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KARINE ALVES GONÇALVES MOTA
INTERVENÇÃO DO ESTADO COMO AGENTE REGULADOR E
FISCALIZADOR DA ATIVIDADE ECONÔMICA: PROSTITUIÇÃO
MARÍLIA
2008
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KARINE ALVES GONÇALVES MOTA
INTERVENÇÃO DO ESTADO COMO AGENTE REGULADOR E
FISCALIZADOR DA ATIVIDADE ECONÔMICA: PROSTITUIÇÃO
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito
da Universidade de Marília, como exigência parcial para a
obtenção do grau de Mestre em Direito, sob a orientação da
Prof.ª Drª Marlene Kempfer Bassoli.
MARÍLIA
2008
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Autora: Karine Alves Gonçalves Mota
Título: Intervenção do Estado como Agente Regulador e Fiscalizador da Atividade Econômica:
Prostituição
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, área de
concentração Empreendimentos Econômicos e Mudança Social, sob a orientação da Profª Drª
Marlene Kempfer Bassoli.
Aprovado pela Banca Examinadora em ______/_____/_________
______________________________________________________
Profª Drª Marlene Kempfer Bassoli
Orientadora
_______________________________________________________
Prof.(a) Dr.(a)
_______________________________________________________
Prof.(a) Dr. (a)
Dedico esse trabalho aos meus queridos amigos, Bárbara Cristiane, Manoel Bonfim e Plínio Pinto,
que me incentivaram na realização dessa pesquisa; aos meus amados pais Valdeci e Regina e
demais familiares, em especial minha sobrinha Angeline, tia Concita, tio Edú e vô Hass, que
sempre estiveram ao meu lado e me apoiaram nos momentos mais difíceis; ao meu esposo
Arnaldo, que, paciente, me esperou concluir essa missão.
Agradeço a colaboração da minha orientadora Drª Marlene Kempfer Bassoli, sem dúvida a melhor
professora que tive, a quem procuro seguir como exemplo. Agradecida também ao meu mais novo
amigo Mauro Andrés, que me ajudou na finalização desse trabalho, bem como ao apoio recebido
pelas Associações das Profissionais do Sexo, em especial a ONG DAVIDA; ao ilustre defensor da
categoria Deputado Federal Eduardo Valverde e todas as demais pessoas envolvidas direta e
indiretamente nessa nobre causa. Meu respeito, carinho e admiração.
“Liberdade! Liberdade!
Abra as asas sobre nós,
Das lutas na tempestade.
Dá que ouçamos tua voz.”
(Refrão do Hino da Proclamação da República Federativa do Brasil – Letra de Medeiros de
Albuquerque)
INTERVENÇÃO DO ESTADO COMO AGENTE REGULADOR E
FISCALIZADOR DA ATIVIDADE ECONÔMICA: PROSTITUIÇÃO
Resumo:
Esta pesquisa busca demonstrar o dever do Estado de intervir como agente regulador da
prostituição. Ampara-se, no direito fundamental da liberdade; nos princípios da dignidade da
pessoa humana e da valorização do trabalho, fundamentos da República e do Estado Democrático
de Direito; e na função (dever/poder) regulatória da atividade econômica exercida pelo Estado,
nos termos do Art. 170 e seguintes da Constituição Federal de 1988. O material utilizado
compreende doutrina, dissertações, artigos e sites, nesses, especialmente o do Ministério do
Trabalho que qualifica as prostitutas como “profissionais do sexo”, classificando a atividade
exercida como ocupação lícita. Tem essa pesquisa o objetivo de verificar o dever do Estado em
regular a atividade econômica exercida pelas profissionais do sexo. Em princípios será abordada a
evolução histórica da prostituição, desde a antiguidade até os dias atuais, bem como direito
fundamental da liberdade, enfocando aspectos filosóficos, psicológicos e sociológicos. Feitas tais
considerações, a análise retomará nos fundamentos da República e do Estado Democrático de
Direito, quais sejam: a dignidade da pessoa humana e a valorização do trabalho humano, nos
termos do Art. 1º, incisos III e IV da CF, repetidos no capítulo da constituição que trata da ordem
econômica, incluindo a livre iniciativa como fundamento, direitos esses, na maioria das vezes,
suprimidos às profissionais do sexo em razão da não regulamentação de seu ofício. Por fim será
tratada a intervenção do Estado na ordem econômica como agente regulador das atividades,
especialmente através da regulamentação e fiscalização; sua omissão atinente às profissionais do
sexo, observada a evidente e comprovada natureza econômica da atividade exercida. Em
conclusão, diante de todo material pesquisado, será apresentado o resultado sobre o dever do
Estado em regulamentar como profissão a atividade econômica exercida pelas prostitutas, seja
como autônomas ou empregadas de estabelecimento comercial próprio, adotando políticas
públicas específicas, especialmente na área da saúde, para acompanhar o exercício dessa atividade,
além de exercer o poder de polícia fiscalizando o exercício irregular da profissão.
Palavras-chave: Direito Público; Regulação; Profissionais do Sexo.
PROFESSIONAL OF SEX: THE INTERVENTION OF REGULATORY
STATUS AS AGENT OF PROSTITUIÇÃO
Abstract:
This research seeks to demonstrate duty of the state to intervene as a regulator of prostitution.
Ampara is in the fundamental right of freedom, the principles of human dignity and the
exploitation of labor, foundations of the Republic and of a democratic state, and in the (power
/ duty) regulatory economic activity exercised by the State, in terms of Art 170 and following
of the Federal Constitution of 1988. The material to be used includes doctrine, dissertations,
articles and sites, these, especially the Ministry of Labor that qualifies as prostitutes as "sex
workers", classifying the activity exercised occupation as lawful. This search has the goal of
checking the duty of the state in regulating economic activity exercised by sex workers. In
principles will be discussed the historical development of prostitution, since antiquity up to
today, and the fundamental right of liberty, focusing aspects philosophical, psychological and
sociological. With such considerations, the analysis will of the foundations of the Republic
and of a democratic state, which are: human dignity and the enhancement of human labor,
according to Art 1 st, propositions III and IV of CF, repeated in the chapter of the constitution
dealing with economic order, including the free enterprise as a basis, these rights, in most
cases, eliminated the sex workers on grounds of non-regulation of its letter. In the last chapter
will be treated the intervention of the state in the economic order as a regulator of activities,
particularly through the regulation and supervision; its omission regards sex workers,
observed the obvious and proven nature of the economic activity performed. In conclusion,
before any material searched, the result will be presented on the duty of the state in regulating
economic activity as a profession practiced by prostitutes, either as an independent or
employed in commercial establishment itself, adopting specific public policies, especially in
the area of health, to monitor the exercise of this activity, and exercise the power of police
monitoring the irregular exercise of the profession.
KEYWORDS: public law; Adjustment; Sex Professionals.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 9
1 DIREITO À LIBERDADE E PROSTITUIÇÃO ..............................................14
1.1 A LIBERDADE ENQUANTO VALOR..............................................................14
1.2 A LIBERDADE ENQUANTO DIREITO...........................................................21
1.3 ASPECTOS HISTÓRICOS DA PROSTITUIÇÃO..............................................27
2 FUNDAMENTOS DA REPÚBLICA E DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO E SUA EFETIVIDADE.......................................................................42
2.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA...............................................................43
2.2 VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO..................................................53
2.3 FUNDAMENTOS APLICADOS À ORDEM ECONÔMICA.............................55
3 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA PARA
REGULAR E FISCALIZAR A ATIVIDADE ECONÔMICA DA
PROSTITUIÇÃO................................................................................................59
3.1 ASPECTOS DO ESTADO MODERNO EM CRISE: FRAGMENTAÇÃO
SOCIAL, MOVIMENTOS SOCIAIS E NEOCORPORATIVISMO...................71
3.1.1 Fragmentação Social.......................................................................................75
3.1.2 Movimentos Sociais........................................................................................78
3.1.3 Noção de Interesse Público e Neocorporativismo...........................................82
3.2 ESTADO E SEU DEVER DE INTERVIR NO DOMÍNIO ECONÔMICO PARA
VIABILIZAR A INCLUSÃO DOS EXCLUÍDOS....................................................85
3.3 DEVER DO ESTADO DE REGULAMENTAR E FISCALIZAR A
PROSTITUIÇÃO..................................................................................................98
CONCLUSÃO.........................................................................................................104
REFERÊNCIAS......................................................................................................106
ANEXO A PROJETO DE LEI 98/2003 DEP. FERNANDO
GABEIRA................................................................................................................114
ANEXO B PROJETO DE LEI 4.244/2004 DEP. EDUARDO
VALVERDE............................................................................................................118
9
INTRODUÇÃO
Como demonstram os registros históricos, a prostituição é uma das mais
antigas ocorrências sociais, sendo comumente referida como uma das mais antigas profissões
do mundo. Inegável, portanto, seu enraizamento cultural nas sociedades e, obviamente, sua
existência de fato e sua importância sob todos os aspectos, inclusive jurídico. E é
essencialmente sob esta perspectiva que se desenvolve este estudo.
As transformações ocorridas a partir do século passado, com a “emancipação
da mulher”, provocaram profundas alterações na composição e na dinâmica da família e, de
um modo geral, nas relações de gênero. Assim, neste período as prostitutas do mundo inteiro
se lançaram à sua organização política em busca do reconhecimento oficial de sua condição
de “profissionais do sexo”, a fim de obterem a segurança jurídica que todo e qualquer
profissional deseja. No Brasil, essa organização culminou em constituição da Rede Brasileira
de Prostitutas
1
, organização civil de espectro nacional, bem como de diversas associações de
alcance estadual e/ou municipal.
Segundo o jornal eletrônico Beijo da Rua
2
, vinculado à Rede Brasileira de
Prostitutas, inexiste qualquer pesquisa estatística realizada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) ou pelo Ministério do Trabalho e Emprego, sobre a quantidade
de mulheres adultas que exercem no Brasil a prostituição como profissão, no entanto, estima-
se que existam cerca de um milhão de profissionais. O IBGE confirma a inexistência de uma
pesquisa direcionada a quantificar os profissionais do sexo, no entanto, informa que de acordo
com o censo 2000, à época tinha declarado 5.303 (cinco mil trezentos e três) trabalhadores do
sexo, lembrando que o próprio informante estabelece sua profissão, sem a interferência do
pesquisador e o quesito da pesquisa é “trabalho ou ocupação principal”.
Como se percebe, apesar de sua significação concreta, em inúmeros Estados
não regulamentação efetiva e eficiente para esta atividade, incluindo-se neste rol a
República Federativa do Brasil, o que de certa forma permite que suas múltiplas
1
REDE BRASILEIRA DE PROSTITUTAS. Disponível em: <http//www.redeprostitutas.org.br/>. Acesso em:
28 set. 2007.
2
JORNAL ELETRÔNICO BEIJO DA RUA. Disponível em: <http//www.beijodarua.com.br/> Acesso em: 28
set. 2007.
10
manifestações sejam colocadas em um único tópico, quando, sob todas as evidências, isto se
mostra inadequado, posto que a amplitude do fenômeno implica necessária análise e
categorização, dadas as inúmeras especificidades que se apresentam conforme a categoria
focalizada.
que se apresentar introdutoriamente o conceito operacional de
prostituição aqui utilizado, para em seguida delinear a categoria à qual se dedica esta
Dissertação.
Dado o alcance mundial do fenômeno, impõe-se adotar a conceituação da
Organização das Nações Unidas (ONU) para a prostituição, ou seja, “[...] processo em que as
pessoas mediante remuneração de maneira habitual, sob quaisquer formas, entregam-se às
relações sexuais, normais ou anormais com pessoas do mesmo sexo ou do sexo oposto,
durante todo o tempo”. Completa a definição dizendo que o ato sexual comercial é como
qualquer ato comercial em geral, em que algo de valor seja dado ou recebido por alguém.
3
Relativamente ao conceito de prostituição, seu núcleo está na prestação
remunerada de serviços sexuais, ou seja, na realização de atos sexuais mediante remuneração,
implicando então: interação sexual, retribuição monetária e indiferença afetiva.
4
A prostituição pode ser vista como uma forma de trabalho sexual que se
assemelha a uma transação de negócios, onde troca-se gratificação sexual por uma taxa
estabelecida, não havendo nenhuma pretensão à afeição,
5
importando lembrar que sua
definição social está vinculada ao complexo de valores do contexto de uma dada época e/ou
lugar.
6
3
RODRIGUES, Francislene dos Santos apud ANDRADE, Ivanise. Prostituição e Exploração: comercialização
de sexo jovem. Disponível em: <http://www.caminhos.ufms.br/reportagens/view.htm?a=45>. Acesso em: 22
set. 2007.
4
TOLERÂNCIA E PROSTITUIÇÃO: prostituição e suas problemáticas. Janeiro 19, 2005. Disponível em:
<http://filosofianauac.blogspot.com/2005/01/tolerncia-e-prostituio.html>. Acesso em: 17 set. 2007.
5
SCAMBLER, G.; PESWANI, R.; RENTON, A. & SCAMBLER, A., 1990. Women prostitutes in the AIDS.
Sociology of Health & Illness, 12: 260-273 apud GOMES, Romeu. Prostituição infantil: uma questão de
saúde pública. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (1): 58-66, Jan/Mar, 1994. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/csp/v10n1/v10n1a07.pdf>. Acesso em: 22 set. 2007.
6
PROSTITUIÇÃO. Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. Disponível em:
<http://www.coladaweb.com/diversos/prostituicao.htm>. Acesso em: 22 set. 2007:
“Prostituição é a
atividade que consiste em oferecer satisfação sexual em troca de remuneração, de maneira habitual e
promíscua. A definição de prostituição baseia-se em valores culturais que diferem em várias
sociedades e circunstâncias, mas geralmente se refere ao comércio sexual de mulheres para
11
Infere-se da conceituação anterior que a prostituição pode ser atividade
exercida por qualquer pessoa em relação a qualquer outra pessoa e envolver quaisquer atos de
conotação sexual, e, ainda, que tal atividade pode ser exercitada a partir de uma escolha livre
de quem se prostitui, ou diferentemente, a partir de uma imposição de outrem, dentre outras
variáveis, permitindo perceber sua amplitude e alcance, e, em última análise sua importância
para a sociedade, para o Estado e para o Direito.
Esta Dissertação trata tão somente da prostituição de pessoas plenamente
capazes para exercício dos atos da vida civil, do sexo feminino, exercitada a partir de uma
escolha livre das mulheres que se prostituem e que pode ser vista como uma forma de
trabalho sexual, tendo por orientação o questionamento sobre qual o papel do Estado
Democrático de Direito, no que tange à realização da liberdade e da dignidade da pessoa
humana diante de fenômeno. Entretanto, importa ressaltar que, embora este estudo se refira
especificamente à prostituição de pessoas plenamente capazes do sexo feminino, seus
elementos essenciais e conclusões podem ser aplicados à forma de prostituição correlata
masculina.
Seu objetivo geral é fomentar a reflexão sobre a condição jurídica da mulher
prostituta que, aceita como profissional do sexo em uma sociedade e um Estado que se
pretendem democráticos, ainda assim se encontra inserida em um grupo social marginalizado,
obrigado a lutar por sua sobrevivência e seu sustento sem qualquer amparo legal, sendo alvo
de inúmeras violências.
Vale ressaltar que a realidade demonstra inequivocamente que a prostituição
sob a perspectiva focalizada nesta Dissertação se apresenta como uma forma de trabalho das
mulheres, a qual se realiza em uma sociedade eminentemente capitalista, configurando-se
como um verdadeiro negócio e uma ocupação oficialmente reconhecida no Brasil, bastando
para tanto compulsar a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), onde as atividades dos
profissionais do sexo são descritas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
7
satisfação de clientes masculinos. Também há formas masculinas de prostituição homossexual e, em
menor proporção, entre homens que alugam seus serviços para mulheres. Em sociedades muito
permissivas, a prática da prostituição se torna desnecessária; em culturas demasiado rígidas, é
perseguida e punida como delito.”.
7
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO (Brasil). Classificação brasileira de ocupações. 2007.
Disponível em: <http://www.mtecbo.gov.br/busca/descricao.asp?codigo=5198>. Acesso em: 15 set. 2007.
Neste sítio se verifica que os profissionais do sexo realizam programas sexuais em locais privados, vias
12
Assim, contemporaneamente, os profissionais do sexo em geral propagandeiam
e realizam atividades sexuais em locais privados ou públicos, atendendo e acompanhando
clientes homens e mulheres com orientações sexuais variadas, a fim de produzirem o
suficiente para sua manutenção material e/ou de sua família, administrando orçamentos
individuais e/ou familiares, promovendo inclusive a organização da categoria. Realizam ainda
ações educativas no campo da sexualidade, de modo que suas atividades sejam exercidas
seguindo normas e procedimentos que minimizem as vulnerabilidades da profissão.
A questão da prostituição ao longo do tempo tem sido inserida em diversos
tópicos de discussão, tais como a degradação social, a saúde pública, os comportamentos de
risco, a tóxico-dependência, a exploração sexual, o tráfico de mulheres e crianças. Tem
também levantado outros tantos, tais como o que mais de perto interessa a este trabalho: sua
regulamentação. Em todos estes casos tem despertado debates e discussões em que posições
diversas e, até certo ponto, apaixonadas, se encontram, contudo, sem produzir ainda os efeitos
que esperam as profissionais do sexo: o efetivo e eficaz reconhecimento de sua atividade no
plano jurídico.
Este estudo inicia-se, então, a partir da afirmação de seu pressuposto
primordial, qual seja, de que a prostituição de pessoas plenamente capazes do sexo feminino
como um ato de escolha livre se caracteriza como uma forma de trabalho lícita, o que se faz
por meio do estudo da liberdade individual enquanto valor e direito, para em seguida
desenvolver-se esboço histórico da prostituição, expondo a semântica jurídica à qual se
submeteu o fenômeno até os dias que correm.
Prossegue-se analisando os fundamentos constitucionais da República
Federativa do Brasil sob o prisma de sua efetividade, especialmente no âmbito da Ordem
Econômica e Financeira, tratando especificamente da dignidade da pessoa humana e da
valorização do trabalho.
Em seqüência, cuida-se de verificar se, no atual modelo jurídico-político do
Estado Brasileiro, se encontra insculpido o dever deste intervir na atividade econômica, nesse
públicas e garimpos; atendem e acompanham clientes homens e mulheres, de orientações sexuais diversas;
administram orçamentos individuais e familiares; promovem a organização da categoria. Realizam ações
educativas no campo da sexualidade; propagandeiam os serviços prestados. As atividades são exercidas
seguindo normas e procedimentos que minimizam as vulnerabilidades da profissão.
13
caso regulamentando a prostituição. Para tanto, fere-se as temáticas da fragmentação social,
dos movimentos sociais, do interesse público e do neocorporativismo, e, logo após, analisa-se
a questão pertinente à intervenção do Estado no domínio econômico para viabilizar a inclusão
na esfera da oficialidade jurídica de grupos sociais excluídos da sociedade ao longo da
história, discorrendo em seguida sobre a necessidade de o Estado regulamentar e fiscalizar
profissões social e economicamente significativas, a fim de adotar políticas públicas que
garantam a sanidade e o bem estar social, coibindo a clandestinidade e o exercício irregular
dessas atividades.
Finaliza-se este trabalho com as conclusões advindas de seu percurso,
buscando delinear o perfil atual do Estado Brasileiro em referência à dinâmica: sexualidade
liberdade – dignidade e trabalho – Estado.
14
1 DIREITO À LIBERDADE E PROSTITUIÇÃO
A prostituição é uma atividade, e, se praticada por pessoas plenamente capazes
em razão de sua livre escolha, relaciona-se diretamente com a necessidade de se esclarecer o
alcance da liberdade enquanto valor e da liberdade enquanto direito subjetivo para que se
compreenda o caminho percorrido pelo fenômeno em tela ao longo da história até os dias
atuais.
Até que ponto pode-se considerar a prostituição como ato de liberdade e como
um direito à livre disposição do próprio corpo? Esta, a indagação que surge e que este
próximo tópico pretende solucionar.
1.1 A LIBERDADE ENQUANTO VALOR
Para compreender a liberdade enquanto valor parte-se da premissa de que o
valor, ainda que seja considerado como existente independentemente da consciência daqueles
que o analisam, apenas realiza-se concretamente a partir desta, variando assim os juízos de
valor em conformidade com o tempo e/ou lugar, dentre outros fatores. Diante disto, importa
conhecer como a idéia de liberdade foi vivenciada historicamente até chegarmos aos dias que
correm.
Por oportuno, importa lembrar que neste trabalho o direito fundamental à
disposição sobre o próprio corpo, especialmente no que tange aos direitos à liberdade, à
integridade física, à saúde e à intimidade é estudo de suma importância para a análise da
atividade econômica exercida pelas profissionais do sexo face aos riscos individuais e
coletivos inerentes a tal atividade, bem como o dever/poder do Estado em regulamentar e
fiscalizar o que a sociedade vulgarmente reconhece como profissão das mais antigas.
A idéia de liberdade na Antiguidade Clássica não chegou a se constituir em
um conceito filosófico, tendo surgido de uma situação de experiência existencial dos cidadãos
de Atenas nos culos V e IV a.C. quanto ao exercício da participação política democrática.
15
Muitas foram as experiências vivenciadas para chegar a reunir os elementos necessários à
construção de um núcleo individual em contrapartida a um núcleo coletivo, inicialmente, no
Cristianismo a partir das reflexões de Santo Agostinho e Paulo sobre livre arbítrio que
inauguraram a relação entre liberdade e vontade individual, e, mais posteriormente, com todo
a nova ordem social e política liberal deflagrada nas grandes Revoluções do Século XVIII que
consolidou um novo entendimento de liberdade, a liberdade moderna.
8
Benjamim Constant aduz:
Assim, entre os antigos, o indivíduo, quase sempre soberano nas questões
públicas, é escravo em todos seus assuntos privados. Como cidadão, ele
decide sobre a paz e a guerra; como particular, permanece limitado,
observado, reprimido em todos seus movimentos [...].
9
Enquanto que para
os modernos, liberdade “[...] é para cada um o direito de o se submeter
senão às leis, de não poder ser preso, nem detido, nem condenado, nem
maltratado de nenhuma maneira pelo efeito da vontade arbitrária de um ou
de vários indivíduos [...]”.
10
Estas palavras mostram a relação clara entre liberdade moderna e o exercício
do não impedimento, ou seja, o exercício de uma “liberdade negativa e privada no sentido que
responde às perguntas: “Quanto sou governado?”, “Qual o grau de interferência dos outros e
do Estado na minha vida?”
11
. A partir destas questões percebe-se que os indivíduos se
considerariam livres desde que a esfera pública na figura da Lei e do Estado não interferissem
na vida particular.
A Idade Moderna abre-se com a negação peremptória da liberdade humana,
feita pelos grandes Reformadores. Para Lutero, ao contrário do livre arbítrio de que falaram os
escolásticos, dever-se-ia antes falar de um servo arbitrio, pois a alma humana é sempre
escrava: ou de Deus, pela graça, ou de Satã, pelo pecado. João Calvino aprofundou a tese, e
8
ZERBINI, Fabíola Marono. Contribuições teóricas do estudo da liberdade para o tema da emancipação.
Disponível em <http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro2/GT/GT10/fabiola_zerbibi.pdf>. Acesso
em: 14 de jul. 2008.
9
CONSTANT, Benjamin. Da liberdade dos antigos comparada a dos modernos. Filosofia política, n.2, Rio
Grande do Sul, 1985, p. 11.
10
Idem, Ibidem, p. 10.
11
LAFER, Celso. O moderno e o antigo conceito de liberdade. Ensaios sobre a liberdade. São Paulo:
Perspectiva, 1980, p. 19.
16
sustentou que o pecado original tornou o homem um escravo voluntário, cuja salvação eterna
não depende dele, mas inteiramente da graça divina, no mistério da predestinação.
12
Embora os homens possam fazer muitas coisas, que Deus o ordena nem
pode, por conseguinte, ser tido como seu Autor, não podem eles, porém, ter
paixão nem desejo de coisa alguma, se de tal desejo Deus não for a causa
(yet they can have no passion, nor appetite to any thing, of which appetite
Gods will is not the cause). E se essa vontade (de Deus) não representasse
uma necessidade para a vontade humana, da qual toda ela dependesse, a
liberdade dos homens seria uma contradição e um obstáculo à onipotência e
liberdade de Deus.
13
No final do século XVIII, Kant, influenciado por Jean-Jacques Rousseau, teve
o grande mérito de defender a idéia de liberdade, contra o reducionismo religioso e utilitarista,
os quais muito contribuíram, com os seus exageros, para alimentar as simplificações do
materialismo dito científico. A característica essencial de uma vontade livre, frisou Kant,
consiste em sua autonomia, isto é, na sua capacidade de obedecer às leis que ela própria edita.
Os que, ao contrário, submetem-se à vontade alheia vivem em estado de permanente
heteronomia.
14
No contexto histórico das grandes Revoluções, do nascimento do Capitalismo
e da política liberal, e, perdurando até os dias de hoje, é que a liberdade passa a assumir um
sentido de direito universal a ser assegurado pelo Estado de Direito e usufruído por todos os
indivíduos no âmbito de suas vidas particulares ou seja, o Estado passou a ser um agente
garantidor da liberdade e não mais seu espaço de realização. Ocorre que, mesmo a liberdade
sendo este conceito fluido e de difícil demonstração no campo externo ao indivíduo, em todo
o processo vivido a partir das grandes Revoluções até o Século XX, ela foi considerada como
um direito, pois, “[...] em todas as questões práticas em especial nas políticas, temos a
liberdade humana como um valor evidente por si mesmo, e, é sobre esta suposição axiomática
que as leis são estabelecidas nas comunidades humanas, que decisões são tomadas e que
juízos são feitos.”.
15
O que explica muito do “mal político” evidenciado no início do Século
12
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006. p. 538.
13
Idem, Ibidem. p. 539.
14
Op. cit., p. 540.
15
ARENDT, Hanna. Entre o passado e o futuro. Coleção debates, São Paulo: Perspectiva, 2002. p. 189.
17
XX com os regimes totalitários, e, mantido até hoje no discurso da hegemonia
contemporânea.
16
No Século XX, os regimes totalitários ofereceram ao povo mil anos de
segurança e prosperidade, contanto que todos aceitassem passar da condição de cidadãos
livres à de súditos passivos e obedientes, entregando ao governante, ou, mais precisamente, ao
homem que concentrava em sua pessoa a totalidade dos poderes, a liberdade de escolha em
todas as matérias. A fórmula não deu certo. Os súditos não tiveram, nos diferentes
comunismos e fascismo, a completa segurança de boa vida material que esperavam e,
sobretudo, continuaram a sonhar intensamente, com a recuperação da liberdade perdida.
17
A liberdade consiste em poder fazer o que as leis permitem, a liberdade da
Constituição é fundamento da liberdade do cidadão, em suas próprias palavras: “A liberdade é
o direito de fazer tudo quanto as leis permitem; e, se um cidadão pudesse fazer o que elas
proíbem, não mais teria liberdade, porque os outros teriam idêntico poder.”.
18
Daí a máxima
do Direito, o que não é proibido pela lei é permitido ao homem:
[...] sendo o homem um ser social, para ser o que é deverá conviver
conforme ele é, o que implica no direito de participar na definição das regras
de convívio. Os direitos de ser, conviver e participar vão permitir a ele ser,
nos limites das possibilidades, o que ele é.
19
O ser humano é obviamente um ser eminentemente social, e, vivendo desta
forma, suas atitudes interferem na vida de outros homens. Para que esta interferência tivesse
um caráter construtivo, foi necessário criar-se algumas regras que preservassem a paz nesse
contexto, assim, de forma escrita ou não, algumas normas de comportamento foram
formando-se ao longo do tempo, tornando-se hoje um grupo de regras às quais se denomina
Direito. Desta forma, as regras de condutas que viabilizam a boa convivência entre os
16
ZERBINI, Fabíola Marono. Contribuições teóricas do estudo da liberdade para o tema da emancipação.
Disponível em: <http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro2/GT/GT10/fabiola_zerbibi.pdf>. Acesso
em: 14 de jul. 2008.
17
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006. p. 541-542.
18
CHEVALIER, Jean Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. Trad. Lydia Cristina.
8.ed. Rio de Janeiro: Agir, 1998. p. 139 apud RUIZ, Thiago. O direito à liberdade: uma visão sobre a
perspectiva dos direitos fundamentais. Londrina, v.1, ano 1, Disponível em:
<http://www.uel.br/revistas/direitopub/pdfs/vol_02.pdf>. Acesso em: 21 set. 2007.
19
TASSARA, Eda de Oliveira T. de O.; ARDANS, Omar. Participação emancipatória: reflexões sobre a
mudança social na complexidade contemporânea In: Revista Imaginário, n. 9, São Paulo, 2003, p. 15 -32.
