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universitária engajada com a crítica social na época (década
de 1960). O uso de elementos do rock pelos tropicalistas,
eles próprios membros dessa comunidade, representou um
gesto de auto-crítica, inclusive do samba como o único
representante legítimo de brasilidade. A partir da
Tr o p icália, os cancionistas MPB iriam incorporar gêneros
os mais variados ao seu repertório, não somente de outras
origens regionais (como o baião nordestino), mas também
estrangeiros (como o reggae jamaicano). Nesse cenário a
Jovem Guarda foi considerada como “alienada” dos proble-
mas sociais e políticos do país sob ditadura militar. Nas
décadas de 1960 e 1970, o uso de gêneros musicais específi-
cos por certos compositores desse segmento (como Chico
Buarque de Hollanda ao compor sambas) tinha uma cono-
tação de protesto.
Com a abertura política e eleições presidenciais em
meados da década de 1980 essa ligação com algum tipo de
raízes étnicas como índice crítico se esgota. O apelo à iden-
tidade nacional se dá no âmbito do próprio rock, agora
reconhecido como Rock Brasileiro. Uma canção emblemá-
tica dos anos 80 é Faroeste Caboclo do grupo Legião
Urbana (EMI, 1987), que utiliza várias texturas de rock
como trilha sonora para narrar a trajetória de um jovem
nordestino que vai para a capital federal (Brasília) para se
apaixonar, se envolver com a violência urbana e morrer em
frente às câmeras da televisão. O elemento de identificação
étnica e cultural é bastante sutil, pois sonoramente a canção
não teria nada de particularmente “brasileiro”a não ser pelo
uso do português.Pois é exatamente esse uso da língua por-
tuguesa que quero continuar a explorar.
Faroeste Caboclo já foi comparado pelo crítico de rock
Artur Dapieve a Hurricane de Bob Dylan. De fato, as
semelhanças são muitas, entre elas o tema, narrando uma
trajetória heróica e o contorno melódico próximo da fala.
No entanto, o modelo prosódico não é o do folk-rock nor-
teamericano, mas o da tradição brasileira conhecida como
repente. Como menciona o próprio autor de Faroeste
Caboclo, Renato Russo, em várias entrevistas, a canção foi
fácil de compor por usar o estilo declamatório de métrica
livre típico dos desafios improvisados e cocos tradicionais
do nordeste brasileiro. Nesse estilo de canto declamado, o
repente, não observo a questão da métrica derramada,a não
ser na pouca ênfase para os tempos fortes de cada compas-
so, uma vez que as frases longas de notas repetidas ou com
intervalos de âmbito muito curto produzem um resultado
sonoro de caráter horizontal e sem acentos métricos. Isso é
diferente do samba que é claramente binário, mas também
diferente do rock em inglês. Esse rítmo prosódico é aquele
observado por Mário de Andrade, como comentado acima.
Certos padrões rítmicos básicos distinguem a maioria
dos gêneros musicais difundidos pela mídia internacional.
Um exemplo disso são os teclados eletrônicos para uso
caseiro, que fornecem ao usuário um conjunto dos padrões
mais comuns na música pop (tais como rock, valsa, Bossa
Nova, bolero, balada, reggae, salsa, entre outros). Essas sim-
plificações estereotipadas não substituem, no entanto, o
Com a abertura
política e eleições
presidenciais em
meados da década
de 1980 a ligação
com algum tipo de
raízes étnicas
como índice
crítico se esgota.