
MULHERES NO TOPO DE C ARREIRA
TÂNIA M. FONTENELE-MOURÃO
20 21
ou “phísico”, sobre o funcionamento do corpo feminino, utilizado no século XVI,
dava caução ao discurso religioso na medida em que asseverava “cientificamente”
que a função natural da mulher era a procriação. Fora do manso território da
maternidade, no imaginário da época, alastrava-se a melancolia, vicejava a luxúria,
e por tudo isso a mulher estaria condenada à exclusão
(Del Priore, 1993). Na Renascença
o mito da mulher pura e perfeita reforçava a crença de que as mulheres deveriam
estar longe de todas as tentações, empurrando-as ainda mais para o espaço privado.
No Brasil Colônia, a condição feminina era marcada pelo caráter explorador da
empresa portuguesa no Brasil do século XVI ao XVIII. O modelo escravista de
exportação vincava as relações de gênero. Além dele, a tradição “androcêntrica” da
cultura ibérica e os objetivos da empreitada colonial estimulavam os homens –
padres, governantes, cientistas – a estabelecer um papel identificado com o esforço
da colonização para todas as mulheres indiscriminadamente. Adestrar a mulher fez
parte do processo “civilizatório”, como bem afirma Del Priore
(1993).
É importante destacar que além de parte do contingente feminino, a quem tanto o
Estado quanto a Igreja ultramarina se dirigiam recomendando que se casasse e
constituísse família, chegavam, também, homens pelo caminho da exploração ou da
escravização, acentuando, assim, nas suas desigualdades, as relações de gênero. Tais
diferenças foram importantes na constituição dos papéis femininos e serviram para a
fabricação de estereótipos bastante utilizados pela sociedade colonial e, mais tarde,
incorporados pela historiografia. As marcas desse penoso caminho feito de
preconceitos e estigmas sociais tanto se refletiam nas relações entre os sexos, quanto
acentuavam as diferenças entre as próprias mulheres
(Del Priore, 1993).
Os trabalhos considerados tipicamente femininos, segundo estudo de Zyllberberg-
Hocquard
(1987), abrangiam em geral os vários trabalhos com base em agulhas, como
costura, confecção de corpetes e bordados. Esses trabalhos foram responsáveis pela
maior parte das jornadas das mulheres no século XIX, o que demonstra a frágil fronteira,
nesta época, entre atividade doméstica e atividade produtiva. A costura marcou ainda
o próprio processo de formação das mulheres, uma vez que servia, ao mesmo tempo,
de meio de vida para as classes populares e como prática de aprendizagem profissional
e caminho para a socialização, além de atividade de lazer.
(Zyllberberg-Hocquard citado
por Gardey, 2003)
.
Entretanto, ainda segundo a autora, pesquisa realizada em 2002 pela OIT em cinco
países da América Latina mostra que os custos indiretos associados à maternidade e
ao cuidado infantil são muito reduzidos: eles representam menos de 2% da
remuneração bruta mensal das mulheres. No caso do Brasil, representam 1,2%.
Esses baixos custos podem ser explicados, em primeiro lugar, por uma baixa
incidência, entre as trabalhadoras assalariadas, das licenças-maternidade e de outros
benefícios a elas associados, como as creches e o direito a interromper a jornada de
trabalho para amamentação. Em segundo lugar, fundamentalmente pelo sistema de
financiamento dos benefícios médicos (atenção à gravidez e ao parto) e monetários
(salário-maternidade).
As justificativas apresentadas para explicar a menor remuneração das mulheres no
mercado de trabalho, portanto, não se sustentam diante das evidências estatísticas,
sugerindo outras causas para esta discriminação.
HH
HH
H
ERANÇAERANÇA
ERANÇAERANÇA
ERANÇA
SOCIALSOCIAL
SOCIALSOCIAL
SOCIAL
MILENARMILENAR
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DEDE
DEDE
DE
DISCRIMINAÇÃODISCRIMINAÇÃO
DISCRIMINAÇÃODISCRIMINAÇÃO
DISCRIMINAÇÃO
EE
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E
EXCLUSÃOEXCLUSÃO
EXCLUSÃOEXCLUSÃO
EXCLUSÃO
Nos depoimentos dos participantes dos treinamentos na Escola Nacional de
Administração Pública - ENAP -, ouvia comentários de que “trabalhar com mulher é
muito difícil”, “as mulheres são muito exigentes” ou “que não dão chances para
outros, sendo muito mais competitivas do que os homens”. Ou então, que “elas não
estão preparadas para exercer bem um cargo de chefia” por serem “fracas, fáceis de
manipular e muito sensíveis”.Pode-se creditar esta visão acerca da mulher a uma
representação social herdada de uma cultura secular de discriminação e segregação
das mulheres do âmbito público. Del Priore
(1993), nos seus estudos sobre as mulheres
brasileiras no século XVI e XVII, revela o universo das mentalidades e das sensibilidades
femininas e da sociedade desde o início da colonização até o período que precedeu
a Independência, onde mostra dados associados à dominação e à opressão da
mulher. Neles, a mulher é vítima constante da dor, do sofrimento, da solidão, da
humilhação e da exploração física, emocional e sexual. Mas, também, senhora de
discretos poderes, reagindo e resistindo a essas situações.
A história nos mostra o processo de exclusão das mulheres do espaço público, em
diferentes momentos históricos na Europa. Na Grécia Antiga, as mulheres eram
condenadas à morte caso fossem vistas assistindo aos Jogos Olímpicos. Na Idade
Média, as mulheres eram facilmente condenadas à fogueira por pensarem diferente
ou mesmo por tentarem curar algum filho ou parente. O discurso normativo médico,