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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
MARIA ISABEL DA SILVA
A METALINGUAGEM NA CRÔNICA DE DRUMMOND
São Paulo
2008
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Maria Isabel da Silva A METALINGUAGEM NA CRÔNICA DE DRUMMOND 2008
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Maria Isabel da Silva
A metalinguagem na crônica de Drummond
São Paulo
2008
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em
Letras.
Orientadora: Profª. Drª. Elisa Guimarães
S586m Silva, Maria Isabel da
A Metalinguagem na crônica de Drummond. Maria Isabel da Silva.
--São Paulo, 2008. 100 f. 30 cm
Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Presbiteriana
Mackenzie, São Paulo, 2008.
Bibliografia: f. 91 – 95.
1.Metalinguagem. 2. Crônica. 3.Lingüística Textual.
4. Intencionalidade. I – Título.
CDD 410
Maria Isabel da Silva
A metalinguagem na crônica de Drummond
Aprovado em
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________
Profª. Drª. Elisa Guimarães
Universidade Presbiteriana Mackenzie
___________________________________________________________________
Profª. Drª Dina M. M. Andréa Martins Ferreira Universidade Presbiteriana
Mackenzie
___________________________________________________________________
Profª. Drª Zilda Gaspar Oliveira de Aquino
Universidade Presbiteriana Mackenzie
São Paulo
2008
Dissertação apresentada à Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em
Letras.
A meus pais e irmãos, pelo constante
incentivo e apoio; e à Mellina, sobrinha,
pelo abrigo carinhoso e por compartilhar
desse sonho, ajudando-me a superar as
Pedras do caminho.
AGRADECIMENTOS
A Deus, O Grande Mestre e Orientador, permaneceu sempre ao meu lado em
todo percurso desta caminhada.
À Profª. Drª. Elisa Guimarães:
Professor, sê um mestre! Há uma diferença sutil entre este e aquele.
Este leciona e vai prestar a outros afazeres,
Aquele mestreia e ajuda seus discípulos.
O professor tem uma tabela a que se apega.
O mestre excede a qualquer tabela e é sempre um mestre.
O melhor professor nem sempre é o de mais saber.
Cora Coralina
É sim aquele que, modesto, tem a felicidade de transferir e manter o respeito
e admiração de todos!
Minha eterna gratidão, por ter sido Mestre e Orientadora.
Às professoras: Drª Dina M. M. Andréa Martins Ferreira e Drª Zilda Gaspar
Oliveira de Aquino, que com suas preciosas sugestões, enriqueceram a elaboração
deste trabalho.
Ao MackPesquisa, Fundo Mackenzie de Pesquisa, que financiou em parte
este trabalho.
RESUMO
Este trabalho aborda os processos mais importantes de articulação do texto estes
integrados em dois níveis: estrutura sintática e organização semântica. Exploram-se
em torno desses dois eixos os procedimentos lingüísticos e discursivos responsáveis
pela significação do texto. Para isso, foram adotadas propostas da lingüística textual
que se preocupa com os principais critérios de textualidade e do processamento
cognitivo. Deter-se-à, portanto, no estudo das operações lingüísticas responsáveis
pela produção, construção e funcionamento de textos cuja linguagem se propõe
como metalingüística. Sua preocupação abrange, também, a coesão superficial no
nível dos constituintes lingüísticos, a coerência conceitual no nível semântico e
cognitivo e a pragmática no plano das ações e das intenções. O objeto de estudo
são crônicas de Carlos Drummond de Andrade, que exploram a função
metalingüística.
Palavra chave: Lingüística Textual. Crônica Metalingüística. Coesão. Coerência.
Intencionalidade.
ABSTRACT
This essay focuses in the most important process of the articulation of a text,
connected in two levels: - syntactic structure and the semantic arrangement. It’s
around these two axes that the linguistic and speech procedures are explored, axes
that are responsible for the meaning of the text.
Owing to this, some proposals of the textual linguistics which are concerned about
the mainly criteria of textuality and cognitive process – have been employed.
This essay will focus only on the study of linguistic operations responsible for the
production, construction and procedures of texts, whose language is used as
metalinguistics.
It’s also concerned about the surface linking on the level on linguistic components,
the conceptual coherence on semantics and cognitive and the pragmatic one, on the
level of actions and intentions.
The objects of study are short stories written by Carlos Drummond de Andrade,
which explore metalinguistic function.
Key Words: textual Linguistics. Metalingüístics. Short Stories, Coherence, Cohesion.
Intention.
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS......................................................................................8
CAPÍTULO I - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE ............................................13
1.1 DRUMMOND – POETA INESGOTÁVEL ...........................................................15
1.2 DRUMMOND PROSADOR ................................................................................18
CAPÍTULO II - AS FUNÇÕES DA LINGUAGEM E A METALINGUAGEM..............24
CAPÍTULO III - OS RECURSOS LINGÜÍSTICOS NA PROSA METALINGÜÍSTICA
DE DRUMMOND.......................................................................................................33
CAPÍTULO IV - ANÁLISE DOS RECURSOS LINGÜÍSTICOS E DISCURSIVOS
NAS CRÔNICAS METALINGÜÍSTICAS DE DRUMMOND......................................45
4.1 OS DADOS ESSENCIAIS...................................................................................47
4.3 IDÍLIO FUNESTO...............................................................................................70
4.4 POESIA SEM DEUSES......................................................................................80
REFERÊNCIAS.........................................................................................................91
ANEXOS ...................................................................................................................96
ANEXO A - OS DADOS ESSENCIAIS......................................................................97
ANEXO B - DIÁLOGO FILOSÓFICO ........................................................................98
ANEXO C - IDÍLIO FUNESTO...................................................................................99
ANEXO D - POESIA SEM DEUSES .......................................................................100
8
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Eu me interesso pela linguagem
porque ela me fere ou me seduz.
R. Barthes
O objetivo deste trabalho é contribuir para os interessados em geral,
sobretudo os estudantes de diversas áreas, para que reconheçam a importância de
se estabelecer relação entre o lingüístico, o cognitivo e o literário.
Com esse propósito, tomamos como fio condutor os processos mais
importantes de articulação do texto – estes integrados em dois níveis: o da estrutura
sintática e o da organização semântica. Em torno desses eixos, exploram-se
procedimentos lingüísticos e discursivos, responsáveis pela configuração do texto
como um feixe de conexões, uma vez que é no entrecruzamento dos processos
ativados e organizados pela gramática que a interação discursiva compõe os textos.
Para isso, pretende-se adotar uma perspectiva discursiva que vê na interação
verbal uma atividade composta de regras, normas e cooperação e, portanto, ativam-
se na linguagem, que é sempre dialógica, e que se utiliza de sistemas de regra:
sintáticas, semânticas, morfológicas, estilísticas e ilocucionais que são ligadas à
constituição das expressões lingüísticas, e às regras pragmáticas referentes à
interação verbal, onde as expressões são usadas.
Isso significa que a construção do texto exige a realização de uma série de
atividades cognitivo – discursivas que vão dotá-lo de certos elementos, propriedades
ou marcas, os quais, em seu inter-relacionamento, serão responsáveis pela
produção de sentido.
9
O CORPUS que servirá de base para a análise neste trabalho constitui-se de
quatro crônicas de Drummond, nas quais se salienta a linguagem em função
metalingüística. O motivo da escolha explica-se pelo fato de essas crônicas terem o
seu interesse fundamental centrado em reflexões sobre a língua. Acrescenta-se,
ainda, como justificativa da seleção do Corpus o fato deste não ter sido tão
explorado como a poesia, embora ambas – poesia e prosa – se interpenetrem, como
afirma Antônio Candido (1988).
No primeiro capítulo, apresentar-se-á uma breve biografia sobre Drummond,
onde se destacará sua genialidade como poeta e como prosador. Tratar-se-á, no
capítulo II, das funções da linguagem com ênfase à metalinguagem, isto é, aquela
em que, segundo Jakobson dobrada sobre si mesma, conduz o leitor para a teia das
interrogantes acerca do próprio código utilizado. E, no caso das crônicas em pauta,
verifica-se a metalinguagem construindo as e as descontruindo, isto é, Linguagem
discutindo sobre Linguagem. O que motivou Charaudeau (2004) denominar todo
esse processo de Metadiscurso, pois ao mesmo tempo em que se realiza a
enunciação, avalia-se, e comenta-se a si mesma.
No terceiro capítulo, serão discutidos os recursos lingüísticos na prosa
metalingüística de Drummond, apresentados na introdução e que embasarão a
análise. Deter-se-á nas relações estabelecidas entre significante e significado, a
partir da referência ao código, daí resultando que a significação do texto não está
somente localizada no âmbito da sintaxe, mas que se transpõe para o próprio tecido
das relações semânticas e cognitivas
Em razão da amplitude do campo e da fluidez de limites entre as várias
tendências e vertentes da Lingüística Textual, a análise vai se ater mais aos seus
aspectos sintáticos e cognitivos, tais como a intencionalidade e a semântica, porque
10
se entende que são eles prioritários para esse estudo, embora se possa valer
também de outras concepções teóricas. Recorrer-se-ão a Beugrande e Dressler
(1997), Koch (2005), representantes atuais dessa linha teórica, que vêm se
dedicando ao estudo dos principais critérios de textualidade e do processamento
cognitivo do texto. Esses autores apontam, como critérios para análise textual, a
coesão e a coerência (centrados no texto), e a informatividade, a situacionalidade, a
intertextualidade, a aceitabilidade e a intencionalidade (centrados nos usuários).
Farão, ainda, parte do alicerce teórico os apontamentos sobre os tipos de
Intenções tratados por Umberto Eco (2004), em “Os Limites da Interpretação”, bem
como as propostas de Searle (1995, p. 37), sobre os atos de fala, discutidos em seu
livro “Intencionalidade”,uma vez que para o autor “uma sentença é um objeto
sintático ao qual são impostas capacidades representacionais: crenças, desejos e
outros estados Intencionais, pelo fato de ser a linguagem essencialmente um
fenômeno social.”
É preciso lembrar, portanto, que o objetivo específico deste trabalho é o
estudo das operações lingüísticas e cognitivas responsáveis pela produção,
construção, e funcionamento de textos em cuja linguagem se instala a função
metalingüística. Seu tema abrange a coesão superficial no nível dos constituintes
lingüísticos, a coerência conceitual no nível semântico e cognitivo. No nível
pragmático, as pressuposições e implicações serão focalizadas no plano das ações
e das intenções, segundo concepções teóricas de Maingueneau (1995).
No quarto capítulo, proceder-se-á à análise propriamente dita. Para isso,
serão objeto de estudo os seguintes textos metalingüísticos de Carlos Drummond de
Andrade: “Os Dados Essenciais”, “Diálogo Filosófico”, “Idílio Funesto”, “Poesia Sem
Deuses”. Nestes se aplicarão os procedimentos e estratégias de caráter textual e
11
sociocognitivo, observando como se estruturam e fazem sentido. E, ainda, como
esses percursos mobilizam conhecimentos lingüísticos para a organização textual: a
clássica distinção de coesão e coerência e as zonas de Intersecção entre elas.
Partir-se-á da concepção de que a coerência, segundo Koch (2007) se
estabelece em diversos níveis: sintático, semântico, temático, estilístico, ilocucional,
concorrendo todos eles para a construção da coerência e do sentido global do texto.
Nesse sentido, também, considerar-se-á a posição de Maingueneau (1976 p. 39),
que atribui ao intertexto um componente decisivo na produção textual: “um discurso
não vem ao mundo numa inocente solitude, mas constrói-se através de um dito
em relação ao qual toma posição.”
Haverá, também, neste trabalho, um interesse pela forma como o
procedimento irônico multiplica suas faces e suas funções, configurando diversas
estratégias de compreensão e representação do mundo. Segundo Beth Brait (1996
p. 14) “a ironia é resultado de um conjunto de procedimentos discursivos que podem
aparecer em não importa que tipo de texto.”
Perspectivas semelhantes são definidas por Charaudeau (2004), e
Berrendonner (1991), para os quais a ironia é um fenômeno contextual em que o
locutor invalida sua própria enunciação no mesmo movimento pelo qual a enuncia.
Apoiar-se-á, ainda, para a análise da crônica “Idílio Funesto”, no cap. 4.3, em
um estudo feito pelo sociolinguísta americano W. Labov (1967), sobre as narrativas
que apresentam estruturas canônicas, como exemplo as fábulas.
No intuito de examinar cada um dessas concepções, a metodologia adotada
se constituirá de uma análise crítico – interpretativa como um canal de aplicação dos
fundamentos teóricos.
12
Por essa perspectiva, pretende-se uma análise da construção da
metalinguagem em crônicas de Drummond, através da exploração de procedimentos
sintáticos, semânticos e cognitivos, entre outros, bem como uma reflexão sobre a
forma como ele conduz esse processo metalingüístico em seus textos.
O objetivo, todavia, o objetivo não é discutir e aprofundar tais conceitos
teóricos, mas, propiciar ao leitor uma reflexão sobre análise textual em textos que
fazem uso da metalinguagem.
Concluir-se-á, então, que não se pode falar em leitura e compreensão de
texto sem se levar em conta dados relativos à situação de interlocução na qual se
inserem: texto – leitor e produtor.
13
CAPÍTULO I - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
E eu não sabia que minha
história/ era mais bonita que a
de Robson Crus
Carlos Drummond de Andrade
A importância que se empresta a dados biográficos do autor liga-se ao fato de
estarem estes mesmos dados articulados com a influência sobre sua obra do
contexto em que viveu o poeta-cronista.
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira de Mato Dentro, pequena
cidade mineira, aos 31 dias do mês de outubro de 1902.
É o jornalista, ainda aluno do ano do ginasial, no Colégio dos Jesuítas,
quem primeiro se revela ao público, com suas contribuições para o jornal escolar
“Aurora colegial”. Mas em maio de 1918, a revista Maio, de Itabira, publica, à revelia,
do autor, o poema em prosa, “Onda”: Assina-o “Wimpl”.
A fermentação modernista, que caracteriza a vida da intelectualidade
brasileira dos anos 20, chega, igualmente, às terras mineiras. Em 1925, Drummond
funda, juntamente, com Martins de Almeida, Emílio Moura e Gregoriano Canedo “A
revista”, órgão modernista de que saem três números e onde o grupo mineiro
pretende e propõe a reformulação dos padrões estético-literários brasileiros.
Em 1930, o poeta lança sua primeira obra: Alguma poesia. No ano de 1934,
Gustavo Capanema, novo ministro da Educação e Saúde Pública, traz para o Rio de
Janeiro, como seu chefe de gabinete, Carlos Drummond de Andrade.
No Rio, continua sua carreira como jornalista e poeta. Nos anos 50, o
ficcionista faz estréia; surgem os Contos de Aprendiz. Passeio na Ilha, seu segundo
14
volume de crônica se afirma e se torna notável, contribuindo para a importância que
o gênero adquire no âmbito da imprensa e da literatura.
Em 1954, o jornalista Drummond iniciará sua coluna “Imagens” no “Correio
da Manhã, do Rio de Janeiro, que viverá até 1969 e donde sairão as crônicas que
compõem. Fala, Amendoeira (1957). O cronista colabora ainda nas revistas
cariocas: Mundo Ilustrado e Pulso, transferindo-se em fins de 1969, do Correio da
Manhã para o Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, onde continuou publicando suas
crônicas. Dessas colaborações regulares nascerão as sucessivas obras em prosa: A
Bolsa e a Vida, Cadeira de Balanço, Caminhos de João Brandão e outras.
Artisticamente, no início dos anos 60, ganha impulso o movimento de
Cultura Popular, alimentado pelo ideal nacionalista, que já alimentara toda uma
transformação estética no princípio do século. As obras então produzidas apontam
para a realidade brasileira, suas carências e necessidades. Instalado o regime
militar, inaugura-se no país, um período de arbítrio que excede, de longe, os
desmandos da ditadura de Vargas. Por 21 anos, o Brasil padece repressões de toda
a espécie, ao longo desses anos, suspendem-se direitos políticos, cassam-se
mandatos, fecha-se o Congresso, impede-se a livre manifestação popular através de
eleições diretas, têm-se violenta censura dos meios de informação, as torturas, o
exílio dos intelectuais, a doutrina da Segurança Nacional.
Passam-se os anos e as crises sócio-político-cultural continuam a assolar o
país, não é sem motivo que se expressa Drummond acerca de seu país, um mês
antes de morrer (1987) em entrevista ao Jornal do Brasil.
Eu lamento que haja pouco consumo de livro no Brasil. Mas aí, é um
problema da deseducação, o problema da pobreza e portanto, o da falta
de nutrição e da falta de saúde. Antes de um escritor se lamentar porque
não é lido como são lidos os escritores americanos ou europeus, ele deve
se lamentar de pertencer a um país em que há tanta miséria e tanta
injustiça social.
15
1.1 DRUMMOND – POETA INESGOTÁVEL
Em 1928, Carlos Drummond de Andrade, então desconhecido, lançou, na
Revista de Antropologia, o poema “No meio do caminho”.
Esse poema de Drummond, publicado dois anos depois em seu livro de
estréia; Alguma Poesia (1930), causou escândalo: a literatura contava com mais
espaço social e, então, podia chocar um número considerável de pessoas. O poeta,
rapidamente, se tornou conhecido: foi admirado ou ridicularizado,por causa de seu
poema audacioso e a “pedra” passou a ser referência e representar a imagem de
sua poesia.
Alguns críticos consideraram “No meio do caminho” como uma brincadeira
irreverente, desrespeito não só com a tradição literária, mas até para com o leitor e a
própria poesia. É um texto feito quase de palavras repetidas, sem rgulas, com
problemas de ordem sintática como “tinha” e não “havia”; “nunca me esquecerei
que” e não “de que”.
Drummond colecionou, ao longo dos anos, críticas, paródias, comentários de
jornal e glórias. Haroldo de Campos (1967, p. 40) foi um dos que, de forma,
efetivamente esclarecedora, analisou a poema da “pedra” como
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas,
nunca me esquecerei que no meio do
caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
16
uma verdadeira “concreção” lingüística, pois se utiliza de uma escandalosa
técnica de repetições (e uma extrema redundância, como adverte Max
Bense, que já pode constituir, por sua originalidade, em informação estética)
para fazer dele o suporte tautológico no qual se engasta, como uma pérola
na sua madrepérola, a emoção surpresa. Nunca me esquecerei desse
acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Contudo, apesar de o poeta dizer que este seu poema “não pretende expor
nenhum fato de ordem moral, psicológica ou filosófico” e que ele queria com o
poema apenas “dar a sensação de monotonia e chateação”, reitera sua postura de
modéstia em “Auto-retrato e outras crônicas”(1989), pois afirma que quem der ao
trabalho de examinar-lhe o texto verificará que se trata tão –somente da repetição,
oito vezes seguidas, dos substantivos “meio”, “caminho”e “pedra”, ligados por
preposições, artigos e um verbo. Não nisso poema algum, bom ou mau.
apena vocábulos, que podem ser encontrados facilmente no Pequeno Dicionário da
Língua Portuguesa, revisto pelo Sr. Aurélio Buarque de Holanda.
