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interior. Seus interesses não podem ser resumidos apenas na busca do lendário Preste João
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e do
ouro, mas entendidos como a primeira tentativa européia de penetração e conhecimento do
interior do continente africano em nível de Estado, o qual contou com o trabalho do navegador
(COELHO, 1996).
Outro ponto interessante é o discutido por Alfredo Pinheiro Marques (s.d.), que
questiona sobre quando teria iniciado a navegação astronômica, demarcando-a no último quartel
da segunda metade do século XV. Em 1485, foi ordenado por D. João II a realização de um
levantamento hidrográfico (que, por sinal, fora o primeiro na história das navegações
portuguesas) no Golfo da Guiné por Duarte Pacheco Pereira e pelo físico (médico) judeu Mestre
José Vizinho.
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Seus resultados foram visíveis logo na cartografia posterior com a melhoria das
indicações das latitudes nos mapas. Nas cartas quatrocentistas de Pedro Reinel e Jorge de Aguiar,
as correções de latitudes ao longo do Golfo da Guiné e no sul são claras. Correções muito
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Sua existência pode ser constatada em diversas lendas medievais, que chegaram a dar localização para seu reino
na África, na Índia e até mesmo na Pérsia. A partir do século V, acreditava-se que ele era descendente do rei Davi e
encarregado de vigiar fortes portais de ferro na região do Cáucaso, onde viviam trancafiados vinte e dois povos
impuros que teriam sido presos por Alexandre Magno. Posteriormente, passou-se a acreditar que, por detrás dos
mesmos portais, estariam também as dez tribos desaparecidas de Israel, o que fazia a humanidade depender
diretamente de Preste João para não ser destruída antes do tempo. Preste João também era vinculado a outras figuras
bíblicas, o que reforçava sua condição messiânica, como com o rei-sacerdote Melquisedec (que era encarado como
uma prefiguração de Cristo) e com os Reis Magos. Após certo tempo, ele passou a representar uma grande
possibilidade de auxílio na derrota definitiva dos infiéis no Oriente e na conseqüente libertação da cidade sagrada de
Jerusalém. Isso, pois, Preste João teria derrotado recentemente os reis dos Medos e dos Persas e avançado com o seu
exército a fim de levar auxílio a Jerusalém que era ameaçada pelos muçulmanos, tendo, contudo, esbarrado no rio
Tigre por falta de embarcações para a travessia, sendo, por fim, forçado a regressar ao seu país. É nesse contexto que
se pode melhor entender sua procura como uma das motivações das navegações dos portugueses, que teriam um
grande trunfo em sua política externa, sendo ordenadas diversas expedições pelo Infante D. Henrique, por D. João II
e por D. Manuel I, que se concentravam no litoral africano e na exploração de seu interior. Porém, sabe-se hoje que
o conceito medieval de “Preste João” fundia e confundia diversas tradições e informações relativas a três núcleos de
cristãos distintos e de várias entidades e realidades políticas: o reino cristão-monofisita da Abissínia ou Aksum, as
comunidades cristãs-nestorianas da Ásia Central e os grupos nestorianos espalhados pela Índia.
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Além de médico na corte do Príncipe Perfeito, seus trabalhos e estudos foram de grande importância no campo da
náutica. Vários exemplos podem ser dados, dos quais alguns aqui serão apresentados. Foi Mestre José Vizinho que
traduziu, do hebraico para o latim e o castelhano, o Almanach Perpetuum, de autoria de Abraão Zacuto, um dos mais
famosos textos com tabelas preparadas por astrólogos para uso na navegação astronômica em fins do século XV. O
fato de essa obra ter sido impressa no ano de 1496, ou seja, pouco tempo após a introdução da técnica de impressão
em Portugal, ilustra bem a importância posta na divulgação das informações nela contidas. Esta importância é ainda
realçada pelo fato de os textos traduzidos por Vizinho serem os únicos textos não hebraicos saídos da oficina do
impressor, também judeu, Abraão Samuel Dortas. A importância de Mestre José Vizinho também aparece na
possibilidade e melhoria da navegação no hemisfério sul. Nos primeiros tempos da navegação astronômica, os
navegadores usavam o quadrante e observavam a estrela Polar. No entanto, conforme se navegava rumo ao sul,
aquela estrela ia ficando cada vez mais baixa, desaparecendo quando se cruzava o Equador. Uma alternativa seria
utilizar o Sol, visível todos os dias, pelo menos nas águas praticadas pelos portugueses. Mas a utilização do Sol
como referência não substituiu tão facilmente a estrela Polar, já que os navegadores não conseguiam observar
diretamente o Sol por muito tempo por meio do quadrante. Quem solucionou este problema foi Vizinho, adaptando
o astrolábio (um instrumento usado há muito tempo pelos astrólogos) aos navegadores, permitindo que estes
medissem a altura do Sol sem ser necessário olhar diretamente para ele.