18
indivíduos em sociedade, legitimam o Direito, objetivamente considerado como mecanismo
de controle individual e social.
As liberdades individuais atuam no campo pessoal de cada indivíduo, quanto à
vida profissional, permitem o emprego de suas aptidões sem que o indivíduo possa em regra
ser impedido de exprimi-las por meio do trabalho, independente de qualquer autorização por
parte do governo ou da classe dominante, considerando, porém, os casos em que a lei
determina o contrário.
A Psicologia Humanista tem contribuído valiosamente no estudo e
investigação científica que tenha por objetivo o conhecimento da individualidade do ser
humano e a descoberta do seu potencial interior, influenciando também no processo de
socialização do indivíduo. Sobre a importância da psicologia nesses aspectos, esclarece
Rogers apud Bomfim:
Ela não é uma solução para todos os problemas do mundo, mas pode ajudar
muito na solução dos problemas psicológicos e sociais. Pode ajudar o
indivíduo a crescer em direção a uma personalidade mais normal, mais
expansiva. A psicologia humanista tem os instrumentos para reconciliar
diferenças, para ajudar as pessoas a observarem os pontos de vista dos
outros.
20
Completa a análise aduzindo existirem, portanto, dois tipos de problemas que
podem ser apreciados pela Psicologia Humanista: o de natureza psicológica (individual) e o
de natureza social (coletivo).
Carl R. Roger preleciona ainda que esses problemas decorrem das interações
de vivências no meio social e que refletem na "tendência de crescimento" e nas necessidades
de satisfação interior de cada participante, e que, sentir-se livre é uma sensação interior que
está vinculada a um estado psíquico de realização pessoal plena. Por esta razão, afirma que a
liberdade deve ser concebida, na sua essência, como sendo de origem existencial. Todo
indivíduo nasce e existe para ser livre. Por sua vez, sendo a liberdade uma condição de
realização e, também, de satisfação de estímulos de crescimento, não basta sentir-se livre, isto
20
ROGERS, Carl R. Um jeito de ser. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária Ltda., 1.987 apud
BOMFIM, Edson Rocha. A liberdade no crescimento do indivíduo e nas suas vivências psicossociais.
9.03.2.002. Disponível em: <http://www.rogeriana.com/edson/liberdade.htm>. Acesso em: 22 set. 2007.
19
porque, todo indivíduo, nas suas vivências de interações ambientais, psíquicas e interpessoais,
depende e necessita de opções de liberdade.
21
Liberdade implica, portanto, estado no qual se está livre de limitações ou
coação, em que escolhas possíveis dentre as múltiplas maneiras de se agir que sejam
reconhecidas como legítimas se confrontadas com princípios éticos e legais cristalizados
dentro da sociedade.
Plínio de Oliveira Corrêa, adverte: “A liberdade como o Homem, e a
Liberdade do Homem é anterior e preexistente à Sociedade, ao Direito e ao Estado, sendo
imanente à natureza humana”. Por isso, é direito natural, absoluto, inalienável, permanente,
devendo ser respeitado por todos, para todos, em qualquer época, em qualquer lugar.
22
Como
já o afirmamos, tem matiz ontológico.
Não é por outra razão que, na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
encontra-se estabelecido em seu Art. 1º: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e direitos e, dotados que são de razão e consciência, devem comportar-se
fraternalmente uns com os outros”.
23
Infere-se daí que a liberdade é, sem dúvida alguma, um
valor e um ideal a ser realizado.
O ato de prostituir-se, dispondo-se do próprio corpo para prestação de serviço
de natureza sexual e rentável, pode, em dado contexto psíquico e social, ser uma opção de
liberdade. Deve-se, pois, levar em consideração a disponibilidade de escolha diversa, a
capacidade do indivíduo, bem como suas habilidades, além do contexto social a que está
inserido, para, então, concluir se não há submissão ou falta de opção, situações que vão de
encontro ao conceito de liberdade, ferindo-a fatalmente. Por tal razão, Fábio Konder
Comparato, ao tratar de liberdade, aduz:
A verdadeira liberdade não é uma situação de isolamento, mas, bem ao
contrário, o inter-relacionamento de pessoas ou povos, que se reconhecem
21
ROGERS, Carl R. Um jeito de ser. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária Ltda., 1.987 apud
BOMFIM, Edson Rocha. A liberdade no crescimento do indivíduo e nas suas vivências psicossociais.
9.03.2.002. Disponível em: <http://www.rogeriana.com/edson/liberdade.htm>. Acesso em: 22 setembro 2007.
22
CORRÊA, Plínio de Oliveira. Liberdade individual nos países do Mercosul. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1995. p. 11.
23
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, artigo 1º. Disponível em: <http://www.onu-
brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em: 24 de mar. 2008.
20
reciprocamente dependentes, em situação de igualdade de direitos e deveres.
Na Grécia e em Roma, o pressuposto da igualdade entre os cidadãos era a
liberdade diante da tirania: as pessoas consideravam-se iguais porque eram
livres. No mundo moderno, os termos dessa equação foram invertidos: as
pessoas consideram-se livres quando gozam de um estatuto de igualdade.
Mas em nenhuma dessas épocas históricas tais valores foram tidos como
independentes um do outro.
24
A escolha da profissão, e em especial da prostituição como profissão, é, antes
de qualquer coisa, o exercício da liberdade individual, observado o Direito naquilo em que se
estabeleceu como lícito, ou até mesmo que não se relacionou como ilícito, uma vez que, em
regra, o que não é proibido, é permitido.
Luísa Neto, em seus estudos sobre o direito fundamental à disposição sobre o
próprio corpo, utiliza com precisão argumentos que podem ser, igualmente, aqui aplicados.
Analisando os conceitos de Ética e Direito, a citada autora leciona que ao
legislador e à lei foram deixadas margens para a determinação de seus conteúdos, e que estes
dão relevo à noção de liberdade e à importância da vontade no regime dos direitos e
liberdades pessoais, considerando os conceitos de autonomia da vontade, responsabilidade,
decisão, objeção e respectivos efeitos. Diante disto, adentrando mais concretamente na
caracterização do corpo humano como elemento de enquadramento do Direito, e, falando em
especial da liberdade/disponibilidade do sujeito quanto ao seu corpo face aos valores
fundamentais do Direito, pode analisar três momentos: direito à vida; direito à integridade
física, saúde e intimidade; e direito à vida e dignidade, aqui referenciado ao dano morte ou à
escolha do momento da morte.
25
Carl R. Rogers apud Edson Rocha Bomfim, preleciona que, todos nascemos
para liberdade, de forma que o sentimento nato de liberdade é, na essência, de origem
ontológica, existencial, e, como "seres pensantes", possuidores de inteligência, nossa
capacidade psíquica é “[...] fonte inesgotável de ‘comandos de vontadese de estímulos de
sensações que precisam ser satisfeitas, porque representam espécies de ‘estados de
24
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006. p. 537.
25
NETO, Luísa. O direito fundamental à disposição sobre o próprio corpo: a relevância da vontade na
configuração do seu regime. Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Coimbra: Coimbra, 2004. p. 16-
17.
21
necessidades’ que são indispensáveis ao alcance do nosso crescimento [...]”,
26
de modo que,
dos direitos individuais previstos em nossa Constituição, um dos que mais enseja uma análise
de natureza psicológica é o "direito à liberdade"., valendo realmente diferenciar logo ao início
o exercício da “liberdade individual” da “liberdade” que tem repercussão em nossas
interações coletivas.
Conclui-se que a liberdade é um valor com status de direito natural, e,
portanto, inerente ao homem, relacionada a aspectos físicos e psíquicos, o que torna bastante
subjetivo seu conceito, todavia, qualquer daqueles que se formule fatalmente trará em si um
elemento: a possibilidade de realizar escolhas.
1.2 A LIBERDADE ENQUANTO DIREITO
Se, nos primórdios da história humana vivia o homem em plena liberdade e se
esta acabava pelo poder do mais forte, com a evolução da vida em grupos sociais cada vez
mais complexos, da família para a formação de grupos sociais e daí para o Estado, o direito à
liberdade foi sofrendo restrições em virtude da liberdade e direitos alheios, e, ao mesmo
tempo, próprios, que se queria assegurar. Se por um lado tinha-se maior segurança e proteção
em relação ao outro nos grupos, por outro, tinha-se de abrir mão de certos “privilégios”.
Daquele estado de natureza originário em que vivia o homem pré-histórico,
sem subordinação a regras explícitas, os grupamentos humanos chegaram ao Estado,
associação politicamente organizada que, quanto mais complexa e avançada intelectualmente
se fazia, mais se apoiava em um contrato social. Paulo Gusmão, pela doutrina do contrato
social entende-se “a explicadora do Estado e do Direito por um pacto social, pelo qual os
homens teriam limitados seus direitos naturais em troca da segurança, proporcionada pelo
Estado”.
27
26
BOMFIM, Edson Rocha. A liberdade no crescimento do indivíduo e nas suas vivências psicossociais.
9.03.2.002. Disponível em: <http://www.rogeriana.com/edson/liberdade.htm>. Acesso em: 22 set. 2007.
27
GUSMÃO, Paulo. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Forense. p. 496.
22
Delegando seu poder individual aos chefes, os quais são depositários desse
poder, é formado o governo para administrar, legislar e aplicar as regras estabelecidas visando
o convívio, em paz social, entre a liberdade e o dever.
Thiago Ruiz afirma que o Estado Antigo não reconhecia o direito de liberdade.
Com raríssimas exceções, a liberdade teve guarida na célebre fase da República Romana e na
não menos áurea Democracia Ateniense.
28
O primeiro controle jurisdicional prisional foi com
o Estatuto da Paz, Carta editada pelo Rei Luiz VI, o Gordo (1108-1137), de França, em que
dizia: “Ninguém poderá prender qualquer pessoa, livre ou serva, sem a intervenção do juiz; se
este não aparecer, o indiciado réu poderá ser detido até ele chegar ou conduzido à sua casa.”.
29
Na era Moderna surge a concepção individualista de sociedade, consistente em
possuírem os indivíduos um conjunto de direitos inalienáveis, centrados sobretudo na sua
liberdade individual.
Tal concepção, que encontra na obra de John Locke sua definição mais
clara, supõe a existência de um conjunto de direitos naturais (relativos ao
“Estado de natureza”) que devem ser defendidos frente ao Estado e, mais
especificamente, aos Estados absolutistas, sendo a liberdade o principal
desses direitos.
30
A liberdade é, portanto, também por esta óptica, um direito natural individual
do homem, que deve ser protegido contra o Estado e por ele igualmente garantido.
Com o objetivo de construir um Estado que se oponha à sociedade civil
corrompida na desigualdade, a defesa da liberdade e da igualdade é o fim de todo o sistema
legislativo em Rousseau: “A liberdade porque toda a dependência particular é outro tanto de
força tirada ao corpo do Estado; a igualdade, porque a liberdade não pode existir sem ela”.
31
28
RUIZ, Thiago. O direito à liberdade: uma visão sobre a perspectiva dos direitos fundamentais. Londrina, v.1,
ano 1, Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/direitopub/pdfs/vol_02.pdf>. Acesso em: 21 set. 2007.
29
CORRÊA, Plínio de Oliveira. Liberdade individual nos países do Mercosul. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1995. p. 15 apud RUIZ, Thiago. O direito à liberdade: uma visão sobre a perspectiva dos direitos
fundamentais. Londrina, v.1, ano 1, Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/direitopub/pdfs/vol_02.pdf>.
Acesso em: 21 set. 2007.
30
VIANNA, Adriana; LACERDA, Paula. Direitos e Políticas Sexuais no Brasil: mapeamento e Diagnóstico.
Rio de Janeiro: CEPESC, 2004. p. 15.
31
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. São Paulo: Formar, 1980. p. 52.
23
Ao falar em direito à liberdade que se traçar um paralelo com o direito à
igualdade, vez que estão intimamente interligados, inexistindo a possibilidade de prevalecer
um em detrimento do outro.
A liberdade não existe sem igualdade porque o ser humano que estiver numa
condição superior ao outro terá mais poder e o que estará em situação inferior ficará limitado
a este.
Na trajetória dos Direitos Humanos, com premissa nos direitos de individuais
de liberdade e igualdade, um marco de grande importância foi a criação da ONU, em 1945,
pós Segunda Guerra Mundial, como organismo internacional de defesa dos direitos
fundamentais e sociais.
Com a Declaração dos Direitos Humanos de 1948, inicia-se a fase de
afirmação universal positiva dos direitos humanos, materializada na busca por instrumentos
internacionais de defesa desses direitos. Além da proteção aos direitos fundamentais, abre,
ainda, uma vertente de garantia à segurança social para que o indivíduo possa desenvolver
livremente a sua personalidade (art.22).
32
A proteção aos direitos chamados de segunda geração, quais sejam, os direitos
sociais, fora iniciada a partir da Declaração de 1948, seguida por dois pactos firmados em
1966: o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, e o Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. Resguardando a individualidade, liberdade de expressão,
proteção da família.
Seguindo a trajetória dos Direitos Humanos, foi em 1993, na II Conferência
Internacional de Viena, que a universalidade, interdependência e indivisibildade de tais
direitos, foram retomadas. Nesse contexto, foram incluídas as organizações não-
governamentais como atores relevantes na implementação dos direitos humanos (art. 13) e
incorporou problemáticas que já vinham sendo tratadas por meio de outras regulações, como a
dedicada às mulhres, às crianças ou às minorias.
33
32
VIANNA, Adriana. LACERDA, Paula. Direitos e Políticas Sexuais no Brasil: mapeamento e Diagnóstico.
Rio de Janeiro: CEPESC, 2004, p. 16.
33
Idem, Ibidem. p. 17.
24
Assim, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 restou
formulada a concepção contemporânea de direitos humanos, marcada pela universalidade e
indivisibilidade desses direitos. Ao consagrar direitos civis e políticos e direitos econômicos,
sociais e culturais, a declaração ineditamente combina o discurso liberal e o discurso social da
cidadania, conjugando o valor da liberdade ao valor da igualdade, que passam a ser
concebidos como uma unidade interdependente, inter-relacionada e indivisível.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), em
seu preâmbulo, institui um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e
a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
34
Com a CRFB/1988 o Brasil ratifica, inteiramente, o tratado que originou a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, sendo, pois, um Estado Signatário
comprometido em proteger e garantir os preceitos nela contidos.
A liberdade, enquanto característica que distingue o homem de todos os outros
seres, é indispensável para a plena afirmação da dignidade humana, com base nela, para a
construção e consolidação de uma sociedade onde os direitos fundamentais emergentes da
natureza humana sejam garantidos a todas as pessoas sem exceção. Tudo pode ser tirado a um
homem, mas quando ele despreza ou lhe é tirada a liberdade é que ele também perde a sua
própria dignidade. O juízo de valor que está na base da elevação da liberdade à condição sine
qua non da dignidade humana é “cada pessoa ser considerada o melhor juiz, mesmo que
freqüentemente falível, do seu próprio bem”
35
.
Norberto Bobbio classifica os direitos fundamentais, como possuidores de
determinadas características, tais como a historicidade, inalienabilidade, imprescritibilidade e
irrenunciabilidade, são coisas desejáveis, isto é, fins que merecem ser perseguidos,
pertencentes a todos os homens, e do qual nenhum homem pode ser despojado. Acrescenta:
34
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2008.
35
FONSECA, Fernando Adão da. Contributos para a definição do Estado Social nas sociedades do século XXI:
O Estado Garantia. Nova Cidadania, n. 24 de Abril/Junho de 2005. Disponível em:
http://www.causaliberal.net/convidados/estadogarantia.htm>. Acesso em: 19 set. 2007.
25
são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa
humana, ou para o desenvolvimento da civilização.
36
Maria Garcia, em ensaio para apontar quais são os direitos fundamentais, vale-
se dos critérios identificadores de Ferdinand Lassalle para analisar a questão, informando que:
a lei fundamental é uma lei básica; a lei fundamental deve ser o verdadeiro fundamento de
outras leis; e estas leis se regem pela necessidade ativa, isto é, uma força eficaz e
determinante que atua sobre tudo o que na Lei Fundamental se baseia. Busca então identificar
as referidas leis fundamentais, citando que, o caput do Art. da Constituição especifica os
seguintes direitos fundamentais básicos: vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade.
Estes direitos fundamentais básicos, segundo a autora, constituem o alicerce de
todos os demais direitos consagrados nos incisos do Art. 5º, nos artigos seqüenciais do Título
II, bem como nos demais dispositivos constitucionais. Termina por afirmar que em virtude do
§ do Art. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja parte –, relativo aos direitos fundamentais não
expressos, somente os direitos e garantias vinculados a um dos cinco direitos fundamentais
básicos completam a classificação de direitos fundamentais, os demais direitos apenas são
normas constitucionais.
37
Isto permite concluir que, sob qualquer perspectiva, mesmo as mais estritas, a
liberdade é um direito fundamental básico por fruir do caput do Art. 5º da CRFB/1988.
Nesse mesmo enfoque, de garantia ao direito fundamental de liberdade, há que
se relembrar que a liberdade que se garante pressupõe o direito de escolhas, e, como corolário,
a escolha da profissão, desde que não proibida em lei.
Quanto à prostituição dois posicionamentos fundamentais podem ser
apontados. Primeiramente, aquele que a focaliza como uma atividade exercida em torno de
uma vida que se afasta de um valor, a dignidade, vez que se relacionaria com a utilização
36
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 16-
17.
37
GARCIA, Maria. Mas, quais são os direitos fundamentais?. Revista de Direito Constitucional e Internacional.
São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 39, 2002. p. 115-123.
26
do que é digno de respeito e de estima, a saber, o corpo. Desta forma, a prostituição resumir-
se-ia a uma vida de humilhação, de desvalorização e de devassidão, como bem ilustra a fala
abaixo, de Dom José Maria Pires apud Manuela de Fátima Pires Morgado.
A prostituição caracteriza-se pelas atitudes de desrespeito à dignidade
humana. O prazer, a alegria, o acolhimento desinteressado, a amizade, o
carinho o amor são momentos de doação mútua, livres e espontâneos;
quando comercializados (sexo por sexo), tornam-se depressivos,
dependentes e degradantes, de um lado, por alguém que é oprimido e de
outro, pelo opressor. Visto sob este prisma, podemos afirmar que toda
violação de si, da individualidade, em busca de uma recompensa é um ato
prostituído.
38
Entretanto, por outra perspectiva, aquela que privilegia mais o entendimento de
que a liberdade é inerente à pessoa humana, a prostituição seria evidentemente uma opção
individual que deveria ser respeitada, um trabalho como outro qualquer, e, neste sentido, a
profissão mais antiga do mundo”, reconhecida na prática como atividade econômica.
Neste diapasão, considerando-se a realidade que envolve não a opção das
prostitutas, mas também de seus clientes, a dignidade da pessoa humana seria muito mais
preservada se, observadas condições, habilidades e capacidades de cada um, bem como a não
ofensa aos direitos dos demais, fossem respeitadas as escolhas individuais das prostitutas,
fossem elas provisórias ou permanentes, especialmente no que se refere ao exercício de
atividades econômicas destinadas a prover o seu sustento material, como se no caso de
qualquer profissão.
Assim, no que se refere à prostituição, atentatória à dignidade da pessoa
humana seria a discriminação social, em razão do labor exercido, e também os atos
preconceituosos para com os envolvidos, inclusive no que se refere à omissão legislativa que
redunda na falta de regulamentação legal para o exercício desta atividade.
Note-se que em relação ao fenômeno prostitucional feminino, encontram-se
duas perspectivas opostas, a primeira encarando a prostituta como um objeto sexual, como
vítima de opressão que levaria à classificação de forma de escravatura feminina, ofensiva à
38
PIRES, Dom José Maria. O grito de milhões de escravos: a cumplicidade do silêncio. 2. ed. São Paulo: Vozes,
1983, p. 155 apud MORGADO, Manuela de Fátima Pires. Prostituição infanto-juvenil: a expectativa de vida
de meninas e meninos que optaram pela prostituição como modo de sobrevivência. Monografia, Londrina, Pr.,
1996.
27
dignidade humana e verdadeiro crime contra as mulheres.
39
A segunda, compreendendo a
prostituta como uma trabalhadora com direito a utilizar o seu corpo de forma livre, como um
instrumento de trabalho que, à semelhança do que fazem modelos/manequins quando
desfilam ou posam para fotografias, ou do que fazem atrizes que realizam filmes de toda
ordem, inclusive pornográficos, concluindo que tal opção é legítima e que não deve ser vítima
de qualquer tipo de discriminação.
Além do mais, vale refletir sobre as conceituações tecidas no seio social para
as prostitutas, vez que na interpretação generalizada, prostituta é qualquer pessoa que se
entrega às relações sexuais em troca de dinheiro. Nesse contexto, difícil excluir do conceito
de prostituta a situação da esposa que não mais ama o marido e dele depende financeiramente,
tendo que cumprir o que já se rotulou de débito conjugal para permanecer nesta condição.
1.3 ASPECTOS HISTÓRICOS DA PROSTITUIÇÃO
Historicamente, a prática da prostituição é tão antiga que se confunde com a
história da humanidade, nenhuma civilização prescindiu dessa atividade. Registros existem
que dão conta da existência de prostitutas desde quando havia o predomínio do matriarcado.
40
A prostituição feminina, como uma das variantes das relações erótico-sexuais,
tem sido definida socialmente como prática condenável, especialmente no contexto das
transformações que ocorreram nos séculos XVIII e XIX, que constituíram a Sociedade
Moderna. A prostituição ganhou um status social de corruptora dos valores morais na
sociedade brasileira, a partir dos referenciais implantados pelos colonizadores na organização
do sistema de relações sociais, no contexto em que se erigia como modelo dominante a
família, nos moldes burgueses.
41
A prostituição feminina sempre foi e ainda encontra-se envolta em mistérios,
atrações, rejeições e sanções sociais, ocorrendo em trânsito paralelo à vertente que consagra
39
TOLERÂNCIA E PROSTITUIÇÃO: prostituição e suas problemáticas. Janeiro 19, 2005. Disponível em:
http://filosofianauac.blogspot.com/2005/01/tolerncia-e-prostituio.html. Acesso em: 17 set. 2007.
40
TORRES, G. de V., DAVIM, R. M. B., & COSTA, T. N. A. da. Prostituição: Causas e perspectivas de futuro
em um grupo de jovens. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 7(3), 9-15, 1999. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?
>. Acesso em: 22 set. 2007.
41
CAMPOS, Nicole Costa de; et al. Prostituição Feminina e Movimentos Associativos: dificuldades,
contradições e conquistas. Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC. Florianópolis, julho/2006.
28
as relações heterossexuais monogâmicas como as “normais” e adequadas aos papéis
masculino e feminino, informadas pelos ideais de paixão, amor-romântico, casamento, família
etc.. Desta forma, as mulheres que estiveram e estão inseridas na prostituição, continuam
sendo marcadas como “distintas” das outras mulheres, e, em boa dose, indignas dos citados
ideais.
Essa atividade nasceu, cresceu e se multiplicou junto com a humanidade. ‘Há
registros desta prática na história dos povos antigos como os gregos e romanos e até mesmo
na Bíblia, o livro sagrado do Cristianismo, onde Maria Madalena é a mais famosa das
prostitutas, mas não é a única mulher apontada como tal.’.
42
Outras passagens fazem alusão ao
aviltamento de donzelas como estopim para guerras religiosas e políticas que envolviam,
muito mais do que a honra das famílias, interesses maiores para o patriarcado.
43
Nas sociedades primitivas, nas quais não existia a propriedade privada nem a
família monogâmica, não se praticava a prostituição nem outro tipo deste serviço pessoal
remunerado. Porém, são conhecidos casos de tribos pequenas nas quais os homens podiam
incitar as mulheres à relação sexual mediante a oferta de objetos por elas apreciados. Em
outros povos, a prostituição de meninas foi praticada como rito de iniciação à puberdade.
44
A palavra prostituição deriva do latim Pro Statuore, que significa: Expor-se;
Oferecer-se.
Na mais remota antiguidade, as uniões sexuais dignas desse título eram
determinadas pelos ritos religiosos e pelos usos hospitaleiros. Eram tidas como depravações, se
assim se lhes pode chamar, de um sentimento da divindade e exageros da hospitalidade que,
todavia, encerravam na infância da sociedade humana os germens primordiais da futura
convivência civil.
Na Caldéia, o mais antigo berço da sociedade humana, na sua parte
montanhosa, que confinava ao norte com a Mesopotâmia e abrangia o país
de Hur, pátria de Abraão, vivia uma população selvática, ignara, sem
42
SILVA, Eliane Costa da. Estas mulheres: série de reportagens sobre a prostituição na Ladeira da Montanha.
Universidade Federal da Bahia, Salvador, novembro de 2003, p. 4. Disponível em:
<http://www.facom.ufba.br/pex/elianecosta.doc>. Acesso em: 20 set. 2007.
43
KIRSCH, J. As prostitutas na Bíblia: algumas histórias censuradas. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos. 1998.
44
PROSTITUIÇÃO. Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. Disponível em:
<http://www.coladaweb.com/diversos/prostituicao.htm>. Acesso em: 22 set. 2007.
29
cultura, tendo como única arte a caça, e exercendo contudo, quer por índole,
quer pela necessidade de retribuição, a mais larga hospitalidade e a tal
ponto, que se chegava a conceder ao hóspede, além do leito e da mesa, as
próprias mulheres da casa, inventando a “Prostituição Hospitaleira”. Na
outra parte da Caldéia, confinante com a Arábia deserta, estendia-se uma
região coberta de imensas planícies, onde abundavam magníficas pastagens,
existia um outro povo composto de pastores de caráter brando e pacífico,
nômade para acompanhar os inumeráveis rebanhos, mas inclinado à
meditação e à contemplação. Sentindo a necessidade de se organizar por
meio das crenças religiosas, instituiu ritos, nos quis havia a consagração do
amor livre e dando assim a origem a “Prostituição Sacra”.
45
Como diz a Bíblia, Nemrod poderoso caçador, mercê de Deus, reuniu estes
dois povos sob a mesma tutela, dando-lhes leis iguais e fundando nas margens do Eufrates a
cidade de Babilônia, como capital do novo Estado. Lentamente se foi então operando a
mesclagem e a fusão das idéias, das crenças e dos costumes. As duas prostituições, “Sacra e
Hospitaleira”, floresceram uma ao lado da outra entre o culto de Vênus e o de Milita.
46
A conquista da Babilônia em 331 a.C. pelos Persas, embora trouxesse a
destruição de templos e de muitos outros edifícios sagrados, o saque dos palácios e a violação
das sepulturas, não mudou grandemente os costumes, nem enfraqueceu a libertinagem, que
durou enquanto houve um refúgio onde ela se exercia, apesar de tudo.
A influência que as imensas grandezas e o fausto da Babilônia exerciam nas
outras partes do mundo então conhecido, fez com que o culto de Milita acompanhado de
“Prostituição Sacra” se propagasse por todas as regiões da Ásia, designadamente na Pérsia;
pelo Egito e outros países da África. Em cada país a Deusa mudava de nome e os ritos sofriam
alterações, mas no fundo o culto era o mesmo.
Sólon de Atenas, legislador da antiga Grécia do Século VI, foi o responsável
por legalizar, pela primeira vez na História, alguns aspectos da prostituição.
A medida visava
facilitar os impulsos sexuais do homem, uma vez que o adultério era castigado com a pena de
morte. As prostitutas eram escravas estrangeiras, pois as mulheres livres de Atenas não
podiam entrar nessa vida. Quando Sólon percebeu que as prostitutas conseguiam bons lucros
45
PARENT, et. al. História da Prostituição: Idade Antiga, Idade Média,Idade Moderna . São Paulo: Júpiter,
1950. p. 9.
46
Idem, Ibidem p. 11.
30
com a prática, resolveu organizar o negócio. Houve então uma proliferação por toda Atenas
de bordéis oficiais, administrados pelo Estado.
47
Sólon, pois, vendo que os templos e os sacerdotes arrecadavam para si o
fruto da prostituição, pensou que poderia angariar semelhantes benefícios
para o estado, com os mesmos meios, procurando uma saída menos
perigosa aos eróticos furores dos jovens Atenienses e salvaguardando ao
mesmo tempo a honra das famílias. E com estes princípios, fundou um
grande estabelecimento chamado ‘Dicterion’, mantido a custa do governo, o
qual concedia a entrada por um preço estabelecido, a quem quisesse ir a
gozar o amor duma hora, revertendo uma parte das oferendas em benefícios
do Estado. O imposto não era grave e sua execução entrava no domínio do
funcionalismo público. De modo que assim não haviam rivalidades, nem
indulgências, nem desquites. Havia um severo regulamento, o qual foi
pouco a pouco decaindo, e os empregados do ‘Dicterion’ passaram a
conviver com as famílias gregas. Daí o surgimento da Prostituição Legal.