O leitor mais atento desse poema pode observar-lhe, também, o aspecto
alegórico, a focalização da época, e ainda, uma certa previsão histórica do
desenvolvimento do modernismo, como se o autor estivesse mesmo no meio do
caminho de uma renovação literária.
Ao longo da obra de Drummond, não observamos sempre a certeza estética,
e sim a dúvida e a procura. A sua poesia é em boa parte uma indagação sobre o
problema da poesia. O poeta aborda essa questão de modo especial, numa posição
que segundo Cândido, (1977) poderíamos chamar mallarmeana, porque no ato
poético uma luta com a palavra para a qual se deslocam a sua dúvida e a sua
inquietação de artista. É o que vem proposto de modo claro em “O Lutador” cujo
início parece, pelo ritmo e a entrada no assunto, uma espécie de transposição
irônica do hino escolar que abria o Segundo Livro de Leitura de Tomás Galhardo
usual na geração de Drummond.
17
Lutar com palavras
é a luta mais vã
Entanto lutamos
Mal rompe a manhã.
Um dos temas mais comuns na literatura moderna, principalmente, depois
de 1945 é o das palavras ou da linguagem através do que se chega ao tema da
própria criação poética. Trata-se do problema da metalinguagem, em que a
linguagem se transforma em linguagem – objeto.
Drummond não fugiu à regra e de forma brilhante fez dela objeto da criação,
tanto na poesia como na prosa. Em “Procura de poesia”, encontram-se os versos
mais atuais com relação à mentalidade estética que ia se propondo, o poeta manda
a si mesmo a “penetrar surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que
esperam ser escritos” (Rosa do Povo)
Delineiam-se nesses versos, claramente, a luta pela expressão, a busca de
uma forma mais possível adequada e capaz de traduzir em termos poéticos, a sua
especial sensibilidade perante a vida. Porém, o poeta continua inquieto e questiona:
“cada palavra tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse
pela resposta, pobre ou terrível que lhe deres: Trouxeste a chave? (Rosa do Povo) É
ele próprio quem nos responde:
Com a chave na mão
quer abrir a porta
não existe porta! José
Simon (1978) esclarece que a existência dessa tensão entre possibilidade e
impossibilidade da prática poética funciona como “arma” na metalinguagem do
poeta. Exemplos típicos encontramos, segundo a autora, em “Consideração do
Poema” que ela considera como metalinguagem de possibilidade, e “Cidade
Prevista” – como a metalinguagem da impossibilidade.
18
Assim, ao considerar-se a reflexão metalingüística de Drummond, que
quando realiza seus atos poéticos, critica-os, rejeita-os ou duvida de sua eficácia,
pode-se desvendar as relações dialéticas que se estabelecem entre o criador e o
mundo que o cerca.
1.2 DRUMMOND PROSADOR
“Confissões de Minas” foi o seu primeiro livro de prosa, e onde se mostra o
talento de Drummond fora do verso. Nele, crítica literária, estudo de
personalidade, comentário lírico e anedótico sobre o quotidiano, mostrando que o
seu autor não é um cronista no sentido estrito, como são: Rubem Braga, ou Raquel
de Queiróz e Fernando Sabino. Em sua obra, a prosa de ficção parece ter um papel
indispensável, na medida em que constitui o ponto intermédio que vai da poesia à
crônica.
Com referência a esse aspecto, Cândido (1988) alega que não
isolamento entre os diversos tipos de sua produção, pois ao contrário, muito de sua
obra é constituída por um trânsito de mão dupla entre eles. Não é novidade assinalar
que, até, na poesia de Drummond um gosto acentuado pelo elemento narrativo,
como em “O caso do vestido” e do poema notícia “A morte do leiteiro”. Na crônica
propriamente dita, poesia e ficção se misturam, a fim de criar figuras variadas em
torno de anedotas, cenas de rua e “brincadeiras” produzidas pela ambigüidade das
palavras, como vemos em crônicas, como “Vovó caiu na piscina” em que somente
no desfecho da narrativa é colocado o verdadeiro significado do verbo “cair” que
19
neste contexto significa “escorregar”, e não “se jogar” como interpretava o
personagem – pai.
À luz desses processos significativos de construção referentes á linguagem
está o emprego de elementos do uso comum, podendo até le-lo ao prosaísmo,
mas nada impede o valor e o poder de sua força de criação.
Moraes (1988, p. XLIV) questiona a modéstia de Carlos Drummond ao
intitular o seu primeiro livro de contos de “Contos de aprendiz”. “Aprendiz de quê?
interpela o crítico. De contista, naturalmente admite. É continua sua indagação.
Na modéstia do título deste livro, há, porém, qualquer coisa de irônica.
Aprendiz Carlos Drummond de Andrade? Aprende-se um ofício. O oficio
de contista não precisa o poeta de o aprender, pois que o poeta é o mestre
natural do contista e Carlos Drummond de Andrade é mestre de poetas. Os
“Contos de aprendiz” do mestre da poesia brasileira são “contos de mestre”,
do mestre do conto brasileiro.
Esta mesma posição é, também, defendida e ratificada por Cândido (1988),
que o considera modesto por chamar de crônica ao resto dos seus escritos em
prosa. A julgar pelas coletâneas em livro, essa afirmação poderia ser válida
depois de “Fala, amendoeira”, pois o cronista foi se decantando a partir de uma
atividade mais complexa.
Afirma Cândido, ainda, que em seus escritos rotulados de crônica muitos
perdem o toque de gratuidade característica do gênero e vão caminhando para
poesia, estudo, autobiografia ou um certo tipo de reflexão que toma quase sempre
dimensões imprevistas.
Não se pode deixar de mencionar, também, ao falar de modéstia em
Drummond o fragmento da crônica “Auto-retrato” presente em “Auto-retrato outras
crônicas” (1989, p. 13), onde confessa ao espelho:
O sr. Carlos Drummond de Andrade é um razoável prosador que se julga
um bom poeta, no que se ilude. Como prosador, assinou algumas crônicas
e alguns contos que revelam certo conhecimento das formas graciosas de
expressão, certo humour e malícia. Como poeta, fala-lhe tudo isso e
20
sobram-lhe os seguintes defeitos: é estropiado, antieufônico,
desconceituoso, arbitrário, grotesco e tatibitate [...].
Foi Emanuel de Moraes (1988, p. XLV) quem formulou o ousado juízo de
valores:
o poeta em verso, ufano da sua facilidade, vai por vezes, além da poesia.
Melhor: fica por vezes, aquém dela. O fato intelectual parece mais vivo nos
contos que nos versos”. (...) “Quando lemos, porém, “O gerente” que
tradição da prosa portuguesa ou que linhagem do conto brasileiro
evocamos? Temos que reconhecer que estes “contos” de aprendiz
representam qualquer coisa de muito novo, de muito original, na prosa
portuguesa e no conto brasileiro.
Também as crônicas “Nava, saudade” publicadas no Jornal do Brasil de 15
de maio de 1984, dedicadas ao médico e escritor Pedro Nava, tragicamente morto
na véspera e “Cora Coralina, de Goiás”, publicada no Jornal do Brasil, 27 de
dezembro de 1980, atestam a habilidade lingüística de Drummond para transmitir
sentimentos independentes do gênero literário.
“Nava, saudade”
Um amigo de vida inteira, e de uma vida já retirada e anos: Como nos
comportamos ao perdê-lo de maneira súbita e inesperada? Não receita
filosófica para a situação. o dado irrecusável e a obrigação de aceitá-lo,
de conviver com ele e assimilá-lo. As palavras valem pouco em
circunstâncias para serem vividas e não analisadas ou comentadas.
“Cora Coralina”
Cora Coralina, soa gostoso pronunciar este nome, que começa aberto em
RSA e depois desliza pelas estranhas do mar, surdinando música de
sereias antigas e de dona Janaina Moderna. (...) Assim é Cora Coralina,
repito: mulher extraordinário, diamante goiano cintilando na solidão e que
pode ser contemplado em sua pureza no livro Poemas do Beco de Goiás.
(...)... Gosto muito deste nome. Que me invoca, me bouleversa, me
hipnotiza, como no verso de Bandeira.
Enquanto crônicas publicadas em jornal, o cronista-poeta questiona a morte
“súbita e inesperada” e “o dado irrecusável” inerente a ela, tornando-a indizível por
palavras. Que linguagem, pois, seria capaz de exprimir tamanha comoção? na
homenagem que faz à Cora Coralina a sua linguagem é tão absoluta que ele não
constrói imagens: ela é a própria imagem.
21
No dia 29/09/1984, Drummond escreveu sua última crônica no Jornal do
Brasil, que denominou-a de “Ciao” e tinha como epigrafe: “A remove montanhas,
substituindo-as por abismos”.
Nesta crônica, o poeta confessa que nasceu o cronista na velha Belo
Horizonte dos anos 20, um cronista que ainda hoje, com a graça de Deus e com ou
sem assunto comete as suas croniquices. Comete, continua Drummond, é tempo
errado de verbo. Melhor dizer cometia. Pois chegou o momento deste contumaz
rabiscador de letras pendurar as chuteiras. Mais adiante, o cronista alega que
crônica tem essa vantagem: não obriga ao paletó e gravata do editorialista, forçado a
definir uma posição correta diante dos grandes problemas; não exige de quem a faz o
nervosismo saltitante do repórter, (...) mas a crônica de que estou falando é aquela que não
precisa entender de nada ao falar de tudo. o se exige do cronista geral a informação ou
comentários precisos que cobramos dos outros. O que lhe pedimos é uma espécie de
loucura mansa, que desenvolve determinado ponto de vista não ortodoxo e não trivial e
desperte em nós a inclinação para o jogo da fantasia, o absurdo e a vadiação de espírito.
Identifica-se, aqui, a função metalingüística na interpretação do autor sobre o
conceito de crônica. Drummond volta-se para o ato de escrever, sob a forma de uma
reflexão, de uma retrospectiva das primeiras experiências com a palavra. A fluidez
de sua linguagem leva a uma precisa definição sobre o gênero, resultando num texto
típico de crônica sem pretensões jornalísticas e literárias.
No final do texto, o que chama a atenção, além das idéias do escritor sobre
a arte de “cronicar” é a elegância da despedida. Em nenhum momento, Drummond
usa de um tom patético e de lamúria, mas sim mantém um tom otimista, alto-astral e
simplesmente diz “Ciao” .
Observa-se:
22
E é por admitir esta noção de velho, consciente e alegremente, que ele hoje se despede da
crônica, sem se despedir do gosto de manejar a palavra escrita, sob outras modalidades, pois
escrever é sua doença vital, agora sem periodicidade e com suave preguiça. Cede espaço
aos mais novos e vai cultivar o seu jardim, pelo menos imaginário.
Aos leitores, gratidão, essa palavra-tudo.
Carlos Drummond de Andrade
(2005), em seu estudo sobre “A Crônica”, denomina Drummond de O
cronista poeta e afirma ser redundante dizer que a poesia está presente nas
crônicas de Drummond, uma vez que em tudo que escreve seja sob a forma de
poema ou de narrativa curta existe a magia da síntese, o ritmo adequado, o jogo de
imagens e o humour, “Mas o fato de ser ele um dos maiores poetas brasileiros não
obriga a fazer poesia quando escreve prosa: se isso acontece, é porque Drummond
conhece bem os deslimites dos gêneros”. Sá, (2005, p. 66)
Ainda, no que tange à grande habilidade do poeta como prosador, Cândido
(1988), compara-o a Montaigne, quando deslizar numa prosa que se apresenta
como algo irrelevante para reflexões de um alcance e densidade que nos fazem
incluí-los no rol de “ensaístas”, e de repente volta-se a algo que parece corriqueiro e
insignificante, como se quisesse quebrar o “ensaio” e retomar a crônica.
Continua Cândido(1988, p. 1137), “ainda nisto lembra Montaigne, que pode
partir da dor de dentes de um guerreiro antigo, em seguida filosofar sobre o
estoicismo e acabar contando pormenores da sua administração doméstica ou de
seus males de entranha”. (...) e concluímos que a designação crônica pode ser
tão arbitrária em Drummond, quanto ensaio em Montaigne. Num caso e noutro, os
movimentos livres do pensamento e imaginação vinculam estritamente o detalhe
insignificante à reflexão cheia de conseqüências, de um modo que escapa às
classificações.
23
Além dessas características da prosa de Drummond, a crônica é também
pretexto para repensar a própria linguagem, trata-se da metalinguagem, como foi
identificada anteriormente na crônica “Ciao” e brevemente, quando falamos de
poesia. Nelas a linguagem se transforma em linguagem objeto, a procura
deliberada do êxito pela utilização da linguagem instrumento como coisa e não
como signos. È como ele próprio confessa:
“Essa viagem é mortal e começá-la. saber quetudo. E mover-se em meio
a milhões e milhões de formas raras, secretas, duras. Eis aí meu canto”.
Considerações do Poema
No próximo capítulo, a noção de metalinguagem, com vasta tradição no
terreno da linguagem, vai ser investigada em seu percurso teórico, servindo como
fundamento para evidenciar um modo de ser da linguagem.
24
CAPÍTULO II - AS FUNÇÕES DA LINGUAGEM E A
METALINGUAGEM
palavra, palavra
(digo exasperado)
se me desafias,
aceito o combate
Carlos Drummond de Andrade
Todo enunciado enviado cumpre uma finalidade: pode servir para transmitir
um conteúdo intelectual, exprimir (ou disfarçar) emoções e desejos, para hostilizar
ou atrair pessoas, iniciar e manter diálogos. Diferentes mensagens, portanto,
veiculam diferentes significados, que mostram na sua forma, no seu efeito, o seu
modo de funcionar.
Karl Bühler (1934), apontava apenas três fatores básicos no processo de
comunicação: o destinador (mensagem de caráter expressivo) o destinatário
(mensagem de caráter apelativo) e o contexto (mensagem de caráter comunicativo).
Roman Jakobson (1969) amplia essas funções e considera o perfil da
mensagem, conforme o objetivo, a intencionalidade depreendidos em cada ato de
comunicar. Reitera o lingüista que, assim, as mais diversas possibilidades de
interpretação de uma mensagem devem estar localizadas, primeiramente, no grau
de intencionalidade do fator da comunicação.
Patrick Charaudeau (2004) faz uma distinção que segundo ele, é atualmente
muito usual; opõe duas funções essenciais: uma função transacional, centrada na
transmissão de informação, e uma função interacional, centrada no estabelecimento
e na manutenção das relações sociais. Outros estudiosos do assunto, abandonando
o domínio do sistema lingüístico, constroem tipologias de funções que se apóiam em
uma grade comunicacional de base psicossociológica.
25
Outro aspecto importante a considerar, quando se aborda funções de
linguagem, é a possibilidade de, em uma mesma mensagem, ocorrerem várias
funções, uma vez que se entrecruzam diferentes níveis de linguagem. O emissor
poderá colocar ênfase em uma das funções de acordo com a sua intencionalidade e
as demais funções poderão ocorrer ou não, mas um dos fatores prevalecerá
sempre. Por exemplo, o código e a função que trabalha a forma da mensagem é a
metalingüística: essa mensagem é assim denominada porque viabiliza
concretamente o uso do código. Permitirá também a entrada de outras funções e, no
final, ter-se-ão as funções de linguagem hierarquicamente expostas.
O interesse fundamental do trabalho recai sobre a função metalingüística,
razão por que não se deterá nas demais funções da linguagem.
Observe-se, por exemplo que na crônica “Pseudônimos de morrer” de
Drummond, um diálogo metalingüístico em torno da “Indesejada das gentes”,
(eufemismo de morte usado por Manuel Bandeira) ele considera possibilidade de
ampliação de repertório no campo semântico e cognitivo. Nessa crônica, a morte
opera com o seu sentido de palavra usada metaforicamente:
– Sabes da última? O Neves desistiu da briga.
– Não é possível. Ainda ontem cruzei com ele no calçadão.
– Pois é. Te digo que refinou a rapadura.
– Conta como foi.
– Não sei. Sei apenas que ele parou o relógio.
– Que coisa. Logo agora foi se amafumbar.
– mas você tem certeza?
– Certeza de quê?
– De que ele picou a mula?
(...)
26
– Veja só. Outro dia foi o Inácio que badalou o sino.
– De fato. E no dia seguinte a Filó pediu baixa.
– Logo depois, o Mendonça rachou a quengo.
– E o Benê desligou a tomada.
– Agora é o neves que esvazia os pneus.
– Vamos mudar de assunto?
– Vamos antes que a gente tome chá de buraco.
Expressões como: “desistiu da briga”, “refinou a rapadura”, “picou a mula”,
“atolar o carro”, “badalou o sino”, “desligou a tomada”, “tome chá de buraco”,
apontam para um verdadeiro exercício metalingüístico de ampliação do repertório e
produzem, nas suas linhas conotativas, uma espécie de fala que fala o significado
da palavra. É um texto criativo, lúdico, onde o signo é apreendido do lado do seu
significado.
Jakobson (1969) informa, também, que foi feita uma distinção na lógica
moderna entre dois níveis de linguagem: a “linguagem-objeto” que fala de objetos e
a metalinguagem”, que fala da linguagem. Segundo esse lingüista, a
metalinguagem não é apenas um instrumento científico necessário, utilizado pelos
lógicos e pelos lingüistas, mas desempenha papel importante em nossa linguagem
cotidiana. Esclarece, ainda, que praticamos a metalinguagem sem nos dar conta do
caráter metalingüístico de nossas operações, pois sempre que o remetente e/ou o
destinatário têm necessidade de verificar se estão usando o mesmo código, o
discurso focaliza o Código, desempenhando, assim, a função metalingüística.
Na crônica “Entre palavras” de Carlos Drummond de Andrade, cria-se um
dicionário de conotação metalingüística, onde comenta a própria enunciação, no
interior dessa mesma enunciação. Vale-se dessa estratégia, para explorar o caráter
27
efêmero do sentido das palavras, e conseqüentemente, a sua mudança e a criação
de novas palavras no léxico.
Entre coisas e palavras principalmente entre palavras circulamos. A maioria delas não
figura nos dicionários de 30 anos, ou figura com outras acepções, a todo momento impõe-
se tomar conhecimento de novas palavras e combinações de.
Você que me lê, preste atenção. Não deixe passar nenhuma palavra ou locução atual, pelo
seu ouvido, sem registrá-la. Amanhã, pode precisar dela. E cuidado ao conversar com seu
avô; talvez ele não entenda o que você diz.
O malote, o cassete, o “spray”, o fuscão, o copião, a Vemaguet, a chacrete, o linóleo, o
“nylon”, o “nycron”, o ditafone, a Informática, a dublagem, o sinteco, o telex... existiam em
1940?
