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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO NPGA
ELIZABETE MARIA BARROS THOMAS
A NATUREZA DAS RELAÇÕES ENTRE
ONGS AMBIENTALISTAS BAIANAS
E O PODER PÚBLICO ESTATAL
O CASO DO GRUPO AMBIENTALISTA DA BAHIA
E DA FUNDAÇÃO ONDAZUL
Salvador
2006
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ELIZABETE MARIA BARROS THOMAS
A NATUREZA DAS RELAÇÕES ENTRE
ONGS AMBIENTALISTAS BAIANAS
E O PODER PÚBLICO ESTATAL
O CASO DO GRUPO AMBIENTALISTA DA BAHIA
E DA FUNDAÇÃO ONDAZUL
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico do
Programa de Pós-Graduação em Administração, Escola de
Administração, Universidade Federal da Bahia, como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Administração.
Orientador: Prof Dr. José Antônio Gomes de Pinho
Salvador
2006
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“A política verde exige que tenhamos, a um só tempo, ternura e subversão”.
Petra Kelly (1947-1992)
Agradeço ao CNPq pelo apoio à pesquisa no Brasil.
RESUMO
Esta pesquisa analisa a natureza das relações entre o movimento ambientalista baiano e o poder
público estatal. Para tanto, desenvolve um estudo de caso comparativo entre duas organizações
não-governamentais baianas: o Grupo Ambientalista da Bahia (GAMBÁ) e a Fundação OndAzul
(FO). A escolha de tais entidades baseou-se em sua forte atuação no cenário baiano e nas
diferentes trajetórias percorridas por cada uma delas: enquanto a primeira surge no bojo do
movimento ambientalista brasileiro da década de 1980, a segunda nasce no processo de
articulação pré-Rio 92, com o intuito de ser profissionalizada. Para chegar ao quadro comparativo
a que se apresenta foi preciso, primeiramente, rever a teoria relativa aos movimentos sociais e ao
movimento ambientalista brasileiro e, posteriormente, revisitar o debate referente ao meio
ambiente desde o final da década de 70. Para a validar o estudo, foram realizadas entrevistas
semi-estruturadas com membros-chave das organizações em questão. O estudo conclui que o que
está em jogo são diferentes percepções políticas que são adotadas pelas diversas entidades do
movimento ambientalista baiano. O contexto em que tais organizações foram institucionalizadas
é importante, mas não determinante, à consolidação de suas posturas em relação à possibilidade
ou não de estabelecimento de parcerias com o poder público estatal.
Palavras-chave: Movimentos Sociais, Movimento Ambientalista, Parceria, Poder Público.
ABSTRACT
This research analyses the nature of the relations between the ambientalist movement in Bahia
and the government. It develops a comparative case study among two non-governmental
organizations: - Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá) and Fundação OndAzul (FO). These two
organizations were selected due to its strong influence in the local scenario and the differences
related to its structure. The first one appears as a result of the brazilian ambientalist movement of
de 80`s. The second one is as a result of the pre-Rio 92 articulation process and was created to be
a professional entity. To reach a comparative result, it was necessary to review theories about
social movements and the brazilian ambiental movement and, more than that, to revisit the debate
upon environmental issues from 1970 to now. To validate this study, several interviews were held
with key members of such organizations. One of the the main conclusions of this research is that
the main point of the discusion is about the differences in political perceptions that can be held.
The context in which such organizations were created is very important, but not the only reason,
to determine its political point of view.
Key-words: Social movements, Ambientalist Movements, Partnership, Public Power.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Síntese Comparativa do Grupo Ambientalista da Bahia e da
Fundação OndAzul
87
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Eco-92 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
FO Fundação OndAzul
GAMBÁ Grupo Ambientalista da Bahia
NMS Paradigma dos Novos Movimentos Sociais
ONG Organização não-Governamental
Rio-92 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
Unep Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 8
1.1 OBJETO DE ESTUDO 10
1.2 ESCOLHAS METODOLÓGICAS 11
1.3 HIPÓTESES DE TRABALHO 14
1.4 JUSTIFICATIVA
15
2 SOBRE OS MOVIMENTOS SOCIAIS 18
2.1 OS PARADIGMAS EXPLICATIVOS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS 18
2.2 REVISITANDO O CONCEITO DE MOVIMENTOS SOCIAIS 24
2.2.1 Uma Breve Análise sobre o Papel das Classes Sociais nos
Movimentos Sociais
30
3.
DA RELAÇÃO ENTRE OS MOVIMENTOS SOCIAIS,
ORGANIZAÇÕES NÃO-
GOVERNAMENTAIS E O PODER PÚBLICO
ESTATAL
33
3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO 33
3.2 MOVIMENTOS SOCIAIS, ONGS E ESTADO 38
4 O MOVIMENTO AMBIENTALISTA BRASILEIRO 46
4.1 AÇÕES DE CARÁTER CONSERVACIONISTA (1920-1970) 52
4.2 O MOVIMENTO AMBIENTALISTA EM SUA FASE FUNDACIONAL
(dos anos 70 até 1986)
54
4.3 O MOVIMENTO AMBIENTALISTA EM SUA FASE DE
INSTITUCIONALIZAÇÃO (de 1986 ao período pré-Rio 92)
57
4.4 O MOVIMENTO AMBIENTALISTA DA DÉCADA DE 90 60
4.5 PERSPECTIVAS
62
5 DAS ENTIDADES BAIANAS 64
5.1 O GRUPO AMBIENTALISTA DA BAHIA (Gambá) 65
5.2 A FUNDAÇÃO ONDAZUL (FO)
74
6 ANÁLISE COMPARATIVA DAS ENTIDADES
80
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
88
REFERÊNCIAS
93
APÊNDICES 97
8
1 INTRODUÇÃO
No Brasil, foi apenas nos anos 60 que os estudos sobre os movimentos sociais ganharam
espaço na academia, de um lado impulsionados pelo desenvolvimento do próprio campo
conceitual - de teorias sobre o social e ações coletivas e, por outro lado, pela visibilidade
que tais movimentos adquiriram na sociedade.
Estes estudos consolidaram-se no período 1970-95 quando da implantação de cursos de pós-
graduação (e o estudo da temática em questão até hoje está concentrado nos grupos de
pesquisas da pós-graduação) e do aumento significativo das mobilizações. Tais estudos, no
entanto, sempre estiveram departamentalizados em áreas acadêmicas específicas: assim, a
antropologia tem se preocupado historicamente com as questões indígenas, a sociologia e a
ciência política com os movimentos populares, direito e arquitetura com as questões ligadas à
moradia e à terra e assim por diante. (GOHN, 2004)
Os trabalhos que foram (ou estão sendo) produzidos nas últimas duas décadas são,
majoritariamente, estudos de caso ou trabalhos que fazem recortes, tais como: relação com a
igreja, com os partidos políticos ou com o Estado. Concentram-se também em pesquisas sobre
movimento dos trabalhadores (urbanos e rurais), populares, ligados à religião, estudantis,
9
político-partidários, de elites econômicas e, a partir da década de 1990, os chamados novos
movimentos sociais
1
. Há, ainda, alguns poucos estudos que procuram fazer um levantamento
temporal de uma determinada categoria de movimento. (KAUCHAKJE, 2002)
São características desses trabalhos: sua natureza empírico-descritiva centrada na fala dos
agentes, concentração dos estudos na pós-graduação, divisão em áreas acadêmicas e
utilização, por diversas vezes acrítica, do paradigma clássico marxista até meados dos anos
1980 e a partir de então do paradigma dos novos movimentos sociais, ambos de origem
européia.
Por outro lado, estudos comparativos sobre os atuais movimentos sociais são escassos
(GOHN, 2004; KAUCHAKJE, 2002) e são mais raros ainda estudos desta natureza que focam
a realidade baiana.
Há, ainda, ‘novos temas’ pertinentes ao estudo dos novos movimentos sociais que não foram
plenamente incorporados pela academia. As transformações sócio-econômicas dos anos 90
fizeram com que surgissem novos problemas e transmutações na sociedade civil, abrindo
lacunas a serem crescentemente preenchidas pelas pesquisas. A questão relativa às novas
formas de articulação entre movimento social e organizações não-governamentais (ONG) têm
sido precariamente estudada (MONTAÑO, 2003), assim como as questões pertinentes às
parcerias realizadas entre as organizações não-governamentais e o poder público estatal.
(LOUREIRO, 2003)
No que tange ao relacionamento entre organizações não-governamentais e o Estado, o estudo
desta relação é importante na medida em que este tipo de entidade da sociedade civil tem,
1
Entendemos como novos movimentos sociais aqueles que se articulam no campo da cultura, como o
movimento das mulheres, étnicos e ecológicos, por exemplo, como será explicitado mais adiante.
10
crescentemente, se envolvido na formulação de políticas públicas e, ainda, tem assumido
responsabilidades sociais que o Estado estaria abandonando. (TEIXEIRA, 2002)
Estas duas questões do relacionamento entre movimento social e organização não-
governamental e das parcerias entre organizações não-governamentais e poder público estatal
serão estudadas neste trabalho.
Na tentativa de compreender melhor tais fenômenos realizar-se-á uma reflexão conceitual
relativa aos termos envolvidos, tais como movimentos sociais, organizações não-
governamentais e seus inter-relacionamentos.
Optou-se neste estudo pela análise do movimento ambientalista, pois foi identificado que este
é um movimento social de forças crescentes e com uma das maiores capacidades de
articulação da sociedade. (CASTELLS, 1999) Ainda, são escassos os estudos relativos ao
movimento ambientalista baiano e este trabalho tem como objetivo fomentar as pesquisas e
debates referentes a esta temática.
1.1 OBJETO DE ESTUDO
O seguinte pressuposto foi utilizado como guia para a realização deste trabalho:
Nos anos 90 o Estado tem, crescentemente, descentralizado suas atividades e chamado a
sociedade civil para o compartilhamento de responsabilidades em busca de soluções para as
mazelas sociais contemporâneas. Este ente estatal vê as ONGs enquanto intermediárias no
relacionamento com a sociedade civil e enquanto executora eficiente de projetos. Por este
11
motivo, busca-se delegar funções públicas às entidades pertencentes aos diversos
movimentos. (BORIS, 1998; CARVALHO, 1999; LOUREIRO, 2003; MATTOS;
DRUMMOND, 2005; MEIRA; ROCHA, 2003; MONTAÑO, 2003; PANAFIEL, 2005)
Neste contexto, procurou-se no trabalho responder à seguinte pergunta:
Qual a natureza das relações que são estabelecidas entre ONGs do movimento ambientalista
baiano e o poder público estatal na década de 90?
Para tal foi preciso revisitar a teoria referente aos movimentos sociais e, ainda, sobre o
movimento ambientalista brasileiro. Em seguida, realiza-se uma análise relativa às
organizações não-governamentais e seus relacionamentos com o movimento social e com o
poder estatal. Por último, realiza-se um estudo de caso com duas organizações baianas e
estabelece-se um quadro comparativo entre as mesmas.
É objetivo desta dissertação contribuir para uma reflexão sobre as relações que são
estabelecidas entre o movimento ambientalista baiano (através das organizações não-
governamentais) e o poder público estatal.
1.2 ESCOLHAS METODOLÓGICAS
O presente trabalho é de cunho exploratório e visa a análise da natureza das relações que são
estabelecidas entre o movimento ambientalista baiano e o poder público estatal. Para tal, do
universo de organizações não-governamentais que compõem tal movimento, procurou-se
selecionar entidades originárias da Bahia que pudessem ser tidas enquanto representantes do
movimento ambientalista neste Estado.
12
Inicialmente, três entidades foram selecionadas: o Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá), o
Grupo de Recomposição Ambiental (Gérmen) e a Fundação OndAzul (FO).
Enquanto o Gambá e o Gérmen começam a articular-se no início dos anos 80 e são
institucionalizados, respectivamente, em 1982 e 1986, tendo forte posicionamento crítico em
relação ao Estado e avesso ao estabelecimento de parcerias com este, a FO surge em 1990, em
um contexto distinto daquele existente no início da década de 80, já com o intuito de ser
profissionalizada e tendo as parcerias enquanto estratégia de atuação.
No entanto, de acordo com Meira e Rocha (2003), o Gérmen tem a visão de que a entidade
deve permanecer à “margem do sistema”, de maneira informal. Por isso, apesar de já fomentar
ações desde o início da década de 80, a institucionalização da entidade só se deu tardiamente,
em 1986, por conta da necessidade de mover uma ação civil pública contra o prefeito da
época.
Ao contrário do Gambá, como será demonstrado mais adiante, o Gérmen não acompanhou as
tendências do movimento ambientalista brasileiro e não profissionalizou sua gestão, processo
que, nos anos 90, será tido enquanto essencial à sobrevivência das organizações não-
governamentais. Como até hoje as atividades são voluntárias, torna-se difícil a dedicação dos
seus membros em tempo integral à organização ou a divisão formal de atribuições entre os
mesmos. Desta forma, cada coordenador volta-se a atividades de interesse pessoal e não são
definidas linhas de ação específicas para o Gérmen como um todo. (MEIRA; ROCHA, 2003)
Talvez seja por estas razões não profissionalização, atuação exclusivamente voluntária, falta
de um projeto único para todos os membros da organização que o Gérmen encontra-se hoje
desmobilizado. Por não ter mais uma atuação tão marcante na sociedade e não ser mais um
atuante típico e incisivo do movimento ambientalista baiano, apesar de ser uma das primeiras
entidades institucionalizadas na Bahia, o Gérmen não foi considerado na análise.
13
Optou-se aqui pelo estudo de caso comparativo entre o Gambá e a Fundação OndAzul. A
escolha destas organizações não-governamentais deve-se ao fato de elas serem as mais
atuantes no seio do movimento ambientalista baiano e serem representantes típicas do mesmo.
Ambas organizações atuam há relativamente bastante tempo, em um cenário de difícil
articulação, onde é regra a curta duração de entidades de tal gênero.
Tem-se enquanto estratégia de pesquisa o estudo de caso múltiplo e enquanto unidades de
análise as duas organizações acima citadas: o Gambá e a FO.
A pesquisa valeu-se, primeiramente, de levantamento bibliográfico sobre os principais temas
abordados, sendo eles: movimentos sociais, suas correspondentes teorias e debates entre elas;
movimento ambientalista; organizações não-governamentais; e a relação entre movimentos
sociais, ONGs e Estado. Foram analisados também documentos institucionais, com o intuito
de entender melhor as organizações que foram objeto deste trabalho.
Em seguida foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com membros-chave destas ONGs,
com o intuito de obter de seus discursos subsídios à análise que se propõe. Entende-se aqui a
entrevista semi-estruturada enquanto uma “forma especial de conversação”. (MATTOS,
2005)
Na Fundação OndAzul foi entrevistado Armando Almeida, seu atual presidente. Já no Grupo
Ambientalista da Bahia, foram entrevistados Luiz Roberto Santos Moraes, fundador e
membro do conselho diretor e Renato Cunha, também fundador e membro da coordenação
executiva. Todas as pessoas entrevistadas são atuantes no movimento ambientalista baiano há
muitos anos e estão à frente das organizações às quais representam. Estas são, portanto,
pessoas importantes dentro do movimento baiano.
14
Tendo em vista o fato de que as entidades em questão possuem hoje quadros bastante
profissionalizados e enxutos, optou-se pela realização de entrevistas qualitativamente
relevantes à consecução do trabalho.
Posteriormente tornou-se necessário organizar as informações obtidas a partir destas
entrevistas, objetivando possibilitar a elaboração de maiores inferências relativas ao tema, à
luz do referencial teórico utilizado.
1.3 HIPÓTESES DE TRABALHO
Admitem-se enquanto possíveis respostas a este trabalho:
a. O Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá) tem adotado uma postura de enfretamento
frente ao poder público estatal. Esta postura seria fruto do seu envolvimento histórico
com o movimento ambientalista brasileiro. Isto significa que tal instituição passou
pelas dificuldades pertinentes ao início deste movimento e participou das lutas pelo
reconhecimento de seu espaço na sociedade civil brasileira, consolidando, assim, uma
forte identidade e cultura. Por preservar as características do contexto no qual surgiu,
tal entidade possui hoje uma percepção política crítica no que diz respeito ao
estabelecimento de parcerias.
b. A Fundação OndAzul (FO), por nascer em um contexto distante do das lutas políticas
do movimento ambientalista em seus momentos formadores, possui uma percepção
política menos crítica e mais voltada à conciliação de interesses. A FO adota uma
15
postura flexível e de diálogo com o poder público estatal com ênfase no
estabelecimento de parceiras.
1.4 JUSTIFICATIVA
A justificativa deste trabalho dar-se-á aqui em um sentido: demonstrando brevemente a
possibilidade de estudo dos movimentos sociais e das ONGs no campo da administração, uma
ciência social aplicada.
O objeto de estudos da administração tem, erroneamente, sido apontado como sendo o
conjunto de atividades voltadas à gestão das organizações. Este conceito reducionista que
envolve o campo do conhecimento em questão é resultado de uma visão utilitarista, que,
focando a necessidade do comprometimento com os resultados empresariais, desconsidera a
diversidade das idéias produzidas neste campo interdisciplinar. (MA, 2004)
França Filho (2004), ao revisitar “a natureza do conhecimento que se produz nesta área”,
organiza as idéias produzidas em nome da administração em três campos: o primeiro é o de
técnicas e metodologias gerenciais, o segundo é o das áreas funcionais e o terceiro o da teoria
das organizações.
O campo das técnicas e metodologias gerenciais é aquele desenvolvido para o auxílio das
atividades gerenciais sendo, portanto, dotado de sentido prático e aplicado. É concebido no
âmbito das empresas e voltado à elaboração de ferramentas e modelos (sendo, em função
mesmo do seu caráter economicista, mais facilmente alvo dos chamados “modismos da
administração”) com o fim de possibilitar o alcance de metas.
16
As áreas funcionais (sub-áreas da prática administrativa, fruto da divisão horizontal do
trabalho) são confundidas com o objeto próprio da administração. São elas: marketing,
finanças, produção e recursos humanos. Ambos os campos, o das técnicas e metodologias
gerenciais e o das áreas funcionais, focam a dimensão operacional do campo do conhecimento
em questão e são eminentemente de caráter prescritivo. (FRANÇA FILHO, 2004)
Nos anos 50, quando dos primeiros ensaios sobre a teoria organizacional nos Estados Unidos,
o elemento de análise é deslocado do trabalho em si para o local aonde este mesmo trabalho é
exercido e, conseqüentemente, a perspectiva deixa de ser prescritiva para ter cunho
explicativo. Conhecimentos das mais diversas áreas foram progressivamente sendo
incorporados, acentuando o caráter interdisciplinar e aplicado do campo. A adoção, por parte
dos pensadores da administração, de uma tradição mais voltada à psicologia deu origem à
abordagem comportamentalista, centrada em temas como a motivação, liderança e tomada de
decisões. A adoção de conceitos da sociologia originou a abordagem estruturalista (ou
sociologia das organizações), centrada em temas como a burocracia e os sistemas sociais.
