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LEMINSKI: LINHA MÍNIMA
NANCI MARIA GUIMARÃES
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos para
a obtenção do título de Mestre em Letras
Vernáculas (Literatura Brasileira).
Orientador: Prof. Doutor Eucanaã de Nazareno
Ferraz.
Rio de Janeiro
Agosto de 2008
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Guimarães, Nanci Maria.
Leminski: Linha Mínima/ Nanci Maria Guimarães. Rio
de Janeiro: UFRJ, FL, 2008.
viii, 103 f.: il.
Orientador: Eucanaã de Nazareno Ferraz
Dissertação (Mestrado em Letras Vernáculas: Literatura
Brasileira) UFRJ/ FL/ Programa de Pós-graduação em Letras
Vernáculas, 2008.
Referências Bibliográficas: f. 112-115.
1. A poesia de Paulo Leminski. 2. Estratégias de apagamento
do escritor. 3. As propostas de Italo Calvino para a literatura do
terceiro milênio: leveza, exatidão, rapidez, multiplicidade,
visibilidade e consistência. I. Ferraz, Eucanaã de Nazareno
(Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa
de Pós-graduação em Letras Vernáculas. III. Título.
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Dedico
aos meus pais, que me ensinaram que
amadurecer é continuar a recriação de si
mesmo.
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AGRADECIMENTOS
Ao meu sobrinho Rafael Guimarães Nogueira pela assessoria na revisão e formatação do meu
texto.
Aos meus amigos pelo incentivo.
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De uma vez por todas, os seres humanos não
nascem no dia em que suas mães lhes dão a
luz, senão que a vida os obriga uma vez e
outra a dar a luz a si mesmos.
Gabriel Garcia Marques
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LEMINSKI: LINHA MÍNIMA
Nanci Maria Guimarães
Orientador: Prof. Doutor Eucanaã de Nazareno Ferraz.
Resumo de Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira).
RESUMO
Em sua busca pelo apagamento da subjetividade, o poeta Paulo Leminski rejeitou a
referencialidade, privilegiou o close e coadunou diferentes estéticas, que ora se
complementam, ora se repelem. Em sua poesia, essas referências entram num jogo de trocas e
de contaminações entre si que promovem o surgimento de um texto híbrido e fragmentado,
numa verdadeira consagração do provisório. Suas incertezas e a tentativa de apagar-se através
da linguagem evidenciam-se a partir de Distraídos venceremos, escolhido como corpus
principal deste trabalho. No entanto, as estratégias de apagamento são recorrentes em toda sua
poética e dialogam com as Seis propostas para o terceiro milênio, de Italo Calvino
eloqüente apologia da necessidade da poesia numa sociedade que passa por profundas
modificações. Analisada à luz do texto de Calvino, a poesia de Leminski, embora viva de uma
constante tensão entre objetividade e subjetividade, revela a voz do poeta no desejo de
liberdade e no projeto de opor-se à sociedade capitalista através da linguagem.
Palavras-chave: Leminski, Poesia, Apagamento, Subjetividade, Objetividade, Close.
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LEMINSKI: LINHA MÍNIMA
Nanci Maria Guimarães
Orientador: Prof. Doutor Eucanaã de Nazareno Ferraz.
Resumo de Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira).
RESUMÉ
À la recherche de l’effacement de la subjectivité, le poète Paulo Leminski a repoussé
la fonction référentielle, centrée sur le contexte. Il a accordé une importance particulière au
“close” et il a rapproché des différentes esthétiques qui tantôt se complètent, tantôt se
repoussent. L’essai de s’effacer par le langage s’impose dans l’ouvrage “Distraídos
venceremos”, qui a été choisi comme corpus” principal de ce sujet. Les stratégies
d’effacement dialoguent avec “Seis propostas para o terceiro milênio”, de l’écrivain Italo
Calvino, qui démontre, avec éloquence, le besoin d’avoir de la poésie dans une société qui se
transforme à chaque jour. Analysée sous la lumière du texte de Calvino, la poésie de
Leminski, même si elle vit sous une tension entre l’objectivité et la subjectivité, révèle la voix
d’un poète qui souhaite la liberté et qui déclare, en utilisant le langage, son opposition à une
société capitaliste.
Mot-clés: Leminski, Poésie, Effacement, Subjectivité, Objectivité, “Close”.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO................................................................................................................... 09
2. DISTRAÍDOS VENCEREMOS: A CONCEPÇÃO POÉTICA DESNUDADA ............... 25
3. O MÁXIMO DO MÍNIMO................................................................................................. 49
4. O ENCONTRO DOS CONTRÁRIOS................................................................................ 72
5. O CLOSE: PRAZER DA PURA PERCEPÇÃO................................................................. 90
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 105
7. BIBLIOGRAFIA............................................................................................................... 112
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1. INTRODUÇÃO
Para desenvolver este trabalho, seguimos os passos de Raimundo Nonato Soares
(2003), em sua tese “Seis poetas para o próximo milênio”. Também utilizamos, como base
teórica, as considerações de Calvino (1990), apresentadas em seu livro Seis propostas para o
próximo milênio, no qual estão as cinco palestras que seriam ministradas em Harvard (da
última palestra só há apontamentos, pois a morte surpreendeu o escritor).
A obra do escritor ítalo-cubano nos dá o norte para a compreensão da função da
literatura no terceiro milênio. Ela é uma eloqüente e incondicional apologia da necessidade da
poesia na contemporaneidade. Num tempo cada vez mais dominado pela desumanização e
pelo materialismo, a poesia constitui uma afirmação irrevogável do humano e representa um
antídoto contra a visão utilitarista que norteia nossas ações, fazendo-nos valorizar apenas
aquilo que tem utilidade ou valor mercadológico. Assim, a poesia, com seu caráter de
“inutensílio”, quebra os paradigmas da sociedade capitalista.
Enquanto Soares (op. cit.) selecionou um ou dois poetas para ilustrar cada uma das
propostas, optamos por relacionar todas elas a um único escritor: o poeta Paulo Leminski. A
decisão baseou-se em duas observações: a primeira foi a de que as propostas estão
intimamente ligadas; e a segunda foi a percepção, nascida durante a leitura da obra, de que,
ora claramente, ora subliminarmente, a leveza, a rapidez, a visibilidade, a exatidão, a
multiplicidade e a consistência (proposta não escrita) constituem, umas mais que outras, sem
dúvida, a base da poética desse autor.
Sem desconsiderar seus escritos em prosa (cartas, ensaios, traduções, romances,
biografias), privilegiamos a poesia, porque é para ela que obra leminskiana converge. Em sua
produção (suas cartas, biografias e ensaios), existe, a “semente de poesia”, para utilizar uma
expressão de Solange Rebuzzi (2003). Contudo, vale lembrar que, em Leminski, os limites
entre os gêneros são bastante flexíveis: romances, cartas, poemas, contos interligam-se,
repetem-se e, às vezes, repelem-se; porém, o escritor sempre foi, sobretudo, poeta, e é assim
que será considerado neste trabalho.
Convictos de que um autor vale por sua criação, por seus textos, utilizaremos a
biografia quando ela for indispensável à compreensão da obra. Na maior parte deste trabalho,
buscaremos marcas do autor no corpo do texto poético, porque é que elas se revelam
nitidamente.
Este trabalho foi organizado em seis capítulos. No capítulo “Distraídos venceremos: a
concepção poética desnudada”, trataremos de como, no livro, Leminski revela o momento em
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que se encontra, faz uma avaliação de sua trajetória poética e apresenta suas dúvidas, suas
escolhas e sua concepção de poesia.
No capítulo seguinte, “O máximo do mínimo”, demonstraremos como Leminski
coloca em prática três propostas de Calvino (op. cit.) – leveza, rapidez e exatidão no intuito
de se apagar na linguagem.
Em “O encontro dos contrários”, apresentaremos as estéticas que construíram a
identidade poética do autor e explicitaremos como ele vivenciou a multiplicidade nas suas
divergências e convergências.
O quinto capítulo, “O close: prazer da pura percepção”, versará sobre a opção do poeta
pelo detalhe, pelo banal, buscando dar visibilidade ao que é imperceptível ao olho nu. Ao
mesmo tempo, daremos um close na obra do poeta, para dela apreendermos o conceito de
consistência de que trataria Calvino em sua última palestra.
Finalmente, indicaremos conclusões acerca das tentativas de apagamento do poeta e a
bibliografia utilizada.
Leminski surgiu no cenário literário em 1963. Sua aparição aconteceu na Semana
Nacional de Poesia Concreta, realizada em Belo Horizonte. Ele tinha 18 anos, e seu interesse
pela vanguarda levou-o a esforçar-se para participar do evento. O encontro com o grupo
paulista de poesia concreta consolidou a admiração do jovem poeta pela vanguarda. A
Semana Nacional de Poesia de Vanguarda foi um dos muitos eventos acontecidos no país
naquela época.
Havia, no início dos anos sessenta, uma efervescência social e cultural, que refletia o
surto de desenvolvimento da década anterior (construção de Brasília, industrialização, cultura
de massa, Bossa Nova, Cinema Novo). Embora a velocidade e o tipo de mudanças ocorridas
naquela época não se assemelhem ao modo como as transformações ocorrem na
contemporaneidade, aquele foi um período de intensa movimentação da sociedade.
Essas transformações apontavam para uma modernização da vida política, cultural e
social, a qual imprimia um otimismo crescente nos brasileiros. Na esfera política, vivenciava-
se o fortalecimento da democracia; no campo social, floresciam os projetos coletivos: a
sociedade estimulada pelos ideais socialistas organizava-se em associações, sindicatos,
partidos; nas artes, uma intensa e diversa produção revolucionava a música, o cinema e a
literatura.
Concomitantemente, cresce, alavancado pelo crescimento econômico, o processo de
urbanização, e a sociedade de consumo começa a se instaurar. É uma nova dinâmica social,
caracterizada pelos novos meios de comunicação: telefone, rádio, televisão, slogans e
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satélites. Assim, a idéia de contemporaneidade aparece associada à de velocidade da
comunicação e à existência dos meios de comunicação de massa.
Dentro desse contexto, a poesia concreta propõe uma nova arte para um novo mundo.
Ela opta pela exploração rítmica e plástico-visual dos vocábulos, numa tentativa de enveredar
pela “aventura plástica”, proclamada por Décio Pignatari (1979). Sintonizado com o
panorama nacional, Leminski encanta-se com a proposta concretista, porque imagem, som e
texto também compunham a nova linguagem dos jovens. Após o encontro com Haroldo de
Campos, em Belo Horizonte, os dois autores passaram a se corresponder, e Leminski tornou-
se mascote do grupo. Ao mesmo tempo, lia Pound e ouvia os Beatles.
No auge de todo essa renovação, acontece o golpe militar. A ação dos militares,
pretendendo conter “as idéias comunistas”, não conseguiu silenciar o descontentamento de
uma parcela da sociedade. Na literatura, um grupo de poetas, para opor-se à ditadura, optou
por fazer uma poesia engajada, de denúncia; outro grupo decide realizar um trabalho mais
lapidado com a linguagem, acreditando ser essa uma atitude política mais eficaz. Entre as
duas posturas, Leminski preferiu a segunda. Lia Allen Ginsberg e Maiakovski, ao mesmo
tempo em que pensava que não poderia haver arte revolucionária sem forma revolucionária.
Para ele, os verdadeiros subversivos eram os artistas de vanguarda por manipularem as
formas. Ele dizia: “Não é apenas no terreno do conteúdo que se deve ser subversivo e se opor
ao sistema. É, sobretudo, no terreno das formas que esse trabalho deve ser feito. A forma é
realmente revolucionária” (LEMINSKI apud VAZ, 2005, p. 92).
Buscando manipular as formas, Leminski passou a projetar atividades que
envolvessem literatura, cinema, música, programas de rádio e de televisão. Além disso, como
o corpo passara a ser também um veículo que expressava uma linguagem ideológica, adotou
um comportamento hippie amor livre, barba e cabelos compridos, roupas coloridas, uso de
drogas. Logo, o poeta tinha uma atitude anti-ditadura, mas não escrevia poesia engajada nem
participava de uma militância partidária.
Essa atitude libertária reflete-se em sua poesia, porque, em Leminski, o foco de
interesses, apesar de desaguar na poesia, não está centrado em um cânone restrito. Sua
multiplicidade de interesses recusa modelos estéticos e atrai referências de diversas épocas e
culturas: da literatura grega clássica ao rock’n roll. Ciente de que o mundo estava,
irremediavelmente, ligado pelos meios de comunicação, soube construir laços entre tecidos
culturais diversos.
Talvez tenha sido um dos primeiros poetas a compreender que os tempos já eram
outros e que as transformações das técnicas de comunicação alteraram as relações sociais.
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nos anos 80, Leminski compreendia que, apesar da eficácia dos novos meios de comunicação
e de a informação circular velozmente pelo planeta, somos, na modernidade, participantes da
solidão existencial humana. O homem se acha saturado de informações inúmeras e
complexas, mas tão pidas e fragmentadas que nem sempre é capaz de organizá-las.
Portanto, o poeta reconhece a dificuldade de se estabelecerem relações verdadeiras entre os
indivíduos. Adota, assim, uma postura poética que traz o outro para dentro do poema, criando
uma multiplicidade, que, segundo Calvino (op. cit.), propicia uma “visão plural”. Ao
reconhecer a intertextualidade como condição essencial da criação literária, tanto se insere no
fluxo histórico da humanidade quanto luta para apagar sua subjetividade, sua voz narcísica.
Num mundo em que o egocentrismo e o materialismo ganham espaço, a proposta de
uma poesia permeada de alteridade revela-se como a busca, talvez infrutífera, do nexo perdido
com a realidade. Por outro lado, não nos deixa esquecer nossa inevitável ligação com o outro,
mesmo que ela seja permeada de conflitos.
A prática de leitura de Leminski, sempre marcada por um interesse plural e voraz,
culminou em uma produção poética que permite o convívio de diferentes estéticas. Essa
dissolução de limites entre espaços geográficos e tempos históricos implica, também, o ato de
repensar a inserção do poeta na modernidade. O passado torna-se matéria-prima para uma
reconstrução do presente; por isso, o poeta retoma e reinventa o já inventado. É no resgate do
passado, misturado a uma contemporaneidade, que o autor promove a diversidade. A
multiplicidade do presente é também advinda do passado. E, quanto maior a variedade de
prismas, mais plural será o discurso. O conceito de alta e baixa literatura, desmitificado
pelo modernismo heróico, é substituído pela deglutição antropofágica dos elementos das
culturas pop, clássica e oriental.
A partir da multiplicidade de vozes percebidas em sua poesia, revela-se uma tessitura
que supõe a descontinuidade, o fragmento, o inacabado. Seu texto, sempre em aberto, para
evitar dicotomias, é uma mistura de passado e presente, oriente e ocidente, individual e
coletivo.
O intenso desejo de explorar a diversidade levou o poeta a afirmar “Tem lugar pra
todo mundo” (LEMINSKI in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 73), referindo-se ao
radicalismo de alguns poetas do movimento concretista. Essa não-definição, esse caminho
cheio de desvios e atalhos, revela a preocupação, daquele que se definiu como um
“cachorro louco”, com as verdades totalizantes, incontestáveis, definitivas.
A necessidade de “programar essa indefinição”, de coibir a multiplicidade, enrijece a
experiência sígnica e cristaliza a idealizada relação entre palavra e pensamento, já identificada
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por Walter Benjamin (1996), em Sobre arte, técnica, linguagem e política. A essa
programação é que se contrapõem a mobilidade, a fragmentação e a abertura da poesia
moderna, presente na poética de Leminski.
Essa escrita fragmentada, incompleta, expressa a necessidade de uma rebelião da
linguagem, de desestabilizar estruturas pré-determinadas. “A linha que nunca termina”
(LEMINSKI, 2006, p. 18), verso de um dos poemas do livro Distraídos venceremos, de 1987,
sintetiza bem uma obra composta por fragmentos.
De um somatório de influências – o rigor concretista, o relaxamento marginal, o
redimensionamento tropicalista, a concisão do haicai, a releitura dos clássicos gregos e a
cultura de massa –, ele construiu sua identidade. Logo, diversos fragmentos, materiais
diversos e formas aparentemente incompatíveis, compõem o mosaico de sua obra. Isso foi
possível porque Leminski escreveu em um momento em que os questionamentos estéticos,
feitos tanto pelo Modernismo quanto pelas vanguardas, tinham demonstrado que, para
atender a demanda da modernidade, a poesia poderia recorrer a uma linguagem ordenada em
forma de fragmentos aleatórios ou esparsos, justapondo imagens, idéias e conceitos.
Buscando a liberdade da linguagem, percorreu diferentes fontes e não recusou suas
influências.
Num contexto fragmentado, não há como conseguir uma completa unidade. Ao
abarcar, em sua obra, uma multiplicidade de vozes, Leminski valoriza esse conceito, mas,
também, aponta um respeito à particularidade dos criadores. Sem procurar uma direção
inequívoca e sem pretensão de seguir um único caminho, perscruta as potencialidades
poéticas, presentes em diversas vozes. Essa concepção corrobora com o conceito de
fragmento, conforme concebido por Barthes (2003a), por corresponder a idéia de que o
publicado nunca está acabado. Na obra composta por fragmento, estão presentes duas
subjetividades: uma a ser expressa pelo autor, e outra a ser provocada no leitor. A
subjetividade do escritor revela-se na seleção dos fragmentos; e a do leitor, na expansão de
sua capacidade lúdica, para que possa interagir com a obra, compreendendo-a. Isso é
necessário porque a estrutura fragmentada é reconstruída no ato da leitura. Ler um poema é
estar diante de um fragmento da obra do autor e, concomitantemente, o poema é, também,
constituído de fragmentos.
Essa recolha de fragmentos e a releitura presentes nos poemas de Leminski revelam
um poeta que se alimenta de outros poetas, voraz e (in)disciplinadamente. Ele cria a partir de
textos lidos, porque considera que os textos literários são influenciados, principalmente, pelos
escritos que o precederam. Assim, o autor assume-se construído a partir de suas leituras, isto
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é, compreende-se um tradutor da tradição, do Concretismo, dos clássicos, do cânone, com os
quais teceu sua poética. A mesma convicção se expressa em um poema de Caprichos e
relaxos.
Bom dia, poetas velhos.
Me deixem na boca
o gosto de versos
mais fortes que não farei.
Dia vai vir que os saiba
tão bem que vos cite
como quem tê-los
um tanto feito também,
acredite.
(Leminski, 1983, p. 33)
As incertezas do mundo moderno (industrialização, massificação, guerras) impuseram
um sentido de urgência à geração de Leminski. De repente, havia a impressão de que nada
poderia ser deixado para o dia seguinte, simplesmente porque não existia a certeza de que o
amanhã chegaria. No Brasil, agrega-se a isso o golpe militar, que sufocou iniciativas no
campo cultural e social. A morte do sonho de um futuro país igualitário fez com que viver o
momento presente intensamente fosse a única possibilidade viável, fortalecendo, assim, o
individualismo.
O tempo presente passa a ser vivido como limiar e reina absoluto sob todas as coisas.
A pressa está presente em cada ação. Não há mais tempo para perceber o outro. Tudo
começou a acontecer rapidamente e exige uma resposta imediata. Em poucas décadas,
mudanças que levariam séculos aconteceram. A competição e a luta pela sobrevivência
tornaram-se mais acirradas. O capitalismo cresceu assessorado pelo poder da mídia. O
consumismo passou a ser a tônica do cotidiano. A cada dia, é preciso consumir mais e mais,
na mesma velocidade em que os produtos são lançados.
Leminski não descarta a herança do seu tempo. Ele passa a expressar o seu
descontentamento frente à euforia nacional-desenvolvimentista, demonstrando descrença nos
discursos militantes veiculados pela esquerda. Sua poesia propõe uma arte na qual a
valorização da técnica tem a pretensão de, pela forma, atuar política e poeticamente.
Em entrevista concedida a Regis Bonvicino, no ano de 1979, expressa uma certeza:
“Não mais tempo para ser ingênuo. Puro. Inocente. Perante a investida multinacional da
tecnocracia, tem que responder com uma plena consciência dos meios, códigos e linguagem.”
(LEMINSKI apud ASSUNÇÃO). Essa percepção o faz incorporar o comportamento da nova
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era à sua poesia: a busca de novas alternativas políticas e estéticas. A linguagem enviesada e
metafórica, fragmentada e rápida, foi uma das saídas encontradas. Ela, no entanto, coexiste
com a sátira, a ironia, a paródia. Logo, embora assumisse um tom predominantemente
coloquial, utilizava uma linguagem diversificada.
tudo dito,
nada feito,
fito e deito
(Leminski, 2006, p. 131)
O poema realiza uma paródia com o ditado popular “dito e feito”, invertendo-lhe o
sentido de coerência entre a palavra e a ação. A inversão refere-se à incoerência tanto do
discurso da esquerda, que fala em igualdade e democracia, mas não aceita as diferenças e se
apresenta como detentor da verdade, quanto do discurso dos militares, que afirmam estar
garantindo a sobrevivência da democracia e instauram um regime totalitário. Se tudo foi dito e
nada foi feito, ao contrário do que apregoa o senso comum, resta uma terceira via: “fitar e
deitar”, adotando uma atitude marginal.
Se, no mundo moderno, a rapidez está associada à idéia de velocidade da informação,
do deslocamento, daquilo que não se apreende facilmente; na poesia leminskiana, a
velocidade do registro associa-se à necessidade de capturar um instante mágico e fugidio. O
momento capturado é uma impressão distorcida do que está diante do poeta, mas, ao capturar
um detalhe, ele cristaliza o transitório, aquilo que, no momento da escrita, já deixou de existir.
Leminski tinha pressa de viver, de escrever, de registrar, como relata o seu biógrafo Toninho
Vaz (op. cit.), porém, não é a mesma pressa feita de precipitação à qual estamos submetidos.
Ele faz parte de uma geração que teve a sensibilidade moldada pelos modernos meios de
comunicação de massa, como teorizou McLuhan (1972).
Talvez tenha sido um dos primeiros poetas brasileiros a ter plena consciência de que o
mundo estava, irremediavelmente, interligado via satélite. Por isso, adere à rapidez e passa a
construir frases rápidas, telegráficas, musicais. No entanto, elas não são fruto de simples
espontaneísmo. Os versos, que aparentam terem sido feitos a partir da mais pura inspiração,
são registros do rigor. São pequenos disparos que atingem diretamente o leitor. São
verdadeiros detonadores de emoções. Há, em seus poemas, um desafio de síntese: dizer o
máximo com o mínimo. Assim, o que Calvino solicita em sua proposta de rapidez uma
literatura que se adeqüe à velocidade informacional do contemporâneo, capaz de manter o
desejo do leitor – é perceptível na poesia leminskiana.
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Desse modo, a poesia de Leminski não pode ser reduzida à idéia de velocidade por si
mesma, ou seja, à pressa pós-moderna, visto que coexistem, na sua rapidez, o rigor concretista
e a contemplação zen budista. Do rigor concretista, ele mantém a valorização de uma
comunicação mais norteada pela visualização do que pela verbalização. O som, a letra, a linha
e o próprio espaço inerente à pagina são partes do poema. Do zen budismo, a ênfase no
detalhe e no inusitado da imagem poética, típica do haicai, e uma ontologia da
transitoriedade. O poema vai se tornando uma experiência que compreende, cada vez mais, o
sensual e o racional. No poema abaixo, publicado em La vie en close, Leminski explora a
ludicidade existente entre os homônimos (homófonos): filme e fell me.
o cine tua sina
o filme FEEL ME
signema
me segure firme
cine me ensine
a ser sim
a ser senda
(Leminski, 2004, p. 41)
Há, no poema, inovação no campo léxico marca concretista que provoca a
inovação semântica de caráter interlingüístico. A coincidência fônica entre os sintagmas
nominais de idiomas diferentes (filme / fell me) provoca a significação de que o discurso
cinematográfico (filme) derruba, arrasa (fell me) as certezas do indivíduo e estabelece uma
natureza performática para o ser. A partir dessa constatação, o poeta cria o neologismo
“signema” – aglutinando a variante de “sina”, “signa” (sorte, destino) à terminação da palavra
“cinema”, sugerindo que o cinema pode “segurar firme” um mar de momentos fugazes. O
neologismo aponta, ainda, para o cinema novo, que ensina ao poeta uma nova estética, um
novo caminho de prazer de exploração dos sentidos.
Nesse sentido, o autor se identifica com Herbert Marcuse (1997), pensador da escola
de Frankfurt, cujas idéias influenciaram, fortemente, os intelectuais dos anos 70. O autor
alemão sugere que, ao invés de libertar o ser humano e trazer-lhe maior felicidade, os avanços
tecnológicos do mundo moderno acabaram tornando o homem escravo do progresso material
e, portanto, controlando-o e desumanizando-o. A poesia, ao negar o utilitarismo e reinventar o
prazer da contemplação dos fatos cotidianos e belos, resgata o que de mais humano existe em
nós e indica o caminho do prazer nos “tempos congestionados”, a que se refere Calvino
(1990, p. 64).
17
Sua escrita rápida, ao mesmo tempo em que captura a “fulguração repentina”
(CALVINO, ibidem, p. 61) o registro ia para qualquer papel ao alcance da mão –, está à
procura do mot just”, da frase perfeita, plena de significado. Assim, Leminski trabalha o
flash posteriormente, sem pressa, para atingir a precisão da abordagem.
Essa exatidão, segundo Calvino, nada tem a ver com a univocidade e se aproxima das
noções de definição, de precisão, de nitidez da obra. De um modo geral, esse rigor que se
percebe na poesia de Leminski e que veio explícito em um de seus livros, na palavra
“caprichos”, é a busca por exatidão que confere densidade a seus textos. Embora, para muitos,
esse rigor esteja associado à influência da poesia concreta e da poesia japonesa (haicai), o
autor, em entrevista concedida a Paulo Mohlovski, esclarece esse ponto:
Na realidade, o meu contato com esse rigor veio antes de conhecer a poesia
concreta. Veio de outra fonte: a poesia clássica [...] que é uma poesia
rigorosa, que visa valores de exatidão. Foi a poesia clássica que me levou à
poesia concreta (LEMINSKI apud MARQUES, 2001, p. 91).
Isso se explica porque a poesia clássica tem, no rigor da forma, uma de suas
características principais. São obras escritas dentro de um arranjo de sílabas longas e breves,
as quais dão aos poemas, quando declamados, uma musicalidade característica, um ritmo
lento e solene, ou vivaz e agitado. Portanto, ao utilizar vários metros para conseguir o efeito
desejado, os poetas da Antigüidade estavam submetidos a determinadas exigências formais.
Essa característica da poesia clássica – burilação técnica e formal – levou Leminski ao
encontro da poesia concreta e se fez presente em sua poesia, no esforço de escolher o
vocabulário de seus versos segundo o efeito que desejava produzir. Para isso, Leminski utiliza
alguns recursos léxicos oriundos do experimentalismo concretista: cria neologismos, explora
siglas e termos plurilíngües.
A esse aspecto, foram associados outros: a ludicidade, a ironia, a metalinguagem, mas
todos a serviço da exatidão. Também a revisitação constatada na obra pode ser considerada
uma necessidade de exatidão.
No poema abaixo, publicado em Caprichos e relaxos, o poeta cria neologismos,
utilizando elementos da língua inglesa, que m traços de palavra-valise e de ideograma
japonês.
PERHAPPNESS
(Leminski, 2002, p. 93)
18
Unindo dois elementos lexicais distintos (perhaps advérbio de dúvida da ngua
inglesa e hapiness substantivo que, em português, significa felicidade), o poeta
transforma, ironicamente, os signos lingüísticos de uma ngua hegemônica em um
ideograma. Isso sugere que, num país de terceiro mundo, subjugado pelo capitalismo e por
uma ditadura, pode haver felicidade, que talvez seja alcançada numa atitude de absorção e de
transformação das influências estrangeiras, como fizeram os tropicalistas.
É dessa constante atenção ao detalhe, tanto da palavra quanto dos fatos, que a proposta
de exatidão vive na poesia de Leminski. Ele coloca “la vie en close” (LEMINSKI, 2004, p. 5),
e, atentamente, focaliza o detalhe, o mínimo, o sutil. Em sua visão zen, nascida do contato
com a cultura japonesa, o mistério está em todas as coisas e precisa ser homenageado “aqui e
agora”, através da concentração, da exatidão. Sua observação é fruto da emoção e está
presente em todas as suas produções, mas é, ao mesmo tempo, uma emoção contida, que não
permite o extravasamento da subjetividade.
Através do haicai, conforme observa Leminski (1986, p. 88), num breve ensaio, o
egocentrismo desaparece porque ele apresenta um “sujeito oculto, elidido” que contempla a
natureza. No entanto, esse apagamento é uma presença feita de ausências, segundo o conceito
de Rolland Barthes (1984), expresso em A câmara clara. Nesse texto, o escritor francês faz
uma reflexão acerca da fotografia e observa que nela duas presenças-ausências. Uma é o
ser fotografado, pois sendo ele um ser inanimado ou animado, a foto presentifica aquilo que já
não é, que está ausente no segundo após o clic da máquina fotográfica. Isso ocorre, mesmo
ao registrar um objeto estático, porque a luz que se incide sobre ele, no segundo subseqüente
ao clic, não é a mesma. Do mesmo modo, a figura do fotógrafo quase sempre está ausente
da foto. Toda a técnica da fotografia tem o objetivo de criar, no observador, a ilusão perfeita:
contemplar a cena como se ele a tivesse visto. Assim, como Leminski, o fotógrafo procura
ocultar-se, mas ambos, poeta e fotógrafo, têm sua presença desvendada no artefato artístico
que produzem. O primeiro é percebido no foco, no enquadramento, no ângulo escolhido; o
segundo revela-se no detalhe que observa, na escolha lexical, no arranjo das palavras.
Essa observação exata não é conseguida instantaneamente. Ela surge após um longo
processo que inclui tempo e ludicidade, “um bom poema / leva anos / cinco jogando bola”,
estudo, “seis estudando sânscrito”, e esforço, “seis carregando pedra” (LEMINSKI, 2004, p.
9). Prender-se ao detalhe, ao mínimo, limitar o campo de observação é, paradoxalmente,
ampliá-lo.
Enquanto a “pasteurização” tira a expressividade e a originalidade, a exatidão na
literatura, conforme conceituada por Calvino (op. cit.), tem o poder mágico de fazer com que
19
os olhos embotados pela homogeneização voltem-se para a riqueza de significados que o
detalhe contém.
O anseio maior de Leminski quanto à estrutura de sua poesia talvez tenha sido
condensar com palavras exatas suas idéias; por isso, a exatidão vem associada à concisão.
Todavia, essa idéia de concisão nem sempre se refere ao conceito de brevidade, à extensão do
poema. Em sua obra, um poema com maior mero de versos tanto pode ser considerado
conciso quanto um poema curto. A concisão está intimamente atrelada a uma escrita rarefeita,
à necessidade de apagamento do escritor.
Mais do que procurar versos rápidos, diminuindo o máximo possível o
número de versos, eliminando a dispersão com densidade, pode se entender
por rarefação a própria tentativa do autor de desaparecer. (DICK in DICK &
CALIXTO (orgs.), 2004, p. 142)
A princípio, a rarefação da linguagem que o poeta praticava concentrava propostas
anteriores que percorreram a poesia moderna e os movimentos de vanguarda do início do
século XX (Futurismo e Dadaísmo), retomadas pelas linhagens experimentais de 50/60.
