— Amo-te e a ninguém mais, respondeu ela, evitando assim a resposta
negativa, que lhe pareceu demasiado crua.
Foi o que pensou Evaristo; mas não aceitou a delicadeza da forma
indireta. Só a negativa rude e simples poderia contentá-lo.
— Tu o amas, insistiu ele.
Mariana refletiu um instante.
— Para que hás de revolver a minha alma e o meu passado? disse ela. Para
nós, o mundo começou há quatro meses, e não acabará mais — ou acabará
quando você se aborrecer de mim, porque eu não mudarei nunca...
Evaristo ajoelhou-se, puxou-lhe os braços, beijou-lhe as mãos, e fechou
nelas o rosto; finalmente deixou cair a cabeça nos joelhos de Mariana.
Ficaram assim alguns instantes, até que ela sentiu os dedos úmidos, ergueu-
lhe a cabeça e viu-lhe os olhos rasos de água. Que era?
— Nada, disse ele; adeus.
— Mas que foi?!
— Tu o amas, tornou Evaristo, e esta idéia apavora-me, ao mesmo tempo
que me aflige, porque eu sou capaz de matá-lo, se tiver certeza de que ainda
o amas.
— Você é um homem singular, retorquiu Mariana, depois de enxugar os
olhos de Evaristo com os cabelos, que despenteara às pressas, para servi-lo
com o melhor lenço do mundo. Que o amo? Não, já não o amo, aí tens a
resposta. Mas já agora hás de consentir que te diga tudo, porque a minha
índole não admite meias confidências.
Desta vez foi Evaristo que estremeceu; mas a curiosidade mordia-lhe a ele
o coração, em tal maneira, que não houve mais temer, senão aguardar e
escutar. Apoiado nos joelhos dela, ouviu a narração, que foi curta. Mariana
referiu o casamento, a resistência do pai, a dor da mãe, e a perseverança dela
e de Xavier. Esperaram dez meses, firmes, ela já menos paciente que ele,
porque a paixão que a tomou tinha toda a força necessária para as decisões
violentas. Que de lágrimas verteu por ele! Que de maldições lhe saíram do
coração contra os pais, e foram sufocadas por ela, que temia a Deus, e não
quisera que essas palavras, como armas de parricídio, a condenassem, pior
que ao inferno, à eterna separação do homem a quem amava. Venceu a
constância, o tempo desarmou os velhos, e o casamento se fez, lá se iam sete
anos. A paixão dos noivos prolongou-se na vida conjugal. Quando o tempo
trouxe o sossego, trouxe também a estima. Os corações eram harmônicos, as
recordações da luta pungentes e doces. A felicidade serena veio sentar-se à
porta deles, como uma sentinela. Mas bem depressa se foi a sentinela; não
deixou a desgraça, nem ainda o tédio, mas a apatia, uma figura pálida, sem
movimento, que mal sorria e não lembrava nada. Foi por esse tempo que
Evaristo apareceu aos seus olhos e a arrebatou. Não a arrebatou ao amor de
ninguém; mas por isso mesmo nada tinha que ver com o passado, que era
um mistério, e podia trazer remorsos...
— Remorsos? interrompeu ele.
— Podias supor que eu os tinha; mas não os tenho, nem os terei jamais.
— Obrigado! disse Evaristo após alguns momentos; agradeço-te a confissão.
Não falarei mais de tal assunto. Não o amas, é o essencial. Que linda és tu