárias em São Paulo em
torno de objetivos comuns era uma das grandes preocupações do DEOPS/SP desde sua
formação em 1924. A possibilidade do surgimento de uma frente unida de anarquistas,
comunistas, socialistas, entre outros, foi tema recorrente de comunicados e relatórios de
secretas atuantes no movimento operário, sobretudo nos momentos em que as autoridades
julgavam propícios à agitação política e social. Em meio ao intenso movimento de
reorganização sindical ocorrido em 1931, o agente duplo Antônio Ghioffi comunicava aos
seus superiores imediatos sobre as possibilidades de entendimento entre as correntes
anarquistas e comunistas no Congresso Operário promovido pela Federação Sindical
Regional em março daquele ano: “a frente única entre as diversas correntes em jogo, por
enquanto, não passa de tentativas de um lado e recusa do outro. Vem isto precisamente do
antagonismo de idéias que se vem sustentando com bastante eficiência”.
263
Ao citar que o “antagonismo de idéias estava sendo sustentado com eficiência”
Ghioffi demonstra que explorar e ampliar as divergências entre as correntes atuantes no
movimento sindical era uma das táticas de atuação desempenhadas pelo DEOPS/SP. As
autoridades não se conformavam ao simples papel de observadores das lutas entre as
tendências, e queriam influenciar diretamente nas contendas, o que já faziam efetivamente
por meio das detenções de militantes. Porém, para além das prisões, as quais podiam ser
manipuladas com o intuito de favorecer as correntes sindicais identificadas com a política
governamental, as autoridades da polícia desde sempre mobilizavam seus quadros para a
sabotagem ativa nos meios que atuavam. “Essa tática produziu os melhores resultados,
trazendo conseqüentemente uma sensível divisão de forças nas diversas facções sindicais
existentes”.
264
A ação direta da polícia nos meios vigiados era viabilizada pelos secretas,
porquanto esses atuavam disfarçados nos cenários de conflito.
265
De suas posições
privilegiadas, os infiltrados podiam, para além de apontar os militantes atuantes, fazer
disseminar informações falsas e boatos, entre outros expedientes, cujo objetivo era criar
263
“Informe reservado” Antônio Ghioffi, 10/06/1931. Prontuário DEOPS/SP n. 716 da FOSP. Vol. 2. doc.18.
264
Idem
265
Sobre o assunto, ver: FLORINDO, 2000.
208
desagregação nos ambientes sob suspeição. Isso pode ser observado na afirmação do
reservado Mário de Souza num relatório de 1933, que, comentando sobre as negociações
dos partidários da revolução social para a formação das frentes antifascistas, escreveu: “a
nossa principal atividade vai ser a intriga, com esta arma combateremos os projetos de
propaganda presentes e futuros”.
266
A prática recorrente
267
da polícia era conhecida dos
militantes das organizações vigiadas. Esses buscavam alertar os demais ativistas sobre os
efeitos negativos dessa tática desagregadora, orquestrada e disseminada pelos agentes do
DEOPS/SP:
Boatos – sabemos ou devemos saber que um dos métodos muito usados pelos
policiais para lançar pânico e desagregação dentro das organizações
revolucionárias é sem dúvida alguma lançar boatos falsos, acusações sobre
determinados camaradas que são espiões e provocadores, que sabem disto ou
daquilo, quando presos delatam a todos etc. Ora, na luta contra os ‘boatos e
boateiros’ que tanto prejuízo causam à revolução só existe um meio: dar solução a
cada caso em particular, averiguando e responsabilizando a todos que
levianamente servem de instrumento – muitas vezes inocentes – nas mãos dos
policiais.
268
Mesmo no clima de intensa animosidade e desconfiança entre as tendências
revolucionárias atuantes nos sindicatos, são diversos os documentos encontrados em
prontuários do DEOPS cujo conteúdo trata das conversações e das possibilidades de
alianças entre os militantes das diferentes correntes da esquerda de São Paulo. Tais
documentos permitem afirmar o quanto era essencial, para as práticas de policiamento
preventivo desempenhadas pelo DEOPS, dirimir qualquer tentativa de união das esquerdas.
Para os zelosos vigilantes da ordem, parecia que os ventos sopravam ao seu favor. As
divergências nos sindicatos anotadas entre 1930 e 1932 confirmavam, para os analistas da
266
“Informe reservado” Mário de Souza, 30/06/1933. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol.1.
267
No dossiê DEOPS/SP 30 – Z – 60, do MUT (Movimento Unificado dos Trabalhadores), organização
criada pelo PCB em 1945 para reconquistar suas posições no movimento sindical que haviam sido
definitivamente destroçadas durante a vigência do Estado Novo, existe mesmo um documento que revela os
passos dessas táticas de desagregação mantidas pelo DEOPS/SP: “Conforme determinações do Dr. Saad,
incumbi aos nossos reservados para que fizessem um trabalho de desagregação no MUT, envolvendo os
nomes de Antônio Arual dos Santos, Cirilo da Silva Pinto e Hercílio Strazacapa, no caso de apoio a
candidatura do Sr. Getúlio Vargas e ao achaque de Cr$ 130.000,00 feita por Arual. Cirilo da Silva quis
utilizar-se de Arual, para tirar do mesmo proveitos financeiros e conseguir dinheiro para custear as despesas
do delegado do MUT a Conferência de Paris. Acontece, porém, que Arual, como sempre useiro e vezeiro em
atrapalhadas, deu o pulo do gato em Cirilo e levou a melhor, ficando com todo o dinheiro. As insinuações
feitas pelo nosso reservado deram resultados positivos, conforme se verifica pelos recortes de 28/08/1945 da
Folha da Noite em anexo.” Dossiê DEOPS/SP 30-Z-60 do MUT. Comunismo, setor 469. 30/08/1945.
268
“Luta contra a provocação e a espionagem”. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol. 6 doc.250.
209
polícia, que a possibilidade de união era remota. Mesmo nas primeiras análises sobre as
possibilidades da congregação de forças dos “grupos extremistas” em torno do combate ao
fascismo em 1933, os policiais não creditavam que tal orientação política pudesse vingar
em meio aos acirrados conflitos observados nos sindicatos. As previsões policiais, como as
do influente secreta Mário de Souza,
269
apostavam que os interesses específicos de cada
grupo imporia a desagregação rápida de qualquer tentativa de união.
Os antifascistas não farão grandes progressos na sua campanha, que é senão de
idéias extremistas, pois, já entre eles existem divergências. Quem é comunista não
sabe combater o fascismo se não pregar o comunismo, quem é anarquista não o
combate sem defender os interesses anárquicos.
270
O momento político nacional também facilitaria as conversações das correntes
de esquerda. A crise política que atingia o governo “provisório” se evidenciara com a
revolução de 1932. As elites regionais reclamavam por maiores espaços e poderes na arena
decisória, isso ao mesmo tempo em que o tenentismo, base de apoio importante do
“governo revolucionário” de 1930, declinava como movimento político, sem conseguir
“transformar o Estado no seu partido” (FAUSTO, 2001, p. 351). Em meio à grave crise
política, a solução encontrada por Vargas foi constitucionalizar o país
271
. A realização das
eleições para a assembléia nacional constituinte, em maio de 1933, configurou um
verdadeiro “impulso na participação popular e na organização partidária” (FAUSTO, 2001,
p.351). Mesmo o PCB requereu registro à justiça eleitoral, sendo seu pedido devidamente
negado. Em São Paulo, parte dos tenentes à esquerda, desgostosos com os rumos do
governo do qual participaram, se aliaram aos antifascistas da colônia italiana, que atuavam
contra a expansão das idéias de Mussolini na colônia desde a década de 1920. Da união dos
tenentes descontentes com os socialistas reformistas de São Paulo (que contavam com
269
O acompanhamento da “carreira” de espião de Mário de Souza, o qual as autoridades policiais creditavam
sempre a veracidade das informações levantadas, foi realizada em minha pesquisa de mestrado. Sobre o
assunto, ver: FLORINDO 2000.
270
“Informe reservado” Mário de Souza, 30/06/1933. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol. 1.
271
Segundo Angela Maria de Castro Gomes: “a campanha da constituinte acaba por se transformar na ponta
de lança de contestação ao regime, tendo o efeito de feri-lo e obrigá-lo a toda uma reestruturação. O período
da constitucionalização, que se inaugura a partir dos meses finais de 1932, vai estabelecer uma série de
alterações nas alianças do poder e, principalmente, estimular reforços de mobilização e organização política,
tendo em vista a instalação dos trabalhos de uma Assembia Nacional Constituinte [...] De fato a constituinte
era uma necessidade, e o governo a reconhecia, uma vez que o regime legal tornava-se uma demanda
inadiável. Era preciso enfrentar o momento político, que basicamente significava a passagem ao Estado de
direito.” In FAUSTO , 1986, p. 27-28.
210
membros de prestígio nos meios populares, caso do Conde Francisco Frolla), surgiria o
Partido Socialista Brasileiro.
Foram o Conde Frolla e seus companheiros antifascistas atuantes na colônia
italiana, como Bixio Piccioti do jornal L’Itália, os responsáveis pela ligação entre
antifascistas italianos, anarquistas, socialistas e trotskistas, núcleo inicial das frentes amplas
de combate ao integralismo criadas no ano de 1933.
272
Os militantes da colônia italiana
também atuavam nos sindicatos profissionais, uns sob influência comunista e outros
contando com os anarquistas, mantendo relações com militantes de todas as correntes, o
que facilitou a retomada de conversações. Os reservados do DEOPS, quando
acompanhavam as reuniões para a formação do PSB entre tenentes e socialistas reformistas,
alertavam as autoridades sobre a agitação promovida em São Paulo pelo renomado conde
socialista italiano.
Este homem, que se acha infiltrado no partido socialista, tem instruções da
Internacional socialista de Paris para conduzir o PSB à linha de ação
revolucionária internacional. Como a pouco informei, tenho recebido denúncias de
que o mesmo tem recebido, numerosa correspondência estrangeira na sua casa.
273
Em 11 de junho de 1933, durante evento realizado na UTG para relembrar o
célebre atentado contra o deputado socialista Giácomo Matteotti, promovido pelos fascistas
na Itália, Aristides Lobo lançou a proposta de fundação da Frente Única Antifascista
(FUA). A simbólica data escolhida para o lançamento da nova associação reverenciava os
antifascistas italianos, principais articuladores da ligação entre os grupos divergentes. A
posição dos trotskistas em favor da formação de frentes únicas contra o fascismo já era
consolidada pela oposição de esquerda internacional, berço da futura internacional
trotskista (4
a
Internacional), que reunida em plenário no mês anterior em Paris, colocou
como condição para filiação ao grupo a questão do “reconhecimento da necessidade de uma
vasta política de frente única” (CASTRO, 2004, p.356).
272
Sobre o papel do Conde Frolla, comenta Ricardo Figueiredo de Castro: “Este se tornou assim o elemento de
ligação entre duas gerações (italianos e brasileiros) e duas correntes políticas antifascistas (socialistas e
comunistas). Certamente que essa aproximação de Frolla e seu grupo da luta antifascista das esquerdas
paulistas se deveu as concepções políticas e adesão ao Partido Socialista Brasileiro de São Paulo”
(CASTRO,2004, p.357).
273
‘Informe reservado” Mário de Souza, 1933. Prontuário DEOPS/Sp n.716 da FOSP.
211
Os anarquistas de São Paulo estavam representados na reunião da UTG e
resolveram aderir à frente, com as ressalvas de sempre sobre seu possível caráter político.
Os libertários de São Paulo, pouco antes da fundação da FUA, procuraram formar um
Comitê Antifascista. Segundo informou o reservado do DEOPS presente à reunião
deliberativa para a criação do referido comitê, esse teria o caráter de “organização ampla
tomando parte nela todas as organizações”.
274
A ampliação da luta antifascista mobilizava o
interesse dos dois grupos que haviam se desentendido definitivamente quando da expulsão
dos gráficos trotskistas dos sindicatos filiados a FOSP, ocorrida ainda em 1931.
Assim como na reunião anarquista realizada para a formação do Comitê
Antifascista, os agentes duplos da polícia política compareceram à reunião na qual foram
lançadas as sementes da FUA. O infiltrado encarregado de acompanhar o evento, realizado
na sede da UTG, relataria suas impressões sobre a nova organização, procurando apontar
também, mesmo antes de qualquer proclamação oficial do grupo, o seu núcleo dirigente.
Originada da iniciativa anarco-trotskista, acha-se atualmente sob direção da Liga
de Oposição Comunista (trotskista). Naturalmente acharam este meio o como o
mais prático para criar base para sua ideologia e como fração da mesma. Pelos
princípios adotados que devem ser bastante meditados, vê-se que claramente atrás
de tal organização está o dedo dos comunistas, embora sejam da facção mais
moderada.
275
A primeira reunião oficial da FUA foi realizada em 25 de junho de 1933, numa
comemoração do aniversário da revolução francesa, ocorrida no salão da Legião Cívica
Cinco de Julho. A reunião foi presidida pelo Conde Frolla e aos estatutos da frente aderiram
diversas organizações, entre elas o PSB, a UTG, a LCI, a FOSP, o Partido Socialista
Italiano, o Grêmio Universitário Socialista, o Grupo Socialista Giácomo Matteoti, o grupo
Itália Libera, a Legião Cívica 05 de julho e os grupos dos jornais A Lanterna, A Plebe, O
Socialismo e o Homem Livre (CAMPOS, 2000, p. 230). A FUA não aceitava filiações
individuais, e as organizações aderentes se esforçaram para dar publicidade à frente ampla,
conquistando sindicatos e demais organizações políticas, incluindo o PCB, que, sondado,
decidiu não participar da frente.
274
“Informe reservado” Prontuário DEOPS/SP n.716 da FOSP, vol.2.
275
“Frente Única Antifascista” Rubens de Almeida, 15/06/1933. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB.
Vol.1. doc.173.
212
O PCB em 1933 mantinha seu leme ajustado à política do chamado “terceiro
período”, preconizada pelo Komintern no congresso da Internacional de 1929, enfatizando
o obreirismo. Embora os membros dos reorganizados C. R. de São Paulo e do Bureau
Político Nacional (que assumiram a direção das instâncias partidárias após o
desmantelamento policial de 1932) não fossem comprometidos com o recente passado
“obreirista”,
276
a linha política corroborada pela Internacional para a orientação das sessões
filiadas não havia se alterado. No tocante à análise da conjuntura política, o PCB, instilado
pela análise geopolítica do Komintern, identificava o fascismo como mais uma
manifestação da grave crise que assolava o capitalismo. Essa podia desembocar numa
guerra imperialista contra a União Soviética. A tarefa comunista era defender a Rússia
soviética e transformar a reação imperialista em guerra civil revolucionária. Os comunistas
deviam lutar pela direção do movimento operário “desmascarando” os sociais democratas,
os anarquistas, e os “traidores” trotskistas. A frente única podia ser costurada com os
militantes de outras correntes “pela base”, ou seja, somente com indivíduos ou mesmo
grupos atuantes nos sindicatos, sempre sob supervisão das organizações comunistas, mas
sem a concorrência de outras organizações políticas. A linha política do Komintern somente
mudaria e favoreceria a formação de “frentes populares” no final de 1934.
Coerentes com a política preconizada pela Internacional, no inicio de 1933 os
comunistas formariam o Comitê de Frente Única Antiguerreira de São Paulo, ou Comitê
Antiguerreiro. A nova organização recebeu um forte aporte de propaganda dos sindicatos
sob influência do PCB, e para sua reunião de criação compareceram os trotskistas e alguns
anarquistas. Segundo o reservado do DEOPS presente a reunião:
Da reunião convocada pela Federação Sindical Regional, na sede dos Gráficos,
ficou organizado o Comitê Antiguerreiro, composto por elementos de alguns
sindicatos influenciados pela referida federação, pelos gráficos (trotskistas) e
alguns elementos das fábricas. Vicente da Costa e Silva é inegavelmente o
organizador deste novo organismo do PCB. Falaram vários oradores, destacando-
276
Entre 1933 e 1934 ascenderia uma outra leva de militantes às camadas dirigentes do partido, rompendo
definitivamente com a primeira direção, e também com a direção identificada com o obreirismo. Segundo
Heitor Ferreira Lima, que assumiu seu lugar no B.P. do partido em janeiro de 1933 após longa prisão de um
ano e meio, “O B.P. que encontrei era composto por Miranda (secretário), Martins (encarregado de
organização), Bangu (agit-prop), Grazini (sindical), juntamente com José Medina e Corifeu de Azevedo
Marques, sendo eu agregado a eles, mais Fernando de Lacerda e Adelino Deícola dos Santos [...] Tratava-se
de um órgão novo em sua essência, sem compromisso com o recente passado obreirista, exceto Fernando,
naturalmente” (LIMA,1982, p.172).
213
se porem aquele. [...] As discussões versaram sobre a guerra imperialista, porem
segundo ficaram aprovadas as bases da dita organização, essa visa à defesa da
União Soviética. Por esse motivo alguns elementos anarquistas recusaram-se a
fazer parte da referida organização [...] O Comitê Executivo Provisório procurará
realizar reuniões sucessivas; tendo em vista a preparação de uma imediata
conferência ‘legal’, em que será convidado todo o proletariado, tomando assim um
cunho puramente legal.
277
Assim como na primeira reunião da FUA, a primeira reunião do Comitê
Antiguerreiro contou com a presença indesejável dos secretas do DEOPS. A polícia
política, atenta aos passos do movimento operário, registrava em primeira mão a criação
das novas organizações consideradas “criminosas”, as quais se “utilizavam-se da infiltração
comunista nos sindicatos oficiais para emprestar seu caráter legal”. A discreta observação
consubstanciava os relatórios oficiais da delegacia, enviados às instâncias superiores da
polícia e ao Departamento do Trabalho. Esses requisitavam, ao menor sinal de agitação
“ilegal”, a proibição das reuniões nas sedes e mesmo a destituição das diretorias sindicais,
preparando o terreno para a intervenção policial legalizada (como requeriam aqueles
tempos de retomada da normalização constitucional). Porém, o aumento de requisições às
instâncias superiores do aparato público não significou alterações na política da polícia no
contato com as classes populares. Sobre os detidos, considerados perigosos e ameaçadores
à ordem política e social, a lei continuava sendo o arbítrio policial. Esse foi o caso da
segunda conferência do Comitê Antiguerreiro, aliás, evento de seu lançamento oficial, a
qual ocorreu na sede da União dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos. Para essa
conferência, cuja data fora marcada na reunião anterior da UTG, o reservado responsável
pelo acompanhamento do evento já antecipava, em seu relatório, qual devia ser o
expediente policial: “será nesta conferência que convém impedir o funcionamento desse
aparelho comunista, pois nela haverá probabilidade de se fazer ótimo ‘pega’”.
278
A conferência terminou com conflitos, tiroteios e prisões nas ruas próximas,
gerando a extensa requisição citada anteriormente
279
, encaminhada ao Departamento do
Trabalho, na qual o DEOPS, relatando diversas manifestações comunistas observadas na
sede da UOFT, requeria a proibição de reuniões naquele recinto.
280
As características das
277
“ Informe reservado”. Rubens de Almeida, 07/02/1933. Prontuário DEOPS/SP n. 880 da FSR. Vol.1.
278
“Informe reservado”. Rubens de Almeida, 07/02/1933. Prontuário DEOPS/SP n. 880 da FSR. Vol.1.
279
Vide nota n.196.
280
“Delegacia de Ordem Social” prontuário DEOPS/SP n. 2431 do PCB. Vol. 5. Doc 461.
214
novas organizações formadas pelos revolucionários, cujo objetivo era congregar atores
diversos, facilitavam a infiltração policial. Na conferência do comitê comunista, ocorrida na
sede dos tecelões, em 10 de janeiro, outro inspetor compareceu. Esse anotaria os membros
presentes à mesa, os quais ladeavam a conferencista Maria Lacerda de Moura – cuja
palestra terminou, segundo o secreta, criticada pelos organizadores do evento, pois a
conferencista criticou todas as guerras, inclusive a guerra revolucionária. Entre os
participantes destacados, estavam “elementos” conhecidos dos policiais, como o
anteriormente citado Vicente da Costa e Silva (ou Roberto Morena) e Tarsilla do Amaral
281
.
O que o secreta não sabia, e muito menos sabiam os comunistas, era que na própria mesa
diretora da conferência estava outro infiltrado do DEOPS, recrutado por Luiz Apolônio nas
oficinas da Light em 1932. O desconhecimento do fato, pelo outro policial, ilustra o sigilo
que devia envolver as operações de espionagem efetuadas pela polícia. Tratava-se do
operário Vicente Guerriero, sindicalista da referida empresa.
282
O secreta responsável pelo
acompanhamento da reunião anotaria as falas perigosas dos organizadores, comentando
ainda sobre as adesões ao comitê dos sindicalistas (incluindo Guerriero) e trotskistas
presentes.
Os mais graves incidentes aconteceriam após o encerramento da sessão, quando
os policiais, fora do recinto, interceptaram um grupo de comunistas reunidos. O
investigador responsável pela elaboração do relatório da ocorrência comentaria sobre o
“caráter ocasional” do encontro. Segundo esse, policiais e comunistas se depararam “por
acaso”, durante o patrulhamento efetuado nas “rondas de automóvel” – nova rotina de
polícia preventiva instalada pelo DEOPS para a vigilância sistemática dos bairros operários.
A delegacia de ordem social mantém, em dias diferentes da semana, durante a
noite, uma ronda de automóvel a fim de observar as anormalidades [...] a hora
acima citada (a meia noite) os inspetores em questão vinham subindo com o auto
6789, a Rua São Leopoldo, viram, de longe, um grande grupo de pessoas paradas
na Rua Julio de Castilho. Como é natural, no cumprimento do seu dever, quiseram
averiguar o motivo daquela aglomeração. Diminuindo a marcha do carro, se
aproximaram do grupo e no mesmo foram reconhecidos vários comunistas.
283
281
“Informe reservado”. Rubens de Almeida, 10/02/1933. Prontuário DEOPS/SP n. 857 de Maria Lacerda de
Moura.
282
Sobre o assunto, ver: CAMPOS, 2000, p. 316.
283
“Relatório” 11/02/1933. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do PCB vol.4. doc. 268.
215
O encontro foi menos ocasional do que transparece no relatório policial.
Muitas vezes, as reuniões antifascistas e antiguerreiras (as quais contavam com o aporte de
organizações legalizadas, tornando permissível os pedidos de autorização para efetuar as
reuniões) eram liberadas pelo poder público para ocorrer em recinto fechado (sendo
proibido, aos participantes, realizarem manifestações nas ruas). Os ventos eleitorais se
impunham ao caráter duro do regime político, colocando na pauta de discussão das elites a
necessidade de validar, embora com restrições, a “liberdade do direito de reunião”. Os
inspetores sabiam da realização da conferência, e a ronda de automóvel, cerceando a região
da sede da UOFT no fim da reunião, tinha conhecimento de que os militantes deixariam o
recinto em grupos (essa tática era utilizada para se defender de escaramuças com grupos
integralistas). Conforme a manipulação dos dados nos relatórios policiais, o ajuntamento na
saída podia “caracterizar” o início de uma manifestação pública, contrariando a permissão
original, fazendo tornar-se necessária a intervenção policial. A ronda dos inspetores foi se
deparar justamente com o grupo no qual estava presente Vicente da Costa e Silva,
denunciado pelos secretas como o principal destaque do novo comitê organizado pelos
comunistas. Para Vicente, havia uma ordem de prisão expedida justamente no dia 08 de
fevereiro, data da reunião anterior. Era a ocasião perfeita para efetuar uma prisão “limpa”.
Houve resistência dos comunistas, mas, no tiroteio que se seguiu à abordagem policial, o
grupo dispersou-se, e os agentes conseguiram prender o comunista procurado. O militante
Arlindo Pinho, ferido pelos disparos, também foi preso. Esse era considerado pelo DEOPS
outro dos principais agitadores do PCB no meio sindical. Com essas prisões, a polícia havia
efetuado o “ótimo pega” sugerido pelo reservado denunciador de Vicente da Costa e Silva
na reunião anterior.
As reuniões posteriores do Comitê Antiguerreiro continuariam a ser observadas
pelos secretas da delegacia. Da mesma maneira, os aderentes e os participantes das
conferências por vezes seriam molestados pelos inspetores de segurança, isso conforme a
ocasião. A situação não era diferente nas reuniões da FUA. Essas, quando ocorriam,
recebiam um tratamento semelhante, configurando um padrão para as diligências policiais
efetuadas para conter as manifestações das frentes unidas do período. Após a observação
dos secretas nas duas primeiras reuniões antifascistas, acontecidas respectivamente em 11 e
25 de junho de 1933, a terceira reunião, acontecida no salão da Liga Lombarda em 14 de
216
julho, para além de infiltrada, terminou com diversos militantes detidos na saída, entre eles
Moyses Gambas e Aristides Lobo.
Naquela noite de 14 de julho, os funcionários de plantão na delegacia não
teriam tempo para reclamar da monotonia da madrugada. Na mesma hora da reunião da
FUA ocorria, no salão das Classes Laboriosas, uma conferência do Comitê Antiguerreiro
(essa de antemão proibida, como requeriam os apelos dos delegados de ordem social
encaminhados aos seus superiores). A reunião foi bruscamente interrompida por uma
“batida”, e no recinto o DEOPS deteria Manoel Medeiros, Max Cimbalista, Samuel
Kewusechivissei, Salomão Zeitel, Salomão Avin e Marciano Gomes da Silva
284
. A prisão
de diversos indivíduos de origem judaica demonstra a penetração do antifascismo na
comunidade israelita de São Paulo, corroborando a intensificação da vigilância do DEOPS
sobre seus membros, e confirmando também as convicções policiais do “complô judaico
comunista”, idéia que fascinava diversos agentes do departamento naqueles tempos de
ascensão dos ideários nazi-fascistas.
Ao contrário dos antifascistas, os integralistas não encontravam dificuldades
por parte da polícia para realizar seus eventos. Aliás, a AIB podia contar mesmo com a
ajuda policial. São diversos os relatórios do DEOPS cujo foco era antecipar as
movimentações dos antifascistas, planejando enfrentamentos com os integralistas. Em 25
de novembro de 1933, o reservado Mário de Souza denunciava que João Cabanas, Paes
Leme e Henrique Rolando Guarany, entre outros tenentes ligados ao PSB, tratavam de
formar “um batalhão para defender os operários da polícia e dos integralistas, contando
para isso com o apoio da federação operária”.
285
Noutra ocasião, o reservado Guarany
afirmava que na própria FOSP os militantes haviam formado os “grupos de choque
anarquista” para enfrentar os integralistas. Segundo o reservado: “toda a atenção da polícia
no momento deve ser contra esses anarquistas do grupo de choque, pois segundo se diz,
serão eles sempre os iniciadores das futuras greves e perturbações no meio operário desta
capital”.
286
No combate ao “extremismo”, integralistas e policiais agiam como aliados. Após
as primeiras escaramuças entre os policiais e os manifestantes antifascistas, nas saídas das
284
“Comunicado a DOS”. 15/07/1933. Prontuário DEOPS/SP n. 177 de Manoel Medeiros.
285
“Informe reservado”. Mário de Souza, 27/11/1933. Prontuário DEOPS/SP n. 1009 do PSB.
286
“Informe reservado”. Guarany, 26/04/1934. Prontuário DEOPS/SP n. 716 da FOSP. Vol.3.
217
reuniões, o DEOPS resolveu redobrar seus efetivos para a vigilância dos locais próximos
aos salões liberados para as manifestações. Numa das reuniões da FUA, o secreta destacado
para acompanhar e anotar as falas dos manifestantes denunciaria o elogio do presidente da
mesa ao “espírito desassombrado do operariado, que tivera coragem de ingressar no local
mesmo com a praça em frente transformada em ‘praça de guerra’”
287
, pelas forças policiais.
Na reunião de 14 de novembro, liberada para ocorrer no salão das Classes Laboriosas
(comparecendo cerca de mil manifestantes), os policiais, destacados para vigiar as
redondezas, não tomaram nenhuma atitude quando um grupo de cerca de duzentos camisas
verdes tentaram invadir o recinto, com o intuito de dissolver a manifestação. Os
integralistas foram repelidos pelos antifascistas, acirrando os ânimos no interior do salão.
Interrompida a conferência (durante a fala do representante do PSB), assumiram as rédeas
da reunião o anarcossindicalista Hermínio Marcos e o trotskista Aristides Lobo, ambos
concitando aos manifestantes para saírem todos juntos do salão. “A massa abandonou o
prédio em perfeita ordem, e a quase totalidade dirigiu-se à Praça da Sé, entoando A
Internacional” (CAMPOS, 2000, p.232). Quando o grupo antifascista tomou a rua, os
policiais destacados para manter a “ordem pública”, até então inertes, entraram em ação.
Conforme ordens recebidas, em companhia dos inspetores José Bonfim, Fioravante
Pagano, Praxedes Fonseca, Paschoal Tumolo, Hermógenes Rodrigues, Anastácio
Maurício, João Batista Júnior e Arcy Ferreira, dirigi-me a Rua do Carmo, nas
imediações da qual ficamos em vigilância. Ali se realizaria uma ‘conferência anti-
integralista’. Cerca das 23:00 horas, dirigidos por Aristides Lobo, atualmente
elemento de maior atividade no seio do partido comunista, Rolando Henrique
Guarani, Hermínio Marcos Hernandes, João Perez e Pedro Catalo, os
manifestantes saíram daquele salão, rumando para a Praça da Sé. A convite de
Aristides Lobo entoaram o hino ‘A Internacional’. Em seguida, novamente a
convite de Aristides Lobo, os manifestantes tomaram direção ao Brás [...] nessa
ocasião, recebi ordens do Sr. Dr. 1
o
Delegado auxiliar para efetuar a prisão dos
elementos dirigentes daquela manifestação. Imediatamente, em companhia dos
inspetores acima e de alguns outros, saí em perseguição aos manifestantes.
288
Os policiais, reforçados pelas “rondas motorizadas”, alcançaram os
manifestantes nas imediações do Parque D. Pedro II. Segundo o relato do inspetor Joaquim
Gentil, responsável pela equipe policial, participavam da manifestação cerca de 150
287
“Reunião promovida pelos anti-integralistas na seda da Liga Lombarda”. Guarany, 15/12/1933. Prontuário
DEOPS/SP n. 577 da UTG. Vol.2.
288
“Relatório de atividade”. Inspetor Joaquim Gentil. 15/11/1933. Prontuário DEOPS/SP n. 188 de Hermínio
Marcos Hernandez.
218
pessoas. Ao se acercarem dos “elementos”, segundo ainda o relato do inspetor, “partiu um
tiro” do grupo antifascista. Nesse momento, como relatou Gentil “usei de minha arma,
fazendo disparos para o ar, seguido de outros por parte dos inspetores”. Na seqüência,
houve um violento tiroteio, ferindo o sapateiro anarquista Agostinho Farina. Após a
refrega, foram presos, além de Farina, os militantes José Martins, José dos Santos, Elias
Valente, Luiz Papero, Benedito Romano, Santiago Garcia Hernandez, Domingos Netto
Garcia, Raul Fernandez, Francisco Marino Ortiz, Luiz Troiano Hernandez, José Jarejó
Martinez, Antônio Perez, Elias Aisental, Manoel Guimarães, José Herra Botelho, Gastão
Massaud e Joaquim Ruiz, todos encaminhados ao cárcere “à disposição do delegado”.
Ainda sobre a citada reunião da FUA de novembro de 1933, é interessante notar
que esta contou, pela primeira vez, com o aporte “oficial” do C.R. do PCB de São Paulo.
Na reunião posterior, marcada para o dia 14 de dezembro, o próprio Comitê Antiguerreiro
fazia-se representar na mesa da conferência
289
. Embora contrariando a linha política do
partido, concebida pelo Komintern, o C.R. de São Paulo, por meio de seu encarregado de
Agit-Prop, Hermínio Sachetta, resolveu aproximar-se da frente antifascista ampliada. A
posição “independente” assumida por Sachetta e corroborada por outros membros da
organização, para além de antecipar a mudança na linha política do PCB, apontava (ainda
sob forma embrionária) os conflitos e as divergências do porvir, entre o C.R. de São Paulo
e o B.P. do partido, rebentadas de fato em 1937, por ocasião da sucessão presidencial.
290
A lua de mel “oficial” entre os comunistas de São Paulo e a FUA “duraria apenas
três comícios, o de 14 de novembro, o de 15 de dezembro e o de 25 de janeiro de 1934”
(CASTRO, 2004, p. 362). O último, marcado para o Largo da Concórdia, no Brás, mal se
realizou, devido à forte intervenção das forças policiais do Estado. No dia seguinte, João
Cabanas, ao entrar na sede da UTG dos gráficos, sofreria um atentado à bala por parte do
investigador do DEOPS, Cipriano Fraga. A refrega entre Cabanas e Cipriano criou o ensejo
para a invasão policial da UTG. Ali, naquela ocasião, seriam presos Aristides Lobo,
Luciano Raguna, Emílio Dupont, Luiz Videiro, entre outros (CAMPOS, 2000, p.233). A
repercussão do caso levaria à intervenção de Eneida de Moraes, responsável pela ligação do
PCB de São Paulo com o C.C. do Rio de Janeiro, contra a posição defendida por Sachetta.
289
Sobre o assunto, ver: “Reunião promovida pelos anti-integralistas na seda da Liga Lombarda”. Guarany,
15/12/1933. Prontuário DEOPS/SP n. 577 da UTG. Vol.2.
290
O assunto receberá melhor atenção no quarto capítulo do presente trabalho.
219
Apesar da reprimenda e da retirada dos organismos ligados ao partido comunista do quadro
de organizações apoiadoras da FUA, os militantes de base do partido continuaram a
participar das manifestações dos antifascistas. A não punição dos recalcitrantes, pelo C.R.
de São Paulo, demonstra certa conivência de sua direção com a orientação dada
anteriormente à intervenção do centro decisório do partido. Tal fato seria posteriormente
justificado por Sachetta, já então trotskista e crítico ferrenho das posturas do PCB: “mas eu
ia lá obedecer àqueles cretinos burocratas!” (MAFFEI, 1984, p.108).
Os conflitos entre antifascistas e integralistas se intensificariam em 1934,
explodindo em escaramuças nas ruas da capital e demais cidades paulistas. A primeira
grande refrega aconteceria em Bauru, por ocasião de uma passeata da AIB, programada
para ocorrer em 03 de agosto. A cidade era um dos principais entroncamentos ferroviários
do estado, com conexões entre as ferrovias Paulista, Sorocabana e Noroeste do Brasil
(NOB). Ali também estavam instaladas as oficinas da NOB, cujo trabalho de
arregimentação comunista havia conseguido trazer para a influência do partido o seu
poderoso sindicato. A partir da agitação promovida pelos ferroviários, foram organizados
os grupos para atacar o referido comício. Segundo o militante comunista e dirigente
sindical José Duarte: “durante o dia todo foi intenso o trabalho de convocação, de boca em
boca [...] O clima da cidade foi ficando tenso. Corria o boato de que haveria uma guerra
entre comunistas e integralistas” (MOMESSO, 1988, p.62).
Quando os tambores integralistas começaram a rufar na praça principal da
cidade, iniciando a passeata dos camisas verdes, os antifascistas, aquartelados no sindicato
da NOB, partiram para o ataque. Houve muita confusão e um intenso tiroteio, ferindo
manifestantes de ambas as tendências. Segundo ainda José Duarte, as bandeiras do sigma,
de São Paulo e do Brasil, foram arrancadas pelos antifascistas das mãos de dois delegados
de polícia, ambos integralistas e participantes de destaque na manifestação. Eram eles
Rolim Rosa e Elpídio Reale
291
. O último se tornaria delegado titular do DEOPS/SP durante
a intensa campanha repressiva, posterior à debelação da intentona comunista, a qual
ocorreria no ano seguinte. A assunção de Reali nos quadros da polícia civil, iniciada a partir
da caça aos comunistas após o levante, demonstra os laços existentes entre integralismo,
polícia e repressão ao comunismo, perdurando esses sem maiores restrições até pelo menos
291
Sobre o assunto, ver: MOMESSO, 1988, p.63.
220
1938, quando na vigência do Estado Novo, o partido do sigma também foi posto na
ilegalidade. Posteriormente, Reali, delegado respeitado dos quadros da agência, se tornaria
Secretário da Segurança Pública de São Paulo, demonstrando o prestígio político das
autoridades do DEOPS junto às esferas governamentais.
Os conflitos entre integralistas e antifascistas se ampliariam e tomariam as ruas
devido a uma mudança nas táticas de enfrentamento dos antifascistas. Esses passaram a
marcar suas manifestações para o mesmo local e hora das manifestações integralistas.
Quando a polícia resolvia proibir as manifestações da FUA, os líderes da entidade
desafiavam o DEOPS, confirmando que a manifestação anunciada ocorreria de qualquer
maneira, com ou sem a anuência do Estado.
A “provocação” das entidades estava embasada nos estatutos aprovados pela
nova Constituição da República, promulgada em 16 de junho de 1934. A nova carta,
embora tenha validado a legislação trabalhista e garantido a fruição dos benefícios legais
somente para os sindicatos reconhecidos pelo Estado, ampliou o direito de reunião,
retirando da polícia o predicado de aplicar qualquer modalidade de prisão preventiva sem
ordem judicial prévia. Mesmo nos flagrantes de delito, a prisão devia ser imediatamente
comunicada em juízo, e essa devia ser relaxada caso não cumprisse a ordenação legal. O
estatuto garantia a requisição do habeas corpus, “sempre que alguém sofrer, ou se achar
ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade, por ilegalidade ou abuso de
poder”.
292
Os jornais ligados aos grupos de esquerda de São Paulo, como A Platéia,
saudavam a nova carta, a qual, segundo os articulistas, abolira parte do poder discricionário
concedido à polícia.
A nova constituição aboliu a ditadura policial que havia no Brasil, e
principalmente em São Paulo, onde prestava, graças ao poder que dispunha,
grandes benefícios à política. Somos um dos países mais atrasados do mundo e o
nosso atraso se reflete sobretudo na justiça e na polícia [...] Em qualquer país
civilizado, a polícia prende e leva o preso sem demora ao juiz, para que ele
resolva a questão. Aqui a própria polícia tem seus bacharéis, que decidem por si
o destino das pessoas. A constituição resolveu tirar da polícia, nesse particular,
mais da metade de sua força [...] É justo, portanto, o desapontamento que lavra
no Gabinete de Investigações, onde os delegados e os agentes se lamentam por
não poderem mais prender, por simples suspeita, os batedores de carteira, os
punguistas, os criminosos vários, os passadores do conto do vigário e os
292
Sobre o assunto, ver os capítulos “Do direito e garantias individuais” da Constituição brasileira de 1934,
sobretudo as garantias reservadas pelo artigo 113 e seus diversos incisos.
221
comunistas, ‘autênticos agentes estrangeiros dos sovietes no Brasil, agitadores
contumazes que perturbam a ordem de São Paulo’
.
293
Do outro lado da trincheira, os policiais do DEOPS reclamavam das novas
amarras legais, as quais, “fatalmente”, atrapalhariam o “bom desempenho” da atividade da
polícia política. Afinal, a luta contra os “extremismos” era uma questão de defesa da
soberania nacional. Para os agentes, a repressão às atividades organizadas e influentes,
promovidas por comunistas e demais partidários da revolução social, não podia ser efetuada
respeitando-se as normas do direito. De acordo com a opinião das autoridades, a
especificidade do combate ao delito político, diferentemente do crime comum, requeria
tratamento diferenciado, e isso devia estar consubstanciado no âmbito ordinário da nova
legislação penal. Para aqueles que queriam subverter a ordem vigente, os policiais
recomendavam a ausência do direito.
Dentro do arcabouço jurídico vigente nenhum remédio pode ser encontrado para
salvar o país da fatalidade que o ameaça. A ação policial – preventiva e repressiva
– tropeça, esbarra e pára a cada momento de encontro com as sutilezas do
judiciário, inutilizando todos os esforços para a defesa da ordem e do regime
.
294
As novas liberdades constitucionais, embora tenha sido rarefeita sua aplicação
prática nas querelas de ruas entre trabalhadores e policiais, ampliaram o clima de agitação
política e social em São Paulo. Em outubro de 1934, o DEOPS confirmava a ocorrência,
durante aquele ano, de vinte e oito movimentos paredistas no estado, em categorias
diversas. Embora o anúncio policial estivesse acompanhado da informação de que
“nenhuma extensão e repercussão tiveram esses movimentos [...] obras de células
comunistas”, porquanto, na análise das autoridades, as greves não atingiram “nenhum
resultado prático”, apenas resultando em “certa propaganda para os comitês que as
organizaram, destruídos, entretanto pelo fracasso de seus resultados”,
295
foi em meio a esse
tenso ambiente político que os integralistas convocaram o seu grande comício em São
293
“Comunistas e Liberdade”. Artigo de Brasil Gerson publicado em A Platéia, 1934. Prontuário DEOPS/SP
n. 3096 de Brasil Gerson.
294
Relatório. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do PCB. Vol.6.
295
“Informação reservada” Delegacia de Ordem Social. 02/10/1934. Prontuário DEOPS/SP n.2.431 do PCB.
Vol.4.
222
Paulo, comemorativo ao segundo ano de fundação da AIB. A gigantesca manisfestação
devia ocorrer na Praça de Sé, em 07 de outubro.
A convocação da grande marcha integralista sobre São Paulo foi tomada pelos
antifascistas como uma provocação definitiva. A FUA resolveu agir e marcou um “contra-
comício”, para o mesmo local, data e hora. Os jornais dos grupos, como A Plebe, O Homem
Livre e A Platéia, lançavam em suas edições explosivas convocações para a manifestação
de repúdio ao integralismo. Os reservados do DEOPS (que, para além de freqüentar as
reuniões “subversivas”, recebiam a incumbência de registrar o lançamento e apreender,
para consulta policial, os jornais e boletins circulantes nos meio operário) procuravam
antecipar às autoridades informações sobre os preparativos dos antifascistas, realçando a
gravidade do caso da convocação, pelos partidários da revolução social, de um contra-
comício para o enfrentamento da manifestação integralista.
Dentro de outros assuntos tratados nos mesmos, salientam-se ‘as manifestações
integralistas que estão sendo preparadas para o próximo 07 de outubro, fazendo
propaganda para que tais manifestações não se verifiquem de forma alguma. Falam
ainda em ‘organizar brigadas especiais’ e etc, estabelecendo várias medidas para
impedir as comemorações integralistas. A linguagem empregada nestes boletins,
bastante inflamada, faz notar o estado de ânimo em que aqueles elementos
extremistas se encontram para com os integralistas.
296
Por outro lado, o gigante comício integralista reforçava o compromisso dos
ativistas da esquerda em combater o fascismo, ampliando a possibilidade de entendimentos,
em meio ao “esquecimento temporário” das diferenças políticas entre as tendências. A
última reunião dos antifascistas, na qual se definiram as estratégias dos diversos grupos
para organizar o ataque, realizada na sede da UTG, foi assim rememorada pelo militante
comunista do PCB Eduardo Maffei:
Durante uma disputa irritante entre líderes comunistas e trotskistas, Carmelo
Crispino, não tomando conhecimento da perlenga, pediu a expulsão dos camaradas
de Stalin e Trotski para que se pudesse combater o fascismo... [Orestes] Ristori
emendou. Como se estivesse conclamando multidões, pôs-se a falar. Só nos faltou
nos chamar de imbecis, pois enquanto os integralistas preparavam a ocupação das
ruas, nós, os antifascistas, estávamos nos perdendo em pendências nem sequer
ideológicas. E, ou se fazia à frente única, ou ele iria para as ruas só. Frolla,
chorando (jamais vi alguém que o tenha feito tão sentidamente para dar calor às
palavras), descreveu o ganho dos espaços urbanos e a tomada do poder por
296
“Comunicado reservado”. 05/10/1936. Prontuário DEOPS/SP n.2.431 do PCB. Vol.8 doc. 266.
223
Mussolini, enquanto seus opositores se entre devoravam como se estivessem numa
arena, sob os olhares complacentes das classes dominantes [...] Depois passou a
lamentar a irracionalidade das tricas partidárias. Todos nós, ouvindo em silêncio.
Depois falou Edgard Leuenroth, cordatamente. Disse pouco e falou muito. E foi
claro: só o objetivo, o impedimento da parada fascista, nos interessava (MAFFEI,
1984, p.79).
Acertadas as condições para o enfrentamento, os antifascistas iniciaram seus
preparativos militares. A definição das táticas de combate ficou ao encargo dos tenentes
João Cabanas e Euclides Krebbs. Os “grupos de ataque”, arranjados de acordo com as
afinidades ideológicas dos revolucionários, foram divididos como pelotões, cujo objetivo
era cercar a Praça e pressionar o palanque integralista, postado à frente das escadarias da
catedral. João Cabanas determinou os pontos de apoio logístico e preparou um grupo de
atiradores de elite, dispostos em pontos estratégicos, visando derrubar os chefes
integralistas. (MAFFEI, 1985, p.83).
O DEOPS, responsável pela segurança da praça, requisitou o apoio da Força
Pública (a qual alguns destacamentos, segundo o relato do comunista Eduardo Maffei,
testemunha ocular, desobedeceram seus oficiais e atuaram sob o comando de Cabanas
durante o conflito). Ninhos de metralhadoras foram instalados, cerceando os acessos à Sé
pelas praças Clóvis Bevilácqua e João Mendes. Os cavalarianos estavam a postos. Eram
cerca de 400 homens patrulhando a praça (MAFFEI, 1984, p.95). O cenário era de guerra:
“A tensão aumenta, delegados transmitem nervosamente. Os policiais estão tensos” (DIAS,
1983, p.31). Circundadas pelas suas próprias milícias, chegam à praça as falanges
integralistas vindas desde a Avenida São João. “Os chefes empavonados sobem as escadas
da catedral” (DIAS, 1983, p.31). Começaram então as manifestações contrárias, e os
integralistas reagiram. Tiros partiram de ambos os lados. A multidão integralista se desfez
entre tiros e correria. Os antifascistas avançaram para a praça. “Disparos saem de um prédio
que faz a esquina com a Rua Benjamin Constant. As metralhadoras postadas na Praça João
Mendes se voltam para a Praça da Sé, passam a disparar rajadas sem conta”. As milícias
integralistas resistiram, mas depois abandonaram a praça. O saldo final foi de trinta e quatro
feridos e seis mortos, entre antifascistas, integralistas e policiais. No conflito, morrem dois
inspetores do DEOPS, Hernani Dias de Oliveira e José dos Santos Bonfim.
Muitos antifascistas foram presos, tanto durante o conflito como depois deste,
quando tratavam-se dos ferimentos nas proximidades da praça. Nos dias seguintes à
224
batalha, a repressão recrudesceu sobre os grupos envolvidos. Tratava-se de procurar os
incitadores da contra-manifestação e apontar os responsáveis pelas mortes, inclusive dos
dois investigadores. A caçada policial atingiu comunistas, socialistas e trotskistas, mas os
prontuários do DEOPS demonstram como o cerco foi se apertando especialmente em torno
dos militantes da FOSP. Conforme o relato do célebre anarquista paulistano Jaime Cubero,
foram os anarquistas, num grupo que envolvia, entre outros, Juan Perez e Natalino
Rodrigues, os responsáveis pela tomada do ninho de metralhadora que, conforme o relato
do comunista Eduardo Dias citado no parágrafo anterior, voltou-se contra a praça atingindo
os integralistas e os policiais.