Assim, Leminski optava por uma escrita minimalista, na qual os conectivos sintáticos
(conjunções, preposições) e a pontuação eram utilizados com parcimônia. Havia, também, a
atomização das partes do discurso, sua disposição e redistribuição de elementos. Dentre essas
estratégias, principalmente a rarefação dos laços sintáticos do discurso, ocorria em prol de
uma conexão mais direta entre as palavras ou frases, tornando a poesia, fundamentalmente,
mais sintética, na tentativa de eliminar as marcas de sua subjetividade. Essas estratégias de
rarefação aparecem no poema abaixo.
de ouvido
di vi
di do
entre
o
ver
&
o
vidro
du vi do
(Leminski, 2002, p. 90)
As estratégias são usadas para expressar a dúvida frente ao mundo moderno. A palavra
“dividido” é fragmentada em suas sílabas conforme o ouvido a capta, e, no novo arranjo das
sílabas, dentro dela, surge o vocábulo “divido”. Portanto, o homem está dividido e ele próprio
20
também se divide. Se tudo parece dividido, o elemento “vidro” surge como índice de uma
ambigüidade: separa e revela. O vidro protege do toque o que está por traz dele, ou seja,
divide, consistindo, entretanto, em uma proteção frágil. Isso porque há o senso comum de que
o vidro é algo que pode ser facilmente quebrado, mas, também, por sua transparência, revela o
objeto ao nosso olhar. Há, ainda, na composição gráfica do poema, a quebra e a redistribuição
dos elementos que constituem as palavras “dividido” e “duvido”, para enfatizar a
ambigüidade existente no poeta. Ele corta os versos e torna sua escrita uma enunciação
hesitante. A visualização da palavra fragmentada, partida, contribui para que o leitor construa
o sentido do poema.
Observando a obra de Leminski, encontramos “um poeta que se bate com a linguagem
para transformá-la na linguagem das coisas, que parte das coisas e retorna a nós trazendo
consigo toda a carga humana que nela havíamos investido.” (CALVINO, op. cit., p. 88). Essas
palavras de Calvino, aplicadas a Francis Ponge, podem ser extensivas ao escritor curitibano,
no que se refere à constante tentativa de dar voz às coisas que o cercam.
Paulatinamente, a rarefação passa a estar mais ligada ao apagamento do escritor.
apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme.
(Leminski, 2002, p. 54)
Régis Bonvicino (in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 212) observa que
[...] a palavra francesa charme, derivada do latim, significa “fórmula
encantatória” ou, também, “poema”, “verso”. Ao rimá-la com desmanchar-
me, Leminski indica, entre outras coisas, a condição marginal do poeta em
sociedades industriais: o que nada vale, mas continua nomeando.
Se a palavra em francês remete ao poema, em português ela indica um estado sedutor,
algo atraente, mas indefinido, impalpável. Ao desentranhar a palavra “charme” de dentro de
“desmanchar-me”, Leminski sugere que, no poema, sua identidade se desmancha, torna-se
resíduo, rarefação.
Por isso, ele persegue a “linha mínima”, a palavra exata, no intuito de encontrar aquilo
que é pequeno, sutil, delicado, e concentra-se no close”. É dessa forma que ele se apaga e
21
revela seu “charme”. Com essa estratégia, não se furta de encarar a realidade, mas se apropria
dela, via linguagem, retirando-lhe o peso que contém, como propõe Calvino (op. cit.) para o
poeta do terceiro milênio.
É nesse olhar peculiar que reside a força do poeta curitibano. O seu discurso não aceita
a paralisia imposta pela automatização da linguagem e contra ela se rebela, construindo um
“discurso torto” (LEMINSKI, 1986, p. 49) e sutil, no qual exercita sua capacidade de
abstração do peso imposto pela realidade. Sua escrita leve desfigura a realidade, criando
novas percepções, evocando suavidade e buscando a “fórmula encantatória”: a realidade
sendo submetida ao olhar e à medida do poeta, com sua ironia, suas rimas, seus trocadilhos.
Calvino (op. cit.) diz que, através da literatura, poderíamos entrar em contato com a dureza da
realidade, sem nos tornarmos duros como ela. Ser leve não significa, portanto, ignorar a
tragédia do mundo. É apenas estar frente à tragédia de modo flexível, possibilitando ao sujeito
resistir ao peso de viver.
Aproximando-se do final prematuro da carreira, Leminski encontra-se no entrelugar
conceituado por Otávio Paz (1972) como um espaço de percepção sensível das coisas ao
redor, localizado entre a sensação e o pensamento. O poeta que, em grande parte da carreira,
construíra sua leveza com rima, métrica, aliterações e ecos, confessa, em uma palestra
proferida em 1985, que esses valores já não eram o centro de sua poética.
A própria poesia que faço, a que procuro fazer hoje, é uma poesia não
imagética, não melopaica, não excluindo esses valores, mas uma poesia
sobretudo feita de pensamentos, raciocínios. [...] O redondo rolar daquele
pensamento que sai e a procura lógica dele que é a sua poeticidade é isso
que eu venho fazendo. (LEMINSKI apud SYLAB, 2007)
A imagem apresentada por Leminski, de um “redondo rolar”, aproxima-se da imagem
de “pássaro” de Calvino . Em ambas, está claramente expressa a idéia de suavidade, sem
perda de densidade, pois para que haja o rolamento e o vôo, é preciso massa corpórea. Do
mesmo modo, a procura lógica do pensamento implica exatidão.
A leveza, na concepção de Calvino (op. cit.), está relacionada a elementos diversos
que permeiam textos literários, capazes de fazer com que o leitor vivencie esta sensação. Ele
faz considerações sobre a estrutura textual, sinalizando quais são esses elementos: a corrente
filosófica, o ponto de vista, as ferramentas lingüísticas, a definição da idéia e a precisão da
linguagem. A reunião desses instrumentos provoca uma combinação capaz de alcançar a
volatilidade da leveza.
22
Na poesia leminskiana, essas características são encontradas em vários poemas e estão
imbricadas. Considerar o mundo sobre uma outra ótica, envolve a redescoberta do “dizer” a
palavra, plena de significados, em oposição à palavra vazia, à linguagem banalizada do
cotidiano. Trabalhando com o significante, seus textos tentam fazer a palavra alcançar a noção
peirciana de primeiridade momento de primeiro contato entre o signo e seu interpretante, no
qual há o desejo de desvendamento, há uma surpresa. Retirar o peso da linguagem via
recursos fônicos, semânticos e morfológicos da língua exige um trabalho preciso, para que se
estabeleça a primeiridade. Conseqüentemente, a leveza não prescinde da exatidão, pelo
contrário, vive dela.
Dialogando com a modernidade e com a tradição, Leminski elabora poemas que têm,
na leveza, uma força. Ele cria a leveza no ato de escrever, mesmo que o tema seja
pesado/tenso, e ela é conquistada através de um consciente afastamento da referência.
Conforme ocorre com as três propostas anteriores, o distanciamento da realidade é uma forma
de o poeta apagar-se e expressa uma opção pela “margem, porém sem perder de vista o
continente” (MACIEL in DICK & CALIXTO, 2004, p. 172).
Essa opção por uma via transversal no trato das coisas do mundo e do agora
evidencia um modo particular de ver a poesia. Ele não a toma como
expressão direta do mundo real, nem a confina no mundo supostamente
autônomo da linguagem. À margem e à imagem do continente, ao mesmo
tempo: esta é, para ele, a condição da poesia. (id., ib.)
Isso significa que o poeta não está se colocando distante do mundo que o cerca, nem
propõe o enclausuramento em um mundo particular e imaginário. Pelo contrário, a aventura
poética da linguagem enraíza a poesia no espaço e no tempo e aprimora o conceito de
humanidade.
O afastamento da referencialidade e a busca pela rarefação não o distancia da
historicidade. Sua poesia traz sempre, direta ou indiretamente, as marcas das condições
concretas em que se efetuou. Leminski sempre carrega a realidade, mas o real passa pelo que
existe dentro do indivíduo e sofre uma transformação, tem seus limites diluídos.
Além disso, as três possíveis definições de leveza apreendidas a partir da leitura de
Calvino estão em perfeita sintonia com a poética leminskiana. A primeira seria o
despojamento da linguagem que pudesse permitir aos significados uma consistência rarefeita.
A segunda relaciona-se com a narração de um raciocínio atravessado por itens que assegurem
a abstração e, por fim, a formação de figuras visuais leves.
23
As duas primeiras definições surgem, explicitamente, no prefácio de Distraídos
venceremos: “[...] arrisco crer ter atingido um horizonte longamente almejado: a abolição (não
da realidade, evidentemente) da referência, através da rarefação” (LEMINSKI, 2006, p. 8). A
terceira permeia toda a obra quando seus poemas oferecem ao leitor o poder de dizer “não” ao
peso do mundo moderno que nos atrai para baixo. A leveza dos seus textos possibilita ao
leitor imaginar diante da mancha gráfica. Nesse jogo, o leitor constrói uma rede de relações,
associa dados, integrando a palavra e as imagens a uma memória pessoal em construção
constante.
Inegavelmente inserido nas práticas da sociedade de consumo, principalmente por ter
participado do mundo publicitário, Leminski compreendia as implicações dessa atividade e
afirmava ser preciso conhecer o inimigo para derrotá-lo. Por isso, ele incorpora as estratégias
publicitárias de criação de imagens a sua poética, subvertendo-as com o objetivo de estimular
a imaginação do leitor. O poeta provoca o leitor a entrar em um labirinto e encontrar,
autonomamente, a saída: construir, por si, a imagem proposta pela poesia, que na arte
um contrato de comunicação que permite a imaginação, o “como se”, o ato de fingir, não
como representação da realidade, mas como uma diferente visão de mundo (ISER in LIMA,
2002b, p. 957-984).
Afinal, ler é imaginar, inventar uma outra realidade. A imaginação é um elemento
fundamental na formação do sujeito, que se constitui a partir de suas leituras, visto que ler e
imaginar através da mancha das letras impressas no papel propicia ao indivíduo o contato com
a própria fantasia. Logo, ao fazer o leitor entrar nos domínios da imaginação, a poesia realiza
uma ação poderosa, pois torna o outro detentor de um poder construído internamente: o poder
de imaginar, que está intimamente ligado à idéia de liberdade. Leminski, em sua obra, almeja
fazer da linguagem um espaço de resistência contra as verdades absolutas, o pensamento
linear e totalizante, e o alijamento da imaginação como forma de conhecimento.
Quando um enunciador reproduz em seu discurso elementos da formação
discursiva dominante, de certa forma, contribui para reforçar as estruturas de
dominação. Se se vale de outras formas discursivas, ajuda a colocar em
xeque as estruturas sociais. No entanto, pode-se estar em oposição às
estruturas econômico-sociais de uma maneira reacionária, em que sonha
voltar um mundo em que não mais existe, ou de uma maneira progressista,
em que se deseja criar um mundo novo. Sem pretender que o discurso possa
transformar o mundo, pode-se dizer que a linguagem pode ser instrumento de
libertação ou de opressão, de mudança ou de conservação. (FIORIN, 2003, p.
54)
24
Leminski aposta no poder libertário da linguagem e, usando a poesia gênero que
goza de certa autonomia lingüística e, por isso, exerce um papel ativo na percepção do mundo
–, debruçou-se no trabalho com a materialidade da palavra, para, com ela, tentar construir o
“mundo novo” de que fala Fiorin. No entanto, isso não implica que a poesia seja um espaço
de verdades absolutas e imutáveis. Apenas revela que ela é um campo de batalhas e um palco
de encontros, no qual o poeta tenta encontrar a “liberdade” que tanto anseia. Nela, não cabem
rótulos, nem responsabilidades. Não podendo se excluir do novo capitalismo, a poesia circula
entre os paradoxos da sociedade, como incitante de desvios, de novas realidades.
Por sua intersecção entre culturas, sua fragmentação, sua alteridade e rarefação, a obra
poética de Paulo Leminski, apesar de ter sido escrita no final do segundo milênio, coaduna-se
com as propostas de Calvino (op. cit.) para o terceiro milênio, que seriam apresentadas em
suas palestras em Harvard, principalmente no sentido de fazer da linguagem, através de sua
desautomatização, um campo de resistência ao novo capitalismo.
25
2. DISTRAÍDOS VENCEREMOS: A CONCEPÇÃO POÉTICA DESNUDADA
O mundo não quer que eu me distraia, distraído,
estou salvo.
Paulo Leminski
A epígrafe que abre este capítulo é um fragmento de Catatau, romance-idéia de Paulo
Leminski. Esse fragmento tanto é germe do título quanto da idéia central que permeia
Distraídos venceremos, livro escolhido como corpus deste trabalho.
A expressão, além de fazer um trocadilho com o bordão de esquerda “unidos
venceremos”, dialoga com Catatau na sua essência: a intenção de contestar a noção de lógica
fundada na razão cartesiana.
Descartes (1983 apud CARVALHO, 2000), no seu Discurso do método, fundou a
visão ocidental de razão, ao determinar os fenômenos naturais e humanos por leis: “O
propósito dessa racionalidade é eliminar na natureza, a contingência na historia e a fortuna ou
acaso na ética e na política. E a arte? Seria ainda expulsa dessa República?
(CARVALHO, op.
cit., p. 19).
Assim, essa razão, ao descartar o acaso, também descarta a arte da República.
Leminski, fazendo trocadilho com o bordão esquerdista e estabelecendo uma relação
entre Catatau e Distraídos venceremos, contesta a soberania do pensamento ocidental e da
razão sobre o acaso. Ao mesmo tempo, alerta que a imposição de uma percepção de mundo,
apenas pela via da razão, é uma forma de reprimir outros modos de conhecimento. Por isso, o
mundo cartesiano-ocidental não quer a distração (a imaginação, a arte), porque ela pode salvar
o indivíduo da ditadura da razão. Essa salvação fundaria uma outra lógica, na qual o acaso
não seria descartado. Razão, corpo e natureza estariam em posição de igualdade, de modo a
oferecer diferentes visões do mundo todas, igualmente importantes, sem que houvesse a
supremacia de uma visão sobre a outra.
Ao desfazer a frase feita “unidos venceremos”, o poeta acrescenta-lhe múltiplas
possibilidades. Ao substituir “unidos” por “distraídos”, a expressão ganha múltiplas
significações, principalmente se considerarmos que o verbo “distrair” descende do latim
distrahere e significa “puxar para diversas partes”; teremos, de início, o desmonte da idéia de
convergência que a palavra “unidos” contém. Ou seja, mesmo desatentos, inadvertidos,
descuidados, divertidos, alheios, desviados, esquecidos, venceremos, porque a poesia não
precisa ditar regras, sistematizar, e, sim, dispersar, produzir possibilidades.
26
Assim, Distraídos venceremos sugere que, através da distração e do afastamento da
referência, é possível ver o real por uma ótica particular, retirando o peso que ele contém. E a
poesia, por sua condição singular, apresenta-se como o instrumento privilegiado para esse
fim. Trabalhar com a palavra em suas múltiplas significações ajuda o homem a construir um
conceito diferente de realidade. Nisso, reside a força da poesia. Ela talvez seja a única forma
de suplantar a razão cartesiana. Como esse pensamento linear está profundamente arraigado
na cultura ocidental, o poeta curitibano vai buscar sustentação nos princípios zen-budistas.
A aproximação com a cultura japonesa começou através da prática do judô, mas, logo
a personalidade de Leminski, que o fazia mergulhar apaixonadamente em tudo, incitou-o a,
segundo seu biógrafo Toninho Vaz (op. cit.), estudar o idioma e a literatura japonesa. Aos
poucos, Leminski abandonou a prática do esporte, porém preservou o interesse pela cultura,
pela “calma alerta que nos torna leves” (PAZ, op. cit., p. 170).
A influência da visão de mundo oriental, em oposição à visão ocidental cartesiana,
revela-se, primeiramente, na estrutura tripartida de Distraídos venceremos. Essa divisão opõe-
se a dicotomia cartesiana e indica a convivência de opostos que não se anulam. Também a
nomenclatura utilizada por Leminski para cada parte do livro (índice, ícone e símbolo) remete
a relação triádica do signo, elaborada por Charles Sanders Peirce. As partes recebem, além
dessa nomenclatura, três subtítulos: “Distraídos venceremos”, “Ais ou menos” e “Kawa
cauim”, respectivamente.
A primeira parte Distraídos venceremos” –, além de estar relacionada à idéia-
núcleo de Catatau e de dar título ao livro, liga-se ao conceito de índice. Nela, poemas que
fazem uma reflexão acerca da poesia, explicitando a sua natureza de signo índice – aquele que
não tem finalidade de estabelecer comunicação, que remete ao objeto sem ser afetado por ele.
A poesia, em seu estado puro, seria um momento de silêncio. É algo que não deseja dizer, mas
diz. É como uma força da natureza as nuvens, o vento, as flores que fala ao homem sem
desejar fazê-lo. A palavra poética nasceu para ser “uma lira nula” (LEMINSKI, 2006, p. 22),
porém, como alerta Octavio Paz (op. cit., p. 52):
Um poema puro seria aquele em que as palavras abandonassem seus
significados particulares e suas referências a isto ou aquilo, para significar
somente o ato de poetizar – exigência que acarretaria o seu desaparecimento,
pois as palavras não são outra coisa que significados de isto ou aquilo, isto é,
objetos relativos e históricos. Um poema puro não poderia ser composto de
palavras e seria literalmente, indizível. Ao mesmo tempo, um poema que não
lutasse contra a natureza das palavras, obrigando-as a ir mais além de si
mesmas e de seus significados relativos, um poema que não tentasse fazê-las
dizer o indizível, permaneceria uma simples manipulação verbal.
27
Vivendo desse paradoxo, a poesia talvez seja o maior dos signos índices. Ela nasceu
para distanciar-se da referencialidade da palavra, para não dizer; contudo, também carrega o
compromisso de transcender a mera comunicação cotidiana, de expandir a linguagem.
Ser índice, portanto, é condição da palavra poética. Se a poesia não deseja a
comunicação em sentido estrito, também não pode descartar seu caráter de elemento da
comunicação, nem ser reduzida a ele, porque assim deixaria de ser poesia.
No âmago da apresentação da poesia como signo índice, está a convicção de sua
“inutilidade”, conceito explicitado por Paulo Leminski numa série de pequenos ensaios
incluídos no volume Anseios Crípticos (1986). Nesses ensaios, Leminski resume, com
clareza, suas idéias sobre a arte da poesia. Com lucidez, contrapõe-se à concepção dos poetas
“engajados”, que acreditavam existir uma função moralizadora no texto poético, visto que o
poeta era considerado um ser especial, capaz de enxergar a verdade e revelá-la ao povo
ignaro. Entretanto, essa rejeição ao engajamento político explícito não nega a existência de
uma ideologia, mas, simplesmente, que a poesia tenha uma função didática.
O posicionamento político da poesia para Leminski, ao contrário do que pregavam os
adeptos da poesia social, reside na sua “inutilidade”, representando uma contestação da visão
utilitarista da sociedade burguesa.
A burguesia criou um universo onde todo o gesto tem que ser útil.
trezentos anos, pelo menos, a ditadura da utilidade é unha e carne com o
lucrocentrismo de toda nossa civilização. E o princípio da utilidade corrompe
todos os setores da vida, nos fazendo crer que a própria vida tem que dar
lucro. Vida é dom dos deuses, para ser saboreada intensamente até que a
Bomba de Nêutrons ou o vazamento da usina nuclear nos separes desse
pedaço de carne pulsante, único bem de que temos certeza. (LEMINSKI,
1986, p. 58)
Num mundo capitalista, em que possuem importância os objetos que têm uma
utilidade prática e podem ter seus valores mensurados a partir do lucro obtido através deles, a
poesia é um espaço de negação do utilitarismo. Ela não tem nem deseja ter uma utilidade
prática na vida do indivíduo.
Nesse aspecto, o pensamento do poeta curitibano sobre a função social da poesia se
alinha tanto com o de Theodor Adorno (1982) quanto com o de Walter Benjamin (1996).
Com o primeiro, corrobora com a compreensão da arte como campo, talvez único, de
resistência à ideologia capitalista, devido ao seu caráter de inutilidade expresso. A experiência
estética, mediando as esferas da sensualidade e da racionalidade, distanciadas pelo domínio
repressivo do utilitarismo e do racionalismo burguês, abre-se ao prazer, dando ao homem
28
condições de manter uma distância crítica em relação à ideologia imposta a ele. Assim, a arte
como um todo e, em especial, a poesia – teria o poder de desconstruir o conceito de
utilidade, fundador da máxima capitalista: o lucro. Em sua inutilidade, possibilitaria lançar um
outro olhar sobre a realidade, criando um novo mundo.
Dos conceitos de Benjamin, Leminski retoma a concepção de que não é o conteúdo da
poesia o portador de uma carga política em si mesmo, mas sua forma. Sendo o afastamento da
referencialidade uma característica da função poética, conforme já observara Ramon Jakobson
(1974), a poesia explora a multiplicidade de sentidos da palavra e remove-lhe o automatismo
que seu uso cotidiano impôs e isso é uma ação política. Ao criar um “discurso torto”,
inovador, capaz de fazer o processo de apreensão do significado se prolongar, a poesia
inaugura uma outra realidade. Sua “inutilidade” e a ausência de qualquer justificativa para sua
existência fazem-na exercer um papel fundamental na vida humana: preservar, no homem, a
humanidade descartada pela sociedade burguesa. É essa sua forma de combater a ideologia
dominante. Logo, sua forma é política, sem que, necessariamente, haja, no conteúdo de
seus versos, alusões ao contexto social.
Comparando o ensaio “Inutensílio” ao conteúdo de uma carta enviada a Régis
Bonvicino no ano de 1978, nota-se uma mudança. Na carta, Leminski afirmava que:
A REVOLUÇÃO É SEMPRE NO PLANO PRAGMÁTICO DA
MENSAGEM
o que interessa, o que a gente quer, no fundo, é MUDAR A VIDA, alterar as
relações de propriedade, a distribuição das riquezas, os equilíbrios de poder
entre classe e classe nação e nação
este é o grande Poema: nossos poemas são índices dele meramente
nossa poesia tem que estar a serviço de uma Utopia.
(LEMINSKI in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 48-9)
Fica explícito que o desejo de mudar o mundo era permeado, em 1978, de uma dúvida:
se o melhor seria optar por uma ação social voltada para a palavra poética, através de sua
forma, ou se os poetas deveriam partir para uma militância. O ensaio revela que a opção fora
feita e se cristalizara, no poeta, a certeza de que “signos geram signos” (id., ib., p. 48). Dessa
forma, ao transgredir a linguagem cotidiana estaria fazendo a revolução, criando uma nova
sociedade.
A primeira seção de Distraídos venceremos apresenta a visão leminskiana de poesia
em vários poemas. É como se o poeta indicasse as escolhas que fez no seu trajeto de escritor.
Mas é no poema de abertura, “Aviso aos náufragos”, que ele apresenta seu ideal de poesia,
29
como se fosse um resumo de suas intenções e faz uma reflexão, tanto sobre a natureza da
poesia quanto sobre suas inquietações como poeta.
O título do poema é uma parodia à expressão “aviso aos navegantes”. O poeta
desmonta e remonta a expressão que, de “alerta ao navegante” aquele que viaja na
superfície das águas para que ele não afunde, passa a ser um alerta para o leitor-náufrago
ser que afunda, sucumbe no mar poético. No entanto, é um aviso de um náufrago para outro,
porque o poeta compartilha com o leitor desse sentimento. Ele também é um “náufrago
náugrafo” (LEMINSKI, 2006, p. 43), ao perceber que se encontra num momento de transição,
de incertezas, de autocrítica. Desse modo, ele é “de todos os náufragos / o náufrago / mais
profundo” (id., ib.), porque está em constante batalha com a palavra – elemento fugidio.
Aviso aos náufragos
Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho,
muito depois de caída.
Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida,
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.
Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta página, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não é assim que é a vida?
(Leminski, 2006, p. 15)
Leminski inicia o poema referindo-se à gina espaço no qual o poeta se defronta
com a possibilidade escrever, mas a página em branco “não nasceu para ser lida”. A página
em que escreve nasceu branca, pálida, primitiva, como uma folha de árvore, ou histórica e
canônica, como a epopéia Ilíada. Não era para ser lida, porque nela o poeta refaz o que foi
feito, reescreve o que foi escrito. Constatando não ter criado nada de novo, apenas uma
30
página “pálida”, sugere não existir nada tão novo quanto os clássicos, pois todos os escritos
são “mero plágio da Ilíada”.
Na referência à palidez do papel a ser manchada pela tinta, o poeta revela que o papel
a ser escrito parece atrair seu pensamento. E a escrita acaba impondo-se ao escritor, mesmo
sabendo que a página “nasceu para ser pálida”.
É também no branco da página que ocorre o diálogo com o texto do outro. Do diálogo
com os clássicos, emergem as múltiplas vozes que vão silenciar a subjetividade do poeta e
convidá-lo para um diálogo ao “pé do ouvido”. São vozes do passado, presentes em textos que
“quando lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos” (CALVINO, 2007, p.
12). São textos repletos de significados e objetivos universais. Neles, é possível descobrir
dimensões de leituras sempre novas. Alimentada pela confluência de vozes poéticas que
cruzaram o seu caminho, a poesia de Leminski vive um conflito: o desejo de ter uma voz
própria, original, e a consciência da limitação da sua palavra diante dos clássicos.
Se, na primeira estrofe, o poeta apresenta a constante tensão existente em sua poesia
devido à comparação com os clássicos; na segunda, revela a poesia que deseja fazer na junção
de várias imagens. A primeira é a imagem de praia ponto de partida e de chegada: tanto
local para se lançar no mar da linguagem, com toda a pluralidade de significados da palavra,
quanto local seguro para onde se retorna após o naufrágio. Mas é, também, espaço sujeito às
mudanças do tempo e das marés. Logo, é um espaço movediço, plurissignificativo, instável.
A partir dessa imagem, surgem outras com as quais o poeta relaciona seu fazer poético
sempre permeado de incertezas explicitadas pela expressão “quem sabe”. A estrofe não diz o
que a sua poesia é, e sim, o que poderia ou intenta ser. Algumas imagens aproximam
realidades opostas, outras desafiam essa contradição (Antártida, Himalaia).
Ao substantivo “Andrômeda” estão associados vários significados. O primeiro deles
diz respeito à mitologia grega: Andrômeda, nesse contexto, é a personagem que foi
acorrentada a um rochedo em sacrifício. Sua libertação só ocorreu através de Perseu
matador da Medusa. Como a Andrômeda mitológica, talvez a poesia esteja à espera de um
poeta-perseu para libertá-la das amarras da referencialidade. O nome também batiza uma
planta de folhagens resistentes, própria de lugares secos e áridos, de flores e folhas de beleza
notável, sugerindo que a poesia apresenta-se como forma de resistência à dureza da realidade.
Mesmo em condições adversas (capitalismo, opressão, materialismo), a poesia sobrevive e,
subvertendo tudo isso, cria uma nova vida surpreendentemente bela. Andrômeda é, também,
uma galáxia espiral, extensa e brilhante, sugerindo uma poesia que se revisita, feita de
retornos, escrita espiralada voltada para si mesma. Para entendê-la, o leitor precisa confrontá-
31
la com seus próprios elementos, sem deixar de considerar os outros escritos do autor nos quais
sementes de poemas. É, ainda, constelação constituída por milhões de fragmentos, que
Leminski recolheu ao longo da sua trajetória poética; e, com essa coletânea, compôs sua obra.
A seguir, o poema evoca a imagem da região Antártida, continente gelado, no qual a
vida enfrenta desafios constantes, estabelecendo laços com a poesia hermética, que precisa ser
decifrada. Essa idéia é fortalecida pela referência ao Himalaia, cordilheira onde estão as
montanhas mais altas do mundo, apontando o culto à rarefação, à frieza e ao silêncio como
condição para se atingir a “palavra sentida”, sugerida no ‘ai’ dolorido do Himalaia. Portanto, é
um poema carregado de emoção, mas uma emoção condicionada a uma razão em que pensar e
sentir não se opõem. Leminski expressa, nessas imagens, o desejo de afastamento reafirmado
no poema Iceberg”: “Uma poesia ártica / claro, é isso que desejo. / Uma prática pálida...”
(LEMINSKI, 2006, p. 22). E esse desejo de fazer coabitar razão e emoção, sem que uma
suplante a outra, leva-o ao encontro do haicai, com seus “três versos de gelo” (id., ib.), exatos,
cristalinos, límpidos. Trata-se de um verdadeiro momento de iluminação em que o eu se
despede de todo o egoísmo e individualidade para deixar o momento falar por si.
São páginas carregadas do desejo de finitude, nasceu para ser última”; todavia, o
poeta sabe serem elas incompletas, incapazes de dizer tudo, pois entende que a poesia
completa “não nasceu ainda”, é página por vir, que transcende à palavra. As águas sagradas
do rio Nilo conduzem à palavra, inscrita no papiro, e ela vai cumprir seu destino histórico. Se
o nascimento da escrita foi provocado pelas necessidades surgidas nas atividades cotidianas,
como registrar o gado, a comida, dentre outros bens, e anotar o que se comprava e se vendia,
as potencialidades do invento provocaram a ampliação de seu uso, até chegar ao poema que
vai inverter o uso comum da linguagem, tornando-se a pedra sobre a qual o vidro do
entendimento cai e se fragmenta. Ao final, a poesia se aproxima da vida naquilo que ela tem
de surpreendente, inesperado, fragmentado, desordenado.
De mero registro de atividades, a escrita passou a ser a síntese do próprio homem:
através dela o ser humano categoriza o mundo que o cerca. A partir desse momento, a palavra
escrita traz em si um mistério, conforme observa José Luiz Fiorin (op. cit., p. 52 e 54):
A linguagem cria a imagem do mundo, mas é também produto social e
histórico. (...) ela cria uma visão de mundo na medida em que impõe ao
indivíduo uma certa maneira de ver a realidade, constituindo sua
consciência. (...) o discurso não reflete uma representação sensível do
mundo, mas uma categorização do mundo, ou seja, uma abstração efetuada
pela prática social.
32
Se, mesmo em sua função referencial, a linguagem tem o poder de criar uma imagem
do mundo; na função poética, esse poder se torna maior. Nela, o processo de leitura ultrapassa
a decodificação e penetra nos domínios da tradução. A tradução implica uma estreita
interação autor-texto-tradutor. Caberá ao leitor-tradutor, diante da poesia, adotar a mesma
postura do arqueólogo diante de um antigo papiro: a reconstrução do sentido global do texto.
No ato de traduzir, o leitor estará colocando em jogo todas as significações do verbo: ele vai
revelar-se, representar o que leu, deixar transparecer o que sente. Numa visão poética
semelhante à de Rimbaud, Leminski almeja uma poesia universal, que transcenda todas as
línguas e fale diretamente à essência humana. Assim, se estabeleceria tão estreita a relação
entre o leitor e o texto que este lhe diria “bom-dia”, revelando-se e aproximando-se
intimamente.
