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produção, dotando-a de coerência interna. Certamente a ligação da “atividade poética”
com “o mundo da vida” é um traço comum a vários escritores, sendo isso, para muitos
teóricos, uma característica elementar da própria atividade poética; portanto, a priori,
esse liame não pode ser considerado como algo que singularize nenhum autor. No
entanto, o que nos importa, por ora, é entender que, mesmo sendo uma idéia muito
abrangente, da leitura de sua obra depreende-se que o compromisso em dizer a realidade
do homem está para Ferreira Gullar como um princípio para o esforço de criação ou
mesmo sua razão de ser. Esse compromisso afigura-se como parte de sua ética como
poeta.e define o seu trabalho com a linguagem, possivelmente, justificando tantas
mudanças formais no seu percurso literário. Sobre esse assunto destacaremos alguns
comentários feitos por ele mesmo para delinearmos as noções nucleares da sua poética:
Não, não há nenhuma poética universal: universal é a poesia, a
vida mesma. Universal é Bizuza, cuja voz se apagou com a sua
garganta desfeita há anos no fundo da terra. Universal é o
quintal da casa de plantas, explodindo verde no déia
maranhense, longe de Paris, de Londres, de Moscou. O frango
que nasce e morre ali, entre as cercas de varas. O cheiro do
galinheiro, a noite que passa arrastando bilhões de astros sobe
nossa vida de pouca duração. Universal porque Bizuza,
amassando pimenta-do-reino numa cozinha de São Luís,
pertence à Via-Láctea. E a história humana não se desenrola
nos campos de batalha e nos gabinetes presidenciais. Ela se
desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas; nas
ruas de subúrbios, nas casas de jogos, nos prostíbulos, nos
colégios, nas ruínas, nos namoros de esquina. Disso quis eu
fazer a minha poesia, dessa matéria humilde e humilhada, e da
vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser traição
à vida, e só é justo se o nosso canto arrasta consigo as pessoas
e as coisas que não têm voz.
Assim, a revelação poética é sempre permeável às “coisas da terra”, a
universalidade é extraída da experiência mais particular e cotidiana. Da “prosa da vida”,
da materialidade das coisas, do corpo, da história do homem comum, das coisas
pequenas e baixas, é disso que se desentranha a poesia. Sem exagerar, podemos dizer