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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Wandimara Pereira dos Santos Saes
A justiciabilidade dos direitos sociais no Brasil:
abordagem analítica, empírica e normativa
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2008
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1
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Wandimara Pereira dos Santos Saes
A justiciabilidade dos direitos sociais no Brasil:
abordagem analítica, empírica e normativa
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para obtenção do título
de MESTRE em Direito do Estado, Subárea de
Direito Constitucional pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo sob
orientação do Prof. Dr. Marcelo de Oliveira
Fausto Figueiredo Santos.
SÃO PAULO
2008
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2
Banca Examinadora:
________________________________
________________________________
________________________________
3
DEDICATÓRIA
Pela inspiração, ao meu pai Oscar
Pereira dos Santos (in memorian), que
cumpriu exemplarmente o seu
compromisso com o Direito e com a
Justiça, assim no Ministério Público
como na advocacia, com quem aprendi -
como aluna e como colega que se
deve cultuar o Direito, mas amar a
Justiça.
Pela sabedoria de vida e exemplo de
coragem, à minha mãe Maria Pereira
Lima, fonte de contínuo estímulo e
incessante amor, que tornam leve todo
encargo e doce todo esforço.
4
AGRADECIMENTOS
Sendo impossível aqui nominar todas as pessoas, dentre os funcionários da Pós-
Graduação em Direito da PUC e da APG-PUC, pela cortesia no atendimento e
dentre colegas, amigos e irmãos, que em algum momento de suas vidas,
percorreram comigo o meu caminho com incondicional apoio, agradeço-os
coletivamente.
Em especial agradeço,
Pelo auxílio, durante o período de orientação, em que o presente trabalho foi
realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – Brasil.
Pelas inesquecíveis lições de Filosofia do Direito, ao Dr. Jacy de Souza Mendonça e
ao Dr. Márcio Pugliesi, sem as quais seria impossível proceder à investigação crítica
do Direito aqui realizada.
Pelo incentivo à pesquisa e à produção científica, à Dra. Maria Garcia, de notável
sabedoria e envergadura moral, com quem aprendi nas aulas do Mestrado, mais do
que lições de Direito Constitucional, preciosas lições de filosofia e de vida.
Pela orientação, ao Dr. Marcelo Figueiredo, jurista de escol, que mediante oportunas
diretivas e sugestões, honrou-me com a valiosa contribuição científica concedida
durante a orientação.
Pela luz que ilumina cada passo, aos meus filhos, Carolina P. Saes e Guilherme
Samuel P. Saes, por amor de quem foi possível prosseguir diante dos obstáculos e a
quem devo a compreensão pelos momentos de ausência em época de semeadura e
com quem compartilho, no presente, a alegria do tempo de colheita.
Pela minha vida, ao Deus trino, que conhecia todas as linhas deste trabalho
quando nenhuma delas ainda se havia escrito.
5
“Abre a boca a favor do mudo, pelo
direito de todos os que se acham
desamparados. Abre a boca, julga
retamente e faze justiça aos pobres e
aos necessitados”.
(Pv. 31:8-9).
6
SAES, Wandimara Pereira dos Santos. A justiciabilidade dos direitos sociais no
Brasil: abordagem analítica, empírica e normativa. 341 fls. Mestrado (Direito do
Estado). Pontifícia Universidade Católica-PUC/SP. São Paulo-SP. 2008.
RESUMO
Sobre a justiciabilidade dos direitos sociais se procede a uma tríplice abordagem
analítica, empírica e normativa, em sua dimensão subjetiva. No plano analítico,
busca-se firmar o conceito da justiciabilidade e a sua correlação com outros
conceitos, bem como identificar a sua natureza, tipologia e conteúdo. Neste plano
conclui-se, em suma, que a justiciabilidade existe no plano pré-processual, mas nele
é exercido, distinguindo-se do direito de ação que lhe é instrumental. A
justiciabilidade expressa o poder de exigibilidade da tutela jurisdicional sobre direito
ou interesse juridicamente protegido. No plano empírico, analisa-se a configuração
da justiça constitucional, sede natural da jurisdição protetora dos direitos
fundamentais, neles incluídos os sociais e na pletora de mecanismos de proteção
jurisdicional a eles vocacionados - seja em dimensão individual, seja em dimensão
transindividual - visto que a aptidão e idoneidade destes constituem condição de
exercício da sua justiciabilidade. Nessa ambiência, de um lado, apura-se que as
garantias constitucionais para a defesa dos direitos sociais, em sua dimensão
individual, não são idôneos para cumprir a sua prometida proteção. Procede-se à
uma análise crítica da praxis judicial, que denuncia a atual postura de autocontenção
da jurisdição brasileira. No plano normativo, passa-se a demonstrar e afastar as
objeções teóricas à compreensão da justiciabilidade dos direitos sociais a partir do
que se aprofunda nos inúmeros fundamentos desse atributo. De forma geral conclui-
se que em sua dimensão individual, os direitos sociais são mal interpretados, mal
garantidos e mal tutelados. O déficit constitui óbice ao reconhecimento da plena
justiciabilidade dos direitos sociais e à concreção da Justiça Social, posta como
objetivo maior da Republica Brasileira. A sua superação reclama,
concomitantemente, a correta exegese dos direitos sociais, o reforço e adequação
de suas garantias e, sobretudo, o protagonismo do Judiciário no desempenho do
novo papel que lhe impõe a implementação do Estado Social fundado na dignidade
da pessoa humana.
Palavras-chave: Direitos sociais - Justiciabilidade – Jurisdição Constitucional.
7
SAES, Wandimara Pereira dos Santos. A justiciabilidade dos direitos sociais no
Brasil: abordagem analítica, empírica e normativa. 341 fls. Mestrado (Direito do
Estado). Pontifícia Universidade Católica-PUC/SP. São Paulo-SP. 2008.
ABSTRACT
Concerning social rights justiciability we proceed to a triple approach analytical,
empirical and normative - in its subjective dimension. On the analytical plan, we
pursue to solidify the concept of justiciability and its relation to other concepts, as well
as identify its nature, typology and content. On this plan we conclude that justiciability
exists on the pre-process plan, but it is exerted on the process, being different from
action right which is instrumental. Justiciability expresses demanding power of
jurisdictional providence on right or judicially protected interest. On the empirical plan,
we analyze the constitutional justice frame, natural center of protective jurisdiction of
fundamental rights, including the social ones and the mechanisms of jurisdictional
protection towards them – either on individual dimension or transindividual dimension
as their aptness and competence constitute the condition to justiciability. With this
background, on one hand, we verify the constitutional guarantees to defend social
rights, on its individual dimension, are not competent to accomplish the promised
protection. We proceed to a critical analysis of judicial praxis and that denounce the
current posture of autocontention of Brazilian jurisdiction. On normative plan, we
demonstrate and remove the theoretical objections to understand the social rights
justiciability, from what we deep in the various fundaments of this attribute. In
general, we conclude that, on individual dimension, social rights are misinterpreted,
badly guaranteed and badly provided. The deficit objects to the recognition of social
rights full justiciability and to Social Justice solidification, put as the principal aim of
Brazilian Republic. Its overcoming claims, simultaneously, the accurate exegesis of
social rights, the reinforce and adaptation of its guarantees and, above all, Judicial
System as protagonist in developing a new role in order to implement a Social State
based on dignity of human person.
Key-words: Social Rights – Justiciability - Constitutional Jurisdiction.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................13
1 DIREITOS FUNDAMENTAIS.................................................................................17
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..........................................................................17
1.2 ESCORÇO HISTÓRICO..................................................................................18
1.3 A TIPOLOGIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ..........................................21
1.4 CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS.................................................24
1.4.1 Direitos Fundamentais e Direitos Humanos .........................................24
1.4.2 Direitos Subjetivos Fundamentais.........................................................27
1.5 ESTRUTURA DOS DIREITOS SUBJETIVOS FUNDAMENTAIS....................34
1.5.1 Posições Jurídicas Fundamentais de Jellinek .....................................34
1.5.2 Posições Jurídicas Fundamentais de Alexy.........................................35
1.6 POSITIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.........................................37
1.6.1 Norma de Direitos Fundamentais ..........................................................40
1.6.2 Estrutura das Normas de Direitos Fundamentais ................................41
1.7 A RELEVÂNCIA JURÍDICO-FUNCIONAL (AXIOLÓGICA) DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS............................................................................................45
1.7.1 Características dos Direitos Fundamentais..........................................47
1.8 BIFRONTALIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: ORDEM JURÍDICA
SUBJETIVA-OBJETIVA DESTINADA À CONCREÇÃO DA DIGNIDADE ......51
2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NA ORDEM JURÍDICO-
CONSTITUCIONAL BRASILEIRA ........................................................................56
2.1 NEOCONSTITUCIONALISMO E DIREITOS SOCIAIS....................................56
2.2 O ESTADO SOCIAL E OS DIREITOS SOCIAIS: ESTADO DAS POLÍTICAS
PÚBLICAS ......................................................................................................58
2.3 HISTÓRICO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS SOCIAIS NO
BRASIL ...........................................................................................................62
2.4 CONCEITO DE DIREITOS SOCIAIS...............................................................64
2.5 RELAÇÃO ENTRE OS DIREITOS SOCIAIS E OS DIREITOS CIVIS E
POLÍTICOS.....................................................................................................67
2.6 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS SOCIAIS .............................................69
9
2.7 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS..................................................71
2.8 ENUMERAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS NA ORDEM INTERNA E
INTERNACIONAL...........................................................................................74
2.9 DIREITOS SOCIAIS E AS CLÁUSULAS PÉTREAS .......................................82
2.10 DIREITOS SOCIAIS E O MÍNIMO EXISTENCIAL.........................................84
3 A JUSTICIABILIDADE SUBJETIVA DOS DIREITOS SOCIAIS NA ORDEM
JURÍDICO-CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: ASPECTOS ANALÍTICOS .........87
3.1 TUTELA ESTATAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ..................................87
3.2 CONCEITO DE JUSTICIABILIDADE...............................................................88
3.3 JUSTICIABILIDADE E ACIONABILIDADE ......................................................91
3.4 NATUREZA DA JUSTICIABILIDADE ..............................................................93
3.5 CONCEITO DE JUSTICIABILIDADE ESPECIAL DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS............................................................................................94
3.6 CLASSIFICAÇÃO DA JUSTICIABILIDADE ESPECIAL DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS............................................................................................98
3.7 A JUSTICIABILIDADE ESPECIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A
JUSTIÇA CONSTITUCIONAL ......................................................................104
3.8 CONCEITO DE JUSTIÇA CONSTITUCIONAL .............................................105
3.9 CONFIGURAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL ...................................107
3.9.1 Especialidade de Jurisdição, Especialidade de Ação e
Especialidade de Processo.................................................................109
3.9.2 Configuração da Justiça Constitucional Brasileira............................111
3.10 JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL...............................................................116
3.10.1 Conceito de Jurisdição Constitucional.............................................116
3.10.2 Pressupostos Jurídicos da Jurisdição Constitucional....................117
3.10.3 Dimensões da Jurisdição Constitucional .........................................118
3.10.3.1 Jurisdição dogmática...................................................................119
3.10.3.2 Jurisdição orgânica......................................................................120
3.10.4 Sistema Brasileiro de Controle de Constitucionalidade: Modelo
Híbrido ..................................................................................................121
3.11 AÇÃO CONSTITUCIONAL ..........................................................................122
3.11.1 Conceito de Ação Constitucional ......................................................122
3.11.2 Classificação das Ações Constitucionais.........................................124
10
3.11.3 Garantismo Constitucional ................................................................125
3.12 PROCESSO CONSTITUCIONAL................................................................130
3.12.1 Conceito de Processo Constitucional...............................................130
3.12.2 Neoprocessualismo ............................................................................131
4 A JUSTICIABILIDADE SUBJETIVA DOS DIREITOS SOCIAIS NA ORDEM
JURÍDICO-CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: ASPECTOS EMPÍRICOS.........135
4.1 ESPÉCIES DE MECANISMOS CONSTITUCIONAIS PARA A TUTELA DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS ........................................................135
4.1.1 Considerações Iniciais .........................................................................135
4.1.2 Perfil Geral dos Mecanismos Constitucionais para a Tutela dos
Direitos Fundamentais Sociais em sua Dimensão Subjetiva...........136
4.2 MANDADO DE SEGURANÇA.......................................................................139
4.2.1 Perfil do Instituto...................................................................................139
4.2.2 O Instituto e a Justiciabilidade dos Direitos Sociais .........................142
4.3 MANDADO DE INJUNÇÃO ...........................................................................144
4.3.1 Perfil do Instituto...................................................................................144
4.3.2 O Instituto e a Justiciabilidade dos Direitos Sociais .........................148
4.4 AÇÃO CIVIL PÚBLICA ..................................................................................151
4.4.1 Perfil do Instituto...................................................................................151
4.4.2 O Instituto e a Justiciabilidade dos Direitos Sociais .........................154
4.5 AÇÃO POPULAR...........................................................................................157
4.5.1 Perfil do Instituto...................................................................................157
4.5.2 O Instituto e a Justiciabilidade dos Direitos Sociais .........................160
4.6 ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL .....161
4.6.1 Perfil do Instituto...................................................................................161
4.6.2 O Instituto e a Justiciabilidade dos Direitos Sociais .........................164
4.7 OS DIREITOS SOCIAIS E A AMBIÊNCIA JURISDICIONAL.........................166
5 A JUSTICIABILIDADE SUBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
SOCIAIS: ASPECTOS NORMATIVOS E A DOGMÁTICA .................................181
5.1 A JUSTICIABILIDADE SUBJETIVA DOS DIREITOS SOCIAIS.....................181
5.1.1 Considerações Iniciais .........................................................................181
5.1.2 Principais Objeções Dogmáticas à Justiciabilidade Subjetiva dos
Direitos Sociais ....................................................................................183
11
5.2 CONCEPÇÕES DOUTRINÁRIAS EM TORNO DA JUSTICIABILIDADE
SUBJETIVA DOS DIREITOS SOCIAIS ........................................................185
5.2.1 Justiciabilidade Originária dos Direitos Sociais ................................186
5.2.1.1 Justiciabilidade originária plena dos direitos sociais.................187
5.2.1.2 Justiciabilidade originária condicionada dos direitos sociais ...189
5.2.2 Justiciabilidade Derivada dos Direitos Sociais ..................................193
5.2.3 Análise Crítica das Concepções Doutrinárias: Posicionamento
Adotado ................................................................................................198
5.3 FUNDAMENTOS DA JUSTICIABILIDADE SUBJETIVA DOS DIREITOS
SOCIAIS .......................................................................................................205
5.3.1 Justiciabilidade Subjetiva Originária...................................................205
5.3.1.1 Direitos sociais como direitos formal e materialmente
fundamentais ..............................................................................................206
5.3.1.2 Direitos sociais como direitos públicos subjetivos
fundamentais ..............................................................................................208
5.3.1.3 Direitos sociais de prestação determinável .................................213
5.3.1.4 Direitos sociais inscritos em normas de eficácia plena,
imediata e vinculante .................................................................................215
5.3.1.5 Direitos sociais como direitos irreversíveis e inderrogáveis .....219
5.3.1.6 Direitos sociais em unidade deôntica com os direitos civis e
políticos.......................................................................................................223
5.3.1.7 Direitos sociais fundados na dignidade humana ........................226
5.3.1.8 Direitos sociais guarnecidos de pretensão subjetiva à
realização de políticas públicas ................................................................228
5.3.1.9 Direitos sociais munidos de garantias jurisdicionais .................230
5.3.1.10 Direitos sociais com pretensão à tutela jurisdicional na ordem
interna e internacional ...............................................................................232
6 CAPÍTULO VI: A JUSTICIABILIDADE SUBJETIVA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS SOCIAIS: ASPECTOS NORMATIVOS E A AMBIÊNCIA
JURISDICIONAL.................................................................................................239
6.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES............................................................239
6.2 OBJEÇÕES JURISDICIONAIS: DÉFICIT DE JUSTICIABILIDADE
SUBJETIVA DOS DIREITOS SOCIAIS ........................................................240
12
6.3 CAUSAS DO DÉFICIT...................................................................................242
6.3.1 Quanto à Ação: Inadequação das Garantias Constitucionais do
Cidadão para a Defesa dos seus Direitos Subjetivos Sociais .........242
6.3.2 Quanto ao Processo: Ineficiência Procedimental ..............................246
6.3.3 Quanto à Jurisdição..............................................................................250
6.3.3.1 Crise de legitimidade da jurisdição constitucional .....................250
6.3.3.2 Hermenêutica não concretizante...................................................253
6.4 CONSEQÜÊNCIAS DO DÉFICIT ..................................................................257
6.5 CORREÇÃO DO DÉFICIT.............................................................................258
6.5.1 Quanto à Ação: Criação ou Adequação das Ações de Garantia dos
Direitos Sociais ....................................................................................258
6.5.2 Quanto ao Processo: Sistematização do Processo Constitucional e
Aperfeiçoamento das Técnicas Processuais ....................................262
6.5.3 Quanto à Jurisdição..............................................................................265
6.5.3.1 Reestruturação orgânica e funcional da justiça constitucional:
criação do tribunal constitucional ............................................................265
6.5.3.2 Reconhecimento da legitimidade democrático-constitucional
do Poder Judiciário: releitura do princípio da separação dos poderes
(e novos deveres) no Estado Social .........................................................270
6.5.3.2.1 Controle judicial principiológico da constitucionalidade das
políticas públicas........................................................................................279
6.5.3.2.2 Ativismo estratégico judicial ........................................................294
6.5.3.3 Hermenêutica neoconstitucional concretizante ..........................298
6.5.3.3.1 Principiologia do direito interno e internacional ...........................298
6.5.3.3.2 Reserva do possível x princípio da eficiência..............................307
6.5.3.3.3 Vedação do retrocesso via jurisdicional ......................................310
CONCLUSÃO .........................................................................................................313
REFERÊNCIAS.......................................................................................................324
13
INTRODUÇÃO
O momento atual da história constitucional é marcado por um
constitucionalismo forte, desenvolvido na segunda metade do século XX, fruto do
recente fenômeno da transformação do Estado de Direito para o Estado
Constitucional. De um constitucionalismo básico, voltado apenas para a regulação
das relações básicas dos Poderes Constituídos, divisão de poderes e delimitação de
competência dos órgãos estatais, passa-se a um constitucionalismo vocacionado
para os direitos fundamentais por meio da sua positivação e do estabelecimento de
mecanismos de proteção.
Esse constitucionalismo, que orienta o Estado Constitucional, define a
extensão da jurisdição constitucional, que se baseia na legitimidade democrática. A
jurisdição constitucional objetiva assegurar a supremacia axiológico-normativa da
Constituição e os direitos fundamentais nela inscritos e requer uma hermenêutica
constitucional pautada no reconhecimento da normatividade de princípios e valores,
sobretudo na concretização judicial dos direitos fundamentais.
No ápice do ordenamento jurídico estatal, encontra-se a Constituição, fruto do
Poder Constituinte, cujas normas regulam o procedimento de criação das demais
normas estatais de caráter interno, os mecanismos para a sua própria alteração e,
sobretudo, os direitos fundamentais do indivíduo. Estabelece, em suma, o conjunto
de condições necessárias ao pleno desenvolvimento do homem e de uma sociedade
justa.
Para promover a defesa da Constituição e dos direitos fundamentais nela
inscritos, estabelece-se um conjunto de mecanismos jurídicos e processuais para
prevenir e reprimir sua violação, permitindo que a Constituição formal, do plano
normativo, transforme-se em Constituição material, no plano fático-social.
A concretização da defesa da Constituição realiza-se na jurisdição
constitucional orgânica e jurisdição constitucional dogmática, protetora dos direitos
fundamentais.
Não se configura uma Constituição democrática sem o reconhecimento dos
direitos fundamentais, assim como não pode se configurar um Estado Democrático
de Direito sem uma justiça constitucional que os proteja. A proteção e a garantia dos
direitos fundamentais sociais, no âmbito da justiça constitucional - premissas
14
impostergáveis para implantação de um Estado Social Democrático de Direito -
direcionam o estudo do tema.
A busca do aperfeiçoamento da jurisdição constitucional deve ser objetivo
permanente do Estado Social Democrático de Direito, sobretudo o Estado brasileiro,
que tem como base antropológica constitucionalmente estruturante os direitos e
garantias fundamentais, consubstanciadores do princípio da dignidade da pessoa
humana, que tem sua mais viva concreção nos direitos sociais.
Dentre todos os direitos fundamentais, afigura-se de marcada complexidade a
concretização jurisdicional dos direitos sociais. Todavia, não obstante sejam eles
indissociáveis do objetivo constitucional primeiro de implementação do Estado Social
a que aspira ser a República Federativa do Brasil, em sua natureza, se tem
identificado um “defeito congênito”, capaz de torná-los direitos ‘impossíveis’ ao
impedir a sua configuração jurídica como direito subjetivo, obstando a sua
justiciabilidade.
Não obstante, não nos foi possível ignorar a grave advertência lançada por
Sergio García Ramírez
1
, enquanto juiz da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, de que “la libertad de expresión no absuelve ni compensa la ignorancia, la
insalubridad y la miséria”, a qual nos levou, de início, a constatar que a proteção
integral de todos as categorias de direitos fundamentais encontra-se ameaçada pela
grave lacuna em sede de direitos sociais.
A assertiva de Luigi Ferrajoli
2
, no início desta década, de que a dogmática dos
direitos sociais está pendente de construção é de atual lição, sobretudo em tempos
de grave e impune violação dos direitos sociais que clamam pela sua justiciabilidade.
Essas são as razões da escolha do gratificante, mas não menos complexo,
tema. Lançar-se à investigação do candente tema dos direitos fundamentais sociais
não somente constitui um desafio nessa quadra da história neoconstitucional, mas
também um imperativo em tempo (tardio) de implantação da democracia social.
A análise neoconstitucional dos direitos sociais resgata a indagação sobre a
existência de fundamentos e/ou objeções à justiciabilidade e também sobre outras
1
GARCÍA RAMÍREZ, Sergio. ‘Protección jurisdicional internacional de los derechos econômicos,
sociales y culturais’. Cuestiones Constitucionales. Revista Mexicana de Derecho Constitucional,
Universidad Nacional Autónoma de México/Instituto de Investigaciones Jurídicas, México, n. 9,
jul./dic. 2003. p. 127-158; p. 129.
2
FERRAJOLI, Luigi. In: ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian. Los derechos sociales como
derechos exigibles. Madrid: Trotta, 2002, p. 11 (Colección estructuras y processos. Serie
Derecho).
15
questões que se põem como premissa teórica para adequada compreensão dessa
especial categoria de direitos fundamentais.
Em seu conjunto, as indagações que se lançam são: a) É possível um direito
social, de conteúdo fluído e de prestação indeterminada, configurar um direito
subjetivo? b) Os direitos sociais possuem justiciabilidade característica dos direitos
fundamentais? c) Se admitida, quais os fundamentos a essa compreensão? Caso
seja inadmitida, quais seriam os seus obstáculos? d) É possível, ao Judiciário,
controlar as políticas públicas implementadoras dos direitos sociais sem ofensa ao
princípio democrático e majoritário?
A enfrentar por certo não satisfatoriamente - tais indagações se propõe o
presente estudo. A proposta central da investigação não é apresentar formas de
superação, no plano teórico-pragmático, das objeções encontradas, pois constituiria
alta meta que aqui não se ims, mas identificá-las e demonstrar qual sua
implicação com a tutela jurisdicional dos direitos sociais.
O fio condutor que perpassa o presente estudo, busca ressaltar a dimensão
subjetiva na anatomia dos direitos fundamentais.
No percurso investigativo, a análise da dogmática geral dos direitos
fundamentais, embora realizado um corte epistemológico quanto à sua
fundamentação, lança o embasamento necessário para a investigação verticalizada
dos direitos fundamentais sociais. A investigação, que de modo algum ambiciona ser
exaustiva, necessariamente abordará, não como compartimentos estanques, o
aspecto analítico, empírico e normativo da justiciabilidade subjetiva dos direitos
sociais no Brasil.
No plano analítico, buscar-se firmar o conceito de justiciabilidade e a relação
desse conceito com outros afins, a sua tipologia, natureza, bem como o conceito de
justiciabilidade especial.
No plano empírico, analisar-se-á, a admissão dos direitos sociais no contexto
da justiça constitucional, sede natural da jurisdição protetora dos direitos
fundamentais e na pletora de mecanismos de proteção jurisdicional existentes e a
eles vocacionados, visto que a aptidão e idoneidade destes constituem condição de
possibilidade da tutela jurisdicional com implicações, portanto, na dimeno de sua
justiciabilidade.
No plano normativo, procede-se a uma análise crítica da dogmática e da
praxe jurídica quanto às objeções doutrinárias e jurisdicionais à justiciabilidade dos
16
direitos sociais, que refletem a atual postura dogmática e jurisdicional frente à
justiciabilidade.
A proposta metodológica da exposição do estudo, operado à luz do
ordenamento jurídico brasileiro, consiste em suma: no Capítulo I, operado um corte
epistemológico quanto à sua fundamentação, discorrer-se-á sobre os direitos
fundamentais; no Capítulo II, sobre os direitos fundamentais sociais; no Capítulo III,
sobre a justiciabilidade dos direitos fundamentais sob o aspecto analítico; o Capítulo
IV, sobre a justiciabilidade dos direitos sociais sob o aspecto empírico; o Capítulo V,
sobre a justiciabilidade dos direitos sociais sob o aspecto normativo e a dogmática e,
por fim, o Capítulo VI, sobre a justiciabilidade dos direitos sociais sob o aspecto
normativo e a ambiência jurisdicional.
O móvel que inspira a presente investigação tem tríplice aspecto: a) a
preocupação com o resgate da dignidade social do cidadão e com a conscientização
de sua cidadania; b) o resgate da credibilidade dos direitos fundamentais sociais,
como direitos e não como quimeras; e c) o resgate da confiança no Judiciário em
sua implementação.
Ao analisar os direitos fundamentais sociais, com vistas à conscientização do
seu titular, foca-se o cidadão não em sua acepção técnico-jurídica de detentor de
direitos políticos, mas em sua concepção ampla, fática, multidimensional, que
corresponde ao indivíduo que cumpre o contrato social
3
no Estado em que vive ou
sobrevive - ainda que não seja sua Nação.
3
BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa: por um Direito
Constitucional de luta e resistência por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da
legitimidade. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 19.
17
1 DIREITOS FUNDAMENTAIS
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A compreensão integral dos direitos fundamentais requer uma abordagem
multidisciplinar, sobretudo, porque ocupa relevante papel no discurso político,
filosófico e jurídico. A complexidade da investigação científica dos direitos
fundamentais resulta - como bem observa Willis Santiago Guerra Filho - da
necessidade de se analisar, pragmaticamente, a filosofia jurídica e política, as
concepções de Estado e de Constituição, considerando-se os recentes estudos
sobre teoria da Justiça, teoria da argumentação, ética do discurso, a partir de obras
como as de Viehweg, Gadamer, Rawls, Habermas, Alexy, Höffe, Perelman e
Ricouer
4
.
Não obstante a multidiscipliraridade do tema, dada a proposta finalística do
presente estudo, faz-se necessário um recorte epistemológico e disciplinar, restrito
que está o objeto ao âmbito jurídico, em específico a justiciabilidade dos direitos
sociais em seus aspectos analítico, normativo e pragmático, segundo uma
abordagem tridimensional da teoria dos direitos fundamentais
Esse modelo, que ora se busca seguir, é proposto por Dreier e aplicado por
Robert Alexy no desenvolvimento de uma teoria - científica - de direitos
fundamentais, sob o argumento de que “la vinculación de las três dimensiones es
condición necesaria de la racionalidad de la ciencia del derecho como disciplina
práctica”
5
.
Na dimensão analítica, põe-se em relevo a consideração sistemático-
conceitual do direito válido, investigando-se conceitos, construções jurídicas, a
4
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 4. ed. rev. e
atual. São Paulo: RCS, 2005. p. 31-32.
5
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Versão espanhola: Ernesto Garzón
Valdés. Madri: Centro de estúdios Políticos y Constitucionales, 2001. p. 33. Para a investigação do
objeto de estudo direitos fundamentais na proposta de Dimitri Dimoulis, pode se realizar o
estudo dos direitos fundamentais sob tríplice perspectiva: a dogmática geral, voltada para a
formulação de conceitos básicos e de métodos de resolução de conflitos entre os mesmos; a
dogmática especial, mediante a análise em específico de cada direito fundamental garantido, com
a avaliação de sua concretização legislativa e judicial e a teoria dos direitos fundamentais,
mediante a análise crítica e enfoque político-filosófico de sua fundamentação (DIMOULIS, Dimitri.
Elementos e problemas da dogmática dos direitos fundamentais. In: SARLET, Ingo Wolfgang
(Org.). Jurisdição e direitos fundamentais: anuário 2004/2005 - Escola Superior da Magistratura do
Rio Grande do Sul (AJURIS). Porto Alegre: Escola Superior da Magistratura/Livraria do Advogado,
2006. v. 1, t. 2, p. 72).
18
estrutura do sistema jurídico e da fundamentação dos direitos fundamentais. A
dimensão empírica tem por objeto o conhecimento do direito positivamente válido,
legislado e judicial, bem como as suas condições de eficácia e validade. A dimeno
normativa trata da orientação e crítica da práxis jurídica, sobretudo da jurisprudência,
investigando-se as bases para uma correta decisão
6
.
A teoria dos direitos fundamentais, desenvolvida por Robert Alexy, cujos
conceitos em muitas oportunidades serão adotados neste estudo, é uma teoria
jurídica geral da Lei Fundamental, alinhada na tradição da ‘jurisprudência dos
conceitos’, assim concebida por entender que é precisamente a análise sistemático-
conceitual o opus proprium da ciência do Direito
7
.
Da abordagem jurídico-constitucional dos direitos fundamentais sociais, sob a
tríplice dimensão segundo o modelo de Robert Alexy, trata-se a proposta do
presente trabalho.
1.2 ESCORÇO HISTÓRICO
Os direitos humanos passaram por um processo de desenvolvimento, no qual
se incluem a sua afirmação histórica, positivação, generalização e
internacionalização
8
.
6
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 30-32. Em outras palavras, com
precisão resume Willis Santiago Guerra Filho, “a primeira dimensão em que se devem realizar os
estudos jurídicos é dita ‘analítica’, sendo aquela onde se burila o aparato conceitual a ser
empregado na investigação, num trabalho de distinção entre as diversas figuras e institutos
jurídicos [...]. Uma segunda dimensão é denominada ‘empírica´, por ser aquela em que se toma
por objeto de estudo determinadas manifestações concretas do Direito[...]a terceira dimensão é a
‘normativa’, enquanto aquela em que a teoria assume o papel prático e deontológico [...] tornando-
se o que com maior propriedade se chamaria doutrina”. (GUERRA FILHO, Willis Santiago.
Processo constitucional e direitos fundamentais, p. 41-42).
7
ALEXY, Robert, op. cit, p. 29 e 45. A referência é à Lei Fundamental da República Alemã.
8
O processo de desenvolvimento dos direitos do homem é descrito por Norberto Bobbio (BOBBIO,
Norberto. A era dos direitos. Trad. de Carlos lson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p.
50). A partir da Revolução Francesa, a evolução histórica dos direitos do homem pode ser divida
em três etapas, como propõe o jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho. A primeira, “a 1914,
caracterizada pela consolidação das concepções liberais; a segunda, pós-guerra (I Guerra
Mundial), em que a concepção marxista leninista triunfa na URSS e a tentativa de conciliação
da tradição liberal com a inspiração socialista; a terceira, o período contemporâneo, após 1946,
caracterizado pela disseminação de documentos que refletem as duas concepções”. (FERREIRA
FILHO, Manoel Gonçalves et al. Liberdades públicas: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1978. p.
77).
19
A evolução dos direitos do homem, na civilização ocidental, como bem frisa
José Soder, baseia-se na concepção metafísica do homem como ente dotado de
dignidade natural inalienável, porque congênita”
9
.
A história dos direitos fundamentais começa com a declaração firmada pelos
Estados americanos ao proclamar sua independência com relação à Inglaterra, pois
antes disso, somente havia regulações contratuais tais como Magna Carta (1215),
Habeas Corpus Act (1679), Bill os Rights (1688)
10
.
Os direitos do homem alçados ao patamar constitucional ocorre após a
superação da diversidade de forças ideológicas, econômicas, políticas e sociais, “[...]
Ao fim desse processo, plasma-se um certo conjunto equilibrado da variada
mundividência – e sua conseqüente carga valorativa – existente no corpo social”
11
.
Como fator fundamental para esse processo de transformação, aponta-se o
Iluminismo, como um movimento político e cultural operado na Europa entre os séc.
XVII e XVIII que propugnava, com base no racionalismo, novas concepções
filosóficas, sociais e políticas. O movimento também operou profundas mudanças no
campo do Direito, pelas novas exigências de liberdade e igualdade.
No séc. XVIII, marcado pela insurgência contra o absolutismo, apresenta-se
como marco histórico a Revolução Francesa, cujo ideário vem expresso na notável
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e espelha algumas das
concepções adotadas na Declaração do (Bom Povo) Estado da Virgínia (1776).
Ambas repousam na concepção subjacente individualista do Estado Liberal.
Desde a Revolução de 1789, o regime constitucional é jungido à garantia dos
direitos fundamentais
12
e tal é a vinculação que se proclama que não tem
Constituição um Estado que não os assegura
13
.
As declarações que lhe sucederam garantiram amplamente as liberdades
individuais e imprimiram um cunho liberal-abstencionsita ao Estado, cujas
9
SODER, José. Direitos do homem. São Paulo: Nacional, 1960. p. 11.
10
Cf. SCHMITT, Carl. Teoria de la Constitución. México: Nacional, 1966. p. 182.
11
MELGARÉ, Plínio. ‘Um olhar sobre os direitos fundamentais e o estado de direito – breves
reflexões ao abrigo de uma perspectiva material’. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Jurisdição e
direitos fundamentais: anuário 2004/2005 - Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul
(AJURIS). Porto Alegre: Escola Superior da Magistratura/Livraria do Advogado, 2006. v. 1, t. 2,
p.193-208. p. 196.
12
Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 32. ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2006, p. 286.
13
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, art. 16.
20
prestações eram meramente negativas no sentido de não intervir na esfera de
liberdade do cidadão.
No séc. XIX, com o surgimento do capitalismo na Europa e a mudança do
contexto social e econômico, operada, sobretudo com o desenvolvimento industrial a
partir da Revolução Industrial, passa-se da insurgência à opressão política do
Estado autocrático, combatida pelo surgimento das liberdades individuais, à
contestação da opressão econômica, fazendo surgir uma nova classe de direitos
fundamentais: os sociais.
Estabelecido o conflito entre capital e trabalho, que provoca opressão
socioeconômica da classe dos trabalhadores junto aos detentores dos meios de
produção, passa-se a postular pela solidariedade em abandono ao individualismo
liberal e igualdade formal que apenas acentuavam a injustiça social. Nesse contexto
histórico, lançam-se as primeiras sementes de um direito de configuração social: o
direito ao trabalho.
Cita-se a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, da
Rússia, como a primeira a consagrar direitos humanos econômicos, sociais e
culturais. Com a Constituição do México (1917), inicia-se a dignificação
constitucional dos direitos sociais
14
, lançando as sementes modeladoras do Estado
Social, em oposição ao Estado liberal-abstencionista, inspirando, nesse sentido, a
Constituição de Weimar (1919) - considerada o marco do constitucionalismo social -
e as Constituições contemporâneas que se seguiram.
O período que sucede a Segunda Guerra Mundial é marcado pela
universalização dos direitos humanos, que vem expressamente configurada na
Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 1948 pela Assembléia
Geral das Nações Unidas. O constitucionalismo moderno, desenvolvido na segunda
metade do século XX, teve o mérito de favorecer a implementação das declarações
de direitos, cuja proclamação teve como causa determinante a opressão do
absolutismo. A preocupação reinante era fortalecer o indivíduo em face do Estado,
reconhecendo direitos e prevendo garantias para lhe opor resistência.
Inicia-se assim, como bem descreve Norberto Bobbio,
15
a fase
14
Todavia se pode registrar a previsão de direitos sociais na Constituição francesa (jacobina) de
1793.
15
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nélson Coutinho. Rio de Janeiro:
Campus, 1992. p. 30.
21
[...] na qual a afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e
positiva: universal no sentido de que os destinatários dos princípios
nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele
Estado, mas todos os homens; positiva no sentido que põe em
movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão
ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente
reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o
próprio Estado que os tenha violado.
Em busca da ‘juridicização’ dos direitos humanos previstos nas declarações,
dá-se início aos trabalhos de elaboração de um Pacto Internacional dos Direitos,
que, em virtude dos conflitos ideológicos da Guerra Fria, foi dividido em dois: Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), adotados em 1966 pela (ONU)
16
.
Desde então, os direitos humanos passaram a ser especificados, em
documentos internacionais, com o intuito de garantir sua consagração e proteção, o
que não tem impedido a sua violação sistemática, cujas conseqüências nocivas
fizeram emergir a necessidade da elaboração da Declaração do Direito ao
Desenvolvimento (ONU), em 1986, em busca da cooperação internacional para sua
proteção.
1.3 A TIPOLOGIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Impende pôr em relevo, dentro do gênero direitos fundamentais, as suas
várias espécies. Usualmente, a doutrina adota a designação ‘gerações’, utilizando o
critério cronológico para especificar as várias classes dos direitos, que tange à sua
aparição ou reconhecimento histórico.
O uso do vocábulo ‘gerações’, todavia, é criticado pela doutrina por expressar
a conotação de sucessão temporal e hierarquia em face das precedentes. Defende-
se que tecnicamente correto seria falar-se em dimensões dos direitos fundamentais.
Nessa esteira de entendimento propõe Willis Santiago Guerra Filho
17
,
argüindo
16
Ambos adotados pela Resolução n. 2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas em
16.12.1966 e ratificados pelo Brasil em 24.01.1992.
17
GUERRA FILHO Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 4. ed. rev. e
ampl. São Paulo: RCS Editora, 2005. p. 46-47. No mesmo sentido: SARLET, Ingo Wolfgang.
22
[...] que ao invés de ‘gerações’, adequado será falar em dimensões
de direitos fundamentais’, nesse contexto, não se justifica apenas
pelo preciosismo de que as gerações anteriores não desaparecem
com o surgimento das mais novas [...] pois, direitos de geração mais
recente tornam-se um pressuposto para entendê-los de forma mais
adequada – e, conseqüentemente, também para melhor realizá-los.
Em sentido diverso, concluem Antonio Enrique Perez Luño
18
e Germán J.
Bidart Campos
19
que não vislumbram qualquer inadequação, pois, como bem
observa este jurista, a ordem é cronológica e não axiológica e refere-se ao momento
de sua aparição histórica.
De fato, para fins de compreensão histórica, os direitos fundamentais podem
ser focados à luz de sua aparição histórico-temporal, quando não se mostra
incorreto o uso do vocábulo gerações para referir-se a tal critério. De modo sucinto,
se podem enumerar a primeira, a segunda, a terceira e, atualmente, já se reportam a
direitos de quarta geração.
Porém, a par da sua compreensão histórica, ao se proceder à investigação
cientifica da natureza dos direitos fundamentais convém adotar a classificação de
suas espécies segundo o critério da dimensão ou objeto jurídico tutelado. Na sua
tipologia os direitos fundamentais podem ser especificados em liberdades civis e
políticas, em direitos sociais, culturais e econômicos, em direitos da fraternidade ou
solidariedade e em direito à democracia, à informação e ao pluralismo que
correspondem, segundo o critério cronológico, aos usualmente denominados direitos
de primeira, segunda, terceira e quarta geração
20
.
Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2. ed. rev.
e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 87.
18
PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, Estado de derecho y constitución. 8. ed.
Madrid: Tecnos, 2003. p. 559. Afirma o autor: “uma concepção generacional dos direitos humanos
implica, em suma, reconhecer que o catálogo das liberdades nunca será uma obra cerrada e
acabada”. (Idem, Ibidem, p. 559).
19
BIDART CAMPOS, German J. ‘Los derechos sociales’. Revista Brasileira de Direito Constitucional,
Revista do Programa de Pós-Graduação ‘Lato Sensu’ em Direito Constitucional, Escola Superior
de Direito Constitucional, Em tempos de democracia’, São Paulo, n. 3, jan./jun. 2004, p. 671-678,
p. 672.
20
Segundo doutrina Willis Santiago Guerra Filho, referindo-se à seqüência cronológica do
reconhecimento dos direitos fundamentais, se podem divisar “A primeira geração é aquela em que
aparecem as chamadas liberdades públicas, ‘direitos de liberdade’ [...], que são direitos e
garantias dos indivíduos a que o Estado omita-se de interferir em uma sua esfera juridicamente
intangível. Com a segunda geração surgem os direitos sociais a prestações pelo Estado [...] para
suprir as carências da coletividade. Já na terceira geração concebem-se direitos cujo sujeito não é
mais o indivíduo nem a coletividade, mas sim o próprio gênero humano, como é o caso do direito à
higidez do meio ambiente e do direito dos povos ao desenvolvimento (GUERRA FILHO, Willis
Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais, p. 46).
23
Verifica-se que à medida que cresceu a compreensão das múltiplas
dimensões do homem, se ampliam dimensões jurídicas dos seus direitos
fundamentais. De início, são-lhe reconhecidos direitos fundamentais enquanto ser
integrado com sua própria essencialidade (liberdade). A seguir, direitos
fundamentais enquanto ser integrado na comunidade local e, após, enquanto ser
integrado na comunidade global.
A primeira espécie de direitos surgida corresponde aos direitos da liberdade e
da igualdade, comumente denominados de liberdades civis e políticas, que surgem
com o constitucionalismo liberal clássico, que “têm por titular o indivíduo, são
oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa” [...]
enfim, são direitos de resistência”
21
. Foram difundidos amplamente por meio das
declarações de direitos do séc. XVIII e, a partir de então, se prodigializaram com as
Constituições.
No séc. XIX, quando já se mostram insuficientes as clássicas liberdades
divorciadas de condições socioeconômicas mínimas para a sua fruição, surge a
segunda espécie de direitos fundamentais, denominados direitos sociais, culturais e
econômicos, em dimensão individual e coletiva, que necessitam da mediação e não
mais da abstenção do Estado. Foram “introduzidos, no constitucionalismo das
distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da
reflexão antiliberal do último século. Nasceram abraçados com o princípio da
igualdade, do qual não podem separar”
22
. Todavia, têm efetivação mais complexa do
que os direitos civis e políticos
23
, sendo por muitos qualificados de direitos
‘impossíveis’
24
.