Embora almejando que a poesia seja legível e aberta ao leitor, Leminski não espera
que esse contato ocorra sem conflitos. Ela também “vai ter que ser a brusca pedra / onde
alguém deixou cair o vidro” (LEMINISK, 2006, p. 15), capaz de romper com a automatização
da linguagem, de surpreender, de mover o indivíduo, de quebrar velhos paradigmas,
exercendo seu papel de construtora de uma outra realidade. Essa pedra, como diz Marlene de
Castro Correia (2002, p. 38) acerca do poema “No meio do caminho”, de Drummond,
“proporcionou uma experiência de leitura marcada pela tensão e inquietação, permeada de
choques e surpresas”. Portanto, o impacto causado pela poesia no leitor durante o seu contato
com o texto provoca a quebra da referência, lançando-o em espaço incerto.
A idéia de movência da poesia é tão forte que torna impossível defini-la ou conceituá-
la. Tal convicção reaparece, explicitamente, no poema “Limites ao léu”, incluído no livro
póstumo La vie en close. No poema, Leminski seleciona diversos conceitos, de diferentes
autores, para a poesia. Os conceitos arrolados ora se contradizem, ora se completam. Como
bem definiu Maria Esther Maciel, ao encerrar o poema com a própria definição de poesia, “A
poesia é a liberdade de minha linguagem” (LEMINSKI, 2004, p. 10), Leminski demonstra
que
[...] ela [a poesia] se indefine ou se infinitiza na potencialidade que o poeta
tem de ser livre, de levar às últimas conseqüências ou colocar a descoberto as
próprias divisas da linguagem. Nesse sentido, as formas e fôrmas são
lançadas ao léu, em prol da liberdade do poeta no ato de criar. (MACIEL in
DICK & CALIXTO, 2004, p. 174)
Se esse poema desnuda as escolhas do autor no seu trato com a poesia, também nega
algumas de suas características, pois o poeta, que hoje é nome de uma pedreira em Curitiba, é
o mesmo das facilitações, do relaxo, da espontaneidade. A facilidade de assumir seu lado
33
malandro, marcado pela espontaneidade e pela preguiça, provavelmente, é, também,
indicadora de seu desejo de se contrapor ao racionalismo, visto que são, justamente, essas
duas características que o impedem de desenvolver sistematicamente suas idéias. Em
Caprichos e relaxos, o título do livro apresentava essa convivência. O mesmo não ocorre
em Distraídos venceremos. Nele, o autor parece querer conter seus relaxos. O poema de
abertura é, pois, uma síntese do livro e um norte para o leitor-náufrago.
Os poemas que se seguem dialogam com “Aviso aos náufragos” de maneira bastante
clara. A ele segue-se “A lei do quão”. O título faz um trocadilho com a expressão popular “a
lei do cão”, referindo-se ao período da ditadura militar no Brasil e, em especial, ao AI5. O
poema sugere que, nesse período de repressão, “a sombra máxima / pode vir da luz mínima”
(LEMINSKI, 2006, p. 16). A “luz mínima” da poesia pode ser o único espaço possível para o
exercício da liberdade. Essa coisa pequena, frágil, “inútil”, que é, ao mesmo tempo, atividade
histórica, social, cognitiva e individual, tem o poder de criar o objeto liberdade. Mesmo que a
realidade esteja impregnada de dureza, de opressão, a poesia é capaz de proporcionar a visão
inaugural de uma outra realidade. Buscando a rarefação da linguagem para dizer o máximo
com o mínimo, o poeta pretende concretizar a sua proposta de liberdade.
Já “Minifesto”, poema subseqüente, contrapõe-se à palavra “manifesto” em seu caráter
esquemático e pragmático de declaração pública das razões que justificam os atos. Do
manifesto original, guarda o tom provocatório e belicoso “ave a raiva desta noite”
(LEMINSKI, ibidem, p. 17), mas, é um manifesto pequeno, fragmentário, mínimo. O título
aparece em uma das cartas enviadas a Régis Bonvicino.
[...] esse texto q. v. chamou minifesto são apenas notas rabiscos
germes de pensamento nessas horas eu me movo para todos os
lados expludo depois trio e concentro ou não
mas gostei do teu gostar de algumas frases vai ver já estava
na hora de mais um minifesto (o 6 ainda não saiu) o 7.
(LEMINSKI in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 95)
De acordo com essa carta, elaborar minifestos é uma prática recorrente. Neles, estão
“notas, rabiscos”, ou seja, fragmentos que não justificam a sua criação nem tem a intenção de
fazê-lo. São apenas explosões, flashes, momentos de uma trajetória na qual mais dúvidas
do que certezas. O poeta tem, minimamente, uma certeza: “já nem tudo nem sei”
(LEMINSKI, 2006, p. 17).
34
O livro tem como poema-prefácio “Transmatéria contrasenso”, no qual o poeta revela
uma “certeza” acerca de seu momento poético, mas é uma certeza permeada de dúvidas
explicitada no verbo “arriscar”: “[...] arrisco crer ter atingido um horizonte longamente
almejado: a abolição (não da realidade, evidentemente) de referência através da rarefação”
(LEMINSKI, ibidem, p. 8).
Esse desejo de afastamento da referência está diretamente relacionado à idéia de
romper com lógica cartesiana, visto que o pensamento ocidental, historicamente, defende o
conceito de que as palavras nascem atreladas aos referentes.
É essa concepção ocidental de linguagem que a poesia de Leminski propõe-se a
combater. Provavelmente, o pensamento ocidental, quanto às características da língua,
remonta à sua origem, visto que o sistema alfabético foi criado para suprir a necessidade dos
fenícios de registrar o que compravam ou vendiam, ou seja, a língua nasceu como um sistema
de etiquetas para as atividades cotidianas. Embora as línguas orientais também tenham
surgido para registrar o gado, a comida e outros bens; os pictogramas, gradualmente,
tornaram-se mais abstratos, representando idéias. (JEAN, 2002)
Enquanto os pictogramas tornaram-se os ideogramas chineses/japoneses e mantiveram
certo afastamento da referência, os sinais fenícios, em contato com gregos e romanos, criaram
a escrita alfabética, guardando uma estreita relação com a referência a partir dos sons da fala.
Apesar desse histórico, desde a distinção feita por Jakobson acerca das funções da
linguagem, cristalizou-se a idéia de que a poesia pertence a uma função específica da
linguagem: a função poética, que tem como característica maior a não-referencialidade.
Atualmente, os estudos da Análise do Discurso (cf. CHARAUDEAU, 1995) e Lingüística
Textual (cf. KOCH, 2006) têm demonstrado que a linguagem, mesmo em sua função
referencial, não é um sistema de representação do mundo real, mas um espaço de interação e
construção de sentido.
Mesmo sabendo que, em todas as funções da linguagem, um certo afastamento da
referência, devido, dentre outros fatores, a escolhas feitas pelo emissor entre uma
multiplicidade de formas de caracterizar o referente, esses estudos recentes revelam que a
poesia, por suas próprias características de texto conotativo, é a função da linguagem mais
distante da referência.
Vim pelo caminho difícil,
a linha que nunca termina,
a linha bate na pedra,
a palavra quebra uma esquina,
35
mínima linha vazia,
a linha, uma vida inteira,
palavra, palavra minha.
(Leminski, 2006, p. 18)
Leminski, nesse poema, admite que seu “caminho é difícil” porque o poeta trabalha
com a palavra objeto acabado, mas cheio de potencialidades semânticas, dependendo da
interligação realizada pelo poeta entre os elementos textuais. Por isso, busca afastar-se da
visão ocidental de linguagem e construir um mundo textual, em que os objetos-de-discurso
sejam, dentro do possível, desligados de seus referentes extralingüísticos, para que seja criada
uma teia significativa contextual. Fica claro que o afastamento da referência a que o poeta
alude no texto, à guisa de prefácio, é o processo nomeado de desreferencialização.
[...] a linguagem com seus mecanismos de construção e desconstrução
converteu-se para grande parte dos poetas modernos, no cerne da experiência
poética e passou a ser compreendida enquanto um universo múltiplo e
autônomo: a poesia foi submetida a um processo de desreferencialização e
assumiu a tarefa de se autodizer, rompendo, assim, com a idéia de literatura
como representação da realidade. (MACIEL, 1999, p. 21-2)
Sabendo que o trabalho poético é uma constante tensão entre o poético e o referencial,
o poeta debate-se com a carga de referencialidade que a palavra traz e da qual, muitas
vezes, não consegue se desfazer: “[...] o idioma é um fato acabado. Quando você nasce,
nasce no interior de uma determinada língua. A língua é uma fatalidade, como você ter
nascido homem, mulher ou corcunda” (LEMINSKI apud ASSUNÇÃO).
Se o idioma é “um fato acabado”, a poesia é “a linha que nunca termina”. O idioma,
mesmo em suas sutilezas, requer a objetividade, a razão. A poesia quer transcender o
significado, abrir-se à multiplicidade, ser “vice e ser versa”: “O normal da linguagem é a
função referencial. E ela se voltar sobre si mesma, como no caso da poesia, é uma espécie de
hipertrofia.” (id., ib.).
A preocupação em distanciar-se da referência é o principal conflito que vive o poeta.
Afinal, a linguagem é composta por signos arbitrários que tanto servem para descrever
referentes quanto para recriá-los e sugerir implícitos abertos à explicação, à liberdade. Seus
limites são difusos e tendem a se tornar um ponto infinito. O fazer poético no trajeto do
escritor é cheio de tensão e inquietação, de impactos sofridos, porque “a linha bate na pedra /
a palavra quebra uma esquina” (LEMINSKI, 2006, p. 18).
Manejar a palavra consiste em um desafio: enfrentar seu desgaste, sua
referencialidade, sua objetividade subjetiva. Nesse conflito, vive o poeta, por não poder fugir
36
do fato de que “a experiência poética é irredutível à palavra e, não obstante, a palavra a
exprime” (PAZ, op. cit., p. 48).
Diante do paradoxo inerente à poesia, talvez lhe reste o silêncio, o vazio, “a linha
mínima vazia” (LEMINSKI, ibidem, p. 18), porém, ele não consegue se calar porque “a linha
uma vida inteira / palavra, palavra minha” (id., ib.). A palavra é o destino ao qual não pode,
ou não quer, resistir. Assim, lemos, na carta 10, escrita em outubro de 1977:
Fazer poemas não é a coisa mais importante
mas para quem faz é
e tem que ser assim
o signo é nosso destino
nossa desgraça e nossa glória.
(LEMINSKI in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 53)
É na e pela palavra que o poeta vive, o importando se é uma vida de desgraça ou de
glória. Ao pensar a poesia, Leminski apresenta as escolhas que fez para tentar atingir seu
objetivo poético e desnuda, na primeira seção, suas dúvidas, seus caprichos e relaxos, ou seja,
sua ambigüidade. Essa dualidade aparece em “Administério”, marcada pelo contraponto entre
sábado e domingo, “Quando o mistério chegar, / vai me encontrar dormindo, / metade
dando pro sábado, / outra metade, domingo” (LEMINSKI, 2006, p. 19). O poema acentua as
contradições do poeta em seu desejo de administrar esse mistério que se assemelha à morte: é
final, é passagem, é transformação? Mesmo estando dividido, não é uma divisão exata, porque
o contraponto entre sábado e domingo é pouco definido, uma vez que o domingo pode ser o
início ou o fim da semana e o sábado pode ser dia de descanso ou de trabalho.
“O nimo do máximo” revela a existência da aglutinação de sentidos da poesia
japonesa “apenas o mínimo / em matéria de máximo” (id., ib., p. 26). E em “Por um lindésimo
de segundo”, mostra a tensão da poesia leminskiana “tudo em mim / anda a mil / tudo assim /
tudo por um fio” (id., ib., p. 22). Essa tensão explica a rapidez de sua escrita, e o tratamento
coloquial é justificado como uma forma de recriar, utilizando o vocabulário de seu tempo.
Em “Distâncias mínimas”, ele evoca que sua poesia é “um texto morcego / se guia por
ecos” (id., ib., p. 20). Semelhante à enxurrada do Nilo, é um texto repleto de ecos históricos.
Carrega a história de outros textos. Nele, uma releitura de estratos concretistas na
construção do poema e uma releitura da poesia marginal no jogo de palavras, revelando que o
poeta, mesmo tendo aprendido as lições do concretismo quanto às práticas da elaboração
formal do poema, não dispensou os acasos cotidianos, o não-compromisso. Do mesmo modo,
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as facilitações, a cultura pop, a comunicação e o espontaneísmo em sua criação poética não
recusam a materialidade da palavra.
É curioso que um poeta que deseja desestabilizar a razão cartesiana tenha se
aproximado da poesia concreta; contudo, o próprio Leminski esclarece esse ponto, quando
provocado em uma entrevista para a Folha de São Paulo em 4 de dezembro de 1985:
“Vanguarda”, pra mim, poeta, claro, era tudo aquilo, práticas, teorias,
derivado da explosão da poesia concreta paulista, em meados dos anos 50, e
vanguardas subseqüentes. Não imaginem que eu gostava era do lado
racionalista daquela tendência. Que me perdoem os rene descartes e os le
corbusier, mas o que sempre gostei na coisa concreta foi a loucura que
aquilo representava, a ampliação dos espaços da imaginação e das
possibilidades de novo dizer, de novo sentir, de novo e mais expressar. Se
gostasse de razão, eu tinha feito curso de contabilidade. O que eu gostava,
gosto e gostarei era o caráter de “explosão” que aquela coisa toda tinha sido.
A institucionalização da “explosão” como vanguarda explícita e sistemática
sempre me agradou menos. Detesto obrigações. (LEMINSKI in LEMINSKI
& BONVICINO, 1999, p. 24)
Sentindo-se desobrigado de seguir qualquer tendência rigorosamente, o “cachorro
louco” ensaia livremente, incorporando, transformando ou descartando procedimentos
poéticos, para encontrar uma saída pessoal diante dos problemas teóricos levantados pelo
movimento concretista e por sua experiência poética. O principal deles centra-se no fato de
que os concretistas brasileiros almejavam uma poesia concomitantemente transparente e
opaca. O poema deveria ser transparente na medida em que comungasse com os processos de
comunicação de sua época, ou seja, deveria utilizar uma linguagem rápida, condensada e
direta para atingir o público leitor. E deveria ser opaco ao privilegiar mais o significante, a
materialidade da palavra, do que o significado, inovando na forma e provocando estranheza e
perplexidade no leitor. Paulo Franchetti (1992, p. 72) observa que esse problema teórico
ocorreu porque a poesia concreta tentou “eruditizar” a comunicação de massa.
Percebendo essa contradição, Leminski buscou uma saída. Afastou-se do Concretismo
quando adotou um tom humorístico, provocador e descontraído, manteve a rima e não despiu
suas obras de lirismo e, até mesmo, de sentimentalismo.
amor, esse sufoco,
agora há pouco era muito,
agora, apenas um sopro
ah, troço de louco,
corações trocando rosas,
e socos
(Leminski, 2006, p. 46)
38
Nesse poema, a rima “sufoco/sopro” é utilizada para sugerir dois momentos da
respiração associados ao amor: a intensidade no início e a debilidade no fim do romance.
Além disso, as aliterações de “sufoco”, “sopro”, “socos” indicam que não estabilidade na
manifestação amorosa. Corroboram com essa idéia as terminações de “muito”, “pouco”,
“sufoco”, “louco”, “socos”. Partindo da semelhança fônica e do campo semântico dessas
palavras, o poeta sugere que, no amor, assim como na língua, nem tudo que parece é.
Da poesia concreta, preservou, no entanto, o conceito de síntese. Com o poema
Icebergreafirma “uma poesia ártica / claro, é isso que desejo / Uma prática pálida, / três
versos de gelo” (LEMINSKI, 2006, p. 22). O desejo de afastamento torna-se explícito,
representado pela frieza e palidez do gelo o que o conduz até o haicai com seu
minimalismo, verdadeiro momento de iluminação, “um piscar do espírito” (id., ib.), em que o
eu se despe de todo egoísmo e individualidade para deixar o momento falar por si. O poeta
torna-se um meio condutor do momento, mantendo-se em um estado de consciência-
inconsciência, em perfeita interação homem-natureza. Ao anular o eu e destruir os limites
existentes entre os seres, ocorre a transformação de tudo em um fluxo contínuo, conforme
pregam os princípios zen-budistas.
Apesar de desejar uma “lira nula”, o silêncio, o apagamento, surge, subitamente, o
verso “mas falo”, que se liga aos versos anteriores através da conjunção, introduzindo a
contradição do poeta: desejando calar-se, apagar-se, diluir-se, fundir-se ao todo; o poeta fala.
Sem conseguir evitar, seu discurso está sempre presente, seja como nuvens (diáfamas e leves),
seja como enxame (denso e pesado).
A seção denominada índice indica, portanto, os caminhos que a poética leminskiana
tem procurado seguir. Paradoxalmente, a seção que apresenta a determinação de atingir uma
“lira nula” reduzida ao “puro mínimo” (id., ib., p. 22) contém os poemas mais longos do livro.
O fato se justifica porque a rarefação a que se refere Leminski não está relacionada à extensão
do poema. A partir de Distraídos venceremos, o conceito de rarefação está ligado à contenção
da subjetividade, à tentativa de anulação da realidade a partir da linguagem. O poeta tenta
desaparecer por meio da construção, seja ela curta ou longa.
Essa primeira parte do livro funciona como referência na qual o leitor pode se fixar
para guiar a leitura da obra. Nela, estão contidas as várias vertentes que convivem na poesia
do poeta curitibano. Enquanto o desejo de afastamento da referência dialoga com a poética
proposta, entre outros, por Mallarmé, no que diz respeito ao centramento no significante,
envolvendo a materialidade da palavra; o registro automático da experiência vivida relaciona-
39
se à poesia marginal, e a interação com a natureza mantém estreito contato com a poesia
japonesa.
Exercitando uma diversidade de práticas, Leminski deixa clara a necessidade de não
estar preso a nenhuma delas. Afirma ser fundamental dissolver os limites para transcender a
limitação imposta pela linguagem usual e pelo pensamento linear e científico do ocidente, que
trata a natureza e o próprio homem como máquinas a serviço de uma produtividade. Assim,
todas as vertentes se fundem, e, a partir dessa união, o poeta alarga as possibilidades de cada
uma delas, sem o menor compromisso em manter-se dentro de limites restritos, sejam eles
impostos pelo concretismo, pela cultura de massa, pela contracultura ou pela estética japonesa
clássica.
Além disso, os poemas da parte índice também explicitam a presença do outro na
poesia de Leminski. O autor assume ter sido alimentado pela confluência de vozes que
cruzaram seu caminho, sem nunca deixar de lembrar-nos de que o poeta é, antes de tudo, um
leitor: revela, com precisão, a clara percepção de que o diálogo com o outro lança-o para esse
dito, mas sempre por dizer, uma vez que a poesia é “lugar onde se faz / o que foi feito, /
branco da página, / soma de todos os textos (id., ib., p. 29).
Na aproximação com o discurso do outro, vê a sua incapacidade de lidar ou de superar
o texto alheio. Sua criação é apenas espelho do diálogo intertextual. Ao traçar uma
consideração sobre seu próprio trabalho, evidencia o processo de releitura, sobretudo dos
poetas que o agradam, admitindo: “Eu palavra / não passava de um pastiche” (id., ib., p. 47).
Também é possível vislumbrar a opção de Leminski por viver de e para a poesia, ainda
que esse conceito, para ele, seja amplo e não excludente. Seu projeto de palavra poética tem
uma ambição multimídia: cinema, música popular, cartum, artes plásticas, televisão. Todas
essas linguagens, entretanto, convergem para o poema, realizam contínuos cotejos com ele,
numa atitude vivencial totalmente voltada para a poesia.
assim
fundo e me afundo
de todos os náufragos
náugrafo
o náufrago
mais
profundo
(Leminski, 2006, p. 43)
40
A poesia que o fundou desde os tempos de menino (aos 8 anos escreveu seu primeiro
poema, segundo seu biógrafo Toninho Vaz) é o espaço em que ele afunda ora em erros, ora
em acertos.
A segunda parte de Distraídos venceremos, “Ais ou menos”, está associada ao signo
ícone. Utilizando a conceituação teórica de Peirce, segundo a qual o ícone é uma imagem
caracterizada por uma associação de semelhança entre o objeto e a imagem, quer se trate de
coisa real ou inexistente, Leminski delineia a sua própria imagem reportando-nos à
proposição de Octávio Paz (op. cit., p. 56):
A desconfiança dos Estados e das Igrejas diante da poesia não nasce apenas
do natural imperialismo destes poderes: a própria índole do dizer poético
provoca o receio. Não é tanto aquilo que o poeta diz, mas o que vai implícito
em seu dizer, sua dualidade íntima e irredutível, o que outorga às suas
palavras um gosto de liberação. A freqüente acusação que se faz aos poetas
de serem aéreos, distraídos, ausentes, nunca totalmente deste mundo, provém
do caráter de seu dizer.
O poeta operador da linguagem combina as palavras, promovendo uma percepção
inaugural do mundo que o cerca e criando uma nova ordem. Torna-se ícone de
desajustamento ou marginalização do contexto social.
O poema de abertura “Ai ou menos (oração pela descrença)” serve como título da
seção do livro. Ele tem um tom de desalento, que está presente em vários poemas desse
segmento, como “Como pode?” e “O atraso pontual”.
Senhor,
peço poderes sobre o sono,
esse sol em que me ponho
a sofrer meus ais ou menos,
sombra, quem sabe, dentro de um sonho.
Quero forças para o salto
do abismo onde me encontro
ao hiato onde me falto.
Por dentro de mim, a pedra,
e, aos pés da pedra,
essa sombra, pedra que se esfalfa.
Pedra, letra, estrela à solta,
sim, quero viver sem fé,
levar a vida que falta
sem nunca sabe quem é.
(Leminski, 2006, p. 67).
O poeta escreve em um tom evocatório, marcado pelo destaque dado à palavra
“senhor”. Ele evoca algo superior, colocando-se em uma posição de humildade; contudo, ele
41
ora pela descrença, vislumbrando, em si mesmo, certa inércia ou aproximação da morte física,
aliada à morte da utopia na sociedade brasileira. Por isso, ele pede “poderes sobre o sono”,
que o sono está associado ao espaço ideal para o sonho, e o poeta não quer mais sonhar. Ele,
poeta, tornou-se “a sombra dentro de um sonho” de felicidade da sociedade. Na polissemia da
palavra, os principais cleos semânticos estão alinhavados na figura do poeta. Ele é a parte
escura da sociedade. Sua existência, inteiramente dedicada às palavras, contrapõe-se ao
triunfo do chamado capitalismo de mercado, que passou a controlar praticamente todos os
setores da vida contemporânea. Nessa vida mercantilizada e artificial, a arte poética é um
defeito, uma anomalia. Descrente da validade de sua palavra poética, deseja afastar-se do
abismo que ela representa, por seu caráter insondável, mesmo que seja para lançar-se em um
espaço vazio de si mesmo.
Se os primeiros versos são uma súplica, ela é interrompida para que o poeta faça uma
análise de seus sentimentos, constatando-se abatido e desiludido pela morte da utopia, “por
dentro de mim, a pedra”. Aos pés da poesia, “brusca pedra” (id., ib., p. 15), o poeta
enfraquece e reafirma a sua oração pela descrença, dizendo que, seja qual for a sua natureza –
pedra, letra ou estrela –, não deseja conhecê-la.
Se, como diz George Steiner, “onde cessa a palavra do poeta começa uma
grande luz”, foi, seduzidos por esse clarão, que poetas como Mallarmé
optaram pela atomização da sintaxe e pela valorização do espaço em branco
da página, lugar onde o não-lugar da palavra se revela. Daí não restar ao
poeta crítico, consciente desse ponto extremo de silêncio a que chegou a sua
busca de lucidez, senão o vislumbre do abismo. (MACIEL, 1999, p. 24)
Embora o poema de abertura aponte para um desencanto do poeta, há, nessa mesma
seção, poemas que contradizem essa tendência e fazem uma veemente defesa do seu ofício:
sem qualquer questionamento acerca de sua validade, ele retorna ao conceito de “inutensílio”
fundamental.
Razão de ser
Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
e as estrelas lá no céu
lembram folhas de papel,
quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
42
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?
(Leminski, 2006, p. 80)
Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, em 1986, ratifica sua posição diante da
poesia:
Eu faço poesia como a aranha faz a teia. Não tem por quê. Estou além do
porquê. É o resto da minha vida que tem que se explicar em relação a isso.
Esse é o resultado do meu viver. A minha poesia para mim, é uma atividade
intransitiva. Como pular o carnaval. Não se pode pular o carnaval para
alguma coisa. Simplesmente pula-se ou não. (LEMINSKI apud
ASSUNÇÃO)
Tanto o poema quanto o trecho da entrevista tem um caráter defensivo e definitivo.
Sabendo-se criador de um produto “inútilpara a lógica do mercado, não procura justificar a
existência de sua atividade. A poesia é, pois, própria das coisas para serem desfrutadas, prazer
em si mesmo. Nela, existe um repúdio à mercantilização, indispensável a sua condição de
objeto não produzido para o mercado.
Contradizendo o poema “Ais ou menos”, “Diversonagens suspersas” apresenta o poeta
como um ser marcado pela poesia desde o nascimento. No entanto, esse “destino” não o
assombra, tampouco há a intenção de tentar se libertar dele. Orgulhosamente, o poeta assume
seu ofício.
Meu verso, temo, vem de berço.
Não versejo porque eu quero,
versejo quando converso
e converso por conversar.
Pra que sirvo senão pra isto,
pra ser vinte e pra ser visto,
pra ser versa e pra ser vice,
pra ser a super-superfície
onde o verso vem ser mais?
(Leminski, 2006, p. 83)
Enquanto “Ais ou menos” surge como uma “oração pela descrença”, “Diversonagens
suspersas” propõe um questionamento sobre o sentido de ser poeta e faz uma exaltação à
poesia. Ao sobrepor as palavras, realiza uma amálgama de diversas-personagens-suspensas-
diversas, que confirma sua dispersão e divergência. Embora saiba que está
pervertendo/subvertendo a língua pátria, ele tem na poesia. A oração agora é: “não permita
Deus que eu perca / meu jeito de versejar” versos que fazem uma releitura de Gonçalves
43
Dias (“Não permita Deus que eu morra, / sem que eu volte para lá”), apontando para a
condição de exílio da poesia na sociedade industrial. Mas é um exílio voluntário, do qual o
poeta não quer sair porque acredita no fazer poético.
Sabendo-se criador de um produto “inútil” para a lógica do mercado, o autor não deixa
de se inserir na sociedade nem se furta de utilizar a tecnologia ou os recursos da publicidade
na produção de seus textos. Não se vê, como Baudelaire, alguém condenado à exclusão. Ao
contrário, percebe-se parte dessa grande engrenagem, mesmo em seu exílio.
A Leminski, aplica-se o que Maria Esther Maciel (op. cit., p. 43) afirma sobre os
poetas modernos:
Se, por um lado, eles buscaram reforçar o caráter autônomo da poesia diante
da realidade, através da ênfase na desreferencialização e na auto-
reflexividade da linguagem poética, por outro passaram a incorporar de
maneira mais efetiva no trabalho com a palavra os recursos que as
tecnologias do tempo ofereciam, abrindo a criação poética ao influxo de
outras artes.
Com a multiplicação das linguagens humanas, novos meios de disseminação foram
criados, e esse poder da mídia provoca, em Leminski, como provocara em Baudelaire, os
avanços da modernidade, um misto de fascínio e repúdio. O fascínio advém das possibilidades
trazidas pelos avanços tecnológicos e do poder de penetração dos meios de comunicação de
massa, junto ao povo. Por isso, ele incorporou, especialmente, estratégias e linguagens dos
meios de comunicação de massa e aderiu ao avanço tecnológico do vídeo-texto. A poesia
leminskiana tinha, em si, qualidades que se coadunavam com o novo meio: a concisão, o
movimento, as imagens. E o vídeo-texto, antecessor dos recursos da informática, hoje ao
alcance de todos via Internet, passa a exercer fascinação sobre o poeta devido ao poder de
criar, iconicamente, aquilo presente na fixez do papel. Ou seja, fazer as palavras saírem de sua
imobilidade. Fascinado pela semiótica, ciência da linguagem forjada num ambiente urbano
repleto de signos, via, nos novos tempos e nos novos suportes, a possibilidade de conjugar
elementos da poesia a elementos de outras artes. Essa atitude deve-se à amplitude de seu
conceito de linguagem e permitiu, dentre outras coisas, o recebimento de influências advindas
da publicidade, do desenho e da música.
As facilitações provocadas pelo coloquialismo, pelos trocadilhos e pelos neologismos
criaram poemas quase slogans, visando ao leitor médio. Entretanto, ao ver muitas práticas de
vanguarda serem absorvidas pela mídia e a conseqüente banalização e o esvaziamento
44
estéticos dessa prática, surgiu, no poeta, uma rejeição à sociedade de consumo, por ela tornar
a arte pausterizada e uniforme, produto para ser oferecido ao público.
A aproximação com o maior ícone da sociedade de consumo – a publicidade –, mesmo
sendo para penetrar no “terreno inimigo” (LEMINSKI in LEMINSKI & BONVICINO, 1999,
p. 47) e utilizar as mesmas armas que ele, parece ter custado caro ao poeta: “Livros de vidro, /
discos, issos, aquilos, coisas que eu vendo a metro / eles me compram aos quilos”
(LEMINSKI, 2006, p. 37). A batalha parece ter sido perdida porque visando a um texto denso
e profundo no qual o domínio da palavra transcendesse as misérias do cotidiano, o poeta tem a
sensação de ter se permitido concessões demais e de ter capitulado diante da lógica capitalista.
Se assim for, ele prefere rever suas escolhas e continuar relegado à margem, porque
compreende que esse é o seu lugar de direito.
Marginal é que escreve à margem,
deixando branca a página
para que a paisagem passe
e deixe tudo claro à sua passagem.
Marginal, escrever na entrelinha,
sem nunca saber direito
quem veio primeiro,
o ovo ou a galinha.
(Leminski, 2006, p. 70)
Desse ponto, local privilegiado, pode lançar sobre a realidade um olhar diferente,
empenhar-se em inventar sua própria dicção e ver seu rosto. Sabe que ser “marginal” é sua
“razão de ser” e admite que alcançar o sucesso, ser popular, pode significar estar fora do seu
lugar e compartilhar da lógica da sociedade capitalista. Por isso, a imagem de si mesmo surge
permeada da culpa por ter se permitido a popularidade, o sucesso. Disfarçado em ironia, surge
o descontentamento: “Diverso o sucesso, / basta-lhe um verso / para essa desgraça / que se
chama dar certo” (LEMINSKI, op. cit., p. 95).
Se o mercado, ao converter de forma inflexível e impessoal todo e qualquer
objeto simbólico em bem de consumo, dando-se o poder de controlar gostos,
consciência e desejos, pode-se dizer que a poesia, sobretudo a que destoa da
lógica cultural predominante, transforma-se, sob essa égide, em arte cada vez
mais minoritária no campo geral das trocas culturais do presente. (MACIEL,
op. cit., p. 45)
Leminski pretende que sua poesia tenha um efeito transgressor, sem afastá-la do
público. De um lado, há o desejo de fazer uma poesia que falasse a linguagem do maior
45
número possível de pessoas; do outro, o desejo de afastamento da referencialidade e de
trabalhar a materialidade da palavra, transgredindo seu uso cotidiano. Dessa contradição, vive
a poesia leminskiana e ela é expressa no poema “Poesia: 1970”:
Tudo o que eu faço
alguém em mim que eu desprezo
sempre acha o máximo.
