pudesse crer que não virias a morrer prestemente, ou se eu pensasse que mais forte tivesses os espíritos
do que a vergonha, eu próprio, arrematando todas as maldições, te esganaria. Lastimei-me por ter uma só
filha? Disse que avara fora a natureza? Uma, por seres tu, foi excessiva. Por que tive uma filha? Por que
foste sempre grata aos meus olhos? Por que causa não recolhi com mãos caritativas a filha de um
mendigo que me houvesse batido à porta? Agora assim manchado, enlameado de infâmia, poderia dizer
que nela nada me pertence, que esse opróbrio provém de fonte estranha. Mas minha própria filha
idolatrada, que eu tanto amava e elogiava tanto, minha propriedade, meu orgulho, tão minha que até eu
mesmo parecia não ser meu, em confronto com seus dotes... Oh! Num poço de tinta ela caiu! Não contém
o mar vasto tantas gotas capazes de limpá-la dessa infâmia, nem sal bastante que jamais consiga
condimentar-lhe a carne putrefeita.
BENEDITO - Acalmai-vos, senhor. Por minha parte, de tal forma me encontro estupefacto, que não sei o
que diga.
BEATRIZ - Oh! Por minha alma, minha prima está sendo caluniada.
BENEDITO - Senhorita, dormistes esta noite no quarto dela?
BEATRIZ - Não, mas até ontem dormimos juntas todos estes meses.
LEONATO - Confirma-se! Confirma-se! Mais forte tudo se torna, embora antes tivesse fortes barras de
ferro de reforço. Poderiam mentir esses dois príncipes? Cláudio a caluniaria, ele que a amava a ponto de,
ao falar em sua infâmia, com pranto lha banhar? Então, que morra!
MONGE - Escutai-me um momento. Calado não fiquei por tanto tempo, deixando as coisas em seu livre
curso, senão para observar melhor a jovem. Notei como no rosto lhe corriam mil rubores, quais lestos
mensageiros, e depois mil vergonhas, como cândidos anjos, que esses rubores enxotavam; nos olhos lhe
notei um grande fogo, pronto a queimar o aleive que esses príncipes contra sua lealdade sustentavam.
Dizei que estou variando, se o quiserdes; não confieis mais no meu saber, na minha observação, que o
selo da experiência tem sempre confirmado, e recusai-me crédito à idade, à dignidade própria, ao
ministério sacro, se esta moça, tão gentil, não se achar, sem ser culpada, vítima de algum erro clamoroso.
LEONATO - Monge, não pode ser. Bem vês que quanto ainda lhe resta de pudor só serve para não
agravar a pena eterna com um feio perjuro. Ela não nega. Por que queres cobrir com essas desculpas
quanto em sua nudez se patenteia?
MONGE - Qual o nome do homem, senhorita, com quem, segundo dizem, conversastes?
HERO - Os meus acusadores o conhecem, não eu. Se eu conhecer de homem com vida mais do que me
permite a dignidade, não me sejam perdoados os pecados. Ó meu pai! Dai-me a prova de que um homem
em hora imprópria, conversou comigo, que eu, esta noite, com qualquer pessoa troquei uma palavra, e
repudiai-me, tende-me ódio, matai-me de tormentos.
MONGE - Os príncipes decerto foram vítimas de algum estranho equívoco.
BENEDITO - Dois deles são a honra em pessoa. Se há maldade que acaso a boa fé lhes ilaqueie, a
encontraremos no bastardo João, que só com vilanias se preocupa.
LEONATO - Não sei dizê-lo; mas se for verdade quanto a respeito dela eles afirmam, com estas mãos
hei de fazê-la em postas. Se a honra lhe conspurcaram, há de contas justas comigo o mais altivo deles. O