Surge uma terceira espécie de direitos, reconhecida ainda no mesmo século,
que também reclama do Estado postura interventiva, catalogada como sendo direito
ao meio ambiente, direito dos consumidores, direito à informação, à
autodeterminação dos povos, direito ao desenvolvimento e os relativos à paz
25
.
21
BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa, p. 354.
22
Idem, ibidem, p. 354.
23
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 63.
24
Como denunciam German J. Bidart Campos e Walter F. Carnota, ao qualificarem de inverossímil e
injusta, em pleno séc. XXI, a retrógrada concepção da suficiência dos direitos civis da liberdade e
igualdade diante das exigências do estado social e democrático de Direito. (BIDART CAMPOS,
German J.; CARNOTA, Walter F. Derecho constitucional comparado. Buenos Aires: Ediar 2000. t.
2. p. 27).
25
Idem, Ibidem, p. 30.
24
Atualmente, reporta-se à quarta dimensão de direitos, os quais se referem,
sobretudo, ao direito à democracia, à informação e ao pluralismo
26
e ainda à
proteção contra manipulação genética
27
.
Da análise histórica dos direitos fundamentais, apura-se que a gênese de seu
reconhecimento repousa na proteção das liberdades contra o exercício abusivo do
poder estatal, deveras ampliada em face da crescente complexidade da sociedade
contemporânea. Justifica-se, então, o fortalecimento da ordem jurídica subjetiva por
meio do reconhecimento cumulativo de novas classes de direitos num incessante
processo emancipatório.
Todavia, o descompasso entre a função primordial dos direitos fundamentais
e a atual sociedade massificada está a exigir um novo papel dos direitos
fundamentais
28
.
1.4 CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
1.4.1 Direitos Fundamentais e Direitos Humanos
Tem-se destacado, doutrinariamente, a distinção
29
entre os direitos
fundamentais e direitos humanos. Essa terminologia foi adotada na Declaração
francesa de 1789 ao se referir aos direitos do homem’, não obstante se mostre
atualmente com maior amplitude do que então.
No plano material, ontológico, direitos humanos e fundamentais não se
distinguem, visto que possuem a mesma fundamentação antropológica, em função
da qual a todo homem deve ser reconhecido o direito a uma vida digna e às
condições necessárias ao pleno desenvolvimento de sua personalidade. Precedem,
portanto, a qualquer organização social ou política. Os direitos do homem, como
bem frisa José Soder, são aqueles “inerentes à pessoa humana pelo só fato de ela
26
Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2006.
p. 571.
27
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 6.
28
MELGARÉ, Plínio. ‘Um olhar sobre os direitos fundamentais e o estado de direito, p. 201.
29
Na doutrina, também se encontra realçada a distinção entre direitos fundamentais e direitos da
personalidade. Resumidamente, os primeiros transitam no âmbito público; estes, transitam no
âmbito privatístico, onde, somente de forma mediata e reflexa, os direitos fundamentais se
manifestam, entre particulares. (Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e
direitos fundamentais, p. 44).
25
possuir racionalidade. Nascem com a pessoa humana e acompanham toda a
trajetória da existência do homem”
30
.
No plano formal, afirma-se, é que se podem distinguir: direitos fundamentais
são direitos humanos positivados. Os direitos humanos, segundo tradicional
compreensão, são direitos supra-estatais que valem universalmente e vinculam a
maioria constituinte. Os direitos humanos têm validade universal e em qualquer
tempo, ao passo que os direitos fundamentais são válidos dentro de um determinado
tempo e espaço.
Em Carl Schmitt
31
se encontra uma distinção terminológica quando ele
distingue direitos fundamentais em sentido próprio como “derechos de ‘hombre
individual [...] derechos que él tiene frente ao Estado” e “derechos pre-estatales de
Hombre”. No entanto verifica-se que os direitos fundamentais para o jurista são os
próprios direitos humanos reconhecidos pelo Estado pois sustenta que
[...] en él Estado burguês de Derecho son derechos fundamentales
sólo aquellos que pueden valer como ‘anteriores’ y ‘superiores’ al
Estado, aquellos que el Estado, no es que otorgue con arreglo a sus
leyes, sino que reconhece y protege como dados antes que él
32
.
Os direitos fundamentais, em seu aspecto formal, são os direitos humanos
positivados pela Constituição. Os direitos humanos são os inerentes a todos os
seres humanos, sem discriminação e os direitos fundamentais são os inerentes a
todos os indivíduos que estejam vinculados, de alguma forma, a determinado
Estado
33
.
Disso decorre outra distinção, no âmbito da eficácia das normas. Os direitos
humanos, enquanto “pautas ético-políticas, direitos morais, situados em uma
dimensão suprapositiva
34
não produzem efeitos no plano jurídico, ao inverso do que
sucede com direitos fundamentais.
30
SODER, José. Direitos do homem,. p. 6.
31
SCHMITT, Carl. Teoria de la constitución. México: Ed. Nacional, 1966. p. 190.
32
Idem, Ibidem, p. 189.
33
Cf.RAMOS, Dircêo Torrecillas. A formação da doutrina dos direitos fundamentais: a forma do
Estado e a proteção dos direitos: opção pelo Federalismo’. Revista Brasileira de Direito
Constitucional, Revista do Programa de Pós-Graduação ‘Lato Sensu’ em Direito Constitucional,
Escola Superior de Direito Constitucional, ‘A contemporaneidade dos direitos fundamentais’, São
Paulo, n.4, jul./dez. 2004, p. 56-68; p. 57-58.
34
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais, p. 43-44.
26
No dizer de Robert Alexy
35
, há um direito humano ao direito positivo, mas não
a um qualquer direito positivo, senão a um direito que fomenta e assegura os direitos
do homem. A Constituição é, por excelência, o abrigo jurídico de positivação dos
direitos do homem, por constituir o locus “onde são depositados as aspirações e
desejos da Nação”
36
.
O legislador constituinte também procede à distinção formal-conceitual,
segundo se depreende do § 5º, ao art. 109 da CF/88, em que se reservou a
expressão “direitos humanos” para aqueles previstos em “tratados internacionais’’ ao
regular a competência da Justiça Federal e também do art. 4º, inciso II, da CF/88,
que estatui o princípio da prevalência dos “direitos humanos” no plano das relações
internacionais. Reservou, assim, a expressão direitos fundamentais para aqueles
positivados pela Constituição Federal, mas admitiu que nela sejam albergados
direitos fundamentais implícitos e direitos humanos previstos em tratados
internacionais.
Como característica distintiva a doutrina
37
tem enaltecido a vocação
universalista dos direitos humanos, em contraposição à feição ‘doméstica’ dos
direitos fundamentais diante da circunscrição da ordem jurídica interna que os
consagra. Todavia, de se considerar que, diante da previsão constitucional da
cláusula de positivação implícita, estampada no parágrafo único do art. 5º, § da
Constituição Federal de 1988, integração automática
38
, no catálogo dos direitos
fundamentais, dos direitos e garantias previstos em “tratados internacionais em que
a República Federativa do Brasil seja parte”.
Assim, no sistema constitucional brasileiro, os direitos fundamentais
transcendem a ordem jurídica interna, pois não estão previstos somente na
Constituição. Esta alberga sob seu regime outros direitos e garantias, previstos em
tratados em sua mais ampla acepção. Portanto, mostra-se insuficiente o critério
distintivo formal, pois os direitos fundamentais, na ordem jurídica brasileira, podem
35
Cf. ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado Constitucional Democrático. Trad. Luís
Afonso Heck. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 217, jul./set. 1999. p. 55-66; p.
61.
36
FIGUEIREDO, Marcelo. O controle de constitucionalidade: algumas notas e preocupações. In:
Cadernos de Soluções Constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2003, v. 1, p. 185-196; p. 185.
37
Por exemplo, o posicionamento de Willis Santiago Guerra Filho (GUERRA FILHO, Willis Santiago.
Processo constitucional e direitos fundamentais, p. 43, nota 77).
38
Essa questão que será retomada no item 2.6 - suscita complexidade, sobretudo após a edição
da EC 45/2004, que inseriu o § no art. 5º, da CF/88, a forma de recepção formal de tais
tratados, no plano constitucional, exige procedimento legislativo qualificado.
27
ser formal ou materialmente fundamentais, ou seja, podem estar dentro ou fora da
Constituição
39
.
1.4.2 Direitos Subjetivos Fundamentais
O tema direitos fundamentais ocupa relevante posição no discurso filosófico,
político e jurídico e, dentre esses, avultam com especial relevo os direitos sociais no
contexto do Estado Social sobre os quais se dedicará capítulo específico. Cumpre,
antes, precisar o significado de direitos fundamentais e sob o aspecto analítico,
conceituá-lo e distingui-lo de outras categorias de direitos.
Para Daniel Sarmento,
40
os direitos fundamentais são “a projeção normativa
dos valores morais superiores ao próprio Estado”, não constituindo, por isso, meras
aspirações ou declarações políticas, mas preceitos jurídicos fundamentais que
emanam força vinculante sobre todos os poderes estatais.
Segundo Jörg Neuner
41
, com esteio na doutrina desenvolvida por Jürgen
Habermas, os “direitos fundamentais baseiam-se em uma decisão do pouvoir
constituant e estabelecem, na qualidade de atos de autovinculação democrático-
fundamental, restrições à simples maioria parlamentar”.
Karl Loewenstein
42
conclui que os direitos e garantias fundamentais “são o
núcleo inviolável do sistema político da democracia constitucional. [...] Em sua
totalidade, estas liberdades fundamentais encarnam a dignidade do homem”.
De início, pondera-se que a natureza dos direitos fundamentais constitui
questão não pacificada na doutrina, sobretudo no que tange aos direitos sociais, que
ora nega ora atribui-lhes a natureza de direito subjetivo.
39
Jorge Miranda, a propósito, concebe os direitos fundamentais como “direitos ou posições jurídicas
subjectivas das pessoas enquanto tais, individualmente ou institucionalmente consideradas,
assentes na Constituição, seja na Constituição formal, seja na Constituição material”. (MIRANDA,
Jorge. Manual de direito constitucional: Direitos fundamentais. t. 4. Coimbra: Coimbra Editora,
1988. p. 7).
40
SARMENTO, Daniel. Colisões entre direitos fundamentais e interesses públicos. In: SARLET, Ingo
Wolfgang (Org.). Jurisdição e direitos fundamentais: anuário 2004/2005. Escola Superior da
Magistratura do Rio Grande do Sul (AJURIS). Porto Alegre: Escola Superior da
Magistratura/Livraria do Advogado, 2006. v. 1, t. 2, p. 29-70; p. 64.
41
NEUNER, Jörg. Os direitos humanos sociais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). . Jurisdição e
direitos fundamentais: anuário 2004/2005. Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul
(AJURIS). Porto Alegre: Escola Superior da Magistratura/Livraria do Advogado, 2006. v. 1, t. 2, p.
145-168; p. 145.
42
LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona:
Ariel, 1986. p. 390.
28
Para Konrad Hesse, Como direitos subjetivos, fundamentadores de ‘status’,
os direitos fundamentais são direitos básicos jurídicos-constitucionais’ do particular,
como homem e como cidadão”
43
.
Na concepção de Dimitri Dimoulis, direitos fundamentais “são direitos
subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), garantidos por normas de nível
constitucional que limitam o exercício do poder estatal.”
44
Verifica-se, todavia, que o próprio conceito de direito subjetivo tem sido uma
das questões de maior complexidade na teoria geral do Direito. É na compreensão
inadequada ou ausência da mesma dos direitos subjetivos como posições e
relações jurídicas que Robert Alexy entende repousar a interminável polêmica.
Na doutrina clássica ou contemporânea, não se percebe consenso quanto à
sua conceituação.
Vicente Ráo propõe o seguinte conceito de direito subjetivo
[...] é o poder de ação determinado pela vontade que, manifestando-
se através das relações entre as pessoas, recai sobre atos ou bens
materiais ou imateriais e é disciplinado e protegido pela ordem
jurídica, a fim de assegurar a todos e a cada qual o livre exercício de
suas aptidões naturais, em benefício próprio, ou de outrem, ou da
comunhão social
45
.
Francesco Carnelutti, a seu turno, entende que direito subjetivo situa-se entre
faculdade e potestade e pode ser graduado em jus permittendi e jus vetandi.
Sustenta que “[...] do exercício do direito subjetivo, procede a obrigação,
convertendo-se em faculdade o direito e em obrigação a sujeição”
46
.
43
HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Trad.
Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1998. p. 232. Para o jurista, nessa
categoria, não se incluem os direitos sociais, e que a Lei Fundamental restringe-se ao essencial,
por isso, “renuncia a direitos fundamentais sociais”. (op. cit, 237).
44
DIMOULIS, Dimitri. Elementos e problemas da dogmática dos direitos fundamentais. In: SARLET,
Ingo Wolfgang (Org.). Jurisdição e direitos fundamentais: anuário 2004/2005. Escola Superior da
Magistratura do Rio Grande do Sul (AJURIS). Porto Alegre: Escola Superior da
Magistratura/Livraria do Advogado, 2006. v. 1, t. 2, p. 71- 98; p. 72.
45
RÁO, Vicente.O direito e a vida dos direitos. 6. ed. anot. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais.
2005. p. 645.
46
CARNELUTTI, Francesco. Teoría general del derecho: metodología del de derecho. Trad. Carlos
G. Posada. Espanha: Editorial Comares, s. l, 2003. p. 190.
29
Acerca do tema, avolumam-se teorias e correntes doutrinárias, dentre as
quais avulta as formuladas por Windscheid (teoria da vontade) e por Ihering (teoria
do interesse)
47
.
Tércio Sampaio Ferraz Junior propõe a análise da diversidade de usos a partir
do enfoque de situações típicas e atípicas
[...] percebe-se que a expressão direito subjetivo, em síntese,
considerada à luz de sua função jurídica, aponta para a posição de
um sujeito numa situação comunicativa, que se dotado de
faculdades jurídicas (modos de interagir) que o titular pode fazer
valer mediante procedimentos garantidos por normas
48
.
Na precisa concepção de Georg Jellinek
49
, direito subjetivo é essencialmente
‘poder’, visto que “não se funda sobre normas que permitem, mas exclusivamente
sobre normas jurídicas que concedem um poder”.
A doutrina também não é uniforme quanto a ser a exigibilidade jurisdicional
(ou justiciabilidade) inerente ao direito subjetivo. J. J. Gomes Canotilho
50
, ao
47
Segundo a teoria da vontade, o direito subjetivo é o poder de ação reconhecido pela ordem
jurídica. Segundo a teoria do interesse, o direito subjetivo é um interesse juridicamente protegido.
Luís Roberto Barroso louvando-se na lição de M. Seabra Fagundes, que conjuga as teorias de
Ihering e de Windscheid , explicita que direito subjetivo corresponde ao “poder de ação, assente
no direito objetivo e destinado à satisfação de certo interesse”. (BARROSO, Luís Roberto. O
direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição
brasileira. 5. ed. amp. e atual. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2001. p. 103 ). Sustenta o autor
que tal conceito - identificado com aquele elaborado por Ruggiero e Maroi, Michoud e Trobatas e
Ferrara, possui elementos da teoria da vontade de Windscheid (poder de ação assegurado pela
ordem jurídica) e da teoria do interesse de Ihering (interesse juridicamente protegido). (Idem,
Ibidem, p. 103, nota 35).
48
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação.
2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 154. Acrescenta o jurista: “A expressão direito subjetivo cobre
diversas situações, difíceis de serem trazidas a um denominador comum. [...] Dada esta
diversidade de casos, é possível opor, assim, a noção de direito objetivo às diferentes situações
subjetivas, entendidas como posições jurídicas dos destinatários das normas no seu agir: exercer
atos de vontade, ter interesses protegidos, conferir poder, ser obrigado etc. [...] O que é preciso é
analisar os diferentes usos dogmáticos da expressão, verificando as diversas situações ali
imbricadas” (Idem, Ibidem, p. 150.).
49
JELLINEK Giorgio. Diritti pubblici subbiettivi. Traduzione italiana riveduta dall’autore sulla seconda
edizione tedesca. Con note dell’Avv. Gaetano Vitagliano. Milano: Società Editrice Libraria, 1912. p.
56-57. (Tradução livre). JoAfonso da Silva entende direito subjetivo como “a possibilidade de
exigir ora uma abstenção, ora uma prestação, ora um agir que crie, modifique ou extinga relações
jurídicas”. (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 177).
50
Para o jurista, “os direitos subjetivos a prestações, mesmo quando não concretizados, existem
para além da lei por virtude da constituição, podendo ser invocados (embora não judicialmente)
contra as omissões inconstitucionais do legislador”. (CANOTILHO, José Joaquim Gomes.
Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas
constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra, 1994. p. 371).
30
discorrer sobre direitos fundamentais, deixa clara sua posição contrária, ao menos
no que concerne aos direitos sociais.
Segundo a concepção adotada na Alemanha, correta a nosso ver, não pode
haver direito subjetivo sem exigibilidade, ou seja, “direito subjetivo sem exigibilidade
não é direito subjetivo”
51
. A justiciabilidade ou exigibilidade jurisdicional liga-se ao
direito subjetivo, embora ela possa estar condicionada aos termos da relação
jurídica. De fato, a todo direito subjetivo deve corresponder o poder de exigibilidade
de sua tutela, sob pena de não se poder fazer valer como tal, donde concluir-se que
a exigibilidade ou justiciabilidade é atributo inerente ao direito subjetivo. de se
especificar que o poder de exigibilidade decorre do direito subjetivo; a exigência,
todavia, faz-se da pretensão. Acresça-se que, no sistema jurídico brasileiro, a mera
ameaça de lesão a direito é suficiente para autorizar a invocação da tutela
jurisdicional (art. 5º, XXXV, da CF/88).
Como premissa adotada, entende-se que direito subjetivo se configura em
decorrência da positivação dos direitos fundamentais e o seu poder de exigibilidade
não pressupõe ou torna imprescindível a determinação da prestação devida, cuja
configuração pode dar-se posteriormente, por normatização genérica ou por
delimitação interpretativa concreta
52
.
A roupagem positivada que se atribui aos direitos humanos, cuja sede pode
ser a Constituição formal ou material, dá-se justamente para que se transmutem de
modo incontestável em direitos subjetivos com o atributo de justiciabilidade também
na esfera estatal interna.
Abordando a questão conceitual e essencial, conclui, acertadamente, Luigi
Ferrajolique “son ‘derechos fundamentales’ aquellos ‘derechos subjetivos’ que las
‘normas’ de um determinado ordenamiento jurídico atribuyen universalmente a
‘todos’ en tanto ‘personas’, ‘ciudadanos’ y/o personas ‘capaces de obrar’”
53
.
51
Assim esclarece o jurista André Fontes que, todavia, entende diversamente. (FONTES, André. A
pretensão como situação jurídica subjetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 41-42).
52
Cf. BARROSO, Luís Roberto, O direito constitucional e a efetividade de suas normas, p. 104.
Acrescenta o jurista fluminense que o uso do vocábulo “direito” em normas constitucionais que
geram distintas posições jurídicas gera ambigüidade. (Idem, Ibidem, p. 113). Outros entendem que
o elemento peculiar do direito subjetivo é a vontade Pietro Virga sustenta que, mesmo por vezes
limitada, a faculdade de escolha é peculiar aos direitos subjetivos. (VIRGA, Pietro. Liberta giuridica
e diritti fondamentali. Milano: Università di Palermo-Facoltà di Giurisprudenza-Dott. A. Giuffrè
Edittore, 1947. p. 89).
53
FERRAJOLI, Luigi. ‘Los fundamentos de los derechos fundamentales: debate com Luca Bacelli et
al. Colección estructuras y processos. Madrid: Editorial Trotta, 2001. p. 291, nota 4. Entende por
31
Igualmente enfatiza Lorenzo Martín-Retortillo Baquer
54
ao conceber os
direitos fundamentais como direitos subjetivos, estatuindo que “En primer lugar, los
derechos fundamentales son derechos subjetivos, derechos de los indivíduos no
solo en cuanto derechos de los ciudadanos en sentido estricto, sino en cuanto
garantizan un status jurídico”.
De simplicidade conceitual, mas de grande eloqüência semântica, é a
concepção de Godofredo Telles Jr, para quem os direitos humanos são direitos
subjetivos que se definem como “permissões jurídicas para a fruição de bens
soberanos”
55
.
Encontram-se, ainda, referidos na doutrina os direitos fundamentais como
direitos públicos, na medida em que estabelecem um liame entre o cidadão e
Estado, que os reconhece e os protege (mas inúmeras vezes os viola).
Georg Jellinek leciona que o direito subjetivo do indivíduo, no campo do
direito público, consiste exclusivamente na capacidade, juridicamente garantida, de
pôr em movimento normas jurídicas de direito público no interesse individual. E
acrescenta o jurista alemão que, do ponto de vista material, “o direito público
subjetivo é, portanto, aquilo que pertence ao indivíduo em função de sua qualidade
de membro do Estado”
56
.
Não obstante difundida, há rejeição doutrinária do uso de tal nomenclatura por
estar atrelada a uma concepção típica do liberalismo
57
.
Pode-se aceitar, todavia, a matiz pública do direito subjetivo fundamental, não
em sua vertente liberal, mas por outras razões: primeiro porque constituem direitos
com fundamento na Constituição ou por ela reconhecidos; segundo, porque se
concretizam não só em face do Estado (liberdades), mas pelo Estado (direitos
prestacionais); terceiro, pela relevância jurídico-axiológica do bem jurídico
constitucional que compõe o seu objeto, cuja proteção transcende o interesse da
esfera privada, em função da qual torna o direito irrenunciável pelo seu próprio
direito subjetivo “[...] cualquier expectativa de actos jurídicos, trátese de uma expectativa positiva
de prestaciones o de uma expectativa negativa de no lesiones”.
54
BAQUER, Lorenzo Martín-Retortillo; OTTO Y PARDO, Ignácio. Derechos fundamentales y
Constitución. Madrid: Civitas, 1988. p. 56.
55
TELLES JUNIOR, Godofredo. Iniciação à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 343.
56
JELLINEK Giorgio, op. cit, p. 56 e 140.
57
Ingo Wolfgang Sarlet rejeita o seu uso por entendê-la, além de anacrônica, não “afinada com a
realidade pátria, uma vez que atrelada a uma concepção positivista e essencialmente estatista dos
direitos fundamentais na qualidade de direitos de defesa do indivíduo contra o Estado, típica do
liberalismo”. (SARLET, Ingo Wolfgang, Eficácia, p. 178).
32
titular, ainda que não o exerça; quarto, porque são direitos subjetivos que nascem de
uma relação jurídica impositivamente criada por norma cogente, de ordem pública.
Diante de sua relevância axiológica e seu regime jurídico específico impõe-se
a construção de uma concepção publicista de direito subjetivo referida aos direitos
fundamentais, a que se poderia denominar “direito subjetivo fundamental”, de
peculiar feição conforme justificação supra. Na teoria geral do direito constitucional,
deve-se caminhar para o entendimento de que há um direito público subjetivo
constitucional e que ele não se enquadra no clássico conceito de direito subjetivo
(privatístico), devido à natureza impositiva da relação jurídica e da prestação
fundamental como elemento em sua estrutura.
Portanto, como direitos subjetivos, os direitos fundamentais possuem pública
feição, pois neles se contêm uma pretensão fundamental fundada, explícita ou
implicitamente, em normas formal ou materialmente constitucionais.
O direito subjetivo fundamental pode compreender prestação determinada ou
prestação determinável a ser realizada pelo Estado ou por quem este indicar - e
devida em função do comando finalístico da norma. Quando não determinada, toda
e qualquer prestação poderá ser realizada pelo Estado, segundo a sua
discricionariedade, desde que atenda a finalidade do preceito definidor de direito
fundamental. Nesse caso, o titular do direito subjetivo fundamental não tem o direito
de exigir esta ou aquela prestação - como no caso de direito subjetivo clássico - mas
qualquer prestação que atenda a finalidade da norma de direito fundamental, que
conforme se verificará sempre possui seu núcleo em dignidade humana. A ausência
de regulamentação da norma jurídico-legislativa que o positiva ou a não
determinação da prestação não podem afastar a posição jurídica de ‘direito a algo’
(Robert Alexy), visto que sua concretização também se viabiliza com a norma de
decisão jurisdicional.
Acresça-se que, correlato ao direito subjetivo fundamental, subsiste o dever
objetivo constitucional para cada Poder público, na esfera de sua competência, pois
a força vinculante dos direitos fundamentais sobre os Poderes Públicos gera para o
cidadão-titular direito subjetivo perante cada um dos Poderes, em sua esfera de
competência
58
: a- perante o Legislativo, configura direito a uma prestação de índole
58
A propósito da prestação normativa, sustenta Gilmar Ferreira Mendes que “a adoção pela
Constituição brasileira de instituto especial, destinado à defesa dos direitos subjetivos
constitucionalmente assegurados contra a omissão do legislador, não dá ensejo a qualquer dúvida
33
jurídico-normativa; b- perante o Executivo, ensejam direito a uma prestação jurídica
de índole normativa e material e c- perante o Judiciário, configuram direito a uma
prestação jurídica de índole jurisdicional.
Acerca da questão conceitual, abordada de modo diverso, o jurista Rodolfo de
Camargo Mancuso
59
, propõe a caracterização dos direitos fundamentais como
direitos subjetivos públicos, todavia, somente quando conferem ‘créditos’ ao seu
titular. Segundo essa visão, podem-se tomar os direitos sociais prestacionais como
direitos subjetivos públicos por excelência.
Flávio Galdino
60
, encampando a teoria dos custos de Cass Sustein e de
Stephen Holmes aceita, porém postula a revisão do conceito de direito subjetivo de
natureza pública para nele fazer-se incluir a perspectiva dos custos, no que resulta
‘conceito pragmático’ de direito subjetivo fundamental. Todavia, de se discordar
de tal perspectiva porque a definição e o conteúdo de um direito positivado,
sobretudo fundamental, não pode ficar a mercê da conjuntura econômica. O
econômico é que deve mover-se em direção ao direito posto.
Ademais, tal é a conformação pública do direito subjetivo fundamental que é
conferido também para gerações futuras, ou seja, mesmo quando ainda não exista
biologicamente o seu titular (art. 225 da CF/88). Nesse sentido, a lição de
Francisco Fernándes Segado, para quem “[...] los derechos fundamentales son
conferidos a los miembros de la sociedade y de futuras generaciones en calidad de
derechos eternos y inviolables”
61
.
Em suma, na proposta teórico-conceitual dos direitos fundamentais, a sua
bifrontalidade impõe que se considere a sua dupla face
62
. Sob a ótica jurídico-
objetiva, constituem a base conformadora da ordem jurídica e fundamentadora do
quanto à configuração de ‘direito subjetivo público a uma ação positiva de índole normativa por
parte do legislador’”. (MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de
constitucionalidade. Estudos de Direito Constitucional. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Celso
Bastos/Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999. p. 57).
59
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação popular: proteção do erário, do patrimônio público, da
moralidade administrativa e do meio ambiente. Coleção controle jurisdicional dos atos do Estado.
Coord. Tereza Arruda Alvim Wambier. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
p. 19-21.
60
GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em árvores.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 209, 211. O jurista louva-se da teoria dos custos de cita as
lições de Cass Sunstein e Stephen Holmes.
61
FERNÁNDEZ SEGADO, Francisco. ‘La dignidad de la persona como valor supremo del
ordenamiento jurídico español y como fuente de todos los derechos’. In: SARLET, Ingo Wolfgang
(Org.). Jurisdição e Direitos Fundamentais: anuário 2004/2005. Escola Superior da Magistratura do
Rio Grande do Sul (AJURIS). Porto Alegre: Escola Superior da Magistratura/Livraria do Advogado,
2006, v. 1, t. 2, p. 99-128, p. 99.
62
Atributo que será analisado no item 2.7.
34
Estado Democrático de Direito brasileiro. Sob a ótica jurídico-subjetiva, os direitos
fundamentais são direitos subjetivos, de pública feição, estatuídos em preceitos
fundamentais expressos, decorrentes ou albergados pela Constituição, que
outorgam ao seu titular a posição jurídica de exigibilidade da dupla pretensão que
dele decorre: pretensão material (abstenção/prestação) e pretensão jurisdicional
(justiciabilidade).
1.5 ESTRUTURA DOS DIREITOS SUBJETIVOS FUNDAMENTAIS
Não há, igualmente, consenso doutririo acerca da conceituação e estrutura
dos direitos fundamentais. quem lhes negue ou relativize a sua natureza de
direito subjetivo, quando não especificada a sua prestação.
As normas definidoras de direitos fundamentais por outorgarem direito
subjetivo ao cidadão, conferem-lhe, duas ordens de poderes (ou posições jurídicas)
em virtude da dupla pretensão que contém:
(i) poder de exigibilidade do conteúdo material do direito, seja imposição de
abstenção de lesão ao seu direito, seja atribuição de prestação positiva para
sua concreção (direitos prestacionais) e
(ii) poder de exigibilidade da proteção jurisdicional do direito (justiciabilidade),
por parte do Estado-Jurisdição, em caso de lesão ou ameaça de lesão.
1.5.1 Posições Jurídicas Fundamentais de Jellinek
Segundo a clássica tipologia desenvolvida por Georg Jellinek, a partir da
perspectiva da interação entre Estado e indivíduo, distinguem-se conceitualmente
quatro posições jurídicas ou status em face do Estado.
Na esfera dos direitos subjetivos ou posições jurídicas fundamentais,
descreve o jurista três categorias: direitos de status negativus (direitos de defesa),
direitos de status activus (direitos de cidadania ativa) e direitos de status positivus ou
civitatis (direitos prestacionais)
63
. Na esfera dos deveres, o jurista alemão descreve o
63
JELLINEK Giorgio, op. cit, p. 86 e ss.
35
status subjectionis, que não confere direito, mas impõe deveres, por meio de
mandatos e proibições.
Referem-se os direitos status negativus - ou de defesa – à limitação da
atuação do Estado, assegurando a liberdade do indivíduo. Os direitos de status
activus, ou direitos de cidadania ativa, correspondem aos direitos políticos, de
participação nas instituições e procedimentos estatais. Os direitos do status positivus
são concebidos como ‘direitos de participação em sentido amplo’, podem subdividir-
se nas seguintes pretensões
64
: a) status positivus libertatis, que compreende aa)
‘pretensões de proteção’ e ab) uma ‘participação procedimental’, especialmente à
tutela jurídica e em b) status positivus socialis, ou ‘direito de participação em sentido
estrito’, dentre os quais se identificam os direitos sociais, econômicos e culturais,
pois reclamam uma ação positiva do Estado.
Georg Jellinek
65
considera, das pretensões oriundas dessa categoria de
direitos - status positivus -, a que se refere à tutela jurídica a mais importante e a
qualifica de atributo essencial da personalidade. Peter Häberle amplia essa clássica
divisão, para fazer dela constar o status activus processualis, que destaca a
dimensão processual dos direitos fundamentais e o status activus corporationis,
referentes aos direitos fundamentais ostentados por membro de determinado
grupo
66
.
A classificação proposta tem o mérito de propor corretamente a categorização
à luz do aspecto funcional e teleológico do direito e deve ser apreendida à luz do
atual estágio de desenvolvimento dos direitos fundamentais, que prevê novos
contornos de direitos fundamentais, a exemplo dos interesses transindividuais.
1.5.2 Posições Jurídicas Fundamentais de Alexy
Em sua teoria analítico-estrutural dos direitos fundamentais, Robert Alexy, na
esteira da doutrina desenvolvida por Dreier, distingue, como premissa
epistemológica, norma e posição. Norma é aquilo que expressa uma disposição ou
64
Cf. QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais sociais: questões interpretativas e limites da
justiciabilidade’. In: SILVA, Virgílio Afonso da. (Org.) Interpretação constitucional. São Paulo:
Malheiros, 2005. p. 165-216; p. 178.
65
JELLINEK Giorgio, op. cit, p.137. (Tradução livre).
66
Apud GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais, p. 223.
36
enunciado normativo. Posição é a situação em que se encontra, em face do Estado,
o sujeito a quem é outorgado o direito conferido pela norma. A distinção faz-se
relevante para a compreensão das ‘propriedades normativas’ de pessoas e ações e
pelas ‘relações normativas’ entre pessoas e entre estas e aquelas
67
.
Na tríplice divisão das posições jurídicas fundamentais, que ordinária ou
tecnicamente são denominadas direitos’, descrevem-se: a) direitos a algo; b)
liberdades e c) competências:
a) O objeto de um direito a algo é sempre uma ação do destinatário e,
portanto, se estabelece sempre uma relação triangular: titular, objeto e
destinatário. Forma-se uma pretensão para um indivíduo em face de outrem
ou em face do Estado. Possui, portanto, caráter ‘relacional’. Podem ser
classificados como direitos a ações negativas (direitos de não-intervenção ou
de defesa) e direitos a ações positivas (coincide parcialmente com os direitos
a prestações). As ações negativas correspondem ao não impedimento de
ações, à não afetação de propriedades e situações e, por fim, a não
eliminação de posições jurídicas. As ações positivas não se relacionam com
defesa de posições jurídicas, mas instituem pretensão a prestações materiais
(fáticas) ou jurídicas (normativas)
68
.
b) As liberdades jurídicas, cujo objeto pode ser uma ação (positiva) ou
alternativa de ação (negativa) correspondem às permissões. As normas
permissivas, que para alguns são juridicamente irrelevantes’, visto que são
simplesmente ausência de proibições, quando jusfundamentais, têm a
importante função de fixar ‘os limites do dever ser’ no que tange à legislação
infraconstitucional. Assim, vincula o legislador ordinário e o impede de
estabelecer restrições às permissões. Pode haver permissão explícita ou
permissão implícita. No primeiro caso, há norma expressa permissiva; no
segundo, inexiste mandato ou proibição que vede a ação ou omissão. Desse
modo, ou liberdade para a conduta positiva ou negativa ou inexiste
proibição para a sua prática. liberdades jurídicas protegidas e liberdades
jurídicas não protegidas. Estas correspondem às normas permissivas ou à
67
Cf. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madri:
Centro de estúdios Políticos y Constitucionales, 2001. p. 177-183.
68
Idem, ibidem, p. 186-210. Como exemplo de direito a algo, em sua vertente negativa tem-se que o
Estado não pode retirar, impedir ou dificultar o direito fundamental à liberdade de expressão e em
sua vertente positiva, o direito ao seguro-desemprego.
37
conjunção de uma permissão jurídica de fazer algo e uma permissão de
omissão. Aquelas estão vinculadas a outros direitos ou normas que as
asseguram
69
.
c) Os direitos fundamentais ainda podem se apresentar sob a forma de
competências. Diversamente dos direitos a algo, que constituem pretensões
perante terceiros ou das liberdades, que permitem um fazer ou o fazer, as
competências conferem capacidade ou legitimidade para praticar ações, que
podem modificar posições ou situações jurídicas. São descritas duas espécies
de competências: as do cidadão e as do Estado. As competências do
cidadão, quando não lhe outorgam nenhum direito, constituem competências
meramente objetivas. Quando outorgam algum direito ao cidadão, diz-se que
são (também) subjetivas. A competência é ativa na medida em que ela
sempre cria uma alternativa de ação e com isso se amplia o campo de ação
do indivíduo. As competências do Estado são as negativas e que estatuem
cláusulas de exceção às normas de competências positivas. Configuram para
o Estado uma situação de não-competência e colocam o indivíduo em uma
situação de não-sujeição em cujo âmbito o Estado não pode intervir
70
.
1.6 POSITIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Conforme exposto anteriormente, os direitos fundamentais são os próprios
direitos do homem que, em virtude da sua relevância na comunidade e da
necessidade de sua proteção, receberam configuração jurídico-positiva.
Na ordem jurídica pátria, os direitos fundamentais estão positivados, expressa
ou implicitamente, na Constituição Federal, em título próprio, mas também
dispersos
71
e até mesmo fora do seu texto.
69
As proteções podem ser negativas ou positivas. As proteções negativas são veiculadas por
proibições. As proteções positivas de uma liberdade frente ao Estado configuram-se pela junção
de uma liberdade com um direito a uma ação. Vincula-se uma liberdade com um direito a uma
prestação, que viabilize o gozo do que está permitido. As liberdades não protegidas, ou ‘posições
livres’, não se vinculam a nenhum outro direito ou norma de asseguramento da liberdade. (Cf.
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 218-227).
70
Idem, Ibidem, p.236-240.
71
Como exemplo de direitos fundamentais dispersos na Constituição, além de inúmeros direitos
sociais no Título VIII, a doutrina encontra-se a menção ao art. 37, VI e VII, da CF/88, art. 61, § 2º
c/c art. 14, II, da CF/88, art. 226, § 5º, da CF/88, art. 227, § 6º.
38
Os direitos fundamentais expressamente positivados encontram-se no Título
II e também esparsos pelo Título VIII, da Ordem Social.
Por força da norma expressa no art. 5
o
, § 2
o
, da CF/88
72
, ocorre o fenômeno
da ‘positivação implícita’ de direitos em patamar constitucional. Embora o
contemplados expressamente pelo Poder Constituinte no momento da inauguração
da nova ordem estatal, há direitos materialmente fundamentais que decorrem do
regime e dos princípios adotados pela Constituição e também direitos materialmente
fundamentais previstos em tratados internacionais ratificados pelo Brasil, que foram
automaticamente recepcionados pela ordem constitucional de 1988. Não obstante a
específica terminologia adotada pelo legislador Constituinte, por tratados se devem
admitir, para esse fim e segundo uma ampla acepção, também os pactos, as
convenções, as declarações e, enfim, todo aquele documento jurídico, de âmbito
internacional e caráter universal que declare ou positive direitos do homem
73
.
A recepção automática dos direitos humanos, previstos em tratados
ratificados pelo Brasil, nunca esteve isenta de dissensão doutrinária e jurisprudencial
e tem como cerne o real status hierárquico-normativo dos tratados na ordem jurídica
interna. A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal sempre se filiou
(erroneamente) ao entendimento de que, dentro da hierarquia normativa, os tratados
gozam de status legal, portanto, infraconstitucional.
Com a edição da EC 45/2004 o debate, ao invés de encerrar, apenas se
intensificou, pois a recepção formal em patamar constitucional fica, desde então,
expressamente condicionada à observância do procedimento qualificado de
internalização, previsto no art. 5
o
, § 3
o
, da CF/88
74
. Da dúbia dicção da norma,
remanescem outras questões que não nos incumbe aqui deslindar, a não ser
concluir, provisoriamente, que:
a) os tratados internacionais de direitos humanos ratificados antes da EC
45/2004 foram recepcionados materialmente em patamar constitucional e não
na categoria de emenda constitucional. Dentre os recepcionados, a título
72
Art. 5º, § 2º, da CF/88: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte.”
73
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, adotando concepção genérica de tratado, o
concebe como um acordo internacional independentemente de sua denominação particular (art.
2º).
74
Art. 5º, § 3º, da CF/88: Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que
forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
39
exemplificativo, se podem citar a Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948)
75
, o Pacto de Direitos Civis e Políticos (1966)
76
, o Pacto Internacional
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966)
77
, a Convenção
Americana de Direitos Humanos (1969) (Pacto de San José da Costa Rica)
78
e o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em
Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São
Salvador)
79
;
b) a normatividade do art. 5
o
, § 2
o
, da CF/88 não foi alterada ou revogada pela
EC 45/2004, pois apenas institui mais uma forma de internalização dos
Tratados;
c) a exigência atual do processo legislativo qualificado não enseja o
entendimento de que os direitos humanos previstos nos tratados
internacionais já recepcionados foram ‘desconstitucionalizados’, ao revés,
foram reforçados, pois se haviam incorporado automaticamente ao
patrimônio jurídico do cidadão, sendo inadmissível a denúncia, supressão ou
desconstitucionalização dos direitos neles previstos senão mediante ofensa
ao princípio do não retrocesso e violação das cláusulas pétreas prevista no
art. 60, § 4º, IV da CF/88;
d) é desnecessária a internalização formal qualificada dos tratados
internacionais ratificados pelo Brasil antes ou após a EC 45/2004 para que os
direitos humanos neles previstos participem do regime jurídico-constitucional
dos direitos fundamentais
80
;
e) após a EC 45/2004, a observância do procedimento legislativo qualificado
de internalização 3º, do art. 5º, da CF/88) somente é necessária para
atribuir formalmente o status constitucional aos tratados;
75
Adotada e proclamada pela Resolução 217-A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em
10.12.1948 e assinada pelo Brasil em 10.12.1948.
76
Adotado pela Resolução n. 2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 16.12.1966
e ratificado pelo Brasil em 24.01.1992.
77
Adotado pela Resolução n. 2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 16.12.1966
e ratificado pelo Brasil em 24.01.1992.
78
Adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos
Humanos, em San José de Costa Rica, em 22 de novembro de 1969 e ratificada elo Brasil em 25
de setembro de 1992.
79
Adotado durante a XVIII Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos, em São
Salvador, em 17 de novembro de 1988 e ratificado pelo Brasil em 21.08.1996.
80
A não ser para reforçar-lhes a legitimidade democrática, como obseva Ingo W. Sarlet (SARLET,
Ingo W. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 154).
40
f) em caso de eventual conflito normativo entre direitos humanos formalmente
internalizados e os materialmente recepcionados, a solução deve sempre ser
pautada pelo método ponderativo e em prol da intransigível dignidade
humana;
g) independentemente do procedimento qualificado de internalização dos
Tratados internacionais ratificados pelo Brasil e da nomenclatura que se
confira aos direitos humanos neles previstos, a fundamentalidade material
destes, bem como a sua justiciabilidade, continuam asseguradas, perante as
instâncias nacionais e internacionais.
1.6.1 Norma de Direitos Fundamentais
A norma de direito fundamental compartilha dos mesmos problemas
conceituais da norma jurídica
81
. Segundo a teoria geral do Direito, os enunciados
jurídicos o formas de expressão das normas jurídicas. Do mesmo modo, podem-
se distinguir norma de direito fundamental e enunciado normativo de direito
fundamental, denominado de ‘disposição de direito fundamental’.
A questão a deslindar é a identificação daquelas disposições constitucionais
que possam ser catalogadas como disposições de direitos fundamentais. Recorre-
se, para tanto, ao critério formal ou material. Segundo um critério formal, mais
conveniente na visão de Robert Alexy, verifica-se a forma de positivação,
independentemente de seu conteúdo
82
.