48
Os primeiros atos de verdadeira prostituição em Roma de que se tem notícia
foram ocasionados por uma bárbara punição que se afligia às adúlteras, sobre as quais os
maridos ultrajados tinham direito de vida e de morte, com o consentimento das famílias. A
adúltera convicta, era conduzida a um local especial (espécie de prisão) e abandonada pelo
marido e pelas leis à lascívia do público, isto é, voltada à prostituição.
Quando se estabeleceu a inscrição das prostitutas em Roma, os edis obrigaram
elas próprias a irem confessar o infame mister que desejavam exercer publicamente, com
autorização legal, chamada licentia stupri. A cortesã devia indicar o nome, idade, lugar do
nascimento, o cognome que queria adotar e o preço que estabelecia seu comércio. A inscrição
ficava indelével.
49
Ao lado da prostituição legal, florescia em Roma, como acontecia na Grécia, a
prostituição elegante, que não estava sujeita a inscrição e à vigilância dos edis. Eram damas
gentis e voluptuosas que satisfaziam aos patrícios, secretamente em misteriosas casas já
preparadas para tal fim.
47
ANDRADE, Ivanise. A prostituição e exploração: comercialização de sexo jovem. Disponível em:
<http://www.caminhos.ufms.br/reportagens/view.htm?a=45>. Acesso em: 22 set. 2007.
48
PARENT et. al. História da Prostituição: Idade Antiga, Idade Média,Idade Moderna . São Paulo: Júpiter,
1950. p. 45/46
49
Op. Cit. p. 88.
31
A legislação dos Imperadores cristãos pouco ou nada mudou na antiga
Jurisprudência com respeito às meretrizes. Reputava-se ser necessário deixar subsistir a
prostituição legal a fim de impedir outros males maiores, como o adultério, o estupro e a
sedução de mulheres honestas.
O Imperador Constantino foi o primeiro a combater a prostituição. “Uma lei,
lançada em bando no dia de Abril de 320 da era cristã, estabeleceu que todo aquele que
raptasse uma donzela, quer com seu consentimento, quer pela força, fosse severamente
punido, deixando ao juiz a liberdade de determinar a pena que o delinqüente deveria sofrer.”
O Imperador Constâncio, numa nova lei publicada no mês de novembro de 349, ordenou a
decapitação dos culpados. As disposições particulares da mesma lei, eram explicadas com
precisão e detalhes. Todo o parente ou amigo da família, ama de meninas ou qualquer mulher
que cometesse o delito de ter aconselhado ou favorecido o rapto de uma donzela, recebia
como punição, o ser-lhe derramado na boca chumbo derretido, a fim de ser castigado o órgão
que pecara. Theodósio e Justiniano agravaram ainda mais as disposições contra os alcoviteiros
e medianeiro, usando para com eles de um rigor inauditos.
50
Com a queda do Império Romano, por conta de toda a corrupção enraizada na
sociedade e a ascensão do Cristianismo como religião, a prostituição passou a ser considerada
moralmente repreensível. Na Idade Média, a Igreja começou a perseguir mulheres que
exerciam a atividade. Entretanto, a constante guerra entre os senhores feudais gerou êxodos
rurais em direção às cidades. Eram principalmente viúvas e filhas dos servos mortos nas
batalhas, que passaram a se prostituir para sobreviver.
Armando Pereira, analisando a prostituição na Idade Média:
[...] a prostituição se iniciou com a Idade Média, isto é, com a chamada civilização
ocidental cristã, dentro de nosso ciclo cultural. Os primeiros bordéis se firmaram na
Europa meridional, com mulheres recrutadas entre peregrinas do Norte, que
tentavam ir a Roma e à Palestina em piedosas romarias, e se arruinavam nas
estradas.
51
50
PARENT et. al. História da Prostituição: Idade Antiga, Idade Média,Idade Moderna . São Paulo: Edições
Júpiter, 1950. p. 98-112.
51
PEREIRA, Armando et al. A prostituição é necessária? v. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. p.
10.
32
Se por um lado as autoridades eclesiásticas e governativas criavam novas
disposições repressivas, restauravam as antigas, punham em vigor as que tinham sido
esquecidas e cuidavam da sua rigorosa aplicação, por outro, montavam institutos de
providência e asilos para as prostitutas, ainda que tidas como moralmente depravadas e
caídas.
Fato é que, durante a Idade Média européia, a Igreja cristã tentou sem sucesso
eliminar a prostituição, mas a sociedade, orientada pelo culto do “amor cortês”, em que os
casamentos eram arranjados com finalidades políticas ou econômicas, favorecia o
florescimento da atividade.
No Século XVI, na Idade Moderna, marcada pelo Renascimento, uma
epidemia de doenças sexualmente transmissíveis somou-se ao puritanismo da Reforma
religiosa para lançar uma ofensiva contra a prostituição. Com a industrialização, as
aglomerações urbanas voltaram a oferecer condições de expansão para a prostituição.
52
Apesar da tentativa do Estado e da Igreja de controlarem, e, quiçá
exterminarem, a prostituição, denominada então como “praga social”, de natureza ofensiva à
pessoa humana, tal atividade acompanhou historicamente o evolver social, e a sociedade
passou a aceitá-la como uma realidade inafastável, buscando inclusive sua regulamentação
sob diversos aspectos.
Note-se que, no contexto histórico da evolução da prostituição no mundo, foi
na Itália renascentista que a figura da esposa dedicada, casta e fiel foi reforçada. Nesse
período, as mulheres casadas deviam manter-se confinadas em casa e saírem
acompanhadas de seus maridos para ir à Igreja. Em contraposição à reclusão das esposas,
existiam as cortesãs de alta classe, as cortiggiane, belas, instruídas, talentosas, ricas e
independentes. Apesar de toda a violência que sofriam, as cortesãs tinham posição
privilegiada comparando-se àquelas que freqüentavam as ruas, as chamada puttanas,
proibidas de ir à Igreja, estalagens ou tavernas. Em Londres, no século XVIII, existiam os
bordéis que atendiam os mais variados desejos da clientela. Entre eles, a vontade de se
satisfazer com garotas mais jovens. Para isso havia o aliciamento de meninas vindas do
52
PROSTITUIÇÃO. Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. Disponível em:
<http://www.coladaweb.com/diversos/prostituicao.htm>. Acesso em: 22 set. 2007.
33
campo e a compra de crianças postas à venda do lado de fora das Igrejas. Além disso, caso as
mulheres operárias que não eram respeitadas e trabalhavam até 16 horas por dia ficassem
desempregadas, o roubo, a pobreza e a prostituição eram conseqüências. Em França do Século
XIX, as prostitutas atuavam em bordéis caros ou nas ruas, onde corriam o risco de serem
presas, e as trabalhadoras das fábricas eram consideradas prostitutas ou futuras prostitutas. Na
Alemanha, também havia o controle pela polícia, exigindo o registro das mulheres, que
deveriam atuar apenas nos bordéis. Na Itália, o sistema de controle da prostituição estava sob
a tutela do Estado, como uma herança da Roma Antiga. O governo estipulava os preços e
permitia que as mulheres ficassem com a quarta parte de seus ganhos; além disso, eram
obrigadas a fazer exames de saúde duas vezes por semana e tinham que se recolher nos
horários predeterminados e usar roupas discretas.
53
No Brasil a prostituição veio com os primeiros colonizadores. De acordo com
historiadores, a Coroa Portuguesa mandou para a nova Colônia, nos trópicos, os criminosos,
os condenados e as prostitutas. Com a escassez de mulheres na Colônia, também
primeiramente as índias e depois as negras foram prostituídas. Depois vieram as européias,
principalmente, as francesas que atendiam em casas luxuosas na Corte.
54
Marcelo Gruman, em seus estudos relacionando modernização e prostituição,
também verificou o crescimento da prostituição no extremo norte do País, em Belém e
Manaus, no período conhecido como boom da borracha”, entre 1890 e 1910. A expansão da
demanda mundial e a subida de preço da borracha levaram ao aumento da população e
trouxeram suporte financeiro para a transformação destas duas cidades em centros urbanos
modernos, com prédios públicos imponentes, residências suntuosas, luz elétrica, avenidas
arborizadas, telefones e serviço marítimo freqüente vindo da Europa, América do Norte e sul
do Brasil. Assim, como nas duas grandes cidades do sudeste, em Belém e em Manaus o
dinheiro vindo da exploração dos seringais sustentava o jogo e a bebida, dois dos principais,
se não os principais, passatempos da elite. Não é por acaso, por exemplo, que o café mais
conhecido de Belém se chamava Moulin Rouge.
55
53
ANDRADE, Ivanise. A prostituição e exploração: comercialização de sexo jovem. Disponível em:
<http://www.caminhos.ufms.br/reportagens/view.htm?a=45>. Acesso em: 22 setembro de 2007.
54
SILVA, Eliane Costa da. Estas mulheres: série de reportagens sobre a prostituição na Ladeira da Montanha.
Universidade Federal da Bahia, Salvador, novembro de 2003. Disponível em:
<http://www.facom.ufba.br/pex/elianecosta.doc>. Acesso em: 20 setembro 2007., p. 4.
55
GRUMAN, Marcelo. A prostituição judaica no início do século XX: desafio à construção de uma identidade
étnica positiva no Brasil Disponível em: http://calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php. Acesso em: 24 set. 2007.
34
[...] o prazer a ser encontrado deveria ter o estilo francês, seu estilo de vida,
de preferência na companhia de prostitutas bem vestidas, adornadas com
jóias e brancas. A vestimenta refletia as crenças, valores e aspirações que
habitavam o imaginário social daqueles que queriam ser modernos. O Brasil
da Belle Époque era uma sociedade que buscava acabar com a imagem de
uma nação habitada por indivíduos de origem indígena ou africana.
56
A restrição à prostituição por meio da pressão legal, combinada com o
aumento dos preços da borracha, encorajou as “mulheres públicas” a procurar o norte do
Brasil. Em 1897, as prostitutas judias eram as favoritas da alta burguesia da cidade de
Manaus. A maioria delas era originária da “Zona de Residência” imposta aos judeus do
Império Russo, onde imperavam a miséria e a falta de oportunidades econômicas, sobretudo
após a fome de 1891. O interessante é que muitas dessas mulheres judias passaram por Paris
vindas da Europa oriental e central, sabiam falar francês e adquiriram um certo
comportamento que lhes permitiam “passar” por francesas. A atração que os homens ricos de
Manaus sentiam por estas judias era confundida com a identificação nacional. Se nas cidades
mais ao sul a prostituta judia era “polaca”, no Amazonas se transmutava em “francesa”,
permitindo uma melhoria nas suas condições de vida.
57
A presença das famílias nas ruas pressionava a polícia a atuar cada vez com
maior vigor na moralização dos costumes. À medida que as cidades se expandiam e se
urbanizavam, surgiam um comércio mais diversificado e se multiplicam os espaços de
sociabilidade – restaurantes, hotéis, cafés, teatros, bordéis, praças e passeios públicos –,
mudavam-se as normas de comportamento e as relações entre os sexos. Cresciam também a
repressão contra bandos organizados que exploravam as mulheres, levando à criminalização
do lenocínio pelo Código Penal de 1890 por meio dos artigos 277 e 278.
58
Nos termos deste
último artigo citado:
Induzir mulheres, quer abusando de sua fraqueza ou miséria, quer
constrangendo-as por intimidações ou ameaças, a empregarem-se no tráfico
da prostituição; prestar-lhes, por conta própria ou de outrem, sob sua ou
alheia responsabilidade, assistência, habitação e auxílios para auferir, direta
ou indiretamente, lucros desta especulação. Penas prisão celular por um a
dois anos e multa de 500$000 a 1000$000.
59
56
GRUMAN, Marcelo. A prostituição judaica no início do século XX: desafio à construção de uma identidade
étnica positiva no Brasil. Disponível em: <http://calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php>. Acesso em: 24 set.
2007.
57
Idem, Ibidem.
58
Idem, Ibidem.
59
Idem, Ibidem.
35
Cândido Motta, que, além de ter sido um dos principais criminólogos da época,
seguiu carreira nos cargos públicos, desde Chefe de Polícia até Secretário da Justiça e
Segurança Pública do Estado de São Paulo, escrevendo, em 1897, afirmava que a prostituição
era considerada um “fenômeno social fatal e necessário”, como o crime, uma resultante de
fatores antropológicos, físicos e sociais. “A sua necessidade explica-se pelo derivativo que
oferece às excitações genésicas muito intensas, que sem ela não respeitariam, talvez, nem a
infância, nem o lar doméstico.”.
60
Daí, a necessidade de opor barreiras ao vício que, sem elas,
as prostitutas se alastrariam.
O período de 1870 a 1920 foi exatamente aquele em que tanto a cidade de São
Paulo, em outros núcleos do mesmo Estado (principalmente Campinas e Santos) estavam se
formando. São Paulo se transformava num centro industrial e de serviços, Campinas era o
principal centro cafeeiro e Santos o grande porto do Estado, por onde passava toda a
exportação e importação de mercadorias e, principalmente, imigrantes.
61
Evaristo de Moraes, afirma que a grande indústria “[...] tende a destruir os elos
e freios familiares”. Os baixos salários femininos faziam com que a prostituição fosse “[...]
um fenômeno econômico, como sendo o complemento do salário insuficiente, ou a falta
absoluta de salário [...]”, sendo que 95% das prostitutas, nesta perspectiva, vinham das classes
pobres, e prostituíam como forma de sobrevivência.
62
O referido autor, afirmou ainda, a existência de um direto relacionamento entre
o desenvolvimento industrial e a prostituição precoce: o ambiente da fábrica aproximava os
sexos, afastava a vigilância familiar, criava o trabalho noturno, propiciava a autoridade do
contramestre e do patrão, que podiam abusar imoralmente da situação. Além disso, os baixos
salários pagos às mulheres por longas jornadas de trabalho, contrapunham-se, de modo que:
60
MOTTA, Candido. Prostituição, polícia de costumes e lenocínio. São Paulo, 1897. p. 316.
61
MAZZIEIRO, João Batista. Sexualidade criminalizada: prostituição, lenocínio e outros delitos. São Paulo
1870/1920. Revista Brasileira de História, vol. 18, n. 35. São Paulo, 1998. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-01881998000100012&script=sci_arttext&tlng=en>. Acesso em:
24 de set. 2007.
62
MORAES, Evaristo de. Prostituição e infância apud PRIMEIRO CONGRESSO BRASILEIRO DE
PROTEÇÃO À INFÂNCIA. Rio de Janeiro: Gráfica Editora, 1925. p. 158-160.
36
A um meio corruptor e cheio de seduções: [...] com a expansão da nossa
atividade industrial, e concorrendo a crise econômica, sofremos aqui, no
Brasil dos mesmos males: a prostituição precoce, também deriva, entre nós,
em parte considerável, das condições sob as quais meninas e moças
trabalham nas fábricas e nas oficinas.
63
O Estado procurava controlar a entrada de prostitutas e cáftens: em 1912, a
polícia de São Paulo estava preocupada com o porto de Santos, que devia ser cuidadosamente
guardado para evitar a entrada de “cáftens, anarquistas, ciganos”.
64
A inexistência de leis penais ou mesmo de regulamentação da prostituição não
impedia que as autoridades policiais de São Paulo no final do século XIX determinassem, na
capital e em outras cidades populosas, os pontos permitidos aos prostíbulos e casa de
tolerância. Alegava-se restabelecer a moral nessas praças e ruas, fazendo com que fossem,
reabilitadas com a ausência de prostíbulos escandalosos. Entretanto, a proximidade entre esses
hotéis, clubes, “maisons” e as regiões centrais das cidades era responsabilizada por levar o
grave prejuízo da ordem e do decoro público. A polícia colocou nas portas dos prostíbulos
policiais que regulavam a entrada e saída de pessoas. Alegava-se ainda que, nas ruas onde
existia o meretrício, passavam bondes cheios de famílias, menores para as escolas, moças para
o atelier ou para a aula sendo ofendidas no seu pudor pelo espetáculo deprimente, que podia
servir de sugestão deletéria a espíritos menos fortes. Argumentava-se que a ação da polícia,
intimando essa gente a mudar-se, é toda preventiva, visando evitar crimes. A vigilância ao
local de prostituição não eliminava o atentado ao pudor, sendo necessário um policial em cada
porta para evitar os “atos obscenos” ou “exibições impudicas”. A forma da polícia agir devia
ser, então, a que levasse à localização da prostituição em certas ruas onde não fosse necessário
à gente honesta passar, evitando que ficasse exposta ao ultraje.
65
Procurava-se a justificativa legal para a proibição de prostitutas em
determinadas ruas no Art. 41, XVII, do Decreto 6.440, de 30/03/1907, que permitia à
63
MORAES, Evaristo de. Prostituição e infância apud PRIMEIRO CONGRESSO BRASILEIRO DE
PROTEÇÃO À INFÂNCIA. Rio de Janeiro: Gráfica Editora, 1925. p. 75.
64
FONSECA, Guido. História da prostituição em São Paulo. São Paulo: Resenha Universitária, 1982. p 163.
65
MAZZIEIRO, João Batista. Sexualidade criminalizada: prostituição, lenocínio e outros delitos. São Paulo
1870/1920. Revista Brasileira de História, vol. 18, n. 35. São Paulo, 1998. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-01881998000100012&script=sci_arttext&tlng=en>. Acesso em:
24 de set. 2007.
37
autoridade policial agir “[...] da forma que julgar mais conveniente ao bem estar da população
e à moralidade pública [...]”.
66
Outra forma de controle e repressão à prostituição se deu por meio da
regulamentação policial-sanitária do meretrício. Apesar de ser difícil avaliar a efetividade
concreta de políticas sanitárias, o debate e a tentativa de implantação das mesmas apareceram
em diversos momentos históricos.
O sistema de regulamentação policial tinha a nítida função de controlar a moral
e a higiene. De um lado, tanto a moral quanto a saúde burguesa deviam ser preservadas, de
outro, colocava-se a necessidade de defender a moral pública dos “escândalos e exibições”
promovidos pela prostituição. Com relação à questão da saúde, a burguesia deve ser protegida
da propagação de doenças venéreas. Para isto devia-se criar mecanismos por intermédio dos
quais as prostitutas fossem forçadas a visitar obrigatoriamente hospitais. Considerava-se
necessário desenvolver a “profilaxia da sífilis”, julgada “moléstia social”.
67
A Academia Nacional de Medicina propôs em 1914 a regulamentação do
meretrício como forma de acautelar os interesses de uma raça, tornando-a sadia e vigorosa.
Via-se, pois, a prostituição como uma doença social, que devia ser tratada, com o saber
médico controlando a sexualidade e esquadrinhando o corpo humano quanto ao seu desejo
sexual. A regulamentação, dentro dessa visão de profilaxia, procurava preservar o futuro da
raça ameaçada pelo desregramento. Desta forma, ela não é uma medida imoral que afronte os
brios sociais. Dentro da moral burguesa, cabia à prostituição, desde que controlada pela
polícia e pelos médicos.
68
Evaristo de Moraes, concluiu que o sistema regulamentário policial, tanto do
ponto de vista jurídico como médico, era “[...] definitivamente arbitrário, inútil, ineficaz e até
certo ponto, prejudicial à solução do temeroso problema da defesa coletiva contra as
conseqüências do meretrício [...]”, somente abrindo cargos a médicos e permitindo
arbitrariedades policiais. Os juristas e médicos contrários à regulamentação alegavam que ela
66
LEAL, Aurelino. Polícia e poder de polícia. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1918. p 135.
67
MAZZIEIRO, João Batista. Sexualidade criminalizada: prostituição, lenocínio e outros delitos. São Paulo
1870/1920. Revista Brasileira de História, vol. 18, n. 35. São Paulo, 1998. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-01881998000100012&script=sci_arttext&tlng=en>. Acesso em:
24 de set. 2007.
68
Idem, Ibidem.
38
seria a forma de reconhecimento público da prostituição. Dessa forma, a regulamentação
significaria a “[...] organização oficial do deboche, na legalização da libidinagem [...]”. Além
disto, alegava-se que “[...] a regulamentação atinge uma décima parte do meretrício, nos
países em que é severamente executada [...]”.
69
Apesar disto, o citado autor entendia que a prostituição era um “mal
necessário” para a preservação da moral no lar, não podendo ser considerada crime.
70
A
sexualidade no lar tinha seus limites, devendo ser respeitada a “natureza” e contidos os
excessos. A relação sexual ali era mantida dentro dos padrões tradicionais, extirpando-se
desvios, mantendo-se a reprodução e a sexualidade sadia. O submundo da sexualidade devia
ser exercido fora do lar, com o sadio e o desvio podendo existir, mas de formas separadas:
eles não caberiam no mesmo teto, nem na mesma rua. A perversão era possível, portanto,
no mundo da prostituição, cabendo dentro do lar o respeito.
Entretanto, buscou-se sua criminalização como ato imoral” que ameaçava a
vida social,
71
de tal sorte que, paralelamente à visão exposta anteriormente, existiu uma
repressão médica, que perpassava a profilaxia da filis, e uma repressão moral contra os
“escândalos” promovidos pelas meretrizes. Implantou-se, portanto, uma penalização quanto à
“conduta anti-social (anti-higiênica ou desmoralizante)” das meretrizes que ofendessem a
sociedade e o Estado. A Medicina foi uma forma de penalizá-la, pois a polícia devia capturar
as prostitutas para exames médicos. Tratava-se, então, de um controle da sexualidade vista
como criminosa pelo discurso da Criminologia: declarava-se ser necessário uma polícia
sanitária para criminalizar a prostituição.
72
Buscava-se a criminalização de prostitutas também por meio do que se julgava
atentado ao pudor: se alguma mulher “[...] comete um ato que escandalize o público, deve ser
presa [...]”. Alegando que nas ruas onde se explorava o meretrício as decaídas exibiam-se
escandalosamente, ofendendo o pudor público, falando palavras obscenas ou provocando
transeuntes ao deboche, as autoridades policiais procuravam enquadrar estes atos como
crimes. Buscavam justificativas no Art. 282 do Código Penal, que punia todo aquele que “[...]
69
MORAES, Evaristo de. Prostituição e infância apud PRIMEIRO CONGRESSO BRASILEIRO DE
PROTEÇÃO À INFÂNCIA. Rio de Janeiro, Gráfica Editora, 1925, pp 193, 269 e 281-282.
70
MORAES, Evaristo de. Ensaios de patologia social. Rio de Janeiro, Leite Ribeiro, 1921. p. 238-249.
71
Idem, Ibidem, p. 238-249
72
Idem, Ibidem, p. 238-249.
39
ofender os bons costumes com exibições impudicas, atos ou gestos obscenos, atentatórios ao
pudor, praticados em lugar público [...]”.
73
Havia ainda uma outra forma de atacar a prostituição, equiparando-a à
vagabundagem, podendo a meretriz ser enquadrada no Código Penal e presa. Todavia, ao se
encarar a prostituição como um trabalho em que, de um lado alguém ofertava o corpo, e de
outro, alguém procurava satisfação sexual, com “[...] a troca de uma prestação de prazer por
uma prestação de dinheiro [...]”, a prostituição não poderia ser comparada com a
vagabundagem, ação unilateral, pois o meretrício era bilateral: “sem a intervenção de duas
pessoas, das quais uma se prostitui à outra, é incompreensível a triste indústria do prazer”.
74
Assim, ao se encarar a prostituição como um trabalho, descriminalizava-se esse tipo de vida
por esta perspectiva, ao ponto de Moraes definir a prostituição como uma indústria do prazer:
a prostituta vendia seu corpo, tratava-se de uma mercadoria.
O certo é que, tendo uma causa sócio-econômica, a prostituição satisfazia aos
instintos libidinosos e garantia a moral familiar. Entretanto, a polícia de costumes a tratava
como crime. Assim, Moraes perguntava-se com acerto: qual a utilidade da intervenção
policial na “indústria insalubre da prostituição”? Era ela uma forma de garantir a “qualidade
da mercadoria”? Segundo o autor, mesmo em França, país de origem da polícia de costumes,
com as instituições anexas - dispensário sanitário e hospital-prisão -, ela sofria severas
críticas. A polícia de costumes não tinha fundamento legal, reprimia unilateralmente,
atingindo somente a mulher. Além disto, era uma forma de “[...] perseguição à gente pobre, ao
proletariado do amor venal [...]”, modalidade de repressão capitalista. Ao final, no Brasil, as
prostitutas ficavam entregues ao arbítrio policial, dependendo da vontade da autoridade, pois,
legalmente, não existia criminalidade em seus atos.
75
Apesar da prostituição ser uma instituição anterior ao Capitalismo, ela assumiu
características próprias nesse contexto social, tomando proporções diferentes, principalmente
se for levada em consideração a vida na cidade. As prostitutas tinham condições de vida e de
trabalho diferenciadas: as “independentes” ou “isoladas”, que moravam nas suas próprias
casas, podiam escolher com quem ter relações sexuais e, “como tudo que ganham lhes
73
LEAL, Aurelino. Polícia e poder de polícia. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1918, p. 181-182.
74
MORAES, Evaristo de. Prostituição e infância apud PRIMEIRO CONGRESSO BRASILEIRO DE
PROTEÇÃO À INFÂNCIA. Rio de Janeiro, Gráfica Editora, 1925, p.
236-237.
75
Idem, Ibidem, p.
155-157; 177 e 305.
40
pertence, recebem menor número de homens”; as prostibuladas eram obrigadas a receber
aqueles que freqüentavam o bordel e “as donas de casa não lhes concedem repouso”,
existindo um excesso de trabalho “as reclusas ficam à disposição das patroas, para todos os
serviços, desde uma ou duas horas da tarde, até três ou quatro da madrugada, hora em que
findo o expediente, vão dormir”.
76
A prostituição, como se viu, era criminalizada por alguns, equiparada à
vagabundagem, confinada, controlada arbitrariamente por policiais e médicos e até reprimida,
como indica o quadro da cidade de São Paulo de 1870 a 1920, onde controle, repressão, prisão e
expulsão eram os destinos dos proxenetas no mesmo período, e, acusados de perturbação mental,
crime e doença: assim eram enquadrados homossexuais, estupradores e outros responsabilizados
por “delitos sexuais” à época. Paralelamente, por outros era vista como um “mal necessário”, a ser
tolerado “[...] nos centros populosos no próprio interesse da família e da sociedade [...]”, porém,
contando a polícia com o “[...] dever de regulamentá-la, de localizá-la e de vigiá-la, impedindo
que a sua sombra sejam cometidos atentados à moral pública ou praticado o lenocínio [...]”.
77
Certo é que, independente da categoria, a prostituição existe na sociedade
desde tempos remotíssimos, seja ela de natureza transitória ou regular, e visa permitir a quem
a pratica ganhar o sustento próprio e familiar, por intermédio do exercício de um trabalho que
se mostra lícito e honesto, ainda que ofenda a elementos morais.
Contemporaneamente, ninguém participará da opinião de que as prostitutas
sejam mais perigosas que os lobistas e, mesmo que se conduzisse classes inteiras de
estudantes a passear, em seus dias de folga, pelas zonas de meretrícios, as sombrias e
pequenas janelas causariam menor efeito sobre um jovem sadio que uma cena de assassínio
explorada e/ou artisticamente montada na televisão. A moral pública de modo algum se
encontra ameaçada apenas pela sexualidade, porém muito mais pela intensa corrosão
76
MORAES, Evaristo de. Prostituição e infância apud PRIMEIRO CONGRESSO BRASILEIRO DE
PROTEÇÃO À INFÂNCIA. Rio de Janeiro, Gráfica Editora, 1925. p. 214.
77
AGUIAR, Anésio Frota. O Lenocínio como problema social no Brasil. Rio de Janeiro, 1940. pp. 15 e 28. Cf.
ainda SILVEIRA, Alfredo Baltazar. A regulamentação do meretrício. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1915,
p. 28-29, o qual prelecionava, em 1915, que as seguintes medidas de controle deveriam ser tomadas: “a)
Casamentos possíveis apenas mediante atestado médico negando a existência de qualquer doença venérea; b)
Amas de leite examinadas por médico da saúde pública; c) Distribuição gratuita de remédios; d) Multar as
prostitutas doentes que continuassem a exercer a “ignóbil profissão”; e) Isolar as mulheres contaminadas; f)
Penas para os sifilíticos transmissores; g) Distribuição de folhetos sobre a profilaxia da doença; h)
Conferências sobre as moléstias; i) “Fixar a responsabilidade civil e criminal nos casos de contaminação”; j)
“Punir severamente o lenocínio”; k) Educação sexual dos soldados e marinheiros.”.