(FRANÇA FILHO, 2004; MA, 2004)
Para os estruturalistas, são as organizações o objeto próprio da administração e não as técnicas
gerenciais utilizadas nas mesmas. Estas organizações teriam as mais diversas formas de
acordo com o espaço no qual são estruturadas. Cada espaço seria dotado de uma lógica
própria.
Assim podemos considerar, de modo esquemático, de um lado, as empresas
atuando no mercado e orientadas segundo uma lógica fundamentalmente
econômica e utilitária. De outro lado, as instituições públicas atuando no
espaço do chamado estado. Estas se orientam segundo a lógica do poder
burocrático e devem por princípio buscar satisfazer a dignidade dos
cidadãos. E ainda, é preciso considerar um amplo espectro de
organizações sobretudo de natureza associativa atuando no espaço
público da sociedade, isto é, fora do circuito do Estado e do mercado.
Estas, embora possam ser consideradas como iniciativas privadas, pois
partem da ação de cidadãos, não tem objetivos lucrativos e almejam o
17
alcance de finalidades que também são públicas . (FRANÇA FILHO,
2004: 62. Grifo nosso).
Os movimentos sociais articulados em torno de organizações não-governamentais, diante da
profissionalização que se fez necessária na década de 90, têm incorporado crescentemente as
estratégias utilizadas no “mundo” organizacional, tangenciando-o permanentemente.
(CARVALHO, 1999) Além disto, muitas das temáticas abordadas pela teoria organizacional
são passíveis de aplicação neste campo, tais como: liderança, análise comportamental,
conflito, poder, motivação, estratégias, tomada de decisões, entre outras.
Os movimentos sociais
têm uma concretude, e para viabilizar e operacionalizar suas pautas e
agendas de ação se apóiam em instituições e em organizações da sociedade
civil e política. Muitas vezes a proximidade desta interação é tamanha, ou o
conflito que permeia suas ações se regulamentou de tal forma, que ele deixa
de ser movimento e se transforma numa organização (GOHN, 2004: 254)
Ou seja, há quase sempre uma articulação direta entre movimentos sociais e organizações,
quando não uma institucionalização do próprio movimento, ou de parte dele, em uma
organização não-governamental.
Por outro lado, na última década, o estudo das organizações não-governamentais tem se
acentuado nas escolas de administração do país e os debates sobre as diferentes formas de
gestão de ONGs tornou-se uma constante preocupação da academia.
A complexificação das estruturas organizacionais das ONGs e a crescente necessidade de
profissionalização em função da concorrência por recursos, entre outros fatores, tornou tais
organizações objeto de estudo das mais diversas pesquisas em diferentes campos do
conhecimento, e a Administração não é exceção neste contexto.
18
2 SOBRE OS MOVIMENTOS SOCIAIS
2.1 OS PARADIGMAS EXPLICATIVOS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
Segundo Thomas Kuhn (1972), um paradigma é um conjunto explicativo no qual são
formuladas teorias, conceitos e categorias, de forma que é possível dizer que um determinado
paradigma constrói uma interpretação correspondente de um determinado fenômeno ou
processo da realidade social. Os paradigmas constroem universos explicativos próprios e
surgem toda vez que é difícil envolver novos fatos em velhas teorias.
Historicamente, nos estudos brasileiros referentes aos movimentos sociais, tem-se apropriado
sistematicamente de teorias elaboradas em contextos distintos da experiência latino-
americana. (BORIS, 1998; GOHN, 2004) Quando das primeiras pesquisas no Brasil sobre a
temática em questão, foi predominante a utilização do paradigma europeu marxista de análise.
Neste paradigma, as classes sociais são o ponto de partida da análise. Esta categoria era
utilizada para a identificação da origem dos participantes das ações, seus interesses em um
movimento específico e, ainda, para o entendimento do programa ideológico que os orientam.
19
As classes sociais são desdobramentos da esfera produtiva de uma determinada sociedade, ou
seja, do conflito capital versus trabalho. Seria, então, a posição de um indivíduo na sociedade
o determinante de suas ações na mesma (foco nas questões estruturais). Um estrato social
determinado mobilizar-se-ia de acordo com seus interesses de classe, destacando-se aí a noção
dentro da teoria de que os movimentos não surgem espontaneamente e evidenciando a
existência de uma lógica no processo de desenvolvimento destas mesmas mobilizações.
(BORIS, 1998)
Esta percepção de que é a infra-estrutura econômica a determinante da superestrutura será
posteriormente considerada, segundo Dagnino (2000), enquanto reducionismo econômico.
As categorias como gênero, etnia, preferência sexual, entre outras, não eram utilizadas pelos
teóricos deste paradigma, sendo abordadas apenas no paradigma que posteriormente será
desenvolvido na Europa: o dos novos movimentos sociais. As articulações feitas em torno
destas categorias eram consideradas como arcaicas ou pré-políticas e eram vistas com
hostilidade. (DOIMO, 1995) Dagnino (2000) lembra-nos que a cultura estava sob
julgo/domínio da alienação, da falsa consciência e da mistificação.
O Estado, neste paradigma, era visto como lócus da dominação e de poder da sociedade. Era
ele, portanto, o alvo da luta política. Dagnino (2000) demonstra que esta visão estadista da
política por parte do paradigma em questão era legitimada pela sociedade brasileira do final
da década de 70. A realidade brasileira reforçava esta visão, uma vez que o Estado era, nesta
época, forte, intervencionista e o principal agente das mudanças sociais.
Em meados da década de 70 novos movimentos espontâneos ganharam força no cenário de
lutas políticas, os quais extrapolavam o “antigo“ modelo de organização dos trabalhadores em
partidos políticos e sindicatos. Surge uma série de manifestações sociais não oriundas das
20
relações produtivas e fora deste contexto, evidenciando o esgotamento destas formas de
organização e a necessidade de revisitá-las. Até então, “tudo o que fugisse desse raio de ação
sequer podia ser incluído sob a rubrica do verdadeiro movimento social”. (GOHN, 2004: 39)
Em conjunto com esta explosão de novos movimentos articulados em torno da esfera política
e cultural, a desmistificação dos regimes socialistas do leste e a sucessiva erosão dos
esquemas teóricos marxistas acabaram por marcar a configuração de um novo tempo.
Com a complexificação da realidade social e a evolução das formas de organização da
sociedade civil, as teorias sobre a ação social passaram a ser estudadas com mais propriedade
e o conceito de movimento social foi refinado, como evidenciará o tópico a seguir. Assim,
novas teorias surgiram nos países europeus, formando o chamado paradigma dos novos
movimentos sociais que, posteriormente, ganhou adesão no Brasil e demais países da América
Latina.
Este novo paradigma, dos novos movimentos sociais (NMS), foi rapidamente adotado nas
análises dos fenômenos sociais latino-americanos e constituiu um novo modelo teórico
baseado na cultura, no qual as relações sociais de produção perdem o seu papel central na
análise. O campo cultural e político na teoria social deixam de ser subjugados à esfera
econômica e os sujeitos históricos não são mais as classes sociais, mas os atores sociais
(BORIS, 1998; GOHN, 2004; DAGNINO, 2000).
Quando o terreno da cultura é reconhecido como político e como lócus da
constituição de diferentes sujeitos políticos, quando as transformações
culturais são vistas como alvos da luta política e a luta cultural como
instrumento para a mudança política, está em marcha uma nova definição
da relação entre cultura e política. (DAGNINO, 2000: 78)
Estes atores se autodefinem, independentemente do lócus que ocupam na estrutura econômica
da sociedade, para posteriormente definirem o seu relacionamento com os demais sujeitos e
com o meio. O sujeito passa a ser visto enquanto Ser composto de múltiplas identidades. É
21
possível, por exemplo, que um mesmo indivíduo engaje-se em diferentes lutas sociais a
depender de como sua identidade é definida por si mesmo. A identidade coletiva passa a ser a
categoria de análise fundamental deste paradigma.
O marxismo, segundo Gohn (2004: 122), descartaria “a possibilidade de mudança a partir da
ação do indivíduo, independente dos condicionamentos das estruturas”. Há, então, a negação
do marxismo enquanto paradigma explicativo.
Os movimentos sociais passam a ser denominados de "novos", pois se opõem aos "antigos"
movimentos da classe trabalhadora. Os interesses dos sujeitos históricos são outros, a forma
de fazer política diferencia-se e há politização de novos temas.
Para Gohn (2004) o que muda, na verdade, é muito mais do que a sua forma de articulação,
mas também a forma de relacionar-se com as outras instituições na esfera pública. Já Dagnino
(2000) reforça esta visão da transformação do caráter destas articulações ao falar que “a
relação com as massas, as formas de organização, a caracterização dos sujeitos políticos, o
papel do Estado e a própria concepção de política foram objeto de debate e revisão”.
(DAGNINO, 2000: 69)
No final da década de 70, por conseguinte, os movimentos de gênero, pacifistas, ecológicos,
de diversas etnias, nacionalistas e outros com uma pluralidade enorme de interesses
centralizam a luta política. O período de seu surgimento marcou otimismo, evidenciando a
idéia de que tais mobilizações produziriam um “duplo poder”, ou seja, a constituição de uma
força política paralela à do Estado. (DOIMO, 1995)
A maioria dos movimentos sociais tradicionais incidia sobre as carências de sobrevivência
imediata. Uma das novidades dos novos movimentos sociais é o fato de “se originarem fora
da esfera produtiva e dos canais convencionais de mediação política, em espaços fortemente
22
marcados por carências referidas ao vertiginoso crescimento e crise do Estado capitalista”
(DOIMO; 1995: 50).
A ação-direta é característica fundamental das novas formas de participação, diferentemente
daquelas formas características sob a égide do paradigma marxista (partidos políticos e
sindicatos). As organizações são espontâneas, independentes e autônomas. Esta noção de
ação-direta tem sido analisada tanto de forma negativa quanto positiva: como irracionalidade
das massas em oposição às formas racionais de organização por uns e como autonomia da
sociedade civil por outros. (DOIMO, 1005)
Ainda como característica fundamental há, para Dagnino (2000), a autonomia criativa, a
capacidade constante de re-elaboração de seu projeto, de auto re-articulação e a negociação.
Os trabalhos contemporâneos realizados sob o paradigma dos novos movimentos sociais
utilizam a matriz teórica composta pelos trabalhos de Jürgen Habermas, Husserl e Felix
Guattari.
Habermas (apud GOHN, 2004) é essencial para o entendimento das teorias elaboradas sob
este paradigma, pois é ele quem melhor trabalha a análise interpretativa da vida cotidiana.
Este pensador utiliza o conceito de “mundo da vida”, um reservatório de tradições conhecidas
imersos na linguagem e na cultura e utilizados cotidianamente.
Os atores sociais
na medida em que coordenam suas ações por intermédio de normas
intersubjetivamente reconhecidas, agem enquanto membros de um grupo
social solidário. Os indivíduos que crescem no interior de uma tradição
cultural e participam da vida de um grupo internalizam orientações
valorativas, adquirem competência para agir e desenvolvem identidades
individuais e sociais. A reprodução de ambas as dimensões do mundo da
vida envolve processos comunicativos ou transmissão da cultura, de
integração social e de socialização. (ARATO e COHEN apud GOHN; 2004:
137-138)
23
Para Habermas (apud GOHN, 2004), os movimentos sociais criariam a possibilidade de novas
relações sociais, quando da busca de soluções alternativas aos problemas comuns enfrentados
pelos indivíduos. Estas novas relações, por sua vez, culminam na expansão dos espaços
públicos da sociedade civil. Os movimentos são, portanto, elementos dinâmicos no processo
de aprendizado e formação da identidade social.
Husserl (1980), por sua vez, é fonte importante quando se trata de fenomenologia, sendo esta
entendida como uma abordagem subjetivista dos fenômenos. O autor pontua como
pressupostos fenomenológicos: a importância da consciência dos indivíduos no
questionamento cotidiano da vida social; a necessidade da busca da intencionalidade na
consciência e a importância da experiência na vida dos indivíduos, gerando hábitos e atitudes
cognitivas.
Em meados da década de 80, as demandas dos movimentos sociais se aproximam das
questões do cotidiano, evidenciando a necessidade do desenvolvimento da consciência desta
vida cotidiana.
A fenomenologia busca os significados dos fatos do dia-a-dia dos indivíduos e ainda “tenta
tornar explícita a consciência daquilo que está latente na vida cotidiana, mas que se encontra
dissimulado”. (GOHN, 2004: 137)
Para Guattari (1981) os novos movimentos sociais não querem o consenso, mas a intervenção.
Não querem o poder em si, mas cristalizar na sociedade outras formas de organização. A
transformação social não poderia restringir-se à tomada do aparelho estatal, mas, partindo da
ação cotidiana individual e coletiva deveria questionar todos os aspectos da vida em
sociedade.
24
A noção fundamental para ele, adotado pelo paradigma dos NMS, é a da necessidade da
produção contínua da ação. Dagnino (2000) sintetiza esta posição ao dizer que a “revolução”
deixaria de ser concebida enquanto “ato insurrecional” para ser concebida enquanto processo.
É o que Guattari (1981) denomina de “revolução molecular”.
Percebe-se, portanto, que compartilhar previamente uma determinada condição de classe
deixou de ser ponto de partida para a articulação dos sujeitos em movimentos sociais. O que
ocorre é a construção, em processo, de uma identidade coletiva em uma constante submetida à
reelaboração e à renovação; sendo esta identidade entendida como base para a ação política
organizada na direção de uma transformação social.
Com a crise do Estado e a maior difusão dos meios informacionais, os indivíduos começam a
questionar a eficácia do sistema representativo no qual se inserem. É no bojo destas
transformações paradigmáticas que o lócus da mobilização deixa de ser a sociedade política
para se dar na sociedade civil, modificando assim o sentido próprio da política. Há a re-
significação do político e a política passa a ser articulada também na sociedade civil.
As novas formas de organização desta sociedade em transmutação implicam na
“marginalização” gradual do conceito “classe social” e a consolidação do conceito
“identidade” enquanto fator de coesão social.
2.2 REVISITANDO O CONCEITO DE MOVIMENTOS SOCIAIS
O termo ´movimento social´ foi cunhado por volta de 1840 com o intuito de designar o
crescente movimento operário europeu articulado em partidos políticos e sindicatos. (GOSS;
PRUDÊNCIO, 2004; BORIS, 1998). Quando do surgimento do conceito, as mobilizações
25
estavam articuladas em torno de dois eixos centrais: primeiro, da constatação da existência de
uma opressão determinada contra a qual era preciso lutar em busca de sua superação e,
segundo, da idéia de construção de uma nova sociedade enquanto projeto político.
(SCHERER-WARREN, 1987)
Para Doimo (1995), o surgimento de novas formas de articulação dos indivíduos no seio da
sociedade civil (sendo esta entendida como lócus do fenômeno estudado) fez com que fosse
imprescindível repensar o conceito de movimento social, objetivando dar escopo maior ao
mesmo, tornando-o capaz de abarcar as novas práticas.
Assim, ao longo do tempo, o conceito sofreu recortes, assumiu consistência teórica e
evidenciou caráter adaptativo, referindo-se, atualmente, a uma série de novas formas de
participação. Se por um lado o termo tornou-se mais preciso, por outro, sua delimitação e
especificidade fizeram com que surgissem dúvidas a respeito das diferenças conceituais, por
exemplo, entre movimento social, movimento popular e outros grupos de interesse
2
. O
resultado é o uso inadequado do termo para designar indiscriminadamente qualquer tipo de
ação civil. (GOSS; PRUDÊNCIO, 2004)
No início da década de 80 era corrente o entendimento de movimento social como uma ação
grupal para transformação voltada para a realização dos mesmos objetivos, sob a orientação
mais ou menos consciente de princípios valorativos comuns e sob uma organização diretiva
mais ou menos definida”. (SCHERER-WARREN, 1987: 20. Grifo nosso.) Como unidades
analíticas deste conceito são identificadas: práxis, projeto, ideologia, organização e direção.
2
Camacho (1987) define movimentos sociais enquanto forma de expressão das tensões internas da sociedade
civil. Tais manifestações podem originar-se de grupos hegemônicos da sociedade ou, ainda, de grupos populares.
Quando do segundo caso, constituem-se os movimentos populares. Grupos de interesse, por sua vez, segundo
Gohn (2004) se formam, quando um determinado grupo de pessoas se une com o intuito de atingir um
determinado objetivo. Nem sempre esta articulação envolve luta política e, ainda, esta articulação é apenas
temporária.
26
Entende-se como práxis a unidade indissolúvel entre a teoria e a prática política necessária à
conscientização dos indivíduos de sua situação de opressão. (MARX apud SCHERER-
WARREN, 1987)
Apesar de Karl Marx não ter elaborado uma obra sobre os movimentos sociais, foi a
elaboração deste conceito a sua principal contribuição ao tema. A práxis está em oposição à
ação alienada e, neste sentido, é conceituada como “toda ação para transformação do social,
desde que esta ação contenha um certo grau de consciência crítica” (SCHERER-WARREN,
1987: 15). Assim sendo, esta categoria relaciona-se com o reconhecimento de uma situação de
opressão dada e a conseqüente conscientização da necessidade de articulação do movimento
em si. Ela é fundamental para a transformação da sociedade e de uma situação de opressão e /
ou de carência econômica.
O projeto aponta para aquilo que um determinado grupo quer mudar em uma determinada
realidade social: é o seu horizonte. Nele estão corporificados as metas, objetivos e aspirações
do grupo.
Segundo Scherer-Warren (1987), ideologia é entendida neste contexto como um conjunto de
idéias, crenças, mitos e representações e, à época em que o conceito em questão foi elaborado,
apontava à noção de ideologia de classe, representando um mascaramento da realidade. É o
agrupamento de princípios valorativos que guiam a ação organizada e que contribuem à
elaboração do projeto.
A organização e a direção do movimento social, por sua vez, são os elementos estruturantes
do mesmo e dizem respeito às formas de articulação interna dos indivíduos que empreendem
determinada ação. Diz respeito também à existência ou não de lideranças e à importância dada
a elas.