Ponha aí o computador, os anticoncepcionais, os mísseis, a motoneta, a Velo-solex, o biquíni,
o módulo lunar, o antibiótico, o infarte, a acupuntura, a biônica, o auréulico, o ta legal, o
apartheid, o som “pop”, a arte “op”, as estruturas e infraestrutura.
Não se esqueça também (seria imperdoável) o Terceiro Mundo, a descapilização, o
desenvolvimento, o unissex, o bandeirinha, o “mass média” o Ibope, a renda “per capita”, a
mixagem.
De passagem, anote a reunião de cúpula, a mincopa, a conjuntura, o Porcão, a Reflexologia,
a ioga,o iogurte, os alucinógenos, o morfema, o semantema, o estocástigo, o ergódigo e o
markoviano.
Só, não tem seu lugar ao sol a metalinguagem, o servoeanismo, as algias, a coca-cola, o
superego, a Futurologia, a homeostatia, a Adecif, a Transamazônica, a SUDENE, o Incra, a
Unesco, o Isop, a Oea e a Onu.
A idéia de efemeridade é expressa pela seleção de vocábulos como:
“o cassete”, “o spray”, a “Vemaguet”, a “Chacrete”, o “nycron”, a que
simultaneamente o autor contrapõe palavras como: “informática”, “telex”, “apartheid”,
IBOPE”, renda “per-capita”, mixagem “... Assim, Drummond utiliza-se de
metalinguagem para traduzir o significado de palavras por meio de palavras e
também, sugerir que, além do caráter efêmero delas, a dificuldade de apreender
e acompanhar a constante inovação do léxico. “No seu processo criador, a língua se
movimenta dentro de coordenadas geométricas e temporais, lançando o passado
(arcaísmos) em face, do futuro (neologismo)”, (Teles, 1987, p. 20).
28
O autor conclui a crônica “Entre Palavras”, fazendo tais constatações e logo
em seguida, dirige-se para suas inquietudes e preocupações sobre a vulnerabilidade
do significado das palavras.
Não havia nada disso no jornal do tempo de Venceslau Brás, ou mesmo de Washington Luís.
Algumas dessas coisas começam a aparecer sob Getúlio Vargas. Hoje estão ali na esquina,
para consumo geral. A enumeração caótica não é invenção crítica de Leo Spitzer. Está aí, na
vida de todos os dias. Entre palavras e combinações de palavras circulamos, vivemos,
morremos, e palavras somos, finalmente, mas com que significado, que não sabemos ao
certo?
Carlos Drummond de Andrade
A consciência de que a criação é a luta com a linguagem: “Lutar com
palavras/ parece sem fruto / Não tem carne e sangue / Entretanto, luto.” E daí,
também, a sua funda angústia no ato de criar, tema que constitui uma constante
evolutiva em toda a sua obra:
Tenho palavras em mim canal,
são roucas e duras
irritadas, enérgicas
comprimidas há tanto tempo
perderam o sentido, apenas querem explodir.
A preocupação deste trabalho, como foi mencionado anteriormente, é
explorar a metalinguagem, que, de acordo com Chalhub (2005, p. 18), teve sua
origem nos estudos sobre poética, a retórica. Os estudos do discurso e suas regras,
desde Aristóteles, refletia sobre a questão da linguagem. Nesse sentido, a autora
acrescenta, ainda, que a “reflexão sobre o discurso não é privilégio das ciências
modernas: o que é moderno é a sua sistematização e as relações interdisciplinares
29
provocadas por todas as áreas do saber que tem a linguagem como ponto de
referência.”
Por função metalingüística, entende-se, então, a função da mensagem que
se dirige para o código. O conceito de digo abrange noções do campo da
lingüística, da teoria da informação, da teoria da comunicação: “é um sistema de
símbolos com significação fixada, convencional, para representar e transmitir a
organização dos seus sinais na mensagem, circulando pelo canal entre a emissão e
a recepção.” (CHALHUB, 1999, p. 48)
Para Chalhub (1990) a função metalingüística é uma equação. Pergunta-se,
então, o que significa essa equação? Uma identidade entre as linguagens? É
importante ressaltar que é sempre uma relação de linguagem uma linguagem que
se refere a outra. Necessário se faz observar o modo como se ou se processam
as relações entre as linguagens implicadas por aquele sinal de igualdade (=).
Pode-se falar, segundo Chalhub, em duas formas de relações: a linguagem
do significado e a linguagem do significante. Para a autora
a linguagem do significado procura operar uma tradução do conceito da
interpretação, da definição de uma “coisa” através de palavras; a linguagem
do significante traduzirá ou em forma significante o significado, ou em
forma significante – estruturas de significação.
Chalhub (2005, p. 32)
.Para exemplificar, a autora cita o dicionário que é um exemplo clássico de
metalinguagem traduz o significado de palavras, por meio de palavras, explicando-
lhes o concerto. Um dicionário é de acordo com Chalhub “um interpretante ao
infinito. Se houvesse um dicionário de rimas, seria uma metalinguagem significante,
porque a “explicaçãoestaria selecionando conjuntos de palavras por semelhanças
sonoras”.
30
Charaudeau (2004) propõe, também, metadiscurso. De acordo com ele, o
locutor pode, a qualquer momento, comentar sua própria enunciação no interior
mesma dessa enunciação: seu discurso é recheado de metadiscursos. É uma das
manifestações de heterogeneidade enunciativa: ao mesmo tempo em que se realiza,
a enunciação avalia-se a si mesma, comenta-se, solicitando a aprovação do co-
enunciador (“se me permitem dizer que ...”, “antes de tudo.”) o metadiscurso pode
igualmente recair sobre a fala do co-enunciador, para confirmá-la ou reformulá-la.
Segundo Charaudeau, a distinção que Gaulmyn (1987) introduz entre
enunciados metadiscursivos, enunciados metalingüísticos é freqüentemente difícil de
fazer. Os mesmos marcadores, segundo os contextos, podem servir a um ou a
outro.
Outra consideração relevante no campo da metalingüística é assinalada por
Barros (2004). Segundo ela, os textos com função metalingüística usam
procedimentos peculiares tais como: verbos de existência (ser e parecer) ou de
existência de significação (significar, ter o sentido de) em geral no presente do
indicativo, em orações predicativas de definição (x é y) o efeito do sentido é o de
linguagem que fala da linguagem, ou seja, de circularidade da definição e da
comunicação.
Ora, é exatamente esse processo de criação que encontramos na crônica
“Novo Dicionário” em que Drummond através do diálogo entre dois personagens
opera metaforicamente a fim de ironizar e criticar a complexidade da língua
portuguesa. Nesse texto figuram os verbos, predominantemente, no tempo presente
e algumas orações predicativas, como se verificam nos exemplos:
“– O garoto não vai estudar palavras cruzadas, vai estudar português...”
“– O dicionário está certo”.
31
“– Como está certo, se não começa pela letra A e termina pela letra Z...”
“Seu filho ainda não tem a nova gramática cruzacional? É indispensável. E
muito cuidado no cruzamento das ruas...”, demonstram a percepção de seu autor
para com os problemas atuais de comunicação e de linguagem. A leitura que
Drummond faz da realidade da língua em uso é critica, na medida em que submete
os termos a um discurso de sátira acerca das formas de expressão e comunicação
do Português.
Para ficar claras tais constatações, lê-se o texto em sua íntegra.
NOVO DICIONÁRIO
QUAL NÃO FOI o pasmo de Matias ao abrir em casa o dicionário de Português que comprara
para o filho colegial, e verificar que ele era todo feito de palavras cruzadas.
– O garoto não vai estudar palavras cruzadas, vai estudar Português
– explicou ao balconista da livraria, pedindo a troca do volume.
– O dicionário está certo – respondeu o rapaz.
Como está certo, se não começa pela letra A e termina pela letra z, a exemplo de todos os
dicionários de Português desde que a língua existe?
Estou vendo que o senhor não acompanhou a evolução do Português. Com as últimas
aquisições da ciência lingüística e as recentes pesquisas lexiológicas, e mais o uso literário
da língua, o Português é hoje considerado jogo de palavras cruzadas. Cruzadíssimas.
– Hem? Não estou entendendo.
Não precisa entender, desde que o senhor tenha habilidade para decifrar palavras
cruzadas. Mestres universitários da maior categoria assim resolveram, e os editores lançaram
dicionários de acordo com os novos moldes. Procure ler os tratados e revistas de lexiologia,
os estudos sobre linguagem, os ensaios de crítica literária, as dissertações universitárias.
Tudo palavras cruzadas. Seu filho ainda não tem a nova gramática cruzacional? É
indispensável. E muito cuidado no cruzamento das ruas. As placas também vão cruzar.
Samira Chalhub (2005), em “A metalinguagem” se vale do célebre estudo de
Walter Benjamim sobre” A Obra de arte, na época de suas técnicas de reprodução”
para confirmar que foram essas técnicas que mudaram a sensibilidade, a percepção
e produziram uma nova consciência de linguagem. É ele quem nos diz da perda ou
32
do declínio da aura do objeto artístico. A aura indica a característica de intocalidade
do enigma, de distanciamento e singuralidade da arte, seja pintura, música,
literatura. A metalinguagem, como traço que assinala a modernidade de um texto, é
o desvendamento do mistério, mostrando o desempenho do emissor na sua luta
com o código.
Outra posição importante, ainda, no campo da metalingüística, é defendida
por Eco (2004). Segundo o autor, uma metalinguagem crítica não é uma linguagem
diferente de sua linguagem-objeto. É uma porção da mesma linguagem –objeto, e
nesse sentido é uma função que toda e qualquer linguagem desenvolve ao falar de
si mesma.
Para uma abordagem mais completa sobre construção textual, o capítulo
seguinte contemplaos recursos articuladores responsáveis pelo sentido no texto,
cuja intenção do autor repousa na exploração da função metalingüística.
Assim, as demais funções da linguagem não serão objeto de estudo, visto
que o enfoque do trabalho é análise de crônicas que se utilizam do caráter
metalingüístico da linguagem.
33
CAPÍTULO III - OS RECURSOS LINGÜÍSTICOS NA PROSA
METALINGÜÍSTICA DE DRUMMOND
Não me importa a palavra, esta corriqueira
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe
os sítios escuros onde nasce o “de”, o “aliás”,
o “o”, o “porém” e o “que” esta incompreensível
muleta que me apóia.
Adélia Prado
O título deste trabalho sugere o seu propósito, que é submeter a uma leitura,
diga-se orientada, o texto em prosa de Drummond, a partir do exame das
articulações entre experiências e construções no nível de linguagem.
Procurar-se-á verificar em que medida a noção de construção está envolvida
operativamente nas próprias transposições das experiências para a realização
lingüística.
Nesse sentido, as relações entre significante e significado resulta o processo
da criação textual, em que a linguagem está submetida a uma incessante operação
metalingüística, isto é, aquela que voltada para si mesma, conduz o leitor para os
questionamentos acerca do próprio código utilizado. Desta forma, a significação do
texto não está apenas localizada no âmbito especifico da Semântica e Pragmática,
mas é transportada para a própria teia das relações nas esferas morfológica,
sintática e cognitiva, às quais se darão ênfase no desenvolvimento desse trabalho.
A partir desse relacionamento entre linguagem e metalinguagem, a crônica
“O BEM MAIS PERIGOSO” parece apontar para uma rie de reflexões sobre a
palavra, como elemento revelador de relações dialéticas, que podem até mesmo
impossibilitar a interação entre os interlocutores.
34
Neste texto, Drummond relata a história da família do Sr. Saturnino, que
após meditar a afirmação do poeta HÖLDERLIN de que a linguagem é o mais
perigoso de todos os bens, recolheu-se à mudez total.
O BEM MAIS PERIGOSO
HAVENDO MEDITADO profundamente sobre a afirmação do poeta Höderlin – “a linguagem é
o mais perigoso de todos os benso Sr. Saturnino deliberou recolher-se à mudez total. Sua
boca não pronunciou mais um monossílabo.
A família sentiu que não havia argumento ou artifício capaz de devolvê-lo ao mundo do sons,
e por sua vez foi ficando calada. No fim de seis meses ninguém falava naquela casa. Nem as
moscas zumbiam.
A história da família silenciosa provocou certa curiosidade, mas outro seis meses se
passaram, e não se prestou mais atenção naquilo. Saturnino e família foram esquecidos.
Não pediam, não reclamavam, não pleiteavam nada. Ultimamente nem saiam de casa. A
casa não se abria. O fiscal de arrecadação, por forca de lei, bateu à porta para intimar
Saturnino a pagar com multa os impostos. A porta abriu-se sem ranger e dentro foram
encontrados Saturnino e seus familiares transformados no advérbio jamais.
Carlos Drummond de Andrade
Observa-se que a construção lingüística é feita, predominantemente, através
de advérbios e palavras de sentido negativo: “Sua boca Não pronunciou mais um
monossílabo” , “... Não havia argumento” ,” No fim de seis meses NINGUÉM
falava...” NEM as moscas...”“ ... e NÃO se prestou mais atenção...” “NÃO pediam.
Não reclamavam, Não pleiteavam NADA.” “... Nem saiam de casa. A casa NÃO se
abria” “...Saturnino e seus familiares transformados no advérbio JAMAIS”. A
reiteração do advérbio “NÃO” e a negação através de sintagmas como: “NINGUÉM”
“NEM” “JAMAIS” talvez sejam a máscara por sob a qual se esconde a insuficiência
do código para a comunicação. Através dessa negação, ele sugere que o espaço
ficou vazio ou repleto de silêncio, ou mesmo o esvaziamento de um lugar, onde se
recusa o uso da linguagem” por ser “O Bem Mais Perigoso”. O silêncio, a mudez é
35
tamanha que contaminou não a família de SATURNINO, mas até os seres não
humanos: “Nem as moscas zumbiam”, e” a porta abriu sem ranger”.
A consciência da impossibilidade de comunicação se traduz pela
desqualificação daquilo que se tem a dizer, permanecendo na esfera da mudez e do
silêncio. Depreende-se temática semelhante em outros textos de Drummond, como
por exemplo no poema “Nudez” que, segundo Barbosa (1974), entre o silêncio e a
palavra oferece elementos para a compreensão de que nele o espaço é preenchido
pelo NADA.
“Não cantarei amores que não tenho
E quando tive, nunca celebrei
Não cantarei o riso que não rira
E que, se risse, ofertaria a pobres.
Minha matéria é o NADA.
Contudo, é importante frisar, nesse momento da análise, que as marcas
lingüísticas constituem indicadores das intenções do autor, porém, podem não
coincidir exatamente com essas mesmas intenções, ou porque ele as mascarou ou
porque o texto permite leituras o previstas. Assim, nunca se pode saber o que o
autor quis de fato dizer.
Cumpre, também, observar, juntamente com Kock (2003) que as mudanças
ocorridas em relação às concepções de língua concebida como um sistema em uso
efetivo em contextos comunicativos, bem como às concepções de texto (não mais
vistos como produto, mas como processo), e aos objetivos a serem alcançados,
fizeram com que se compreendesse a Lingüística de Texto como uma disciplina
essencialmente interdisciplinar, em função das diferentes perspectivas que
abrangem e dos interesses que a movem. Ou ainda, segundo Marchuschi (1998),
pode-se desenhar a Lingüística Textual como uma disciplina de caráter
36
multidisciplinar, dinâmica, funcional e processual, considerando a língua como não
autônoma nem sob seu aspecto formal.
Depreende-s, assim, que Texto é uma unidade de linguagem que cumpre
uma função identificável na situação sócio-comunicativa que se refere ao aspecto
pragmático, e semântico – cultural.
Nesse sentido, recorre-se a Maingueneau (1996, p.24) que afirma:
a pragmática lingüística, quando se considera que a utilização da
linguagem, sua apropriação por um enunciador que se dirige a um
interlocutor num contexto determinado, não se acrescenta de fora a um
enunciado de direito auto-suficiente, mas quando a estrutura da linguagem
mobilizada por enunciações singulares produzir um certo efeito dentro de
um certo contexto verbal e não verbal.
Dessa forma, vê-se que as preocupações pragmáticas atravessam o
conjunto das pesquisas que tratam da interação entre enunciador e interlocutor, e
até mesmo ultrapassam o contexto do discurso para se tornar uma teoria geral da
ação humana. Outra reflexão importante a se considerar é que a pragmática
apresenta-se, pois, como uma articuladora de campos que tradicionalmente eram
separados.
Estudiosos como, Maingueneau (1996) e Neves (2006) defendem a
integração dos diversos componentes: sintáticos, semânticos e pragmáticos em uma
análise lingüística textual. Dressler, (1977) afirma, também, que a lingüística textual
comporta diversas manifestações: cabe à semântica do texto explicitar o que se
deve entender por significação e como esta se constitui, e, é tarefa da pragmática
dizer qual é a função de um texto no contexto extra-lingüístico, e a organização das
palavras no texto ajusta-se a critérios de natureza sintático.
Para complementar e abordar tais conceitos, Beaugrnade e Dressler (1981)
consideram a coesão e a coerência em níveis diferentes de análise. A coesão,
37
segundo eles, se manifesta no nível microtextual e refere-se aos modos como as
palavras o ligadas entre si dentro de uma seqüência, e a coerência, por sua vez,
manisfesta-se em grande parte macrotextualmente, e refere-se aos modos como os
componentes do universo textual, isto é, os conceitos e as relações subjacentes ao
texto de superfície se unem numa configuração de maneira reciprocamente
acessível e relevante.
Assim, a coerência é o resultado do processo cognitivo operante entre os
usuários e não mero traços dos textos. Dessa forma, a coeo textual revela a
importância do conhecimento lingüístico (dos elementos da língua, seus valores e
usos) para a produção do texto e sua compreensão e, portanto, para o
estabelecimento da coerência.
Como se pode observar, a crônica de Drummond, “ O Bem Mais Perigoso” é
altamente coesiva e seu título remete ao texto, mostrando que se trata de um “Bem”
determinado (presença do artigo definido), mas não a especificação de que se
trata, o que desperta a curiosidade, levando à leitura. A curiosidade é desfeita no
primeiro parágrafo, quando se fica sabendo que este “Bem” do qual se fala no título
é a linguagem. Nos parágrafos seguintes, os recursos lingüísticas são pistas que
podem levar às intenção do autor.
Estes expedientes se caracterizam pela reiteração de advérbios, e palavras
de sentido negativo, ausência de conectores interfrásicos, intenso uso de frases
curtas e que trouxeram relevantes contribuições ao nível de coerência. Estes
recursos intensificaram a sugestão de rapidez da ação: “No fim de seis meses
ninguém falava naquela casa”.
Nota-se, ainda, que os conectores interfrásicos são substituídos no texto,
pela vírgula, ponto final e orações reduzidas que assinalam relações de conjunção.