297
Nas palavras de outro comunista, Eduardo Maffei, os
anarquistas de São Paulo, “na luta se cobriram de glórias” (MAFFEI, 1984, p.83). Porém, a
intrepidez do assalto às metralhadoras reavivou a sanha policial, fazendo com que o
DEOPS/SP investisse decisivamente sobre os parcos recursos ainda existentes, da outrora
poderosa organização sindical dos anarcossindicalistas.
As velhas lideranças anarquistas eram respeitadas no movimento sindical de
São Paulo. O bom desempenho da reorganização da FOSP em 1931 confirmava o fato.
Porém, divergências sindicais contra as demais correntes revolucionárias, a intensa
repressão de 1932 e, sobretudo, o surgimento do sindicalismo corporativo, minaram
gradativamente o apoio dessas nas fábricas e nos comitês operários
298
. Entre 1933 e 1934,
os anarquistas mantinham-se fora do sindicalismo oficial, duramente combatido pelas
velhas lideranças. Essas não lograram obter o mesmo apoio e desempenho conquistado pelo
PCB nos sindicatos (cujos quadros passaram a atuar nas associações reconhecidas pelo
governo). Ao permanecerem fora do sindicalismo oficial, combatendo suas prerrogativas,
os anarcossindicalistas e seus sindicatos independentes, constantemente invadidos pela
polícia, foram perdendo terreno (e associados) para os sindicatos oficiais.
Na FOSP , após as últimas batidas policiais, nota-se grande desânimo. Outro fato
que veio a diminuir a freqüência das reuniões é ter a federação continuado a
persistir na limitação de propaganda do credo anárquico, não zelando
materialmente pelos interesses proletários. Por isso, as reuniões da Federação
Operária, que antigamente eram bem freqüentadas, contam hoje com reduzido
número de assistentes, na sua maioria, velhos militantes.
299
297
Sobre o assunto, vide entrevista de Jaime Cubero in: FERREIRA, 1997, p.06.
298
A implementação de novas leis pelo Estado, como a lei de férias aprovada em 1934 e estendida somente
aos sindicatos oficiais, garantia o esvaziamento dos sindicatos formados pelos libertários.
299
“Informe reservado”. José Vidotti, 12/06/1933. Prontuário DEOPS/SP n. 716 da FOSP. Vol. 2.
225
Em 1934, outro relatório redigido pela policia confirmava o esvaziamento do
anarcossindicalismo: os responsáveis pela agitação sindical eram os comunistas das
correntes stalinistas e os trotskistas. Das vinte e oito greves registrados no período, somente
a dos padeiros obedecia à orientação da FOSP. Embora onze sindicatos de categorias
diversas ainda mantivessem seus registros de filiação à federação, o número de associados
desses reduzia-se drasticamente. Segundo o relatório policial, a propaganda anarquista “no
momento é deficiente em São Paulo”. Os militantes ativos, sobretudo “espanhóis e italianos
em minoria”, limitavam-se agora a “publicação de boletins e jornais libertários, como A
Plebe, O Trabalhador e o órgão clerical A Lanterna.”
300
Tolhidos no seu campo de atuação privilegiado (os sindicatos), as discussões
dos militantes libertários nas assembléias da federação denotavam o clima de incerteza dos
ativistas em relação aos rumos futuros do movimento operário e do próprio
anarcossindicalismo em São Paulo. Numa dessas assembléias, contando com o aporte das
principais lideranças do sindicalismo anarquista na capital (como Francisco Cianci,
Francisco e João Navarro, Pedro Catalo, Amor Salgueiro, Florentino de Carvalho,
Hermínio Marcos, Arsênio Palácios, Luiz Paparo, entre outros), o reservado do DEOPS
presente optou por transcrever as discussões, ressaltando o clima de desânimo dos
militantes. Entre declarações como “o movimento proletário de São Paulo está cheio de
traidores”, e que das grandes lutas do operariado “o que restava era só sombra do passado”,
o reservado anotaria, como numa síntese, a frase de Luiz Paparo “os anarquistas vivem
sempre pensando, porém nada realizam. Que fizeram os anarquistas desde 1924? Nada!”.
Para ele e outros militantes, todas as discussões eram interessantes, “mas que é necessário
resolver algo praticamente”.
301
Esse “algo prático” foi a luta contra o fascismo, a qual mobilizou a combalida
militância anarquista de São Paulo para o combate de vida e morte contra o integralismo e o
modelo sindical do governo, cuja inspiração, como denunciavam os militantes, era
“corporativismo fascista de Mussolini”. Os militantes anarquistas se atiraram com vigor na
300
“Informação reservada” Delegacias de Ordem Social. 02/10/1934. Prontuário DEOPS/SP n.2.431 do PCB.
Vol.4.
301
Transcrição de assembléia da FOSP. Manuscrito. Prontuário DEOPS/SP n. 716 da FOSP. Vol.1.
226
luta antifascista, e episódios como a tomada de metralhadoras, na batalha da Praça da Sé,
não podiam ser de maneira alguma toleradas pela polícia política.
A reação que a polícia desencadeou contra os elementos militantes dos meios
libertários veio a demonstrar que, se os outros se pavonearam com a glória, os
anarquistas tiveram que arrastar sozinho com as conseqüências dos
acontecimentos, assumindo as responsabilidades. Como é sabido, logo pela
manha do dia 08, a sede da Federação Operária foi violentamente invadida pela
polícia prendendo quatro dos operários ali presentes, entre eles Juan Perez e
Natalino Rodrigues, fechando, a seguir, o salão, postando na porta, durante oito
dias, soldados de carabina empalada. No decorrer dos dias seguintes, muitos
outros companheiros foram presos.
302
Os reservados do DEOPS confirmavam a densidade da repressão e a intenção
de seus mentores. Segundo os relatos, após as prisões, “reina a maior desorganização no
seio da FOSP, pelo desaparecimento de seu chefe e de outros. E a sede da Rua Piratininga
fechou, por falta de dirigentes”.
303
A sanha policial detinha-se com especial atenção sobre
os militantes denunciados como “principais envolvidos nas ‘luctuosas’ ocorrências” do dia
07 de outubro. Entre esses, estavam Juan Perez e Natalino Rodrigues. “Diz-se mesmo que
talvez tenha sido ele o responsável pelo assassinato dos dois inspetores vitimados”.
304
Natalino fora preso no dia 08 na FOSP. Sobre Perez, o reservado não sabia se esse
encontrava-se detido ou não, pois nos meios anarquistas corriam boatos de que o ativista,
“sabendo do seu caso, ‘pirou’, parecendo que para a cidade de Barretos (sic)”.
305
Mesmo
assim o reservado considerava a prisão do espanhol Juan Perez fundamental para a
desarticulação total da FOSP, e recomendava aos seus superiores “Se Perez for expulso
dessa vez, julgo que a grande célula de anarquistas desta capital ficará, assim, acéfala”.
306
Natalino Rodrigues, padeiro, aparentemente foi o responsabilizado no
julgamento extra-oficial do DEOPS sobre a morte dos inspetores do departamento no
conflito da Praça da Sé. Embora os militantes anarquistas houvessem impetrado três habeas
corpus para liberar o padeiro – preso como suspeito principal de um caso que a polícia
302
Boletim da FOSP. Prontuário DEOPS/SP n. 716 da FOSP vol. 3.
303
“Informe reservado” Guarany, 19/10/1934. Prontuário DEOPS/SP n. 716 da FOSP. Vol.3.
304
Idem.
305
“Informe reservado” Guarany. 24/12/1934. Prontuário DEOPS/SP n. 716 da FOSP. Vol. 3.
306
“Informe reservado” Guarany, 19/10/1934. Prontuário DEOPS/SP n. 716 da FOSP. Vol.3.
227
efetivamente não logrou resolver
307
– os agentes, deliberadamente, resolveram esconder
Natalino das diretivas da justiça. Primeiro, os delegados negaram sua prisão, enquanto
tentavam embarcar o brasileiro Natalino no navio Annibal Benevolo para uma possível
expulsão. A intenção foi descoberta, e os jornais libertários iniciaram campanha para
cumprir o habeas corpus deliberado pela justiça. Natalino foi liberado somente quando o
Juiz Pedro Chaves compareceu pessoalmente ao DEOPS para fazer valer o mandato.
Passados alguns dias, novamente os policiais prenderam o anarquista. Nessa segunda
ocasião, o delegado Ignácio da Costa Ferreira, rasgando o pedido de habeas corpus, enviou
Natalino para o DEOPS do Rio de Janeiro. O intuito era manter o preso naquela cidade até
o seu caso “esfriar” em São Paulo. Solto novamente por ordem da justiça, Natalino seria
detido durante a repressão de 1935 e transferido para o Manicômio Judiciário em abril de
1936, voltando aos cárceres do DEOPS em dezembro do mesmo ano. Não obstante, o
militante libertário, fugiu do presídio político em 1937.
308
O tratamento do DEOPS dispensado a Natalino e demais militantes anarquistas
de São Paulo, num momento marcado pelo enfraquecimento cada vez mais visível dos
libertários no movimento sindical, teve efeitos duradouros sobre a combalida FOSP. Esta,
efetivamente, não se recuperou do golpe. Em 1935, os reservados, ainda vigilantes nas
reuniões da federação, confirmavam: “não se tem cogitado sobre atentados terroristas,
pessoais e coletivos, quando Natalino Rodrigues e Juan Perez freqüentavam aquela sede e
estes planos ali se concentravam”. Outro diria ao “amigo e chefe Luiz Apolônio: tudo
calmo no setor revolucionário...dir-se-ia a inexistência dessa gente”. O reservado Antônio
Vidotti, em junho de 1935, num relatório, confirmava a decadência da federação:
FOSP – Essa federação que reuniu antigamente diversos sindicatos livres da
capital esta passando por um período de grande desorganização. Atualmente,
somente dois sindicatos não reconhecidos a integram oficialmente. O sindicato dos
sapateiros e dos padeiros. Os demais estão quase todos esfacelados, não mais
307
Em 1940, quando da queda do C.C. do PCB no Rio de Janeiro, durante o interrogatório de Noé Gertel, que
participou do conflito da Sé em 1934, o assunto da morte dos investigadores voltou à baila, com os policiais
tentando arrancar uma confissão do militante comunista como o assassino dos agentes. Gertel negou o fato.
“Auto de declaração de Noé Gertel” DEOPS/RJ 15/05/1940. Arquivos do Cedem/Unesp. Fundos D.K. caixa
2. Eduardo Maffei, no seu A batalha da Praça da Sé, afirma que os policiais foram mortos por um militante
comunista lituano. Segundo o autor, o lituano “me relatou o fato em março de 1975, quando da Libéria, veio
visitar amigos em São Paulo” (MAFFEI, 1984, p.92).
308
Sobre o assunto, ver: Prontuário DEOPS/SP n.1286 de Natalino Rodrigues.
228
aparecendo na sede os seus sócios. Esta está para ser mudada, não tendo sido
escolhido o novo prédio onde funcionará
.
309
A mudança de endereço era outro sintoma da decadência, afinal, com o
esvaziamento da federação, não havia mais como arcar com as despesas de aluguel do
prédio, três meses atrasados. Como uma última ironia, a incumbência de procurar um novo
endereço para a sede foi delegada a um espião do DEOPS, o agente Guarany, o qual, nos
últimos dois anos, havia efetivamente colaborado com o próprio desmantelamento da
outrora poderosa organização sindical. Guarany afirmaria aos seus superiores que, por
causa dessa tarefa delegada, não poderia estar presente na reunião da ANL.
310
A FOSP,
moribunda, resistiria ainda mais dois anos abrindo e fechando suas portas. Qualquer
tentativa de reavivamento podia contar com a certa interferência policial, interessada em
manter a asfixia sobre o antigo centro libertário. Sua sede seria definitivamente fechada
pela polícia em 1937, com a declaração do Estado Novo.
309
“Informe reservado” José Vidotti, 09/05/1935. Prontuário DEOPS/SP da FOSP n. 716. Vol.3.
310
“Informe reservado” Guarany. 17/05/1935.
229
4. A formação da ANL, a intentona comunista e o reinado do terror policial.
Nesse assunto de comunismo, estava decidido a uma repressão severa. Quem estivesse de acordo, que me
seguisse: quem não estivesse, que se afastasse.
Getulio Vargas. 05/12/1935.
Casos como do padeiro anarquista Natalino Rodrigues, escondido pelas
autoridades quando preso para que não se cumprisse o hábeas corpus requerido pela justiça
(a qual, sobre pressão da notoriedade do caso e das denúncias dos antifascistas,
desautorizou o procedimento arbitrário da prisão seqüestro tão comum na metodologia de
ação da polícia política), tornar-se-iam uma prática recorrente no DEOPS/SP durante a
vigência do breve interregno constitucional do regime, instaurado pela constituição de
1934. Abrir mão de parte do poder extra-oficial de justiça sob os setores sociais
considerados “propriedade da polícia” interferia no modo de operação elaborado e
valorizado pelos policiais ao longo da existência do órgão. As autoridades dos DEOPS
pressentiam, nas novas determinações legais, o enfraquecimento de seu poderio no cenário
social e político. A possibilidade da interferência mais vigilante do judiciário nos assuntos
do policiamento, proposta pela nova constituição, era constantemente questionada, ou
mesmo desafiada, pelas autoridades policiais, as quais, como vimos anteriormente,
contavam mesmo com a anuência de alguns juízes para impor ainda seus predicados de
justiça
311
. Aproveitando-se do regime de liberdades instaurado pela constituição, os
partidários da revolução social denunciavam as práticas “ilegais” da polícia. A Comissão
Jurídica e Popular de Inquéritos (CJPI), formada ainda em 1934, publicava nos jornais de
grande circulação artigos cujo objetivo era apontar os desmandos das práticas de prisão
seqüestro, levadas e efeito pelo DEOPS contra os partidários da revolução social.
A Comissão Jurídica e Popular de Inquérito (São Paulo), na defesa das liberdades
do povo, vem impetrando inúmeros hábeas corpus a vários trabalhadores manuais
e intelectuais [...] constatando que tais presos estão submetidos a um regime de
torturas e incomunicabilidade. O poder judiciário, requisitando informações da
polícia, está, no entanto, na impossibilidade de deferir as ordens requeridas,
segundo os despachos proferidos, visto que os delegados carcereiros dos presos, da
ordem política e social, tem negado as inúmeras prisões que vem efetuando nesta
311
Nota n.165.
230
capital e em todo interior. As buscas e apreensões não tem dado resultado legal,
visto que a polícia remove os presos, de um lado para o outro, dificultando a ação
dos advogados.
312
Alguns casos atingiram ampla divulgação e notoriedade no período, como o da
jovem romena Genny Gleizer
313
. Para os policiais do DEOPS, o regime constitucional, se
seguido à risca em suas determinações para o procedimento das detenções de militantes
“contumazes” da revolução, garantia certa inoperância da agência frente à perigosa agitação
comunista. Aliás, os policiais do DEOPS criticavam a liberalidade do regime, pois esse
garantia ao PCB reorientar seu programa político e formar organizações de fachada legal,
cujo princípio era ampliar a influência do partido e também a agitação contra o regime e a
própria polícia. Esse era o objetivo da própria CJPI.
O trabalho de simpatização tomou ainda um aspecto novo, qual seja o de apontar
as atividades policiais e a própria polícia como instituições inimigas do povo e
sustentáculos da burguesia imperialista. Para desmoralizar e desacreditar a polícia,
constituiu-se no país, com ramificações em São Paulo a ‘Comissão Jurídica e
Popular de Inquérito’, criação do partido comunista e formada por advogados e
intelectuais diversos, militantes e simpatizantes, o qual desenvolveram campanha
pela imprensa e se entregaram a trabalhos concretos [...]
314
Os policiais do DEOPS acompanhavam com interesse a mudança de orientação
política do PCB. Os comunistas haviam formado a Frente Única Sindical (FUS), a partir do
Sindicato dos Bancários, o qual, segundo os policiais, sob direção de Alvaro Cecchino,
havia se “transformando (sic), isto é notório, num verdadeiro clube político de propaganda
extremista
315
”. A influência comunista fazia-se crescer em diversas corporações da capital.
Antes mesmo de a polícia proibir as reuniões nos bancários, surgiria a Frente Única Popular
312
“Em defesa das liberdades populares” Artigo da Gazeta Popular de Santos, 1935. Prontuário DEOPS/SP
n. 262 da Associação Jurídica do Brasil.
313
Genny Gleizer, menor, judia, romena, tecelã, presa na saída de uma sessão do Congresso Estudantil
planejado, segundo o DEOPS, pela juventude comunista – e acompanhado por secretas do órgão que
delatavam as “manobras de agit-prop do PCB junto à mocidade da capital” – passou por uma verdadeira via-
sacra de transferências de prisões para ocultá-la do hábeas corpus impetrado pela justiça de São Paulo. A
polícia, negando deliberadamente à imprensa a detenção da jovem, ocorrida em 15 de julho de 1935, só foi
apresentá-la aos jornalistas no momento de seu embarque para a Europa, acontecido em setembro do mesmo
ano, quando o relaxamento da prisão foi invalidado por uma portaria de expulsão expedida em 21 de agosto.
Sobre o assunto, ver: FLORINDO, 2000. O prontuário DEOPS de Genny Gleizer é o de número 209.
314
“A propaganda comunista no Estado de São Paulo”. Delegado de Ordem Social, 10/07/1935. Prontuário
DEOPS/SP n.2431 do PCB vol. 9.
315
“Informação n. 253”. Delegado de Ordem Social. 08/08/1935. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do PCB.
Vol.5.
231
(FUP). “A Frente Única Popular, que a pouco se fundou nesta capital é mais uma manobra
do PCB para dar um aspecto legal para suas manifestações [...] tanto a Frente Única
Sindical como a Frente Única Popular tem um insano programa”.
316
Em consonância com
os novos tempos, porém, sem abandonar seus tradicionais parâmetros, os agentes do
DEOPS afirmavam: “estar organizando inquérito a este respeito, tendo ouvido todos os
diretores de sindicato, podendo adiantar que os metalúrgicos legalmente constituídos não
aderiram nem aderirão à FUS, por terem percebido suas manobras políticas”. Temeroso
frente à possibilidade de estar sendo observado por um secreta delator, o representante do
Socorro Vermelho na referida reunião da FUP, Arnaldo Petinatti, havia comparecido
“espontaneamente” à delegacia para denunciar o caráter comunista da nova organização. As
declarações de Petinatti seriam utilizadas no inquérito como prova testemunhal da
irrefutável finalidade da nova organização mantida pelos comunistas.
Tendo assistido uma reunião da Frente Única Popular no salão da Liga Lombarda,
cujo fim era dar apoio a Comissão Jurídica e Popular de Inquéritos, verificou a
inutilidade da mesma, porquanto ali apenas estava em jogo a propaganda
extremista, que embora nela representando o Socorro Vermelho Internacional,
reconhece também a inutilidade da ideologia comunista para as massas
trabalhadoras, comprometendo-se, por isso, a não adotar para o futuro esse ideal.
317
Para os policiais do DEOPS, o surgimento de novas organizações mantidas pelo
PCB, para ampliar seu trabalho “legal”, estava em consonância com uma nova linha
política adotada pelo partido, já interceptada e identificada pela polícia.“Por aí se observa à
reviravolta profunda do PCB, por intervenção direta da ‘internacional’ e do ‘bureau latino-
americano’. O traço de todas essas ‘novas’ organizações [...] é a preparação febril de
amplos movimentos operários e populares”. A política do 3
o
período, preconizada pela
Internacional de Moscou, orientadora da linha política do partido desde o final da década de
1920, era substituída novamente pela valorização das frentes amplas. Em meados de 1935 o
Komintern instruía seus partidos filiados a se aliarem aos anteriormente combatidos sociais
democratas e demais correntes contestadoras. As frentes populares voltavam à baila na
política preconizada por Moscou, pois a cúpula do comunismo internacional, reorientando
sua orientação geopolítica, passou a considerar vital a tática da formação dessas frentes,
316
“Informações”. Delegacia de Ordem Social. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol.1.
317
“A propaganda comunista no Estado de São Paulo” Delegado de Ordem Social, 10/07/1935. Prontuário
DEOPS/SP n.2431 do PCB vol. 9.
232
costuradas com outros setores da esquerda, para ampliar a luta contra o fascismo, o
imperialismo e a conseqüente defesa da União Soviética (esta última demanda, fator
proeminente da orientação política stalinista). Nos países latino americanos, considerados
semi-coloniais e sob influência da luta entre o imperialismo inglês e o americano, a tática
revolucionária previa primeiro uma ampla revolução democrático-burguesa anti-
imperialista, na qual o proletariado e o seu partido deviam assumir um papel preponderante,
antecipando os caminhos da vindoura revolução socialista
318
. A importância dos países
latinos, na conjuntura política, estava garantida na estratégia desencadeada pelo centro
nervoso da revolução mundial. Como diria Georgi Dimitrov, novo dirigente influente da
Internacional de Moscou: “a questão latino-americana é de suma importância, pois as
fórmulas desenvolvidas nesse terreno servirão de precedentes para regiões similares”
(DULLES, 1977, p.418).
Concomitantemente à mudança estratégica das diretrizes da Internacional, era
fundada, em 30 de março de 1935, no Rio de Janeiro, a Aliança Nacional Libertadora
(ANL). A aliança estava destinada a formar uma frente ampla de muito maior envergadura
do que as tentativas anteriores, das frentes antifascistas de 1933 e 1934. Embora a luta
contra o integralismo fosse um amálgama importante da nova organização, a ANL – que
assim como a antagônica AIB tornar-se-ia um movimento de massas – foi constituída com
bases políticas mais amplas, consubstanciada por proposições para além do combate ao
fascismo
319
. Seus articuladores iniciais pertenciam aos círculos militares do deserdado
tenentismo, como Hercolino Cascardo (seu presidente), Amorety Osório (vice), Roberto
Henrique Sisson, e também civis oriundos das classes médias, como o jornalista Benjamim
Cabello, o deputado Abguar Bastos e o advogado Francisco Mangabeira. Os grupamentos
da esquerda revolucionária aderiram à frente, caso dos trotskistas (com restrições ao caráter
nacionalista da aliança) e anarquistas (adesão limitada ao combate ao fascismo). O PCB,
apesar de não ser o criador da frente, tornou-se um dos seus principais animadores. O
partido foi também o co-ator responsável pelo viés conspirativo assumido pela aliança, isso
318
Sobre o assunto, ver: PINHEIRO, 1991; VIANNA, 1992.
319
Esse incluía a anulação de todos os débitos com as nações imperialistas, nacionalização das empresas
estrangeiras, liberdades públicas, direito ao governo popular, distribuição dos latifúndios rurais aos pequenos
camponeses, e proteção aos pequenos e médios proprietários. Vide PINHEIRO, 1991, p.273.
233
devido à união entre os comunistas e os tenentes de “esquerda”.
320
A imposição, via
Moscou, de Luis Carlos Prestes como dirigente do PCB, e sua sugestão para a Presidência
de Honra da aliança, demonstra o aval do Komintern ao direcionamento político imprimido
à ANL
321
. Para os policiais, o surgimento da poderosa instituição era um agravante sem
precedentes, em face ao quadro de crescentes “perturbações à ordem promovida pelos
partidários de Stalin”. E desde o seu início, a delegacia voltou suas baterias contra a nova
organização.
O movimento desenvolvido pela ANL (que podemos tachar de movimento próprio
do Partido Comunista) esta merecendo atualmente todas as atenções da polícia,
porquanto aquela aliança, congregando todos os esquerdistas da capital e do
interior, infiltrando suas idéias subversivas em inúmeros sindicatos, preocupa com
razão os que precisam zelar pela ordem pública.
322
Assim como as demais organizações fomentadas anteriormente pelos
“elementos” das esquerdas de São Paulo, a ANL sofreu uma sistemática campanha de
infiltração pelos reservados do DEOPS/SP. As reuniões de seus comitês de fábricas e de
bairros eram acompanhadas pelos secretas, os quais delatavam as lideranças e qualificavam
as ações da militância. Posteriormente, essas informações eram sistematizadas em relatórios
que apontavam os principais líderes de cada bairro, e, quando possível, acompanhado dos
seus endereços. Esse é o caso do relatório “Líderes subversivos da Zona do Ipiranga”,
arrolado ao prontuário do partido socialista, indicando diversos indivíduos envolvidos na
divulgação e nos trabalhos de organização do núcleo aliancista daquele bairro operário.
Entre outros, o relatório apontava as atividades do “ex-capitão da coluna Prestes Tocantins
Brasilian, ex-líder do núcleo do distrito acima”, o dr. Giraldes Filho, “encarregado por
Cabanas para organizar o núcleo socialista”, o dentista Reinaldo Martinelli, “atual dirigente
320
Segundo Marli Gomes de Almeida Vianna: “Os tenentes não abandonaram a idéia de serem as forças
armadas à vanguarda revolucionária do país, e os comunistas, por sua vez, trabalhavam com uma visão
idealizada e fantasiosa a respeito da ‘luta armada das grandes massas’ para a tomada do poder. Desde a
fundação da ANL a união dos tenentes com o PCB indicava o caminho conspirativo que a aliança manteve
sempre e que se fortaleceu com o seu fechamento” (VIANNA, 1992, p.124).
321
Como afirmavam os documentos internos do PCB apreendidos nas batidas policiais. “O surgimento da
ANL foi conseqüência da compreensão, pelo partido, do caráter da revolução brasileira e de suas forças
motrizes. Ela nasce precisamente quando começam aparecer as condições necessárias para a formação de uma
ampla frente anti-imperialista dentro do qual o proletariado pudesse assumir seu papel de vanguarda na luta
do povo”. “Teses da Conferência Regional do PCB de São Paulo”. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB.
Vol.2.
322
“Informe reservado” Guarany 07/06/1935. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol.2.
234
da ANL no bairro”, O dr. Irabussu Rocha, membro do SocorroVermelho, “que apesar de
não fazer parte de partido político de espécie alguma, inaugurou na Rua Silva Bueno um
consultório onde costuma dar consultas gratuitas para elementos esquerdistas”.
Aproveitando-se da ocasião, o policial encarregado da elaboração da peça apontava
também a informação de que na casa de Nicolino Perricone de Lucca, “costuma realizar
reuniões de células comunistas”, e na casa de Luiz Gama, situada à Rua Lima e Silva n.715,
“costuma realizar reuniões de grupos anarquistas”
323
.
A infiltração atingiu até mesmo o núcleo dirigente da ANL em São Paulo. Em
junho de 1935, numa reunião do Diretório Estadual, presentes Caio Prado Junior, o
dirigente regional, além de Hildebrando Queiroz e Hygino Zambano, o reservado Rubens
recebeu uma missão especial, a qual era percorrer as principais cidades do interior do
estado, com o objetivo, bem definido, como disse Caio Prado, de “saber realmente o que
existe de concreto e positivo, particularmente no setor sindical, porque não queremos dar
pulos no escuro”. O reservado do DEOPS recebeu credenciais da aliança e do sindicato dos
ferroviários da antiga São Paulo Railway (ou SPR). Para abster a “curiosidade da polícia”,
o secreta viajaria disfarçado de vendedor, recebendo um prospecto de fogões para tal fim.
Ligações com as lideranças locais das cidades foram fornecidas, assim como dinheiro e
garantias de que “em determinados trechos a viagem ser-me-ia facilitada por automóveis
aliancistas”.
Assim, munido de todas as facilidades, como requeria sua missão especial, o
policial Rubens percorreu diversas cidades do interior paulista
324
. As ligações efetuadas,
principalmente com militantes do PCB, forneceram ao reservado um detalhado e minucioso
organograma da ANL e do partido pelo interior do estado. O delator disfarçado apontaria
ao DEOPS a situação nos diversos sindicatos, as estratégias locais de luta, os pontos de
ligação entre os diversos setores, os núcleos onde a formação de brigadas de choque para
enfrentar integralistas e policiais já estavam adiantadas, os estoques de armamentos e
munições, os nomes de destaque na agitação e propaganda, entre outras informações
enriquecedoras do conhecimento das autoridades sobre a situação orgânica da ANL, e
323
“Relatório confidencial: líderes subversivos da Zona do Ypiranga”. 20/06/1935. Prontuário DEOPS/SP n.
1009 do PSB. Vol. 1.
324
Sobre o assunto, ver também FLORINDO, 2000.
235
mesmo do PCB, em São Paulo. Concluindo o relatório da viagem, o qual foi encaminhado
ao DEOPS, diria o reservado.
Finalmente, conclui-se que estamos realmente as portas de um grande movimento,
que terá em princípio caráter grevista e logo tranformar-se-a em movimento
popular. Os dirigentes aliancistas ‘sindicais’, ‘unitários’, etc, se esforçam para que
os próximos movimentos operários e populares não sejam regionais e estaduais, e
sim, nacionais. Daí a importância dada aos marítimos e ferroviários, por serem as
corporações mais importantes nas forças trabalhistas do país. Os movimentos
gerais e parciais terão início logo que observarem uma certa igualdade orgânica
nos principais centros do país (São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Rio Grande
do Sul e etc.), e logo que amadurecer a agitação e preparação ideológica das
amplas massas.
325
Os policiais do DEOPS, paralelamente ao trabalho de repressão às greves do
período e de prevenção, e mesmo proteção, dos camisas verdes nos encontros de aliancistas
e integralistas nas ruas, recolhiam essa miríade de informações sobre a aliança com o
objetivo de enquadrar o diretório estadual nos estatutos da nova legislação do crime político
e social. A Lei de Segurança Nacional (LSN) havia sido promulgada em 04 de abril de
1935, cinco dias depois do lançamento oficial da ANL. O novo estatuto correspondia aos
anseios de setores das elites políticas e oficiais de alta patente do exército, os quais, desde
fins de 1934, defendiam a necessidade de limitar as liberdades constitucionais como meio
de arrefecer o clima de “agitação e desordem”. Para esses, era visível o acirramento da
“subversão” desde a promulgação da constituição. Em janeiro de 1935, Vicente Raó e Raul
Fernandes encaminharam ao Congresso Nacional o projeto da nova lei, tendo essa sido
aprovada com algumas emendas.
A LSN, nos seus sete capítulos, especificava minuciosamente os crimes de
ordem política e os crimes de ordem social, prevendo procedimentos jurídicos e penas para
todas as ocasiões e situações de “desordem” conhecidas e possíveis. A nova legislação
garantia também que “todos os crimes definidos nesta lei serão processados na Justiça
Federal e sujeitos a julgamento singular”. A lei centralizava a justiça dos crimes políticos e
sociais no âmbito Federal – determinando um novo papel para a Justiça Estadual como
órgão preparador do processo jurídico
326
– garantindo aos DEOPS um novo arcabouço legal
325
“Informe reservado”; Rubens, 28/05/1935. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do PCB. Vol. 5.
326
Sobre o assunto, ver Capítulo VI de “disposições geraisda Lei n. 38 de 04 de abril de 1935. Uma cópia da
LSN pode ser observada em TERRA, 1939, p. 147 a 158.
236
para sua atuação, agora definitivamente diferenciado das organizações policiais destinadas
a conter o crime comum. Uma nova perspectiva para a imposição do poder discricionário
da polícia se inaugurava, ao mesmo tempo em que o departamento era alçado à condição de
braço vigilante do poder central – isso sem perder seus vínculos com a polícia civil de São
Paulo (como salientado no primeiro capítulo). Desde o momento em que o projeto de lei
entrou em tramitação no Congresso, os velhos militantes da revolução social – cuja
experiência das lutas nas décadas anteriores havia ensinado sobre o aperfeiçoamento da
legislação como a antecâmara do recrudescimento da repressão – não duvidavam da
aprovação rápida da lei e de sua aplicação, com todos os seus rigores, sobre os militantes e
suas organizações. Como diria José Oiticica ao companheiro Rodolfo Fellipe e demais
integrantes de A Plebe: “a lei monstro virá. Não tenhamos ilusões. Estou arranjando o meio
de dar o fora antes que me apanhem. Vocês devem fazer o mesmo, não acham?”
327
Os policiais de São Paulo consideravam ter recolhido informações suficientes –
por meio de infiltração e de apreensões de relatórios e boletins de militantes detidos nos
movimentos paredistas – para elaborar um amplo processo documentado de indiciamento
da ANL e de seus membros. A organização da frente ampla, desde sua formação, havia sido
apontada como “uma ampla organização político – social visando transformar a ordem
social na sua primeira etapa, através de movimentos parciais e gerais (greves e etc.) e
finalmente numa grande insurreição popular”
328
. Os policiais, durante o período de
recolhimento de informações e provas documentais, se esforçavam para corroborar a
imagem do caráter comunista da nova organização. Para as autoridades, a decretação da
ilegalidade da ANL era uma questão de tempo. Os agentes selecionavam informações para
consubstanciar os processos legais e aguardavam o momento de lançar seus efetivos na
caça dos aliancistas, sem as restrições e os impedimentos da justiça.
No entanto, isso não queria dizer que o DEOPS aguardava passivamente, sem
exercer seus atributos repressivos. Os relatórios policiais confirmavam o bom desempenho
da ANL paulista, a qual havia logrado obter amplo apoio entre as classes populares da
327
“Carta de José Oiticica a Felipe”. Rio de Janeiro, 31/02/1935. Prontuário DEOPS/SP n. 860 de José
Oiticica.
328
“Informe reservado”. Rubens, 31/05/1935. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol.5. doc.459.
237
capital
329
. Para os policiais, era fundamental manter seu poderio baseado no temor sobre os
ambientes sob estrita vigilância. Embora criticada pela imprensa de esquerda, em meio à
vigência das novas liberdades constitucionais, as demandas de imposição da força, de modo
arbitrário, nunca foi abandonada pelos policiais de linha quando atuavam no seio da classe
operária, reprimindo as greves e demais manifestações dos partidários da revolução social.
A contenção violenta às paredes do período combinava-se a outras ações, as quais tinham
como escopo dirimir a influência da ANL em todas as camadas da sociedade. Mesmo a
tática da “intriga”, utilizada anteriormente no momento da sindicalização operária como
meio de acirrar as divisões entre as correntes de esquerda, era adaptada às novas demandas
do policiamento.
O DEOPS sabia que o caráter político imprimido à ANL pelos comunistas e
tenentes radicais desagradava outros membros da aliança, incomodados com as atividades
conspirativas dos grupos, amplamente denunciadas pelas autoridades. A pecha de
colaboração com atividades comunistas podia ser explorada pelos policiais junto aos
membros descontentes da ANL, os quais podiam ser cooptados para atividades de
colaboração com a polícia. Concomitantemente à decretação da ilegalidade da aliança, os
policiais de São Paulo desenvolviam esse trabalho desagregador com o “nosso amigo”
330
,
um importante membro do diretório paranaense, provavelmente oficial militar. “Nosso
amigo” levava os policiais do DEOPS como convidados, em suas viagens de ligação com
os outros núcleos aliancistas, espalhados pelo interior de São Paulo e Paraná. O destacado
dirigente era recebido com intimidade por oficiais do exército “envolvidos nos trabalhos
conspirativos”, pernoitando nas fazendas desses militares e delatando, ao policial
acompanhante, para além das conversações reservadas, os pontos de apoio logístico e os
arsenais de armamentos e munições dos aliancistas, muitas vezes guardados nos próprios
locais de pernoite. Planos militares para serem postos em prática no momento de
desencadeamento da insurreição também eram apontados, como a ordem para “inutilizarem
entroncamentos ferroviários, como o compreendido entre Cruzeiro e Taubaté”.
329
Sobre o assunto, ver: “A propaganda comunista no Estado de São Paulo”. Delegado de Ordem Social,
10/07/1935. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB vol. 9.
330
“Observações feitas no Estado de São Paulo e Paraná”. Julho de 1935. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do
PCB vol. 11.
238
No dia 11 de julho, data do fechamento da ANL, “nosso amigo” encontrava-se
em São Paulo em contato com as lideranças locais da organização (e também com o agente
da polícia). “Pouco demoramos ali, pois a notícia do fechamento da aliança fez mudar o
bom humor do ‘nosso amigo’, que (sic) resolveu abreviar sua permanência em São
Paulo”
331
. No dia seguinte, “nosso amigo” entregou uma carta do diretório paranaense, “na
redação de A Gazeta, local onde demorou, conferenciando, naturalmente, com o doutor
Cásper Líbero”. Após sair do jornal, “nosso amigo” encontrou-se com o Tenente Branco,
na Moóca. Segundo o policial acompanhante, o fechamento da ANL havia modificado as
convicções “colaboracionistas” do “nosso amigo”. “Notando o pouco interesse em auxiliar-
me, insisti para que não me deixasse embaraçado junto aos meus chefes”.
332
Após algumas
lamúrias, o “amigo” ratificou o compromisso, entregando a fazenda do Coronel Delphino
Cerqueira como arsenal militar e ponto escolhido para o refúgio e a resistência dos
aliancistas, no caso de deflagrada alguma rebelião. Na noite daquele mesmo dia “tivemos
conhecimento que a polícia preparava-se para impedir um comício em protesto ao
fechamento da ANL. Chegamos mesmo a assistir o princípio da ação da polícia”.
333
Posteriormente, ambos seguiram para o Paraná, onde o camarada era “esperado com
ansiedade pelos conspiradores”, porquanto podia trazer ordens “para uma reação qualquer”.
Em Curitiba, relataria o policial, o “nosso amigo” estava de posse de diversos documentos
comprometedores, “e com prazer soube que o mesmo tenciona presentear-nos. Os referidos
compõem-se de várias cartas escritas de próprio punho por elementos envolvidos na
conspiração, mapas e outros que muito devem interessar”. No final da viagem, o “amigo”
ainda ditaria ao policial as condições para a entrega de seu acervo documental.
Estou em condições de desmascarar os conspiradores a qualquer hora, com dados
precisos e documentos irrefutáveis. Entretanto só farei se essas provas forem
levadas à Câmara. Não desejo fornecê-las para serem reservadas em arquivos,
porque isso eu faria porque gosto, e mesmo porque, tendo comigo, estou habilitado
para servir o meu ponto de vista
334
.
331
“Observações feitas no Estado de São Paulo e Paraná”. Julho de 1935. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do
PCB vol. 11.
332
Idem.
333
Idem.
239
Um dia antes da decretação da ilegalidade da aliança, o DEOPS já havia
concluído um minucioso inquérito policial contra o diretório paulista da organização,
corroborando a idéia de que a medida de fechamento da ANL já estava de antemão
arquitetada e era de conhecimento dos policiais paulistas. Esses, aliás, encerravam o
relatório afirmando a necessidade, contra o trabalho de alianças efetuado pelas
organizações de esquerdas, de se promover “um trabalho de frente-única”, por parte dos
aparelhos do Estado e demais organizações responsáveis pela defesa da ordem social
vigente. Seu intuito era desarticular “o extremismo de maré montante”, cuja difusão
ameaçava seriamente o país. A ênfase no caráter conspirativo da ANL, enfatizando sua
obediência às ordens de uma potência estrangeira (no caso a URSS), interessada em
transformar o Brasil em “feudo de Moscou”, confirmava, de forma alarmante, o quanto
aquele momento exigia a dispensa das “medidas brandas de justiça”, requerendo, por outro
lado, a afirmação e o reforço de uma política de contenção à ferro e fogo. A peça policial,
recheada de provas documentais e testemunhais da atividade de conspiração contra a ordem
política e social, cuidadosamente recolhidas, selecionadas e comparadas pelas autoridades
policiais, confirmavam as diretrizes do Komintern para a deflagração de revoluções anti-
imperialistas na América Latina. Existiam, nos prontuários da delegacia, documentos
interceptados pelos policiais (como algumas correspondências entre o C.C. do PCB e o
Bureau Latino da Internacional) corroborando a tese das autoridades dopsianas sobre o
papel fundamental da ANL no novo arranjo político dos comunistas. Por fim, os
documentos do partido eram comparados aos boletins da aliança, procurando exemplificar a
ligação intestina das duas organizações. Para as autoridades policiais, a nova tática do
comunismo ia de vento em popa na América do Sul: “tais aparelhos já estão organizados
no Brasil e no Peru, onde a Associação Peruana dos Revolucionários Anti-imperialistas
(APRA) era chefiada por um êmulo de Prestes, Haya da La Torre”.
Outra comparação, efetuada no inquérito, transformada em prova da ligação
PCB – ANL, era a análise do próprio organograma funcional da organização, o qual, para
os policiais não passava de cópia do modelo de organização dos comunistas, isso das
células aos comitês deliberativos. “Além da organização externa da aliança, muito
conhecida, há sua organização interna, de feitio bastante reservado [...] constituem eles,
cópia exata da organização interna e auxiliares do PCB”. O documento arrolava dezenas de
240
associações, desde sindicatos, centros culturais, clubes de estrangeiros, entre outros, que
haviam aderido à ANL, assim como outra centena de nomes de indivíduos, transformados
em “agentes de Moscou” por participarem ou simpatizarem com os princípios dessa nova
organização conspiradora. Para os policiais, a perigosa atividade da aliança, com seus
planos de sabotar linhas férreas e de criação de brigadas de combate, confirmavam a rápida
evolução do planejamento insurrecional, potencializado pela brandura das leis. “Enquanto o
partido comunista agiu exclusivamente como organização partidária isolada, a delegacia de
ordem social moveu-lhe uma luta sem tréguas e conseguiu repetidamente cortar-lhe a
avançada”. No momento em que o partido pode atuar “camuflado por uma organização
partidária”, cujo Estado reconheceu “existência legal e regular”, o resultado não poderia ser
diferente: “nunca se pregou tão claramente à sedição, nunca se pregou tão abertamente à
revolução”
335
.
A decretação da ilegalidade da ANL inaugurou uma nova fase para o
recrudescimento da repressão em São Paulo. No dia seguinte à determinação, a polícia
interditava e encerrava as portas dos sindicatos dos ferroviários da Noroeste, em Bauru e
Avanhandava, assim como do sindicato dos operários da ferrovia Sorocabana
336
. As
tentativas de greves, convocadas pela ANL como protesto, anunciadas no jornal A Platéia,
foram duramente reprimidas. Nas indústrias Matarazzo, na Avenida Água Branca, houve
mesmo tiroteio entre policiais e grevistas, ferindo o menor Estevam Giral Filho. A
Secretaria de Segurança Pública do Estado publicou nota, nos jornais de grande circulação,
afirmando que as tentativas de greve “nada tem haver com os interesses das classes e
apenas obedece a propostas ocultas de natureza facciosa e subversiva”. Após ressaltar o
perfeito aparelhamento da instituição policial para enfrentar os distúrbios, avisava o
comunicado: “a polícia atuará com a máxima energia contra os agitadores no caso de
qualquer perturbação da ordem pública”.
337
Os policiais percebiam suas mãos novamente
desatadas. Havia chegado a hora de aplicar os novos dispositivos da LSN, no sentido de
conter a crescente “maré insurrecional”.
335
“A propaganda comunista no Estado de São Paulo.” Delegado de Ordem Social, 10/07/1935. Prontuário
DEOPS/SP n.2431 do PCB vol.9.
336
“Esta garantida a ordem pública em São Paulo” O jornal do Brasil. 17/07/1935. Prontuário DEOPS/SP
n.2431 do PCB. Vol.2.
337
Idem.
241
No dia 13 de julho, a sede do jornal A Platéia, órgão de divulgação da aliança,
foi invadida pelos policiais do DEOPS/SP, os quais confiscaram também a edição pronta
para circular naquele dia. Os agentes, comandados pessoalmente pelo delegado chefe, o dr.
Egas Botelho, inutilizaram as rotativas da tipografia, apreendendo as matrizes de
reprodução do jornal. Essas foram enviadas ao DEOPS. Havia meses que os relatórios
policiais vociferavam contra os artigos provocativos do jornal, denunciando as atividades
subversivas, “que naquela redação ocorriam livremente”, segundo o parecer dos
investigadores. Era o momento da vingança. Na sede de A Platéia foram presos todos os
funcionários presentes, inclusive um aspirante a reservado do departamento, contratado dez
dias antes pelo jornal. Este trabalhava na redação, atuando como repórter policial, em
contato direto com o Gabinete de Investigações. O repórter estava sendo arregimentado
para a polícia por intervenção pessoal de um importante político paulista do Partido
Democrático, Paulo Nogueira Filho. O acendrado homem público buscava arranjar para o
recém contratado, seu conhecido, uma vaga de informante no DEOPS. Em suas
declarações, o repórter afirmou que os jornalistas de A Platéia pouco falavam de assuntos
proibidos com ele, porquanto desconfiavam de sua verdadeira posição na redação.
Afirmaria ainda que as notícias sobre greves e demais manifestações operárias, captadas
por ele diretamente na polícia, nunca eram publicadas, como eram em outros jornais, sendo
substituídas por artigos escritos em tons subversivos pelos articulistas do próprio periódico.
Confirmou também a presença recorrente ali dos próceres da ANL de São Paulo, para
reuniões efetuadas nas salas ao lado da redação. O repórter lembrou-se de ter visto Caio
Prado Júnior, João Penteado Stevenson, Eduardo de Araripe, entre outros, na sede de A
Platéia. Por último, citou o quanto considerava incômoda sua posição de empregado num
jornal “extremista” mas, como pai de família e passando por dificuldades devido à sua
demissão anterior, de outro jornal paulistano, foi “obrigado” a aceitar o trabalho, embora
contrafeito, em A Platéia
338
.
As “provas testemunhais”, como as prestadas pelo repórter criminal, foram
arroladas ao inquérito policial enviado pelo DEOPS ao Procurador Criminal do Estado,
encaminhado no dia 18 de julho. A peça processual indicava os “elementos” Décio
338
“Delatores! Declarações prestadas por um detido na Superintendência Política e Social”. O Diário da
Noite. 20/07/1935. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol.2.
242
Fernandes, Caio Prado Junior, João Penteado Stevenson, Arthur Piccinnini, Clóvis de
Gusmão, Eduardo Sicupira, Orozimbo de Andrade, Brasil Gerson, José Frattini, entre
outros, envolvidos no caso de A Platéia, como perigosos agitadores, os quais incidiram no
artigo n. 25 da LSN (crimes contra a ordem praticados por meio da imprensa). O delegado
responsável pela investigação também requeria a prisão preventiva e inafiançável dos
“periculosos subversivos”, omitindo deliberadamente o fato de alguns dos envolvidos
estarem presos desde o empastelamento do jornal. A petição de justiça da autoridade era
taxativa: “Não se diga que A Platéia não era o local das reuniões. Pois para confirmar é
bastante ler os exemplares de A Platéia, requerendo mais do que decidido o pedido que
segue”.
