INTRODUÇÃO
Esta pesquisa propõe a investigação do livro-reportagem nacional como um produto
jornalístico inserido na tradição das narrativas realistas/naturalistas brasileiras, que
desde o século XIX assumem as funções de registrar as transformações sociais de uma
determinada época, promovendo a denúncia social. Por meio da leitura de dois livros-
reportagem do escritor jornalista Caco Barcelos - Rota 66: a história da polícia que
mata (3ª edição, Editora Record, 2004) e Abusado: o dono do morro Dona Marta (9ª
Edição, Editora Record, 2004) - buscamos o desafio de trabalhar na contramão da
maioria das pesquisas sobre o assunto, que geralmente consideram o livro-reportagem
fruto da importação do novo jornalismo norte-americano, conforme será discutido ao
longo deste trabalho.
No final do século XIX, acentua-se o exercício de compreensão da realidade
brasileira nas artes em geral. No campo literário, por exemplo, narrar a sociedade passa
a ser um dos principais alvos dos escritores. A visão romântica
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, que até então
dominava a poesia e a prosa nacionais, cede espaço para as propostas do Realismo
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e do
Naturalismo
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- movimentos literários herdados da Europa, especialmente da influência
de França e Portugal. Com isso, Süssekind (1982) aponta para o início de uma tradição
de narrativas realistas/naturalistas no Brasil, que se estenderia durante todo o século
XX, perdurando até os dias de hoje, conforme veremos nesta dissertação.
No capítulo I, traremos uma breve revisão do trabalho de mais de 20 autores que
tratam sobre a prática jornalística no Brasil, tais como Costa (2005), Lima (1993, 1995),
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As propostas da Escola Literária do Romantismo geralmente são consideradas antagônicas aos ideais do
Realismo e, conseqüentemente, ao Naturalismo. Inclusive, a adoção da visão realista/naturalista é
comumente associada à derrubada da visão romantica na prosa e na poesia nacionais. Contudo, no
contexto particular brasileiro, curiosamente, o romantismo já traz diversos traços realistas, como a
preocupação com a retratação fiel da sociedade e a busca por uma identidade nacional sólida.
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“A palavra realista deriva de real, oriunda do adjetivo do baixo latim realis, reale, por sua vez, derivado
de res, coisa ou fato. Real+ismo (sufixo denotativo de partido, seita, crença, gênero, escola, profissão,
vício, estado, condição, moléstia, porção) é palavra que indica preferência pelos fatos e a tendência de
encarar as coisas tais como seriam numa dada realidade. Em literatura, o Realismo opõe-se habitualmente
a idealismo (e a Romantismo) em virtude da sua opção pela realidade tal qual e não como deve ser.
Assim, em crítica literária, como refere M.C. Beardsley, no Dictionary World Literature, de J. T. Shipley,
o termo designa as obras literárias modeladas em estreita imitação da vida real e que retiram seus assuntos
do mundo real, encarado de maneira objetiva, fotográfica, documental”. (Coutinho, 1980, p. 185)
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“É o Realismo fortalecido por uma teoria peculiar, de cunho científico, uma visão materialista do homem
da vida e da sociedade. A palavra Naturalismo é formada por natural+ismo, e significa, em filosofia, a
doutrina para qual na realidade nada tem um significado supernatural e, portanto, as leis científicas, e não
as concepções teológicas da natureza, é que possuem explicações válidas; em literatura, é a teoria de que
a arte deve conformar-se com a natureza, utilizando-se dos métodos científicos de observação e
experimentação no tratamento dos fatos e das personagens”. (Coutinho, 1980, p. 188)