38
No 1º parágrafo, “Havendo meditado profundamente...” o gerúndio “havendo
substitui o conector causal: “Porque meditou profundamente...” No último parágrafo,
o particípio adjetivado “transformado” encontrado em” ... Saturnino e seus familiares
TRANSFORMADOS no advérbio jamais” ratifica a noção de síntese, restrição,
pretendidos pelo autor, instaurando o humor e surpresa do desfecho final e,
efetivamente, reforça a idéia, com o advérbio “JAMAIS”, de impossibilidade total.
Isto tudo leva a inferir que as relações a serem estabelecidas em um texto
não podem ser apenas semântica (entre conteúdos), mas também pragmáticas,
entre atos de fala ou seja, entre as ações que realizamos ao falar e, ou, a escrever.
Na crônica “O bem mais perigoso”, encontramos verbos como: deliberar, pronunciar,
calar, zumbir, pedir, reclamar, pleitear, que sugerem a intenção e a decisão do
personagem Saturnino. Este fato é que levou Widdowoson (1978) in Koch (2003) a
dizer que a coerência seria a relação entre os atos de fala que as proposições
realizam.
Beaugrande e Dressler (1981) e Marcushi (1998) afirmam que, uma
unidade de sentido no todo do texto quando este é coerente, então a base da
coerência é a continuidade de sentidos entre os conhecimentos ativados pelas
expressões do texto. Esta continuidade se refere aos componentes textuais, isto é, o
conjunto de conceitos e de conhecimentos do mundo que são ativados na superfície
lingüística do texto através de processos cognitivos que operam entre produtor e
interlocutor.
É nosso conhecimento de mundo que nos faz considerar estranho e
impossível a decisão da família de Saturnino, personagens da crônica em estudo, de
viver na sociedade sem nenhuma foram de comunicação. É também esse
39
conhecimento que permite inferir que embora a linguagem seja muito perigosa, a
sobrevivência do ser humano depende dela, como sugere o texto de Drummond.
Segundo Koch (2001), é a partir dos conhecimentos que temos que vamos
construir um modelo do mundo representado em cada texto é o mundo textual.
Este, com certeza, é apenas um simulacro de mundo real, pois o seu produtor o
recria sob pontos de vista que dependem de suas intenções. Estas podem ir desde a
simples intenção de estabelecer ou manter o contacto com o receptor, até a de levá-
lo a partilhar de suas opiniões, ou a agir ou comporta-se de determinada maneira.
Para Beaugrande e Dressler, a intencionalidade refere-se ao empenho do
produtor em construir um discurso coerente, coeso e capaz de realizar os objetivos
que têm em mente numa situação comunicativa. De acordo com os autores, o
objetivo pode ser: informar, impressionar, alarmar, convencer, pedir, ofender etc, e
esta meta vai orientar a realização do texto.
A intencionalidade é o foco no qual, também, se ancorará essa análise para
apreender as relações entre linguagem e metalinguagem na prosa de Drummond.
Para essa abordagem recorrer-se-ão tanto ao estudo feito por Searle (1995) em seu
livro intitulado “Intencionalidade”, quanto à concepção proposta por Umberto Eco
(2004) em “Os Limites da Interpretação”. Nesta obra, o autor defende o princípio de
que a interpretação deve ser vista como uma pesquisa da INTENTENTIO
AUTORIS”, “INTENTIO OPERIS” e interpretação como imposição da “INTENTIO
LECTORIS”.
para Searle a filosofia da linguagem é um ramo da filosofia da mente,
uma vez que as sentenças são consideradas de um certo modo, apenas objetos no
mundo como quaisquer outros objetos, sua capacidade de representar não é
intrínseca e sim derivada da Intencionalidade. Em sua forma mais geral, filia-se à
40
concepção, segundo a qual certas noções semânticas fundamentais, como o
significado, o analisáveis em termos de noções psicológicas ainda mais
fundamentais, como a crença, o desejo e a intenção. Tais concepções são bastante
comuns na Filosofia, mas uma discordância considerável entre os adeptos da
abordagem, segundo a qual a linguagem está subordinada tanto à mente quanto à
aparência que deve ter a análise de noções semânticas.
De acordo com Searle (1995), uma das versões mais influentes dessa
concepção derivada de Grice (1982), é que, para um falante fazer significar alguma
coisa por uma emissão, ele deve ter um certo conjunto de intenções direcionadas
para uma audiência real ou possível, e fazer essa emissão com a intenção de
produzir certos efeitos sobre sua audiência. A questão fundamental, então, que se
abordada por Searle é: Quais as características das intenções do falante em
emissões significativas que fazem com que este signifique alguma coisa por sua
emissão? Quando um falante faz uma emissão, produz um evento físico, em termos
muito simples, pergunta-se: O que sua intenção acrescenta ao evento físico para
que esta se caracterize na instância de um falante que significa alguma coisa por
seu intermédio? Como passamos, por assim dizer, da física para a semântica?
Segundo Searle, existe um nível duplo de intencionalidade na realização do
ato de fala. Em primeiro lugar o estado intencional expresso, mas em segundo
lugar, está a intenção no sentido comum, e não técnico da palavra com que se faz a
emissão. Enunciar é um ato ilocucionário, é a realização do ato de emissão com um
certo conjunto de intenções que converte o ato de emissão em um ato ilocucionário
e, desse modo impõe intencionalidade à emissão.
Dessa maneira, o ato de fala emitido através do verbo “deliberar” pelo
personagem-protagonista da crônica “O Bem mais Perigoso” revela um estado
41
intencional com conteúdo proposicional, e esse estado é a condição de sinceridade
desse ato de fala, por exemplo, o fato desse personagem Deliberar, não Pedir, não
reclamar, enfim não se comunicar mais, pressupõe a verdade da proposição de que
a família não deverá mais fazer uso da linguagem. Essa ação contém uma crença
de verdade; não se deve mais, fazer uso da linguagem.
Assim, segundo Searle (1995), pode-se dizer que um enunciado é satisfeito
se, e somente se, for obedecido, que uma promessa é satisfeita se, e somente se,
for cumprida, e assim por diante. Ora, acrescenta o autor, essa noção de satisfação
também se aplica, claramente, aos estados Intencionais. Minha crença será
satisfeita se, e somente se, as coisas forem tais como acredito que sejam, meus
desejos serão satisfeitos se, e somente se, forem levadas a cabo. Isto é, a noção de
satisfação parece ser intuitivamente natural tanto para os atos de fala, quanto para
os estados Intencionais.
De importância crucial, assinala o autor é perceber que o ato de fala será
satisfeito se, e somente se, o estado psicológico expresso for satisfeito; e forem
idênticas as condições de satisfação do ato de fala e do estado psicológico
expresso.
É fundamental, novamente, lembrar que essa compreensão se de modo
complexo, nada se podendo garantir em termos de intencionalidade, mas sim deve-
se procurar explicar por quais razões estruturais pode o texto produzir aquelas, ou
outras possibilidades de sentido.
Desse modo, a promessa do personagem Saturnino da análise em pauta
apresenta modificações estruturais que sugerem que ela foi cumprida e sua
intenção, portanto, foi levada a cabo.
42
De acordo com Searle, o discurso ficcional oferece-nos uma série de atos
de fala simulados (como um faz-de-conta), em geral assertivas simuladas, e o fato
de o ato de fala ser apenas simulado rompe os compromissos palavra-mundo das
assertivas normais. Esclarece, também, será no mínimo, enganador, senão
simplesmente um equívoco, dizer que uma crença, por exemplo, é uma relação de
dois termos entre alguém que acredita e uma proposição. Um equívoco análogo
seria dizer que um enunciado é uma relação de dois termos entre um falante e uma
proposição; deve-se dizer, preferivelmente, que uma proposição o é o objeto de
um enunciado ou crença, mas, antes, o seu conteúdo. O conteúdo do enunciado,
afirma Searle (1995), ou crença de que De Gaulle era francês é a proposição de que
De Gaulle era francês. Mas essa proposição não é aquilo a que tal enunciado ou
crença se refere ou a que se direciona. Não, o enunciado ou crença refere-se a De
Gaulle e representa-o como sendo francês por ter o conteúdo proposicional e o
modo de representação – ilocucionário ou psicológico.
De acordo com esse autor, cinco categorias básicas de atos
ilocucionários: Assertivo quando dizemos aos ouvintes (verdadeiro ou falsamente)
como as coisas são; Diretivo quando tentamos fazer com que realizem coisa;
Declarativo e Compromissivo quando provocamos mudanças no mundo através de
nossas emissões e compromissos; e Expressivo quando expressamos nossos
sentimentos e atitudes.
Outra vez, voltando à crônica em estudo, nota-se que o personagem
Saturnino realizou ato ilocucionário, segundo concepções de Searle do tipo
“compromissivo” e “declarativo”, pois a sua deliberação a respeito da fala, ou seja, o
seu compromisso com a mudez influenciou toda sua família e levou-a a mudança
em seu comportamento, isto é, a incomunicabilidade entre seus membros.
43
Na verdade, Searle discute o que torna uma ação significativa. No sentido
lingüístico, uma ação é significativa quando apresenta essas condições de
satisfação intencionalmente impostas. O elemento chave na análise das intenções
de significação são, ao menos em parte, intenções de representar, e uma intenção
de representar é uma intenção de que os eventos físicos que constituem parte das
condições de satisfação (no sentido de coisa requerida) da intenção tenham, eles
próprios, condições de satisfação (no sentido de requisito). Fica, pois, claro qual a
parte do significado relacionado à representação e qual a parte relacionada à
comunicação.
Quando se produz um enunciado, geralmente tenciona-se produzi-lo de
forma verdadeira e, que este produza certas crenças em nossa audiência, mas
apesar disso, adverte Searle, a intenção de fazer um enunciado é diferente da
intenção de produzir convicção ou da intenção de falar a verdade. Qualquer estudo
da linguagem, garante o autor, deve levar em conta o fato de que é possível mentir e
é possível realizar um enunciado ao mesmo tempo em que se mente. E qualquer
estudo da linguagem deve levar em conta o fato de que é possível ter-se êxito total
em fazer um enunciado e, ao mesmo tempo, fracassar em fazer um enunciado
verdadeiro. Ainda, qualquer estudo da linguagem deve levar em conta o fato de que
uma pessoa pode fazer um enunciado e estar totalmente indiferente quanto ao fato
de sua audiência acreditar ou não nela, ou mesmo de a audiência compreendê-la ou
não.
A questão dos “atos de fala” abriu debates tão consideráveis quanto sutis.
Assinala-se, aqui, o problema levantado pelos atos de fala indireto. Já foi dito que as
marcas lingüísticas constituem indicadores das intenções do autor, porém, podem
não coincidir exatamente com essas mesmas intenções ou porque ele as mascarou,
44
ou porque o texto permite leituras não previstas. Assim, nunca pode saber o que o
autor quis de fato dizer.
É o estudo de tais possibilidades discursivas, de suas marcas e pistas na
materialidade metalingüística que se realizará no capítulo IV, onde, então, discutir-
se-ão questões referentes à construção textual nos planos morfo-sintático,
semântico e cognitivo.
45
CAPÍTULO IV - ANÁLISE DOS RECURSOS LINGÜÍSTICOS E
DISCURSIVOS NAS CRÔNICAS METALINGÜÍSTICAS DE
DRUMMOND
A linguagem na superfície estrelada
de letras, sabe lá o que quer dizer? O
português são dois; o outro, mistério.
Carlos Drummond de Andrade
A análise a que se procederá pretende evidenciar, através dos fundamentos
teóricos, expostos, as operações lingüísticas e cognitivas responsáveis pela
produção e construção de textos, cuja linguagem se propõe como metalingüística.
Destacar-se-ão os atos de fala com suas pressuposições e implicações no plano das
ações e das intenções.
Nesse conjunto de concepções teóricas, é necessário salientar a
contribuição de Umberto Eco (2004), pois afirma que, quando um texto (tanto poesia
quanto narrativa) é produzido, este o é dirigido para um único destinatário, mas
para uma comunidade de leitores. O autor do texto sabe que este será interpretado
não segundo suas intenções, mas segundo uma complexa estratégia de interações
que co-envolve também os leitores, juntamente com a competência destes em
relação à língua como patrimônio social. Esclarece que, por patrimônio social, não
entende apenas uma língua como conjunto de regras gramaticais, mas também toda
a enciclopédia que se constitui mediante o exercício daquela língua, isto é, as
convenções culturais que aquela língua produziu e a história das precedentes
interpretações desses textos.
46
Desse modo, no decorrer dessas complexas interações, assinala Eco, não
se está especulando sobre as intenções do autor, mas sobre a intenção do texto, ou
sobre a intenção daquele AUTOR MODELO que se tem condições de reconhecer
em termos de estratégia textual. Para tanto, o AUTOR-MODELO (segundo
terminologia de Eco) vai mobilizar todos os outros fatores de textualidade,
mecanismos e estratégias para atingir seus propósitos.
Observe-se como isso se manifesta nas crônicas a seguir:
47
4.1 OS DADOS ESSENCIAIS
1
A filosofia não pretende outra coisa senão
achar o porquê do quê, e esta chave continua
insabida.
Carlos Drummond de Andrade
Etelberto matriculou-se na Faculdade de Comunicação. Lá aprendeu que toda a matéria
jornalística de responder às seguintes perguntas: Quem? O quê? Quando? Onde? Por
quê? Como?
Impressionou-se de tal modo com a objetividade e o alcance da fórmula, que dpor diante,
a qualquer propósito e mesmo sem propósito algum, se surpreendia indagando a si mesmo
quem o quê, quando, onde, por quê e como.
Matutando horas seguidas, concluiu que não a notícia, mas toda a vida deve ser
considerada à luz dos seis dados, e esses dados são da aventura humana. A filosofia não
pretendeu outra coisa senão achar o porquê do quê, e esta chave continua insabida. O como
tarda a ser esclarecido totalmente, pairam dúvidas sobre o quando, e muitas vezes torna-se
impossível apurar quem é quem. Estamos sempre interrogando a Deus, aos laboratórios, ao
vento.
Etelberto passou a ver o mundo como notícia mal redigida, que o copy-desk não teve tempo
de reformular, ou não quis ou não soube. Desistiu de diplomar-se em Comunicação. Hoje
mantém uma criação de trutas, que lhe rende bom dinheiro. É fornecedor exclusivo de
restaurante de cinco estrelas;
As unidades metalingüísticas que constituem a crônica de Drummond, seja
objetivamente, seja de maneira subjacente, reportam ao tema de que a linguagem e,
conseqüentemente, a interação que é feita através dela é um jogo com expressões.
Esta informação está claramente expressa em: “Matutando horas seguidas, concluiu
que não a notícia, mas toda a vida terrestre deve ser considerada à luz dos seis
dados...”.
1
ANDRADE, Carlos Drummond de, Os dados essenciais, apud Contos Plausíveis, 6. ed. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 1988.
5
10
15
48
É Guimarães (2003, p. 25) quem afirma que a estrutura temática de um texto
se define num campo nocional de múltiplas dimensões, e portanto, “não se restringe
à interação de unidades significativas, mas estendem-se a outros eixos da
significação, tais como: as práticas intertextuais, as operações metalingüísticas , e
os procedimentos que asseguram coesão e coerência.”
Compartilha desse mesmo ponto de vista Umberto Eco (2004 p. 127). Para o
autor, também é o “contexto mais amplo de um enunciado, que permite hipotizar o
“topic” discursivo, com base nos quais podemos iniciar o trabalho interpretativo.”
“O contexto está relacionado a toda realidade que envolve uma atividade
verbal, quer como presença física, quer como saber dos interlocutores, quer como
atividade”. (Andrade, 2001, p. 114). A autora ressalta a diferença entre contexto
verbal e contexto extraverbal. Afirma que primeiro é o próprio discurso, pois para
cada porção de um discurso, constitui contexto verbal não o dito antes, mas
também o dito depois, no mesmo discurso. Já, o contexto extraverbal diz respeito ao
conjunto de circunstâncias não- lingüísticas que são percebidas diretamente, ou são
conhecidas pelos interlocutores, isto é, tudo aquilo que física ou culturalmente
envolve o ato de enunciação.
Acrescenta Andrade (2001), que uma situação física ou psíquica é
relativamente vaga e indefinida, um universo de discurso, entretanto é um todo
relativamente articulado ou sistematizado, porque é criado e sustentado pelo
conhecimento mútuo, por parte dos interlocutores, de certas pressuposições sem as
quais esse universo não existe, e as referências que são internas a ele não tem
sentido.
Verifica-se, portanto, que “um universo de discurso está condicionado a uma
pressuposição e essa pressuposição é o suporte da realidade do universo em que o
49
discurso se instaura.” (ANDRADE, 2001, p.117). O conhecimento mútuo dessa
pressuposição é a condição para a existência de um discurso com sentido.
Dessa forma, para que o processo de comunicação tenha êxito, não basta
que o interlocutor conheça e reconheça o significado lingüístico codificado; é
imprescindível que seja capaz de inferir qual é o significado que o emissor pretendeu
dar e, portanto, o conteúdo que desejou transmitir. Assim, a importância das
pressuposições é decisiva no momento de se extrair uma inferência.
No texto em pauta, é o conhecimento prévio ativado e as inferências,que
levam às informações que possibilitarão a apreensão de um significado: a imitação e
paródia do estilo jornalístico. Em “Os dados essenciais” o narrador trabalha com os
elementos constitutivos do “lide” ou “lead”, possivelmente, para ironizar ou a
mesmo, para que se possa dele inferir sua improcedência como elemento propulsor
de comunicação.
Sabe-se que o “lide” é um termo jornalístico, refere-se à abertura de notícia,
onde se apresenta sucintamente o assunto. Ele é constituído pelos elementos
fundamentais do relato a ser desenvolvido no corpo do texto jornalístico.
De acordo com o verbete do Dicionário de Comunicação de Rabaça e
Barbosa (1987, p. 21)
o lide torna possível ao leitor que dispõe de pouco tempo, tomar
conhecimento do fundamental de uma notícia em rapidíssima e condensada
leitura do primeiro parágrafo. Sua leitura pode também “fisgar” o interesse
do leitor e persuadi-lo a ler tudo até o fim.
No lide, portanto, encontramos as respostas básicas referentes ao assunto:
quem fez o q e quando, seguindo as explicações como, onde e por quê,
dependendo da importância de cada uma das informações, essa ordem poderá ser
alterada, informa Rabaça, citado anteriormente.
50
Segundo essa definição, nota-se que o narrador, no texto em pauta,
estruturou o parágrafo em forma de lide, pois respondeu as principais perguntas
exigidas por ele. Atente-se para o parágrafo:
“Etelberto matriculou-se na Faculdade de Comunicação. aprendeu que
toda matéria jornalística bem redigida há de responder às seguintes perguntas...”