27
Objetiva e resumidamente, pode-se falar do processo de constituição de um movimento social
da seguinte forma: o homem alienado identifica-se com aqueles que compartilham os mesmos
interesses de classes que os seus. Esta associação entre indivíduos que compartilham dos
mesmos interesses e da mesma forma de opressão faz brotar neles a consciência de classe
necessária à sua organização e os impulsiona à luta revolucionária, sendo esta entendida como
o movimento social enquanto tal e que, por fim, alcançaria a transformação histórica da
sociedade. (SCHERRER-WARREN, 1987)
Este conceito de movimento social, no entanto, é considerado como superado. O foco nas
classes sociais e a determinação do homem segundo o lugar que ocupa na esfera produtiva são
condições necessárias, mas não suficientes para explicar as crescentes mobilizações que
surgem na década de 70. (GOHN, 2004; GOHN, 2003; BORIS, 1998)
Com o acirramento das tensões sociais provenientes dos debates sobre gênero, etnias, meio
ambiente e de outros campos e o reconhecimento de que os conflitos deixam de estar
localizados exclusivamente na esfera econômica entre aqueles que detêm e os que não detêm
os meios de produção, percebe-se que o discurso de classes sociais é insuficiente para explicar
a nova realidade social. (TOURAINE, 1998)
Com a gradativa perda de poder de reivindicação dos partidos políticos e sindicatos na década
de 70 (o Brasil é exceção neste contexto), a análise social converge da sociedade política para
a sociedade civil e faz-se necessário um esforço com o intuito de elaborar um conceito de
maior abrangência sobre o que vem a ser um movimento social. (GOSS, PRUDÊNCIO, 2004)
Elabora-se uma série de novos conceitos a respeito dos movimentos sociais, dentre os quais
tem destaque o de Gohn (2004), segundo o qual movimentos sociais são
28
ações sóciopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a
diferentes classes e camadas sociais, articuladas em certos cenários da
conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um campo
político de força social na sociedade civil. (GOHN, 2004: 251. Grifo
nosso.).
A autora destaca em sua análise o desenvolvimento da identidade que se dá no processo de
articulação das ações coletivas; identidade esta que é criada a partir de valores culturais e
políticos que são compartilhadas pelo grupo e que, ainda, possibilitam o surgimento de um
sentimento de pertencimento social.
É importante lembrar que na sociedade contemporânea nenhum ator social luta sozinho, mas
articula-se de maneira global com o intuito de agir localmente. É através desta articulação
com os demais atores sociais que o indivíduo deixa sua posição de mero espectador das
transformações da sociedade e passa a ser cidadão pensante a atuante na realidade que o
circunda. A função destes atores sociais é a de revelar os problemas da sociedade.
Este segundo conceito apresentado diferencia-se do primeiro fundamentalmente em função da
determinação de quem vem a ser os sujeitos históricos, da localização dos mesmos na
sociedade e, ainda, em função da identificação de quais são os objetivos de tais ações.
Enquanto os sujeitos identificados no primeiro conceito são as classes sociais que iniciam
suas articulações a partir da tomada de consciência enquanto classe oprimida, no segundo
caso os sujeitos são os atores sociais, que compartilham identidades comuns que podem estar
articuladas no campo da cultura, para além da esfera produtiva. O que há é um
deslocamento do eixo sobre o qual as reivindicações se articulam.
Em se tratando dos objetivos dos movimentos, enquanto nas reivindicações pré-década de 70
a transformação da sociedade e a fundação de uma nova ordem social constituíam as bases
dos projetos da ação dos partidos políticos e sindicatos, com a mudança do foco da análise, a
defesa dos interesses historicamente adquiridos e o restabelecimento ou o aumento da
29
capacidade de decisão política de certos grupos passou a ser a meta a ser atingida. A marca
dos novos conflitos societais não é a tomada de poder, mas a garantia de certas condições de
sociabilidade. Autonomia deixa de ser sinônimo de ser contra o Estado ou estar isolado do
mesmo e passa a significar saber atuar de maneira alternativa e prepositiva.
A defesa dos sujeitos, e não a transmutação revolucionária da sociedade, passa a ser
defendida, o que contribui para o empowerment dos atores envolvidos (TOURAINE, 1998;
GOHN, 2003). Esta ‘defesa dos sujeitos’ traduz-se, também, na defesa de áreas do cotidiano
que antes eram praticamente impossíveis de serem alcançadas através da prática dos partidos
políticos e dos sindicatos. Aspectos de subjetividade dos indivíduos, tais como sexo, crenças e
valores, são então passíveis de serem manifestados pela coletividade.
Já para Loureiro (2003), o que caracteriza um movimento social é o seu caráter antagônico a
um determinado padrão de sociedade vigente ou a um determinado modelo de como as
relações sociais são estabelecidas no seio desta sociedade. Enquanto dada circunstância contra
a qual o movimento social luta se perpetua, desenvolve-se o conflito, de natureza permanente
neste espaço de tempo, por meio de ações coletivas e solidárias. O movimento é então um
corpo dinâmico, atuando em um espaço de crenças e valores compartilhados, atuando por
finalidades que são previamente conhecidas e definidas, mas cujos resultados são incertos.
Para Fernandes (1994), quando da análise do termo ‘movimento social’, o mesmo fala que
estes são ‘movimentos’, pois são mutantes e instáveis em um constante movimento dialético
de construção e reconstrução de sua agenda e, ainda, são ‘sociais’, pois toma lugar fora da
esfera Estatal.
30
2.2.1 Uma breve Análise sobre o Papel das Classes Sociais nos Movimentos Sociais
Em seu texto “Análise de Classes” (1999), Ralph Miliband escreve que a crítica proveniente
de dentro da esquerda em relação ao fato de ser hoje o conceito ‘classe social’ incapaz de
explicar aspectos cruciais da realidade social, nada mais é que um reducionismo simplista do
entendimento deste conceito e que tal idéia é equivocada. O que faltaria seria uma melhor
compreensão desta categoria analítica e o reconhecimento de ela ser um “construto teórico de
valor incomparável”, que não se tornará facilmente ultrapassado.
A visão marxista clássica é de que os protagonistas das lutas de classes estão diretamente
relacionados com a sua localização no processo produtivo, como já foi dito anteriormente. É
bem verdade que a maioria considerável dos trabalhos realizados pela academia brasileira nos
estudos relativos aos movimentos sociais (ver DOIMO, 1995 e GOSS; PRUDÊNCIO, 2004,
por exemplo) inicia suas análises com uma afirmação em relação à incapacidade de o conceito
em questão em explicar a “nova realidade dos movimentos sociais”. Esta afirmação, no
entanto, segundo Miliband, é feita sem uma análise apropriada do termo, trabalhando-o de
forma reducionista e tendo o debate em relação a esta categoria de análise enquanto já dado.
A visão clássica marxista (adotada pelo paradigma marxista) enfatiza a questão da exploração,
enquanto Miliband (1999) sugere a possibilidade (e até mesmo necessidade) de mudança de
foco. Enquanto o foco na exploração remete a análise necessariamente à esfera produtiva, o
foco na dominação clarifica o fato de haver formas múltiplas da mesma. O autor enfatiza que
a dominação de classe é que permite a exploração, mas que esta (a exploração) não é o
objetivo principal da primeira (da dominação). O que Miliband propõe então é uma mudança
de foco:
31
a exploração continua sendo o objetivo essencial da dominação. Mas o foco
na dominação (...) permite um exame e uma identificação mais abrangentes e
realistas dos protagonistas da luta de classes. Com esse foco, a classe
dominante na sociedade de classe deixa de ser definida unicamente em
termos da propriedade dos meios de produção. Falando de forma mais
apropriada, uma classe dominante em qualquer sociedade de classes é
constituída em virtude de seu controle efetivo sobre três fontes principais de
dominação: os meios de produção, onde o controle deve envolver (...) a
propriedade desses meios, mas não precisa necessariamente fazê-lo; os
meios da administração e coerção do Estado; e os principais meio para
estabelecer a comunicação e o consenso. (MILIBAND, 1999: 476. Grifo
nosso).
A ênfase é deslocada da noção de propriedade dos meios de produção à noção de controle.
Obviamente a noção de propriedade continua sendo fundamental, ela deixa apenas de ser
central, abrindo espaço para a principal fonte de poder na sociedade capitalista: o poder
corporativo e o poder do Estado. Pode haver, portanto, exploração e opressão aonde não haja
nenhuma fonte econômica que o engendre.
A ‘elite do poder’, segundo esta perspectiva, seria hoje composta não só pelos detentores do
poder econômico, como também pelos detentores do poder Estatal. A classe dominante
deixaria de ser um todo homogêneo e passaria a ser composta, por exemplo, pela classe média
e classe média alta, mesmo estas não tendo coisa alguma que possa ser chamado de ‘seu’
poder. Estão incorporados nesta classe aqueles elementos da sociedade que exercem qualquer
forma de poder, seja ele em termos econômicos, sociais, políticos ou culturais. (MILIBAND,
1999)
Percebe-se que em Miliband o conceito de classe social torna-se elástico. A classe
trabalhadora, por outro lado, é apenas uma parte da classe subordinada. Criar uma igualdade
entre as duas categorias, classe subordinada e classe trabalhadora, é querer entender o todo
(classe subordinada) pela parte (classe trabalhadora). É importante a observação do autor de
que
a pirâmide (de classes) é uma dura, sólida realidade e de que as
diferenças entre a classe situada nos níveis superiores da pirâmide e as
32
classes situadas nos níveis inferiores são de fato muito grandes em termos de
riqueza, renda, poder, responsabilidade, estilo e qualidade de vida e tudo o
mais que compõe a textura da existência. Isso pode ser deplorado, ou
louvado, ou declarado lamentável mas inevitável, ou visto de outro modo
qualquer. O que não se pode ou não se deve fazer é ignorar a existência
de tais divisões e a importância crucial que elas têm para a vida da
sociedade onde ocorrem. (MILIBAND, 1999: 483. Grifo nosso)
A classe subordinada estaria envolvida permanentemente em um processo de pressão que
pode ser exercida para modificar e melhorar as condições nas quais a subordinação em si é
vivenciada ou para erradicar completamente esta subordinação. No primeiro caso, de
modificação ou melhoria das condições de subordinação, haveria reforma, no segundo caso,
de erradicação das condições de subordinação, a revolução.
O autor discorda da noção de classes sociais vista como insuficiente, quando não obstáculo, à
explicação de temas como o feminismo, questões étnicas, entre outros.
Para Miliband (1999), mulheres, negros e outros grupos são também membros de uma classe.
É legítimo que estes grupos da sociedade civil sintam-se que são, acima de tudo, mulheres,
negros ou o que quer que seja e que isso, antes de qualquer outra coisa, seja o atributo que
lhes dê identidade e seja o que define o seu ‘Ser social’.
Essa identidade, no entanto, não reduz a importância do fator ‘classe social’ na composição de
seu ‘Ser social’. É preciso enxergar este Ser como um todo complexo e contraditório, em um
processo dialético constante de autoreprodução. Nele, muitas identidades diferentes coexistem
e colidem entre si.
É fato que a localização dos indivíduos na estrutura social é imprescindível para identificar e
determinar as maneiras pelas quais as pessoas vivenciam a discriminação, exploração e
opressão. Afinal, “ser pobre significa não apenas privação econômica e material, mas também
ser submetido a regras culturais que implicam uma completa falta de reconhecimento das
pessoas pobres como sujeitos, como portadores de direitos”. (DAGNINO, 2000: 82)
33
3. DA RELAÇÃO ENTRE OS MOVIMENTOS SOCIAIS, ORGANIZAÇÕES NÃO-
GOVERNAMENTAIS E O PODER PÚBLICO ESTATAL
3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Segundo Kaldor (2004), uma das principais conseqüências das mudanças sofridas pelo Estado
na década de 90 foi o distanciamento de dois atores: governo e sociedade civil. O primeiro
passa a ser visto como deficiente e limitado às fronteiras territoriais enquanto o segundo, cada
vez mais articulado em uma nova sociedade globalizada, depara-se com a necessidade de
mobilizar-se para suprimir as conseqüentes e crescentes deficiências do primeiro. Tem-se
início, na década de 90, uma nova onda de ativismo nos países do sul como reação às políticas
(neo) liberais que começam a ser implementadas e aos seus impactos na sociedade.
Offe (1988) vê as novas formas de organização na sociedade como “válvulas de escape” às
incapacidades do Estado e do mercado na nova ordem social. Ou seja, na falta de eficiência
destes ‘entes’ do primeiro e do segundo setor em resolver as demandas provenientes da
sociedade, esta mesma articula-se para a satisfação de suas necessidades.
34
Enquanto o ativismo das décadas de 70 e 80 lutava contra um Estado burocrático em busca de
maior participação e democracia, o ativismo da década de 90 surge em um contexto
paradoxal: enquanto há, devido às políticas de cunho neoliberal, enfraquecimento do Estado,
há, por outro lado, generalizado aumento da pobreza nos países da América Latina, fazendo
crescer exponencialmente o número dos ‘vulneráveis’ e contribuindo à constituição de
“núcleos duros de pobreza”. Ou seja, enquanto há a precarização das condições de vida da
população de uma forma geral, há o enfraquecimento daquele que até então era tido como
principal agente indutor do desenvolvimento econômico e social. (KALDOR, 2004;
SOARES, 2003)
Para Carvalho (1999), a década de 90 é marcada pelo esgotamento do Estado
desenvolvimentista e do seu padrão de expansão capitalista. São políticas adotadas neste
período que contribuem a esta falência do Estado: abertura do mercado sem mecanismo de
defesa da indústria nacional, privatizações, desregulamentação, descentralização das
responsabilidades e reforma do Estado objetivando articulá-lo aos princípios do mercado.
Esta reforma tem o intuito de reconstruir a administração e dotá-la de “bases modernas e
gerenciais”, concentrando as atividades governamentais nas atividades de regulação e
coordenação e descentralizando as demais atividades. Reduzem-se as responsabilidades
estatais, principalmente no que tange à proteção social. (CARVALHO, 1999)
É no seio desta mudança de paradigma do capitalismo contemporâneo e para enfrentar os
desafios que esta nova lógica impõe que os atores sociais articulam-se. Assim, a década de 90
será marcada pela grande visibilidade das ONGs no cenário brasileiro, sua multiplicação e
diversificação. (TEIXEIRA, 2002). Para Soares (2003) o ativismo dos grupos externos à
35
esfera estatal não é novidade. A novidade é identificada em sua nova função de substituir
crescentemente as atividades exercidas pelo Estado.
3
Florini (2003) identifica outros fatores estimulantes à ascensão da sociedade civil organizada,
além do triunfo das idéias (neo)liberais na década de 90. O principal deles seria a revolução
tecnológica capaz de possibilitar a colaboração de indivíduos através de fronteiras.
Já para Baylis e Smith (1997), a globalização permitiu a queda da soberania do Estado
criando o vaccum político imprescindível à reorganização da sociedade. Tem-se início,
segundo esses autores, nos anos 90, um período post-sovereign governance no qual outros
atores, além do Estado, adquirem importantes papéis nas sociedades. A governança deixa de
ser monopólio estatal podendo ocorrer em outros níveis, seriam eles:
a. Governança global em nível sub-estatal, característica das municipalidades
(evidenciando a tendência à municipalização da tomada de decisões);
b. Governança global em nível supra-estatal, característica de agentes responsáveis
pelo desenvolvimento de políticas macroeconômicas, tais como Fundo Monetário
Internacional, Banco Mundial, Nações Unidas, entre outros. Este grupo evidenciaria a
incapacidade do Estado em lidar com fenômenos de cunho supraterritorial;
c. Governança global de Mercado, destacando a crescente importância das forças de
mercado na regulação;
d. Movimentos sociais, onde a participação popular tem se tornado mais direta e
extensiva.
3
A autora enfatiza: “a questão social passa a ser objeto de ações filantrópicas e de benemerência, deixando de
ser responsabilidade do Estado”. (Soares, 2003: 27)
36
A globalização, a partir do momento em que quebra com a soberania do Estado e de seu
monopólio nos processos de tomada de decisão abre espaço à maior articulação da sociedade
e de outras agências e instituições supra e intranacionais. (BAYLIS; SMITH, 1997)
Salamon (apud Vieira, 2002), ainda, enumera como mudanças imprescindíveis à ascensão e
reestruturação da sociedade civil nos anos 90 os seguintes acontecimentos: suposta crise do
welfare state moderno, crise do desenvolvimento na América Latina nos anos 80 (estes dois
fatores de maneira conjunta culminaram na elaboração e posterior adoção do Washington
Consensus e conseqüente inicio do processo de reforma administrativa do Estado), crise do
meio ambiente global (que levantou a necessidade de articulação mundial para a resolução da
problemática), crise do socialismo e das utopias de esquerda (e, obviamente, de um modelo de
planejamento estatal), revolução das comunicações (possibilitando articulação global da
sociedade) e crescimento mundial dos anos 60 (que culminou no aumento da população
urbana contribuindo à formação de agrupamentos sociais mais exigentes e mais organizados).
A análise desta sociedade civil, no entanto, é, por diversas vezes, erroneamente, reduzida à
análise das organizações não-governamentais (ONGs) quando, na verdade, estas organizações
são apenas parte constitutiva da mesma, não representando sua totalidade.
Esta confusão se dá em função da proliferação de trabalhos que abordam o estudo do terceiro
setor e que exploram pouco a relação entre ambas categorias: sociedade civil e terceiro setor.
A segunda é apenas “um setor da sociedade no qual atuam organizações sem fins lucrativos,
voltadas para a produção ou a distribuição de bens e serviços públicos”. (ALVES, 2002: 01)
O terceiro setor opera na esfera da sociedade civil representando interesses marginalizados
pelo primeiro setor (Estado) e pelo segundo setor (mercado).
37
Para Melo (2002), o terceiro setor pode ser mais facilmente identificado por exclusão, ou seja,
por sendo constituído daquilo que não é pertencente ao Estado ou ao mercado, do que por
uma questão identitária das organizações que o compõem.
A sociedade civil, por sua vez, segundo Lauth (2000), pode se manifestar através de entidades
diversas: movimentos sociais, as próprias ONGs, igrejas, sindicatos, associações diversas,
entre outras. Este campo é de tensão e caracterizado por não possuir fronteiras bem definidas
entre os atores que o compõem.