Mal rabisco,
não dá mais pra mudar nada.
Já é um clássico.
(Leminski, 2006, p. 97)
Sua autocrítica revela a angústia de ter se vinculado ao mercado, de ter se deixado
influenciar pelas inclinações do seu tempo. Na ruptura de limites, que sempre procurou, entre
legível e ilegível, desreferenciação e comunicação, o poeta avalia que talvez, em maior ou
menor intensidade, ao longo da carreira, tenha caído no lugar comum, na banalização, e se
despreza por isso.
A aproximação com a MPB, saindo do que chamou “alta literatura” para as canções,
fez com que seus poemas ganhassem uma expressão mais direta, e a melopéia passou a
predominar. Acreditando que “Uma canção de Caetano ou uma ópera de Arrigo Barnabé não
são, necessariamente, melhores que uma canção de Ismael Silva ou de Dolores Duran”
(LEMINSKI in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 24) e que a música é uma forma de arte
tão válida quanto qualquer outra, defendeu a idéia de que, na arte, não existe o conceito de
evolução como na tecnologia. Existe uma qualidade impalpável em toda forma de arte, seja
ela nova ou antiga, erudita ou popular, que a massificação ameaça. Ciente disso, reflete se não
está também sendo massificado.
As reflexões de Leminski acerca da poesia representam um mote de Distraídos
venceremos. Entre os 80 poemas que compõem as duas primeiras partes do livro, 38 são
metapoemas. Nestes e em outros poemas, as interrogações são freqüentes.
Desse ícone, que é a imagem do poeta, um ser em constante luta consigo mesmo por
perceber-se fora do lugar, estando à margem ou inserido na sociedade burguesa, o livro
caminha para a última seção denominada Símbolo, “Kawa Cauim: desarranjos florais”. É
nessa parte do livro que estão reunidos os haicais de Distraídos venceremos. O poema de
origem japonesa é o símbolo do pensamento poético de Leminski no que ele tem de síntese e
força. “O idiograma de Kawa, rio, em japonês, pictograma de um fluxo de água corrente,
46
sempre me pareceu representar (na vertical) o esquema do haicai; o sangue de três versos
escorrendo na parede da página...” (LEMINSKI, op. cit., p. 101).
Ao explicar a utilização do ideograma de rio na abertura da seção, justificada pelo
desconhecimento do leitor do idioma japonês, o poeta recorre a um símbolo largamente
presente na cultura ocidental: o sangue. Ele representa vida e morte. É, ao mesmo tempo,
nutridor e purificador do corpo. Sangue é a síntese (símbolo) da vida, assim como o haicai o é
do seu desejo de exatidão e leveza. Todavia, ele é símbolo também de um outro estilo de vida,
de uma outra visão do mundo, uma outra sensibilidade. Essa outra forma de sentir associa
sentimento e pensamento e acaba transcendendo ambos, sem que se excluam. Razão e emoção
interpenetram-se sem se misturar, conforme o princípio zen, no qual se busca o equilíbrio
entre opostos. Isso fica explícito no estilo de vida dos samurais: de um lado voltado para o
exterior, para a guerra; do outro, os rituais voltados para a vida privada, como a Cerimônia do
Chá e a elaboração de arranjos florais. Envolvendo essa vida interior está a meditação zen.
Essa vertente estética que associa diversão e meditação chama-se furyu. A expressão significa
diversão elegante, mas, alerta Octávio Paz (op. cit.), que essas palavras, na cultura japonesa,
têm um sentido diferente daquele que denota no ocidente. No Japão, elas remetem ao
recolhimento, à solidão, à intimidade e à renúncia. Do mesmo modo, a decoração floral
(ikebama) símbolo do furyu, cujo arquétipo ocidental é de adorno simétrico, rico, suntuoso,
colorido e elegante –, também não remete a esses conceitos. Ao contrário, ikebama tem a
qualidade furyu dos objetos imperfeitos e frágeis devido a sua pobreza, simplicidade e
irregularidade.
A elaboração de arranjos florais é um verdadeiro ritual que mistura diversão e
meditação. Os haicais de Leminski, porém, são “desarranjos florais”, justificando o fato de
que a seção não se compõe de haicais formalmente perfeitos, porque tradicionalmente, o
haicai tem como forma fixa três versos de 5-7-5 sílabas. E Leminski, mesmo quando mantém
os três versos, nunca obedece à estrutura tradicional das sílabas. Embora os poemas
preservem a fragilidade e a imperfeição, também não podem representar a verdadeira
qualidade furyu, pois há neles, como denota a palavra “desarranjo” em português, certa
desordem, confusão. Não têm a elegância do ikebama, porém são florais. Os haicais
leminskianos são poemas-flores colhidos no cotidiano e reunidos, desordenadamente, para ser
um obstáculo na leitura ou para ser uma pequena surpresa.
Conforme observa Octávio Paz, o haicai, em sua indeterminação, nos convida a
pensar e a sentir. Oferece-se a nossa imaginação devido a seu voluntário inacabamento. “Seu
47
verdadeiro nome é consciência da fragilidade e precariedade da existência...” (PAZ, op. cit., p.
172)
O haicai recusa uma comunicação imediata e transparente e nos lança para o silêncio,
o não-dito, o incompleto, o fragmentário. Mas, segundo Maurice Blanchot (2001), foi o
pensamento aristotélico que nos legou a concepção de que a linguagem deve ter a
característica de continuidade, de linearidade, de pensamento, principalmente, a linguagem da
filosofia. No entanto, a linguagem aristotélica que conhecemos não é contínua, ela é a reunião
de preleções proferidas por Aristóteles, colhidas de notas de cadernos e de seus discípulos.
Portanto, a continuidade total talvez seja ilusória; afinal, é justamente a interrupção o espaço
no qual a comunidade se faz. A palavra precisa ser interrompida para que o direito à voz passe
de um sujeito para outro. Mesmo que haja contestação da fala do outro, é o intervalo que
promove a interação humana pela palavra. O haicai presentifica esse intervalo e abre-se à voz
do outro. Logo, sua descontinuidade garante a continuidade do entendimento.
O haicai, em sua fragmentação, exatidão e leveza, em seu sóbrio e simples rigor,
oferece-nos o presente imediato, mas é um presente que não se esgota em sim mesmo.
Usando-o como referência para sua poesia, Leminski procura libertar a palavra da obrigação
da continuidade e da coerência. Ela deixa de estar a serviço de uma lógica cartesiano-
aristotélica para, livremente, interromper-se e deixar tudo ao redor ganhar voz.
Escrever, a exigência de escrever: não mais a escrita que sempre se pôs (por
uma necessidade evitável) a serviço da palavra ou do pensamento dito
idealista, ou seja, moralizante, mas a escrita que, por sua força própria
lentamente liberada (força aleatória de ausência), parece consagrar-se apenas
a si mesma, permanecendo sem identidade e, pouco a pouco, libera
possibilidades totalmente diferentes, um jeito anônimo, distraído, diferido e
disperso de estar em relação, um jeito por intermédio do qual tudo é
questionado [...]. (BLANCHOT, op. cit., p. 8)
Apostando nessa distração atenta, Leminski constrói sua identidade, unindo
fragmentos de diversas correntes filosóficas; contesta verdades totalizantes, apresentando a
sua visão do mundo: um grande texto que é fundado através da linguagem. Se tudo é um
signo, tudo pode ser lido. Nessa perspectiva, ao tentar dizer o máximo possível acerca desse
mundo, a palavra poética é privilegiada porque comporta infinitas significações, mesmo
sabendo que o significado total é inalcançável.
Reunindo, em Distraídos venceremos, os conceitos de índice, ícone e símbolo,
Leminski demonstra que sua maior aposta é o trabalho com o signo em sua plenitude. Por
48
isso, o livro é um grande signo e, como tal, deve ser compreendido em relação com outros
signos.
49
3. O MÁXIMO DO MÍNIMO
Nos antigos se a letra perfeita e acabada de
toda a poesia, nos modernos se pressente o
espírito em devir.
Schlegel
Na obra de Paulo Leminski, leveza, rapidez e exatidão propostas apresentadas por
Calvino para a literatura do terceiro milênio – estão intimamente entrelaçadas. Esses conceitos
estão presentes na sua escrita quando ocorre o afastamento da referência, a contemplação dos
pequenos milagres cotidianos, a rarefação da linguagem. Mas, também, fazem parte de uma
forma orientalizada de ver o mundo, baseada na filosofia zen budista.
Motivado pela prática do judô, Leminski começou a estudar japonês, ainda nos anos
sessenta. O esporte e o idioma promovem os primeiros contatos com a literatura japonesa.
Desse mergulho na cultura, nasce a admiração pela iluminação repentina conceito zen-
budista denominado satori –, e ele descobre a técnica do haicai: pequeno poema que surge da
contemplação e do registro de um momento de iluminação profunda, no qual o sujeito se dilui
para dar lugar à descrição pura e simples. Todo esse fascínio faz com que o haicai ganhe
força na formação poética de Leminski, e ele busque, no estudo da plasticidade do poema
japonês, a exatidão que a nossa escrita alfabética não consegue atingir. Diante de um texto
escrito num idioma que mistura ideogramas com silabário, a saída para tentar executá-lo em
português foi “lançar mão dos recursos da poesia dita de ‘vanguarda’: especializações, cores,
tipias, grafias, ‘maneirismos’, tais como a tradição literária do Ocidente os concebe.”
(LEMINSKI, 1990b, p. 89).
O haicai traz, em si, a estética da cultura japonesa: o minimalismo, que sempre
agradara ao poeta. Ao descobrir a técnica de composição japonesa, Leminski se apossa dela
para explorar novas formas, fazendo o que Leila Perrone-Moisés afirmou ser, segundo Roland
Barthes, a função tática do haicai:
[...] limpar o terreno de modo que os caminhos possam se abrir. [...] O haicai
consegue a façanha de dizer a pura constatação, sem nenhuma vibração de
arrogância, de sentido, de ideologia [...]. O que diz o haicai é um momento
intensamente vivido por alguém”, mas fixado em linguagem sem o peso do
sujeito psicológico do Ocidente. (PERRONE-MOISÉS, 1980, p. 92)
50
Assim, Leminski leitor de Barthes compreende o haicai como um texto
purificador.
Ele também compartilha da visão barthesiana de que o haicai não é apenas um poema
descritivo, embora a descrição faça parte integrante dele. Nele, existe um sujeito apagado na
linguagem em estado de contemplação, buscando a harmonia interior, a paz, o descanso de
um mundo frenético. É um momento de afastamento de si mesmo, de purificação para
encontrar o sentido perdido. O poeta explicita essa visão em Anseios crípticos, quando afirma
que o haicai é uma forma de “captar um mundo objetivo e exterior no qual o eu está quase
sempre ausente, elidido(Leminski, 1986, p. 98). Ele é, sobretudo, o momento em que o eu
suspende o egoísmo da subjetividade e se funde com a coisa observada, para permitir que a
realidade se transforme em significado. Para o autor, o haicai valoriza o fragmentário e o
insignificante, o aparentemente banal e o casual. Através dele, o poeta procura extrair o
máximo de significado do mínimo de material.
Alice Ruiz (apud VERÇOSA), baseada nos estudos de Reginald Horace Blyth, diz que
se destacam, no haicai, as seguintes características: a ausência do eu, a não moralidade, a
solidão, a grata aceitação, a predominância de substantivos e a contradição influência do
espírito zen.
noite sem sono
o cachorro late
um sonho sem dono
(Leminski, 2006, p. 115)
Seguindo a descrição feita por Blyth (apud RUIZ apud VERÇOSA), observamos que
o poema não revela um eu subjetivo nem lida com questões morais. Apenas apresenta a
solidão existencial, pressupondo a grata aceitação tipicamente zen. Captando um detalhe do
mundo exterior, o poema ultrapassa a vulgaridade do fato. Apesar da elisão do sujeito, há um
eu que permite que o mundo seja, sem a interferência de anseios e temores. A noite sem sono
não é a insônia de um homem, é um estado de coisas da própria noite, uma declaração de
que ela está lá. A noite é a “circunstância eterna, absoluta, cósmica” (LEMINSKI, 1986, p.
97), que Leminski afirmara existir no haicai. O evento corriqueiro, a perturbação, vem com o
latido do cachorro tão sem dono, como a noite, o sono e o sonho. O sonho sem dono do
terceiro verso é o elemento que concilia os dois anteriores. Na noite de insônia, homem e cão
igualam-se na mesma solidão. Através da anáfora de “sem sono / sem dono”, o poeta constrói
essa relação de sentido. Atribuindo à palavra “sonho” uma característica que geralmente está
51
relacionada a cachorro (sem dono), a significação de um passa a compor a do outro. Assim,
cachorro e homem compartilham o mesmo sentimento; cachorro e sonho vagam pela noite
sem ter um espaço para pouso/repouso.
Embora o poeta curitibano não tenha se prendido à forma do haicai, ela, certamente,
acrescentou importantes traços à sua obra, conforme comprova uma de suas cartas enviada ao
também poeta e amigo Régis Bonvicino:
Eles [os concretos] não previam
que o próprio discurso
iria receber vida nova e nova vida
com o advento do IDEOGRAMA.
(Leminski, 1999, p. 73)
O contato com o ideograma representou uma renovação no discurso concreto, bem
como a leitura de poemas escritos, originariamente, na ngua que o utiliza; representou uma
renovação no discurso de Leminski. Por isso, a essência do ideograma – uma palavra conter a
outra – que ele denominou de “signos eversos e subservos” passou a fazer parte de sua escrita
como “sementes de insurreição revolta e revolução da sensibilidade e do pensamento” (id.,
ib., p. 73). Isso prova que, para o poeta, o signo está a serviço de uma revolução contra o
pensamento ocidental capitalista. A exploração da linguagem alfabética, utilizando elementos
do ideograma, seria um modo de desestabilizar esse pensamento linear e lógico.
Octávio Paz (op. cit.) faz uma excelente diferenciação entre revolta e revolução em
Signos em rotação, que pode ser aplicada ao emprego que Leminski faz desses termos, a eles
acrescido insurreição. Paz lembra que, historicamente, o termo “revolta” é mais popular que
revolução e expressa ação sem propósito definido. “revolução” é uma palavra
intelectualizada que alude à ão precedida de reflexão para fins de mudança. Em português,
as significações são semelhantes, e o poeta brasileiro utiliza os vocábulos de uma forma
gradativa. Primeiro, refere-se ao ideograma como “sementes de insurreição” (id., ib., p. 73),
palavra bastante intelectualizada no Brasil, que nos sugere ações quase solitárias e heróicas.
No nosso imaginário, imediatamente, associamos o termo à figura de Tiradentes. Ao começar
por essa palavra, Leminski desvela o momento heróico das vanguardas que redescobriram o
poder revitalizador dos ideogramas. A seguir, aparece “revolta”, apontando os efeitos do
ideograma na subjetividade do indivíduo, impulsionando-o a uma ação ainda insipiente. E,
por fim, surge o termo revolução, representando o fim de um processo que culminaria em um
objetivo claro: revolucionar a linguagem.
52
Diversamente de alguns poetas marginais que, segundo Leminski, faziam o haicai sem
saber exatamente o que estavam praticando, porque trabalhavam com a idéia de síntese do
mundo moderno, presente em outdoors, propagandas, grafites; ele incorporou,
conscientemente, a técnica japonesa à sua poesia. Para ele, o haicai, era um símbolo tanto do
tempo moderno, marcado pelo minimalismo dos clips, bips e chips, quanto de uma tradição
secular. Nessa intersecção, reside a sua grande produtividade estética.
O apreço pela concisão é reforçado através desse contato com um texto proveniente de
uma cultura cujo idioma contém o ícone, que, segundo o escritor em Anseios crípticos 2, “é
naturalmente polissêmico” (LEMINSKI, 2001a, p. 87).
Ícones dizem sempre mais que as palavras (símbolos) com que tentamos
descrevê-los, esgotá-los, reduzi-los.
O Ícone é o signo, parcialmente motivado que tem algo em comum com seu
referente, eco, rima, reflexo, harmonia expressiva, visual ou acusticamente,
no plano material dos signos, no significante.
Este mistério de participação do signo icônico na natureza do seu referente,
mistério material, produz uma taxa de informação estética
incomparavelmente maior do que aquela que consegue gerar os símbolos,
signos imotivados, arbitrários, meras convenções imateriais.
(id., ib., p. 86)
O poeta sabe da impossibilidade de transpor as características icônicas do ideograma
para uma escrita alfabética como o português; por isso, opta por compor um haicai limitado
ao conteúdo (concisão, condensação, intuição, emoção), inspirado no zen-budismo que
utilizar a forma tradicional era impossível. Não abdica, contudo, da procura de recursos
lingüísticos do idioma para encontrar a palavra exata que, mantendo alguma relação
indispensável com seu referente, seja polissêmica, plural, livre. Essa palavra deveria ser capaz
de conter pluralidade de significados, multivalência. Utilizando os recursos do português
(algumas vezes, de inegável vertente popular) e os pressupostos do Concretismo, vai criando
portmanteaue jogos sonoros, para enfrentar o desafio de tornar a linguagem cada vez mais
distanciada da linguagem referencial. Ele investe na palavra exata para dar corpo ao mistério.
entre
a água
e o chá
desab
rocha
o maracujá
(Leminski, 2006, p. 124)
53
Para explicitar a idéia de que é o intervalo, a interrupção, o momento do surgimento de
algo inesperado, reporta-se à postura zen da Cerimônia do Chá, utilizando os traços estético-
estruturais da poesia concreta. Contrastando e interagindo com o branco da folha do papel, as
palavras são dispostas para sugerir a interrupção. Ao romper com a integridade da palavra, a
fragmentação cria novos signos: o verbo “desabrochar”, ele próprio fragmentado, passa a
apontar para o verbo “desabar”, como se ocorresse, no próprio signo, o desmoronamento. Há,
pois, um contraste com o substantivo “rocha” (sugerindo solidez, firmeza), apontando para a
idéia de que é no momento do desabamento das certezas que nasce a iluminação – o maracujá.
O fruto, genuinamente nacional, surpreende: sua casca mais esconde que revela seu conteúdo.
Ele é o símbolo do acaso que surge; e, nesse momento, nasce o poema, porém ele está ligado
à elaboração formal, à exatidão.
Italo Calvino considera três fatores para definir exatidão:
1) um projeto de obra bem definido e acabado;
2) a evocação de imagens visuais nítidas, incisivas, memoráveis;
3) uma linguagem que seja a mais precisa possível como léxico e em sua capacidade
de traduzir as nuanças de pensamento e da imaginação. (CALVINO, op. cit., p. 71-2)
Na escrita do poeta Paulo Leminski, é possível encontrar cada um desses elementos
que Calvino elencou como definidores de exatidão. O primeiro deles, já foi abordado neste
trabalho. Suas cartas, seus ensaios e sua poesia convergem para um mesmo projeto:
desestabilizar a lógica ocidental cartesiana e, a partir da linguagem, criar uma outra lógica.
Tida Carvalho, escrevendo sobre Catatau, enfatiza que o romance-idéia põe Descartes diante
de um “novo mundo”, a fim de desconsertar o filósofo e de submeter a sua lógica à pressão
dos trópicos. Nesse novo clima, a razão perde a supremacia, e o corpo, em relação com a
natureza, passa a ser o centro irradiador da reflexão: “(...) nesse império dos sentidos e da
percepção, a reflexão não é um evento que ocorra no pensamento, mas é um ato corporal”.
(CARVALHO, op. cit., p. 64)
Do mesmo modo que o contato com os trópicos, com a natureza, resgata o corpo do
ostracismo a que estava relegado no pensamento cartesiano e inaugura uma nova forma de
pensar no filósofo da razão, a obra de Leminski quer criar, no leitor, um rompimento com essa
lógica e privilegiar, no ato da reflexão, não apenas a razão, mas espaço, corpo e mente.
Num momento em que se apregoava o esvaziamento das formas, a poesia concreta
colocou uma solução possível para esse problema formal: a materialidade da linguagem.
Leminski apropria-se desse conceito para criar um projeto de obra voltado para uma atitude
política e filosófica, de produção poética, na qual o intuito de dizer o máximo com o mínimo,
54
reveste uma proposta de contestação da sociedade burguesa. Ele se insurge, claramente,
contra a pobreza do pensamento conceptual e a tirania do mundo das palavras, quando
assume, em um ensaio, o projeto de criar um “inutensílio” (LEMINSKI, 1986, p. 98),
conforme bem define Fabrício Marques (2001, p. 65):
[...] talvez seja possível compreender esta poética do inutensílio não apenas
como simples oposição a um dado sistema de produção (no caso o
capitalismo, desde suas formas primitivas até as mais avançadas), mas como
uma atitude de resistência que se manifesta em níveis variados (político,
estético, ético): do plano da linguagem (recusa do poema em virar
mercadoria) até o plano existencial.
Ainda que da margem, o poeta insere-se na sociedade que o repudia para combatê-la.
Se, no início da carreira, há, em seus poemas, elementos que revelam um engajamento contra
a ditadura militar, então existente no Brasil, aos poucos essas marcas vão se desvanecendo e
mostrando que o projeto político ao qual Leminski se dedica é muito mais amplo.
No plano estético, o poema leminskiano persegue o acaso, principalmente quando se
revisita, reescrevendo seus textos, sejam eles poemas oriundos de cartas, de ensaios ou de
outros poemas, sempre para encontrar a palavra exata e, com ela, criar um clima, um ritmo.
Ler pelo não
Ler pelo não, quem dera!
Em cada ausência, sentir o cheiro forte
do corpo que se foi,
a coisa que se espera.
Ler pelo não, além da letra,
ver, em cada rima vera, a prima pedra,
onde a fortuna perdida
procura seus etcéteras.
Desler, tresler, contraler,
enlear-se nos ritmos da matéria,
no fora, ver o dentro e, no dentro, o fora,
navegar em direção às Índias
e descobrir a América.
(Leminski, 2006, p. 87)
O poeta deseja encontrar uma outra letra capaz de suscitar novas leituras, capaz de
representar a ausência, o vazio, o intervalo, mas, também, de promover uma leitura para além
daquilo que a letra mostra em seus aspectos estruturais (rima vera) e de desnudar o obstáculo
que ela representa (prima pedra). Na materialidade da palavra, ler o não dito (desler), ler
novamente (tresler), encontrando sempre novos sentidos (contraler), envolver-se na palavra,
percebendo interioridade e exterioridade (dentro/fora) e, nessa relação com a palavra, ser
55
surpreendido pelo acaso (navegar em direção as Índias / e descobrir a América). No caminho
em busca de uma terra antiga, conhecida, mas que ainda guarda seus mistérios, fazer um
desvio programado e exploratório e ser surpreendido por um novo mundo.
Quando o ideograma chamou a atenção, primeiramente da vanguarda européia e,
posteriormente, dos concretistas, foi por sua característica de apelo à comunicação verbal na
qual forma e conteúdo são unidades indissociáveis, conseguindo grande carga expressiva.
Essa característica do ideograma vinha ao encontro dos anseios dos poetas concretos que
visavam ao elemento lingüístico mínimo, mas carregado de múltiplas significações.
Para atingir esse objetivo, Leminski processa um constante embate com a linguagem
que, segundo Calvino (op. cit.), oscila entre dois pólos: a potencialidade de dizer sempre mais
e a incapacidade de dar conta de todas as experiências humanas vividas. Esses dois pólos da
palavra passam a ser uma preocupação constante do poeta e surgem como temática, por
exemplo, em “Nomes a menos”:
Nome mais nome igual a nome,
uns nomes menos, uns nomes mais.
Menos é mais ou menos,
nem todos os nomes são iguais.
Uma coisa é a coisa, par ou ímpar,
outra coisa é o nome, par e par,
retrato da coisa quando límpida,
coisa que as coisas deixam ao passar.
Nome de bicho, nome de mês,
nome de estrela,
nome dos amores, nomes animais,
a soma de todos os nomes,
nunca vai dar uma coisa, nunca mais.
Cidades passam. Só os nomes vão ficar.
Que coisa dói dentro do nome
que não tem nome que conte
nem coisa pra se contar?
(Leminski, 2006, p. 41)
O poeta especula a combinação das palavras, primeiramente, a partir de um conceito
matemático: a soma, que aponta para a idéia tradicional de que o texto é uma soma de
palavras. Contudo, a simples reunião dos nomes não é suficiente para dar conta da
complexidade da palavra. Isso porque, na sintaxe, trava-se uma luta contínua entre a
linguagem e o pensamento: o processo de tradução do real não é totalmente transparente, nem
mesmo na linguagem referencial, na qual o objetivo do texto é a clareza daquilo que diz.
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Embora sirvam para descrever os seres, as palavras transcendem ao seu valor
referencial. Através da linguagem, sempre se diz mais ou menos do que o pretendido. Usando
vocábulos altamente generalizantes (nome, coisa), o poeta constrói a idéia de que é impossível
generalizar a palavra. Se a soma não soluciona o conflito com a palavra, a subtração
(concisão, rarefação) também não consegue fazê-lo. O poeta conclui, na primeira estrofe, que
há uma ilusão de transparência do signo e constata, na segunda, que a palavra – signo
arbitrário não traduz o mundo extralingüístico; mas a indicação de que, no texto escrito,
as coisas ou parte delas têm sua permanência garantida.
Na terceira estrofe, os nomes recebem uma especificação (de mês, de estrela, dos
amores); no entanto, nem assim as palavras conseguem expressar plenamente a vida, porque
elas são produtos culturais humanos, não são naturais como as coisas. E, na última estrofe,
surge um substantivo mais específico (cidades). Na força de sua referencialidade, o poeta
aponta que as cidades e tudo o mais que elas contêm são transitórios, porém sugere que as
mesmas palavras que não podem dar conta do vivido têm uma permanência indefinida,
porque não podem ser reduzidas às funções sintáticas e semânticas que lhe foram designadas
pelas convenções sociais. E por fim, ele chega à poesia, concretizada no poema, na qual a
forma e conteúdo são indissociáveis. Na arte poética, a palavra não cumpre nenhuma função
prática, entretanto é no seu arranjo inédito que todos os nomes pulsam e expressam o
indizível.
Na precisão indefinida da escrita ideogrâmica, no trabalho com a materialidade da
palavra, seja por uma vertente concretista, seja por uma vertente popular do português do
Brasil, Leminski vai buscar a exatidão para que a linguagem se abra a significações múltiplas,
dissolva o racionalismo burguês e imponha uma nova (des)ordem. Essa estratégia é percebida
nos títulos de rios poemas de Distraídos venceremos (“A lei do quão”, “Minifesto”,
“Administério”), nos quais as palavras foram cruzadas para criar um efeito polissêmico e
definir, de modo preciso, uma idéia.
O segundo elemento da exatidão calvina é “a evocação de imagens visuais nítidas,
incisivas, memoráveis.” É Toninho Vaz (op. cit.) quem dá uma pista que elucida a razão desse
elemento ser tão presente e acessível ao leitor na poesia do “bandido que sabia latim” quando
relata que o poeta, em 1972, abandonou a carreira de professor e começou a trabalhar, como
redator, na agência Lema Publicidade. Tal contato com a publicidade o fez absorver
estratégias da escrita publicitária, principalmente no que se refere à projeção de imagens
marcantes, utilizando uma linguagem concisa, para que o consumidor seja rapidamente
atingido.
57
Em entrevista publicada na década de 80, o poeta esclarece esse trânsito entre poesia e
publicidade: “Tenho certas exigências que repasso como criador de publicidade e criador de
poesia, que são as mesmas. Sou incapaz de usar uma palavra a mais. A busca da síntese para
mim é fundamental.” (LEMINSKI apud MARQUES in DICK & CALIXTO, op. cit., p. 185).
A escrita leminskiana, desde o início de sua trajetória, apresentava um pendor para a
escrita minimalista, uma crença no texto curto e provocativo. No entanto, quando o poeta
abandona a carreira de professor, em 1972, e inicia a de redator, a evocação de imagens
visuais tornou-se, certamente, mais forte na sua poética. Apropriando-se da habilidade dos
publicitários de criar apelos visuais emblemáticos que se fixam na memória do consumidor,
surpreendendo e tocando o imaginário, suscitando emoções e desejos, o poeta passa a utilizar
as mesmas “armas do inimigo” para subverter essa noção consumista de que tudo é
mercadoria. Por isso, cria poemas. Em que pese a constatação que essa característica fazia
parte de sua escrita antes de ele ingressar no mundo da publicidade, certamente, essa atividade
contribuiu para torná-la mais consistente.
Traço constante, a evocação de imagens visuais ganha uma parceria com os desenhos
de João Suplicy em Winterverno, “portmanteau” de winter (do inglês) e de inverno. Ou seja,
são dois invernos que se unem e formam um só, mas cada um deles guarda, em si, suas
origens. Winterverno pode ser considerado um livro de haigas poemas à moda oriental, que
dialogam com desenhos. Texto e desenho têm vida simbiótica, assemelhando-se, às vezes, aos
outdoors, numa intersemioticidade explícita. Contudo, os poemas prescindem dos desenhos
para que seja formada uma imagem que suscita a imaginação do leitor. Prova disso é que
alguns dos poemas fazem parte de livros publicados antes de Winterverno. As circunstâncias
em que foram produzidos os textos e os desenhos – Suplicy e Leminski desenhavam e
escreviam em mesas de bar – dão margem à interpretação de que Leminski captava as
imagens que o rodeavam e as transportava para o papel, sem perder um certo espírito
marginal de descompromisso, como deixa transparecer o posfácio escrito por João Suplicy.
“1988 época em que, acompanhados por números-símbolos, duplos
infinitos, endossávamos alguma coisa vinda do acaso. Éramos conduzidos
por um moto-contínuo, diluídos em alguma criação, pressionada talvez por
ímpetos nascidos nas décadas de 60/70.” (SUPLICY in LEMINSKI &
SUPLICY, 2001b)
Todavia, a urgência de viver e de “pegar o momento que passa” de João e de Paulo não
anula a preocupação com a exatidão, e os artistas criam um objeto estético no qual texto e
desenho convivem sem se anular ou, como diz Alice Ruiz, “João soube criar ressonâncias
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entre a imagem e a palavra sem que uma interferisse na outra.” (RUIZ in LEMINSKI &
SUPLICY, 2001b) No livro, os universos diferentes e unidos não se agridem nem se excluem.
Convivem, num viver com harmonioso e belo.
Os textos de Winterverno trazem o olhar certeiro do ex-publicitário, aliado ao olhar
perspicaz do poeta para a realidade, apresentando o inusitado presente no cotidiano, a beleza e
a força de um momento que não se repete.
acabou a farra
formigas mascam
restos da cigarra
(Leminski, 2001b)
Como não criar, a partir desses versos, a imagem da alegria, do descompromisso da
cigarra símbolo criado e imortalizado pela fábula de La Fontaine sendo subjugados pela
disciplina repressiva da formiga?
Como não evocar a solidão e a saudade, presenças dentro de uma noite que tudo
envolve?
a noite – enorme
tudo dorme
menos teu nome.
(Leminski, 2001b)
Ao ler os versos, imediatamente, o leitor mergulha na imaginação e cria as imagens
sugeridas pelo poema.