Todavia, à luz do ordenamento jurídico-constitucional pátrio, os direitos
fundamentais são, implícita ou expressamente, positivados no plano constitucional.
Os expressamente positivados encontram-se previstos em dispositivos
constitucionais sob a epígrafe “Direitos e Garantias Fundamentais” (Título I, da
CF/88) e também dispersos no texto constitucional, por ex, no Título VIII, da Ordem
Social. Os implicitamente positivados são decorrentes do regime ou princípios
adotados pela Constituição ou inscritos em tratados internacionais ratificados pelo
Brasil, materialmente recepcionados ou formalmente internalizados.
81
Cf. ALEXY, Robert, op. cit, p. 48.
82
Idem, Ibidem, p. 63. Em definição geral, para Robert Alexy, normas de direitos fundamentais son
todas aquellas con respecto a las cuales es posible una fundamentación correcta”.(Idem, Ibidem,
p. 73).
41
Pelo prisma formal-material, na ordem jurídico-constitucional pátria o
normas de direitos fundamentais: a) normas formal e materialmente fundamentais,
expressas na Constituição Federal de 1988; b) as normas materialmente
fundamentais, de positivação implícita, por decorrência do regime por ela adotado,
nos termos do 5º, § 2º, parte, da CF/88; c) as normas materialmente
fundamentais, de positivação implícita, previstas em tratados ratificados pelo Brasil
nos termos do 5º, § 2º, parte, da CF/88 e d) as normas formal e materialmente
fundamentais, previstas em tratados ratificados pelo Brasil e internalizados nos
termos do 5º, § 3º, da CF/88 (EC 45/2004).
1.6.2 Estrutura das Normas de Direitos Fundamentais
Para a exata compreensão da estrutura da norma de direito fundamental,
de se proceder à distinção teórico-estrutural entre regras e princípios.
Segundo Robert Alexy, a distinção entre regras e princípios é um dos pilares
fundamentais do edifício da teoria normativo-material dos direitos fundamentais. Por
meio dela, sobretudo, se realiza a formulação da teoria dos limites, da teoria da
colisão e a compreensão do papel dos direitos fundamentais no sistema jurídico
83
. A
oportuna teorização deste autor sobre essas categorias de normas põe em relevo a
distinção deôntica qualitativa entre ambas que constitui um critério racional na
solução de colisão de normas.
Segundo sua doutrina, os princípios são ‘mandatos de optimização’, normas
que ordenam que algo seja realizado na maior medida do possível, podendo ser
cumpridos em diferentes graus, conforme as condições jurídicas e reais existentes.
As regras, ao revés, são determinações no âmbito do fático e juridicamente possível.
Sendo válidas, obrigam ao seu cumprimento
84
.
Luigi Ferrajoli, com inegável acerto, distingue os direitos fundamentais dos
demais segundo a natureza da norma que os veicula: normas téticas e hipotéticas.
São téticas as que imediatamente dispõem, de forma geral e abstrata, as situações
83
ALEXY, Robert, op. cit, p. 81.
84
Idem, Ibidem, p. 86. As regras possuem em sua estrutura lógico-deôntica a descrição de uma
hipótese fática e a previsão da conseqüência jurídica de sua ocorrência. Os princípios não trazem
semelhante descrição, mas a prescrição de um valor que assim adquire positividade ou validade
jurídica. (Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais, p.
67).
42
por elas expressadas, por exemplo, as que veiculam direitos fundamentais ou
impõem proibições. São hipotéticas as que nada dispõem imediatamente, mas pré-
dispõem situações jurídicas como efeitos dos atos hipoteticamente por elas
previstos, a exemplo das normas de direito privado sobre atos negociais
85
.
Os direitos fundamentais podem ser veiculados tanto por regras como por
princípios
86
. Todavia, em sede de colisão de direitos fundamentais, há de se adotar
a concepção principiológica, que enseja a inafastável resolução ponderativa.
A doutrina tem posto em relevo a peculiar estrutura das normas
constitucionais no que tange ao seu enunciado, em cuja dicção se podem identificar
diferentes graus de eficácia. Segundo a proposta classificatória de José Afonso da
Silva
87
as normas constitucionais, em sua generalidade, podem ser classificadas,
segundo seu grau de eficácia, em normas de eficácia plena, eficácia contida e
eficácia limitada
88
.
Todavia, quando se trata de analisar a eficácia das normas constitucionais, há
de se especificar as normas definidoras de direitos fundamentais, por constituírem
uma categoria diferenciada de normas constitucionais diante da diversidade de
regime jurídico sobre essas incidentes.
Como premissa, deve-se considerar que as normas definidoras de direitos
fundamentais não somente se situam no ápice hierárquico-valorativo no sistema
jurídico-constitucional, o que lhes confere posição preferencial em face das demais,
como possuem, no plano da eficácia, regime jurídico diferenciado e privilegiado. A
eficácia normativa de que ora se trata é a eficácia jurídica, vista sob o aspecto
sintático
89
, entendida como atributo que decorre da norma válida e vigente e
apresenta-se como condição de sua própria aplicabilidade. A eficácia jurídica, como
85
Cf. FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales: debate con Luca Bacelli
et al. Colección estructuras y processos. Serie Derecho. Madrid: Trotta, 2001. p. 292.
86
Nesse sentido: JACINTHO, Jussara Maria Moreno. A dignidade humana e a nova hermenêutica
constitucional. A Constituição Federal de 1988, a dignidade humana e a hermenêutica dos
princípios. 2003. Tese (Doutorado em Direito). Pontifícia Universidade Católica, São Paulo. p. 260.
87
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 82.
88
Ingo W. Sarlet apresenta sua classificação binária quanto às normas constitucionais para
identificar normas eficácia plena e normas de eficácia limitada ou reduzida. (SARLET, Ingo
Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 265). Pondo em foco a questão da eficácia
jurídica referida às normas de direitos fundamentais, Ingo W. Sarlet sustenta que distinção de
grau eficacial. No que tange aos direitos de defesa, reputa plena a eficácia das normas que os
definem. No que se refere aos direitos prestacionais, todavia, entende haver gradação da carga
eficacial, conforme a forma de positivação do direito e da peculiaridade de seu objeto. (Idem,
ibidem, p. 296-297).
89
Segundo lições de Maria Helena Diniz, que faz o enfoque semiótico de eficácia normativa das
normas constitucionais sob o aspecto sintático, semântico e pragmático (DINIZ, Maria Helena.
Norma constitucional e seus efeitos. 7. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 37 e ss).
43
aptidão técnica para gerar efeitos jurídicos e para incidir nas relações a que visa
regular, não se confunde com eficácia social, que se refere à observância da norma
pelos seus destinatários. Sob esse prisma é que se pode observar a (ausência de)
efetividade (eficácia social) das normas constitucionais.
Entretanto, o obstante abalizadas posições doutrinárias, e também a
sustentada pelo Supremo Tribunal Federal
90
, não há como deixar de afirmar a
postura de que o comando de imediata aplicabilidade incidente (somente) sobre as
normas definidoras de direitos fundamentais (art. 5º, § 1º, da CF/88), sem exceção,
torna-as dotadas de plena e imediata eficácia. A elas não se aplicam as pautas
gradativas de eficácia, mesmo diante de eventuais lacunas técnicas, como ausência
de regulamentação infraconstitucional, cuja colmatação judicial é expressa e
previamente autorizada pelo legislador constituinte. Encontrando-se previamente
regulada pelo legislador constituinte, a ausência de interpositio legislatoris não tem o
condão de ensejar déficit de eficácia jurídica ou constituir óbice à sua aplicabilidade
ou impedir a fruição da posição jurídica, que é outorgada aos seus titulares via
mandado de injunção.
Convém, portanto, assinalar a coerência do legislador constitucional ao
instituir um regime diferenciado aos direitos fundamentais devido a sua precedência
normativo-axiológica dentro do sistema constitucional e pôr em relevo que: a) a
eficácia jurídica plena das normas de direitos fundamentais, independentemente de
sua completude técnica, é pressuposta (imposta) pela Constituição ao assegurar a
sua imediata aplicabilidade (art. 5º, § 1º, da CF/88), pois a existência desta
pressupõe a existência daquela; b) a teleologia do mandado de injunção não é
conferir eficácia às normas não regulamentadas, mas sim assegurar, via jurisdição, o
exercício do direito fundamental ao seu titular, o que também pressupõe o
reconhecimento da eficácia e reforça a aplicabilidade da norma constitucional que o
institui.
90
Vide mandado de injunção 20-4 (19.05.1994). Note-se, atualmente, uma tendência de
posicionamento do STF que se delineia em prol de plena exeqüibilidade das normas denominadas
doutrinariamente de eficácia limitada, como por ex. no MI 670 e MI 712 (07.06.2006) diante da
lacuna normativa da Lei n. 7.783/89.
44
A propósito da dicotomia entre normas auto-executáveis e não auto-
executáveis, Marcelo Figueiredo adverte que a “clássica divisão entre as normas
constitucionais [...] não mais atende aos reclamos de nossa época científica”
91
.
Portanto, diante do regime jurídico-constitucional imposto pela Constituição
Federal de 1988, não cabe catalogar as normas definidoras de direitos fundamentais
não regulamentados sob o signo da eficácia (jurídica) limitada, como propõe a
classificação tradicional
92
.
De outro turno, tem-se compreendido que as normas definidoras de direitos
fundamentais não se submetem à tal classificação por entender que elas não
possuem, sob ‘aspecto pragmático’, ‘eficácia absoluta’, visto que essas normas se
encontram em permanente estado de tensão e mútua restrição
93
. Todavia, entende-
se aqui que a tensão, que é permanente em qualquer ordem jurídico-constitucional
que encampe um catálogo de direitos fundamentais, não tem o condão de arrostar a
eficácia plena dos direitos fundamentais, mas apenas limitar o seu exercício. Se
estão em tensão, deve pressupor-se, justamente, que ostentam o mesmo teor
eficacial, a par de sua concomitante validade e vigência.
Na perspectiva de C. A. Álvaro de Oliveira, a norma fundamental
[...] apresenta-se como norma aberta, a estabelecer pura e
simplesmente um programa e afirmar certa direção finalística para a
indispensável concretização jurisdicional, em oposição, assim,
àquelas normas que contêm uma ordem positiva ou negativa,
capazes de serem apreendidas pelo juiz de forma mais ou menos
direta.
94
91
FIGUEIREDO, Marcelo. O mandado de injunção e a inconstitucionalidade por omissão. 1989.
Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica, São Paulo. p. 10.
92
Nesta, pode ser inserida aquela desenvolvida por José Afonso da Silva (SILVA, José Afonso da.
Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 82). O jurista, no que tange à eficácia das normas
constitucionais definidoras de direitos fundamentais e individuais, o jurista as cataloga na categoria
de normas de aplicabilidade imediata e eficácia contida e as que definem direitos econômicos e
sociais, também tendem a sê-lo, havendo dentre estas, todavia, normas de eficácia limitada
quando dependem de lei integradora (Curso de direito constitucional positivo. 22. ed, rev. e atual.
nos termos da Reforma Constitucional (até a Emenda n. 39, de 19.12.2002. São Paulo: Malheiros,
2003, p.180).
93
Nesse sentido: GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais,
p. 63-64.
94
OLIVEIRA, C. A. Álvaro de. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. In:SARLET,
Ingo Wolfgang (Org.). Jurisdição e Direitos Fundamentais: anuário 2004/2005. Escola Superior da
Magistratura do Rio Grande do Sul (AJURIS). Porto Alegre: Escola Superior da
Magistratura/Livraria do Advogado, 2006.v. 1, t. 2, p. 251 -263; p. 256.
45
Todavia, em sentido diametralmente oposto
95
, nega-se a natureza
programática da norma fundamental, posto que não se deve incluir as normas de
direito fundamental no rol das normas programáticas, visto que não se justificaria
diferir a sua aplicabilidade na hipótese de ausência de norma regulamentadora.
De fato, inexistem ‘direitos programáticos’ ou diferidos na Constituição, que
lhes deu, ao revés, plena eficácia e imediata aplicabilidade. Todas as normas
definidoras de direitos e garantias fundamentais, sem exceção, possuem imediata
eficácia (jurídica) e conseqüente aplicabilidade. Qualquer exceção que a tal
entendimento se faça, parece constituir interpretação não autorizada pelo legislador
constituinte.
Não há como se adotar a proposta classificatória (tricotômica) em sede de
normas de direitos fundamentais, em inobservância à classificação autêntica -
efetuada pelo próprio legislador constituinte - pois essas se enquadram na categoria
da aplicabilidade imediata que supõe, obviamente, a imediata eficácia (jurídica). Não
é licito distinguir (quanto à eficácia) o que o legislador constituinte equiparou (normas
definidoras de direitos fundamentais) e submeteu a regime jurídico único (imediata
aplicabilidade).
A complexidade da questão, em sede de direitos fundamentais, não reside no
plano da validade, vigência, eficácia ou aplicabilidade, e sim no plano do exercício
do direito que se vincula, muitas vezes, à regulamentação normativa para a sua
fruição. Por essa razão e para sanar o óbice normativo à fruição do direito (ausência
de regulamentação), instituiu-se o mandado de injunção
96
no sistema constitucional,
para assegurar o imediato exercício e fruição do direito, e não a sua eficácia e
aplicabilidade, que já se encontram imanentes desde a sua própria instituição.
1.7 A RELEVÂNCIA JURÍDICO-FUNCIONAL (AXIOLÓGICA) DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS
Os direitos fundamentais, cujo reconhecimento foi obtido por um processo
histórico de luta e conquista do homem em face do Estado, revelam-se pressupostos
95
Nesse sentido: GUERRA FILHO, Willis Santiago, op. cit, p. 63-64.
96
Nestes termos, se expressou o legislador Constituinte, no art. 5º, LXXI: “conceder-se-á mandado
de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e
liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania”. (grifou-se).
46
indispensáveis para o pleno desenvolvimento do homem, na esfera pessoal e no
âmbito da comunidade em que se insere, pois “constituem elementos essenciais e
insuperáveis para um viver compatível com a condição humana”
97
.
Coube ao jurista Karl Loewenstein,
98
em percuciente análise, captar a
relevância jurídico-funcional dos direitos fundamentais para o homem e para o
sistema jurídico-constitucional que o circunda:
[...] estas garantias constitucionales son el núcleo inviolable del
sistema político de la democracia constitucional, rigiendo como
principios superiores al ordem jurídico positivo [...] En su totalidad,
estas libertades fundamentales encarnan la dignidade do homem [...]
funcionam como controles verticales sobre el poder político.
Os direitos fundamentais estabelecem os princípios consubstanciadores da
concepção do mundo e da ideologia política de cada ordenamento jurídico,
designando as prerrogativas e instituições com o que o direito positivo concretiza as
garantias de uma convivência digna, livre e igualitária
99
.
Tal é a magnitude axiológica dos direitos fundamentais, que os atos do
Presidente da República que atentem contra o exercício dos mesmos, configuram
crime de responsabilidade, nos termos do art. 85, III c/c art. 52, parágrafo único da
CF/88
100
, cuja punição leva à perda do cargo e inabilitação por oito anos para o
exercício de função pública, sem prejuízo outras sanções judiciais.
de se ressaltar, portanto, a sua relevância jurídico-funcional não somente
por conferir posições jurídicas subjetivas aos seus titulares, mas na medida em que
desempenham papel de centralidade normativa no ordenamento jurídico-
constitucional e orientam todo o sistema jurídico. Em outras palavras, os direitos
97
Cf. MELGARÉ, Plínio, op. cit, p. 207. Antes, “criam os pressupostos básicos para uma vida na
liberdade e na dignidade humana”, como bem enfatiza C. A. Álvaro de Oliveira. (OLIVEIRA, C. A.
Álvaro de. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. In: SARLET, Ingo Wolfgang
(Org.). Jurisdição e Direitos Fundamentais: anuário 2004/2005. Escola Superior da Magistratura do
Rio Grande do Sul (AJURIS). Porto Alegre: Escola Superior da Magistratura/Livraria do Advogado,
2006. v. 1, t. 2, p. 251-263; p. 253).
98
LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona:
Ariel, 1986. p. 390.
99
Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 178.
100
Diz o art. 85, in verbis: “São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que
atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: [...] III - o exercício dos direitos
políticos, individuais e sociais”.
47
fundamentais sistematizam o conteúdo axiológico objetivo do ordenamento
democrático
101
.
1.7.1 Características dos Direitos Fundamentais
Também de suas características, pode-se concluir a sua relevância jurídico-
funcional.
Um catálogo de características tem sido desenvolvido na dogmática dos
direitos fundamentais, a exemplo daquele descrito por José Afonso da Silva
102
.
Em sua judiciosa concepção, os direitos fundamentais caracterizam-se pela:
a) historicidade, b) inalienabilidade, c) irrenunciabilidade e d) imprescritibilidade. A
historicidade refere-se ao ciclo histórico dos direitos fundamentais, que se mantém
em permanente progressão. A sua inalienabilidade decorre da ausência de conteúdo
econômico-patrimonial. Irrenunciáveis também são, no sentido de que mesmo que
não os exerça o seu titular, uma impossibilidade jurídica de renunciá-los. De fato,
estão postos acima de tudo, em prol do homem, de cuja proteção o Estado se
incumbe independentemente de sua vontade. Por último, descreve os direitos
fundamentais como imprescritíveis, no sentido que a possibilidade do seu exercício
não se pode limitar temporalmente.
Sobre tais características, embora admitidas pela doutrina, de se lançar
algumas reservas, pois comportam relativização. A historicidade, por exemplo,
constitui marca característica de todo direito. Em virtude de sua inalienabilidade, não
se podem disponibilizar os direitos fundamentais como os direitos privados, todavia,
quando o objeto de proteção do direito permitir a sua quantificação, pode ser
constituir objeto de negócio jurídico, oneroso ou gratuito, a exemplo do direito à
imagem. Quanto à irrenunciabilidade, não dificuldade em se visualizar a hipótese
de relativização no curso de uma relação laboral (por ex., adicional de insalubridade
versus direito à saúde; permanência no estabelecimento durante a jornada de
trabalho x direito à liberdade) ou transação sobre direitos laborais quando transitam
101
PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Los derechos fundamentales. 7. ed. Madrid: Tecnos, 1998. p. 21.
102
Idem, ibidem, p. 21. Não comungamos, todavia, com o conceito de prescrição como sendo instituto
jurídico de caráter patrimonial pois é inequívoco que a prescrição pode atingir pretensões
desprovidas de conteúdo patrimonial. Exemplo mais contundente é a prescrição da pretensão
punitiva do Estado.
48
pela via processual judicial. Quanto à imprescritibilidade, em regra, os direitos
fundamentais apenas deixam de existir com a morte do seu titular, havendo direitos
que inclusive transcendem esse fato biológico, a exemplo do direito à honra, cuja
defesa pode se transferir aos seus sucessores
103
. Porém, direitos fundamentais
sociais de prestação privada, por exemplo, os laborais, cuja exigibilidade está
expressamente submetida a lapso prescricional – qüinqüenal ou bienal – nos termos
da própria Constituição (art. 7º, XXIX).
Particularizando o estudo analítico dos direitos fundamentais dentro do
ordenamento jurídico-pátrio, podem-se apurar outros atributos, que ora se propõem,
pois os direitos fundamentais ainda caracterizam-se pela sua: a) fundamentalidade
(supremacia axiológica) b) aplicabilidade imediata, c) inderrogabilidade, d)
vinculatividade, e) garantismo constitucional, f) bifrontalidade, g) transcendência de
proteção e h) justiciabilidade especial.
a) Fundamentalidade. Os direitos fundamentais são, por certo,
‘tautologicamente fundamentais’ (C. A. Álvaro de Oliveira). Há de se destacar,
todavia, a sua fundamentalidade formal e material. Não somente se
encontram os direitos fundamentais insculpidos na Lei Magna, como
constituem um sistema com precedência axiológica na ordem jurídica. Plínio
Melgaré destaca esse duplo aspecto de fundamentalidade. A
fundamentalidade formal refere-se à superioridade hierárquica com que se
revestem os direitos fundamentais na escala normativa e à vinculatividade
que irradia sobre os poderes políticos. A fundamentalidade material resulta da
necessidade de se tomá-los como premissa axiológica para a configuração da
estrutura normativa básica da sociedade
104
.
b) Aplicabilidade imediata. No ordenamento jurídico pátrio, os direitos
fundamentais constituem o ‘estatuto jurídico’ pessoal (Antonio E. Pérez Luño),
que possui a característica da aplicabilidade imediata decorrente de expresso
comando constitucional (art. 5º. CF/88). A característica da aplicabilidade
imediata significa dizer que independentemente de qualquer outra medida
jurídica, devem os direitos fundamentais ter incidência e aplicação imediata.
Se porventura, nos casos em que o legislador constituinte remeteu ao
103
Aos sucessores do réu condenado outorga-se a ação de revisão criminal para provar a sua
inocência, mesmo após a sua morte, nos termos dos arts. 621 e 623 do CPP.
104
MELGARÉ, Plínio, op. cit, p.198.
49
legislador infraconstitucional a sua regulamentação, houver mora estatal que
impeça ou dificulte a sua livre fruição, lança-se mão de específico mecanismo
de garantia, o mandado de injunção. Não obstante a sua relevância funcional
dentro do sistema, o instrumento é de duvidosa efetividade, devido à
compreensão restritiva de sua teleologia no contexto da jurisdição
constitucional pátria.
c) Inderrogabilidade. Abstraindo-se a discussão quanto ao mérito e quanto à
conveniência da decisão constituinte, os direitos fundamentais estão inscritos
nas denominadas cláusulas pétreas (art. 60, §4º, IV da CF/88). Mediante esse
expediente, os direitos fundamentais foram expressamente cristalizados na
ordem jurídico-constitucional pelo Poder Constituinte, que limitou
materialmente o Poder Derivado, impedindo-o de expurgá-los do sistema
jurídico-constitucional.
d) Bifrontalidade. Ao mesmo tempo em que configuram direitos do cidadão
que lhe conferem posições jurídico-subjetivas perante o Estado e a
comunidade, de igual modo constituem elementos conformadores da ordem
jurídico-estatal. Os direitos fundamentais possuem, deste modo, dúplice
perspectiva, cuja compreensão requer aprofundamento específico
105
. Da
dúplice dimensão que ostentam - a subjetiva e a objetiva - os direitos
fundamentais ostentam dúplice pretensão, que se pode denominar preteno
objetiva e pretensão subjetiva, ensejando, por isso, especial justiciabilidade.
e) Vinculatividade. Em virtude da sua fundamentalidade e precedência
axiológica, os direitos fundamentais, além de definidores de direitos,
liberdades e competências, constituem os elementos fundamentes do próprio
Estado brasileiro e têm o condão de vincular todas as esferas da atividade
estatal: Judiciário, Executivo e Legislativo. Trata-se, no dizer de Dimitri
Dimoulus, do efeito vertical dos direitos fundamentais, que se manifesta nas
relações entre o indivíduo e Estado
106
. De outro lado, parcela da doutrina,
abandonando a visão ‘monodiretiva’
107
, tem sustentado a existência do efeito
horizontal dos direitos fundamentais, ou ‘efeito diante de terceiros’ (Konrad
105
Vide item 1.8.
106
DIMOULIS, Dimitri, op. cit, p. 84.
107
Cf. MELGARÉ, Plínio, op. cit, p. 200.
50
Hesse)
108
a estabelecer vinculação jusfundamental direta entre particulares
em certas situações, sendo recentes no Brasil as pesquisas nesse sentido
109
.
f) Garantismo constitucional. Caracterizam-se, ainda, os direitos fundamentais
pela constitucionalização de suas garantias, genéricas ou específicas, que se
encontram positivadas na própria Constituição de modo expresso em seu art.
110
. Há, portanto, um conjunto de garantias, institucionais e jurisdicionais,
com bojo na Constituição, que visam dar proteção e assegurar o respeito e a
efetivação dos direitos fundamentais.
g) Transcendência de proteção. Os direitos fundamentais possuem
transcendência de sua proteção, pois além da proteção jurisdicional da ordem
interna do Estado do titular do direito, este recebe proteção da ordem jurídica
internacional. Na ordem interna, o acesso à proteção jurisdicional é garantido
pelo direito fundamental à jurisdição (constitucional) e pelo princípio da
inafastabilidade da jurisdição, ambos conjugados e assegurados no art. 5º,
XXXV, da CF/88. Na ordem internacional, no plano global, o acesso para
denúncia de violação e invocação de proteção é previsto pelos Tratados e
Pactos Internacionais que reconhecem os direitos do homem e asseguram a
sua proteção internacional, sendo desses exemplos o Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais
111
. No plano regional, no âmbito da OEA Organização
dos Estados Americanos, pode-se destacar a Convenção Americana de
Direitos Humanos (1978), também denominada Pacto de San José da Costa
Rica
112
, que também estabelece direitos, reforçando a normatividade dos já
declarados no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.
108
HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad.
Luis Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, p. 281, itens 350-351.
109
Entre outros: SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro:
Lúmen Juirs, 2004; STEINMETZ, Wilson Antônio. A vinculação dos particulares a direitos
fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004; CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. Colisões de direitos
fundamentais nas relações jurídicas travadas entre particulares: problemas de intensidade e a
regra da proporcionalidade. 2006. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade
Católica, São Paulo; MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Obtenção dos direito fundamentais nas relações
entre particulares. São Paulo: Lúmen Júris, 2006.
110
Vide Capítulo IV.
111
Ambos adotados pela Resolução n. 2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nões Unidas em
16.12.1966 e ratificados pelo Brasil em 24.01.1992.
112
Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) (Pacto de San José da Costa Rica). Ratificada
pelo Brasil em 25 de setembro de 1992.
51
h) Justiciabilidade especial ou qualificada. A justiciabilidade
113
, como poder de
exigibilidade da tutela jurisdicional, é característica imanente a todo e
qualquer direito subjetivo, todavia, conforme se verificará, a característica da
justiciabilidade especial adjetiva apenas os direitos fundamentais.
i) Progressividade e irreversibibilidade. A progressividade e a irreversibilidade
dos direitos fundamentais são atributos decorrentes dos princípios
homônimos e caracterizam apenas os direitos sociais, sendo descritos
pormenorizadamente em espaço específico
114
. Esclareça-se, por ora, que tais
características correspondem à implementação progressiva e à preservação
do nível de implementação, sob os aspectos da positivação jurídica, da
implementação fática e, segundo postura aqui adotada, também da proteção
jurisdicional.
1.8 BIFRONTALIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: ORDEM JURÍDICA
SUBJETIVA-OBJETIVA DESTINADA À CONCREÇÃO DA DIGNIDADE
O fio condutor que perpassa o presente estudo, busca ressaltar a dimensão
subjetiva na anatomia dos direitos fundamentais. Todavia, sem pretensão de
esgotar, mas apenas viabilizar a compreensão integral no estudo dos direitos
fundamentais, de se ponderar sobre sua bifrontalidade. Esta põe em relevo o seu
duplo espectro normativo - subjetivo e o objetivo. As funções que em cada dimensão
os direitos fundamentais exercem no ordenamento jurídico em que se inserem,
formam, concomitantemente, a ordem jurídica subjetiva e a ordem jurídica objetiva.
Segundo concepção desenvolvida na doutrina alemã, entre nós defendida por
parcela expressiva da doutrina, os direitos fundamentais possuem ‘dupla
dimensionalidade’: a subjetiva e a objetiva.
Na dogmática alemã, a dúplice perspectiva dos direitos fundamentais é posta
em relevo por Konrad Hesse:
Significado crescente ganha a compreensão dos direitos
fundamentais como elementos da ordem objetiva em vista da tarefa
do Estado social moderno de produzir ou de garantir os pressupostos
113
Dada a relevância temática e proposta metodológica de exposição do presente trabalho, o
conteúdo desse atributo será desenvolvido em capítulo específico (Capítulo III).
114
Vide Capítulo V, 5.3.2.4.
52
da liberdade jurídico-fundamental [...]. Se os direitos fundamentais
não sem-mais se deixam converter em direitos de ter parte
(subjetivos) [...] então isso não significa que eles sejam sem
significado para essa tarefa. Eles contêm, antes, diretrizes e critérios
(objetivos) para a planificação e produção daqueles pressupostos,
que os órgãos de formação da vontade política, apesar de toda a
liberdade para a configuração em particular, não devem deixar
desatendidos
115
.
Conclui o jurista, “Por um lado, eles são ‘direitos subjetivos’, direitos do
particular [...]. Por outro, eles são elementos fundamentais da ordem objetiva da
coletividade”
116
. Em seu aspecto subjetivo, eles “determinam e asseguram a
situação jurídica do particular em seus fundamentos”, em seu aspecto objetivo
constituem “elementos fundamentais (objetivos) da ordem democrática e estatal-
jurídica”
117
.
A bifrontalidade também é posta em relevo por J. J. Gomes Canotilho.
Segundo o mestre lusitano, fundamentação subjetiva quando se visa assegurar
ao indivíduo um direito pertinente ao desenvolvimento de sua personalidade. Há
fundamentação objetiva, quando a previsão normativa estabelece-se no interesse da
coletividade
118
.
A propósito Willis Santiago Guerra Filho assevera que o
[...] reconhecimento dessa “dupla dimensionalidade” ou “duplo
caráter” (Doppelcharakter-Hesse) dos direitos fundamentais resulta
da percepção da tarefa básica a ser cumprida por uma comunidade
política, que seria a harmonização dos interesses de seus membros,
individualmente considerados, com aqueles interesses de toda a
comunidade, ou parte dela, donde se ter a possibilidade de
individualizar três ordens distintas desses interesses: interesses
individuais, interesses coletivos [...] e interesses gerais públicos
119
.
Os direitos fundamentais, em sua dimensão subjetiva, constituem estatuto
pessoal jurídico-político do cidadão, que tem por fim conferir-lhe posições subjetivas
115
HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. p. 242,
item 298.
116
Idem, Ibidem, p. 228.
117
Idem, Ibidem, p. 230, item 280; 239, item 290.
118
CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina. 1993, p. 535.
119
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais, p. 88. O autor,
louvando-se em E.W.Böckenforde, destaca o “aspecto-procedimental na conexão do conteúdo
jurídico–objetivo dos direitos fundamentais, além de seu conteúdo jurídico-subjetivo”.(Idem,
Ibidem, p. 45).
53
perante o Estado e demais particulares
120
. As posições jurídicas conferem ao seu
titular poder de exigir o respeito e a proteção dos direitos fundamentais que lhe são
reconhecidos e, sobretudo, a realização das prestações nele contidas, quando a sua
efetivação depender da atuação (dare ou facere) do Estado ou de terceiro
responsável.
Para a tutela jurisdicional dos direitos fundamentais em sua dimensão
subjetiva, como legítimos interesses ou direitos subjetivos, o ordenamento jurídico-
constitucional outorga ao seu titular mecanismos de natureza assecuratória, de
status constitucional, para garantir o seu exercício e proteção na hipótese de lesão
ou ameaça de lesão. Os mecanismos constitucionais para a defesa dos direitos
fundamentais em sua dimensão subjetiva são: habeas corpus, habeas data,
mandado de injunção, mandado de segurança, ação popular e ação civil pública
121
.
Em sua peculiar dimensão objetiva, os direitos fundamentais constituem
elementos da ordem objetiva que expressam os valores encampados pela
comunidade política em que se inserem, conformando a organização e a atuação do
Estado, pois também se apresentam “como princípios conformadores do modo como
o Estado que os consagra deve organizar-se e atuar”
122
.
Em suma, “os direitos fundamentais assumem um intenso caráter objetivo,
pois se vinculam ao conteúdo axiológico e à teleologia presentes e desejadas no
contexto comunitário”
123
.
A (re)descoberta das funções e desdobramentos que implicam a dimensão
objetiva dos direitos fundamentais, como fruto de uma mutação constitucional, se
imputa à transição do Estado Liberal para o Estado Social Democrático de Direito
124
.
120
Cf. PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Los derechos fundamentales, p. 22. Aduz o jurista: “Em sua
‘dimensão subjetiva’, os direitos fundamentais determinam o estatuto jurídico dos cidadãos, o
mesmo em suas relacões com o Estado que em suas relações entre si”. (Tradução livre).
121
Vide Capítulo IV.
122
GUERRA FILHO, Willis Santiago. op. cit, p. 45.
123
Cf. MELGARÉ, Plínio. ‘Um olhar sobre os direitos fundamentais e o estado de direito breves
reflexões ao abrigo de uma perspectiva material’, p. 199.
124
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang, A eficácia dos direitos fundamentais, p. 166-177. Em sua lúcida
visão, tal perspectiva envolve: a) a sua função axiológica que implica condicionamento do
exercício dos direitos subjetivos individuais ao reconhecimento por parte da comunidade em que
se insere; b) a sua eficácia dirigente que exerce sobre os órgãos estatais, no que tange a sua
concretização e constante realização; c) a sua eficácia irradiante e principiológica que orienta a
interpretação do direito infraconstitucional; d) a sua racionalidade como parâmetro de
constitucionalidade de leis e demais atos normativos estatais; e) o reconhecimento da existência
de deveres de proteção; f) a sua vinculação com a criação e constituição de instituições e
procedimentos e g) a necessidade de garantias institucionais (Idem, Ibidem, p. 166).
54
A propósito, expondo sobre o ordenamento constitucional alemão, Francisco
Fernández Segado enfatiza que do art.1º.3 da Bonner Grundgesetz, deriva o
princípio da vinculatividade dos direitos fundamentais, de idêntica incidência no
ordenamento pátrio, que impõe que “los derechos fundamentales que se enuncian a
continuación vinculan al Poder Legislativo, al Poder Ejecutivo y a los tribunales a
título de derecho directamente aplicable
125
.
Daniel Sarmento, reconhecendo a bifrontalidade dos direitos fundamentais,
destaca a importância da dimensão objetiva dos direitos fundamentais pela proteção
que conferem aos bens mais valiosos da coletividade
[...] eles não só conferem aos particulares direitos subjetivos a
tradicional dimensão subjetiva -, mas constituem também as próprias
´bases jurídicas da ordem jurídica da coletividade`. Como se sabe, a
idéia da dimensão objetiva prende-se à visão de que os direitos
fundamentais cristalizam os valores mais essenciais de uma
comunidade política, que se devem irradiar por todo o seu
ordenamento, e atuar não como limites, mas também como
impulso e diretriz para a atuação dos Poderes Públicos. Sob esta
ótica, tem-se que os direitos fundamentais protegem os bens
jurídicos mais valiosos
126
.
Sendo o homem fundamento e fim do Estado, como núcleo dos direitos
fundamentais em sua perspectiva subjetiva e objetiva, sobressai a dignidade
humana. Os direitos fundamentais do homem constituem a mais viva concreção da
dignidade humana.
Segundo a proposta conceitual de Maria Garcia, “A dignidade da pessoa
humana corresponde à compreensão do ser humano na sua integridade física e
psíquica, como autodeterminação consciente, garantida moral e juridicamente”
127
.
Da dúplice dimensão que assumem os direitos fundamentais no atual
constitucionalismo, decorre sua dupla função: aquela institucional e diretiva da
125
FERNÁNDEZ SEGADO, Francisco. ‘La dignidad de la persona como valor supremo del
ordenamiento jurídico español y como fuente de todos los derechos’, p. 103.
126
SARMENTO, Daniel. ‘Colisões entre direitos fundamentais e interesses públicos’. In: SARLET,
Ingo Wolfgang (Org.). Jurisdição e Direitos Fundamentais: anuário 2004/2005. Escola Superior da
Magistratura do Rio Grande do Sul (AJURIS). Porto Alegre: Escola Superior da
Magistratura/Livraria do Advogado, 2006. v. 1, t. 2, p. 29-70; p. 51-52.
127
GARCIA, Maria. Limites da Ciência: a dignidade da pessoa humana e ética da responsabilidade.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 211.
55
ordem jurídica cumulada ao seu clássico papel de liberdades e garantias
subjetivas
128
.
Conclui-se, portanto, que os direitos fundamentais, além de sua configuração
subjetiva, que outorga posições jurídicas ao seu titular de exigir a obrigação que
delas decorrem, formam a base conformadora da ordem jurídica objetiva pátria, que
tem como elemento catalizador a dignidade humana.
Da compreensão global da dignidade humana afirma-se que a dignidade
humana possui tríplice dimensão: valor, princípio e direito fundamental. Como valor
ético-jurídico, é intangível e orienta o sentido dos princípios que lhe concretizam.
Como direito, compõe indissociavelmente o núcleo essencial dos demais direitos
fundamentais. Como princípio diretivo-exegético, orienta a interpretação de todo o
ordenamento jurídico, propiciando-lhe unidade e coerência e como princípio
estruturante do Estado Democrático de Direito, confere-lhe fundamento e
legitimidade.
128
Nesse sentido: PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Los derechos fundamentales, p. 25.
56
2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NA ORDEM JURÍDICO-
CONSTITUCIONAL BRASILEIRA
2.1 NEOCONSTITUCIONALISMO E DIREITOS SOCIAIS
Uma nova concepção de constitucionalismo, ocorrida no segundo pós-guerra,
constitui um fenômeno jurídico-político que reflete de modo decisivo a quebra de
paradigma que aconteceu, sobretudo, com relação ao papel da Constituição
democrática, com grande influência na compreensão dos direitos fundamentais.
Nesse período histórico, quando transcorria a fase denominada de pós-
positivismo, “os textos constitucionais - mais do que fundamento de validade
(superior) do ordenamento - passam a consubstanciar a própria atividade político
estatal”
129
.
Na nova concepção de constitucionalismo, também denominado de
neoconstitucionalismo, as Constituições democráticas não se expressam apenas
como norma fundamental de garantia, mas também como norma diretiva
fundamental, que dirige aos poderes públicos e condiciona os particulares de tal
maneira que assegura a realização dos valores constitucionais (direitos sociais,
direito à educação, à subsistência ou ao trabalho)”
130
.
O neoconstitucionalismo é fruto de duas mudanças de paradigma, como bem
observa Luiz Roberto Barroso:
a) a busca da efetividade das normas constitucionais, fundada na
premissa da força normativa da Constituição; b) o desenvolvimento
de uma Dogmática da interpretação constitucional, baseada em
novos métodos hermenêuticos e na sistematização de princípios
específicos de interpretação constitucional
131
.
129
STRECK, Lenio Luiz. A baixa constitucionalidade e a inefetividade dos direitos fundamentais-
sociais em Terrae Brasilis. Revista Brasileira de Direito Constitucional, Revista do Programa de
Pós-Graduação ‘Lato Sensu’ em Direito Constitucional, Escola Superior de Direito Constitucional,
A contemporaneidade dos direitos fundamentais, o Paulo, n. 4, jul./dez. 2004, p. 272-308; p.
291-292.
130
STRECK Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. 2. ed.
rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 101.
131
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional
brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: GRAU, Eros Roberto e CUNHA,
Sérgio Sérvulo (Coord.). Estudos de direito constitucional: em homenagem a José Afonso da Silva.
São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 23-59; p. 58-59. Segundo o jurista três são os marcos,
abaixo descritos, que apresenta o neoconstitucionalismo na alteração da compreensão
57
O neoconstitucionalismo pode ser entendido como uma nova proposta
teórico-político-filosófica para a compreensão constitucional, que enseja a
reformulação da teoria do Direito e da forma do Estado e tem por vocação a
“transformação da sociedade e do Direito a partir da Constituição”
132
.
Sob o aspecto teórico, em sua tríplice vertente: (a) o reconhecimento de força
normativa à Constituição; (b) a expansão da jurisdição constitucional; (c)
desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional.
São três as principais dimensões que assume o neoconstitucionalismo,
segundo Luis Prieto Sanchís, a seguir descritas.
Como proposta de um tipo de Estado de Direito, o neoconstitucionalismo
resulta da necessária convergência de duas tradições constitucionais paralelas: uma
que prestigia a supremacia constitucional e sua conseqüente garantia jurisdicional;
outra que concebe a Constituição como um projeto político transformador, que
intervém nas decisões coletivas políticas. Como teoria do Direito, propõe os
seguintes postulados: a) mais princípios que regras, b) mais ponderação que
subsunção, c) onipresença da Constituição em todas as áreas jurídicas d)
onipotência judicial em lugar da autonomia do legislador ordinário e e) uma
constelação de valores, ainda que contraditórios, em lugar da homogeneidade
ideológica Como ideologia propõe, em suma, o Estado Constitucional de Direito
como modelo mais justo de Estado de Direito, a vinculação necessária entre Direito
e Moral e, por fim, uma nova visão da atitude interpretativa, das tarefas da ciência e
da teoria do Direito
133
.
Diante da complexidade que a concretização dos direitos sociais suscita e
tomando-se como parâmetro a tríplice dimensão descrita por Luis Prieto Sanchís, o
constitucional. Sob o aspecto histórico, após a derrocada dos regimes totalitários nazi-facistas e a
partir do constitucionalismo pós-guerra ao longo da segunda metade do século XX, começam a
retornar ao Direito os valores e a ética, aflorando a necessidade de uma nova percepção da
Constituição e de seu papel na interpretação do Direito. No Brasil, o renascimento do Direito
Constitucional dá-se no ambiente da convocação da Constituinte de 1988. Sob o aspecto
filosófico, o marco é o pós-positivismo e propõe: (a) a superação do dogma da legalidade estrita;
(b) criação de nova hermenêutica constitucional (ou sobre-interpretação); (c) compreensão da
normatividade dos princípios; (d) leitura moral do Direito; (e) desenvolvimento de uma teoria dos
direitos fundamentais baseada na dignidade da pessoa humana e (f) reabilitação da razão prática
e da argumentação jurídica. (BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e
constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, abr./jun. 2005. p. 1-42; p. 3-12).
132
MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Os direitos fundamentais em tempos de constitucionalismo. Tese
(Doutorado em Direito). 2006. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. p. 104.
133
SANCHÍS, Luis Prieto. Neoconstitucionalismo y ponderación judicial. In: SÁNCHEZ BIO, David
et al (Org.). Direitos humanos e globalização: fundamentos e possibilidades desde a teoria crítica.
Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. p. 397-431; p. 397, 398, 400, 401, 405. (Tradução livre).
58
contributo do neoconstitucionalismo para sua efetivação é de oportuna incidência
pois reclamam: protagonismo judicial de uma jurisdição fortalecida e nova postura
hermenêutica constitucional, que rejeita a compreensão pós-positivista em busca um
esquema de argumentação racional.