Ainda segundo a concepção de sociedade civil do mesmo autor, esta: articula-se em torno de
objetivos concernentes a temas públicos; seus atores, mesmo que indiretamente, estão
envolvidos com a política; grupos que perseguem fins privados (como empresas e famílias)
não fazem parte dela; não é homogênea e não existe sem o Estado
4
. Os valores ocupam
posição central, orientando sua atuação. O conceito de sociedade civil, portanto, extrapola o
de terceiro setor, sendo este parte constitutiva da mesma. Tem-se então por definição que:
la sociedad civil incluye a todos los grupos organizados de la sociedad que
son ampliamente independientes del Estado, que actúan sin recurrir a la
violência (...), que basicamente no tienen fines de lucro y que luchan por
conseguir asuntos de interés público. (...). Los actores de la sociedad civil
más bien están relacionados de múltiples modos con las instituciones del
Estado democrático y se entiendem a si mismos com factores de correción
de la sociedad de mercado (LAUTH, 2000: 196)
Assim sendo, a sociedade civil não está livre de conflitos internos ou de conflitos com o
Estado.
Visto sobre perspectiva da partilha de poder, atores e instituições estatais no
interior de uma democracia são forçados constantemente a respeitar,
proteger e dividir o poder com atores e instituições civis, assim como os
cidadãos vivendo em uma sociedade civil heterogênea que contém
instituições protegidas do poder estatal são forçados a reconhecer as
diferenças sociais e a partilhar o poder entre si (KEANE apud ALVES,
2004: 10)
4
“uma sociedad civil que funcione necesita que, a fin de cuentas, su existencia sea garantizada por la
institución del Estado de derecho (LAUTH, 2000, p.195).
38
Ela não é fim em si mesma, mas relaciona-se com o desenvolvimento da política e da
economia. Melo (2002) acrescenta e acentua a sua importância na consolidação da
democracia.
3.2 MOVIMENTOS SOCIAIS, ONGS E ESTADO
No Brasil, o termo organização não-governamental (ou ONG) surgiu para designar as
organizações que surgiram do seio dos movimentos sociais no final nos anos 70 e início dos
anos 80. (SCHERER-WARREN, 1999)
Para Montaño (2003), as ONGs surgiram inicialmente com o intuito de contribuir à
articulação entre os diversos movimentos sociais, captar recursos para os mesmos e, ainda,
para colaborar à melhor organização interna destes. Elas surgiram, então, enquanto atores
coadjuvantes em uma arena liderada pela luta dos movimentos sociais.
Fato é que ‘ONG’ constitui hoje uma denominação “vaga” e “residual” (CARVALHO, 1999),
podendo ser possível enumerar sob o seu domínio uma infinidade de organizações sociais que
nem são estatais nem mercantis; são privadas, mas sem visar o lucro e que possuem objetivos
públicos e sociais. Reporta-se, pois, a um conjunto extremamente heterogêneo e amplo de
entidades, mas corre-se o risco de, por ser um título genérico e impreciso, contribuir para que
se tenha uma imagem de homogeneidade deste campo de organização de entidades.
Segundo Fernandes (1994) estas organizações têm, historicamente, sido caracterizadas
enquanto privadas com função pública; privadas, mas sem fins lucrativos e com fins
característicos do serviço público, apesar de não serem governamentais.
39
Em meados da década de 80, segundo Alves (2002), com o fim da ditadura militar e
conseqüente início do processo redemocratização do país, os movimentos sociais perdem seu
principal adversário (o Estado)
5
e com a Constituição de 1988 e a conquista de diversos
direitos que eram até então negados à sociedade civil, a agenda de tais movimentos sofreu
esvaziamento gradativo.
Este processo de reestruturação do país e, ainda, a diminuição dos recursos internacionais para
os países latino-americanos em função da crise externa (MONTAÑO, 2003) contribuíram
para que a ótica da relação entre os movimentos sociais e as organizações não-governamentais
fosse modificada, ganhando a segunda as ONGs - importância relativamente maior que o
primeiro os movimentos sociais.
Todas estas mudanças culminaram em um processo de reestruturação das próprias
organizações não-governamentais. Nestas ocorreu a profissionalização crescente. Como
conseqüência disto, o que antes era um serviço puramente voluntário passou a ser uma
profissão e, também, as ONGs mais ativas começaram a encontrar dificuldades em conciliar
sua atuação junto ao Estado (face técnico profissional) e junto às lutas sociais mais amplas
dos movimentos sociais (face de mobilização social). (TEIXEIRA, 2002)
Logo, a década de 90 é caracterizada pela descrença em relação à ação transformadora dos
movimentos sociais. (LOUREIRO, 2003) É neste período que se consolida a crença de que as
atividades de interesse público poderiam ser exercidas pelas ONGs, fora dos governos.
Nos anos 90, as interações das ONGs com demais entidades, movimentos e órgãos
governamentais multiplicaram-se, ultrapassando barreiras que antes eram tidas como
intransponíveis. Fernandes (1994) pontua como mudanças significativas deste período: o fato
5
Pois, até então, os movimentos sociais articulavam-se contra o Estado, em busca da redemocratização.
40
das ONGs começarem a competir entre si e contra outras organizações públicas e privadas por
contratos governamentais para dirigir pesquisas e executar trabalhos e, segundo, o fato de que
os novos governantes começam a pedir apoio à sociedade civil organizada para a
implementação de projetos.
As ONGs, por funcionarem sob a lógica empresarial, obtêm recursos e apoio mais facilmente,
conquistam a adesão da população, recebem maior colaboração financeira e mais espaço na
mídia que os movimentos sociais e, conseqüentemente, recebem também maior respaldo e
credibilidade social. Assim, crescem progressivamente em quantidade e número de membros.
(MONTAÑO, 2003)
As agências internacionais de cooperação e de financiamento têm gradativamente atribuído
papel importante a estas organizações e privilegiado a sua participação na execução de
projetos. Há o consenso de que as ONGs são marcadamente flexíveis e inovadoras, além de
preocuparem-se com os custos e eficiência (assim como demais organizações da iniciativa
privada) e de que elas utilizam ferramentas de gestão características do setor privado e estão
próximas dos grupos-alvo das ações. (CARVALHO, 1999) Ainda,
as ONGs podem contribuir para a conformação de novos laços de
sociabilidade e solidariedade entre indivíduos e grupos, para a reconstrução e
ampliação da esfera pública, a busca de uma maior autonomia e eqüidade
social, ao lado de formas de participação que superem os limites dos canais
políticos tradicionais e possam viabilizar um maior controle social do Estado
e um aprofundamento radical da democracia. (CARVALHO, 1999: 137)
É crescente a defesa acrítica do papel das ONGs enquanto executoras de serviços sociais em
nome de uma suposta agilidade operacional, transparência dos gastos e envolvimento com a
sociedade organizada. (LOUREIRO, 2003)
Segundo Carvalho (1999), as ONGs passam a ser valorizadas em uma perspectiva utilitarista,
pois suas atividades são relevantes para: a redução dos conflitos, tensões e problemas
41
associados ao aumento das demandas insatisfeitas ou precariamente satisfeitas pelo Estado; a
diminuição dos gastos governamentais e dos programas sociais implementados pelo poder
público e a diminuição de outros efeitos negativos do ajuste estrutural. Neste contexto,
crescem os apelas à mobilização da comunidade e à ação das ONGs para
que preencham os vazios deixados pelo Estado, substituindo-o na prestação
de serviços e na assistência aos segmentos da população pauperizados. (...)
Contudo, esperar que essa transferência de responsabilidades venha a
propiciar resultados e transformações expressivas no que tange ao
enfrentamento dos problemas sociais do País (...) é algo insustentável.
(CARVALHO, 1999: 168)
Se até meados da década de 80 a relação dos movimentos sociais com o Estado era direta e de
enfrentamento, a partir dos anos 90 esta relação passa a ser intermediada pelo trabalho das
organizações não-governamentais. (LOUREIRO, 2003; MONTAÑO, 2003)
Montaño (2003: 273) é quem melhor sintetiza a atual configuração entre movimento social,
ONGs e Estado. Ele afirma que “da luta (dos movimentos sociais), passa-se à negociação
(entre ONG e Estado), de relação de interesses conflitantes (das organizações populares), à
relação clientelista”.
A relação que as ONGs estabelecem com o Estado e com as empresas de capital privado é de
uma orientação menos de embate e mais de articulação e parceria. (Carvalho, 1999) Teixeira
(2002) salienta que o estabelecimento de parcerias tornou-se, nos anos 90, uma alternativa à
subsistências destas organizações.
A atuação das organizações não-governamentais se desenvolve através ou da realização de
projetos oriundos de ações voluntárias dos próprios membros que a compõem ou da obtenção
de recursos financeiros para a execução de projetos. Quando da necessidade da obtenção de
recursos, recorre-se à estratégia de cooperação e de parcerias com o Estado e com empresas
do capital privado. (LOUREIRO, 2003) A parceria se dá quando as organizações da sociedade
42
civil se tornam executoras de serviços que o aparelho estatal não realiza e delega às mesmas
sob seu direcionamento político e controle.
Para que este processo de abertura de canais de interlocução entre Estado e sociedade civil via
ONGs fosse consolidado, as organizações da sociedade civil passaram por reformulações com
o intuito de aumentar a qualificação de seus quadros. Na transferência de responsabilidades
do Estado para estas ONGs em projetos de colaboração de políticas compensatórias, o ente
governamental busca aproximações com os setores considerados qualificados e eficientes.
(TEIXEIRA, 2002)
Para Loureiro (2003), a escolha destes parceiros por parte do Estado não se dá de forma
aleatória e esta escolha já reflete o posicionamento político do poder público estatal. Esta
escolha relativa aos parceiros não se dá em função do grau de profissionalização
(contradizendo, assim, a assertiva de Teixeira (2002)) ou de capacidade técnica das
organizações não-governamentais, mas em função do jogo de poder político e ideológico em
voga.
Logo, segundo a visão crítica deste autor, as ONGs passam a estar integradas a uma política
governamental, deixando de ser “não-governamental” ou “autogovernada”.
Para Montaño (2003), esta parceria entre movimentos sociais e Estado via ONGs diminui a
autonomia tanto dos movimentos sociais quanto das organizações não-governamentais.
Além disto, as parcerias não se dão com igualdade de poder entre os entes envolvidos, o que
prejudica não só a noção de autonomia de um dos sujeitos, neste caso das ONGs, como
também implica na perda de seu papel crítico.
43
Apesar de as parcerias serem hoje uma crescente realidade, são raras as relações estabelecidas
em que os envolvidos possuem iguais poderes de decisão e que promovam a efetiva
cooperação e gestão democrática. A maior parte delas são firmadas para atender interesses
econômicos e/ou mercadológicos de determinados segmentos empresariais, para atender ao
interesse do poder público estatal ou para atender aos interesses financeiros das próprias
ONGs que “restringem sua prática à prestação de serviços como forma de sobrevivência
institucional”. (LOUREIRO, 2003)
O resultado: drástica (e fatal) mudança na forma e conteúdo das lutas sociais
neste âmbito; mais dócil relação (não conflitiva, mas negociada) com o
capital e com o Estado; despolitização e esvaziamento das organizações
populares e suas demandas sociais agora intermediadas pela ONG.
(MONTAÑO, 2003: 274)
O problema, para Loureiro (2003), reside no fato de que estas organizações que se articulam
na sociedade civil participam apenas na execução das políticas públicas e não do processo de
formulação das mesmas. O que ocorre então é a terceirização de ações que deveriam ser
implementadas pelas agências estatais.
O que há por trás desta prática de estabelecimento de parcerias é a redução dos gastos
públicos na execução de programas sociais, com resultados reduzidos e localizados. Ocorre a
pulverização e fragmentação das iniciativas, desvinculadas das lutas sociais mais amplas.
(LOUREIRO, 2003)
Teixeira (2002), por sua vez, ao analisar a natureza deste relacionamento, delineia dois tipos
de ‘encontros’ que podem acontecer entre ONGs e poder público estatal: o primeiro, seria
caracterizado como sendo uma relação menos formal, envolvendo pressão, monitoramento e
crítica por parte da ONG em alguns casos e, quando possível, proposição, colaboração e
acompanhamento das atividades realizadas pelo governo. A isto Teixeira (2002) denomina de
“encontro pressão”.
44
Nos encontros do tipo “pressão”, não há uma relação orgânica entre os envolvidos. Quando
do estabelecimento de relação com o Estado, esta pode até mesmo ser tensa e de oposição
declarada, assim como poder ser também cordial e de colaboração. Desta forma, como não há
a institucionalização de um laço formal entre os envolvidos, a capacidade críticas das
organizações não-governamentais é preservada.
Ainda segundo esta autora (TEIXEIRA, 2002), um segundo tipo de envolvimento seria aquele
denominado por ela de “participativo”. Nele, ONG e poder público trabalham conjuntamente
e as ONGs participam tanto da elaboração, quanto da execução dos projetos de maneira
efetiva.
Uma observação que se faz aqui a este tipo de encontro é que ele envolve a divisão de
responsabilidades entre órgão governamental e ONG, mas não se pode dizer que há uma
relação igual de poder entre ambos. Este tipo de relação pode ser permeado por uma série de
cobranças e avaliações por parte do poder público estatal. Esta relação assimétrica entre estes
atores compromete a autonomia das ONGs e, ainda, como apenas algumas entidades serão
selecionadas para trabalhar com o governo, elas são estimuladas a competir entre si pelo
estabelecimento desta parceria.
Ou seja, neste modelo, ao invés de ser estimulado o fortalecimento de redes entre as ONGs,
há a fragmentação e enfraquecimento político.
Um risco que Teixeira (2002) vê nesta “onda” de aproximação entre sociedade civil e Estado
é o da cooptação, com a tendência à configuração de entidades mais técnicas e menos
políticas. Para Loureiro (2002), é fruto desta nova dinâmica de estabelecimento de parcerias a
pouca participação do cidadão e do militante na vida das entidades. Isso contribui à
consolidação, nas organizações não-governamentais, de um perfil personificado em torno de
45
poucos líderes que sustentam posições pessoais e não necessariamente as posições das
comunidades em que atuam.
É sempre válido lembrar que o Brasil apresenta uma secular história de
opressão, de dominação política por elites que se beneficiaram da falta de
uma sociedade organizada, capaz de intervir ativamente na formação do
Estado. Logo, uma construção de diálogo entre sociedade civil e governo, e
de ocupação dos espaços sociais pelo movimento ambientalista (construção
da hegemonia ambientalista crítica), que busque a democratização, a
participação e o reforço da cidadania, implica a superação de um Estado
autocentrado e restrito. (LOUREIRO, 2003: 111)
46
4 O MOVIMENTO AMBIENTALISTA BRASILEIRO
Até meados do século XX homem e natureza eram vistos enquanto pólos excludentes no
processo de desenvolvimento da sociedade. A própria noção de desenvolvimento econômico
estava atrelada à de domínio da natureza e esta era, então, vista como uma possível restrição
ao primeiro. O meio ambiente, visto como objeto, era instrumentalizado e tido como meio
para que os fins objetivados fossem atingidos. (BERNARDES; FERREIRA, 2003)
Esta relação de externalidade entre homem e natureza era fruto da idéia da necessidade dos
recursos naturais enquanto fonte ilimitada à disposição da sociedade e de que não deveriam
existir limites ao crescimento econômico. (BERNARDES; FERREIRA, 2003). Além disto, o
ímpeto por uma modernização acelerada, puxada pela industrialização, relegava às questões
ambientais um papel secundário.
Desenvolvimento era sinônimo de crescimento econômico e uma visão pluridimensional que
considerasse os fatores sociais, políticos, culturais e ambientais ainda não se fazia presente
nas sociedades. (SACHS, 2005) Era esta forma de pensar as relações homem-natureza que
reforçava o processo de industrialização com exploração intensa dos recursos naturais.
47
Vivia-se, segundo Guattari (1995), um paradoxo onde, de um lado, havia um intenso e
acelerado desenvolvimento de tecnologias capazes de resolver os problemas relativos à
degradação do meio ambiente e, de outro lado, a incapacidade da sociedade civil organizada
em “apropriar-se” destes meios técnico-científicos com o intuito de utilizá-los para a
preservação.
Em outras palavras, o complexo econômico-científico limitou-se a consumir a matéria-prima
existente na natureza sem, contudo, converter os benefícios adquiridos à mesma. Para Guattari
(1995), este paradoxo tende a diminuir com a crescente mobilização da sociedade em
movimentos e organizações não-governamentais em prol da causa ecológica.
A maior contribuição de Guattari (1995) diz respeito à sua concepção de que para solucionar a
crise ambiental é preciso a ação integrada entre o que ele chamou de “ecologia mental”
(relativa à consciência do indivíduo), “ecologia social” (relativa à natureza das relações
sociais que são estabelecidas) e “ecologia natural” (que diz respeito à relação com a natureza,
propriamente dita).
Loureiro (2003), em consoância, adverte ao fato de que a solução para os problemas
ambientais não se restringe à conversão dos progressos técnico-científico à preservação do
meio ambiente. O uso de tecnologias limpas e a gestão dos recursos naturais também não são
soluções suficientes. O que é preciso é “a reorganização da base civilizacional e da estrutura
política, econômica, social e cultural vigente”.
Em consonância com este autor, não é possível falar em alternativas exclusivamente
tecnológicas para resolver os diversos problemas relativos ao meio ambiente. Para ele,
as causas da degradação ambiental não são determinadas por fatores
conjunturais decorrentes de uma essência ruim inerente à espécie humana
ou de sua ignorância tecnológica, nem as conseqüências de tal degradação
advém do uso indevido dos recursos naturais; mas sim por um conjunto de
48
variáveis interconexas das categorias: capitalismo/ modernidade/
industrialismo/ tecnocracia. Portanto, a discursada sociedade sustentável
supõe a crítica às relações sociais e de produção. (LOUREIRO, 2003: 13-
14)
Assim, o ambientalismo não pode ser visto unicamente como a busca para a solução dos
problemas ambientais, mas deve ser entendido também como o repensar dos campos
econômicos e políticos que determinam tais problemas.
O modelo de desenvolvimento até então adotado (capitalista-industrialista) maximiza o
aproveitamento dos recursos naturais em função do lucro e do poder, não atendendo aos
valores universais ou se preocupando com a maximização da satisfação das necessidades
comuns da sociedade. Assim, o progresso do mercado é confundido com o progresso da
humanidade. (LEIS, 2002)
Um comportamento predatório sempre esteve presente nos padrões de desenvolvimento
vigentes até meados do século XX (SACHS, 2005). O que ocorre no período pós-guerra é o
aumento em intensidade e velocidade da ação antropocêntrica e a firmação de um sistema
político-econômico individualista, pautado na reprodução do capital e crescente consumo de
matéria e energia. (LOUREIRO, 2003)
A crise ecológica global resulta da anarquia na exploração e gestão dos bens
comuns da humanidade por parte de atores políticos e econômicos
orientados por uma racionalidade individualista e instrumental. (LEIS,
2002: 26)
e acordo com Nobre (2002), foi em 1968 que dois livros inauguraram o debate ambiental e
chamaram a atenção da comunidade internacional para estas questões: The Population Bomb,
lançado por Paul Ehrlich e The Tragedy of the Commons de Garrett Hardin. Ambos
generalizaram o argumento malthusiano da explosão demográfica enquanto fator exclusivo
causador de danos ao meio ambiente.