O terceiro elemento uma linguagem precisa foi perseguido com a utilização de
recursos oriundos de diferentes vertentes. Da poesia concreta, utilizou a ludicidade da palavra,
em seu aspecto combinatório e anagramático, e o espaço gráfico como agente estrutural,
rompendo com a linearidade da palavra. Do Simbolismo, resgatou a musicalidade – seu
interesse por esse tema aparece marcantemente na biografia que escreveu de Cruz e Souza. Da
publicidade, desenvolveu os trocadilhos. Da linguagem coloquial brasileira, o portmanteau.
Da poesia marginal, o jogo de palavras. Todos esses elementos se unem na composição do
poema.
amar é um elo
entre o azul
e o amarelo
(Leminski, 2004, p. 129)
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Dentro da palavra “amarelo”, o verbo “amar” e o substantivo “elo”. E, da junção
destas duas cores primárias, azul e amarelo, surge a cor verde, símbolo de esperança, de vida.
A palavra exata, precisa, não implica o seu esgotamento. Quando o poeta escolhe uma
palavra e a coloca em determinada combinação para criar uma imagem, não tem a intenção de
eliminar a indeterminação que ela pode/deve conter. Ele quer apenas combater a
pausterização a que vem sendo submetida a linguagem pelo uso cotidiano e que, muitas vezes,
não deixa espaço à imaginação nem a traços de memória. Sabendo ser impossível abarcar a
complexidade da vida através da palavra, coloca la vie en closea fim de perceber, nessa
aproximação, o detalhe imperceptível a olho nu. O poema atinge uma exatidão fundada no
pequeno detalhe, e, desse mínimo indispensável, nasce uma pujança. Nas coisas pequenas,
frágeis, irregulares, a palavra aponta a complexidade. Pela palavra, o poeta estabelece uma
total interação com as coisas, respeitando o silêncio, o vazio e a emoção que em sua
mudez. Ao perseguir o indizível, através da exatidão, o nimo ganha significado na infinita
relação entre os signos.
verde a árvore caída
vira amarelo
a última vez na vida
(Leminski, 2002, p. 76)
O amarelo ressurge na imagem da árvore caída. O que era vida (verde) “vira amarelo”
– cor que, embora contenha o verbo “amar”, conota desespero, angústia, vida que se esvai e se
transforma. Eis uma exatidão que não descarta um certo mistério. No seu desejo de registrar o
momento presente, sem descartar o que ele tem de eterno, o poeta adota a postura do
modernismo, movimento que havia superado o hiato entre conhecimento e experiência e
expressara a intenção de povoar a consciência com experiências. Essa característica revela a
interdependência existente entre esses dois elementos. Além disso, explicita que a convicção
da separação entre eles é apenas um produto de uma das versões das formas de conhecimento
humano. Desse modo, a necessidade de distanciamento do objeto para poder compreendê-lo
não é real: é apenas fruto do nosso modo de tentar apreender o objeto. Assim, Leminski
promove uma aproximação tão intensa que se capaz de destacar o pequeno detalhe
fundamental.
[...] a obra literária é uma dessas porções mínimas nas quais o existente se
cristaliza numa forma, adquire um sentido, que não é nem fixo, nem
definido, nem enrijecido numa imobilidade mineral, mas tão vivo quanto um
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organismo. A poesia é a grande inimiga do acaso, embora sendo ela também
filha do acaso e sabendo que este em última instância ganhará a partida [...].
(CALVINO, op. cit., p. 84)
A poesia de Leminski oscila entre atingir a exatidão de modo racional e revelar o
aspecto sensível das coisas de maneira espontânea. Para ele, a exatidão é mãe e filha do acaso.
Sem se deixar levar pelo que é vago, indefinido, alheio, não seria possível ser exato. Mas,
para apreender a coisa vaga e indefinida, é necessária rigorosa construção.
A escolha lexical é uma de suas estratégias. Escolhendo palavras, vai criando efeitos e
conotações. Com relativa freqüência, o poeta revisita seus escritos e reescreve poemas, porque
a insatisfação com o texto produzido e persiste a sensação de que a palavra escrita não é a
exata. Afinal, “[...] para o poeta moderno, a tradição que interessa é aquela que, traduzida,
implica o desbravamento de novas possibilidades de utilização da linguagem da poesia.”
(BARBOSA, 2005, p. 14)
É nesse sentido que Leminski “traduz” o haicai para o português, criando a partir de
sua estrutura. O modo pelo qual Leminski leu e consumiu os textos japoneses indica a
intenção de fundi-los à sua experiência pessoal, de realizá-los com matizes brasileiros. A idéia
de integrar, no haicai, duas culturas, surge, explicitamente, no título do livro que escreveu
com Alice Ruiz: Hai Tropicais (1985).
O contato com os poetas concretos, provavelmente, foi o propulsor dessa idéia em
Leminski, pois o ideograma trouxe importantes contribuições para a poesia concreta, devido
ao seu apelo à comunicação não-verbal. Do ideograma, a poesia concreta concebeu o poema
objeto por si mesmo, o qual comunica a sua estrutura, ou seja, uma estrutura-conteúdo.
Fortalece-se o conceito de que o poema não se refere a objetos externos. Seu material é a
palavra em todas as suas acepções (som, forma visual, carga semântica, estrutura
morfológica). A poesia concreta estabeleceu uma estreita relação com a escrita que utiliza os
ideogramas (primeiramente a chinesa, depois a japonesa) porque nela não existe a sintaxe das
línguas alfabéticas mecanismo formal de articulação entre os termos de uma língua, como
condição para a formulação e transmissão de significados. A sintaxe que existe no chinês e no
japonês é exclusivamente relacional: ocorre baseada na ordem das palavras. Os concretistas
utilizavam essa característica da língua japonesa, para, numa língua fonética, ter uma
liberdade maior na disposição das palavras no papel e fazer dessa estratégia uma das peças-
chave do trabalho com a materialidade da palavra.
Mesmo compartilhando desses pressupostos concretistas, Leminski revê algumas das
posições teóricas adotadas por eles. O excesso de racionalização é uma delas, pois o autor
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considera que, às vezes, ao invés de abrir, fecha opções, podendo ser uma amarra à sua
vontade de transcender o racional. Se o poema é um “organismo estético” que funda uma
nova significação, não pode estar preso a nenhuma “norma”. Reagindo contra essa postura
excessivamente racionalista, em seus poemas a espacialização da palavra é também silêncio,
reafirmando a independência da criação artística.
Convicto de que o mundo é um grande texto que se oferece à leitura, enfrenta o
desafio de “desler” ou “tresler” esse texto, criando uma outra letra, em estado nascente, em
primeiridade. E as palavras, em suas combinações novas, geram novas significações. A
palavra exata expressa, pois, a percepção, a experiência, sem perder de vista que ela é uma
pequena parte de um todo complexo e cheio de possibilidades provisórias. Não verdades
absolutas, a verdade daquele momento, porque “há fenômenos diários que, apesar de sua
freqüente incidência, oferecem uma entrada mínima para o entendimento”. (LIMA, 2002a, p.
47) Enquanto, nos textos referenciais, a sintaxe é utilizada para se alcançar clareza da
mensagem; na poesia, rompe-se com o “império da semântica”, no qual o sentido está posto e
revelado. O texto não se oferece para uma decodificação imediata e, nesse momento de
desorientação, o foco passa a ser a sintaxe. Nesse intervalo, acontece a ressignificação da
palavra.
Na verdade do momento, estão os fatos belos que provocam a contemplação e a
iluminação zen. O haicai, transportando esses momentos de beleza para a arte, provoca sua
ressignificação, mas ela acontecerá se leitor e autor tiverem se permitido o apagamento da
subjetividade.
“A suspensão propiciada pelo realce da sintaxe significa a oportunidade de uma proto-
idéia, passível ou não de germinar. Caso ela fecunde, o resultado não será uma repetição da
ocupação semântica prévia.” (LIMA, op. cit., p. 49)
morreu o periquito
a gaiola vazia
esconde um grito
(Leminski, 2004, p. 133)
O pequeno poema japonês dividido em três versos desperta uma emoção estética
através da sugestão. É uma poesia que prevê e aceita a presença do leitor para que sua
completude ocorra. Por sua própria natureza incompleta, o haicai contém uma interrogação,
exige uma complementação e desnuda-se como parte, como algo inacabado. Sua essência é o
inacabamento. O fato de declarar-se incompleto faz com que esse poema guarde, em si, uma
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potência de virada. Desprendendo-se do texto, o sentimento não está nele, mas no leitor,
inaugurando um momento de abertura e de liberdade. Se ele nos decepciona por sua
“pobreza” e “imperfeição”, desafia-nos em sua ambigüidade, ao conciliar clareza e
obscuridade, saber e ignorância, visível e não-visível, razão e emoção. Assim, a proto-idéia
que há no poema depende do leitor para ser desenvolvida.
Entre a linguagem da poesia e o leitor, o poeta se instaura como operador de
enigmas, fazendo reverter a linguagem do poema a seu emitente domínio:
aquele onde o dizer produz a reflexividade. Parceiros de um mesmo jogo,
poeta e leitor aproximam-se ou afastam-se conforme o grau de absorção
da/na linguagem. (BARBOSA, op. cit., p. 14)
Se um jogo entre escritor e leitor, somente a palavra exata permite que isso ocorra
em sua plenitude. Ela prende, aturde, assusta, mas também provoca o leitor a ler, reler,
“tresler”, exigindo dele uma constante decifração/recifração, porque os significados, não mais
construídos para a clareza e objetividade, são reversíveis.
Nele, o poeta encobre-se e revela-se. “A palavra (pelo menos a que interessa: a escrita)
desnuda, sem retirar o véu, e às vezes, ao contrário (perigosamente), encobrindo de uma
maneira que não se cobre nem descobre.” (BLANCHOT, op. cit., p. 69). Sendo operador da
linguagem em sua função poética, cuja principal característica é o uso da palavra em sua
ambigüidade, o poeta está envolto em um véu que revela encobrindo. Sua palavra vai e volta,
vira-se para todos os lados. A linguagem não oferece transparência imediata: sua polivalência
encontra-se no jogo possível das imagens utilizadas pelo poeta.
Blanchot observa que a palavra “verso”, em francês, além de nomear as linhas do
poema, também é uma preposição que indica “em direção a”. Em português, ocorre um
fenômeno semelhante: o vocábulo tem a primeira significação idêntica a do idioma francês,
mas também significa “página oposta a da frente” ou “face interior das folhas dos vegetais”.
Ou seja, o termo aponta para algo que está em posição contrária, oposta, podendo sugerir que
a poesia é o inverso da linguagem referencial. Ela é uma “anomalia da linguagem”. Enquanto
a prosa pretende exibir uma continuidade, expressa em sua forma de linha contínua; a poesia
tem como forma o verso linha interrompida. Diferentemente da prosa, a poesia faz da
interrupção sua aliada na tarefa de libertar a linguagem; o poema desvia-se, volta-se para si,
mesmo que para isso a linguagem seja colocada em xeque.
Na poesia, o duplo poder da linguagem eternização e transformação potencializa-
se. Ao nomear, tanto a palavra eterniza o ser quanto o transforma em outra coisa objeto-do-
discurso. O objeto sai do mundo sensível e passa a se constituir em parte do mundo textual.
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Utilizando os recursos da linguagem para descrever fatos corriqueiros e cotidianos, o
haicai expõe a possibilidade de vê-los por um outro ângulo, encoberto por nossa visão do
mundo sensível. Por isso, ele é um momento de iluminação no qual o presente não-acessível
torna-se reinventável. Nessa possibilidade, reside a potência do real presentificado: tanto ele é
quanto pode ser. É nesse jogo de possibilidades que se instaura a relação com o desconhecido,
com o outro.
O poema, por sua natureza incompleta, coloca em contato o eu e o outro; porém, é um
contato repleto de estranhamento. O outro não é o reflexo do eu nem a intenção de se unir
a ele, formando um todo. Existe, ao contrário, a percepção da distância que os separa e os une
pela poesia. O poema é, pois, “palavra não unificadora, aceitando não ser mais passagem ou
ponte, palavra não pontificante, capaz de ultrapassar as duas margens, que o abismo separa,
sem preenchê-lo e sem reuni-las” (BLANCHOT, op. cit., p. 135). A afirmação de Blanchot
acerca da interrupção é extensiva ao haicai, devido ao seu caráter de inacabamento. Essa
forma poética é uma interrupção voluntária.
Do mesmo modo que o haicai leminskiano une sem unir leitor e escritor, ele une a
cultura brasileira à japonesa sem realmente uni-las, porque, permitindo a troca, mantém a
ambigüidade, as diferenças que as separam. Talvez por isso, consciente da distância que o
separa da cultura japonesa, Leminski não tenha sido fiel a estrutura desse tipo de poema. Os
poemas curtos carregados de musicalidade e de sentidos, como se fossem relâmpagos
iluminando e atingindo o leitor, são utilizados contra o racionalismo linear. Para ele, o haicai
pode ser ponto de partida ou ponto de chegada para sua poesia, principalmente devido ao
aspecto de poesia participativa, porque ela “tem que existir nos dois pólos: no emissor e no
receptor”, como, também, afirmou em entrevista ao jornal Estado de São Paulo, em outubro
de 1986: “Quem sabe ler bem poesia é tão poeta quanto quem escreve.” (LEMINSKI apud
ASSUNÇÃO). Ele quer uma poesia que envolva o leitor, pois é na relação poema/leitor onde
ocorre a verdadeira poesia.
a obra aberta (= desautomatizada, inovadora) engajando, ativamente, a
consciência do leitor, no processo de descoberta/criação de novos sentidos e
significados, abrindo-se para sua inteligência, recebendo-a como parceira e
colaboradora, é verdadeiramente democrática. (LEMINSKI, 1986, p. 72)
Na entrevista e no ensaio, Leminski desvela-se um defensor incondicional da poesia
no mundo moderno como antídoto contra a desumanização, o materialismo e o autoritarismo,
que vêm privando os homens de uma real convivência. Por outro lado, conforme afirma
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Schlegel (1997, p. 65), o poeta não suporta nenhuma lei sobre si, porque a essência da poesia
é o devir, ou seja, é o vir a ser, jamais ser de maneira perfeita e acabada; logo, ela é infinita e
livre, está acima de toda lei. Isso equivale a dizer que a poesia, como indagação
desestabilizadora, mantém viva a possibilidade de um mundo em que exista interação entre
todos os elementos que o compõe.
O haicai é o símbolo desse espaço de interação entre o homem e todos os seres do
universo. Sua fragmentação e incompletude não são sintomas de incompetência intelectual
para encontrar a palavra exata: indicam, ao contrário, uma profunda coerência com a
convicção de que, se a lógica exige a continuidade, aquele que deseja romper com a lógica
deve romper com a forma contínua. Esse problema está no centro das inquietações de
Leminski.
Alguns de seus poemas, mesmo sem manter qualquer semelhança com a estrutura do
haicai, revelam essa inquietação e desafiam o leitor.
ali
ali
se
se alice
ali se visse
quando alice viu
e não disse
se ali
ali se dissesse
quanta palavra
veio e não desce
ali
bem ali
dentro da alice
só alice
com alice
ali se parece
(Leminski, 2002, p. 30)
A arquitetura do poema explora a sonoridade do substantivo “Alice”. Ao fragmentar o
nome, surgem novas significações, pois dele são desentranhados o advérbio “ali” e a
conjunção “se”. Essa ruptura é indispensável à criação poética para que ela possa livrar-se das
convenções da continuidade. A fragmentação e a descontinuidade dão à poesia uma forma de
reflexão menos arbitrária que a prosa, fazendo-a expressar, de maneira mais direta e imediata,
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razão e emoção forças indivisíveis na humanidade. O poema, com sua forma peculiar, seria
uma tentativa de simbolizar a própria vida espaço onde tudo está em associação e não se
dissocia em momento algum. Se é um poema dedicado a Alice Ruiz, é também uma
homenagem à personagem de Lewis Carol. Assim como na narrativa de Carol, o poema
desfaz as conexões usuais da linguagem e provoca o estranhamento textual. Para ressignificá-
lo é preciso repensar a linguagem. Nesse jogo com os significantes, está implícita a própria
existência: Alice, mesmo fragmentada, perdida no país das maravilhas ou no país dos
espelhos, deve encontrar sua própria essência.
Entre o poeta e a palavra exata interpõe-se, contudo, a estrutura da linguagem (“quanta
palavra / veio e não desce”): suas possibilidades inovadoras, seus limites, causando uma
tensão entre o sujeito e seu objeto. E o leitor, obrigado pela estrutura do poema a percorrer os
caminhos ocultos das imagens, não se conserva à margem do texto: a sua inclusão é parte do
exercício da linguagem empreendido pelo poeta. Mesmo sendo uma expressão do poeta, o
poema exige uma decodificação do leitor que, ao mesmo tempo, elide e revela sua
subjetividade. Ou seja, a objetividade da leitura afasta o centramento no eu, mas o grau de
compreensão do texto passa pela experiência do leitor, por sua subjetividade.
Ao ter seus vínculos com a realidade diluídos, o texto poético contém um processo de
interrupção do sentido que lhe o poder de desdobrar-se em significações, em diferentes
leituras da realidade. A composição, por suas particularidades, abarca as variadas respostas
existentes a partir dos estímulos da experiência cotidiana. Essa postura de Leminski rebela-se
contra o autoritarismo das respostas oferecidas ao longo da história pela ciência, pela
Filosofia e até mesmo pela arte, quando uma forma de ver a realidade quer anular a outra.
Outros poemas guardam o perfume da poesia japonesa, e o conteúdo filosófico do
haicai torna-se uma presença viva; porém, o contato com a cultura oriental não pretende
anular nem substituir a do poeta. Por isso, atrelada à objetividade descritiva do haicai, há uma
subjetividade pulsando.
duas folhas na sandália
o outono
também quer andar
(Leminski, 2002, p. 71)
No momento da descrição, o sujeito elide-se para que a contemplação flua livremente,
porque, naquele instante, ele é apenas a visão. Entretanto, ele reponta no uso da exatidão,
recoberto pela linguagem no instante da iluminação. Na parte descritiva, o olhar fixa-se em
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coisas leves e cotidianas e observa a realidade circunstancial de forma quase fotográfica:
“duas folhas na sandália”; na seguinte, desponta a surpresa, a percepção de que natureza e
homem estão em constante ir e vir, em movimento contínuo.
Embora os poetas concretos tenham pregado a morte do verso e, com ela, a morte da
rima, Leminski nunca abandonou esse recurso e fez dele uma importante característica para
encontrar a precisão da palavra ou para dar-lhe a precisão que desejava.
relógio parado
o ouvido ouve
o tic tac passado
(Leminski, 2002, p. 73)
Aqui, a presença das rimas “parado/passado” estabelece a idéia de que o passado é,
para alguns, algo estático, imóvel. No entanto, o ouvido ainda não perdeu os ecos do passado,
que ressoa, compõe o hoje, enriquece-o. O passado apresenta-se, no poema, como a matéria-
prima do presente, não podendo ser, portanto, esquecido nem silenciado. Ele é uma presença-
ausência que não pode ser descartada pelo agora. O relógio é um símbolo que representa,
metonimicamente, a passagem do tempo; logo, o fato de ele estar parado, mas ainda ressoar o
seu tic tac, implica que não é possível conter a vida apenas no momento presente.
Nos haicais de Leminski, o que Octavio Paz (op. cit.), ao referir-se aos textos de
Bashô, chamou de “calma alerta que nos torna leves”. Em ambos, Bashô e Leminski, a leveza
não é alienação nem distanciamento da realidade através de um mergulho num mundo
imaginário. Seus textos não são mera distração, fruição estética. Embora o principal objetivo
da arte não seja a comunicação, isso não significa que a poesia não possa prestar um serviço
crítico à sociedade em que está inserida. Na obra de Leminski, essa função social da obra
poética realiza-se principalmente porque o poeta viveu em uma época em que, no ocidente, se
passava por profundas transformações políticas e sociais (Guerra Fria, rebelião estudantil na
França, pílula anticoncepcional, sociedades alternativas) e, especificamente no Brasil, havia o
agravante da ditadura militar. Por isso, ele utiliza-se da experiência estética para retirar o peso
da experiência cotidiana. Num esforço para atingir a exatidão plena de leveza, Leminski
utiliza o descompromisso marginal e a ironia sugerida pelo haicai em sua origem ironia
permeada de leveza.
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confira
tudo que respira
conspira
(Leminski, 2002, p. 16)
O texto ilustra que, no início da carreira do poeta, havia o dever imperativo de
representar a época que o Brasil vivia (ditadura, repressão), porém, mesmo nos “anos de
chumbo”, sua escrita é ágil, leve. Contra o medo imposto pelo regime militar, Leminski, como
outros de seu tempo, responde com a ironia, com o deboche. O poema traz a marca de um
jovem poeta que se insurgia contra a repressão, a castração, o autoritarismo. Utilizando a
aliteração nos vocábulos “confira” / “respira” / “conspira”, ocorre a transposição do
significado de um passando pelo do outro, acumulando e desencadeando conotações. Respirar
e conspirar tornam-se ações contingentes, inseparáveis. Esse recurso concentra um poder de
visualização e abre um leque de conotações.
O isolamento do verbo “conferir” causa um certo suspense, por estabelecer um
intervalo com o que vai ser dito em seguida. Daí surge a ironia que desafia o autoritarismo no
seu desejo de conter todas as “conspirações subversivas” contra o regime totalitário que
estava no poder. Respirar e conspirar comunicam-se graças às impressões sonoras do
significante, e o significado deixa de ser unívoco para ganhar múltiplas dimensões, que
alargam a rede de conotações do signo. Aproveitando a semelhança fônica entre os dois
significantes, bem a moda da poesia marginal, Leminski sugere que o ato de conspirar é tão
inerente aos seres quanto o ato de respirar.
Sem dúvida, é preciso estabelecer através desses recursos uma relação com o momento
político que vivia o país, ou seja, há um dado histórico, extralingüístico. Embora seja possível
extrair do poema seu contexto histórico, ele também o transcende, ao apontar que a própria
existência é uma forma de conspirar contra a morte. Dessa forma, a associação de vocábulos
com constituição sonora semelhante permite a correlação entre seus significados. De um
momento de dureza, ele constrói um poema leve em sua estrutura: “(...) a leveza é algo que se
cria no processo de escrever, com os meios lingüísticos próprios do poeta, independentemente
da doutrina filosófica que este pretenda seguir” (CALVINO, op. cit., p. 22).
A leveza caracterizada por Calvino pode ser encontrada em muitos poemas de
Leminski: são levíssimos, estão em movimento, são vetores de informação. É uma leveza
revestida de precisão e objetividade. a “gravidade sem peso” a que se refere Calvino (op.
cit.). Contra o peso da realidade, ele reage com o humor. Para suportar o fardo de viver em
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um país que estava sob o jugo de uma ditadura militar, para driblar a repressão, a saída era a
imaginação, o humor, a leveza.
entro e saio
dentro
é só ensaio
(Leminski, 2002, p. 16)
O poema acima faz parte de Caprichos e relaxos e foi considerado como setentista no
prefácio escrito por Fred Góes e Álvaro Marins para o livro de Paulo Leminski, da coleção
Melhores poemas. Nesse prefácio, os autores advertem que, embora haja “o estalo
momentâneo da poesia marginal”, os poemas de Leminski já se distanciavam da poesia
marginal. O texto demonstra o objetivo perseguido pelo poeta: a concisão na qual uma
palavra contém a outra e dá origem a uma nova informação, sem descartar a leveza. A
disposição espacial do poema sugere uma duplicidade de movimentos.
Na primeira parte, ocorrem os movimentos de entrar e sair. No entrar, a idéia de
introspecção do eu-lírico que se volta para si mesmo em busca de um caminho, de respostas.
No sair, há a busca por um mundo externo – que, na poesia de Leminski, resultou na absorção
de muitas tendências, na leitura do mundo por vias diferentes. Na segunda parte, aparece o
retorno, o recolhimento após esse constante ir e vir; e, na terceira, a ntese desses dois
movimentos, expressa no significante ensaio”. Nessa palavra, estão reunidos fragmentos das
palavras “entroe “saio”. Todavia, essa síntese ocorre em uma região (dentro), espaço
onde o externo e o interno se unem, num esforço de convivência, cheio de conflitos. Assim,
surge a palavra “ensaio”, que, semanticamente, aponta para aquilo que ainda não é, algo
provisório, ou seja, para a instabilidade das certezas. Por não crer nas certezas incontestáveis,
livremente ele ensaia, testa diferentes recursos expressivos para atingir a “leveza densa” a que
se refere Calvino (op. cit.). Ora transforma, ora descarta procedimentos poéticos para
encontrar uma saída para o conflito entre o dentro e o fora. Se, na cultura ocidental, interior e
exterior são opostos que se excluem; nas doutrinas orientais, essa oposição é reiterada como
necessária, mas ressaltada como um antagonismo relativo, porque há um momento em que ele
cessa. Para Leminski, a poesia é o espaço de convivência dos opostos no qual eles não se
anulam nem se repelem. Nesse espaço, o poeta faz um exercício de sutileza para que dureza e
leveza sejam partes de um todo indivisível.
Calvino (op. cit.) iniciou as suas propostas pela leveza e talvez pudesse ter terminado
por ela devido à sua abrangência. A essa proposta, ele associou a imagem de um pássaro. A
69
mesma imagem é utilizada no Taoísmo para representar a libertação da força da gravidade
que nos prende à Terra. A essa rica imagem, Calvino associou o vôo caminho seguido pelo
pássaro. O vôo do pássaro não é guiado pela força do vento como o da pluma que vai para
onde o vento a leva. Livrando-se da força da gravidade, o pássaro realiza um vôo leve para
um destino programado. Por isso, a leveza é uma proposta que traz, em seu bojo, a exatidão.
Por outro lado, se fosse leve como a pluma, o pássaro não poderia direcionar seu vôo. Assim,
a leveza nasce daquilo que tem consistência. Provavelmente, ela não existira sem a dureza,
pois foi do sangue da Medusa monstro que transformava homens em pedra que nasceu o
cavalo alado gaso. Com uma patada, Pégaso fez brotar a fonte de Hipocrene, onde os
poetas iam beber inspiração. Portanto, foi de um ato de violência e da dureza da pedra que
nasceu a leveza da poesia. A leveza sustenta-se, pois, do seu oposto e não pode prescindir
dele, porque ela é uma forma especial, exata e aguda, de encarar o mundo.
Historicamente, a leveza, quando associada à velocidade, apontava para um não
direcionamento, para aquilo que estava ao sabor das forças da natureza. Com os avanços
tecnológicos, porém, a leveza afastou-se do conceito de velocidade, e esta se tornou o maior
símbolo do século XXI, atrelada à idéia de alvo exato.
No final do século XX, a rapidez começou a ser largamente ansiada em todos os
setores da vida: nos transportes, nas tecnologias, nas informações. Todos querem atingir
rapidamente o seu objetivo. Sôfregas, as pessoas passaram a consumir o último lançamento. O
novo atrai, mesmo que as mudanças oferecidas por ele não tragam benefício algum para
aquele indivíduo. O culto à velocidade tem início na vida cotidiana. Ninguém quer esperar.
Tudo é usado/vivido e descartado imediatamente. A rapidez transformou-se em sinônimo de
superficialidade, porque as necessidades são voláteis.
Nascido em uma época em esse panorama surgia, Leminski não se nega a ser um
representante de seu tempo. Sua poesia retrata a consciência poética de que a vida é breve
para recolher tamanha quantidade de informação. O acolhimento do bip, do clip e do chip
como símbolos da modernidade implica aceitar que a rapidez é uma característica
fundamental em todos os setores da vida: não pode ser descartada nem desconsiderada,
inclusive pela arte. Contudo, sua poesia procura destacar-se desse cotidiano, criando reveses
no olhar desatento dos leitores e, assim, procurando interferir nos processos de
despersonificação e de massificação.
Crendo que a poesia deve, sempre, atingir quem a lê, utilizar os recursos que
modernidade oferece não significa negar a tradição. O poeta se propõe a relê-la, revestindo-a
dos elementos capazes de criar uma rapidez explícita no ritmo da linguagem, nas palavras que
70
se condensam, na agilidade da mensagem codificada. A escrita leminskiana desnuda que
estamos, irremediavelmente, no mundo da velocidade: não escapatória; então,
antropofagicamente, o poeta absorve essa característica e utiliza-se dela para reler esse
mundo.
É esse envolvimento no mundo que substancia a rapidez como uma das propostas para
os poetas do terceiro milênio. Leminski não pretende abstrair-se do mundo nem ausentar-se
da realidade. Propõe-se a viver engajado nele, através de uma generosa absorção daquilo que
talvez seja sua maior característica: a rapidez. Absorvendo-a, propõe-se a modificar a visão
petrificada que temos daquilo que nos cerca.
Negar a rapidez é, de certa forma, negar o contexto social em que vive e criar uma
alienação histórica. Ela, por si só, não é um problema da modernidade, contudo pode tornar-se
um problema quando sufoca a imaginação e a liberdade. Por isso, os poemas relampejantes
oferecem ao leitor o prazer e o impacto da compreensão rápida, mas, ao mesmo tempo,
exigem uma atenção à substância poética, que constantemente é apreendida após algum
tempo de reflexão. Utilizando recursos que acionam a rapidez, coloca o leitor diante de um
texto conciso que o atinge rapidamente, porém causa estranhamento, acompanha-o, excita-o a
perseguir um outro ângulo de visão ou de percepção do dito/lido. Assim, a rapidez a que o
poeta almeja não é a da pressa, é a do impacto. Atento às exigências de seu tempo, Leminski
não se furta de criar poemas cuja estrutura beira ao excesso de simplificação por acolher as
condições contingentes de sua produção, mas que guardam uma centelha de iluminação zen.
Minhas ligações com o movimento concreto são as mais freudianas que se
possa imaginar. Eu tinha dezessete anos quando entrei em contato com
Augusto, Décio e Haroldo. O bonde já estava andando. A cisão entre
concretos e neo-concretos tinha acontecido. Olhei e disse: são esses os
caras. Nunca me decepcionei. Neste país de pangarés tentando correr na
primeira raia, até hoje eles dão de dez a zero em qualquer time de várzea que
se formam por aí. que descobri, depois que uma verdade e uma força
nos times de várzea, nessa várzea subdesenvolvida, que eu quero. A
qualidade e o nível da produção dos concretos é um momento de luz total na
cultura brasileira, como diz Risélio. Mas eles não sabem tudo. (LEMINSKI
apud ÁVILA in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 241)
A entrevista esclarece porque um poeta que traz a influência e a marca dos processos
da poesia concreta incorporou os insights da poesia marginal, da linguagem popular e da
linguagem publicitária, criando uma escrita rápida. Seus poemas curtos e rápidos podem se
suceder um após o outro, assemelhando-se às estratégias usadas pelos veículos de
comunicação de massa e, dessa forma, sugerindo o dinamismo do mundo contemporâneo. A
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poesia ganha as ruas e é dessacralizada. O poeta tenta encontrar novas formas para ler um
mundo caótico e movente no qual a vida foi banalizada, tornada trivial. Esse processo provoca
a diminuição do entusiasmo e da surpresa. É um tempo de solidão, no qual não é possível
construir laços afetivos porque tudo é rápido, transitório, exacerbando o sentimento de vazio e
de desesperança. Surge daí o narcisismo, o individualismo, que faz com que as relações sejam
pautadas na superficialidade. Além disso, o ritmo acelerado de todas as linguagens existentes
no mundo moderno está estreitamente ligado ao tempo moderno da indústria, da eficiência, da
metrópole. Essas características da sociedade têm como conseqüência a superficialidade com
que os assuntos são tratados. Para ser entendido de forma rápida, o conteúdo deve ser diluído,
reduzido a sua forma mais estereotipada ou massificada.
