tentava escrever, mas não conseguia criar nada ainda. “- Já encontrou a história? –
perguntavam-me todos os dias, e eu era obrigada a responder com uma mortificante negativa”
(SHELLEY, 2002, p. 9). Mas numa noite, participando de uma longa conversa sobre “o
princípio da natureza e da vida”, algumas experiências do médico Erasmus Darwin, e a
possibilidade de se reanimar um cadáver através do galvanismo, Mary Shelley teve a sua
inspiração:
A noite escoou por sobre essa conversa, e até mesmo a hora das bruxarias há
muito havia passado, quando nos retiramos para repousar. Coloquei a cabeça
sobre o travesseiro, mas não conseguia dormir, nem podia dizer que eu
estivesse pensando. Minha imaginação, solta, possuía-me, guiava-me,
dotando as sucessivas imagens que se erguiam em minha mente de uma
clareza que ia além dos habituais limites do sonho. Eu via – com os olhos
fechados, mas com uma penetrante visão mental –, eu via o pálido estudioso
das artes profanas ajoelhado junto à coisa que ele tinha reunido. Eu via o
horrível espectro de um homem estendido, que, sob a ação de alguma
máquina poderosa, mostrava sinais de vida e se agitava com um movimento
meio-vivo, desajeitado. Deve ter sido medonho, pois terrivelmente espantoso
devia ser qualquer tentativa humana para imitar o estupendo mecanismo do
Criador do mundo. O sucesso deveria terrorizar o artista; ele devia fugir de
sua odiosa obra cheio de horror. Ele esperaria que, entregue a si mesma, a
centelha de vida que ele lhe comunicara extinguir-se-ia, que aquela coisa que
recebera uma animação tão imperfeita mergulharia na matéria morta, e ele
poderia então dormir na crença de que o silêncio do túmulo envolveria para
sempre a breve existência do hediondo cadáver que ele olhara como berço de
uma vida. Ele dorme; mas é acordado; abre os olhos; avista a horrorosa coisa
de pé ao lado de sua cama, afastando as cortinas e contemplando-o com os
olhos amarelos, vazios de expressão, mas especulativos... Foi então que a
idéia me empolgou, rápida como a luz. ‘Achei! O que me havia aterrorizado,
certamente encheria de horror aos outros; e eu tinha apenas de descrever o
espectro que assombrara o meu sono da meia-noite’. Na manhã seguinte,
anunciei que já havia encontrado uma história. Comecei a escrevê-la naquele
mesmo dia com as palavras: ‘Era uma noite lúgubre de Novembro’,
transcrevendo apenas os lúgubres terrores do meu sonho acordado.
(SHELLEY, 2002, p. 9-11).
“Sonho acordado” pode lembrar a obra de Coleridge da visão dos sonhos e da posse
imaginativa que propositadamente resultou no poema “Kubla Khan”, segundo Harold Bloom
(2002, p. 274). Frankenstein, porém, não é nenhum fragmento nem uma “curiosidade
psicológica” (como Coleridge chamou seu trabalho), mas faz perfeitamente a ficção com um
enredo complicado, camadas múltiplas de narrações, e vários textos com inesgotáveis