41
determinada pelas cenas tendenciosas e escândalos envolvendo personalidades responsáveis e
que, mais do que a restrita visão do meretrício, provocam a insegurança entre os jovens e
considerável número de adultos influenciáveis.
Por tudo isso, admitimos o amor venal como parte integrante da vida burguesa
da humanidade, como uma das múltiplas fontes de perigo dificilmente controláveis, um risco
a mais dentre tantos outros na sociedade. A história nos revela serem mais perigosos que a
prostituição os erros cometidos por autoridades e órgãos responsáveis pela ordem no trato
deste fenômeno.
78
Ressalte-se que, identificar as variáveis que contribuem para a definição do
perfil da profissional do sexo não é uma tarefa fácil, podendo-se apontar o êxodo rural e a
dificuldade de instalação e manutenção nas áreas urbanas, a desqualificação profissional, a
necessidade de complementação de renda ou a opção livre por esta forma de trabalho, dentre
muitas outras.
Em contextos como o dos Estados Unidos da América, a prostituição pode
derivar predominantemente de uma escolha pessoal por um trabalho independente, face às
condições econômicas gerais da população, e, em Estados como a França, a prostituição
estaria, em regra, ligada à figura de um aliciador e aconteceria por “engano”, “inocência” ou
“falta de informação” das mulheres envolvidas. Não existe, portanto, uma explicação
uniforme e constante para a questão.
79
Inobstante a isso, a luta pelo direito de optar por essa atividade como profissão
regularmente aceita e regulamentada e por todos os demais direitos correlatos está em curso,
apoiando-se os seus combatentes, dentre os quais as várias associações em defesa dos
interesses das profissionais do sexo legalmente constituídas, nos princípios fundamentais
individuais e coletivos que informam nosso ordenamento jurídico. Nessa luta incluem-se
também a adoção de políticas públicas nas áreas de educação e saúde que contribuam para o
estabelecimento de um ambiente mais seguro para todos, profissionais, clientela e sociedade.
78
BASSERMANN, Lujo. História da prostituição: uma interpretação cultural. Trad. Rubens Stuckerbruck. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. p. 1-2.
79
GASPAR, M. D. Garotas de programa: prostituição em Copacabana e identidade social. 2. ed., Rio de
Janeiro: Zahar, 1988.
42
2 FUNDAMENTOS DA REPÚBLICA E DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
E SUA EFETIVIDADE
A CRFB/1988, desde seu Preâmbulo, institui um Estado Democrático de
Direito, destinado a assegurar o exercício dos direito sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Em seu Art. explicita os
fundamentos desse novo Estado, incluindo a dignidade da pessoa humana e os valores sociais
do trabalho e da livre iniciativa, e, em seu Art. especifica os objetivos fundamentais da
República, dentre eles, construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem a todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
80
A análise dos citados elementos constitucionais permite concluir que o Estado
instituído tem em seu âmago o dever de garantir os direitos fundamentais e coletivos, em
especial a igualdade e a liberdade, intervindo sempre para reduzir as desigualdades e
promover o bem estar social.
A intervenção estatal pode viabilizar a concretização da efetividade dos
fundamentos constitucionais de República, sobretudo no tocante à ordem econômica, que
neste aspecto tal conduta permite contribuir sensivelmente para a redução das desigualdades e
para a redistribuição de riquezas, resguardando direitos como: dignidade da pessoa humana,
valorização do trabalho humano e da livre iniciativa.
Lafayete Josué Petter faz menção aos fundamentos da República relacionados
ao capítulo da Ordem Econônica disposto na CRFB/1988:
[...], o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil de garantir o
desenvolvimento nacional, com a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária, erradicando a pobreza e a marginalização e promovendo o bem de
todos com redução das desigualdades (CF, art. ), por certo está
umbilicalmente relacionado com os preceitos voltados para a atividade
econômica (CF, art. 170 e ss.). A falta de desenvolvimento, ou, dito de
outro modo, o estado de subdesenvolvimento, deve ser tida como a antítese
80
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. São Paulo: Saraiva, 2008.
43
do receituário constitucional, reclamando redobrados esforços de superação
na atividade afeta a todos os operadores do Direito.
81
Assim, o Estado brasileiro deverá intervir na ordem econômica, sempre que
houver desequilíbrio entre as partes da atividade econômica, de forma a garantir o respeito à
dignidade da pessoa humana e valorização do trabalho humano, a livre iniciativa e a livre
concorrência, tudo isso buscando a realização do bem estar social.
Adiante os fundamentos constitucionais aplicados à ordem econômica são
analisados, elucidando-se sua repercussão em termos de potencialidades estatais para a
efetivação destes.
2.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O Art. da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que todos
“são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei.”.
82
Assim, discriminação é a própria negação do princípio da igualdade, constituindo uma afronta
à dignidade humana que a tem como pressuposto.
A convicção de que todo o ser humano tem direito a ser igualmente respeitado
nasce da vinculação de todos a normas postas (lei escrita), e, sendo estas regras gerais e
uniformes, devem ser aplicáveis de forma igualitária a todos os indivíduos que vivem numa
sociedade organizada.
Na Antiga Grécia, ao lado das leis escritas, havia outra noção de igual
importância: a de uma lei não escrita. Com o passar do tempo, o caráter religioso das leis não
escritas foi se modificando.
Embora os gregos não trabalhem diretamente a noção de dignidade da pessoa
humana, considerando sua grande influência na civilização ocidental, temos que a análise de
81
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do Art.
170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 150.
82
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, artigo 7º. Disponível em: <http://www.onu-
brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em: 24 mar. 2008.
44
seu pensamento se justifica. De um modo geral, o pensamento grego procura construir uma
idéia de um homem com validade universal e normativa.
83
Flademir Martins afirma: “[...] esta reflexão filosófica sobre o homem acaba,
portanto, sendo o primeiro passo para a construção da noção de dignidade humana, pois é no
contexto humano que a idéia de sua dignidade é desenvolvida [...]”.
84
A proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade
conquistou importância relevante no final do século XX, especialmente em função do
desenvolvimento científico e tecnológico. A dignidade da pessoa é, hoje, princípio
fundamental, um valor essencial, que promove unidade ao sistema constitucional, concebido
como verdadeiro núcleo da hermenêutica e da interpretação constitucional.
85
No despontar do Século XXI, os surpreendentes avanços da Ciência e suas
aplicações levantam questões graves quanto ao impacto disso sobre os
direitos humanos, a dignidade e a integridade humana. Como proclama a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, “todos têm o direito de
usufruir do progresso científico e de seus benefícios” (Art.27). O Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais confirma o
direito de todos de desfrutar do progresso científico e de suas aplicações, e
acrescenta que o pleno exercício desse direito pressupõe o
“desenvolvimento e a difusão da ciência” pelos Estados-partes, bem como o
respeito “à liberdade, indispensável à pesquisa científica” (Art. 15).
86
No presente, graças ao progresso da Ciência e da Tecnologia, as pessoas têm a
possibilidade de viver mais e melhor. Elas podem usar a tecnologia moderna para proteger e
até melhorar sua saúde. Podem ter acesso a todo tipo de dados e informações. Podem, como
possibilidade, o que não significa que todas as pessoas possam, como potencialidade, ter ou
ser capazes de utilizar todas essas possibilidades.
83
NOGARE, Pedro Dalle. Humanismo e anti-humanismos: introdução à antropologia filosófica, p. 25-26 apud
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental.
1.ed. (ano 2003), 3ª tir./Curitiba: Juruá, 2005. p. 20-21.
84
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental.
1.ed. (ano 2003), 3ª tir./Curitiba: Juruá, 2005, p 21.
85
LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas hermenêuticas dos direitos humanos e fundamentais no Brasil. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 37 e 54.
86
SYMONIDES, Janusa. Direitos humanos: novas dimensões e desafios. Brasília: UNESCO Brasil, Secretaria
Especial dos Direitos Humanos, 2003, p. 44. Disponível em: <http://www.
unesdoc.unesco.org/images/0013/001340/134027por.pdf> . Acesso em: 05 de jul. 2008.
45
Observa-se o progresso em todas as áreas da Ciência e da Tecnologia, mas ele
é desigual e tem impactos diversos sobre os direitos humanos. Conforme estabelece a
Declaração de Viena:
A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos observa que determinados
avanços, principalmente na área das ciências biomédicas e biológicas, assim
como na tecnologia da informação, podem ter conseqüências
potencialmente adversas para a integridade, a dignidade e os direitos
humanos do indivíduo, e solicita a cooperação internacional para que se
garanta pleno respeito aos direitos humanos e à dignidade nessa área de
interesse universal.
87
Tanto na ordem internacional como nos ordenamentos jurídicos estatais, é
historicamente freqüente o reconhecimento de direitos fundamentais, e a dignidade como
núcleo central desses direitos. Vê-se, pois, que a essência de tal pensamento era o de justificar
a idéia de superioridade e grandeza do homem em relação aos demais seres, por ser o homem
a imagem e semelhança de Deus, segundo o pensamento de Santo Thomas de Aquino. Logo,
a idéia de dignidade da pessoa humana pode ser buscada inclusive na idéia de um Direito
Natural, posto tratar-se de um Direito “[...] comum a todos e, ligado à própria origem da
humanidade, representaria um padrão geral, a servir como ponto de Arquimedes na avaliação
de qualquer ordem jurídica positiva [...]”
.
88
A concepção de dignidade da pessoa humana que prevalece no pensamento
filosófico atual é aquela elaborada por Kant, para quem a noção de dignidade é qualidade
peculiar e ímpar da pessoa humana, pois somente a pessoa humana como ser racional, único e
insubstituível, possui dignidade. E a dignidade está acima de qualquer preço (que é um valor
relativo), sendo impossível tentar atribuir a ela um preço ou colocá-la em confronto com
qualquer coisa com preço. Verifica-se que esta concepção ética antropocêntrica parece ter
inspirado os que ainda hoje desejam a realização do princípio da dignidade da pessoa humana
no mundo real.
89
Kant apud Scheilla Regina Brevidelli:
87
CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE DIREITOS HUMANOS. Viena, parágrafo 11, jun. 1993.
88
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. 1988, p. 19 e 20 apud AIMBERE, Francisco Torres.
Direito e valor. o valor da pessoa humana. Artigos Jurídicos. Disponível em:
<http://www.advogado.adv.br/artigos/2006.htm>. Acesso em: 20 set. 2007.
89
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental.
1.ed. (ano 2003), 3ª tir./Curitiba: Juruá, 2005. p. 122.
46
A humanidade mesma é uma dignidade; porque o homem não pode ser
utilizado por nenhum homem (nem por outros, nem sequer por si mesmo)
meramente como meio, senão deve todo o tempo, simultaneamente ser
tratado como fim, e nisso está exatamente sua dignidade (a personalidade),
por meio da qual ele se eleva sobre todos os outros seres do mundo que não
são homens e, todavia, podem ser utilizados sobre todas as coisas.
90
Conclui, pois, que a dignidade humana pode ser entendida, então, com uma
esfera de interesses e necessidades pessoais, inviolável e insuscetível de dominação em face
de interesses alheios: pode ser traduzida assim como uma esfera de respeito.
Dessa forma esse conceito traz uma faceta jurídica e uma faceta psicológica.
Isto porque, essa esfera de interesses é inviolável e tem a proteção jurídica exatamente para
favorecer e permitir que a personalidade de toda pessoa se desenvolva e floresça:
personalidade e dignidade são dois lados de uma mesma moeda. Não pessoa sem
personalidade, como não pessoa sem dignidade. Nenhum outro interesse pode se sobrepor
à essa esfera da dignidade. A dignidade do trabalhador, por exemplo, poderia ser resumida
pela necessidade não apenas de um emprego, mas de um trabalho significativo e organizado
de maneira mais humana.
91
Apesar da referência ao tema da dignidade da pessoa humana, ainda que de
maneira incipiente e em um outro contexto, nas Constituições brasileiras de 1934, 1946 e de
1967, a primeira Constituição a tratar do princípio da dignidade da pessoa humana, enquanto
fundamento da República e do Estado Democrático de Direito em que ele se constitui, foi a
CRFB/1988. Assim, temos que ao dar ao princípio esta formulação a Constituição em vigor
avançou significativamente rumo à sua plena normatividade jurídica. Além disso, ao instituir
um amplo sistema de direitos e garantias fundamentais, buscou não preservar, mas, acima
de tudo, promover a dignidade da pessoa humana.
92
Desde meados do culo passado até os dias de hoje tem-se observado nos
ordenamentos jurídicos uma tendência a acolher o ser humano como o centro e o fim do
direito. Esta inclinação encontra-se reforçada pela adoção do princípio da dignidade da pessoa
90
BREVIDELLI, Scheilla Regina. A função social da empresa: alargamento das fronteiras éticas nas relações de
trabalho. Disponível em: <http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes.doc>. Acesso em: 24 set. 2007.
91
Idem, Ibidem.
92
Idem, Ibidem.
47
humana, em nível constitucional, como valor do Estado Democrático de Direito, tal qual
ocorreu na Constituição Brasileira de 1988.
A tutela expressa dos direitos e garantias individuais fez-se necessária, pois a
democracia é feita de regras claras para que possam ser cumpridas e exigidas. Enquanto as
constituições, por muito tempo traziam menções aos direitos e garantias individuais expressas
em capítulos perdidos e acanhados no meio do Livro, nossa atual Constituição, em seu Título
II, bem no início, estampa DAS GARANTIAS E LIBERDADES INDIVIDUAIS, dando a
entender a prioridade do Estado no respeito à dignidade da pessoa humana como fulcro de
toda sua atividade.
Esse princípio, como todos os outros princípios fundamentais estabelecidos na
Constituição, não é apenas fonte de solução jurídica enquanto pressuposto de validade e
enquanto elemento de interpretação e integração das normas. É necessário admitir que os
princípios constitucionais, como o que consagra a dignidade da pessoa humana, podem servir
de fonte autônoma de solução jurídica.
Atinente aos direitos sociais dispostos no Art. 6º da Constituição Federal, estão
incluídos a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade, à infância e a assistência ao desamparado.
Celso Antônio Pacheco Fiorillo afirma que para se ter uma vida com dignidade
a pessoa reclama a satisfação dos valores (mínimos) fundamentais descritos no Art. da
Constituição Federal, de forma a exigir do Estado que sejam assegurados, mediante o
recolhimento dos tributos, educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, entre outros direitos
básicos.
93
Os constituintes de 1988 deixaram claro o intuito de priorizar a dimensão
social do individuo, sem deixar de mencionar a proteção aos direitos individuais.
O art. 170 da Constituição Federal, que traça a estrutura geral do ordenamento
jurídico econômico, dispõe que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
93
FIORILLO, Censo Antronio Pacheco. Curso e Direito Ambiental brasileiro. 5. ed. ampl. São Paulo: Saraiva,
2004. p. 56.
48
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social.
94
Pode-se ainda ir além nestas considerações. Conjugando os princípios
insculpidos no art. 1º, III e art. 3º, I e IV da Constituição Federal, conclui-se que a finalidade
das políticas econômicas é assegurar a todos existência digna, de acordo com os preceitos de
justiça social, o que vai estabelecer os verdadeiros contornos do direito da propriedade
privada e a sua função social. Assim, entende-se a dignidade da pessoa humana como sendo o
fundamento primeiro e finalidade última de toda a atuação estatal e mesmo particular,
constituindo-se, ao lado do direito à vida, o núcleo essencial dos direitos humanos.
O reconhecimento da dignidade da pessoa humana como fundamento da ordem
política e paz social supõe a plasmação na Constituição de conceito cuja formulação leva
consigo uma grande dose de relatividade, e supera os limites do âmbito jurídico. A
perspectiva jurídica é uma das possíveis que complementam a dignidade da pessoa. O
objeto de um direito e o objeto de uma necessidade são diferentes: enquanto o último é
concebido como um benefício ou serviço que pode ser considerado isoladamente, o primeiro
constitui uma relação fundada num sistema normativo.
Pode-se afirmar que um ato ou comportamento humano será digno quando nele
exista uma adequação com a condição superior, humana, do sujeito que o realiza. De igual
forma, o trato dispensado a um ser humano será “digno” quando tenha em conta e respeite
essa condição superior; do contrário, o tratamento será “inumano” ou “degradante”. O alcance
da dignidade em si mesma, no entanto, não é percebido a não ser na ordem prática do dia a dia
jurídico.
Cabe afirmar ainda que a dignidade está relacionada com a idéia de
personalidade. Nada pode atentar contra a personalidade vulnerando os direitos invioláveis
inerentes a ela mesma. O Estado não pode desconhecer esses direitos: será missão do
ordenamento jurídico garantir seu respeito, tanto nas relações entre os poderes públicos e as
pessoas, como nas relações recíprocas entre os seres humanos.
94
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao>. Acesso em: 24 set. 2007.
49
Em nosso ordenamento a conexão existente entre o reconhecimento da
dignidade nos Art. 1º e 5º da Constituição Federal e os valores superiores da liberdade, justiça
e igualdade, uma vez que não existe nem pode existir dignidade humana sem liberdade,
justiça e igualdade; ademais, esses valores seriam indignos se não redundassem em favor da
dignidade do ser humano.
Francisco Aimbere, afirma como premissa o fato de que a Constituição
Brasileira estabelece a pessoa humana como o sujeito de Direito legitimador de todo o
ordenamento jurídico, ou seja, “a pessoa humana é o valor máximo da República”, afastando-
se com isso qualquer convicção calcada nos preceitos dos Estados Totalitários, que têm por
base o pressuposto de que os seres humanos são encarados como supérfluos.
95
A dignidade da pessoa humana, ou seja, a própria pessoa humana, ganhou
significativa relevância por parte do legislador constitucional, tanto é verdade que nossa Lei
Fundamental aborda a questão da dignidade em outros capítulos, além daquele
mencionado, ou seja, no Art.1º, inciso III, ao tratar da ordem econômica em seu Art. 170,
ordem social 226 § 6º, além de assegurar a criança e ao adolescente o direito á dignidade, Art.
227 caput. A Constituição Federal de 1988, ao dispor sobre a dignidade da pessoa humana e
os direitos e garantias individuais, como fundamento de nosso Estado Democrático de Direito,
reconheceu que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o inverso,
porquanto a finalidade precípua da atividade estatal é o ser humano, não constituindo este
meio da mesma atividade.
96
Assim sendo, entende-se que nenhum ser humano deveria viver sem os direitos
fundamentais e sociais a ele inerentes, e para ter acesso a esses direitos, não deveria sequer ser
necessário requerê-los, bastando nascer, uma vez que está intimamente relacionado à vida.
Assim, apesar de a dignidade não necessitar, para existir, de reconhecimento pelo
ordenamento jurídico, o certo é que para este será um requisito imprescindível de legitimidade
o reconhecimento da dignidade e dos valores que vão unidos à mesma. No caso de um direito
humano, a dignidade humana universal está em risco nessa relação: o ser humano é,
simultaneamente, sujeito e objeto do direito, além de devedor. Uma lista de necessidades
95
AIMBERE, Francisco Torres. Direito e valor: o valor da pessoa humana. Artigos Jurídicos. Disponível em:
<http://www.advogado.adv.br/artigos/2006/aimberefranciscotorres/direitoevalor.htm>. Acesso em: 20 set.
2007.
96
Idem, Ibidem.
50
básicas pode servir como indicador parcial de uma política, jamais como sua justificativa,
uma vez que elas não cobrem todo o campo da relação dos direitos baseados na
universalidade.
No contexto brasileiro, nem todos os direitos do Título II da Constituição
Federal são materialmente fundamentais. O Art. 5º, caput, da Constituição tem como direitos
fundamentais básicos: direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade, que o
considerados fundamentos de todos os outros direitos.
97
A Constituição Federal 1988 atribuiu aos institutos da intimidade e vida
privada tipificação diversa das adotadas nos textos anteriores, passando, a partir de então, os
doutrinadores a estabelecer a devida distinção entre os mesmos. Embora constassem em
leis ordinárias anteriores, como no Código Penal, Código Civil e Lei de Imprensa, esses
direitos só foram elevados explicitamente ao patamar constitucional por ocasião desta.
98
Nesse sentido, o reconhecimento constitucional da dignidade supõe um limite
no exercício dos direitos próprios e um dever genérico de respeito aos direitos próprios e
alheios, abordando-se o alcance jurídico-normativo desse reconhecimento frente à atuação das
próprias instituições governamentais.
Verifica-se que, por ser um atributo da pessoa tanto em sua dimensão
individual como social, e por trazer indissoluvelmente unida a idéia de liberdade, a dignidade
adquire um significado jurídico-político. Seu reconhecimento pelos diversos textos
constitucionais e declarações internacionais de direitos, e em particular sua inclusão na
Constituição de 1988, converte a dignidade humana em objeto de estudo desde o ponto de
vista das políticas públicas adotadas. Destacando a proteção à vida como objeto do direito,
podemos dizer que seu conceito é muito amplo, pois o homem além dos caracteres biológicos
possui outros ligados a sua pessoa, ou seja, os elementos psíquicos e espirituais.
97
RAMOS, Giovana Benedita ber Rossini. A efetividade do valor social do trabalho: responsabilidade do
Estado e da empresa brasileira. Marília, 2006. Disponível em:
http://www.unimar.br/pos/trabalhos/arquivos/pdf. Acesso em: 20 set. 2007, e PADILHA, Sandra. Direito à
intimidade e à vida privada nas liberdades públicas: alcance na relação de emprego. Disponível em:
<http://www.ccj.ufpb.br/primafacie/artigos.pdf>. Acesso em: 22 set. 2007.
98
PADILHA, Sandra. Direito à intimidade e à vida privada nas liberdades públicas: alcance na relação de
emprego. Disponível em: <http://www.ccj.ufpb.br/primafacie/artigos.pdf>. Acesso em: 22 set. 2007.
51
José Afonso da Silva:
De nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais,
como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a
vida humana num desses direitos. No conteúdo de seu conceito se
envolvem o direito a dignidade da pessoa humana, o direito à privacidade,
o direito à integridade físico-corporal, o direito à integridade moral e,
especialmente, o direito à existência.
99
Torna-se necessária a concretização imediata desses direitos, que não pode ser
relegada pelo Estado, sendo a exeqüibilidade plena desses direitos uma barreira jurídica para
impedir que o Estado se converta em fim de si mesmo. É neste cenário que se destaca o
direito ao trabalho como meio de uma existência digna: alimentação, moradia, vestuário e
transporte. Juntamente com o direito à saúde e à educação, o direito do trabalho constitui o
núcleo fundamental dos direitos econômicos sociais, valendo lembrar as palavras de Celso
Lafer:
A convicção, explicitamente assumida pelo totalitarismo, de que os seres
humanos são supérfluos e descartáveis, representa uma contestação frontal à
idéia do valor da pessoa humana enquanto valor-fonte’ de todos os valores
políticos, sociais e econômicos e, destarte, o fundamento último da
legitimidade da ordem jurídica, tal como formulada pela tradição, seja no
âmbito do paradigma do Direito Natural, seja no da Filosofia do Direito. O
valor da pessoa humana enquanto valor-fonte’ da ordem de vida em
sociedade encontra a sua expressão jurídica nos direitos fundamentais do
homem.
100
José Joaquim Gomes Canotilho afirma que no Estado Democrático de Direito
todos os princípios que o regem devem se basear no respeito à pessoa humana, pois esta
funciona como princípio estruturante, ou seja, representa o arcabouço político fundamental
constitutivo de um Estado e sobre o qual se deve assentar todo o ordenamento jurídico de um
país. Por isso, é considerado como princípio maior na interpretação de todos os direitos e
garantias da pessoa humana,
101
devendo inclusive nortear a atividade econômica:
[...] a dignidade da pessoa humana assume a mais profunda relevância, visto
comprometer todo o exercício da atividade econômica, em sentido amplo e em
especial, o exercício da atividade econômica em sentido estrito – com o programa de
99
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 197.
100
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. 1988, p. 19 e 20 apud AIMBERE, Francisco Torres.
Direito e valor: o valor da pessoa humana. Artigos Jurídicos. Disponível em:
<http://www.advogado.adv.br/artigos/2006.htm>. Acesso em: 20 set. 2007.
101
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra: Livraria
Almedina, 1999. p. 1099.
52
promoção da existência digna, de que, repito, todos devem gozar. Daí porque se
encontram constitucionalmente emprenhados na realização desse programa - dessa
política pública maior – tanto o setor público quanto o setor privado. Logo, o
exercício de qualquer parcela da atividade econômica de modo não adequado àquela
promoção expressará violação do princípio duplamente contemplado na
Constituição.
102
O Estado, portanto, tem o dever de garantir a observância do princípio da
dignidade da pessoa humana, nas relações sociais e econômicas.
Definida como característica própria e inseparável de toda pessoa em virtude
de sua própria existência, independentemente do momento e por cima das circunstâncias em
que se desenrole sua vida, materializando-se no exercício dos direitos invioláveis e
irrenunciáveis que lhe são inerentes, a dignidade implica também considerar que a pessoa
humana é chamada a ser responsável não somente por seu próprio destino, mas também pelos
das demais pessoas humanas, sublinhando-se, assim, o fato de que todos possuem deveres
para com a sua comunidade. Em outras palavras, por mais individual que seja, toda a escolha
que realizamos reflete no todo da comunidade.
Para ter certeza de que essa ética é mais do que um simples ideal, importa
definir os limiares necessários à existência de um ser humano ou de uma comunidade. Definir
um limiar significa fornecer uma força objetiva a uma obrigação e restabelecer um nível
mínimo de dignidade com base no qual uma pessoa pode ser sujeito de direito. Trata-se de
medida descritiva e progressiva. Não é uma questão de indagar teoricamente sobre o mínimo
necessário à sobrevivência, em termos de necessidades básicas, mas de definir sob que
condições uma pessoa é capaz de subsistir e ser reconhecida como parte ativa de um sistema
social.
Sob esta perspectiva, a atividade econômica da prostituição fruto de uma
escolha livre e consciente, se por um lado se afigura legítima e lícita, por outro envolve um
certo risco sanitário que atinge a todos. Assim, cabe ao Estado, cumprindo o seu dever,
intervir na atividade exercida para garantir a observância do princípio da dignidade da pessoa
humana em sua máxima e mais densa concepção.
102
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 9 ed. rev. e atual. o Paulo: Malheiros.
2004. p. 181.
53
2.2 VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
A CRFB/1988 é um marco instrumental de mudança de paradigma social
porque adota valores que norteiam toda a interpretação das leis e imprime ao aplicador do
direito uma nova tônica. Esta tônica é voltada para a satisfação dos interesses garantidos nos
preceitos constitucionais, conferindo-lhes o valor axiológico e pragmático concretos, de modo
a favorecer que os direitos se efetivem.
103
Mais uma vez, tem-se aqui um princípio previsto em dois momentos da
CRFB/1988: como fundamento da República, no Art. 1º, inciso IV e como princípio
informador da ordem econômica brasileira, na forma do Art. 170, caput.
A valorização do trabalho humano pode ser vista como uma afirmação da
intenção de se evitar o colapso do sistema capitalista e do Estado Brasileiro, vez que procura
reduzir as grandes disputas inerentes ao capitalismo (a exemplo dos conflitos existentes entre
capital e trabalho no modelo liberal clássico), com o intuito de que tanto um (capital) quanto o
outro (trabalho) coexistam de forma se não harmônica, ao menos tolerável.
104
O trabalho é,
pois, instrumento de realização e efetivação da justiça social, porque age distribuindo renda.
105
O conceito de trabalho na expressão “valorização do trabalho” deve ser
compreendido como trabalho juridicamente protegido, ou seja, emprego. Porque é o emprego
o veículo de inserção do trabalhador no sistema capitalista globalizado, e deste modo é
possível garantir-lhe um patamar concreto de afirmação individual, familiar, social, ética e
econômica.
106
Além disso, esta parece ser a única forma de leitura que guarda coerência com
os demais imperativos principiológicos constitucionais, como o princípio da justiça social e da
busca do pleno emprego (conforme o art. 170, VIII da CF/88).
103
ALMEIDA, Dayse Coelho de. A essência da justiça trabalhista e o inciso i do artigo 114 da Constituição
Federal de 1988: uma abordagem principiológica. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br.rtf>.
Acesso em: 20 set. 2007.
104
MOREIRA, Juliana Lima Vaz de C. Pinheiro. Aspectos teóricos e práticos da intervenção do Estado na
economia. 2006. Disponível em: <http://artigos.com/artigos/juridico/aspectos-teoricos-e-praticos-da-
intervencao-do-estado-na-economia-1051/artigo/>. Acesso em: 25 set. 2007.
105
PITAS, JoSeverino da Silva. Questões práticas relevantes. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da
24
a
. Região, Campo Grande, n. 5, 1998. p. 152-153.
106
DELGADO, Maurício Godinho. Princípios do direito individual e coletivo do trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr,
2004. p. 36.