Percebendo-se como parte desse contexto, a poesia leminskiana busca unir a essência
do haicai japonês à rapidez trespassada de exatidão e de leveza, a fim de tocar o leitor,
surpreendê-lo e fazê-lo desfrutar de uma “calma alerta” provocada por uma poesia carregada
dos conceitos de silêncio e de minimalismo presentes na filosofia zen. Essa forma de poesia
tanto funcionaria como um antídoto contra o egocentrismo quanto possibilitaria ao sujeito
acostumado à superficialidade – a contemplação, a observação do detalhe.
72
4. O ENCONTRO DOS CONTRÁRIOS
Quero ser o outro e é outro que eu me vejo
sentindo que sou eu sem saber quem sou
Escrever é sempre uma versão
de um texto que nunca se chegou a compor
António Ramos Rosa
Italo Calvino (op. cit.), em sua palestra acerca da multiplicidade, lembra que a
literatura moderna e a pós-moderna têm se empenhado em apresentar as visões pluralísticas
do mundo. Essa ambição já estava presente em Mallarmé, quando ele idealizou Le livre – obra
na qual pretendia reunir todos os livros imagináveis. O escritor ítalo-cubano também expressa
o desejo de que a tendência à multiplicidade parte da estética modernista permaneça ao
longo do terceiro milênio. As “enciclopédias abertas” obras que não se propõem ao
esgotamento teriam condições de desnudar diferentes maneiras de pensar, explicitando que
não há uma verdade absoluta.
Calvino (op. cit.) aponta que há três tipos de multiplicidade: a multiplicidade
interpretativa, que permite várias interpretações; a multiplicidade polifônica, na qual um texto
apresenta diversas vozes; e a da enciclopédia aberta, que indica uma inconclusão por ser uma
obra fragmentária. Em todas elas, a busca pela exatidão, que, segundo Calvino, deveria ser
transferida para o próximo milênio: uma escrita breve e densa da qual podem surgir diferentes
interpretações, vozes, conceitos. Embora, na obra de Leminski, haja a presença dos três tipos
de multiplicidade apontados por Calvino, sobressai a multiplicidade polifônica.
O texto de Paulo Leminski tem a marca indelével dessa multiplicidade. Especialmente
em sua poesia, são perceptíveis diversas vozes. Percorrendo as várias análises feitas de sua
obra ao longo dos anos, identificamos que muitas vozes lhe foram atribuídas. Todavia, como
todo trabalho necessita de um recorte, optamos por nos ater àquelas influências explicitadas
pelo poeta num depoimento em 1979 à revista Escrita.
Minha poesia aventureira tem um passado de freira e de puta.
No ponto de origem, a empolgação pelo legado heleno-latino. Horacio,
Ovídio, Catulo, Clareza e saúde mediterrânea.
A descoberta do haiku. Síntese e vazio zen.
O encontro com a poesia concreta, a vanguarda, o espaço, o ideograma, as
linguagens industriais. O impacto de Maiakovski. Caetano, Gil, tropicália.
A mutação para a letra de música popular. O coloquial. O cantabile.
Humor/cartum.
Da poesia brasileira, menos.
73
Drummond, só uma dose simples para saber que barato dá.
Cabral, por dever de oficio.
Oswald, já muito tarde para alterar rumos.
Com os demais, só contatos didáticos.
(LEMINSKI in LEMINSKI E BONVICINO, 1999, p. 193)
Seguiremos as influências citadas, porque o poeta seguiu uma ordem cronológica que
consideramos adequada ao trabalho a que nos propusemos.
O interesse pelos clássicos surgiu já na infância – “Era fissurado em Camões, Homero,
Antero de Quental, que faziam parte de sua leitura diária.” (VAZ, op. cit., p. 31) –,
intensificando-se quando, ao decidir tornar-se monge beneditino, foi matriculado no Mosteiro
de São Bento e lá aprimorou seu latim e aprendeu grego. A partir daí, aprofunda-se na
literatura clássica. Do seu tempo de estudante, guardou o apreço pela língua latina e pela
poesia. Paulatinamente, vai construindo um arquivo de formas da tradição e elege como
cânone Homero, Ovídio, Catulo, que serão tomados como parâmetro para sua poesia.
A constante alusão aos autores clássicos, principalmente Homero, testemunha a
relação do autor com a tradição com a qual se identifica. Contudo, no início da carreira, essa
admiração causa, em Leminski, o que Harold Bloom (1991) chamou de “angústia da
influência”. Diante da percepção da grandeza dos poetas clássicos, surge uma mistura de
admiração e rejeição. Ele reage ora ironizando essas influências, ora ironizando-se por aceitá-
las. Segundo Bloom, nem todo o escritor lida bem com a influência recebida. E parece ser
esse o caso de Leminski na juventude. Ao permitir que outras vozes falem no seu texto, este
parece não ter uma autoria definitiva, uma identidade. Ainda que fascinado pelas palavras do
outro, o poeta quer encontrar uma dicção própria, manter-se fiel a si mesmo. Consciente de
que os modelos do cânone não são as únicas possibilidades de escritura, tenta desviar-se de
seus antecessores através de uma desleitura, livrando-se da angústia que o acompanha e dos
laços com os poetas canônicos. É em reação a essas vozes que escreve em Caprichos e
relaxos:
parar de escrever
bilhetes de felicitações
como se eu fosse camões
e as ilíadas dos meus dias
fossem lusíadas,
rosas, vieiras, sermões
(Leminski, 2002, p. 32)
Seu desejo de superar os “velhos poetas”, que o perseguem até em escrituras
cotidianas (bilhetes de felicitações), leva-o a escrever seus nomes (camões, rosas, vieiras) e os
74
de suas obras (ilíadas, sermões) com letra minúscula e no plural, realizando uma
generalização e colocando-os em estado de igualdade em relação ao jovem poeta.
Enfrentando o cânone e dessacralizando os poetas, ele demonstra essa angústia e a
expõe em suas linhas e entrelinhas. No entanto, ao longo da carreira, esse conflito se
minimiza: o texto do outro passa a ser visto pelo poeta como condição essencial à criação
literária, e a estética intertextual agrega-se à sua poesia sem reservas. Embora todos os livros
de Leminski sejam coletâneas de poemas feitos ao longo de um período e publicados mais
tarde, contendo, por isso, poemas escritos em diferentes épocas, percebe-se que essa angústia
da influência vai se diluindo gradativamente.
A essa época de repúdio ao cânone, sobrevém um tempo de percepção do mundo
como um grande signo. Italo Calvino (op. cit.), falando sobre a filosofia e a escritura de Carlo
Emilio Gadda, afirmou que esse escritor “vê o mundo como um grande ‘sistema de sistemas’,
em que cada sistema particular condiciona os demais e é condicionado por eles”. (CALVINO,
op. cit., p. 121). Pode-se dizer o mesmo a respeito de Leminski, que passa a compreender a
poesia por uma perspectiva peirceana. Para Peirce (apud SANTAELLA, 2006), o signo não é
uma entidade monolítica, mas um complexo de relações triádicas, que, tendo um poder de
autogeração, caracterizam o processo gnico como continuidade. Conseqüentemente, existe
uma constante relação entre os signos. Entendendo a poesia como um grande signo, o poeta
admite que a escrita poética é, inevitavelmente, fecundada pelos escritores que o antecederam.
Assim, assume, sem angústia, a confluência de vozes poéticas que cruzaram seu caminho e
revela, sem pudor, a multiplicidade de referências existente em sua poesia.
No poema seguinte, publicado em Caprichos e relaxos e analisado por inúmeros
críticos, a influência aparece na citação nominal dos poetas. Embora a utilização de letras
minúsculas nos substantivos próprios persista, esse uso não é um traço de generalização,
porque essa forma incorporou-se à escrita de Leminski, inclusive em suas cartas. Dentre as
análises feitas, destacamos as de Régis Bonvicino e de Fabiano Calixto.
O primeiro, ao analisar este poema, aponta-lhe um traço de ambigüidade: Leminski
homenageia o cânone, mostrando o quanto é ilusório almejar superá-lo, mas o desmitifica
porque os poetas canônicos são citados por um pequeno poeta de província. Ou seja, o cânone
não é inacessível; pertence a qualquer um, até a um pequeno poeta.
Calixto, por sua vez, enfatiza que os poetas do terceiro mundo representantes de
culturas periféricas, sem poder alcançarem os poetas oriundos de culturas hegemônicas –,
acabam encontrando uma escrita autônoma, ainda que influenciados pelo cânone.
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um dia
a gente ia ser homero
a obra nada menos que uma ilíada
depois
a barra pesando
dava pra ser aí um rimbaud
um ungaretti um fernando pessoa qualquer
um lorca um éluard um ginsberg
por fim
acabamos o pequeno poeta de província
que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
que o tempo tratou como flores
(Leminski, 2004, p. 330)
As aspirações e as influências surgem no poema, permeadas de ironia e melancolia. As
marcações temporais em destaque (um dia, depois, por fim) apontam para uma seqüência
cronológica que começa recordando um tempo de sonhos altos, do desejo de igualar-se a
Homero, de fazer a grande obra – aspirações que, como afirma Bloom (op. cit.), são a vontade
de todo poeta. Essa primeira estrofe desnuda o desejo de criar uma dicção própria. Contudo,
num segundo momento, marcado pela palavra “depois”, os sonhos vão “diminuindo”, e são
tomados como referência poetas “menores” que Homero: Rimbaud, Ungaretti, Pessoa, Lorca,
Éluard, Ginsberg. Amadurecido, o poeta percebe-se, ironicamente, apenas um poeta
provinciano que só consegue tornar-se maior quando traz para sua escritura seus precursores.
A metáfora máscaras/flores sinaliza que, como as flores, o poeta, em contato com seus
pares, adquire diversos matizes, tinge-se com as cores dos textos dos quais se aproximou. No
seu diálogo com o cânone, um pouco do outro passa para o eu; mas, nessa passagem, sofre
alterações, e o que fica no eu não é suficiente para aplacar sua subjetividade. São máscaras
efêmeras, como flores.
Admitindo que escrever é fazer “a soma de todos os textos” (LEMINSKI, 2006, p. 29)
e que o poeta é “todo ecos” (id., ib., p. 90), revela que sua poesia é um conjunto de diversas
vozes reunidas. São elas que fazem o sujeito poético ter sempre um olhar novo para as coisas
que o cercam e abafam a subjetividade que teima em apresentar uma visão em detrimento das
outras.
A fuga do derramamento levou Leminski ao encontro dos poetas concretos. Desse
contato, surge a proposta de um verso construído racionalmente, planejado, fruto da visão
científica, sobretudo das funções da linguagem de Jakobson (1974) e da visão crítica dos
estudos do poeta Ezra Pound (1986).
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Dos estudos de Jakobson, ele absorve o conceito de que existe uma função poética da
linguagem, a qual consiste em centrar a ênfase na mensagem, combinando e relacionando as
palavras. É a linguagem voltada para a materialidade da palavra. Além disso, ele se apossa do
conceito de estranhamento, apresentado pelos formalistas russos e revitalizado pelo
Concretismo como elemento básico da arte. A arte, vista desse modo, teria a função de
surpreender, de provocar, ou seja, de propiciar a contemplação do cotidiano por outro ângulo.
Assim, um poema deve provocar estranhamento através de sua estrutura lexical, de seus
recursos sonoros e de sua disposição gráfica. Ganha ênfase a valorização do caráter visual do
verso no branco da página – os espaços, os cortes, a disposição da palavra, o tipo gráfico.
Pound (op. cit.), por sua vez, localizou três estratégias básicas de criação de poesia ao
longo de sua história: logopéia (idéias), melopéia (recursos sonoros) e fanopéia (imagens).
Leminski as utiliza fartamente para afastar a poesia da função emotiva, a que as obras
poéticas foram associadas durante o Romantismo brasileiro. Esse distanciamento desnuda que
o importante, nessa forma de arte, é o trabalho com a palavra. O poema concreto visa a
apresentar a palavra por três ângulos idéia, som e imagem –, criando uma forma que é
também conteúdo.
A fascinação pela novidade que a poesia concreta representava fez o poeta abraçar a
proposta concretista, abolindo o verso tradicional e valorizando a palavra solta. O poema que
se segue testemunha essa preocupação.
materesmofo
temaserfomo
termosfameo
tremesfooma
metrofasemo
mortemesafo
amorfotemes
emarometesf
eramosfetem
fetomormesa
mesamorfeto
efatormesom
maefortosem
saotemorfem
termosefoma
faseortomem
motormefase
matermofeso
metaformose
(Leminski, 2002, p. 100)
77
No poema, Leminski utiliza apenas uma palavra em cada verso, prescindindo dos
laços sintáticos. A palavra-idéia “metamorfose” é fragmentada e recomposta na página,
transformando o poema num objeto visual, do qual são desentranhadas palavras (mater, tema,
termos, tremes, metro, morte, amorfo, éramos, feto, fase, motor) e estabelecidas relações
semânticas a partir da forma. Como várias palavras suscitam a idéia de transformação, a
última palavra que surge surpreende, porque quebra a expectativa que o leitor tem de ver a
palavra “metamorfose”, que, embora não expressa formalmente, acontece como processo. Em
seu lugar, aparece “metaformose”. O neologismo aponta para sua dupla possibilidade de
formação. Uma consistiria no processo de derivação, pelo qual o prefixo grego “meta”, que
indica mudança, se uniria ao radical “form-”, seguido por “-ose” o que sugere a beleza da
forma em constante mudança. A outra possibilidade seria a composição e indicaria a junção
do substantivo “meta” (objetivo) a “formose”, indicando que o objetivo da poesia é trabalhar
com a beleza da forma.
A poesia concreta foi um ataque à produção poética da década de 50, dominada pela
geração de 45 que os concretos acusavam de verbalismo, subjetivismo e incapacidade de
expressar a nova realidade da sociedade industrial. Os jovens paulistas buscavam uma poética
cosmopolita como tinham feito os modernistas de 22; por isso, um dos modelos adotados
pelos concretos foi a lírica sintética de Oswald de Andrade. Embora a presença de autores
brasileiros seja pouco expressiva na obra de Leminski, alguns críticos vêem nele uma
influência de Oswald de Andrade. No entanto, o próprio autor declarou ter conhecido a obra
oswaldiana muito tarde para ter sido influenciado por ela. Mesmo assim, é perceptível que,
via Concretismo, essa tendência à concisão chegou até ele, porém filtrada por um olhar
diferente, já que o poeta curitibano não leu Oswald na fonte.
O diálogo de Leminski com os autores estrangeiros ocorreu pelo estímulo recebido de
Augusto de Campos. Dentre eles, destacamos a influência vital do poeta simbolista Stéphane
Mallarmé. Sua presença é sentida no conceito de liberdade existente na construção da
narrativa de Catatau. Leminski escreveria a Augusto de Campos no ano de 1970, em carta
reproduzida em O bandido que sabia latim, acerca de Catatau: “O livro é livre, à margem de
mallarmé, viva a malacomargem, dai-me um exílio e eu vos darei um exercício”.
(LEMINSKI, 2005, p. 353). O diálogo é mantido ao longo da carreira. O tema do acaso
mallarmeano acompanha Leminski. Encontramos, nos livros que sucedem a Catatau, várias
referências a Mallarmé. Em Distraídos venceremos, lemos: “Se tudo existe para acabar em
livro / se tudo enigma / a alma de quem ama” (id., ib., p. 27). Os versos são uma alusão à
intenção utópica de Mallarmé de reunir todos os livros em seu Le livre. Mas é em La vie en
78
close que notamos a recorrência desse tema em versos que reafirmam a admiração pelo poeta
francês no seu lance de dados, revelam a impossibilidade de uma escritura original após a
existência de poetas tão grandiosos, “Finnegans Wake à direita, / um coup de dés à esquerda, /
que coisa pode ser feita / que não seja pura perda?(id., ib., p. 19), ou desnudam a constante
procura pelo inesperado que nunca chega na hora desejada: “atrasos do acaso / cuidados / que
não quero mais / o que era pra vir / veio tarde / e essa tarde não sabe / do que o acaso é capaz
(id., ib., p. 28), atormentando o poeta por não saber direito “onde começa o acaso” (id., ib., p.
59). Outras vezes, a voz imperativa de Mallarmé surge ecoando do passado:
Faça os gestos certos,
o destino vai ser teu aliado,
ouço uma voz dizendo
do fundo do passado.
Hoje não faço nada direito,
que é preciso muito peito
pra fazer tudo de qualquer jeito.
Ai do acaso,
se não ficar do meu lado.
(Leminski, 2004, p. 93)
A admiração por Mallarmé também aparece na biografia do poeta simbolista Cruz e
Souza e no ensaio “significado do símbolo”, publicado em Anseios crípticos 2. Em ambos os
textos, Leminski mostra que, para ele, os simbolistas foram os antecessores da poesia concreta
porque descobriram que “o ícone nunca é exaustivamente coberto pelas palavras, restando
sempre uma área transversal, uma mais-valia, um sexto sentido além das palavras.”
(LEMINSKI, 2001a, p. 86)
Posteriormente, os poetas concretistas aprofundaram essa questão ao afirmarem ter
dado como encerrado o ciclo do verso, por considerarem que a versificação tinha se tornado
um suporte discursivo para se falar sobre alguma coisa. Sua forma não era adequada para a
realização concreta de um conteúdo, porque não provocava mais estranhamento; portanto,
deixara de ser arte. Por isso, a poesia concreta se distanciou dos suportes sintáticos e
semânticos que permitiam uma decodificação mais discursiva dos poemas.
Mallarmé, Joyce, Pound, Cummings e Apollinare poetas precursores desses
procedimentos contaminam a escrita leminskiana. Sua poética exibe uma linguagem
sintética, dinâmica, semelhante à sociedade de feição urbana na qual está inserida. A razão é
introduzida como a principal matéria-prima do poema, dentro de uma concepção de
79
“programação do indeterminado”, sem, contudo, aproximar-se da lógica cartesiana. É o
centramento do processo poético na forma.
A incomunicabilidade do verso apontada por Mallarmé revela a despersonalização do
autor. O eu-lírico separa-se do eu empírico, e o poeta distancia-se do traço biográfico na linha
do verso. Leminski desejava abordar a poesia sem o subjetivismo e sem perder de vista o
trabalho formal com a palavra. Esse procedimento provoca a ilegibilidade do poema, mas,
paradoxalmente, é ele que lançará o leitor à legibilidade. O poeta francês representa, para ele,
o silêncio da poesia moderna.
Sem nunca ter renegado a importância da poesia concreta em sua formação poética,
não assumiu integralmente a postura dos poetas concretos. Enquanto eles ignoravam,
parcialmente, a ligação com o público, o poeta curitibano buscava-a intensamente, e isso o
levou ao encontro da publicidade, da poesia marginal e da música popular.
Leminski acreditava que o texto, em seu sentido mais amplo, é uma relação recíproca
entre autor e leitor, cuja significação somente se completa na interação: o discurso não tem
suas significações prontas. O sentido do texto é, pois, construído no intercâmbio entre o ato de
escrever e de ler. Inevitavelmente, no ato da criação, o escritor coloca, em cena, sua
experiência, suas afinidades estéticas, seus conhecimentos artísticos e seu repertório cultural.
Do mesmo modo, o leitor lança mão, dentre outros elementos, dos textos que leu
anteriormente para reconhecer remissões a obras, autores, trechos e, assim, interpretar a
função daquela citação. Por essa razão, Leminski construiu uma linguagem acessível e
instigante, atingindo a um público cada vez mais amplo devido a sua atuação como
colaborador da imprensa no final da década de 70. Em consonância com a atitude dos
representantes da Tropicália (efervescência revolucionária), buscava alternativas na mídia
para a democratização da arte.
Para fugir da literatura conservadora, foi procurar a publicidade e a música como
veículos – ambientes anti-literários e populares, capazes, segundo ele, de veicular “mensagens
que funcionam” (LEMINSKI in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 120). Na carta 9,
publicada em Envie meu dicionário, cartas e alguma crítica, dizia a Bonvicino que era
preciso “abastecer as tropas no próprio terreno inimigo com os frutos do local” (id., ib., p. 47).
Ou seja, acreditava que a própria linguagem gerada pelo capitalismo (propaganda, música
pop) era o espaço adequado de luta. Conhecedor dos riscos dessa aproximação, os aceita. Mas
isso causa um conflito, e Leminski avalia se não estaria se tornando medíocre. Por fim,
conclui que esse é o caminho certo: livrar-se da marca de escritor experimental para se tornar
80
um escritor “na corrente sanguínea do mercado e dos meios de comunicação de massa(id.,
ib., p. 47).
Solucionado o conflito, transita da literatura para a mídia sem dilema. No entanto,
mesmo aceitando trabalhar com ela, não acredita na ausência de valores. Apenas os relativiza.
Sente-se livre para experimentar e errar e assume isso na carta 42: “produzo muito (meu
projeto é a desrepressão), desovo, quero atingir algo, ergo, erro muito...” (id., ib., p. 114), bem
como em um poema publicado em La vie em close, intitulado “ERRA UMA VEZ”. Há, nesse
título, uma associação ao início tradicional dos contos de fada (era uma vez) e a denúncia de
que a negação do erro é uma fantasia ou que a inexistência do erro é possível quando
ocorre a repetição de fórmulas desgastadas. Ao mesmo tempo, o título tanto funciona como
um aconselhamento para que o erro seja cometido pelo menos uma vez quanto aponta para o
verbo “errar” no sentido de mover-se, de sair da posição em que se está, de transitar por novos
caminhos sem que haja um destino determinado.
nunca cometo o mesmo erro
duas vezes
já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro tem vez
(Leminski, 2004, p. 46)
No centro da sua aceitação do erro como parte de um processo natural, encontra-se a
influência dos princípios da contracultura, sobretudo na figura do poeta Allen Ginsberg, a
quem Leminski admirava: um dos líderes da chamada beat generation, que, antes de ser um
movimento literário, era um manifesto pela liberdade poética e existencial. Em sua aparente
alienação, o movimento lutava contra atitudes que sempre oprimiram os homens ao longo da
história da humanidade: preconceito e falta de liberdade. A contracultura insurge-se contra
padrões comportamentais preestabelecidos que representam o poder no mundo ocidental, sem
que isso tenha relação com a luta de classes. Através da aparência desleixada, de vagabundo,
os adeptos do movimento contestavam os costumes, propunham uma sociedade de paz e amor
e lutavam contra a quebra da individualidade. Para contestar a cultura, e, dentro dela, em
especial, a religiosidade ocidental, revalorizaram a cultura oriental e o budismo como formas
alternativas de ver o mundo.
A lógica contracultural, com sua visão diferente de participação política, antecipou
alguns debates políticos que ganharam força no final do século XX e neste início de século
81
XXI. Sem dúvida, foi a contracultura que trouxe para o centro do debates o respeito às
minorias, à ecologia, à liberdade sexual e à luta pela paz, embora tenha feito isso sem
protestos ou passeatas. Os adeptos desse movimento queriam o princípio do prazer, a festa
dionisíaca, a transgressão social cotidiana, ou seja, viver a mudança. Logo, rompem os
limites, até então bastante marcados entre alta cultura e cultura popular, rejeitando as visões
totalizantes. Em lugar de privilegiar um ponto de vista, apagando todos os outros, numa
postura “pós-moderna”, defendem a coexistência de uma polifonia de vozes. A partir dessa
força catalisadora, Leminski adere ao prazer enquanto resistência à massificação do indivíduo
pela mentalidade capitalista e contra um Estado repressivo.
Morando a maior parte do tempo em Curitiba, evita o isolamento e o provincianismo,
empenhando-se no diálogo com vozes de outras cidades – Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia. O
romance Catatau chamou a atenção dos tropicalistas e o aproximou dos componentes desse
movimento. Com os tropicalistas, tinha, em comum, a atitude antropofágica, a mistura de
popular com erudito, o tratamento plástico dado ao texto, os jogos lingüísticos, as brincadeiras
com as palavras e o desejo de democratizar a arte. Também partilham a concepção de que a
cultura brasileira é um universo heterogêneo, no qual cabe o esteticamente pobre, o brega, e
que apenas o elitismo e o preconceito impedem a incorporação dessas características tão
nacionais quanto qualquer outra. A Tropicália é, portanto, um movimento inclusivo, capaz de
aceitar a diferença e de trabalhar, no plano da letra, com os elementos altos e baixos.
Acreditando que essa atitude democrática já era política, que a experiência estética vale por si
mesma e que ela própria é um instrumento social revolucionário, os tropicalistas não faziam
canções de protesto.
Tudo isso agrada ao poeta, e daí nasceu o envolvimento de Leminski com a música
popular. Ao longo dos anos 80, estabeleceu parceria com bandas curitibanas, com Jorge
Mautner, Ivo Rodrigues, Moraes Moreira e Arnaldo Antunes, entre outros. Isso possibilitou
um contato maior com o grande público e a criação de vários projetos envolvendo música e
poesia.
Segundo Leminski (cf. LEMINSKI & BONVICINO, 1999), a música tem um caráter
peculiar porque tem o poder de conviver com muitas pessoas sem ser medíocre e elementar. O
mesmo não ocorre com / na poesia, uma vez que foi ela foi rotulada de “alta literatura”,
criando um distanciamento entre o povo e o poema. Isso, associado à crença de que boa parte
dos melhores poetas brasileiros, durante os anos 70 e 80, estava concentrada no universo pop
da música, fez com que o autor desse grande importância à música popular.
82
Em 1976, Caetano Veloso e Gal fazem uma visita inesperada a Leminski, desejosos de
conhecê-lo após a leitura de Catatau. A partir desse encontro, consolida-se o relacionamento
de Leminski com os tropicalistas, culminando, em 1981, com a gravação do poema-canção
Verdura (vetado em 1978 pelo governo militar), no disco Outras palavras, de Caetano
Veloso.
de repente
me lembro do verde
da cor verde
a mais verde que existe
a cor mais alegre
a cor mais triste
o verde que vestes
o verde que vestistes
o dia em que te vi
o dia em que me viste
de repente
vendi meus filhos
a uma família americana
eles têm carro
eles têm grana
eles têm casa
a grama é bacana
só assim eles podem voltar
e pegar um sol em Copacabana.
(Leminski, 1983, p. 84)
O texto inicia-se a partir de um flash de memória (de repente / me lembro do verde) e
encaminha-se para o que parece ser uma recordação feliz marcada pelo significante “verde”
(uma das cores-símbolo do Brasil, associada à esperança, além de ser cor do uniforme do
exército brasileiro). Inesperadamente, todas as associações nacionalistas e positivas feitas à
cor invertem-se. E o que era alegre passa a ser triste. uma ruptura entre as duas estrofes: o
que parecia ser um poema de amor se transforma num poema sócio-político. Na segunda
estrofe, profundamente irônica, o eu-lírico, sujeito sul-americano, vê-se obrigado a vender
seus filhos para uma família norte-americana, sugerindo que até os valores tradicionais
(filhos, família) são comprados dentro da sociedade capitalista.
Nesse contexto de admiração pela Tropicália, nasce a relação com a poesia marginal.
Embora não tenha sido exatamente um poeta marginal por estar fora do circuito onde essa
manifestação poética acontecera a zona sul do Rio de Janeiro –, o curitibano Paulo
Leminski partilhava das principais idéias da geração “desbundada”: a curtição, a desordem, a
desobediência, o ócio. Ou seja, fazer do próprio cotidiano uma arma de protesto contra o
83
status quo. Por isso, ele agrega ao seu processo de criação toques humorísticos, uma
linguagem coloquial, que atinge o leitor com simplicidade e força, passando a impressão de
um certo inacabamento ou espontaneísmo.
Posteriormente, fazendo uma avaliação da importância da poesia marginal, Leminski
acaba por revelar a razão pela qual incorporou o descompromisso marginal ao seu fazer
poético.
Contra a séria caretice dos anos 60, a recuperação da poesia como pura
alegria de existir, estar vivo e, sobretudo, ainda não ter 25 anos. Foi poesia
feita por gente extremamente jovem, poesia de pivetes para pivetes, todos
brincando de Homero. Sem essa dimensão, a poesia vira um departamento de
Semiologia, da Lingüística ou uma dependência das Ciências Sociais. A
poesia dos anos 70, inconseqüente, irresponsável, despretensiosa, recuperou
a dimensão lúdica. (LEMINSKI, 1986, p. 42)
O florescimento da poesia marginal é fruto do choque entre a atmosfera repressiva de
um país que vivia sob uma ditadura militar e a metamorfose comportamental que se verificava
no mundo ocidental, principalmente na Europa e nos Estado Unidos. Se, por um lado, os
métodos de luta da esquerda não atraíam os jovens de Ipanema; por outro, a rebeldia dos
jovens franceses e a apologia à liberdade individual pregada agradavam bastante. Assim,
também influenciados pela contracultura norte americana, a juventude carioca criou um estilo
de vida alternativo, no qual o importante era viver o prazer.
Na busca do prazer inerente à contracultura, curtiam a vida e a poesia como partes de
um “barato total”. Escandalizaram a sociedade da época ao sensualizarem o amor e
erotizarem o poema. Leminski, mesmo não sendo um poeta marginal no que se refere à
produção e à distribuição de seus livros, tem em comum com esse movimento uma aversão ao
racionalismo da poesia concreta e uma rejeição à ideologia do engajamento político da poesia
social que instrumentaliza a arte.
Os versos da poesia marginal ligam vida e poesia. Os toques humorísticos e a
linguagem coloquial revelam pouca preocupação com a métrica e com a rima. Além disso, os
poemas deixam de lado as palavras poéticas e se valem de palavrões de efeitos libidinosos.
Essa abordagem de temas terrenos e subjetivos foi uma reação contra a poesia maquinal e
tecnicista de João Cabral, com seus versos bem acabados, excessivamente racionais. Mas
também representava um repúdio ao projeto estético do Concretismo – uma poesia que
privilegiava os efeitos de caráter visual.
84
– que tudo se foda,
disse ela,
e se fodeu toda
(Leminski, 2004, p. 160)
O travessão indicando a fala do outro nesse caso, a voz feminina representa o
poema concedendo voz aos que estavam calados, que, nessa época, ganha visibilidade o
movimento feminista. Numa sociedade repleta de falso moralismo e de preconceito, o poeta
coloca, na voz de uma mulher, palavras de baixo calão, consideradas inadequadas para
alguém sem liberdade de expressão. A indignação feminina reverbera-se no primeiro verso
contra um rótulo de recato e de delicadeza. De um jeito bem marginal, o poema é concluído
com uma expressão ambígua (se fodeu toda), que aponta para uma punição – sofrer as
conseqüências negativas da ousadia e para uma realização desfrutar a liberdade sexual. O
tom é marginal, descontraído; contudo, há, em seu bojo, um caráter mais sério que não
dispensa a ironia.
Assim como a Tropicália devorou as influências culturais estrangeiras, misturando-as
a ritmos e expressões nacionais, os poetas marginais apropriaram-se do canal da cultura pop
desbravado pelos tropicalistas. Foi um movimento duramente criticado pelos irmãos Campos,
porque ia de encontro às diretrizes da poética que defendiam. Mesmo admirando os poetas
concretistas e considerando-os seus patriarcas, Leminski abriu-se à espontaneidade e à
informalidade marginal o que, para alguns críticos, tornou sua poesia inconsistente, pois ela
seria constituída de poemas sem exigência técnica, nos quais só existe valor de atitude.