339
No entanto, afeitos ainda a resolver os casos policiais conforme seu próprio
arbítrio, estando portanto mal acostumados com os trâmites legais da justiça, o pedido do
delegado só foi em parte aceito pelo Procurador do Estado, o Dr. Castelo Branco. Esse
rememorou aos policiais: para requisitar a prisão inafiançável, era necessário lavrar-se o
auto de flagrante de delito, como requisitavam os artigos 40 e 41 da LSN, procedimento
não elaborado pelas autoridades atuantes na ocasião do empastelamento do jornal. Tal
proceder não se justificaria pela ação efetiva desencadeada pelos policiais, devido ao fato
de, no momento da invasão do jornal, não haver nenhuma reunião “subversiva”, tampouco
parte dos envolvidos estava presente à redação. O desleixo do policial responsável foi
ironizado em um artigo publicado na Folha da Noite, no qual o articulista não poupa
críticas aos modos de agir das autoridades, demonstrando os perigos inerentes à vigência da
Lei de Segurança Nacional combinada às práticas recorrentes da polícia, de fazer valer sua
impressão da lei como expressão de sua própria força.
A Lei de Segurança Nacional, bem como a que determinou recentemente o
fechamento de centros extremistas e subversivos são, em si mesmas fulminantes
[...] aplicadas são violentas, mal aplicadas são odiosas. Num e no outro caso fazem
nascer, no espírito dos que se interessam pela manutenção da ordem, a suspeita de
que estejam servindo a outros fins. Admitamos, porém, parodiando o filósofo, que
a polícia tem razões que a razão desconhece. Mesmo assim, não impressiona bem
ser ela apanhada em flagrante de desrespeito a lei
.
340
339
“Inquérito policial”. 18/07/1935. Prontuário DEOPS/SP n.3096 de Brasil Gerson.
340
“A polícia paulista e o extremismo”. A folha da Noite 23/07/1935. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do PCB.
Vol.2.
243
Para os comunistas, a retomada da repressão foi considerada como um indício
da fraqueza e do temor do governo em relação às atividades dos revolucionários. A
decantada derrocada do regime se anunciava no horizonte. Contra a radicalização da
reação, se impôs de pronto a radicalização da postura insurrecional dos comunistas e dos
tenentes de esquerda, ligados a Prestes. Embora o fechamento da ANL não tenha motivado
grandes manifestações populares de repúdio, como esperava o próprio Prestes e os
dirigentes do PCB
341
, os planos para a insurreição nos quartéis (promovida pelos quadros
militares ligados ao partido) concebida como o estopim da revolução, iam de vento em
popa. Os comunistas dirigentes e os assessores enviados pelo Komintern traçavam os
planos para o levante, baseados numa impressão errônea, talvez até falaciosa, da disposição
revolucionária das massas populares. Os policiais, há meses, farejavam algo no ar, porém,
seus relatórios demonstram desconhecimento dos planos comunistas. Prestes voltara ao
Brasil no mês de abril de 1935, porém o DEOPS/SP, em novembro, ainda nada sabia dessa
estadia. Numa investigação encomendada após a veiculação da notícia de que o afamado
líder comunista estava no Rio de Janeiro, pelo jornal Correio da Noite, o investigador
responsável encerrava, de forma taxativa, o seu relatório: “nos meios aliancistas todos são
unânimes em dizer que a referida notícia carece de fundamento [...] pelo apurado, Luis
Carlos Prestes acha-se, presentemente, em Rosário de Santa Fé, Argentina”.
342
Esses mesmos “meios aliancistas” de São Paulo seriam surpreendidos pela
eclosão dos levantes de Natal, Recife e Rio de Janeiro, configurando a intentona comunista
de novembro de 1935. Com a debelação desses levantes, a repressão política e social se
instaurou de forma generalizada nos quadros de demandas do poder. A onipotência estava
instalada no aparelho de Estado. Embora a participação de São Paulo fosse discreta no
levante, “O DEOPS/SP agora podia dispor de tudo e de todos sem que houvesse a menor
contestação ou oposição às suas ações” (KAREPOVS, 2003, p.382).
Assim como em 1924 ou 1932, a polícia política esvaziou seus arquivos,
prendendo todos aqueles apontados anteriormente como militantes operários ou
simpatizantes das correntes de esquerda. Porém, a nova demanda repressiva extrapolava as
anteriores. Primeiro porque a sociedade se modernizara (como os próprios conflitos
341
Sobre o assunto, ver: CARONE, 1991, p.202.
342
“Boletim n.726” 03/11/1935. Prontuário DEOPS/SP n.1009 do PSB.
244
políticos dos últimos tempos comprovavam), e o aparelho de Estado, atualizando sua
prerrogativas de contenção, instaurara novos e específicos mecanismos de controle e
regulação da questão social e dos conflitos políticos. Embora o acirramento da repressão,
desde a República Velha, estivesse consubstanciado pela expansão das leis permissivas,
agora o DEOPS podia atuar de acordo com o arcabouço legal destinado a garantir o
tratamento diferenciado e severo ao crime político e social (caso da LSN). O estatuto penal,
para além de permitir o enquadramento dos detidos na mesma malha de violência dos
tempos das prisões à revelia da velha 4
a
Delegacia, eram mecanismos que validavam
legalmente a própria arbitrariedade da ação policial, definitivamente normatizada como
política do Estado. Não se pode esquecer que, com a repressão desencadeada após a
debelação da intentona, surgiu mesmo uma nova instância de justiça de exceção, o Tribunal
de Segurança Nacional (TSN), destinado a institucionalizar o julgamento arbitrário do
crime político e social, pré-estabelecido pelos inquéritos elaborados e encaminhados pelos
DEOPS dos Estados (isso sem esquecer também que alguns desses DEOPS foram
formados posteriormente à intentona). Em segundo lugar, e tamm como decorrência da
expansão e do aperfeiçoamento dos dispositivos legais de controle arbitrário, a repressão
política e social do período atingiu setores privilegiados da sociedade, mantidos, até então,
distantes do alcance do arbítrio policial. Como diria Graciliano Ramos, no clássico
Memórias do Cárcere “comecei a perceber que as minhas prerrogativas de pequeno
burguês iam cessar, ou tinham cessado” (RAMOS,s/d.,p.31).
Em São Paulo, as prisões se iniciaram com as primeiras notícias de irrupção
da rebelião no Rio de Janeiro. Elas foram realizadas efetivamente aos magotes por algumas
semanas. A decretação do Estado de sítio, dois dias após o levante, permitiu ao DEOPS
requisitar, sem contestação, efetivos de outros departamentos da polícia. Os agentes do
próprio órgão, mais os emprestados, passaram os dias percorrendo o centro da cidade e os
bairros operários, em diligências para prisões, buscas e apreensões. As casas dos militantes
conhecidas pela polícia eram invadidas e a prisão tornava-se o destino comum dos
moradores, implicados ou não em atividades ditas subversivas. Associações sindicais,
culturais, jornais operários, ou qualquer organização considerada recebedora do aporte de
ativistas ou simpatizantes da revolução social, tinham suas sedes ocupadas e suas atividades
obstadas pelas autoridades. Para além dos “contumazes” agitadores conhecidos do órgão,
245
outros potenciais suspeitos de sempre, sobretudo estrangeiros e judeus, foram também
“privilegiados” nas listas de detenções sumárias. No Bom Retiro, logo depois de
confirmada a rebelião nos quartéis cariocas, era invadida e fechada a Brazcor, entidade,
segundo os policiais, na qual se ajuntavam os “comunistas israelitas” atuantes no bairro.
Ontem à noite foram detidos pela polícia [...] os seguintes indivíduos tidos como
comunistas: Abrahão Rosemberg, Jayme Gordelsran, Waldemar Gutinsk, Loper
Kaphansky, Jacob Guia, Ruteno Goldengerg, Armando Guelmen, Henrique
Juilaki, Jaime Sternberg, José Hachternwacker, Wademar Roiteberg, Nicolau
Marinoff, Joseph Friedman, Carlos Garfunkel, José Viuveiss, Martin Lipes, Cezar
Libenberg, David Lerer, Sgulin Seko Vrabel, Moyses Kava, Nuter Goifmann, João
Schachter e Baruch Zell. Os detidos pertenciam à organização revolucionária
israelita chamada Brazcor, filiada ao partido comunista, possuindo uma biblioteca
popular israelita, a Scholomo Aleichem, instalada a Rua Senador Euzébio, a qual
mantém também uma cozinha proletária comunista a Rua Visconde de Itaúna e um
órgão oficial da Brazcor, que é a revista de cultura moderna Voleskultur.
343
O DEOPS também acompanhava com interesse as notícias sobre a repercussão
internacional da intentona comunista, sobretudo aquelas emitidas pelos governos
considerados de efetivo compromisso no combate, sem quartel, ao “extremismo”. As notas
da imprensa e do governo nazista alemão, por exemplo, eram guardadas nos prontuários do
DEOPS/SP em meio aos relatórios policiais.“Os jornais alemães comentando as notícias
dos últimos acontecimentos no Brasil, aproveitam a ocasião para renovar suas criticas a
Rússia, afirmando que Luis Carlos Prestes e seus companheiros não passam de agentes de
Moscou”.
344
A intentona comunista efetivamente estreitou os laços entre as polícias
políticas brasileiras e a Gestapo. Policiais brasileiros, depois da debelação dos focos de
insurreição, receberam mesmo condecorações do Reich por sua eficiente contribuição
contra a expansão do comunismo internacional (HILTON, 1977). Por sua vez, os agentes
de São Paulo admiravam a “eficiência” da polícia alemã na profilaxia social do comunismo
(o que podia ser traduzido em ampla liberdade para atuação discricionária e violenta).
“Fazer como na Alemanha” era a reivindicação dos policiais para atuar com eficácia nos
ambientes sociais “impregnados pelas doutrinas alienígenas”. A intentona comunista
permitiu o atendimento inconteste dessa reivindicação policial. Agora, sob a vigência da lei
343
“Presos vários estrangeiros comunistas”. Diário de Notícias 27/11/1935. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do
PCB vol.2.
344
“A imprensa alemã afirma que o movimento obedece às decisões do komintern”. Jornal Diário de São
Paulo. 27/11/1935. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol.2.
246
de exceção, com seus tentáculos expandidos, e sob novo enquadramento legal, a polícia,
mais do que antes, era a própria lei nos ambientes sob suspeição.
Os primeiros relatórios policiais, fazendo o balanço das diligências
desencadeadas logo após o levante, confirmavam a ampla liberdade de ação como remédio
certeiro para deter a escalada dos motins contra a ordem, promovidos pelos “agitadores
contumazes”. As autoridades, cientes da importância de São Paulo nos planos
revolucionários, alertavam aos seus superiores: se não fosse a vigorosa atuação do DEOPS,
que “agindo dentro de suas atribuições, prestou inestimáveis serviços”, pois se não, repetir-
se-ia, com maior ênfase na paulicéia, os mesmo distúrbios ocorridos na Capital Federal.
Havia, contudo, certo exagero nas observações da polícia. Os dirigentes do PCB de São
Paulo, embora recebessem ordens do Rio de Janeiro para levantar a cidade em apoio à
rebelião carioca e nordestina, observando as poucas chances de êxito do levante em São
Paulo (isso devido ao diminuto número de ativistas em relação aos efetivos das forças de
segurança do Estado), resolveram abortar a insurreição e resguardar o aparelho partidário
da reação certa que viria a seguir. A decisão foi tomada numa reunião de última hora, entre
“Castro”, ou Sebastião Francisco, secretário do C.R. de São Paulo, Esteban “Grassi” Peano
e Angelo Locatelli, os dois últimos assessores do Komintern enviados à capital paulista
para reforçar os preparativos para a insurreição (WAACK, 1993, p.237).
O exagero dos relatórios policiais quanto aos planos de sedição preparados
pelos comunistas para desencadear a revolta em São Paulo, forneciam as justificava para
corroborar a ampla campanha de intervenção, prontamente posta em prática pela polícia
política, no seio das organizações sob vigilância. Afinal, como ponderavam as autoridades
responsáveis, para debelar os potenciais focos de insurgência, os agentes haviam realizado
mais de trezentas prisões, isso concomitantemente à decretação do Estado de sítio –
transformado em Estado de guerra em março de 1936. Embora as prisões, no primeiro
momento, não atingissem os efetivos do partido comunista em São Paulo, contando com
cerca de vinte e tantos ativistas presos, todos anteriormente já fichados na delegacia
345
(confirmando o acerto da direção paulista em abortar a rebelião e preservar os quadros
militantes), a polícia política vangloriava-se abertamente de sua pretensa rapidez e eficácia
na caça aos comunistas. O grande número de detenções efetuadas requeriam o
345
Sobre o assunto, ver: WAACK, 1993; KAREPOVS, 2003.
247
apontamento, falso ou não, dos detidos como participante das atividades aliancistas – agora
definitivamente classificadas como atividades em prol do comunismo. Tal alegação
permitia dissimular o caráter arbitrário das prisões, validando a medida como meio de ação
acertado e eficiente, diante da ameaça de propagação da insurreição. Nas palavras do
delegado Venâncio Ayres, o DEOPS estava “sempre em vigilância, prevenindo” e pelo seu
vigilantismo e acerto nas previsões, “conseguiu desarticular conluios e conspirações
comunistas”
346
.
Na prática, os policiais de São Paulo sabiam que a maioria dos detidos fora
surpreendida pelas convulsões nos quartéis em novembro. O inesperado acontecimento,
aturdindo a desprevenida militância revolucionária da cidade, facilitou também as primeiras
prisões efetuadas pelo DEOPS/SP. Para os policiais, pouca diferença fazia se os militantes
de esquerda estivessem comprometidos ou não com a rebelião, afinal, a revolta comunista
forneceu o pretexto ideal para a “limpeza” dos espaços sociais sob eterna vigilância. No
mais, a renovada liberdade de atuação da polícia permitia reparar os desacertos dos últimos
tempos, quando as liberalidades dos preceitos constitucionais haviam permitido o
ressurgimento das oposições e do próprio clima de sedição. De novo, o franco terror
policial era a medida da justiça nas ruas dos bairros populares. Os policiais aproveitavam-se
do momento para demarcar seus espaços de poder, tanto no seio das “classes perigosas”,
quanto em suas reivindicações por verbas suplementares e liberdades de atuação,
requisitadas junto às esferas governamentais.
Quando irromperam os movimentos armados na capital da República e no norte do
país, e, decretado o estado de sítio pelo governo central, iniciou a polícia de ordem
social uma série de diligências, já para levar a efeito as investigações necessárias já
para efetuar prisões de extremistas que por ventura estivessem envolvidas nas
aludidas rebeliões [...] São Paulo, o maior centro industrial da América do Sul,
cidade onde o número de operários atinge a diversas dezenas de milhares, foi o
campo escolhido para a penetração comunista e foi aqui, especialmente entre o
proletariado, que vinha processando toda a atividade [...] os agitadores
contumazes, os indivíduos sem noção de patriotismo e os inimigos da ordem
teriam relativa facilidade para entrar em contato com o operariado de São Paulo,
não fosse a ação vigilante e decisiva da polícia [...] muitos elementos de destacada
atividade comunista e aliancista foram tirados do convívio social [...] com esse
objetivo efetuamos até a presente data 358 prisões. Nesse número estão
computadas as prisões de comunistas e aliancistas levadas a efeito no interior do
346
“Relatório” Delegado de ordem Social Venâncio Ayres. 30/03/1936. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do
PCB vol.5.
248
Estado onde o trabalho desenvolvido pelo partido comunista foi de acentuada
atividade, fazendo-se sentir especialmente entre os trabalhadores rurais.
347
Os efeitos da vaga repressiva foram terríveis sobre o movimento operário.
Agora, efetivamente, o Estado controlava os sindicatos e não havia mais espaço para
oposições no seio da classe operária. Hilcar Leite, então dirigente da Liga Comunista
Internacionalista, pouco antes de sua detenção em São Paulo abril de 1936, escrevia uma
carta ao Secretariado Internacional da Liga (carta essa que seria apreendida pela polícia).
Na missiva, o militante relataria a situação desoladora do movimento sindical paulista.
O movimento sindical de São Paulo está morto desde novembro. A polícia
conseguiu colocar os sindicatos sob um regime severo, impedindo qualquer
atividades destes. Em vários sindicatos dirigidos pelos chefes oficiais do
operariado em São Paulo, a coisa foi fácil. Nos outros, foi preciso ameaça policial.
Com a decretação do Estado de Guerra, os sindicatos morreram praticamente. O
restante da vida organizatória foi destruída. [...] O movimento operário atinge no
Brasil atualmente, a sua mais profunda e extensa depressão. As organizações
sindicais estão fechadas ou se subordinam inteiramente à polícia [...] Para a classe
operária no Brasil, é preciso fazer tudo de novo e desde o princípio.Nada se salvou
do debaclê do putsch de novembro de 1935.
348
Sobre os inúmeros detidos, conservados em terríveis condições carcerárias,
(visto que as muitas prisões realizadas, ao mesmo tempo, encheram os já insalubres
cárceres sob controle do DEOPS/SP)
349
os agentes da polícia política usavam e abusavam
de seus predicados de justiça, adaptados ao discurso e às necessidades renovadas da política
de contenção. Sobre os prisioneiros de primeira hora, filiados às diversas correntes atuantes
no movimento operário – anarquistas, socialistas, sindicalistas, entre outros – mantinham-se
as acusações de envolvimento com atividades comunistas. E, apontados sob a rubrica de
praticante do comunismo, seus nomes seriam arrolados nos inquéritos individuais e
coletivos, enviados às novas instâncias de justiça de exceção, como o TSN (o qual só
passaria a funcionar de fato, por pressão das elites, preocupadas com a “morosidade” da
347
“Relatório” Delegado de ordem Social Venâncio Ayres. 30/03/1936. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do
PCB vol.5.
348
“Carta de Hilcar leite ao S.I. da LCI”. Prontuário DEOPS/SP n. 3815 de Hilcar Leite.
349
Como declararia em seu depoimento em juízo um dos “contumazes” detidos, o velho anarquista Edgard
Leuenroth: “quanto ao presídio, está num porão muito sujo, quase sem ar, superlotado, com os presos
dormindo em colchões do lado da privada, sob os pavimentos de cimento”. Auto de declaração em juízo ao
comissário para inquirição de presos políticos de Edgard Leuenroth. 04/12/1935. Prontuário DEOPS/SP n.
122 de Edgard Leuenroth. Vol.1.
249
Justiça Federal no andamento dos processos, em setembro de 1936). As provas
“irrefutáveis”, consubstanciadoras da grande maioria das acusações de atividades
“comunistas”, eram os relatórios reservados dos secretas, elaborados em anos anteriores, os
quais jaziam aos montes nos prontuários policiais dos envolvidos. Embora por vezes os
relatórios de infiltração anunciassem, sobre os detidos, postura de atuação e filiações
ideológicas contraditórias às acusação então imputadas de atividades em prol do PCB, o
caráter reservado dessas informações permitiam a manipulação dos dados, sem maiores
complicações para as autoridades. A polícia acusava baseada em suas próprias convicções,
forjando as provas da conspiração de acordo com as necessidades de profilaxia dos espaços
sociais. Se em São Paulo não se havia consumado o crime de sedição, que vicejou no Rio
de Janeiro e no Nordeste, na paulicéia havia sim muitos criminosos “contumazes”, que no
entender da polícia poderiam configurar um potencial batalhão para uma segunda onda de
distúrbios. Era uma questão fundamental de prevenção e defesa da ordem garantir que
esses, definitivamente, fossem excluídos do convívio social.
Ao farto manancial de “provas irrefutáveis” fornecido pelos relatórios de
infiltração (assumindo os testemunhos dos secretas o status de certidões idôneas, lavrado
pelas autoridades), se acrescentariam, nas peças processuais, outros indispensáveis
“indícios” do crime de sedição. Entre esses, estavam os documentos apreendidos nas
residências dos detidos, os quais iam desde edições envelhecidas de jornais operários até os
livros contendo em seus títulos palavras como “Rússia”, “vermelho”, “revolta”, entre outros
vocábulos que pudessem ser arrolados, com mais ou menos esforços interpretativos dos
redatores dos inquéritos, a propagação das idéias comunistas. Outro expediente utilizado
para coligir indícios das atividades “criminosas” e corroborar as assertivas da policia
efetuou-se com a inclusão, entre as provas do crime, de testemunhos confirmadores das
acusações. Esses, coletados após a prisãos dos implicados com seus vizinhos, desafetos,
sindicalistas amigos da polícia, pequenos funcionários, porteiros de associações, e
provavelmente também com os próprios reservados e outros extra-quadros da delegacia,
forneceram aos policiais novas fontes para corroborar as “culpas” e incrementar seus
documentos acusatórios, cuja produção estava a serviço da campanha de “criminalização
comunista”, promovida pelo Estado. Tal expediente foi utilizado, sem exceções, contra os
militantes das diversas correntes mais à esquerda do espectro político.
250
Um caso exemplar foi o inquérito movido contra os “extremistas” atuantes na
União dos Trabalhadores Gráficos. O poderoso sindicato reunindo gráficos e jornalistas de
esquerda em São Paulo, fundado pelos anarquistas na década de 1910, recebendo forte
influência dos militantes comunistas nos anos 1920, tornando-se o reduto privilegiado dos
trotskistas em meados dos anos 1930, era considerado pelos policiais como uma das
associações mais perigosas da cidade. Embora muitos dos afamados militantes operários
filiados ao sindicato estivessem presos desde o final de 1935, foi só em agosto de 1936 que
o inquérito do DEOPS contra os militantes da UTG foi concluído e enviado à justiça. A
peça policial, elaborada pelo delegado A. P. Pinto Moreira, adido à ordem social,
relembrava o histórico das atividades do sindicato dos gráficos, confirmando o quanto a
“UTG tornou-se, desde logo, um respeitável núcleo, um reduto forte dos pregadores
ardorosos e apaixonados cultores do comunismo russo”. As atenções policiais, segundo
Moreira, também desde cedo convergiram para as atividades ali desencadeadas. O policial
relembrava como naquela sede sindical “formou-se um grupo de comunistas convictos, de
pregadores tenazes, audaciosos e infatigáveis do novo evangelho, e que desde cedo
passaram a dar não pequenos trabalhos à polícia, esta, por sua vez, ia registrando suas
atividades, ia acompanhando seus passos”.
350
Entre esses “infatigáveis pregadores” estavam Aristides Lobo, Victor Azevedo
Pinheiro e demais trotskistas, além dos notórios anarquistas Edgard Leuenroth e José
Carlos Boscolo, entre outros. Mesmo ativistas que reconhecidamente estavam afastados
havia tempos das contendas do movimento operário, como Everardo Dias e João da Costa
Pimenta, foram arrolados como instigadores atuantes do perigoso comunismo russo.
Os últimos tentaram se defender. Everardo Dias, em declaração à polícia, dizia haver se
afastado do PCB em 1930, por questões de saúde e econômicas. O trabalho deste no
comércio, mais os cuidados com sua família, absorviam-lhe todo o tempo. Explicava
também como sua prisão naquele momento relembrava a anterior, ocorrida em 1932 –
durante a repressão no desenrolar da revolução constitucionalista – observando que naquela
ocasião, o delegado Ignácio da Costa Ferreira, reconhecendo sua nova condição, havia o
posto em liberdade. Everardo afirmou não estar filiado a ANL, negando qualquer vínculo
350
“Inquérito de qualificação dos membros da UTG”. Delegado A P Moreira, 12/08/1936. Prontuário
DEOPS/SP n.677 da UTG. Vol.2.
251
com a entidade. Atribuiu sua atual detenção ao seu passado de militante. Segundo ele, as
circunstâncias que rodearam sua prisão confirmavam essa impressão. Afinal, ele fora
convidado por um inspetor a comparecer ao DEOPS e “sabedor que era de não ter nenhuma
culpabilidade nos acontecimentos do país, atendeu despreocupadamente o pedido”.
351
Não
obstante, agora Everardo mofava no presídio político.
No entanto, na apreciação do delegado Moreira, o velho Everardo “tem
sempre desenvolvido uma forte propaganda subversiva, ora colaborando em jornais ora
dirigindo publicações [...] orador fácil, sempre se insurgiu contra os poderes constituídos”.
As provas de tal atividade eram os antigos relatórios de delação e sua ficha remissiva,
apontando suas atividades militantes de outrora. Seu passado realmente o condenava:
“detido diversas vezes, a folha 475 se vê o seu boletim de antecedentes, passado pelo
Gabinete de Investigações, no qual se infere a temibilidade do indiciado”.
352
Os anarquistas reagiam com mais raiva à acusação de realizarem atividades
comunistas. Edgard Leuenroth, afirmando sua posição de anti-clerical e anarquista,
reforçava em suas declarações o quanto seu ideário “não coaduna com qualquer das
nuanças do marxismo, que assim não pode ser bolchevista comunista”. Embora
confirmasse sua atuação nos meios sindicais e na editoração de jornais libertários
(apontados na acusação recheada de informes reservados sobre suas atividades), quanto ao
levante promovido pela ANL, diria Edgard “que o desconhecia por completo”. Segundo
suas impressões, tratava-se de “um movimento político e que o declarante não sendo
político, não poderia de maneira nenhuma estar de acordo com o mesmo”.
353
No entanto, tais declarações não abalavam as convicções do policial. Afinal,
para esse, o inquérito estava baseado em “certidões revestidas de todas as formalidades
legais, de todos os requisitos indispensáveis à sua validade, do mais absoluto valor
probante, inexcedível, indestrutível”. Essas certidões fundamentais eram os comentados
relatórios de infiltração, alçados naquele momento à categoria de prova documental efetiva
para comprovação dos delitos, circundados tanto pelos termos de apreensão de documentos
e materiais, como pelas declarações das testemunhas de acusação arranjadas pela polícia.
351
“Auto de declaração de Everardo Dias”. 04/12/1935. Prontuário DEOPS/SP n.136 de Everardo Dias .
352
“Inquérito de qualificação dos membros da UTG”. Delegado A P Moreira, 12/08/1936. Prontuário
DEOPS/SP n.677 da UTG. Vol. 2.
353
“Auto de declaração de Edgard Leuenroth”. 04/12/1935. Prontuário DEOPS/SP n. 122 de Edgard
Leuenroth.
252
Para as autoridades, em alguns casos, a quantidade abundante de indícios podia substituir
mesmo a confissão, sobretudo dos presos mais renitentes em consentir com a decantada
declaração de culpa, perseguida pelos policiais paulistas. Aliás, não podiam haver muitas
confissões de participação coroando as investigações desencadeadas em São Paulo, com o
intuito de esclarecer os “acontecimentos que culminaram na chacina que ensangüentou
nosso solo fértil e que merece ser palmilhado por gente de melhores intenções”, visto que
os militantes paulistas, conforme dito anteriormente, foram na sua grande maioria
surpreendidos pela intentona de novembro. Porém, a “dispensa”, em alguns casos, da
confissão de participação no levante, não significou o decréscimo de seu status no rol das
provas mais valorizadas pela polícia. Aproveitando-se do clima de terror e alarde da
ameaça vermelha, os policiais paulistas contentavam-se com a declaração de filiação à
“ideologia de Moscou”, definitivamente alçada a categoria de crime maior de lesa pátria.
No mais, a renitência do “comunista” em confessar seu crime comprovava sua
intransigência e sua incapacidade de “regeneração”. O delegado Moreira encerraria o
inquérito reclamando pena mais longa para os trotskistas, como Victor de Azevedo
Pinheiro, João Matheus e Aristides Lobo, “que são comunistas confessos, que nunca
fizeram mistério disso e que sempre se valeram de todos os meios e todas as ocasiões e
todos os lugares para externarem suas opiniões”, embora negassem qualquer participação
no levante dos stalinistas. O TSN acatou a sugestão do delegado e sentenciou os três com
penas mais longas do que os demais indiciados (DULLES, 1985, p.62).
A polícia aproveitava do momento e radicalizava suas práticas de profilaxia
social dos espaços públicos. Sobre os demais implicados, incluindo os anarquistas e demais
militantes ativos ou “inativos” arrolados ao inquérito, o delegado era taxativo. Embora sua
participação nos acontecimentos fosse de menor monta, também deviam ser exemplarmente
punidos. Isso fazia “jus, pelas práticas condenáveis, pelas suas atitudes desumanas, pela
perversão que procuravam levar aos amigos, aos seus companheiros, as suas famílias, aos
adolescentes sempre inexperientes e prontos a acatar e receber os maus conselhos”. No
discurso do policial, aquele era o tempo certo para dirimir a influência do ideário
253
revolucionário no seio das classes trabalhadoras, livrando as novas gerações desses
“incitamentos de finalidade inconfessável”.
354
Havia chegado o tempo no qual as demandas do poder encontrariam, na polícia,
algo mais que o tradicional instrumento de violência pronto para impôr, na ausência do
direito, os predicados da justiça no seio das classes perigosas. Sem perder de vista os seus
pressupostos de atuação (como o atributo de fazer valer o direito do mais forte, sobretudo
no trato com os setores subordinados da população), o renovado enquadramento
burocrático da polícia requeria a valorização da organização como instrumento “legalizado”
e “disciplinado” para a imposição das normas requeridas ao planejamento da dominação
burguesa. A nova orientação política imposta à instituição, mesmo favorecendo a produção
de inquéritos e demais dispositivos “legais” atinentes ao processo penal, em seu reverso,
ampliava o espaço consignado à polícia para atuar, nos meios populares, conforme os
quesitos da discricionariedade arbitrária, imprescindível à política de profilaxia social dos
espaços públicos. Ao enfatizar a violência perniciosa dos processos de sedição
desencadeados pelos revolucionários sociais, a policia justificava suas próprias medidas de
violência no trato da questão social. A modernização do Estado, acompanhada da
normatização das relações sociais, reclamavam da polícia a utilização do seu decantado
arbítrio de justiça, agora ratificados e legitimados pelas novas instâncias de julgamento do
crime político e social. O DEOPS era alçado à condição de construtor efetivo do novo
metabolismo entre Estado, polícia e sociedade que a estatização das relações sociais
desencadeara, e cuja difusão, pelo corpo social, foi acelerada com o desbaratamento do
levante promovido pelos militares comunistas.
354
“Inquérito de qualificação dos membros da UTG”. Delegado A P Moreira, 12/08/1936. Prontuário
DEOPS/SP n.677 da UTG. Vol. 1.
254
IV. O DEOPS/SP E O CONTROLE DA ORDEM POLÍTICA E SOCIAL (1936 –
1941).
1. O cerco aos comunistas do PCB em São Paulo durante o Estado de guerra (1936 –
1937).
De todos os perigos que envolvem a nação o comunismo é o mais temível por ser organizado e pertinaz. O
mais nefasto porque é a subversão de tudo quanto se tem construído em séculos de civilização [...] impõe-se a
vigilância constante sobre os elementos suspeitos, a caracterização precisa de suas atividades, a repressão
imediata e impiedosa de qualquer ação de propaganda e conquista [...] E quanto aos que tentarem perturbar
a disciplina e demolir a autoridade, cumpre fazer sentir que a força só se opõe à força, imediata, inexorável.
General Eurico Gaspar Dutra (Ministro da Guerra)
À ampliação dos poderes de polícia no cenário social, a partir da intentona
comunista, correspondeu a inflação e diversificação do “mercado de acertos” e demais
formas de corrupção, relacionadas ao livre curso das atividades repressivas da polícia. O
assunto, desde sempre espinhoso para as autoridades policiais, pouco transparece nos
documentos oficiais mantidos nos prontuários do DEOPS/SP. As principais denúncias das
práticas de corrupção, por parte dos agentes ligados à repressão política e social foram
efetuadas por ex-detentos e jornalistas oposicionistas, sobretudo após a queda do Estado
Novo.
355
Porém, a prática da corrupção, a qual parece ser endêmica às diversas formas de
policiamento
356
, tende a assumir proporções de maior relevância justamente nos momentos
em que os poderes constituídos delegam maiores atribuições ao poder arbitrário da polícia,
nos cenários de resolução dos conflitos. Nesse sentido, quanto menor a responsabilização
dos agentes por suas práticas de contenção, maiores as possibilidades para o achaque dos
suspeitos, pois o policial sente-se garantido pela impunidade consentida
357
.
A corrupção policial era, provavelmente, recorrente ao velho DEOPS desde
sua criação, no regime anterior, afinal, a delegação de poderes amplos de intervenção
social, não consignadas pela vigilância efetiva da justiça, favorecia a possibilidade dos
355
Sobre o assunto, ver: VIEIRA, 1957; NASSER, 1966.
356
Sobre o assunto, ver: MINGUARDI, 1991; SOUZA, 1998; REINER, 2004.
357
Segundo Luiz Eduardo Soares: “O universo dos confrontos policiais [...] é um mercado clandestino,
regulado pelo custo do ‘desvio de conduta’. Explico: os preços da vida e da liberdade são inflacionados
quando fica menos arriscado para o policial matar e negociar a liberdade. Isto é, quando caem os custos do
‘desvio de conduta” (SOARES, 2000, p.34).
255
“acertos” entre os mantenedores da ordem e os apontados como desordeiros. Essa mesma
baixa efetividade dos controles externos garantia que o assunto não transpassasse as portas
da delegacia, nem fosse comentado em relatórios internos. Porém, existem indícios
apontando para a recorrência dessas práticas arraigadas à cultura policial. O tenente João
Alberto, quando iniciou a reforma no aparelho policial do Estado, logo após a revolução de
1930, reclamando pela efetivação da “polícia de carreira” como contraponto necessário às
nomeações políticas dos inspetores, declarou uma frase cujo sentido tornar-se-ia lugar
comum em diversos discursos dos “políticos” da polícia”: “os investigadores passam
miséria quando são honestos” (BARROS, 1933 apud CUNHA, 1998, p.08). Sobre os
setores sociais, considerados pelos policiais como “parte” de sua “jurisdição”, a prática da
corrupção não perdeu força com as reformas burocráticas que atingiram a agência no
decorrer dos anos 1930. Aliás, essas práticas se ampliaram e ganharam maior visibilidade
com as novas atribuições do policiamento. Nos sindicatos legalizados, por exemplo, tornou-
se comum a propina, dividida entre policiais e funcionários do Departamento do Trabalho,
para fornecer pareceres favoráveis às chapas concorrentes e mesmo homologar a posse de
diretorias nas associações. Por vezes, os representantes do Estado cobravam e garantiam
apoio a mais de um aspirante ao cargo de presidente das associações, “fazendo o jogo de
dar para um e do outro para o outro, no que os presidentes dos sindicatos atendem”
358
.
Tais práticas de corrupção, decorrentes sobretudo das novas atribuições legais
da polícia política, conviviam com formas mais antigas, sempre efetivadas contra operários
e demais extratos subordinados da população. Estes, cientes da pouca efetividade das leis
para a sua proteção contra as arbitrariedades praticadas por policiais. Uma dessas
possibilidades era favorecida pelas prisões seqüestros, quando o operário detido, sem
maiores explicações, após ser atemorizado nas dependências policiais, era solto mediante
pagamento, podendo tornar-se recorrente. Esse “aluguel da liberdade” tornava-se, por
vezes, uma verdadeira tributação extra-oficial, uma frouxa garantia de que a vítima, e
também sua família, não seriam novamente importunadas pela polícia, ao menos enquanto
se consentisse com o achaque. Um exemplo dessas práticas foi denunciado pelo ativista
Antônio Vieira, preso no Presídio Maria Zélia em 1936. Segundo Antônio, logo após sua
358
“Comunicação n.413”. 03/08/1945. Dossiê DEOPS/SP n. 30-Z-60 do Movimento Unificado dos
Trabalhadores (MUT).
256
prisão, seria detido seu irmão, José Vieira de Farias, o qual não tinha atividades políticas. O
motivo alegado pelos policiais para efetuar essa nova detenção, era interrogar o preso para
saber de suas relações com o irmão detido. Não podendo satisfazer as questões levantadas
pelos agentes, e talvez percebendo o temor do simplório operário diante daquela situação
temerária, os policiais resolveram não “perder a viagem”, negociando a liberdade de José
com o próprio, mediante pagamentos semanais
359
.
O operário ficou detido por espaço de onze horas e somente obteve a liberdade
após ‘entendimento’ com os agentes. José Vieira de Faria entregava Cr$ 250,00,
todos os fins de semana, num ponto marcado na Penha a dois indivíduos que se
diziam agentes, durante cerca de dois anos. A residência do operário foi varejada e
em tudo a polícia sentia o ‘cheiro de Moscou’ (VIEIRA, 1957, p.133)
.
A prática da corrupção, desde sempre presente no cotidiano da agência,
ganharia novo fôlego com a institucionalização política da repressão, pois essa também
passou a atingir, com toda sua violência discricionária, alguns setores sociais mais
privilegiados da população, portanto, com maiores possibilidades de efetuar negociações.
Um caso ilustrativo aconteceu com o ator, simpatizante do comunismo, Procópio Ferreira.
Este sofreu com os contínuos achaques praticados por um inspetor reservado do
DEOPS/SP, “que (sic) é um antigo elemento da guarda civil, da qual saiu após certo
inquérito em que foram excluídos cerca de cinqüenta guardas”. O policial se apresentou a
Procópio como delegado do partido comunista, ganhando sua confiança. Após ouvir do
célebre ator sua confissão, sobre as simpatias que nutria pelo ideário comunista,
colaborando mesmo com dinheiro para o Socorro Vermelho, o disfarçado revelou sua
verdadeira identidade, passando a cobrar propina para não denunciar as atividades do ator
em prol do órgão de auxílio dos presos políticos. “Estou informado que tal inspetor andou
durante muito tempo tomando dinheiro de Procópio Ferreira”. A denúncia, por outro
reservado ligado ao DEOPS, dos achaques contra Procópio, não foi motivada pela detecção
da prática ilegal da corrupção, e sim porque o trato do inspetor corrupto com o renomado
ator envolvia a venda de informações privilegiadas da polícia. Como, por exemplo, o aviso
359
No Rio de Janeiro, segundo Davi Nasser, a prática também era corrente. Segundo o autor, o policial Ramos
de Freitas recebia dinheiro das famílias dos presos: “Enquanto o homem estava na geladeira, um advogado
que Ramos de Freitas mandava se entrevistar com a família: ‘Por tantos mil cruzeiros, respondo pela
liberdade do seu marido’. E assim se fazia a história” (NASSER, 1966,p.100).
257
antecipado de que um “elemento qual não sei o nome”, da companhia teatral de Procópio,
estava na eminência de ser preso pelas autoridades. Segundo o policial denunciante das
práticas do agente corrupto, esse havia informado Procópio da eminência de sua própria
prisão, caso teimasse em apresentar-se num festival teatral na mira das autoridades do
DEOPS.
Estou informado de uma prisão de certo elemento da Companhia de Procópio [...]
De fato, dias após a polícia tentou efetuar a prisão do referido, mas não conseguiu,
porquanto Procópio havia embarcado tal elemento de São Paulo de conformidade
com um aviso que recebeu do tal inspetor [...] por tudo isso é bem possível que o
festival que estava para realizar-se dia 17 seja mesmo adiado, ou então deixe
Procópio de tomar parte no mesmo. Pela programação entregue a censura poderá
V. Exa. verificar o que informo no momento. Nesse caso a necessidade de uma
sindicância procedida por V.Exa., a fim de apurar a veracidade, bem como a
responsabilidade, de tal inspetor.
360
Por outro lado, os implementos financeiros do Estado destinados a ampliar o
raio de operações da polícia política, tornaram-se, durante Era Vargas, um meio seguro e
fecundo de aumentar os rendimentos pessoais dos policiais. As verbas secretas, afluindo ao
DEOPS com maior profusão após novembro de 1935, constituíram, segundo Davi Nasser,
uma verdadeira indústria da delação, cujo montante de dinheiro direcionado e utilizado,
sem maiores escrúpulos pelas autoridades dificilmente podia ser mensurado, ou mesmo
cobrado, de quem quer que fosse. Da permissividade do Estado brotaram práticas
sistemáticas, como a promoção de “recompensas” por indivíduos delatados, cujo preço era
acertado entre delegados e seus subordinados, sem levar muito em consideração a
veracidade das denúncias apresentadas. “O cagoeta feliz comparecia à polícia e recebia Cr$
50,00 a que tinha direito por indivíduo apontado[...] via-se indivíduos que antes davam
facadas nos amigos de Cr$ 10,00 tornarem, quase de noite para o dia, ricos proprietários”
(NASSER, 1966, p.150). Outra denúncia dos recorrentes desvios das verbas direcionadas à
polícia política, era anotada no superfaturamento das compras e serviços destinados aos
presídios políticos paulistas. Segundo Antônio Vieira: “alguns carcereiros ou diretores de
presídio furtaram tanto que fomentavam ainda mais a reação, pois em virtude da falta de
alimentos no presídio os encarcerados protestavam, resultando espancamentos e mortes”
(VIEIRA, 1957, p.75).
360
“Informe reservado”. Prontuário DEOPS n.1962 do SVI.
258
Os espancamentos e as mortes eram uma realidade factual dos superlotados
presídios paulistas, promovendo, por vezes, a rebelião coletiva dos presos submetidos à
dura realidade dos calabouços durante a vigência do Estado de sítio e do Estado de guerra,
após a intentona. Um dos primeiros motins aconteceu em decorrência da morte do operário
gráfico, membro de proa da UTG, o trotskista Manoel Medeiros – o qual havia contraído
tuberculose durante sua prisão em 1932. Após conseguir escapar do primeiro cerco policial
aos membros da LCI, Medeiros foi preso em São Paulo nas diligências efetuadas contra os
remanescentes da liga, acontecidas entre maio e junho de 1936, quando caíram também
Hílcar Leite, Josephina Gomes, Fuad Mello, Fernando Salvestro, Fulvio Abramo e Ariston
Russoliello
361
. Considerado pelos policiais como um “elemento” importante da
organização, Manoel Medeiros foi torturado no DEOPS, e os policiais também o fizeram
assinar um termo de “abjuração” aos ideais de Trotsky
362
. Depois de diversas humilhações,
Medeiros foi depositado, alquebrado, nas dependências do “Maria Zélia”, vindo a falecer
sem assistência médica. A revolta que se seguiu, no dia 17 de agosto, como protesto por sua
morte, segundo Hilcar Leite, durou das oito da noite até as cinco da manhã. Os policiais
jogavam bombas no interior do presídio e os presidiários resistiam como podiam. Os
distúrbios só terminaram com a intervenção, coordenada, de diversas forças policiais
mantidas pelo Estado.
Incendiamos os colchões e fizemos uma algazarra danada [...] nós ainda lutamos
das oito horas da noite até às cinco horas da manhã, impedindo que eles [a polícia]
entrassem. E eles jogavam bombas de gás. Defesa contra o gás lacrimogêneo:
papel celofane. Defesa contra os gases queimantes: pasta de dente. Contra os
sufocantes: toalhas embebidas na água. Correu o boato que estávamos sendo
massacrados, e as mulheres e filhas dos presos se reuniram em frente da cadeia e
do palácio do governo. Foi uma confusão danada, uma coisa dura para diabo.
Ficou todo mundo intoxicado [...] (GOMES, 1988, p.182).
Outras revoltas seguiriam, potencializadas pela radicalização das
arbitrariedades policiais. O próprio “Maria Zélia” seria posteriormente palco de uma
célebre chacina, efetuada pelos carcereiros dos presos, na noite de 21 de abril de 1937. O
motivo era uma tentativa de fuga, frustrada pela equipe de vigilância comandada pelo
sargento da Força Pública, o “russo branco” Gregório Kovalenko. Outras fugas anteriores
361
Sobre o assunto, ver: CAMPOS, 2000, p. 327 a 331.
362
“Declaração de Manoel Medeiros”.Prontuário DEOPS/SP n. 177 de Manoel Medeiros.
259
haviam despertado a ira dos policiais. Em 10 de fevereiro do mesmo ano, haviam fugido do
presídio dezessete militantes de diversas correntes, entre eles estavam João Matheus, Victor
de Azevedo Pinheiro, Fuad Mello, Natalino Rodrigues, Paulo Emílio Salles Gomes, Issa
Maluf, entre outros. Dessa vez, os agentes de segurança resolveram punir exemplarmente
aqueles que haviam perturbado o seu plantão. Após o espancamento dos fujões, os
prisioneiros não envolvidos na tentativa, mantidos em suas celas, começaram a escutar a
fuzilaria. Foram sumariamente assassinados Augusto Pinto, João Varlotta, João Constâncio
da Costa e Naurício Maciel Mendes. Ficaram feridos à bala Antônio Donoso Vidal,
Valdemar Schultz e Oscar Reis.
363
A repercussão do caso obrigou o DEOPS a instaurar
inquérito para apurar as responsabilidades dos guardas, mas a sindicância os livrou de
qualquer responsabilidades. Conforme foi alegado, simplesmente, os policiais cumpriram
com seu dever.
364
Um dos prisioneiros que tentou fugir, mas foi recapturado e espancado naquela
noite, era Sebastião Francisco, o “Castro”, Secretário do C. R. do PCB de São Paulo,
responsável pela decisão de abortar a expansão da rebelião de novembro de 1935 para as
terras paulistas. Embora a decisão tenha preservado intacto o aparelho partidário em São
Paulo nos primeiros momentos da grande onda repressiva, a situação começou a mudar em
janeiro de 1936, quando a reunião de uma célula do bairro do Cambuci (realizada com o
intuito de planejar o reinicio das atividades de propaganda, estacionadas desde a intentona),
foi previamente delatada pelos observadores do Serviço Especial da SOPS. A polícia
interrompeu a reunião, realizada numa casa cita à Rua dos Alpes, prendendo o ex-dirigente
da ANL Augusto Pinto (fuzilado no episódio da fuga do Maria Zélia), e mais os militantes
Orlando Bassani, Amleto Galli, Esterlino Gonçalves e Generoso Gáudio Anastácio.
365
A partir das atividades de estreita colaboração com o DEOPS, assumidas
deliberadamente por Generoso Gáudio Anastácio, se iniciou a pior refrega da repressão
sobre a organização partidária comunista de São Paulo, desde a queda do C.C. em 1932. Os
novos membros de direção (os quais assumiram o C.R. de São Paulo entre 1933 e 1934),
haviam realizado um trabalho mais profícuo de montagem dos aparelhos clandestinos da
363
Sobre o assunto, VIEIRA, 1957.
364
Sobre o assunto, ver: Prontuário DEOPS/SP n. 5229 do Presídio Político Maria Zélia.
365
Sobre o assunto, ver: “Relatório de Investigação” DOS. 28/03/1936. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do
PCB Vol. 5.
260
organização, abstendo com mais eficiência a repressão sobre esses. Mesmo nos tempos de
legalidade da ANL, cujas atividades de fomento da organização expunham os trabalhos de
agitação e propaganda da militância, havia por parte dos dirigentes paulistas uma melhor
compreensão da necessidade de separação entre as atividades da organização “legal” e da
clandestina do partido (isso em comparação às orientações da direção de 1932). A relativa
inoperância do DEOPS, em prender os comunistas ligados ao C. R. paulista, logo no
momento após a intentona, confirmava a expansão do alento burocrático e disciplinar como
forma de ordenar as condutas dos militantes, sobretudo os dos círculos deliberativos das
hierarquias partidárias. O aparelho comunista estava melhor protegido contra as investidas
da polícia, a qual também, no primeiro momento da repressão, contentou-se em tirar de
circulação os ativistas conhecidos e “marcados” dos ambientes sindicais e das frentes
antifascistas. No entanto, depois deter a maioria dos militantes “contumazes”,
anteriormente fichados na delegacia, o DEOPS voltou suas baterias sobre as organizações
clandestinas do PCB, visto que, como sabiam os agentes, essa estava funcionando em São
Paulo, embora sem realizar atividades relevantes.