49
Já em 1972 é lançado o livro que irá pautar todas as discussões ambientais na década de 70.
The Limits to Growth, de Dennis Meadows, diferentemente da visão malthusiana precedente,
delineia fatores multicausais que impactam negativamente o meio ambiente, tais como a
crescente industrialização, a má-nutrição em expansão, os recursos não-renováveis em
extinção, além do rápido crescimento populacional. A importância desta obra está no fato de
que foi ela quem introduziu na discussão econômica a noção de finitude pela primeira vez.
(NOBRE, 2002)
Meadows elabora ainda a assertiva de que, ao contrário do que alegava o senso-comum da
época, desenvolvimento não é definido exclusivamente pelo crescimento econômico e que a
busca por um equilíbrio global não é sinônimo de estagnação. O autor sugeria o
estabelecimento de uma condição de estabilidade ecológica em consonância com a economia.
No mesmo ano do lançamento do livro de Meadows ocorre, sob organização do recém-criado
Programa Ambiental das Nações Unidas (Unep), a primeira Conferência das Nações Unidas
sobre o Meio Ambiente Humano em Estocolmo, com o intuito de aprofundar e difundir os
principais problemas da humanidade. Esta evidenciou, pela primeira vez, as conseqüências
decorrentes do padrão de crescimento até então adotado, fato que promoveu não apenas a
intensificação de pesquisas sobre o impacto ambiental das ações humanas, mas impulsionou
também, mesmo que de maneira bastante modesta, as primeiras articulações em nome de um
ativismo ecológico. (MEIRA; ROCHA, 2003)
O encontro teve como desdobramentos: a criação do Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente (PNUMA)
6
, a criação da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o
6
O PNUMA foi criado com o objetivo de desenvolver atividades em favor do meio ambiente, promover
relacionamentos entre governos, cientistas, empresas e outros atores interessados na causa ambiental e agir como
agente catalisador incentivando estes a agirem em busca do alcance de um equilíbrio entre interesses nacionais e
o bem global. (www.brasilpnuma.org.br)
50
Desenvolvimento (CMMAD) que emitiu, em 1982, o relatório ‘Nosso Futuro Comum’
7
e a
criação do Earthwatch Institute
8
.
Houve, ainda, na década de 70, a crise energética (com ênfase ao choque do petróleo)
chamando a atenção do mundo para o caráter limitado dos recursos naturais, a crescente
poluição atmosférica nos países do norte e a fundação do Greenpeace, organização
internacional que ajudou na popularização das questões ambientais.
Segundo Viola (1987), este período é também caracterizado como sendo o da crise do
marxismo enquanto paradigma explicativo da dinâmica da sociedade. O início da crise do
marxismo ocorre, primeiramente, em virtude da crise do bloco socialista e, em segundo lugar,
em função do enfraquecimento do movimento operário e sindical no mundo (o Brasil é uma
exceção nesse contexto), o que contribui significativamente para que a classe operária
perdesse seu papel de vanguarda no processo de transformação da sociedade, dando espaço à
articulação de outras forças sociais.
Até então apenas as articulações dos sujeitos que se davam em torno da esfera econômico-
produtiva eram vistas como legítimas e formadoras do ‘verdadeiro’ movimento social. As
lutas de classes tinham como objetivo sintetizar as demais lutas sociais que, por articularem-
se em torno da esfera política e/ou cultural, eram tidas enquanto menos importantes. A partir
da crise do paradigma marxista, as crescentes mobilizações que, até então eram tidas enquanto
“apolíticas”, ganham espaço e destaque no seio da sociedade civil e o movimento ecológico
emerge fortemente, assim como o pacifista, o de gênero, o de etnias, entre outros. (DOIMO,
1995)
7
Mais conhecido como “Relatório Brundtland’, contribuiu para consolidar a visão crítica dos padrões de
desenvolvimento adotados até então. Tornou-se referência à elaboração de políticas e estratégias de
desenvolvimento compatíveis com o meio ambiente”.
8
O Earthwatch Institute é uma organização não-governamental criada com o intuito de fomentar pesquisas
científicas relativas ao meio ambiente no mundo todo, através da criação de redes de estudantes, professores,
cientistas, voluntários e organizações. (www.earthwatch.org)
51
Segundo Viola (1987), um dos elementos que o movimento ecológico herda do marxismo é a
sua crítica ao utilitarismo, enquanto modelo baseado na competitividade, exploração intensiva
de recursos que são escassos, liberdade enquanto capacidade ilimitada de ação individual e
descompromisso com as gerações futuras.
Os primeiros movimentos ambientalistas surgem nos anos 70 em um contexto de
conturbações políticas, econômicas e sociais, e quando do reconhecimento da dimensão
ambiental do desenvolvimento. (SACHS, 2005; SANTILLI, 2005; VIOLA; LEIS, 2002;
VIOLA, 1987)
No caso brasileiro, acrescente-se a este período do ‘despertar da consciência ecológica’ ou,
nas palavras de Sachs (2005) da “revolução ambiental”, a ascensão da ditadura militar (1964-
1985) responsável pela erosão da confiança da população nas organizações políticas estatais
(KÄRNER, 1987).
No bojo destas mudanças nasce no Brasil um ambientalismo urbano, defendendo valores e
interesses que são universais, com base social pluriclassista (embora concentrado nas classes
médias), composto majoritariamente por indivíduos de médio a alto nível educacional (logo,
formado por uma camada da população bem informada) e integrado por pessoas de diversos
sexos, raças e idades. (CARVALHO; BRUSSI, 2004)
Para Leis (2002), o diferencial deste movimento está em sua extraordinária capacidade de
captar adeptos em todos os espaços da sociedade (vertical e horizontalmente) e em todas as
sociedades. Já Castells (1999) defende que tal movimento conquista posição de destaque em
virtude da sua capacidade de impactar valores culturais e instituições da sociedade, fazendo
com que os mais diversos atores incluem em seus discursos a temática ambiental.
52
Dos países que compõem a América Latina, é no Brasil onde este tipo de movimento nasce
mais cedo. O desenvolvimento do ambientalismo brasileiro passa por três fases que
representam um amadurecimento do movimento: da década de 70 até 1986, quando do início
da democratização do país; de 1986 até início dos anos 90 e uma terceira fase, que ocorre na
década de 90, mais especificamente o período pós-Eco 92. É possível também identificar um
período pré-movimento ambientalista, de caráter eminentemente conservacionista. (VIOLA,
2003; VIOLA; LEIS, 2002; SANTILLI, 2005) Dada a sua importância, é oportuno dedicar
algum espaço à análise.
4.1 AÇÕES DE CARÁTER CONSERVACIONISTA (1920-1970)
O período 1920-70, antecessor ao da constituição do movimento ambientalista no Brasil, pode
ser identificado por uma série de ações pontuais de caráter preservacionista, não configurando
um processo e uma consciência ambiental mais estruturada. Pode-se dizer que este é um
período pré-movimento ambientalista.
Data de 1937 a criação do primeiro parque nacional brasileiro, o de Itatiaia, entre Minas
Gerais e o Rio de Janeiro, seguido da criação dos parques Nacional do Iguaçu e do Nacional
da Serra dos Órgãos, ambos em 1939. “A idéia básica consistia em preservar algumas áreas
naturais e ecossistemas da ação humana destrutiva e de atividades econômicas predatórias”
(SANTILLI, 2005: 26)
Embora longe de constituir-se enquanto ‘movimento’, as ações realizadas neste espaço de
tempo entendiam o meio ambiente enquanto um conjunto de recursos naturais dissociado das
53
pessoas que nele viviam. Esta visão de dicotômica entre homem e natureza impulsionou a
criação de diversas áreas de preservação ambiental principalmente entre 1959 e 1961 no Rio
Grande do Sul, Tocantins, Distrito Federal, Bahia e Piauí. (SANTILLI, 2005)
É marco deste período a criação, em 1958, da Fundação Brasileira para a Conservação da
Natureza (FBCN), com o objetivo de promover a conservação dos recursos naturais,
principalmente das espécies ameaçadas de extinção através da criação de reservas de proteção
à natureza. (FBCN, 2006; PANAFIEL, 2005). Viola (2003) avalia a atuação deste órgão como
tendo sido bastante limitada, sem se preocupar com a opinião pública brasileira (ou a
formação desta) sobre a problemática ambiental.
Estas ações de cunho conservacionista foram freadas pelo golpe de 64. O regime militar,
inspirado pelo desenvolvimentismo, promoveu diversas obras e projetos de grande impacto
ambiental, como usinas hidrelétricas, pólos industriais, estradas, portos e refinarias de
petróleo por todo o país sem a preocupação com as conseqüências de suas ações e seguindo o
padrão de desenvolvimento utilitarista e predatório dos países mais desenvolvidos. Era,
também, foco da política econômica do governo em questão a transferência de industrias
poluentes que, devido à já consolidada opinião pública em relação à questão ambiental nos
países do norte, não podiam instalar-se nestes. (VIOLA, 2003)
É também característico deste período um “ambientalismo de recusa”, com base na negação à
participação política direta ou ao diálogo com o Estado. Este movimento germinal era
composto pelas primeiras articulações pacifistas, antinucleares, hippies e de contracultura.
(LOUREIRO, 2003)
54
4.2 O MOVIMENTO AMBIENTALISTA EM SUA FASE FUNDACIONAL (dos anos 70
até 1986)
O movimento ambientalista deste período é caracterizado por Viola (1987) como sendo
tímido, amador, centrado em ações de denúncia e difusão de uma consciência ecológica por
outros setores da sociedade. Apesar da baixa eficácia das lutas desta época, suas ações
contribuíram enormemente para a conscientização de parcelas da população e, ainda, para
trazer a questão ambiental à mídia.
A principal forma de ambientalismo se daria através da mobilização de comunidades com
apoio financeiro dos simpatizantes, visando impedir a degradação dos meios naturais nos
quais viviam e trabalhavam. Esta primeira articulação da sociedade seria, então,
eminentemente em âmbito local. (CASTELLS apud BERNARDES; FERREIRA, 2003)
Estes primeiros grupos ambientalistas surgiram em decorrência de alguma
questão que adquiriu visibilidade na sociedade e, em geral, duravam menos
de um ano, pois fracassam ao ter que passar da denúncia à mínima
estruturação organizacional, necessária à continuidade das ações. (VIOLA
apud MEIRA; ROCHA, 2003: 06)
O ambientalismo existente no período em questão é, segundo Viola e Leis (2002), composto
por dois setores: grupos de base (ou seja, a sociedade civil articulada) e agências estatais
ambientais. A luta concentrava-se em temas como o controle da poluição e pode-se dizer que
ainda haviam resquícios do preservacionismo do período anterior.
O primeiro indício de ambientalismo no Brasil (e também na América Latina) é de 1971,
quando da fundação da Associação Gaúcha de Proteção ao Meio Ambiente (Agapan) em
Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Seus eixos de atuação eram a defesa da fauna e da flora, o
55
combate à poluição, excessiva mecanização no uso do solo e às destruições “desnecessárias”
da natureza. (VIOLA, 2003; SANTILLI, 2005)
Eram tidos como principais alvos das ações as indústrias poluentes ou projetos de instalação
destas, áreas que sofriam degradações e outras de valor histórico-cultural. Estas ações
implicavam, portanto, em um confronto com uma empresa particular ou agência estatal.
É também fato importante para o período a criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente
(Sema) em 1974, instaurada com o intuito de cumprir exigências dos organismos
internacionais para a aprovação de empréstimos para obras públicas. Apesar desta ser uma
secretaria marginal, que não realizou grandes feitos, a nível federal, sua instituição é marco
para a consolidação do debate da questão ambiental no país. (VIOLA, 1987)
O início da década de 80, período em que se dá o processo de redemocratização do país, é tido
como o de transição ou de politização das ações dos grupos ambientalistas. Há a expansão
qualitativa e quantitativa das associações e, ainda, o início da articulação das mesmas com
partidos políticos e órgãos governamentais. O movimento ambientalista que até então se
articulava no eixo sul-sudeste começa a expressar-se, mesmo que de maneira ainda marginal,
no centro-oeste, norte e nordeste. Se em 1980 existiam cerca de 40 associações de cunho
ambiental no Brasil, em 1985 o número destas associações já era de aproximadamente 400.
(VIOLA, 2003)
Na década de 80 inicia-se o processo de redemocratização política e o movimento
ambientalista participa apenas tangencialmente das articulações da sociedade civil da época.
Apenas em 1984, na campanha pelas diretas, as associações ambientalistas então existentes
articulam-se melhor e participam das mobilizações. Os próprios integrantes do movimento
começam a conceber a questão da ecologia de maneira sistêmica e não mais de maneira
56
isolada das organizações de poder. Têm-se início uma série de encontros regionais com o
intuito de coordenar as atividades, definir prioridades, discutir qual deve ser a relação com os
partidos políticos e como deve se dar a aliança com os demais movimentos. (VIOLA, 2003)
O movimento ganhou gradativamente expressão quando da necessidade de “ecologizar” o
debate no futuro Congresso Constituinte e o texto da futura constituição, através da
articulação da Coordenadoria Interestadual Ecologista para a Constituinte (CIEC).
Da denúncia passa-se à formulação de estratégias e início da análise da eficácia das ações
empreendidas. A opinião pública acompanha este desenvolvimento e passa a ver com mais
seriedade a questão ecológica e as ações realizadas em prol desta.
O ambientalismo radical, expresso em denúncias e na negação e distanciamento das
instituições políticas, progressivamente articula-se com outros movimentos, com o Estado e
os partidos políticos e entra em uma nova fase, a do ambientalismo renovado. (MEIRA;
ROCHA, 2003)
Na década de 70 podia-se identificar, no movimento ambientalista, o tratamento da questão
ecológica de forma isolada das demais questões sociais e no início da década de 80, ainda de
maneira germinal, o início da articulação desta temática com as demais.
No entanto, enquanto “limitações” do movimento ambientalista em sua fase fundacional,
podem-se destacar a falta de conexão com os setores populares ou atingidos pelas práticas
predatórias (SANTILLI, 2005; VIOLA, 2003), o fosso existente entre ambientalistas e
economistas e a falta de coordenação das atividades e rivalidades internas. (VIOLA, 2003)
57
4.3 O MOVIMENTO AMBIENTALISTA EM SUA FASE DE INSTITUCIONALIZAÇÃO
(DE 1986 AO PERÍODO PRÉ-RIO 92)
Em meados da década de 80 são institucionalizados os primeiros grupos ambientalistas no
Brasil com a crescente profissionalização dos mesmos. Da denúncia passa-se à proposição de
ações que possam constituir uma alternativa de reversão do quadro de degradação ambiental e
há a configuração de metas, objetivos e avaliação do desempenho por parte das organizações,
assim como a busca pela captação de recursos junto às ONGs internacionais, aos órgãos
governamentais e associados (MEIRA; ROCHA, 2003)
É neste período que o movimento passa a caracterizar-se enquanto multissetorial, devido à sua
crescente complexificação, e passa a constituir-se de:
a. Associações e grupos comunitários ambientalistas (ambientalismo stricto sensu),
b. Agências estatais (ambientalismo governamental),
c. Outros movimentos sociais que passam a incorporar a questão ecológica em suas
pautas (sócio-ambientalismo),
d. Grupos e instituições que realizam pesquisas nesta área (ambientalismo dos cientistas),
e. Empresas e empresários que pautam seus processos produtivos na lógica da
sustentabilidade ambiental (ambientalismo empresarial),
f. Partidos que passam a formular políticas específicas (ambientalismo dos políticos
profissionais),
58
g. Grupos religiosos que vinculam a dimensão ambiental com a espiritual
(ambientalismo religioso) e,
h. O ambientalismo dos educadores, jornalistas, artistas e demais formadores de opinião.
(VIOLA; LEIS, 2002)
Loureiro (2003) critica este modelo esquemático de apresentação do movimento ambientalista
elaborado por Viola e Leis (2002), pois defende que este nega os diversos interesses presentes
em cada um destes ‘setores’ e as determinações de classe dos mesmos. A apresentação acima,
bastante simplista, elencaria os segmentos sociais que, historicamente, foram incorporando a
questão do meio ambiente em seus discursos.
Castells (1999), por sua vez, elabora uma tipologia dos movimentos ambientalistas bem mais
simples, de acordo com sua identidade, adversário e objetivos. Haveria, então: grupos de
caráter conservacionista e visando apenas a preservação da natureza; o ambientalismo da
mobilização das comunidades locais em defesa do seu espaço; o contracultural (ou ecologia
profunda), objetivando a formação de comunidades alternativas; o dos partidos (política
verde) e a de grandes associações (como o Greenpeace), que visam mobilizar a sociedade
global através de ações de grande impacto divulgadas via mídia.
Importante é atentar ao fato de que o movimento ambientalista é multiforme, caracterizado
por uma diversidade enorme de ações coletivas, descentralizadas e orientadas à formação de
redes (CASTELLS, 1999), possibilitando até mesmo o uso de sua terminologia no plural,
remetendo não a um movimento ambientalista, mas a movimentos ambientalistas.
Ainda em relação a esta crescente multissetorialidade do movimento, tal fenômeno evidencia
a transformação do mesmo de manifestação restrita às elites a um movimento de massas.
(CASTELLS, 1999)
59
Em 1986, ano considerado como marco do amadurecimento do movimento ambientalista,
ocorre o segundo encontro da Coordenadoria Interestadual Ecologista para a Constituinte
(CIEC) composta pelos mesmos Estados que participaram anteriormente do primeiro encontro
com, no entanto, sofisticação do debate. São plataformas do encontro: eco-desenvolvimento,
pacifismo, descentralização das fontes energéticas, qualidade de vida, justiça social e
ambiental, democracia participativa, reforma agrária ecológica, descentralização e
democratização do sistema de comunicação de massas e educação ambiental generalizada.
