
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
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3. Sobre o papel da publicidade no capitalismo atual, ver André Gorz – Métamorphoses du travail: quête du sens. Critique de la
raison économique. Paris: Galilée, 1998. Para a necessidade imperiosa de expansão econômica, István Mészaros – Para além do
capital: rumo a uma teoria da transição. Campinas: Editora da Unicamp, 2002, p. 176. A colonização do espaço público pela
publicidade é ilustrada na interessante reportagem de Naomi Klein – Sem logo: a tirania das marcas em um planeta vendido.
Rio de Janeiro: Record, 2002.
4. Torben Vestergaard e Kim Schrøder – A linguagem da propaganda. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 194.
5. Daniela Santiago e Rousiley C. M. Maia – “Entre o mercado e o fórum: o debate anti-tabagismo na cena midiática”. Paper
apresentado no XIV Encontro Anual da Compós. Niterói, 2005.
6. Um total de 29 matérias da amostra aborda o banimento ou regulamentação de publicidade de algum setor da economia.
A maior parte delas se refere a bebidas alcóolicas. Nenhuma sobre a propaganda dirigida ao público infantil. Um complica-
dor, no caso brasileiro, é que um dos principais porta-vozes dos direitos das crianças, no cenário público, é hoje a Fundação
Abrinq, vinculada historicamente a um setor – a indústria do brinquedo – que não tem interesse em colocar o problema da
publicidade para crianças em pauta.
tatuto diferenciado dos outdoors “legais” e das
pichações “vândalas”), seja impondo-se como
padrão de enunciação dominante
3
.
Como fonte principal de renda da mídia comer-
cial, a publicidade permite um barateamento dos
produtos, com jornais diários sendo vendidos a
preço ín mo ou televisão “grátis” (embora o con-
sumidor pague na outra ponta, uma vez que os
custos da propaganda estão embutidos nos bens
e serviços que compra). Mas submete os veícu-
los à sua lógica; eles passam a ter como objetivo,
como disse certa vez Régis Debray, vender um
público aos anunciantes. Mesmo quando a mítica
“muralha da China” entre a redação e o setor co-
mercial permanece de pé, a perspectiva de obter
publicidade contamina decisões editoriais – é o
que explica que seja mais fácil um jornal manter
um caderno dedicado a automóveis, por exem-
plo, do que a educação ou saúde pública. No que
se refere ao entretenimento, é sabido que lmes e
programas de televisão são adequados à expecta-
tiva de merchandising.
Pelos próprios ns a que se destina, o discurso
publicitário possui um caráter eminentemente
manipulativo – a rigor, a própria expressão
“propaganda enganosa” é um artefato ideológi-
co, que elude o fato de que toda propaganda
precisa ser, em alguma medida, enganosa. Na
busca de uma adesão fácil, sem arestas, do pú-
blico, a publicidade tende a reproduzir os pre-
conceitos deste mesmo público. Assim – e uso a
propaganda comercial brasileira como exemplo
–, proliferam representações estereotipadas das
mulheres, dos idosos, dos habitantes das dife-
rentes regiões do país, enquanto outros grupos,
como os negros, quase não aparecem. O reforço
do preconceito é, muitas vezes, sutil, estando
fora do alcance de qualquer regulamentação
(ainda mais quando se dá ao setor o privilégio
de se “auto-regulamentar”). A tal ponto que, há
cerca de 30 anos, uma pesquisa na Dinamarca
sugeriu, como única solução possível para isso,
“que se proíba toda e qualquer representação de
seres humanos em anúncios”
4
.
A permanência do discurso publicitário em
quase todos os espaços sociais, apesar de seus
reconhecidos efeitos danosos, já indica a im-
portância que ele possui no sistema econômico
vigente. É possível ver as restrições à propaganda
de cigarro como uma vitória da esfera pública
discursiva contra uma indústria poderosa, como
fazem alguns
5
. Mas é um exemplo que demons-
tra, ao contrário, a força da defesa do “direito” de
publicidade, que resistiu por décadas e ainda re-
siste, mesmo com os reconhecidos malefícios aos
consumidores e o elevado custo social do fumo.
Outro caso sensível é o da propaganda dirigida
às crianças, que exigiria forte regulamentação,
quando não o banimento puro e simples
6
. Sub-
jaz à discussão um discurso que equivale publi-
cidade e liberdade de expressão, com restrições
à primeira sempre prejudicando a segunda. É
uma equivalência que, em última análise, torna
a liberdade de expressão integralmente depen-
dente do poder econômico.
Em suma, a publicidade, na qualidade de prin-
cipal sustentáculo da mídia, contribui para o
entrelaçamento entre produção de informação
e poder econômico; e, por sua influência so-
bre o público, incentiva padrões de comporta-
mento que são nefastos à participação política
democrática. Há muito tempo ela se despiu de
sua função original, de dar a público a existên-
cia de bens e serviços, adquirindo um caráter