Portanto, de todos os vetores do neoconstitucionalismo, em função da nova
postura teórico-ideológica que propugna, se pode extrair valiosa contribuição à plena
efetivação dos direitos sociais e, por conseguinte, do Bem Comum, cuja expressão
máxima é a Constituição.
Os direitos sociais ganham, em suma, novos foros de exigibilidade com o
neoconstitucionalismo, “[...] antes relegados a um segundo plano, preteridos, no
discurso dos custos orçamentários e das normas de eficácia limitada
134
. Nesse
contexto, avulta a relevância do papel da jurisdição a quem incumbe a missão
precípua de sua concretização.
A releitura dos direitos sociais sob a lente do neoconstitucionalismo e a
adoção de sua proposta teórico-filosófica podem levar à superação dos principais
obstáculos que se põem no caminho da compreensão, concretização e
justiciabilidade dos direitos sociais.
2.2 O ESTADO SOCIAL E OS DIREITOS SOCIAIS: ESTADO DAS POLÍTICAS
PÚBLICAS
Assim como a análise dos vetores do neoconstitucionalismo se mostra
relevante para a formulação de uma nova concepção dos direitos fundamentais, na
atual quadra da história constitucional, a análise da passagem do Estado Liberal
para o Estado Social mostra-se indispensável para a compreensão histórica do
surgimento - ou reconhecimento - dos direitos sociais.
A Revolução Industrial, ocorrida em meados do século XVIII, provocou a
revisão do liberalismo pela necessidade de um novo modelo de Estado, de postura
interventiva. Superada a proposta liberal de Estado, diante da insuficiência revelada
pela ausência de condições sócio-econômicas, ocorre a passagem do Estado
Liberal para o Estado Social que, em essência, é o Estado de Direito vocacionado
para a realização da justiça social (distributiva). Na passagem do Estado Liberal para
134
Cf. MOREIRA, Eduardo Ribeiro, op. cit, p. 45-46.
59
o Estado Social, verifica-se que aquele surgiu com a proposta de firmar as clássicas
liberdades e este veio com a proposta de suprir as insuficiências do modelo
precedente.
Da função ordenadora, do Estado Liberal, passa-se à função promovedora do
Estado Social
135
. Em outras palavras, a ordem positiva ‘oponível’ ao Estado cede
lugar à ordem positiva ‘através’ do Estado”
136
. Essas funções do Estado
contemporâneo não constituem obrigações meramente morais, mas sim autênticos
deveres jurídicos originados, sobretudo, de um processo histórico de reivindicações
e lutas das classes trabalhadoras que se estenderam pelo século XIX
137
.
O Estado Social, por muitos denominado de Estado de Bem Estar (Welfare
State), caracteriza-se como Estado interveniente, assistencial e nele ocorrem a
“politização do Direito e a publicização dos conflitos no âmago do Estado”
138
, que se
incumbe da tarefa de realizar prestações destinadas a suprir as necessidades
essenciais do indivíduo, assegurando-lhe assistência frente a situações de
desemprego, doença, desabrigo, dentre outros.
O valor democrático da justiça social passa a ordenar o Estado Social, não
desprezando os valores da certeza e segurança jurídicas do Estado Liberal.
Caracteriza-se como um regime cujo objetivo central é a promoção do bem-estar de
todos mediante distribuição
139
ou “redistribuição da renda e da riqueza (ativos)
comprometida com a idéia de Justiça”
140
.
O Estado Social é o Estado Social da ‘Sociedade’, que objetiva “[...] produzir
as condições e os pressupostos reais e fáticos indispensáveis ao exercício dos
135
Cf. STRECK Lenio Luiz, Jurisdição constitucional..., p. 167.
136
Cf. ARANHA, Márcio Iorio. Interpretação constitucional e as garantias institucionais dos direitos
fundamentais. São Paulo: Atlas, 2000. p. 112.
137
Cf. PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique, Los derechos fundamentales, p. 193.
138
SCHAPIRO, Mario Gomes. O princípio da legalidade no Estado de bem-estar social: por uma
abordagem dialética. Revista Brasileira de Direito Constitucional, Revista do Programa de Pós-
Graduação ‘Lato Sensu’ em Direito Constitucional, Escola Superior de Direito Constitucional: Em
tempos de democracia, São Paulo, n. 3, jan./jun. 2004, p. 235-248; p. 242.
139
BERCOVICI, Gilberto e MASSONETO Luís Fernando. Os direitos sociais e as Constituições
democráticas brasileiras: breve ensaio histórico. In: SÁNCHEZ RÚBIO, David et al (Org.). Direitos
humanos e globalização: fundamentos e possibilidades desde a teoria crítica. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2004. p. 505-524; p. 521. Louvam-se em Manuel García-Pelayo.
140
LAVINAS, Lena et. al. Combinando compensatório e redistributivo: o desafio das políticas sociais
no Brasil. Texto para Discussão. n. 748. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. IPEA
(Instituto de Pesquisa Aplicada) Rio de Janeiro: IPEA, 2000. Disponível em: <
http://www.ipea.gov.br/pub/td/td_2000/td0748.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2007.
60
direitos fundamentais”, cumprindo ao Estado a “[...] tarefa igualitária e distributivista,
sem a qual não haverá democracia e liberdade”
141
.
Desse modo, sob a égide do Estado Social, surge o constitucionalismo social
inaugurado com a constitucionalização dos direitos sociais, que despontam com
força jurídico-impositiva. Os direitos sociais qualificam-se como direitos prestacionais
vocacionados à provisão das necessidades materiais e espirituais do indivíduo
situado no contexto da sociedade.
Os direitos sociais compõem, com os direitos culturais e econômicos, a
segunda espécie de direitos, que cronologicamente correspondem ao direitos da
segunda geração e correspondem a “um direito de ‘participar do bem-estar
social’”
142
. Referidos direitos “Nasceram abraçados com o princípio da igualdade” e
foram “introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social,
depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do último
século”
143
.
A primeira Constituição que previu direitos sociais foi a francesa (jacobina) de
1793, na qual se encontrava constitucionalizado o direito ao trabalho, à educação e
à assistência frente à pobreza. Não obstante, a Constituição Mexicana de 1917 é
considerada a primeira a fixar uma declaração ideológica de direitos humanos
econômicos e sociais, num contexto de processo revolucionário e propor uma
sociedade baseada no direito ao trabalho
144
. Posteriormente, os direitos sociais
foram amplamente prestigiados pela Constituição de Weimar de 1919, promovendo
a conjugação ideológica da concepção liberal com a concepção social, sendo
considerada o marco do constitucionalismo social.
No Brasil, os direitos sociais somente foram inseridos na Constituição de
1934, inaugurando o constitucionalismo social.
141
Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18 ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2006.
p. 379. O jurista distingue, ademais, a trajetória da institucionalização do Poder, cujas fases, a seu
ver, compreendem: o Estado liberal, Estado socialista, Estado social com primazia dos meios
intervencionistas do Estado e, finalmente, Estado social com hegemonia da Sociedade”.
(BONAVIDES, Paulo, Teoria constitucional da democracia participativa: por um Direito
Constitucional de luta e resistência por uma Nova Hermenêutica, por uma repolitização da
legitimidade, p. 151).
142
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah
Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 127.
143
Cf. BONAVIDES, Paulo, Teoria constitucional da democracia participativa: por um Direito
Constitucional de luta e resistência por uma Nova Hermenêutica, por uma repolitização da
legitimidade, p. 354.
144
Cf. LIMA JÚNIOR. Jayme Benvenuto. Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001. p. 22.
61
A fim de alcançar o objetivo constitucional referido - o Estado de Justiça
Social impende efetivar os direitos sociais com vistas a suprimir toda forma de
desigualdade social que limite a capacidade de autodeterminação ou impeça o pleno
desenvolvimento do indivíduo no seio da sociedade.
Se a implementação do Estado Social de Direito não prescinde da plena
garantia dos direitos sociais, não se pode dispensar a intervenção estatal racional
mediante planejamento, que se realiza pela “previsão de comportamentos
econômicos e sociais futuros, pela formulação explícita de objetivos e pela definição
de meios de ação coordenadamente dispostos”
145
.
O planejamento racionaliza, coordena medidas, uma unidade de fins à
atuação do Estado e está sempre comprometido, axiologicamente, tanto pela
ideologia constitucional como pela busca da transformação do status quo econômico
e social
146
.
Para Eros Roberto Grau, impõe-se, mais que reorganização das funções do
Estado e da teoria da separação dos poderes, a construção de um ‘Estado das
políticas públicas’
147
, necessidade que ademais, é explicitada no plano internacional,
por meio do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ao se referir a um
“plano de ação detalhado” (art. 14), quanto ao direito social da educação. Referido
plano corresponde, portanto, a um planejamento eficiente por parte dos Estados
para atingir os objetivos do Pacto no que se refere à implementação dos direitos
sociais.
O que se verifica, todavia, é o distanciamento do Estado Social brasileiro da
sua própria finalidade e justificação. Não obstante se vejam os direitos sociais
inscritos no catálogo dos direitos fundamentais da Constituição de 1988 e
enaltecidos em seu preâmbulo antes mesmo das liberdades, na prática resiste-se,
injustificadamente, à sua efetivação.
145
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 7. ed.
rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 363.
146
Cf. BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max
Limonad, 2003. p. 192-193. A organização da Administração Pública latino-americana, acrescenta
o autor, é tradicional, está bem longe das exigências do desenvolvimento e não estruturada para
formular e executar uma política de desenvolvimento continuada. Surgem planos, mas não há
planejamento. (Idem, Ibidem, p. 194-195).
147
GRAU, Eros Roberto, op. cit, p. 364.
62
2.3 HISTÓRICO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS SOCIAIS NO
BRASIL
Operando um recorte histórico dos direitos fundamentais em função da
delimitação do próprio objeto, põem-se em relevo os direitos sociais, a partir da
década de 30, pois nela se inicia uma nova fase do constitucionalismo no Brasil.
Não obstante ausente um consenso em torno da questão, assegura Antonio
Carlos Wolkmer que a ‘questão social’ surge em 1930, resultando a política social
não como uma conquista das massas trabalhadoras, mas com a ‘outorga’
paternalista do período provisório que se promoveu todo um conjunto gradativo de
Direitos Sociais”
148
.
Entendimento reforçado por Oliveira Viana, por aquele autor citado, ao aduzir
que “coube à Revolução de 30 o mérito insigne de elevar a questão social à
dignidade de um problema fundamental do Estado”
149
. Tal mérito, todavia, é negado
por Gilberto Bercovici e Luis Fernando Massoneto
150
.
Todavia, com Rui Barbosa, em 1919, já se proclamava a democracia social e
se fazia o debate público da questão social, no que tange aos direitos sociais dos
trabalhadores.
A concepção individualista dos direitos humanos tem envolvido
rapidamente, com os tremendos sucessos deste século, para uma
transformação incomensurável nas noções jurídicas do
individualismo, restringidas agora por uma extensão, cada vez maior,
dos diretos sociais. se não na sociedade um mero agregado,
uma justaposição de unidades individuais, acasteladas cada qual no
seu direito intratável, mas uma entidade naturalmente orgânica, em
que a esfera do indivíduo tem por limites inevitáveis, de todos os
lados, a coletividade. O direito vai cedendo à moral, o indivíduo à
148
WOLKMER, Antonio Carlos. Constitucionalismo e direitos sociais no Brasil. São Paulo:
Acadêmica, 1989. p. 45. Sustenta, ainda, que a questão social foi enfrentada por Getulio Vargas,
no programa lançado oficialmente pela Aliança Liberal, que tinha como objetivo primordial os
direitos sociais, em que se propunha um código de regulamentação das condições de trabalho, de
escolarização, de proteção à velhice, à infância e à deficiência, e medidas de previdência social,
dentre outras. (op. cit., 43)
149
Idem, Ibidem, p. 47.
150
BERCOVICI, Gilberto e MASSONETO Luís Fernando, op.cit, p. 510. Os autores não afirmam
quando surgiu e sustentam que a Revolução de 1930 não é o marco inicial da ‘questão social’ ou
da legislação trabalhista, mas admitem que a partir daí ocorrem a aceleração e a sistematização
das leis trabalhistas.
63
associação, o egoísmo à solidariedade humana. Estou, senhores,
com a democracia social
151
.
De qualquer modo, inaugura-se, no Brasil, uma nova ordem social no patamar
constitucional somente com a Constituição de 1934, como reflexo tardio do
‘constitucionalismo social’ instaurado principalmente na Europa. A propósito leciona
Ingo W. Sarlet
152
que os direitos sociais correspondem à evolução do Estado de
Direito, de matriz liberal-burguesa, para o Estado democrático e social de Direito,
incorporando-se à maior parte das Constituições do segundo pós-guerra”.
A Constituição de 1934, inspirada principalmente nas Constituições do México
(1917) e de Weimar (1919), positivou expressamente, sob o título “Ordem
Econômica e Social” (arts. 115 a 140), os direitos sociais dando feição social ao
Estado Brasileiro. A partir de então, todas as Constituições consagraram, em título
ou capítulo específico, a Ordem Econômica e Social.
A Constituição de 1937, adjetivada de autoritária, promove uma ruptura com
os compromissos sociais ao dar ênfase à intervenção econômica estatal
desvinculada dos princípios da justiça social.
A Constituição de 1946, resgatando a democracia e a feição do
constitucionalismo social, concilia a organização da ordem econômica com os
princípios da justiça social. Em virtude do golpe de 1964 e da instauração da
ditadura militar, sofre alterações em seu texto por força do Ato Institucional n.
1/64
153
.
Advém a Constituição de 1967 e sua Emenda 1/69, seguindo-se, em oposição
ao regime militar instaurado, um intenso processo de redemocratização do País por
meio de seus mais variados segmentos. Esse processo culmina, em 1985, com a
eleição Tancredo Neves e com a convocação de uma Assembléia Nacional
Constituinte para elaboração de um novo Texto Constitucional.
Superado, após 20 anos, o período de ditadura militar, a Constituição de 1988
instaura, em definitivo, a feição social do Estado Democrático Brasileiro, inserindo
151
BARBOSA, Rui. A questão social e política no Brasil-em 20 de março de 1919. Revista
Pensamento e Ação. p. 367-417; p. 380. Disponível em: <http://www.casaruibarbosa.gov.br>.
Acesso em: 10 jan. 2008.
152
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007. p. 217.
153
Sob a vigência dessa Constituição, manifesta-se a influência da CEPAL (Comissíon Económica
para América Latina), que introduziu a concepção de Estado promotor de desenvolvimento e
propostas de desenvolvimento, coordenado por meio de planejamento. (Cf. BERCOVICI, Gilberto;
MASSONETO, Luís Fernando, op. cit, p. 516).
64
dentre os seus objetivos constitucionais a realização da justiça social e a
concretização dos direitos sociais, amplamente prestigiados - com destaque aos
laborais - dentre os direitos fundamentais, em capítulo específico e sob o pálio da
eternidade (art. 60, § 4º, IV da CF/88) e imediata aplicabilidade (art. 5º, § 1º, da
CF/88).
Constituem eles o “núcleo político essencial da construção do Estado
Social”
154
ordenado pelo art. 3º da CF/88 e a sua importância funcional consiste “em
realizar a igualdade na Sociedade”
155
, corrigindo as distorções sociais e econômicas.
No ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, a ordem social, fundamentada no
primado do trabalho, tem como objetivos o bem-estar e a justiça sociais (art. 193 da
CF/88).
Verifica-se que apenas nas constituições de 1934, 1946 e 1988 denota-se o
viés de legitimidade e a preocupação de vincular a ordem econômica aos ditames da
justiça social, e que a tendência à sua consolidação, visto que atualmente gozam
do status de cláusulas pétreas ou garantias de eternidade, por força da qual nenhum
direito fundamental poderá ser abolido da ordem jurídica constitucional.
2.4 CONCEITO DE DIREITOS SOCIAIS
Cumpre, nesta quadra, ressaltar a questão terminológica para se proceder à
precisão do conteúdo semântico da expressão ‘direitos sociais’, que é adotada aqui
como marco teórico da presente investigação, em sua acepção ampla e
compreensiva dos ‘direitos sociais, econômicos e culturais’. A especificação dessa
tríplice categoria é proveniente do direito internacional, em que pese possível
conglobar tais categorias jurídicas sob aquela expressão comum ‘direitos sociais’,
aliás, típica no direito nacional, sendo inclusive a utilizada pela Constituição Federal
de 1988.
154
STRECK, Lenio Luiz. A baixa constitucionalidade e a inefetividade dos direitos fundamentais-
sociais em Terrae Brasilis. Revista Brasileira de Direito Constitucional, Revista do Programa de
Pós-Graduação ‘Lato Sensu’ em Direito Constitucional, Escola Superior de Direito Constitucional,
‘A contemporaneidade dos direitos fundamentais’, São Paulo, n. 4, jul./dez. 2004, p. 272-308; p.
300.
155
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 379.
65
Todavia, afasta-se, no presente estudo, o uso da expressão ‘direitos sociais’
encontrada na doutrina, como acepção estrita
156
e sinônima de direitos fundamentais
do indivíduo como trabalhador (‘homo faber’), dos quais são apenas espécies. Não
se identificam, contudo incluem-se na expressão e na presente investigação.
Em que pese redutora a expressão ora adotada, constituem objeto do
presente estudo os direitos sociais, em seu multifário conteúdo e onicompreensivo
dos direitos econômicos, culturais e os sociais, os quais se encontram previstos na
Constituição de 1988, em específico no art. 6º, no art. e no Título VIII (Ordem
Social) ou por ela albergados, por decorrência principiológica ou por recepção de
normas previstas em tratados internacionais.
Não se furtará de fazer referências ao regime jurídico-normativo dos direitos
sociais estabelecido em tratados e convenções de âmbito internacional, quando isso
se mostrar pertinente. Assim exige o estudo do objeto de investigação, não só
porque os Estados signatários a eles se vinculam juridicamente, mas, sobretudo por
força da cláusula de recepção material ou formal (art. 5º, § 2º, parte, e § 3º,
ambos da CF/88) que integra à parte dogmática da Constituição todos os direitos
previstos em tratados internacionais nos quais faça parte o Brasil.
Na concepção de Francisco José Contreras Peláez, direitos sociais o
“aquellos derechos en que se concreta, mediante diversos tipos de prestaciones, la
colaboración de los poderes públicos en la satisfación de las necessidades básicas
del indivíduo”
157
. Traduzem “un imperativo ético de alcance universal: rescatar a
todos los hombres del hambre, la miséria y la ignorância”
158
. O jurista sustenta,
corretamente, que os direitos sociais correspondem não a um direito de igualdade
formal, mas a um direito de preferências, um direito discriminatório para a correção
da desigualdade material
159
.
Os direitos sociais “são direitos fundamentais do ‘homem-social’” e constituem
“prestações positivas estatais, enunciadas em normas constitucionais, que
156
Deste modo entende Floriano Correa Vaz da Silva para quem “[...] ‘direitos sociais’ num sentido
amplo, abrangem, sem dúvida, o direito à educação e o direito à habitação entre outros [...]
‘direitos sociais’ em sentido estrito: aqueles que dizem respeito à situação dos trabalhadores”.
(SILVA, Floriano Correa Vaz da. Direito constitucional do trabalho. São Paulo: LTr, 1977. p. 15-
16).
157
CONTRERAS PELÁEZ, Francisco José. Derechos sociales: teoría e ideología. Madri: Fundación
Cultural Enrique Luño Pena-Tecnos, 1994. p. 41. Para o jurista as necessidades básicas devem
ser entendidas como objetivas, universais e ideologicamente neutras.
158
Idem, Ibidem, p. 25.
159
Idem, Ibidem, p. 26. Entendimento também esposado no julgado do STF, RE Acórdão RE-407688,
conforme Informativo 146 do STF. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 29 jul. 2007.
66
possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a
realizar a igualização de situações desiguais”
160
.
Constituem, em verdade, ‘direitos de igualdade proporcional’, pois nem
sempre a justiça requer a igualdade aritmética de Pitágoras, mas a proporção
geométrica proposta por Aristóteles
161
, sobretudo em sede de Justiça Social em que
o ‘justo’ deve ser ao mesmo tempo intermediário, igual e relativo.
Configuram, em suma, ‘direitos de crédito’ do indivíduo em relação à
coletividade
162
. Na qualidade de direitos prestacionais, conferem ao seu titular o
poder de exigir do Estado, ou de quem este imputar a responsabilidade, uma
conduta prestacional positiva, no âmbito material, para disponibilização de bens e
serviços essenciais com vistas ao atendimento de suas necessidades, quando não
as consiga prover por si mesmo.
Entende-se que, na ordem jurídico-constitucional, é amplo o conceito dos
direitos sociais e nele se devem incluir tanto posições jurídicas tipicamente
prestacionais, quanto uma gama diversa de direitos de defesa
163
. Convém, todavia,
destacar especificamente os direitos sociais daqueles que se configuram como
direitos de defesa, em que pese vocacionados a viabilizar a fruição daqueles
164
.
Concebendo-os como direitos a prestações em sentido estrito, Robert Alexy
entende os direitos sociais fundamentais como direitos do indivíduo frente ao Estado
160
Cf. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 151; Cf. SILVA, Jo
Afonso da. Poder constituinte e poder popular: estudos sobre a Constituição. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 199. Segundo a visão liberal do sociólogo lusitano João Carlos Espada, os
direitos sociais ou “direitos de cidadania social” – como assim os denomina - “não devem ter como
propósito, o estabelecimento de igualdade do valor da liberdade, mas tão garantir o acesso
universal ao valor liberdade”, pois delineiam um chão comum” abaixo do qual ninguém decairá,
assegurando apenas o acesso para evitar a exclusão do mercado. (ESPADA, João Carlos.
Direitos sociais de cidadania. Cadernos Liberais. n. 10. São Paulo: Massao Ohno, 1999. p. 85-86).
161
Cf. SAES, Wandimara P. S. A concepção da justiça em Aristóteles. Revista Nobel Iuris, Revista do
Curso de Direito da Faculdade Nobel, v.1, n. 1, sem. 2003. p. 201-225. p. 211. Aristóteles
explica que, na justiça distributiva, pode se receber um quinhão igual ou desigual de outro. A
proporção geométrica se dá desta forma: "Assim como o termo A está para B, o termo C espara
D; ou alternando, assim como A está para C, B está para D. Logo, também o todo guarda a
mesma relação para com o todo; e esse acoplamento é efetuado pela distribuição e, sendo
combinados os termos da forma que indicamos, efetuado justamente. Donde se segue que a
conjugação do termo A com C e de B com D é o que é justo na distribuição”. (Idem, Ibidem, p.
221, nota 80).
162
Cf. LAFER, Celso, op. cit, p. 127.
163
Nesse sentido: SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit, p. 203-204. Como expressões dos direitos de
defesa, menciona o jurista inúmeros direitos dos trabalhadores, por constituírem concretização do
direito de liberdade e do princípio da igualdade, a exemplo da limitação da jornada de trabalho (art.
7º, XIII e XIV da CF/88), da liberdade de associação sindical (art. 8º. da CF/88) e da igualdade de
direitos entre o trabalhador com vínculo e o trabalhador avulso (art. 7º, XXXIV da CF/88).
164
Vide item 2.8.
67
a algo que – se o cidadão possuísse meios financeiros suficientes e se houvesse no
mercado oferta suficiente – poderia obtê-lo também de particulares
165
.
Em sua formulação conceitual, em sentido jurídico-objetivo, os direitos sociais
constituem o conjunto de preceitos constitucionais fundamentais que regulam a
atividade estatal de implementação da justiça distributiva. Em sentido jurídico-
subjetivo, os direitos sociais são direitos fundamentais subjetivos a prestações
privadas ou estatais, que viabilizam a provisão das necessidades materiais e
espirituais indispensáveis à emancipação humana social e à concretização do Bem
Comum.
2.5 RELAÇÃO ENTRE OS DIREITOS SOCIAIS E OS DIREITOS CIVIS E
POLÍTICOS
Tem sido defendida e justificada a distinção entre direitos sociais e os direitos
políticos civis em virtude da concepção de que estes ensejam obrigações estatais
negativas e aqueles obrigações estatais positivas.
Não obstante haja distinção diversidade na natureza da prestação devida, não
se pode concluir que haja diferença estrutural entre os mesmos
166
. Na estrutura de
todos os direitos fundamentais, identifica-se um complexo de multifárias obrigações
a cargo do Estado, tanto positivas como negativas
167
que visam propiciar condições
ao pleno desenvolvimento do homem, como indivíduo e como ser social. Ademais,
inexiste distinção quanto a sua finalidade, titularidade, tutela e fundamentação
168
.
Quanto a esta, pode-se afirmar que todos os direitos fundamentais encontram,
igualmente, na natureza humana seu fundamento antropológico
169
.
165
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 482.
166
Defende, dentre outros, a distinção estrutural entre direitos sociais e direitos civis e políticos,
Konrad Hesse, por neles se encontrar contido um programa de atuação estatal. Afirma o jurista
que os direitos sociais “mal se diferenciam, por isso, de ‘determinações de objetivos
estatais”(HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha.
Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1998. p. 170). Para outros juristas,
como, Victor Abramovich e Christian Courtis, não referida distinção (ABRAMOVICH, Victor;
COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibles. Colección estructuras y
processos. Serie Derecho. Madrid: Trotta, 2002. p. 117).
167
Nesse sentido, o posicionamento de Victor Abramovich e Christian Courtis (Idem, Ibidem, p. 25).
168
Cf. PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Los derechos fundamentales. 7. ed. Madrid: Tecnos, 1998. p.
206-213.
169
Idem, Ibidem, p. 207.
68
A identidade finalística entre os direitos sociais, civis e políticos é um
fenômeno que é por muitos juristas referido como complementaridade,
indissociabilidade, integralidade
170
ou ainda continuum estrutural
171
dos direitos
sociais em face dos direitos civis e políticos.
Todos os direitos se correlacionam e correspondem às dimensões diversas
de um mesmo indivíduo. As liberdades referem-se aos direitos-autonomia do
‘Homem platônico’, supratemporal e supraespacial, ao passo que os direitos sociais
referem-se ao homem contextualizado, de carne e osso, com atributos e
historicamente situado
172
.
A relação de complementaridade entre direitos sociais e as clássicas
liberdades é verificada tanto no plano prático como no plano ideológico, segundo
observa Pedro Vidal Neto, para quem constituem “[...] a liberdade política e a
liberdade-crédito diferentes expressões da mesma liberdade. Repousam sobre o
mesmo fundamento, que é a dignidade da pessoa humana”
173
. Por isso, o jurista,
louvando-se em Rivero, adverte que ainda que se possa distinguir é perigoso
separar as duas categorias
174
.
A ausência de contradição entre o princípio de liberdade e o princípio social,
que animam, respectivamente, as liberdades e os direitos sociais, é defendida por
Massimo Luciani
175
ao colacionar a lição de Mazzotti para quem
[...] os direitos sociais não estão, de fato, pela sua natureza, em
contraste intrínseco com os direitos de liberdade. Na medida em que
tendem a promover a igualdade jurídica, eles estão, ao revés, em
harmonia com a liberdade.
O princípio social, deste modo, foi “concebido como meio para dar conteúdo
concreto à liberdade e, portanto, ao desenvolvimento da personalidade dos
cidadãos
176
.
170
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil
(1948-1997): as primeiras cinco décadas. 2. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. p. 126.
171
ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian, op. cit, p. 117.
172
Cf. PELÁEZ, Francisco José Contreras, op. cit, p. 24.
173
VIDAL NETO, Pedro. O Estado e os direitos sociais. Dissertação (Mestrado em Direito).
Universidade de São Paulo. São Paulo. 1978. Orientação: Dalmo Abreu Dallari. p. 224-226.
174
Idem, Ibidem, p. 224.
175
LUCIANI, Massimo. Sui diritto sociali. In: La tutela dei diriti fondamentali davanti alle Corti
costituzionali. Quaderni Del Dipartimento di Diritto Pubblico-Università di Pisa. A cura di:
ROMBOLI, Roberto. Torino: G. Giappichelli Editore, 1994. p. 79-108; p. 82. (Tradução livre).
176
Idem, Ibidem, p. 82.
69
Todavia, a alegação da peculiaridade estrutural dos direitos sociais - cujo
objeto se caracteriza pela prestação material - tem servido de fundamento “ao
prejuízo ideológico de sua o justiciabilidade”, como bem observa Luigi Ferrajoli
177
.
Nesse âmbito, mostra-se da maior relevância para um aporte dogmático a questão
do grau de (in)determinação da prestação objeto do direito fundamental, pois isso
tem direta implicação na discricionariedade estatal de sua implementação, na
exigibilidade de seu cumprimento e, sobretudo, na sua justiciabilidade.
A relação entre direitos sociais e direitos políticos e civis não é, portanto, de
hierarquia ou categoria, distinção ou oposição, mas sim uma relação de identidade
deôntica, finalística e estrutural, com direta implicação do reconhecimento da
justiciabilidade de todos os direitos fundamentais.
2.6 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS SOCIAIS
Já particularizado o estudo analítico dos direitos fundamentais quanto às suas
características dentro do ordenamento jurídico-pátrio, conforme se expôs no capítulo
inicial, cumpre destacar que, na qualidade de direitos fundamentais, os direitos
sociais desfrutam de todas as características a esses imanentes. As características
gerais - descritas no capítulo inicial - adjetivam os direitos sociais na qualidade de
direitos fundamentais, ao lado das características especiais. Impende, portanto,
fazer menção desses atributos que os caracterizam de modo especial.
Como características gerais dos direitos sociais, citam-se sua historicidade,
inalienabilidade, irrenunciabilidade e imprescritibilidade. Acresçam-se a essas, as
seguintes: fundamentabilidade (supremacia axiológica), aplicabilidade imediata,
inderrogabilidade, vinculatividade, garantismo constitucional, transcendência de
proteção, bifrontalidade e justiciabilidade especial
178
.
A par das gerais, como características especiais, podem-se mencionar a
progressividade e irreversibilidade e, sobretudo, a sua natureza intrinsecamente
prestacional.
177
FERRAJOLI, Luigi. Prólogo In: ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian, op. cit, p. 11.
178
Vide Capítulo I.
70
As características da progressividade e irreversibilidade (não retrocesso) são
decorrentes dos princípios homônimos que regem os direitos sociais cuja
explanação far-se-á na análise da fundamentação da sua justiciabilidade
179
.
de se sublinhar aquele atributo que por certo tem sido o mais destacado,
tanto pela doutrina, como pela jurisprudência, a sua natureza prestacional, em cuja
vertente positiva, se requerem prestações fáticas realizadas mediante atividade
estatal. Em sua dimensão negativa, os direitos sociais, assim como todo direito
fundamental, implicam prestações negativas, sendo destas a principal a não
intervenção impeditiva do Estado na fruição do mesmo uma vez implementado.
A partir da categorização das posições jurídico-públicas, proposta por Georg
Jellinek, inserem-se os direitos sociais na classe dos direitos de status positivus ou
civitatis, que conferindo direitos positivos ao indivíduo, constitui o fundamento do
conjunto de prestações estatais no seu interesse. Segundo o jurista alemão, “o
conteúdo das pretensões resultantes do status positivo, é constituído por uma ação
positiva do Estado, tudo aquilo que pode formar objeto de um ‘dare’, de um ‘facere’,
de um ‘praestare’ do Estado representa um possível objeto de uma pretensão
individual”
180
.
Os direitos sociais o, portanto, usualmente caracterizados como direitos de
crédito ou direitos prestacionais, como “prestações positivas impostas às
autoridades públicas pela Constituição (‘imposições constitucionais’)”
181
.
Por requererem uma conduta estatal não abstencionista, mas sim
eminentemente positiva no sentido de realizar prestações para a provisão das
necessidades essenciais do indivíduo, implicam ‘protagonismo ativo-prestacional’
dos poderes públicos e reclamam um Estado intervencionista, redistributivo-
assistencial, que se responsabiliza por garantir ao indivíduo um mínimo de bem-
estar
182
.
179
Vide Capítulo V.
180
JELLINEK Giorgio, op. cit, p.134. (Tradução livre).
181
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 151. Também, irradiam
efeitos denominados de eficácia horizontal, que vinculam particulares conforme mencionado
anteriormente. Maria José Farinas Dulce, de modo singular, caracteriza os direitos sociais como
direitos não globalizantes, por estarem à margem do processo de globalização, na medida em que
constituem elementos que dada a sua natureza redistributiva, que entra em confronto com
interesses acumulacionistas e privatistas do neoliberalismo econômico, não podem se convertem
em globais (DULCE, Maria José Farinas. Globalización, ciudadanía y derechos humanos. Instituto
de Derechos Humanos Bartolomé de las Casas. Universidad Carlos III de Madrid. Madrid:
Dykinson, 2000. p. 17).
182
Cf. PELÁEZ, Francisco José Contreras, op. cit, p. 17.
71
Nesse contexto, há de se destacar a sua natureza muitas vezes
contraprestacional, no sentido de que, em inúmeras vezes, o cidadão faz jus a um
direito social, a cuja fruição antecedeu prévio recolhimento tributário. Por isso,
Ricardo Lobo Torres descreve dois tipos de deveres correlatos aos direitos sociais: o
sistema de impostos, que recaem sobre todos genericamente destinados à área de
saúde e assistência social e o sistema do tipo securitário, que recai sobre os titulares
dos direitos sociais destinados à área da previdência social
183
.
Postos em relevo os seus atributos gerais e especiais, cumpre destacar as
propostas classificatórias dos direitos sociais.
2.7 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS
Encontram-se na doutrina, com maior freqüência, propostas de classificação
dos direitos prestacionais, mas não dos direitos sociais em si, pois não obstante se
insiram naquela categoria, ainda não se encontra sistematizada a sua classificação.
Podem ser identificadas, todavia, algumas propostas classificatórias na doutrina.
Robert Alexy identifica os direitos sociais fundamentais em direitos a
prestações em sentido estrito e classifica-os em duas espécies: direitos
expressamente estatuídos e os direitos interpretativamente adscritos. Quanto às
normas, sob cuja epígrafe se inscrevem os direitos sociais fundamentais, o jurista
classifica-as de acordo com três critérios: primeiro, podem conferir direitos subjetivos
ou obrigar o Estado de modo objetivo; segundo, podem ser normas vinculantes ou
não vinculantes; terceiro, podem fundamentar direitos e deveres definitivos ou prima
facie
184
.
O Min. Cezar Peluso, em seu voto como relator no acórdão RE-407688 do
STF, põe em relevo a proposta de sistematização das prestações sociais estatais,
dentre as quais destaca a de Dieter Murswiek,
[...] a) prestações sociais em sentido estrito, tais como a assistência
social, aposentadoria, saúde, fomento da educação e do ensino, etc;
b) subvenções materiais em geral, não previstas no item anterior; c)
prestações de cunho existencial no âmbito da providência social [...]
183
TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: TORRES, Ricardo
Lobo (Org.). Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 319-320.
184
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 484.
72
como a utilização de bens públicos e instituições, além do
fornecimento de gás, luz, água, etc.; d) participação em bens
comunitários que não se enquadram no item anterior, como, por
exemplo, a participação (no sentido de quota-parte), em recursos
naturais de domínio público
185
.
Tomando por base a proposta de Ingo W. Sarlet
186
- quanto aos itens a, b, e c
- e a partir da especificação de outros critérios - podem os direitos prestacionais ser
classificados:
a) quanto à natureza da prestação, em direitos a prestações jurídicas, de
cunho normativo (legislativo, regulamentar ou jurisdicional) e direitos a
prestações materiais (dare ou facere);
b) quanto à posição jurídica conferida, em direitos a prestações em sentido
amplo (direitos de proteção e participação na organização e no procedimento)
e direitos a prestações em sentido estrito (direitos fundamentais sociais
prestacionais);
c) quanto à sua fonte normativa, em direitos originários a prestações
(concepção que deve ser adotada no contexto jurídico-constitucional
brasileiro
187
) e direitos derivados a prestações
188
. Os direitos originários à
prestação (posições jurídico-subjetivas deduzidas diretamente das normas de
direitos fundamentais) retiram sua eficácia e fundamento de exigibilidade
diretamente das normas constitucionais e os direitos derivados à prestação
185
Informativo 146 do STF, RE Acórdão RE-407688. Disponível em:< www.stf.gov.br>. Acesso em 28
mar. 2007. Conclui o ministro: “Quais das diferentes espécies de prestações efetivamente irão
constituir o objeto dos direitos sociais dependerá de seu reconhecimento e previsão em cada
ordem constitucional, bem como de sua concretização pelo legislador, mesmo onde o Constituinte
renunciar à positivação dos direitos sociais prestacionais. Importante é a constatação de que as
diversas modalidades de prestações referidas não constituem um catálogo hermético e
insuscetível de expansão.
186
Vide classificação sem alterações em SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos
fundamentais, p. 219-220. Sobre o tema, verifica-se na doutrina concepções diversas, dentre
as quais a formulada por J. J. Gomes Canotilho, para quem há, de um lado, direitos originários a
prestações, onde se configura o dever estatal da realização das prestações e o direito de exigir
tais prestações e, de outro, direitos derivados a prestações, sendo estes concebidos como direito
de igual acesso a instituições criadas pelos Poderes Públicos e também como o direito de igual
quota-parte (participação) nas prestações prestadas por essas instituições (CANOTILHO, José
Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1993. p. 541-547).
187
Vide Capítulo V.
188
Na dogmática alemã e na lusitana, pode se ver tal dicotomia/terminologia, diante do que, quando
os direitos fundam-se diretamente na Constituição são denominados “direitos originários a
prestações” e quando se encontram em relação de dependência, quanto a sua especificação, de
ações estatais ou procedimentos, denominam-se “direitos derivados a prestações”. (Cf. QUEIROZ,
Cristina M. M. Direitos fundamentais sociais: questões interpretativas e limites da justiciabilidade.
In: SILVA, Virgílio Afonso da. (Org.) Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, p.
165-216; p. 183).
73
(posições jurídico-subjetivas deduzidas da concretização legislativa das
normas constitucionais de direitos fundamentais), assim se configuram a partir
da concreção legislativa infraconstitucional;
d) quanto à determinabilidade de sua prestação, em direitos de prestação
determinada e em direitos de prestação indeterminada. Os direitos de
prestação determinada são aqueles em cuja estrutura se pode identificar
inequivocamente os elementos essenciais da prestação devida ao seu titular
devido à especificação contida no enunciado normativo que os prevê. São
exemplos de direitos sociais de prestação determinada, em sua maioria, os
direitos sociais laborais, previstos no art. da CF/88. Os direitos de
prestação indeterminada são aqueles em cuja estrutura, se pode deduzir o
bem jurídico tutelado, mas não se podem identificar os elementos essenciais
da prestação devida ao seu titular por ausência de especificação no
enunciado normativo. O direito fundamental à saúde é um exemplo de direito
social de prestação indeterminada. (art. 6º e art. 196 a 200 da CF/88);
e) quanto aos obrigados, em direitos sociais de prestação estatal, exigíveis do
Estado, como o direito à educação (art. 205 da CF/88) e em direitos sociais
de prestação privada, exigíveis do particular, por exemplo, os direitos
decorrentes da relação laboral (art. 7º da CF/88).
f) quanto à sua titularidade, em direitos sociais universais, a todos destinados,
como o direito à saúde e em direitos sociais especiais, destinados a uma
classe determinada de titulares, como os direitos sociais dos trabalhadores
(art. 7º da CF/88) ou dos idosos (art. 203, V, da CF/88).
Em função e por coerência com a própria classificação que realiza dos
direitos fundamentais, Luigi Ferrajoli
189
caracteriza os direitos fundamentais sociais
como direitos públicos, primários e positivos: direitos públicos, pois pertencem aos
cidadãos; primários ou substanciais, pois pertencem aos seus titulares
independentemente de sua capacidade de agir; direitos positivos, pois possuem
expectativa de prestação por parte de outros.
Em face da exposição, classificam-se como direitos blicos, fundamentais,
originários, de prestação material estatal ou privada, determinada ou indeterminada,
189
FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales: debate com Luca Bacelli.
Colección estructuras y processos. Madrid: Editorial Trotta, 2001. p. 293-295.
74
todos os direitos sociais, expressa ou implicitamente, positivados no ordenamento
jurídico brasileiro.
Nos direitos sociais originários, de prestação estatal indeterminada, é que
reside o maior dilema dos direitos sociais. A indeterminação da prestação, conforme
se verificará, tem constituído um dos maiores óbices que têm sido opostos à sua
configuração como direitos subjetivos e, por conseguinte, à sua justiciabilidade.
2.8 ENUMERAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS NA ORDEM INTERNA E
INTERNACIONAL
Considere-se, de início, que o catálogo dos direitos fundamentais é perene,
não obstante, definitivamente aberto. Em face desse peculiar atributo, não se
pode sustentar que os direitos fundamentais sociais, assim como todos os demais,
são apenas aqueles que estão positivados na Constituição de 1988, pois se deve a
eles acrescer os direitos, que por sua mercê, assim se consideram, inclusive os
previstos em tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil.
Com base na Constituição Federal de 1988 e segundo a sua forma de
manifestação no mundo jurídico, os direitos sociais podem ser:
a)- os expressos, positivados na Constituição (Título I, Cap. II - Dos Direitos
Sociais e Título VIII- Ordem Social);
b)- os implícitos (interpretados), decorrentes do regime e princípios adotados
pela Constituição (art. 5º, § 2º, primeira parte, da CF/88)
190
;
c)- os materialmente recepcionados, quando previstos em tratados
internacionais nos quais seja parte o Brasil (art. 5º, § 2º, segunda parte, da
CF/88) ;
d)- os formalmente recepcionados, quando previstos em tratados
internacionais nos quais seja parte o Brasil e internalizados pelo procedimento
legislativo qualificado (art. 5º, § 3º, da CF/88).
e)- aqueles que visem à melhoria da condição social do trabalhador (art. 7º,
caput, segunda parte, da CF/88)
191
.
190
Art. 5º, § 2º da CF/88: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte”.
75
Desse modo, os direitos fundamentais pode ser presentes ou futuros,
expressos ou implícitos e podem estar dentro ou fora da Constituição.
Os direitos sociais positivados de forma expressa na Constituição de 1988
estão previstos no Título I Dos Direitos e garantias fundamentais, no Capítulo II
intitulado “Dos Direitos Sociais” e também dispersos no Título VIII, intitulado a
“Ordem Social”.
Conjugados tais tulos, alinham-se os seguintes direitos fundamentais
sociais: a) direito à educação; b) direito à saúde; c) direito ao trabalho; d) direitos
decorrentes da relação de emprego, urbana ou rural; e) direito à moradia; f) direito
ao lazer; g) direito à segurança; h) direito à previdência social; i) direito à proteção à
maternidade e à infância; j) direito à assistência social; k) direito ao desporto e l)
direito à cultura.