Certamente, no poema Merda é ouro”, pretendendo agradar ao leitor, o poeta cria um humor
forçado.
Merda é veneno.
No entanto, não há nada
que seja mais bonito
que uma bela cagada.
Cagam ricos, cagam padres,
cagam reis e cagam fadas.
Não há merda que se compare
à bosta da pessoa amada.
(Leminski, 2006, p. 30)
O descompromisso e o desligamento do cânone poético dominante deram à poesia
marginal um perfil pouco literário e, talvez, tenha sido exatamente isso o que agradou ao
poeta. Os temas transcendentais foram esvaziados de dramaticidade e passaram a ser
encarados como aspectos banais do cotidiano. Por isso, receberam um tratamento irreverente
85
que traz à cena poética o imediatismo do cotidiano e a espontaneidade do coloquial. Dessa
forma, o espontaneísmo em Leminski indicaria uma evolução comportamental, uma
contestação cultural que viria a (re)afirmar valores alternativos, reprimidos ou
comercialmente explorados pela sociedade de consumo.
Como os poetas de setenta, ele elege as pequenas coisas, os pequenos temas, como
seus. Prioriza os assuntos desgastados da vida comum e apresenta-os através de uma
linguagem coloquial, sem academicismos, forçando a poesia a uma mais larga socialização e
questionando o distanciamento existente entre a poesia e o leitor. Embora tenha admitido que
a poesia marginal estava fadada a uma vida curta, a dessacralização da poesia promovida por
esse movimento e alguns de seus procedimentos tornaram-se parte da poética leminskiana.
Dentre eles, destacam-se as estruturas formais simples, rápidas e leves, de consumo imediato,
com acentos de ironia que apelam para recursos de cil assimilação, no intuito primeiro de
efetivar comunicação. Assim, a consciência da efemeridade das coisas faz com que o poeta
produza uma poesia rápida e exata, nesses tempos em que tudo é transitório.
esta vida é uma viagem
pena eu estar
só de passagem
(Leminski, 2004, p. 134)
O poeta deixa de considerar-se um escolhido para ver-se como um sujeito comum
entre tantos. O eu-lírico passa por um processo de diminuição, mas, por outro lado, o
subjetivismo se fortalece, ancorado na percepção de que o presente é o único que realmente
importa. Ao reconhecer que partilha da engrenagem de consumo, confirma o caráter histórico
da produção cultural e o seu pertencimento à sociedade burguesa. Embora o olhar que o poeta
lance sobre a sociedade seja um olhar marginal e oblíquo, não desconsidera sua inserção nesse
contexto social. Seu lugar social é a margem, mas a compreensão do papel integrador da
linguagem humana reflete a constante relação com o outro.
Provavelmente, a maior atitude marginal é desnudar a pretensão do poeta de
representar a sociedade como um todo conforme queria a poesia concreta –,
desconsiderando a “várzea”, o popular, parte considerável da sociedade. Por isso, o
descompromisso e o deboche vêm coabitar com a seriedade da poesia concreta. São
introduzidas gírias recurso técnico para obtenção de determinados efeitos de sentido que
apresentam a visão de mundo de grupos até então marginalizados, sem voz, calados pelo
elitismo. Com essa estratégia, utilizando o desbunde marginal, Leminski desagrega
86
sensibilidades tidas como universais e se permite ser samurai-malandro, apropriando-se das
mais diversas influências.
não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino
(Leminski, 2002, p. 62)
Sua assinatura é a liberdade na poesia. A possibilidade de ser o que quer. É o resultado
da soma dos encontros com o outro promovidos pelo “destino”, com todas as divergências e
convergências decorrentes dele. No entanto, sua escritura mantém a personalização, marcada
no poema pelo verso em letra cursiva.
A poesia de Paulo Leminski sempre se revelou transpassada por várias vozes, e ele
admite que seu discurso foi fecundado por suas leituras, sem, no entanto, ter se deixado
sufocar pelas influências que o acompanham.
Contranarciso
em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas
o outro
que há em mim
é você
você
e você
assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós
(Leminski, 1983, p. 12)
87
A freqüente releitura dos movimentos – Concretismo, poesia marginal, poesia oriental,
poesia clássica é um indício de que, ao incluir outras vozes em sua poesia, ele o faz de
maneira particular, buscando uma identidade. Desse modo, na tentativa de apagar sua
subjetividade através dessa estratégia, esta não resulta em uma anulação de uma dicção
própria. Para resistir ao fascínio de fixar o olhar em si mesmo, sua obra evidencia a
necessidade de apropriar-se do texto do outro, de alimentar-se dele. Sua escrita, impregnada e
fecundada pelos autores que o precederam ou por autores que são seus contemporâneos,
revela consciência das ressonâncias e discordâncias existentes entre ele e o outro.
A multiplicidade presente na poesia leminskiana transforma o discurso, e as muitas
vozes existentes dão origem a uma nova voz, que não é nenhuma das anteriores. Não é o eu
nem é o outro: é o nós. Assim, o bandido que sabia latim constrói sua identidade.
Sua poesia corrobora com Bakhtin (1992), para quem todo texto não pertence
unicamente a seu enunciador. Cada enunciado está impregnado de impressões de outrem que
fizeram parte da construção do novo discurso. Isso não significa que ele seja a réplica dos
anteriores. Mesmo quando o texto do outro é citado literalmente, faz parte de um novo
discurso e traz as marcas de seu produtor. Esse novo discurso não anula o anterior, mas lhe dá
um novo rosto, porque, ao reproduzir o antigo num contexto moderno, sem dúvida, serão
introduzidas, no seu bojo, as condições sócio-históricas da época da releitura e do sujeito que
o reproduziu.
A noção que nos oferece Bakhtin é fundamental para entendermos a obra de Leminski,
pois o estudioso aponta que, no texto, mesmo diante da multiplicidade de vozes, uma delas
acaba por se elevar, se sobrepor às outras. Por isso, às vezes, a voz do poeta quase desaparece,
mas nunca é totalmente silenciada, porque, no jogo de se construir a partir do discurso alheio,
o novo texto é sempre uma resposta. Consciente de que sua poesia constitui-se do dito,
Leminski apropria-se da fala do outro para elaborar uma resposta pessoal. Dessa forma, as
palavras do outro, inseridas em seu poema, tornam-se suas palavras e assumem um caráter de
releitura.
Leminski, por meio de sua poesia e de sua existência pessoal, sem que isso signifique
que sua poesia seja autobiográfica, promoveu a convivência entre posturas contraditórias
como rigor e coloquialidade, tradição e modernidade, cânone e marginalidade, promovendo
uma multiplicidade incontestável. Todos esses aspectos se cruzam. Além disso, ele procurou a
companhia de outras artes: fotografia, música, desenho – a fim de conquistar um diálogo mais
amplo e intersemiótico. Essa ligação fez surgir, ao longo dos anos 80, vários projetos
envolvendo música, poesia, cartum.
88
O auge da intertextualidade parece ter coincidido com “a morte do autor”. Isso porque,
segundo Barthes (1987), a abertura ao diálogo com o outro, resultaria no rompimento da
autoria textual. No entanto, os estudos da Análise do Discurso demonstraram que as escolhas,
sejam elas lingüísticas ou de autores, dentre as muitas possibilidades existentes, já indicam
uma individualidade.
Leminski percebe que o isolamento é fatal para o artista. Talvez essa percepção tenha
surgido devido ao fato de morar em Curitiba segundo ele, uma cidade de contistas, de um
provincianismo capaz de contaminá-lo com um eruditismo livresco. Essas impressões são
expressas na carta 42, publicada em Envie meu dicionário – cartas e alguma crítica. Por isso,
manteve uma longa correspondência com o também poeta Régis Bonvicino e travou um
constante diálogo com seus pares.
Essa intertextualidade espontânea provocou um processo de criação intertextual, que
deixa clara a opção do poeta pelo encontro, pela alteridade. A raiz dessa alteridade é a paixão
pela leitura, considerada aqui em seu sentido mais amplo. Essa paixão levou-o a ser muitos ao
mesmo tempo. A fascinação pelo novo, conjugada ao respeito criativo pela tradição, não o
deixou se confinar em nenhuma tendência. Rebelde às exigências da razão, converteu tudo o
que viu e ouviu em poesia. Ao brincar com a linguagem, experimentar suas possibilidades,
produzir e errar, encontrou seu modo de se relacionar com o mundo.
M, de memória
Os livros sabem de cor
milhares de poemas.
Que memória!
Lembrar, assim, vale a pena.
Vale a pena o desperdício,
Ulisses voltou de Tróia,
assim como Dante disse,
o céu não vale uma história.
Um dia, o diabo veio
seduzir um doutor Fausto.
Byron era verdadeiro.
Fernando, pessoa, era falso.
Mallarmé era tão pálido,
mais parecia uma página.
Rimbaud se mandou pra África,
Hemingway de miragens.
Os livros sabem de tudo.
Já sabem deste dilema.
Só não sabem que, no fundo,
ler não passa de uma lenda.
(Leminski, 2006, p. 91)
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A relação com os autores fez com que eles também se tornassem poesia. São parte da
memória pessoal e lírica do poeta, porque a escrita deles acompanhou toda sua existência. São
figuras tão encantadoras que a existência biológica de cada um deles é colocada em dúvida. A
grandeza da escritura que produziram transformou-os em páginas, miragens, lendas. Autores e
personagens vivem nas letras e no imaginário, seja pela estética que desenvolveram (o
fingimento poético de Pessoa, o branco da página de Mallarmé), seja por atitudes pessoais
(Rimbaud se mandou pra África).
Do mesmo modo que os autores lendários são parte do poeta, porque ele os carrega em
sua memória, os relaxos da poesia marginal e a estética tropicalista entraram, na poesia
leminskiana, como forças representativas do contemporâneo. Com todos esses elementos, a
poesia de Leminski tomou uma nova feição, e ele passou a escrever alguma coisa que não
era mais poesia concreta, embora fosse nascida dela. Seus versos distanciaram-se tanto da
exploração visual da forma, proposta pela poesia concreta, quanto da forma original japonesa
do haicai.
Sem pretender focar nos aspectos biográficos, porém sem poder esquecê-los,
verificamos que o poeta sempre demonstrou uma premência de viver tudo. Esse sentimento
desemboca na multiplicidade de interesses que cultivou ao longo de uma vida curta, mas
intensa. Se, no começo da carreira, escrevia poesia concreta; rapidamente, criou um estilo
pessoal, temperado pela contracultura, com seus valores libertários, e pela concisão da poesia
oriental. Todas essas tendências estão presentes em sua obra e foram explicitadas, em
especial, no título de seu primeiro livro de poesias, Caprichos e relaxos. Ao abraçar
tendências spares, realiza a proposta de multiplicidade de Calvino como uma forma de
conhecimento validada pelo Modernismo e vivenciada pelo pós-modernismo: a abolição de
rótulos para a poesia.
90
5. O CLOSE: PRAZER DA PURA PERCEPÇÃO
A viagem real da descoberta não consiste em
visitar paisagens novas, senão em ver com olhos
diferentes.
Marcel Prost
Ao falar sobre a proposta de visibilidade, Italo Calvino (op. cit.) lembra que,
historicamente, a origem e a função das imagens mentais foram justificadas segundo as
concepções filosóficas da época do autor. Por isso, em um momento, Deus era a fonte e a
função, uma forma de se conectar “à alma do mundo” (id., ib., p. 103), e, em outro, a fonte era
o inconsciente coletivo, e a função consistia em ser instrumento do saber coexistente à
objetividade científica.
Seja na hipótese que concebe a imaginação como origem divina, seja na que a concebe
como fruto de epifanias, o escritor de qualquer época reconhece não ter controle absoluto da
produção dessas imagens. Todas as hipóteses pressupõem um momento de iluminação sobre o
qual o escritor não tem controle. Ele está submetido às leis do acaso. Querendo fugir dessa
submissão, quando uma imagem espontânea conduz o discurso, o pensamento assume o
comando para dar corpo à expressão verbal. Todavia, em algumas situações, as soluções
visuais “chegam inesperadamente a decidir situações que nem as conjecturas do pensamento
nem os recursos da linguagem conseguiram resolver” (id., ib., p. 106).
A partir do exemplo de sua experiência de escritor, Calvino estabelece a existência de
“dois tipos de processos imaginativos: o que parte da palavra para chegar à imagem visiva e o
que parte da imagem visiva para chegar à expressão verbal(id., ib., p. 99). Geralmente, o
primeiro processo está sempre associado ao leitor no ato da leitura, e o segundo, ao escritor
durante a escritura do texto; entretanto, em todos os seres humanos, ambos os processos
ocorrem constantemente, já que a criação de imagens é um atributo próprio do homem, do seu
comportamento.
Sem dúvida, a imaginação é uma característica constitutiva do homem, mas as
imagens que ele cria, embora filtradas pela imaginação individual, são, de algum modo,
suscitadas pela cultura e pelo mundo exterior que o cerca.
É perceptível que, na sociedade moderna, a imagem ganhou cada vez mais força e
importância. Ela passou a fazer parte do cotidiano de cada indivíduo em volume cada vez
maior e, principalmente as que apresentam movimento, exercem grande fascínio sobre o
91
espectador. Todo esse poder de fazer pensar é ressaltado por Calvino, quando ele narra, no
capítulo “Visibilidade”, a sua experiência de menino que não sabia ler e se dedicava a
contemplar as figuras dos quadrinhos e a interpretá-las sempre de maneira diferente. Isso
revela que a influência da imagem veiculada pela indústria cultural não é recente nem
maléfica em si mesma. Logo, quando Calvino adverte para o risco de perdermos a capacidade
de pensar por imagens ou de formar imagens originais diante do excesso delas, não expressa
uma recusa a esse importante instrumento de conhecimento. Ele propõe uma pedagogia da
imaginação que comungue com as características de seu tempo. Isso porque ele se assume
como uma pessoa educada dentro do mundo da imagem e um apaixonado pelo cinema.
No entanto, ao eleger a visibilidade como um valor a ser preservado no próximo
milênio, coloca-a no campo da imaginação e não no da imagem dada. O que ele propõe é a
utilização da imagem, alimentada pela imaginação, como antídoto contra a cegueira
existencial. Isso porque imagens simbólicas, abertas, tentadoras, provocam, no leitor, um
olhar mais plural.
Se é impossível escapar da presença invasiva da indústria de comunicação, o escritor
sugere o uso da palavra tanto para alcançar a concretização da experiência quanto para
preservar a fantasia das imagens. Ele vê, na escrita, o caminho pelo qual o homem
contemporâneo, exausto pela constante exposição ao zapping, é capaz de reencontrar a
capacidade de pensar por imagens durante o processo de leitura.
Logo, a preocupação de Calvino com a visibilidade diz respeito à preservação da
faculdade humana de visualizar aquilo que está expresso por palavras. Pensar por imagens
refere-se ao prazer de ler, à fruição da leitura do texto. Afinal, quem não consegue realizar
esse tipo de leitura é incapaz de mergulhar no mundo imaginário proposto pelo texto e de
desfrutar de sua função lúdica.
Ao traduzir, por meio da palavra, as experiências obtidas pela observação e pela
imaginação, explorando a capacidade de a escrita focalizar o detalhe, a nuance, Leminski
demonstra acreditar que é possível romper a barreira de indiferença, provocada pelo excesso
de imagens homogeneizadas da cultura de massa.
Sua estética revela que pensar por imagens é fundamental em uma sociedade que é
dominada por elas. Como todo escritor moderno, ele foi posto diante de um desafio: construir
imagens plenas de significado, nítidas, marcantes e mobilizadoras. Por isso, recorreu a novas
combinações do possível com o impossível, fez conexões não-tradicionais que romperam
fronteiras e deslocaram sentidos e se afastou da referencialidade. Foi dessa forma que ele
realizou o conceito de visibilidade em sua poesia. Portanto, para ele, a visibilidade visava à
92
invenção, à novidade, à originalidade para provocar, no leitor, a utilização de sua capacidade
imaginativa.
Associando as estéticas da literatura às da sociedade moderna, principalmente às da
publicidade, Leminski utiliza alguns importantes recursos para criar imagens relevantes:
proximidade, sugestão, sucessão, rapidez, sensualidade e metáforas. Ao doar visibilidade ao
texto, ele revigora a língua, desautomatiza o olhar. Apelando para um olhar mais atento e
vagaroso, sua poesia abre espaço para a reflexão.
Observando a cidade, o poeta cruza vida exterior com vida interior e, através da
palavra, cria imagens que provocam a meditação sobre o estar no mundo.
arte que te abriga arte que te habita
arte que te falta arte que te imita
arte que te modela arte que te medita
arte que te mora arte que te mura
arte que te todo arte que te parte
arte que te torto ARTE QUE TE TURA
78
(Leminski,1996, p. 55)
A cidade é uma paisagem dominada pelo artificial, pela indiferença, pela solidão. Em
meio ao concreto que o abriga, o homem reifica-se, e a dureza passa a fazer parte de sua
natureza, passa a habitá-lo. Cria-se um círculo vicioso entre a arte e o homem um imita o
outro –, em que o ser humano modela e é modelado pelo espaço físico que o cerca. Cada ser
vive isoladamente, murado, porque perdeu o contato com o outro devido ao domínio do
material sobre o humano. A cidade concreta e cheia de solidão é excludente e opressiva,
impedindo os direitos mais humanos.
O texto tem o efeito de visibilidade que nos propõe Calvino (op. cit.) pela
possibilidade de construir cenas claras com o uso da palavra. Deformando a palavra para criar
o trocadilho com o termo “arquitetura”, o poeta convida o leitor a participar da feitura da
imagem dentro de um mundo de tantos e tão diversificados apelos visuais prontos. Assim, o
poema é um espaço de contemplação e de interação com o outro, além de desestabilizar quem
interage com ele.
Percebe-se que o poema não descarta as estratégias da sociedade contemporânea. Ele
é um conjunto de pequenas fotografias, flashes e clics, numa tentativa de fixar, em um
instante, as imagens que o cercam. Isso pode parecer algo semelhante ao “dilúvio de
imagens”, porém, quando reproduz o procedimento dessa sociedade, aponta para a
93
vertiginosidade da vida urbana, para a superficialidade frívola com que as questões são
abordadas. Há, em sua poesia, uma crítica à forma apressada e superficial com que a vida
urbana condiciona o olhar humano.
Mantendo a idéia de que a multiplicidade é um componente da vida urbana e não pode
ser desconsiderada e compreendendo que o isolamento e a solidão não são benéficos, o poeta
cria imagens inusitadas para revelar a presença do outro em sua poesia.
Distâncias Mínimas
um texto morcego
se guia por ecos
um texto texto cego
um eco anti anti anti antigo
um grito na parede rede rede
volta verde verde verde
com mim com com consigo
ouvir é ver se se se se se
ou se se me lhe te sigo?
(Leminski, 2006, p. 20)
Logo no primeiro verso, surge a imagem pouco usual de um texto morcego. Ao
caracterizar o substantivo “texto” com o termo “morcego” animal associado à idéia de
vampirismo, no imaginário popular o poema causa o estranhamento. O leitor é levado a
interrogar-se acerca da intenção dessa imagem, que as associações semânticas da palavra
usada como adjetivo o sempre negativas. Essas associações foram motivadas por várias
características do animal: a aparência feia, o habitat pouco iluminado e os pseudos hábitos
alimentares. Todas essas acepções negativas impregnam o substantivo “texto”, mas,
inesperadamente, o poema indica outra leitura.
O segundo verso rompe com essa primeira imagem negativa e cria outra, partindo de
uma característica pouco conhecida na fisiologia do morcego: a cegueira, que o faz se guiar
pelo eco de um som que emite. Assim, o que era lúgubre, aterrorizante, ganha um tom
angustiante de algo que, sem ver, tenta encontrar um caminho. Do terceiro verso em diante, a
repetição de palavras reforça essa imagem e cria outras. A primeira é a de Eco, personagem
da mitologia grega, que, apaixonada e desprezada por Narciso, optou pela reclusão.
Paulatinamente, a tristeza a consome, seus ossos são transformados em penhascos, e dela
restou a voz. Assim como a Eco mitológica, ao texto restou a voz, mas é uma voz que não
lhe pertence realmente, é apenas a repetição da voz do outro.
94
No entanto, o poeta se rebela contra essa sina e, ao contrário de Eco, que repete
sempre a terminação das palavras, subverte essa prática, repetindo o início da palavra
“antigo”. Essa repetição faz surgir o prefixo “anti”, que carrega o sentido de ação contrária, de
oposição. É o novo tentando opor-se ao antigo, embora seja oriundo dele. Essa é, contudo,
uma rebelião perdida, pois o grito de rebeldia acaba sendo repelido pela “parede” da tradição
e volta para ele como “rede” que o envolve. quando envolvido pela rede da tradição, o
novo realmente se renova, e esse processo é simbolizado pela palavra “verde”. Nessa cor, está
o sentido de esperança, de planta que renasce, de vida que se renova.
O poema termina interrogando-se se ouvir o eco da tradição é encontrar o próprio eu
(com mim) e o outro (consigo), se é se perder nas muitas vozes que ressoam marcadas pela
profusão de pronomes (se, me , lhe, te) ou, ainda, se o poeta segue uma possibilidade
inalcançável (se, se, se) ou apenas segue o seu semelhante. Essa última imagem é obtida a
partir da semelhança nica entre os pronomes escolhidos (se, me, lhe, te) e a palavra
“semelhante”. Logo, é na estrutura do poema e na visualização da palavra que o poeta vai
criar a imagem surpreendente que provocará o estranhamento e a desestabilização do leitor.
Noutros poemas, ele dilui as fronteiras entre imaginação e visão, tornando o texto um
mosaico de cenas oriundas de diversas fontes em oposição às imagens fáceis e pré-fabricadas.
Um bom exemplo é o haicai publicado em Distraídos venceremos e analisado num belo
ensaio de Wilbert Salgueiro (2007), Poesia versus barbárie, que mostra como, utilizando duas
imagens carregadas de sentido para o mundo ocidental, o poeta questiona-se sobre o papel da
poesia. Mesmo sem desejar fazer da poesia um instrumento de luta política, porque tem a
convicção de que ela é um “inutensílio” e que essa é a sua maior contribuição para a
humanidade, Leminski não a concebe como uma atividade descolada da vida, da sociedade,
do contexto histórico.
lua à vista
brilhavas assim
sobre auschwitz?
(Leminski, 2006, p. 129)
Ao expressar seu desassossego, ele percorre os passos elencados por Calvino (op. cit.)
como fundamentais para a criação da imagem poética. O primeiro deles é a observação direta
do mundo real: a Lua satélite da Terra, que sempre encantou os homens. O segundo é a
transfiguração do mundo real: a imagem da Lua está freqüentemente associada à beleza, à
leveza, ao inatingível, mas também ao elemento misterioso que, de longe, influencia as forças
95
da natureza (as marés, as colheitas, os nascimentos). Esse satélite místico e mágico que está
sobre todos muda constantemente, tem fases. Ou seja, na imagem da Lua, também está
presente a idéia de força e poder. Salgueiro (op. cit.) observa que há, no poema, a metáfora
lua/poesia, porque ambas mantêm-se sobre todas as coisas, fechadas em seu próprio mistério,
em seu caráter de ornamento aparentemente inútil. A essa análise é possível acrescentar que
tanto a uma quanto à outra é atribuído um poder indefinido e impalpável, mas inegável, de
tocar o sentimento humano. A Lua toca quando muda de fases e desestabiliza os elementos
naturais; a poesia toca quando sua palavra desestabiliza a linguagem cotidiana. E o terceiro
passo é a condensação da experiência sensível, concretizado no momento em que a imagem
impassível da Lua é confrontada com uma imagem que, para o mundo ocidental, é um
símbolo da barbárie: Auschwitz – o mais famoso campo de concentração da II Guerra
Mundial. As gerações posteriores à guerra, ao ouvirem esse nome, imediatamente resgatam da
memória histórica as imagens do genocídio, das câmaras de gás, das covas coletivas. Embora
outros genocídios tenham acontecido e ainda aconteçam no mundo, nenhum se tornou tão
simbólico quanto o que aconteceu nesse campo de concentração do território polonês. Por
isso, ao relacionar duas imagens tão emblemáticas no imaginário ocidental (lua/poesia e
Auschwitz), o poeta causa um impacto e se questiona se, diante de tanto horror, a poesia
pode/pôde se manter indiferente. Ao provocar o surgimento das duas imagens e encerrar o
poema com uma pergunta, o poeta encontra a resposta: se a poesia, como a Lua, tem o poder
de influenciar os homens, mesmo que esse poder seja mínimo e indefinido, ela não pode se
manter distante e inalterada frente aos problemas da humanidade.
Por isso, o poeta não se cala, ao se ver diante dos tempos sombrios que o país vivia
durante a ditadura.
sombras
derrubam
sombras
quando a treva
está madura
sombras
o vento leva
sombra
nenhuma
dura
(Leminski, 2006, p. 120)
A ditadura surge na metáfora da sombra (espaço sem luz), apresentada como uma
situação que se autodestruirá. Reforçam a idéia de mácula, de escuridão cíclica, os vocábulos
96
“treva” associado ao predicativo “madura” e “ventofreqüentemente relacionado ao
tempo, elemento que, de acordo com o senso comum, impulsiona mudanças.
A visibilidade evoca a força poética do imaginário, sugerindo que a experiência e a
fantasia são compostas pela mesma matéria verbal. O ponto fundamental da visibilidade é
tornar visível para si e para os outros, com o uso intensivo da imaginação, aquilo que parece
impossível, inviável, inalcançável. E nada atualmente parece mais inalcançável do que se opor
à avalanche de imagens da sociedade de consumo. A literatura talvez seja o único meio de
alcançar o retorno à visão, conforme sugerido por Saramago (1995), em Ensaio sobre a
cegueira, no qual o autor português aponta que o olhar que volta a enxergar é um olho
educado, plenamente apto para atender à grande exigência do mundo contemporâneo: ver
tudo. Logo, somente a forma poética possui a propriedade de libertar a linguagem,
redescobrindo, desse modo, a figura do mundo, encoberta pela saturação iconográfica. A
imagem poética, como um valor e uma chave de acesso, apreensão, compreensão e explicação
de nossa condição humana, educa o olhar. Ao se reconhecer como um sujeito que vive sob o
imperialismo da visibilidade dentro de um mundo hipersemiótico, o homem alcança outros
mundos, até então escondidos.
O poeta da rapidez, da síntese, da fragmentação também é, paradoxalmente, o poeta da
contemplação, capaz de focalizar uma imagem e observá-la detidamente, de adentrar em seus
detalhes, de colocar la vie en close”. Nessa atitude, surgem, como parte integrante da poesia
leminskiana, os elementos que Calvino (op. cit.) aponta como formadores da imaginação
literária (a observação do mundo, a cultura, a abstração, o sonho, a experiência sensível).
Na esteira das transformações socioeconômicas e culturais ocorridas no século XX,
veio a consciência da instabilidade e da fragmentação. não existe a crença em grandes leis
gerais que explicam tudo. O interesse recai sobre a parte (o fragmento), não mais sobre o
todo, porque este ficou incompreensível, grande demais, múltiplo demais. Portanto, o
pequeno, o mínimo, o detalhe ganha relevância. No período que compreende o final do século
XX e o início do século XXI, a multiplicidade representada pela capacidade existente em
Leminski de explorar os diversos aspectos que existem em cada objeto, em cada fenômeno ou
situação aparentemente insignificante recobriu-se de grande importância, porque apela para
um olhar atento e vagaroso, cedendo lugar à reflexão.
O poema de abertura de La vie en close, “L’être avant la lettre”, funciona como uma
justificativa do poeta para sua tentativa de captar o detalhe através da palavra.
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la vie en close
c’est une outre chose
c’est lui
c’est moi
c’est ça
c’est la vie dês choses
qui n’ont pas
un outre choix
(Leminski, 2004, p. 5)
O texto também aponta para a superficialidade frívola com que as questões são
abordadas e critica a forma apressada e superficial de olhar do homem urbano, sujeito
formado no âmbito da cidade e que, como conseqüência, tem impressões momentâneas e
fragmentadas.
No close, a vida fecha-se e abre-se. A vida fecha-se, porque ele é um ângulo restrito de
visão que anula o entorno; porém, por ser uma aproximação, nele é possível ver aquilo que, à
distância, é imperceptível. Logo, amplia-se a visão: nuances, detalhes e relevos são revelados.
No quase imperceptível, surge uma vida que se expande quase infinitamente. Colocada em
close, a vida é sempre uma outra coisa. Assim, da observação desse mínimo, podem surgir
várias faces: a do outro (c’est lui), a própria (c’est moi) ou algo indecifrável, representado
pelo pronome indefinido (c’est ça). Ao utilizar o idioma francês para escrever o poema,
Leminski evoca a revolução francesa, cujo lema era “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, e
sugere que essa também é a sua bandeira, pois o close abre a visão para inúmeras
possibilidades. Assim, ele é um valor e uma chave de acesso que possibilita ao homem ver
além do óbvio.
Ao adotar o close, construindo uma poesia condensada, uma arquitetura mínima feita a
partir de parcos elementos, numa economia pura de linguagem, o poeta revela seu apreço ao
pequeno, valoriza a sutileza da percepção e, ao mesmo tempo, se opõe a um mundo de tantos
e tão diversificados apelos visuais. Leminski vislumbrava aquilo que o século XXI viveria
intensamente: a onipresença da imagem, causando um certo esvaziamento no que é dado a
ver. Por isso, Calvino (op. cit.) elege a visibilidade como um dos aspectos a ser preservado
98
pela literatura no terceiro milênio, mas a coloca no campo da imaginação como antídoto
contra a homogeneização.
Como Calvino, Leminski crê na força da imagem, no seu poder icônico de síntese e de
diversidade. Para ele, sem a imagem, o campo da linguagem limita-se; portanto, não seria
possível abordar “sete assuntos por segundo” (LEMINSKI, 2004, p. 24.) sem cair na
superficialidade. Ao estabelecer uma estreita vinculação entre vida e poesia, ou seja,
compreender e realizar a poesia como abstração, elaboração e condensação da experiência
sensível, Leminski faz o inusitado brotar do cotidiano, interligando mundos distintos: mundo
sensível, imaginação e escrita. Dessa forma, posiciona-se poética e politicamente contra a
lógica unificadora e totalizadora da sociedade burguesa e identifica a pluralidade como saída
para os impasses que antevê na contemporaneidade. E é essa capacidade da escrita conter uma
diversidade de mundos que deveria, segundo Calvino (op. cit.) ser preservada no próximo
milênio.
Seu apreço pelo detalhe é uma intensa defesa da poesia (detalhe da linguagem), que o
poeta pretende não preservar enquanto um bem capaz de humanizar a sociedade em que
está inserido, como também manter atual frente às conquistas tecnológicas dessa mesma
sociedade. Ele acredita no poder transcendental da linguagem, porque nela as imagens
encadeiam-se, renovam-se; entretanto, percebe a necessidade de a poesia se valer dos recursos
técnicos da mídia, principalmente no que se refere à projeção de imagens, sem, contudo,
sucumbir à tirania da sociedade de consumo.
