Vésper tocara ao seu zênite, à fúlgida culminância que precede ao fatal declínio.
Pouco, muito pouco tempo durou o plenivênio de sua glória, apenas um ano, mas nesse fugaz instante
gozou ela todas as delícias das voluntariedades; foi por um momento de sua vida o centro planetário,
em torno do qual todos os prazeres livres e todos os vícios caros do Rio de Janeiro bailaram ébrios de
gozo. Os principescos salões de sua casa converteram-se, não só no quartel general de todas as
prodigalidades elegantes, de todas as gentis libertinagens de um outro sexo, mas ainda no alegre ponto
de reunião de muito dignitário de gravata lavada e de homens de real merecimento libertário, artístico
e científico. Nas suas esplêndidas noitadas, de ceia permanente, em que o champanha corria a jorros e
a orquestra só emudecia ao clarear da aurora; em que as bancas de lansquenet, de bacará e de trente e
quarente, se sucediam, deslocando centenas de contos de reis, viram-se, ao lado das vulneráveis divas
de colo nu, altas patentes de mar e terra, poderosos conselheiros da Corte, velhos senadores cobertos
de condecorações; formidáveis banqueiros, cujos sorrisos de lábios secos valiam ouro, capitalistas
donos da Praça, e titulares que dariam para uma coleção completa, desde o bisonho comendador de
grau mínimo na Maçonaria, até o rebarbativo Conde, grau 33, com chácara em arrabalde e o nome
imposto pela Câmara Municipal à rua em que ele habitava.
E ela, ao lado do seu príncipe, cercada de admirações de ricos e de protegidos pobres, sentia-se
plenamente feliz, gozava essa felicidade, tão ambicionada e tão rara, que só experimentam os
privilegiados da fortuna, os eleitos da sorte; a felicidade de chegar ao fim proposto, de cumprir o seu
destino na terra, de tocar com as mãos e com os lábios o ideal sonhado durante a vida.
Nesse ano de plenitude, Ambrosina chegou a ser uma irresistível potência, cujo valimento se estendia
escandalosamente até aos degraus do Trono. Quantas vezes não foi ela, às horas escusadas do pôr do
dia, visitada e adulada por estranhos de boa cotação na sociedade, que lhe iam solicitar a graça de
uma recomendação para os magnatas do poder? Quantas vezes não recebeu, com frios gestos de
rainha, a clandestina visita de alguma pobre senhora, que entre risonhas e envergonhadas lágrimas,
lhe suplicava uma palavra de interesse pela promoção do marido ou pela nomeação do filho? Quantos
casamentos de dinheiro, e quantos casamentos de amor, e quantos adultérios, e quantas reconciliações
conjugais, não dependeram dela? Quantos destinos não lhe foram parar às felinas mãos, para destas
receber a nova direção que lhes quisesse imprimir a soberana fantasia da loureira?
De tão senhora da fortuna, e de tão satisfeita consigo mesma, chegou Ambrosina a revelar belas
alterações no temperamento e no gênio. Era difícil surpreender-lhe então um gesto de mau humor ou
de má vontade; dera ao contrário para mostrar-se indulgente e branda com os inferiores, compassiva e
humanitária para com os humildes e fracos, cheia de um espetaculoso interesse pelas vítimas de
qualquer notável desastre. Acudiam-lhe agora, àqueles mesmos lábios a cujo sopro vidas de vinte anos
se apagaram, doces sorrisos de meiga afabilidade para os pálidos necessitados, que de longe se
arrastavam até à fímbria de seus vestidos em súplica de piedosos. Quem sabe lá o que não sairia ainda
de semelhante demônio, se aquele plenário ano se prolongasse indeterminadamente!... Mas, um dia
fatídico para ela! o seu áulico amante lhe divisou por entre os ondulantes e fartos cabelos da nuca, os
primeiros fios brancos, e lhe pressentiu através dos beijos as primeiras rugas da velhice.