O direito à educação está reconhecido no art. 6º e arts. 205 a 214 da
Constituição Federal. Dispõe o art. 205 da CF/88: “A educação, direito de todos e
dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Complementando-o, reza
o art. 208 da CF/88 que o acesso ao ensino fundamental, obrigatório e gratuito, é
direito público subjetivo. Como legislação ordinária, podem se destacar a Lei n.
9.394/96 (LDB) que institui as diretrizes e bases da educação nacional e a Lei n.
9.766/98 que regulamenta o salário educação.
O direito à saúde está previsto no art. e arts. 196 a 200 da Constituição
Federal, bem como sua Emenda Constitucional 29, de 13/09/2000. Estabelece o art.
196 da CF/88 que a “saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação”. Em sede de legislação infraconstitucional, citem-se a Lei n.
9.961/2000 (ANS) e a Lei n. 8.080/90 que dispõe sobre a proteção e recuperação da
saúde.
O direito ao trabalho vem previsto no art. 6º, que se refere à inserção no
mercado de trabalho (e engloba políticas públicas nesse sentido) e os direitos
191
Parece constituir um tertium genus na tipologia dos direitos fundamentais ‘direitos fundamentais
infraconstitucionais’ - o que provocaria a própria revisão conceitual do gênero dos direitos
fundamentais.
76
laborais decorrentes da relação laboral instaurada estão previstos no art. da
CF/88, em seus diversos incisos. Além de direito constitucionalmente consagrado, o
trabalho tamm aparece estampado no artigo inaugural da CF/88, cujo valor social
se põe como fundamento da República Federativa do Brasil.
Os direitos inscritos no art. da CF/88 inserem-se tanto no âmbito individual
como na esfera coletiva e constituem um extenso catálogo que, de forma inédita,
aparecem expressamente qualificados sob a epígrafe ‘direitos sociais’ em texto
constitucional no Brasil. Dirigem-se a uma categoria específica indivíduo: o
trabalhador, urbano ou rural. Muitos dos direitos previstos são estendidos ao
trabalhador doméstico. Esses direitos estão previstos detalhadamente no art. 7º, em
seus 34 incisos, dos quais se podem deduzir alguns dos princípios que regem o
Direito do Trabalho, tais como, princípio da proteção e da irredutibilidade salarial. Os
direitos sociais laborais visam, sobretudo, à humanização e proteção do trabalhador
na relação de emprego, inclusive a equiparação do trabalhador eventual.
Da legislação ordinária relativa de proteção ao trabalho e dos direitos laborais,
citam-se a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a Lei n. 8.716/93 (garantia do
salário mínimo), Lei n. 7.998/90 (seguro-desemprego). Dentre os direitos sociais,
são os únicos que possuem, para a sua proteção, Judiciário e Ministério Público
especializados dentro da organização da justiça brasileira.
Poderiam igualmente ser citados o direito à greve, o direito de filiar-se a um
sindicato e o direito de participar em órgãos colegiados que deliberem sobre seus
interesses, previstos no art. 8º, 9º e 10 da CF/88. Todavia, tais direitos, não obstante
inseridos no rol dos direitos sociais, afiguram-se como liberdades ou direitos de
defesa, mas se mostram relevantes para a afirmação prática daqueles. Do mesmo
modo, aquele constante do art. 7º, XXIX, relativo à prescrição, o se nos afigura
como direito social em sua acepção jurídica.
O direito à moradia
192
, muito consagrado no Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC)
193
, somente foi inserido na ordem
192
A moradia, como fato jurídico, gera efeitos jurídicos no âmbito material e processual. Aliada a
outros requisitos constitucionais, dentre os quais a posse pacífica e contínua, a moradia confere
ao seu possuidor a aquisição do domínio de imóvel urbano ou rural (arts. 183 e 191 da CF/88). A
moradia também faz incidir a vedação de penhorabilidade (Lei n. 8.009/90) sobre bem de família
do devedor, ressalvadas as exceções legais, quando nele é exercida. No âmbito processual a
moradia compõe elemento do domicílio que, em diversas hipóteses, constitui critério de
competência territorial.
193
Adotado pela Resolução n. 2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 16.12.1966
e ratificado pelo Brasil em 24.01.1992.
77
constitucional por meio da EC 26/2000 adequando-se ao catálogo internacional dos
direitos sociais. Antes de sua positivação constitucional, havia apenas a imposição
às entidades estatais, de formulação de políticas em torno da moradia nos termos do
art. 23, IX: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios: [...] IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria
das condições habitacionais e de saneamento básico”. O Estatuto da Cidade (Lei n.
10.527, de 18/06/2001) regulamenta, no âmbito municipal, sua sede natural, as
questões relacionadas à moradia.
O direito ao lazer está previsto na Constituição Federal em seu art. 6º e o
direito ao desporto, em seu art. 217 e integram, ao lado de outros direitos, a ordem
social. Nos termos do art. 217 da CF/88, o Estado tem o dever fomentar práticas
desportivas formais e não-formais, como direito de cada um e deve incentivar o
lazer, como forma de promoção social. Referido a esse direito social, destaque-se a
Lei n. 9.615/98, que estabelece normas gerais sobre desportos.
A segurança aparece como valor no preâmbulo da Constituição Federal de
1988 e configura, concomitantemente, liberdade (art. 5º, caput, CF/88) e direito
social (art. 6º, caput, CF/88). Segundo o art. 144 da CF/88, a segurança pública é
exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, por meio da atuação das polícias e corpo de bombeiros.
Dá-se o nome de seguridade social ao conjunto integrado de ações estatais e
da sociedade, que visa a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à
assistência social. Está regulamentada pela Lei n. 8.212/91 (Seguridade Social).
O direito à previdência social vem previsto no art. 6º, no art. 201 e seguintes
da Constituição Federal de 1988. Nos termos do art. 201 da CF/88:
A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de
caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que
preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos
da lei, a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e
idade avançada; II - proteção à maternidade, especialmente à
gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego
involuntário; IV - salário-família e auxílio-reclusão para os
dependentes dos segurados de baixa renda; V - pensão por morte do
segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e
dependentes, observado o disposto no § 2º.
Em nível infraconstitucional, cita-se a Lei n. 8.213/91 (Previdência Social).
78
O direito à proteção à maternidade e à infância encontra-se consagrado nos
arts. 6º, art. 201 e art. 203 da CF/88, que prevêem a proteção de ambas mediante
previdência ou assistência de quem dela necessitar. Na esfera de proteção à
infância, em nível de legislação ordinária, cita-se a Lei n. 8.069/90 (Estatuto da
Criança e do Adolescente) que tem reforçado a positivação e a especificação dos
direitos sociais dos seus titulares, sobretudo os de situação irregular, que são
especialmente protegidos pela situação de maior vulnerabilidade em que se
encontram.
O direito de assistência aos desamparados está reconhecido nos art. , art.
194 e art. 203 da Constituição Federal. A assistência social, nos termos do art. 203
da CF/88, é prestada aos necessitados, no âmbito familiar, social ou laboral,
independentemente de qualquer contribuição à seguridade social e possui múltiplos
fins protetivos que têm por objeto a família, a maternidade, a infância, a
adolescência, a invalidez e a velhice, inclusive com garantia de salário mínimo de
benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. A
assistência social está regulamentada pela Lei n. 8.742/93.
Em nível infraconstitucional, a proteção à velhice encontra-se garantida por
meio da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), aos portadores de deficiência pela
Lei n. 7.853/89 e aos portadores de transtornos mentais por meio da Lei n.
10.216/2001.
O direito à cultura está positivado nos arts. 215 e 216 da Constituição Federal.
Nos termos do art. 215 da CF/88:
O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a
valorização e a difusão das manifestações culturais. § O Estado
protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-
brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo
civilizatório nacional.
Cita-se, no âmbito legislativo ordinário, a Lei n. 3.924/61 (monumentos
arqueológicos e pré-históricos).
Além do catálogo formal, de se observar que existem inúmeros outros
direitos sociais não expressos na Constituição Federal, mas que nela estão
materialmente positivados (tratados internacionais) ou dela são decorrentes
79
(princípios ou regime) por força do art. 5º, § 2º, da CF/88. Portanto, não se pode
tomar como objeto de estudo somente o catálogo dos direitos fundamentais
previstos na ordem jurídica interna, sem nela englobar os direitos e garantias da
dimensão internacional seja em nível global, seja em nível regional, por estarem nela
contidos.
Na ordem internacional, de igual modo inúmeros documentos jurídicos, no
plano global e regional, cujos direitos sociais não divergem substancialmente dos
direitos expressamente positivados na Constituição.
que se referir, nesse ponto, à questão da internalização formal dos
tratados, pois segundo se entende aqui, independentemente da hierarquia normativa
que ostentem os direitos humanos no âmbito interno caráter de emenda
constitucional ou não - os direitos previstos nos tratados de que faça parte o Brasil
são direitos outorgados ao indivíduo e plenamente justiciáveis, seja como direitos
formalmente constitucionais (art. 5º, § 3º, da CF/88), seja como direitos
materialmente constitucionais (art. 5º, § 2º, da CF/88) e a uns e outros se aplica o
regime jurídico dos direitos fundamentais previstos na Constituição Brasileira
194
.
No plano global, cita-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948)
195
, que proclama a proteção de inúmeros direitos sociais, tais como: trabalho,
repouso, lazer, alimentação, vestuário habitação, cuidados médicos, instrução e
segurança para proteção da pessoa nas situações de desemprego, doença, viuvez e
velhice. Decreta, contundente, seu art. 22:
Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança
social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação
internacional de acordo com a organização e recursos de cada
Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à
sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
Nesse plano, cita-se ainda o Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (PIDESC), elaborado no âmbito da Organização das Nações
194
duas posturas opostas na doutrina quanto à hierarquia dos tratados de direitos humanos. Uma
que entende que, independentemente do procedimento qualificado de internalização os tratados
de direitos humanos sempre gozam de status constitucional. Outra, que entende que ostentam
status constitucional se houver observância da regra procedimental do art. 5º, § 3º, da CF/88
(Dentre esses: MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 22. ed. atual. até a EC n. 53/06. São
Paulo: Atlas, 2007. p. 680).
195
Adotada e proclamada pela Resolução 217-A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em
10.12.1948 e assinada pelo Brasil na mesma data.
80
Unidas (ONU) que prevê um rol de direitos sociais, alguns dos quais positivados
em nossa ordem jurídico-constitucional e outros automaticamente assegurados aos
cidadãos brasileiros no plano interno.
Nesse âmbito citam-se os seguintes direitos sociais: a) direito da pessoa de
ter possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou
aceito (art. 6º); b) direito a condições justas e favoráveis ao trabalho (ar. 7º); c)
direito ao lazer (art. 7º,’d’); d) direito à seguridade social (art. 9º); e) direito a um nível
de vida adequado a si próprio e à sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e
moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida
(ar. 11); f) direito de desfrutar de saúde física e mental (art. 12); g) direito à educação
(art. 13); h) direito à cultura (art. 15, ‘a’).
No plano regional, cita-se Convenção Americana de Direitos Humanos ou
Pacto de San José da Costa Rica (1969)
196
, no âmbito da Organização dos Estados
Americanos (OEA). A referida convenção não especifica os direitos sociais e, por
meio de um dispositivo (art. 26), trata da proteção dos direitos sociais. Criou, todavia,
a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, cuja função principal é a “de
promover a observância e a defesa dos direitos humanos” (art. 41) e a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, com status de órgão jurisdicional (art. 62).
Posteriormente, para complementar o sistema interamericano e a fim de
consolidar no continente americano “um regime de liberdade pessoal e de justiça
social, fundado no respeito dos direitos essenciais do homem”, elaborou-se o
Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador)
197
.
Nesse documento, estabelecem-se os seguintes direitos sociais: a) direito ao
trabalho (art. 6º); b) direito a condições justas, eqüitativas e satisfatórias de trabalho
(art. 7º); c) direito à previdência social (art. 9º); d) direito à saúde (art. 10); e) direito
ao meio ambiente sadio (art.11); f) direito à alimentação (art. 12); g) direito à
196
Convenção Americana de Direitos Humanos –‘Pacto de San José da Costa Rica’(1969): “Art. 26
Desenvolvimento progressivo - Os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências,
tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e
técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das
normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da
Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos
recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados”. Ratificada pelo Brasil
em 25 de setembro de 1992.
197
Adotado durante a XVIII Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos, em São
Salvador, em 17 de novembro de 1988 e ratificado pelo Brasil em 21.08.1996.
81
educação (art. 13); h) direito aos benefícios da cultura (art. 14); i) direito à
constituição e proteção da família (art. 15); j) direito da criança, que compreende
medidas de proteção por parte da sua família, da sociedade e do Estado (art. 16); k)
direito dos idosos (art. 17); l) direito dos deficientes que corresponde a medidas
especiais de proteção (art. 18).
Observa-se que o ‘direito a um nível de vida adequado’, previsto no art. 11 do
Pacto Internacional de Direitos Ecomicos, Sociais e Culturais (PIDESC), embora
não expressamente nominado na Constituição de 1988, corresponde, como corolário
do princípio da dignidade humana, ao direito à existência digna, conforme os
ditames da justiça social, posto como objetivo da Ordem Econômica (art. 170 da
CF/88). É caracterizado como direito “irradiante” e nuclear em sede de Justiça
Social, pois dele flui uma gama de outros direitos, por exemplo, direito à
alimentação, à moradia, ao transporte, dentre outros. Esse direito, “não tem como
objeto determinados bens, mas sim a uma relação digna que permita ao sujeito
adquirir os bens necessários a sua dignidade
198
.
Esse direito, como adverte Rolando E. Gialdino, é reconhecido pela
jurisprudência constitucional de numerosos países e
[...] se extiende a toda persona y a su família; está indisolublemente
unido a la dignidad inherente a ésta, y a la justicia social; debe ser
interpretado de manera amplia; tiene un contenido básico
inderogable en toda circunstancia y lugar [...] resulta tan inadimisible
toda discriminación, como exigible todas las acciones positivas
destinadas a las personas y grupos en situaciones críticas
199
.
No Brasil, busca-se assegurar essa relação digna mediante a garantia de um
salário nimo (art. 7º, IV, da CF/88), que constitui (ou deveria constituir) um
patamar mínimo de remuneração apto à aquisição de serviços e bens necessários à
dignidade do homem, que é assegurado não só ao trabalhador, como também à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso a título de direito social assistencial.
198
Cf. GIALDINO, Rolando E. El derecho a un nível de vida adecuado en el plano internacional e
interamericano, con especia referencia a los derechos a la vivienda y a la alimentación adecuadas.
Su significación y contenido. Los sistemas de protección. In: CORTE SUPREMA DE JUSTICIA DE
LA NACIÓN REPÚBLICA ARGENTINA. Secretaría de investigación de Derecho comparado.
Investigaciones. Buenos Aires, ano IV, 2000, p. 795-912; p. 910. (Tradução livre).
199
Idem, Ibidem. p. 902. Acrescenta o jurista: “el derecho a um nível adecuado goza de la protección
del princípio de igualdade y de no discriminación, así como, en su caso, de las garantías del
debido processo”.
82
2.9 DIREITOS SOCIAIS E AS CLÁUSULAS PÉTREAS
O catálogo de direitos e garantias fundamentais da CF/88, nele incluídos os
direitos sociais, não pode ser jamais excluído ou restringido por constituírem
cláusulas pétreas ou de eternidade (art. 60, § 4º, IV da CF/88).
Por outro lado, o catálogo é passível de ampliação, pois se encontra aberto à
positivação de outros direitos a ser realizada pelas seguintes vias: a) via
Constituição, pelo poder do legislador constituinte de emendas à Constituição; b) via
tratado, nos termos do art. 5º, § 2º, 2ª, parte e § da CF/88 e c) via atividade
interpretativa de direitos fundamentais decorrentes do regime e princípios adotados
pela Constituição, nos termos do art. 5º, § 2º, 1ª parte, da CF/88
200
.
Pela transmutação dos direitos fundamentais em cláusulas pétreas, ‘garantias
de eternidade’ ou ‘cláusulas de intangibilidade’, impede-se a sua derrogação ou
restrição. Paralelamente, de se ressaltar a existência do princípio do não
retrocesso, que impõe a sua melhoria, seja em nível de positivação, seja em nível de
implementação.
Todavia, a expressão ali empregada ‘direitos e garantias individuais’ - tem
suscitado alguma perplexidade doutrinária, que deve, por oportuno, ser devidamente
afastada por levar ao entendimento de que os direitos sociais nela não estariam
incluídos. Tal entendimento tem sido conduzido sob o argumento de que os direitos
sociais são direitos ‘coletivos’ e, portanto, não estariam abrangidos pela previsão
constitucional das cláusulas pétreas que se refere aos ‘direitos e garantias
individuais’, que se encontrariam apenas no art. 5º, da CF/88.
A equivocidade de tal interpretação é manifesta. Sob o aspecto formal, não se
deve, para tal fim, distinguir o regime jurídico dos direitos e liberdades e dos direitos
sociais, pois a Constituição brasileira não procede a tal distinção, estando incluídos
no art. 60, § 4º, IV da CF/88, os direitos sociais por serem fundamentais. Sob o
aspecto material, sustenta-se que os direitos sociais assim como os políticos
constituem valores basilares do Estado Social e Democrático de Direito e não podem
200
Diante da ausência de especificação do enunciado do art. 7º, ‘caput’, da CF/88, poder-se-á admitir
que até mesmo a legislação ordinária poderá ampliar os direitos que visem à melhoria da condição
social dos trabalhadores.
83
ser excluídos da garantia de eternidade sob pena de destruição da própria
identidade da ordem constitucional
201
.
Não menos relevante para a exegese, a análise semântica deve ser
considerada, pois não é lícito concluir sejam os direitos de liberdade sinônimo de
direitos individuais e que sejam os direitos sociais sinônimo de direitos coletivos. Não
obstante sejam os direitos sociais considerados por muitos como direitos próprios
dos grupos ou coletividades, em verdade, são individuais, pois não se protege o
grupo em si mesmo, mas os indivíduos que com ele guardam relação. Os direitos
sociais não constituem sinônimo de direitos coletivos, ao revés, são direitos de
titularidade individual. São direitos fundamentais do homem socialmente situado
202
.
Sintetiza Ana Garriga Dominguez
203
, afirmando que:
La titularidade de los derechos sociales es de la persona
individualmente considerada, no del grupo o la colectividad, si bien
es titular de los derechos en cuanto que pertenece o se incluye en
alguna de esas categorias.
Trata-se de proteger os indivíduos “en el seno de sus situaciones concretas
en la sociedade”, sentencia Antonio Enrique Perez Luño
204
.
201
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos sociais: o problema de sua proteção contra o poder de
reforma na Constituição de 1988. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo,
ano 12, n. 46, jan./mar. 2004. p. 42-73; p. 57-59 e 64; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos
direitos fundamentais. 7. ed, rev. atual. e amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 431-
432. Do mesmo modo, posiciona-se Roberto Mendes Mandelli Júnior, para quem “Os direitos
sociais constituem espécie dos direitos fundamentais, mas também, disciplinam situações
subjetivas individuais, fazendo parte do núcleo material intangível da Constituição, vale dizer, das
chamadas cláusulas pétreas, não podendo ser objeto de deliberação de proposta de emenda que
tende a aboli-los”. (MANDELLI JÚNIOR, Roberto Mendes. Os Direitos Sociais e as cláusulas
pétreas. In: SEGALA, José Roberto Martins; ARAUJO, Luiz Alberto David (Coords.). 15 anos da
Constituição Federal: Em busca da efetividade. Bauru: EDITE, 2003. p. 533-540).
202
Cf. PELÁEZ, Francisco José Contreras, op. cit, p. 29-30. O jurista cita Paul Ricoeur, que no
mesmo sentido afirma No es oportuno oponer los derechos sociales a los derechos individuales,
al menos en el plano del linguaje jurídico: los derechos económicos, sociales e culturales son
derechos individuales” (Idem, Ibidem, p. 30).
203
DOMÍNGUEZ, Ana Garriga. Son los derechos sociales derechos colectivos?. In: ANSUÁTEGUI
ROIG, Francisco Javier (Ed.). Una discussión sobre derechos colectivos. Instituto de Derechos
Humanos Bartolomé de las Casas. Universidad Carlos III de Madrid. Madrid: Dykinson, 2001. p.
195-199; p. 197. Nesse sentido: LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos, p. 132 e
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia, p. 202-203.
204
PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Los derechos fundamentales, p. 209.
84
2.10 DIREITOS SOCIAIS E O MÍNIMO EXISTENCIAL
O mínimo existencial, também denominado mínimo vital, standard mínimo ou
mínimo social
205
“destina-se a evitar a perda total da função do direito fundamental,
por forma a que este não resulte ‘esvaziado’ de conteúdo e, desse modo, desprovido
de sentido”
206
e obriga o Estado a dar condições assecuratórias mínimas de uma
existência digna à sua população.
Visa resguardar o desenvolvimento daqueles que não podem, a caminho de
sua emancipação, satisfazer sem auxílio as necessidades indispensáveis para uma
existência digna. Ao discorrer sobre os fundamentos institucionais da justiça
distributiva, Jonh Rawls
207
atenta para a necessidade do governo garantir um
“mínimo social”, seja por dotações familiares e pagamentos especiais para atender
situações excepcionais, seja por suplemento de renda.
O direito ao mínimo vital é considerado por Robert Alexy como um “direito
subjetivo definitivo vinculante”
208
e, segundo a concepção alemã, um direito
fundamental ao ‘mínimo existencial’, deduzido da interpretação sistemática junto ao
princípio do Estado Social
209
.
Quanto à realização das prestações sociais, o imperativo “até o máximo dos
recursos de que disponha” previsto no PIDESC, em seu art. 2º, tem sido
equivocadamente interpretado em prejuízo da correta exegese do ‘mínimo
existencial’ e, portanto reclama algumas precisões. Acerca dessas, Rolando E.
Gialdino
210
levanta duas relevantes observações. Em primeiro lugar, impõe-se aos
Estados, de um lado, a obrigação de garantir os direitos mínimos de subsistência
para todos, independentemente do nível ecomico do país, e de outro, priorizar a
implementação dos direitos sociais. Há, para cada Estado, a obrigação nima de
205
A Lei n. 8.742/93 refere-se a “mínimos sociais”.
206
Cf.QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais sociais: questões interpretativas e limites da
justiciabilidade. In: SILVA, Virgílio Afonso da. (Org.) Interpretação constitucional. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 165-216; p. 173.
207
RAWLS, Jonh. Uma teoria da justiça. Trad. Vamireh Chacon. Brasília: Universidade de Brasília,
1981. p. 214.
208
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 494-495.
209
Cf. KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os
des(caminhos) de um Direito Constitucional ‘comparado’. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris,
2002. p. 22.
210
GIALDINO, Rolando E. Los derechos económicos, sociales y culturales. Su respeto, protección y
realización en el plano internacional, regional y nacional’. In: CORTE SUPREMA DE JUSTICIA DE
LA NACIÓN REPÚBLICA ARGENTINA. Secretaría de investigación de Derecho comparado.
Investigaciones. Buenos Aires, ano III, n. 2, 1999, p. 365-395; p. 385-386.
85
assegurar a satisfação do conteúdo essencial de cada um dos direitos. Em segundo
lugar, se o Estado pretende atribuir o descumprimento das obrigações sob
argumento de falta de recursos, possui o ônus de demonstrar que os recursos são
insuficientes e que realizou “todo o esforço para utilizar todos os recursos”
disponíveis, de modo prioritário, a fim de satisfazer as obrigações mínimas
211
.
Não se pode descurar, todavia, do princípio da progressividade que orienta a
implementação dos direitos sociais, evitando-se, por perniciosa, a redução dos
direitos sociais tão-somente ao âmbito do ‘mínimo existencial’
212
. Este constitui
apenas o ponto de partida, mínimo essencial, em busca do verdadeiro alvo que
constitui o progresso dos direitos sociais. Com relação aos direitos sociais, em que
pese admita a conformação desses somente sob reserva de lei, Ricardo Lobo
Torres
213
observa “que o mínimo existencial não minimiza os direitos sociais, senão
que os fortalece extraordinariamente na sua dimensão essencial”.
Não obstante de contornos imprecisos e cambiantes, pois condicionados ao
próprio contexto histórico-social em que se observa, a correta compreensão do
‘mínimo existencial’ é indispensável ao reconhecimento da sua imperativa
justiciabilidade, reconhecida na doutrina
214
e pelo próprio Supremo Tribunal
Federal
215
ao admitir o controle judicial da atividade estatal quando esta afetar “o
núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas
necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do
indivíduo”.
O ‘mínimo existencial’ é uma imposição da intangibilidade da dignidade
humana e constitui - como está a indicar o seu comando semântico o patamar
mínimo aquém do qual não se pode transigir e outorgar ao legislador liberdade de
211
Cf. Observação Geral do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, n. 3, §10. Disponível
em: <http://www2.ohchr.org/english/bodies/cescr/comments.htm.>Acesso em: 27 abr. 2007.
(Tradução livre).
212
Verifica-se que o ‘mínimo existencial’ do homo faber deve (ou deveria) ser assegurado pelo salário
mínimo expressamente instituído e finalisticamente quantificado - “para atender às suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde,
lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social” (art. 7º, IV, da CF/88).
213
TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: TORRES, Ricardo
Lobo (Org.). Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 243-342; p.
268.
214
Citem-se, por exemplo, Robert Alexy (ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p.
494-495), Ingo Wolfgang Sarlet (SARLET, Ingo W. A eficácia dos direitos fundamenatais, p. 346 e
375) e Ana Paula de Barcellos (BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios
constitucionais: o princípio da dignidade humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 258).
215
Vide ADPF 45, de 29/04/2004, rel. Min. Celso de Mello, Distrito Federal. Argüinte: PSDB. Argüido:
Presidente da República.
86
conformação. Satisfeito o ‘mínimo existencial’, como obrigação estatal mínima, tudo
o mais consiste progresso em sede de implementação de direitos sociais.
De fato, somente o reconhecimento da pretensão jurídico-prestacional do
homem ao mínimo existencial e da sua imanente justiciabilidade pode garantir a
preservação ou recomposição de sua intransigível dignidade
216
.
216
Assim se manifesta Peter Häberle: A garantia da dignidade pressupõe uma pretensão jurídico-
prestacional do indivíduo ao mínimo existencial material”. (HÄBERLE, Peter. A dignidade humana
como fundamento da comunidade estatal. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Dimensões da
dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2005. p. 89-152; p. 138).
87
3 A JUSTICIABILIDADE SUBJETIVA DOS DIREITOS SOCIAIS NA ORDEM
JURÍDICO-CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: ASPECTOS ANALÍTICOS
3.1 TUTELA ESTATAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
A tutela estatal dos direitos fundamentais é uma imposição a todos os
Poderes Políticos que, mediante atividades positivas de concreção ou atividades
negativas de não interferência ou não limitação, os protegem, promovem e
garantem. A tutela estatal dos direitos fundamentais realiza-se de forma ampla e
incumbe ao Poder Executivo, ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário, que
desempenham, respectiva e concomitantemente, a tutela administrativo-
governamental, normativa e jurisdicional.
A tutela administrativo-governamental concretiza-se mediante a gestão da
coisa pública e a implementação de políticas públicas pelo Poder Executivo. A tutela
normativa
217
dá-se mediante a normatização protetiva constitucional, que é
concretizada pelo Poder Constituinte ou Poder Derivado, e a normatização
infraconstitucional, que é efetivada pelo Poder Legislativo e Poder Executivo. A
tutela jurisdicional é exercida pelo Poder Judiciário e/ou órgão estatal
especificamente incumbido quando se tratar da justiça constitucional especializada,
dentro ou fora dos quadros do Judiciário.
Restringir-se-á o presente capítulo ao estudo da tutela jurídica exercida em
nível jurisdicional, com a abordagem analítica da justiciabilidade dos direitos
fundamentais bem como das categorias referidas à justiça (ação-jurisdição-
processo) que os concretiza.
217
A tutela primeira dá-se pela própria institucionalização dos direitos fundamentais na Constituição
da República, que também promove o garantismo constitucional. Há, na Constituição da
República, garantias constitucionais jurisdicionais que dão ensejo à tutela jurisdicional, a exemplo
das ações constitucionais (ação popular, habeas data, etc.) e garantias não jurisdicionais a
exemplo do direito de petição, que é direito-garantia, previsto no art. 5º, XXXIV, ‘a’ da CF/88,
mediante o qual se assegura a todos, independentemente de pagamento de taxas, “o direito de
petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”.
88
3.2 CONCEITO DE JUSTICIABILIDADE
Cumpre apontar, de início, para a diversidade de vocábulos utilizados
doutrinariamente e que possuem o mesmo conteúdo semântico de ‘justiciabilidade’
ora adotado. A justiciabilidade, termo que na doutrina jurídica nacional constitui um
neologismo, também vem nominada de justicialidade, acionabilidade
218
judiciariedade
219
, judiciabilidade
220
ou sindicabilidade
221
.
Verifica-se, ainda, que se mostra mais adequada a utilização da terminologia
justiciabilidade ao invés de acionabilidade ou exigibilidade diante da distinção
conceitual entre tais categorias. A menos que se especifique que é jurisdicional, o
vocábulo exigibilidade refere-se à pretensão material ou à imposição da posição
jurídica conferida pelo direito perante aquele que ostente o dever jurídico de prestá-
la. A justiciabilidade, embora contenha a idéia de exigibilidade, insere-se
especificamente no contexto jurisdicional e dirige-se, portanto, contra o Estado. O
vocábulo acionabilidade, em que pese referido à ambiência jurisdicional, deve ser
reservado para outro tipo de situação conforme se verificará.
Acrescenta-se, por fim, que a utilização da expressão ‘justiciabilidade dos
direitos’- no título e corpo deste estudo - engloba a justiciabilidade das pretensões
que dele decorrem, pois se adota a concepção de que sendo exigível o direito
também o é a pretensão que dele decorre. Engloba também a justiciabilidade dos
interesses reconhecidos pela ordem jurídica
222
.
A justiciabilidade é o afiançamento estatal dos direitos como contrapartida do
monopólio da justiça pelo Estado. Foi a moeda de troca quando o homem, na
formulação do contrato social, abriu mão da possibilidade de fazer a justiça privada
218
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e
possibilidades da Constituição brasileira, p. 102.
219
MORAES, Guilherme Braga Peña de. Dos direitos fundamentais: contribuição para uma teoria.
Parte geral. São Paulo: LTr, 1997. p. 109.
220
FIGUEIREDO, Marcelo. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário no Brasil uma
visão geral. Revista de Direito do Estado. São Paulo, ano 2, n. 7, jul./set. 2007. p. 217-253; p. 227-
232. O jurista usa ora justiciabilidade, ora judiciabilidade.
221
GALDINO, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos: direitos não nascem em árvores. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 145.
222
Registra-se que o interesse, muitas vezes, poderá consistir na mera declaração de existência ou
inexistência de relação jurídica (art. 4º. do CPC) e há também a denominada ‘jurisdição voluntária’,
em que inexiste lide ou conflitos de interesses. Ademais, adota-se aqui a concepção da autonomia
da pretensão em face do direito subjetivo, pois se pode afirmar que todo direito subjetivo pode
ensejar pretensão, mas nem toda pretensão liga-se ao direito subjetivo, consistindo exemplo típico
a pretensão decorrente dos direitos fundamentais em sua dimensão objetiva.
89
para a proteção de seus direitos, outorgando ao Estado a legitimidade para fazê-lo
em seu nome mediante a concessão da actio.
Em sentido analítico, equivale à qualidade daquilo que é justiciável. Sob o
aspecto semântico corresponde ao atributo assecuratório estatal de tutela jurídica
dos direitos perante o Estado-jurisdição ou, em outras palavras, exeqüibilidade
jurisdicional do direito. Dizer que o direito é justiciável significa dizer que ele é
tutelável ou exeqüível pelo Estado-juridição e, por isso, confere ao seu titular o poder
de submetê-lo ao indeclinável crivo jurisdicional. Quando se diz que o direito é
justiciável não significa dizer que será tutelado, ou seja, que o pedido deduzido será
acolhido visto que o provimento jurisdicional que o aprecia está sempre vinculado ao
conjunto probatório formado no curso da relação jurídica processual.
A justiciabilidade é atributo do direito subjetivo que confere a exeqüibilidade
jurisdicional da pretensão material dele oriunda. O direito subjetivo corresponde a
uma posição jurídica que confere ao seu titular uma prestação negativa ou positiva a
ser realizada por quem ostente o dever jurídico de prestá-la. Quando ela se torna
exigível, surge a pretensão. Todo direito vem com o plus de garantia de tutela
jurisdicional da pretensão que dele decorre. Do direito subjetivo, portanto, decorrem
duas pretensões: uma material, que constitui o seu conteúdo; outra jurisdicional, que
se põe para a proteção do seu conteúdo. Toda pretensão de direito material
corresponde, em regra, a uma pretensão jurisdicional
223
.
A justiciabilidade
224
ime-se, portanto, com vistas à tutela da pretensão
decorrente do direito subjetivo perante o Estado-jurisdição que, em atividade
substitutiva e mediante norma de decisão proferida em relação jurídica processual,
afasta os obstáculos à fruição do direito ou realiza coercitivamente a prestação não
cumprida pelo devedor.
Ao poder de exigir a tutela de direitos, desde que vedou a justiça privada e
monopolizou, em regra, a solução dos conflitos, corresponde o dever do Estado de
prestá-la. Ao princípio da justiciabilidade dos direitos, no ordenamento jurídico-
brasileiro, corresponde o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da
CF/88).
223
Não é verdadeira, todavia, a recíproca, visto que a pretensão jurisdicional se exerce muitas vezes
para declarar a inexistência de uma relação jurídica ou da pretensão material. Em outros casos,
revela-se a inexistência (ou carência) da própria actio.
224
Em sua dimensão subjetiva.
90
Desse modo, a justiciabilidade e a justiça (jurisdição) são conceitos correlatos,
pois se esta constitui a atividade estatal que se incumbe da tutela indeclinável dos
direitos, aquela corresponde ao poder de submissão dos direitos à referida tutela.
No atual estágio de elaboração da ciência jurídica, que contempla a categoria
não somente de direitos subjetivos, mas também de legítimos interesses individuais
ou transindividuais, que ultrapassam a dimensão individual, a justiciabilidade é
também eles inerentes. Embora não constituam direitos subjetivos, encontram-se na
esfera de proteção estatal por se vincularem a normas que regem o interesse
público e apenas reflexamente operam a proteção de interesses individuais.
Cabe lembrar a lição de Rodolfo Camargo Mancuso:
225
[...] a par dos direitos subjetivos, é preciso reconhecer a existência
dos chamados interesses ‘legítimos’. Diferentemente do que se
passa com os direitos subjetivos, a proteção a esses interesses se
‘por via reflexa’: a norma não visa exatamente tutelar a situação
jurídica individual, mas pode ocorrer que o sujeito esteja de tal forma
situado no campo de irradiação dessa norma, que passa a merecer
uma certa posição diferenciada, em comparação com aos demais.
A justiciabilidade, portanto, é atributo não somente dos direitos subjetivos,
mas de todo interesse juridicamente protegido.
A compreensão da justiciabilidade dos direitos humanos no âmbito da ONU,
segundo o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, corresponde ao
conceito de que um direito justiciável é aquele que pode ser invocado perante os
tribunais
226
. O Comitê ainda declara que questões justiciáveis se referem àquelas
“que podem ou devem resolver os tribunais”
227
.
Na doutrina estrangeira, pode-se apurar a concepção da justiciabilidade como
“a possibilidade de reclamar perante um juiz ou tribunal o cumprimento das
obrigações que derivam do direito”
228
.
225
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação popular: proteção do erário, do patrimônio público, da
moralidade administrativa e do meio ambiente. Coleção controle jurisdicional dos atos do Estado.
Coord. Tereza Arruda Alvim Wambier. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
p. 21.
226
Observação Geral n. 3, § 6, do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em:
<http://www2.ohchr.org/english/bodies/cescr/comments.htm.>Acesso em: 25 jul. 2007.
227
Observação Geral n. 9, § 10, do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível
em: <http://www2.ohchr.org/english/bodies/cescr/comments.htm.>Acesso em: 25 jul. 2007.
228
QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais sociais: funções, âmbito, conteúdo, questões
interpretativas e problemas de justiciabilidade. Coimbra: Coimbra, 2006. p.148; QUEIROZ, Cristina
M. M. Direitos fundamentais sociais: questões interpretativas e limites da justiciabilidade. In:
SILVA, Virgílio Afonso da. (Org.) Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 165-
91
A justiciabilidade tem sido concebida, portanto, como possibilidade. A
possibilidade, sempre referida, não obstante contenha uma faculdade, em verdade é
expressão de um poder (pretensão jurisdicional): o poder de exigir a prometida tutela
estatal perante as cortes jurisdicionais. Expressa, mais que possibilidade de acesso
à jurisdição, a própria exeqüibilidade jurisdicional da pretensão material dele oriunda.
A justiciabilidade, sob o aspecto sintático, é adjetivo e equivale à qualidade
daquilo que é justiciável. Sob o aspecto semântico corresponde à garantia de tutela
jurídica dos direitos perante o Estado-jurisdição ou, em outras palavras,
exeqüibilidade jurisdicional do direito. Sob o aspecto pragmático tem a função de
conferir ao seu titular o poder de exigir o cumprimento da promessa estatal de tutela
jurisdicional do direito.
Conceitualmente, pode-se apreender a justiciabilidade como atributo
imanente de todo direito subjetivo ou interesse reconhecido pela ordem jurídica que
confere ao seu titular ou especial legitimado, o poder de exigibilidade da tutela
jurisdicional.
3.3 JUSTICIABILIDADE E ACIONABILIDADE
Para a compreensão da natureza da justiciabilidade dos direitos cumpre por
em relação o seu conceito com o de acionabilidade para extremar essas categorias.
Sendo a justiciabilidade o poder de exigir a prometida proteção estatal dos direitos
dos indivíduos na esfera jurisdicional, a possibilidade de exercitar esse poder pode
nominar-se de acionabilidade, visto que o seu exercício submete-se a condições.
Veicula-se o poder (pretensão) mediante a ação (actio), também concebida
como direito público subjetivo de acesso à jurisdição, que não se confunde com o
remédio jurídico processual (por vezes designado, sem rigor técnico, de ação’). A
ação é vista, assim, como o direito (ou poder) de ativar os órgãos jurisdicionais,
visando à satisfação de uma pretensão”
229
. O Estado dota, assim, o direito de
216; p. 194. No mesmo sentido: Victor Abramovich e Christian Courtis, que a definem como ou “a
possibilidade de reclamar ante um juiz ou um tribunal de justiça o cumprimento ao menos de
algumas das obrigações que se derivam de um direito” (ABRAMOVICH, Victor; COURTIS,
Christian, Los derechos sociales como derechos exigibles, p. 37). (Tradução livre).
229
Cf. GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Teoria geral do processo. 24. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 63-64.
92
justiciabilidade e mune o indivíduo da ação (actio) judicial. Justifica-se assim a ação
judicial em função da justiciabilidade dos direitos
230
.
A justiciabilidade, para Sergio García Ramírez
231
corresponde a “la posibilidad
efectiva de protección jurisdiccional, promovida al través de una acción procesal y
alcanzada por medio de uma sentencia”.
Por isso sustenta Piero Calamandrei que ação consiste na faculdade de
invocar do Estado a “prometida garantia da observância do direito”
232
.
Muitas vezes o ordenamento jurídico afasta a acionabilidade, excluindo da
apreciação jurisdicional determinados direitos, provisória ou definitivamente, seja
como penalidade
233
, seja para coação ao prévio esgotamento de outras vias de
solução da lide
234
. Nesses casos, justiciabilidade do direito, mas o exercício da
ação (actio) fica obstado ou submetido à satisfação das exigências normativas. Nos
casos das obrigações naturais, que constituem interesses não protegidos e
destituídos de justiciabilidade, ainda que exercida a ação para sua proteção, a
prestação jurisdicional haverá de ser necessariamente denegatória quanto à sua
justiciabilidade, visto que não o exeqüíveis jurisdicionalmente. Outras vezes, o
ordenamento pode afastar, não a justiciabilidade ou a ação, mas determinado
remédio processual para a sua proteção, a exemplo da vedação constitucional da
utilização do habeas corpus em relação a punições disciplinares
235
. Pode existir,
portanto, justiciabilidade sem o direito de ação e direito de ação sem justiciabilidade.
Como regra, have a justiciabilidade do direito, o correlato direito de ação e o
remédio processual que a veicule.
A justiciabilidade está para o poder (pretensão jurisdicional), enquanto a
acionabilidade está para o exercício do poder veiculado pela actio (acesso
jurisdicional). A justiciabilidade refere-se à exeqüibilidade do direito pelo Estado–
jurisdição. Remete à indagação: pode-se tutelar jurisdicionalmente determinado
230
A todo direito corresponderá uma ação que o proteja, mas nem toda ação corresponderá a um
direito efetivo, dada a autonomia da natureza desta.
231
GARCÍA RAMÍREZ, Sergio. ‘Protección jurisdicional internacional de los derechos econômicos,
sociales y culturais’. Cuestiones Constitucionales - Revista Mexicana de Derecho Constitucional -
Universidad Nacional Autónoma de México/Instituto de Investigaciones Jurídicas, México, n. 9,
jul./dic. 2003. p. 127-158; p. 131.
232
CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil. Estudos sobre o processo civil. v. 1 Trad. Luiz
Abezia e Sandra Drina Fernandez Barbery. Campinas: Bookseller, 1999.
233
Perempção temporária (art. 731 e 732 da CLT) e perempção definitiva (art. 268, parágrafo único,
do CPC).
234
A lide que deve ser submetida à justiça desportiva nos termos do art. 217, § 2°, da CF/88.
235
Art. 142, § 2º, da CF/88.
93
(alegado) direito? A acionabilidade refere-se à possibilidade de exercício da actio.
Remete à indagação: pode-se mover a actio?
Somente da conjugação da justiciabilidade dos direitos - poder de exigir a
tutela jurisdicional - com a acionabilidade - que assegura o acesso à jurisdição
(actio), pode resultar a mais plena garantia de tutela jurisdicional dos direitos.