54
Desta forma, assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da
justiça social, remete à idéia de que a finalidade da ordem econômica, isto é, de toda a
atividade econômica, é garantir uma existência digna aos membros da sociedade brasileira,
107
e a inserção constitucional destas disposições ressalta a evolução do reconhecimento dos
direitos econômicos, sociais e culturais, mais precisamente de seu núcleo fundamental, que
abrange os direitos ao trabalho, pela ordem internacional com repercussão no Direito
brasileiro:
108
O valor social do trabalho como fundamento da República (Art. , IV) e a
valorização do trabalho humano (Art. 170), como fundamento da ordem econômica,
estabelecem a primazia do trabalho humano sobre o capital e os demais valores da
economia de mercado. Resultando daí que a atividade estatal deve ser orientada a
proteção de tal prioridade e à promoção, em seu sentido amplo, dos valores sociais
do trabalho. (grifo do autor)
109
O reconhecimento dos direitos sociais do trabalho (previstos nos Arts. a 11
da Constituição Federal) está consagrado desde a Constituição de 1934 e tem sua origem
histórica no mundo cristão, onde a encíclica papal Rerum Novarum, escrita pelo Papa Leão
XIII e a Quadragesimmo anno, escrita pelo Papa Pio XII, que como bem ensina o Prof.
Lafayete:
110
[...] foram editadas no contexto do florescente capitalismo e dos momentos pós-
revolução industrial, onde o trabalho humano foi definitivamente caracterizado
como uma prestação de serviços (aluguel de serviços) mediante alguma retribuição
[...], podem ser tidas como documentos que assinalavam, já no alvorecer da
economia de mercado, para a importância da valorização do trabalho humano,
incorporando-se, de alguma forma nas diversas legislações editadas pelos países.
Valorizar o trabalho humano significa repelir qualquer noção escravagista,
para promover a dignidade humana do trabalho na atividade econômica, e deve ser visto como
muito mais que um fator de produção. Apesar de a relação laboral ser estruturada sob a forma
107
PRADO, Paula Pace. O princípio da dignidade humana e a regulação do estado. Universidade Católica de
Santos/São Paulo. Disponível em: <http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/.pdf>. Acesso em: 20 set.
2007.
108
GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Os Direitos Sociais no Âmbito do Sistema Internacional de Normas de
Proteção dos Direitos Humanos e seu Impacto no Direito Brasileiro: Problemas e Perspectivas. Revista
Trabalhista, v. IX. p.128 apud GOMES, Isabel Rogelia Sansoni Cardoso. A atuação do Estado no domínio
econômico por meio das empresas públicas e sociedades de economia mista: reflexões sobre o regime jurídico
das estatais. Marília, 2007.
109
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2001. p.766.
110
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do Art.
170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 155.
55
de um contrato, não deverá ser examinada sob uma ótica estritamente patrimonialista,
havendo de ser equitativamente sopesado o aspecto humanitário que caracteriza tal relação.
111
Valorizar o trabalho equivale a valorizar a pessoa humana e o exercício de uma
profissão que conduz à realização de uma vocação do homem, que durante séculos passou as
suas gerações que o trabalho era fonte da riqueza e da dignidade, modo de agradar a Deus e
aos homens e de multiplicar os dons da natureza, segundo Isabel Rogelia Sansoni Cardoso
Gomes.
112
2.3 FUNDAMENTOS APLICADOS À ORDEM ECONÔMICA
A Ordem Econômica consiste no conjunto de normas constitucionais que
definem os objetivos de um modelo para a Economia e as modalidades de intervenção do
Estado nessa área. No Art. 170 da CRFB/1988 encontram-se os princípios jurídicos que
informam a ordem econômica:
Art. 170 - A ordem ecomica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas, sob as
leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.
113
no caput do Art. 170, destaca-se que a ordem econômica possui dois
fundamentos: valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, com a finalidade de
assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. Esses
111
GOMES, Isabel Rogelia Sansoni Cardoso. A atuação do Estado no domínio econômico por meio das
empresas blicas e sociedades de economia mista: reflexões sobre o regime jurídico das estatais. Marília,
2007.
112
Idem, Ibidem.
113
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. São Paulo: Saraiva, 2008.
56
princípios apontam a direção dada à ordem econômica, mas sempre analisados de acordo com
o sistema constitucional, que tem como norte a função social.
114
A dignidade da pessoa humana nasceu juntamente com o homem, e, por mais
que seja esquecida cotidianamente, é definida como um princípio informador do Direito
porque precede a este, que deve servir à pessoa humana. Daí sua importância no
direcionamento da atuação do Estado e da vida social e econômica.
Ora, tendo como fulcro o objetivo final do Direito, chegaremos à conclusão
de que sua finalidade última é servir ao homem, assim como a do Estado e
para tanto sabemos que o Direito é um meio de se alcançar o bem estar do
homem e proteger sua dignidade da ação dos demais indivíduos, de si
mesmo e do Estado.
115
A dignidade da pessoa humana é consagrada como um dos fundamentos da
República na CRFB/1988, Art. 1º, III. Para que se possa entender seu conteúdo jurídico é
necessário compreender a existência do próprio Estado, que é meio e não fim em si mesmo. A
criação do Estado foi feita para atender aos interesses do homem que, dispondo de parte de
sua autonomia, confere poderes ao Estado para que este atue de forma a garantir a proteção
dos interesses dele próprio. Percebemos que, então, o Estado foi criado para o benefício do
homem e não para seu sofrimento. Assim, acredita-se que o Estado, criado pelo
homem,
deverá sofrer limitações à sua atuação, para que não ofenda o seu próprio criador.
Todavia, existe a necessidade de, por um lado, se evitar a absorção do
indivíduo e a anulação de sua subjetividade pela coletividade, e, por outro, que o
individualismo possa sobrelevar-se aos interesses coletivos de maneira ofensiva, visto que o
homem convive e não apenas vive. Isto permite afirmar que ao lado do princípio da dignidade
da pessoa humana atua o princípio do respeito à cidadania, de modo que as vontades
individuais não prevaleçam sobre os direitos e interesses da humanidade, mas permitindo que
a individualidade possa se manifestar dentro destes limites.
114
BITTENCOURT, Marcus Vinicius. Modalidades de intervenção do Estado na ordem econômica.
15/10/2004. Disponível em: <http://www.vemconcursos.com/opiniao>. Acesso em: 22 set. 2007.
115
PRADO, Paula Pace. O princípio da dignidade humana e a regulação do estado. Universidade Católica de
Santos/São Paulo. Disponível em: <http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/.pdf>. Acesso em: 20 set.
2007.
57
Quando a Constituição Federal indica a Dignidade da pessoa humana como
fundamento da República, que se estrutura como um Estado Democrático de
Direito, fácil notar que sua importância transcende aos próprios princípios
constitucionais, pois a dignidade, sendo o fundamento mais solidamente
alicerçado em nossas estruturas, imanta, por assim dizer, todos os aspectos
culturais da vida em sociedade e, de um modo muito especial, o Direito.
116
Uma das facetas do princípio da dignidade da pessoa humana está na
valorização do trabalho, especialmente quando se tem em mente a sociedade contemporânea,
onde o trabalho surge como um direito de todos e um dever do Estado, significando muito
mais do que um fator de produção.
117
Difícil conceber dignidade humana sem trabalho valorizado, porque um não
prescinde da contribuição do outro para se realizar. Assim, o Estado deve intervir na
economia, no intuito de compor e equilibrar a relação entre capital e trabalho, implicando
exclusão de interpretações que “[...] venham a desdenhar do trabalho, por valorizar o não-
trabalho; que considerem a remuneração pelo labor como uma caridade, feita ao bel prazer de
quem paga; como também interpretações que incentivem a desigualdade na sociedade
brasileira.”.
118
Diante disso, percebe-se que a Ordem Econômica tem por fim assegurar a
existência digna conforme os ditames da justiça social, tendo por um de seus fins assegurar a
realização dos valores fundamentais e das subjetividades sob esta perspectiva e segundo tais
limites, cabendo a todos, à sociedade e ao Estado, à República enfim, laborar neste sentido.
119
Tércio Sampaio Ferraz Júnior aduz que a existência digna, conforme os
ditames da justiça social, não é um bem subjetivo e individual, mas de todos, que não admite
miséria nem marginalização em parte alguma e distribui o bem-estar e o desenvolvimento
com eqüidade. Protege, não privilegia. É fraternidade e ausência de discriminação. Não se
mede por um absoluto, mas é, conforme certos limites de possibilidade estabelecidos, um
sentido de orientação para não excluir ninguém. Aqui, como na Ordem Econômica, se fala de
116
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do Art.
170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 172
117
Idem, Ibidem, p. 153.
118
Idem, Ibidem, p. 158.
119
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Direito e cidadania na Constituição Federal. São Paulo. Disponível em:
<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/rev1.htm>. Acesso em: 23 set. 2007.
58
trabalho. Como fundamento, na Ordem Econômica, o trabalho deve ser valorizado como fator
de produção.
120
Outra questão de suma importância é a garantia de um mínimo para uma
existência digna. Assim, não apenas o Estado, por meio da assistência e previdência social,
das limitações ao poder de tributar, como também aos particulares, à iniciativa privada é
imposta tal tarefa: garantir, ou ao menos possibilitar que os indivíduos tenham um mínimo de
recursos para sua existência digna, uma vez que no caput do Art. 170 da Constituição da
República está estabelecido que a ordem econômica tem como um dos seus fundamentos a
valorização do trabalho humano, e a finalidade de assegurar a todos uma existência digna. No
que diz respeito à atividade regulatória do Estado, no âmbito das atividades econômicas e dos
serviços públicos, o Estado deve sempre levar em consideração a dignidade da pessoa
humana, como principal valor a ser preservado.
121
A atividade regulatória do Estado, compreende tanto normatização
(regulamentação), quanto planejamento e fiscalização. São esses, pois, os mecanismos para
efetiva intervenção estatal, visando garantir os preceitos constitucionais gerais e também
aplicados à ordem econômica.
O Estado tem assim o dever/poder de intervir nas atividades econômicas para
resguardar a dignidade da pessoa humana e a valorização do trabalho humano, bem como
garantir a livre iniciativa e a livre concorrência. por este ângulo se pode afirmar que,
inexiste, desta forma, qualquer justificativa plausível para omissão do Estado quanto à
atividade econômica exercida pelas profissionais do sexo no Brasil.
120
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Direito e cidadania na Constituição Federal. São Paulo. Disponível em:
<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/rev1.htm>. Acesso em: 23 set. 2007.
121
PRADO, Paula Pace. O princípio da dignidade humana e a regulação do estado. Universidade Católica de
Santos/São Paulo. Disponível em: <http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/.pdf>. Acesso em: 20 set.
2007.
59
3 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA PARA REGULAR E
FISCALIZAR ATIVIDADE ECONÔMICA DA PROSTITUIÇÃO
A sociedade globalizada do século XXI traz consigo a intensificação dos
fenômenos econômicos, demandando assim investigações mais profundas e específicas acerca
da função do Estado no controle das práticas econômicas como parte das políticas públicas
que direcionam sua atuação em busca do bem-estar da sociedade.
Para tanto, cumpre ter noção de como evoluiu o pensamento econômico ao
longo dos últimos tempos até o processo de globalização implementado pelas políticas
neoliberais que atualmente exercem grande influência no cenário político-econômico da
atualidade.
No século XVII, figurava na França e em outros países o regime monárquico
de governo. O rei concentrava o poder do Estado podendo cobrar altos impostos da classe
burguesa. A conseqüência direta desta alta concentração de poder do monarca resultou na
revolução burguesa, que por sua vez culminou na soberania do povo.
A revolução francesa contribuiu para a separação dos poderes e o surgimento
do princípio da Legalidade. O lema era a liberdade econômica e a igualdade política, o que
acentuava a cisão entre o público e privado.
Na fase do liberalismo econômico e político, a burguesia tornou-se
extremamente privilegiada frente às demais classes sociais. Em meados do século XVIII,
inicia-se a revolução industrial, deslocando-se a economia agrícola para as fábricas. Não
demorou muito para que a população se concentrasse muito mais nos grandes centros a
procura de mercado. O soberano tinha somente três deveres a cumprir: o primeiro, proteger a
sociedade da violência e da invasão de outros Estados; o segundo, proteger da injustiça e da
opressão de qualquer outro membro, na medida do possível, cada membro da sociedade,
estabelecer uma adequada administração da justiça; o terceiro, erigir e manter certas obras
60
públicas e certas instituições públicas que em regra não seriam do interesse de indivíduos ou
de certo número de indivíduos erigirem e manter.
122
A igualdade no Estado liberal era apenas formal e totalmente desproporcional
em algumas situações, como por exemplo, a igualdade entre a parte contratante, que detinha o
capital, e a parte contratada, que representava a mão-de-obra barata.
Muito embora o Estado liberal proporcionasse certa igualdade política aos
cidadãos, gerava muita desigualdade econômica. Era descomprometido com a ética, sendo
contra qualquer forma de intervenção na livre iniciativa. A liberdade de empresa; a liberdade
da propriedade privada; liberdade de contrato e a liberdade de câmbio representaram
liberdades absolutas para a economia liberal, e que, por isto mesmo, não poderiam ser tocadas
pelo Estado.
A economia liberal era submetida à lei natural do mercado, ou seja, acreditava-
se que os próprios indivíduos editariam as regras, regulando as relações comerciais e
industriais, contudo estas regras eram individualistas e não abrangiam a coletividade.
Acreditava-se em uma mão invisível, a qual seria o mercado, de modo que as trocas deveriam
realizar-se na maior liberdade possível, ou seja, os produtores e consumidores deveriam aderir
às regras do mercado e que em razão da oferta e da procura os preços se estabilizariam, sem
nenhuma intervenção estatal.
O pensamento liberal era egoísta, imaginando que quanto mais o indivíduo
buscasse a sua satisfação financeira, mais ele estaria fazendo em prol da sociedade. Não havia
normas de ordem econômica explícitas nas Constituições liberais, sendo extremamente
valorizado o mundo do ser.
No apogeu do liberalismo nasceu o princípio da autonomia da vontade,
significando a liberdade total no campo contratual, porquanto, a vontade manifestada deveria
122
MORAIS, Reginaldo C. Correa de. Liberalismo e neoliberalismo: uma introdução comparativa. Primeira
Versão n. 73. Campinas: IFCH-Unicamp, março de 1997. [Item 1, pp. 01-15].
61
ser respeitada, e a avença fazia lei entre as partes e de qualquer modo era assegurado o
cumprimento do contrato, mesmo que levasse uma das partes contratante ao fracasso total.
Como dizia Benjamin Constant, citado por Mário Guerreiro, o Estado é
insubstituível no tocante às funções que ele pode desempenhar a contento, e perfeitamente
substituível em funções que podem ser desempenhadas pela iniciativa privada (e costumam
sê-las com muito mais eficiência):
Se a finalidade da sociedade é a conservação e a tranqüilidade dos seus
membros, tudo aquilo que é necessário para que esta conservação seja
garantida e esta tranqüilidade não seja perturbada é da competência da
legislação, pois a legislação o é outra coisa senão o esforço da sociedade
para preencher as condições da sua existência. Mas tudo aquilo que é
necessário à garantia da sustentação e à manutenção da tranqüilidade está
fora da esfera social e legislativa.
123
Ainda segundo o autor citado, na primeira metade do século XIX, renovaram-
se as críticas de Rousseau ao sistema representativo, acentuando o efeito de concentração do
poder político no plano da burocracia estatal.
Jean J. Rousseau entendia que o perigo maior do sistema de liberdade política
dos antigos estava no fato de que os cidadãos, interessados tão-só em exercer uma parcela do
poder coletivo, não se importavam minimamente em possuir direitos individuais e liberdades
particulares. Mas, Benjamin Constant adverte que o grande perigo do sistema das liberdades
modernas, era exatamente o contrário: quando absorvidos no gozo de sua independência
privada e na realização de seus interesses particulares, os cidadãos renunciam facilmente ao
seu direito de participar do governo da sociedade, confiando essa atribuição inteiramente aos
representantes políticos por eles eleitos.
124
Atinente ao conceito de democracia:
A democracia estende a esfera da independência individual, o socialismo a
restringe. A democracia confere todo seu valor possível a cada homem, o
socialismo faz de cada homem um agente, um instrumento, uma cifra. A
123
CONSTANT, B. 1986, tomo II, p. 104 apud GUERREIRO, Mario A. L. Liberdade ou igualdade? Coleção
Filosofia – 144, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 194.
124
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006. p. 551.
62
democracia e o socialismo resumem-se em uma palavra: igualdade. Mas
prestai atenção à diferença: a democracia quer igualdade na liberdade, mas
o socialismo quer igualdade na restrição e na servidão.
125
De fato, em um panorama como este, a liberdade individual daqueles que
contam com a lei ao seu lado, assegurando-lhes direitos profissionais por exemplo, supera
qualitativa e quantitativamente a liberdade daqueles que, mesmo não sofrendo restrições
legais, não tem a regulamentação de sua profissão juridicizada, como se no caso das
profissionais do sexo.
Se, especialmente nos primeiros tempos do Século XX, com a quebra da Bolsa
de Valores de Nova Iorque em 1929, provocada pelo grande pessimismo que assolou o
mercado de ações e a grande depressão que se instaurou por todo mundo capitalista, o Estado
passou a intervir nas relações econômicas, como forma de fomentar a economia,
contemporaneamente o faz para assegurar que a igualdade entre as partes seja tão substancial
quanto possível.
Com a intervenção nos domínios econômicos superava-se a idéia do livre
mercado absoluto, independente da intervenção estatal, e partia-se para uma política
intervencionista, na qual o Estado é tido como o principal responsável pela movimentação da
economia.
Nasce um Estado organizado, estabilizando, estimulando e dirigindo o resumo
da economia. O contrato pouco a pouco se tornou cada vez mais público e menos privado nas
suas questões fundamentais.
O Estado moderno nasceu com o compromisso de atuar no campo econômico,
de modo a garantir limites às instituições básicas da propriedade, que passou a ter como um
de seus elementos constitutivos a função social, e da liberdade contratual, que passou a ser em
grande parte dirigida. Pode-se enumerar como intervenções, por exemplo, a intervenção nas
indústrias extrativas, no setor energético, setor de transporte e comunicações, tabelamentos de
preços, dentre outros, todas elas implicando regulação e fiscalização, e em alguns casos,
incentivo.
125
TOCQUEVILLE, 1886, v. IX, p. 546, apud HAYEK, F. The road to Serfdom. Londres: Routhedge & Kegan
Paul. 1944, p. 25 apud GUERREIRO, Mario A. L. Liberdade ou igualdade? Coleção Filosofia 144, Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2002. p. 205.
63
Dentre os motivos que ocasionaram a intervenção estatal no mercado, figuram
a exploração da mão-de-obra infantil, a poluição, a remuneração da mão-de-obra vilipendiada,
o esgotamento de recursos naturais, a ausência de serviços públicos para aqueles que não
podiam pagá-lo, tendo em comum aqueles que se referiam à contratação e ao labor das
pessoas o fato de trazerem em si o gérmen do desequilíbrio contratual e da falta de
regulamentação satisfatória.
Esse intervencionismo encontra em Keynes os principais ideais para retirar o
mundo capitalista da depressão, na medida em que cabia ao Estado controlar a moeda e o
crédito, aplicar uma política tributária baixa e de gerir uma previdência social, além de
realizar grandes obras públicas,
126
no intuito de se possibilitar à sociedade os meios
necessários para se adquirir rendimentos e movimentar a economia.
Tem-se, portanto, em um primeiro momento o Estado como grande idealizador
e realizador das políticas econômicas e sociais, implementando uma grande nacionalização da
economia, por meio da constituição de monopólios estatais, possibilitando as condições para a
recuperação da economia.
O Estado seria o grande gerenciador da atividade econômica, praticando
políticas sociais, voltadas ao bem-estar dos cidadãos, por meio da interferência nas atividades
econômicas, na medida em que oferta uma vasta gama de direitos sociais, como forma de
garantir a economia capitalista no Hemisfério Ocidental, em face do avanço do socialismo
soviético e sua economia planificada praticada no hemisfério Oriental. Baseado neste
conceito, as décadas de 50 e 60 foram primorosas para o capitalismo, levando Heilbroner a
afirmar que “Keynes fora o arquiteto do Capitalismo Viável”.
127
Ao mesmo tempo, começa a ganhar força a teoria neoliberal, iniciada na
década de 40 com Hayek, procurando combater a política intervencionista do Bem-Estar
Social
128
. Para a escola neoclássica, o Estado deveria ser um “Estado mínimo em relação aos
126
HUGON, Paul. História das doutrinas econômicas. 14. ed. São Paulo: Altas, 1995. p. 412.
127
HEILBRONER, Robert L. A história do pensamento econômico. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 236.
128
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: Pós-Neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado
democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 9-10.
64
direitos sociais e trabalhistas e um Estado passivo em relação aos lucros dos capitalistas e a lei
de mercado.”.
129
O neoliberalismo surge, então, como resposta ao implemento do Estado Social,
de forma a combatê-lo e possibilitar que o capitalismo pudesse se desenvolver sem as amarras
do estado intervencionista. Entrementes, o Estado do Bem-Estar Social entrou em recessão na
década de 70, após as crises do petróleo.
130
Com a queda do muro de Berlim, a derrocada do Estado Soviético e a
modernização dos meios de produção e telecomunicação, o neoliberalismo lançou-se de
forma intensiva pelas economias mundiais, na medida em que seu principal oponente perdia
forças.
O neoliberalismo vem crescendo, infiltrando-se nas políticas econômico-
sociais dos governos, usando como estratégia a desestatização da economia, utilizando como
ferramentas os processos de privatização e concessão ou permissão de serviços públicos, bem
como da supressão dos direitos trabalhistas pelo processo de flexibilização,
131
com a intenção
de suprimir ao Estado a direção econômica, permitindo apenas o controle indireto dessas
atividades, por meio da regulação.
No Brasil, durante a década de 80 e a abertura política, a Constituição
Brasileira foi promulgada em 05 de outubro de 1988, trazendo uma vasta gama de princípios
do Estado Social em consonância com princípios capitalistas neoliberais, denotando a
característica social da década de 80 e a forte influência neoliberal que estava se fortalecendo
no mesmo período, possibilitando ao Estado desenvolver tanto políticas sociais, quanto
neoliberais, de acordo com a ideologia do governo sedimentado no poder pela democracia
popular. Entretanto, cumpre observar que, embora nossa Constituição seja híbrida, não é
possível suprimir os princípios sociais insculpidos no texto Constitucional, em nome de
129
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. O Estado Neoliberal e seu Impacto Sócio-Jurídico. In: Globalização,
neoliberalismo e direitos sociais. Rio de Janeiro: Destaque, 1997 p. 80.
130
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo apud Pós-Neoliberalismo: As políticas Sociais e o Estado
Democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 10.
131
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. O Estado Neoliberal e seu Impacto Sócio-Jurídico apud Globalização,
neoliberalismo e direitos sociais. Rio de Janeiro: Destaque, 1997. p. 86-93.
65
política de sobrevivência em uma economia globalizada, como bem afirma Eros Roberto
Grau.
132
Além de utópica, demagógica e corporativista, nossa Constituição revela
aspectos socializantes. A identificação do grau de socialização da nossa
Constituição é facilmente comprovável porque: no tocante ao regime de
bens, restringe o direito de propriedade (artigos 172, 176, 178, parágr. 4,
inciso I, II e III; 186); no que diz respeito ao regime de pessoas, restringe o
domínio de iniciativa no campo econômico (artigos 171, 172, 174, 176, 178,
184, 190, 192, 222, 223, 237 e 238); no que concerne ao regime de renda,
restringe a percepção dos lucros, tornando-os relativos não à produção, mas
às necessidades tidas como de justiça social (artigos 172, 179, inciso VII e
parágr. 3) e, por último, no que tange ao regime de produção-distribuição,
restringe e limita o controle privado na produção de bens e disciplina, fora
das forças de mercado, os mecanismos de cirdulação e consumo das
riquezas.
133
A Constituição Federal de 1988 institui um Estado que busca o bem-estar
social, no entanto determina como excepcionalidade sua intervenção na ordem econômica,
diga-se única forma de efetivar qualquer dos fundamentos e objetivos da República
Federativa do Brasil, especialmente a dignidade da pessoa e valorização do trabalho humano,
a livre iniciativa e livre concorrência, conforme os ditames da justiça social.
A substituição do modelo de economia de bem-estar consagrado na
Constituição de 1988 por outro, neoliberal, não poderá ser efetivada sem a prévia alteração
dos preceitos contidos nos seus Art. 1º, e 170. Em outros termos: essa substituição não
pode ser operada sub-repticiamente, como se nossos governantes pretendessem ocultar o seu
comprometimento com a ideologia neoliberal.
134
É a economia que estuda como o indivíduo e a sociedade decidem
(escolhem) empregar os recursos produtivos escassos na produção de bens e
serviços, de modo a distribuí-los entre as várias pessoas e grupos da
sociedade, a fim de satisfazer as necessidades humanas.
135
132
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 5. ed. rev. e atual. São Paulo
Malheiros, 2000.
133
PRADO, N. Razões das virtudes e vícios da Constituição de 1988. São Paulo: Inconfidentes. 1994, p. 54 apud
GUERREIRO, Mario A. L. Liberdade ou igualdade? Coleção Filosofia 144, Porto Alegre: EDIPUCRS,
2002, p. 205-206.
134
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 5. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2000. p. 37.
135
VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval de; GARCIA, Manuel Enriquez. Fundamentos de economia.
São Paulo: Saraiva, 1998. p. 2.
66
A CRFB/1988 estabelece em seu Capítulo VII os parâmetros para a regulação
da ordem econômica, constituindo-se em uma ordem jurídico-econômica, na medida em que
toma os fatos do mundo do ser e lhes aplica uma regra de conduta, traspassando-o para o
mundo do dever-ser
.
136
Ora, segundo se viu, por qualquer caminho que se percorra, as profissionais do
sexo se encontram ao largo face à ausência de regulamentação oficial de sua profissão, que
apenas pode ser exercitada autonomamente.
Desta forma, os direitos sociais voltados para os trabalhadores não lhes
atingem fundamentalmente, vez que não podem assumir a condição oficialmente, e a
contratação não conta com nenhuma proteção posto que sequer possuem direitos sociais.
Segundo Diógenes Gasparini, a intervenção do Estado no domínio econômico
pode ser conceituada como “[...] todo ato ou medida legal que restringe, condiciona ou
suprime a iniciativa privada em dada área econômica, em benefício do desenvolvimento
nacional e da justiça social, assegurados os direitos e garantias individuais”.
137
O Estado avocou para si o controle e distribuição dos mais sagrados valores
sociais e individuais, quais a segurança, a justiça e o bem estar, aprimorando-se
dialeticamente nas espirais do tempo. A compreensão do Estado Democrático de Direito,
passa necessariamente pela maior igualdade econômica e pela igualdade de condições de
exercício de suas potencialidades e habilidades.
Não haverá democracia, dignidade e muito menos justiça enquanto a
participação popular não se fizer representar em suas nuances e diferenças, devendo restar
claro que a liberdade se manifesta, também, na igualdade. É preciso procurar a realização da
liberdade, indo para além da metafísica do capitalismo liberal e do sonho potencial, fazendo
existir a real capacidade de se auto-determinar de acordo com uma dignidade, ao menos,
136
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 5. ed. rev. e atual. São Paulo
Malheiros, 2000. p. 50-52.
137
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed., São Paulo: Saraiva, 2001, p. 614 apud
BITTENCOURT., op cit., p. 2.
67
mediana, que permita a concretização de escolhas, incluindo a do exercício profissional da
prostituição pelas mulheres.
O Estado de Direito visa à segurança e à justiça, conceitos que, por vezes,
podem parecer contraditórios, pois a segurança perseguida e conseguida pode parecer ferir ou
ferir a justiça. Há que se harmonizar, portanto, os conceitos de segurança e justiça, como bem
o faz Paulo Gusmão:
A segurança exige a manutenção de uma ordem jurídica, enquanto a justiça a
reforma da ordem jurídica incompatível com as suas exigências históricas. A
segurança mantém a ordem dominante, protegendo as estruturas de poder e os
direitos dos indivíduos, em nome da ordem e da paz sociais, enquanto a
justiça apela para as reformas em nome de um ideal ético histórico.
138
A importância de compreender a ordem econômica reside nas várias atuações
do Poder Público neste campo que afetam as Leis do mercado e os direitos individuais. Como
sua atividade é excepcional, as normas devem ser interpretadas restritivamente, conforme
determinam os preceitos de hermenêutica. O ordenamento jurídico, como visto, prevê uma
atividade vinculada na aplicação de atos de intervenção pelo Estado e sempre condicionada
pelo princípio da dignidade da pessoa humana.