Dessa vez seria mais difícil para os policiais operarem com seu modo habitual
de investigações sobre o aparelho do PCB paulista. Isso porque os quadros reservados da
delegacia ressentiam-se da repressão pós-intentona, quando os delatados por esses foram
presos, e a própria inclusão sistemática dos informes reservados, entre as provas dos
inquéritos, revelou para os implicados – mesmo de maneira indireta – as identidades de
muitos secretas. Os documentos dos arquivos do DEOPS demonstram como diversos
infiltrados, de ampla atuação entre os anos de 1933 e 1935, ficaram “queimados” nos meios
vigiados durante a repressão instaurada após o levante comunista
366
, encerrando suas
carreiras de agentes duplos. Embora uma nova leva de agentes estivesse sendo recrutadas
nos ambientes sob suspeição, desde as fábricas até as prisões
367
, o DEOPS necessitava de
informações “de dentro” da organização para levantar as ligações e as evidências, as quais
referenciavam as operações de contenção. Informações periféricas, como a prestada pelo
Serviço Especial, apontando a reunião do Cambuci, permitiam somente uma repressão
pontual. Ao aceitar colaborar, Generoso, “quadro médio” do partido, proporcionou à polícia
366
Sobre o assunto, ver: FLORINDO, 2000.
367
Sobre a infiltração e cooptação policial nas prisões, ver: FLORINDO,2000.
261
a ponte fundamental para uma investida de maior envergadura. Isso seria reconhecido pelos
próprios comunistas em documentos apreendidos posteriormente, confirmando como o
trabalho de “agit-prop” ia bem até a detenção do “canalha Generoso, o qual, na prisão,
delatou a todos que conhecia e tudo o que sabia – e não era pouco – sendo tão rápido que
não foi possível aparar o golpe”.
368
A importância das delações de Generoso seriam
reconhecidas também pelos próprios policiais: “Generoso Gáudio Anastácio, após sua
prisão, verificada em princípio de 1936, tornou-se informante desta delegacia, e justiça seja
feita, prestou relevantes serviços”.
369
Na “queda” da reunião do Cambuci foram apreendidos diversos documentos,
como listas de nomes de simpatizantes, tarefas para serem postas em práticas, entre outros.
Nos primeiros relatórios policiais, Generoso era apresentado como o “terror do Cambuci,
responsável pela reorganização dos comitês do bairro e do Ipiranga, desenvolvendo
atividades também no Bureau da Light”.
370
Essas “apresentações” permitem supor o quanto
os policiais iriam “pesar” nas acusações contra o então “perigoso” militante, garantindo sua
condenação a uma longa temporada na cadeia. Dessa maneira, os agentes haviam criado
uma interessante moeda de troca pela colaboração, afinal, cabia aos policiais o
indiciamento, duro ou brando do implicado. Os primeiro apontamentos de Generoso,
ajudando a decifrar documentos e delatando os aparelhos de seu conhecimento, culminaram
na localização da “casa de propaganda do PCB”, situada na Rua Cardeal Arcoverde. Como
o próprio Generoso, por vezes, dormia no barracão no qual o aparelho estava instalado, não
foi difícil para os policiais localizarem a casa. Ali, além do mimeografo e de grande
quantidades de materiais, foram presos João Varlotta (que morreria na chacina do Maria
Zélia) e Sidéria Galvão, irmã de Pagú. Para essa implicada, um jornal de São Paulo
reservaria (em reportagem “sensacionalista” sobre as diligências efetuadas pela polícia) a
classificação de “comunistas das mais operosas e inteligentes”.
371
Sidéria havia mantido
“ligações”, atadas por Generoso, com a tipografia operada por Américo Juvenil. Ela
também desempenhava a incumbência de levar pacotes fechados, contendo exemplares de
368
“Prezados camaradas do C.C.” Documentação apreendida. 25/03/1936. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do
PCB vol.2.
369
“Relatório do DEOPS/SP para o DEOPS/MG”. O chefe do S.R. 11/02/1939. Cedem/Unesp. Fundo DK.
Caixa 15.
370
“Relatório de Investigação” DOS. 28/03/1936. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do PCB Vol. 5.
371
“21 comunistas processados pela SOPS”. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB vol.5.
262
A Classe Operária, para a casa de Juvenal Zanicato. Segundo os policiais, Sidéria declarou
desconhecer o conteúdo dos pacotes. Embora a detida negasse sua participação no “crime”,
uma acareação entre a moça, mais Generoso e Zanicato – os quais confirmaram os fatos de
acordo com a versão requerida pelas autoridades – implicaria definitivamente para Sidéria
a condição de ré, propugnada no inquérito
372
.
As fartas declarações de Generoso, mais os documentos apreendidos com João
Varlotta na ocasião de sua prisão – o qual, no interrogatório, provavelmente violento, cedeu
novas informações para os policiais – garantiram a prisão dos “elementos” do Bureau da
Light. No núcleo colaborador dos comunistas, identificados na empresa, foram diversos os
detidos. Entre esses estavam Alfredo Godofredo (ex-presidente do Sindicato dos operários
de tração e luz, que confirmaria, talvez também sobre forte pressão, como cedeu o
mimeografo do sindicato para o PCB), Jorge Cetl, Antônio Fernandes Martins, Diamantino
Augusto, Oscar dos Reis (dirigente do partido morto na chacina do Maria Zélia), Jonas
Trombini, Albano Ramos, Rizieri Maccioti e Wolf Feldmann. Sobre Feldmann, estrangeiro,
os policiais dedicaram atenção especial na nova leva de inquirições, tomadas dos presos
recentes. Logo as autoridades confirmavam a outra “identidade” de Feldmann. Esse era o
“‘Vlado”, “elemento” de ligação do Bureau da Light com o C.R. de São Paulo do PCB.
Segundo os especialistas do DEOPS incumbidos de “arrancar” novas informações de
“Vlado”: “[...] com a detenção desse indivíduo conseguiu-se apurar que o elemento de
ligação do PCB junto à Light era o indivíduo conhecido como ‘Reimark’”.
373
“Reimark”
372
A partir da repressão instaurada pós-intentona comunista de novembro de 1935, tornar-se-ia prática mais
comum da polícia promover acareações entre os implicados nas mesmas investigações. Embora a técnica de
confirmação das evidências fosse conhecida e mesmo utilizada anteriormente pelos policiais (isso
provavelmente desde antes da própria formação do órgão, nos anos 1920), foi com a necessidade de arrolar os
detidos em inquéritos – os quais seguiam posteriormente como processos formais de justiça – que essa
modalidade de inquirição alcançaria maior destaque nos procedimentos de formação das culpas elaborados
pelo DEOPS/SP. Assim como outros procedimentos usuais de polícia, as acareações seriam adaptadas à
lógica de culpabilização efetivada pelos agentes. Seu uso sobre os detidos recalcitrantes, justamente os que
negavam sua participação nos crimes de ordem política e social, apontados pelas “convictas” autoridades,
seria aperfeiçoado no decorrer do período. A técnica seria amplamente utilizada contra os membros do PCB,
detidos em diversas investigações posteriores a 1935. A prática sistemática da delegacia faria o partido
precaver seus militantes para os comprometedores resultados das acareações nos interrogatórios policiais.
Surgiriam normas que deviam ser seguidas pelos comunistas presos, como as prescritas na circular n. 5 do
Diretório Paulista da ANL (cuja cópia repousa nos Arquivos do Cedem/Unesp, no fundo Asmob, caixa 3):
“Negar-se aos reconhecimentos em acareações. O reconhecimento estabelece uma ligação, uma ligação
importa novas explicações”. Embora diversos militantes tenham seguido à risca essa determinação da
instância partidária, sofrendo as conseqüências (significando perdurar mais tempo sob as pressões da
inquirição violenta) outros, abatidos pela tortura, acabavam cedendo e confirmando as interrogações policiais.
373
“Relatório de Investigação” DOS. 28/03/1936. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do PCB Vol. 5.
263
era o dirigente comunista Domingos Pereira Marques, morador a Rua Tereza n. 22.
“Vlado” talvez tenha propositadamente postergado entregar essa preciosa informação, pois
quando os policiais chegaram à casa de Domingos, esse já soubera, de algum modo, das
prisões na Light, tendo se evadido do local. Outra proposição que pode corroborar a
possível “resistência” de “Vlado”, nos interrogatórios efetuados pela polícia, foi sua
exposição, de pronto, à sanha vingativa dos agentes. Antes mesmo de encerrar o inquérito,
“Vlado”, cuja nacionalidade não aparece declinada nos relatórios, foi expulso do Brasil por
ordem dos próprios delegados do DEOPS e encaminhado, provavelmente, aos tormentos
dos cárceres nazistas, porquanto seu nome era de origem alemã, e a polícia política,
deliberadamente, já exportava os estrangeiros do norte da Europa presos, mesmo os não
alemães, para o porto de Hamburgo, e não para os seus países de origem
374
.
Não obstante à investigação, a apressada fuga de Domingos deixou novos
“rastros” para os policiais. Na batida efetuada em sua casa, os agentes apreenderam, além
de “inúmeros documentos sobre as atividades do Bureau, um gráfico demonstrativo da
organização das células comunistas na Light e listas com os nomes de 65 empregados,
membros ou simpatizantes do PCB”. No mais, se o dirigente menor havia se evadido, a
campana policial mantida sobre a residência de “Vlado” renderia outro fruto precioso à
repressão. Dois dias depois da prisão do morador, ali compareceria, para efetuar ligações, o
próprio secretário do C.R. de São Paulo, Sebastião Francisco. O “grande peixe” havia caído
na rede tecida pela polícia, isso para o júbilo dos inspetores. Esses valorizariam o resultado
da pescaria aos seus superiores.
É preciso frisar, entretanto, que não se limitava ele a sua ação de coordenadora do
secretariado de São Paulo, na alta direção [...] descia até os delegados dos vários
setores da organização comunista, mantendo entendimento direto com quase todos
os membros ativistas do partido. Operário culto, colaborador do órgão do PCB A
classe operária, insinua-se com facilidade de palavra, pode ser classificado, sem
favor nenhum, como hábil condutor revolucionário.
375
374
Conforme tentou denunciar Hilcar Leite para o Secretariado Internacional da LCI antes de sua prisão em
1936: “Circula-se no seio da classe operária de São Paulo que os estrangeiros deportados – que já são em
grande número – especialmente dos países do norte da Europa não são enviados para seu país, e sim entregues
às autoridades alemãs em Hamburgo, aos quais a polícia do Brasil confia a tarefa de reembarca-los”. “Carta
de Hilcar Leite ao SI da LCI. 29/06/1936. Prontuário DEOPS/SP n. 3815 de Hilcar Leite.
375
“Relatório de Investigação”. DOS. 28/03/1936. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do PCB Vol.5.
264
Denúncias publicadas em A Classe Operária, edição de agosto de 1936,
avisavam das bárbaras torturas sofridas por Sebastião Francisco nas dependências do
DEOPS/SP. Segundo o jornal, o dirigente mofava nos cárceres da polícia, “encontrando-se
com diversas costelas quebradas e com uma provável cepticemia”.
376
Mesmo assim, foi
difícil para os policiais arrancarem informações do secretário paulista nos interrogatórios.
Segundo os agentes, o renitente Sebastião mantinha as negativas sobre questões óbvias, já
conhecidas pelos interrogadores, como a confirmação de que “Castro” ou “Barros” eram
seus codinomes na organização partidária (conforme apareciam nos documentos
apreendidos). A “positivação” dessa informação foi obtida posteriormente, com a prisão,
em abril de 1936, de Antônio Casubeck, primo do comunista Antônio Fiesk, operador de
outra tipografia do PCB invadida na ocasião, funcionando no bairro do Rio Pequeno
377
.
Essa “casa de propaganda” era a principal do partido, e ali se imprimia A Classe Operária.
Além de Casubek, também seria preso na ocasião Eusébio Gurgel do Amaral, o outro
operador da tipografia. Casubeck, em acareação com “Castro”, confirmaria aos policiais o
pseudônimo utilizado por Sebastião Francisco. Segundo o declarante, aquele era o
“Castro”, responsável pelo repasse dos artigos para serem publicados no principal jornal da
organização. O mesmo tipógrafo, nos depoimentos colhidos em 06 de maio,
378
implicaria
outro dirigente. Segundo as informações prestadas pelo depoente, além de Sebastião
Francisco, também “Leônidas” (Hermínio Sachetta), muitas vezes esteve na tipografia,
entregando documentos para serem publicados e levando o ordenado dos tipógrafos. As
informações prestadas por Casubeck seriam confirmadas por Eusébio Gurgel
379
, o qual
também citaria “Ruy” como importante membro do partido e freqüentador da casa de
impressão. Gurgel reconheceria “Ruy”por fotografias, cuja identidade, agora sabia
definitivamente a polícia, era Issa Maluf.
380
Para além das quedas das tipografias, as informações prestadas por Generoso
(mais os documentos apreendidos na casa de Domingos Pereira Marques, conforme diriam
as próprias autoridades) levariam os policiais a um “arsenal de guerra”, mantido pelo
partido na capital, situado à Rua Joaquim Távora, n. 42, numa casa alugada por José
376
A Classe Operária”. Agosto de 1936. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol.1.
377
“21 comunistas processados pela SOPS”. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB vol. 5.
378
“Termo de declaração de Antônio Casubeck” 06/05/1936. Arquivos do Cedem/Unesp. Fundos DK, caixa 1
379
“Termo de declaração de Eusébio Gurgel” 11/06/1936. Arquivo do Cedem/Unesp. Fundos DK, caixa 1.
380
Idem.
265
Fernandes. No aparelho foram detidos, no dia 06 de fevereiro, os militantes Alfredo Borges
Pinto e José Ignácio Mendes. José Fernandes, o locatário do imóvel, considerado pelos
policiais como um dos “técnico em explosivos” do PCB, conseguiu fugir antes da invasão
policial da residência. Lá os agentes fotografariam granadas, dinamite, bombas caseiras e
porções de salitre e antimônio, todas encontradas, segundo as autoridades, na referida casa.
Outra queda importante de aparelho aconteceria na Rua Assunção, n. 67. Naquele endereço
funcionava o deposito de materiais de propaganda do PCB e da ANL. Na casa, sabiam de
antemão os policiais, morava João Henrique Thorton, apontado como o estafeta do partido.
A diligência, efetuada na madrugada, para não despertar a curiosidade de vizinhos,
culminou na apreensão de mais documentos e na detenção de Thorton, João Victor da
Costa e do dirigente João Del’Osso. O último, após ser o encarregado do setor de “negros e
índios” do C.R. de São Paulo, tornando-se, em decorrência de suas atividades, muito visado
pelos policiais, “estava sem função definida, prestando auxiliar Vitor na distribuição de
materiais
381
. Embora os policiais houvessem se enganado no primeiro momento,
penetrando uma pensão próxima a casa visada, a ação logrou não despertar as curiosidades
dos vizinhos, porquanto no dia seguinte, no mesmo local, seriam presos Paschoal de Vito
(encarregado do setor aliancista) e Martins Balaguer, “espanhol de hábitos estranhos”.
Ambos foram ao depósito buscar materiais e não perceberam a presença dos policiais na
casa vigiada. Essa diligência e as inquirições posteriores permitiram aos policiais
atualizarem seus conhecimentos sobre como e por quais meios se procediam, a distribuição
de materiais de propaganda entre os membros do PCB. “O material distribuído era deixado
em diversos pontos da capital, em pacotes pequenos, com determinados negociantes, que
inconscientemente guardavam, entregando-os às pessoas que procuravam”.
382
Certo documento encontrado com Paschoal de Vito citava um novo endereço.
Paschoal foi severamente interrogado e, pelas informações declaradas, os policiais acharam
que valia a pena efetuar uma batida na Rua Epitácio Pessoa, n. 31. Lá, numa sala alugada
em nome da empresa Espósito e Galvão, funcionava o centro de operações do C.R. de São
Paulo, “onde trabalhava o referido De Vito, um estudante conhecido como ‘Alberto’
(Joaquim Câmara Ferreira), ‘Jacob’, ‘Leônidas’ (Sachetta), além do agitador Ramón Bernié
381
“Relatório de Investigação” DOS. 28/03/1936. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do PCB Vol. 5.
382
Idem.
266
que se acha em Buenos Aires numa missão especial do partido”. Ninguém foi preso na
diligência, porém a polícia se apossou de outra importante leva de documentos referentes à
organização, seus quadros e suas finanças.
Além das quedas de diversos aparelhos partidários, outros militantes seriam
presos em decorrência das investigações iniciadas a partir das declarações de Generoso
Gáudio Anastácio. Entre esses estavam Reinaldo Francisco, Antônio Fernandes Martins,
Reinaldo Martinelli, José Stachinni, José Mendrano, Virgílio Cardoso, José Rodrigues Cró
Filho, Antônio Garcia, e outros. Como prêmio, Generoso Gáudio Anastácio, embora
condenado pelo TSN, receberia a liberdade à revelia da justiça, sem não antes passar maus
bocados no Presídio Político, onde foi encerrado numa cela próxima das de suas vítimas.
Constantemente ameaçado pelos ex-companheiros, ele faria greve de fome com o intuito de
sensibilizar as autoridades para fazer cumprir o acordo prometido. Foi solto em janeiro de
1937 e incorporado aos extra-quadros do DEOPS/SP. Em janeiro de 1938, o DEOPS
solicitaria à direção da Fabrica Mariângela, em São Paulo, um emprego para Generoso,
“mesmo sem a apresentação dos documentos necessários”. Em 1939, Generoso seria
novamente detido em Minas Gerais. Considerado foragido pela polícia mineira – pois essa
percebeu sua condenação anterior pelo TSN – foi logo solto por intervenção do DEOPS/SP.
Na ocasião, os policiais paulistas confirmariam aos agentes do estado vizinho da existência
de “um compromisso de Generoso Gáudio de trabalhar em Belo Horizonte, nos meios
comunistas, a fim de informar essa delegacia”.
383
Em março de 1936 a polícia paulista vangloriava-se de sua vitória sobre o
PCB. “A propaganda comunista está passando por uma fase de paralisação, em virtude das
diligências ultimamente efetivadas. Seu organismo recente fortemente dos claros deixados
em suas hostes”. Outra importante prisão aconteceria em 26 de abril, quando a polícia
prendeu Issa Maluf, o “Ruy”, substituto de Sebastião Francisco na direção do C.R. de São
Paulo. Embora no balanço das atividades o DEOPS citasse a prisão de diversos comunistas
de projeção, incluindo o secretário regional e seu posterior substituto de breve mandato, as
autoridades reconheciam que a repressão não havia logrado atingir de forma fulminante o
quadro dirigente do partido. Tal assertiva, apostando na capacidade de regeneração da
cúpula partidária paulista, reconhecia os “louros da vitória” policial como momentâneos e
383
Sobre o assunto, ver: Arquivos do Cedem/Unesp, fundos DK, caixa 4.
267
parciais, visto que, os comunistas, como ensinava a experiência, “não abandonam a luta [...]
São designados novos elementos de direção, de articulação e propaganda. Essas novas
diretrizes são baixadas e a propaganda tende a reiniciar-se”.
384
Porém, se a repressão não havia debelado definitivamente a ação dos quadros
do PCB atuantes em São Paulo, a apreensão de grande quantidade de documentos da
organização permitiu ao DEOPS reciclar seus conhecimentos sobre o modus operandi do
organismo clandestino do partido. Os policiais percebiam como, e por quais meios, os
comunistas haviam investido na capacitação de seus militantes. Diversos documentos
apreendidos ensinavam novas posturas para os ativistas, no sentido de otimizar os
trabalhos, importando na ampliação da “discrição” em torno das atividades, para não
despertar suspeitas e atrair a polícia. Esses também ensinavam técnicas para abster a
infiltração policial. A produção de circulares internas, elaboradas para otimizar a disciplina
dos quadros e defender o partido das investidas policiais, seria mesmo reforçada após as
quedas de 1936.
385
Entretanto, já em março daquele ano, os especialistas do DEOPS
iniciaram a produção de relatórios policiais com o intuito de cientificar as autoridades sobre
as novas posturas adotadas pelos membros do PCB, demonstrando como essas reforçavam
o trabalho conspirativo do partido. A partir das informações levantadas, os policiais
refaziam os seus quadros sobre o organograma de funcionamento da organização
comunista, referenciando as novas atribuições dos militantes, como no caso do encarregado
de organização das células: “tem como tarefa principal manter a ligação com o resto do
partido, vigilância e educação para o trabalho ilegal, severo controle sobre o recrutamento
de novos membros, para evitar a entrada de provocadores”.
386
O aparelho clandestino do PCB, apesar do duro golpe, ainda sobrevivia em São
Paulo. Embora o DEOPS estivesse municiados de novas informações extraídas diretamente
do seio da organização comunista, afora algumas prisões ocasionais, durante o restante do
ano de 1936 os agentes da polícia pouco haviam conseguido efetuar no sentido de debelar a
insistente atividade dos militantes do partido, sobreviventes da grande defecção dos grupos
de esquerda. Irritava os policiais perceberem que mesmo fechando as tipografias da
384
“Relatório de Investigação” DOS. 28/03/1936. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do PCB Vol. 5.
385
Sobre o assunto, ver: “A luta contra a provocação e a espionagem”, “teses de organização”, circulares 4 e 5
do diretório paulista da ANL. Esses e outros documentos apreendidos repousam no Prontuário 2431 do PCB.
386
“A organização do PCB”. Março de 1936. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do PCB vol.5.
268
organização, em pouco tempo, os boletins e jornais estavam novamente sendo impressos e
distribuidos nas ruas. Algumas edições de A classe operária, como a fevereiro de 1937, a
qual trazia uma fotografia de cerca de cinqüenta policiais do DEOPS posando para o
registro de alguma comemoração do departamento (cuja publicação seguiu acompanhada
da identificação dos agentes), eram consideradas pelas autoridades uma provocação sem
precedentes. O DEOPS apostava na responsabilidade dos membros soltos do C.R. de São
Paulo no episódio consternador. Entre esses, um era especialmente responsabilizado,
Hermínio Sachetta, encarregado de “agit-prop”. Esse, logo após as prisões de Sebastião
Francisco e Issa Maluf, havia sido alçado ao cargo de principal direção do C.R. paulista.
Nas intensas caçadas policiais movidas contra o C.R. de São Paulo comandado
por Sachetta – considerado pelas autoridades como “tipo de homem inteligente, vivo,
maneiroso. Comunista que reúne todas as qualidades necessárias para o desempenho de sua
missão: teórico, prático, convincente
387
” – as quais perduraram entre os anos de 1936 até
1938, o DEOPS utilizaria renovados métodos e ardis. A partir de então, as investigações
contra os comunistas seriam preferencialmente comandadas por Luiz Apolônio. O policial
referido, com a gradual reestruturação dos quadros reservados, tornar-se-ia chefe desse
importante setor da repressão. Com ele na chefia das equipes de investigadores
responsáveis pela efetivação das diligências, novas técnicas de cerco e prisão seriam
paulatinamente testadas e melhoradas. Os policiais procuravam aprender com os erros e os
acertos anteriores da repressão, temperando suas práticas por meio da observação
sistemática do funcionamento (e o entendimento das rotinas) do próprio partido. Para o
investigador especializado em “comunismo”, um verdadeiro intelectual orgânico da reação,
esses eram os meios adequados para aperfeiçoar a “malícia” de seus comandados. Como
diria o próprio Apolônio: “assim como paciente é o trabalho dos que tentam subverter a
ordem, paciente deverá ser, também, o trabalho do policial, não desanimando ante um
insucesso inicial” (APOLÔNIO, 1954, p.156).
Em São Paulo, o cerco policial em torno das atividades do organismo
clandestino do PCB tornaria a se acirrar no princípio de 1937. As novas investigações se
iniciaram a partir de um telefonema da delegacia de Santos, em 13 de janeiro, “quando da
387
“Relatório”. Delegado João Carneiro Fontes, 03/09/1938. Prontuário DEOPS/SP n. 3225 de Heitor Ferreira
Lima.
269
investigação sobre um ponto de encontro comunista, foi apreendido com o elemento detido
um endereço que se tornava suspeito”. O indivíduo acampanado pelos policiais santistas era
Juventino Xavier. Durante as atividades de observação em torno das atividades de
Juventino, os policiais notaram o contato do vigiado com certo indivíduo. Após sua prisão,
um cartão com endereço anotado foi apreendido. No interrogatório – que de acordo com
outros relatos, na delegacia de Santos, costumavam ocorrer entremeados por terríveis
torturas
388
– Juventino confirmaria a procedência do cartão. Esse lhe havia sido entregue
por um companheiro de São Paulo. Naquele endereço, os militantes de Santos, enviados
para a capital, deviam procurar um tal “Silva”, responsável pelas “ligações” entre os
comunistas das duas cidades. Prontamente, os investigadores se fizeram passar por
comunistas e foram ao endereço apontado, na Rua Pedroso de Moraes, n. 12. Para surpresa
dos investigadores, no local funcionava uma empresa, cujo dono era Rodrigo Salcedo, o
qual se prontificou, sem perceber a arapuca preparada, “a fazer aproximar o ‘comunista’ à
Silva”. O policial anotou que o empresário se dirigiu ao telefone, falando “com alguém que
não foi possível ouvir”. Depois de uma hora apareceu na empresa de Salcedo uma moça
chamada “Jacy”, designada para buscar o suposto militante, “portador de um recado dos
comunistas de Santos” para o encontro com “Silva”. Esse realmente aconteceu em frente ao
cemitério do Araçá.
389
Outro “companheiro” apareceu com “Silva” no ponto do Araçá. O policial
então resolveu manter a encenação, “conseguindo dessa forma cativar a confiança de
ambos”. Um novo encontro foi marcado para o dia seguinte, às 17 horas, no mesmo local.
Enquanto isso, outros investigadores, de soslaio, acampanavam a breve reunião. Esses,
notando o fim do encontro, resolveram seguir “Silva”, prendendo-o na Rua Antônio de
Queiroz, quando descia do bonde. No DEOPS, “Silva” seria identificado como José Cintra
Freire, o militante encarregado de estabelecer ligações em São Paulo, com os comunistas
do litoral e do interior do estado. “Numa rigorosa batida em seus bolsos, constatou-se que
logo que estávamos à frente de um comunista”
390
. Outros documentos, de caráter
“extremistas”, segundo os policiais, seriam encontrados na sua casa. No mesmo dia, o
empresário Salcedo foi intimado a comparecer no DEOPS. Na delegacia, consternado, o
388
Sobre o assunto, ver: DULLES, 1985, p.96.
389
“Inquérito arrolado ao processo TSN n.388”. Arquivo do Cedem/Unesp. Fundo DK. Caixa 4.
390
Idem.
270
empresário revelou-se surpreso em colaborar com o comunismo. Afirmou conhecer “Silva”
de um serviço, quando o empregou como vidraceiro, apresentado por Laurentino Alves.
Nesse ínterim, “Silva” havia comentado que estava formando um partido democrático, de
caráter legal. Segundo o empresário, “Silva” solicitou o obséquio de dispor de sua linha de
telefone para efetuar as ligações com os simpatizantes do novo partido, pedindo para
Salcedo retornar as ligações quando alguém o telefonasse ou viesse lhe procurar,
entregando um número de telefone numa folha de papel. Salcedo passaria o telefone para o
DEOPS e enfatizaria o fato de estar sendo ludibriado por “Silva”. Mesmo porquanto as
declarações de Salcedo confirmassem às autoridades “que havia uma nova tática
revolucionária do PCB para despistar a polícia”, na qual se efetivavam, conforme
detectado, ligações por meio de telefonemas, o empresário foi prontamente imiscuído de
qualquer responsabilidade no caso. Embora o DEOPS, desde as investigações de 1936,
houvesse tomado conhecimento da prática comunistas de utilizar-se da “boa fé de
empresários e comerciantes” para efetivar a passagem de materiais de propaganda, a
antecipada absolvição do empresário, sem aprofundar as investigações, pode configurar
algo mais que a simples e espontânea convicção das autoridades, em relação à sua
inocência. Talvez algum “acerto”, ou outro tipo de compromisso que jamais seria transcrito
em relatório oficial tenha sido acordada naquela tarde de interrogatório.
No dia seguinte, o mesmo policial disfarçado de comunista compareceu no
ponto de encontro, onde também apareceu o “companheiro” apresentado no dia anterior por
“Silva”. Ambos esperaram por esse, já detido, e por “Jacy”, a qual também não
compareceu. Esperaram algum tempo os “atrasados”. Nesse meio tempo, o policial,
traduzindo o não comparecimento de “Jacy” como uma forte indicação de que essa já sabia
da prisão de Cintra Freire, resolveu não perder a chance de deter o “companheiro”. Na
delegacia, esse declinou ser José Manoel Navarro. Os interrogatórios e documentos
encontrados na casa de Navarro confirmaram aos policiais sua posição na estrutrura
partidária: estava preso no DEOPS o encarregado de finanças do C.R. de São Paulo
391
.
Uma nova leva de importantes documentos era apreendida pelos policiais. Entre esses,
alguns chamaram a atenção dos agentes. Os documentos estavam relacionados a instalação
391
Os diversos autos de declaração de José Manoel Navarro podem ser observados no Arquivo do
Cedem/Unesp, nos documentos arrolados ao processo n. 388 do TSN. Fundos DK, caixa 2.
271
de uma tipografia do PCB, existindo também tickets de pedágio. Na época, havia em São
Paulo uma única estrada cobradora desse tributo. Essa era “a auto-estrada que conduz a
Santo Amaro”. Seguindo a pista, as autoridades determinaram rigorosa vigilância policial
no trecho posterior à cabine de cobrança. Para o serviço de observação, foram designados
quinze inspetores divididos em turmas e turnos.
392
Numa outra linha da investigação, descobriu-se que o telefone entregue por
Salcedo à polícia era da oficina mecânica de Ernesto Gattai, à Rua Teodoro Sampaio, 189.
A família Gattai dispensava maiores apresentações para os policiais. O pai de Ernesto, o
velho Francisco Gattai, fundador da Colônia Cecília, foi um dos primeiros imigrantes
italianos a trazer as idéias anarquistas para o Brasil. A casa dos Gattai era freqüentada pela
nata anarquista de São Paulo. Entre os amigos da família, estavam Gigi Damiani, Edgard
Leuenroth, Orestes Ristori, Alexandre Cerchiai, Conde Frolla, e outros notórios
“extremistas” da cidade
393
. Ernesto definitivamente não era comunista, mas havia militado
nas frentes antifascistas de 1933 e 1934, fato que agravava sua situação. Implicado pela
informação de Salcedo, os policiais resolveram armar a arapuca para o libertário. No dia 15
de janeiro, Luiz Apolônio destacou dois investigadores para “as 14:30 horas em ponto,
estarem à porta da garagem, a fim de constatar, com precisão, qual a pessoa que àquela
hora atenderia ao telefone”.
394
Quando estava tudo pronto, o próprio Apolônio ligou.
Segundo suas declarações, perguntou se era Ernesto do outro lado da linha. O mecânico
confirmou. O policial então requereu um encontro com “Jacy”, tendo respondido Ernesto,
segundo Apolônio, “irei providenciar”. Os investigadores, postos à porta da oficina,
confirmariam, em suas declarações, terem escutado a resposta confirmativa de Ernesto.
Aliás, para isso eles estavam lá. Seus depoimentos seriam arrolados no inquérito, como
provas necessárias e efetivas da colaboração com os comunistas, implicando Gattai.
Embora durante os interrogatórios o anarquista negasse seu envolvimento no caso, os
policiais apostavam na anuência dos juízes do TSN, quando fosse efetuada a análise das
provas testemunhais apresentadas. Para os agentes, seria inconcebível os juízes
considerarem de valor superior as declarações de um comprovado militante da desordem,
392
Sobre o assunto, ver: “ordem de serviço” de 03/02/1937. Delegado Venâncio Ayres. Vide também
“Relatório” de 29/04/1937. Ambos os documentos repousam no Cedem/Unesp. Processo n.388 do TSN.
Fundo DK, caixa 3.
393
Sobre o assunto, ver: GATTAI, 1991, p.176.
394
“Inquérito arrolado ao processo TSN n.388”. Arquivo do cedem/Unesp. Fundo DK. Caixa 4.
272
em comparação com às afirmações contrárias, coligidas nos depoimentos dos “irretocáveis”
defensores da ordem. Nesses casos, na decantada lógica de justiça da polícia, não havia
espaços para a contradição.
Para os desconfiados policiais, “Jacy” já devia saber das quedas anteriores.
Nesse ínterim, os agentes comandados por Apolônio resolveram efetuar a detenção de
Ernesto. Encarregaram-se da prisão os investigadores ouvintes da conversa telefônica entre
o implicado e Apolônio. Este apresentou-se na oficina somente após a detenção efetuada. O
motivo era óbvio. Anteriormente, o investigador chefe e o mecânico anarquista haviam sido
vizinhos, no bairro do Brás, e Apolônio temia que seu reconhecimento prévio por parte de
Gattai, atrapalhasse as investigações
395
. Seguindo o procedimento comum, os policiais,
depois da prisão, efetuaram batida para busca e apreensão na residência do implicado, na
qual foi “apreendido material de propaganda subversiva”. Nota-se, ao citar a apreensão de
propaganda “subversiva” e não “comunista”, a evidência de que na casa dos Gattai foram
confiscados documentos de origem diversa ao PCB. Provavelmete esses eram de caráter
anarquista, compondo-se talvez de velhos jornais, boletins de conferência, entre outros
documentos, pouco implicadores de Ernesto nas atividades em prol do PCB
396
.
O ponto de ligação na oficina de Gattai renderia outras deduções para a equipe
de investigadores comandada por Luíz Apolônio. Perto da oficina residia a família Abreu,
cuja filha, Ceres, havia contraído matrimônio com Hermínio Sachetta. Os policiais
deduziram que “Jacy” só podia ser Ceres de Abreu Sachetta. No mais, “os traços
fisionômicos de ‘Jacy’ correspondem (sic) aos de Ceres”.
397
Uma nova oportunidade para
deter o “temível” dirigente comunista se abria para os inspetores, justamente no momento
em que A classe operária havia publicado a foto do staff dirigente e operacional do órgão
de contenção, que havia exposto os policiais. A casa dos pais de Ceres, situada à Rua João
Moura, n.98, e também a dos pais de Hermínio, à Alameda Nothman n.1.067, seriam, a
partir de então, sistematicamente vigiadas. As campanas ampliariam as possibilidades do
acerto da dedução, pois os vigilantes se aperceberam que desde a prisão de Cintra Freire,
Ceres não aparecia na casa de seus familiares. Era uma outra forte evidência, corroborando
395
Sobre o assunto, ver: GATTAI, 1991, p.241.
396
Idem.
397
“Relatório”. 20/03/1937. Inspetor Mário Mariano e Décio Vasconcelos. Arquivo do cedem/Unesp. Fundo
DK. Caixa 3.
273
a linha de investigação. Para as autoridades, estava cada vez mais claro: a esposa de
“Leônidas” era a sumida “Jacy”. Os familiares de Hermínio Sachetta e Ceres de Abreu
acostumavam-se a sofrer as inconveniências da vigília sistemática. Essa, apesar do
recrudescimento, não era uma novidade para os parentes desses investigados. O irmão de
Hermínio, Armando Sachetta, já havia sido preso anteriormente, em fevereiro de 1936, e
implicado em atividades comunistas, e com ele também fora detido José Stachini
398
, esse de
fato militante comunista. O pai de Ceres, Júlio de Abreu, também já contava com uma
passagem pelo DEOPS/SP, em junho do mesmo ano.
Com o desenrolar das novas investigações, outra vez as equipes de
investigadores comandadas por Luiz Apolônio lançariam uma campanha obstinada, no
intuito de localizar o paradeiro e prender “Leônidas”, responsável pelas operações das
tipografias do PCB. Sua incessante atividade em promover a organização de novas gráficas
para o partido, punha em prova o mérito e a eficácia das ações policiais para debelar as
tipografias, porquanto essas “mal eram fechadas, outra era imediatamente aberta”
(KAREPOVS, 2003. p.403). Pouco a pouco, Hermínio Sachetta estava consolidando sua
inconveniente posição de comunista mais procurado de São Paulo.
O destaque policial ao casal desaparecido recaiu sobre seus familiares. O pai de
Ceres, agora tratado como “elemento com antecedentes” foi obrigado novamente a
comparecer ao DEOPS. Dessa vez teve de ceder fotos da filha, e em seu depoimento,
confirmou o que talvez os policiais já estivessem desconfiados. Ceres de Abreu Sachetta
estava grávida – a confirmação dessa informação por seu pai foi um dos motivos do
descrédito das autoridades, em relação às demais declarações prestada por Júlio de Abreu, o
qual reinterava aos policiais que não mais mantinha contatos com a filha desde seu
desaparecimento. Ao mesmo tempo do depoimento do pai da moça, o delegado Venâncio
Aires enviava comunicado aos cartórios da capital, solicitando que os escrivães
informassem prontamente ao DEOPS sobre qualquer registro de nascimento, cuja
paternidade fosse atribuída a Hermínio Sachetta ou Ceres de Abreu. Fotos da formatura de
Ceres foram pedidas a Escola Alvarez Penteado.
399
Esses eram elementos importantes para
o reconhecimento de “Jacy”, caso fosse efetivada sua prisão. A jovem esposa, grávida, era a
398
Sobre o assunto, ver: KAREPOVS, 2003, p.433.
399
“Oficio do delegado de Ordem Social”. 26/04/1937. Arquivo do Cedem/Unesp. Fundo DK. Caixa.2.
274
isca perfeita para atrair o marido, odiado pelos policiais do departamento (embora no
contra-verso do ódio pode-se prejulgar o respeito dos investigadores pelas capacidades de
organização e liderança de Sachetta).
Enquanto se planejava o cerco sobre “Jacy”, as investigações em torno da
estrada de Santo Amaro, perdurando já por quase dois meses, positivaram resultados. No
dia 28 de março o investigador Oswaldo de Albuquerque suspeitou de um automóvel
avistado, o qual carregava o que pareciam ser pacotes de papel. “Ficando de atalaia,
prolongou o serviço naquela esquina por mais tempo e, felizmente, alguns dias após viu o
mesmo auto transitar por aquela travessa”. As observações se intensificaram sobre os
arredores da “parada Moema”, local da observação, e no dia 23 de abril, o automóvel
suspeito foi visto em frente a uma casa, indicada por um “vaqueiro” da região
400
. Naquela
época, o local (hoje o bairro do Brooklin em São Paulo) era ermo e cercado de chácaras.
Para lá Luiz Apolônio dirigiu sua equipe. Ao cercar a casa, conforme o relato policial,
“ouvimos, nitidamente, o barulho de uma máquina a funcionar”. Ao sinal de Apolônio os
agentes efetuaram a batida. Na residência apontada encontraram “uma máquina tipográfica,
tipo ‘minerva’, em bom estado de conservação e funcionamento, com seus rolos ainda sujos
de tinta”
401
. Era a tipografia do PCB na qual se imprimia A Classe Operária. Ali foram
presos os pais de José Manoel Navarro, o espanhol José Navarro Molina e sua esposa Maria
Rodrigues, além do lituano Antônio Vaivuskas. As prisões dos pais do encarregado de
finanças do PCB na tipografia do partido (cujo “emprego” na gráfica, o filho havia
arrumado para melhorar os rendimentos de sua pobre família, isso segundo seu
depoimento), fizeram José Manoel Navarro descer novamente aos porões para prestar
novos esclarecimentos. Provavelmente sob formidável pressão, devido à prisão de seus
pais, José Manoel contou em detalhes a montagem do aparelho recém caído. Talvez o
militante estivesse temeroso – não sem razões – com a possibilidade de expulsão de seu pai
espanhol, cuja paternidade de um filho brasileiro (o próprio José Manoel) não era
impedimento à extradição oficiosa, caso assim fosse deliberado no julgamento policial
extra-oficial. A situação de guerra civil na Espanha ampliava os temores em relação ao
futuro de seu progenitor.
400
“Relatório”. 29/04/1937. Arquivo do Cedem/Unesp. Fundo DK. Caixa.2.
401
“Auto de verificação e apreensão” 29/04/1937. Arquivo do Cedem/Unesp. Fundo DK. Caixa.2.
275
Por outro lado, com Vaivuskas – experiente tipógrafo, o qual, há tempos
trabalhava no ofício entre os comunistas lituanos – os policiais apreenderam uma máquina
fotográfica com filmes. Esses, mandados revelar no gabinete técnico da polícia, continham,
entre outras fotos, algumas de Hermínio Sachetta, prontamente reconhecido. Nos pertences
de Vaivuskas os policiais encontraram também uma preciosa lista de telefones. Por meio
dos números apreendidos, combinados às declarações de Vaivuskas, os policiais
conseguiram definitivamente estabelecer a identidade de “Jacy”.
402
Entre os diversos telefones relacionados, um era do dr. Omar Catunda, cuja
residência estava situada na Rua Homem de Melo, 54. A casa foi acampanada, inclusive
pelo inspetor que atuou disfarçado de comunista no contato mantido com “Jacy” (no dia em
que ocorreu também a prisão de “Silva”). Ao ver a esposa de Omar, professor da escola
politécnica de São Paulo, o policial identificou de pronto “Jacy”. Essa não era Ceres de
Abreu, e sim Eunice Catunda, pianista e futura presidente da Federação das Mulheres de
São Paulo, nos anos posteriores à queda do Estado Novo
403
. A jovem foi intimada a
comparecer ao DEOPS e lá enfrentou o interrogatório de Luiz Apolônio, como de costume,
escrivão ad hoc em todos os depoimentos. A moça de boa família, recém ingressa nas
fileiras do partido às escondidas, tinha de enfrentar o arguto interrogador, o qual orgulhava-
se em demonstrar como explorar as circunstâncias desfavoráveis e os pontos fracos dos
interrogandos nas inquirições. O fato é que “Jacy” havia dado a luz recentemente, e sua
separação do filho recem nascido, pela prisão e possível condenação em processo, era o
ponto a ser explorado nos interrogatórios. Na primeira leva de declarações, Eunice
confirmou diversas assertivas levantadas pelos policiais. Segundo a interrogada, Apolônio
havia ameaçado “pesar” nas acusações contra ela caso não confessasse sua atividade e dos
demais implicados, separando a jovem mãe da criança
404
. Sob pressão, afirmou reconhecer
todos os implicados, confirmando as ligações recebidas da oficina de Ernesto e os pontos
de encontro. Diria que não foi ao encontro marcado, o qual culminou com a prisão de
Navarro, não por conhecimento da prisão de Cintra, no dia anterior, mas porque havia se
enganado com o local e o horário. Também destacou sua prestação de serviços à gráfica do
402
Os autos de declaração de Navarro e Vaivuskas podem ser observados nos Arquivos do Cedem/Unesp,
fundos DK, caixa 2.
403
Sobre o assunto, ver: Prontuário DEOPS/SP n. 3400, de Eunice Catunda.
404
“Sentença do TSN para o processo n. 388”. Juiz Alberto de Lemos Bastos, 18/04/1939. Arquivos do
Cedem/Unesp, Fundos DK, caixa 4.
276
partido, afirmando seus contatos com um tal “Paulo”, indivíduo importante da organização
(identificado anteriormente como Hermínio Sachetta). Lembrou que já estivera na casa
desse, situada à Rua Muniz de Souza. Terminando suas declarações, “prometeu a si mesma
não mais se imiscuir em atividades comunistas ou qualquer outras de caráter partidário,
decidindo apenas cuidar de seu filhinho, recém nascido, de seu esposo e seu lar”.
405
Sem demora, a polícia foi dar uma batida na casa da Muniz de Souza. Chegando
lá, foi constatado que o casal morador do imóvel já havia se mudado do endereço. Os
policiais resolveram então procurar a dona da casa. Identificada como dona Rosa, a
senhora, após ver as fotos do casal mais procurado de São Paulo, confirmou suas
identidades. Os jovens locatários do imóvel eram Hermínio e Ceres Sachetta, os quais, por
pouco tempo, ocuparam a casa alugada, mudando-se rapidamente. Para a senhora, o casal
havia se apresentado sob os nomes de “Aurélio e Cecília Accioly”. Dona Rosa – arrolada
como testemunha no inquérito – comentaria aos policias sobre os hábitos estranhos do casal
em sua meteórica passagem pela casa, confirmando o barulho de máquinas de escrever à
noite, entre outras informações. Afirmaria ainda sua surpresa diante da mudança repentina
do casal. Na ocasião em que esses comunicaram sua decisão, Dona Rosa, surpreendida, não
tinha o dinheiro para devolver o depósito de garantia do aluguel. Por isso, combinou com
“Cecília” o prazo de vinte dias para a devolução do dinheiro. Como vencido o prazo inicial,
e Dona Rosa ainda não havia juntado o montante necessário, “Cecília” ficou de voltar à sua
residência no dia 16 de maio
406
. Era a chance que os policiais esperavam.
A casa de Dona Rosa permaneceu acampanada pelos investigadores. Quando
chegou o dia citado, Ceres apareceu, e os policiais resolveram segui-la. O intuito era fazer
com que a jovem os levasse ao encontro de Sachetta. Os agentes, durante a campana,
percebendo nas reações da moça, a possibilidade dessa ter notado a artimanha policial,
resolveram agir. Ceres foi detida e levada ao DEOPS. Sua gestação alcançava o sétimo
mês. A jovem foi por diversas vezes interrogada pelo escrivão ad hoc e sua equipe. A série
de interrogatórios, no DEOPS, quase provocaram o aborto da gestante, levando os policiais
a concederem uma estranha prisão preventiva domiciliar, na casa de seus pais, sob forte
esquema de segurança. No auto de defesa de Ceres e Eunice Catunda, no processo n.338 do
405
“Auto de declaração de Eunice Catunda”. 11/05/1937. Arquivo do Cedem/Unesp. Fundo DK. Caixa.2.
406
“Relatório”. Inspetores Mário Mariano e Décio Vasconcellos. 12/05/1937. Arquivo do Cedem/Unesp.
Fundo DK. Caixa.2.
277
TSN, o advogado de defesa cita os procedimentos terríveis do “artista” Luiz Apolônio,
postos em prática durante os interrogatórios das duas garotas: “Apolônio, figura torva de
Javert provinciano queria a todo custo cevar-se no sofrimento dos acusados [...] conduziu a
seu bel prazer os inquéritos [...] fazendo-as pela coação e pelo medo a assinar”. Enquanto a
Ceres “faltou apenas declarar-se esposa do Belzebu, até leitura de notas taquigráficas ela
fez”.
407
Embora pressionada, Ceres fez o que pode para proteger o marido e dar-lhe
tempo para fuga. Os policiais encontraram uma chave com a gestante, a qual a interroganda
afirmou ser de sua residência, dando o endereço da Alameda Nothman n.1.067. Para lá
foram enviados os policias. Esses experimentaram a chave em todos as portas e quartos dos
apartamentos do prédio, não servindo a referida para abrir nenhuma delas. No prédio
apontado por Ceres morava Adolpho Sachetta, outro irmão de Hermínio. Novamente
obrigado a comparecer ao DEOPS/SP, declarou à policia que no apartamento não residiam
nem Ceres nem Hermínio. A dissimulação de Ceres, para além de resultar no novo
“convite” ao irmão de Hermínio à polícia, ampliou suas próprias responsabilidades no
inquérito, afinal, como diziam os policiais, “é hábito entre os comunistas ocultarem sua
residência”. Mesmo assim Ceres mantinha as afirmações anteriores. Enquanto isso, a
equipe de investigadores tramava novo ardil. Mandaram publicar, em jornais de grande
circulação da capital, uma foto de Ceres acompanhada de sentimental anúncio, no qual,
uma mãe desesperada solicitava notícias sobre o paradeiro da filha, desaparecida. Os
policiais forneciam um endereço para correspondência, na realidade, moradia de um dos
inspetores do departamento. Essa tentativa deu melhor resultado que os interrogatórios.