Sobretudo na ordem jurídica brasileira, na qual correlato ao princípio da
justiciabilidade e da acionabilidade vige princípio da inafastabilidade da jurisdição.
Esses princípios também devem ser reconhecidos em sede de direitos
fundamentais, pois “Vãs seriam as liberdades públicas do indivíduo, senão
pudessem ser afirmadas e defendidas em juízo”
236
.
3.4 NATUREZA DA JUSTICIABILIDADE
Como visto, em torno dos direitos e das pretensões que deles decorrem,
gravitam as esferas da justiciabilidade e da acionabilidade. Embora se
correlacionem, não se identificam. Enquanto a ação (actio) é apanágio da pessoa, por
lhe conferir possibilidade de acesso à jurisdição, a justiciabilidade é apanágio do
próprio interesse ou direito reconhecido pela ordem jurídica.
Em sua essência, a justiciabilidade constitui uma característica imanente a
todo interesse ou direito reconhecido pela ordem jurídica. Possui a natureza de
atributo assecuratório, um ‘selo de garantia jurisdicional’ impresso em cada direito
positivado, que expressa o poder de exigir a sua tutela estatal mediante a prestação
jurisdicional.
Tal é a sua força impositiva que pode ser alçado à categoria de princípio,
dotado de normatividade, configurando o ‘princípio da justiciabilidade dos direitos’
segundo o qual todos os interesses e direitos reconhecidos pela ordem jurídica
possuem a garantia de receber do Estado a prometida tutela jurisdicional. A
existência desse princípio pode ser apurada pela positivação de seu princípio
correlato, o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF/88).
Qualquer exceção que a esse princípio se faça, validamente, deve ter sede
constitucional.
236
Piero Calamandrei Apud FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves et al. Liberdades públicas: parte
geral. São Paulo: Saraiva, 1978. p. 181.
94
3.5 CONCEITO DE JUSTICIABILIDADE ESPECIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Delineados no capítulo inaugural o conceito, dimensões, características e
relevância jurídico-axiológica dos direitos fundamentais necessário, nesta quadra, o
estudo destacado da particular característica da justiciabilidade dos direitos
fundamentais, no qual se porão em foco o seu conceito e o seu conteúdo.
Em sua dimensão subjetiva, igualmente pode-se identificar a natureza da
justiciabilidade como atributo imanente aos direitos fundamentais com a
peculiaridade que estes são direitos sempre exigíveis, que nunca vencem, nunca
prescrevem
237
, nunca ‘morrem’ enquanto contínuas atribuições estatais.
Por isso, bem acentua Perfecto Andrés Ibañez,
[...] es ya una obviedad teórica que las declaraciones de derechos,
para no constituir una pura evasión ideológica necesitan de la
mediación judicial, entendida como previsión de la posibilidad de
reclamar en juicio contra el acto de poder desconocedor de alguno
de aquéllos
238
.
A justiciabilidade caracteriza todo e qualquer direito, todavia a justiciabilidade
que adjetiva os direitos fundamentais é qualificada, portanto, especial. Se a todo
direito se confere justiciabilidade, a todo direito fundamental se concede uma
justiciabilidade especial, visto que a um direito qualificado deve corresponder uma
proteção especial. Portando, a justiciabilidade dos direitos fundamentais afigura-se
especial em face daquela concedida a um direito não fundamental e pode nominar-
se de justiciabilidade especial ou qualificada.
A justiciabilidade especial é posta em exercício mediante o uso das ações
(remédios) constitucionais, para a apreciação judicial da pretensão fundamental, na
hipótese de violação ou ameaça de violação de direitos fundamentais, seja em sua
dimensão subjetiva, seja em sua dimensão objetiva conformadora da ordem jurídico-
constitucional.
237
Excepcionam-se, nesse sentido, os direitos de prestação não estatal ou privada, como os direitos
sociais laborais, cuja exigência jurisdicional submete-se a prazo prescricional.
238
IBAÑEZ, Perfecto André. Derechos fundamentales y jurisdicción ordinária (Cap. 2). In: PEZ
PINA, Antonio (Org.). La garantia constitucional de los derechos fundamentales. Alemania,
Espana, Francia e Itália. Servicio de publicaciones de la Universidad Complutense. Madrid:
Civitas, p. 147-153; p. 147.
95
Embora não pacificado o tema em sede de direitos sociais, a cuja reflexão
adiante se dedicará, parte-se aqui da premissa teórica de que todos os direitos
fundamentais conferem poder subjetivo ao seu titular e são, portanto, dotados do
mesmo grau justiciabilidade especial. Se não diferem quanto ao grau, podem diferir
no que tange ao modo de concretização jurisdicional, cujos exemplos contundentes
são os direitos fundamentais sociais.
Cinco fatores fundamentam a justiciabilidade especial dos direitos
fundamentais.
Primeiro, pela constitucionalização do próprio direito e de suas garantias
jurisdicionais. Todos os direitos fundamentais e as suas garantias fundamentais
jurisdicionais encontram-se positivados, expressa ou implicitamente, na própria
Constituição. Os direitos fundamentais estão no ápice da hierarquia normativo-
axiológica, não somente por serem constitucionais, mas por serem fundamentais ao
homem. Por isso, os direitos fundamentais ensejam uma justiciabilidade
constitucional, pois a sua sede e a de suas garantias, encontram-se na própria
Constituição. Para a proteção de todo e qualquer direito prevê-se a justiciabilidade e
a garantia genérica de ão. Para todo direito fundamental, além da garantia
(genérica) da ação, outorgam-se garantias fundamentais específicas.
Segundo, pela plice pretensão que ostentam. De um lado, subjetiva, que
confere posição subjetiva ao titular do direito fundamental; de outro, objetiva, que
corresponde à conformação jurídico-axiológica do próprio Estado. Os direitos
fundamentais, portanto, ostentam justiciabilidade subjetiva e objetiva, para a
proteção de ambas as ordens de pretensão. Para tanto, mecanismos outorgados
ao cidadão para a defesa dos seus direitos fundamentais e mecanismos
outorgados a especiais legitimados para a defesa da ordem jurídico-objetiva
conformada pelos direitos fundamentais.
Terceiro, pela transcendência de sua proteção. A proteção dos direitos
fundamentais, positivados no ordenamento interno ou recepcionados do
ordenamento internacional, recebem proteção da ordem interna, mas que pode
transcendê-la para receber proteção jurídica internacional, de acordo com a
normatização para tanto prevista.
Quarto, porque somente essa categoria de direitos ensejam garantia de
fruição mediante a injunção do Judiciário, quando a ausência de regulamentação
lhes obsta o exercício.
96
Quinto, porque ensejam o direito fundamental de acesso à justiça
constitucional. A norma expressa pelo art. 5º. da CF/88, que positiva o direito-
garantia de acesso ao Judiciário, deve ser lida como direito-garantia de acesso à
justiça constitucional em sede de direitos fundamentais, que se encontram em
posição de precedência em relação aos direitos ´não fundamentais`.
No que tange a esse último fundamento, ainda cumpre estender uma
explanação. A positivação dos direitos fundamentais ou a recepção de direitos
humanos, na ordem jurídica interna, traz ínsita a sua justiciabilidade especial,
traduzida no poder de exigibilidade de sua observância e concretização pela justiça
constitucional do Estado que os consagra, a par de sua proteção perante a
jurisdição internacional.
Postas como verdadeiras as premissas: (i) todo direito é dotado de
justiciabilidade; (ii) nenhuma lesão pode ser subtraída da apreciação jurisdicional
(art. 5º, XXXV da CF/88); (iii) a todo direito corresponde abstratamente uma ação
que o assegure, pode se concluir que se um direito goza de supremacia axiológica
na ordem jurídica, a ele deve corresponder uma proteção especial, a ser
instrumentalizada mediante remédios específicos perante uma justiça especial.
Qualifica-se, portanto, de especial a justiciabilidade dos direitos fundamentais
na medida em que são direitos qualificados (constitucionalizados), com garantias
qualificadas (constitucionalizadas), que devem se concretizar perante a justiça
constitucional. Por esse fundamento, a justiciabilidade especial dos direitos
fundamentais traduz-se no poder de exigibilidade da tutela da justiça constitucional
do Estado que os consagra. Nesse aspecto, em sede de direitos fundamentais, a
justiciabilidade especial e justiça constitucional são faces da mesma moeda.
Para a proteção de direitos de tal magnitude e diante da imperatividade do
comando constitucional de imediata aplicabilidade que os preside, se estabelecem
remédios ou medidas processuais específicas, correlatamente fundamentais
estabelecendo procedimentos especiais, que priorizam a sua concretização.
Nesse plano, observa Manoel Gonçalves Ferreira Filho a esfera especial de
jurisdição:
O sistema jurisdicional de proteção das liberdades públicas
compreende: a) direito à tutela jurisdicional (direito de ação e de
defesa). O direito de ação por si só uma liberdade pública (em
sentido lato, porque positiva) é ao mesmo tempo instrumento de
97
proteção de outras liberdades públicas: direito de ação e direito ao
processo: devido processo legal. b) jurisdição constitucional, com:
b1. o controle jurisdicional da constitucionalidade das leis e dos atos
do poder público e, b2. os remédios de direito constitucional (‘habeas
corpus’ e mandado de segurança, como instrumentos organizados
de proteção das liberdades públicas)
239
. (grifou-se).
Em função das peculiaridades estruturais e funcionais desses direitos, Mauro
Cappelletti aponta para a exigência de uma garantia diferenciada, nominando-a
‘jurisdição constitucional das liberdades’, “[...] un modo, diríamos, ‘diferenciado’,
‘reforçado’, diferente por su estructura, y fundamentalmente por sus efectos, del que
se persigue en los juicios ordinários”
240
.
Em suma, a justiciabilidade especial representa o liame entre o plano da
positivação do direito fundamental e o plano de sua concreção jurisdicional, pois
viabiliza que um direito fundamental ultrapasse o plano da positivação e se realize
no plano fático em face ou através do Estado - mediante a intervenção
jurisdicional, no caso, perante a justiça constitucional.
Pode-se conceituar a justiciabilidade especial como atributo intrínseco dos
direitos fundamentais, em seu duplo matiz objetivo-subjetivo, que confere ao seu
titular ou especial legitimado, o poder de exigibilidade da sua tutela jurisdicional
constitucional. Tratando-se de direitos fundamentais em seu aspecto subjetivo,
podem ser exigidos não somente perante a jurisdição interna, mas também perante
a internacional.
Da conjugação da justiciabilidade especial dos direitos fundamentais, que
constitui a garantia de sua proteção, com a acionabilidade da jurisdição
constitucional, que com ela se correlaciona, resulta a mais plena garantia de tutela
jurisdicional dos direitos fundamentais.
239
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves et all. Liberdades públicas: parte geral, p. 321-322.
240
CAPELLETTI, Mauro. La jurisdicción constitucional de la libertad com referencia a los
ordenamientos alemán, suiz y austríaco e FIX-ZAMUDIO, Hector. Estúdio sobre la jurisdicción
constitucional mexicana. México: Instituto de derecho comparado-Universidad Nacional Autônoma
de México. Imprenta Universitária: 1961. p. 5.
98
3.6 CLASSIFICAÇÃO DA JUSTICIABILIDADE ESPECIAL DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS
Posta em relevo a justiciabilidade especial como nota característica dos
direitos fundamentais, cumpre verificar a sua variação tipológica.
A justiciabilidade dos direitos fundamentais, em seu aspecto estático e
dinâmico, comporta diversas categorizações semânticas segundo a função
pragmática que exerce no discurso jurídico.
Na dimensão estática: (a) Em face do bem jurídico tutelado, (a1)
justiciabilidade subjetiva e (a2) justiciabilidade objetiva; (b) Em face da fonte
normativa, (b1) justiciabilidade originária e (b2) justiciabilidade derivada; (c) Em
face do fundamento jurídico da tutela, (c1) justiciabilidade direta e (c2)
justiciabilidade indireta.
Na dimensão dinâmica ou de seu exercício: (d) Em face do sistema de
proteção jurisdicional perante o qual pode ser exercida, há (d1) justiciabilidade
interna e (d2) justiciabilidade internacional; (e) Em face da legitimidade de quem a
exerce, há (e1) justiciabilidade pública e (d2) justiciabilidade privada.
a1) Justiciabilidade subjetiva
Conforme o seu objeto de proteção, a justiciabilidade dos direitos
fundamentais pode ser subjetiva ou objetiva.
A bifrontalidade decorrente da dupla perspectiva dos direitos fundamentais
enseja, de um lado, a justiciabilidade subjetiva dos direitos fundamentais. Esta
decorre da sua dimensão subjetiva, que põe em relevo o direito fundamental como
direito subjetivo. A justiciabilidade subjetiva corresponde ao poder conferido ao seu
titular de exigir a prometida tutela jurisdicional do direito fundamental enquanto
direito subjetivo.
A ordem jurídico-constitucional prevê mecanismos jurídicos para o exercício
da justiciabilidade subjetiva dos direitos fundamentais. São eles: a) habeas corpus b)
habeas data, c) mandado de segurança, d) mandado de injunção, e) ação popular e
f) ação civil pública.
a2) Justiciabilidade objetiva
A par de sua justiciabilidade subjetiva, a justiciabilidade objetiva é emanada
dos direitos fundamentais em sua vertente objetiva, enquanto elementos de
conformação da própria ordem jurídico-constitucional. Corresponde ao poder-dever
99
de acionar a tutela jurisdicional e, em geral, expõe a faceta blica da
justiciabilidade.
mecanismos especialmente criados para o exercício da justiciabilidade
objetiva dos preceitos constitucionais, dentre os quais os direitos fundamentais, e
que também possuem sede constitucional devido à dignidade jurídico-axiológica do
bem tutelado.
A ordem jurídico-constitucional prevê os seguintes mecanismos: a) ação
direta de inconstitucionalidade, b) ação direta de inconstitucionalidade por omissão
c) ação declaratória de constitucionalidade d) ação de inconstitucionalidade
interventiva e e) argüição de descumprimento de preceito fundamental.
b1) Justiciabilidade originária
Pondo-se em foco a dimensão subjetiva da justiciabilidade, concebe-se a
justiciabilidade como decorrência direta do comando constitucional, que define o
direito fundamental, independentemente de intermediação normativa
infraconstitucional ou densificação por ação estatal. Desse modo, justiciabilidade
no patamar constitucional. Os fundamentos da justiciabilidade originária, pela sua
relevância, serão objeto de exame em específico
241
.
b2) Justiciabilidade derivada
Segundo essa concepção, o fundamento da justiciabilidade decorre não do
comando constitucional, mas sim do comando legal que concretiza o direito
fundamental ou da institucionalização fática desse direito. Não se reconhece a
justiciabilidade imanente dos direitos fundamentais, relegando a sua justiciabilidade
àqueles direitos densificados por ação estatal, seja pelo Executivo, seja pelo
Legislativo. Desse modo, reputa-se que a justiciabilidade somente opera-se no
patamar legal
242
.Tal categorização não pode se operar no âmbito do ordenamento
jurídico-constitucional pátrio por sua manifesta incompatibilidade.
c1) Justiciabilidade direta
Opera-se a justiciabilidade do direito fundamental de modo direto, quando a
pretensão é fundada diretamente sobre o direito violado. Viabiliza-se quando, no
enunciado normativo que define o direito fundamental, previsto em nível interno ou
internacional, se possa identificar os elementos que compõem a prestação devida.
241
Vide Capítulo V.
242
Vide Capítulo V.
100
c2) Justiciabilidade indireta
Opera-se a justiciabilidade dos direitos fundamentais de modo indireto, a
partir da justiciabilidade de outros direitos fundamentais ou princípios incidentes, na
hipótese de indeterminação da prestação devida. Tal prática tem difusão no sistema
internacional de proteção dos direitos humanos e pode ter plena aplicação no
sistema interno do Estado para a proteção jurisdicional dos direitos fundamentais.
Essa estratégia de exigibilidade ocorre com freqüência nos direitos sociais,
para evitar que a indeterminação da prestação constitua um impeditivo à sua
justiciabilidade. Funda-se, não no direito social violado em si, mas, indiretamente,
sobre princípios normativos também violados pela lesão ao direito postulado, como o
princípio da igualdade, do devido processo e sobre as próprias liberdades e direitos
civis, cuja fruição condiciona-se ao atendimento dos direitos sociais. A
indeterminação da conduta estatal devida, na hipótese de direitos prestacionais, a
exemplo de alguns direitos sociais, não deve constituir impeditivo à sua
justiciabilidade
243
, que pode ser operada de modo indireto.
d1) Justiciabilidade interna
Todos os direitos fundamentais possuem justiciabilidade interna e
internacional, uma vez positivados ou reconhecidos pela ordem jurídica interna.
Os direitos fundamentais possuem espaço de proteção, na ordem jurídica
interna de cada Estado, em caráter principal, que instituem mecanismos de garantias
jurisdicionais para sua defesa.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos
244
(1948) proclama o caráter
universal dos direitos humanos e em seu art. estabelece que “Toda pessoa tem
direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos
que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição
ou pela lei”.
No plano interno, não se pode deixar de mencionar que a Constituição
Federal de 1988 conferiu especial atenção aos tratados sobre direitos humanos em
sua tríplice dimensão: na dimensão material ao positivá-los implicitamente (art. 5º, §
2º, CF/88), na dimensão formal, para regular o processo especial para a sua
243
Cf. ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian, op. cit., p.132 e 168.
244
Adotada e proclamada pela Resolução 217-A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em
10.12.1948 e assinada pelo Brasil em 10.12.1948.
101
recepção formal (art. 5º, § da CF/88) e em sua dimensão processual ao regular
competências a eles relativas (art. 109, V e § 5º, da CF/88)
245
.
A justiciabilidade interna dos direitos fundamentais põe em relevo o poder
exercido em âmbito interno de cada Estado e é assegurado pela garantias
jurisdicionais constitucionais a serem deduzidas perante a jurisdição nacional.
d2) Justiciabilidade internacional
Para atribuir força jurídico-vinculante aos dispositivos da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, em 1966, a Organização das Nações Unidas (ONU) edita
dois tratados, um denominado Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o
outro, Pacto Internacional dos Direitos Ecomicos, Sociais e Culturais. Por meio
desses tratados e mediante o sistema da ‘international accountability’, os Estados-
parte obrigam-se, no plano internacional, a implementar tais direitos no plano
interno. Paralelamente, no âmbito regional, a OEA – Organização dos Estados
Americanos aprova, em 1969, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto
de San Joda Costa Rica), que também estabelece direitos, reproduzindo muitos
dos já declarados no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.
Com o reconhecimento dos direitos humanos em tratados e convenções,
além da imposição de sua implementação no plano interno, passa-se a lhes outorgar
a sua justiciabilidade no plano internacional, junto ao sistema global de proteção e
também ao sistema regional de proteção
246
.
Deste modo, a par de sua justiciabilidade interna, os direitos fundamentais
conquistaram espaço de proteção na ordem jurídica internacional, inclusive
jurisdicional, de cráter não obstante subsidiário e complementar do sistema interno
de proteção do Estado.
Tem natureza subsidiária, pois via de regra, exige-se o prévio esgotamento
das vias do sistema interno e inexistência de litispendência internacional.
A existência da justiciabilidade internacional dos direitos fundamentais é
defendida por Antonio Augusto Cançado Trindade ao sustentar que o acesso direto
245
O art. 109, § 5º, da CF/88 estabeleceu expressamente a competência da justiça federal, em
incidente de deslocamento de competência, para processar e julgar as causas relativas a direitos
humanos, nas hipóteses de grave violação, com a finalidade de assegurar o cumprimento de
obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja
parte.
246
É formado pelos subsistemas interamericano, africano e europeu, dentre outros ainda em
incipiente elaboração.
102
do indivíduo à justiça internacional representa, no séc. XXI, o primado da ‘razão da
humanidade’ sobre a ‘razão do Estado’”
247
.
Dada a diversidade de sistemas de proteção dá-se primazia a norma que
maior concretude ao direito da vítima. Por isso, bem declara Flávia Piovesan
248
que
ao “adotar o valor da primazia da pessoa humana, esses sistemas se
complementam, interagindo com o sistema nacional de proteção, a fim de
proporcionar a maior efetividade possível na tutela e promoção de direitos
fundamentais”.
e1) Justiciabilidade pública
Sendo em essência a justiciabilidade um poder emanado do direito
fundamental, em seu aspecto subjetivo ou objetivo, atribuído ao titular ou a especiais
legitimados para a exigibilidade de sua tutela perante a Justiça Constitucional, pode-
se especificá-la segundo um critério subjetivo, que põe em relevo a legitimidade
ativa ‘ad causam’ ou o sujeito que a exerce perante o Estado-jurisdição.
Se de um lado a exigibilidade é do direito (justiciabilidade), o seu exercício
pode ser realizado pelo seu titular ou por especial legitimado. Desse modo, a
justiciabilidade pública atrela-se à legitimidade ativa, constitucionalmente outorgada,
não ao titular do bem jurídico, mas a agentes estatais ou entidades particulares
especialmente autorizadas pela Constituição
249
, em face do interesse público em sua
proteção. Ela decorre da imanente força vinculante dos direitos fundamentais sobre
todos os Poderes Políticos e é outorgada a especiais legitimados
250
, em sua maioria
agentes estatais, para a defesa dos direitos fundamentais em sua conformação
objetiva.
247
TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Prefácio. In: Manual de Direitos Humanos Internacionais:
acesso aos sistemas global e regional de proteção dos direitos humanos. São Paulo: Loyola,
2002. p. 21.
248
PIOVESAN, Flávia. Introdução ao sistema interamericano de proteção dos direitos humanos: a
convenção americana de direitos humanos. In: SÃO PAULO (Estado). Procuradoria Geral do
Estado. Grupo de trabalho de direitos humanos. Sistema interamericano de proteção de direitos
humanos: legislação e jurisprudência. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do
Estado de São Paulo, 2001. Série Estudos n. 13. p. 71-104; p. 80.
249
Na Constituição de 1988, a legitimidade ‘ad causam’ encontra-se sensivelmente ampliada com
relação à ordem jurídico-constitucional anterior, que a outorgava somente ao Procurador Geral da
República a legitimidade para propor a ADIn.
250
Na ordem jurídico-constitucional, de acordo com a ação, apresentam-se como especiais
legitimados o Presidente da República, o Procurador-Geral da República, a Mesa do Senado
Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara
Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional,
confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
103
Para os agentes estatais, a justiciabilidade impõe-se como um poder-dever,
uma vez positivada a violação da ordem jurídico-objetiva fundamental. Para os
legitimados que não são agentes estatais
251
, não remanesce o dever de acionar o
Estado-jurisdição, embora possa implicar desídia quanto ao encargo que lhe foi,
embora de modo indireto, atribuído pela Constituição Federal para pugnar pela sua
proteção.
Os especiais legitimados, conforme o seu status, poderão ou deverão acionar
a jurisdição constitucional toda vez que uma ação ou omissão do Poder Público,
assim como uma lei ou ato normativo (ou a ausência deles), implicar violação ou
ameaça de violação, aos direitos fundamentais enquanto elementos conformadores
da ordem jurídico-objetiva constitucional.
Verifica-se a justiciabilidade pública na legitimidade ativa das ações de
controle concentrado, como a ação declaratória de constitucionalidade, ação direta
de inconstitucionalidade, ão interventiva de inconstitucionalidade, ação
declaratória de inconstitucionalidade por omissão e argüição de descumprimento de
preceito fundamental. Também se verifica a justiciabilidade pública na jurisdição
difusa, nas ações propostas pelo Ministério Público na defesa dos direitos
fundamentais, por exemplo, na ação civil pública.
e1) Justiciabilidade privada
A justiciabilidade privada dos direitos fundamentais, que de fato é imanente a
todo e qualquer direito subjetivo, confere a legitimidade ativa ‘ad causam’ ao titular
do bem jurídico tutelado
252
. É a outorgada ao particular, enquanto titular do direito
fundamental subjetivo violado ou ameaçado de lesão. O legitimado ativo é o titular
do interesse ou direito fundamental violado, exigindo-se a especial qualificação de
cidadão na hipótese de ação popular.
Há de se ressaltar que ambas, pública e privada, não são excludentes e a sua
concomitância é possível em situações em que a tutela de direitos fundamentais
pode ser exigida tanto pelo titular, como por especial legitimado. Vide o exemplo do
direito fundamental do consumidor, pois uma vez nascida a pretensão, tanto o seu
titular (justiciabilidade privada) como o Ministério Público ou entidades autorizadas
(justiciabilidade pública) podem requerer a sua tutela jurisdicional perante o Estado-
251
Cita-se, por exemplo, a confederação sindical na ADIn e ADC.
252
Dessa concepção, excepciona-se o direito-garantia fundamental do habeas corpus, que pode ser
exercido por qualquer pessoa em favor do seu titular.
104
jurisdição. Exemplifique-se, ainda, com direitos sociais laborais, que também
possuem justiciabilidade pública e privada. Tanto o seu titular como o Ministério
Público do Trabalho, nas hipóteses de sua legitimação, podem provocar o Estado-
jurisdição.
3.7 A JUSTICIABILIDADE ESPECIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A
JUSTIÇA CONSTITUCIONAL
A justiciabilidade dos direitos fundamentais, como visto, tem natureza de
atributo e é especial, pois correspondente ao poder de exigibilidade da sua tutela
jurisdicional.
Ao corresponder à exigibilidade da justiça constitucional para a tutela de
direitos fundamentais, verifica-se que tal poder implica a institucionalização e
aparelhamento da justiça constitucional para o seu pleno exercício. Esta põe em
foco a articulação dos elementos do trinômio: ação-jurisdição-processo
constitucionais.
Faz-se necessária à configuração de uma justiça constitucional a composição
de uma estrutura orgânica incumbida da prestação da tutela jurisdicional dos direitos
fundamentais ou atribuição funcional de estrutura estatal que exerça tal competência
jurisdicional.
Para o acesso e provocação da jurisdição constitucional, requerem-se
instrumentos específicos, constitucionalmente postos, que possam veicular a
garantia e proteção de direitos fundamentais violados ou em vias de sê-lo. Tais
instrumentos são denominados ações-remédios constitucionais, cuja
operacionalização não prescinde de procedimentos especiais que, em geral, são
previstos na ordem infraconstitucional. A regulamentação processual deve estar
orientada por duas diretivas: de ordem formal, que implica a estrita observância ao
comando constitucional e de ordem material, que prestigia a natureza do direito
tutelado.
Quanto à legitimidade de provocação da justiça constitucional, no
ordenamento jurídico-constitucional pátrio, a justiciabilidade dos direitos
fundamentais, em sua dimensão pública, está delineada pela outorga da legitimação
ativa de ações constitucionais (art. 102, 103 e 129, III da CF/88) a agentes políticos,
105
estatais ou representativos da sociedade civil. A justiciabilidade dos direitos
fundamentais, em sua dimensão privada, está delineada pela outorga ao seu titular
da legitimidade ativa para deduzir perante a justiça constitucional as garantias
constitucionais a ele inerentes (art. 5º da CF/88).
3.8 CONCEITO DE JUSTIÇA CONSTITUCIONAL
A análise da justiça constitucional pode compreender o estudo em seu
aspecto orgânico ou funcional. Em seu aspecto orgânico, o estudo recai sobre a
justiça instituição, como estrutura formada por órgãos e membros. Em seu aspecto
funcional, o estudo recai sobre a atividade típica desempenhada segundo as
competências que foram constitucionalmente outorgadas e delimitadas. Restringe-se
a análise conceitual ao segundo aspecto.
A justiça constitucional tem sido tomada na doutrina como sinônimo de
jurisdição constitucional. Não obstante, a justiça constitucional possui configuração
mais ampla do que a jurisdição, pois esta se encontra compreendida naquela como
o exercício de suas funções-competências.
Hans Kelsen
253
, Norbert Lösing
254
e Alexandre de Moraes
255
utilizam as duas
expressões sem fazer distinção semântica. O jurista Domingo García Belaunde
256
observa a utilização distintiva das expressões pela doutrina, porém, ele próprio não
as distingue.
Embora não se posicione expressamente sobre a questão lexical, nota-se que
o jurista Louis Favoreau utiliza a expressão ‘justiça constitucional’ para se referir à
instituição que é inserida no sistema constitucional, enquanto utiliza a expressão
‘jurisdição constitucional’ para fazer referência ao tribunal constitucional ou outro que
desempenhe idêntica função ou competência, ou seja, para “conhecer especial e
253
KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. Trad. Maria Ermanita Galvão. o Paulo: Martins
Fontes, 2003. p. 182. No título original da obra que foi publicada pela primeira vez em francês - “La
garantie jurisdictionelle de la Constitution: la justice constitutionelle”.
254
LÖSING, Norbert. La jurisdiccionalidad constitucional em latinoamerica. Trad. Marcela Anzola Gil.
Madrid: Dykinson S.L, 2002. p. 36.
255
MORAES, Alexandre. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais: garantia suprema da
Constituição. São Paulo: Atlas, 2000. p. 24-25, 66-67.
256
GARCÍA BELAUNDE, Domingo. Derecho processal constitucional. Bogotá: Editorial Temis, 2001.
p. 194. O jurista cita Hector Fix-Zamudio que aponta diferenças técnicas e axiológicas entre
ambas. (Idem, Ibidem, p. 183).
106
exclusivamente o contencioso constitucional, situado fora do aparelho constitucional
ordinário e independente deste e dos poderes públicos”
257
.
José Alfredo de Oliveira Baracho utiliza ambas as expressões, mas adverte
que o conceito ‘justiça constitucional’ é mais amplo que ‘jurisdição constitucional’
258
.
André Ramos Tavares tem a mesma percepção, todavia distingue-as para reservar a
expressão justiça constitucional para a justiça desenvolvida no âmbito do tribunal
constitucional e a expressão jurisdição constitucional como referência ao
desenvolvimento processual consoante rito judicial com vistas à atuação
constitucional
259
.
A questão da especificação conceitual entre justiça constitucional e jurisdição
constitucional ainda desafia consenso. É possível, todavia, delinear a distinção entre
ambas para se distinguir o que não se deve confundir, sobretudo no Brasil onde se
afirma que toda jurisdição é constitucional
260
. Uma situação é aplicar a Constituição
como atividade meio para exercer a jurisdição; outra é aplicar a própria Constituição
como atividade fim da jurisdição.
A justiça constitucional põe em foco a instituição, o sistema adotado em
determinado Estado e por isso fala-se em modelos de justiça constitucional, situada
organicamente dentro ou fora do Poder Judiciário. A jurisdição constitucional põe em
foco a atividade exercida pela justiça constitucional, cuja natureza é jurisdicional.
Se escalonamento hierárquico-normativo e se a Constituição encontra-se
no seu ápice, deve haver uma justiça que assegure a sua supremacia no
ordenamento jurídico estatal.
Não pode haver Estado Democrático de Direito sem uma justiça
constitucional, pois esta é a premissa da democracia”
261
. Não obstante, a justiça
257
FAVOREU, Louis. As cortes constitucionais. Trad. Dunia Marino Silva. São Paulo: Landy, 2004. p.
15.
258
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. As especificidades e os desafios democráticos do processo
constitucional. In: SAMPAIO, José Adércio Leite; CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza (Coords.).
Hermenêutica e jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 93-158; p. 135-136.
259
Cf. TAVARES, André Ramos. Teoria da justiça constitucional. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 146-
151.
260
Nesse sentido, Lenio Luiz Streck ao entender que “qualquer ato judicial é ato de jurisdição
constitucional. O juiz sempre faz jurisdição constitucional”.
(STRECK Lenio Luiz. Jurisdição
constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. p. 456).
261
BONAVIDES, Paulo. Jurisdição constitucional e legitimidade: algumas observações sobre o Brasil.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000200
007&lng=pt&nrm=iso>.Acesso em: 22 maio 2007.
107
constitucional “torna-se o locus do tensionamento provocado pelo entrechoque do
texto constitucional prospectivo e uma realidade social deficitária”
262
.
Em suma, segundo concepção dogmática adotada, a justiça constitucional,
em seu sentido institucional, corresponde ao poder-dever estatal de garantir a
Constituição e assegurar o Estado Democrático de Direito mediante jurisdição
constitucional.
3.9 CONFIGURAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL
De início, citam-se como exemplares de justiça constitucional o modelo norte-
americano e o austríaco (kelseniano). A partir destes, desenvolveram-se diversos
modelos de justiça constitucional em outros sistemas jurisdicionais dos Estados
(constitucionais) sob a influência desses modelos.
Com relação ao modelo norte-americano (difuso) de controle de
constitucionalidade de leis - denominado judicial review - de se ressaltar que,
embora se tenha transformado em leading case o caso Marbury, decidido em
célebre sentença proferida pelo juiz Marshall (1803), não se pode deixar de
mencionar outro caso, referido na doutrina como precedente que fixou os elementos
do controle de constitucionalidade. A origem da justiça constitucional, no perfil atual,
remonta ao princípio do séc. XVII, da atuação do célebre juiz Edward Coke, no caso
Thomas Bonham (1610), ao proclamar que o direito natural estava acima das
prerrogativas do rei, assentando assim as bases do futuro controle judicial de
constitucionalidade das leis
263
.
Na Europa, somente a partir de 1920 é que se pode ressaltar o
desenvolvimento de um modelo de justiça constitucional, com o sistema de controle
de constitucionalidade concentrado proposto por Hans Kelsen.
Na justiça constitucional da América Latina, quanto ao sistema de controle de
constitucionalidade, verifica-se grande diversidade, com a adoção dos clássicos
modelos (norte-americano ou austríaco) ou pela conjugação de ambos. Conforme o
critério modal de controle de constitucionalidade e com o tipo de órgão que o exerce,
adotam-se na América Latina seis modelos de sistema, segundo foi exposto no
262
STRECK, Lenio Luiz, op. cit, p. 848.
263
Cf. GARCÍA BELAUNDE, Domingo, op. cit, p. 171.
108
Brasil (2002) no Encontro de tribunais constitucionais e salas constitucionais de
tribunais supremos da América do Sul
264
.
A justiça constitucional não se resume, todavia, ao controle de
constitucionalidade. Em qualquer modelo, a função da justiça constitucional possui
um núcleo comum, definido por duas espécies de competências, que traçam o perfil
da jurisdição constitucional em duas vertentes: a) jurisdição orgânica, com
competência para o controle da constitucionalidade de leis e atos normativos,
resolução de conflitos de competência interorgânicos e resolução de conflitos
constitucionais, com mecanismos para a defesa da Constituição e do cumprimento
dos seus preceitos fundamentais e b) jurisdição dogmática, com competência para
defesa dos direitos fundamentais, realizada pelos mecanismos constitucionais ou
garantias jurisdicionais dos direitos fundamentais.
Resume Javier García Roca
265
, são três “las funciones principales que
identifican la justicia constitucional: custódia de los derechos, control de la
constitucionalidad de las normas y conflictos constitucionales”.
Independentemente do sistema adotado, pode-se afirmar que de um eficiente
modelo de sistema jurisdicional depende a estabilidade política e jurídica de um
264
Cf. NOGUEIRA ALCALA, Humberto. Las competencias de dos tribunales constitucionales de
América del Sur. Ius et Praxis. [on line]. 2002, v. 8, n. 2, p. 71-92. Disponível em
www:<http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-00122002000200003&ln=iso>.
Acesso em: 20 jul. 2007. Segundo estudos de Pablo Perez Tremps podem-se identificar, sob o
critério orgânico, três modelos organizativos de justiça constitucional na América do Sul: (a)
sistema de tribunal constitucional ad hoc, como órgão especial e especializado, com monopólio ou
não da justiça constitucional, situado fora do Poder Judiciário, existente no Chile, Bolívia,
Colômbia, Equador, Peru e Guatemala; (b) sistema de órgão especializado e encarregado da
justiça constitucional, que pode ou não excluir a competência em matéria constitucional de outros
órgãos, situado dentro do Poder Judiciário; existente no Paraguai, Costa Rica, Nicarágua, São
Salvador, Venezuela e Honduras, ultimada a revisão do sistema em curso; (c) sistema de
atribuição da justiça constitucional a órgãos não especializados, onde a justiça constitucional se
confunde, funcional e institucionalmente, com a justiça ordinária, existente no Brasil, Argentina,
México, Panamá, República Dominicana, Uruguai e Honduras, cujo sistema está em via de
revisão. (PEREZ TREMPS, Pablo. La justicia constitucional en la actualidad: especial referência a
América Latina. Revista Brasileira de Direito Constitucional, Revista do Programa de Pós-
Graduação ‘Lato Sensu’ em Direito Constitucional, Escola Superior de Direito Constitucional. A
justiça constitucional, São Paulo, n. l, jan./jun. 2003, p. 29-39; p. 33-34).
265
GARCÍA ROCA, Javier. La democracia constitucional (la consolidación de la democracia y justicia
constitucionales). Revista Brasileira de Direito Constitucional, Revista do Programa de Pós-
Graduação ‘Lato Sensu’ em Direito Constitucional, Escola Superior de Direito Constitucional. Em
tempos de democracia’, São Paulo, n. 3, jan./jun. 2004, p. 660-670; p. 666. Eduardo Garcia de
Enterría concebe conflitos constitucionais como os conflitos entre os principais órgãos
constitucionais e aos conflitos referentes à organização territorial do Estado. (GARCÍA DE
ENTERRÍA, Eduardo. La constitución como norma y el tribunal constitucional. 3. ed. Madrid:
Civitas, 1983. p. 149).
109
país
266
. Para tanto, entende-se que a configuração ideal de uma justiça
constitucional comportaria a especialidade de jurisdição, especialidade de ão e
especialidade de processo.
3.9.1 Especialidade de Jurisdição, Especialidade de Ação e Especialidade de
Processo
267
A especialização da jurisdição constitucional surge da necessidade primeira
de se conservar a própria unidade de interpretação da Constituição. Evitam-se,
assim, contradições e preserva-se a supremacia normativo-axiológica da
Constituição.
Quando a jurisdição ordinária convive com a jurisdição constitucional, surgem
complexidades e impõe que se busque, na medida do possível, a unidade de
interpretação que pode ser obtida, com maior eficácia, pela técnica da revisão das
decisões da instância ordinária, com uma correta articulação entre ambas as
jurisdições
268
.
Desde Hans Kelsen, propugna-se a criação de uma instância julgadora
diferenciada, que ele denomina de jurisdição constitucional, para a garantia da
Constituição.
Mauro Cappelletti também se reporta a uma jurisdição especial para a
proteção das liberdades públicas e direitos fundamentais, a que denomina
“jurisdição constitucional das liberdades”. Ao justificar a necessidade da criação
dessa especial jurisdição constitucional, o jurista verifica que os direitos
fundamentais necessitam de uma tutela eficaz e diferenciada, adequada à natureza
peculiar de tais direitos
269
. A ausência de jurisdição de tal feição “determina, en el
mayor numero de casos, la inadecuación de la tutela y, conseguintemente, provoca
266
Nesse sentido: Revista Brasileira de Direito Constitucional, Revista do Programa de Pós-
Graduação ‘Lato Sensu’ em Direito Constitucional, Escola Superior de Direito Constitucional. A
justiça constitucional, São Paulo, n. l, jan./jun. 2003, p. 29-39; p. 37.
267
O vocábulo ‘ações’, utilizado neste capítulo, refere-se a ‘remédio processual’ e ‘processo’ no
sentido abrangente que engloba as técnicas processuais.
268
Cf. PEREZ TREMPS, Pablo, op. cit., p. 36.
269
CAPELLETTI, Mauro. La jurisdicción constitucional de la libertad com referencia a los
ordenamientos alemán, suiz y austríaco p. 3.
110
la ineficácia del derecho, o más precisamente, de la ‘situación activa’ contenida en la
Constitución”
270
.
A especialidade de proteção dos direitos fundamentais funda-se na sua
especial justiciabilidade, ao requererem para sua proteção instrumentos especiais,
de correlata dignidade.
Dada a diversidade de natureza, direitos fundamentais e não fundamentais
não podem ter a sua proteção veiculada pela mesma categoria de ações (remédios
processuais). A relevância e especialidade dos direitos fundamentais requerem para
sua proteção uma categoria especial de ações: as ações constitucionais.
Defendendo a especificidade do processo constitucional em função da
especificidade das questões jurídico-constitucionais, J. J. Gomes Canotilho
271
aduz
que ele visa à realização do direito substantivo constitucional, por meio de um iter
adequado ao controle e exame de questões dessa natureza.
O objeto do processo constitucional, para o jurista, compõe-se das
“pretensões, fundamentadas em normas constitucionais, que se deduzem perante o
tribunal constitucional, solicitando um juízo de legitimidade constitucional
relativamente a determinados actos normativos”
272
.
Dentre as questões jurídico-constitucionais, avultam não somente as referidas
à proteção da ordem jurídico-constitucional, mas aquelas referidas à proteção dos
direitos fundamentais, constituindo objeto do processo constitucional as pretensões
subjetivas e objetivas fundadas na Constituição. Na dimensão subjetiva, avultam as
garantias constitucionais, que devido à relevância do direito cuja proteção veiculam,
devem primar por especialidade, eficiência e celeridade processual. Desse modo, os
direitos fundamentais devem ser garantidos por remédios de natureza especial.
Quanto à especialidade do processo, é de se admitir que uma ação
constitucional que veicule a proteção da magnitude de um direito fundamental o
pode ficar à mercê de uma processualística comum, pois nisso reside um de seus
traços peculiares e que o distingue de um direito não fundamental: a imediatidade
de sua efetivação e urgência de sua proteção. A um direito fundamental, deve
corresponder a um processo especial, evitando-se a aplicação analógica ou
subsidiária de normas processuais comuns.
270
CAPELLETTI, Mauro, op. cit., p. 5.
271
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1993. p.
1.029.
272
Idem, Ibidem, p. 1.032.
111
É um imperativo a construção de um direito constitucional processual, ou a
sua sistematização, para que se reconfigurem os três elementos - jurisdição, ação e
processo - em função da especialidade imposta pela tutela dos direitos
fundamentais.
Nesse sentido, é lapidar a assertiva de Willis Santiago Guerra Filho de que
[...] o processo de tutela dos direitos fundamentais ou da ordem
jurídica por eles delineada deve começar a ser desenvolvido
conscientemente com ‘um processo de natureza constitucional’, da
mesma forma como as ações, previstas em nosso ordenamento
jurídico para garantir esses direitos fundamentais, são ‘ações
constitucionais’, sendo elas próprias, igualmente direitos (ou melhor)
garantias fundamentais, constantes do art. 5º. da Constituição da
República.