Quem? Etelberto
O quê? Matriculou-se
Onde? Faculdade de Comunicação
Por quê? Diplomar-se em Comunicação
Como? Obtendo informação sobre matéria jornalística
Este texto, predominantemente, metalingüístico, tem como intenção
questionar a própria língua, isto é, a pertinência de reduzir a própria língua e o ato
comunicativo em expressões estereotipadas.
“Impressionou-se de tal modo com a objetividade e o alcance da fórmula, que daí por diante,
a qualquer propósito e mesmo sem propósito algum, se surpreendia indagando a si mesmo
quem, o quê, quando, onde...”
Desse modo, como se vê, no texto metalingüístico uma dinâmica
articuladora, pois as referências apontam para si próprias.
“Etelberto passou a ver o mundo como notícia mal redigida, que o copy-desk não teve tempo
de reformular, ou não quis ou não soube.”
A estrutura lingüística dessa crônica permite diferentes percursos
interpretativos. Inicialmente, poder-se-ia traçar uma diferença entre significado literal
e significado figurativo. Eco (2004, p 10), interpela se existe um grau zero de
significação literal. Baseando-se em vários estudiosos do assunto, ele mesmo
esclarece que “esse grau zero deveria corresponder ao significado aceito em
contextos técnicos e científicos. (...) Não por acaso também, os dicionários
comunicam um significado do gênero em primeiro lugar e registram acepções
51
figuradas apenas como definições secundárias. Searle (1980) sugere que, para
interpretar metaforicamente um enunciado, o destinatário deve reconhecer sua
absurdidade: se ela fosse entendida no sentido literal, teríamos o caso de anomalia
semântica. Mas casos em que expressões metafóricas parecem apresentar-se
como literalmente aceitáveis. A complexidade da metáfora pode advir de suas
profundas ramificações com outros recursos estilísticos vizinhos os “tropos” ou
figuras de linguagem e pensamento como: a imagem, alegoria, a metonímia,
antífrase, a sinédoque, etc...
Segundo Moisés (1995), a metáfora pode ser empregada genericamente,
como sinônimo de figuras de linguagem ou de pensamento, pode designar o
processo global de figuração ou de pensamento, pode designar o processo global de
figuração ou expressão do pensamento literário. Acrescenta, ainda, que a metáfora
e o pensamento estariam profundamente entrelaçados, de modo a poder inferir-se
que o pensamento é metafórico.
Nessa perspectiva, então, considera-se que o próprio ato de pensar e de
conferir nome às coisas cria e desenvolve metáforas. Os semanticistas modernos
sistematizaram a concepção de metáforas, seguindo várias direções. As abordagens
pragmáticas estendem o mecanismo ao conjunto da comunicação, vê nela um
fenômeno, de acordo com Charaudeau (2004), linguageiro ordinário. Para Searle
(1982, p. 121),
metáfora é apenas um caso de ato de linguagem indireto, no qual ao dizer
“S é P” (meu vizinho é um urso), o locutor quer fazer entender que meu
vizinho é um homem solitário. Nessa concepção a analogia URSO/HOMEM
SOLITÁRIO aparece somente no momento dos cálculos interpretativos do
receptor, momento que se reconstrói mentalmente a intenção comunicativa.
Voltando à crônica em questão, quando o narrador conclui que “toda a vida
terrestre deve ser constituída à luz dos seis dados, e esses são os da aventura
52
humana”, implicitamente ele revela que a vida se caracteriza pela indagação, busca,
dúvida, e o incessante desejo de procurar respostas e soluções, que seriam os seis
dados literalmente expostos e representados pelas perguntas: QUÊM? O QUÊ?
QUANDO? ONDE? POR QUÊ? COMO? E “CHAVE” outra metáfora comum nas
obras Drummondiana, simboliza o mecanismo que supostamente traria as respostas
para suas inquietações; todavia essa “continua insabida”, como afirma no próprio
texto.
Na análise em pauta, não se trata de explorar apenas a “absurdidade” das
metáforas usadas por Drummond, mas também o caráter extremamente irônico,
depreendido por meio de suas estratégias metalingüísticas. Fazem-se necessárias
algumas considerações sobre IRONIA, nesse momento.
A reflexão sobre ironia acompanha a filosofia desde suas origens e, a
retórica a descreve tradicionalmente como um “tropo” que consiste em dizer o
contrário do que se quer fazer o destinatário compreender. De acordo com
Charaudeau (2004), na ironia, a possibilidade de não assumir a enunciação por
parte do locutor e de discordância em relação à fala esperada em tal tipo de
situação. É, pois, um fenômeno essencialmente contextual.
Berrendonner (1981, p. 281) considera a ironia como uma enunciação
paradoxal, em que o locutor invalida sua própria enunciação no próprio movimento
pelo qual a enuncia: fazer ironia não é inscrever-se falsamente de maneira mimética
contra o ato de fala anterior ou virtual, em todo o caso, exterior do outro. É inscrever-
se falsamente contra sua própria enunciação, apesar de produzi-la. Segundo esse
autor, “a ironia é uma manobra que frustra uma norma sem propor de fato uma outra
alternativa; a ironia é um tipo de enunciação essencialmente insolúvel, que carrega
valores contraditórios e pode deixar o destinatário perplexo quanto a seu objetivo.”
53
Ponto de vista semelhante é defendido por Brait (1996, p. 26). Ela considera
que a ironia é a única dissimulação absolutamente involuntária e, no entanto,
refletida. “Nela tudo deve ser brincadeira e seriedade, expansão sincera e profunda
dissimulação.”
Pelo fato da ironia se situar no nível de inferências comprometidas com o
nível discursivo o discurso sobre o discurso (metadiscurso), e, bem como, com a
possibilidade de em uma seqüência irônica existir a presença de um significante
recobrindo dois significados,e ainda, linguagem falando da própria linguagem,
justifica-se, assim, a sua pertinência em uma análise em que se descortina o
processo metalingüístico.
Na crônica, “OS DADOS ESSENCIAIS” pode-se inferir a ironia a partir de
seu título, parte componente e importante da mensagem, podendo de acordo com
Guimarães (2003, p. 50) “desempenhar tanto a função factual e de chamada, como
a função poética e expressiva.” Esclarece a autora, ainda, que é necessário lembrar
o papel fundamental do título no esquema específico de notícias, destacando
categorias como acontecimentos principal, história, antecedentes, conseqüentes ou
expectativas. Guimarães assegura que é o título, pois em primeiro plano, que orienta
a compreensão para a estrutura de relevância na apresentação das notícias. Ela
ratifica a relevância deste, destacando que títulos não são meros artifícios
publicitários, mas chave para a descodificação da mensagem, desde que
convenientemente propostos.
Nessa crônica, a ancoragem do texto no título se processa através de uma
mesclagem entre a relação anafórica e a ironia: o título funciona como informação
conhecida, remetendo a um elemento anterior, não enunciado no texto, mas
supostamente partilhada pelo leitor. Por meio da ironia e com a presença do artigo
54
definido anafórico “o”, Drummond revela no texto o contrário do que pensa,
estabelece um contraste entre o modo de enunciar o pensamento e o seu conteúdo,
pois, na verdade, esses dados não o essenciais, porque paradoxalmente, eles
contribuem para a não informação, para o indizível, o irrealizável, o que sugere a
dificuldade e a impossibilidade de comunicação. “Estamos sempre interrogando a Deus,
aos laboratórios, ao vento”.
Portanto, a ironia deve despertar a atenção, por meio de um olhar minucioso
que, residindo nas formas de linguagem, trabalha-as sem perder de vista as
perspectivas mais abrangentes que ela pode envolver, e representam, assim, uma
contribuição essencial ao estudo do fenômeno lingüístico-discursivo.
Quando, porém, a ironia empalidece e a idéia até então escamoteada
submerge à superfície do texto, acessível à compreensão do leitor, temos, como
MOISÉS (1995) afirma o sarcasmo, pois induz ao cômico e ao riso. Tais
características são depreensíveis no desfecho dessa crônica, e decorre da
inesperada decisão do personagem Etelberto, que desencantado com os meios de
comunicação, e desacreditado em qualquer solução mágica no campo da
linguagem, desiste de diplomar-se em Comunicação e passa a ser um criador de
trutas. O sucesso dessa atividade, - ela “lhe rende bom dinheiro. É fornecedor exclusivo de
restaurantes cinco estrelas”, desencadeia no texto o humor, o riso e uma reflexão sobre a
problemática desvalorização da ngua como instrumento inatingível de
comunicação.
Assim, instaura-se o pressuposto de que a linguagem sofre o castigo da in-
significação, e o que se quer dizer não é senão a máscara por sob a qual se
esconde a insuficiência do código utilizado, e por isso se deve ser cauteloso para
asseverar e mesmo tangenciar uma possível intencionalidade do enunciador do
texto.
55
Todos os procedimentos de análise tiveram como ponto de referência a
reflexão metalingüística do autor que, ao realizar seus atos de fala, critica-os,
rejeitando-os ou duvidando de sua eficácia, bem como de sua validade, enquanto
mecanismo de comunicação.
Essas inquietudes (como as denomina Antonio Cândido) percorrem toda a
obra de Drummond e o seu senso crítico, tanto nos versos quanto na prosa,
surpreende e desafia o leitor a cada passo. Tanto é verdade que as mesmas buscas
que sustentam a atividade poética percorrem os livros de crônicas. Assim, o seu livro
“Passeios na Ilha” (1952) abre-se com a crônica “Divagações sobre as ilhas”, em
que o autor mostra seu descontentamento com a realidade em que vive e sua
intenção de fuga. Nela explica e revela as contradições que envolvem seu projeto de
“ilha”:
De muito sonho esta ilha, se é que o a sonhei sempre. Se é que não a sonhamos
sempre, inclusive os mais agudos participantes. Objetais-me; “Como podemos amar as ilhas, se
buscamos o centro mesmo da ação?” (...) Significa a evasão daquilo para que toda alma
necessariamente tende, ou seja, a gratuidade dos gestos naturais, o cultivo das formas espontâneas,
o gosto de ser um com os bichos, as espécies vegetais, os fenômenos atmosféricos. Que miragens
o iluminado no fundo de sua iluminação? (...) nessa ilha tão irreal, ao cabo, como as da literatura,
ele constrói a sua cidade de ouro, e nela reside por efeito da imaginação, administra-a , e até mesmo
a tiraniza...”
Resta, ainda, antes de concluir este estudo, destacar que as relações que
definem a estrutura temática do texto baseiam-se num campo nocional de múltiplas
dimensões.
Não se restringem à interação de unidades significativas, mas estendem-se
a outros eixos da significação, como procedimentos que asseguram a coesão e a
coerência do texto. A continuidade de um texto resulta de um equilíbrio variável
56
entre duas exigências fundamentais: uma exigência de progressão e uma exigência
de repetição. Em outras palavras, como diz Maingueneau (1996) um texto deve
repetir (para não misturar alhos com bugalhos) e, por outro, integrar informações
novas para não permanecer estático.
É preciso, portanto, distinguir dois planos de análise: um no plano sintático
sujeito, objeto direto, predicativo, etc. e outro no plano temático tema e rema. O
tema é um grupo que carrega a informação adquirida, o “rema” o grupo que
carrega a informação nova.
Assim, na primeira frase de “Os dados essenciais”:
Etelberto matriculou-se na Faculdade de Comunicação. Considera-se
“Etelberto” como o tema, o ponto de partida, e “matriculou-se na faculdade de
Comunicação” como o rema. Uma vez introduzido no texto, o rema, ou parte dele,
pode tornar-se tema de uma outra frase: “Lá aprendeu que toda matéria jornalística bem
redigida...”, onde o advérbio “Lá” retoma “Faculdade de Comunicação”, e constitui o
novo tema. Outro expediente poderoso na progressão textual é a reiteração léxica.
Guimarães (2003) alega que a simples repetição de um lexema pode significar
efeitos estilísticos de especial relevância na carga de significação do texto. Como
exemplo, observa-se essas passagens de “Os dados essenciais”.
“Lá aprendeu que toda matéria jornalística bem redigida de responder às seguintes
perguntas: QUÊM? O QUÊ? QUANDO? ONDE? POR QUE? COMO? (...) SE SURPREENDIA
INDAGANDO A SI ESMO QUEM, O QUÊ, QUANDO, ONDE, POR QUE E COMO. Matutando horas
seguidas, concluiu que não só noticia, mas toda a vida terrestre deve ser considerada à luz dos
seis dados, e esses dados são os da aventura humana. A filosofia não pretende outra coisa senão
achar o PORQUÊ do QUÊ, e esta chave continua insabida. O COMO tarda a ser esclarecido
totalmente, pairam dúvidas sobre o QUANDO, e muitas vezes torna-se impossível apurar QUEM é
QUEM.
57
A repetição sistemática dos mesmos pronomes interrogativos, que poderia
em outros contextos significar redundância ou pobreza vocabular, nesse contexto
passa a significar um recurso enfático, com uma grande carga expressiva,
denotadora de significado: a reiterada procura pelo autor de solução para o
complexo problema da comunicação humana, que esta se baseia em jogo de
expressões estereotipadas.
Tem-se, assim, a coesão do texto, mantida por estratégias lingüísticas da
repetição, sabiamente arquitetada.
M. Charolles (1978), vê, na coesão lexical o que ela denomina metarregra
da repetição, um mecanismo de coerência textual.
Outra forma de substituição no texto é a elipse forma especial de
substituição, na qual o substituto é zero. Assim em “Etelberto matriculou-se.... e
aprendeu que toda matéria...”, na segunda oração o sujeito é dito nulo, isto é, não
realizado lexicalmente. Além desse exemplo extraído do parágrafo, veja-se, nos
fragmentos abaixo, retirados da crônica em questão, a freqüência desse tipo de
elipse:
“Impressionou-se de tal modo (...) se surpreendia indagando a si mesmo...
(2º parágrafo) “Matutando horas seguidas, conclui que não só... (...) Estamos
sempre interrogando a Deus...” (3º parágrafo) ”Desistiu de diplomar-se... (...) Hoje
mantém uma criação de trutas...” (4º parágrafo).
Nesse caso, a elipse foi possível porque o elemento elidido é perfeitamente
identificável intratextualmente. Quanto à relevância da elipse, Guimarães (2003, p.
53) formula a seguinte hipótese:
o exame das elipses justifica-se não pelo que lhes falta, mas pelo que elas
mostram-: raciocínio que nos leva a concluir que as elipses consistem
menos em suprimir do que em articular. E vem daí o seu papel de
importante fator de coerência textual.
58
O exposto até aqui autoriza, ainda que parcialmente, a constatação de que
para se chegar à compreensão do texto como um todo, é necessário que sejam
analisadas não as relações coesivas que podem auxiliar para que um texto se
torne coerente, mas também, e principalmente, as conexões conceitual cognitivas
que permitem detectar as marcas que tentarão alcançar as intenções do texto e de
seu autor.
59
4.2 DIÁLOGO FILOSÓFICO
2
As coisas não são o que são, mas também não são o
que não são. (...) O sim das coisas é o não.
Carlos Drummond de Andrade
Para a teoria dos atos de fala, qualquer enunciado esconde uma dimensão
ilocutória e para que ele seja bem sucedido é preciso que o enunciador consiga
fazer o destinatário reconhecer sua intenção de realizar determinado ato. Dizer algo
parece inseparável do gesto que consiste em mostrar o que diz. Isso se manifesta
não apenas através dos atos de fala, mas também dos embreantes, qualquer
enunciado tem marcas de pessoa e de tempo que refletem sua enunciação.
Segundo Maingueneau (1996), os atos de linguagem atribuem um papel crucial à
interação discursiva, que a linguagem não é mais concebida como meio de se
expressar pensamentos, mas antes como uma atividade que modifica uma situação,
fazendo com que o outro reconheça uma intenção. Dessa forma, a instância
pertinente no discurso será o par formado pelo locutor e pelo interlocutor, o
enunciador e seu co-enunciador; o presente da enunciação não é apenas o do
enunciador, mas um presente compartilhado, o da interlocução.
Considera-se esta crônica de Drummond.
DIÁLOGO FILOSÓFICO
- As coisas não são o que são, mas também não são o que não são – disse o professor suíço
ao estudante brasileiro.
- Então o que são as coisas? – inquiriu o estudante.
- As coisas simplesmente não.
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ANDRADE, Carlos Drummond de, Diálogo Filosófico, apud Contos Plausíveis, 6. ed. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 1988.
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- Sem verbo?
-claro que sem verbo. O verbo não é coisa.
- E que quer dizer coisas não?
- Quer dizer o não das coisas, se você for suficiente atilado para percebê-lo.
- Então as coisas não têm um sim?
- O sim das coisas é o o. E o não é sem coisa. Portanto, coisa e o são a mesma coisa,
ou o mesmo não.
- O professor tirou do bolso uma não barra de chocolate e comeu um pedacinho, sem
oferecer outro ao aluno, porque o chocolate era não.
Neste texto, fica claro que o diálogo demonstra menos uma expressão de
interioridade do que uma rede complexa de estratégias, na qual o enunciador joga
com a linguagem. E as regras desse jogo, de acordo com Searle, faz parte do
caráter constitutivo da linguagem e esta aparece, portanto, como uma instituição que
permite realizar atos que só adquirem sentido através dela.
A crônica “Diálogo Filosófico” inicia-se com um paradoxo argumentativo, que
segundo Moisés (1995) caracteriza-se por ser o enunciado de uma opinião contrária
à do juiz ou ao senso comum. Ora, nesse texto, a enunciação feita recusa o próprio
conteúdo que exibe. Este é desenvolvido através de um diálogo entre professor e o
estudante, onde se percebe com clareza a encenação de interações imbricadas
entre eles. São as interpelações e questionamentos, as conexões argumentativas, o
pronome de tratamento “você” que estruturam esse texto no qual se fundamentam
os verbos: SER e Dizer. O texto recorre ao fenômeno de reflexividade ( diz também
de auto-referência) através do qual o discurso se refere à sua própria atividade
enunciativa.
Acrescenta-se a esse conjunto de características o principio formal da ironia,
que segundo Brait (1996), é capaz de articular dialeticamente contradições numa
estrutura mais inclusiva, cuja força expressiva reside justamente na ampliação dos
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significados associados, numa cadeia de idéias que simultaneamente se opõem e
são afins.
A ironia apresenta-se, também, através de mecanismos dialógicos
basicamente como argumentação indireta e indiretamente estruturada, como um
paradoxo argumentativo, que segundo Brait (1995, p. 58) pode se constituir como
“afrontamento de idéias e de normas instituicionais, como instauração da polêmica
ou mesmo como estratégia defensiva.”
É o que se nota, então, na definição “As coisas não são o que são, mas
também não são o que não são disse o professor suíço ao estudante brasileiro”
que revela, nesse primeiro parágrafo, através da operação metalingüística, a tensão
dialética própria do signo lingüístico: trata-se da impossibilidade lingüística de
figuração da arte pura, absoluta. Mas também, através do paradoxo argumentativo
mencionado acima por Brait, este se constitui, na crônica, como um afrontamento de
idéias e de normas, instaurando, na verdade, uma polêmica: O sim das coisas é o não.
