106
permanência no “charme”. Em Distraídos venceremos, no poema “Último aviso”, o poeta
alerta que “tinha que ser mistério” o seu “meu modo de desaparecer” (LEMINSKI, 2006, p.
89), apontando que seu “modo de desaparecer” tanto é a morte, com todos os seus mistérios,
quanto a poesia num falso desaparecimento. Já no livro póstumo O ex-estranho, a idéia de
apagamento ora exacerba-se, e o poeta almeja a evaporação total do ser, capaz de eliminar
quaisquer marcas de sua presença, como no poema Olinda Wischal: “pessoas deviam poder
evaporar / quando quisessem / não deixar por aí / lembranças pedaços carcaças” (LEMINSKI,
1996, p. 30); ora é vista como uma simples edição da subjetividade: “depois de muito meditar
/ resolvi editar / tudo o que o coração / me ditar” (id., ib., p. 65), revelando que se apagar
completamente foi impossível. O máximo que a racionalidade permitiu-lhe foi editar sua
subjetividade, utilizando, como estratégias, a rapidez, a multiplicidade, a exatidão; mas
observamos que, no fundo de toda a edição, sempre está presente um resquício de
subjetividade.
É editado na linguagem que o poeta se reconhece, se constitui, se recria, se revela.
Questionando sua própria existência, o poeta se encontra, se apresenta na superfície do papel.
Sua voz é capturável nas entrelinhas e nas articulações dos significantes do texto. Embora
velado, o poeta não consegue se apagar totalmente e pode ser entrevisto através da linguagem
do poema, porque, nela, querendo ou não, o sujeito emerge. Ao escrever, o poeta é,
simultaneamente, escrito pela linguagem. Manifestando-se nas articulações da linguagem, o
poeta com ela se confunde, e surge a sua voz porque seu texto não perde totalmente as marcas
de subjetividade. Entretanto, a voz não é somente sua, pois, dentro dela, coabitam múltiplas
vozes: da sociedade em que vive, da etnia a que pertence, da língua materna, das línguas que
aprendeu, dos autores que leu. Mesmo assim, elas não deixam de ser a sua, porque são as
vozes que o poeta escolheu para acompanhá-lo, para constituí-lo. Como são múltiplas e,
muitas vezes, antagônicas, estão em permanente embate. Colocá-las em constante diálogo, foi
sua maneira de lidar com essa oposição. Considerando que a vida é diversa e tudo o que viu,
viveu, sentiu, imaginou foi, de uma forma ou de outra, transformado em poesia, Leminski tem
a consciência de que somente a multiplicidade pode tentar abarcá-la. Portanto, a presença, em
seu texto, de muitas vozes não significa sua abolição enquanto sujeito.
Todas essas vozes são suas escolhas, pois, ao longo de sua convivência com as
palavras, criou o seu paideuma, misturando poesia clássica, poesia concreta, poesia marginal,
poesia japonesa e tropicália. A poesia japonesa deu-lhe a lição de economia e de imperfeição,
por se sustentar na idéia de que nada está totalmente acabado, pronto. Além disso, veio ao
encontro das inquietações do poeta ao permitir a conciliação dos contrários e a suspensão da