Deve-se adequar o processo que visa promover direitos fundamentais em
prestígio à especialidade que deve ostentar, sobretudo para viabilizar a célere
concreção dos direitos fundamentais.
J. J.Gomes Canotilho sentencia que a especificidade do direito constitucional
justifica a criação de regras processuais autônomas e conclui “Muitos dos problemas
da justiça constitucional radicam, ainda hoje, na incipiente elaboração dogmática do
processo constitucional”
273
.
Portanto, de se especializar a justiça constitucional no Brasil, mediante a
reconfiguração integrada da jurisdição, da ação e do processo de matiz
constitucional. A necessária especialidade da proteção dos direitos dessa
magnitude, leva à configuração de um novo direito: o direito fundamental à jurisdição
constitucional.
3.9.2 Configuração da Justiça Constitucional Brasileira
Tem se sustentado, como visto, que toda jurisdição no Brasil é constitucional.
Como não se pode admitir que haja uma redundância (semântica) na conceituação
de jurisdição constitucional’ pretende-se verificar se e quando se poderá adjetivar a
jurisdição brasileira de constitucional.
273
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, op. cit., p. 1.032.
112
Do ponto de vista lingüístico, o vocábulo ‘constitucional’ é utilizado nas
expressões ‘tribunal constitucional’ e ‘justiça constitucional’ com função sintática de
adjunto adnominal “que é um termo de valor adjetivo que serve para especificar ou
delimitar o significado de um substantivo, qualquer que seja a função deste”
274
, ou
seja, para qualificar e distinguir um substantivo de outro idêntico, ao qual não se lhe
apôs outro ou nenhum adjunto.
O uso do vocábulo ‘constitucional’ representaria uma redundância não se
destinasse a indicar a existência de categoria estrutural ou funcional especial, para
se destacar do seu gênero. Implicaria negar a própria adjetivação pela banalização
semântica do seu uso ou na melhor das hipóteses um pleonasmo
275
.
No âmbito de uma teoria geral constitucional, o uso do termo ‘constitucional’,
que se agrega aos vocábulos justiça, tribunal, jurisdição e inclusive juiz, não deve
causar perplexidade conceitual. Todavia, no contexto de determinados sistemas
normativos, a exemplo do ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, no qual se
prevê um modelo misto (concentrado e difuso) de defesa da Constituição avalia-se,
até em prestígio ao melhor rigor técnico conceitual, se propriamente uma justiça
constitucional, como categoria diferenciada ou se apenas um ‘modelo
constitucional’ de justiça.
Da análise literal da Constituição Federal, de fato, verifica-se que inexiste o
qualificativo ‘constitucional’, que se liga, por vezes, ao substantivo ‘jurisdição’. A
expressão ‘jurisdição constitucional’, em verdade, é construção dogmática e
jurisprudencial e serve para diferenciar e destacar uma categoria especial do gênero
jurisdição. Todavia, não obstante se admita a existência de especial categoria,
quanto à sua expressão e identificação a doutrina não logrou encontrar consenso,
ensejando multifárias definições.
Em geral, se relaciona a justiça constitucional à existência de um tribunal
constitucional no sistema jurídico
276
. Apure-se a sua existência no contexto
brasileiro.
274
Cf. CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 3. ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 150.
275
O STF poderia ser qualificado de tribunal constitucional, quando exerce sua competência em
sede de controle concentrado e quando exerce a competência recursal dos conflitos
constitucionais decididos em outras instâncias, pois é o único que possui competência para decidir
definitivamente os recursos que têm por fundamento a violação da Constituição, desde que
demonstrem repercussão geral nos termos da Lei de Repercussão Geral (Lei n. 11.418/2006).
276
André Ramos Tavares preleciona que não são requisitos configuradores do tribunal constitucional
“(i) o monopólio na aplicação da Constituição; (ii) a atribuição exclusiva de garantia da supremacia
113
Se se dispensar o monopólio da atributividade funcional ou exclusividade do
exercício como elemento configurador do tribnal constitucional, pode-se recair no
problema metodológico - anunciado pelo jurista André Ramos Tavares
277
, quando da
tarefa de conceituação de jurisdição constitucional - posto que inviabilizaria também
neste caso a construção teórico-conceitual de tribunal constitucional, relevante para
se analisar as particularidades distintivas de um tribunal constitucional de um tribunal
ordinário ou não constitucional.
Portanto, como o há monopólio do Supremo Tribunal Federal para o
exercício da função jurisdicional constitucional, ainda que exerça a guarda precípua
da Constituição, não há tribunal constitucional no Brasil, pois a todos juízes e
tribunais se incumbe a guarda concomitante da Constituição e o exercício da
jurisdição constitucional .
Deste modo, mostrar-se-ia descabida a adjetivação ‘constitucional’ a qualquer
dos tribunais, pois todos o seriam.
No contexto brasileiro, todavia, deve-se proceder a um enfoque mais detido, a
partir da premissa de que existe uma categoria diferenciada de justiça, de tribunal e
de jurisdição, observada pela dogmática jurídica que as qualificou de ‘constitucional’
para especificá-la ou distinguí-la de um gênero.
Não há um modelo organizatório universal ou padrão de justiça constitucional.
Pode-se apurar, diante disso, qual o perfil da jurisdição constitucional nos sistemas
jurídicos, nos quais não se haja instituído um tribunal constitucional no molde
europeu.
A resposta é condicionada à postura dogmática adotada e conduz a
polaridade de resultados. Caso se parta da premissa teórica de que justiça
constitucional compreende apenas o tribunal constitucional mediante atividade
jurisdicional constitucional exercida com exclusividade, no Brasil, não se poderia
dizer que há justiça ou jurisdição que possa se qualificar de constitucional. Por outro
lado, se partir da premissa teórica de que, dispensado o requisito da exclusividade,
qualifica-se como constitucional a justiça, o tribunal ou a jurisdição que exerça a
constitucional, com exclusão de qualquer outra função; (iii) a adoção irrestrita de um processo
objetivo”. Como critério identificador do tribunal constitucional, sustenta que o tribunal
constitucional “identifica-se, pois pelas funções que exerce, basicamente todas marcadas
profundamente pela idéia de protetor da supremacia constitucional, com sua defesa e
cumprimento. Não se caracteriza, pois, pela exclusividade ou monopólio no exercício dessas
funções”. (TAVARES, André Ramos. Teoria da justiça constitucional. São Paulo: Saraiva, 2005. p.
159).
277
Idem, Ibidem, p. 146.
114
função constitucional, no Brasil, toda a justiça, toda a jurisdição, cada tribunal e cada
juiz serão constitucionais. Essa construção, todavia, dada a sua amplitude, pode
levar à perplexidade metodológica, visto que não ressalta qualquer particularidade
para o seu estudo.
Ademais, seria desarrazoado sustentar que não possa haver justiça ou
jurisdição constitucional em sistemas jurídico-constitucionais, em que não se haja
instituído um tribunal com função exclusiva.
Não há, no Brasil, órgão especialmente destacado para institucional e
funcionalmente configurar uma justiça constitucional, todavia, a todos os tribunais,
juízos e juízes se outorgou o exercício difuso, concomitante e cumulativo da
jurisdição constitucional
278
e a competência para atuar na defesa da supremacia da
Constituição. Como a nenhum órgão ou tribunal se comete a atributividade exclusiva
da jurisdição constitucional, a supremacia e a integridade da Constituição são
asseguradas por todos os órgãos jurisdicionais dentro dos quadros do Poder
Judiciário.
Observando o fenômeno, Pablo Perez Tremps
279
sugere que a convivência
entre a jurisdição ordinária e a jurisdição constitucional, deve se harmonizar pela
supremacia funcional do órgão da justiça constitucional, sendo, no Brasil, o Supremo
Tribunal Federal, a quem incumbe, de modo precípuo, a guarda da Constituição e a
última palavra nas questões a ela relativas.
Desse modo, não é pressuposto, para a jurisdição constitucional, a existência
de um tribunal específico ou um tribunal constitucional, embora este seja justificado
pela existência daquela. Nos Estados constitucionais onde haja supremacia e rigidez
da Constituição, a jurisdição constitucional impõe-se como corolário necessário e,
para o seu exercício, é suficiente a existência de órgão estatal com tal atribuição,
ainda que o de modo exclusivo. Nessa hipótese, insere-se o caso do Brasil. O
Supremo Tribunal Federal exerce exclusivamente a jurisdição constitucional, porém
não a exerce de modo exclusivo.
Como premissa teórica, deve-se considerar, portanto, existente a jurisdição
constitucional em um Estado, se ao menos restar configurado na estrutura
organizacional estatal um tribunal ou órgão supremo, que exerça, ainda que
278
Salvo em sede de direitos fundamentais sociais laborais, para cuja proteção justiça
especializada, constitucionalmente configurada: a Justiça do Trabalho (art. 114 da CF).
279
PEREZ TREMPS, Pablo. op. cit, p. 36.
115
cumulativamente, a jurisdição constitucional mediante o desempenho da função
primária de defesa da Constituição.
Diante do exposto, conclui-se que no Brasil:
1) não há tribunal constitucional, por inexistir um tribunal que ostente todos os
seus elementos configuradores, podendo o Supremo Tribunal Federal ser
considerado como tribunal supremo, que detém a única em sede de
controle concentrado federal - ou última decisão - em sede de controle difuso;
2) há justiça constitucional, não como instituição organizada, mas como
expressão do poder-dever político e enquanto função estatal, que é
desempenhada integral e exclusivamente pelo Judiciário, sem especialização
ou atribuição de monopólio da jurisdição constitucional, a qualquer dos seus
órgãos , salvo a concentrada, exercida em nível federal pelo STF;
(3) jurisdição constitucional especializada
280
, somente em sede de
jurisdição orgânica na dimensão concentrada, com ações e processos
especiais, pois na dimensão difusa, no controle incidenter tantum, que possui
características diversas, não há qualquer especialização, pois é realizada
também pela jurisdição ordinária (nas vestes de constitucional), em casos
concretos, mediante ações e processos comuns;
(4) salvo a Justiça do Trabalho, não se pode identificar uma justiça
especializada em sede de jurisdição dogmática, que é difusa na proteção de
direitos fundamentais
281
, mas para estes se estabelecem ações e processos
especiais, em qualquer esfera jurisdicional;
(5) jurisdição constitucional dual (função), (a) exercida de modo
concentrado e (b) exercida de modo difuso, por todos os órgãos jurisdicionais.
Em sede de justiça constitucional, importa mais a dimensão funcional que a
orgânica ou institucional, pois a tutela jurisdicional constitucional efetiva deve ser
outorgada ao cidadão, sob qualquer modelo eficiente, pois um perfeito, embora por
todos idealizado, ainda não se construiu.
Deve, contudo, constituir permanente objetivo estatal o aperfeiçoamento de
um modelo de justiça constitucional que possa de modo efetivo prestar a tutela
280
A Constituição Federal apenas especializou a jurisdição em função do vel federativo (federal ou
estadual), especializando a federal em função da matéria: comum ou especial (Trabalhista, Militar
e Eleitoral).
281
Todavia, a tendência atual é a admissão da argüição de descumprimento de preceito undamental,
mecanismo de controle concentrado, como instrumento de controle de políticas públicas para a
concretização de direitos fundamentais sociais.
116
constitucional. Independentemente da nomenclatura ou da terminologia que se
queira utilizar, ou do perfil orgânico que se queira adotar, a configuração de uma
justiça constitucional mais adequada à implementação de um Estado Democrático
de Direito, é aquela que se mostre eficiente, não somente à defesa da higidez
constitucional, mas à defesa dos direitos fundamentais
282
.
3.10 JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL
3.10.1 Conceito de Jurisdição Constitucional
A jurisdição corresponde à atividade estatal voltada para a aplicação do
direito objetivo, nos casos concretos que lhe são submetidos, mediante decisão com
força de definitividade. A jurisdição, como gênero, é na lição de Athos Gusmão
Carneiro o “poder (e o dever) de declarar a lei que incidiu e aplicá-la, coativa e
contenciosamente aos casos concretos”
283
.
Transportada a jurisdição para a esfera especificamente constitucional, pode
se apurar que, a par de todos os elementos a caracterizam, um elemento que a
especializa: a sua finalidade, posta para a correção de violações constitucionais.
Sob o aspecto conceitual, adota-se aqui uma concepção ampliativa, pois não
entendemos que a ‘aplicação’ da Constituição seja suficiente para caracterizar a
jurisdição que a sua aplicação é de rigor no exercício ordinário da jurisdição, por
qualquer juiz ou tribunal, em qualquer grau ou instância.
A aplicação da Constituição, a que todos os órgãos jurisdicionais se obrigam,
em qualquer instância, embora seja sempre pressuposta, não corresponde à
atividade de solver conflitos constitucionais, cuja competência pode se cometer a
um, a vários ou a todos os órgãos jurisdicionais, de acordo com o modelo adotado.
Na doutrina nacional e estrangeira, ora se encontra um conceito amplo, ora
restrito de jurisdição constitucional, que muitas vezes é utilizada, impropriamente,
282
Nesse sentido, José Alfredo de Oliveira Baracho (BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria
geral da cidadania: a plenitude da cidadania e as garantias constitucionais e processuais. São
Paulo: Saraiva, 1995. p. 59). Aduz o autor: “[...] é necessário refletir que a criação da jurisdição
constitucional leva à implantação dialética do direito constitucional, como um conjunto de
imperativos jurídicos”. (Idem, Ibidem, p. 66).
283
CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva,
1993. p. 5.
117
como sinônimo de controle de constitucionalidade ou mesmo de justiça
constitucional como se destacou.
Para Hans Kelsen
284
, jurisdição constitucional significa “garantia jurisdicional
da Constituição”, ou ainda, a “garantia de paz política no Estado”.
Em Paolo Biscaretti di Ruffia, a jurisdição constitucional identifica-se com “as
funções jurisdicionais para a tutela de direitos e interesses referentes à matéria
constitucional [...] de pretensões diretamente fundadas em normas fundamentais
constitucionais”
285
.
A jurisdição, que se pode adjetivar de constitucional, constitui a atividade
estatal que tem por objeto a interpretação e a aplicação da Constituição para
assegurar a sua supremacia axiológico-normativa diante da violação de seus
preceitos, quer na dimensão jurídico-objetiva, para retirar do sistema ou negar
validade à lei ou ato normativo inconstitucional, quer na dimensão jurídico-subjetiva
para a tutela de direitos subjetivos fundamentais.
Em suma, a jurisdição constitucional corresponde à atividade jurisdicional
finalisticamente posta para a concretização e defesa da Constituição e para a tutela
de pretensões nela fundadas. Em última análise, se jurisdição é dizer o Direito e
aplicá-lo aos casos concretos, a jurisdição constitucional é dizer a Constituição e,
sobretudo, assegurar a sua supremacia. O elemento configurador não é subjetivo, é
objetivo, pois não importa quem diz, mas o que se diz.
3.10.2 Pressupostos Jurídicos da Jurisdição Constitucional
pressupostos que justificam a existência da jurisdição constitucional: a
supremacia e a rigidez da Constituição e a existência de órgão estatal com
atribuição para o controle de constitucionalidade. Pode-se, ao lado desses, inserir
como fator legitimador da jurisdição constitucional a positivação constitucional de
direitos fundamentais, característica das Constituições democráticas.
A Constituição Federal de 1988 caracteriza-se pela sua rigidez, por prever
mecanismos e procedimentos qualificados para a sua alteração, distintos dos
284
Cf. KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional, p. 123 e 186.
285
BISCARETTI DI RUFIA, Paolo. Diritto constituzionale: instituzioni di dirrito pubblico. 14. ed.
riveduta. Napoli: Eugeno Jovene, 1986. p. 610. (Tradução livre).
118
previstos para a edição legislativa infraconstitucional. No que tange aos direitos
fundamentais, mais do que rigidez, há verdadeira imutabilidade, visto que constituem
cláusulas pétreas e não podem ser abolidos do ordenamento jurídico-constitucional,
mas a ele acrescidos. Da rigidez da Constituição e da sua superioridade
normativa, promana a supremacia das normas constitucionais, por força da qual
todas as normas infraconstitucionais devem com elas manter relação de
compatibilidade sob pena de invalidade.
Para a realização do controle de constitucionalidade, deve existir órgão,
dentro ou fora da estrutura judiciária, que se incumba de tal mister. Em muitos
países da Europa e da América Latina, essa função é realizada pelos Tribunais
Constitucionais. No Brasil, inexiste corte constitucional e a função de controle de
constitucionalidade pertence ao Poder Judiciário. O controle de constitucionalidade é
atribuído, em seu modo concentrado, ao Supremo Tribunal Federal (esfera federal) e
aos Tribunais de Justiça (esfera estadual) e, em seu modo difuso, a todos os órgãos
jurisdicionais, via incidental.
3.10.3 Dimensões da Jurisdição Constitucional
A jurisdição constitucional compreende em sua integralidade a jurisdição
orgânica, que tem por objeto a defesa da ordem jurídico-objetiva, e a jurisdição
dogmática, protetora dos direitos fundamentais.
A dúplice função da jurisdição constitucional, em sua versão contemporânea,
é bem descrita por Humberto Nogueira Alcala:
La jurisdicción constitucional orgánica genera instituciones y
procedimientos de control de constitucionalidad de las normas
infraconstitucionales y de instituciones e instrumentos para resolver
los conflictos de competencia entre diferentes órganos del Estado. La
jurisdicción constitucional protectora de derechos fundamentales o de
derechos humanos establece las instituciones de carácter procesal
que protegen los derechos frente a acciones u omisiones
antijurídicas que amenacen, perturben o priven del legítimo ejercicio
de los derechos
286
.
286
NOGUEIRA ALCALA, Humberto. Las competencias de dos tribunales constitucionales de América
del Sur. Ius et Praxis. [on line]. 2002, v. 8, n. 2, p. 71-92. Disponível em www:<http://www.scielo.cl/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-00122002000200003&ln=iso>. Acesso em: 20 jul. 2007.
119
3.10.3.1 Jurisdição dogmática
Num Estado constitucional, justifica-se a existência da jurisdição dogmática
como decorrência lógica do reconhecimento, positivação e supremacia normativo-
axiológica dos direitos fundamentais. A jurisdição constitucional dogmática tem por
objeto a defesa da ordem jurídico-constitucional subjetiva, composta pelos direitos
subjetivos fundamentais. É exercida de modo difuso e mediante processo subjetivo.
A ela o cidadão tem amplo acesso, pois, am de possuir legitimidade ativa em todas
as ações constitucionais típicas, pode veicular a proteção de um direito fundamental
em qualquer espécie de ação.
O acesso à jurisdição dogmática está amplamente franqueado ao cidadão em
vista da tutela difusa realizada por todos os órgãos jurisdicionais, que, no Brasil,
estão investidos da jurisdição constitucional. Para a defesa dos direitos
fundamentais, em sua dimensão subjetiva, o sistema pátrio não confere acesso
direto do cidadão à jurisdição constitucional de pula, mas a ela tem acesso via
recursal (recurso extraordinário).
A conseqüência inafastável é que nenhum direito fundamental pode ser
defendido diretamente, perante o Supremo Tribunal Federal, pelo cidadão, pelo fato
de ser titular dos direitos fundamentais violados
287
.
Sendo categoria funcional do Supremo Tribunal Federal promover a guarda
da Constituição, nela inscritos os direitos fundamentais, constitui incoerência do
sistema o afastamento do cidadão da Corte Suprema para a defesa dos direitos
fundamentais, cujo acesso torna-se cada vez mais obstado. Isso se pode verificar
pelo afastamento da legitimidade ativa na ADPF e a imposição de restrito filtro
recursal à admissibilidade do recurso extraordinário (Lei n. 11.418/06 - Repercussão
Geral). Significa dizer que o Supremo Tribunal Federal tem competência
constitucional funcional para promover a guarda dos direitos fundamentais (ordem
objetiva), mas não tem a competência originária para promover a guarda dos direitos
subjetivos fundamentais do cidadão quando violados (ordem subjetiva).
A jurisdição constitucional, protetora dos direitos fundamentais, caracteriza-se
pela tutela de urgência, que deve ser concedida em face dos writs constitucionais
287
hipóteses em que, por foro privilegiado, em razão do elevado status político-funcional que
exercem, algumas pessoas podem fazê-lo perante o Supremo Tribunal Federal. Assim, o acesso
se somente porque exercentes do munus público, pois não poderiam fazê-lo se não
ostentassem a prerrogativa funcional.
120
(habeas corpus, habeas data, mandado de injunção e mandado de segurança,
individual ou coletivo), mas também pode ser concedida mediante a antecipação de
tutela na ação popular e na ação civil pública. Os writs receberam do legislador
infraconstitucional tratamento preferencial em face de processos que não veiculam
tutela de urgência, sem prejuízo da celeridade a todos processos asseguradas
288
.
Para o aprimoramento do direito processual contemporâneo, a Constituição
de 1988 busca prestigiar a celeridade processual como elemento indispensável à
efetividade da jurisdição a todos garantida como direito fundamental
289
. Em sede de
direitos fundamentais, mais do que celeridade processual, de se reconhecer o
direito fundamental à jurisdição constitucional de urgência, tanto na hipótese de
lesão como na de ameaça de lesão, haja vista a sua especial justiciabilidade,
decorrente da fundamentalidade imanente dessa categoria de direitos.
3.10.3.2 Jurisdição orgânica
Quanto à jurisdição constitucional orgânica, no âmbito de sua função primária
da defesa da Constituição, incumbe-lhe realizar o controle orgânico sobre normas e
resolução de conflitos entre órgãos constitucionais. A jurisdição constitucional
orgânica exerce controle de constitucionalidade segundo dois clássicos modelos: o
concentrado (austríaco) e o difuso (norte-americano).
Nesse âmbito, trata-se de assegurar a legitimidade constitucional das
competências dos órgãos políticos que estão distribuídas na Constituição bem como
impor a observância das fórmulas procedimentais que conduzem o devido processo
normativo (Legislativo e Executivo). Objetiva, acima de tudo, por meio de um sistema
de controle de constitucionalidade, o controle formal e material da atividade estatal,
288
O princípio da celeridade foi inserido na ordem constitucional pela EC n. 45/2004 que introduziu
diversas alterações para otimização do tempo do processo como fator de garantia da efetiva
prestação jurisdicional.
289
Não é por outro fundamento que Willian Santos Ferreira proclama que “[...] um direito
constitucional à tutela de urgência que se encontra ínsito ao princípio da inafastabilidade do
controle jurisdicional (princípio do direito de ação), o que também é admitido por Arruda Alvim, que
além de reconhecê-lo, ressalta a preocupação do legislador com as situações urgentes, como na
introdução da fungibilidade dos pedidos de tutela antecipada e cautelar”. (FERREIRA, Willian
Santos. Garantias constitucionais e competência das tutelas de urgência. In: FUX, Luiz et al.
(Coord.). Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa
Moreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 627-655; p. 632).
121
em sentido amplo, para contrastá-la com os valores e princípios encampados pela
Constituição como fundamentos e objetivos do próprio Estado.
3.10.4 Sistema Brasileiro de Controle de Constitucionalidade: Modelo Híbrido
O controle de constitucionalidade destina-se a resguardar ou a restaurar a
relação de compatibilidade da normatização infraconstitucional com a Constituição.
O sistema de controle judicial de constitucionalidade prevê mecanismos jurídicos
que visam prevenir ou reprimir a produção de leis e atos normativos que se mostrem
formal ou materialmente incompatíveis com a Constituição, garantindo-se a
supremacia do Estado (constitucional) de Direito.
O sistema de controle judicial de constitucionalidade no ordenamento jurídico
brasileiro, sob o ângulo modal, é híbrido, pois resulta da junção e adaptação do
modelo austríaco-kelseniano (concentrado) e do modelo norte-americano (difuso)
290
.
A evolução do controle de constitucionalidade no Brasil, segundo estudos de
Rogério Bastos Arantes, coincide com a evolução do dilema básico da nossa história
política republicana: a construção de um Estado mediante equacionamento da tensa
relação do poder central contra particularidades regionais econômico-sociais, sendo
que a forma de controle de constitucionalidade ocupou um lugar estratégico nessas
mudanças
291
.
290
De modo sucinto, o histórico-evolutivo do modelo brasileiro de controle de constitucionalidade nas
Constituições da República demonstra um movimento que partiu do puramente difuso ao
concentrado e observou o seguinte trajeto: CF de 1891, modelo difuso puro (modelo norte-
americano); CF de 1934, modelo predominantemente difuso; CF de 1937, modelo difuso puro
(modelo norte-americano); CF de 1946, modelo predominantemente difuso; EC 16/1965, sistema
híbrido (modelo austríaco concentrado + difuso); CF de 1967, sistema híbrido; EC 01/1969,
sistema híbrido: previsão da avocatória; EC 07/1977, sistema híbrido; CF de 1988, sistema
híbrido; EC 03/1993, sistema híbrido: introdução de mais dois mecanismos de controle de
constitucionalidade: ação declaratória de constitucionalidade e a argüição de descumprimento de
preceito fundamental. (Cf. SAES, Wandimara P. S. A extensão e o conteúdo de preceito
fundamental na argüição de descumprimento. Revista de Direito Constitucional e Internacional.
São Paulo, ano 15, n. 59, abr./jun. 2007. p. 294-344; p. 305).
291
Os dois principais desafios, segundo o autor, para equacionamentos foram: a) Revolução de 30 e
fase posterior do Estado Novo em face da organização política da velha República e b) Golpe de
1964-regime militar em face da fase democrática que vigia desde 1945. As conseqüências comuns
foram a verticalização do Poder Político e a centralização dos instrumentos de política do Estado
no Governo Central em detrimento das autonomias locais e das instituições representativas
democráticas (Cf. ARANTES, Rogério Bastos. O controle judicial de constitucionalidade das leis
no Brasil: a construção de um sistema híbrido. 1994. Dissertação (Mestrado em Ciência Política)
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. f. 1-20).
122
A jurisdição constitucional orgânica concentrada é exercida, em nível federal,
pelo STF e, em nível estadual, pelos Tribunais de Justiça. A jurisdição orgânica
difusa é exercida por todos os órgãos investidos de jurisdição, independentemente
da esfera federativa ou instância funcional.
Sob o modo difuso, a jurisdição orgânica pode ser exercida em qualquer
espécie de ação, em processo subjetivo, de modo incidental, cuja decisão tem
efeitos inter partes, mas pode ter efeito erga omnes mediante o procedimento
previsto no art. 52, X, da CF/88, caso a matéria ainda não seja objeto de súmula
vinculante
292
, pois esta, por si só, já irradia efeitos vinculantes de eficácia imediata.
Sob o modo concentrado, a jurisdição constitucional orgânica é exercida
mediante processo objetivo, por meio das seguintes ações previstas na CF/88: ação
direta de inconstitucionalidade genérica (art. 102, I, ‘a’); ação direta de
inconstitucionalidade interventiva (art. 36, III); ação direta de inconstitucionalidade
por omissão (art. 103, § 2º); ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, ‘a’,
in fine); argüição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1º). Para a
utilização dessas ões constitucionais, o sistema prevê plurilegitimação ativa, da
qual está excluído o cidadão, visto que o possui legitimidade ativa para utilizar
nenhuma das ações constitucionais existentes para esse fim.
Não fosse o controle difuso e por via incidental, por força do qual pode argüir
inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, no caso concreto, estaria o cidadão
totalmente alijado da defesa da Constituição, ainda que por via indireta.
3.11 AÇÃO CONSTITUCIONAL
3.11.1 Conceito de Ação Constitucional
A partir de uma concepção contratualista, pode se dizer que, como forma de
compensação do monopólio da justiça, o Estado muniu cada direito de
justiciabilidade e a cada cidadão com a ação. Por meio dela, a justiciabilidade como
poder emanado do próprio direito, põe-se em movimento. Por meio da ação, requer-
292
A mula vinculante foi instituída pela EC 45/04. Nas questões constitucionais de repercussão
geral, o STF pode, ao invés de aplicar o art. 52, X, da CF/88, em sede de controle difuso de
constitucionalidade, editar súmula vinculante observados os termos do art. 103-A.
123
se do Estado-jurisdição, desde que proibiu a tutela privada, a tutela estatal efetiva de
um direito violado ou ameaçado.
Doutrinariamente, conceitua-se ão como “‘direito blico subjetivo’
exercitável pela parte para exigir do Estado a obrigação da tutela jurisdicional”
293
.
Tecnicamente, a ação é direito e é deduzida mediante remédios processuais. Na
práxis, todavia, o vocábulo ão também é utilizado com outro conteúdo semântico:
o de remédio processual.
O direito de ação é, acima de tudo, um direito cívico, que instrumentaliza a
justiciabilidade enquanto poder de exigir a promessa estatal de tutela jurisdicional.
Exercida a ação, põe-se em movimento a justiciabilidade. Em que pese superadas
as célebres polêmicas doutrinárias entre os processualistas e dogmaticamente
pacificada a questão da autonomia da ação em face do direito material, é induvidoso
que a natureza do direito, objeto de proteção, irá determinar a opção do remédio
processual em função da sua adequação ou idoneidade para alcançar a tutela
requerida.
Na visão de Augusto Morello, ação
[...] es una manisfestación de voluntad jurídica mediante la cual
pasamos del mundo del deber ser derecho al del ser
experiencia fenomenológica real del tráfico litigioso -, de la estática y
general manifestación óntica del derecho, al movimento dinámico
294
.
Em suma, é ‘derecho público subjetivo processual’
295
de requerer a atividade
jurisdicional do Estado.
Não obstante as ações sejam classificadas sob os mais diversos critérios,
visa-se aqui apenas extremar a ação gênero de sua subespécie ação constitucional.
A Constituição de 1988, de modo expresso, instituiu ações, típicas ou nominadas,
para a defesa da higidez da ordem jurídico-constitucional ou para a defesa dos
direitos fundamentais.
Desse modo, do gênero ação, surge a espécie denominada ação
constitucional, em função da natureza do objeto ou direito protegido e da sua
previsão constitucional.
293
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. v. 1. 27. ed. rev. e atual. Rio de
Janeiro: Forense, 1999. p 51.
294
MORELLO, Augusto M. La eficacia del processo. 2. ed. ampl. Buenos Aires: Hammurabi, 2000. p.
141.
295
Idem, Ibidem, p. 121.
124
De um lado, ações que visam à defesa da ordem jurídico-objetiva, que
possuem sede constitucional, especial legitimados e tramitam originariamente nos
tribunais (STF e TJ). De outro, há ações com sede constitucional que visam à defesa
da ordem jurídica subjetiva constitucional, composta pelos direitos fundamentais.
Não obstante, o cidadão pode veicular um direito fundamental em qualquer espécie
de ação, quando tamm devem recebem especial proteção, caracterizada,
sobretudo, pela eficácia e celeridade.
Em conclusão, constitucional é a ação típica, nominada, com sede
constitucional, por meio da qual se exerce a justiciabilidade, invocando a prestação
jurisdicional, com vistas à defesa direta da Constituição (ordem jurídico-
constitucional objetiva) ou à defesa dos direitos subjetivos fundamentais (ordem
jurídico-constitucional subjetiva) nela albergados.
3.11.2 Classificação das Ações Constitucionais
Segundo o critério objetivo proposto - bem jurídico tutelado-, pode-se
reagrupar as ações constitucionais em duas classes: a) as ações constitucionais de
justiciabilidade objetiva, que visam à defesa da ordem jurídico-objetiva constitucional
e b) as ações constitucionais de justiciabilidade subjetiva, que visam à defesa da
ordem jurídico-subjetiva constitucional.
As ações constitucionais de justiciabilidade objetiva têm sede constitucional,
integram o sistema de controle de constitucionalidade, são típicas ou nominadas e
têm por objeto a proteção da ordem jurídico-constitucional objetiva mediante controle
abstrato.
As ações constitucionais dessa espécie, estão previstas na CF/88 e dão
origem ao processo objetivo. Denominam-se: ação direta de inconstitucionalidade
genérica (art. 102, I, a’); ação direta de inconstitucionalidade interventiva (art. 36,
III); ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º); ação
declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, ‘a’, in fine); argüição de
descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1º).
Embora não possua legitimidade ativa para interpor tais ações,
incidentalmente o cidadão poderá promover a defesa da ordem jurídico-
constitucional objetiva, em qualquer tipo de ação (de processo subjetivo), sendo-lhe
125
lícito argüir a inconstitucionalidade – formal ou material - de leis e de atos normativos
acaso incidentes
296
.
As ações constitucionais de justiciabilidade objetiva podem servir de
instrumento de proteção dos direitos fundamentais, não como fonte de posições
jurídicas, mas em sua dimensão objetiva, enquanto complexo normativo-axiológico
conformador do Estado Democrático de Direito brasileiro. Exemplifique-se com o
caso de proposta de Emenda tendente a abolir qualquer dos direitos fundamentais
(art. 60, § , IV da CF/88) que desafia o controle abstrato mediante ão de
processo objetivo por sua manifesta inconstitucionalidade.
As ações constitucionais de processo subjetivo têm sede constitucional, o
típicas ou nominadas e têm por objeto a defesa de interesses protegidos ou direitos
subjetivos fundamentais mediante instauração de processo subjetivo.
São elas: a) habeas corpus, b) mandado de segurança, c) mandado de
injunção, d) habeas data, e) ão popular e f) ação civil pública que, não obstante
tenha berço infraconstitucional, foi expressamente recepcionada pela Constituição
de 1988
297
.
3.11.3 Garantismo Constitucional
Sustentando que o paradigma da democracia constitucional é ainda
embrionário, Luigi Ferrajoli realça a necessidade de estendê-lo para que sejam os
direitos fundamentais “garantidos e especificamente satisfeitos”, sobretudo os
direitos sociais e adverte:
El garantismo, en esto aspecto, es la outra cara del
constitucionalismo, y consiste en el conjunto de técnicas idôneas
para asegurar el máximo grado de efectividade a los derechos
constitucionalmente garantidos
298
.
296
Conforme a natureza do preceito constitucional violado e a relevância da controvérsia
constitucional, pode ensejar, por parte do Procurador Geral da República a argüição de
descumprimento de preceito fundamental.
297
Encontra-se referida na doutrina a ação de desapropriação como espécie de ação constitucional.
298
FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales: debate com Luca Bacelli.
Colección estructuras y processos. Madrid: Trotta, 2001. p. 374.
126
Nesse sentido, Eduardo Cambi
299
afirma que “o garantismo pretende ser o
aporte teórico da democracia, em sentido substancial, [...] que, [...] só se realiza com
o respeito aos direitos fundamentais”.
Para que os direitos fundamentais sejam efetivamente respeitados e
protegidos, deve-se estabelecer um conjunto de garantias, institucionais e
jurisdicionais, idôneas e eficazes. No bojo da Constituição de 1988, foram instituídas
garantias jurisdicionais que visam dar proteção e assegurar a tutela dos direitos
fundamentais. Constituem ações-garantias e se inserem no catálogo de direitos
fundamentais da Constituição da República.
de se ressaltar que, em sentido amplo, as ações-garantias constitucionais
são, na visão de José Afonso da Silva:
[...] ‘remédios constitucionais’ no sentido de ‘meios’ postos à
disposição dos indivíduos e cidadãos para provocar a intervenção
das autoridades competentes, visando ‘sanar, corrigir, ilegalidades e
abuso de poder em prejuízo de direitos e interesses individuais” [...]
instrumentos destinados a assegurar o gozo dos direitos violados ou
em vias de ser violados ou simplesmente não atendidos
300
.
O critério para identificar uma ação-garantia constitucional é de ordem formal
e material, utilizado pelo legislador constituinte para a sua instituição: a) a expressa
inclusão dentre as garantias constitucionais e b) a natureza fundamental do direito
cuja tutela visa assegurar. Portanto, deve-se adjetivar de ação-garantia
constitucional quando a ação está posta constitucionalmente como garantia de um
direito.
De acordo com esse critério, no ordenamento jurídico-constitucional pátrio,
ostentam o status de ação-garantias constitucionais as seguintes: a) habeas corpus,
b) mandado de segurança, c) mandado de injunção, d) habeas data e e) ação
popular. O cidadão possui legitimidade ativa para acionar qualquer dessas garantias
fundamentais perante a jurisdição constitucional. A ação civil bica foi
299
CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. In: FUX, Luiz et al. (Coord.)
Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 662-683; p. 680. Garantismo, para Luigi Ferrajoli, possui
três significados: a) como modelo normativo típico do Estado de Direito, b) como teoria do Direito e
crítica do Direito e c) como filosofia do direito e crítica da política. (FERRAJOLI, Luigi. Direito e
razão: teoria do garantismo penal. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.
785-787).
300
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed, rev. e atual. até a Emenda
n. 39, de 19.12.2002. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 440.
127
‘constitucionalizada’, mas não representa uma ação-garantia para o titular do direito
fundamental.
As quatro primeiras espécies de ações-garantias citadas correspondem aos
denominados writs constitucionais e possuem características comuns, cuja menção
impende fazer para a melhor compreensão da sua natureza.
Para Diomar Ackel Filho, writ significa escrito, lei, regulamento, édito, ordem.
Vem de written (escrito) e procede do direito inglês, desde os tempos da Magna
Carta com o sentido de ordem
301
.
Segundo o mesmo autor
[...] em todas as espécies de writ se verifica o exercício de um direito
subjetivo à prestação jurisdicional (ação), visando um provimento
mandamental a ser editado pelo órgão jurisdicional, através de um
instrumento adequado (processo), em que se assegura a igualdade,
o contraditório e o direito de defesa, ainda que por via sumária
302
.
Esse conjunto de ações (writs) receberam do legislador infraconstitucional
tratamento preferencial em face de processos que não veiculam tutela de urgência.
Na ordem preferencial interna dos writs, precede a todos o habeas corpus. Têm em
comum quatro elementos: a) veiculação de proteção de direitos fundamentais, b)
provocação da jurisdição para tutela constitucional de urgência , c) rito especial e
sumário, d) cognição restrita e e) natureza mandamental, com exceção do mandado
de injunção que possui a natureza mista, pois também cumula a natureza
constitutivo-normativa, por ensejar a criação de norma que regulamente para o caso
concreto, a fruição de direito fundamental não regulamentado.
Dentre os writs constitucionais, encontram-se remédios de proteção
específica, restrita ou residual. De proteção específica à defesa de direitos
fundamentais determinados, há o habeas corpus (liberdade de locomoção) e o
habeas data (direito à informação e retificação de dados pessoais). De proteção
restrita, destinado à categoria de direitos e liberdades fundamentais e os
relacionados às prerrogativas da nacionalidade, soberania e cidadania que não
estejam regulamentados, há o mandado de injunção. De proteção residual, o
301
Cf. ACKEL FILHO, Diomar. Writs constitucionais: habeas corpus, mandado de segurança,
mandado de injunção, habeas data. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 7-11.
302
Idem, Ibidem, p. 11. O autor adverte que, em sede de writs, “o procedimento não deve ser levado
em conta de rigidez formalística tal que impeça, em casos excepcionais, é certo, e quando o
interesse da verdade assim o justificar, a oferta de outros elementos de informação.
128
mandado de segurança, individual ou coletivo, que se presta à defesa de todo e
qualquer direito que não seja amparado pelo habeas data ou habeas corpus, desde
que líquido e certo.
A ação popular também constitui mecanismo constitucional de proteção,
porém voltado, não para a defesa de direito subjetivo individualizado, mas para a
defesa de legítimos interesses transindividuais, na hipótese de lesão a bens
jurídicos, como o patrimônio público, a moralidade administrativa, o meio ambiente e
o patrimônio histórico e cultural.
Frise-se, portanto, que a ação-remédio constitucional está posta como forma
garantia, mas nem toda garantia constitui uma ação. medidas assecuratórias, a
exemplo do direito de petição previsto no art. , XXXIV, ‘a’, da CF/88 embora
poderoso instrumento democrático - que não têm o condão de provocar a atividade
jurisdicional.
É direito de todo cidadão a disponibilização estatal de garantias jurisdicionais,
por meio de ações constitucionais, ou ‘recursos judiciais’ como propõe o Direito
Internacional, para postular a defesa de seus direitos fundamentais. Ainda que ao
final, o Estado lhe possa negar a proteção do direito, que foi apenas alegado, lhe é
assegurado o ajuizamento da ação constitucional que foi posta como garantia dos
seus direitos. O direito à ão constitucional, em seu viés contemporâneo, não se
resume ao acesso à justiça constitucional e nem se satisfaz com uma sentença
favorável de mérito, pois esta se encontra adstrita aos limites da ação e do pedido
nela formulado. A plena concretização do direito fundamental à tutela jurisdicional
requer aptidão das garantias constitucionais para viabilizar a tutela necessária dos
direitos fundamentais.
A proteção dos direitos fundamentais do cidadão é incompatível com a
concepção tradicional de ação, pois ela “não se preocupou em dar ao cidadão a
possibilidade de exercer ação de modo a realmente poder obter a tutela de seu
direito”
303
, reduzindo o direito de ação ao mero direito de ir a juízo.
303
MARINONI, Luiz Guilherme. Da ação abstrata e uniforme à ação adequada à tutela dos direitos.
In: FUX, Luiz et al. (Coord.). Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José
Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 838-869. p. 860.
Demonstrando a insuficiência do conceito tradicional de ação formulado no final do século XIX
(Degenkolb, Plóz e Mortara) e de meados do culo passado (Couture e Liebman), esse autor
formula procedente crítica à teoria de Liebman, sem negar-lhe o mérito da contribuição ao
desenvolvimento de uma teoria da ação (Idem, Ibidem, p. 860).
129
Por isso, como afirma Luiz Guilherme Marinoni, “a ação não se exaure com a
sentença de procedência e, por isso, o direito de ação não mais pode ser visto como
direito a uma sentença de mérito”
304
, argumentando que os arts. 461 do CPC e art.
84 do CDC, em avançada dicção, asseguram que o juiz deve conceder a tutela
específica ou assegurar o resultado prático equivalente ao adimplemento.
Com mais razão, urge a construção de uma teoria da ação constitucional
adequada à efetiva tutela de direitos da magnitude dos direitos fundamentais. No
Estado constitucional, os procedimentos e técnicas processuais devem ser idôneos
à tutela dos direitos fundamentais em sua diversidade substancial. A tutela de
direitos fundamentais, em sua múltipla tipologia, requer distintas formas de tutela.
Nesse aspecto, não se podendo conciliar a absoluta neutralidade do remédio
processual em face do direito tutelado, é que se põe o reclamo de uma ação
adequada à efetiva tutela do direito fundamental e aparelhada com técnicas
processuais norteadas pela sua natureza e conteúdo.