A poesia seria um espaço interdisciplinar, livre, que não aceita pactos com as
“verdades”, sejam elas oriundas do Concretismo ou de qualquer outra estética. Essa convicção
justifica seu trânsito pelo Concretismo, pelo Tropicalismo, pela publicidade, pela música, pela
televisão.
A utilização de imagens surgidas a partir da linguagem faz tempos e espaços ficarem
justapostos, de maneira a serem percebidos, simultaneamente, pelo leitor, remontando a uma
escrita ideogrâmica que, claramente, influenciou a poesia leminskiana. No entanto, sua escrita
não se ligou, integralmente, a qualquer movimento, escola ou tendência, configurando-se uma
exploração da linguagem em suas múltiplas possibilidades. Ao buscar a coexistência entre o
antigo e o novo, anuncia outra época, fundada na pluralidade de valores e na confluência
temporal.
Seu desejo de ruptura, sua paixão crítica e sua utopia são índices de seu compromisso
com os valores revolucionários da modernidade em sua origem. Sua poesia se sustentou da
idéia modernista de prática literária que visa à ruptura com os cânones do passado e a
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perseguição do novo, sem que isso signifique desconsiderar a tradição. Ao mesmo tempo, sua
obra estava inserida nessa atitude um cunho político de viver a experiência revolucionária,
aderindo às causas libertárias e explicitando o desejo de transformar a sociedade via
linguagem ao fazer “un autre choix”.
A valorização do close é um traço recorrente na obra de Leminski. O conto “Descartes
com lentes”, inscrito, em 1966, em um concurso do gênero, indica a preocupação do poeta
com o foco, com a visão ampliada. Esse texto daria origem a Catatau, no qual a luneta
(lentes) sempre foi lida como símbolo de distanciamento crítico, branco, europeu, em
oposição ao cachimbo com maconha que o filósofo carrega na outra mão. No entanto, a luneta
também é um objeto que amplia, aproxima, coloca o detalhe em destaque, que é captado por
seus poemas-fotos.
Leminski era alguém que queria a vida dentro da poesia; por isso, seus poemas são
clics que captam o momento que passa, porque “só o durante dura” (LEMINSKI, 1996, p.
23). Isso aparece explicitado no título e na estrutura do primeiro livro que reuniu seus
poemas: Quarenta clics em Curitiba. Os clics são tanto seus poemas quanto as fotografias de
Jack Pires, com as quais seus textos dialogam.
O que o amanhã não sabe,
o ontem não soube.
Nada que não seja o hoje
jamais houve.
(Leminski, 1996, p. 47)
Ele faz uma abordagem fenomelógica do tempo. O presente é o agora dentro de si
mesmo. Se, na perspectiva clássica, o presente era visto em função do passado, e este era
concebido como um espaço do eterno; na modernidade, o presente nega e reinventa o passado
e confere duração ao que é provisório. O agora é, pois, o momento provisório que contém
uma poderosa potencialidade de aliar passado, presente e futuro.
A poesia não legitima qualquer saber ou verdade, porque tudo é provisório. Nesse
presente fragmentado e disperso, saberes múltiplos convivem, ora de maneira harmoniosa, ora
de maneira conflitante, mas ele é um espaço privilegiado em que há uma possibilidade
relativa de conjugar opostos sem que, com isso, cada elemento perca suas particularidades. O
presente é o lugar do não-unitário, da alteridade.
O poeta recusa a visão dualista do pensamento ocidental, que se construiu a partir de
uma relação excludente entre o que é e o que não é e adota a gica da conciliação dos
contrários, predominante na filosofia oriental, aliando-a à sua pressa de viver, de escrever, de
100
registrar o momento efêmero, fazendo que linguagens diferentes se interpenetrem. O poema
endossa a idéia de que o saber se constrói no agora, sustentado pela dúvida.
Os ensinamentos zen-budistas aparecem refletidos no poema na visão simultaneista do
tempo, assim como uma nova postura estética e política tropicalista-marginal: viver o
presente, editando o passado.
Ao admitir a relação entre texto e vida, Leminski cultua o seu tempo e o lugar de onde
fala. Por isso, elegeu o provisório, numa junção de arte e vida no “horizonte do provável”.
Talvez isso tenha ocorrido porque ele, atento às transformações sociais, políticas e
econômicas e tecnológicas de seu tempo, decidiu editar o presente, conjugando diversas
linguagens.
A preocupação de conjugar o verbal e o não-verbal sempre acompanhou Leminski
porque ele sentia uma insatisfação com os limites da linguagem verbal. Daí nasceu sua
ambição multimídia.
Confirma a tendência Quarenta clics em Curitiba. O livro uniu seus poemas à
fotografia de Jack Pires. Essa aproximação entre o verbal e o não-verbal se repetiria
futuramente em Winterverno, pois, segundo o poeta, ela amplia o repertório de recursos da
poesia verbal e a enriquece.
Posteriormente, Bonvicino (1999), nas notas às cartas publicadas em Envie meu
dicionário cartas e alguma crítica, apresenta o poema não publicado “O milagre da
consciência”, no qual Leminski demonstra aguda percepção dos questionamentos que as
mudanças tecnológicas, com o surgimento da informática, trariam e ratifica sua preocupação
em apropriar-se da fecunda relação entre o verbal e o não-verbal.
101
(Leminski, 1999, p. 176)
Apesar de não pretender ser um profeta da modernidade, Leminski parece ter
antecipado o impacto que as novas tecnologias provocariam no modo de os homens pensarem
sua humanidade. A seu modo, integrando a imagem à palavra e criando um texto híbrido, que
se situa entre o gênero história em quadrinhos e poesia, neutraliza a influência da informática
e aponta para a literatura, ainda que deformada em sua estrutura original, como forma de
preservar o sentido de humanidade pela força da imaginação, já que a lógica pode ser
reproduzida por um organismo artificial.
102
Considerar a imaginação uma via de acesso ao conhecimento tão ou mais forte que a
razão o faz comparar o poeta no ato de escrever a uma aranha no exercício de tecer.
para fazer uma teia num minuto
a aranha cobra pouco
apenas um mosquito
(Leminski, 2004, p. 150)
Apesar de o poeta e a aranha, para produzir suas obras, dissolverem-se, diluírem-se, a
aranha “cobra pouco” pelo que produz: “apenas um mosquito” para saciar sua fome, e o poeta
não cobra nada. Leminski revisita-se na imagem da aranha, mas de forma diversa, pois, no
poema “Razão de ser”, afirmara que tanto a ação da aranha de tecer teias quanto a do poeta de
tecer o texto, entrelaçando idéias, não tinham motivações, justificativas.
Em que pesem as mudanças ocorridas nessa releitura da imagem da aranha, ela ainda
guarda convergências com a imagem do poeta, visto que a teia e a poesia são elementos que
se sustentam do improvável, que estão ligados à realidade por fios frágeis. Todavia, assim
como os fios frágeis da teia são capazes de prender o mosquito, os fios frágeis do texto
também enredam o leitor. Assim, o poeta-aranha produz seu texto-teia para, com ele, fazer a
revolução em que acredita. No poema “Epístola a Régis”, Leminski compara, novamente, o
poeta à aranha: ambos são seres cujo destino está traçado: ela está destinada ao incessante
tecer, ele está fadado a escrever, porque “o signo é nosso destino / nossa desgraça e nossa
glória / uma aranha sempre sabe / que depois desta teia / virá outra teia e outra teia e outra.”
(LEMINSKI in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 53)
Seu foco nas coisas pequenas faz seus poemas-teias captarem a realidade circundante e
convertê-la em imagem poética. Nesse registro, o poeta mostra sua sensibilidade diante do
quase imperceptível. Seu olhar livre e perspicaz encontra sentido naquilo que é aparentemente
sem importância, aliando à visibilidade, a leveza e a exatidão, conforme ocorre no haicai
abaixo, em que a observação da sombra faz surgir uma sabedoria nipônica diante de um
acontecimento cotidiano.
sobressalto
esse desenho abstrato
minha sombra no asfalto
(Leminski, 2004, p. 127)
A palavra “sobressalto” fragmenta-se por todo o poema. O “sobre” de sobressalto”
desprende-se e ressurge nos vocábulos “abstratoe “sombra”, presentes no segundo e terceiro
103
versos, enquanto o “salto” aparece no som sibilante das palavras esse”, “desenho”,
“abstrato”, “sombra” e “asfalto” e na rima dos três versos. O jogo sonoro corrobora para a
criação da idéia de que o poeta surge de seus fragmentos, mesmo que seja na forma de um
“desenho abstrato”. Essa espécie de estranhamento inesperado de si próprio é, ao mesmo
tempo, o reconhecimento de que esse ser estranho é uma parte dele mesmo. É esse
estranhamento que o poeta busca provocar no leitor quando persegue a informação nova e
coloca o detalhe da sombra em foco, ampliando a significação desse fenômeno insignificante
e corriqueiro, a partir de palavras simples (sobressalto, desenho, asfalto), trabalhadas através
de econômicos e sintéticos recursos poéticos.
Nessa montagem e desmontagem da palavra, ele cria uma visibilidade estrutural que
desintegra uma imagem e dá a ver outra, problematizando o real e causando um certo
desconforto. Do desconforto, causado por essa visibilidade, nascem a percepção e a reflexão,
e, assim, são formadas novas imagens.
Observando a realidade e passando-a pelo filtro da imaginação, a imagem criada pelo
poeta desnuda a relação íntima entre as coisas, faz surgir afinidades e a ver as relações
estabelecidas entre o visto e o sentido. Logo, ler a imagem é condição para a compreensão do
poema, pois ela é uma fulguração que permite abarcar uma diversidade. As imagens de
Leminski podem, portanto, convocar os sentidos, a imaginação e o pensamento. Elas são
personagens centrais, aglutinadoras de sentidos que concentram, em si, uma potência.
O sexto valor literário que merece ser preservado no próximo milênio, na opinião de
Calvino, é a consistência. Como o autor faleceu antes de proferir as palestras e não deixou
apontamentos acerca desse último tema, pois pretendia escrevê-la durante sua permanência
em Harvard, desconhecemos o que ele pensava e não tentaremos conjeturar qual seria o
conteúdo da sexta proposta. Tentaremos, apenas, recorrendo ao significado básico da palavra
e considerando as propostas anteriores, esclarecer o que seria a consistência de uma obra
literária.
Recorrer ao dicionário não trouxe muita luz à indagação. Ferreira (1975), em seu Novo
dicionário Aurélio, é sucinto e pouco esclarecedor com relação ao termo. No entanto, é
sempre possível depreender da definição dada pelo dicionarista algum esclarecimento. No
item dois do verbete consistência, lemos: “é a concordância aproximada entre os resultados de
várias medições de uma quantidade”. Logo a seguir, em figurado, é “perseverança, firmeza,
constância.” Contrapondo as definições às propostas anteriores, seria possível concluir que a
consistência literária consiste em existir, na obra, uma presença constante de exatidão, de
leveza, de rapidez de visibilidade e de multiplicidade. Portanto, o que entendemos por
104
consistência na literatura é o resultado da presença desses procedimentos na obra do autor, de
tal forma que ela pulse de vida.
Se assim é, vale dizer que é possível encontrar consistência na poesia de Paulo
Leminski, porque ele levitou sobre a realidade sem se desligar dela, construiu pacientemente
uma mensagem rápida, associou o invisível ao visível, unificou processos imaginativos e
criou versões multifacetadas do mundo.
Embora não tenha vivido no terceiro milênio (morreu em 1989), o poeta curitibano
preservou esses valores ao percorrer um intrincado caminho, vagando entre o Concretismo e o
Tropicalismo, a poesia clássica ocidental e a poesia japonesa, o capricho e o relaxo, a pressa e
a paciência. Fez sua poética recolhendo fragmentos de idéias diversas e unindo-as em textos
híbridos. Seus deslizes, suas facilitações, seus erros não anulam a consistência de sua poesia,
pois, se o termo também aponta para a idéia de perseverança e de firmeza, ele foi, sem dúvida,
um “guerreiro da linguagem”, conforme o denominou Solange Rebuzzi (op. cit.). Isso porque,
mesmo errando, Leminski empreendeu uma luta com a palavra, almejando fazê-la transmitir
uma carga de conhecimento maior, transcendendo a própria linguagem e suas limitações.
Mesmo em meio às facilitações, ele viveu o conflito, lembrando que existem valores que
somente a literatura, ou principalmente ela, pode preservar, por ser um local privilegiado para
a imaginação, para a fantasia, para a abstração, para a convivência de múltiplas visões.
A consistência em sua obra pode ser percebida na sobreposição de imagens que o
poeta realiza. O movimento de afirmação da palavra, da linguagem pura, como ele diz, é a
negação da sociedade burguesa. Com essa estratégia, o poeta atinge outro tipo de
consistência: a consistência conceitual. Se, em alguns poemas, o inconformismo e,
conseqüentemente, a capacidade de inovar acabam arrefecendo; em outros, a permanência
desse ímpeto garante a consistência: imagem rtil, originalidade, invenção, precisão o que
se justifica pelo fato de sua criação sempre ter sido movida pela paixão. Negar o mundo ou
querer construir um outro mundo através da poesia é sua forma de associar poesia e vida, de
projetar a palavra poética no mundo e o mundo na palavra. Essa relação entre poesia e vida dá
consistência à poesia leminskiana e tem relação com sua coerência no plano da conduta
pessoal.
105
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Paulo Leminski pode ser lido por vários ângulos: pelas cartas, pelas entrevistas, pelos
ensaios, pelas atuações na mídia, pela prosa, pela poesia. É possível estudá-lo a partir de cada
um desses aspectos, porque toda sua obra está intimamente ligada: há poemas que surgiram de
ensaios, de cartas, de prosa; prosa nascida de poesia, como é o caso de Metaformose: uma
viagem pelo imaginário grego, que surgiu a partir de um poema publicado em Caprichos e
relaxos, no qual a palavras vão se transformando e sugerindo o processo contínuo de
metamorfose. Logo, por onde quer que se penetre em sua obra, sempre surgirão cruzamentos.
Não obstante os muitos caminhos que trilhou, sua obra sempre converge para a poesia.
Ela está no centro das atividades artísticas que o poeta desenvolveu ao longo da vida.
Podemos dizer que o próprio Leminski se empenhou em promover esse entrelaçamento,
realizando uma constante revisitação à própria obra. O conto “Descartes com lentes”, por
exemplo, foi o germe de Catatau, que, por sua vez, tem um de seus trechos como epígrafe de
Distraídos venceremos. Além disso, o poeta afirmou “eu vivo para fazer poesia” (LEMINSKI
in LEMINSKI & BONVICINO, 1999, p. 158), ratificando que a poesia sempre esteve no
centro de sua própria vida. No entanto, embora tenha conjugado vida e poesia, sempre foi
consciente das oposições entre elas e da impossibilidade de se explicar uma através da outra.
O exercício memorialístico que se faz ver em seus poemas é velado pelos artifícios da
linguagem, mesmo quando o poeta admite ser impossível afastar texto e experiência, ou a
realidade circundante.
Desejando conter a subjetividade, o poeta utiliza várias estratégias de apagamento.
Uma delas é explorar a presença de múltiplas vozes em seu texto. Com isso, denuncia a farsa
da unidade do eu e se reconhece sempre outro. Leminski parte do pressuposto de que todo
poema é uma releitura do dito, do escrito, ou seja, é uma tradução. Nessa tradução, a
forma de dizer não se desvincula do que é dito. São as formas que demonstram as
contradições e as oscilações de seu próprio pensamento e revelam um estado de cisão e de
dualidade. Admitindo ser um sujeito constituído por fragmentos, dividido, busca, no ato da
criação, “apagar-se” dentro da linguagem até que dele “só reste o charme”.
A intenção de Leminski de apagar-se na linguagem está presente em todos os seus
livros, contudo vem associada a uma consciência de que isso é impossível ou a um desejo
subliminar de presença. Em Caprichos e relaxos, ele escreve: “apagar-me / diluir-me /
desmanchar-me” (LEMINSKI, 2002, p. 54), mas conclui o poema num desejo de
106
permanência no “charme”. Em Distraídos venceremos, no poema “Último aviso”, o poeta
alerta que “tinha que ser mistério” o seu “meu modo de desaparecer” (LEMINSKI, 2006, p.
89), apontando que seu “modo de desaparecer” tanto é a morte, com todos os seus mistérios,
quanto a poesia num falso desaparecimento. Já no livro stumo O ex-estranho, a idéia de
apagamento ora exacerba-se, e o poeta almeja a evaporação total do ser, capaz de eliminar
quaisquer marcas de sua presença, como no poema Olinda Wischal: “pessoas deviam poder
evaporar / quando quisessem / não deixar por aí / lembranças pedaços carcaças” (LEMINSKI,
1996, p. 30); ora é vista como uma simples edição da subjetividade: “depois de muito meditar
/ resolvi editar / tudo o que o coração / me ditar” (id., ib., p. 65), revelando que se apagar
completamente foi impossível. O máximo que a racionalidade permitiu-lhe foi editar sua
subjetividade, utilizando, como estratégias, a rapidez, a multiplicidade, a exatidão; mas
observamos que, no fundo de toda a edição, sempre está presente um resquício de
subjetividade.
É editado na linguagem que o poeta se reconhece, se constitui, se recria, se revela.
Questionando sua própria existência, o poeta se encontra, se apresenta na superfície do papel.
Sua voz é capturável nas entrelinhas e nas articulações dos significantes do texto. Embora
velado, o poeta não consegue se apagar totalmente e pode ser entrevisto através da linguagem
do poema, porque, nela, querendo ou não, o sujeito emerge. Ao escrever, o poeta é,
simultaneamente, escrito pela linguagem. Manifestando-se nas articulações da linguagem, o
poeta com ela se confunde, e surge a sua voz porque seu texto não perde totalmente as marcas
de subjetividade. Entretanto, a voz não é somente sua, pois, dentro dela, coabitam múltiplas
vozes: da sociedade em que vive, da etnia a que pertence, da língua materna, das nguas que
aprendeu, dos autores que leu. Mesmo assim, elas não deixam de ser a sua, porque são as
vozes que o poeta escolheu para acompanhá-lo, para constituí-lo. Como são múltiplas e,
muitas vezes, antagônicas, estão em permanente embate. Colocá-las em constante diálogo, foi
sua maneira de lidar com essa oposição. Considerando que a vida é diversa e tudo o que viu,
viveu, sentiu, imaginou foi, de uma forma ou de outra, transformado em poesia, Leminski tem
a consciência de que somente a multiplicidade pode tentar abarcá-la. Portanto, a presença, em
seu texto, de muitas vozes não significa sua abolição enquanto sujeito.
Todas essas vozes são suas escolhas, pois, ao longo de sua convivência com as
palavras, criou o seu paideuma, misturando poesia clássica, poesia concreta, poesia marginal,
poesia japonesa e tropicália. A poesia japonesa deu-lhe a lição de economia e de imperfeição,
por se sustentar na idéia de que nada está totalmente acabado, pronto. Além disso, veio ao
encontro das inquietações do poeta ao permitir a conciliação dos contrários e a suspensão da
107
lógica ocidental. Esses conceitos, reinventados pelo poeta e entrelaçados com o racionalismo
da poesia concreta, os saques da poesia marginal e a liberdade do tropicalismo construíram
um poeta singular, que promoveu o diálogo entre ocidente e oriente, exercitou o
multiculturalismo e fez muitas vozes serem ouvidas em sua poesia.
Assim, na obra de Leminski, diferentes linguagens interpenetram-se, e são
incorporados à sua poesia recursos variados. Sua preocupação em transitar por diferentes
caminhos da linguagem, visitando obras de culturas, épocas e estéticas diferentes, reflete a
crença na superação de opostos. Dessa conjunção de opostos, surge sua multiplicidade, na
qual os elementos opostos se fundem, numa ntese que não elimina a diferença entre os
elementos, desencadeando o não-unitário. Sua obra é regida pela lógica dos contrários. Ela
admite a dispersão e a fragmentação, a crise da idéia de verdade e a coexistência de saberes
múltiplos e discordes.
Toda essa mistura trouxe uma constante oscilação entre objetividade e subjetividade e
se faz ver desde o início da carreira, revelando a opção consciente do autor pela incerteza,
pela errância. Essa não-definição faz com que algumas interferências autobiográficas
contrastem com o apagamento e o afastamento da referência, que o autor afirma buscar no
prefácio de Distraídos venceremos. O livro apresenta um sujeito em crise que diz almejar o
afastamento da referência, portanto um apagamento da subjetividade, mas o faz dando
explicações ao leitor acerca de suas intenções, ou seja, assumindo uma voz autoral, e
recheando o livro de metapoemas que oferecem sua visão de poesia. Há, no livro, uma auto-
referencialidade. Ele se explica, se contesta, se indaga, instaura a dúvida e a contradição,
desnudando um sujeito em crise que vai se produzindo e se negando ao longo do texto, que
põe em xeque suas escolhas e revela sua ambigüidade na presença insistente de interrogações.
Desse modo, querendo afastar-se da referência, ele cria uma obra que funciona como
uma espécie de autobiografia de sua trajetória poética, surgindo daí um sujeito contraditório
que, ao mesmo tempo em que deseja esconder-se sob a linguagem, revela-se através dela.
Distraídos venceremos, escolhido como corpus principal deste trabalho, descortina um
momento de transição na poesia leminskiana. Prova disso é o grande número de indagações,
como já observara Álvaro Marins (1995) em sua tese, e a significativa presença de 80
metapoemas. As indagações apontam para a necessidade de encontrar uma via entre o rigor e
a espontaneidade da linguagem. O rigor precisa ser rompido, porque, para o poeta, a poesia é
o prazer, e o prazer não tem fórmulas. Paradoxalmente, a espontaneidade precisa ser contida,
porque Leminski não desejava perder de vista o trabalho formal com a palavra. Tais
constatações comprovam que o poeta encontrava-se num período de questionamento sobre
108
seu fazer poético. Por isso, Distraídos venceremos é um livro que trata, sobretudo, de si
mesmo, das dúvidas do poeta diante do ato de escrever, entendido como forma de revolução.
Ao mesmo tempo, as dúvidas expressas no livro endossam a visão de Leminski de que a
poesia não se faz de certezas, mas de dúvidas.
Todo esse jogo de contradições coloca o leitor em um estado de estranhamento, de
desconforto, porque a poesia leminskiana aponta para o fato de que tudo é provisório. E isso
presentifica-se na dispersão do sujeito, no exercício da contradição, na pluralidade de vozes,
na ênfase e na materialidade da palavra, em seus sons e em suas imagens. Ele conjuga
elementos contraditórios por acreditar que, através dessa convivência, é possível atingir a
plenitude, mesmo que ela seja tensa e provisória. Logo, o poeta tem, na linguagem, sua
utopia, pois crê que, através dela, é possível atingir as pessoas.
O poeta, ao passar a limpo sua poesia, fazendo uma autocrítica, anuncia a crise da era
moderna e o surgimento de uma outra estética que, atualmente, recebe o nome de pós-
modernidade. Modernidade, tradição, ocidente, oriente, razão, emoção, subjetividade,
objetividade, caprichos e relaxos convivem no espaço do poema, uma vez que fronteiras
foram diluídas pelos poetas que o precederam. Isso porque, para se rebelar contra a exaltação
ao progresso empreendida pela sociedade burguesa, a arte moderna resgatou o antigo e
redimensionou o novo, fazendo com que este comportasse aquele. Assim, o que era antítese,
na Modernidade, tornou-se um conjunto de relações, estabelecido dentro do texto, que mostra
o novo na tradição e a tradição no novo. O conceito de informação nova na obra de Leminski
não recusa nem destrói a tradição, apenas dialoga, de forma crítica, com ela e a utiliza de
modo criativo. Do mesmo modo, ao reler a poesia japonesa, revitaliza, criticamente, a cultura
da qual ela faz parte. Retira a carga convencional do conceito de tradição, pluralizando-a e
retraçando-a sob a ótica da invenção, transformando-a em um leque de passados e geografias
diversas. Assim, ele enfatiza a importância do passado em relação às novas gerações e vice-
versa.
Ao pluralizar o conceito de “novo” e descentralizar a noção de tradição, Paulo
Leminski opta pela multiplicidade, pois acredita que ao poeta cabe eleger seus próprios
clássicos e subvertê-los. Tanto a eleição quanto a subversão são marcas definidoras desse
poeta. Nessa antropofagia, Leminski mostra-se e faz surgir, em sua poesia, o popular e o
erudito, reafirmando a abolição do conceito de alta e baixa cultura, desconstruído pelo
Modernismo brasileiro, em sua fase heróica.
Em sua obra, as diferenças, longe de se anularem ou realizarem uma síntese
harmoniosa, se conjugam, se debatem e se modificam constantemente. Nesse traço
109
antropofágico, a experiência da multiplicidade deixa transparecer que o poeta curitibano é
muitos, sem deixar de ser ele mesmo.
Essa estética de aceitação do outro sem perder-se, é também o desejo de viver a
experiência revolucionária, de tentar renovar uma sociedade fundada na desigualdade entre os
homens ou de fundar uma nova sociedade, na qual a coexistência entre os diferentes não
signifique a anulação de um em detrimento do outro.
O conceito de “novo”, em Leminski, não descarta a potencialidade que a linguagem
tem de informar, de transmitir uma mensagem, mas alia forma e conteúdo, pois acredita que
essa potencialidade é fruto dos vários sentidos que uma palavra pode irradiar dentro do texto.
Essa variedade de sentidos não advém do uso normal das palavras. Os novos sentidos são
produzidos nas relações estabelecidas entre as palavras dentro do poema. Se é dentro do
poema que existe a possibilidade do novo, cabe à poesia desautomatizar a palavra para fazê-la
surgir em toda a sua potência significativa. Para Leminski, um signo sempre remete a outro
signo, e, na medida em que um signo vai se ligando a outro, pela força da afinidade e da
oposição, novos sentidos vão surgindo. Leminski busca combater a automatização da
linguagem convencional, através da subversão dos sentidos, do trocadilho, da escrita
ideogrâmica, da construção de imagens, da rapidez, da exatidão na escolha lexical, do close.
A forma, em vez de ser um mero invólucro de idéias, é ela mesma conteúdo.
Ao eleger o close, privilegia ângulos simples, fatos banais, pedaços de vida. Eles são
focalizados e transformados em figuras e fatos insólitos. Leminski defendia uma escrita
despojada de referências não-essenciais e sem a contaminação da subjetividade, porque tinha
a crença de que um texto possui mais força quando se usa o menor número possível de
palavras para expressar uma idéia, corroborando com os conceitos de exatidão e de
visibilidade, propostos por Calvino (op. cit.). Contudo, a subjetividade não pode ser
totalmente apagada, visto que o poeta pode constituir o poema selecionando situações,
palavras, imagens. E, embora esse seja um exercício racional, ele se realiza a partir de uma
perspectiva particular, portanto subjetiva.
Se é impossível apagar-se, o poeta decide focalizar as pequenas coisas em close, pois
esse ângulo aproximado anula o que está no entorno para ressaltar o detalhe imperceptível
daquilo que é observado. Leminski aproxima-se tanto que quase desaparece para dar lugar ao
ser observado. Mas, no próprio fenômeno que observa, o poeta ressurge, ora parcialmente, ora
integralmente. Seja no fragmento que recolhe, seja no instante que capta, a presença do poeta
é constante e inegável. Mesmo quando escreve haicai, cuja essência exige que o escritor
abandone sua subjetividade para re-significar a realidade que observa, o apagamento não
110
ocorre completamente. Afinal, a re-significação, seja ela de um fato ou de um fenômeno,
sempre será particular, individual logo, subjetiva. Isso comprova que o poeta se encobre e,
ao mesmo tempo, se revela.
Sua poesia mistura consciência e experiência, sendo quase impossível separar uma da
outra. A mesma subjetividade que aflora de sua poesia é exigida do leitor. Sua escrita exige
meditação e reflexão. Impõe ao leitor a complementação do sentido de seus minúsculos
poemas, de suas imagens concisas. É uma leitura que exige grande cumplicidade para que seja
profícua. Esse minimalismo provocado pelo contato com a poesia japonesa e fortalecido pela
poesia concreta fez a poesia leminskiana constituir-se por limitação, condensação e
simultaneidade, preocupando-se em exprimir-se através dos mais fundamentais elementos da
linguagem, caracterizando-se pela economia de palavras. Seus textos preferem sugerir
contextos a ditar significados. Espera-se do leitor uma participação direta, pois ele deve
decodificar o texto através de suas pistas e insinuações.
Em sua obra, poesia e vida estão amalgamadas. Seu modo de olhar a vida quer
desentranhar poesia do cotidiano. Ele alia ao close uma escrita rápida e exata que visa
apreender o instante e, na exaltação do instante, o eu fica elidido. No entanto, tanto na escolha
do instante a ser apreendido quanto das palavras que serão utilizadas para dar conta dessa
apreensão, o sujeito presentifica-se.
No prefácio de Distraídos venceremos, o poeta explicita a intenção de buscar a
rarefação através do afastamento da referência. Essa intenção também pode ser lida como
estratégia de afastamento do poeta, porque, ao afastar a palavra da relação com o que
referente, o poeta também busca distanciar-se. Os poemas que compõem o livro passam a
procurar a desintegração do sujeito na linguagem, numa constante tensão entre realidade e
escrita.
Esse constante conflito é sua singularidade. É a incerteza que o define. A poesia de
Leminski é uma tentativa de conjugar lucidez e paixão, capricho e relaxo, rigor e
descompromisso, arte e vida, subvertendo e relativizando o racionalismo da sociedade
burguesa e o pensamento racional ocidental. Cada um desses seus traços é importante em sua
obra. Como são opostos, o tom dominante não é de nenhum deles em particular, mas sua
oposição, a necessidade do poeta de fazê-los coexistirem e o fato de se perceber dividido em
muitas facetas. Por isso, qualquer análise unilateral que ignore o jogo de contrários inerente à
poesia leminskiana corre o risco de não dar conta de revelá-lo em sua ambigüidade.
Provavelmente, isso ocorreu porque ele se fez poeta num momento em que o
Modernismo e as vanguardas haviam derrubado algumas fronteiras, permitindo
111
experimentações e misturas de estéticas. Toda essa liberdade poética do século XX alimentou
a poesia de Leminski. Por outro lado, como cidadão, viveu em um momento histórico no qual
ocorreram mudanças profundas na ordem social e cultural. Ele presenciou o surgimento e o
início da derrocada dos projetos socialistas com os quais comungava –, apontando para o
fim da utopia de uma sociedade mais livre e igualitária.
Muitos aspectos de sua obra foram apenas tangenciados neste trabalho, sem o
aprofundamento que merecem. Essa tarefa, por ser extensa, caberá, com certeza, a outros
pesquisadores, já que o poeta curitibano põe em crise seu próprio trabalho, revisitando a si
mesmo e explorando diferentes campos da linguagem, dos quais busca extrair informação
nova.
Sem dúvida, é longo o legado da poesia e exige dos poetas do terceiro milênio um
esforço para mantê-lo naquilo que lhe foi fundamental: a leveza, a rapidez, a visibilidade, a
multiplicidade, a exatidão e a consistência. Leminski empreendeu esforços nesse sentido e
talvez sua maior contribuição seja seu desejo de tentar ultrapassar limites, de vencer as
barreiras de sua subjetividade, mesmo que, nesse embate, ele tenha vivido em conflito.
112
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