Não demorou muito e o anúncio foi respondido, citando a casa da Rua Pagé, n.22, como
endereço da moça desaparecida. A resistência da jovem nas inquirições não fora em vão,
pois quando os policiais se dirigiram à Rua Pagé, constataram que Sachetta já havia
novamente mudado de endereço.
408
Sua detenção por pouco não ocorreu, porquanto na casa
foram encontrados novos documentos, demonstrando a pressa do líder comunista em
407
“Defesa de Hermínio Sachetta e Ceres de Abreu”. Processo 388 do TSN. Arquivo do Cedem/Unesp.
Fundo DK. Caixa.4.
408
“ Inquérito arrolado ao processo TSN n.388”. Arquivo do Cedem/Unesp. Fundo DK. Caixa 4. Sobre o
assunto, ver também: KAREPOVS, 2003, p.404.
278
abandonar o local. Os novos e incriminadores documentos apreendidos fizeram notar a
participação de Sachetta no Bureau Político do PCB.
Novamente os policiais inquiriram o dono do imóvel alugado por Sachetta.
Esse era Guilherme Zimmerman. Em seu depoimento, Zimmerman afirmou que logo após a
saída de Sachetta, um “rapaz loiro, que fazia se acompanhar (sic) por duas moças exibiu um
recado a lápis” no qual “Mário Reis” (nome fornecido por Hermínio ao proprietário do
imóvel) “pedia para fazer a entrega das roupas de sua esposa ao portador”
409
. Zimmerman
ainda chamaria o táxi, no qual embarcaram o rapaz e as moças. Os policiais rastrearam o
taxista na tentativa de positivar o endereço do “rapaz louro”. Esse era Miguel Naddeo,
primo de Sachetta. Na casa de Miguel Naddeo (o qual afirmaria as identidades das moças,
sendo elas sua irmã e sua noiva) os policiais encontraram parte da mudança de seu primo.
Naddeo seria detido “a fim de evitar possíveis entendimentos com outras pessoas, o que
viria prejudicar a nossa ação”.
410
Como mais um estorvo, sua noiva também seria instada a
prestar declarações à policia. Naddeo afirmou nada saber do paradeiro do primo, e como
punição por ajudar um notório “criminoso”, o jovem também foi arrolado no inquérito
como participante das atividades comunistas do grupo identificado.
Embora houvesse esforço dos policiais para localizar e deter Hermínio
Sachetta, esse não seria apanhado em 1937. Em 15 de junho, o policial José Gomes enviaria
um constrangido comunicado aos seus chefes na ordem social:
Cumpre-me levar ao vosso conhecimento, de acordo com as informações recebidas
pelos inspetores designados para as investigações em torno de Hermínio Sachetta,
vulgo “Paulo”, que as mesmas, até a data presente, não deram os resultados
desejados. Foram percorridos vários bairros; policiadas as estações de estrada de
ferro, observadas as estradas de rodagem; percorridos os hotéis e prédios de
apartamentos, sem que surgisse uma pista que nos habilitasse a segui-lo. As
observações em torno da esposa de Hermínio, Ceres de Abreu, também não deram
resultado, porquanto a mesma não tem mantido ligações, diretas ou indiretas, com
seu marido
.
411
409
“Depoimento de Guilherme Zimmermam, 26
a
testemunha”. 23/05/1937. Arquivo do Cedem/Unesp.
Fundo DK. Caixa 2.
410
“Relatório”. Inspetores Rafael Ennes e João Farina. 25/05/1937. Arquivo do Cedem/Unesp. Fundo DK.
Caixa. 2.
411
“Ilmo. Sr.delegado de ordem social”. José Gomes. 15/06/1937. Arquivo do Cedem/Unesp. Fundo DK.
Caixa. 4.
279
A não prisão de Sachetta havia atrasado a elaboração do inquérito, o qual foi
enviado às pressas à justiça, após um auto de reconhecimento coletivo de todos os
implicados. Esses também foram unânimes no reconhecimento fotográfico de Hermínio
Sachetta, confirmando seu pseudônimo de “Paulo”. O inquérito pedia o indiciamento, por
ferir artigos diversos da LSN, de José Cintra Freire, dos Navarros (pai e filho), de
Laurentino Alves, de Antônio Vaivuskas, de Maria Rodrigues, incluindo ainda Hermínio e
Ceres de Abreu, Miguel Naddeo, Eunice Catunda e Ernesto Gattai. A renovada pressa da
polícia em concluir o inquérito se justificava, afinal, naquele mesmo mês de junho expirara
o Estado de guerra. José Macedo Soares assumira o Ministério da Justiça, e com a
aproximação da data das eleições presidenciais, consignadas pela constituição de 1934,
“não perdeu tempo em adotar medidas que permitissem a continuação da campanha
eleitoral numa atmosfera de liberdade democrática”. À revelia da política de exceção
adotada desde novembro de 1935, e de certa maneira, fazendo refluir a vaga repressiva, a
iniciativa liberalizante adotada pelo governo (ou a “macedada”, como convencionou
chamar-se à época as determinações postas em prática pelo novo Ministro da Justiça)
permitiu a liberação de diversos presos políticos, mantidos sem culpa formada. Os cárceres
de São Paulo caíram de 400 presos para poucas dezenas (DULLES, 1985, p.110). Por outro
lado, as autoridades responsáveis pela longa investigação e inquérito contra o Comitê
Regional de São Paulo do PCB, ressentiam-se, mais uma vez, das novas determinações da
justiça, nas quais pressentiam a diminuição de seu próprio poderio no cenário social.
Com a volta do país ao regime constitucional, com maior facilidade propagarão os
indiciados em questão os seus ideais dissolventes. Trata-se, portanto de indivíduos
temíveis, cuja libertação virá prejudicar altamente os interesses da ordem pública
no Brasil.
Ao escapar do cerco policial e conseguir manter-se em liberdade, em meio ao
amplo período consignado para o reinado do terror, Sachetta havia colaborado para uma
vitória, ainda que diminuta, do PCB paulista, combalido pelos contínuos estragos policiais
efetuados em suas fileiras
412
. Para os militantes da esquerda, era um breve respiro. Porém,
logo voltariam os tempos da asfixia.
412
Alguns implicados, como Ernesto Gattai e José Navarro Molina, para o qual os policiais exigiam pena de
expulsão, conseguiram impetrar hábeas corpus que foi concedido justamente no período de relaxamento das
280
2. A imposição do Estado Novo e a caçada policial ao comitê dissidente do PCB de
São Paulo (1938 – 1939).
O que me atormenta não é ser oprimido, mas saber que a opressão se erigiu em sistema.
Graciliano Ramos.
Os policiais de São Paulo não escondiam seu desassossego com a volta das
normas constitucionais, identificadas como limitadoras do seu raio de ação. As autoridades
do DEOPS procuravam, pelos meios ao seu alcance, manter as prerrogativas de atuação,
expandidas desde novembro de 1935. A questão, fundamental para os agentes da ordem,
originou uma série de documentos nos quais se expandia, sem arremedos, a gritaria das
autoridades. Essas reeditavam as reclamações de 1934, quando da promulgação da
constituição, afirmando, novamente, como a volta do arcabouço legal da justiça
impossibilitava uma ação pronta e eficiente do policiamento contra os revolucionários e
ativistas das diversas correntes da esquerda. Aliás, o abrandamento da legislação permitia a
expansão das denúncias dos presos contra os maus tratos sofridos nas dependências
policiais. Isso, na percepção policial dos acontecimentos, era considerado uma tremenda
“inversão da realidade”, porquanto os heróis “salvadores da pátria”, em 1935, eram os
agentes de polícia, não os “pretensos mártires” comunistas. Esses “enlutariam a terra
pátria”, caso não fossem severamente reprimidos pelas autoridades.
As medidas legislativas de que o governo foi dotado para reprimir e punir os que
tentam subverter o regime resultaram em mero paliativo, os seus resultados foram
quase que anulados pelo velho formalismo judiciário [...] e o resultado é ficarem os
criminosos proclamando sua inocência em face da lei, transformada pelo
prisões preventivas. Outro que também conseguiu a liberdade era Miguel Naddeo, primo de Sachetta, sem não
antes declarar a perseguição policial sobre sua pessoa e os maus tratos sofridos nas dependências do
DEOPS/SP. O processo foi definitivamente julgado pelo TSN em 18 de abril de 1939. O juiz Alberto de
Lemos Bastos, desconsiderando a nulidade do processo pedida pelos advogados de defesa devido ao
procedimento de arvorar-se em escrivão ad hoc efetuado por Luis Apolônio, condenou José Manoel Navarro
Molina, Antônio Vaivuskas, Hermínio Sachetta e José Cintra Freire a dois anos de prisão (todos, exceto
Sachetta, já haviam cumprido a pena). Ceres de Abreu e Eunice Catunda foram condenadas a três meses de
reclusão. Os demais foram absolvidos. Sobre o assunto, ver: “Sentença do TSN para o processo 388”. Juiz
Alberto de Lemos Bastos, 18/04/1939. Arquivos do Cedem/Unesp. Fundos DK, caixa 4.
281
sentimentalismo de muitos, pela ma fé de outros e pela inconsciência de alguns,
em mártires de uma pretensa reação policial.
413
As reclamações indignadas das autoridades em relação à volta da normas
constitucionais (o que permitia, ao mesmo tempo, ampliar o espaço consentido para a
contestação das ações policiais ocorridas durante o período de endurecimento da legislação)
escamoteava uma outra verdade inconfessável. Muitos dos militantes da revolução social,
presos desde a intentona comunista e acusados de colaboração com as atividades de sedição
não tinham nenhuma relação com o PCB e o levante de novembro de 1935. A onipotência
da polícia no cenário social, proporcionada pelos rigores do Estado de exceção, havia
permitido suas prisões, e mesmo os reacionários juízes do Tribunal de Segurança Nacional
encontrariam dificuldades para condenar anarquistas, socialistas e mesmo trotskistas, entre
outros, cuja prova comprobatória de suas atividades em prol da insurreição, eram os velhos
relatórios reservados, arrolados nos inquéritos, devidamente manipulados de acordo com a
vontade dos delegados e investigadores.
Esses ativistas seriam beneficiados pela “macedada” de junho de 1937, a qual
também permitiu a soltura de diversos membros do PCB de São Paulo. Aliás, a “macedada”
ocupava um lugar de destaque nas críticas ressentidas da polícia, pois com a nova diretiva
emitida pelo Ministro da Justiça, “centenas de comunistas foram postos em liberdade para
que agora o PCB reorganize suas hostes ainda com maior facilidade [...] e com a
experiência adquirida no golpe de 1935 e uma capacidade conspiratória muito mais
aprimorada, retomam suas posições”.
414
A polícia vislumbrava novos levantes, e mesmo
antes da divulgação do falacioso Plano Cohen – alardeado em setembro de 1937 – os
agentes do DEOPS/SP já apontavam os planejamentos para uma nova sedição comandada
pelos membros do PCB.
Em um relatório elaborado em junho de 1937, as autoridades do DEOPS/SP
afirmavam como a cúpula do PCB, em consonância com as ordens do Komintern,
preparavam seus quadros para um novo levante. O referido movimento, já posto em curso,
teria proporções de maior monta quando comparado à intentona de 1935. Aproveitando-se
413
“ Confidencial: relatório apresentado ao governo” setembro de 1937. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do
PCB, vol. 6.
414
“Confidencial: relatório apresentado ao governo” setembro de 1937. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do
PCB, vol. 6.
282
da campanha presidencial e da formação de novos partidos, permitida pelo novo quadro
político, os comunistas ajustavam suas táticas de “campanhas variáveis”.
415
O intuito era
formar novas organizações legais, as quais “servirão de força de cobertura às atividades da
organização ilegal”. Até aí, nada muito diferente da ANL. No entanto, diziam os policiais,
na ocasião premente, a propaganda subversiva devia “incentivar o espírito regionalista das
massas [...] fazendo dessa a coluna mestra da agitação política”. Segundo os policiais, a
Internacional Comunista havia separado o país em três regiões, as quais tornar-se-iam
futuramente três “repúblicas” distintas, a do centro, a do norte e a do sul (cujas cidades
elencadas para serem as “capitais”, ou bases de fomento das operações clandestinas, eram
respectivamente o Rio de Janeiro, Recife e São Paulo), enviando para cada região
militantes experientes para reorganizar as células, promover a agitação e fazer tumultos
contra integralistas e o governo
416
. Com a esperada reação do Estado, o Komintern
deliberaria sobre qual região deveria iniciar-se a revolta. O despropositado plano,
apresentado pelo relatório dos policiais paulistas, encerrava com um apelo ao governo, no
sentido de unificar os esforços em âmbito nacional, para que a ação “contra o PCB seja
ampla, perfeita e rigorosa, como é esse partido em sua organização e seus métodos de
trabalho”.
417
É importante relembrar que as deliberações do governo, para o
aperfeiçoamento e ampliação do intercâmbio de informações entre as forças de repressão
do Estado, já estava na pauta de discussão das autoridades desde o congresso de chefes de
polícia, realizado em 1936, no Rio de Janeiro.
A elaboração de planos falaciosos nas dependências do DEOPS/SP, versando
sobre um vindouro levante comunista, isto desde julho de 1937, sugerem que a tal
colaboração mais efetiva entre as forças de repressão do Estado, já estava suficientemente
amadurecida, a ponto de fazer disseminar posições e posturas sub-reptícias. Quando em fins
415
Segundo Luiz Apolônio: “É o modo de poder substituir a campanha direta do partido comunista, ante a
necessidade deste, impossibilitado de fazê-lo como partido para não perder o contato com a massa popular.
Elas variam porque hoje podem oferecer um pretexto e amanhã outro, de acordo com as possibilidades ou
motivos que o momento apresentar e do qual o PCB tira proveito” (APOLÔNIO, 1954, p.134).
416
Essa informação do relatório policial, embora devidamente manipulada de acordo com os interesses das
autoridades, tinha como fundamento a ida do Bureau Político do partido para o Nordeste, acontecida ainda em
1936, sob comando de “Bangu”. No sudeste os comunistas formariam o Secretariado Nacional do centro, com
sede no Rio de Janeiro. A comissão executiva desse secretariado, composta por José Lago Moralles, Roberto
Morena, Oswaldo Costas e Domingos Brás seria presa entre julho e agosto de 1936. Sobre o assunto, ver:
DULLES, 1985; CARONE, 1991; KAREPOVS, 2003.
417
“Relatório”. J. Agostinho, 13/07/1937. Prontuário DEOPS/SP n. 2.431 do PCB. Vol. 6.
283
de setembro de 1937 o Estado-Maior do exército, na pessoa do General Góes Monteiro,
apresentou à Presidência da República o “apreendido” plano Cohen (elaborado pelo capitão
e integralista Olympio Mourão)
418
, os policiais de São Paulo redigiram,
concomitantemente, novos relatórios endossando as terríveis descobertas. Segundo os
policiais do DEOPS/SP, se a sedição comunista fosse vitoriosa, outra divisão do território
(sob orientação direta do Komintern) seria imposta à nação, “criando novas repúblicas. E
quando estiverem senhores da América do Sul, organizarão com nossos estados e com as
repúblicas sul americanas a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas da América do
Sul”. Para os policiais, o momento não era para considerações brandas ou abstratas. Havia
chegado o tempo do Estado impor sua força, “em defesa de nosso patrimônio social e
religioso”, se não, se realizaria o terrível prognóstico: “a IIIª Internacional em breve ditará
suas ordens nas Repúblicas Soviéticas do Brasil”.
419
O conveniente crédito do governo, atribuído ao plano Cohen, permitiu a volta
do Estado de guerra e cimentou o caminho para o fechamento definitivo do regime,
consolidada com a implantação do Estado Novo, em 10 de novembro de 1937. Os policiais
garantiam e ampliavam sua posição política e social, e a repressão voltou imperiosa, como
tática primordial da profilaxia social. Os novos atributos delegados à polícia política (como
as novas normas de vigilância sobre as comunidades estrangeiras e a competência para
investigação dos crimes contra a economia popular
420
), deslocaram temporariamente
diversos efetivos da perseguição aos revolucionários. Segundo o delegado Juvenal Toledo:
“assoberbados pela absorção de 50% da nossa atividade pelas questões de cartas de
chamada e permanência de estrangeiros, vamos dividindo a nossa capacidade de ação pelos
diversos setores sob nossa guarda, com as restrições impostas pelas contingências”. No
entanto, o lócus privilegiado da polícia política, nos assuntos do poder, era uma garantia do
atendimento governamental às suas repetitivas reivindicações por verbas e efetivos.
Em 10 de janeiro do corrente ano, em ofício sob n.114 [...] declarávamos, com a
indispensável franqueza, a situação de dificuldades que cerceava o nosso propósito
de acompanhar pari passu a trama demolidora do comunismo [...] houve por bem o
418
Sobre o assunto, ver: SILVA, 1983, p. 150.
419
“Confidencial: relatório apresentado ao governosetembro de 1937. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do
PCB, vol. 6.
420
Sobre o assunto, ver a coleção de decretos que modificaram a organização e as atribuições do órgão,
guardados no Prontuário DEOPS 3477 de Comunicação Interna.
284
Senhor Superintendente submeter à apreciação de V.Exa. O assunto daquele ofício;
por despacho datado do dia imediato, ficou essa delegacia mais ou menos
habilitada a dar conta de sua missão.
421
Além da expansão em atribuições e agentes, na ocasião o DEOPS também
reorganizara seus quadros reservados, lançando-os prontamente à caça dos militantes da
revolução social. Os trotskistas sofreriam os duros golpes da repressão entre janeiro e abril
de 1938. Após fundarem o Partido Operário Leninista (POL), aderente à IVª Internacional,
e retomarem a publicação do seu jornal A luta de classes, o núcleo carioca do grupo
trotskista seria preso pela polícia no mês de janeiro. No Distrito Federal seriam detidos
Aristides Lobo e seu irmão Elias, Mary Houston Pedrosa e sua irmã Elsie, Victor de
Azevedo Pinheiro, Álvaro Paes Leme, Pasquale Petracconi (acusado falsamente de ser o
mentor do Socorro Vermelho do PCB), entre outros.
422
Um pouco antes disso, Mário
Pedrosa – de passagem marcada para Paris, onde iria representar o POL em congresso
trotskista – havia repassado o mimeógrafo do grupo para Hilcar Leite. O militante, em
decorrência das últimas prisões, havia instalado o aparelho em São Paulo. Em abril de
1938, provavelmente com o concurso da vigilância e delações dos secretas, o núcleo
dirigente do POL da capital paulista também cairia nas garras do DEOPS. A primeira
prisão seria a de Pagú, a qual, naquele período, ainda estava filiada ao PCB, porém, era
cotejada para o trotskismo pelas lideranças do POL de São Paulo (o que demonstra a
discordância da militante em relação às orientações do partido, porquanto esse instava a
seus membros repelir qualquer forma de contato com os trotskistas). Ela seria presa em sua
residência, situada à Rua Chichorro. Pagú resistiria à prisão e com seu revólver dispararia
dois tiros em um investigador, não acertando o alvo. Segundo os policiais, num “cinismo
revoltante”, após ter sido imobilizada pelos demais agentes, reclamaria Pagú “Agora que
falhei, na ocasião culminante, vocês podem me levar para a polícia, pois eu bem mereço
esse castigo para não mais falhar”.
423
Após prender Pagú, os policiais, cumprindo um roteiro prévio, seguiram para a
Rua Montenegro n. 243, casa de Odila Nigro. Lá efetuaram a prisão da moradora e
421
“Relatório apresentado ao Secretário de Segurança Pública” Delegado de Ordem Social Juvenal de Toledo,
20/04/1938. Arquivos do Cedem/Unesp. Fundos DK, caixa 3.
422
Sobre o assunto, ver: DULLES, 1985, p.147.
423
“A polícia descobriu sede de uma organização extremista e efetuou prisões”. O correio da manhã.
28/04/1938. Prontuário DEOPS/SP n.1053 de Patrícia Galvão.
285
apreenderam o “moderníssimo mimeógrafo, com uma grande capacidade de produção e
uma farta coleção de publicações, tais como boletins, jornais, revistas e etc”.
424
Enquanto
faziam as apreensões, observaram um jovem do outro lado da rua, o qual, parecia surpreso
com a repentina ação da polícia. De pronto, o indivíduo foi interpelado e tentou fugir, sendo
detido após intensa perseguição por dois guardas municipais. O detido era Hilcar Leite,
que teria ido à casa de Odila efetuar ligações. Outras prisões de militantes de menor
destaque se seguiriam a essas detenções. Embora dirigentes do POL ainda estivessem em
liberdade, como Plínio Mello e Febus Gikovate, a prisão dos dirigentes cariocas e paulistas,
e a apreensão do mimeógrafo, causaram um forte retrocesso à recém formada organização.
Os combalidos anarquistas remanescentes também eram mantidos sobre intensa
vigilância policial. Suas organizações, como dito anteriormente, haviam sido debeladas em
outubro e novembro de 1934, em decorrência do conflito com os integralistas na Praça da
Sé. Os velhos e renitentes militantes espanhóis e italianos, atuantes desde a década de 1910,
mantidos presos na repressão pós-intentona, foram sumariamente expulsos do território
nacional, pouco antes da “macedada”. Os espanhóis foram entregues às falanges rebeldes
de Franco, na Espanha, e os italianos seguiram para os cárceres fascistas de Mussolini.
425
Apesar dos duros golpes, os quais dirimiram definitivamente a influência
anarcossindicalista nos meios operários em São Paulo, a polícia não abaixava a guarda e ao
sinal de qualquer movimentação, prendia os militantes sob acusação de reiniciar as
atividades “anarco-comunistas”.
426
Mesmo os integralistas, influentes colaboradores do DEOPS/SP na luta contra o
extremismo, sofreriam revezes com a decretação do Estado Novo, e a conseqüente cassação
de seu partido político. As equipes de investigadores do DEOPS também se lançariam,
embora a contragosto, contra os núcleos do partido em São Paulo, sobretudo após a
intentona integralista de 11 de maio de 1938, quando os militantes do partido atacaram o
palácio do Catete, no Rio de Janeiro, para tentar impor um golpe de Estado. A prisão dos
antigos companheiros provocariam ressentimentos e disputas entre as próprias equipes de
policiais. O próprio Luiz Apolônio tomaria ciência de que o grupo de reservados recrutados
por ele na Light, em 1932 (Vicente Guerriero, Sebastião Vieira de Carvalho, Germano dos
424
Idem.
425
Sobre o assunto, ver: CAMPOS, 1997, p. 229 a 231.
426
Sobre o assunto, ver: “Portaria de fechamento da FOSP”, 1937. Prontuário DEOPS n. 716 da FOSP.
286
Santos e Antônio de Jesus, e que ainda prestavam, na ocasião, alguns serviços ao
departamento), havia por um tempo compilado informações sobre o destacado policial e
sua família. Com a decretação da ilegalidade da AIB, os quatro subordinados acharam que
havia chegado o momento oportuno para abater o chefe, acusando-o de fazer “corpo mole”
nas diligências contra seus camaradas verdes. Acusaram também Apolônio de apreender,
para si, dinheiro e demais pertences dos detidos em suas diligências. Acusações
semelhantes seriam levantadas contra José Gomes, outro inspetor especializado,
coordenador de diversos setores da agência ao longo de sua carreira. Em sua defesa,
revoltada contra os “procedimentos inqualificáveis” dos seus subordinados, Apolônio
afirmaria “que partira de comunistas” as acusações contra sua pessoa. Esses supostamente
queriam “ver-me afastado do cargo que ocupo, pois certamente viam em mim e na pessoa
do Sr. José Gomes, sérios impecilhos à sua nefasta ação”. Contra a acusação de corpo mole,
nas diligências contra os camisas verdes, o policial redigiria sua mea culpa: “Poucos
serviços tenho prestado, na verdade, em matéria integralista ou fascista, isso porque, como
acontece na Polícia Federal, especializei-me no assunto comunista”. As acusações contra
Apolônio não tiveram maiores conseqüências, nem criaram obstáculos posteriores para sua
brilhante carreira, mas as trajetórias dos policiais subordinados encerraram-se no
episódio.
427
No entanto, pouco tempo depois, diria novamente Luiz Apolônio, em tom
confessional: “esmagado o integralismo, após os acontecimentos de 11 de maio, o PCB
teve seu campo livre”. Em São Paulo ainda restava o pior inimigo da polícia, o partido
comunista, representado pelo seu C.R., o qual o DEOPS, desde fins de 1935, tentava
inutilizar. Embora o quadro partidário paulista sofresse os duros revezes da intensa
repressão do início de 1936, continuando a pressão com o cerco policial realizado em torno
da figura de Hermínio Sachetta, em 1937, a organização sobrevivente manteve operante o
seu aparelho clandestino. Os militantes procuravam refazer e fortalecer seus contatos com
os meios operários, interrompidos pela ações policiais. Para agentes como Luiz Apolônio,
responsável direto pelas investigações contra o PCB, pressionado por acusações de outros
policiais, tornava-se incômodo admitir que o partido, por “seu estado ilegal, não permitiu
ação alguma das autoridades”. As declarações do policial confirmavam a dificuldade dos
427
Sobre o assunto, ver: CAMPOS, 2000, p. 316 –317.
287
agentes em lidar com a organização clandestina do partido. “[...] continuaram seus adeptos,
sem sede, sem função legal [...] de forma a poder afirmar: não estarem em parte alguma ou
estarem a toda parte”.
428
Embora impedido de lançar-se às ruas e promover agitações de
monta, como conseqüência da dura clandestinidade, o sucesso do C.R. paulista do PCB em
abster a desarticulação efetiva de seus trabalhos – tão desejada pelos responsáveis pela
repressão policial – também pode ser comprovado pela relativa demora dos investigadores
em descobrir importantes fatos relativos à vivência partidária. Entre esses, destaca-se o
atraso em verificar uma importante cisão, a qual sangrava as fileiras do partido, isso desde a
campanha presidencial de 1937.
A cisão envolveu a direção nacional do partido, comandada interinamente por
Lauro Reginaldo da Rocha ou “Bangu” e a direção paulista, encabeçada por Hermínio
Sachetta, ou “Paulo”. O início da refrega aconteceu com o posicionamento do partido em
relação à eleição presidencial. O grupo ligado a “Bangu” havia decidido apoiar o candidato
“oficial” do Catete, José Américo de Almeida, político da Paraíba, o qual, em seus
discursos de campanha, cotejava o apoio dos setores progressistas da sociedade. O grupo
liderado por “Paulo”, também pertencente ao Bureau Político do partido, optaria pelo
lançamento de Luís Carlos Prestes, naquele momento cumprindo prisão no Rio de Janeiro,
como candidato simbólico à sucessão. A discussão, iniciada em agosto de 1937, dividiu o
PCB e evoluiu para além do período eleitoral interrompido, atingindo seu cume já em plena
vigência do Estado Novo. As acusações do grupo liderado por “Paulo”, com o aporte
significativo de “Luiz” (Hillio de Lacerda Manna), contra o “oportunismo” e “sectarismo”
do grupo de “Bangu”, era respondido por esse, mais “André” (Elias Reinaldo da Silva),
com acusações de “fracionamento trotskista”. Em meio às expulsões mútuas e formações
de novas instâncias deliberativas pelos interessados (as quais excluíam e desqualificavam
as instâncias formadas pelos opositores em contenda), o PCB ficou seriamente fracionado.
Em torno das posições divergentes, dividiram-se os quadros importantes do partido.
Apoiando “Bangú” e “André” estavam, entre outros, Carlos Mariguella, Eduardo Ribeiro
Xavier, Sebastião Francisco, Joaquim Câmara Ferreira, Noé Gertel, Domingos Brás,
Domingos Pereira Marques e Armando Rodrigues Coutinho. O apoio a “Paulo” e “Luiz”
428
“Relatório do chefe do Serviço Reservado”. Luiz Apolônio, 30/06/1938. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do
PCB. Vol. 8.
288
também era significativo, sobretudo em São Paulo. Entre os militantes que apoiavam o
grupo paulista (ou foram incluídos pelo grupo de “Bangu” na lista de divisionistas)
429
,
estavam Heitor Ferreira Lima, Tito Batini, Arthur Heládio Neves, Fuad Mello, Issa Maluf,
José Stachinni, Arnaldo Pedroso D’Horta, Alberto Muniz da Rocha Barros, Carmo
Giaconelli, Antônio Costa Corrêa, José Zacharias de Sá Carvalho, entre outros.
Os policiais paulistas (zelosos defensores da importância de informações
diretas dos meios investigados para orientar as diligências policiais), somente tomaram
ciência da cisão intestina da organização comunista em fins de dezembro de 1937. Esta
informação não foi obtida pelos quadros próprios da agência, mas sim devido a uma
importante diligência, efetuada pelo DEOPS do Paraná, que prendeu parte do C.R. daquele
estado, cujos militantes estavam ligados ao grupo de Sachetta. O cerco da polícia
paranaense aos quadros atuantes naquela região (muitos deles enviados pelo C.R. de São
Paulo), já durava alguns meses quando foram presos Altair Mena Barreto, Artur Heládio
Neves, Jorge Herlain e Max Laszek, acompanhados do mimeógrafo, apreensão sempre
valorizada pelos policiais. Com o grupo, também foi apreendida uma quantidade enorme de
documentos, os quais cientificaram os policias do Paraná da ligação do C.R. do Estado com
São Paulo.
O chefe do Serviço Secreto do DEOPS/PR, delegado Mário Augusto Queiroz,
pediu o auxílio do DEOPS de São Paulo para identificar os militantes presos, solicitando
mais informações sobre o trânsito de ativistas entre os dois estados da Federação. Luiz
Apolônio, desta forma, foi enviado ao Paraná. Para o inspetor paulista, foram apresentados
os documentos apreendidos no estado vizinho, e a polícia paranaense deliberou em permitir
novo interrogatório dos presos, efetuados por Apolônio. De volta a São Paulo, o inspetor
redigiu um relatório no qual valorizava suas recentes descobertas. “É indiscutível que os
documentos apreendidos são de real valor, e cópias dos mesmos serão remetidas em breve
para São Paulo”
430
. Eram documentos do C.R. dissidente de São Paulo, o qual, já havia
formado um Comitê Central Provisório (C.C.P.), e marcava uma conferência nacional para
referendar a nova instância partidária, contrária ao Bureau Político do partido. Aliás, os
429
Sobre o assunto, ver o “documento dos 15” in LIMA, 1982, p.209 a 221. Para maiores informações sobre a
cisão e seus desdobramentos, ver a abrangente obra de KAREPOVS, 2003.
430
Relatório da viagem efetuada a Curitiba pelo encarregado da seção de investigações desta delegacia”. Luiz
Apolônio, 16/12/1937. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do PCB. Vol. 6 doc. 567”.
289
documentos recomendavam aos militantes, “evitar qualquer ligação” com o grupo de
“Bangu”, “que não merece confiança”. Daí, concluiu Apolônio: “há uma série divergência
na direção nacional do PCB, motivando até uma cisão”. Embora a polícia de São Paulo não
conseguisse identificar “Bangu” e “André”, prontamente o investigador identificou “Paulo”
como Hermínio Sachetta, não sabendo ainda quem era “Luiz Xavier”. Apolônio atribuiu a
liderança do partido aos dois últimos, afirmando que o “Comitê Central do PCB deve estar
funcionando em São Paulo, sob a direção de ‘Paulo’, ou seja, Hermínio Sachetta, conhecido
desta delegacia, auxiliado por ‘Luiz’, não identificado”. Analisando os interrogatórios e os
documentos, ainda diria Apolônio:
Vê-se, portanto, que há uma referida divergência no PCB, e a direção deste,
desejando reorganizá-lo, apelou para o Estado do Paraná, ao respectivo Comitê
Regional, afim de que este enviasse para São Paulo um bom elemento dali, para
tomar parte na reunião qual será discutida a questão da reorganização da direção
nacional do PCB.
431
Outra importante informação seria conseguida por meio do interrogatório de
Altair Mena Barreto, secretário do C.R. paranaense do partido. Esse informou dos sistemas
de ligação entre Curitiba e São Paulo. Diria Barreto à Apolônio, que no Bar Paratodos,
situado no Largo Santa Ifigênia, em frente ao cinema homônimo, havia um vendedor de
amendoins chamado “Américo”. Para se efetuar ligação com os comunistas de São Paulo,
bastava dizer ao tal “Américo”:“venho do Paraná, trago carta para seu amigo”. De posse de
novas e importantes pistas sobre as atividades dos militantes do agora C.C.P de São Paulo,
novamente a polícia resolveu apertar o cerco.
O bar foi acampanado, com poucos resultados. No dia 23 de fevereiro o próprio
Apolônio, fazendo passar-se por um comunista fugitivo da repressão no Paraná, efetuou
ligações com “Américo”, o vendedor de amendoim. “Américo” mordeu a isca e resolveu
apresentar o suposto comunista para “Bernardo”. Como diria o próprio Apolônio: “à hora
aprazada, compareci novamente, e desta vez fui apresentado a ‘Bernardo’ [...] expus-lhe
minha ‘odisséia’. Disse-lhe que era um perseguido da polícia do Paraná, e que havia
conseguido fugir de Curitiba”. Apolônio ainda afirmaria não conhecer ninguém em São
Paulo, confirmando a “Bernardo” que estava sem dinheiro. “Bernardo” mordeu a isca,
431
“Relatório da viagem efetuada a Curitiba pelo encarregado da seção de investigações desta delegacia”.
Luiz Apolônio, 16/12/1937. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do PCB. Vol. 6 doc. 567.
290
concordando em apresentar “Otávio” ao policial disfarçado. No dia seguinte, Apolônio
voltou ao bar e depois de alguns rituais de despiste, por parte de “Bernardo”, esse
apresentou Apolônio a “Otávio”. Quando Apolônio apertou a mão do novo conhecido e
disse “camarada”, os demais investigadores entraram em ação e efetuaram a prisão do
grupo. Na delegacia, os presos perceberam que Apolônio era um policial
432
. Os detidos
foram identificados como o romeno Américo Lillienfield “Américo”, o português Heitor
Nunes de Azevedo “Bernardo” e o russo Sérgio Chipiakoff “Otávio”. Embora os três
fossem estrangeiros, a polícia não seguiu o expediente comum de instaurar portaria de
expulsão para os detidos. Aliás, diferentes de outros casos anteriores, os três seriam soltos
em março. O intuito policial era utilizar-se dos três como iscas, para conhecer mais ligações
entre os militantes do partido, e aprofundar seus parcos conhecimentos sobre as atividades
atuais dos membros do C.R de São Paulo, e de seu recém formado Comitê Central
Provisório. Relatórios posteriores confirmam as intenções policiais. Os detidos daquele dia,
liberados posteriormente, seriam mantidos sobre cerrada vigilância e campana pelos
investigadores.
433
De posse das informações sobre a atuação de militantes paulistas no C.R. do
Paraná, os policiais conseguiram deter Fuad Mello na cidade de Pitangueiras, em São
Paulo. Segundo Dainis Karepovs, a prisão de Fuad, ocorrida em janeiro de 1938, permitiu
aos policiais ampliarem seus conhecimentos sobre a cisão. Em seus depoimentos, tomados
nas cidades de São Paulo e Curitiba, o fugitivo do Maria Zélia em 1937 (quando estava
preso por atividades em prol da trotskista LCI), confirmaria o recebimento de um convite
dos membros do C.C.P. para atuar em Curitiba, aceitando o encargo. Nos depoimentos,
Fuad criticaria os membros dirigentes do PCB, “que viviam como príncipes recebendo altos
vencimentos” e delataria os nomes de importantes membros da dissidência, como Hilio de
Lacerda Manna o “Luiz”, incluindo também no campo paulista, “Barreto” (pseudônimo
conhecido dos policiais, sabendo ser utilizado por Heitor Ferreira Lima). Fuad afirmaria
também que em São Paulo havia duas facções do partido, uma fiel ao velho C.R., e outra
ligada a “Bangu”. Segundo documentos internos do partido apreendidos posteriormente, os
depoimentos de Fuad haviam provocado uma verdadeira derrocada no Paraná. Para os
432
“Relatório ao delegado de ordem social”. Luís Apolônio, 24/02/1938. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do
PCB. Sobre o assunto, ver também KAREPOVS, 2003, p.401.
433
“Inquérito policial do processo TSN n. 626.” Arquivos do Cedem/Unesp, fundos DK, caixa 4.
291
comunistas do Estado vizinho, Fuad havia se tornado um novo Generoso Gáudio
Anastácio
434
(KAREPOVS, 2003, p.389-391).
De fato, como havia notado Karepovs, posteriormente à prisão de Fuad o
DEOPS/SP passou a produzir relatórios mais acertados sobre a cisão. Nesses, os nomes
dos líderes eram apontados com maior precisão, assim como o apoio recebido para cada
lado nos diversos comitês regionais do partido. As notícias sobre a cisão demonstravam
também, aos agentes, de forma indireta, a movimentação do PCB para reestabelecer suas
ligações destroçadas em 1935 e 1936. Já era do conhecimento das autoridades que em torno
da liderança “carioca” de “Bangu”, haviam se aliado antigos membros dirigentes do C.R.
de São Paulo, tais como Noé Gertel “Camargo” e “Jurandir” (Joaquimmara Ferreira).
Sobre o último, apesar da polícia não lograr desvendar seu verdadeiro nome, os agentes já
haviam estabelecido sua identificação como um antigo estudante de engenharia, outrora
morador de São Paulo. Sobre os membros do C.C.P, já eram citados, nominalmente, além
Hermínio Sachetta e Heitor Ferreira Lima, outros como Issa Maluf e Mário Grazzini
435
.
Como bem lembrou Karepovs, Grazzini, importante militante sindical do partido no início
dos anos 1930, não tomou parte na cisão, porquanto havia sido expulso do PCB em 1934
(KAREPOVS,2003, p.392).
Outro aporte decisivo para a melhoria das informações foi a infiltração policial
junto às bases de sustentação do grupo dissidente de São Paulo. Aliás, a inclusão de
Grazzini, entre os membros do C.C.P., pode ter sido ventilada por meio das fontes
coletadas pelos secretas. Como relembra Heitor Ferreira Lima em suas memórias, em 1937,
o então líder dissidente procurou o seu velho amigo Grazzini em Santos, local onde vivia o
“aposentado” militante, afastado de qualquer atividade partidária, trabalhando no jornal A
Tribuna e vivendo com sua família. Heitor o procurou para o interar das recentes disputas
no PCB e tentar trazer o experiente sindicalista de volta à luta. Grazzini, expulso
anteriormente do partido por querelas internas, educadamente recusou o convite (LIMA,
1982, p.184). Talvez a viajem de Heitor à cidade de Santos para falar com Grazzini tenha
434
Interessante notar que durante sua prisão em 1936, quando militava junto a LCI trotskista, Fuad Mello
havia declarado à polícia: “se entusiasmou com o movimento da Liga pois seus componentes prometiam
muita coisa, como por exemplo, a vitória da revolução proletária e a conseqüente melhoria de posição para o
declarante e demais membros.” “Inquérito indiciando os militantes da LCI” Delegado Geraldo Cardoso de
Mello, 29/06/1936. Prontuário DEOPS/SP n. 3815 de Hilcar Leite.
435
“Relatório”. Delegado Venâncio Ayres, 10/02/1938. Prontuário DEOPS/SP n. 333 de Mário Grazini.
292
sido detectada pelo secreta X.U, ou Amaro Cavalcanti, o “Pernambuquinho”, que
trabalhava junto aos contatos de Ferreira Lima. Aliás, uma novidade da reorganização dos
quadros reservados do DEOPS, além da alocação dos agentes em setor específico nas
dependências da delegacia, foi a orientação para utilização de senhas, as quais substituíam
os nomes dos agentes, conferindo mais discrição à atividade. Segundo os relatórios das
autoridades, o aporte de reservados nas diligências sobre os dissidentes conduziria a
resultados profícuos para a investigação, como diria o delegado Venâncio Ayres:
Restava a polícia colher o indispensável material impresso editado pelo PCB sobre
o importante assunto da crise verificada nessa organização revolucionária.Com a
recente reorganização dos quadros reservados da delegacia de ordem social, foram
baixadas instruções no sentido de se conseguir o desejado, e de fato, há dias vieram
às mãos da referida delegacia, secretamente, os documentos mimeografados que
serviram para, minuciosamente, ser examinada a importante questão da dissidência
verificada na alta direção do PCB
436
.
O DEOPS então tinha conhecimento da atuação, em São Paulo, de dois
comitês diferenciados do PCB, e as autoridades resolveram centrar fogo no grupo
“paulista”. Sobre esses, a polícia política, ao longo do tempo, já havia levantado mais e
melhores informações. Afora isso, nesse grupo atuavam militantes bem conhecidos, os
quais, por muito tempo, haviam estado na mira dos agentes da repressão (caso de Hermínio
Sachetta). Outra consideração importante para a tomada de decisão policial, foi o
reconhecimento de que o núcleo do C.C.P. controlava os aparelhos do partido na capital
(como a gráfica na qual se imprimia A Classe Operária). Os relatórios reservados
atestavam também as consolidadas ligações do grupo nos meios operários paulistas,
ampliando sua periculosidade em relação ao grupo comandado por “Bangu”.
437
Como
afirmaria sobre “Paulo” e “Barreto” o delegado Juvenal Juvêncio: “elementos de real valor
[...] ambos contam com grande prestígio na capital”.
438
No mais, com os dados levantados
por meio da infiltração, os policiais afirmavam estar “seguramente informados” das
deliberações de Moscou, que enviaria um representante do Komintern para arbitrar o
conflito. Conhecedora do perfil dos militantes dissidentes, e de posse de um volume maior
436
Idem.
437
Sobre o assunto, ver: “Relatório reservado”, agente XG, 04/02/1938. Prontuário DEOPS/SP 2431 do PCB.
Vol. 6.
438
“Relatório apresentado ao Secretário de Segurança Pública”. Delegado de Ordem Social Juvenal de
Toledo, 20/04/1938. Arquivos do Cedem/Unesp. Fundos DK, caixa 3.
293
de documentos sobre a cisão produzida pelo grupo ligado a Sachetta, velho e respeitado
inimigo, os especialistas de delegacia apostavam: da contenda intestina, sairiam vencedores
os membros do C.C.P.. Segundo os prognósticos dos agentes, os militantes “paulistas” se
fortaleceriam no papel de líderes incontestes da organização ilegal. Para os especialistas do
DEOPS/SP, os quais insistiam em ver e compreender a cisão com “olhos paulistas”
(KAREPOVS, 2003, p.395), a vitória da ala Sachetta (diagnóstico que não se confirmou),
mais “à esquerda” do grupo rival, e com melhores ligações nos meios operários da capital,
parecia trazer preocupações de maior relevância para o policiamento do que uma possível
vitória dos comunistas ligados a ala “Bangu”.
E fora de dúvida que a ala de São Paulo, segundo tudo faz prever, saíra vitoriosa na
questão, não só porque as acusações que ora lhe são sacadas não procedem, como
porque tratam-se, indiscutivelmente, de elementos de real valor e sobretudo, os
verdadeiros e sinceros revolucionários marxistas-leninistas.
439
Enquanto o DEOPS ampliava seu leque de conhecimentos sobre o grupo
paulista, foi efetuada a importante prisão de Issa Maluf, reconhecido líder do C.C.P, a qual
ocorreu, por acaso, na capital. Issa Maluf caminhava com outro companheiro pela Alameda
Ribeirão Preto, perto da Avenida Paulista, quando topou com o investigador “Cuiabano” do
DEOPS/SP. Esse o reconheceu de sua prisão anterior (encerrada não com o cumprimento
da pena, e sim com a fuga do Maria Zélia). Tanto “Cuiabano”, como os comunistas,
ficaram, por um momento, perplexos com o inesperado encontro. Num instante, Issa e o
outro companheiro resolveram fugir, cada qual tomando o rumo contrário ao outro.
“Cuiabano” resolveu perseguir Maluf, seu conhecido, permitindo a fuga do outro
“elemento”. Issa foi recapturado, enquanto o outro, “ouvindo tiros”, correu primeiro em
zigue-zague e depois em linha reta. Esse militante que conseguiu escapar, desconhecido do
inspetor “Cuiabano”, era Heitor Ferreira Lima (LIMA, 1982, p.231).
Embora Ferreira Lima houvesse logrado escapar do inesperado encontro com o
policial, o cerco montado pelo DEOPS em torno das atividades dos dissidentes logo
começaria a positivar resultados concretos. Coincidência ou não, isso aconteceu no mesmo
momento em que o Komintern deliberou no sentido de apoiar as diretrizes da ala “Bangu”.
439
“Relatório ao Exmo. Sr. Secretário de Segurança Pública”. Delegado Venâncio Ayres, 10/02/1938.
Prontuário DEOPS/SP n. 333 de Mário Grazini.
294
E o primeiro quadro importante do partido a cair nas garras da polícia, devido às
investigações efetuadas, foi o próprio Heitor, preso em 15 de maio numa reunião na casa do
espanhol Francisco Parra, também detido na ocasião. O convite para Heitor participar do
encontro fora feito por Sérgio Chipiakoff, o russo que estava sendo vigiado pelos
investigadores do departamento. Outra fonte policial para o conhecimento prévio do
encontro era o infiltrado Amaro Cavalcanti, o “Pernambuquinho”, o qual também estava
presente na casa de Francisco Parra. Ali também seria preso “Maurício”, ou Átila Medeiros,
militante do C.R. do Paraná. Esse fora enviado para São Paulo antes das diligências
policiais que destruíram a organização comunista naquele Estado. Para Heitor Ferreira
Lima, foi o secreta “Pernambuquinho” o responsável pela “preparação” do cerco polical à
reunião, terminada com a prisão dos participantes.
Após a reunião, ao despedir-me de ‘Pernambuquinho’, ele esboçou um sorriso
cínico, onde transparecia certo contentamento, que me calou fundo, num quase
arrepio que nunca mais pude esquecer. Já na rua, o grupo de tiras comandados por
Luiz Apolônio, chefe dos investigadores, cercou-me, colocando-me num
automóvel que me levou para a Ordem Política e Social (LIMA, 1982, p.229).
Durante o interrogatório nas dependências do DEOPS, conduzido por
Apolônio
440
(o qual procurava enfatizar a participação de Heitor na cisão do partido,
apoiando-se na leitura dos materiais apreendidos pela polícia, citando as referências as
atividades desempenhadas por “Barreto”), esse confessaria a Heitor dos “esforços” de suas
equipes de investigadores para efetuar sua detenção. Segundo o relato, Apolônio diria ao
interrogado sobre as diversas prisões de suspeitos, identificados no primeiro momento,
pelas equipes de investigadores, como prováveis “Barreto” do PCB. Entre essas, o
investigador incluiu a de um jóquei, cujo engano foi logo verificado, porquanto esse era de
pequena estatura, enquanto Heitor era um homem alto, conforme já era de conhecimento
dos chefes dos investigadores (isso desde a prisão anterior de Heitor, acontecida em 1932).