E o não é sem coisa. Portanto, coisa e não são a mesma coisa, ou o mesmo não.”
Desse modo, Drummond se refere àquela contradição característica do
signo verbal, focalizado não como “coisa”, e que assim, abrem-se perspectivas
inusitadas para a arte da linguagem, com a descoberta de novos prismas
significantes e significativos. A descoberta de novas dimensões do signo lingüístico
leva o autor à recusa de uma concepção simplista e redutora do significado e de
acordo com Simon (1978, p. 68), a passagem do universo da “PALAVRA - “SIGNO”
à PALAVRA – “COISA”.”
Quanto à estrutura formal, a crônica se apresenta em forma de um diálogo
rápido e dinâmico, como uma entrevista jornalística. um equilíbrio na estrutura
oracional: o diálogo é constituído de orações coordenadas, dois sintagmas nominais
e uma subordinada adverbial condicional. Nas orações coordenadas ou
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independentes, observa-se uma seqüência de conectivos aditivos, ora ligando duas
idéias, ora introduzindo as perguntas: “então” (L. 3 e 9) “E” (L. 7), o que sugere a
rapidez das ações e o aproxima da conversa oral.
A fala do narrador no último parágrafo, entretanto, assume uma configuração
diferente: o período composto é formado de orações coordenadas e uma oração
subordinada, e os verbos, que no diálogo ocorreram no tempo presente, segundo
Fiorin (2003, p. 169), “é denominado de presente omnitemporal ou gnômico. O
momento de referência é ilimitado e, portanto, também o é o momento do
acontecimento”. É o presente utilizado para enunciar verdades eternas, ou que se
pretendem como tais, por isso utilizado pela ciência, religião e próprio das reflexões
e pensamentos filosóficos. Nesse período, foi usado o pretérito perfeito “tirou” e
“comeu”, marcando uma relação de anterioridade entre o momento do
acontecimento e o momento de referência presente.
“O professor tirou do bolso uma não – barra de chocolate e comeu um pedacinho...”.
O momento de referência presente é um agora. Em relação a ele, o
momento do acontecimento (tirou) e (comeu) é anterior, ou seja, em algum momento
anterior ao momento em que se está falando, o professor tirou e comeu o chocolate.
Por isso, o pretérito perfeito simples acumula em português duas funções:
anterioridade em relação a um momento de referência presente e concomitância em
relação a um momento de referência pretérito. Esta relação pode exprimir-se,
também, pelo pretérito imperfeito, mas é preciso distinguir a diferença entre eles. Ela
reside no fato de que cada um dos tempos tem um valor aspectual distinto: o perfeito
assinala um aspecto acabado, pontual, enquanto o pretérito imperfeito marca um
aspecto inacabado, durativo.
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Contudo do ponto de vista temporal, nesse texto o acabado tem o mesmo
valor do presente, valor este que vem reforçado pelo verbo “oferecer” no infinito
impessoal, que revela, assim, a simultaneidade das ações observe-se: “O professor
tira do bolso uma não barra de chocolate e come, sem oferecer outro ao aluno, porque o chocolate
era não.”
Cumpre ressaltar que o núcleo significativo dessa crônica é, aparentemente,
denso, pois gira em torno de uma contradição e do processo dialético envolvido pela
ironia, como se observou. Dessa forma, configura-se a constante preocupação e
até mesmo angústia de seu autor; a luta com a linguagem, e com as palavras, a
dificuldade de lidar com elas em estado puro, porque “as coisas não são o que são”
Recorre-se, neste momento, a cheux (2002) que em “Estrutura ou
Acontecimento, afirma que a pesquisa lingüística deveria se deslocar da obsessão
da ambigüidade (entendida como lógica do “ou...ou”), para abordar o próprio da
língua através do papel do equívoco, da elipse, da falta, da opacidade etc... Isto
obrigaria, segundo esse autor, a pesquisa lingüística a construir procedimentos
capazes de abordar explicitamente o fato lingüístico do equivoco, como fato
estrutural implicado pela ordem do simbólico. Isto é, a necessidade de trabalhar no
ponto em que cessa a consistência da representação lógica inscrita no espaço dos
“mundos normais”.
Continua, Pêcheux alegando que a conseqüência desse fato é que “não
metalinguagem” porque tudo está intrinsecamente suscetível de tornar-se outro,
diferente de si mesmo, deslocar-se discursivamente de seu sentido para derivar para
um outro. O ponto crucial dessa colocação é que a linguagem, constituindo uma
pluralidade contraditória de significações, as “coisas – a – saber” coexiste assim com
objetos a propósito dos quais ninguém pode estar seguro de “saber do que se fala”.
O lingüista avança um pouco mais em suas afirmações, quando declara que o
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fantasma dessa ciência lingüística é justamente o fato dela negar esse equivoco,
dando a ilusão de que sempre se pode saber do que se fala.
Essas concepções ampliam o campo de possibilidade de sentido da
linguagem, oferecendo elementos para uma visão da natureza e da complexidade
do fenômeno lingüístico.
Tais perspectivas, podem ajudar a entender as postulações feitas por
Drummond em seu “Diálogo Filosófico”, onde revela que “... as coisas não são o que
são, mas também não são o que não são(...) O sim das coisas é o não. E o não é
sem coisa. Portanto, coisa e não são a mesma coisa, ou mesmo não.”
Sua dúvida e inquietações pairam diante da impossibilidade de definir o
indefinível, sentimento revelado também em suas poesias.
Segundo Telles (1987, p. 227), Drummond ingressa de vez em quando
numa zona em que se torna difícil dizer se refere ao terreno da crônica ou da poesia,
“Sua poesia e sua prosa são, pelo fundo, idênticas.” Como em Diálogo Filosófico,
em sua poesia a busca pelas palavras neutras, também, se torna ferramenta de luta
e combate. A luta, contudo, se torna desigual: “São muitas, eu pouco. / Luto corpo a
corpo, / luto todo o tempo, / sem maior proveito”. A procura infrutífera do poeta pela
verdadeira essência das coisas e das palavras, também, se nota nos versos finais
deste poema, segundo Cândido (1977) um dos mais admiráveis da literatura
contemporânea:
Repara:
Ermas de melodia e conceito,
elas se refugiaram na noite, as
palavras
Ainda tímidas e impregnadas de
sono,
Rolam num rio difícil e se
transforma em
desprezo.
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O ato de fala, por sua vez, que ao mesmo tempo produz e mostra um
enunciado, indica que esse ato pode constituir uma ordem, uma afirmação, uma
ameaça. Nesse caso, de acordo com Maingueneau (1967), a natureza do ato de
linguagem não pertence a um metadiscurso, a um discurso sobre o discurso,
encontra-se misturado em meio a eles.
O entrelaçamento desses níveis pode chegar a uma contradição entre os
níveis entrelaçados, porque o dizer contraria o dito, ou ainda o que a enunciação
afirma contradiz seu conteúdo. É o que se verifica na definição dada pelo professor
ao aluno em Diálogo Filosófico: “As coisas não são o que são, mas também não são
o que não são.”
Eco (2004) afirma explicitamente que uma coisa é um signo somente,
quando e enquanto for interpretado como signo de alguma coisa, e que a semântica
não está tão interessada em aquilo que é o caso, mas sim nas estratégias
textuais mediante um sistema lingüístico, quando uma pessoa consegue convencer
outra pessoa de alguma coisa. Isso significa que o mais importante segundo ECO
(2004, p. 242) é
o poder pressuposicional dos termos - p (pressuposições lexicais veiculadas
por unidades lingüísticas) e dos enunciados ao adquirirem um poder
posicional. Entende-se por poder posicional o poder de “por”no discurso
alguém ou alguma coisa como um dado previamente aceito.
Ao emitir os enunciados:
(1) “As coisas não são o que são”, e (2) “mas também não são o que não
são.” Não existe qualquer acordo recíproco entre E (emissor) e I (interlocutor) acerca
da definição sobre as “coisas”. Todavia, o logo (1) é emitido (E e I compartilham o
mesmo sistema de significação), e E está sabendo disso através do uso do termo –
p” “disse” dotado de um preciso poder pressuposicional. Essa pressuposição
contraditória estabelece o ponto de vista do texto: “as coisas não o o que são,
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mas também não são o que não são”. Daí em diante, o diálogo em relevo e a
interpelação determinam a continuação do discurso. No texto em estudo, o (I)
estudante brasileiro por sua posição, e dentro de nosso conhecimento de mundo
não tinha como contestar as afirmações de (E) professor suíço. Mas sem essa
contestação os enunciados 1 e 2 adquiriram poder posicional, isto é, o poder de
impor certas pressuposições. Essa colocação nos autoriza a reportarmos a Ducrot
(1977), que afirma que as descrições definidas e os nomes próprios, no diálogo
estão sempre conexos ao “topic” da conversa, e portanto, implicam um precedente
conhecimento de existência por parte dos participantes da interação comunicativa.
Outra consideração que merece destaque, refere-se aos adjetivos
avaliativos encontrados em professor “suíço” e estudante “brasileiro.” Eles remetem
a um julgamento de valor dos dois envolvidos no diálogo. Os adjetivos “Suíço” e
“Brasileiro” implicam uma avaliação qualitativa em que vários fatores intervêm nessa
apreciação, apoiada em digos culturais legitimados pelo nosso conhecimento de
mundo.
Nota-se no exemplo (1) que se pode usar um enunciado que contenha o
termo –p “disse” para introduzir no contexto uma asserção negativa. Poderia mesmo
ser uma assunção “falsa” em um dado contexto, mas é o uso do termo p que a
estabelece como verdadeira. Todavia, para contestar as pressuposições, faz-se
necessário uma particular estratégia lingüística. (I) deve contestar o direito de (E)
usar a expressão que usou, servindo, portanto, de uma negação metalingüística,
como o exemplo em (3) “Então, que são essas coisas?” A resposta de E é
novamente negada e dessa forma a pressuposição é considerada um argumento
contra a existência dela e um desafio à validade de noção de pressuposição: (4) “ As
coisas simplesmente não”.
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Percebe-se, através da continuidade do diálogo, que os interlocutores
procuram chegar a um acordo sobre a possibilidade de usar certas expressões, a
fim de evitar o colapso comunicativo. A negação de (4) impõe um novo ponto de
vista ao discursivo. –(5) Sem verbo?”, (6) “Claro que sem verbo. O verbo não é
coisa”. Os enunciados (5) e (6) o ambíguos podem ser usados ora em sentido
adjuntivo, ora em sentido subtrativo. Desse modo, acrescentar informações sobre o
sentido das coisas, ou então negar o significado de verbo “verbo não é coisa”.
Novamente se que a negação de uma pressuposição é uma negação também
metalingüística, isto é, negação a adequação em (6), com as mesmas palavras que
foram usadas pelo outro interlocutor.”
(7) – “E que quer dizer coisas não?
Mudar-se o “topic” do discurso requer uma complexa estratégia lingüística
que pode ser acionada mediante uma complexa manobra textual, cuja função
será transformar uma aparente negação interna numa negação externa e de
transformar a externa numa negação de dizer, a fim de preservar as condições de
“felicidade”, segundo terminologia de Eco, sobre o intercâmbio comunicativo. Nesse
exemplo, então, o advérbio de negação não” passa a ter valor de modificador de
“coisas”. Enquanto que no enunciado em que (E) responde:
(8) Quer dizer o não das coisas, se você for suficientemente atilado
para percebê-lo” o mesmo advérbio “não” é substantivado pela presença de artigo
definido “o” ampliando, assim, o significado desse advérbio no texto, pois afirma
adiante em (9) “portanto, coisa e não são a mesma coisa, ou o mesmo não”.
A aparente complexidade filosófica da crônica é abruptamente quebrada
pelo narrador no desfecho, quando se instaura no texto através do humor irônico de
Drummond a mudança do Professor filósofo suíço em um Ser comum que consegue
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transformar a não – coisa em coisa, mas preserva sua frieza e superioridade.
Observa-se a passagem:
“O professor tirou do bolso uma não-barra de chocolate e comeu um
pedacinho, sem oferecer outro ao aluno, porque o chocolate era não”.
O poder posicional das pressuposições não está ligada a uma descrição
semântica ou a uma convenção de significado, mas sim à estrutura interacional
pragmática do ato comunicativo.
Eco (2004) tenta explicar essa estrutura aproveitando ora a noção do
“princípio cooperativo” (Grice, 1982), ora a de “contrato fiduciário” de Greimas e
Courtes (1979 - 1986). O contrato fiduciário estabelece entre os participantes uma
relação, na qual se aceita a verdade de tudo quanto é dito no discurso. Com base
nessa convenção as afirmações de (E) são aceitas como verdadeiras. Uma vez que
o contrato fiduciário pode ser visto como a base mesma da comunicação, esta está
próxima da noção de “princípio cooperativo”.
Em Diálogo Filosófico, portanto, o estudante brasileiro (I) aceita a verdade
do professor suíço (E) como verdadeira e assim coopera para que ele exponha seus
princípios filosóficos a respeito do significado das coisas. Assim o professor confirma
a posição de que
qualquer coisa, desde que se isole o nexo retórico certo pode remeter a
qualquer outra coisa, exatamente porque existe um sujeito transcendente
forte, o Uno neoplatonico. Este, por ser o princípio da contradição universal,
o lugar da COINCIDENTIA OPPOSITORUM, estranho a toda determinação
possível, e , portanto, contemporaneamente, TUDO. NADA, é fonte Indizível
de Todas as Coisas, permite que cada coisa se conecte com outra, graça a
uma teia labiríntica de mútuas referências. (ECO 2004, p. 278)
Pode-se afirmar, então, que a intenção do Enunciador Autor é desafiar,
mais do que mostrar o sentido de uma palavra, ou de um conceito, baseado na idéia
de um significado definitivo. Com isso, instaura uma prática (mais filosófica do que
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critica) para falar daqueles textos que parecem dominados pela idéia de um
significado definido e definitivo. E, desse modo, Carlos Drummond de Andrade, usa
de sua capacidade de dizer muito mais do que pretende literalmente.
Reporta-se, novamente a Eco (2004), para ressaltar que a linguagem está
presa num jogo de significantes múltiplos, e, portanto, a um texto não se pode
incorporar nenhum significado unívoco e absoluto.
Cumpre, assim, admitir que o esquema gerativo que explica o texto não
pretende reproduzir as Intenções do autor, e sim a dinâmica abstrata por meio da
qual a linguagem se coordena em textos e cria sentido, independentemente da
vontade de quem enuncia.
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4.3 IDÍLIO FUNESTO
3
Se eu aprendesse um pouco das finezas da língua
deles, (...) seria o mais afortunado dos amantes,
além de brilhar em tertúlias.
Carlos Drummond de Andrade
É o conhecimento ilocucional que permite reconhecer a intenção ou
propósito que um falante, em dada situação de interação, pretende atingir. Trata-se
de conhecimentos sobre tipos de atos de fala que costumam ser verbalizados por
meio de enunciações características, que exigem dos interlocutores ou leitor
conhecimento necessário para a captação do objetivo ilocucional.
Além disso, um texto é mais que uma seqüência de ações orientadas para
um fim; ele pode ser de certo modo inspirado por sua moral, a qual lhe confere um
sentido e permite sua “compreensão”. Tomemos agora uma narrativa canônica, a
fábula IDÍLIO FUNESTO.
A maior tristeza de Gregório era não entender da língua dos sapos brasileiros, que ele sabia
ser muito rica em expressão idiomáticas, e particularmente aberta a efusões amorosas.
“Se eu aprendesse um pouco das finezas da língua deles, lastimava-se, seria o mais
afortunado dos amantes, além de brilhar em tertúlias, pelo pitoresco de minha conversa. Mas
dos sapos sei quase nada, e as mulheres não parecem dispostas a conceder-me seus
favores por esse mínimo que adquiri passando noites em claro à margem do brejo.”
Um sapo condoeu-se de sua ignorância específica, e prometeu dar-lhe aulas intensivas por
duas semanas, findas as quais Gregório se tornaria conversador cintilante e conquistador
irresistível.
Mas o sapo não nascera para professor, e tudo se turvou na cabeça de aluno, que aprendeu
apenas a coaxar, sem modulações nem sintaxe. Ganhou apelido de “Sapinho” porque era de
3
ANDRADE, Carlos Drummond de. Idílio Funesto, apud Contos Plausíveis, 6. ed. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 1988.
5
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71
porte reduzido. Renunciou à convivência humana e foi morar me frente ao brejo. Numa noite
de luar, uma escutou sua algaravia, apaixonou-se por ele, e foram viver juntos. Os sapos,
indignados, mataram-no. A admite que fez mal em se deixar seduzir por erros de
linguagem: imaginara estar ouvindo um português mavioso.
Os trabalhos realizados pelo sociolingüista americano W. Labov (1967)
contribuíram para análise de narrativas através de uma estrutura canônica de
macroproposições sucessivas:
Observe-se como ela se aplica neste texto de Drummond de conteúdo
fabulístico:
- a situação inicial: (linhas 1 e 2) O personagem Gregório lamenta-se por não
aprender a língua dos sapos brasileiros, que ele considera “rica em expressões
idiomáticas, e aberta a efusões amorosas”.
- a complicação: (linhas 7 a 9) Um sapo condoe-se de sua incapacidade e
lhe promete dar aulas para que se transformasse em um conversador cintilante e
conquistador irresistível.
- a ação: (linhas 11 e 12) Com a incompetência do professor (sapo) Gregório
aprendeu apenas coaxar sem modulação e sintaxe.
- a resolução (linha 14) Uma rã ao ouvir sua algaravia se apaixonou por ele e
foram viver juntos.
- a situação final: (linhas 14 e 15) Os sapos, talvez por ciúmes, ou
indignados com o mal uso de sua língua matam Gregório.
- moral da fábula: (linhas 15 e 16) A admite seu equivoco, pois se deixou
seduzir pelos erros de linguagem.
Nessa crônica através de estratégias metalingüísticas, Drummond fala sobre
linguagem, ou seja, no domínio fabulístico discorre sobre a temática da linguagem.
Nela aparecem inicialmente: o homem e o sapo Gregório, o homem deseja aprender
15
72
a língua do sapo brasileiro, pois além de mais rica e cheia de finezas, esta lhe daria
competências tais como o poder da conquista e o prestigio social, ele seria “o mais
afortunado dos amantes, além de brilhar em tertúlias, pelo pitoresco de minha conversa”.
Parece possível, a partir do instrumental lingüístico oferecido por essa
crônica, flagrar a ironia como categoria estruturadora do texto, cuja forma de
construção denuncia um ponto de vista, uma argumentação indireta, que conta com
a perspicácia do leitor para concretizar-se como significação. Nesse caso
possibilitou o desnudamento de aspectos culturais, sociais ou mesmo estético.
