O calor é escaldante. A grama dourada exala um odor de queimado, as folhas
das palameiras pendem inertes, e estou preso em um engarrafamento. Encontro-me
numa estradinha de terra estreita que serpenteia pela encosta dos morros relvados
da Tanzânia. O tráfego é um grupo de chimpanzés atrás de comida que forma uma
fila à minha frente, acotovelando-se em direção às árvores frutíferas que nascem
nos platôs acima de nós. O morro é tão íngreme que, escalando-o atrás do último
chimpanzé da fila, meu rosto está no mesmo nível do seu traseiro. Estamos
chegando ao cume e, ofegante, só me resta pedir a Deus que eles parem para
descansar. Sei que irei perdê-los, se eles continuarem a subir ou resolverem tomar
uma trilha difícil para o topo. Para meu alívio, alcanço o cume e encontro os
chimpanzés se regalando em um viçoso pé de Uapaca – fruta que cresce apenas nos
platôs bem altos, o que exige uma longa escalada tanto dos macacos quanto dos
pesquisadores que os seguem. Essa é a rotina anual nos meses de agosto e
setembro, ao fim de um longo período de estiagem, quando a Uapaca está madura.
Estamos sentados no Soko Calvo, um morro coberto de relva e assim batizado, na
época em que Jane Goodall começou seu trabalho aqui no Parque Nacional de
Gombe, por lembrar um chimpanzé careca.
Depois de uma hora de refeição, a essa altura já com meu fôlego recuperado,
estou admirando a vista espetacular do borrão turquesa que é ao longe o Lago
Tanganica, os chimpanzés se põem, novamente em marcha. Eles rumam para o sul,
ignorando as trilhas abertas pelos humanos e optando pela mata densa através da
qual graciosamente avançam, usando a parte dianteira do corpo. Só me resta abrir
caminho entre arbustos espinhosos que parecem me agarrar enquanto deixam
passar, intocados, os macacos.
É meio-dia e já andamos cerca de três quilômetros. Ao que parece, hoje é dia
de muita caminhada para os chimpanzés, o que é desalentador para os
pesquisadores que tentam acompanhá-los. Eles caminham sobre as juntas, mais ou
menos no mesmo ritmo em que vou andando na retaguarda. A diferença é que eles
não diminuem o passo nas subidas penosamente íngremes, enquanto eu,
praticamente, me arrasto. Outra diferença é que, após um ou dois dias de jornadas
longas, como a de hoje, eles costumam passar igual período viajando pouco. Eles
tiram uma folga junto a uma árvore frutífera, ao invés de despender energia
tentando encontrar a seguinte. Atribuo isso ao problema de caminhar sobre as
juntas, quilômetro após quilômetro. Mas a desvantagem da minha postura ereta é
ser alto demais para me esgueirar com facilidade por entre os espinhos. (Stanford,
2004:37-9)
A mesma lógica de estranhamento e inadequação é apontada na descrição de um
jornalista acompanhando o cotidiano de primatólogos e muriquis em Caratinga:
O Brasileiro Cordial: (...) A irresistível metáfora do bom selvagem nos empurra
para dentro da floresta, apesar do céu de chumbo e do calor de estufa. Encontrar um
bicho na mata porém não é apenas uma empreitada difícil. É principalmente a
aceitação de uma outra estática e uma ética. Muito diferente de vê-lo no cativeiro,
disponível, servil, quase ornamental, num ambiente ordenado e marcado pela
supremacia da civilização. No seu habitat nós somos o refém; é ele quem nos olha
de cima, ainda mais quando se trata de arborícolas. A hegemonia da natureza se
impõe não apenas pelo hipnotismo de árvores seculares, mas em especial por aquilo
que se encontra sob elas: uma carrasqueira formada por sub-bosques de ramos e
bambus, troncos caídos e cipós espinhentos que demonstram preferência religiosa
pela altura das canelas urbanas. Grotas deslizantes de dezenas de metros – forradas
com camadas de samambaias e xaxins onde afundamos até o joelho – desafiam o
corpo a manter a postura ereta em humilhantes contorções. Por fim, mosquitos.
Muitos. Esgotam qualquer resistência e tornam nossos gestos tão lentos como pás
de um ventilador de filme mexicano. Está tudo pronto para o nocaute da civilização