Após prestar declarações, extenuado, o militante foi colocado numa cela individual e
permaneceu lá, incomunicável, por mais de um mês. Heitor só sairia de seu cubículo,
cambaleante e debilitado, para participar do auto de reconhecimento de Hermínio Sachetta
(LIMA,1982, p.230 –231).
440
“Auto de declaração de Heitor Ferreira Lima”. 16/05/1938. Arquivo do Cedem/Unesp, fundo DK, caixa 3.
295
Hermínio Sachetta seria finalmente detido em 02 de junho de 1938. Os
policiais do departamento retomaram a campana sobre Ceres de Abreu, a qual estava
morando com seus pais na Avenida Aclimação, n. 824. A observação iniciou-se no dia 18
de maio (três dias após a prisão de Heitor) e envolveu a mesma equipe de investigadores
responsáveis pelas campanas sobre Ceres e Eunice Catunda, em maio e junho do ano
anterior. A prisão aconteceu quando o casal encontrou-se na Livraria Brasil, na Rua
Benjamin Constant.
441
Ambos foram trazidos para o DEOPS, onde os esperava o exultante
Luiz Apolônio. O investigador chefe logo deliberou a elaboração de um relatório,
comunicando a prisão aos seus superiores. Nesse, o policial valorizava a importância da
diligência, referenciando os sérios prejuízos ao partido de São Paulo, concatenados pela
prisão dos dois importantes líderes (Sachetta e Ferreira Lima).
A delegacia de ordem social, fazendo sentir sua ação apenas contra os elementos
de cúpula, esta certa que com a detenção de ‘Paulo’ e ‘Barreto’, a facção de São
Paulo sofreu rude golpe, porquanto é inegável que ambos eram a força motriz da
organização nesta capital.
442
Nos interrogatórios, levados a cabo nas dependências policiais, Hermínio
Sachetta procurou negar todas as formulações elaboradas por Apolônio com o intuito de
comprovar sua “identidade” como “Leônidas” ou “Paulo”, dirigente do partido
comunista.
443
Embora os policiais houvessem juntado, ao longo do tempo, uma diversidade
de materiais (desde documentos apreendidos até declarações de outros detidos),
comprovadores de que os codinomes em referência eram utilizados por Sachetta,
Apolônio, diante das negativas do inquirido, resolveu promover um auto de
reconhecimento do novo preso com Heitor Ferreira Lima. Assim como Sachetta, Heitor
havia assumido uma postura de “não colaboração” em seus interrogatórios anteriores. Esse
conseguiu, mesmo sob tortura, esconder seu endereço, visto que no local havia um
mimeógrafo do C.C.P. (LIMA, 1982, p.228). No entanto, na acareação promovida pelo
inspetor chefe, surgem versões conflitantes sobre suas declarações. Segundo os policiais,
441
“Relatório da prisão de Hermínio Sachetta”. 02/06/1938. Inspetor José Gomes. Prontuário DEOPS/SP n.
3196 de Hermínio Sachetta.
442
“Duas importantes diligências efetuadas pela Delegacia de Ordem Social de São Paulo”. 03/06/1938.
Prontuário DEOPS/SP n. 3196 de Hermínio Sachetta.
443
Os “autos de declaração” de Hermínio Sachetta podem ser observados nos Arquivos do Cedem/Unesp.
Fundos D.K, caixa 4.
296
Heitor reconheceu Sachetta e Sachetta não reconheceu Heitor, isso perante testemunhas.
444
No livro de memórias de Heitor Ferreira Lima, o autor diria que negou peremptoriamente
conhecer Sachetta (LIMA, 1982, p.231). Corroborando a versão de Lima, pode-se
conjecturar que se tratava da prática reconhecida do DEOPS em forjar declarações e manter
nas dependências da delegacia uma troupe de indivíduos, cuja função, entre outras, era
prestar-se ao serviço de assinar, como testemunhas, nas diversas deliberações policias, as
quais exigiam esse procedimento. No entanto, as provas arroladas contra os dois dirigentes
já eram suficientes para o enquadramento desses em inquérito policial e indiciamento na
LSN, no seu artigo n. 20, o qual deliberava penas para aqueles que promoviam,
organizavam ou dirigiam sociedades cujo escopo fosse a subversão da ordem
445
. Talvez o
apontamento categórico da identidade de Sachetta por outro renitente dirigente comunista,
fosse, para Luiz Apolônio, o merecido retoque final para uma caçada policial que consumiu
esforços e perdurou durante pelos menos dois anos e meio. Tal apontamento, se não foi
fornecido por Heitor Ferreira Lima, seria referendado pela própria ala vitoriosa do cisma no
PCB, quando o jornal A classe operária divulgou a nota de expulsão dos “trotskistas
policiais” “Barreto”, “Paulo” e “Luiz”, fornecendo seus nomes legais, como era de praxe.
Tal informação seria incluída como prova no inquérito policial elaborado pelo DEOPS.
446
Ali, diante do chefe dos investigadores do DEOPS, estavam os líderes
comunistas mais procurados do Estado. Os agentes da ordem, embora cientes de que
diversos militantes do antigo C.R. de São Paulo, transformado em C.C.P., estavam ainda
em liberdade (incluindo Hilio de Lacerda Manna, o qual só seria preso em janeiro de 1939),
sabiam da importância das prisões dos dois líderes (as quais, somadas ao apoio do
Komintern ao grupo de Bangu, praticamente desarticulava a organização clandestina do
PCB paulista, cujo cerceamento policial perdurava desde a intensa repressão de 1935). Para
os policiais, seria uma questão de tempo efetuar a detenção dos “elementos” restantes. No
entanto, para surpresa de Luiz Apolônio (elaborador e operador de diversos ardis para
encontrar e deter Hermínio Sachetta), não imaginava o “Javert paulistano” que o líder
comunista, recém detido, podia ainda lhe causar, em curto espaço de tempo, novos
constrangimentos perante seus superiores.
444
“Auto de reconhecimento”. 26/06/1938. Arquivos do Cedem/Unesp, fundos DK, caixa 4.
445
Sobre o assunto, ver: TERRA, 1939, p.150.
446
“Inquérito policial arrolado ao processo 705 do TSN”. Arquivos do Cedem/Unesp, fundos DK, caixa. 2.
297
Na prisão, Sachetta “arrumou” uma tuberculose (DULLES, 1985, p.166). No
dia 11 de agosto de 1938 ele, mais o trotskista Victor de Azevedo Pinheiro foram
transferidos para hospitais da capital. O primeiro para o Cruz Azul e o segundo para o
Hospital do Jaçanã. O forte esquema de segurança, armado para vigiar o Hospital Cruz
Azul, esbarrou na recusa da diretoria da entidade em permitir que os agentes de segurança
fossem postados no interior do prédio. O “perigoso” Sachetta primeiro foi transferido para
o Jaçanã, e depois conseguiu em 15 de agosto uma remoção para a casa de sua mãe. O
inspetor Apolônio consentiu diante do atestado médico, sem saber que esse havia sido
fornecido por um médico simpático ao partido, mas manteve a casa da Rua Tupy n. 438 sob
severa vigilância. Em 20 de agosto, Apolônio, consternado, avisava os seus superiores:
Hoje, porém, com surpresa, não só para mim como para todos os funcionários
dessa sessão, fui procurado pelo sr. Ítalo Sachetta Junior, irmão de Hermínio
Sachetta que me comunicou haver se ausentado este, ontem à tarde, e não mais
regressando à residência. Chamados os inspetores que estavam vigiando o referido
preso, estes não souberam explicar como se teria verificado a fuga. Estou
providenciando a captura de Hermínio Sachetta novamente
.
447
Como decorrência da fuga de Sachetta, novamente seria convocado a
comparecer na delegacia o sr. Júlio de Abreu, pai de Ceres, sempre incomodado por
Apolônio devido às peripécias de seu genro. No seu depoimento, para além de afirmar que
havia aconselhado Sachetta a não tentar nenhuma fuga, e confirmar seu desconhecimento
sobre o paradeiro atual do marido de sua filha, Júlio de Abreu comunicou aos policiais o
sumiço de Ceres, a qual fugiu de sua casa, provavelmente acompanhando o marido. Fez
também uma denúncia contra o advogado Castilho Cabral, contratado para defender o casal
no julgamento do TSN. Segundo Julio de Abreu, o advogado “declarara que mediante a
quantia de 10.000$000 trataria de defesa de Hermínio e com a mesma poderia ‘comprar’ o
procurador do TSN, ou outro qualquer funcionário daquela corte”.
448
Tal declaração não
mereceu por parte dos policiais melhores esclarecimentos.
449
Interessava somente prender
Sachetta.
447
“Relatório” O Chefe do S.R. Luiz Apolônio. Prontuário DEOPS/SP n. 3196 de Hermínio Sachetta.
448
“Termo de declaração de Júlio de Abreu”, 27/08/1938. Arquivos do Cedem/Unesp, fundos DK, caixa 4.
449
Outra denúncia sobre as venalidades praticadas pelos membros do TSN seria efetuada por Davi Nasser em
sua obra Falta alguém em Nuremberg: “A maneira de reduzir as penas no TSN era desapertar o bolso e
pagar bem. Houve o caso de um jovem comunista, com grande responsabilidade no partido, que sabia o que
298
Novas pistas do paradeiro de Sachetta seriam reveladas com a denúncia do
guarda livros Domingos Massari ao seu amigo, o investigador do DEOPS Heráclito
Corrêa.
450
Massari procurou Corrêa porque suspeitava de um inquilino, o qual alugou um
quarto em sua casa, tendo desaparecido vinte dias depois, sem levar seus pertences
pessoais. O inspetor logo suspeitou que o inquilino pudesse ser Sachetta e convidou
Massari à delegacia para um reconhecimento por fotografias. O reconhecimento confirmou
a denúncia. Passado alguns dias (visto que o novo apontamento ocorreu concomitantemente
à visita de Getúlio Vargas a São Paulo, cujo esquema de segurança mobilizou os efetivos
especializados do DEOPS), os policiais deram uma batida no quarto alugado por Sachetta.
No local, na casa cita à Rua Santo Amaro, novas apreensões de documentos e objetos
pessoais foram feitas. Embora cuidadoso, e mudando de casas ao menor sinal suspeito,
Hermínio Sachetta seria novamente detido em 15 de outubro. Na prisão, o líder do PCB
paulista, mais seu companheiro Rocha Barros (Cintra), se converteriam, de fato, ao
trotskismo. Sua “deserção”, embora denunciada como traição, seria também lamentada
pelos antigos companheiros do Comitê Central Provisório de São Paulo, “se bem que
procurando sempre afastar sua influência sobre os companheiros mais jovens”(BATINI,
1991, p.241). Aliás, a recaptura de Sachetta ocorreria na mesma semana em que o
DEOPS/SP prendeu as demais lideranças dissidentes do PCB de São Paulo, as quais ainda
estavam em liberdade.
Após mover intensa campanha ofensiva para prender “Paulo” e “Barreto”,
líderes do C.C.P., contra os quais os policiais já haviam juntado abundantes provas
documentais sobre suas atividades, resolveram as autoridades recolher-se temporariamente.
O intuito era aprofundar suas observações contra os demais quadros da agora alquebrada
dissidência atuante em São Paulo. Embora o cenário político ditatorial garantisse ampla
liberdade de ação à polícia, resolveram os agentes não precipitarem novas detenções sem
sucederia se caísse em mãos da polícia. Deunciado pelo cabo Itamar, um preso que não resistiu às torturas e
revelou o nome dos cúmplices, Otávio Valença, tal era seu nome, conseguiu boas gratificações e à custa de
ótimas gorjetas, ouviu do Benedito essa declaração: ‘Nada posso fazer para soltá-lo, porque o Itamar carregou
muito. Mas você ganhará dois anos de prisão. É sopa. Depois de três meses, peça uma revisão, que eu
arranjarei com o Serafim Braga para que você saia livre.’ Tudo aconteceu conforme o plano traçado.”
(NASSER, 1966, p.98).
450
“Relatório”. Chefe do S.R. 22/08/1938. Arquivo do Cedem/Unesp, fundos DK, caixa 4.
299
antes colher mais provas, incriminando definitivamente as lideranças ainda em liberdade
451
.
Escaldados desde a “macedada” de 1937, os policiais de São Paulo sabiam que mesmo o
tribunal de exceção requeria provas para condenar os indiciados. Remeter inquéritos para
apreciação dos juízes, cujas atividades dos implicados não fossem consubstanciadas em
provas documentadas, era passar um atestado de incompetência investigativa, o que não
cabia bem a um órgão expandido em rotinas burocráticas, efetivos materiais e importância
política. No mais, de acordo com a nova organização dos procedimentos de justiça, julgar
por livre convicção era um atributo do tribunal, e não mais da autoridade policial, pelo
menos nos casos de maior importância. Embora a instância de justiça corroborasse as
indicações dos inquéritos policiais nos julgamentos, os juízes do TSN já haviam se
mostrado ciosos de suas atribuições. Esses estavam de posse do direito de condenar ou
absolver, mas por uma questão de reputação, não o fariam como faziam anteriormente os
agentes de polícia, nos distritos obscuros das periferias. No processo movido contra as
lideranças trotskistas presas no Rio de Janeiro, nos primeiros meses de 1938, o juiz Alberto
de Lemos Bastos “criticou os relatórios dos investigadores da polícia por tirarem
conclusões de toda espécie. Disse que tais conclusões não eram fundadas em fatos e que
cabia ao juiz e não aos policiais tirar conclusões” (DULLES, 1985, p.148). O processo
terminou com a provocativa absolvição de Pasquale Petracconi, Mary Houston Pedrosa,
Elias e Aristides Lobo, por falta de provas. Um recado mais contundente seria impossível.
Uma nova oportunidade para o DEOPS/SP retomar a ofensiva contra as
lideranças dissidentes, ainda à solta emo Paulo, apareceu com a prisão do comunista
Cosme Zullo, detido por um guarda civil que o flagrou distribuindo boletins “subversivos”
nas ruas da capital. Encaminhado ao DEOPS, Zullo foi interrogado. O intuito dos policiais
era saber quando, onde e como Zullo havia arranjado os boletins para distribuição. No
interrogatório, Zullo confirmou que os boletins eram feitos por ele mesmo, em sua própria
casa, com um “réco-réco”, ou um rudimentar mimeógrafo. Uma batida foi efetuada em sua
residência, e os policiais não encontraram o referido instrumento. Percebendo a postura
dissimulada de Zullo, os policiais retornaram mais severos nos interrogatórios, assistidos
451
Como cita o inquérito policial arrolado ao Processo do TSN n. 705, contra Tito Batini, José Zacharias de
Sá Carvalho e outros. Após citar as prisões de Hermínio Sachetta e Heitor Ferreira Lima, o delegado confirma
a opção das autoridades de “continuar a observar os demais compontentes da dissidência, contra os quais não
havia agido até aquela época por falta das indispensáveis provas”. Inquérito arrolado ao Processo do TSN n.
705. Arquivos do Cedem/Unesp, fundos DK, caixa 2.
300
desde então pela mãe do detido – arrolada posteriormente no processo como testemunha.
Nessa segunda fase das inquirições, aconteceu uma mudança surpreendente nas posturas de
Zullo. Embora os documentos policiais não revelem os motivos, talvez pouco apreciáveis
para o relato em ofícios de polícia, o militante passou de uma posição renitente, para uma
postura de maior colaboração com as autoridades. Nessa ocasião, Zullo entregou o
endereço certo da casa na qual estava escondido o “réco-réco”. Zullo também confirmaria
que efetuava ligações em pontos de encontro com outro comunista, cujo vulgo era
“Sumaré”, já conhecido dos policiais, porquanto seu codinome aparecia em diversos
documentos apreendidos.
452
A “ajuda” de Zullo nas investigações não se limitou a prestar informações. Foi
provavelmente por seu intermédio que os policiais localizaram “Sumaré”. Esse passou a
ser acampanado pelos agentes do DEOPS logo após a confissão de Zullo sobre os seus
encontros com o referido militante, conhecido pelo codinome pelos investigadores. Embora
não exista documentação comprobatória, é possível mesmo que Zullo, após sua detenção,
tenha comparecido a um ponto de encontro e se ligado a “Sumaré”, isso sob a discreta
observação policial. Parece mesmo factível a possibilidade da ocorrência de um “acerto”,
entre as autoridades e Zullo, pois o preso, renitente no início das investigações, apesar do
“flagrante” no momento da detenção, teve posteriormente suas “responsabilidades”
relaxadas no inquérito enviado ao TSN. A apreciação da conduta de Zullo pelo delegado
responsável da elaboração da peça processual, é unica nos documentos observados no
DEOPS a respeito das atividades de comunistas confessos.
453
Sobre a ligação de Zullo com
os comunistas dissidentes, diria o delegado:
Cosme Zullo é um operário e, conforme veremos, foi ele ludibriado por outros
comunistas. Como homem bom e simples, que é, notamos que, embora houvesse
faltado com a verdade em informar que o ‘réco-réco’ se encontrava em sua
residência, teria dito, facilmente, a verdade, porquanto, não afeito as lutas
revolucionárias e tratando-se de um homem sincero e despido de malícia, teria
agido sob a natural reação e influência dessas boas qualidades. Assim é que, dias
após as primitivas declarações, foi novamente ouvido, e dessa vez, não titubeou em
relatar a verdade.
454
452
Inquérito arrolado ao Processo do TSN n. 705. Arquivos do Cedem/Unesp, fundos DK, caixa 2.
453
Sobre o assunto, ver também FLORINDO, 2000.
454
Idem.
301
O fato é que sem maiores explicações, os policiais localizaram “Sumaré”. Ao
invés de efetuar a prisão, como era corriqueiro, os agentes resolveram perseguir o militante
para observar novas ligações e recolher novas informações. A experiência das investigações
anteriores desaconselhava a prisão atabalhoada. Isto faria a polícia perder novos indícios e
pistas importantes, além de fazer as investigações desandarem. Contra os “ardilosos
comunistas”, a malícia policial aconselhava a paciência e a imitação dos métodos do
partido, como meios fecundos para a realização de um trabalho efetivo, ou, como diria
Apolônio: “o trabalho conspirativo dos comunistas é cercado de inúmeros cuidados [...]
francamente há muito o que aprender com esses ensinamentos. Imitemos, neste particular,
os conspiradores comunistas. Sirvamo-nos do mesmo método e tática.” (APOLÔNIO,
1954, p.118).
A campana sobre “Sumaré” efetivou bons resultados para a polícia. No dia 11 de
outubro os investigadores anotariam um ponto de encontro, onde o comunista se ligou a
outro militante, já conhecido da delegacia (era o português Luis Ramos). No dia 12
“notamos uma atividade que não nos é estranha. O carregamento de dois grandes pacotes
do centro da cidade, para um bairro muito afastado, o que é comum notar-se entre
comunistas”. O policial observador anotaria como “Sumaré”, e ainda um outro
companheiro (esse desconhecido dos agentes) haviam deixado os pacotes numa casa na
distante Vila Maria. Após saírem os comunistas (ambos seguidos por policiais da equipe de
campana) os agentes resolveram “isolar” a casa e “verificar o que continham os pacotes”.
Constatando que os mesmos estavam carregados de boletins de propaganda comunista,
resolveram manter a casa “interditada até o dia seguinte, isto é, até que as diligências se
completassem”.
455
No outro dia, quando saiu de sua casa o “companheiro” de Sumaré, já estavam a
postos os policiais. Esses notaram que o “elemento” havia deixada a residência, recém
detectada, com um pacote como aqueles verificados na casa isolada no dia anterior. O
“companheiro” se dirigiu à Rua João Adolpho, penetrando noutra casa, já observada
anteriormente pelos investigadores. Desconfiado que no endereço estava sendo realizada
uma reunião comunista, e percebendo as “provas materiais” dessa atividade, portadas pelo
“companheiro”, o inspetor Apolônio resolveu agir e deliberou a invasão policial. Conforme
455
“Inquérito arrolado ao Processo do TSN n. 705”. Arquivos do Cedem/Unesp, fundos DK, caixa 2.
302
ditariam os agentes aos repórteres dos periódicos paulistanos, nas notícias saídas
diretamente do DEOPS, para transcrição nas páginas policiais:
Procedendo uma rápida diligência, a polícia conseguiu prender em flagrante de
atividades quatro indivíduos no quarto acima referido. Lá se encontravam
‘Sumaré’, cujo verdadeiro nome é José Zacharias de Sá Carvalho; José Munhoz
Garcia Netto, o mesmo que no dia anterior havia carregado um dos pacotes para a
Vila Maria; Tito Batini, mais conhecido por ‘Jaime’ e finalmente, Cleido Queiroz
Maia, locatário do quarto em questão [...] Tito Vézio Batini, no momento em que a
polícia entrou no quarto, estava sentado junto a uma máquina datilográfica,
batendo um estêncil que, certamente devia ser reproduzido em mimeógrafo, e que
se tratava de propaganda comunista. Próximo à máquina, também se encontravam
respectivos originais e, esparsos, aqui e acolá, variadíssima quantidade de
documentos de propaganda subversiva, de agitação.
456
Após efetuar as detenções, foi solicitado o comparecimento da polícia técnica
no local. Essa registrou em fotografias o material apreendido. No mesmo dia, os policiais se
deslocaram para a casa na “longínqua” Vila Maria. Ali os policiais deteriam o português
Hermínio Augusto, morador da casa, já observado anteriormente num encontro com
“Sumaré”, quando esse estava sob campana. Na casa foram apreendidos diversos materiais
e um mimeógrafo. A campana sobre “Sumaré” levaria à outra prisão, visto que no dia 11 de
outubro, os investigadores encarregados de seguir os passos do comunista, observaram um
encontro desse com outro indivíduo, “baixo, aparentando 28 anos, vestindo terno azul” num
ponto de encontro. Um dos policiais seguiu o indivíduo, anotando sua entrada num prédio
da Rua Consolação, não voltando à rua. O agente deduziu que essa devia ser a casa do
vigiado. No dia 14, antes mesmo do indivíduo perceber as prisões acontecidas, o DEOPS
efetivou uma diligência no prédio apontado pelo policial. No local seria detido o russo
Samuel Huck, para o qual existia portaria de prisão preventiva solicitada pelo DEOPS do
Paraná, pois Huck pertencia ao C.R. caído anteriormente naquele Estado. Outro detido nas
diligências seria Luiz Ramos, irmão de Hermínio Augusto, também observado em
encontros com “Sumaré”. Os documentos policiais não fazem menção ao momento ou local
no qual foi detido esse indivíduo, que segundo os relatos dos policiais, já era prontuariado
na delegacia por atividades comunistas.
456
“Importante diligência realizada pela DOPS”. O correio paulistano. Arquivos do Cedem/Unesp, fundos
DK, caixa 2.
303
Após a onda de detenções, se iniciaram nas dependências da polícia política as
inquirições, orquestradas pelo experiente investigador costumeiro. Como dito
anteriormente, embora o regime político garantisse as prerrogativas justiceiras da polícia,
havia a necessidade de elaborar peças processuais para o encaminhamento à justiça, a qual,
mesmo sendo de exceção, requeria provas nos autos, para comprovar as atividades
sugestionadas de conspiração comunista. A tarefa era facilitada pela própria natureza do
TSN, no entanto, como a experiência de 1935 e 1936 já havia ensinado aos policiais, a
relação entre a arbitrariedade policial e o poder dicricionário da justiça agora era mediada
pelo inquérito encaminhado pelas autoridades. Isso importava em aprimorar a construção
das evidências do crime, denotando uma melhor articulação entre as provas documentais,
(ditas abundantes), e os testemunhos tomados dos acusados. Apolônio e seus agentes,
acostumados com a renitência de muitos quadros clandestinos do partido em confessar suas
atividades, sabiam como nos “duelos” dos interrogatórios (compulsórios para o
desfavorecido depoente), tanto a pressão como a malícia eram armas fundamentais para a
condução satisfatória das inquirições, isso de acordo com os objetivos policiais.
Assim, foi com pressão e malícia que se iniciaram as interrogações. A polícia
procurava aplainar o caminho, isso mesmo antes de qualquer inquirição oficial. Ao
prenderem os quatros comunistas na Rua João Adolpho, um dos investigadores se dirigiu
ao acampanado José Zacharias de Sá Carvalho, chamando-o de “Sumaré”, e dando tapinhas
amigáveis em suas costas.
457
Mais que deboche, procurava o investigador lançar dúvidas
sobre a posição de “Sumaré” perante o grupo, afinal, se estavam diante de um
“provocador”, seria impossível avaliar quanto a polícia sabia das atividades dos presos,
sobretudo porque ficariam isolados e incomunicáveis na delegacia, pelo tempo de duração
das inquirições. Aliás, os quatros detidos na Rua João Adolpho foram obrigados a
reconhecer que “a polícia surpreendeu hoje em flagrante atividade ilegal”
458
, diminuindo as
chances de renegarem a acusação de atividades em prol do comunismo. O próprio
“Sumaré” seria confrontado com os relatórios de campana, reconhecendo, após a leitura de
Apolônio, “que percebe como a polícia, nos dia 11 e 12 do corrente, seguiu seus passos,
457
“Termo de declaração de José Munhoz Garcia”. 13/10/1938. Arquivo do Cedem/Unesp, fundos DK, caixa
2.
458
“Termo de declaração de José Munhoz Garcia”. 13/10/1938. Arquivo do Cedem/Unesp, fundos DK, caixa
2.
304
porquanto as suas respostas foram afirmativas e corroboram perfeitamente com os pontos e
horários anotados pelas autoridades”.
459
Como era de praxe, todos os indiciados foram
obrigados a declarar uma breve biografia de suas atividades em prol do PCB, do C.C.P e da
montagem da gráfica do partido, estourada pelos policiais.
Porém, diante do arguto interrogador, os indiciados procuraram contrapor a
malícia com malícia. Tito Batini conseguiria mesmo constranger Apolônio e sua equipe,
pois, depois de conseguir esconder seu endereço, por quatro dias de inquirições, acabou por
confessar o local de sua moradia, situada ao lado do DEOPS, na Rua Rio Branco. Segundo
relatou em seu livro de memórias, “Apolônio irritou-se com seus comandados, chamando-
os de cegos, incapazes, suspendendo o interrogatório, retirando-se em passos marciais, não
sem antes mandar que eu, como castigo, fosse transferido para outra cela ainda pior”
(BATINI, 1991, p.238). Batini também criaria o personagem fictício “Marcos”, para
desviar a atenção dos interrogadores sobre diversas ligações observadas. Outro que
inventaria personagens seria José Munhoz Garcia Netto, com seu “Nelson”. Nos dizeres
dos interrogadores: “sobre esse desconhecido procura descarregar parte da
responsabilidade”. As tentativas de ludibriar as autoridades eram transformadas, pelos
policiais, em atestados da periculosidade dos detidos, como na apreciação do inquérito
sobre a conduta de Batini nos interrogatórios. “É este o verdadeiro tipo de comunista
militante, inteligente, e que procura, a todo momento, esquivar-se da culpa que lhe cabe”.
460
A polícia comparava as declarações e apontava as supostas contradições.
“Sumaré” procurou negar, como asseveravam os policias, que seu primeiro encontro
anotado, com Luiz Ramos, estivesse relacionado à montagem da gráfica do partido na Vila
Maria. Como Luiz Ramos era alfaiate, exercendo sua profissão no mesmo subúrbio citado,
“Sumaré” tentou fazer valer a impressão que o havia procurado para encomendar um terno.
Para os policiais, tornava-se impossível para um jovem endinheirado, e estudante de direito,
a encomenda de roupas numa alfaiataria de periferia. Outros procuravam demonstrar que
suas ligações com os demais indiciados eram meramente casuais. A essas declarações,
contrapunham os policiais suas convicções, cujo referendo era o valorizado conhecimento
dos meios vigiados: “não se compreende como, de um conhecimento casual, surjam
459
“Termo de declaração de José Zacharias de Sá Carvalho”. 17/10/1938. Arquivo do Cedem/Unesp, fundos
DK, caixa 2.
460
“Inquérito arrolado ao Processo do TSN n. 705”. Arquivos do Cedem/Unesp, fundos DK, caixa 2.
305
importantes incumbências. Sabemos muito bem que os comunistas, quando recebem uma
ou outra incumbência, sabem perfeitamente com que estão lidando”. Embora os comunistas
presos procurassem manter enquanto podiam o desvantajoso duelo com seus inquisidores,
seria mais difícil imiscuir-se das suposições formuladas a partir das apreensões de
documentos. Vale lembrar que o DEOPS juntou documentos referentes à cisão do PCB
desde a detecção do cisma em fins de 1937. Agora, uma nova leva de apreensões ampliava
o leque de informações levantadas pela agência.
Os documentos apreendidos levaram à prisão do comunista Marcos Andreotti,
estafeta do partido, procurado desde o ano anterior. Os simpatizantes Domingos Antônio da
Silva e Maria Callejon seriam presos porque receberam boletins para distribuir entre
operários. Os documentos apreendidos com Tito Batini confirmariam sua “identidade”
como “Jaime”, figura de proa do C.C.P. extinto de São Paulo. Tal informação seria
confirmada por Marcos Andreotti, no reconhecimento por fotografias. Embora Batini não
assumisse o seu pseudônimo de “Jaime”, como requeria Luiz Apolônio, uma petição de
próprio punho, manuscrita pelo indiciado enquando estava preso, foi comparada aos
documentos manuscritos, também apreendidos, assinados por “Jaime”. Segundo os
policiais, nem foi necessário realizar exame grafológico no gabinete de investigações para
Batini, diante da nova evidência, confirmar sua identidade secreta, confirmando sua posição
de líder do partido dissidente. Aos documentos apreendidos se juntaram as
comprometedoras acareações, como a de Hermínio Augusto com Zacharias de Sá Carvalho.
Depois de alguma relutância do segundo, esse acabou por confirmar o reconhecimento, já
efetuado pelo primeiro. Outra acareação, importante para a criação das provas do inquérito,
foi realizada entre Cleido Queiroz Maia, mais os novamente detidos Américo Lilienfield,
Sérgio Chipiakoff e Heitor Nunes de Azevedo. Esses foram mantidos soltos e vigiados
enquanto puderam fornecer à polícia novas observações sobre o grupo de comunistas
dissidentes. No entanto, no momento em que não eram mais importantes para a
investigação, foram presos e acareados com os demais detidos, sobretudo com aqueles que,
conforme sabiam os policiais, haviam se utilizado do esquema de ligação a partir do bar
Paratodos.
Encerrando o inquérito, o DEOPS pediu o indiciamento de todos os envolvidos.
A defesa dos presos no TSN ficou ao cargo do advogado Alberto Nunes Brigagão,
306
anteriormente simpatizante da Comissão Jurídica e Popular de Inquérito. No seu auto de
defesa, Brigagão não poupou críticas à atuação da polícia. Afirmou que o processo todo
fora parido por Apolônio, porquanto esse, “em crise e comprometido junto aos seus
superiores, precisava apresentar serviço”. Afirmou a invalidade das provas documentais,
juntadas desde 1937. Para o advogado, as evidências apresentadas, sobrepostas como
estavam, pareciam mais uma “macumba”, elaborada pelas autoridades. Brigagão reclamou
também dos termos de declaração, questionando os modos e meios utilizado pelos policiais
para “arranjarem” as confissões, apontando corajosamente as práticas ilícitas de
manipulações das informações, entremeadas pelas sessões de tortura.
É interessante a seguinte observação. Nos processos que a polícia pontifica, os
acusados todos confessam os crimes. Não é difícil compreender-se que uma das
seguintes hipóteses, ou as duas conjuntamente, expliquem esse fato: ou a polícia
escreve o que quer e obriga o acusado a assinar, como sendo a própria confissão,
sem saber o que estava escrito, ou o acusado sabe o que estava escrito e assina-o
obrigado pelo castigo e pela violência [...] neste processo ( e o mesmo se observa
nos demais) as testemunhas que a polícia apresenta e que jamais assistem ao que se
passa, são agentes de polícia, são inspetores, são encostados, sem residência,
algusn, sem profissões, outros e sem idoneidade, todos [...] a polícia rotula de
comunistas a todos que ela entende prejudicar. A ordem política e social do Brasil
tem estado sempre ameaçada justamente pela própria polícia.
461
Embora as opiniões arrazoadas de Brigagão fossem apresentadas
consubstanciadas por antigas denúncias comprovadas em juízo, como um caso de 1935,
envolvendo Luiza Peçanha de Camargo Branco
462
(absolvida pelo juiz devido ao auto de
defesa do advogado, no qual esse conseguiu demonstrar os violentos “ardis usados pela
polícia” para arrancar confissões) as reclamações do advogado, dessa vez, não
encontrariam eco nas deliberações do juiz do TSN.
Considerando não estar provada que tenha havido a coação alegada, contra os
acusados e testemunhas neste processo, pois no próprio corpo de vários
depoimentos são feitas ratificações reclamadas pelos depoentes, as irregularidades
anteriores não justificam a presunção que todas as investigações policiais de São
Paulo sejam realizadas sob coação e violência.
463
461
“Auto de defesa pelo advogado Alberto Nunes Brigagão dos envolvidos no Processo n.705 do TSN”.
Arquivo do Cedem/ Unesp, fundos DK, caixa 2.
462
O prontuário DEOPS/SP de Luíza Peçanha de Camargo Branco é o de n. 2422.
463
“Sentença do Processo n. 705”. 20/06/1939, juiz Alberto Pereira Braga. Arquivos do Cedem/Unesp,
fundos DK, caixa 2.
307
A recusa do juiz em acatar as denúncias mais graves, promovidas no auto de
defesa dos indiciados no processo n. 705 do TSN, demonstram como o DEOPS/SP, pouco a
pouco, ajustava seu modus operandi às novas injunções da máquina burocrática da justiça.
Assim como prender comunistas era uma questão de experiência e malícia, construir
processos legais, escamoteando as arbitrariedades da polícia, também era uma questão de
aprendizagem, argúcia e por vezes, manipulação de ofícios. O saldo final ainda não era
perfeito, pois nem todos os implicados, nos propositadamente inchados inquéritos policiais
elaborados pelo DEOPS contra os membros e simpatizantes do C.C.P. de São Paulo, seriam
condenados. Mesmo assim o TSN apenou os líderes dissidentes (com exceção de Hilio de
Lacerda Manna) e os militantes de maior destaque, quase todos em consonância ao
indiciamento sugerido pelos inquéritos policiais.
464
Após um breve interregno “liberalizante” entre 1934 e 1935 (o qual tanto
incômodo causou aos zeladores da ordem), e uma volta ao passado “antiquado” das prisões
e das “condenações” a partir das convicções das autoridades policiais (na densa repressão
após intentona), o Estado Novo e sua justiça de exceção ajustavam e renovavam os espaços
consentidos para a propagação da arbitrariedade policial no trato da questão social. Uma
outra modernização – conservação, essa intestina ao aparelho de repressão, ampliava seu
espectro em meio à imposição de uma nova ordenação jurídica para o controle dos conflitos
sociais e o silenciamento das oposições políticas. A polícia da ordem se modernizava sem
perder aquilo que nela era essencial: sua posição de destaque nas atividades violentas de
“profilaxia social”, tramadas conforme o velho arranjo entre as necessidades do controle do
poder e a percepção das autoridades envolvidas nas práticas do policiamento.
464
Seriam condenados a penas diversas Hermínio Sachetta, Heitor Ferreira Lima, José Cintra Freire, Antônio
Vaivuskas, Ceres de Abreu, Eunice Catunda, José Manoel Navarro, Tito Batini, José Zacharias de Sá
Carvalho, Issa Maluf, Atílio Gonçalves, José Munhoz Garcia Netto, Amletto Galli, Attila Medeiros
Rodrigues da Silva, Cleido Queiroz Maia, entre outros. Sobre o assunto, ver sentenças dos juízes do TSN para
os processos n. 299, n.388 e n.705. Arquivo do Cedem/Unesp, fundos DK, caixas 2 e 4.
308
3. A inovação e a continuidade das práticas de investigação policial: as prisões dos
quadros dirigentes do PCB em São Paulo e no Rio de Janeiro (1939 – 1940).
A propaganda comunista inquieta, já agora, todo o mundo. A estratégia e tática comunista aperfeiçoam-se
constantemente. Adaptam-se, perfeitamente, às circunstâncias peculiares a cada país. Impõe-se, pois, dia a
dia, a necessidade do aperfeiçoamento do combate ao comunismo. Infelizmente abundam aquêles que ficam
no ‘viver e deixar viver’, muito cômodo. As organizações policiais de todo o mundo não poderão, porém,
ficar nessa atitude passiva, ingênua, perigosa.
Laudelino de Abreu.
Após prender os comunistas dissidentes e encerrar as atividades do Comitê
Central Provisório (ou antigo C. R. de São Paulo do PCB), numa campanha de cerco e
desmanche, cujo início remontava ao ano de 1936 (intercalando sucessos e fracassos em
diligências de maior ou menor envergadura), as atenções do DEOPS se voltaram para os
comunistas da denominada “ala Bangu”. Sabiam os policiais das ações do grupo em São
Paulo e, com a deliberação favorável do Komintern às proposições da ala, na luta intestina
do partido, aliada ainda às prisões das lideranças dissidentes realizadas na capital paulista,
deduziram os especialistas que a atuação do grupo devia se intensificar na cidade. Os
secretas foram instados a anotar a movimentação dos comunistas, pois, como ensinava a
experiência policial, não demoraria muito para ocorrer o retorno da agitação e da
propaganda “vermelha” nos meios populares (incomodando as autoridades responsáveis
pelo controle e vigilância dos espaços sociais). Em novembro de 1938, um mês após a
prisão definitiva de Sachetta, o DEOPS foi informado da presença de “Bangu” na cidade.
“Ligou-se (sic) ele a vários elementos do partido, alguns dos quais, se não a maioria,
estranhos nesta capital e procedentes de outros Estados do país”.
465
Soava o alarme aos
responsáveis pelo policiamento paulista.
Os quadros secretos do DEOPS/SP, atuantes na coleta de informações sobre as
atividades da “ala Bangu” na capital, eram os mesmos das diligências de cerco efetuadas
contra os comunistas dissidentes.
466
Entre eles, destacava-se “Pernambuquinho”, ou Amaro
465
“Inquérito policial contra os membros dirigentes do C.R. do PCB de São Paulo”. Delegado A.P. Pinto
Moreira, 22/12/1939. Arquivos do Cedem/Unesp, caixa 4. Tal informação da presença de “Bangu” na cidade
pode ser confirmada no auto de declaração de Eduardo Ribeiro Xavier, o “Abóbora”, dirigente do C.C. do
PCB preso pelo DEOPS/RJ em abril de 1940. Ver Cedem/Unesp, fundos DK, caixa 2.
466
Sobre o assunto, ver também KAREPOVS, 2003, p. 408.
309
Cavalcanti, a quem Heitor Ferreira Lima acusou como sendo o principal responsável pela
sua prisão de 1938. “Pernambuquinho” era pedreiro e membro do Sindicato da Construção
Civil. Assinava seus documentos com o “prefixo X.U.” E foi “Pernambuquinho” que
alertou o DEOPS/SP sobre as movimentações de reorganização do aparelho clandestino do
PCB em São Paulo. Como diria, posteriormente, seu chefe Luiz Apolônio: “revelou-se
ótimo elemento, tendo sido um dos últimos serviços prestados pelo mesmo, o
descobrimento do Comitê Regional de São Paulo do PCB”.
467
No documento, ainda
informava Apolônio: “para servir melhor esse SS, pretende-se candidatar-se a diretor do
sindicato referido”. Não obstante sua participação efetiva em diligências anteriores – as
quais, pareciam não ter comprometido o serviço do reservado nos meios vigiados –
“Pernambuquinho” mantinha-se em operação e sua carreira estava em franca ascensão.
As divergências nos meios comunistas facilitavam a atividade de um secreta
como “Pernambuquinho”. A desconfiança mútua entre os grupos em contenda, na acirrada
luta de 1937 e 1938, não permitiu que o grupo vencedor tomasse conhecimento – ou
creditasse veracidade – às insistentes denúncias pronunciadas por Heitor Ferreira Lima.
Esse, desde sua prisão, procurou “desmascarar” Amaro Cavalcanti, afirmando sua posição
de infiltrado policial, constando a “denúncia” até mesmo em citação nos autos de
declaração do então indiciado
468
. Provavelmente, Heitor fez espalhar a notícia para outros
militantes detidos, depois de passada sua “incomunicabilidade” na prisão. No entanto,
assim como a denúncia do “renegado” não chegaria aos ouvidos dos ativistas da ala
“Bangu”, ela também seria omitida nos relatórios oficiais do DEOPS, enviados aos
procuradores e juízes do TSN.
Como notou Dainis Karepovs, os documentos arrolados ao inquérito policial
indiciando Heitor Ferreira Lima, Hermínio Sachetta e outros, enviados ao tribunal,
incluindo os termos de declaração dos presos, não fazem menção às atividades de
infiltração desenvolvidas pela polícia. As autoridades chegam mesmo a retirar
deliberadamente do auto de declaração de Heitor suas afirmações contra o delator
(KAREPOVS, 2003, p. 408). Ao contrário dos tempos anteriores, como na repressão
posterior à intentona de novembro de 1935 (quando os próprios relatórios infiltrados foram
467
“Informação confidencial”. Luiz Apolônio, 17/01/1941. Arquivos do Cedem/Unesp, fundos DK, caixa 15.
468
Sobre o assunto, ver: KAREPOVS, 2003, p.
310
encaminhados como provas das atividades “extremistas” de diversos ativistas,
supostamente implicados) agora o DEOPS procurava, enfaticamente, ocultar a infiltração.
O saldo da atividade recebia um tratamento mais discreto, cujo objetivo era preservar a
identidade dos efetivos, ampliando assim suas capacidades operacionais. A nova prática,
para além de dirimir os erros do passado (como a “queima” de diversos agentes ocorridas
devido à elaboração apressada dos inquéritos de 1936), permite vislumbrar a construção de
um novo arranjo, supostamente “técnico”, para apontar as culpas nos inquéritos policiais
elaborados nas dependências da delegacia.
As informações coletadas por secretas ainda configurariam o alicerce das
práticas investigativas do DEOPS/SP. Os secretas e suas informações, desde sempre,
facultavam às autoridades elaborar suas convicções e direcionar as investigações. Porém,
ao contrário dos tempos anteriores a 1935, não bastava somente o apontamento das
atividades, per se, para garantir a justeza da prisão, deliberada intra muros da delegacia
(muitas vezes “validada” pelas autoridades como uma condenação à revelia da justiça).
Para indiciar juridicamente os implicados nas atividades em prol da revolução, os agentes
deviam modular a sincronização de suas práticas usuais. Os dados levantados pela
infiltração deviam receber novo polimento, adequando-os ao novo rítmo paciente do
trabalho de coleta de dados e evidências materiais do crime, os quais alteravam a percepção
policial do momento adequado para efetuar as prisões dos envolvidos. Essas deviam ser
realizadas, de preferência, consubstanciada pela aquisição de “provas cabais” do delito,
como os documentos apreendidos – verdadeira obssessão dos agentes nas buscas e
apreensões posteriores a 1935. A partir disso, justapondo documentos e declarações,
tornava-se possível manipular as informações e construir a presunção de culpa (cuja
convicção, como sempre, fora anteriormente formulada), sugerindo por vezes mesmo o
flagrante de delito, ítem justificador do pedido de decretação da prisão preventiva. Esse
método havia logrado obter bons resultados nas prisões de outubro de 1938, afinal, após
intensa campana, foram presos os quatro comunistas de destaque, em reunião na Rua João
Adolfo, todos condenados pelo TSN (apesar da brilhante defesa em favor dos envolvidos
pelo advogado Alberto Nunes Brigagão).
469
Não podemos esquecer a afirmação, recorrente
469
Sobre a performance do advogado Alberto Nunes Brigagão, ver: LIMA, 1982, p. 233; BATINI, 1991, p.
243.
311
por parte das autoridades, que acentuava as dificuldades em coligir provas das atividades
criminosas dos quadros clandestinos do PCB. No entanto, o DEOPS azeitava, entre
tentativas e erros, o teor e a força do golpe do seu martelo sobre a organização permanente
dos comunistas.
Agora, nas diligências contra o novo C.R. do PCB instalado em São Paulo, as
autoridades iriam pôr em prática a experiência acumulada nos anos de combate contra as
“hostes de Moscou”. Os especialistas da delegacia se dedicavam a estudar o organograma
do partido desde pelo menos 1932. Haviam anotado as mudanças políticas e
organizacionais, observando também o paulatino refino da disciplina exigida dos seus
membros. Aprenderam que o PCB, como qualquer organização centralizada e formulada
em moldes burocráticos, impunha rotinas operacionais aos seus militantes. Esses, com mais
ou menso zêlo, seguiam normas de atuação premeditadas. Embora essas normas
objetivassem abster a repressão policial, depois de decodificadas, elas podiam auxiliar os
policiais a detectar as atividades ditas “tipicamente comunistas”. E foi assim, aprendendo
com o inimigo, que o DEOPS/SP formulou uma metodologia mais elaborada para
identificar e cercear as atividades dos quadros do partido, prendendo-os no momento
considerados adequados, pelas autoridades responsáveis pelo policiamento.
A luta desigual entre, de um lado, o ampliado aparelho de Estado, cada vez mais
poderoso, inflado de verbas e efetivos, e, de outro lado, um punhado de abnegados
militantes (que procuravam reconstruir o partido comunista e o movimento operário
paulista, a partir das cinzas de 1935), se reiniciou efetivamente em 07 de janeiro de 1939,
quando as equipes de observação do DEOPS – eufemismo para o corpo de secretas –
assinalaram a presença, na cidade, do conhecido comunista Carlos Mariguella.
470
Os
antecedentes de Mariguella, preso anteriormente no Rio de Janeiro em 1936, alertaram as
autoridades para a chegada de um “peixe graúdo”, o qual estava desenvolvendo atividades
em São Paulo. Novamente, como nas últimas diligências efetuadas contra o C.C.P em
outubro de 1938, os policiais controlaram o ímpeto de efetuar uma rápida prisão. O intuito
das autoridades era o de ampliar o círculo de observações em torno do militante, e de suas
470
“Inquérito policial contra os membros dirigentes do C.R. do PCB de São Paulo”. Delegado A.P. Pinto
Moreira, 22/12/1939. Arquivos do Cedem/Unesp, caixa 4.
312
ligações. A paciência, como ensinava a malícia dos especialistas, seria a principal aliada na
investigação.
O DEOPS/SP “incorporava” as técnicas comunistas. As equipes encarregadas
de vigiar os pontos de encontro apelidariam Mariguella de “Osvaldo”. Essas foram instadas
a seguir “Osvaldo”, cuja foto provavelmente foi solicitada ao DEOPS carioca. Da mesma
forma que, para os comunistas, a adoção de um codinome protegia o militante das
investidas policiais, a formulação pelos inspetores do órgão de um apelido para o
investigado permitia mais discrição nas investigações em andamento. Os agentes
responsáveis pelas campanas deviam anotar todas as ligações, elaborando relatórios
meticulosos, constando o local do encontro, a hora e o relato das atitudes “incriminadoras”.
