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Para isto tomou por seu companheiro o irmão José de Anchieta, e um Antônio Luiz, homem
secular; com os quais se embarcou em uma nau de Francisco Adorno, ilustre genovês, homem
naquela terra mui conhecido, rico, e devoto da companhia.
Os bárbaros, a notícia da nau portuguesa, cuidando que ia de guerra, acudiram a suas canoas,
e lhe saíram ao encontro carregadas de flechas; porém o irmão José de Anchieta com uma breve, e
amorosa prática, que lhes fez na sua língua, os quietou, e fez benévolos a sua chegada, e depois com
outras muitas, e principalmente com suas devotas orações, e exemplo, que deu de sua vida em três
meses, que ficou só entre eles, e dois que esteve com o padre Nóbrega, que se tornou para São
Vicente, os reduziu a desejada paz, exceto alguns, que discordes dos mais, e fiados nas armas dos
franceses, continuaram a guerra contra os portugueses.
Estes sucessos previu a rainha d. Catarina quando leu a carta do governador Mem de Sá, em
que lhe dava conta da vitória, que alcançara no Rio de Janeiro, e assim, ainda que lhe agradeceu, e
se houve por bem servida dele, todavia lhe estranhou muito o haver arrasado o forte, e não deixar
quem defendesse, e povoasse a terra, e lhe mandou, que logo o fizesse, porque não tornasse o
inimigo a fazer ali assento com perigo de todo o Brasil; o mesmo lhe escreveu o cardeal d.
Henrique, que com ela governava o reino, e para este efeito lhe mandaram pelo próprio seu
sobrinho Estácio de Sá, que levou a nova, uma armada de seis caravelas com o galeão S. João, e
uma nau da carreira da Índia chamada Santa Maria, a Nova, a que ajuntou o governador os mais
navios que pôde, e quisera ir em pessoa; mas por o povo lho não consentir mandou o dito seu
sobrinho, no ano de mil quinhentos sessenta e três, a quem acompanhou o ouvidor-geral Braz
Fragoso, e Paulo Dias Adorno, comendador de Santiago, em uma galeota sua, que remava dez
remos por banda, e outros capitães, os quais chegando todos ao Rio de Janeiro acharam uma nau
francesa, que lhe quis fugir pelo rio acima, mas os nossos lhe foram no alcance, e a primeira que lhe
chegou foi a galé de Paulo Dias Adorno, em que também ia Duarte Martins Mourão, e Melchior de
Azeredo, depois chegou Braz Fragoso, e outros, os quais entrando na nau, acharam muito pão,
vinho, e carne, e assim a levaram para baixo onde ficava a Capitânia Santa Maria, a Nova, e o
galeão, e o capitão-mor Estácio de Sá fez capitão dela a Antônio da Costa; mas como não há gosto
nesta vida, que não seja aguado, indo uma madrugada três batéis nossos tomar água à ribeira da
Carioca, deram com nove canoas de índios inimigos, que estavam aguardando em cilada, os quais
repartindo-se três e três a cada batel, mataram no da capitânia o contramestre, o guardião, e outros
dois marinheiros, e no do galeão feriram a Cristóvão d’Aguiar, o moço, com sete flechadas, e outros
sete homens, e o levavam, mas Paulo Dias Adorno lhe acudiu à pressa na sua galé, e chegando a tiro
mandou pôr fogo a um falcão, que os fez largar o batel.
Enterrados os mortos em uma ilha, chamou Estácio de Sá os capitães a conselho, e
assentaram, que se fosse a S. Vicente buscar canoas, e gentio doméstico, e amigo, com que melhor
se poderia fazer guerra àquele bárbaro inimigo.
Saíram uma madrugada, e a nau francesa, que haviam tomado, diante de todas as outras com
um caravelão de Domingos Fernandes, dos Ilhéus, acharam na barra muitas canoas de inimigos
índios, e franceses misturados, que chegando ao caravelão o furaram com machados, e o meteram
no fundo, matando-lhe quatro homens, e ferindo a Domingos Fernandes de seis flechadas, com que
se foi a nado para a nau, a qual também chegaram, e lhe fizeram um buraco; mas um índio da Índia
de Praz Fragoso, que ali ia com seu senhor, se foi abaixo da coberta, e pelo mesmo buraco matou
um francês, com o que eles, ou com o temor da armada, que vinha atrás, se foram embora, e a nau
também, seguindo seu caminho para São Vicente, onde contaram ao capitão-mor, e aos mais o que
lhes havia sucedido.
Neste tempo estava a povoação de São Paulo, que é da capitania de São Vicente, de guerra
com o gentio, que a tinha posta em grande aperto, ao que acudiu Estácio de Sá com muita gente da