(VIOLA, 1987)
É possível observar a articulação da temática da ecologia com outros temas, o que reflete o
envolvimento do movimento ambientalista com outros movimentos. Do ambientalismo
“puro” e ingênuo desenvolve-se um ambientalismo de tipo “novo” que, nas palavras de
Santilli (2005), “passou a representar uma alternativa ao conservacionismo/preservacionismo
ou movimento ambientalista tradicional, mais distante dos movimentos sociais e das lutas
políticas por justiça social”. (SANTILLI, 2005: 40)
São outros fatos que representam a politização do ambientalismo: a fundação do Partido
Verde em 1986 (primeiramente no RJ e em seguida em SC), o primeiro encontro nacional de
Entidades Ecologistas Autônomas (em BH/MG), incluindo, pela primeira vez, o Norte,
Nordeste e Centro-Oeste e, por fim, a adoção da questão ambiental por outros partidos
políticos, como o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
60
4.4 O MOVIMENTO AMBIENTALISTA BRASILEIRO DA DÉCADA DE 90
A década de 1990 constitui-se como um momento de inflexão para o movimento
ambientalista brasileiro, pois, devido a instauração de comitês preparatórios à Rio-92, há um
“boom” de novas ONGs ambientalistas, profissionalização das já existentes e há crescente
articulação entre estas e partidos políticos, governos e empresas. É neste ano que se institui o
Fórum Brasileiro de ONGs formado, principalmente, pelo ambientalismo stricto sensu e o
sócio-ambientalismo, com o objetivo de dialogar e traçar um diagnóstico para os problemas
brasileiros.
A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD),
Eco-92 ou Rio-92, reuniu representantes de 178 países com o objetivo de repensar e discutir
as possibilidades de conciliação entre desenvolvimento econômico e meio ambiente. Os temas
em debate foram: camada de ozônio, ar e água, transporte alternativo, ecoturismo, redução do
desperdício e redução da chuva ácida, entre outros.
Este evento foi crucial para a expansão e consolidação das idéias relativas ao ambientalismo
no seio da sociedade brasileira e, ainda, para acelerar o ímpeto associativo dos diversos
grupos interessados na questão. Também, foi de fundamental importância a evidência da
emergência “germinal” de uma sociedade civil planetariamente articulada. (LEIS, 2002).
A Rio-92 constituiu-se enquanto modelo às demais conferências que ocorrem na década de
90. Primeiro, porque ela envolveu, pela primeira vez, maciçamente a sociedade civil (e é por
isso que é importante citar este evento neste trabalho) tanto em sua fase preparatória, quanto
61
na própria realização do evento
9
e, em segundo, em função do caráter de seu texto
declaratório final. Este apresentou um programa de ação pormenorizado (a Agenda 21) e
tratou o tema de maneira integrada, abrangendo temas correlatos, tais como: combate à
pobreza, dinâmica demográfica e sustentabilidade, assentamentos humanos, medidas relativas
às questões de gênero, entre outros. (LINDGREN, 2001)
A conferência, no entanto, recebeu denominações diversas: Eco-92 para os movimentos
ecológicos mais radicais; Cúpula da Terra, para os ambientalistas não-radicais e, por fim, Rio-
92 para os brasileiros em geral. (LINDGREN, 2001)
Segundo Viola e Leis (2002) tem-se como principal resultado deste evento o seu forte e
positivo impacto nos movimentos e ONG ambientalistas, além do avanço no plano simbólico
e de conscientização, com o conceito de sustentabilidade ambiental tendo adquirido
legitimidade nas sociedades participantes do encontro. Por outro lado, ainda segundo estes
mesmos autores, ficou evidente o fracasso ocorrido no plano econômico-político, quando do
não sucesso na articulação de acordos, mecanismos e compromissos, evidenciando o fosso
existente entre o avanço gradativo da consciência ecológica e a paralisia da prática de ações.
A maioria dos países ricos ainda não estava convencida da necessidade de reestruturar o
funcionamento da economia e os modelos de desenvolvimento econômico adotados em prol
do meio ambiente.
Ainda, se por um lado há a consciência de que a problemática ambiental ganhou escopo
global, por outro lado ainda não estão claros quais fatores determinam e que atores
contribuem, de fato, a implementação de práticas relativas ao progresso da questão ecológica.
(LEIS, 2002)
9
Além da conferência intergovernamental houve, ainda, o Fórum Global da sociedade civil organizada, com
agenda ampla e atores diversificados.
62
4.5 PERSPECTIVAS
Como tendência do ambientalismo brasileiro pode-se apontar a consolidação do movimento
enquanto multissetorial, com a aproximação e interação cada vez maior entre os diversos tipos
de ambientalismo e aprofundamento das relações entre este movimento e outros, como o de
gênero, o de etnias, o de direitos humanos, entre outros. (VIOLA; LEIS, 2002)
Além disto, é passível de ser observado a constituição de uma network internacional nos mais
diversos níveis da ação ambientalista. O “poder” do movimento é fruto de sua capacidade de
articular atores com interesses diversos e dos mais diversos contextos. (LEIS, 2002)
Tanto para Castells (1999) quanto para Loureiro (2003), os problemas ambientais mais
simples ainda estão longe de serem superados, pois para tal é preciso patrocinar a mudança
nos padrões produtivos e de consumo, bem como transformação da organização social e da
vida de cada um. O movimento, no entanto, só poderá ser exitoso com a convergência entre
ecologia e economia, o que implica muito mais do que o uso da razão instrumental, mas
também uma mudança no comportamento, mentalidade e valores de todos, sejam estes
pertencentes à esfera privada, pública ou pública não estatal.
A ecologia exige que a Terra seja considerada como um bem comum e, em
conseqüência, que a humanidade busque e encontre valores de convergência
global, com maior poder de persuasão que os interesses particulares
existentes, a fim de permitir o surgimento de instituições e regras às quais a
diversidade de atores aceite se subjugar. (LEIS, 2002: 24)
Apesar de todo esse processo evolutivo do movimento ambientalista no Brasil, parece não ter
havido uma correspondente tomada de consciência na mesma escala por parte do Estado, da
própria sociedade e, principalmente, das empresas. Loureiro enfatiza esse posicionamento ao
dizer que “o sentido oficial que é dado à problemática ambiental se caracteriza como algo
63
irrelevante para a maioria da população, que não possui as condições materiais básicas para a
sobrevivência”. (LOUREIRO, 2003: 21)
Ou seja, mesmo sendo o discurso sobre o ambientalismo transversal e teoricamente aceito por
amplos setores da sociedade, a sua práxis está, ainda, longe de ser alcançada.
64
5 DAS ENTIDADES BAIANAS
Para a análise da natureza da relação entre ONGs ambientalistas e Estado foram escolhidas
duas organizações baianas: o Grupo Ambientalista da Bahia (ou Gambá) e a Fundação
OndAzul (FO).
De acordo com Melo (2002), existem cerca de 32 entidades ambientalistas atuando no cenário
baiano. No entanto, quando observado o cadastro das associadas regionais à Associação
Brasileira de Organizações não Governamentais (ABONG) apenas 07 entidades configuram
na listagem.
As entidades acima apontadas são representantes típicas do movimento ambientalista baiano,
configuram entre as mais atuantes no mesmo, além de serem representantes de trajetórias
bastante distintas deste movimento. (MEIRA; ROCHA, 2003)
Enquanto o Gambá surge no bojo das primeiras articulações do movimento ambientalista no
Brasil no início da década de 80, a FO nasce no período pré-Rio 92, em um contexto
caracterizado pela intensa proliferação deste tipo de entidade. Enquanto a primeira
desenvolve-se em consonância com os estágios já apresentados do movimento ambientalista
65
brasileiro, com todas as dificuldades e enfrentamentos característicos; a segunda nasce em um
contexto distinto, onde o espaço de articulação do movimento ambientalista dentro da
sociedade civil já está consolidado.
O que se pretende a seguir é observar a trajetória de tais organizações e analisar quais as
concepções políticas que norteiam seu posicionamento acerca da possibilidade de
relacionamento entre ONGs ambientalistas e o poder público estatal
5.1 O GRUPO AMBIENTALISTA DA BAHIA (Gambá)
O Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá) foi institucionalizado em 1982, inicialmente com
12 integrantes que já se mobilizavam desde 1980, quando ainda era bastante incipiente o
movimento ambientalista na Bahia. À época de sua criação apenas o Grupo de Recomposição
Ambiental (Gérmen), oriundo da articulação dos estudantes da Faculdade de Arquitetura da
Universidade Federal da Bahia, criado em 1981 e o Comitê de Defesa da Amazônia existiam.
O Gambá encaixa-se na assertiva de Viola (2003: 06) que diz que “a maioria das associações
vivem uma primeira fase de sua existência sem estruturação jurídica, sendo somente depois de
um ou dois anos de atividades como grupos que se organizam na forma de associação
jurídica”.
O objetivo inicial era o de congregar pessoas com preocupação relativa ao meio ambiente
para a realização de um trabalho coletivo. Procurava-se obter uma interferência qualificada
nos espaços de denúncia e de discussão das políticas ambientais. No início dos anos 80 houve
66
a politização de temas referentes à Amazônia e o grupo surge chamando o foco das discussões
às questões locais. O alvo das ações é local, ou seja, na Bahia.
A entidade participou, quando de sua fundação, por exemplo, do processo de discussão em
torno da criação da primeira Legislação Ambiental na Bahia (suas leis e instâncias dentro do
poder público) e da luta pela reorganização do Conselho Estadual do Meio Ambiente, que à
época já existia, mas não contava com a participação da sociedade.
Condizendo com a trajetória do movimento ambientalista no Brasil, as primeiras mobilizações
tinham como objetivos a denúncia, os protestos contra ações degradantes que vinham sendo
empreendidas e a conscientização da população em relação à questão ambiental.
Geralmente, nesta fase, a eficácia das lutas ambientalistas é muito baixa em
termos de ganhos precisos, mas é significativa se considerarmos a
ecologização da mentalidade de contingentes qualitativamente importantes
na população. A degradação ambiental não é detida e muito menos revertida,
mas a percepção da degradação aumenta na sociedade. Como corresponde a
qualquer processo de ação coletiva, é no transcorrer dessas lutas que vai se
constituindo a identidade coletiva do movimento ambientalista. (VIOLA,
2003: 06)
O meio ambiente, desde o início das mobilizações, era entendido não só como composto pela
fauna e flora, mas também pelo ambiente urbano, físico e social, ou seja, sendo constituído
por diversos ambientes.
O Gambá participou de lutas historicamente importantes no cenário baiano, como: a dos
moradores do bairro de Roma contra as ações da fábrica de chocolate Chadler (de 1983 a
1994); da preservação da Lagoa do Abaeté (1983); contra a poluição das praias e
reivindicação de esgotamento sanitário (1985); da preservação do Rio São Francisco (1987);
da democratização do Conselho Estadual do Meio Ambiente (1989 e 1994) e contra o uso do
metanol na gasolina (1989). Como é possível observar, desde o início de sua atuação, as lutas
cobriam um espectro bastante variado de temáticas relativas ao meio ambiente.
67
O Gambá tem como missão a conservação, preservação, recuperação e recomposição do meio
ambiente. Para tal, a ONG em questão se propõe a: participar da elaboração e implementação
das políticas públicas na área de desenvolvimento e meio ambiente; velar pelo cumprimento
da política e legislação vigente em defesa do meio ambiente; estudar e propor novas leis e
mecanismos de proteção do patrimônio natural, histórico, artístico e cultural; promover
eventos e outras atividades de educação ambiental e campanhas maciças que contribuam para
o esclarecimento da população sobre as questões ambientais e, ainda, desenvolver projetos
que contribuam na busca de soluções para os problemas ambientais.
Conforme seu estatuto, o Gambá está estruturado da seguinte forma: assembléia geral,
instância máxima deliberativa que se reúne uma vez por ano; conselho diretor, órgão
normativo e deliberativo da entidade formado por três membros eleitos trienalmente; conselho
consultivo, órgão de assessoramento da entidade; coordenação executiva, órgão colegiado
executivo composto por três coordenadores escolhidos pelo conselho diretor e, por fim,
conselho fiscal, que é o órgão fiscalizador da gestão financeira do Gambá.
Nos anos 90 outras ações foram empreendidas, tais como: luta contra a exploração de Urânio
no interior da Bahia (1990); questionamento da ampliação do Pólo Petroquímico de Camaçari
e suas conseqüências para a região (1990); participação na criação da Assembléia Permanente
das Entidades em Defesa do Meio Ambiente (Apedema, 1991); preparação da Eco-92 (1992);
luta pela preservação do Parque Nacional da Chapada Diamantina (1994); luta contra a
expansão da monocultura do eucalipto no extremo-sul da Bahia (1995); participação na
revitalização do Parque Metropolitano de Pituaçu (1995); criação do Fórum do Controle
Social do Bahia Azul, com o intuito de denunciar as ações deste projeto de saneamento na
68
Bahia (1996); realização de campanha Paralela Sempre Verde para a preservação dos
remanescentes de Mata Atlântica na Avenida Paralela em Salvador (2001), entre outras ações.
Segundo um de seus fundadores, Renato Cunha, até o início da década de 90 as atividades
eram realizadas eminentemente por militantes. Havia reuniões semanais, onde as propostas de
ações eram lançadas pelos membros e tentava-se criar uma agenda ambiental. Com o aumento
da demanda por ações dos próprios integrantes, da preocupação com as questões ambientais
em toda a sociedade e a crescente incorporação da temática por governos e empresas, surgiu a
necessidade de dar mais consistência e dinâmica aos trabalhos realizados. Com esta ampliação
das ações e a necessidade de buscar recursos para a execução dos projetos (a taxa de
associação era meramente simbólica), a profissionalização tornou-se uma crescente
necessidade.
Admite-se aqui como profissionalização: o estabelecimento de um corpo técnico e
administrativo pago através da captação de recursos financeiros, o estabelecimento de
objetivos organizacionais precisos, metas concretas e avaliação sistemática de desempenho
dos projetos realizados. (MEIRA; ROCHA, 2003)
No bojo destas transformações foi criada uma secretaria de apoio aos trabalhos, que
funcionava na sede do Sindicato dos Engenheiros; entretanto, o impulso à profissionalização
ocorreu quando do processo preparativo à Eco-92. A profissionalização ‘de fato’, só ocorreu
em 1995, quando os coordenadores passaram a dedicar-se em tempo integral às atividades da
organização. Criou-se posteriormente uma estrutura administrativa mais ampla e uma sede
própria.
Luiz Roberto Moraes narra melhor este período pelo qual a entidade passou ao dizer que
“surgindo a ‘onda’ de ONGs e a profissionalização das entidades, o Gambá começou a
69
discutir a oportunidade de fazer alguns projetos, o que no ideário de alguns significava sair da
luta de denúncia e partir pra centralizar o esforço em alguns projetos que eram tidos enquanto
importantes”. E continua:
“na virada para fazer o trabalho profissionalizado, pegando dinheiro de
entidades privadas, mas, principalmente, de entidades públicas, diminuiu-se
consideravelmente o outro lado da entidade, que é o lado da denúncia, da
luta social e de estar na rua discutindo as coisas de maneira ferrenha. (...) Na
hora em que o Gambá tomou a atitude de entrar pela linha do projeto, na
hora dessa decisão, isto já representou um distanciamento do que a gente
fazia antigamente”.
Esta nova proposta de atuação da entidade se configura enquanto qualitativamente diferente
daquela existente quando da criação da entidade. Quando houve o foco na profissionalização,
houve, conseqüentemente, o refluxo de sua participação na luta social, embora está não possa
ser caracterizada como inexistente.
Segundo os fundadores entrevistados, a atuação dos militantes tem diminuído bastante nos
últimos anos, mas este fato pode ser entendido enquanto uma tendência geral da sociedade
brasileira e não apenas como algo que tem ocorrido apenas no Gambá. Renato Cunha e Luiz
Roberto Moraes apresentam, então, um paradoxo: enquanto as questões ambientais e as
demandas pela mobilização social são crescentes, o voluntarismo e a militância têm
diminuído. Obviamente, se o número de militantes da causa ambiental fosse maior, as
possibilidades e capacidade de intervenção qualitativa aumentariam.
Renato Cunha explica que a entidade possui “linhas de trabalho”, o que quer dizer que “tem
um pessoal que acaba se envolvendo só em projetos e há um outro tipo de ação que é a ação
mais política de intervenção na sociedade. Estas se complementam”. Isto significa que as
atividades não se resumem à execução de projetos, mas perpetuam-se em outras ações
políticas que são realizadas.
70
Torna-se claro que os projetos não são a atividade-fim do Gambá. Os mesmos são a
conseqüência de um trabalho político prévio realizado. A sua missão não é a de fazer projetos,
mas “intervir na qualidade de vida das pessoas e no modelo de desenvolvimento adotado pela
sociedade”, afirma Renato Cunha.
A realização de projetos é uma forma de levantar recursos para o funcionamento da
organização, mas Renato Cunha adverte que hoje o angariamento de recursos torna-se cada
vez mais difícil, uma vez que eles são majoritariamente destinados àquelas entidades que são
criadas com o objetivo único de realizar projetos, sem ter foco na luta social. Há muitas
entidades no cenário baiano com o caráter de braço executor de política pública do Estado.
Ele afirma: “ao invés de criar uma empresa de consultoria, você cria uma ONG de
consultoria. Há várias entidades assim, inclusive aqui na Bahia”.
Os projetos realizados pelo Gambá são propostos pelos próprios membros da entidade; além
disto, há o atendimento a editais governamentais. Após a proposição, são identificadas
potenciais fontes de financiamento que vão desde o poder público (federal e estadual) até
entidades internacionais. Uma parcela muito pequena do financiamento é proveniente de
empresas privadas.
Quando existem trabalhos que envolvem diretamente a política pública governamental,
sempre haverá uma relação, direta ou indiretamente, com o governo (em todos os níveis), pois
é ele o responsável por estas. Cunha afirma que, apesar dos possíveis envolvimentos com os
entes governamentais, os membros da organização possuem a percepção política de que o
Gambá tem “total autonomia, possibilidade de crítica e até mesmo de trabalhar junto”. Moraes
complementa o delineamento do posicionamento da entidade ao dizer que “mesmo
profissionalizados, mantemos nossa ética ambientalista e posicionamento crítico”.
71
Esta série de afirmações acerca do caráter independente, firme e crítico do Grupo
Ambientalista da Bahia evidencia que, apesar da crescente tendência de estabelecimento de
parcerias com o poder público estatal e de flexibilização do caráter crítico de tais entidades, a
entidade tem trabalhado para preservar as características que possuía no contexto de lutas no
qual surgiu e que lhe são próprias.