Reiterando alusão anterior, a ordem econômica tem como seu fundamento a
valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, princípios inseridos no Art. da
CRFB/1988 e que se constituem em fundamentos do Estado brasileiro, tendo por fim
assegurar uma existência digna, de acordo com o princípio da justiça social.
Dessa forma, a “Constituição estabelece a finalidade de toda atuação por meio
de políticas econômicas, qual seja a de assegurar a todos a existência digna, conforme os
ditames da justiça social”.
139
Isto é, as atividades econômicas desenvolvidas pela sociedade
somente serão legítimas quando se respeitarem os princípios da dignidade da pessoa humana e
da justiça social, sob pena de sofrerem a intervenção do Estado para regularizar o respeito a
esses princípios.
138
GUSMÃO, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito, p. 496.
139
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
p. 126.
68
É a busca pelo bem-estar da sociedade, compreendido segundo Neomésio José
de Souza:
[...] como o conjunto de condições sociais que permitem e favorecem nos
seres humanos o desenvolvimento de sua pessoa. Será representado pela
soma dos objetivos que constituem a qualidade de vida, como as condições
de saúde, habitação, de educação, recreação, segurança social, alimentação,
enfim, tudo o que contribui para a melhoria de vida do povo, para a
realização das potencialidades da pessoa humana.
140
Embora os conceitos de dignidade da pessoa humana e justiça social sejam
pragmáticos, a Constituição trouxe no mesmo Art. 170 uma série de princípios que, uma vez
respeitados, possibilitariam à sociedade viverem com dignidade e justiça social.
Os princípios inseridos na Ordem Econômica são os alicerces necessários para
que a atividade econômica possa alcançar a dignidade da pessoa humana e possibilitar o bem-
estar social. Uma vez desrespeitados pelos agentes econômicos, competirá ao Estado intervir
na atividade econômica, para que o equilíbrio possa ser restabelecido. Neste caso, o Estado
deverá se utilizar de alguns instrumentos previstos na Constituição, dentre eles: a intervenção
direta na atividade econômica, nos moldes do Art. 173, CF ou a intervenção indireta, nos
moldes do Art. 174, CF.
141
Grau
142
refere-se a três modalidades de intervenção: “[...] intervenção por
absorção ou participação, intervenção por direção e intervenção por indução.”.
Quando o faz por absorção, o Estado assume integralmente o controle dos
meios de produção e/ou troca em determinado setor da atividade econômica em sentido
estrito; atua em regime de monopólio. Por participação, o Estado assume o controle de parcela
dos meios de produção e/ou troca em determinado setor da atividade econômica em sentido
estrito; atua em regime de competição com empresas privadas que permaneçam a exercitar
suas atividades nesse mesmo setor. Por fim, quando o faz por direção, o Estado exerce
140
SOUZA, Neomésio José de. Intervencionismo e direito: uma abordagem das repercussões. Rio de Janeiro:
Aide, 1984. p. 83.
141
VINHA, Thiago Degelo. Estado e economia: o intervencionismo estatal no atual cenário jurídico-econômico
brasileiro. Hórus Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, Ourinhos/SP, 03, 2005.
Disponível em: <http://www.faeso.edu.br/horus/artigos%20anteriores/2005.pdf>. Acesso em: 25 set. 2007.
142
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p.
122.
69
pressão sobre a economia, estabelecendo mecanismos e normas de comportamento
compulsório para os sujeitos da atividade econômica em sentido estrito.
De outro lado, o Art. 174 da Constituição Federal, traz a forma de intervenção
indireta do Estado na ordem econômica, sendo essa a que mais interessa a esse estudo, pois
determina que a intervenção estatal dar-se-á como agente normativo e regulador da atividade
econômica, exercendo suas funções de fiscalização, incentivo e planejamento.
Thiago Vinha afirma:
O Estado pode ainda intervir na atividade econômica de forma indireta,
quando o “Estado limita-se a condicionar, a partir de fora, a actividade
económica privada, sem que o Estado assuma posição de sujeito económico
ativo. É o caso da criação de infraestruturas, da polícia econômica e do
fomento”. É através da intervenção indireta que o Estado, através do seu
poder normativo, regulador, exercerá as funções de fiscalização (polícia
econômica), incentivo (fomento) e planejamento (criação de infra-estruturas)
da atividade econômica, de acordo com o art. 174 da Constituição Federal.
143
Finaliza seu pensamento a respeito da intervenção afirmando que a função
primordial da intervenção estatal na ordem econômica, é possibilitar ao Estado controlar as
atividades econômicas, de forma a implementar suas políticas públicas, necessárias ao
desenvolvimento da sociedade brasileira, ofertando-lhe a possibilidade de viver com
dignidade, de uma forma justa e solidária.
144
Verificamos, pois, que a CRFB/1988 permite excepcionalmente a intervenção
direta do Estado na atividade econômica, segundo o Art. 173, somente nos casos de ser
necessária para os imperativos da segurança nacional ou de relevante interesse coletivo. Nas
demais situações o Estado intervirá apenas como regulador da economia.
Nas palavras de Calixto Salomão Filho, regulação:
Engloba toda forma de organização da atividade econômica através do
Estado, seja a intervenção através da concessão de serviço público ou o
exercício do poder de polícia. [...]. Regulação é a correspondência
143
VINHA, Thiago Degelo. Estado e economia: o intervencionismo estatal no atual cenário jurídico-economico
brasileiro. Hórus Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, Ourinhos/SP, 03, 2005.
Disponível em: <http://www.faeso.edu.br/horus/artigos%20anteriores/2005.pdf>. Acesso em: 25 set. 2007.
144
Idem, Ibidem.
70
necessária de dois fenômenos. Em primeiro lugar, a redução da intervenção
direta do Estado na economia, e em segundo o crescimento do movimento
de concentração econômica.
145
Conforme define Marçal Justen Filho, um conjunto ordenado de políticas
públicas que busca a realização de valores, sejam eles econômicos ou não, mas que sejam
tidos como essenciais para determinados grupos ou para a coletividade em seu conjunto,
significa que há por parte do Estado a atividade de regulação. Para Justem Filho, essas
políticas envolvem “[...] medidas de cunho legislativo e de natureza administrativa, destinadas
a incentivar práticas privadas desejáveis e a reprimir tendências individuais e coletivas
incompatíveis com a realização dos valores prezados.”.
146
A regulação estatal pressupõe, portanto, regulação econômica e social, e as
finalidades regulatórias devem estar relacionadas à realização dos valores fundamentais da
Nação não se reduzindo unicamente aos valores econômicos. A CRFB/1988, ao tratar da
Ordem Econômica e Financeira traz, no seu Art. 170, como sendo um dos fundamentos da
ordem econômica, a existência de uma justiça social, para garantir a possibilidade de todos
contarem com o mínimo para satisfazer as suas necessidades fundamentais.
No que se refere à prostituição sob o enfoque adotado neste estudo, evidente se
mostra o dever do Estado de intervir indiretamente na atividade, realizando suas funções de
planejamento, implicando isso regulamentação, e fiscalização, de modo a poder controlá-la e
proteger tanto as profissionais que a exercem quanto a sociedade, vez que tal atividade, dadas
suas características, traz consigo evidentes riscos. Há, portanto, que se criar espaço jurídico
para que haja a sua eficiente regulação pelo Estado.
Portanto, é a função regulatória do Estado que possibilita a realização da
justiça e do bem estar social, pois por meio dela haverá planejamento e adoção de políticas
públicas que visem minimizar as externalidades sociais negativas em razão da atividade
econômica, bem como incentivar procedimentos de ações afirmativas pelo setor privado,
como responsabilidade social das empresas, além de exercer o poder de polícia por meio da
fiscalização do cumprimento das normas legais.
145
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos. São
Paulo: Malheiros, 2001. p. 15
146
JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. p.
40.
71
Partindo da análise da função dever/poder do Estado de regular a economia,
aplicamos essa norma constitucional ao caso da atividade exercida pelas profissionais do
sexo: trata-se de ocupação lícita de natureza econômica, não vedada em lei, inclusive com
disposição pelo MTE; o exercício de tal atividade pode gerar externalidades negativas não
aos envolvidos diretamente, mas põe em iminente risco a sociedade como um todo; a única
forma de controlar o exercício da prostituição será por meio da regulamentação da profissão,
adotando procedimentos de fiscalização do exercício da atividade; são necessárias políticas
sanitárias e sociais como forma de minimizar possíveis as externalidades negativas advindas
de tal atividade.
Conclui-se também por essa análise que o Estado tem o dever de intervir na
atividade econômica exercida pelas profissionais do sexo, regulamentando-a para controlar o
exercício dessa profissão, que por sua própria natureza pode gerar desdobramentos negativos
à sociedade como um todo.
Por outro lado, em razão da fragmentação social, o Estado deve intervir para
garantir os direitos fundamentais individuais e coletivos, especialmente dos cidadãos
excluídos e marginalizados, como são as profissionais do sexo, que sequer possuem, ainda,
representatividade capaz resguardar e defender os interesses da categoria de maneira
adequada.
3.1 ASPECTOS DO ESTADO MODERNO EM CRISE: FRAGMENTAÇÃO SOCIAL;
MOVIMENTOS SOCIAIS E NEOCORPORATIVISMO.
Na década iniciada em 1980 e no princípio da de 1990, presenciou-se uma
mudança profunda na configuração política mundial. Primeiro assistiu-se a queda de quase
todos os regimes autoritários na América Latina, e, em segundo lugar, a desintegração quase
completa do chamado “bloco socialista”. Apesar das numerosas diferenças entre estes dois
processos de transformação, todos os Estados afetados por tal mudança enfrentam um
problema similar, qual seja, o de definir que papel outorgar aos Estados.
147
147
ROTH, Andre-Noël. O direito em crise: fim do estado moderno? Trad. de Margaret Cristina Toba e Márcia
M. L. Romero. Disponível em: <http://www.fema.com.br/~direito/debora/sociologia/direitoemcrise.pdf>.
Acesso em: 22 set. 2007.
72
O Estado Moderno emergiu progressivamente desde o século XIV como forma
especifica de dominação política e se distingue do feudalismo por três elementos principais
148
.
Em primeiro lugar institui-se a separação entre uma esfera pública, dominada pela
racionalidade burocrática do Estado, e uma esfera privada sob o domínio dos interesses
pessoais. Em segundo lugar, o Estado Moderno dissocia o poderio político (poder de
dominação legítima legal-racional) do poderio econômico (posse dos meios de produção e de
subsistência), que se encontram reunidos no sistema feudal. E para terminar o Estado
Moderno realiza uma estrita separação entre as funções administrativas e políticas, tornando-
se autônomo da sociedade civil.
149
Enquanto a sociedade segue seu movimento histórico, diversificam-se as
necessidades de intervenção estatal na seara privada no exercício de sua função básica de
mediar os conflitos e zelar pelo interesse coletivo. Infelizmente, percebe-se que não tem sido
possível a ele acompanhar o ritmo de tais mudanças e o clamor das novas demandas sociais,
como se nos casos em que existem modelos comportamentais oficiais, impostos pela
cultura, que implicam inação estatal, caso da prostituição.
A crise atual do Estado,
150
cujo perfil ainda predominantemente organizador,
que assume a função de agente principal da regulação social a partir de suas políticas sociais,
econômicas e fiscais, indica que os mecanismos econômicos, sociais e jurídicos de regulação
não funcionam, sendo uma das causas de sua ineficiência a dinâmica econômica renovada
pelo processo de globalização, o que termina por produzir uma verdadeira mutação no
conjunto das sociedades.
151
148
CHEVAILIER, J. Science administrative, PUE coll. Themis, Paris, p. 139, 1986, apud ROTH, Andre-Noël. O
direito em crise: fim do estado moderno? Trad. de Margaret Cristina Toba e Márcia M. L. Romero. Disponível
em: <http://www.fema.com.br/~direito/debora/sociologia/direitoemcrise.pdf>. Acesso em: 22 set. 2007.
149
ROTH, Andre-Noël. O direito em crise: fim do estado moderno? Trad. Margaret Cristina Toba e Márcia M.
L. Romero. Disponível em: <http://www.fema.com.br/~direito/debora/sociologia/direitoemcrise.pdf>. Acesso
em: 22 set. 2007.
150
ROSANVAILON, E. La crise de l’Etat providence, Seuil, Paris, 1984; Offe. De quelques contradictions de
l’Etat providence, “Revue M (marxisme, mouvement, mensuel)”, n. 49,oct-nov., 1991; J. Habermas. Ecrits
politiques, Ed. du Cerf, Paris, 1990, apud ROTH, Andre-Noël. O direito em crise: fim do estado moderno?
Trad. de Margaret Cristina Toba e Márcia M. L. Romero. Disponível em:
<http://www.fema.com.br/~direito/debora/sociologia/direitoemcrise.pdf>. Acesso em: 22 set. 2007.
151
ROTH, Andre-Noël. O direito em crise: fim do estado moderno? Trad. Margaret Cristina Toba e Márcia M.
L. Romero. Disponível em: <http://www.fema.com.br/~direito/debora/sociologia.direitoemcrisepdf>. Acesso
em: 22 set. 2007.
73
O fenômeno da globalização, a evolução tecnológica, especialmente a internet,
a abertura da economia nacional, a formação de blocos econômicos, a fragmentação social, a
sociedade civil organizada, dentre outros, são os fatores que influenciam diretamente na
ineficiência de regulação por parte do Estado, nos moldes impostos.
Importa lembrar que o conceito de Soberania esteve historicamente vinculado
à racionalização jurídica do Poder, no sentido de transformação da capacidade de coerção em
Poder legítimo. Ou seja, na transformação do Poder de Fato em Poder de Direito.
152
O conceito político-jurídico de soberania indica o poder de mando em última
instância, numa sociedade política. Ela é a racionalização jurídica do poder, no
sentido da transformação da força em poder legítimo, do poder de fato em poder de
direito. São diferentes as suas formas de caracterização, porque são diferentes as
formas de organização do poder que ocorreram na história humana. Porém, em todas
elas é possível sempre identificar uma autoridade suprema, embora esta autoridade
se exerça de modos bastante diferentes.
153
Norberto Bobbio indica que o conceito de Soberania pode ser concebido de
maneira ampla ou de maneira estrita. Em sentido lato, indica o Poder de mando de última
instância, numa Sociedade política e, conseqüentemente, a diferença entre esta e as demais
organizações humanas, nas quais não se encontra este Poder supremo. Este conceito está,
assim, intimamente ligado ao Poder político. em sentido estrito, na sua significação
moderna, o termo Soberania aparece, no final do Século XVI, junto com o Estado (Absoluto),
para caracterizar, de forma plena, o Pode estatal, sujeito único e exclusivo da política.
154
Tal conceito político permite ao Estado moderno opor-se à organização
medieval do poder, representada pelo papado e pelo império. O Estado acentua a soberania
com a finalidade de concentrar o poder numa única instância e, assim, manter o monopólio da
força num determinado território, sobre um povo e realizar a máxima unidade e coesão
política.
155
152
CRUZ, Paulo Marcio. Soberania, estado, globalização e crise. Disponível em:
<http://www.advocaciapasold.com.br/artigos/.doc>. Acesso em: 24 set. 2007.
153
BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de política. 12. ed., v. 2, Brasília: UnB, 1999 apud BAVARESCO,
Agemir. A crise do estado-nação e a teoria da soberania em Hegel. Universidade de Pelotas. Disponível em:
<http://www.pucp.edu.pe/eventos/congresos/filosofia/programa_general/.pdf>. Acesso em: 24 set. 2007.
154
BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de política. 6 ed. Trad. Carmem Varrialle et alii. Brasília: UnB, 1994. p.
1179. apud CRUZ, Paulo Marcio. Soberania, estado, globalização e crise. Disponível em:
<http://www.advocaciapasold.com.br/artigos/.doc>. Acesso em: 24 set. 2007.
155
BAVARESCO, Agemir. A crise do estado-nação e a teoria da soberania em Hegel. Universidade de Pelotas.
Disponível em: <http://www.pucp.edu.pe/eventos/congresos/filosofia/programa_general/.pdf>. Acesso em: 24
set. 2007.
74
Com a superação do Estado Absoluto e o conseqüente surgimento do Estado
Moderno, a Soberania foi transferida da pessoa do soberano para o Estado, seguindo a
concepção racional e liberal defendida por pensadores como Emanuel Joseph Sies, expressa
em sua obra A Constituinte Burguesa e sistematizada por meio da sua teoria do Poder
Constituinte. Assim, a proclamação da Soberania como independência ante qualquer poder
externo tornou-se uma manifestação característica e essencial do Estado Moderno desde seu
início. A consolidação do princípio democrático supôs a reafirmação da soberania com
relação ao exterior, passando a ser proibida qualquer interferência nas decisões internas da
comunidade, adotadas livremente por esta. Em muitos casos, como nos movimentos pela
independência colonial, estavam unidas aspirações pelo estabelecimento do sistema
democrático e a consecução da independência nacional.
156
Segundo André-Noël Roth, “[...] o Estado Moderno tomou duas formas
principais: o Estado Liberal e o Estado Social [...]”.
157
O Estado Liberal emergiu com as
revoluções burguesas dos séculos XVIII e XIX; e o Estado Social começou a construir-se
desde o final do século XIX aproximadamente os anos 1970. Anos desde os quais se
considera esse último em crise.
O fenômeno da globalização põe em crise a teoria da soberania moderna,
porque o Estado-Nação forjado a partir da autonomia soberana não consegue mais controlar e
proteger o seu território, bem como, garantir junto ao povo a legitimação de suas decisões,
para incrementar um projeto político.
158
Desde sempre diferentes formas de globalização existem, mas, hoje, quando se
observam certas variáveis econômicas fundamentais, constata-se um salto qualitativo, assiste-
se a intensificação da circulação do capital e conseqüente transnacionalização das grandes
empresas e o mundo constitui o terreno da sua intervenção.
156
CRUZ, Paulo Márcio. Soberania, Globalização, Estado e Crise. Disponível em:
<http://www.mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto327.rtf>. Acesso em: 24 set. 2007
157
ROTH, Andre-Noël. O direito em crise: fim do estado moderno? Trad. Margaret Cristina Toba e Márcia M.
L. Romero. Disponível em: <http://www.fema.com.br/~direito/debora/sociologia.direitoemcrisepdf>. Acesso
em: 22 set. 2007.
158
BAVARESCO, Agemir. A crise do estado-nação e a teoria da soberania em Hegel. Universidade de Pelotas.
Disponível em: http://www.pucp.edu.pe/eventos/congresos/filosofia/programa_general/.pdf. Acesso em: 24
set. 2007.
75
A desterritorialização e a transnacionalização do capital, da produção e da
circulação de bens e serviços, criam uma espécie de terra de ninguém. Os Estados-Nações
perdem progressivamente poderes no que respeita à sua soberania: regulação monetária,
elaboração de políticas econômicas ou de programas de proteção social. Por outro lado, as
grandes organizações econômicas supranacionais; Banco Mundial, FMI, Organização
Mundial do Comércio; todas sob o controlo dos Estados mais potentes (e em particular dos
EUA), tendem a impor aos países as suas próprias regras, nomeadamente as condições para a
reestruturação das suas economias.
Os Estados também não estão parados, constatam-se processos de
reorganização das instituições políticas com preponderância ao executivo. Progressivamente,
as decisões são tomadas em círculos mais restritos, dentro de superestruturas executivas. O
espaço democrático de deliberação deixa de ser político e passa a ter uma forte carga
tecnocrática, conduzido, nas últimas décadas, à fragmentação das sociedades, abrindo-se
conflitos sociais em que a dicotomia, universalismo versus particularismo, está muitas vezes
presente.
Esta realidade demonstra que o Estado deve atuar junto às novas exigências
sociais de maneira eficiente, sob pena de tornar-se refém de atos e fatos que ocorrem para
além de suas fronteiras. No que se refere ao fenômeno da prostituição sob o prisma adotado
neste trabalho, isto implica enfrentamento da questão pelo estabelecimento de políticas
públicas marcadas pelo respeito à liberdade e à diversidade, devendo ser, portanto, fundadas
na regulamentação, vez que se trata de Estado Democrático de Direito.
3.1.1 Fragmentação Social
O mundo se transformou desde os idos da década de 1950, quando as
tecnologias da informação instituíram processos acelerados de produção que afetaram toda a
seqüência produtiva e se transferiram para o restante da sociedade, impondo-lhe grandes
transformações, especialmente nos campos da indústria e do trabalho.
De modo acelerado, a tecnologia da informação fragmentou os processos
industriais e, por conseguinte, afetou decisivamente todas as relações sociais, especialmente
aquelas diretamente referenciadas à produção econômica, o que ocorreu e ocorre em
76
velocidades distintas, que variam conforme cada contexto estatal e social. Com isto, a relação
da empresa com a sociedade e com o meio-ambiente sofreu modificações expressivas. Uma
delas foi a substituição da mão-de-obra humana por uma crescente utilização de maquinaria
informatizada.
159
O trabalho perde, cada vez mais, seu status como a categoria que
significado total à vida, o tempo ganha novas configurações, as sociedades se transformam, as
velhas formas de organização social modificam-se, constata-se uma profunda fragmentação
social que atinge, indubitavelmente, a educação e os seus paradigmas. Estas transformações
ao nível econômico, político, e cultural, conduzem a novas formas de cidadania e de
democracia com repercussões na justiça social e na forma de valorizar os fenômenos sociais.
Entretanto, como afirma Mauro Barroso Andrés, o processo democrático
apenas se realiza quando não se desvincula da realidade social, marcada pelo pluralismo e
pela necessidade de se decidir entre opções não pré-determinadas, onde rias possibilidades
se encontram em choque especialmente em virtude de cada decisão favorável a um grupo
acarretar, possivelmente, aumento dos riscos para outro grupo ou para si mesmo, conforme
seja a perspectiva pela qual se focaliza a decisão tomada. Mas, em qualquer destes casos, a
democracia terá sempre como fim último preservar a dignidade da pessoa humana.
160
Segundo Álvaro Ricardo de Souza Cruz apud Andrés o paradigma do Estado
Democrático de Direito tem como maior novidade justamente “‘[...] a noção de pluralismo, o
qual tem por pressuposto a admissão, de respeito e proteção a projetos de vida distintos
daqueles considerados como padrão pela maioria da sociedade [...]’” (grifos nossos), e,
por tal razão, Andrés afirma que o pluralismo é indissociável da idéia de dignidade humana,
de modo que os direitos humanos devem ser focalizados sob a luz das particularidades
individuais e coletivas.
161
159
DARCANCHY, Mara Vidigal. Responsabilidade social da empresa. 2006. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7989>. Acesso em: 24 set. 2007.
160
ANDRÉS, Mauro Barroso. Democracia e cidadania na sociedade contemporânea: o papel da Constituição e
das instituições. 2005. 161 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro,
2005. p. 60.
161
CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de inclusão
social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência. 2. ed. Belo Horizonte: Del
Rey, 2005. p. 13. apud ANDRÉS, Mauro Barroso. Democracia e cidadania na sociedade contemporânea: o
papel da Constituição e das instituições. 2005. 161 f. Dissertação (Mestrado em Direito) Universidade
Gama Filho, Rio de Janeiro, 2005. p. 61.
77
Afirma ainda, o autor em referência, que a realização de um Estado
Democrático de Direito em um ambiente sócio-estatal plural, no qual existem a diversidade e
a heterogeneidade, passa pelo respeito à diferença entre indivíduos e grupos, traduzindo-se,
fundamentalmente, em assegurar que as diversas opiniões gozem da possibilidade de se
realizar em igualdade de condições, não pelo prisma formal, mas também concretamente,
cabendo ao Estado agir racionalmente e tendo por lastro os padrões lógicos e axiológicos dos
que forem afetados, sempre em conformidade com o que seja permitido pelo balizamento
jurídico.
162
Dentre as possibilidades de ação estatal no que se refere à prostituição
encontra-se, sem dúvida alguma, a sua função/dever de intervir na economia regulando a
atividade, conforme se viu anteriormente.
Vale lembrar que a fragmentação social se não pela perspectiva
econômica, mas também pela perspectiva cultural, fenômeno facilmente observável nas
grandes cidades, pluriculturais, como São Paulo, Londres ou Nova Iorque, e que se traduz no
aparecimento de novas exclusões, em particular de pessoas que escapam, de certa forma, às
categorias habitualmente insertas no desfrute da cidadania, desrespeitando-se seu direito à
diferença. Tais categorias determinam, em regra e segundo o status quo ainda vivenciado, a
existência de uma massa de pessoas, condenadas ao trabalho precário, a baixos salários e
dispondo de poucos recursos e meios para fazerem valer os seus direitos, como se no caso
daquelas pessoas que optam pelo exercício da prostituição como atividade profissional.
Nessa sociedade fragmentada, as profissionais do sexo em regra integram esta
classe por falta de capacitação profissional para atuar em outras atividades, quando a
prostituição se impõe como uma saída para suas necessidades materiais, e/ou por falta de
organização e direitos, oriundas de uma legislação adequada e não marcada pela hipocrisia,
especialmente nos casos em que a prostituição se caracteriza por ser primeira opção dentre as
possíveis, situação que ganha mais e mais espaço hodiernamente.
162
ANDRÉS, Mauro Barroso. Democracia e cidadania na sociedade contemporânea: o papel da Constituição e
das instituições. 2005. 161 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro,
2005. p. 146.
78
Vivemos em Estados com forte tendência para criar relações burocráticas junto
das sociedades e das populações. Estados protetores do capital, ou por ele comandados, em
que os cidadãos se sentem cada vez menos representados em suas diferenças, cujas causas são
difíceis de captar porque são “esquecidos pelo sistema”, no caso das profissionais do sexo,
principalmente pela sua faceta jurídica.
Mesmo se o imaginário coletivo se encontra com menos aspirações (ou com
menos confiança), a sociedade civil não deixa de se manifestar pelos seus direitos, mas, agora,
fora das instituições políticas tradicionais.
Aparecem assim novos movimentos sociais que procuram restaurar outros
princípios de democracia, onde haja lugar ao reconhecimento do universalismo do espaço
público, isto é, da afirmação de uma verdadeira cidadania nos planos cultural, econômico e
político. É preciso reinventar, pois, a cidadania e a democracia, o que pode ser a resposta à
falta de responsabilização do Estado cada vez mais fraco e burocrático.
3.1.2 Movimentos Sociais
Como já o afirmamos, a segunda metade do século XX trouxe mudanças
significativas, tanto no âmbito político, econômico, quanto no que diz respeito a cultura e ao
social. O processo de globalização nos moldes citados redimensionou as relações entre o
tempo e o espaço, e repercutiu em novas formas de sociabilidade entre os indivíduos, no
contexto de uma cultura mundializada assentada sobre o consumo. Dentre essas formas,
surgiram os chamados movimentos sociais, que têm sido considerados, por vários analistas e
consultores de organizações internacionais, como elementos e fontes de inovações e
mudanças sociais. Existe também um reconhecimento de que eles detêm um saber,
decorrentes de suas práticas cotidianas, passíveis de serem apropriados e transformados em
força produtiva.
Como elementos fundamentais na sociedade moderna, os movimentos sociais
são agentes construtores de uma nova ordem social e não agentes de perturbação da ordem,
como as antigas análises conservadoras escritas nos manuais antigos, ou como ainda são
tratados na atualidade por políticos tradicionais.
79
Leonardo Avritzer apud Andrés refere-se aos “‘[...] movimentos sociais
democratizantes que surgiram nas sociedades da Europa do Leste, do Ocidente e da América
Latina a partir da década de 80 [...]’”, como sendo caracterizadores da sociedade civil, a qual
se configura como uma terceira esfera institucional surgida no curso do evolver histórico da
humanidade em geral, situada para além do mercado e do Estado, e tem sido considerada
índice e fator de democratização.
163
Assim se deu, por exemplo, no caso da questão de
direitos referentes a gênero, ou seja, que guardam relação a homens e mulheres, permitindo
observar a partir da década de 1980, a emergência de um número considerável de grupos e
organizações feministas que também reivindicam a implementação de políticas educacionais
que favoreçam a afirmação de novos padrões de relações entre mulheres e homens.
Nos últimos anos, valores e ideais antes presentes na história dos setores
populares e que, por motivos vários, foram sendo adormecidos, como a solidariedade,
ressurgem com vigor nas inúmeras e criativas formas de associativismo civil e econômico.
Mas, ocorre que a sociedade civil somente mostra efetividade na defesa dos direitos de seus
associados em um Estado de Direito quando possui instrumentos jurídicos e políticos para
tanto, dos quais ainda carecem as profissionais do sexo e suas organizações.