A reiteração do traço semântico humano, no texto, desencadeia um novo
plano de leitura: obriga a ler a fábula como história de homens. No plano humano, o
sapo não é sapo, mas o professor que se fez de incompetente para o aumentar a
concorrência no seu espaço, a é uma mulher que foi seduzida pela “lábia” de
falsos conquistadores. Figuras como sapo, rã, homem, aprender, lastimar, língua
remetem ao tema da relação de poder, que aparece numa estrutura social, em que o
mais capaz domina o menos capaz. O homem induz a rã à tentação, pois tentação é
a apresentação a alguém de um objeto valorizado positivamente. No caso seu
coaxar fez com que a se apaixonasse por ele, e fossem viver juntos. Esse tipo de
exercício de poder foi aparentemente eficaz, mas por Gregório ser incompetente e
não saber manejar os mecanismos de persuasão, foi desmascarado: “...aprendeu
apenas a coaxar sem modulação nem sintaxe. Ganhou o apelido de “Sapinho...”.
Veja que a falta de competência de Gregório fez com que ele voltasse a ser
dominado e finalmente morto, donde provém o tema da dominação presente no
texto.
É válido observar que a competência em aprender a língua e as dificuldades
de comunicação daí resultantes levaram Gregório a renunciar à convivência
humana, tema, também, veiculado em outros poemas e crônicas de Drummond,
73
como em: “O Bem Mais Perigoso”. (estudada no corpo desse trabalho). Nesta
Saturnino e sua família, também, se recolhem à mudez total pelo mesmo motivo: a
impossibilidade de comunicação.
Dessa forma, a compreensão da dinâmica textual implica, pois, perceber
que todo o texto é um intertexto; outros textos estão presentes nele, e de acordo
com Barthes (1974), em níveis variáveis, sob formas mais ou menos reconhecíveis.
Isso significa que todo o texto é um objeto heterogêneo, que revela uma relação de
seu interior com seu exterior. Esse foi o motivo que levou Beaugrande e Dressler
(1981) a afirmarem que a intertextualidade diz respeito aos modos como a produção
e recepção de um texto dependem do conhecimento que se tenha de outros textos
com os quais ele, de alguma forma, se relaciona.
Por esse enfoque, a ironia é surpreendida como procedimento intertextual,
segundo BRAIT (1996, p. 52) sendo considerada,
como um processo de meta-referencialização, de estruturação do
fragmentário e que, como organização de recursos significantes, pode
provocar efeitos de sentido, como a dessacralização do discurso oficial, ou
o desmascaramento de uma pretensa objetividade.
É BRAIT, ainda, que considera a ironia como estratégia de linguagem que,
participando da construção do discurso mobiliza diferentes vozes, instaura a
polifonia, mesmo que essa polifonia não signifique, necessariamente, a
democratização dos valores veiculados.
Graças a essa dinâmica centrada no processo irônico, Idílio Funesto extrai
seu humor crítico do jogo estabelecido, entre as forças discursivas normatizadas e a
precariedade dessas normas no fenômeno discursivo e metalingüístico. Nessa
crônica, visto que Drummond utiliza-se da linguagem para descrever sobre a
temática da própria linguagem, acontece, também, a intertextualidade de conteúdo,
74
que segundo Koch (2007p. 60), ocorre por exemplo, “entre textos científicos de uma
mesma área do conhecimento, que servem de conceitos e expressões comuns,
definidos em outros textos; (...) entre textos literários de uma mesma escola ou de
um mesmo gênero.”
Essas manifestações de intertextualidade podem ser apontadas como fator
relevante na construção da coerência textual, visto que esta se estabelece em
diversos níveis: sintático, semântico, temático, estilístico, ilocucional, todos eles
concorrendo para a construção da coerência global, Beaugrande & Dressler (1981)
afirmam que a base da coerência é a continuidade de sentidos entre os
conhecimentos ativados pelas expressões do texto. Essa continuidade diz respeito
ao modo como o conjunto de conceitos e relações subjacentes á superfície
lingüística do texto são acessíveis.
De fato, ao lado das demonstrações lógicas que supostamente vinculam as
proposições por relações necessárias, a crônica “Idílio Funesto” dispõe de
mecanismos lingüísticos que permitem estabelecer, entre os elementos lingüísticos
do texto, uma relação de sentido. Entre essas marcas encontram-se os tempos
verbais, os operadores e conectores argumentativos, entre outros.
O início do texto constitui parte importante nas relações entre emissor e
receptor, onde se criam certas expectativas sobre a prossecução do mesmo. no
primeiro período do texto, tem-se a recorrência do tempo verbal no imperfeito do
indicativo: “era”, “sabia” que se refere ao mundo narrado, indicado ao leitor que se
trata do segundo plano de um relato.
No 2º parágrafo, o narrador a voz ao personagem Gregório através do
discurso direto, colocado entre aspas. Este inicia-se com o modo subjuntivo
estabelecendo uma relação de condicionalidade, ratificada pela presença de
75
conector “SE” e o verbo pretérito imperfeito do subjuntivo “aprendesse” que faz
correlação com “seria” futuro do pretérito. No uso do discurso direto, ainda,
aparecem os verbos sei” e “parecem” no presente do indicativo próprios desse tipo
de discurso, que denotam a certeza do personagem sobre o que fala. Ele termina
sua fala com o pretérito perfeito “adquiri” e o gerúndio “passando”, indicando a
duração de tempo que foi gasto para tentar aprender a língua desejada.
É importante sublinhar ainda, com referência ao parágrafo, que ele se
encontra entre aspas. Segundo Authier (1981), apud Koch (2007, p. 69)
aspeamento consiste na encenação por um pioneiro enunciador (E
1
),
responsável pelo uso do enunciado; e um segundo (E
2
), que menciona,
aspeando, o que diz o primeiro, para manter distância, isto é, eximir-se ou
diminuir a responsabilidade sobre o que está sendo dito.
Em “Idílio Funesto”, por exemplo, pode-se inferir que a intenção do autor
com o uso das aspas foi, além do distanciamento sugerido por Authier, questionar
ironicamente o desejo do personagem Gregório de aprender uma língua idealizada
que atingisse seus propósitos.
No terceiro e quarto parágrafos , quando ocorre a substituição do tempo
verbal imperfeito pelo perfeito do indicativo, assinala-se a mudança de perspectiva,
isto é, passa-se para a ação propriamente dita: Vêem-se no parágrafo os verbos:
“condoeu-se”, “prometeu”, infinitivo “dar” e novamente o futuro do pretérito “tornaria”
confirmando a intenção de hipótese e dúvida veiculadas pelo narrador. O quarto
parágrafo é construído a partir de um emaranhado de pontos de vista, denotados
pelo tempo verbal utilizado pelo narrador. O último parágrafo inicia-se com o verbo
no pretérito mais que perfeito do indicativo denotando que a ação de “nascera”
assinala um processo anterior a “turvou” e “aprendeu também passado (pretérito
perfeito). Os demais verbos desse período que relatam as ações do personagem
76
Gregório estão no pretérito perfeito “ganhou”, “renunciou”, “escutou”, “apaixonou-se”,
“foram”, “mataram”, que indicam uma ação conclusa, porém do ponto de vista
temporal, o acabado tem o mesmo valor que um presente denotando nesse texto,
ações realizadas quase simultaneamente. Observemos: “APRENDE apenas a
coaxar, GANHA o apelido, RENUNCIA à convivência humana, uma o ESCUTA,
APAIXONA-se por ele, VÃO morar juntos, os sapos MATAM-no.
No último período da crônica, encontra-se o relato da com um verbo de
elocução no presente do indicativo “admite”, sugerindo a certeza e convicção da
ação, e os demais tempos verbais no pretérito perfeito “fez” e “imaginara” e a
locução verbal “estar ouvindo” verbo principal no gerúndio indicam um processo
contínuo.
O encadeamento discursivo, nessa crônica, é estabelecido por meio de
conjunções, efetuado por operadores como “e”, (linha 2, 5, 7, 9, 11, 13 e 14) e o
“além de” (linha 4) e “nem” (linha 12) que expressam uma relação de adição entre as
proposições que se sucedem e implicam rapidez. É curioso notar o que ocorre com
o conector “mas” (linha 4 e 11), nas duas ocorrências em que aparecem no texto.
Nessas ocorrências, o autor apresenta um argumento na tentativa de se justificar.
No primeiro caso, tenta explicar o fato de querer aprender outra língua: a dos sapos;
e no segundo, a incompetência do sapo como professor. Embora Drummond tenha
usado um conector de contrajunção, argumentativo por natureza, segundo Ducrot
(1977), o papel desempenhado por ele nessas ocorrências expressa muito mais
justificativa do que oposição, podendo ser substituído por “pois”. É por essa razão
que podemos dizer com Guimarães (1980) que essas conjunções coordenativas
aparecem não ligando orações de períodos diferentes, ma também encadeando
parágrafos entre si.
77
Quanto ao conector “SE” (linha 3), a relação estabelecida é de implicação
entre um antecedente e um conseqüente: Se aprendesse um pouco das finezas da
língua deles, (...) seria o mais afortunado dos amantes...” “, (linha 3). o conector
“PORQUE” linha (12) em “Ganho o apelido de “Sapinho PORQUE era de porte
reduzido”,estabelece uma relação de justificativa ou explicação do fato anterior, no
caso justifica o apelido recebido pelo sapo aprendiz. Todos esses operadores
servem de estratégia argumentativa e , conseqüentemente , desencadeiam no texto
marcas que levarão às intenções e à conclusão do texto: a incompetência
lingüística, bem como a impossibilidade de interação comunicacional.
Um outro elemento importante para análise em estudo é o estabelecimento
de inferências. Os diversos tipos de conhecimento de mundo que precisamos
partilhar com o autor estão implícitos e podem ser atualizados pelo leitor. Não se
encontra explicito no texto o fato da incomunicabilidade humana. Observe- se como
Koch & TRAVAGLIA (2005 p. 65) se reportam ao papel desempenhado pelas
inferências na compreensão global do texto:
Quase todos os textos que lemos exigem que façamos uma série de
inferências para podermos compreendê-lo integralmente. (...) Na verdade
todo o texto assemelha-se a um iceberg que fica à tona, isto em o que é
explicitado no texto, é apenas uma parte daquilo que fica submerso, ou
seja, implicitado. Compete, portanto, ao receptor ser capaz de atingir os
diversos níveis de implícito, se quiser alcançar uma compreensão mais
profunda do texto que ouve ou lê.
As ações do personagem Gregório, relatadas pelo narrador através de
estratégias metalingüísticas, que remetem ao seu desejo de entender e se expressar
na língua dos sapos brasileiros, fazem inferir a insatisfação dele com sua própria
língua, e a impossibilidade de se apoderar de outra forma de comunicação que não
seja a sua própria língua. Podem-se, ainda, estabelecer outras inferências, por
exemplo, a partir da alegação da rã que se deixou seduzir por erros de linguagem. O
78
conhecimento de mundo sobre determinados modos de agir altamente
estereotipados em uma dada cultura, leva a inferir que a representa a mulher que
se deixa seduzir apenas pela aparência do homem, sua conversa bonita ou por sua
“lábia”. Essa inferência pode ser estabelecida a partir do último período do parágrafo
final: A personagem rã” admite que fez mal em se deixar seduzir por erros de
linguagem.” (linhas 15 e 16). Para ratificar essa hipótese, ainda se tem uma outra
informação na fala final dessa personagem: porque “...imaginara estar ouvindo um
português mavioso”. E confirma, desse modo, o título da crônica “Idílio Funesto”.
Todos esses procedimentos contextuais funcionam como sinais
enunciativos, uma vez que não nenhuma marca no enunciado que autorize o
reconhecimento da ironia, ou de um significado diferente daquele que a organização
sintático cognitiva oferece. Os sinais contextuais, portanto, de ordem enunciativa,
de acordo com BRAIT (1996, p. 59), promovem no plano da significação “uma
cumplicidade entre o enunciador e o enunciatário, de tal modo que imediatamente o
leitor pode compreender que aquilo que o locutor assume e enuncia como fato é a
tradução de um desejo coletivo e não de uma realidade.”
Não se teve a pretensão de esgotar a análise de todos os recursos
lingüísticos presentes nessa crônica, pois a concepção que se tem de língua(gem)
como Koch (2007, p.31) “é de uma atividade interindividual e o processamento
textual, quer em termos de produção, quer de compreensão, deve ser visto como
uma atividade tanto de caráter lingüístico, como de caráter sócio-cognitivo.”
No final do trajeto de leitura dessa crônica, fica a sensação de débito para
com o Autor. As “mil faces secretas” de sua vasta experiência literária mostram-se e
escondem-se ---pois “as coisas não são o que são”, como se viu no texto anterior,
79
são mistérios, que zombam da possível tentativa de interpretação, porque ELE
mesmo responde a sua pergunta: “Trouxestes a chave?”, Não existe chave”.
80
4.4 POESIA SEM DEUSES
4
... poesia é negócio dos deuses e baixa
para cada um em hora imprevisível.
A máquina de fazer versos foi invenção de um moço do Pará, que levou cinco anos para
torná-la perfeita. Os poetas locais e do país protestaram contra a novidade, alegando que a
poesia é negocio dos deuses, e baixa para cada um em hora imprevisível. Estácio, o
inventor, nem ligou. Produzia sonetos, baladas, rondeis, haicais, martelos agalopados,
vilancicos da melhor fatura.
Quem desejasse assumir a autoria de um poema encomendava-o a Estácio e, sob sigilo, era
atendido. Cobrava caro. Os clientes ganhavam prêmios acadêmicos e distinções várias,
justificando a tabela. Em dezembro, os negócios atingiam o ápice. Junho era mês de
renovação de estoque, para poetas menores.
Estácio enriqueceu e morreu, deixando aos filhos a máquina maravilhosa. Eles não souberam
acioná-la, e d resulta que a produção corrente de poesia, divulgada no país não é de
qualidade superior.
Carlos Drummond de Andrade
Nesse texto, o argumento básico usado pelo seu autor para realizar seu
propósito de sátira se deu, também, através da linguagem metalingüística. Por meio
desta o narrador satiriza a língua, enquanto instrumento promotor de receitas, e para
isso, se refere à poesia como uma transação comercial. Isto se dá, inicialmente, no
plano das expressões lingüísticas, como se observam nos seguintes exemplos: “Os
clientes ganhavam prêmios”, “...os negócios atingiam o ápice”, “Junho era mês de
renovação de estoque”, “melhor fatura”, “... produção corrente...”, “...qualidade
superior”. Notam-se que os substantivos: cliente, negócio, renovação, estoque,
fatura, produção, e qualidade se incluem no âmbito de palavras semanticamente
ligadas à área comercial, e dessa forma o Autor atinge seu propósito.
4
ANDRADE, Carlos Drummond de, Poesia sem Deuses, apud Contos Plausíveis, 6. ed. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 1988.
5
10
81
Nesse texto tem-se, então, um conteúdo proposicional que faz referência a
um elemento do mundo (poesia), e uma predicação a respeito dela (feita por uma
máquina).
Foi Searle (1995) quem formulou cinco categorias básicas de atos
ilocucionários: assertivos, diretivos, compromissivos, declarativos e expressivos. No
caso dos assertivos, por exemplo, se encontra o texto “Poesia Sem Deuses”, onde o
personagem Estácio realiza um ato intencional de comunicar a invenção da máquina
de fazer versos, e também tem a intenção de que esse ato tenha condições de
satisfação. Dessa forma, instaura-se o ato compromissivo, pois se compromete com
seus clientes de fazer versos, e vê-se assim, que o sucesso da ação e
conseqüentemente a satisfação foram totais, pois na (L. 8), o narrador informa que
os negócios atingiram ao ápice e , na (L. 10), que Estácio havia enriquecido.
Segundo Searle, ainda, cada uma das categorias de atos de fala serve a
propósitos sociais que vão além da simples expressão da condição de sinceridade.
Por exemplo, o propósito extralingüístico fundamental dos assertivos é transmitir
informações e, da categoria dos compromissivos é criar expectativas estáveis de
comportamento das pessoas; os declarativos provocam mudanças no mundo
através de nossas ações.
Em “Poesia Sem Deuses”, esse ato declarativo instaurou o estado
provocado por sua enunciação. A mudança ocorrida foi perceptível, trouxe
conseqüências drásticas para o mundo literário: “a produção corrente de poesia,
divulgada no país, não é de qualidade superior”.
Para Searle, ainda, as ficções seriam, portanto, asserções que o autor finge
enunciar. Quanto a essa afirmação, Maingueneau (1996) adverte que se deve estar
atento para o fato de que a noção de ficção não coincide com a de literatura (a
82
conversa mais banal está recheada de enunciados de ficção) e de que a literatura é
constituída de obras e não de enunciados isolados. Ainda, segundo o autor, o
enunciador pode produzir uma asserção fingida e indiretamente uma declaração.
Dessa forma, o discurso literário seria a imitação de atos de linguagem considerados
“sérios” que o autor fingiria enunciar.
Evocou-se essa reflexão para evidenciar que o narrador não é o substituto
de um sujeito falante, mas uma instância que sustenta o ato de narrar, se um
leitor o colocar em movimento. Ora é essa também a concepção sublinhada por Eco:
a narrativa é dirigida para uma comunidade de leitores. Desse modo, conclui-se que
a coerência não é tanto uma propriedade vinculada ao texto, mas sim conseqüência
das estratégias, dos procedimentos que os leitores empregam para construí-la, a
partir das indicações do texto. “A coerência não está no texto, é legível através dele,
supõe a atividade de um leitor”. (Maingueneau, 1996).
O papel do leitor é determinar entre o conjunto das significações lexicais as
várias tramas semânticas, desencadeadas pelo plano cognitivo e, que são
atualizadas pelo leitor para se compor um percurso coerente. Assim, entre os
elementos de sentido liberados pelos sintagma “a máquina de fazer versos” em
“Poesia Sem Deuses” serão mantidos, caso se prossiga a leitura do texto, e o verbo
“Ser” mais o predicativo “invençãopermitem ativar vários sentidos, entre eles: de
que poesia se tornou mercadoria feita em séries.
No segundo parágrafo, com o sucesso da “máquina de fazer versos”
instaura-se no texto uma outra possibilidade de leitura: a competência de se fazer
versos através de uma máquina e sua aceitação no meio literário e acadêmico do
país: “pois os clientes ganhavam prêmios acadêmicos e distinções várias”.
83
Na crônica “Poesia Sem Deuses”, depara-se com a pressuposição de uma
intenção abertamente disfarçada. O negócio de Estácio fazer versos que o fez
enriquecer mascara uma outra questão implicitamente suposta: a aparente
desvalorização dos poetas e da poesia. Infere-se essa aparência ao termo “negócio”
que, no entanto, se completa com a expressão “de deuses” o que situa a poesia
num âmbito transcendente.