O relacionamento entre ONGs ambientalistas e poder público, sob a perspectiva do Gambá,
será, portanto, sempre uma relação autônoma, pautada em um relacionamento pontual e
estratégico. Esta relação não pode ser caracterizada enquanto parceria orgânica, onde entidade
e governo estão sempre juntos. Em determinados momentos a convergência de idéias
possibilita um trabalho em conjunto, enquanto em outros momentos a divergência leva ao
embate político.
A autonomia é vista pelos dirigentes como uma premissa à realização dos trabalhos. Em
função desta postura independente, a organização encontra dificuldades em levantar recursos
frente aos agentes públicos. Afinal, o governo escolhe as organizações com as quais irá
trabalhar de acordo com a sua estratégia política e ele, dificilmente, irá buscar como aliado
uma entidade caracterizada por possuir uma postura crítica frente às suas ações.
Renato Cunha afirma que “por causa deste posicionamento [crítico da organização], fica até
complicado angariar recursos, pois temos uma posição firme e crítica e o governo não vai dar
recursos pra quem vai brigar com ele mesmo. Então a gente tem dificuldades, inclusive de
captar recursos junto aos agentes públicos”.
As entrevistas evidenciaram, por outro lado, um posicionamento fragmentado dentro do
Gambá: enquanto há um grupo que possui uma visão mais otimista e voltada à
profissionalização, existe um outro grupo com posicionamento mais crítico e pessimista em
72
relação, principalmente, no que diz respeito à capacidade de manter a autonomia frente às
parcerias estabelecidas com o governo e outros órgãos financiadores. Para os que defendem o
foco na luta política e na denúncia presencial dos militantes, a opção pela profissionalização e
foco na execução de projetos representa um claro distanciamento em relação ao que a
organização fazia inicialmente. Ainda, o foco nos projetos e a busca por financiamentos
externos possibilita que estas agências financiadoras influenciem, de alguma forma, as ações
empreendidas.
Para Moraes, “ao fazer um projeto financiado pelo Governo do Estado ou pelo Governo
Federal, eles irão querer como contrapartida que a gente se cale, que a gente se afine com eles
em determinadas bandeiras. (...) Contudo, mesmo profissionalizados, mantemos nossa ética
ambientalista e posicionamento crítico”.
Renato, por outro lado, vê a profissionalização e o estabelecimento “crítico” de parcerias
como uma realidade crescente e inevitável.
Este debate interno demonstra que o Gambá representa hoje uma realidade bastante complexa,
fruto de sua trajetória de aproximadamente 25 anos. Estas diferentes perspectivas, no entanto,
não caracterizam uma cisão interna à organização, mas a coexistência de duas lógicas de ação
que, em um processo dialético, direcionam as atividades realizadas.
Ainda, o Gambá procura constantemente o estabelecimento de parcerias e o entrosamento
com as demais entidades do movimento ambientalista baiano. Este, apesar de ser atualmente
bastante difuso, possui a unidade das principais organizações, apesar de que em determinados
momentos haja um não-alinhamento entre elas. Não há cisão interna no movimento, ou
maiores dificuldades de diálogo e articulação entre as ONGs.
73
Tem-se como premissa básica, segundo os entrevistados, além da realização de trabalhos em
consonância com o movimento ambientalista, a busca de crescente articulação com os demais
movimentos sociais, tais como: o movimento dos trabalhadores (através dos sindicatos), de
bairro, indígena, camponês e de pescadores. Esta articulação depende do projeto a ser
realizado, mas ela é sempre vista como desejável e importante à boa execução das atividades.
A realização de trabalhos junto às comunidades atingidas ou interessadas em determinadas
temáticas é essencial e condiz com a tendência apontada por Santilli (2005) de crescente e
progressiva articulação entre os diversos movimentos sociais no seio da sociedade.
Da mesma maneira, segundo os entrevistados, o Gambá é constantemente procurado por
outras organizações, ambientalistas ou não, para a consecução de atividades. O Gambá
ajudou, inclusive, na fundação de diversas entidades ambientalistas menores tanto em
Salvador quanto em seu interior, o que indica que esta organização representa um referencial
para instituições emergentes.
Já com o empresariado (tanto as indústrias, quanto os empreendimentos turísticos, de
mineração, entre outros) o relacionamento é bastante diferente, havendo um constante
confronto com as principais empresas poluidoras. O Gambá faz um constante monitoramento
das atividades realizadas por estas empresas e ora são realizadas críticas à mesmas, ora são
feitas proposições à consecução de alguma atividade em conjunto com o objetivo de
minimizar o impacto no meio ambiente.
Ficou claro, então, que o Gambá adota um posicionamento bastante independente e crítico em
relação às instâncias governamentais e ao empresariado. Em alguns momentos este
relacionamento é pautado por divergências e culmina inevitavelmente no confronto; em
outros momentos, move-se no sentido de realização de alguma atividade em conjunto, mas
74
procurando sempre manter um certo distanciamento, para que tal relacionamento não se
constitua enquanto orgânico.
5.2 A FUNDAÇÃO ONDAZUL (FO)
A Fundação OndAzul nasce em 1990 em Salvador/BA, como uma iniciativa individual do
artista Gilberto Gil, com o intuito de promover e participar de ações que visavam a
preservação, conservação e otimização do uso sustentado das águas e dos ecossistemas
associados. A Fundação é decorrente de um movimento iniciado um ano antes por seu
fundador, denominado Movimento OndAzul, quando Gilberto Gil, em seus shows, iniciou um
trabalho de sensibilização do seu público, discursando sobre a questão ambiental.
Nos primeiros três anos, as atividades foram financiadas basicamente pelo seu fundador e,
diante da escassez de recursos, as atividades foram interrompidas em 1992. Neste período, a
FO pode ser caracterizada como sendo uma instituição voltada à realização de campanhas.
Neste contexto, a Fundação é pioneira em campanhas relativas às praias e no uso intensivo da
mídia. (MEIRA; ROCHA, 2003)
A questão ambiental é vista por seus membros enquanto uma questão cultural. Ou seja, cuidar
do meio ambiente requer sensibilização, mudança de visão do mundo e mudança de
comportamento. A comunicação é, neste contexto, recurso vital para o alcance destes
objetivos. Esta visão do trato a ser dado ao meio ambiente, da necessidade de mudança de
comportamento para a promoção do desenvolvimento ambiental, condiz com as idéias
apresentadas defendidas por Loureiro (2003).
Em 1998 Gilberto Gil, fundador da FO, faz um esforço de ampliação e melhor estruturação da
entidade para que ela possa se auto-sustentar. Em seguida, ele engaja-se no Partido Verde e na
75
política brasileira tendo sua atuação na organização bastante diminuída. Assim, os trabalhos
da entidade são retomados com a ampliação o seu espectro de atuação para além da questão
das águas, incluindo ações orientadas, por exemplo, ao ordenamento territorial urbano, à
reutilização de resíduos sólidos, ao reflorestamento e à geração de renda em comunidades
carentes. (MEIRA; ROCHA, 2003)
Neste ano há a abertura do escritório no Rio de Janeiro e no seguinte as atividades em
Salvador são retomadas. A Fundação é hoje constituída por um presidente e um vice-
presidente, que são os responsáveis pelo planejamento das ações a serem implementadas em
Salvador e no Rio de Janeiro. Há um conselho fiscal (03 membros), um conselho técnico e
científico (09 membros) e um conselho curador (09 membros). Existem, ainda, dois
coordenadores regionais, um em Salvador e o outro no Rio de Janeiro e em cada escritório há
um coordenador de projetos e um coordenador administrativo, ambos respondendo aos
respectivos coordenadores regionais.
A FO, por ter sido institucionalizada em um contexto em que as ONGs de maneira
generalizada passavam por um intenso e acentuado processo de profissionalização, não
trabalha com voluntariado. Armando Almeida, seu atual presidente, afirma que
é complicado trabalhar com voluntariado. Voluntariado funciona muito bem
como um plus a um projeto ou em um trabalho muito bem datado e de curta
duração. Numa campanha funciona bem o trabalho com voluntariado. Nestes
casos, quando a gente faz [campanha], e hoje a gente quase não faz, a gente
chama, convoca e muitas pessoas se oferecem para ser voluntários.
E continua:
não dá pra ficar contando com voluntariado. Não tem um ditado velho que
diz “cavalo dado não se olha os dentes”? É a mesma coisa! Você não pode,
não tem como exigir de uma pessoa que está como voluntário a mesma
coisa que de uma pessoa que está como profissional e recebe para isso.
O trabalho com o voluntariado é visto como sendo “complicado”. Atualmente cogita a
possibilidade da procura de trabalho em conjunto com o “voluntariado profissionalizado”. Ou
76
seja, neste caso trabalha-se com uma ONG especializada na identificação daqueles projetos da
entidade nos quais o uso de voluntariado possa ser positivo. Em seguida, é esta própria
entidade que apresenta o voluntário à organização à que presta o serviço.
O que se procura com esta prática é “perseguir um profissionalismo”. Prioriza-se, portanto, a
busca de colaboradores com perfil técnico e com comprovada competência profissional.
Quando do trabalho em conjunto com ONGs locais (ou seja, do lugar aonde o projeto será
realizado) e menos (ou não) profissionalizadas, são estas que contribuem com o voluntariado.
Hoje é possível afirmar que a Fundação OndAzul é uma entidade é totalmente
profissionalizada (MEIRA; ROCHA, 2003).
Na execução de um projeto pela FO, segundo Armando Almeida, três noções são sempre
perseguidas:
1. O entendimento do terceiro setor e de seu papel. Armando explica o que isto significa:
“a gente vê o terceiro setor como um indutor de políticas públicas. Nosso papel é um
papel no sentido de provocar ações que sejam exemplares. A gente não tem a
pretensão de empreender ações que sejam totalizantes. A gente tem a pretensão de
poder dar exemplos, de poder fazer coisas que possam ser aproveitadas pelo poder
público ou por outras organizações”.
2. Procurar ter um posicionamento sempre pró-ativo. Ou seja, nunca fazer críticas sem
propor uma solução ao problema em questão.
3. Desenvolver capacidade de articulação com os diversos setores (empresariado,
governo e sociedade civil), “ou seja, se a gente identifica um problema e se nele
podem contribuir os três setores, a gente faz um esforço no sentido de garantir essa
77
convivência. E isso a gente tem feito muito, garantindo mais um trabalho de
articulação política do que de resolver problemas pontuais”.
Armando aponta este terceiro item, de busca constante de articulação política com os diversos
setores, a principal característica da Fundação OndAzul.
A organização se autodenomina enquanto indutora de políticas públicas e possui como meta
tornar-se uma das cinco maiores ONGs ambientalistas do Brasil. Seu campo de atuação é
nacional, enquanto o do Gambá é estadual.
Como é possível observar no site institucional da organização, são realizadas constantemente
parcerias com a iniciativa privada. Foi criado o Conselho Azul, formado por um grupo de
empresas que contribuem financeiramente com a organização, para que a mesma custeie suas
atividades. São membros deste conselho, por exemplo, a Petrobrás, a Varig, ESSO, Shell,
Rede Globo de Televisão, empresa OI de Telecomunicações, Grupo Ipiranga, entre outras
diversas organizações de capital privado. Na articulação com o empresariado nacional, assim
como na articulação com o Governo, tanto na esfera Estadual quanto Federal, a busca do
diálogo é uma constante.
De acordo com seu presidente, a percepção política da FO no que diz respeito às relações
entre ONGs ambientalistas e poder público estatal é de que a busca pelo diálogo é a
orientação valorizada por excelência. A Fundação não é uma entidade que se pauta no
enfrentamento, mas na busca pela conciliação de interesses. “Subversivo é isto”, afirma
Almeida.
Na entrevista, ficou claro que o objetivo das ações implementadas é o de deixar um ativo à
sociedade, logo há a percepção de que é preciso realizar aquilo que for considerado necessário
78
para o bem da sociedade. “Não tenho nenhum problema em receber [dinheiro do Governo do
Estado] se for pra fazer um trabalho que vá deixar algo para a sociedade”.
Em relação aos demais movimentos sociais, não é realizado nenhum tipo de trabalho
específico tendo foco nesta articulação. O que é mais comum é que tais movimentos
estudantis, de gênero, entre outros demandem o apoio da organização para alguma atividade
o que, quando possível, é feito.
Neste ponto, portanto, a Fundação OndAzul não se enquadra na tendência geral do
movimento ambientalista brasileiro de articulação com os demais movimentos sociais.
(SANTILLI, 2005)
Quando apresentadas as categorias de análise que definem o posicionamento das ONGs,
enfrentamento ou conciliação de interesses, o atual Presidente da FO classificou a organização
na qual trabalha na segunda categoria: a de conciliação de interesses.
A FO, apesar de não realizar projetos encomendados pelos Governos Federal e Estadual,
concorre a editais em âmbito nacional e o grande financiador de suas ações é o Governo
Federal.
A entidade classifica diferentemente, no entanto, as relações de parceria e de financiamento.
Na primeira não haveria nenhum tipo de relação monetária, enquanto na segunda sim.
São realizadas, por exemplo, parcerias com a Universidade Federal da Bahia, onde não há o
envolvimento de dinheiro, mas o empoderamento de ambas as organizações envolvidas. Neste
relacionamento há a intensificação de uma cadeia de trocas e a sociedade também ganha com
o fruto deste trabalho. Já no segundo caso, a FO elabora projetos e apresenta a entidades
financiadoras, tais como o Governo Federal e empresas (como a Petrobrás, por exemplo,
79
apesar de esta ser uma empresa altamente impactante no meio ambiente). Segunda a visão da
Fundação, quando da firmação destes financiamentos externos, não há nenhum tipo de perda
de autonomia da organização ou interferência no caráter do projeto. “É preciso fazer apenas
aquilo que você disse que ia fazer. No caso do [capital] privado, por exemplo, ele quer retorno
da divulgação da marca dele. No mais, este relacionamento não interfere em nada na
autonomia da organização”, afirma Armando Almeida.
Este posicionamento contradiz o de Loureiro (2003), quando o mesmo afirma que ao
estabelecer uma relação com o Governo (seja ele Federal ou Estadual), a organização não-
governamental passa imediatamente a fazer parte de uma política determinada de governo.
Isto incorreria na perda da independência, de capacidade crítica e da autonomia proclamada
por estas organizações.
A multiplicação das ONGs, segundo a visão da entidade em questão, é vista enquanto
processo histórico responsável por uma nova forma de organização da sociedade. As
organizações não-governamentais, no entanto, não são representantes da sociedade civil, mas
parte da mesma em constante processo de organização e reorganização e em movimento. Esta
seria, então, uma outra forma de fazer política que não a partidária: uma outra forma de
consciência política.
80
6 ANÁLISE COMPARATIVA DAS ENTIDADES
O fato de terem sido institucionalizadas em momentos históricos bastante distintos ajuda a
explicar, mas não determina, a percepção política das entidades baianas estudadas (Gambá e
FO) acerca do relacionamento entre as ONGs ambientalistas e o poder público estatal.
O Gambá nasce no bojo na luta da sociedade civil pela legitimação de um espaço de discussão
relativo ao meio ambiente. Ele surge no contexto do regime militar, quando, na Bahia, ainda
não se falava de organizações não-governamentais. Seu posicionamento inicial é, portanto, o
de enfrentamento constante em relação às instâncias governamentais e de denúncia.
Inicialmente, o trabalho era eminentemente militante e a profissionalização que se deu em
meados dos anos 90 foi decorrente da necessidade de melhor estruturar as ações e de captação
de recursos para a sobrevivência.
Apesar da “flexibilização” política trazida pela profissionalização, a entidade procura manter-
se no contexto das lutas sociais e preservar as suas características originais.
O contexto no qual a FO surge é bastante diferente. Esta surge no processo preparatório da
Eco-92, sob a forte liderança e financiamento de Gilberto Gil. Ela já nasce com o intuito de
ser profissionalizada, assim como diversas outras entidades que são oriundas deste período, e
exercendo uma função mais técnica.
81
Estes contextos distintos contribuem à formação de entidades ambientalistas com diferentes
perfis: enquanto a FO é totalmente profissionalizada e não trabalha com o voluntariado, o
Gambá é parcial e crescentemente profissionalizado, mas ainda considera importante o papel
da militância, da denúncia e da luta política.
Afirmou-se anteriormente que nos anos 90 as interações entre as organizações não-
governamentais com demais entidades, movimentos e órgãos governamentais multiplicaram-
se, ultrapassando barreiras que antes eram tidas como intransponíveis. Esta tendência pôde ser
observada nas duas entidades, embora de maneira bastante distinta: enquanto o Gambá
articula-se cada vez mais com as outras entidades do próprio movimento ambientalista e de
outros movimentos sociais e conserva uma ‘articulação crítica’ com o empresariado e com o
poder público estatal, é mais característica da Fundação OndAzul a articulação com entes
governamentais e com o empresariado do que com os outros setores da sociedade civil.
Em relação ao empresariado, por exemplo, enquanto o posicionamento da FO pauta-se na
busca constante do diálogo, a posição do Gambá é, majoritariamente, de confronto. A
primeira entidade abriga, por exemplo, o Conselho Azul através da qual diversas empresas,
entre as quais as mais impactantes do meio ambiente como a Petrobrás e a Shell, contribuem
financeiramente com os projetos realizados. O Gambá, ao contrário, atua de maneira bastante
crítica em relação a estas parcerias, apontando constantemente falhas em suas ações. Talvez
por este motivo, o financiamento oriundo do setor empresarial seja maior no caso da FO do
que no Gambá.
No que diz respeito às parcerias estabelecidas com o poder público estatal, os
posicionamentos também são contrários. A FO não vê como problemática esta articulação,
enquanto o Gambá, quando vê como imprescindível tal articulação, faz questão de mantê-la
82
como pontual. Na maioria das vezes, no entanto, a posição é de formulação de críticas e de
enfrentamento.
Retoma-se, pois, neste momento, as hipóteses delineadas no início do trabalho para uma
possível análise das mesmas.
Hipótese a: O Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá) tem adotado uma postura de
enfretamento frente ao poder público estatal. Esta postura seria fruto do seu envolvimento
histórico com o movimento ambientalista brasileiro. Isto significa que tal instituição passou
pelas dificuldades pertinentes ao início deste movimento e participou das lutas pelo
reconhecimento de seu espaço na sociedade civil brasileira, consolidando, assim, uma forte
identidade e cultura. Por preservar as características do contexto no qual surgiu, tal entidade
possui hoje uma percepção política crítica no que diz respeito ao estabelecimento de
parcerias.
