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26/2000) do inc. VII do art. 3º. da lei 8009/90 (com redação dada pela lei 8.245/91). O
que se entende é um perfeito ajustamento entre novo texto constitucional e a proteção do
bem de família. Em que pese a anterioridade da norma ordinária, é esta que deve
adequar-se à norma constitucional e não o contrário, por duas razões fundamentais: este
tipo de conflito se resolve simultaneamente pela hierarquia e pela temporalidade. É
notório que uma norma constitucional possui no ordenamento jurídico hierarquia superior
a qualquer outra norma, e, havendo conflito, prevalece a constitucional; ademais, pela
temporalidade, a lei constitucional, como lei que é, sendo posterior, revoga as leis
anteriores que com ela conflitarem, respeitando assim o mais básico princípio do conflito
de normas: lei posterior revoga lei anterior a ela contrária. Esta é a essência do instituto
da recepção, como preleciona Alexandre de Moraes: “A compatibilidade dos atos
normativos e das leis anteriores com a nova Constituição será resolvida pelo fenômeno da
recepção.”
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Em trecho da decisão, o Exmo. Ministro elabora o seguinte raciocínio que
merece transcrição:
Em trabalho doutrinário que escrevi, "Dos Direitos Sociais na Constituição do
Brasil", texto básico de palestra que proferi na Universidade de Carlos III, em
Madri, Espanha, no Congresso Internacional de Direito do Trabalho, sob o
patrocínio da Universidade Carlos III e da ANAMATRA, em 10.3.2003,
registrei que o direito à moradia, estabelecido no art. 6º, C.F., é um direito
fundamental de 2ª geração, direito social, que veio a ser reconhecido pela EC
26, de 2000. O bem de família, a moradia do homem e sua família, justifica a
existência de sua impenhorabilidade: Lei 8.009/90, art. 1º. Essa
impenhorabilidade decorre de constituir a moradia um direito fundamental.
Posto isso, veja-se a contradição: a Lei 8.245, de 1991, excepcionando o bem
de família do fiador, sujeitou o seu imóvel residencial, imóvel residencial
próprio do casal, ou da entidade familiar, à penhora. Não há dúvida que a
ressalva trazida pela Lei 8.245, de 1991, inciso VII do art. 3º, feriu de morte o
princípio isonômico, tratando desigualmente situações iguais, esquecendo-se
do velho brocardo latino: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou em
vernáculo: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra
de Direito. Isto quer dizer que, tendo em vista o princípio isonômico, o citado
dispositivo, inciso VII do art. 3º, acrescentado pela Lei 8.245/91, não foi
recebido pela EC 26, de 2000. Essa não recepção mais se acentua diante do
fato de a EC 26, de 2000, ter estampado, expressamente, no art. 6º, C.F., o
direito à moradia como direito fundamental de 2ª geração, direito social. Ora, o
bem de família, Lei 8.009/90, art. 1º, encontra justificativa, foi dito linha atrás,
no constituir o direito à moradia um direito fundamental que deve ser protegido
e por isso mesmo encontra garantia na Constituição. Em síntese, o inciso VII
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MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. p. 671.