Quando “Osvaldo” ligava-se a outro suspeito, num “ponto de encontro”, as equipes se
desdobravam e perseguiam o novo identificado. O principal objetivo era o levantamento
dos endereços de cada um, e conforme surgiam novas identificações, as equipes de
campana passavam a seguir o novo suspeito, anotando novos pontos de ligação e apontando
outros possíveis implicados.
Quem não tivesse antecedentes (os quais permitiam o reconhecimento prévio
por fotografias do recém observado) também recebia um apelido identificador, para
“facilitar” o acompanhamento pelas equipes de campana. Essas se revezavam dia após dia
em plantões, diurnos e noturnos, anotando e trocando informações sobre o vigiado. Assim
ocorreu com Clóvis Oliveira Netto, apontado em diversas ligações, e já nos primeiros
momentos da investigação identificado como membro importante da organização. O
militante, desconhecido dos policiais, foi alcunhado de “cara chata” pelos investigadores.
Antônio Rodrigues, observado anteriormente em São Paulo (no momento da visita de
“Bangu” à capital, quando o Secretário interino da organização se encontrou com alguns
militantes, num ponto de encontro marcado para a “Praça da Sé, próximo à drogaria
Baruel”
471
, tendo os agentes, naquela ocasião, o perdido de vista), foi novamente anotado
em confabulações com Mariguella e então apelidado de “gordo”. Aluísio do Amaral virou o
“cabelo grisalho” e sua esposa, Anita Axelrud, tornou-se a “loira”. Para distingüir Anita de
outra moça de cabelos claros (identificada posteriormente como Rosa Sass), a última
receberia o pseudônimo de “loira das jóias”, pois essa sempre era vista com esses adornos.
471
“Relatório n. 70” Inspetor José Gomes. 27/05/1939. Arquivo do Cedem/Unesp, fundos DK, caixa 4.
313
Essas atividades de campana e identificação, acompanhadas do levantamento
do endereço de todos implicados, extendeu-se por um longo período, quando comparadas
aos padrões das investigações e prisões anteriores do DEOPS/SP. Tais atividades se
iniciaram de 07 de janeiro de 1939, e foram concluídas em 25 de maio do mesmo ano. As
equipes de investigadores se revezaram por 139 dias na campanha silenciosa, tendo
compilado “sessenta e nove relatórios, referentes às atividades dos mesmos”. Segundo o
delegado A. Pinto Moreira (o mesmo responsável em 1936 pelo inquérito policial movido
contra os membros da UTG), tal procedimento era essencial, visto que, “todos os pontos de
encontro foram rigorosamente presenciados pelos investigadores, as confabulações, o
intercâmbio de pacotes e, mais importante, todas as residências dos comunistas foram
descobertas”. Tal tática implicava no reconhecimento preliminar das atividades dos
principais envolvidos na tarefa de reformulação do C.R. de São Paulo, e permitia o
apontamento dos locais onde os policiais tinham certeza de encontrar as caras provas
documentais, tão fundamentais à presunção das culpas. A “exaustiva e paciente” tarefa
seria essencial também para abster as velhas práticas dos comunistas de não revelar o
endereço de suas casas aos policiais, obstruindo as investigações posteriores à prisão. Como
dizia o delegado: “é sabido que os comunistas, quando detidos, têm o cuidado de não
revelar à autoridade as suas residências, a fim de evitar que esta encontre e apreenda os
documentos que na mesma, por ventura existam”.
Após o longo período de levantamento de dados, o DEOPS optou por uma
ação rápida, que não permitisse a fuga dos implicados, prendendo-os num curto espaço de
tempo. A maioria dos comunistas foram detidos em suas residências. Como informa o
delegado responsável pelo inquérito encaminhado ao TSN:
Na tarde do dia 26 de maio do corrente ano, esta delegacia decidiu agir contra
aqueles que, bem organizados, vinham propagando o comunismo em São Paulo.
Assim, de posse dos dados colhidos durante as observações efetuadas, agimos de
uma maneira fulminante e concisa, de modo a não permitir que fosse elevado o
número daqueles que lograram fugir à nossa ação. Às dezoito horas do referido dia
26 de maio, portanto, todos os investigadores responsáveis pelas diligências
estavam a postos. Ao sinal convencionado, agimos. E cerca das quatorze horas do
dia seguinte, 27 de maio, as diligências estavam terminadas, coroadas de pleno
êxito. Quase todos os elementos citados nos relatórios confeccionados, inclusive os
principais dirigentes do ‘Comitê Regional de São Paulo do PCB’ estavam detidos.
As buscas efetuadas deram os resultados que se esperavam. Apreendemos um
mimeógrafo e duas máquinas de escrever, além de grande quantidade de boletins
impressos ou mimeografados, documentos internos da organização, balancetes do
314
PCB, endereços, códigos, correspondência com o ‘Bureau Político’ do mesmo
partido, tudo, enfim, foi encontrado e apreendido.
472
Era flagrante o aprimoramento das práticas de levantamento de informações,
cerco e detenção desenvolvidas pelos policiais paulistas. Foi nas dependências do
DEOPS/SP o local da elaboração dessa nova “metodologia” de repressão, especialmente
desenvolvida para a identificação, o isolamento e a contenção de grupos, cuja atividade,
considerada “criminosa”, importava na atuação de forma organizada e clandestina na
sociedade. Os agentes do DEOPS/SP ampliavam sua capacidade operativa, menos pelo
auxílio das técnicas ditas de polícia científica, e mais pelas necessidades práticas impostas
pelas demandas de contenção de um aparelho partidário velado e burocraticamente
organizado. Ao mapear e absorver o modus operandi do inimigo, sincronizando as práticas
de investigação aos modos e rítmos observado na atuação dos militantes, os agentes da
polícia política elaboraram o embrião de um novo modus operandi para a ação investigativa
da polícia (isso sem abrir mão do legado arbitrário das formas tradicionais de
policiamento). O tratamento criminal, consignado pelo Estado à contestação política, e o
temor em relação à atuação de um partido comunista clandestino e burocraticamente
organizado, garantiu o irromper – premeditado – desse modelo de ação no âmbito
operacional da polícia de ordem. A especificidade do policiamento político, intimamente
relacionada a especificidade de seus “alvos” de ação, possibilitaram o nascimento, naquele
departamento da polícia judiciária paulista, de um modelo de operação considerado
“eficiente” para o combate dessas novas formas do “crime”, posteriormente classificadas
como “organizadas”. No mais, os policiais do departamento, desde a sua formação,
estiveram às voltas com “delitos” implementados por organizações permanentes mantidas
por militantes abnegados, como os anarquistas e demais sindicalistas revolucionários, o que
conferiu, ao longo do tempo, o aprimoramento da capacidade operativa do órgão,
definitivamente testada pelo desenvolvimento de estratégias de controle e de contenção
para debelar a organização clandestina comunista. Essa realidade era muito diferente da
imposta aos demais especialistas dos outros departamentos investigativos da polícia civil.
Esses enfrentavam, com menores verbas, os tidos como “crimes comuns”. Os próprios
472
“Inquérito policial contra os membros dirigentes do C.R. do PCB de São Paulo”. Delegado A.P. Pinto
Moreira, 22/12/1939. Arquivos do Cedem/Unesp, caixa 4.
315
relatórios policiais da época atestam a pouca sofisticação dos meios e métodos do
criminoso comum atuante no Estado de São Paulo.
Podem acoimar-nos de atrasados em matéria de ‘civilização’. Entretanto, a índole do
nosso povo está longe, muito longe, do ‘delito organizado’, que se reveste de todas as
características de brutalidade premeditada. O fator econômico talvez desempenhe, no
caso, um papel saliente. Entre nós, o robbery dos norte-americanos é uma espécie
criminal raríssima. (SÃO PAULO, 1939, p.173).
Outra novidade, testada anteriormente, mas que a partir das diligências
efetuadas contra o C.R. do PCB paulista, caído em 1939, se tornariam um padrão de
atuação da polícia política, foi o horário noturno escolhido para efetuar as detenções. Essa
prática, embora relacionada à necessidade de efetuar prisões sem despertar maiores
suspeitas nos demais implicados (possibilitando fugas e destruição das evidências
materiais), também estava ligada à baixa legitimidade consignada para a atuação dos
policiais nos ambientes sob vigilância constante. A política de terror, desenvolvida como
prática de controle pelo órgão no tratamento com os indivíduos oriundos das classes
populares, por vezes desencadeava reações adversas nas pessoas, as quais,
involuntariamente, acompanhavam as ações da polícia. Essas reações, classificadas como
de “clamor público” por Luiz Apolônio, podiam ser potencializadas pelos militantes
detidos, o que podia por vezes colocar os agentes em apuros.
Em caso de detenção comum [...] procurar evitar o clamor público. A detenção de
um indivíduo em lugares onde há grande movimento de povo sempre causa o
clamor público, visto como um ato que irrita o popular. O policial, exceto nos
casos de flagrante, deve evitar a realização dessas detenções em lugares de muito
movimento[...] contudo, mesmo agindo dessa forma, o clamor poderá se fazer
sentir se o detido, em altos brados, passar a protestar sua inocência perante os
curiosos; é um recurso do qual se serve para impressionar os presentes, antipatizá-
los com o policial e quiçá, obter sua liberdade sobre pressão moral ou material dos
citados curiosos. Isto sucede comumente com ladrões, vigaristas e também com
comunistas. Estes, então, fazem questão de dizer ao público que ele é um idealista
que luta por dias melhores do povo; que luta contra a carestia, contra a guerra e etc.
e, por esse motivo está sendo preso (APOLÔNIO, 1954, p.153 e 154).
Nas diligências efetuadas no dia 26 e 27 de maio de 1939 foram presos vinte e
dois indivíduos, entre militantes ativos e simpatizantes. Exceptuando Domingos Pereira
Marques, o qual, assim como em 1936, conseguiu escapar do cerco policial, todo o quadro
dirigente do C.R. recém formado foi detido na ocasião. Estavam à disposição das
316
autoridades do DEOPS, na carceragem da delegacia, Carlos Mariguella, Clóvis de Oliveira
Netto, Armando Rodrigues Coutinho, Antônio Rodrigues Gouveia, Fernando de Oliveira,
Anita Axelrud, Rosa Sass, Aluisio do Amaral, Jamile Haddad, Eugênia Haddad, Brivaldo
Leão de Almeida, Samuel Kleimann, Salomão Janov, Sojer Kaplansky, José Tavares Dias,
Ezio Tonzo, Quirino Pucca, Basílio Zanvetor, Luiz Trevisan, Francisco Zanetich, Jorge
Cury e Maria Soares. Alguns eram velhos conhecidos dos policiais, outros, ainda não
tinham antecedentes criminais. Após as buscas e apreensões nas residências dos detidos, os
agentes responsáveis chamaram os fotógrafos do gabinete técnico para atestar a grande
quantidade de material partidário recolhido. Logo no dia seguinte, nas obscuras salas de
interrogatório do DEOPS/SP, se iniciaria a tomada de depoimentos dos detidos.
Assim como era perceptível o melhor planejamento das atividades de
investigação e cerco do DEOPS/SP sobre os militante do PCB, os agentes também
procuravam refazer seus métodos de inquirição dos envolvidos. Cientes da impossibilidade
de coletarem provas testemunhais da atividade clandestina do grupo preso, conscientes
também de que, apesar dos documentos comprobatórios, os ativistas mais experientes
procurariam esquivar-se da acusação de estarem formando um C.R. do partido em São
Paulo, restava às autoridades, para arrancar confissões, aprimorar suas “técnicas” de
inquirição. Afinal, como diria o delegado Moreira, “a única testemunha que acompanhou
pari passu todas as atividades dos indiciados foi a Delegacia de Ordem Política e Social”.
No entanto, essa desvantagem aparente, da falta de testemunhas alheias à delegacia para
corroborar os flagrantes de delito, podia ser manipulada e transformada num trunfo, para
corroborar as assertivas do inquérito. Daí os minuciosos relatórios de campana, os quais, no
momento devido, deviam ser apresentados aos indiciados, para o confronto com suas
afirmações “falsas” nos interrogatórios. O objetivo, sobretudo para o interrogado renitente,
era demonstrar a esses que os policiais sabiam de suas tentativas de “esconder o jogo”,
visto que os movimentos haviam sido acompanhados, assim como dos demais indiciados.
Essa revelação criava consternação e dúvidas, ampliando a pressão policial para a
confirmação das informações apresentadas. Assim, esperavam os policiais, os próprios
comunistas se tornariam “uns testemunhas de acusação dos outros”, ou como diria o
delegado Pinto Moreira: “se acusam mutuamente (sic), e revelam fatos que, examinados em
317
conjunto, não só pelas declarações, como pelos documentos apreendidos, vêm evidenciar a
verdade”.
473
Na primeira rodada de declarações, tomada logo após a prisão, os policiais
deliberadamente não apresentavam aos interrogados os relatórios de campana. No primeiro
momento era mais importante confirmar as identidades e a posse dos documentos
apreendidos, para “legalizar” a prisão preventiva, cuja solicitação seria posteriormente
encaminhada à justiça. Mesmo de posse dos minuciosos relatórios de campana, novo ardil
para viabilizar confissões – método que requeria primeiramente a formação de contradições
nos depoimentos iniciais para depois serem exploradas nas demais inquirições – os policiais
procuravam caminhos mais fáceis para imputar as culpas. As inquirições se iniciavam
ouvindo-se os militantes em cujas casas se apreenderam os principais materiais técnicos e
de propaganda do C.R. de São Paulo. Sobre esses, devido às evidências, pesariam maiores
acusações no inquérito (o que podia também funcionar como um instrumento de pressão
para arrancar de forma mais fácil a colaboração com as autoridades). Como suspeitavam os
policiais, a maioria dos indiciados, embora confirmassem suas convicções comunistas e
mesmo assumissem a posse dos documentos apreendidos, procuraram imiscuir-se da
responsabilidade “criminal” da formação de organismos clandestinos de um partido
proscrito pelas leis. Os presos nas ruas, em pontos de encontro, como Agostinho José de
Carvalho, seguiram o roteiro conhecido pelas autoridades e não quiseram declinar seus
endereços (visto que não sabiam do conhecimento prévio do assunto pelos policiais). Na
casa do jovem carioca estavam as máquinas datilográficas do partido e os estêncis
utilizados para a elaboração dos panfletos
474
. Na casa de Sojer Kaplansky e Salomão Janov
foi encontrada uma “biblioteca comunista”, cujos livros continham “cada um, um cartão de
inscrição, com o título de cada livro e a data que foi cedido à leitores”. Kaplansky,
indagado sobre a procedência das obras de divulgação marxista encontradas, diria que essas
lhe foram entregues embrulhados, em um pacote, por um rapaz desconhecido, sem o
indiciado saber do seu conteúdo. Comentando essas primeiras declarações, diria o delegado
Pinto Moreira.
473
Idem.
474
“Termo de declaração de Agostinho José de Carvalho”. 26/05/1939. Arquivos do Cedem/Unesp, fundos
DK, caixa 4
318
É a mesma história de sempre, que os comunistas já decoraram ha muito tempo.
São sempre pessoas desconhecidas que fazem entrega de pacotes e, depois, não
vão mais buscá-los, até que a polícia os retire de suas casas.
475
Na primeira leva de depoimentos, os policiais também dedicavam uma maior
“atenção” aos militantes considerados mais “inexperientes”, ou sem antecendentes
anteriores. Esses podiam “entregar” suas ligações com os líderes, facilitando os caminhos
nas inquirições posteriores. Na casa da jovem Jamille Haddad, que morava com sua mãe,
foi apreendido, segundo as autoridades, o “deposito de materiais” do PCB. A mãe também
foi detida e ameaçada de ser incluída no processo por Apolônio. Logo a irmã de Jamille
seria “convidada” a depor sobre o caso no DEOPS. Essa última, na inquirição, confirmou
as atividades da irmã e reprovou o seu comportamento, porquanto esse havia “incriminado”
a mãe. A pressão sobre a jovem provavelmente facilitou a confirmação da informação
desejada por Apolônio. Jamille afirmou a veracidade de suas ligações com “Lourival”, ou
Carlos Mariguella. Segundo ela, “Lourival tem pago mensalmente o aluguel da casa que
tem servido de depósito ao partido”. Ela também não se negou a reconhecer “Lourival”,
isso perante os policiais.
476
Jamille procurou imiscuir sua mãe Eugênia de qualquer
responsabilidade no caso, porém Apolônio não disperdiçava seus trunfos. Embora o
inquérito confirmasse, posteriormente, que a mãe não tinha maiores implicações com os
detidos, os policiais mantiveram a senhora presa pelo menos até o fim das investigações e
conclusão do inquérito.
Se os militantes menos conhecidos foram reticentes em suas declarações, os
experientes (porém também jovens), como o próprio Carlos Mariguella, seguiram à risca as
determinações do partido para interrogatórios policiais. Embora seu depoimento tenha
começado pelo auto de reconhecimento com Jamille, Mariguella somente confirmaria sua
posição de comunista convicto, como já sabiam os policiais. Para as demais questões, o
célebre ativista apenas emitiu negativas ou inventou personagens fictícios, como “José Lino
do Carmo”, responsabilizando-os pelas atividades “criminosas” imputadas aos membros do
PCB pelas autoridades.
477
Clóvis de Oliveira Netto, o encarregado de finanças do C.R,
475
“Inquérito policial contra os membros dirigentes do C.R. do PCB de São Paulo”. Delegado A.P. Pinto
Moreira, 22/12/1939. Arquivos do Cedem/Unesp, caixa 4.
476
“Termo de declaração de Jamille Haddad”. 27/05/1939. Arquivos do Cedem/Unesp, fundos DK, caixa 4.
477
“Termo de declaração de Carlos Mariguella”. 31/05/1939. Arquivos do Cedem/Unesp, fundos DK, caixa 4.
319
também tomaria posições semelhantes
478
, assim como Armando Rodrigues Coutinho.
Outros, como Anita Axelrud, esposa de Antônio Rodrigues Gouveia, ex-diretor da ANL,
comunista conhecida pelo DEOPS do Rio Grande do Sul, “onde vivia às expensas do
partido”, se negariam a responder todas as inquirições feitas pelos policiais.
479
Como de
costume, as negativas dos comunistas em declararem suas atividades, seriam avaliadas no
inquérito como uma prova da periculosidade dos detidos.
Os prisioneiros, após as inquirições, seguindo a regra, foram mantidos
incomunicáveis. Porém, os policiais do DEOPS tomariam uma atitude diferente com
Antônio Rodrigues Gouveia, Jorge Cury e Basílio Zanvettor. Nas buscas e apreensões após
as prisões, nenhum documento comprometedor foi encontrado com os dois últimos. No
entanto, nas campanas os policiais sabiam que ambos estavam ligados a Gouveia,
personagem de destaque no C.R., o qual orientava os dois na formação de um comitê do
partido, no bairro do Belém. Com a intenção de incriminar Cury, Zanvettor e mesmo
Gouveia, os policiais resolveram mantê-los detidos na mesma cela, com o intuito de deixar
os presos combinar os depoimentos, os quais, posteriormente seriam contraditados pelas
informações já de posse das autoridades, reforçando a presunção de culpa.
Após encerradas as primeiras inquirições de todos os implicados, as
autoridades se recolhiam e debruçavam-se sobre os depoimentos e documentos
apreendidos. Os policiais preparavam os primeiros relatórios para o processo, e
organizavam as informações para a nova leva de depoimentos dos detidos.
Foram tomadas as primeiras declarações de todos os indiciados logo após as
detenções. Posteriormente, entretanto, após colecionados todos os documentos
apreendidos, e coligidos outros dados imprescindíveis para novos
interrogatórios, todos prestaram novas declarações. Estas tiveram início a 26 de
junho, isto um mês após a realização das diligências, devendo-se ter em conta,
porém, que esse prazo de tempo foi consagrado exclusivamente a confeccção
dos onze primeiros volumes deste inquérito
.
480
478
“Termo de declaração de Clóvis de Oliveira Netto”. 31/05/1939. Arquivos do Cedem/Unesp, fundos DK,
caixa 4.
479
“Inquérito policial contra os membros dirigentes do C.R. do PCB de São Paulo”. Delegado A.P. Pinto
Moreira, 22/12/1939. Arquivos do Cedem/Unesp, caixa 4.
480
“Inquérito policial contra os membros dirigentes do C.R. do PCB de São Paulo”. Delegado A.P. Pinto
Moreira, 22/12/1939. Arquivos do Cedem/Unesp, caixa 4.
320
Quando começou a segunda onda de inquirições, os policiais já haviam reunido
elementos para apontar Carlos Mariguella, Clóvis de Oliveira Netto, Antônio Rodrigues
Gouveia e Armando Rodrigues Coutinho como dirigentes do novo C.R., instalado em São
Paulo.
481
Os interrogatórios seriam mais severos sobre esses indiciados, sobretudo porque
os interrogadores estavam munidos com o suporte das declarações anteriores, somados
ainda a análise dos documentos apreendidos e a confrontação com os relatórios de
campana. Os efeitos da leitura dos relatórios de campana durante as novas inquirições foi
devastador nos depoimentos, isso porque os detidos estavam incomunicáveis, e
provavelmente não tinham tomado dimensão da extensão das prisões efetuadas. Ligações
que provavelmente esses jamais imaginaram ser de conhecimento da polícia, eram relatadas
em detalhes por Luiz Apolônio. A leitura em seqüência de diversos apontamentos anotados
dificultavam a manutenção das respostas evasivas ou negativas dos indiciados, facilitando o
“abrir o bico”, como diriam os agentes da ordem. Pouco a pouco, conforme a resistência de
cada um, os presos inquiridos passaram a confirmar as informações levantadas. Esses agora
estavam cientes de que seus passos haviam sido minuciosamente acompanhados pelas
autoridades, as quais, agora requeriam a confirmação dos apontamentos apresentados.
Como no depoimento de Antônio Gouveia:
Peguntado se está convencido que a polícia de São Paulo esta de posse de dados
seguros sobre a sua atividade nesta capital, e se agora está convicto que foi de fato
seguido cuidadosamente, respondeu que está plenamente convicto; que o
declarante começou a compreender, de fato, que a polícia o havia seguido, desde a
leitura do relatório n. 6, de folha 15 deste inquérito, no qual consta ter ido o
declarante e Aloísio do Amaral para a Avenida São João afim de ver um armazém
desalugado, e ter conversado com um açougueiro, sendo essa uma verdade, como
disse; que assim o declarante informa que, em grande parte, os relatórios que até
esse momento lhe foram lidos, relatam a verdade.
482
O grande duelo da segunda fase de inquirições seria travado por Luiz Apolônio
e pelo renitente Carlos Mariguella. O abnegado militante comunista, encarregado pelo
Comitê Central do partido (instalado então no Rio de Janeiro) para liderar a campanha de
reorganização do C.R. de São Paulo, enfrentava o tinhoso interrogador mór do DEOPS/SP.
O célebre ativista seria intermitentemente interrogado entre 26 de junho e 11 de julho. As
481
Idem.
482
“Termo de declaração de Antônio Rodrigues de Gouveia”. 14/07/1939. Arquivos do Cedem/Unesp,
fundos DK, caixa 4.
321
investigações e as atividades de campana da polícia tiveram início seguindo os passos de
Mariguella. Sobre suas atividades, os policiais já haviam juntado diversos depoimentos e
muitos documentos. Mesmo assim, o militante agüentou firme, procurando desvencilhar-se
das perguntas do policial. Para as atividades acompanhadas de “Osvaldo”, relatadas por
Apolônio, Mariguella conservava ainda suas respostas evasivas, como “não estou
lembrado”. Os “pontos de encontro” e as ligações, confirmadas em outros depoimentos,
também não eram rememoradas claramente pelo indiciado. Quanto mais Mariguella tentava
imiscuir-se das afirmações policiais, mais os extenuantes relatórios se alongavam, e mais
também se apertava o torniquete sobre suas afirmações. Isso sem falar das técnicas de
tortura preferidas por Apolônio, desempenhadas sobre os presos renitentes, como a
privação do sono, a manutenção do indiciado por longos períodos de tempo em posturas
corporais incômodas, as ameaças contra familiares e amigos, entre outras. Mesmo sobre
muita pressão, pouco revelava o militante sobre sua “culpa”. Esse mantinha-se
escamoteando suas afirmações, como nas questões em torno do paradeiro de Domingos
Pereira Marques. Embora Mariguella, após diversas tentativas do interrogador, houvesse
confirmado que em São Paulo havia morado com o dirigente fugitivo do cerco policial, as
responsabilidades atribuídas a esse, pelo inquiridor, eram automaticamente transferidas,
pelo interrogando, para o seu personagem inventado, o “José Lino do Carmo” – figura que
Apolônio já sabia ser fictícia.
Depois de vários dias sustentando suas estórias, Apolônio novamente lhe
perguntou se o militante estava ciente de que a polícia havia seguido seus passos.
Mariguella, de certo extenuado pela sucessão de dias em inquirição, respondeu que “até
certo ponto era verdade”. A primeira importante confirmação, após diversos dias de
interrogatório, seria devidamente explorada pelo interrogador do DEOPS. Quando o
policial quis refazer os relatórios, atentando para os pontos obscuros, Mariguella solicitou
um tempo para se refazer-se. As longas sessões de inquirição haviam revelado, pouco a
pouco, ao arguto militante, a extensão do mecanismo de cerco efetuado pelos policiais
sobre os ativistas comunistas ligados ao novo C.R. Sabia então o líder comunista que suas
estórias, definitivamente, não se encaixavam no enredo articulado pelas autoridades. A
partir dessa constatação, cada vez mais evidente – e provavelmente consternadora –
Mariguella foi mudando de “tática” nos depoimentos, tornando-se mais maleável,
322
confirmando alguns pontos rememorados por Apolônio e assumindo suas responsabilidades
sobre a organização comunista de São Paulo. Mesmo assim, mantinha o personagem “José
Lino” e resguardava as informações as quais acreditava não ser de conhecimento dos
interrogadores.
483
Mariguella “agüentou” firme às sessões de inquirição por uma semana, até que
no dia 29 de junho, um novo trunfo apareceu para Luiz Apolônio. Naquela noite, no xadrez
do DEOPS, o carcereiro Bibiano Gonçalves desconfiou de um favor pedido por Mariguella.
Esse solicitou ao guarda a entrega, para Clóvis de Oliveira Netto, de um “pão comum, de $
200, pois esse podia estar com fome.” O carcereiro desconfiou do pedido, visto que os
presos “já haviam jantado e porque, conforme ordens recebidas, os mesmos encontram-se
incomunicáveis”.
484
Bibiano passou o pão para o chefe da carceragem. Esse, ao examiná-lo,
encontrou diversos bilhetes inseridos em seu miolo. Nos recados, Mariguella procurava
orientar os interrogatórios dos demais indiciados, isso conforme suas declarações já
prestadas.
Prezado Clóvis. Há muita gente presa: Armando Coutinho, o magro, pílulas,
Gouveia, Anita – a companheira dele etc. Tudo campana. Já fui interrogado. Durou
cinco dias. É tudo baseado em relatório dos tiras. Descobriram que eu morava com
Domingos Marques na Rua Ibicaba. Todos meus passos descobertos [...] Explique
da melhor forma vales e balancetes. Diga a Ezio que declare que não abia que eu
era comunista e que eu me apresentei a ele na fábrica como pracista. Sustente em
linhas gerais isso e firme. Para saber se você recebeu isso me mande amanhã um
lenço, um pão ou bananas.
485
No dia seguinte, os interrogatórios se reiniciaram mais duros em torno das
atividades de Mariguella. O personagem “José Lino” foi definitivamente desmascarado,
pois Mariguella o mencionou em um de seus recados. Depois do novo interrogatório,
iniciaram-se as acareações e os reconhecimentos, com os “elementos” citados nos bilhetes e
nos relatórios de campana. As confirmações das ligações e das identidades vieram a seguir.
Outra apreensão policial, a qual complicaria os indiciados, seria feita no dia em que a
esposa de Armando Rodrigues Coutinho trouxe à delegacia algumas roupas para entregar
ao marido. Na revista, os policiais encontraram bilhetes costurados ao forro de um colete.
483
Sobre o assunto, ver os diversos Termos de declaração de Carlos Mariguella, arrolados ao Processo n. 827
do TSN. Arquivos do Cedem/Unesp, fundos DK, caixa 4.
484
“Relatório do Encarregado da Carceragem”. Arquivos do Cedem/Unesp, fundos DK, caixa 4.
485
“Auto de exibição e apreensão”. 30/07/1939. Arquivos do Cedem/Unesp, fundos DK, caixa 4.
323
Esses documentos e a prisão de sua mulher fizeram com que Coutinho confessasse suas
atividades em prol do PCB paulista.
Na segunda leva de inquirições, além de arrancar a confissão das atividades
comunistas dos indiciados em prol do C.R. de São Paulo, por meio da confirmação da
veracidade do conteúdo dos relatórios de campana, outras perguntas se tornariam
freqüentes, sendo dirigidas aos diversos presos. Essas giravam em torno do programa do
PCB. Quando os indiciados respondiam que o partido se batia pela redemocratização do
país e pela revolução democrática burguesa, os policiais perguntavam sobre a questão da
revolução operária e camponesa na estratégia comunista. Menos uma lição sobre as etapas
defendidas pelos comunistas, para o advento da sociedade socialista, queriam as
autoridades a confirmação de que o PCB mantinha-se numa linha de ação insurrecional,
justificando a justeza da ação repressiva da polícia e a inclusão dos militantes nos artigos da
LSN. Nesse ínterim, também surgiam questões sobre a filiação e obediência do partido ao
Komintern. As respostas confirmativas apareceriam no inquérito, consubstanciandas pelos
documentos apreendidos, demonstrando, na visão das autoridades, como a propaganda em
“prol da democracia” escamoteava o objetivo revolucionário do partido, orientado a partir
de Moscou. Outra novidade das inquirições do DEOPS era a declaração, de assinatura
obrigatória, confirmando que os interrogatórios foram tomados sem o uso de violência
física, por parte dos interrogadores. As escaldadas autoridades se preparavam para as
denúncias de maus tratos, as quais, com certeza, seriam arroladas nos autos de defesa dos
prisioneiros no TSN. O próprio Mariguella, em sua prisão anterior no Rio de Janeiro (onde
o militante foi barbaramente torturado), tornou-se, após sua soltura, um amplo divulgador
das notícias sobre as notórias sevícias, recorrentes aos interrogatórios efetuados naquele
departamento policial. Encerrada a segunda leva de inquirições, foram feitas mais
acareações e novos autos de reconhecimento. Concluindo as assertivas do inquérito, assim
diria o delegado responsável, dr. Pinto Moreira:
Conclue-se que, embora modificada as táticas da referida organização
revolucionária, esta tem sempre a mesma finalidade, isto é, a tomada do poder,
conforme se constata, não só nos documentos abundantes que foram apreendidos
nas várias diligências realizadas, como pelas declarações dos comunistas de maior
responsabilidade, que afirmam em una voce que o Partido Comunista Brasileiro
tem em mira, no Brasil, a instalação de um ‘governo operário e camponêz. E são
eles, os indiciados que direta e indiretamente, com todos os meios ao seu alcance,
324
vinham colaborando desde já para a consecução dessa finalidade. Não só
afirmaram em em suas declarações, como também estas foram corroboradas pela
documentação apreendida e, finalmente, pela ação que os mesmos vinham
desenvolvendo de acordo com as provas coligidas
.
486
Os membros dirigentes do C.R. de São Paulo foram condenados a penas longas
pelos juízes do TSN, e enviados para Fernando de Noronha. Na paradisíaca e isolada ilha,
transformada em campo de concentração, os presos em São Paulo encontrariam ainda
alguns integralistas e outros tantos comunistas. Logo se ajuntariam também a eles os
membros do Comitê Central do PCB, desmantelado no Rio de Janeiro em 1940.
O Comitê Central do partido comunista estava formado, à época, pelo secretário
interino Lauro Reginaldo da Rocha “Bangu”, ladeado por outros militantes de destaque,
como Elias Reinaldo da Silva “André”, Domigos Brás “Mauro”, Sebastião Francisco
“Mathias”, Honório de Freitas Guimarães “Gaspar”, Eduardo Ribeiro Xavier “Abóbora” e
Valduvino Loureiro “Walter”. Além de Sebastião Francisco, o “Castro”, antigo Secretário
do C.R. de São Paulo, preso em 1936, outros militantes paulistas apoiadores de “Bangu”
(na cisão contra Sachetta), então operavam na cúpula do partido no Rio de Janeiro. Entre
esses, destacavam-se Joaquim Câmara Ferreira “Jurandir” e Noé Gertel “Camargo”.
487
Entre setembro e outrubro de 1939, a polícia carioca conseguiu prender diversos
militantes da base do partido no Rio de Janeiro. Mesmo uma tipografia foi apreendida pela
polícia, sem que nenhum membro da cúpula caísse nas garras das autoridades (DULLES,
1985, p. 201). No início de 1940, os dirigentes iniciaram o trabalho de reconstrução das
bases do partido em Niterói, bastante afetadas pelas prisões anteriores. Em abril daquele
ano, o serviço reservado do DEOPS/RJ interceptou uma reunião de militantes naquela
cidade. Os investigadores do departamento seguiram para o local apontado, surpreendendo
os participantes e efetuando diversas detenções, entre essas, a de Valduvino Loureiro, o
“Walter”. Na casa de Valduvino, o qual morava com o militante Josias Reis, também
detido, foi apreendida grande quantidade de material interno do partido. Após os
procedimentos de praxe, os policiais perceberam que haviam encarcerado um membro da
cúpula partidária, abrindo possibilidades para novas diligências. Sobre o “graúdo”, que
486
“Inquérito policial contra os membros dirigentes do C.R. do PCB de São Paulo”. Delegado A.P. Pinto
Moreira, 22/12/1939. Arquivos do Cedem/Unesp, caixa 4
487
Sobre o assunto, ver: “Inquérito policial arrolado ao processo TSN n. 1362”. Delegado Hugo Auler,
06/09/1940. Arquivos do Cedem/Unesp, fundos DK, caixa 2.
325
mantinha ligações com os demais membros dirigentes do partido, os agentes dedicaram
especial atenção nos interrogatórios. “Trata-se de um dos elementos do C.C. do PCB,
organizador do C.R. do Rio de Janeiro e cuja prisão foi que deu origem à queda da direção
nacional do Partido Comunista do Brasil”.
488
A partir dessas prisões, os policiais souberam das ligações mantidas por
“Bangu” com uma mulher de origem potiguar, condenada pelo TSN pelo levante de 1935
em Natal, e que desde então, estava morando no Rio de Janeiro. Não foi difícil para os
investigadores localizarem essa moça, a qual após ter sido presa, confessou os contatos
mantidos com “Bangu”, efetuados quase sempre na casa de Rita Alves de Souza (cunhada
de Domingos Brás). Nessa moradia, que anteriormente já havia servido de abrigo e local de
reuniões para os membros da cúpula partidária, foi prontamente efetuada uma batida
policial. No local, os agentes designados perceberam haver encontrado e apreendido o
depósito de materiais de propaganda do PCB. Na revista procedida na casa de Rita, detida
naquela ocasião, foi interceptada com a moradora uma anotação importante. Esta
antecipava a data e o horário de um encontro entre “Abóbora” e “André”, marcado para
aquele local, prestes a acontecer. Procurando não despertar suspeitas da vizinhança, os
inspetores resolveram acampanar a residência de Rita. “André” ou Elias Reinaldo da Silva
foi detido quando compareceu à reunião anotada, e penetrou, sem nada desconfiar, na casa
referida. Já Eduardo Ribeiro Xavier, ou “Abóbora”, foi preso quando rumava para a
ligação, num ponto de ônibus em Cascadura.
489
Como relembraria o encarregado de
organização do C.C. do PCB em suas memórias: “Eu estava em Cascadura esperando um
ônibus, tinha marcado um encontro com um cidadão, ele foi preso, e a dona da casa onde
ele estava foi lá e me apontou para a polícia. Não tenho raiva dela, porque ela ficou
apavorada” (GOMES, 1988, p. 142).
Apesar do constante estímulo do Estado para o intercâmbio de informações
entre as polícias políticas espalhados pelo Brasil, o DEOPS/RJ não havia incorporado, em
sua metodologia de investigações, as inovações experimentadas pelos DEOPS/SP nas
diligências de 1939
490
. Os policiais cariocas, ao contrário dos investigadores paulistas,
488
Idem.
489
“Auto de declaração de Eduardo Ribeiro Xavier”. 10/04/1940. Arquivos do Cedem/Unesp, fundos DK .
490
Nesse mesmo ano o governo criaria o SIPS (Serviço de Inquéritos Políticos e Sociais). O novo órgão,
centralizado no Rio de Janeiro, funcionava como uma agência paralela à polícia que recolhia informações de
326
dispensavam as pacientes campanas para levantamento de dados, efetuando as prisões na
primeira oportunidade apresentada, logo após a identificação dos suspeitos. Embora
houvesse uma constante troca de informações policiais sobre os militantes da revolução
social atuantes nos dois estados, os contatos entre os departamentos policiais parecem
restritos ao conteúdo dos fichários dos presos. O padrão das diligências contra os membros
do C.C. do PCB, efetuadas em 1940 no Rio de Janeiro, não estavam muito distantes do
modo de operação desempenhado em 1936 na mesma cidade, para a prisão de Prestes e da
cúpula partidária de então.
491
Alguns motivos podem ser elencados para a não incorporação, por parte da
polícia carioca, das “técnicas” de investigação e cerco utilizadas pelos agentes paulistas.
Embora trocando informações, as polícias políticas atuavam de olho nos distúrbios que
irrompiam em suas circunscrições, exigindo uma pronta e localizada resposta das
autoridades. Mesmo sabendo da articulação nacional dos organismos do PCB, havia uma
preponderância do olhar regional na orientação das atividades desenvolvidas pelos DEOPS,
favorecendo o desconhecimento sobre como e o que se fazia em outras regiões. Não se
pode descartar também a provável concorrência existente entre os dois principais
departamentos de polícia política atuantes no território nacional, motivada pela disputa de
prestígio político e outras benesses circundantes às atividades dos especialistas. Nesse
ínterim, os agentes de São Paulo podem ter preferido não compartilhar seus métodos com
seus companheiros cariocas, que destarte, mantinham canais privilegiados com o poder
central, porquanto atuavam no próprio Distrito Federal. Outra possibilidade advém desse
acesso privilegiado aos canais do poder mantido pelas autoridades cariocas. Essas estavam
em contato direto com os representantes dos aparelhos de exceção criados pelo Estado,
como os juízes do TSN, ampliando a capacidade de pressão e mesmo “permuta”, para que
as convicções formuladas nos inquéritos fossem acatadas em juízo. Embora atuando de
acordo com um modelo de investigação em que alguns pressupostos já haviam sido
descartado pelos policiais paulistas, nas diligências contra os militantes do PCB, o
caráter político e social nos diversos municípios dos estados. Sua função era fornecer essas informações à
agência policial, colaborando com as práticas de polícia preventiva e ampliando as possibilidades do
intercâmbio de dados entre os diversos departamentos policiais. Sobre o assunto, ver: FLORESANI, 1998,
p.89 a 91.
491
A literatura sobre a queda de Prestes e demais lideranças comunistas ocorridas em 1936 no Rio de Janeiro
é imensa. Entre as diversas obras publicadas, destacamos: DULLES, 1985; MORAES, 1985; PINHEIRO,
1991; VIANNA, 1992; WAACK, 1993.
327
DEOPS/RJ também procurava implementar novidades para tonificar seu instrumental de
atuação. Na ausência de uma sistemática mais elaborada para a coleta de informações e
provas incriminadoras dos suspeitos, os policiais cariocas há tempos experimentavam
novas “técnicas” para arrancar dados e confissões por meio de violentas torturas. Entre
essas renovadas modalidade de suplício estavam a prática da “sessão espírita” – quando
diversos torturadores debruçavam-se sobre a vítima aplicando várias modalidades de
tormentos (DULLES, 1985, p.56) – e a utilização de maçaricos para queimar as plantas dos
pés e as nádegas dos interrogados renitentes.
Assim como provavelmente aconteceu com Valduvino Loureiro, logo após a
prisão de “Abóbora” e “André”, esses desceram aos porões do DEOPS/RJ para as sessões
de interrogatórios. Ambos tiveram todas as unhas das mãos e dos pés arrancadas, e seus
corpos foram queimados com maçarico. Apesar de brutalmente torturados, os dois
militantes a princípio resistiram às sevícias. “Abóbora” receava entregar seu endereço, no
qual funcionava a sede da direção do PCB, com incontáveis documentos do arquivo secreto
da organização. Lá também moravam sua mulher e seus filhos, assim como Sebastião
Francisco, sua esposa e filha. Segundo John Foster Dulles, foi Rita de Souza quem primeiro
não resistiu, delatando a Rua Bernardo Guimarães como o logradouro onde morava
“Abóbora” (DULLES, 1985, p.203).
Assim como no cerco de 1936, à casa da Rua Honório, endereço de Luis Carlos
Prestes, a Rua Bernardo Guimarães foi interditada pelos policiais cariocas e as casas
vasculhadas uma a uma (DULLES, 1985. p.203). Eram cerca de duas horas da madrugada
quando os policiais chegaram ao número 73 da rua, local da residência procurada. No local
os policiais fizeram a maior apreensão de documentos internos do PCB, desde 1936. Na
casa foram detidas as famílias de “Abóbora” e Sebastião Francisco. Esse, por pouco,
conseguiu escapar da ação policial, fugindo de pijamas pelos fundos e se embrenhando num
córrego que cortava o bairro de Quintino, onde se situava a residência. Preso
posteriormente, como veremos à frente, Sebastião Francisco esclareceria aos policiais como
se deu sua fuga, informando também como por vezes os militantes do PCB burlavam os
esquemas de segurança montados por eles mesmos, para o caso de quedas que
comprometessem seus aparelhos e ligações.
328
[...] estabeleceu com Xavier uma combinação, segundo o qual nenhum dos dois
deveria chegar a casa depois das vinte e três horas, convindo, todavia, ressaltar,
que isso não foi jamais respeitado [...] que essa combinação tinha a sua razão de
ser, para o que estivesse em casa ficasse de sobreaviso com a polícia, no caso que o
retardo do outro fosse em conseqüência de ter sido preso; que para provar que esse
combinado não passou do terreno da teoria, está o caso que, no dia em que Xavier
foi preso, na rua, o declarante o esperou, acordado, até as duas da manhã, quando a
polícia lá compareceu, para o procedimento de uma busca; que o declarante teve
tempo de fugir pelos fundos da casa, e caminhou dentro de um riacho, e três horas
depois batia à casa do acusado Antônio Josephino dos Santos, onde trocou o
pijama que vestia, que estava sujo de lama e barro, por uma indumentária que lhe
fora dada pelo morador, que a esposa do declarante essa noite foi presa e ficou
recolhida à prisão até quando se verificou a sua própria
.
492
Com as novas apreensões, “Abóbora” foi requisitado para novas inquirições.
Os policiais, para garantir uma postura de maior colaboração do interrogando, passaram a
torturar sua mulher e os filhos pequenos (GOMES, 1988, p.143). Diante de tais agravantes,
“Abóbora” cedeu às pressões dos policiais e passou a esclarecer as perguntas, em tornos
dos documentos apreendidos. Esses refaziam o histórico das atividades do partido e demais
organizações mantidas pelos comunistas desde 1936. Em poder da polícia estavam
endereços, balancetes, sistemas de ligações entre os diversos estados, listas de
colaboradores, análises de conjuntura política, ordens enviadas pelo Komintern, atas de
reuniões, entre outros relatórios comprometedores.
493
A mulher de Sebastião Francisco, Ida
D’Amico, também foi barbaramente torturada. Ida tentaria o suicídio nas dependências do
DEOPS/RJ, tendo enlouquecido devido aos tormentos aplicados pelos policiais. A mulher
se mataria em São Paulo, depois de solta (DULLES, 1985, p.203).
O testemunho de “Abóbora” sobre os documentos apreendidos permitiu a
continuidade das diligências policiais. A casa de Honório de Freitas Guimarães foi
identificada, e esse foi ferido e preso durante a abordagem efetuada em sua residência,
depois de uma troca de tiros com os investigadores. Nos interrogatórios, os policiais
conseguiram uma confissão completa sobre o caso “Elza Fernandes”, levando à reabertura
do processo e condenação dos demais implicados, agora também detidos.
494
Outra queda
importante foi a da tipografia na qual se imprimia A classe Operária, com a prisão dos
492
“Auto de declaração de Sebastião Francisco”. 13/05/1940. Arquivos do cedem/Unesp, fundos DK, caixa 2.
493
Sobre o assunto, ver: “Termo de declaração de Eduardo Ribeiro Xavier”, 10/04/1940. Arquivos do
Cedem/Unesp, fundos DK, caixa 2.
494
“Auto de declaração de Honório de Freitas Guimarães”, 20/04/1940. Arquivos do Cedem/Unesp, fundos
DK, caixa 2. Sobre o assunto, ver também “Processo do TSN 1.381 de 1940”. Arquivos do Cedem/Unesp,
fundos DK, caixa 5.
329
tipógrafos. Na casa da tipografia aconteceria uma queda esperada e festejada pelos policiais
cariocas. No momento em que os agentes lavravam o necessário auto de apreensões, um
indivíduo postou a cabeça à janela, e ao perceber a incômoda presença dos “tiras”, tentou
fugir, sendo capturado. Tratava-se de Lauro Reginaldo da Rocha, o “Bangu”. O secretário
interino do partido também experimentaria o circo de horrores montado pela polícia carioca
para “amansar” os presos nos interrogatórios:
Na polícia central, ‘Bangu’ foi submetido à ‘auréola dos anjos’, que consistia
em apertar uma corda cada vez mais estreitamente em torno da cabeça da vítima.
Como ‘André’, ficou sem as unhas das mãos e dos pés. Foram conservadas
numa caixa de fósforo. Espancamentos brutais e o emprego de maçaricos
deixaram seu corpo tão pisado e tão queimado que ele não podia deitar-se
quando o puseram numa cela. Gemia sem parar. Mas não falou. Um mês depois,
a polícia queixava-se de que ele ‘não abrira a boca sequer para confessar que seu
nome era Lauro Reginaldo da Rocha’ (DULLES, 1985, p.203).
O DEOPS/RJ havia detido a maioria dos quadros dirigentes do PCB. Faltava
ainda Domingos Brás, o qual escapou novamente da prisão, pois se encontrava em São
Paulo, reorganizando a militância paulista. Entremente às prisões das lideranças, os
documentos permitiram as detenções de diversos outros membros do partido. No final de
abril de 1940, seria preso Oscar Valente, que delataria o esconderijo de Sebastião Francisco
e Noé Gertel. Ambos seriam presos no dia 02 de maio daquele ano. Na mesma época, os
agentes conseguiriam deter Joaquim Câmara Ferreira, o qual exercia, interinamente, o
cargo de Secretário do C.R. do Rio de Janeiro. Todos passaram pelas máquinas de moer
carne do DEOPS/RJ. Câmara Ferreira, destro, assinou seu depoimento com a mão
esquerda, “por se encontrar enfermo da mão direita”.