O debate sobre as relações multiculturais e interculturais nos movimentos
sociais é bastante recente no Brasil. A constituição inter-étnica do povo brasileiro decorre de
grandes fluxos migratórios ligados principalmente a ciclos econômicos, dos quais derivaram
preconceitos como os que discriminam pessoas de origem africana e índios. Tal debate, que
tem um significado especial para a Região Sul do Brasil, cuja população é constituída por
imigrantes europeus, populações negras, indígenas entre outras e que em suas trajetórias
históricas enfrentaram problemas de afirmação de suas particularidades culturais face à
ideologia nacionalista de homogeneização cultural, levou à criação de várias formas de
resistência por meio dos movimentos gerados em torno do direito à diferença.
164
163
ANDRÉS, Mauro Barroso. Democracia e cidadania na sociedade contemporânea: o papel da Constituição e
das instituições. 2005. 161 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro,
2005. p. 146.
164
FLEURI, Reinaldo Matias. Educação Intercultural: desafios e perspectivas da identidade e pluralidade étnica
no Brasil. Disponível em:
<http://www.ced.ufsc.br/nucleos/mover/pdfs/FLEURI_1999_EI_desafios_e_persp_Salta_1999.pdf>. Acesso em:
24 de mar. 2008.
80
A discussão entre diversidade cultural e democracia compreende, portanto, um
conjunto amplo de problemas que vêm se colocando na relação entre cultura e política em
contextos regionais da sociedade globalizada. Trata-se das múltiplas frentes e arenas nas quais
se desenvolvem as lutas por inclusão e reconhecimento das diferenças de grupos
socioculturais determinados.
Isso ilustra e demonstra que as questões colocadas pelo pluralismo, tais como
as disputas étnicas, geracionais, de classe, de gênero, pelo multiculturalismo e mesmo por
grupos que buscam a validação pública de novos padrões de comportamento, como se no
caso das profissionais do sexo, apresentam um cerne comum: todas elas colocam em questão
os limites da cidadania moderna, fundada esta na garantia formal de igualdade entre diferentes
indivíduos, garantia que apenas é possível a partir de um tratamento jurídico-legal adequado.
O repertório de lutas que os movimentos sociais constroem, demarcam
interesses, identidades, subjetividades e projetos de grupos sociais, e, a partir de 1990, passam
a originar outras formas de organizações populares mais institucionalizadas, como os fóruns
nacionais de luta pela moradia popular. No caso da habitação e reforma urbana, por exemplo,
o próprio Estatuto da Cidade, é resultado dessas lutas, demonstrando claramente a
necessidade de regulamentação que tais movimentos têm para alcançarem, efetivamente, seus
objetivos. Confirmam o acerto dessa proposição a existência de movimentos como o Fórum
da Participação Popular e tantos outros fóruns e experiências organizativas locais, regionais,
nacionais e até transnacionais, estabeleceram práticas, fizeram diagnósticos e criaram
agendas, para si próprios, para a sociedade e para o poder público. O Orçamento Participativo,
e vários programas, surgiram como fruto desta trajetória. Alguns desses movimentos da
década de 1990 são de caráter pluriclassista e conjunturais, como foi o Movimento Ética na
Política, ou a Ação da Cidadania Contra a fome e a miséria; movimentos de desempregados,
ações de aposentados e pensionistas.
165
Os movimentos de gênero, onde se destacam os movimentos de mulheres, os
movimentos homossexuais, bem como os movimentos afro-brasileiros e indígenas podem
inclusive ser considerados como movimentos identitários e culturais, porque possuem uma
identidade e conferem aos seus participantes uma identidade e uma identificação com uma
165
GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais: espaços de educação não-formal da sociedade civil.
Disponível em: http://www.universia.com.br/materia/materia.jsp?id=3250. Acesso em 24 set. 2007
81
categoria social que pode ser centrada inclusive em uma escolha, como se no caso daquela
feita pelas profissionais do sexo, em obter seu sustento e de sua família por meio das
atividades sexuais remuneradas. outros movimentos identitários e culturais como os
movimentos geracionais onde se destacam os jovens, e nesses, seus movimentos culturais
expressos, por exemplo, na música, via o Hip Hop, o Rap e tantos outros. Movimentos de
meninos e meninas de rua e movimentos de idosos completam os movimentos das gerações.
ainda os movimentos culturais dos ambientalistas, os ecologistas que cresceram muito
após a ECO 92. Esse movimentos identitários e culturais, na maioria das vezes, atua em
conjunto com Organizações Não Governamentais (ONG) e eles têm sido bastante noticiados
pela mídia, o que leva a crer que possuam muito mais poder do que de fato possuam. Isso
ocorre por dois motivos: de um lado como resultado de suas lutas que criaram uma nova
gramática no imaginário social e lhes conferiu legitimidade. Por outro lado, este
superdimensionamento resulta também da forma como a mídia apaga, consciente ou
inconscientemente, o conflito, a diferença.
166
A legitimidade desses movimentos identitários está nas ações coletivas e
projetos de interesse social, ou de um certo grupo, sob a orientação de um lide comunitário, e
com a participação da mídia, formadora de opinião, que reiteram a positividade das ações
desenvolvidas.
Fruto deste contexto são as muitas associações de prostitutas espalhadas pelos
Estados do Brasil hoje existentes. Segundo Anais do VII Seminário Fazendo Gênero,
promovido pela Universidade Federal de Minas Gerais, a organização política de profissionais
do sexo no Brasil teve suas origens em 1979, em São Paulo, devido ao assassinato de
prostitutas e travestis em conflito com a política. Em 1987 foi realizado o Primeiro Encontro
Nacional de Prostitutas, no Rio de Janeiro, que foi um passo fundamental na constituição da
Rede Brasileira de Prostitutas e Associações Regionais (REDE).
167
Nesse contexto histórico, observa-se a recente tentativa de consolidação de
movimentos sociais de amparo a interesses da categoria das profissionais do sexo, que
166
Idem, Ibidem.
167
BARRETO, Letícia Cardoso et al. Organização Política de Profissionais do Sexo: o movimento associativo
com espaço de emergência no gênero. Anais do VII Seminário Fazendo Gênero, Minas Gerais: UFMG.
Disponível em: <http://www.fazendogenero7.ufsc.br/artigos/B/Barreto-Mesquita-Donato-Prado-
Barros_15.pdf>. Acesso em: 24 de mar. de 2008.
82
infelizmente não consegue, ainda, ter voz ativa, com efetiva representatividade, nos meios da
sociedade civil, justamente por lhe faltarem instrumentos jurídicos que lhe permitam atuar em
prol dos seus maiores interessados.
3.1.3 Noção de Interesse Público e Neocorporativismo
Partindo da Crise do Estado Moderno, requerendo mudanças na forma de
intervenção estatal, observamos que contemporaneamente a principal função exercida pelo
Estado é a regulação. O Estado passa assim de prestador de serviços públicos para agente
regulador das atividades econômicas, incluindo os serviços de interesse coletivos, que são
concedidos à particulares, sob normatização e fiscalização do Poder Público. Daí denota-se
um novo sentido à noção de interesse público.
Nas palavras de Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto:
Se bem é verdade que o Estado não mais presta determinado serviço
público, não menos verdadeira é a relevância de sua atividade no controle
da qualidade do serviço prestado, na fiscalização e preservação das suas
cláusulas de ampliação, de sua universalização e de atenção de atendimento
aos princípios correlatos (especialmente os princípios da universalidade,
atualidade, modicidade da tarifa e continuidade da prestação), bem como no
arbitramento entre a perspectiva econômica do concessionário e os
interesses públicos difusos.
168
Nesse diapasão, denota-se que por meio da regulação cumpre ao Estado
intervir na atividade econômica como forma de viabilizar o bem comum, os ideais de justiça
social, o que amplia muito a noção de interesse público.
Certos setores sociais são tão bem estruturados e possuem representatividade
tão efetiva que precisam menos que outros da proteção estatal. Nesse aspecto, Cawson
sintetiza as diversas posições sobre as funções que cumprem as associações de interesse
afirmando que o neocorporativismo seria:
168
NETO, Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto. Regulação Estatal e Interesses Públicos. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 167.
83
um processo sociopolítico específico pelo qual as organizações monopólicas,
representativas de interesses funcionais, estabelecem com as agências
estatais intercâmbios políticos relativos aos resultados da política pública e
que outorga a essas organizações um papel que combina a representação de
interesses com a implementação de políticas, através da delegação de self-
enforcement’ (ou poder de auto-regulação).
169
Tutor dos interesses da coletividade, a ação estatal somente se legitima se em
atendimento às necessidades coletivas, atuando em participação com os setores da sociedade
organizada, ou resguardando interesses de certa classe excluída de efetiva representatividade
com poder de decisão.
Estudos sobre as características de estruturas neocorporativistas demonstram
que os interesses econômicos dos diversos agentes sociais organizam-se por meio de suas
associações, em estreita sintonia com outras instituições, como os partidos políticos e os
órgãos públicos. Esses interesses realizam-se a partir de ações negociadas emanadas de uma
estrutura verticalizada, hierárquica, relativamente disciplinada, com grau elevado de
representatividade e monopólio de instituições únicas em seus respectivos setores, as quais se
projetam, funcionalmente, nos sistemas de coordenação, controle e mobilização dos recursos
econômicos. Sua contrapartida operacional são as instituições, que representam uma posição
intermediária entre dois conjuntos de atores: os indivíduos e as autoridades.
Uma série de analistas sociais constatou o avanço de uma nova postura sindical
de cariz neocorporativo no Brasil dos anos 1990. Ela seria caracterizada pela mudança do
padrão de ação sindical da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que tenderia a privilegiar
não mais a confrontação, tal como ocorreu no decorrer dos anos 80, mas tenderia a destacar a
negociação ou a “cooperação conflitiva”: “De uma atuação mais confrontacionista evolui-se
para uma atividade que poderíamos chamar de cooperação conflitiva, em que o conflito é
explicitado mas, ainda assim, há uma preocupação com a cooperação [...]”.
170
Tem-se o predomínio de um sindicalismo caracterizado por novo
corporativismo de participação” e “essa transformação político-ideológica do novo
169
CAWSON apud LABRA, M.E. Análise de políticas, modos de policy-making e intermediações de interesses:
uma revisão. PHYSIS - Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro: 9 ( 2), 1999, p. 156.
170
RODRIGUES, Irám Jácome. Sindicalismo e política: a trajetória da CUT. São Paulo: Scritta, 1997.
84
sindicalismo pode ser sinteticamente caracterizada como a transição de um sindicalismo de
‘massa e confronto’ para um sindicalismo marcado pelo ‘neocorporativismo.’”.
171
Um dos maiores resultados do sindicalismo neocorporativo foi a
implementação, de 1991 a 1994, da câmara setorial da indústria automotiva, considerada, por
vários autores, um modelo de novas relações entre capital e trabalho assalariado no Brasil.
172
O novo modelo sindical neocorporativista tendeu a avançar por meio das
negociações por empresas, favorecendo as categorias assalariadas mais organizadas. Na
verdade, o objetivo de implementar a capacidade organizativa é tão-somente para aumentar o
poder de barganha nas negociações.
No entanto, atribuir um caráter neocorporativo às entidades de organização das
profissionais do sexo, sejam elas ONGs ou associações, significa tapar os olhos para a
realidade fática. Falta-lhes o elemento principal, qual seja, o poder de barganha, isso porque a
representatividade é ainda mida e o campo de atuação limitado, face à carência de
instrumental jurídico e, conseqüentemente, em se tratando de um Estado Democrático de
Direito, político.
Então, se o interesse público implica também resguardar o direito dos
excluídos e marginalizados em razão da diferença que deve ser admitida, cabe ao Estado zelar
pelo interesses das categorias sem efetiva representatividade, sem voz ativa e poder decisório.
Marques Neto assevera quanto à necessidade de republicização do Estado:
O Estado republicizado pressupõe, de outro lado, a substituição do
pressuposto liberal da igualdade formal dos indivíduos outorgantes do poder
(concentrado e determinado) político pelo reconhecimento da desigualdade
inter-relacional dos interesses que se embatem na sociedade. Ou seja,
pensar um Estado republicizado pressupõe o reconhecimento pelo poder
político da desigualdade entre os interesses administrados. Desigualdade,
esta, decorrente menos das insuficiências materiais (que não deixam de ser
um dos elementos denotadores das hipossuficiências sociais, sem ser,
171
BOITO JUNIOR, Armando. De volta para o novo corporativismo: a trajetória política do sindicalismo
brasileiro. São Paulo em Perspectiva, 8(3), jul./set. 1994, p. 23.
172
ARBIX, Glauco. Uma aposta no futuro. São Paulo, Scritta, 1995; FREDERICO, Celso. Crise do sindicalismo
e movimento operário. São Paulo: Cortez, 1994; OLIVEIRA, Francisco de. Quanto melhor, melhor: o acordo
das montadoras apud Novos Estudos Cebrap, 36, 1993.
85
contudo, o único desses elementos) e mais das diferenças de representação e
articulação de interesses.
173
É, pois, dever/poder do Estado intervir no domínio econômico para viabilizar a
inclusão dos excluídos, dentre estes, as profissionais do sexo, que sem efetiva
representatividade, exerce atividade lícita, mas são vítimas de preconceito social causado
principalmente pela falta de regulamentação de seu ofício.
3.2 O ESTADO E SEU DEVER DE INTERVIR NO DOMÍNIO ECONÔMICO PARA
VIABILIZAR A INCLUSÃO DOS EXCLUÍDOS
Parafraseando Edemir Carvalho, pode-se dizer que falar em exclusão social no
Brasil contemporâneo tornou-se natural, e tal colocação é utilizada para se indexar uma série
de temas e problemas,
174
sendo este conceito, mais conhecido e utilizado na França, em vez
de outro próximo, o de underclass, de inspiração e uso corrente nos Estados Unidos da
América e que não é capaz de abarcar a temática emergente de um contexto como o
francês,
175
mais próximo do contexto brasileiro sob certos aspectos, como o da diversidade
étnica dos excluídos e da relativa participação das organizações civis em organizações
oficiais.
Diante disso, percebe-se que em um ambiente como o brasileiro, a questão das
profissionais do sexo se insere plenamente no espectro de preocupações alcançados por esta
temática, do mesmo modo daquelas havidas a partir da análise das categorias operárias, dos
pobres que não têm emprego regular e vivem em aglomerados urbanos favelares, onde se
verificam, por vezes, desagregação familiar, dependência de drogas ilícitas, vizinhanças com
altas taxas de criminalidade e baixíssima qualidade de vida se deixadas à própria sorte, sem
que o Estado assuma suas funções no escopo de realizar os objetivos constitucionalmente
estabelecidos.
173
NETO, Floriano Peixoto de Azevedo Marques. Regulação estatal e interesses blicos. São Paulo:
Malheiros, 2002. p 180.
174
CARVALHO, Edemir. Exclusão social e crescimento das cidades médias brasileiras. Universidade Estadual
Paulista, Brasil. Disponível em: <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-146(128).htm>. Acesso em: 25 setembro
2007.
175
QUEIROZ, Cristina Monteiro de. Pânico dos pobres: convergência de preconceitos entre o Atlântico.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
69922007000300012&lng=e&nrm=iso&tlng=e>. Acesso em: 12 maio 2008.
86
Tal é a preocupação neste sentido, que esta levou até mesmo as empresas,
entidades movidas pelo lucro e produtividade obtidos, em particular as indústrias, a
perceberem que seu papel no contexto social vai além da produção de bens e geração de
empregos diretos e indiretos, abrindo-se para novas demandas sociais, como o conceito atual
de inclusão.
Tudo isso evidencia que as mudanças na concepção social da participação das
minorias e da garantia de suas liberdades elevaram a questão da inclusão social a uma posição
de centralidade nas preocupações sociais. A inclusão se tornou termo que evidencia uma
situação patente na atualidade, onde existe a necessidade premente de se promover ações
afirmativas que visem permitir a contingentes sociais que, qualquer que seja a forma pela qual
isto se dê, estão em condições de empobrecimento, de indigência ou em situações
discriminatórias, como é o caso das profissionais do sexo que, em grande medida, sofrem uma
discriminação de ordem estatal, ante a falta de regulamentação e políticas públicas eficientes,
fato que, infelizmente, chega a aproximá-las mais do conceito de underclass, justamente por
conta desta omissão estatal.
A necessidade de desenvolver políticas inclusivas tem como princípio, todas as
formas e processos de exclusão social. Então, é a partir das várias formas de exclusão social que a
sociedade se organiza visando erradicá-las ou minimizá-las.
Não na história humana, por óbvio, sociedade que não tenha algum tipo de
exclusão, de maneira que, de certa forma, os contratos sociais estabelecem aspectos que são, em
sua essência, inclusivos e outros excludentes, muito embora existam padrões de exclusão que são
aceitos como “normalidades” por implicarem exclusões relativas a questões que não sejam de
natureza essencial.
Desta forma, n
as palavras de Mara Vidigal Darcanchy
, o que parece marcar de
forma negativa a exclusão é o fato de que, em grande medida, ela revela uma prática de
discriminação intolerável que alija, radicalmente indivíduos do convívio social, que limita suas
ações, impede contingentes sociais inteiros de terem acesso aos bens essenciais produzidos no
87
seio social.
176
Daí a exclusão social não se referir apenas ao campo econômico, revelando-se
extremamente nociva em qualquer área relacional que se possa imaginar.
A sociedade contemporânea, complexa em todos os sentidos, heterogênea em
sua formação, é composta que é por diferentes identidades e culturas e caracteriza-se também
por sua fragmentação. Tal perfil contribui para com a deficiência na distribuição de bens,
tanto materiais quanto espirituais, vez que estes não são distribuídos eqüitativamente entre
seus membros, o que acaba por promover injustiças sociais que também se colocam no campo
da exclusão social.
Mesmo reconhecendo-se a fragilidade do modelo social vigente, faz-se
necessário atuar de modo a permitir que aqueles que são excluídos de alguma forma, pelo
menos em relação às condições medianas de vida social, sejam incluídos no conjunto do seio
da sociedade. Por isso, os chamados excluídos socialmente devem buscar nos ideais
democráticos e na cidadania as referências da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da
liberdade sob todas as perspectivas.
Estes devem ser os fundamentos de um novo paradigma social, conseqüência
da mudança e da crise,
177
partindo da compreensão de que eles se traduzem no direito à
diferença, e que as diferenças, inclusive de opção profissional, devem ser respeitadas e até
mesmo mantidas, posto que se configuram como elemento essencial ao humano: sua
subjetividade.
Ao apontar a persistência de um modelo econômico excludente como fator
central para a fragilização das instituições democráticas, como se no caso da América
Latina, cujo desenvolvimento econômico e social tem como traço marcante o elevado nível de
desigualdade e exclusão, os estudiosos e o próprio Estado em todas as suas esferas não podem
ignorar que a busca de soluções para a inclusão social e a redução das desigualdades, sob toda
e qualquer perspectiva, é parte essencial da democracia.
176
DARCANCHY, Mara Vidigal. Responsabilidade social da empresa. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7989>. Acesso em: 24 set. 2007.
177
Idem, Ibidem..
88
Neste diapasão, como ilustração do que se afirma, vale lembrar aqui a obra de
Josué de Castro, intitulada Geografia da fome, em que o autor, já em 1946, médico e
geógrafo, demonstra que a fome é um problema social, que ocorre mesmo em meio à
abundância aparente, mas extremamente mal distribuída, resultando em óbvia expressão
concreta da exclusão e da desigualdade.
178
Mais recentemente, em 1993,
Herbert de Souza, o
Betinho, mobiliza a sociedade com o “Movimento pela Ética na política”, denunciando que nada
revela mais a falta de ética do que a existência da fome no Brasil, seguindo na mesma linha de
Castro. Uma questão antiga que retornava e que retorna, como um chamamento sempre renovado
à tarefa que cabe aos Estados executar, e que no nosso caso se encontra insculpida na
CRFB/1988: incluir os excluídos.
Mas, tantas são as formas de exclusão. Evidentes ou veladas, elas existem e é
preciso combatê-las, como se dá, em outro exemplo ilustrativo, as que dizem respeito ao corpo.
Tais formas, se por um lado se mostram evidentes, por outro tendem a ser camufladas por meio de
procedimentos velados, que buscam mascarar realidades que apenas são claramente percebidas
por aqueles que atingem e que são atingidos. Não é diferente no que se refere à exclusão que
assola as profissionais do sexo e que lhes ofende a liberdade de optar e realizar com dignidade sua
escolha.
Adiante seguem algumas considerações que visam delinear o panorama brasileiro
frente a tal temática, contudo, sem ter por objetivo mais do que isto: pontuar, como se fazem nos
jogos infantis, o desenho a ser completado pelos leitores, com a diferença de que existem entre os
pontos que se apresentam ainda muitos outros, até mesmo desconhecidos e/ou esquecidos de
quase todos, que se revelam à medida que se preenche os espaços vazios entre eles. Busca-se,
assim, levar à reflexão do ambiente jurídico, político e social onde se insere a temática da
exclusão das profissionais do sexo, ferindo matérias que se ligam diretamente à questão.
Ora, os direitos sociais, por sua própria natureza, invocam do poder político
uma demanda de recursos para sua aplicabilidade plena, gerando-se assim fortes pressões
ideológicas e envolvendo escolhas políticas determinantes para conseguir alcançar o ideal de
uma sociedade livre, justa e solidária, objetivo consagrado em nossa Constituição Federal.
Elencados do Art. ao 11 da CRFB/1988, os direitos sociais são educação, saúde, trabalho,
moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e
178
CASTRO, Ana Maria de. Josué de Castro. Disponível em:
<http://www.josuedecastro.com.br/port/index.html>. Acesso em: 25 maio 2008.
89
assistência aos desamparados. Entretanto, o conteúdo de que o Art. ao 11 trata é
exclusivamente de conteúdo normativo referente ao trabalho, em que muitas garantias, ainda
que mínimas, são oferecidas ao trabalhador brasileiro, seja ele urbano ou rural. Sua
essencialidade reside em sua ligação aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana,
valores albergados na principiologia constitucional, consagrados doutrinária e
jurisprudencialmente.
179
Muito se discute sobre a inclusão ou não dos direitos sociais no rol das
cláusulas pétreas, uma vez que a Constituição adotou uma terminologia que não abriga, à
primeira vista, esta posição. A leitura restritiva dos direitos fundamentais resulta em notável
prejuízo ao cidadão, porque este terá seu patrimônio jurídico reduzido. Isto ocorre tanto de
forma numérica, quando reduz o rol de direitos fundamentais, quanto de forma sofisticada,
por meio do enquadramento dos direitos sociais como normas programáticas.
Joaquim José Gomes Canotilho demarca o ser humano como fundamento da
República e limite maior ao exercício dos poderes políticos inerentes à representação política,
ressaltando a importância da dignidade da pessoa humana albergada no ordenamento: perante
as várias experiências históricas de aniquilação do ser humano, como a inquisição, a
escravidão, o nazismo, os diversos genocídios étnicos, dentre outros casos, a dignidade da
pessoa humana se afigura como limite e fundamento do domínio político da República.
180
Toda a controvérsia acerca do que são direitos fundamentais ocorre em virtude
da conseqüência jurídica que advém deste reconhecimento pelo Estado, significando conferir
a estes direitos a blindagem constitucional de cláusula pétrea, garantindo sua imutabilidade.
Como bem elucidou Ingo Wolfgang Sarlet
181
, a garantia de intangibilidade desse núcleo ou
conteúdo essencial de matérias (nominadas de cláusulas pétreas), além de assegurar a
identidade do Estado brasileiro e a prevalência dos princípios que fundamentam o regime
democrático, especialmente o referido princípio da dignidade da pessoa humana, resguarda
também a Constituição Federal dos ‘casuísmos da política e do absolutismo das maiorias
parlamentares’. E isto força o Estado a cumprir sua finalidade, que é promover o bem comum,
179
ALMEIDA, Dayse Coelho de. Os fundamentos dos direitos sociais no Estado Democrático de Direito.
Disponível em: http://www.ucm.es/info/nomadas/15/dcalmeida.pdf . Acesso em 24 set. 2007.
180
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra:
Almedina, 1998. p. 221.
181
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2001. p. 354.
90
como apregoa José Luiz Quadros de Magalhães
182
, e ex vi o Art. , § da Constituição
brasileira, que preceitua: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata [...]”.
Os direitos sociais são ordinariamente classificados como normas
constitucionais programáticas, residindo na reserva do possível. Norberto Bobbio
183
tem uma
posição interessante pela relevância de sua crítica:
Tanto é assim que, na Constituição italiana, as normas que se referem a direitos
sociais foram chamadas pudicamente de ‘programáticas’. Será que nos
perguntamos alguma vez que gênero de normas são essas que não ordenam,
proíbem ou permitem hit et nunc, mas ordenam, proíbem e permitem num futuro
indefinido e sem um prazo de carência claramente delimitado? E, sobretudo, nos
perguntamos alguma vez que gênero de direitos são esses que tais normas definem?
Um direito cujo reconhecimento e cuja efetiva proteção são adiados sine die, além
de confiados à vontade de sujeitos cuja obrigação de executar o ‘programa’ é
apenas uma obrigação moral ou, no máximo política, pode ainda ser chamado de
direito? A diferença entre esses auto-intitulados direitos e os direitos propriamente
ditos não será tão grande que torna impróprio ou, pelo menos, pouco útil o uso da
mesma palavra para designar uns e outros?
Diante da transição paradigmática que a sociedade contemporânea passa
buscando a afirmação e a fundamentação dos direitos, o princípio da vedação de retrocesso
dos direitos sociais é um corolário para o que o ser humano deve dar valor: a sua dignidade. É
indissociável a idéia de que a Constituição foi criada para propiciar cidadãos dignos,
garantindo-lhes a mínima proteção para que lhes seja assegurada uma vida boa, uma vida
feliz. Corroborando isto, Flávia Piovesan
184
explicitou essencialidade do princípio da
dignidade da pessoa humana, aduzindo:
A dignidade da pessoa humana, -se assim, está erigida como princípio matriz da
Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das
suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como
cânone constitucional que incorpora ‘as exigências de justiça e dos valores éticos,
conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro’.
182
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentus, 2002. p.
220.
183
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 77-78.
184
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4. ed. São Paulo: Max
Limonad, 2000. p. 54-55.
91
Em um país tão marcado pela desigualdade social como o Brasil, os impactos
do processo de globalização econômica e as matizes neoliberais políticas fazem por brotar no
constitucionalismo contemporâneo a necessidade de elaborar formas de proteger os direitos
sociais, em especial os trabalhistas, garantindo o mínimo necessário à dignidade de vida.
Como a globalização econômica faz com que os Estados, em geral, percam o
controle de sua economia, atingindo seu poder de gestão, imprimindo ações diretivas a
favorecer ou desfavorecer, a depender da ocasião, os direitos sociais, uma tendência de
retrocesso na proteção e efetividade destes direitos, por vários fatores, dentre eles a
diminuição da máquina estatal, notadamente a assistencial e o desmantelo dos direitos
trabalhistas mediante a flexibilização.
O Direito, como ciência social aplicada, deve transpassar da mera dogmática e
alcançar a realidade, indo além da análise do problema, propondo soluções palpáveis e de
aplicabilidade imediata. Esta função social urge ser incessantemente perseguida, sob pena de
retrocessão na própria civilização, entendida como abandono dos instintos animalescos, e
seguir ao encontro do Estado Democrático de Direito prometido na Constituição.
Como salienta Antônio Henrique Pérez Luño apud Dayse Coelho de Almeida
185
, os direitos sociais, denominados por Bobbio como de segunda geração, exsurgem do
reconhecimento de que “liberdade sem igualdade não conduz a uma sociedade livre e
pluralista, mas a uma oligarquia, vale dizer, à liberdade de alguns e à não-liberdade de
muitos”, o que condiz com a idéia de mínimo existencial garantido por meio da intervenção
positiva do Estado. Disto extrai-se a essencialidade dos direitos sociais e a relevância jurídica
enquanto bens tutelados pela Constituição Federal, a saber, direito à educação, à saúde, ao
lazer, ao trabalho e à moradia. Todos estes direitos estão contidos no mínimo existencial
englobado no conteúdo jurídico do princípio da dignidade da pessoa humana.
A crise por que vive o Direito tem reflexos nos direitos fundamentais e o seu
panorama será mais ou menos agudo conforme sejam as posições políticas adotadas, o que se
em função do impacto da globalização e da afirmação do paradigma neoliberal, que impõe
185
LUÑO, Antônio Henrique Pérez. Los derechos fundamentales. Apud ALMEIDA, Dayse Coelho de. Os
fundamentos dos direitos sociais no Estado Democrático de Direito. Disponível em:
http://www.ucm.es/info/nomadas/15/dcalmeida.pdf . Acesso em 24 set. 2007
92
aos países periféricos a lógica perversa de Estado mínimo, subordinado a órgãos como o
Fundo Monetário Internacional (FMI) e a situações de competição desigual mas, como
adverte Sarlet
186
, a crise, entretanto, não é fruto apenas disto: é comum a todos os direitos
fundamentais, de todas as espécies e gerações, além de não poder ser atribuída, no que
respeita às suas causas imediatas, exclusivamente ao fenômeno da globalização econômica e
ao avanço do ideário e da praxis neoliberal.
