identidade de gênero e sexo biológico. Feminilidade e masculinidade estariam na natureza
e refletiriam uma heterossexualidade inata. A menina, por exemplo, desejaria o pênis
libidinalmente e não narcisicamente, no sentido de algo que poderia completá-la. A
feminilidade seria inata, assim como a escolha de objeto sexual. Ambas seriam ligadas a
fatores biológicos e à consciência de possuir uma vagina. Esta seria, em última instância, a
posição de Horney e de Jones, na visão de Person e Ovesey. (1999, p. 31)
Na perspectiva desses comentadores de Freud, a aquisição de gênero parece ocorrer
num entrelaçamento entre o substrato biológico e os avatares ocasionados pelo Complexo
de Édipo. Acreditavam que, em Freud, a masculinidade em ambos os sexos aparenta ser
um gênero inato ou natural, a partir do qual a feminilidade deveria se desenvolver. Já em
Horney e Jones, pode-se atribuir o gênero, tanto masculino quanto feminino,
predominantemente a disposições inatas. Esse debate se cristaliza até a chegada de Stoller.
Mas seria ingênuo pensar que, em Freud, as coisas se passavam de maneira simples.
Essa seria uma leitura reducionista da teoria freudiana. Afinal, além de tentar mostrar os
caminhos nada óbvios da aquisição dos gêneros, Freud parecia ter clara consciência da
dificuldade em se definir o próprio “conteúdo dos gêneros”, digamos assim, as noções de
“masculino” e “feminino”. Vale a pena abrir um parêntesis e lembrar duas passagens de
Freud acerca dos termos “masculino” e “feminino” na psicanálise. Ao comentar o fato de
a libido ser de natureza masculina, tanto em homens quanto em mulheres, e independente
de seu objeto ser um homem ou uma mulher, Freud acrescenta, em 1915, a seguinte nota
de rodapé aos Três Ensaios (1905):
É essencial compreender claramente que os conceitos de ‘masculino” e
‘feminino’, cujo significado parece tão inequívoco às pessoas comuns, estão
entre os mais confusos que ocorrem na ciência. É possível distinguir pelo menos
três usos. ‘Masculino’ e ‘feminino’ são usados por vezes no sentido de atividade
e passividade, por vezes num sentido biológico e por vezes, ainda, num sentido
sociológico. O primeiro destes três significados é o essencial e o mais útil na
psicanálise. Quando, por exemplo, a libido foi descrita no texto acima como
‘masculina’, a palavra estava sendo usada neste sentido, pois um instinto (Trieb)
é sempre ativo mesmo que tenha em mira um objetivo passivo. O segundo
significado, ou biológico, de ‘masculino’ e ‘feminino’ é aquele cuja
aplicabilidade pode ser mais facilmente determinada. Aqui, ‘masculino’ e
‘feminino’ são caracterizados pela presença de espermatozóides ou óvulos,
respectivamente, e por funções que deles procedem. A atividade e seus
fenômenos concomitantes (desenvolvimento muscular mais poderoso,
agressividade, maior intensidade da libido) estão, via de regra, ligados à
masculinidade biológica, mas eles não são necessariamente assim, pois há
espécies animais em que estas qualidades são, ao contrário, atribuídas à fêmea.
O terceiro significado, ou significado sociológico, recebe sua conotação da
observação de indivíduos masculinos e femininos efetivamente existentes. Tal
observação mostra que nos seres humanos a masculinidade pura ou feminilidade
não se pode encontrar nem num sentido psicológico nem num biológico. Todo