O jogo irônico, novamente, se faz presente na crônica de Drummond.
Charaudeau (2004) sublinha o caráter desvalorizado da ironia, para ele, ironizar é
sempre, mais ou menos, escolher um alvo para se desqualificar. Alguns acentuam
seu caráter defensivo, Berrendonner, (1981, P. 239) por exemplo, trata a ironia como
“uma manobra com a função basicamente defensiva. [...]; uma astúcia que permita
frustar o assujeitamento dos enunciadores às regras da racionalidade e da
convivência pública.”
Desse modo, a ironia aparece como uma espécie de inversão, fazendo
entender o contrário do que diz, apresenta um sentido diferente do que resulta das
palavras, ou mesmo um sentido que lhe é totalmente oposto. Todavia, a ironia
acontece quando o outro a que se dirige está preparado para entender esse
contrário.
Somente através dessa perspectiva, pode-se inferir, em “Poesia Sem
Deuses”, a banalização e o desprestigio da crítica literária do país, que concede
“prêmios acadêmicos e distinções várias”. E assim, legitima, o sucesso do
empreendimento do personagem Estácio, instaurando no texto a dimensão irônico
humorístico trazida pela sua “máquina de fazer versos.”
Outra estratégia importante, nessa análise textual, refere-se ao aspecto
verbal. Este informação sobre a maneira pela qual o sujeito enunciador encara o
84
desenrolar de um processo, isto é, seu modo de manifestação no tempo. Ele
designa um sistema fechado de oposições morfológicas que concerne a todos os
verbos. É assim que a oposição entre os tempos verbais, pretérito perfeito e
imperfeito implica uma suposição aspectual entre o perfectivo (onde o desenrolar se
reduz a uma espécie de ponto que faz coincidir início e fim de um processo) e o
imperfectivo (onde o processo é apresentado em curso, sem que se perceba seu
término).
A crônica em estudo “Poesia Sem Deuses” dispõe de um leque de tempos
bem limitados, que funciona, basicamente, sobre dois paradigmas: o passado
simples e o imperfeito, e somente no último período, aparece o tempo presente. De
um ponto de vista temporal, o acabado tem o mesmo valor que a forma simples
correspondente: “os poetas locais e do país PROTESTARAM”, empregado como
acabado, constitui um presente da mesma forma que PROTESTAM. De fato, os
poetas PROTESTARAM é interpretado como “no momento, eles se acham na
situação de alguém que acabou de protestar”.
Essa crônica é constituída por três parágrafos. No primeiro parágrafo, o
narrador através do uso dos tempos verbais pretérito perfeito relata o fato como uma
ação estabelecida e conclusa: a máquina de fazer versos de Estácio, apesar dos
protestos, produzia todos os tipos de poesia. No primeiro período do primeiro
parágrafo, aparece outro marcador temporal (“cinco anos”) que revela também o
tempo de duração gasto para tornar a máquina de versos perfeita. O pretérito
perfeito indica, também uma ação concomitante em relação ao momento já passado,
em que os poetas protestaram, mas Estácio não ligava e continuava a produzir seus
versos. No segundo parágrafo, predomina o imperfectivo iniciando o período com o
modo subjuntivo “desejasse”, e em seguida aparecem “encomendava”, “era”,
85
“cobrava”, “ganhavam”, “atingiam” no pretérito imperfeito que revela que os fatos
expressos eram habituais, que a ação de fazer versos era um processo em
andamento, inconcluso, e conseqüentemente, se ela se mantinha em andamento e
progresso, era porque estava fazendo sucesso. Enquanto transcorria o “negócio
comercial do personagem, tudo que é relatado ocorria no pretérito imperfeito.
Contudo, no último parágrafo, novamente predomina o perfeito, pois se encerra com
a morte de Estácio o fim das atividades de sua máquina maravilhosa e
conseqüentemente, o comércio de versos, porque os filhos não souberam ”acioná-
la” devidamente.
Logo a seguir, nota-se o uso dos verbos no tempo presente do indicativo
“resulta” e “é” com valor de presente atemporal, mas como esclarece Maingueneau
(1996, p. 61) “não mais o atemporal da eternidade, mas o de uma consciência
presente que se relaciona com o passado espectral”. Essa presentificação é
mostrada pela quebra da ordenação dos tempos verbais em relação a um marco
temporal no pretérito. Ao tornar o momento da leitura um agora, os verbos “resulta” e
o “é” são concomitantes, e o “souberam”, “enriqueceu” e, “morreu” são anteriores em
relação a esse presente. Portanto, da morte de Estácio e do fato de seus herdeiros
não terem a habilidade do pai com a tal máquina decorre uma poesia de qualidade
inferior.
As regras de co-referência desempenham, também, um papel nada
negligenciável nesse estudo. No período inicial, encontra-se: “...Um moço do Pará” e
somente no terceiro período desse parágrafo lê-se: Estácio, O inventor”. É a co-
referência entre o artigo indefinido e definido: “Um moço” e “O inventor”, que
permitem especificar uma personagem da qual de início se conhece sua
pertinência quanto ao gênero: humano e masculino. Literalmente, nada permite
86
garantir que seria ele o inventor de sucesso. A transformação trazida pelo artigo
definido “O” e a presença do nome próprio Estácio possibilitaram ao leitor o
conhecimento do responsável pela ação que desencadeou toda a narrativa.
“Cobrava caro. Os clientes ganhavam prêmios...” “Em dezembro os negócios
atingiam o ápice. Junho era o mês de renovação... Na crônica “Poesia Sem deuses”,
algumas pausas (vírgula, ponto final) substituem os conectores interfrásicos que
assinalam relações de conjunção (adicionam-se argumentos a favor de uma mesma
conclusão, como se observam nos exemplos citados no início do parágrafo). Pode-
se ver, também, que o texto se caracteriza pela intensa utilização do conectivo “e”,
observer-se no primeiro parágrafo: “Os poetas locais” e “do país...”, a poesia é
negócio de deuses” e “baixa para cada um...”; no segundo parágrafo:...”
encomendava-o a Estácio “e”, sob sigilo...” ....”ganhavam prêmios acadêmicos” e
distinções várias”.
O conetivo “e ratifica a relação de conjunção e de adição de ações e a
sugestão de rapidez. Todavia, no terceiro parágrafo: “Estácio enriqueceu “E”
morreu...” “eles não souberam acioná-la, “E” “daí” “...” esse conector assinala outras
relações. Em “...enriqueceu E morreu...” instaura uma idéia de disjunção, enquanto
que em “... não souberam acioná-la E daí...” a locução conjuntiva “e daí” instaura a
conseqüência da ação de não saber usar a máquina, que culmina no desfecho final,
com o porquê da produção poética do país não ser mais de qualidade. Assim se
revela uma possível intenção de autor, sátira a língua instrumento promotor de
receitas.
Mediante tais conclusões, reporta-se novamente a Eco (2004, p. 32) que
afirma “... é mister que o leitor suspeite de que o significado é infinito e de que cada
87
linha oculta um segredo, de que as palavras não dizem e sim apontam para o não
dito que mascaram.”
E como foi dito no percurso deste trabalho, as marcas lingüísticas
constituem, apenas, indicadores ou pistas das intenções do autor, porque nunca se
pode saber o que o autor quis de fato dizer.
88
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho pretendeu apresentar resumidamente de que modo a área de
Lingüística Textual contribui para análises textuais sociocognitivamente
contextualizadas.
Para isso, exploraram-se, conceitos de coerência e coesão textuais que são
imprescindíveis para aqueles que pretendem trabalhar com níveis textuais e/ou
discursivos de realização da língua. Atentou-se, também, para os níveis de
informatividade, situacionalidade, intertextualidade, aceitabilidade e a
intencionalidade. Para a abordagem da Intencionalidade, bem como os atos de fala
se baseou nas propostas de Searle e Eco.
Verificou-se, também, que a Lingüística Textual ampliou e modificou seu
foco de preocupação. Ela se transformou em uma disciplina com forte tendência
sociocognitivista. Robert de Beaugrande (1997, p. 48) afirma que hoje, a Lingüística
de Texto é provavelmente melhor definida como o subdomínio lingüístico de uma
ciência transdiciplinar do texto e do discurso. O autor define texto como “um evento
comunicativo no qual convergem ações lingüísticas, cognitivas e sociais.”
Desta forma, os princípios de textualização não são mais vistos como
critérios que um texto deve ser, mas como um conjunto de condições que conduz à
produção de um ato interacionalmente comunicativo. Assim, ele constitui o ponto de
partida e de chegada para a ancoragem da Lingüística de Texto e sua força
constitutiva do conhecimento, depende da ativação de outros domínios, como:
pressuposições, inferências, saber intertextual e outros. Para compreender um texto
como um todo coerente, portanto, é necessário que sejam investigados não as
89
relações coesivas (a coesão é decorrência da coerência e a concatenação linear
não é garantia de um texto coerente), mas, e principalmente, as de conexão
conceitual-cognitiva. “É preciso que o leitor / alocutário desenvolva habilidades que
lhe permitam detectar as marcas que levarão às intenções do texto” (FÁVERO,
1985, p. 163).
Todavia, o leitor deve estar sempre aberto para aceitar que o sentido sempre
pode ser outro, já que as relações com a língua não podem ser postuladas como um
conjunto finito de possibilidades.
Seguindo esses pressupostos teóricos acima expostos, foram analisadas
crônicas metalingüísticas de Carlos Drummond de Andrade, onde se puderam
observar como tais procedimentos e estratégias se concretizaram.
O aspecto subjetivo e indefinido de sua crônica, em cuja evolução se
percebem transições da obra científica para os vastos territórios da literatura,
apresenta características de uma espécie literária de alto poder criador. Vê-se no
cronista, o desdobramento do poeta: como nos poemas sobre a poesia, a linguagem
de Drummond se transforma e constitue-se nas crônicas, também, em poderosa
metalinguagem, isto é, em linguagem que crítica a própria linguagem. Esses são
textos admiráveis de humor, crítica em que ao operar metalingüisticamente usou
uma linguagem direta, franca e quase sempre irônica, na linha dos grandes
moralistas clássicos. Sua linguagem, como se pôde observar ao longo deste estudo,
é um feixe de traços lingüísticos diversos, que funciona, de acordo com Teles (1987,
p. 12) como um laboratório, uma “oficina irritada”, onde “os materiais da vida”,
através da linguagem, vão-se submetendo a várias operações; de ampliação,
concentração, combinação, eliminação e permuta. A sua obra é por isso, “uma
gramática transformacional e criadora”, reitera o autor.
90
É preciso considerar, portanto, que a sua maestria é menos a de um
versificador que a de um criador de imagens, expressões e seqüências, que se
vinculam ao poder obscuro dos temas e geram diretamente a coerência total do
texto.
Assim sendo, na reflexão metalingüística observada em Drummond, vê-se a
sua luta com a palavra, para a qual se deslocam a sua vida e inquietação de
artista. As palavras parecem entidades rebeldes, que o autor procura atrair, mas que
fogem sempre. Todas as suas inquietudes, como prefere Cândido, quase sempre
são crivados pela reflexão acerca da capacidade de manipular as palavras neutras
“em estado de dicionário”, que podem servir para compor uma frase, ou ordenar
estruturas no processo criativo.
Espera-se que, a partir da leitura deste estudo, tenha-se vislumbrado o
amplo leque de interesses e perspectiva teóricas que constitui essa área, e tenha
contribuído para esclarecer que a linguagem não é um simples sistema de regras,
mas uma atividade sociointerativa que ultrapassa o próprio código como tal. Em
conseqüência, o seu uso assume um lugar central e deve ser o principal objeto de
observação em qualquer análise, porque assim se elimina o risco de transformá-
la em mero instrumento de informação. A língua é fundamentalmente um fenômeno
sociocultural que se determina na relação interativa e contribui para a criação de
novos mundos.
A análise aqui esboçada é apenas uma sugestão de trabalho, que
não foram feitas senão algumas pequenas incursões em um terreno vasto e ainda
nem tanto explorado.
91
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html. Acesso em 08 de novembro de 2007.
MATEUS, M. H. M. ET allii. Gramática da língua portuguesa. Caminho, Lisboa: 1983.
MARCUSCHI, Luiz A. Lingüística do Texto: o que é como se faz. Recife: UFPE,
1998, Série Debates 1.
MORAIS, Emanuel de. Drummond . Rima Itabira Mundo. Rio de Janeiro: L. José
Olympio, 1972.
______.______. As várias faces de uma poesia, in Carlos Drummond de Andrade.
Poesia e Prosa, volume único, Nova Aguilar, Rio de Janeiro: 1988.
Maingueneau, Dominique. Pragmática para o discurso literário, São Paulo: Martins
Fontes, 1996, (Coleção Leitura e Crítica),
______.______. Elementos de lingüística para o texto literário, São Paulo: Martins
Fontes, 1996
MOISÉS, Massaud, Dicionário de Termos Literários, Cultrix, São Paulo: 1995.
Neves, Maria Helena de Moura. Texto e gramática. São Paulo: Contexto, 2006.
95
PÊCHEUX, Michel. O Discurso: Estrutura ou Acontecimento. Pontes Campinas:
2002.
RABAÇA, C. A., Barbosa, G. Dicionário de Comunicação. 2. ed. São Paulo: Ática,
1987.
SÁ, Jorge de. A crônica, 6. ed. São Paulo: Ática, 2004. (Série Princípios).
SANT’ANNA Affonso R. de. Paródia, Paráfrase & Cia. o Paulo: Ática, 1985 (Série
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SIMON, Iumna Maria. Drummond: uma Poética do risco. São Paulo: Ática, 1978.
TELES, Gilberto Mendonça. Drummond. A Estilística da Repetição, 2. ed. José
Olympio, Rio de Janeiro: 1976.
______.______.. Drummond, introdução in Carlos Drummond de Andrade Seleta
em Prosa e Verso, 7. ed., Record, Rio de Janeiro: 1987.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos, Gramática e interação: uma proposta para o ensino de
gramática, 8. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
96
ANEXOS
97
ANEXO A - OS DADOS ESSENCIAIS
5
Etelberto matriculou-se na Faculdade de Comunicação. aprendeu que
toda a matéria jornalística de responder às seguintes perguntas: Quem? O quê?
Quando? Onde? Por quê? Como?
Impressionou-se de tal modo com a objetividade e o alcance da fórmula, que
daí por diante, a qualquer propósito e mesmo sem propósito algum, se surpreendia
indagando a si mesmo quem o quê, quando, onde, por quê e como.
Matutando horas seguidas, concluiu que não a notícia, mas toda a vida
deve ser considerada à luz dos seis dados, e esses dados são da aventura
humana. A filosofia não pretendeu outra coisa senão achar o porquê do quê, e esta
chave continua insabida. O como tarda a ser esclarecido totalmente, pairam dúvidas
sobre o quando, e muitas vezes torna-se impossível apurar quem é quem. Estamos
sempre interrogando a Deus, aos laboratórios, ao vento.
Etelberto passou a ver o mundo como notícia mal redigida, que o copy-desk
não teve tempo de reformular, ou não quis ou não soube. Desistiu de diplomar-se
em Comunicação. Hoje mantém uma criação de trutas, que lhe rende bom dinheiro.
É fornecedor exclusivo de restaurante de cinco estrelas;
5
ANDRADE, Carlos Drummond de, Os dados essenciais, apud Contos Plausíveis, 6 ed. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 1988.
98
ANEXO B - DIÁLOGO FILOSÓFICO
6
- As coisas não são o que são, mas também não são o que não são disse
o professor suíço ao estudante brasileiro.
- então o que são as coisas? – inquiriu o estudante.
- As coisas simplesmente não.
- Sem verbo?
-claro que sem verbo. O verbo não é coisa.
- E que quer dizer coisas não?
- Quer dizer o não das coisas, se você for suficiente atilado para percebê-lo.
- Então as coisas não têm um sim?
- O sim das coisas é o não. E o não é sem coisa. Portanto, coisa e não são
a mesma coisa, ou o mesmo não.
- O professor tirou do bolso uma não barra de chocolate e comeu um
pedacinho, sem oferecer outro ao aluno, porque o chocolate era não.
6
ANDRADE, Carlos Drummond de, Diálogo Filosófico, apud Contos Plausíveis, 6. ed. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 1988.
99
ANEXO C - IDÍLIO FUNESTO
7
A maior tristeza de Gregório era não entender da língua dos sapos
brasileiros, que ele sabia ser muito rica em expressão idiomáticas, e particularmente
aberta a efusões amorosas.
“Se eu aprendesse um pouco das finezas da língua deles, lastimava-se,
seria o mais afortunado dos amantes, além de brilhar em tertúlias, pelo pitoresco de
minha conversa. Mas dos sapos sei quase nada, e as mulheres não parecem
dispostas a conceder-me seus favores por esse mínimo que adquiri passando noites
em claro à margem do brejo.”
Um sapo condoeu-se de sua ignorância específica, e prometeu dar-lhe aulas
intensivas por duas semanas, findas as quais Gregório se tornaria conversador
cintilante e conquistador irresistível.
Mas o sapo não nascera para professor, e tudo se turvou na cabeça de
aluno, que aprendeu apenas a coaxar, sem modulações nem sintaxe. Ganhou
apelido de “Sapinho” porque era de porte reduzido. Renunciou à convivência
humana e foi morar me frente ao brejo. Numa noite de luar, uma escutou sua
algaravia, apaixonou-se por ele, e foram viver juntos. Os sapos, indignados,
mataram-no. A admite que fez mal em se deixar seduzir por erros de linguagem:
imaginara estar ouvindo um português mavioso.
7
ANDRADE, Carlos Drummond de. Idílio Funesto, apud Contos Plausíveis, 6 ed. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 1988.
100
ANEXO D - POESIA SEM DEUSES
8
A máquina de fazer versos foi invenção de um moço do Pará, que levou cinco
anos para torná-la perfeita. Os poetas locais e do país protestaram contra a
novidade, alegando que a poesia é negocio dos deuses, e baixa para cada um em
hora imprevisível. Estácio, o inventor, nem ligou. Produzia sonetos, baladas, rondeis,
haicais, martelos agalopados, vilancicos da melhor fatura.
Quem desejasse assumir a autoria de um poema encomendava-o a Estácio
e, sob sigilo, era atendido. Cobrava caro. Os clientes ganhavam prêmios
acadêmicos e distinções varias, justificando a tabela. Em dezembro, os negócios
atingiam o ápice. Junho era mês de renovação de estoque, para poetas menores.
Estácio enriqueceu e morreu, deixando aos filhos a máquina maravilhosa.
Eles não souberam acioná-la, e daí resulta que a produção corrente de poesia,
divulgada no país não é de qualidade superior.
8
ANDRADE, Carlos Drummond de, Poesia sem Deuses, apud Contos Plausíveis, 6. ed. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 1988.
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