495
O delegado do DEOPS/RJ Hugo
Auler (posteriormente Ministro do Supremo Tribunal Eleitoral), encerrou o inquérito em 06
de setembro de 1940, envolvendo mais de setenta pessoas nas atividades conspirativas do
PCB. Para os policiais cariocas, as diligências de 1940 foram as mais significativas
desenvolvidas no estado contra o “extremismo” desde as prisões posteriores à intentona
comunista.
495
“Termo de declaração de Joaquim Câmara Ferreira”, 02/05/1940. Arquivos do Cedem/Unesp, fundos DK,
caixa 2.
330
4. O DEOPS/SP e a sedimentação das novas práticas de investigação policial:
isolamento, cerco e detenção dos membros do C.R. de São Paulo do PCB em 1941.
As prisões de março de 1941 demonstraram uma grande eficiência da polícia de São Paulo. Os detalhes e os
documentos que ela possuía de toda a ação do Comitê Regional (estadual) do partido em São Paulo eram
impressionantes: datas de reunião e dos encontros, residências, decisões, hábitos dos militantes. Tudo estava
catalogado.
Davino Francisco dos Santos
A prisão do Comitê Central no Rio de Janeiro foi um duríssimo golpe na
precária estrutura partidária, constantemente abalada desde 1935. Seus efeitos foram
terríveis e tiveram ressonância em todos os Estados da Federação nos quais existiam
núcleos do PCB. Isso era reconhecido pelos policiais do DEOPS paulista, conscientes
também da sobrevivência do organismo partidário em São Paulo, cuja reorganização era
fomentada por duas lideranças conhecidas das autoridades paulistas, visto que ambos
iniciaram sua carreira militante em São Paulo. Eram eles Domingos Pereira Marques,
(cooptado para o partido por Sachetta em 1936) e Domingos Brás (antigo militante do
anarquismo, ex-detento da Colônia Clevelândia, passando para o PCB em meados dos anos
1930). Ambos eram os únicos membros da cúpula do partido que lograram escapar aos
cercos de 1939 e 1940. Esses agiam no sentido de reorganizar as bases partidárias, ladeados
por outros militantes, menos conhecidos das autoridades.
As diligências levadas a termo na Capital Federal, em abril de 1940, vieram
novamente a desbaratar as hostes comunistas de São Paulo, não só pela queda do
Comitê Central e a conseqüente perda de suas ligações com este órgão, como
também pelo receio de que a polícia paulista agisse simultaneamente contra eles.
No entanto, após um breve período de inatividade, os comunistas atuantes em
São Paulo passaram a intensificar os trabalhos para a reconstrução da abalada estrutura
partidária clandestina. Uma importante prisão, efetuada na capital, alertou os policiais para
a intensificação na movimentação do PCB. Em 13 de maio de 1940, seria finalmente detido
Domingos Pereira Marques, procurado pela polícia paulista desde 1936. Com Marques,
provavelmente os investigadores apreenderam documentos referentes às tarefas do partido,
porquanto essas garantiram a posterior inclusão de seu nome no inquérito, efetuado contra
331
os militantes que tentavam reconstruir o quadro dirigente do PCB em São Paulo.
Entremente, os “grupos de observação da cidade”, mantidos pela polícia política, delatavam
a ampliação das atividades “extremistas” nos meios vigiados. “Em meados de junho desse
ano [1940], esta delegacia notou que os comunistas estavam tentando novamente rearticula-
se. Eram freqüentemente observados em ligações nos conhecidos pontos de encontro”.
496
A tarefa não seria fácil para os abnegados quadros do PCB, visto que “nada possuiam em
São Paulo”. A reação policial de 1939 e 1940, para além de prender os quadros dirigentes
do partido, havia apreendido quase todos os recursos materiais da organização.
Para auxiliar Domingos Brás ou “José” nos trabalhos e organização da cúpula
paulista, logo chegaria de Baurú, no interior do estado, o militante José Maria Crispim, o
“Lima”, o qual havia realizado um bom trabalho de propaganda entre os ferroviários
daquela cidade. Agora Crispim seria encarregado da reorganização do C.R. de São Paulo.
Outros militantes de destaque eram Mário Barbatti ou “Dino”, Frederico Bonimani ou
“Machado” e Máxim Tolstoi Carone ou “Camilo”.
Aos poucos esses militantes do núcleo de reorganização foram reestabelecendo
ligações, cooptando velhos e novos membros, e angariando simpatizantes. Entre esses
estavam Eugênio Gertel, Romeu Funes, Abdon Prado Lima, Quirino Pucca, Sebastião
Alves de Andrade, José Duarte e José Pereira Guedes. Segundo os policiais, os comunistas
lograram obter bons resultados no Sindicato da Construção Civil, “convertendo para o
comunismo” os trabalhadores Amletto Galli, Armindo Gomes, Joaquim José de Souza,
Manoel Gomes, Manoel Rodrigues Figueira, Virgílio Cardoso e Virgilio Grilli. Mal sabiam
ainda os militantes que no sindicato referido ainda atuava o versátil secreta
“Pernambuquinho”, provável delator das investidas comunistas naquela associação de
classe. Para efetuar a propaganda nos meios estudantis, Crispim havia cooptado os
universitários Naor e Dalton Monteiro, irmãos, os quais moravam juntos em uma pensão na
Avenida São João, no centro da cidade.
As investigações policiais em torno do núcleo comunista se iniciaram em 27 de
junho de 1940, “quando foi confeccionado o primeiro relatório pela Seção de Investigação
de Ordem Social”. Foi então ordenada ao Encarregado de Investigações da Ordem Social,
496
“Inquérito arrolado ao processo TSN n. 1750”. Delegado Elpídio Reali, 04/06/1941. Prontuário DEOPS/SP
n. 46537 de José Maria Crispim.
332
Luiz Apolônio, a “tarefa de incentivar as observações em torno dos elementos suspeitos”.
497
A investigação, que positivou a tentativa da reorganização do C.R. de São Paulo pelos
comunistas, seguiu a mesma metodologia posta em prática nas investigações de 1939. As
longas campanas, iniciadas em torno dos elementos identificados como dirigentes (pois
como diriam as autoridades: [estes] viviam às expensas do partido e conseqüentemente,
fazia-nos presumir tratar-se dos elementos encarregados da reorganização”
498
), se
desdobravam nos pontos de encontro a cada novo contato. Aliás, cada “típico ponto de
encontro comunista” era anotado e continuamente vigiado pelos acampanadores. Segundo
os policiais, esses encontros agora se davam “em lugar afastado, ermo [...] longe das vistas
dos curiosos e, segundo deviam supor [os comunistas] da própria polícia”. De tempos em
tempos, novos suspeitos eram apontados, identificados e sistematicamente seguidos por
dias a fio. Os policiais se desdobravam em plantões nas imediações das residências
identificadas. Segundo as autoridades, houve pressão da polícia carioca, informada da
movimentação comunista em São Paulo, para fazer os agentes paulistas deterem Domingos
Brás, o qual tinha prisão preventiva decretada no D.F. Mesmo assim, os policiais
resolveram não agir, justificando que a prisão antecipada do dirigente podia pôr em risco a
necessária tarefa de levantamento de informações, efetuada pelos inspetores paulistas.
499
Assim como nas investigações em torno dos ativistas ligados ao C.R.
capitaneado por Mariguella, os militantes desconhecidos – ou sem antecedentes –
observados pelos policiais entre 1940 e 1941 recebiam as alcunhas inventadas pelos
investigadores. Foi assim que Crispim tornou-se, para os policiais de São Paulo, o “homem
do guarda chuva”; Carone, o “tipo estrangeiro”; e Barbati, o “rapaz das costeletas”. Na
pensão onde moravam os estudantes Dalton e Naor, o DEOPS infiltrou um investigador,
com o intuito de levantar os nomes dos jovens e acompanhar os movimentos, visto que no
quarto alugado era sempre avistado o Crispim. A “técnica” de isolamento e cerco do
DEOPS/SP, desenvolvida pouco a pouco no interior do departamento – revisando os
acertos e os erros de cada investigação, pelo menos desde 1936, e definitivamente testada
em 1939 – agora ganhava status de paradigma investigativo. Para as autoridades paulistas,
498
Idem.
497
“Inquérito arrolado ao processo TSN n. 1750”. Delegado Elpídio Reali, 04/06/1941. Prontuário DEOPS/SP
n. 46537 de José Maria Crispim.
499
Idem.
333
esse era o modelo de ação eficaz para ser posto em prática contra o modus operandi da
organização comunista. Como diria o delegado Elpídio Reali.
Contrapondo-se à nossa paciência, a paciência e audácia dos comunistas,
acompanhamos durante nove meses todas ou quase todas as atividades daqueles
que, conscientemente, se entregaram à propaganda dos ideais de Lênin e Marx
[...] Necessário se tornava identificar, convenientemente, todos os comunistas,
bem como suas residências. Acompanhamo-los religiosamente para se poder
aquilatar do grau de atividade de cada um, desde os dirigentes da organização
até os elementos de base ou colaboradores de várias espécies. Esta foi a nossa
tarefa. E conseguimo-lo. [...] Com esta descrição, quisemos mostrar como se
torna indispensável a observação preliminar em torno dos comunistas, a fim de
se chegar a uma conclusão acertada sobre suas atividades. Não houvesse
observado, preliminarmente, os elementos considerados suspeitos, não teríamos
chegado a um final tão positivo, como o alcançado no presente inquérito.
Após nove meses de “paciente” trabalho, estava chegando a hora de colher os
frutos. Os policiais então já haviam constatado a montagem e localizado uma nova
tipografia instalada pelos comunistas. Como caracterizavam os especialistas, essa estava
situada “numa casa isolada, cercada de grandes áreas de terreno, visando dest’arte, evitar
que os vizinhos ouçam o rumor da máquina impressora”. Refeita a possibilidade de
imprimir boletins de propaganda, os secretas – os relatórios policiais confirmariam
posteriormente a presença de dois infiltrados nas bases da ainda classificada como “ala
Bangu” do partido
500
– avisaram ao departamento que em princípio de abril de 1941, seria
“procedida farta distribuição de boletins pelo PCB”. Foi nesse momento então que as
autoridades instaram o corpo de investigadores para prepararem novas diligências e efetuar
as detenções dos envolvidos.
Em 28 de março de 1941 demos início a uma série de diligências, realizadas com
a maior rapidez o possível, a fim de serem evitadas prováveis fugas. Foram elas
encerradas a 29 do mesmo mês, após 30 horas de incessante trabalho, que,
finalmente, foi coroado do mais amplo êxito, pois não só se conseguiu a
detenção do todos os dirigentes comunistas em São Paulo e seus auxiliares,
como a apreensão da tipografia do PCB.
Os policiais de São Paulo cobriam-se de louros com as trinta e uma detenções
efetuadas na ocasião, requerendo mesmo o reconhecimento das hierarquias superiores do
500
“Relatório ao Delegado Especializado de Ordem Política e Social”. Delegado Elpídio Reali, 01/10/1941.
Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do PCB. Vol. 7.
334
Estado. A diligência, para a apreensão da tipografia, foi preparada como um ato exagerado
de propaganda comemorativa. Em uma caravana composta de diversos automóveis,
seguiram para o local as autoridades principais do departamento, como o Coronel José
Scarcella Portela, superintendente do DEOPS, os delegados titulares e adjuntos, mais os
chefes das equipes de investigadores de ordem social e ordem política, respectivamente,
Luiz Apolônio e Carlos Marques. Os chefes estavam ladeados de repórteres de diversos
jornais e dos peritos técnicos da polícia. No local, a comitiva teria uma surpresa. Mais um
comunista conhecido dos investigadores, e cuja presença em São Paulo até então não havia
sido apontada nas investigações preliminares, também seria preso. Esse, fugitivo dos
presídios paulistas, trabalhava como tipógrafo na casa mantida pelo partido. Tratava-se de
Davino Francisco dos Santos, ex-tenente da Força Pública do Estado de São Paulo. Davino
fora condenado anteriormente pelo TSN e os policiais julgavam, devido às informações
levantadas por secretas, refugiado no Mato Grosso, onde exercia cargo de direção no C.R.
daquele estado.
501
Enquanto fazia-se a apreensão das máquinas e boletins, os quais seriam
lançados em São Paulo, “os repórteres ouviam a mulher de Davino e ficariam sabendo por
ela que já estava acostumada às incursões policiais” (DULLES, 1985, p.216).
Todo o quadro dirigente do partido, mais os militantes de base identificados
durante as investigações, estavam detidos. Embora posteriormente os implicados
assinassem, como em 1939, um documento que imiscuia o DEOPS de maus tratos, o
tratamento dispensado aos militantes presos demonstrava como os tradicionais
espancamentos, no momento da prisão, continuavam sendo utilizados como uma prática de
“amansar” os “criminosos contumazes”, no momento em que esses eram obrigados a
atravessar, a contra gosto, os portões da delegacia. Como sempre, os inspetores faziam
questão de mostrar que, da porta do DEOPS para dentro, não haviam direitos. Assim
relataria em suas mémorias Davino Francisco dos Santos, o qual, durante a prisão, seria
cooptado por Luiz Apolônio, tornando-se colaborador do DEOPS (o que viabilizou sua
reintegração no corpo de oficiais da polícia militar de São Paulo, aposentando-se
posteriormente, no posto de Coronel da instituição). No entanto, antes disso, quando preso
na tipografia e identificado como renitente comunista dirigente, Davino passaria pelo
501
“Inquérito arrolado ao processo TSN n. 1750”. Delegado Elpídio Reali, 04/06/1941. Prontuário DEOPS/SP
n. 46537 de José Maria Crispim.
335
costumeiro comitê de “boas vindas” preparado pelos investigadores e extra-quadros do
DEOPS/SP:
Fizeram-me entrar por uma porta larga e atravessar o prédio [do DEOPS/SP – nota
do autor] de um lado para o outro. Mais alguém me acompanhou a porta. Saí numa
área entre o prédio e um muro e virei a direita. Um homem seguia a minha frente e
outros atrás de mim. Ao penetrar por entre os agentes recebi um bofetão na cabeça
e, em seguida, vieram mais bofetadas. Lancei fora o chapéu que eu tinha na mão e
cobrí-me com os braços, para evitar os tapas diretamente na cabeça. Bofetão daqui,
bofetão dali, comecei a rodopiar entre os agentes. Deram-me um murro na nuca e
eu senti uma pontada dolorosa na cabeça. Atravessei o cerco e um agente mandou-
me sentar em uma sala desligada do corpo do prédio. A sala estava cheia de
inspetores entendendo-se com um chefe [...] Uma porção de agentes me olhava do
lado de fora, pelas vidraças que clareavam o exíguo espaço da salinha. Um homem
já idoso entrou ali e dirigiu-se a mim, dando-me um bofetão no rosto. Depois saiu
com naturalidade. Eu fiz de conta que nada havia acontecido. Nem olhei para as
costas dele. Outro homem, com uma grande mancha arroxeada no alto da testa,
entrou logo depois do primeiro, deu-me outro bofetão na cara e retirou-se
(SANTOS, 1950, p.308).
As provocações dos policiais terminaram quando Luiz Apolônio,
apresentando-se posteriormente, pediu para “que não lhe batam mais”, demonstrando certa
premeditação dos procedimentos. Agora o indiciado sabia quem mandava, e logo o
espancado novamente se encontraria com o inspetor chefe, nas sessões dos extenuantes
interrogatórios. Nesses, Apolônio diria ao indiciado, como de costume, que a polícia de São
Paulo era uma polícia científica e portanto dispensava as torturas (SANTOS, 1950, p. 318).
As inquirições sobre os presos mantidos isolados se iniciariam logo nos dias
seguintes às prisões. A prática ardilosa da utilização dos relatórios de campana, como
meios seguros para viabilizar confissões, receberam pontuais melhorias desde o início das
investigações. Os observadores, responsáveis pela coleta de dados preliminares, foram
orientados no sentido de elaborarem relatórios mais minuciosos do que aqueles redigidos
em 1939. As informações levantadas nos encontros observados agora eram
complementadas com detalhes sutis, os quais, aparentemente, não se relacionavam à
investigação. Como exemplo, um observador anotou num dia de trabalho: o “homem do
guarda chuva, indo para o bairro da Lapa, entrou em uma leiteria, onde tomou leite, comeu
pão de $ 200 e rematou sua leve refeição com um café”. Outra vez, enquanto esperava o
companheiro em um ponto de encontro no Museu do Ipiranga, o investigador percebeu o
hábito de Crispim de quebrar palitos de fósforo e fazer ‘montículos com os mesmos”.
336
Nesse dia, após Crispim deixar o local, acompanhado de seu inevitável guarda chuva, o
vigilante recolheria os palitos amassados e a caixa de fósforo vazia. Sabendo de antemão
que os comunistas tentariam desvencilhar-se das assertivas policiais durante os
interrogatórios, procuravam as autoridades ampliar os efeitos das leituras dos relatórios de
campana sobre os inquiridos, como diria o delegado responsável pelo inquérito.
Porque esta delegacia passou a anotar todos os movimentos dos comunistas,
inclusive, os que nenhuma importância tinham para a elucidação das atividades
que vinham sendo exercidas? [...] Porque esses detalhes constituiriam mais tarde
elementos valiosos para comprovar a veracidade de nossas observações. Os
comunistas objetos de vigilância não tangiversariam, mais tarde, em confirmar,
ao prestar declarações, as ocorrências corriqueiras e com isto formar-se-ia em
seus espíritos a convicção de que a polícia havia-lhes acompanhado os passos,
havendo por isso menor relutância em confessar também suas atividades e
ligações partidárias.
As inquirições, como de praxe, orientadas por Luiz Apolônio (contando com a
presença do delegado Elpídio Reali), agora tinham início apresentando ao detido esses
detalhes individuais capturados, os quais “personalizavam”, definitivamente, cada
implicado apontado nos relatórios. O interrogatório de José Maria Crispim começou com o
policial perguntando sobre seu freqüente hábito de carregar um guarda chuva, fato
confirmado pelo indiciado. Após Crispim negar algumas ligações observadas, Apolônio
iniciou a leitura dos relatórios de campana. Surpreendido pelos detalhes observados pela
polícia, nos encontros mantidos com outros comunistas (os policiais mostrariam a Crispim
o mesmo montículo de fósforos recolhidos no Museu do Ipiranga), o “homem do guarda
chuva” percebeu, como Mariguella havia percebido anteriormente, a extensão da campanha
de vigilância exercida sobre suas atividades. Pouco a pouco, diante da surpreendente
evidência de que seus passos tinham sido acompanhados pelos agentes, José Maria Crispim
foi cedendo e confirmando as observações policiais. Apolônio e Reali preparavam o terreno
para a pergunta considerada fatal.
Procedendo-se a leitura do relatório sob n. 23, folha 47, e perguntando ao
declarante se o que estava relatado corresponde a verdade, disse que, de fato, às
vezes, costuma comer sanduíches ou tomar ligeiros lanches, no bar situado à
Rua do Glicério com Lavapés, que é verdade também ter ido várias vezes à
Avenida São João, n. 579, onde ia tomar injeções com um estudante chamado
Naor, tão somente injeções, é verdade que no dia referido foi ao bairro da Lapa,
tendo entrado num bar onde tomou leite, comeu pão com manteiga e tomou café
[...] Perguntado ao declarante se está percebendo claramente que a polícia de
337
fato, vinha seguindo seus passos e, conseqüentemente, observou as suas
atividades, respondeu que sim; que o declarante confirma haver se encontrado
com o ‘rapaz das costeletas’, que é Mário Barbati, não se recordando, entretanto,
si dele recebeu dois pacotes, um dos quais seria volumoso, assim como não se
lembra se ao mesmo fez entrega de uns papéis.
502
Embora Crispim tentasse ainda desvencilhar-se de seu comprometimento com
o porte e a entrega dos materiais internos e de propaganda do partido para outros
implicados, o caminho para a “criação” do indiciamento criminal estava aberto para as
autoridades. A concordância, pelo interrogando, de que os policiais haviam seguido seus
passos, permitia a confirmação da presunção da culpa, de antemão apontada, a qual seria
devidamente refinada nas comparações com as declarações de outros presos, e na análise
dos documentos apreendidos. No caso dos documentos, não rememorados por Crispim em
seu interrogatório, o depoente Mário Barbati relembraria dos “dois pacotes contendo
boletins impressos, de propaganda do partido comunista, e que antes haviam sido entregues
pelo tipógrafo ‘Geraldo’, que os havia impresso na tipografia.”
503
Para facilitar a construção
do quebra cabeça pelas autoridades, outros comunistas, além de Barbati, imporiam menor
resistência e prestariam mais facilmente declarações comprometedoras, quando
confrontados com as informações coletadas pelos policiais (caso de Frederico
Bonimani).
504
Outros mantiveram a postura de negar os fatos apontados, repetindo que não
se recordavam. Esse foi o caso de Maxim Tolstoi Carone, o qual negou as ligações, mesmo
durante as diversas acareações. Para reforçar a presunção de culpa desse indiciado, que era
professor em colégios ginasiais de São Paulo, os policiais recolheriam depoimentos de
alunos confirmadores das “idéias extravagantes” do mestre.
Os documentos apreendidos permitiram aos policiais novas prisões, como do
português José Duarte, ou “Prudêncio”, maquinista ferroviário, antigo militante comunista
morador de cidade de Água Clara, no Mato Grosso, responsabilizado pelas ligações entre
os Comitês Regionais de São Paulo e do referido estado. Com Duarte, nenhum documento
comprometedor foi apreendido. Segundo os policiais, tal fato se deu porque sua prisão foi
502
“Termo de declaração de José Maria Crispim”. 01/04/1941. Prontuário DEOPS/SP n. 46537 de José Maria
Crispim.
503
“Inquérito arrolado ao processo TSN n. 1750”. Delegado Elpídio Reali, 04/06/1941. Prontuário DEOPS/SP
n. 46537 de José Maria Crispim.
504
Cópias dos termos de declaração dos principais envolvidos podem ser observados no prontuário
DEOPS/SP n. 46537 de José Maria Crispim.
338
posterior ao desmantelamento do C.R. de São Paulo, noticiado em diversos jornais. Duarte
tinha tido tempo suficiente para “limpar” sua casa. Contra o maquinista havia uma carta
manuscrita apreendida, assinada por “Prudêncio”, que, como notaram os policiais, havia
sido redigida com diversos erros de português. Os agentes fizeram então Duarte redigir uma
carta, para exame grafológico. Nesta os policiais perceberam os mesmos erros cometidos
por “Prudêncio” e um deles, em especial, chamou a atenção das autoridades. O português
Duarte redigia o termo “felizmente” de maneira semelhante à pronúncia lusitana da palavra,
portanto, ao invés de felizmente, Duarte redigia flizmente. Essa era a “prova” tão requisitada
pelos agentes. “Esse erro só poderia ter sido cometido por um ‘português’ pouco letrado, os
quais pronunciam aquela palavra da maneira descrita. E José Duarte é português, muito
sagaz, mas pouco letrado”.
505
Para “coroar” as investigações, isso nos dizeres dos policiais, os
interrogatórios contra os membros dos sindicatos da construção civil, também detidos,
levariam à descoberta dos arquivos do partido comunista. Esses preciosos arquivos, desta
vez, não tinham sido apreendidos nas casas dos militantes, como ocorreu nos cercos
anteriores. O golpe de sorte aconteceu quando os policiais resolveram prender os
sindicalistas. Interessante comentar que nos momentos das detenções desses, ocorridas nos
dias 28 e 29 de março, poucas evidências existiam de suas atividades em prol do PCB.
Porém, sem perder o velho tino arbitrário de arvorar-se como juízes extra-legais, as
autoridades do DEOPS/SP resolveram efetuar as prisões, mesmo sabendo da possibilidade
dessas atingirem indivíduos não implicadas no caso. Assim justificava esse procedimento o
delegado responsável pela elaboração do inquérito, evidenciando como, no trato com
elementos oriundos dos meios populares, a medida de justiça da polícia ainda era a tônica
do exercício do policiamento:
O resultado da nossa investida contra eles seria sempre benéfico. Se nada
encontrassemos, serviria para alertá-los e quiçá faze-los abandonar qualquer
atividade menos legal, e se o resultado fosse positivo, conforme nossas
observações, inclui-lo-iamos como indiciados neste inquérito
505
“Inquérito arrolado ao processo TSN n. 1750”. Delegado Elpídio Reali, 04/06/1941. Prontuário DEOPS/SP
n. 46537 de José Maria Crispim.
339
Entre interrogatórios, acareações e novos informes reservados, os policiais
“descobriram” que Virgílio Grilli e Armindo Gomes eram os responsáveis pelo
“ocultamento” dos arquivos do PCB. Esses foram entregues a um terceiro, Faustino
Furquim dos Santos, então tesoureiro do sindicato, para escondê-los em lugar seguro.
Faustino, até então desconhecido dos policiais, teve de comparecer à delegacia e confirmou
a entrega, pelos dois citados, de um caixote de documentos. Segundo o depoimento de
Furquim, os indiciados lhe explicaram que as caixas guardavam os arquivos da entidade
dos operários da construção civil. Faustino guardou os documentos em sua casa e,
posteriormente, foi aconselhado por Grilli e Gomes a escondê-los em um lugar mais
seguro. Segundo ainda as informações prestadas pelo novo depoente, esse não desconfiou
da informação referente ao conteúdo das caixas, tomando-as como arquivos sindicais, sem
saber que nessas repousavam os arquivos do PCB. Faustino, seguindo o conselho, levou o
caixote para a olaria de um amigo em Guarulhos, chamado José Rangel Filho. Naquele
local, contudo, os documentos foram apreendidos pelos policiais, fornecendo novos
indícios contra todos os implicados, especialmente contra os sindicalistas, afinal, “se esses
tiveram o arquivo da organização em suas mãos, deviam merecer absoluta confiança dos
maiorais do partido”. Mesmo Faustino e seu amigo José Rangel foram implicados no
inquérito, porquanto, para os policiais, era inconcebível que os dois não soubessem nada do
material que aceitaram esconder.
O delegado encerrou o inquérito em 04 de junho de 1941, implicando trinta e
seis pessoas na atividade “funesta e altamente prejudicial aos interesses da nação que
vinham sendo exercidas pelos adeptos do partido comunista neste estado”. Apontava
Domingos Brás, José Maria Crispim, Frederico Bonimani, Domingos Pereira Marques e
Mário Barbati como principais dirigentes da organização, elencando também fortes
responsabilidades para Maxim Tolstoi Carone, José Duarte e Davino Francisco dos Santos.
Os juízes do TSN acatariam as deliberações do inquérito. Brás, Crispim, Bonimani e
Barbati seriam condenados a dezesseis anos de prisão. Marques, Davino e Duarte,
reincidentes, receberiam penas de quatorze anos. Carone pegaria dois anos. Sua pena seria
revista após um ano, possibilitando a soltura do detido. Segundo seu irmão e ex-professor
da USP, Edgard Carone, a redução da pena aconteceria porque a família Carone concluiu
um “acerto” com as autoridades do TSN.
340
A vigilância do DEOPS sobre os passos da militância comunista em São Paulo,
não relaxaria com a “queda” do grupo responsável pela reorganização do C.R. em 1941.
Em outubro daquele ano, o delegado Elpídio Reali comentaria em um relatório enviado às
instâncias superiores de comado do órgão policial: “não tivemos ainda conhecimento de
que tenham reorganizado o C.R. do partido na região de São Paulo”. Segundo o policial,
transcrevendo as informações passadas por suas “fontes”, atuantes nos meios operários: “o
maior obstáculo à sua reorganização é a desconfiança que lavra em torno dos elementos de
maior evidência que no seio do partido haja elementos da reação infiltrados”. O PCB ainda
sofria com a desagregação promovida em suas fileiras pelas diligências policiais de março,
as quais, segundo a autoridade, ampliaram as desconfianças de uns contra os outros no
interior da organização: “Chegaram os comunistas a esta conclusão à vista da extensão
alcançada pela repressão de março, na qual foram detidos todos os elementos de direção,
além da tipografia do partido”. Entremente, informava o delegado, o DEOPS reorganizara
um de seus serviços “originais”. Contando com a ajuda do empresariado paulista (como nos
idos de 1924) e dos órgãos governamentais, a polícia estava refazendo o o mapeamento das
fábricas de São Paulo, e o levantamento das informações sobre os seus operários.
Cumprindo determinações do Sr. Superintendente, procedemos em colaboração
com o Serviço Secreto, à um levantamento geral das fábricas de São Paulo, com
a respectiva localização e o número de operários, a fim de que possamos
organizar um plano tendente a manter um policiamento preventivo no seio da
massa proletária [...] iniciaremos agora, com estes elementos, os nossos
trabalhos de observação em torno dos maiores estabelecimentos fabris. [...]
acreditamos que a adoção de medidas enérgicas neste assunto, os operários de
São Paulo continuarão a manter o clima de ordem e trabalho que os tem
caracterizado nesses últimos tempos.
506
Embora fosse perceptível o refinamento dos métodos de investigação do
DEOPS paulista, a vigilância policial ainda privilegiava o vigilantismo em detrimento da
investigação. A lógica da suspeição permanente era a viga mestra característica, a qual
sustentava as táticas desempenhadas pelo policiamento. A polícia política de São Paulo,
ampliada, renovada, mantinha a desconfiança como predicado essencial, no trato com o
movimento operário. A melhoria nos desempenhos investigativos mantinham-se
506
“Relatório ao Ilmo. Sr. Delegado de Ordem Política e Social”. Delegado Elpídio Reali, 01/10/1941.
Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do PCB. Vol. 7.
341
subordinada a uma política de policiamento referenciada pelo temor como medida eficiente
de contenção. A ação policial, a serviço da construção de uma ordem social valorizadora da
formação do “sujeito politicamente conformado”, validava, no contexto do Estado
autoritário, a velha prédica de que um Estado carece de povo, mas não necessariamente de
cidadãos.
342
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fossem suprimidos os crimes que explicam a origem de todas as pátrias e estas só existiriam no reino dos
céus. As pátrias não se formam sem dor, sem ação, sem sangue.
Cassiano Ricardo
As diligências policiais efetuadas contra os militantes do PCB, envolvidos com
a tarefa de reconstruir o C.R. de São Paulo em 1939 e 1941, configuraram a renovação das
práticas de investigação, cerco e contenção desempenhadas pelo DEOPS/SP contra a
organização comunista clandestina. Partindo de práticas de investigação arraigadas à
cultura investigativa da polícia – valorizadas pelos policiais e abalizadas de acordo com os
pressupostos da noção de experiência no trato com o mundo da desordem – observando
ainda os acertos e erros das campanhas anteriores, os agentes do DEOPS/SP
paulatinamente aprimoraram o seu instrumental investigativo. Embora fosse claro o
refinamento dos métodos de levantamento de dados e de informações, assim como das
diligência de cerco, prisão, e mesmo de inquirição dos presos, a atuação da policia ainda
estava orientada para a confirmação das culpas, de antemão estabelecidas pela convicção
policial. O vigilantismo e a defesa intransigente das relações de poder vigentes
subordinavam e norteavam a lógica de investigação da polícia de soberania do Estado. A
necessidade de culpabilizar os implicados em atividades “sediciosas”, de acordo com os
pressupostos pré-estabelecidos pelo poder, e pelas suposições das autoridades responsáveis
pelo policiamento, garantiam um largo espaço para a discricionariedade policial arbitrária
na condução dos casos. Esses pressupostos pouco se alteravam e acompanhavam as
mudanças de meios e de modos de atuação da polícia. As alterações do modelo de
investigação, incorporadas ao modus operandi tradicional da polícia política, estavam
intrinsicamente relacionadas às percepções policiais das mudanças de tática e de atuação
dos alvos prioritários do policiamento (no caso, os militantes da revolução social) nos
ambientes sob vigilância.
Antes de 1935, os agentes voltavam sua atenção prioritariamente para os
ativistas do movimento sindical, os quais atuavam de forma “visível” em atividades de
difusão dos ideais revolucionários nos sindicatos e associações, com vistas à hegemonia de
suas correntes políticas nos meios operários. Embora esses militantes estivessem ligados a
343
organizações permanentes e mesmo ilegais (como o próprio PCB, cujo intuito do
planejamento da estrutura organizacional referendava, entre outras, a diretriz de dificultar
as investidas policiais sobre os seus membros), a necessidade de certa publicidade para suas
ações de propaganda e de organização das greves e meetings operários facilitava o
acompanhamento de suas atividades pelos agentes delatores. A principal atividade delegada
ao policiamento político e social era debelar essas movimentações “sediciosas”. Para isso,
os policiais e extra-quadros da delegacia – no caso os secretas – mapeavam continuamente
os ambientes sob vigilância, apontando os principais envolvidos. Esses, após suas
detenções, ficavam inteiramente à disposição das autoridades policiais, que em muitos dos
casos observados, eram os verdadeiros “responsáveis” pela determinação das culpas e dos
castigos, levadas a efeito de acordo com as noções de crime e de punição, construídas nas
dependências da delegacia.
Para efetivar as diligências de contenção, as autoridades contavam com a quase
ausente verificação de seus procedimentos de atuação pelas instituições da justiça, pouco
interessadas em interferir na tradicional “jurisdição” policial, delegada ao DEOPS para a
implementação das práticas de profilaxia social dos ambientes sob sua contínua
intervenção. As medidas do processo jurídico, conforme previsto na lei, só eram tomadas
para os casos em que os policiais tinham certeza da condenação, conforme suas próprias
percepções das culpas, muitas vezes forjada pelos procedimentos inquisitoriais da
investigação policial. Embora o Estado houvesse iniciado sua vigorosa campanha de
cooptação dos trabalhadores à lógica do direito corporativo (importando isso numa
distinção mais clara entre as “classes laboriosas” e as “dissidências sediciosas”, mediada
pela expansão dos instrumentos legais de criminalização dessas últimas), para a “correição”
das classes ditas “perigosas”, consideradas indesejáveis e muitas vezes irrecuperáveis do
ponto de vista social, a justa medida de ação continuava sendo a atividade arbitrária da
polícia. Isso permitia que o tripé investigativo, montado nas bases da delação –
interrogatório entremeado pela tortura física e psicológica – confissão, configurasse uma
metodologia eficaz de policiamento, a qual, em contrapartida, ainda permitia instaurar o
terror nos ambientes sob suspeição, como forma eficaz de controle.
Esse “método” foi considerado funcional para apontar e combater a propaganda
“extremista” e de fomento do ideal revolucionário nas associações sindicais, promovida por
344
militantes que atuavam em contato direto, e por vezes pouco dissimulado, com os meios
operários. No entanto, seus resultados práticos no combate ao organismo clandestino do
PCB, sobretudo pós 1935 – quando seus militantes intensificaram a “invisibilidade” de sua
atuação – tornaram-se discutíveis. As diligências entre 1936 e 1938, efetivadas contra
cúpula do PCB paulista, entremeadas por sucessos e fracassos, demonstravam que o
DEOPS/SP devia revigorar suas práticas de investigação e “culpabilização”, ajustando-as
também ao novo arcabouço legal consignado pelo Estado autoritário para sua atuação.
Em relação às práticas de policiamento, não se pode negar os efeitos da
renovada pressão institucional imposta pela crescente burocratização do aparelho
repressivo do Estado. A ampliação da vigilância da justiça sobre a atividade policial estava
na pauta da discussão política dos anos 1930. Esta se impôs, como demanda política, com o
aumento da intervenção do aparelho burocrático do poder nos assuntos da questão social
(tomando amplitudes indesejadas, mesmo de contestação ao modelo tradicional de ação da
polícia, com a constitucionalização do regime em 1934). Porém, após esse breve interregno
liberalizante, tão criticado pelas autoridades responsáveis pelo policiamento (encerrado “de
fato” com a repressão à intentona comunista de 1935), se intensificaram as preocupações
dos policiais com a elaboração dos inquéritos, redigidos para indiciar juridicamente os
“elementos dissolventes”. A modernização das práticas de justiça, e a vigência da polícia
política como instrumento habilitado para a instrução penal, foi mais efetiva somente
quando a justiça de exceção pode impôr a arbitrariedade policial como medida do direito,
consentido pelo poder.
No entanto, a institucionalização da repressão nos quadros do poder requeria o
aprimoramento da capacidade policial de coligir provas, as quais corroborassem as
convicções de culpa sobre os implicados nos inquéritos. Em 1941, pouco mais de dez anos
haviam se passado desde a intensificação das reformas burocráticas promovidas pelo
Estado no seu privilegiado aparelho de repressão. Tais reformas, destituídas de um
compromisso efetivo para ampliar o consentimento e a “legitimidade” popular da ação
polícial (por meio da valorização da “impessoalidade” no trato dos conflitos sociais),
tinham como escopo melhorar o desempenho da agência em suas tarefas de profilaxia
social dos indesejáveis. As mudanças que ampliaram os efetivos da polícia, instaurando
novas medidas para a sistematização das rotinas do trabalho e das operações, deveriam ser
345
acompanhadas da demonstração de seu resultado prático na dilatação da capacidade da
polícia em vigiar os ambientes suspeitos, isolando e apontando os “culpados” da
contestação “sediciosa”. Nesse sentido, não importava se o delineamento das práticas
investigativas envolvessem mais ou menos procedimentos considerados tradicionais,
violentos ou arbitrários. Importava sim a viabilização das condenações, conforme os
institutos legais em vigência.
As diligências de 1939 e 1941 demonstravam que os investimentos do poder,
somados às pressões por resultados práticos no desempenho das tarefas de higienização do
corpo social, interferiram no modo como se delineava o trabalho policial. Os especialistas
da polícia política ampliaram sua capacidade operacional, observando também, para isso,
as alterações do padrão de conduta dos “extremistas” nos meios vigiados. O combate à
organização burocratizada e clandestina do partido comunista possibilitou a renovação do
instrumental investigativo da agência, o qual se tornaria caro à polícia civil de São Paulo
(conforme o crime e a criminalidade comum assumissem, paulatinamente, os quesitos de
“crime organizado”
507
). As primeiras manifestações da renovação desse instrumental
investigativo, no âmbito do DEOPS/SP, permitem identificar essa agência policial,
privilegiada pelo poder, como pólo agregador das renovações das práticas de policiamento.
As autoridades incorporaram ao seu instrumental de ação o planejamento mais refinado das
diligências, consubstanciadas pelo aprimoramento e sistematização das rotinas de
investigação e de inquirição, aliada ainda à uma divisão mais elaborada das funções e da
avaliação dos quesitos de desempenho policial, isso conforme os fins requisitados pelo
poder. Os investigadores especializados da polícia reiteravam suas velhas práticas, agora
embebidas de novas “técnicas” de levantamentos de dados e informações, as quais –
segundo as próprias autoridades – ampliavam sua eficiência como agentes da profilaxia
social dos espaços públicos. A polícia se tornava mais “disciplinada”, impelida pela
renovação das necessidades práticas do policiamento e pelo incremento do enquadramento
racional de sua organização. Isso conforme a modernização capitalista exigia, num tempo
de intensas transformações na sociedade, “mais do mesmo”, ou seja: a continuidade dos
507
Tal hipótese, instigante porquanto permite anotar a possível continuidade das práticas arbitrárias da
intervenção policial (e sua relação com as estratégias políticas de controle da sociabilidade popular), fica
como sugestão para futuras pesquisas.
346
privilégios políticos e sociais de alguns, consubstanciada pela renovação dos meios de
controle sobre o corpo, o coração e a mente da grande maioria.
347
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes
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348
3. Documentos policiais
3.1 Arquivo do Estado de São Paulo (AESP). Fundos DEOPS/SP
3.1.1 Prontuários Institucionais consultados
Associação Amigos da Rússia – Prontuário n. 533.
Associação de Classes e Sindicatos – Prontuário n. 1579.
Associação Jurídica do Brasil (Comissão Popular de Inquérito) – Prontuário n. 262.
Centro de Cultura Social – Prontuário n. 1914.
Clube Lituano de Cultura da Vila Zelina – Prontuário n. 5229.
Comissão Central de Propaganda da Espanha Republicana – Prontuário n. 80137.
Confederação Geral do Trabalho no Brasil – Prontuário n. 532.
Comunicação Interna do DEOPS - Prontuário n. 3477.
Departamentos internos do DEOPS – Dossiê 50-Z-30.
Federação Operária de São Paulo (FOSP) – Prontuário n. 716.
Federação Sindical Regional de São Paulo – Prontuário n. 880.
Grupo Anarquista de São Paulo – Prontuário n. 1035
Liga Comunista Internacionalista – Prontuário n. 4143.
Movimento Sindical – Prontuário n. 126.
Movimento Unificado dos Trabalhadores (MUT) – Dossiê n. 30.Z.60.
Partido Comunista Brasileiro (PCB) – Prontuário n. 2431.
Partido Socialista Brasileiro (PSB) – Prontuário n. 1009.
Partido Socialista Revolucionário – Prontuário n. 9232.
Presídio Político Maria Zélia – Prontuário n. 5229
Sindicato dos Trabalhadores da Light – Prontuário n. 710.
Sociedade Amizade Húngara de São Paulo – Prontuário n. 538.
Socorro Vermelho Internacional – Prontuário n. 1962
União dos Artífices em Calçados – Prontuário n. 582.
União dos Trabalhadores Gráficos (UTG) – Prontuário n. 577.
349
3.1.2 Prontuários Pessoais Consultados:
Abílio Neves – Prontuário n. 002.
Affonso Schmidt – Prontuário n. 011.
Agildo Barata Ribeiro – Prontuário n. 58786.
Amor Salgueiro – Prontuário n. 3047.
Aristides Lobo – Prontuário n. 037.
Arsênio Palácios – Prontuário n. 1507.
Arthur Piccinini – Prontuário n. 4975.
Astrogildo Pereira – Prontuário n. 044.
Brasil Gerson – Prontuário n. 3096.
Caio Prado Júnior – Prontuário n. 1691.
Constantino Corotneffe – Prontuário n. 412.
Daniel Cohen – Prontuário n.13
Domingos Brás – Prontuário n. 493.
Edgar Leuenroth – Prontuário n. 122.
Eneida de Moraes – Prontuário n. 1948.
Eunice Catunda – Prontuário n. 3400
Everardo Dias – Prontuário n. 136.
Fernando de Lacerda – Prontuário n. 780.
Florentino de Carvalho – Prontuário n. 144.
Fúlvio Abramo – Prontuário n. 712.
Galeão Coutinho – Prontuário n. 163.
Genny Gleizer – Prontuário n. 209.
Girch Feldmanas – Prontuário n. 182.
Gusmão Soller – Prontuário n. 4045.
Heitor Ferreira Lima – Prontuário n. 3225.
Hermínio Marcos Hernandez – Prontuário n. 188.
Hermínio Sachetta – Prontuário n. 3196.
Hilcar Leite – Prontuário n. 3815.
Isaac Roethman – Prontuário n. 2299.
350
Isaltino Pereira – Prontuário n. 121.
João da Costa Pimenta – Prontuário n. 217.
João Gerulaits – Prontuário n. 205.
José Maria Crispim – Prontuário n. 46537.
José Oiticica – Prontuário n. 860.
José Riguetti – Prontuário n. 282.
José Stachinni – Prontuário n. 3005.
Jorge Amado – Prontuário n. 5777.
Léo Ivanoff – Prontuário n. 491.
Lívio Xaxier – Prontuário n.300.
Luíza Peçanha de Camargo Branco – Prontuário n. 2422.
Manoel Medeiros – Prontuário n.177.
Maria Lacerda de Moura – Prontuário n. 857.
Mário Grazzini – Prontuário n. 333.
Mário Pedrosa – Prontuário n. 2030.
Monteiro Lobato – Prontuário n. 6575.
Moses Dorman – Prontuário n. 416.
Noé Gertel – Prontuário n. 2391.
Octávio Brandão – Prontuário n. 358.
Octávio Ramos – Prontuário n. 1969.
Olga Pandarsky – Prontuário n. 888.
Oscar Villa Bella - Prontuário 1440.
Ozório Cezar – Prontuário n. 1936.
Patrícia Galvão – Prontuário n.1053.
Pedro Motta Lima – Prontuário n. 511.
Rodolfo Felippe – Prontuário n. 400.
Tarsilla do Amaral – Prontuário n. 1680.
Vicente da Costa e Silva ou Roberto Morena – Prontuário n. 1696.
Victor de Azevedo Pinheiro – Prontuário n.441.
351
4. Arquivos do Cedem/Unesp.
4.1. Fundos consultados.
Fundos Asmob – Astrojildo Pereira
Fundos Dainis Karepovs
Fundos Davino Francisco dos Santos.
Fundos Lívio Xavier
4.2. Documentos coletados
4.2.1. Fundos Asmob
Caixa 3
Caixa de relatórios policiais: documentos do Serviço Secreto Britânico e da Gestapo alemã
sobre a Intentona de 1935; depoimento de Rodolpho Ghioldi sobre o comunismo no Brasil
(1983); circulares internas da ANL; relatório sobre a intentona comunista, por Fillinto
Muller para o Gabinete da Presidência da República; Cartas de Getúlio Vargas à Oswaldo
Aranha.
4.2.2 Fundos Astrojildo Pereira
Caixa 8
Caixa com manuscritos do autor, periódicos operários e do PCB.
4.2.3. Fundos Dainis Karepovs
Caixa1 - Cópias de Processos do Tribunal de Segurança Nacional contra militantes do PCB
(1937 – 1942).
352
Caixa2 - Cópias de Processos do Tribunal de Segurança Nacional contra militantes do PCB
(1937 – 1942).
Caixa3 - Cópias de Processos do Tribunal de Segurança Nacional contra militantes do PCB
(1937 – 1942).
Caixa 4 - Cópias de Processo do Tribunal de Segurança Nacional contra militantes do PCB
(1937 –1942).
Caixa 5- Cópias de Processos do Tribunal de Segurança Nacional contra militantes do PCB
(1937 –1942).
Caixa 12 - Cópias de Prontuários DEOPS/SP
Caixa 15 - Cópias de documentos avulsos do DEOPS/SP.
4.2.4. Fundo Davino Francisco dos Santos.
Cartas de Davino a autoridades policiais durante sua prisão; Porquê abandonei as hostes
comunistas (manuscrito); atestados do DEOPS/SP sobre as atividades de colaboração de
Davino, Memórias (manuscrito); recortes de jornal; documentos do PCB.
4.2.5. Fundo Lívio Xavier.
Caixa 1.
Documentos da Liga Comunista Internacionalista e demais organizações trotskistas
atuantes em São Paulo entre 1931 e 1934.
Caixa 13.
Correspondência ativa de Lívio Xavier (1910 - 1977)
Correspondência passiva, cartas de editores, sindicalistas e intelectuais.
Caixa 19.
Correspondência da Liga Comunista Internacionalista e de membros da União dos
Trabalhadores Gráficos (UTG).
Cartas pessoais dos militantes da LCI.
353
Caixa 67
Correspondência Passiva
União dos Trabalhadores Gráficos (1934 -1938)
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas de São Paulo (1943 -1961).
Sindicato dos Ferroviários da Estrada de Ferro Sorocabana (1934 - 1935).
Sindicato da São Paulo Railway (1934 - 1936)
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo (1943).
354
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