Verifica-se que esta hipótese é apenas parcialmente correta. Observou-se, através das
entrevistas realizadas com os membros-fundadores da entidade em questão que, em função de
sua historicidade, o Gambá vive hoje uma realidade bastante complexa.
Enquanto alguns setores da organização vêem enquanto positiva e não problemático o
estabelecimento de parcerias com o poder público estatal, outros, baseados na idéia da
necessidade de luta política cotidiana, entendem que tais articulações comprometem a
autonomia da organização.
Segundo Moraes há duas tendências dentro da organização: “uns defendendo que a linha é a
linha da profissionalização e dos projetos e outros querendo resgatar o perfil anterior [de lutas
e mobilizações políticas baseadas no confronto com o poder público estatal]”. As atividades
do Gambá estão, assim, divididas em duas que articulam-se entre si: a decrescente ação
83
política baseada no trabalho militante e a crescente elaboração e execução de projetos. Para os
que atuam na primeira linha, o enfrentamento é a postura primordial. Para os que atuam na
segunda linha, a busca de diálogo é uma premissa que precisa ser atendida.
Percebe-se, porém, que na tentativa de enquadrar o Gambá nas categorias elaboradas por
Teixeira (2002), a entidade encaixa-se no “encontro de pressão” e não no “encontro
participativo”. O primeiro, como já foi dito anteriormente, é caracterizado pela não existência
de um relacionamento orgânico entre entidade e poder público estatal e o relacionamento é
ora permeado pelo confronto e pela oposição declarada, ora por um relacionamento mais
cordial e de colaboração.
Hipótese b: A Fundação OndAzul (FO), por nascer em um contexto distante do das lutas
políticas do movimento ambientalista em seus momentos formadores, possui uma percepção
política menos crítica e mais voltada à conciliação de interesses. A FO adota uma postura
flexível e de diálogo com o poder público estatal com ênfase no estabelecimento de parceiras.
Esta hipótese confirmou-se quando da consecução do trabalho. Quando da realização da
entrevista, foi perguntado em qual categoria analítica - de enfrentamento ou de busca de
diálogo - era possível enquadrar a FO. O seu atual presidente afirmou que a busca de
conciliação de interesses e de articulação política é hoje a grande característica da entidade.
Quando do enquadramento desta entidade nas categorias elaboradas por Teixeira (2002), ela
foi mais facilmente situada no “encontro participativo”, onde a busca da parceria e do trabalho
em conjunto são os traços orientadores das ações. Este tipo de relacionamento compromete a
capacidade crítica da entidade em função da assimetria de poder dos envolvidos e, muitas
vezes, as relações firmadas são quase mercantis.
84
Esta tendência ao estabelecimento de parcerias da Fundação OndAzul não é exclusiva no que
diz respeito ao poder público estatal. Esta postura se estende a todos os outros setores. Como
já foi dito, há, por exemplo, um amplo trabalho sendo realizado com os mais diversos setores
do empresariado, sem grandes discriminações entres empresas poluidoras ou não.
Além disto, constituem-se articulações com as universidades e outras ONGs menores. Esta
articulação só não foi identificada em relação a outros movimentos sociais.
O que está em jogo são as distintas percepções políticas destas duas organizações no que diz
respeito a como devem se portar frente à generalização de estabelecimento de
relacionamentos com os diversos setores.
Montaño (2003: 273) afirmou que “da luta (dos movimentos sociais), passa-se à negociação
(entre ONG e Estado), de relação de interesses conflitantes (das organizações populares), à
relação clientelista”. Esta assertiva, bastante crítica, é apenas parcialmente verdadeira. Ela é é
mais próxima da atuação da Fundação OndAzul, uma entidade desvinculada das lutas sociais
mais amplas; mas não se faz presente na realidade vivenciada pelo Gambá, aonde esta
passagem da luta à negociação, apesar de ser uma tendência crescente, ainda não se deu por
completo.
Um outro ponto importante que precisa ser abordado aqui é em relação às idéias apresentadas,
tanto por Loureiro (2003) quanto por Montaño (2003), de que a escolha dos parceiros por
parte do Estado não se dá de forma aleatória e esta escolha já reflete um viés político por parte
do mesmo. Estas parcerias, por se estabelecerem em desigualdade de poder, colocariam em
xeque a noção de autonomia das organizações não-governamentais além de contribuir à
diminuição da capacidade de elaboração de crítica das mesmas.
85
A Fundação OndAzul não assumiu esta postura. Seu presidente afirmou que a autonomia não
é prejudicada quando do estabelecimento de parcerias com quem quer que seja. No que diz
respeito ao Gambá o posicionamento dos seus fundadores foi diferenciado: enquanto Moraes,
cuja atuação no movimento ambientalista baiano tende a focalizar como prioritárias as ações
de luta política, afirmou que a perda de autonomia é inevitável; Renato Cunha, favorável à
profissionalização da organização e do foco nos projetos, defender que tais articulações em
nada interferem no posicionamento crítico da entidade.
Confirma-se, por outro lado, a tese de Loureiro (2003) de que quando da necessidade de
obtenção de recursos, recorre-se à estratégia de cooperação e de parcerias com o Estado e com
empresas do capital privado em maior ou menos grau.
Continuando o estabelecimento de comparações entre as organizações, enquanto o Gambá
procura articular-se globalmente, mas manter o foco de suas ações no Estado daBahia, a FO
possui campo de atuação nacional e isto é evidenciado em sua pretensão de tornar-se uma das
cinco maiores ONGs ambientalistas do país.
Ainda, ambas reconhecem como principal financiador dos projetos das entidade
ambientalistas o Governo Federal e as duas organizações procuram, sempre que for de
interesse da organização, atender aos editais governamentais.
Paradoxalmente, no entanto, enquanto a FO, apesar de estar mais propícia à formação de
parcerias com o governo estadual, diz não receber financiamento do mesmo; enquanto o
Gambá, contrário à postura adotada por tal governo e tendo um posicionamento crítico em
relação ao mesmo, diz ter como um dos financiadores de seus projetos este governo.
Conclui-se, por fim, que os posicionamentos encontrados são decorrentes das percepções
políticas diferentes que estas organizações sustentam.
86
O posicionamento de enfrentamento, cada vez mais flexibilizado no Gambá em função da
imperativa busca por recursos financeiros, é fruto da formação de uma consciência crítica
adquirida ao longo de 25 anos de mobilizações sociais. A busca pela legitimação de um
espaço próprio de articulação no seio da sociedade civil brasileira pode ser apontada enquanto
uma das razões de sua firme postura. A luta, apesar de estar perdendo espaço, ainda é presente
em tal organização e é responsável pelos confrontos que ainda podem ser identificados.
No caso da Fundação OndAzul, a consecução das atividades dissociada do contexto das lutas
sociais mais amplas faz com a organização busque sempre a conciliação de interesses,
contribuindo à adoção de uma postura menos crítica.
87
Quadro 01 Síntese Comparativa do
Grupo Ambientalista da Bahia e da Fundação OndAzul
Fundação OndAzul GAMBÁ
Campo de Atuação Nacional Estadual
Profissionalização Total Parcial
Uso de Voluntariado Não Sim
Parcerias com outras ONGs Sim Sim
Parcerias com
Universidades
Sim Sim
Parcerias com o Governo
Estadual
Sem Problemas Relacionamento Pontual
Parcerias com o
Empresariado
Diálogo Confronto
Parcerias com os demais
Movimentos Sociais
Não Sempre
Fonte de Financiamento dos
Projetos
Governo Federal e
Empresariado
Governo Federal e Estadual,
Entidades Internacionais e
um pouco do Empresariado
Fonte: elaboração da autora.
88
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo permitiu uma reflexão crítica sobre a percepção política acerca da natureza
das relações estabelecidas entre as organizações não-governamentais e poder público estatal
de duas entidades apontadas como representantes de distintas vertentes do movimento
ambientalista baiano: uma oriunda quando das primeiras articulações do movimento
ambientalista brasileiro na década de 1980 e outra proveniente das articulações pré-Rio 92.
Primeiramente, através deste estudo, foi possível observar a evolução dos paradigmas
explicativos dos movimentos sociais, no qual o objeto do estudo em questão - o movimento
ambientalista - se insere.
Percebeu-se, através desta análise, que o movimento ambientalista enquadra-se na categoria
de novo movimento social. A identidade coletiva formada por aqueles que assumem a causa
ambiental enquanto valor imperativo é o principal fator de coesão social e de adesão destes
indivíduos aos movimentos e às organizações não-governamentais ambientalistas. Esta
identidade é aqui entendida enquanto base para a ação política organizada na direção de uma
transformação social.
89
Além disto, a valorização das relações cotidianas induz crescentemente os indivíduos “a se
sentirem sujeitos de suas próprias ações e a duvidarem dos formatos convencionais de
representação política” (Teixeira, 2002: 120), tais como partidos políticos e sindicatos.
Assim, o cerne do conflito não é mais a dicotomia entre capital e trabalho e os sujeitos
históricos não são mais as classes sociais, mas os atores sociais.
Quando da análise do papel das classes sociais, este posicionamento precisa ser relativizado.
O movimento ambientalista, apesar de hoje ser considerado enquanto pluriclassista, é oriundo
das classes médias e das classes médias altas. Ou seja, articula-se primeiramente entre aqueles
estratos sociais que já possuem suas condições de sobrevivência asseguradas e que, por isso,
podem dedicar-se à causa ambiental.
Em consonância com as afirmações de Kaldor (2004), Soares (2003) e Carvalho (1999), foi
possível observar que as atuais mobilizações não se dão mais em oposição ao Estado como
era característico na década de 80, quando a busca da autonomia frente ao regime autoritário
brasileiro era imprescindível. Esta autonomia era sinônimo de recusa incondicional em
trabalhar em conjunto com o Estado, posicionamento que, na década de 90, em função da
busca pela sobrevivência, começa a ser relativizado pelas ONGs.
Apesar de serem alarmistas as posições adotadas por Montanõ (2003) e por Loureiro (2003)
no que diz respeito ao estabelecimento de uma relação não conflitiva, mas negociada entre
ONGs e Estado e no que tange à despolitização e esvaziamentos das organizações não-
governamentais, pode-se observar que, apesar deste quadro ainda não estar institucionalizado
no seio na sociedade civil, esta é uma crescente tendência da mesma.
90
Algumas organizações, como é o caso do Gambá, procuram manter o seu viés de luta, crítico
e politicamente forte; mas até que ponto esta postura é possível em um contexto em que se
tornou imperativa a concorrência por recursos para a sobrevivência da instituição?
É em função desta luta pela sobrevivência que a relação que as ONGs estabelecem com o
Estado e com as empresas de capital privado é cada vez menos de embate e cada vez mais de
articulação e parceria.
O que está em jogo e o que “guia” as ações das entidades selecionadas para estudo é a noção
de projeto político, aqui entendido enquanto conjunto de crenças, interesses, concepções de
mundo e representações do que deve ser a vida em sociedade e do modo como a política deve
ser feita.
É este projeto político que irá definir como as entidades lidam com os conflitos e os dilemas
de equacionar a sua atuação simultânea com o poder público estatal nos vários níveis (federal,
estadual e municipal) e o conjunto da sociedade civil. É também este projeto que irá definir
quais das faces apresentadas anteriormente por Teixeira (2002), irá ser priorizada nas ações: a
face técnico-profissional ou a face de mobilização social.
No caso do Gambá, apesar de a orientação voltada a projetos ser uma crescente realidade, a
mobilização política e social ainda é vista enquanto imprescindível para se alcançar um bom
resultado das ações e para que o restante da sociedade seja sensibilizado à causa ambiental. A
“denúncia qualificada”, como disse Renato Cunha, é uma faceta importante da ação da
entidade. E ainda, no geral, tenta-se alcançar um equilíbrio entre as faces técnico-profissional
e de mobilização social.
Já para a Fundação OndAzul, têm-se enquanto projeto político a idéia de que a promoção do
bem-estar da sociedade é prioritária, independentemente dos posicionamentos que são
91
necessários por parte da entidade. Em função disto, as parcerias e o trabalho em conjunto com
o poder público estatal são uma constante. Por outro lado, as lutas e a articulação mais ampla
no contexto do movimento ambientalismo e de outros movimentos ambientalistas não é uma
faceta privilegiada da organização.
Em função da concorrência por recursos provenientes do Estado, a FO possui uma estrutura
enxuta e com quadros exclusivamente profissionalizados, sem contar com o trabalho
voluntário ou militante. A face de mobilização social não é importante nesta organização.
Apesar desta tendência à profissionalização, concorrência por recursos e uniformização das
ações empreendidas pelas organizações não-governamentais, confirmou-se, através deste
estudo de caso, que as entidades ambientalistas baianas são bastante heterogêneas. As lógicas
que guiam suas ações podem ser as mais diversificadas e, independente do momento histórico
nos quais surgem, sempre existirão organizações mais predispostas a estabelecer o diálogo
com os setores mais conservadores ou radicais da sociedade que outras.
Confirma-se aqui a constatação de Carvalho (1999) de que apesar de tais entidades se
encontrarem em um mesmo locus da sociedade civil, o terceiro setor é composto por
entidades bastante heterogêneas e que possuem uma lógica de ação e de implementação de
suas atividades bastante diversificada.
No entanto, a histórica atuação das entidades pode ser um dos fatores indicativos de seus
posicionamentos (como é o caso do Gambá), não só em relação ao poder público estatal, mas
também em relação aos demais movimentos ambientalistas, outras ONGs, empresariado e
universidades.
Questiona-se ainda se é possível enquadrar a atuação da Fundação OndAzul enquanto
participante orgânica do movimento ambientalista brasileiro, uma vez que a mesma não a
92
militância política e está desvinculada das demais lutas sociais. A sua dinâmica não provoca a
participação do cidadão e do militante na vida da entidade. Isto, de acordo com Loureiro
(2003), contribui à sustentação, nos projetos executados, de posições pessoais daqueles que
compõem ‘profissionalmente’ a organização e não necessariamente a das comunidades em
que atuam.
Observou no quadro referencial teórico relativo à evolução do movimento ambientalista
brasileiro que não é possível falar em um único movimento, mas em diversos movimentos
ambientalistas. Loureiro (2003: 18) lembra que “o que temos são ambientalismos diversos e
conflitantes e não um ambientalismo monolítico e idealizado”.
O que ocorre hoje é a pulverização e fragmentação das iniciativas do movimento
ambientalista. Como, então, diferenciar o vasto campo de atuação no qual o movimento
ambientalista baiano se move? Renato Cunha dá uma pista à resposta a esta pergunta ao
afirmar que é preciso sempre observar o “espírito que as organizações foram criadas”. É este
espírito que será determinantes do caráter adotado da entidade em questão, assim como será
indicativo de suas percepções acerca de política.
Por fim, identifica-se primeiramente enquanto limitação à realização deste trabalho a escassa
bibliografia produzida a respeito das parcerias firmadas entre movimentos sociais (via ONGs)
com os entes governamentais.
Ainda, pouco foi produzido acerca do movimento ambientalista baiano ou sobre as
organizações estudadas. Desta forma, teve-se que recorrer à identificação das pessoas-chave
destas organizações com o intuito de realizar entrevista com as mesmas. Assim sendo, os
achados desta pesquisa foram baseados na análise das falas dos agentes representantes de tais
entidades.
93
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Desenvolvimento e Cidadania: desafios para as ciências sociais. SP: Cortez; Florianópolis:
UFSC.
VIOLA, E. 2003. O movimento ambientalista no Brasil (1971-1991): da denúncia e
conscientização pública para a institucionalização e o desenvolvimento sustentável. In
mimeo.
______. 1987. O Movimento Ecológico no Brasil (1974-1986): do ambientalismo à
ecopolítica. In: PÁDUA, J. Ecologia e Política no Brasil. RJ: IUPERJ.
97
APÊNDICE ARoteiro de Entrevista
Roteiro de Entrevista:
As perguntas a seguir, referentes à elaboração de uma entrevista semi-estruturada, têm o
intuito de nortear a abordagem do tema. É esperado que as respostas reflitam a perspectiva do
entrevistado.
1. O senhor poderia contar um pouco da história da organização?
2. Qual o foco de ação da organização? Local? Extrapola o âmbito local?
3. A organização trabalha com voluntariado?
Em relação à profissionalização dos quadros:
4. Quando se deu a profissionalização?
5. Qual o sentido da profissionalização? / Com que intuito a mesma foi empreendida?
6. Quais as vantagens / ganhos desta?
7. Houve / há desvantagens?
Sobre o relacionamento com os demais movimentos sociais:
8. Como a entidade relaciona-se com outros Movimentos Sociais (gênero, etnia, estudantil,
etc.)?
9. Há articulação e busca de realização de trabalhos em conjunto?
10. Que tipo de trabalhos é empreendido em conjunto?
11. Sempre houve esta preocupação ou é algo recente?
Sobre o relacionamento com outras ONGs:
12. São procuradas por ONGs (menores) com o intuito de realizar trabalhos em conjunto?
13. São estabelecidas parcerias? Em que condições?
Sobre o relacionamento com as empresas de capital privado:
14. Como se dá a escolha desta parceria? Quais os critérios?
15. Quem propõe o projeto?
Sobre o relacionamento com o poder público estatal:
16. Como vê a crescente tendência das ONGs em se articularem com o Estado?
17. Qual a natureza desta relação? (enfrentamento ou parceria?)
18. Como esta relação tem se modificado historicamente?
19. Acredita que há a perda de autonomia quando desta relação?
20. Vê a ONG enquanto executora de projetos do Estado?
21. Participa da elaboração do projeto ou apenas da fase de implementação?
22. Acredita que com a participação da ONG há maior transparência das ações do Estado?
Sobre os projetos realizados:
23. Qual a origem dos projetos?
24. São propostos pelos membros da organização?
25. São propostos por entes externos (governo, outras ONGs, etc.) e aprovados internamente?
26. Quem participa do planejamento dos projetos?
98
Sobre a fonte de financiamento destes projetos:
27. Qual a fonte de financiamento de tais projetos?
28. Empresas ajudam no financiamento?
29. Qualquer empresa pode contribuir?
30. Dentre as seguintes categorias de análise, em qual o senhor poderia enquadrar o
posicionamento da entidade em que trabalha? Enfrentamento ou parceria?
99
APÊNDICE B Relação dos Entrevistados
Relação dos Entrevistados:
Grupo Ambientalista da Bahia:
Luiz Roberto Santos Moraes Membro-fundador e membro do Conselho Diretor
Renato Cunha Membro-fundador e membro da Coordenação Executiva
Fundação OndAzul:
Armando Almeida - Presidente
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