A exclusão social e a formação de bolsões de pobreza são graves problemas
enfrentados pelo Brasil, que reduzem a capacidade de ação social no sentido de efetivação dos
direitos fundamentais. A fragilidade que pode transformar-se em dominação que daí deriva
pode vir a se tornar instrumento do desmantelamento da crença no Estado e na democracia,
principalmente por conta de fenômenos como a instauração e manutenção de poderes
paralelos, como do crime organizado que se abriga em favelas e aglomerados, substituindo o
poder instituído ausente.
187
Diante deste contexto de crise, o direito do trabalho é afetado de forma
incisiva, e seu desmantelo contribui para o aumento da violência, principalmente em razão do
desemprego. O único caminho que pode despontar para a satisfação de uma sociedade justa e
igualitária é garantir, por força e proteção da Constituição Federal, a dignidade do trabalho. E
não só isto, propiciar formas para que estas normas sejam efetivamente cumpridas.
E é nesse contexto de exclusão social que se encontram as profissionais do
sexo. A prostituição constitui-se como uma prática milenar que tradicionalmente tem
subvertido o exercício controlado da sexualidade via instituições sociais. Tentativas de
controle foram implementadas no passado, do controle exercido pela instituição religiosa,
passando pela proibição expressa em códigos civis, e chegando, finalmente, nos dias atuais no
Brasil, à demanda pela sua legalização, como atividade profissional.
186
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2001. p. 8.
187
ALMEIDA, Dayse Coelho de. Os fundamentos dos direitos sociais no Estado Democrático de Direito.
Disponível em: http://www.ucm.es/info/nomadas/15/dcalmeida.pdf . Acesso em 24 set. 2007.
93
O exercício da prática independente (autônoma) da prostituição não é ilegal no
Brasil. Contudo, subterfúgios legais, tais como o atentado ao pudor ou o escândalo público,
têm sido utilizados como álibis para o enquadramento legal do exercício da prostituição.
A discussão sobre a legalização da atividade sempre surge, e, desde que o viés
adotado para ela discussão não seja moralista e alienado da realidade objetiva, de modo que o
caráter economicista da atividade prevaleça, dada sua natureza econômica, pode ser profícuo.
Neste sentido, não falar-se em exploração da prostituição, e sim, em trabalho como outro
qualquer, uma opção consciente. Imprescindível, portanto, garantir às profissionais do sexo
direitos sociais e previdenciários.
A tentativa de intervenção do Estado no domínio econômico, por meio do
Poder Legislativo, teve seu ponto de partida por meio de dois projetos de lei sobre a
regulamentação da prostituição, que é considerada uma proposta progressista, principalmente
por setores da esquerda, que não se cansam de citar os resultados da legalização da
prostituição na Holanda, onde o Estado mantém o controle tanto sobre a prostituição quanto
sobre o uso de drogas, obtendo resultados como a garantia de direitos trabalhistas, como férias
e aposentadoria para os profissionais do sexo e a diminuição do número de overdoses entre os
viciados em drogas.
No passado, tanto no Brasil quanto em outros países, no plano do cuidado com
a saúde dos homens, o advento das doenças venéreas, principalmente a sífilis, para a qual não
havia medicação curativa eficaz, trouxe a necessidade da implementação de uma intervenção
profilática em que foi focalizada, nesse sentido, a prostituição.
Tais temores e práticas discriminatórias em relação às prostitutas retornam à
cena social com o advento da epidemia de Aids. Ao longo da década de 1980, quando as
características epidemiológicas da doença foram sendo conhecidas, e principalmente a partir
da constatação de altas prevalências do HIV em cidades africanas, em locais de comércio e
em grandes estradas do interior dos países desse continente, a prostituta foi agregada ao
quadro, definido originalmente como “grupos de risco”: homossexuais, portadores de
hemofilia e usuários de droga intravenosa.
94
O Programa Nacional de DST/Aids (PN DST/Aids), seguindo os
entendimentos internacionais sobre a doença, incluiu as prostitutas como um dos coletivos
com necessidades específicas, o que gerou uma significativa ampliação do conhecimento
sobre a realidade da prostituição feminina no País.
Tratada como representativa de um perigo e, ao mesmo tempo,
contraditoriamente, como uma atividade que traz paz para os lares, a prostituição sempre se
situou em uma zona ambígua, tendo seu peso suportado quase que plenamente pelas
mulheres, como se fosse possível tal atividade sem a clientela, que em sua maioria é
constituída por homens. Para o cliente não nem nunca houve maior repressão social ou
legal, vez que não existe qualquer punição desta ordem.
Quanto às profissionais do sexo ou prostitutas, estas foram confinadas em
locais determinados para a prática da atividade, com rígidas normas, tais como a fixação de
horários, regras para abertura e fechamento de janelas, contrariando frontalmente a
Constituição Federal que adotava o critério jurídico denominado abolicionista, em que o
exercício da prostituição em si não era, como não é até hoje, considerado crime e nem mesmo
contravenção penal. Crime, sim, é a manutenção de hotéis e casas do ramo, bem como o
aliciamento para a atividade e a prática de qualquer ato que dificulte à mulher prostituída, ou
em situação de prostituição, o abandono da atividade.
Mesmo nos dias de hoje a prostituição ainda é comumente pensada como
atividade associada à marginalidade, muito embora haja a explicitação de um discurso que
passa a emergir de quem exerce a atividade face à sua maior politização e conhecimento, que
lhes permite reivindicar o direito de exercer a profissão em condições dignas, com a garantia
de direitos e o cumprimento de deveres, o que lhes retiraria um estigma lançado pelo
preconceito cultivado ao longo dos tempos.
Tem existido o debate entre partidários da regulamentação e contrários a esta,
o que tem trazido o tema à sociedade como um todo, de tal modo que, em benefício dos
profissionais do sexo em geral e da sociedade, tem-se desenvolvido uma política sanitária
mais esclarecedora e harmonizada com a realidade. Exemplo disso está no fato de que a
categoria médica defende, em regra, a regulamentação, justamente por compreender que esta
95
é a única forma de controlar e fiscalizar efetivamente seu exercício, o que contribui
efetivamente para o bem-estar dos envolvidos direta e indiretamente, ou seja, toda população.
O Projeto de Lei 98, de 2003, do deputado Fernando Gabeira levou
novamente a questão para o Legislativo, buscando descriminalizar relações de trabalho
assalariado que fosse exercido na prática das atividades profissionais. O projeto tem apenas
um artigo dispondo sobre a exigibilidade de pagamento pelo serviço de natureza sexual
prestado e propondo a supressão dos Arts. 228, 229 e 231 do Código Penal, os quais,
respectivamente, dizem respeito à punição a quem induz à prostituição, a quem tira proveito
da prostituição e a quem promove o tráfico de mulheres.
A supressão dos referidos artigos do digo Penal Brasileiro, que pune como
crimes a exploração do corpo das mulheres, propõe, então, na verdade, que tais atividades
passem de crimes para simples atividades empresariais normais, tendo como objeto, corpos
humanos, mas não regulamenta efetivamente a prostituição.
O referido projeto de lei foi rejeitado pela Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ) da Câmara dos Deputados, notícia veiculada no site do deputado Gabeira, autor do
projeto. Apesar do reconhecimento da constitucionalidade, o mérito restou combatido por
vários deputados, sob os mais diversos argumentos: “Não existe serviço sexual, o que existe é
o prazer do sexo, o gozo sexual. Não se paga por isso. Para ser mais claro: a mulher dá porque
quer dar” (Deputado Gerson Peres). “O sexo é criação de Deus. Sem o sexo não estaríamos
aqui” (Deputado Roberto Magalhães). “Não se pode vender a córnea, nem outros órgãos
humanos. Aqui se trata de disponibilizar por alguns momentos um órgão, o órgão mais
sagrado e mais puro do corpo humano, exatamente o órgão sexual. É o órgão que Deus criou
para perpetuar a vida” (Deputado João Campos). Indignada com os fundamentos hipócritas,
contrastantes com a realidade atual, dos quais se valeram os deputados para rejeitar o projeto
de lei, a presidente da Rede Brasileira de Prostitutas, Gabriela Leite, lamentou: “Sinto muito
que os deputados tenham essa cabeça horrível. E que as deputadas nunca tenham nos
chamado para debater. Sinto que não nos considerarem cidadãs de primeiro grau”.
188
188
Gabeira, Fernando. Noticia disponível em: <www.gabeira.com.br/noticias>, publicada em 08 nov. 2007.
Acesso em: 22 de jan. 2008.
96
Tal procedimento evidencia, que o Estado, ainda que por meio de seu Poder
Legislativo, está a se omitir no exercício de sua função/dever, político e jurídico, ferindo-se
sua própria natureza, qual seja, a de Estado Democrático de Direito.
ainda, outro projeto de lei similar ao mencionado, esse de autoria do
deputado federal Eduardo Valverde, do PT de Rondônia, que também propõe legalizar a
prática do lenocínio e do rufianismo no Brasil. A proposta de legalização figura logo no
primeiro artigo do Projeto de Lei 4244/04. O texto defende que são “trabalhadores da
sexualidade” toda pessoa adulta que submete o próprio corpo para sexo com terceiros, de
forma livre, “podendo ou não laborar em favor de outrem”.
Art.1º - Consideram-se trabalhadores da sexualidade toda pessoa adulta que
com habitualidade e de forma livre, submete o próprio corpo para o sexo
com terceiros, mediante remuneração previamente ajustada, podendo ou não
laborar em favor de outrem.
Parágrafo Único: Para fins dessa lei, equiparam-se aos trabalhadores da
sexualidade, aqueles que expõem o corpo, em caráter profissional, em locais
ou em condições de provocar apelos eróticos, com objetivo de estimular a
sexualidade de terceiros.
Consta do anexo o inteiro teor do referido Projeto de Lei que apresenta como
uma de suas justificativas a necessidade controlar o exercício da prostituição, além do
lenocínio e rufanismo, já que a erradicação dos mesmos se mostra improvável, e que a falta de
controle pode estar levando à exploração do trabalhador da sexualidade. Além disso, a
proteção pela norma jurídica retiraria essas pessoas da marginalidade e as distanciaria de
crimes como o tráfico de entorpecentes, o consumo de drogas e a exploração sexual de
menores.
O objetivo do referido Projeto de Lei é elevar a prostituição, tanto feminina
quanto masculina, à categoria de profissão dos trabalhadores da sexualidade. Estão inclusos
na definição ainda dançarinos que se exibem nus ou seminus, garçons e garçonetes que
trabalham de forma a despertar a libido de terceiros e gerentes de prostíbulos. Estabelece o
acesso gratuito dos profissionais aos programas e ações de saúde pública preventiva de
combate às doenças sexualmente transmissíveis, bem como à informação sobre medidas
preventivas para evitá-las.
97
Art.2 - São trabalhadores da sexualidade, dentre outros:
1 - A prostituta e o prostituto;
2 - A dançarina e o dançarino que prestam serviço nus, seminus ou em
trajes sumários em boates, dancing's, cabarés, casas de "strip-tease"
prostíbulos e outros estabelecimentos similares onde o apelo explícito à
sexualidade é preponderante para chamamento de clientela;
3 - A garçonete e o garçom ou outro profissional que presta serviço, em
boates, dancing's, cabarés, prostíbulos e outros estabelecimentos similares
que tenham como atividade secundária ou predominante o apelo a
sexualidade, como forma de atrair clientela;
4 - A atriz ou ator de filmes ou peças pornográficas exibidas em
estabelecimentos específicos;
5 - A acompanhante ou acompanhante de serviços especiais de
acompanhamento intimo e pessoal de clientes;
6 - Massagistas de estabelecimentos que tenham como finalidade principal o
erotismo e o sexo;
7 - Gerente de casa de prostituição.
Se transformado em lei, prostitutas, prostitutos e similares só poderão exercer a
profissão depois de registrados pela Delegacia Regional do Trabalho e o registro terá de ser
revalidado a cada 12 meses e será obrigatória a inscrição no Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS).
Art.5º - Para o exercício da profissão de trabalhador da sexualidade é
obrigatório registro profissional expedido pela Delegacia Regional do
Trabalho.
§1º - O registro profissional deverá ser revalidado a cada 12 meses.
§2º - Os trabalhadores da sexualidade que trabalham por conta própria
deveram apresentar a inscrição como segurado obrigatório junto ao INSS, no
ato de requerimento do registro profissional.
§3º - Para a revalidação do registro profissional será obrigatório a
apresentação da inscrição como segurado do INSS e do atestado de saúde
sexual, emitido pela autoridade de saúde pública.
Art.8º - O trabalho na prostituição é considerado, para fins previdenciário,
trabalho sujeito às condições especiais.
Observa-se da leitura dos artigos, bem como da justificativa do referido projeto
de lei, a louvável intenção em não descriminalizar algumas condutas tipificadas no Código
Penal Brasileiro, mas sobretudo, atender ao clamor de uma classe excluída, resguardando
direitos individuais e sociais garantidos constitucionalmente a todos os cidadãos. Além do
que, viabilizar uma forma de controlar e fiscalizar o exercício da atividade, minimizando os
riscos e as externalidades negativas advindas à sociedade como um todo. Inobstante a isso, em
contato com o assessor do gabinete do deputado federal Eduardo Valverde, houve a
98
informação de que o projeto de lei fora retirado de pauta porque teve uma repercussão social
negativa.
Causa mesmo estranheza a conduta dos representantes e servidores da
sociedade que, podendo valer-se das inúmeras assessorias que possuem para decidir e atuar
corretamente no âmbito que lhes confere o Direito, decidem e atuam apoiados não neste
suporte e fundamento do Estado e em benefício da sociedade, mas apoiados em sua
moralidade subjetiva e contrariamente à sociedade que, diante de sua conduta, queda exposta
a uma realidade que produz riscos à saúde e à segurança, e que promove a estigmatização de
pessoas que nada fazem de ilegal, mas que por comporem minorias, inclusive no tocante ao
número de votos que possam proporcionar em alguns casos, são vilipendiadas em seus
direitos e em sua dignidade.
Resta evidente que, no atual contexto, a omissão do Estado brasileiro em não
intervir na atividade econômica exercida pelas prostitutas se mostra obviamente ofensiva à
sua natureza mesma, vez que esta se mostra senão a única, a mais racional, jurídica e honesta
das formas de controle e fiscalização que o exercício da prostituição possa receber, vez que,
inclusive, já é classificada como ocupação lícita pelo próprio Estado.
3.3 DEVER DO ESTADO DE REGULAMENTAR E FISCALIZAR A PROSTITUIÇÃO
A prostituição é atividade econômica geradora de possíveis externalidades
negativas, já que envolta em riscos sanitários que atingem, diga-se, não aos diretamente
envolvidos, mas à sociedade como um todo.
Simmel sustenta em seu trabalho “Algumas reflexões sobre a prostituição no
presente e no futuro”
189
uma análise antropológica poderia demonstrar que, ao contrário da
desvalorização ocidental que constrói uma leitura da prostituição como imoralidade a ser
reprimida, a prostituição assume um valor cultural em muitas sociedades ditas primitivas,
exemplificando que, num estado antigo da sexualidade ainda não regulamentada, ou em
189
SIMMEL, Georg. Algumas reflexões sobre a prostituição no presente e no futuro. In SIMMEL, Georg,
Filosofia do amor. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001, pp. 1-17.
99
algumas partes da África, cada mulher pertence à etnia em sua globalidade e, portanto,
entregar-se a vários homens faz parte de um costume e de uma conduta altamente elevada na
ordem moral.
A partir destas reflexões, a indignação moral da sociedade com a prostituição
deve ser vista como uma manifestação de hipocrisia da sociedade que, ao mesmo tempo em
que se vale dos serviços prestados por um grupo, retribui a este com a invisibilidade social ou
com o fardo da exclusão. Ora, a sociedade e o Estado, quando se dignam de lhes conceder
visibilidade, fazem com que esta gire em torno da “imoralidade” que atribuem a tal grupo e,
por conseqüência, à marginalização e/ou criminalização, com a Lei prestando serviço a certas
categorias sociais que, influentes, não hesitam em buscar moldá-la como reflexo de seus
valores, o que é, antes de tudo, uma verdadeira deformação ética.
Trata-se, portando, de verdadeira ofensa à lógica e ao sistema jurídico que o
Estado tem se encarregado de modificar, como se no caso do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE), que reconheceu a prostituição como forma de trabalho lícita, catalogando a
atividade das profissionais do sexo sob o código 5198-05.
Como demonstrado, a prostituição autônoma o implica atividade ilícita no
Brasil, muito embora exista uma atitude que, sem rebuços e com apoio no status quo vigente,
pode ser qualificada como hipócrita quando se analisa a perspectiva de seu exercício como
trabalho assalariado e como empresa. É proibido, por exemplo, manter locais onde se
comercializa o sexo, embora se saiba que eles continuam existindo, o mesmo acontecendo
com os clubes noturnos, onde as profissionais exercem o seu ofício, sendo que os
estabelecimentos são registrados como casas de shows que, de forma irregular, estabelecem
convênios com o segmento hoteleiro a fim de permitir tal prestação de serviços por meio de
parcerias lucrativas para ambos.
Não regulamentar a profissão das prostitutas é tapar os olhos para realidade,
pois mesmo contrariando disposição legal, milhares de casas de prostituição exercem suas
atividades diariamente, em todos os jornais, na seção classificados, é praticamente impossível
não enxergar as intermináveis e sedutoras ofertas e, para os executivos, existem o casting em
100
hotéis ou o sigilo das casas luxuosas.
190
Tudo isso é ilegal perante a lei brasileira, mas ocorre
sob o olhar de toda a sociedade e do Estado, chegando a comprometer a qualidade da
efetivação dos direitos propagados às crianças, às próprias prostitutas e à sociedade
justamente pela falta de regulamentação e fiscalização.
A atividade, que exige diversos pré-requisitos, exige que as profissionais
desenvolvam habilidades especiais, como por exemplo, a de realizar fantasias sexuais de seus
clientes, o que exige profissionalismo e especialização não capazes de serem desenvolvidos
por qualquer pessoa, por óbvio.
Então, à toda evidência, a regulamentação da profissão das prostitutas se
impõe, principalmente por ser a única forma de o Estado controlar esse trabalho, diga-se o
qual ele próprio descreve como ocupação lícita via MTE, retirando da invisibilidade e/ou da
marginalidade as profissionais do sexo que atuam não como profissionais autônomas que
atuam em local próprio, mas também como assalariadas e como empresárias, observadas as
regras para inclusão e permanência do mercado de trabalho e empresarial.
Isto é de todo necessário porque a fiscalização e o exercício do poder de
polícia estatal apenas se realizarão eficientemente se houver uma regulamentação que trace
parâmetros e critérios de qualidade e segurança, de modo que as políticas públicas
educacionais e sanitárias sejam aptas a lidar com a realidade e resguardar o bem estar moral,
psíquico e especialmente físico, não individual como coletivo, uma tratar-se de saúde
social, pois não há qualquer identificação quanto ao “tomador dos serviços prestados”.
A adoção de políticas públicas quanto à prostituição, especialmente nas áreas
de emprego, educação e saúde, faz-se proeminente e imprescindível, como forma de amparar
os indivíduos envolvidos, tanto prestadores como tomadores de serviços de natureza sexual,
bem como suas famílias e demais pessoas da sociedade que estão direta ou indireta, ciente ou
inconscientemente ligadas à prostituição.
Além disso, nos termos da CRFB/1988, quanto à ordem econômica, o Estado
somente estará cumprindo seu dever primordial, se por meio da função regulatória, adotar
190
PACINI, Thalita. Yes, s temos banana. E prostitutas também.... Disponível em:
<http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=4293>. Acesso em: 25 jun. 2008.
101
medidas de normatização, planejamento e fiscalização, que serão efetivadas por meio de
políticas públicas de cunho persecutório e viabilizador do bem estar social, observada a
dignidade da pessoa humana, valorização do trabalho e livre concorrência.
Atinente à prostituição, para o Estado exercer sua função (dever/poder)
regulatória, deve regulamentar a profissão, traçando parâmetros seguros para atuação nessa
atividade, resguardando direitos de classe marginalizada, fruto da fragmentação social e sem
representatividade privada, portanto hipossuficientes de poder decisório, além de zelar pela
saúde pública, buscando como um todo o bem estar social.
A regulamentação das atividades das profissionais do sexo é, portanto, um
pressuposto para que se cumpram os objetivos e as funções do Estado em todos os seus níveis
institucionais, dentre os quais seu dever de regular e fiscalizar toda e qualquer atividade que
possua interesse e alcance social significativos.
existem instrumentos legais e órgãos governamentais capazes de permitir a
efetiva fiscalização da atividade exercida pelas profissionais do sexo, como se no caso da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e em conformidade com o que prevê seu
Plano Diretor de Vigilância Sanitária (PDVISA) de 2007:
A Vigilância Sanitária pode ser vista como espaço de intervenção do
Estado, cujo objetivo é adequar o sistema produtivo de bens e de serviços
de interesse sanitário, bem como os ambientes, às demandas sociais e às
necessidades do sistema de saúde. Sua principal função é atuar no sentido
de prevenir, eliminar ou minimizar o risco sanitário envolvido em suas
áreas de atuação, promovendo e protegendo a saúde da população.
Desse modo, suas ações têm o propósito de implementar concepções e
atitudes éticas a respeito da qualidade das relações, dos processos
produtivos, do ambiente e dos serviços. Em virtude de seu papel regulador,
essas ações representam uma importante possibilidade de articular os
poderes governamentais, impulsionar a participação social e aperfeiçoar as
relações sociais.
[ ]
O conceito de risco tem sido objeto de muitas reflexões, pois, mais uma
vez, sua transposição para a Vigilância Sanitária não pode se dar de forma
direta e linear. O termo risco não deve ser tomado apenas na sua concepção
estatística no sentido de probabilidade de ocorrência de eventos danosos.
Muitas vezes o risco se coloca como possibilidade, sem que haja, de fato,
dados quantitativos, mas sim indícios, baseados na racionalidade e nos
conhecimentos científicos disponíveis. Essa concepção, aliada ao contexto
de incertezas produzido pelas rápidas mudanças no sistema produtivo, é
base, até mesmo, para que a Vigilância Sanitária adote em seu processo de
102
regulação o princípio da precaução. Assim, além dos objetivos acima
descritos no conceito mais clássico de regulação, na Vigilância Sanitária ele
ganha outro objetivo fundamental o de preservar e promover a saúde dos
indivíduos, do meio ambiente e dos locais de trabalho.
191
Da mesma forma, o Sistema de Defesa do Consumidor pode ser utilizado na
fiscalização das atividades das profissionais do sexo, vez que prestadoras de serviço, e seus
clientes, obviamente, enquadrados na situação de consumidores destes serviços altamente
especializados.
No que respeita às questões laborais, também o MTE pode e deve fiscalizar as
relações empregatícias entre profissionais do sexo e seus empregadores, sem qualquer
diferenciação significativa.
Diante disto, todo o arcabouço institucional estatal estabelecido para a
fiscalização das atividades sob a perspectiva do consumo e da saúde pode ser utilizado
normalmente para a fiscalização das atividades das profissionais do sexo, vez que, uma vez
regulamentadas, acabam por se inserir automaticamente no plano de visibilidade jurídica e da
legalidade que orienta o Estado Democrático de Direito em que se constitui a República
Federativa do Brasil.
Poderia, por óbvio, criar-se órgão específico para a sua fiscalização, inclusive
instituir um sistema nacional de controle, com competência distribuída nos âmbitos nacional,
estaduais e municipais. No entanto, se arriscaria provocar resistência feroz por parte dos
políticos conservadores, que se insurgiriam contra tal atitude estatal, possivelmente
deturpando os fundamentos da iniciativa e se valendo de argumentos contrários falaciosos,
dificultando ainda mais o enquadramento dos profissionais do sexo na área de inclusão e
visibilidade social, o que deve ser levado em conta, que se pretende contribuir para a
realização da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade.
Nada obsta, pois, que a fiscalização seja realizada pelo exercício do poder de
polícia estatal fundamentalmente a partir do aparato institucional existente, quando muito,
com a criação de departamentos específicos.
191
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Plano Diretor de Vigilância Sanitária. Disponível
em: <http://www.anvisa.gov.br/hotsite/pdvisa/pdvisa_livro.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2008.
103
Isto contribuiria para se dar maior eficácia à fiscalização, que contaria com
logística e instalações com boa estruturação, reduziria custos de implantação, e,
paralelamente, permitiria que a atividade fosse encarada com mais naturalidade, como uma
outra qualquer, esvaziando ainda mais o preconceito social existente.
Na busca desse ideal que se compartilhar com a idéia de Mahatma Ghandi
apud Rubens Alves: “Eu nunca acreditei que a sobrevivência fosse um valor último. A vida,
para ser bela, deve estar cercada de vontade, de bondade e de liberdade. Essas são as coisas
pelas quais vale a pena morrer”.
192
192
ALVES, Rubens. Livro sem fim. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2002. p.11.
104
CONCLUSÃO
O universo analisado neste estudo foi aquele constituído pelas mulheres
plenamente capazes e que, por opção, decidiram exercitar atividades sexuais mediante
remuneração, como profissionais. Tal categoria se encontra imersa em discriminações e
marginalizações de toda ordem.
Analisada a questão, pode-se concluir, sem qualquer dúvida, que a prostituição
enquanto atividade econômica é lícita, não constituindo ofensa ao ordenamento jurídico seu
exercício autônomo, vez que se trata de um ato de liberdade pessoal, que menos afronta à
dignidade da pessoa humana do que sua proibição destituída de fundamentos e, esta sim,
ofensiva ao ordenamento, especialmente aos mandamentos constitucionais.
Concluiu-se também que a condição de discriminação e marginalização que
atinge às profissionais do sexo, em grande parte se apóia na ausência de regulamentação da
profissão pelo Estado, e que esta omissão fere claramente os objetivos do Estado Democrático
de Direito, deixando este de cumprir sua função/dever de regular as atividades econômicas, e,
especialmente, de legislar sobre matérias de interesse público inequívoco, de modo a atender
demanda social premente, inserta em zona de interseção entre os campos da saúde, da
educação, da valorização do trabalho, da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da
liberdade.
Tal contexto se explica, por um lado, pelos preconceitos e pela hipocrisia de
uma sociedade capitalista e cujo “moralismo” não reconhece a prostituição como profissão,
no entanto, encara como algo natural usufruir dos serviços de natureza sexual prestados pelas
prostitutas, e por outro, pela omissão do Estado em regulamentar uma profissão que, como se
viu, é lícita e tão digna quanto qualquer outra.
A prostituição, portanto, não é atividade proibida por lei, tanto que, ao
contrário, encontra-se classificada pelo Ministério do Trabalho e Emprego como ocupação
lícita, de natureza econômica, que envolve prestação de serviço remunerado. Não há, pois,
justificativa plausível para não regulamentá-la como profissão, garantindo às pessoas que a
exercem verem-se amparadas em seus direitos fundamentais de liberdade e igualdade.
105
O desrespeito à dignidade da pessoa humana não está nos atos discriminatórios
mascarados pela bandeira de defesa a valores sociais, mas sim, na não adoção de políticas de
inclusão social, garantidoras dos direitos fundamentais individuais e sociais, bem como na
regulamentação da profissão das prostitutas.
De outro lado, somente com a regulamentação do ofício das prostitutas, tornar-se-
á efetiva a fiscalização de seu trabalho, criando um ambiente de segurança social e jurídica, por
possibilitar o controle de ilícitos conexos, exercício irregular da profissão, tráfico de mulheres e
menores, envolvimento com drogas ilegais, tóxico-dependência, dentre outros.
Espera-se, então, que as luzes dos novos entendimentos constitucionais,
alimentados por perspectivas filosóficas e jurídicas mais maduras e consentâneas com os
princípios que ora norteiam a sociedade brasileira, possam retirar da escuridão do esquecimento e
da ignorância a real democracia, que a todos deveria albergar em seu seio.
106
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113
ANEXO A – PROJETO DE LEI N. 98/2003 – DEP. FERNANDO GABEIRA
Dispõe sobre a exigibilidade de pagamento por serviço de natureza sexual e
suprime os arts. 228, 229 e 231 do Código Penal.
114
115
116
117
ANEXO B – PROJETO DE LEI N. 4.244/2004 – DEP. EDUARDO VALVERDE
Institui a profissão de trabalhadores da sexualidade e dá outras providências.
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