Cabe desenvolver, em sede de direitos fundamentais, a mesma concepção de
que a ação não constitui o mero direito de ir a juízo, mas sim o direito à tutela
jurisdicional efetiva do direito fundamental, a exemplo da tese do “direito à
construção da ação adequada ao caso concreto”
305
, extraída da dicção do art. 83 do
CDC que dispõe que “são admissíveis todas as espécies de ações capazes de
propiciar sua adequada e efetiva tutela”.
Em face da passagem do Estado Liberal das abstenções estatais, para o
Estado Social das prestações estatais, de se proceder à correlata transformação
dos instrumentos de garantias dos direitos fundamentais, sobretudo os sociais, ainda
que tardia e em tempos de direitos de quarta dimensão.
De inteira procedência a advertência de Lenio Luiz Streck:
[...] ‘é necessário ter claro que o cumprimento do texto constitucional
é condição de possibilidade para a implantação das promessas da
modernidade’, em um país em que a modernidade é (ainda) tardia e
arcaica. Para que se cumpra a Constituição e viabilize-se a dignidade
da pessoa humana é para isso tem sentido um Estado
organizado e uma Constituição’- necessitamos, primeiro, superar
esse paradigma normativista, próprio de um modelo de Direito liberal-
individualista, hegemônico no plano das práticas judiciárias, no qual
304
MARINONI, Luiz Guilherme, op. cit., p. 857-858.
305
Defende a tese Luiz Guilherme Marinoni, op. cit, p. 863.
130
os próprios mecanismos para viabilizar os direitos sociais e
fundamentais, [...] têm permanecido ineficazes
306
.
3.12 PROCESSO CONSTITUCIONAL
3.12.1 Conceito de Processo Constitucional
Sob o aspecto formal, o processo é o instrumento por meio do qual o Estado
realiza a prestação jurisdicional, destinado à formação ou à aplicação do Direito
307
.
Sob o aspecto material, é um mecanismo estatal de pacificação social. Para o
cidadão, um instrumento de afirmação da cidadania, para o Estado, um “instrumento
para a positivação do poder”
308
.
À primeira vista, falar-se em processo constitucional pode constituir
redundância, visto que os princípios e garantias que regem o processo encontram-se
constitucionalizados. Todavia, o tema aqui tratado remete ao direito processual
constitucional ou o Direito Constitucional aplicado - e não ao Direito Constitucional
Processual, que trata do direito processual informado pela normativa constitucional.
Para José Alfredo de Oliveira Baracho
309
:
O Processo Constitucional tem por objeto essencial a análise das
garantias constitucionais [...] como instrumentos predominantemente
processuais, dirigidos a reintegração da ordem constitucional,
quando ocorre o seu desconhecimento ou violação pelos órgãos do
poder. O Direito Constitucional Processual examina os institutos
processuais do ponto de vista das perspectivas do Direito
Constitucional.
André Ramos Tavares explicita o alcance da expressão e expõe que “o
Direito processual constitucional preocupa-se com o iter, o caminho a ser trilhado
pela justiça constitucional como atividade vocacionada ao objetivo maior de aplicar a
306
STRECK Lenio Luiz, op. cit, p. 844.
307
CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del processo civil. 5. ed. v. 1. Trad. Santiago Santis
Melende. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-America, 1973. p. 21.
308
GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Teoria geral do processo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p.
297.
309
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. As especificidades e os desafios democráticos do processo
constitucional. In: SAMPAIO, José Adércio Leite; CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza (Coord.).
Hermenêutica e jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 93-158; p. 139-140.
131
Constituição”
310
. O processo constitucional, tal como se concebe aqui, constitui o
instrumento da jurisdição constitucional que se destina a solver um conflito
constitucional, e não como sinônimo de processo norteado pelos princípios
constitucionais, pois a estes todo e qualquer processo se submete. Portanto, nem
todo processo, como categoria lógica, pode se dizer constitucional, pois se todo
processo tem a Constituição como fundamento de validade, somente o processo
constitucional tem a Constituição como fundamento da própria pretensão material
nele veiculada.
O processo constitucional é o instrumento por meio do qual o Estado realiza a
jurisdição constitucional e nele realiza a defesa direta da Constituição e dos direitos
fundamentais, enquanto direitos subjetivos. Duas espécies de processo
constitucional, portanto, podem se distinguir conforme o bem jurídico tutelado: a)
processo constitucional objetivo, busca a tutela jurisdicional da supremacia da
Constituição (ordem jurídico-objetiva constitucional) e b) processo constitucional
subjetivo, busca a tutela jurisdicional dos direitos fundamentais (ordem jurídico-
subjetiva constitucional).
3.12.2 Neoprocessualismo
O neoprocessualismo apresenta um reclamo de desenvolvimento de novas
técnicas processuais céleres, eficazes e idôneas à concretização do direito, pois o
escopo da tutela jurisdicional não se resume a por fim ao litígio, mas deve servir
como instrumento de pacificação social e de efetividade ao direito violado.
Apresenta, sobretudo, a proposta da conformação das regras processuais à
racionalidade dos direitos fundamentais.
Na esteira do neoprocessuaismo, Eduardo Cambi adverte
311
:
Com o sepultamento do modelo liberal de Direito, de cunho
eminentemente patrimonial, passando o Estado, por imposição
constitucional, a tutelar bens jurídicos de caráter extra patrimonial
(direitos da personalidade, direitos do consumidor, direito ao meio
310
TAVARES, André Ramos. Teoria da justiça constitucional. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 401. O
jurista prossegue citando a ampla aceitação doutrinária da expressão, a exemplo de Willis
Santiago Guerra Filho, José Joaquim Gomes Canotilho, Nestror Pedro Sagüés, Jörg Luther, Carlo
Mezzanotte, Nelson Nery Jr. e Nicolas Gonzáles-Deleito Domingo.
311
CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo, op. cit., p. 676.
132
ambiente saudável etc.), os conceitos e institutos processuais
clássicos precisaram ser revistos.
C. A. Álvaro de Oliveira
312
põe em relevo três aspectos essenciais dos direitos
fundamentais na nova visão de processo: a) normatividade do direito fundamental,
norteadora da regulação legislativa do processo, do regramento da conduta das
partes, do órgão judicial no processo e na determinação do conteúdo da decisão; b)
supremacia do direito fundamental, pois não são os direitos fundamentais que se
movem no âmbito da lei, mas a lei que deve mover-se no âmbito dos direitos
fundamentais” (Jorge Miranda) e o c) caráter principiológico dos direitos
fundamentais, a iluminar regras já existentes, norteando a formulação de outras para
solucionar questões processuais concretas.
Concebendo o processo como instrumento de realização de valores, em
especial dos constitucionais, Luiz Guilherme Marinoni
313
atenta-se para a
necessidade de tutela específica:
O dever estatal de proteger os direitos, especialmente os direitos
fundamentais, obviamente demonstra a preocupação com a proteção
da integridade dos direitos. [...] Na verdade, tais direitos têm uma
natureza que não admite a sua transformação em dinheiro. Bem por
isso, exigem a proteção jurisdicional na forma específica e não a
tutela ressarcitória pelo equivalente.
de se franquear o acesso à denominada ‘ordem jurídica justa por
intermédio de um processo justo que constitui um “‘princípio superior’ que qualifica o
due process of law”
314
. E o direito fundamental ao processo, corrija-se, ao processo
justo, compreende todas as garantias processuais necessárias à concreção do
direito, sobretudo celeridade e idoneidade das técnicas processuais.
Para Gustavo de Medeiros Melo, o justo processo
[...] é espinha dorsal que move a idéia mais moderna de acesso aos
canais de jurisdição, [...] como substrato essencial do Estado
312
OLIVEIRA, C. A. Álvaro de. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. In:
SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Jurisdição e Direitos Fundamentais: anuário 2004/2005. Escola
Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul (AJURIS). Porto Alegre: Escola Superior da
Magistratura; Livraria do Advogado, 2006. v. 1, t. 2, p. 251 -263; p. 255.
313
MARINONI, Luiz Guilherme, op. cit, p. 838.
314
FAGUNDES FILHO, Henrique. Eqüidade e processo justo. In: FUX, Luiz et al. (Coord.). Processo
e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006. p. 707-723; p. 723.
133
Democrático de Direito, é a fonte que proporciona legitimidade às
decisões do Estado pelo cumprimento dos direitos fundamentais
assegurados em nível constitucional e internacional
315
.
Quanto ao direito fundamental ao ‘processo justo constitucional’
316
, Augusto
M. Morello faz contundente observação, ponderando que somente quando
[...] se remuevan los obstáculos que en realidad ponen vallas
insuperables a las demandas de los pobres a la Jurisdicción en
concreto, no en los sueños que promete la lectura de los textos
constitucionais – podremos, sin hipocresías, afirmar que ha llegado el
tiempo de los Derechos Humanos, entre lo cuales el primero y
capital, el ‘processo justo’
317
.
Cabem aqui as precisas palavras de Marcelo Figueiredo
318
que, ao proceder o
enfoque processual das ações constitucionais, sustenta que
[...] se trata de ação constitucional apta à efetivação do direito
constitucional das pessoas. Assim, o processo não pode ser um
empecilho, um caminho árduo, mas flexível para o atendimento do
desiderato constitucional.
Os direitos fundamentais requerem garantias - igualmente fundamentais -
específicas para a sua concretização, que sejam consolidadas por via processual
especial, direta, eficiente e célere, e não por uma via processual comum. Ao trilhar o
caminho jurisdicional para a sua defesa, os direitos fundamentais têm pressa e
preferência na concretização. Atento a especialidade desses direitos, o próprio
legislador infraconstitucional estatui o trâmite preferencial de processos que
veiculam direitos fundamentais habeas corpus , mandado de segurança e habeas
data.
Se o titular de um direito faz jus ao ‘devido processo legal’, o portador de um
direito fundamental, com maior razão, faz jus ao ‘devido processo constitucional’.
315
MELO, Gustavo de Medeiros. O acesso adequado à justiça na perspectiva do justo processo. In:
FUX, Luiz et al. (Coord.). Processo e Constituição:estudos em homenagem ao professor José
Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 684-706; p. 704.
316
MORELLO, Augusto M. El processo justo: del garantismo formal a la tutela efectiva de los
Derechos. Buenos Aires: Librería e Editora Platense,1994.
317
Idem, Ibidem, p. 204. O processo justo para o jurista é [...] es el pequeño gran sol de Estado
Derecho que, como garantia ‘efectiva’ de la defensa, apuntala e reasegura la vigência de las
demás y hace ‘cierto’ el mandato constitucional de afianzar la justicia”. (Idem, Ibidem, p. 657).
318
FIGUEIREDO, Marcelo, op. cit, p. 63.
134
Luiz Guilherme Marinoni lamenta a confusão entre autonomia científica e
neutralidade do processo, que ensejou a perda perniciosa da visão dos compromissos
do direito processual para com o direito material e afirma que:
No Estado constitucional, pretender que o processo seja neutro em
relação ao direito material é o mesmo que lhe negar qualquer valor.
Isso porque ser indiferente ao que ocorre no plano do direito material
‘é ser incapaz de atender às necessidades de proteção ou de tutela
reveladas pelos novos direitos e, especialmente, pelos direitos
fundamentais
319
.
Deixa-se assim de conceber-se o direito fundamental à jurisdição, como o
mero direito de ir a juízo em busca de tutela, para entendê-la como um direito
fundamental à tutela jurisdicional do direito material lesado ou ameaçado de lesão,
por meio de uma ação adequada e processo idôneo e justo.
Trata-se, afinal, de concretizar o só direitos subjetivos fundamentais do
cidadão, mas também direitos que conformam a ordem jurídica objetiva e compõem
o fundamento do Estado Democrático de Direito.
319
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme, op. cit, p. 844-845. Aduz o jurista: “É preciso partir da premissa,
atualmente indiscutível, de que o processo deve responder ao direito material, e chegar à
conseqüência, daí natural, de que o ‘direito de ação’, por ser a contrapartida da proibição da tutela
privada, ‘é exercido pelo autor para a obtenção da tutela efetiva do direito, e assim inegavelmente
exige procedimento e técnicas processuais idôneos’”. (Idem, Ibidem, p. 845).
135
4 A JUSTICIABILIDADE SUBJETIVA DOS DIREITOS SOCIAIS NA ORDEM
JURÍDICO-CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: ASPECTOS EMPÍRICOS
4.1 ESPÉCIES DE MECANISMOS CONSTITUCIONAIS PARA A TUTELA DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS
4.1.1 Considerações Iniciais
A partir da concepção de um direito fundamental à jurisdição
constitucional, cumpre verificar os mecanismos de proteção dos direitos sociais
postos no ordenamento jurídico brasileiro, pois não bastaria à efetividade dos
direitos fundamentais assegurar o acesso à jurisdição sem as correlatas e eficazes
técnicas processuais para a sua defesa. A existência de instrumentos outorgados ao
cidadão tem direta implicação na dimensão da justiciabilidade, na medida em que
viabilizam a efetivação dos direitos fundamentais, que por sua vez leva à concreção
de uma democracia substancial.
Salvo da argüição de descumprimento de preceito fundamental, no presente
estudo não se procederá à exposição das ações existentes para a proteção dos
direitos fundamentais em sua vertente objetiva, ou seja, como elementos
conformadores da ordem jurídica
320
. Referidas ações não compõem o catálogo das
garantias constitucionais do cidadão e para a sua interposição a ele não se outorgou
legitimidade ativa.
Igualmente, não se procederá à exposição das garantias constitucionais não
jurisdicionais, a exemplo do direito de petição (art. 5º, XXXIV, ‘a’, da CF/88) e
desobediência civil
321
, nem dos mecanismos informais de garantia dos direitos
fundamentais - não obstante legitimados por ‘fuerte consenso ético’
322
tais como
auto-tutela, protestos pacíficos e movimentos por meio de ONGs.
320
A CF/88 prevê as seguintes ações para a defesa da ordem jurídica-objetiva: ação direta de
inconstitucionalidade genérica (art. 102, I, ‘a’); ação direta de inconstitucionalidade interventiva
(art. 36, III); ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º); ação declaratória de
constitucionalidade (art. 102, I, ‘a’, in fine); argüição de descumprimento de preceito fundamental
(art. 102, § 1º).
321
A desobediência civil é um direito fundamental de garantia implícito, que decorre do regime e dos
princípios adotados pela Constituição, nos termos do art. 5º, § 2º. da CF/88. (Cf. GARCIA, Maria.
Desobediência civil: direito fundamental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 261).
322
RUSSO, Eduardo Angel. Derechos humanos y garantías: el derecho al mañana. Buenos Aires:
Plus Ultra, 1992. p. 111.
136
Restrito que está o objeto do presente estudo à justiciabilidade subjetiva,
tratar-se-á das ações ou mecanismos constitucionais que visem à proteção dos
direitos sociais em sua dimensão subjetiva, seja para a tutela direta dos direitos
sociais, seja mediante o controle de políticas públicas a eles referidas. Nessa ótica,
inclui-se o estudo dos fatores que tolhem ou comprometem a função garantista dos
mecanismos de proteção outorgados ao cidadão para o pleno atendimento da
justiciabilidade dos seus direitos sociais.
A exposição ora proposta sobre as ações constitucionais não pretende
esgotar as particularidades procedimentais, mas expender a descrição sumária do
instituto para viabilizar a análise de sua função garantista para o atendimento da
justiciabilidade dos direitos sociais, como direitos subjetivos fundamentais, seja para
controle de políticas públicas que os implementam.
4.1.2 Perfil Geral dos Mecanismos Constitucionais para a Tutela dos Direitos
Fundamentais Sociais em sua Dimensão Subjetiva
Pródiga na positivação de direitos fundamentais, a CF/88 enumerou
aproximadamente 88 direitos, distribuídos no Título II - Dos Direitos e Garantias
Fundamentais e no Título VIII - da Ordem Social. A par desses, deve se considerar a
existência de direitos fundamentais implícitos, que decorrem do regime ou dos
princípios adotados pela Constituição e os de positivação implícita, previstos em
tratados internacionais de que faça parte o Brasil (art. 5º, § 2º da CF/88).
Como exposto, no atual estágio de elaboração da ciência jurídica, a
justiciabilidade é inerente não somente aos direitos subjetivos, mas também aos
interesses legítimos, juridicamente protegidos, que ultrapassam a dimensão
individual e se encontram na esfera de proteção estatal por se vincularem a normas
que regem o interesse público. Ao contrário dos direitos subjetivos, a sua
subjetividade é ‘pulverizada’, bem como a sua justiciabilidade, dentre todos os
interessados.
Os interesses legítimos e os direitos fundamentais conferem ao seu titular
posições jurídicas perante o Estado ou particular de exigir o seu respeito, a sua
proteção e a prestação acaso devida. Correlatamente a eles estão previstas, para
sua tutela, ações ou mecanismos constitucionais de justiciabilidade subjetiva.
137
Os mecanismos de justiciabilidade subjetiva dos interesses legítimos e
direitos fundamentais, previstos no ordenamento jurídico-constitucional, são: o
mandado de injunção, o habeas data, o mandado de segurança, o habeas corpus, a
ação popular e a ação civil pública. Esses seis mecanismos constitucionais, com
regulamentação infraconstitucional, viabilizam, dinamicamente, a justiciabilidade
subjetiva dos direitos fundamentais perante a jurisdição constitucional para a tutela
dos direitos subjetivos em face da conduta (omissiva ou comissiva) dos Poderes
Públicos.
As quatro primeiras ações, em seu conjunto, denominam-se writs
constitucionais e ensejam cognição restrita e possuem regulamentação processual
infraconstitucional específica. As duas últimas das ações, a ação popular e a ação
civil pública são espécies de ações coletivas
323
, não pela pluralidade de partes em
um pólo processual, mas pelo universo passível de ser atingido pelos efeitos da
decisão. Ensejam cognição plena e exauriente e devido à similitude, o regime
jurídico processual de ambas, em que pese específico, enseja recíproca incidência,
a par da submissão a regras comuns. O ‘parentesco’ entre ambas é posto em relevo
por Hely Lopes Meirelles ao observar que possuem filosofia diversa do processo civil
clássico, que se assenta em novas técnicas processuais para atender novas
exigências: a) em função da desigualdade das partes; b) para viabilizar a defesa de
grupos sociais; c) visão do processo como instrumento de participação popular na
fiscalização da aplicação do Direito; d) eficácia no atendimento da justiça social
324
.
Na esfera de proteção dos direitos fundamentais, revela-se útil outro
mecanismo, em que pese destinado a defesa da ordem jurídica-objetiva, pois se
mostra idôneo para viabilizar o controle da constitucionalidade da conduta estatal:
argüição de descumprimento de preceito fundamental.
Em sede de writs constitucionais, a Constituição estabelece regras especiais
de competência originária e também a competência recursal, que estão distribuídas
entre o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e entre os
Tribunais da Justiça Eleitoral (art. 121 da CF/88), da Justiça do Trabalho (art. 114 da
CF/88) e da Justiça Federal comum (art. 108 e 109 da CF/88). Em regra, a
competência originária vem definida em função da hierarquia funcional da autoridade
323
O mandado de segurança possui versão coletiva, todavia como soma de interesses individuais,
em um universo de titulares determinados.
324
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança: ação popular, ão civil pública, mandado de
injunção, ‘habeas data’. 18 ed, atual. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 171-173.
138
impetrada (habeas data, mandado de segurança e mandado de injunção) ou da
autoridade coatora ou coata (habeas corpus), dentro das esferas federativas ou
instâncias jurisdicionais.
Quanto à ação popular e a ação civil pública, a competência não vem prevista
na CF/88 e é determinada segundo a origem do ato posto sob o crivo judicial e nos
termos das normas gerais de competência.
Quanto à argüição de descumprimento de preceito fundamental, a
competência vem expressamente prevista na CF/88, em seu art. 102, § 1º, e é
atribuída ao Supremo Tribunal Federal.
Em face do sistema jurisdicional constitucional difuso, no julgamento de
qualquer causa em que se postule a proteção de direito fundamental, é possível o
acesso recursal ao Supremo Tribunal Federal, não sendo sua a competência
originária, mediante:
a) recurso ordinário, quando denegatória a decisão nos writs constitucionais
(habeas corpus, mandado de segurança, habeas data e mandado de
injunção) proferida por Tribunal Superior em sede de instância única (art. 102,
II, ‘a’, CF/88);
b) recurso extraordinário, nas causas decididas em única ou última instância,
para apreciação da (in)constitucionalidade de norma (federal ou
internacional), da (in)validade de norma ou ato de governo local ou de
(in)constitucionalidade contida na própria decisão recorrida (art. 102, III,
CF/88).
É de se registrar, portanto, que, para a defesa de seus direitos fundamentais,
o cidadão não possui acesso direto e imediato à Corte Suprema ou Tribunais
Superiores. A não ser em função do foro privilegiado por prerrogativa funcional, o
se reservou a competência originária ao Supremo Tribunal Federal para conhecer de
qualquer ação proposta pelo cidadão que envolva violação de seus direitos
subjetivos fundamentais.
Em suma, como o fio condutor deste estudo é a dimensão subjetiva dos
direitos sociais, por-se-á em foco apenas as ações que promovem a sua proteção
nessa dimensão perante a jurisdição difusa, bem como a especial referência à
argüição de descumprimento de preceito fundamental, embora o cidadão não tenha
legitimidade para sua interposição, diante de sua relevante função instrumentária em
sede de controle judicial das políticas públicas, mormente as sociais.
139
4.2 MANDADO DE SEGURANÇA
4.2.1 Perfil do Instituto
Antes da inserção do mandado de segurança, era o habeas corpus o
instrumento de ampla proteção de todo e qualquer direito, segundo a interpretação
ampliativa de Rui Barbosa, inclusive posse de direitos reais em face de violações
praticadas pela Administração. Para destacar a proteção específica de direitos
pessoais, propôs-se a criação de um instrumento denominado mandado de
proteção, por projeto de Gudesteu Pires
325
.
Por proposta de João Mangabeira, passou a denominar-se mandado de
segurança, cuja inserção na ordem jurídica ocorreu com a sua positivação na
Constituição de 1934, em seu (art. 115, inciso 33), como remédio destinado à
proteção de direito certo e incontestável, ameaçado ou lesado por ato
manifestamente legal ou inconstitucional de qualquer autoridade. Com a criação do
mandado de segurança como mecanismo de proteção de direitos, o objeto do
habeas corpus ficou circunscrito à garantia da liberdade pessoal
326
.
Partindo-se de sua gênese, que se encontra na Constituição de 1934 (art.
115, § 33), fez-se presente nas Constituições de 1946 (art. 141, § 24) e 1967 (art.
150, § 21) e atualmente se encontra inscrito como garantia constitucional no art. 5º,
na Constituição de 1988
327
.
325
FERREIRA, Pinto. Os instrumentos processuais protetores dos direitos humanos. In: GRAU, Eros
Roberto; CUNHA, Sérgio Sérvulo (Coords.). Estudos de direito constitucional: em homenagem a
José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 589-615; p. 594. Não obstante se faça
correlação entre o mandado de segurança e o recurso de amparo, de origem hispânica, este é de
teleologia mais ampla e permite a sua utilização contra particulares e para o controle de
constitucionalidade de leis.
326
Willis Santiago Guerra Filho destaca que o mandado de segurança é criação do Direito brasileiro.
A seu ver, a sua origem não é inglesa, mas remonta a outros antigos institutos do ordenamento
jurídico pátrio, pois se pode registrar a sua presença nas Ordenações Filipinas e Manuelinas, que
conferiam segurança àquele que se sentisse ameaçado por outrem. (GUERRA FILHO, Willis
Santiago. O habeas data frente a outros institutos de direito processual constitucional. In:
WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Habeas data. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 396-
397. Na visão de José Cretella Júnior, o mandado de segurança teve tríplice influência em sua
origem: doutrina brasileira do habeas corpus, da teoria da posse dos direitos pessoais e certos
institutos jurídicos estrangeiros, como o amparo mexicano. (CRETELLA JÚNIOR, José.
Comentários à lei do mandado de segurança: de acordo com a Constituição de 5 de outubro de
1988. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 47).
327
Verifica-se que o mandado de segurança perdeu em parte a sua força, tendo em vista a feição
com que foi inicialmente previsto na CF de 1934, pois o seu objeto visa coibir não ilegalidade,
mas também inconstitucionalidade. In verbis: ‘Dar-se-á mandado de segurança para a defesa de
140
O mandado de segurança é uma ação civil, de rito especial e sumário, com
natureza de garantia constitucional, de teor mandamental. Visa afastar lesão ou
ameaça de lesão a direito, individual ou coletivo, desde que líquido e certo e não
amparado por habeas corpus ou habeas data, quando proveniente de ato abusivo
ou ilegal de autoridade pública ou privada no exercício dessa função.
O mandado de segurança é ‘remédio heróico’, todavia genérico e residual e,
no seu objeto, insere-se todo direito, líquido e certo, individual ou coletivo, não
amparado por outro remédio específico, ou seja, pelo habeas data ou habeas data.
Excluídos estão do seu objeto, portanto, o direito à informação de dados pessoais
(art. 5º, XXXIII, da CF/88) e o direito à locomoção (art. 5º, XV, da CF/88). Constitui
garantia de amplo espectro e de caráter residual para a proteção de direito, líquido e
certo, sem garantia específica (habeas corpus ou habeas data) na Constituição,
“lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e
sejam quais forem as funções que exerça”
328
.
As premissas constitucionais para o manejo do mandado de segurança são:
a) que haja direito, individual ou coletivo, próprio ou de terceiro; b) que seja líquido;
c) que seja certo; d) que não seja amparado por habeas corpus ou habeas data; e)
que haja lesão ou ameaça de lesão e f) que haja ilegalidade ou abuso de poder.
O conteúdo dos requisitos, contido na expressão direito quido e certo’, que
foi introduzida por Pedro Lessa, e adotada desde a Constituição de 1946, nunca
logrou consenso
329
. Dos posicionamentos doutrinários que concebem a expressão
em sentido material, podem se colher aquelas que relacionam a ‘certeza’ ao fato em
que se funda o pedido, à lei que positiva o direito ou à existência da obrigação.
Singular é o posicionamento que concebe a expressão ‘certeza’ em sua conotação
direito certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou
ilegal de qualquer autoridade’. (art. 115, inciso 33, da CF de 1934).
328
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança: ação popular, ão civil pública, mandado de
injunção, ‘habeas data’. 18. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 19-21). Em outra obra, aduz
o autor que mandado de segurança “é ‘ação civil de rito sumário especial’, destinada a afastar
ofensa a direito subjetivo próprio, privado ou público, através de ordem corretiva ou impeditiva da
ilegalidade”. (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança e ação popular. 5. ed. atual. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1978. p. 13).
329
O STF manifestou-se expressamente que tais requisitos se ajustam ao seu sentido jurídico e
correspondem à situação em que possibilidade de comprovação documental, imediata e
inequívoca. (STF – Pleno – MS 21.865-7/RJ – Rel. Min. Celso de Mello – DJ 01.12.2006).
Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 27 ago. 2007.
141
processual, na medida em que “atende ao modo de ser de um direito subjetivo ‘no
processo’”
330
.
Por meio do mandado de segurança é possível, todavia, sustar um processo
legislativo que não observe o comando procedimental constitucional
331
.
A legislação especial do mandado de segurança estabelece a possibilidade
de concessão de liminar
332
, se presentes o fumus boni juris e o periculum in mora,
que não necessariamente antecipa a tutela definitiva, mas sim, obvia os danos
irreparáveis - de ordem moral, funcional ou patrimonial - que podem ocorrer com a
demora da prestação jurisdicional definitiva.
A matéria é amplamente sumulada
333
e, assim como os demais remédios
constitucionais, a processualística do mandado de segurança está regulada em
legislação infraconstitucional, em específico pela Lei n. 1.533, de 31.12.1951
334
.
Acerca da natureza da pretensão, afirma Pontes de Miranda:
A pretensão ao mandado de segurança é preponderantemente
mandamental. Não se precisa de ação de execução de sentença
proferida na ação de mandado de segurança. Nem nela mesma
execução, que pudesse sugerir fosse ação executiva ‘lato sensu’. O
juízo expede o ‘mandatum de faciendo’ ou ‘de non faciendo’. É esse
mandado que representa a eficácia principal da sentença. A parte
não pediu somente que se declarasse ou condenasse, nem pediu
330
BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. 3. ed. rev. e atual. de acordo com o Código de
Processo Civil de 1973 e legislação posterior. Forense: Rio de Janeiro, 1976. p. 85. Hely Lopes
Meirelles sustenta que direito líquido e certo “é o que se apresenta manifesto na sua existência,
delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração”. Todavia, o jurista
observa que é um conceito impróprio, pois em verdade a alusão deveria ser aos fatos e situações
que ensejam o exercício desse direito”.(MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança: ação
popular, ação civil pública, mandado de injunção, ‘habeas data’, op. cit., p. 34-35).
331
Nesse sentido: STF -MS 24.041 -Rel. Min. Nelson Jobim - DJ 11.04.03; STF - MS 24.138, Rel.
Min. Gilmar Mendes - DJ 14.03.03. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 23 jul. 2007.
332
Quanto a liminar, aduz Hely Lopes Meirelles: “Se é certo que a liminar não deve ser prodigalizada
pelo Judiciário, para não entravar a atividade normal da Administração, também não deve ser
negada quando se verifiquem seus pressupostos legais, para não se tornar inútil o
pronunciamento final a favor do impetrante. Casos há - e são freqüentes em que o tardio
reconhecimento do direito do postulante enseja seu total aniquilamento. Em tais hipóteses, a
medida liminar impõe-se como providência de política judiciária, deixada à prudente discrição do
juiz”. (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança: ação popular, ação civil pública,
mandado de injunção, ‘habeas data’, op. cit., p. 72).
333
Vide: Súm. 101, Súm. 266, Súm. 267, Súm. 268, Súm. 270, Súm. 271, Súm. 510, Súm. 625, Súm.
629, Súm. 630.
334
Tem ainda incidência a Lei n. 2.770, de 4.5.1956, a Lei n. 4.348, de 26.6.1964, a Lei n. 4.862, de
29.11.1965, a Lei n. 5.021, de 9.6.1966, a Lei n. 8.076, de 23.8.1990.
142
que se constituísse ou executasse o devedor; a parte pediu o
mandamento
335
.
Possui legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança qualquer
pessoa que pretenda proteger um direito seu de lesão ou ameaça de lesão. No
vocábulo utilizado pelo legislador infraconstitucional ‘alguém’ está contida a
designação de qualquer pessoa, cidadão ou não, nacional ou estrangeiro, que de
modo individual ou coletivamente, poderá impetrar mandado de segurança
336
.
Na hipótese de mandado de segurança coletivo, são legitimados ativos,
partido político com representação no Congresso Nacional, organização sindical,
entidade de classe legalmente constituída, em funcionamento pelo menos um
ano, para a defesa dos interesses dos seus membros ou associados.
A legitimidade passiva recai sobre a autoridade pública ou agente de pessoa
jurídica no exercício de atribuições do poder público responsável pela execução do
ato impugnado ou inexecução daquele devido.
A competência originária, além daquela já definida constitucionalmente, é
atribuída conforme a hierarquia funcional da autoridade responsável pela conduta
impugnada, no contexto de cada esfera federativa e instância jurisdicional.
4.2.2 O Instituto e a Justiciabilidade dos Direitos Sociais
A relevante função instrumental do mandado de segurança, como meio de
justiciabilidade em face do Estado, foi posta em relevo pelo Supremo Tribunal
Federal que proclama que “a progressiva redução e eliminação dos círculos de
imunidade do poder de gerar, como expressivo efeito consequencial, a interdição
de seu exercício abusivo. O mandado de segurança desempenha, nesse contexto,
uma função instrumental do maior relevo”
337
.
O mandado de segurança, teoricamente, pode servir de instrumento de
proteção aos direitos sociais, pois é instituído para a proteção de direitos
335
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. v. 5. 2. ed.
São Paulo: Forense, 1959. p. 194.
336
Observa-se que não só titular do direito postulado poderá impetrar mandado de segurança em sua
defesa, mas também a pessoa que possua direito decorrente do direito ameaçado ou violado em
face da inércia do seu titular para impetrar, mesmo após notificação nesse sentido, nos termos do
art. 3º da Lei n. 1.533/51.
337
STF- MS 20999/DF, Pleno. Rel. Min. Celso de Mello - DJ 25-05-1990.
143
regulamentados, individuais ou coletivos, quidos e certos, não compreendidos por
outras garantias constitucionais.
Desse modo, ao mandado de segurança está incumbida a defesa de um
contingente maior de direitos fundamentais, pois este remédio constitucional, de
amplo espectro, está posto para afastar toda a sorte de violações dos direitos que
não possuam específica garantia jurisdicional constitucional
338
. Contudo, ainda que o
mandado de segurança constitua ferramenta residual de proteção dos direitos
fundamentais - diante da não incidência de outra garantia - ele não supre a
deficiência de proteção dos direitos sociais, que não possuem garantia específica.
O seu objeto restringe-se a ‘direito líquido e certo’, exigência que impõe
restrição em sede de proteção dos direitos sociais pela fluidez e indeterminação
normativa muitas vezes encontrada com relação à sua prestação.
Podem ser teorizadas as seguintes situações: a) a existência de direito social
líquido e certo, que ensejará a utilização do mandado de segurança, b) a existência
de direito social líquido e certo, mas que não se consegue comprovar de plano para
atendimento dos requisitos da exigência da garantia e c) a existência de direito
social, mas sem os requisitos da certeza e liquidez por ausência de regulamentação,
caso em que não caberá mandado de segurança, mas, eventualmente, o mandado
de injunção.
Entende-se aqui que, diante do regime jurídico dos direitos fundamentais
previsto na Constituição de 1988, que aliás admite direitos fundamentais implícitos,
para os direitos sociais de prestação indeterminada, a certeza e liquidez poderá
advir da correta atividade interpretativa judicial, sob pena de tornar nula a eficácia do
instituto precisamente onde deve expressar a sua maior função garantista. Assim, a
menos que se admita que o requisito ‘certeza’ se relacione com a obrigação do
Poder Público - como imposição constitucional - e não com a especificação da
prestação, para os direitos dessa espécie, o mandado de segurança não apresenta
a necessária capacidade garantista.
Na verdade, há uma defasagem cronológica entre direito e garantia do direito,
pois o mandado de segurança foi formulado originariamente para a defesa de
direitos fundamentais da primeira espécie, das liberdades constitucionais do Estado
338
Para atender a exigência de ampla proteção, no direito comparado, destaca-se o ‘recurso de
amparo’, de origem hispânica, que é remédio de amplo espectro para a proteção de direitos
exclusivamente constitucionais e pode ser dirigido também contra ato de particular. (ex. art. 46 da
Constituição da Argentina).
144
Liberal e não se mostra apto a oferecer a ampla proteção que devem merecer os
direitos prestacionais do Estado Social.
Nos moldes em que está posto, pode-se vislumbrar a sua eficácia para a
defesa de direito social de prestação determinada. Também pode servir de
intrumento para o controle da proibição de retrocesso, visto que, se um direito
líquido e certo que é excluído, injustificadamente, pelo Poder Público da esfera
jurídico-subjetiva de seu titular, cabe o mandado de segurança para assegurar-lhe a
fruição do mesmo.
Em sede de direitos sociais sem prévia delimitação prestacional, e mesmo
para aqueles direitos fundamentais implícitos, deve se flexibilizar o marco probatório
sob pena de excluir do âmbito de proteção do mandado de segurança imensa gama
de direitos fundamentais que não podem são protegidos por garantias específicas.
Portanto, num regime de direitos fundamentais implícitos não se pode recusar
a sua proteção jurisdicional a pretexto de indeterminação da prestação. Caso
contrário, à margem da garantia constitucional do mandado de segurança, relegar-
se-á parcela dos direitos sociais, sem quantum definido ou especificação do objeto
prestacional.
4.3 MANDADO DE INJUNÇÃO
4.3.1 Perfil do Instituto
É uma ação civil, gratuita, com natureza de garantia constitucional, de rito
especial e sumário. Sua origem remonta ao writ of injuction, todavia se distancia do
seu similar anglo-americano, pois em seu objeto, inserem-se apenas direitos e
liberdades constitucionais e as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania
e à cidadania.
O mandado de injunção, assim como o mandado de segurança, é remédio
heróico, que viabiliza a defesa dos direitos fundamentais, ou uma categoria deles,
mas dele difere, essencialmente, por ter como requisito a insuficiência ou não
regulamentação da norma que o fundamenta.
145
Não constitui mecanismo de controle de constitucionalidade normativo
339
e
uma vez editada a lei regulamentadora, até então omissa, o mandado de injunção
perde o seu objeto
340
. Por aplicação analógica do art. 5º, LXX, da Constituição,
admite-se o mandado de injunção coletivo
341
.
O instituto, de óbvia teleologia, tem gerado perplexidade em sua utilização
prática diante da diversidade de postura do próprio Supremo Tribunal Federal. Do
histórico jurisprudencial, podem-se verificar com nitidez duas posturas opostas. De
um lado, a não concretista, em função da qual se proferem decisões de efeito de
mera cientificação do Poder omisso ou decisões com efeito interpelativo do Poder
omisso para preencher a lacuna normativa, com ou sem assinação de prazo; de
outro, a concretista, em período mais recente e de correta compreensão teleológica
do instituto, em função da qual se proferem decisões de efeito constitutivo, com
criação de norma concreta individual para o fim de viabilizar o direito do postulante.
Na linha não concretista, historicamente predominante no Supremo Tribunal
Federal, em que descaracterização finalística da garantia constitucional, apuram-
se decisões de efeito meramente declaratório, por exemplo, decisão para
cientificação, sem prazo ou sanção:
O mandado de injunção nem autoriza o Judiciário a suprir a omissão
legislativa ou regulamentar, editando o ato normativo omitido, nem,
menos ainda, lhe permite ordenar, de imediato, ato concreto de
satisfação do direito reclamado: mas, no pedido, posto que de
atendimento impossível, para que o Tribunal o faça, se contém o
pedido de atendimento possível para a declaração de
inconstitucionalidade da omissão normativa, com ciência ao órgão
competente para que a supra
342
.
Pode-se verificar, um posicionamento intermediário, em que se difere
concreção, em decisão de efeito declaratório-interpelativo, com prazo e com efeito
constitutivo condicional:
339
Cf. STF - MI 575-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 26/02/99; STF - MI 498, Rel. Min. Marco
Aurélio, DJ 04/04/97. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 22 ste. 2007.
340
MI 575-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 26/02/99. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em:
02 set. 2007.
341
Cf STF - MI 361, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, STF - DJ 17/06/94; STF - MI 102, Rel. Min. Carlos
Velloso, DJ 25/10/02; STF - MI 472, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 02/03/01. Disponível em:
<www.stf.gov.br>. Acesso em: 22 set. 2007.
342
Cf. STF - MI 168, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 20/04/90. Também: STF - MI 361, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, DJ 17/06/94; MI 535-4/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 26/09/97; MI 584, Rel.
Min. Moreira Alves, DJ 22/02/02; STF - MI 715, DJ 04/03/05. Disponível em:
<www.stf.gov.br>.Acesso em: 14 out. 2007.
146
[...] Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte,
deferido para declarar-se o estado de mora em que se encontra o
Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele
as Providências legislativas que se impõem para o cumprimento da
obrigação de legislar decorrente do art. 195, § 7º, da Constituição,
sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se
cumpra, passar o requerente a gozar da imunidade requerida
343
.
De linha concretista, de correta aplicação finalística da garantia, declara-se a
existência da omissão e profere-se decisão com efeito constitutivo pleno, para
viabilizar o exercício do direito ao impetrante, sobretudo diante do descumprimento
do prazo constitucional para edição da norma regulamentadora:
[...] acolheu esta Corte proposição do eminente Ministro Nelson
Jobim, e assegurou ‘aos impetrantes o imediato exercício do direito a
esta indenização, nos termos do direito comum e assegurado pelo §
do art. do ADCT, mediante ação de liquidação,
independentemente de sentença de condenação, para a fixação do
valor da indenização. [...] assegurando-se, aos impetrantes, o
exercício da ão de reparação patrimonial, nos termos do direito
comum ou ordinário
344
.
Nessa mesma linha, sustenta Marcelo Figueiredo
345
que o mandado de
injunção visa “a criação de norma jurídica regulamentadora do direito do impetrante
pelo juiz de molde a obtenção da satisfação do pedido, que necessariamente advirá
de norma constitucional ou infraconstitucional, desde que atendidos os pressupostos
do art. 5º, inciso LXXI.”
343
Cf. STF -MI 232, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 27/03/92. Cite-se, ainda, a decisão interpelativa com
prazo: STF, MI 283-5 DF, publicado no DJ 14.11.1991. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso
em: 14 out. 2007.
344
Diante do reconhecimento da mora legislativa do Congresso Nacional em editar a norma prevista
no parágrafo do art. do ADCT, assegurou-se ao impetrante o exercício do direito inscrito na
norma o regulamentada. (Cf. STF - MI 562, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 20/06/03). No mesmo
sentido: STF - MI 284, DJ 26/06/92. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 14 out. 2007.
345
FIGUEIREDO, Marcelo. O mandado de injunção e a inconstitucionalidade por omissão. 1989.
Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica, o Paulo. p. 64. Na
injunção, conclui o jurista que o Judiciário ao elaborar a norma concretizadora, deve fazê-lo por
meio da eqüidade como técnica de aplicação do Direito ou em sua função integrativa (Idem,
Ibidem, p. 59-60). de se distinguir a eqüidade quando omissa é a lei e quando a lei é omissa.
Naquele caso, inexiste a própria lei ou norma regulamentadora, desafiando a plena capacidade
integrativo-criadora do Judiciário, ensejando a utilização de princípios constitucionais e da
equidade em sua função integrativa. No último caso, a lei existe, mas apresenta deficiência tal que
impede o julgador de com base nela, exclusivamente, decidir, devendo recorrer a outros
elementos do sistema jurídico.
147
Da postura concretista, alinham-se duas vertentes, a geral
346
e a individual,
devendo ser aceita apenas esta, pois não se pode, em sede de mandado de
injunção, proferir decisão com efeito erga omnes sob pena do Judiciário substituir a
atividade do legislador.
De viés concretista, verifica-se a recente decisão do STF, no caso da greve
do funcionalismo público, que
[...] por maioria, nos termos do voto do Relator, conheceu do
mandado de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa
com a aplicação da Lei n. 7.783, de 28 de junho de 1989, no que
couber
347
.
No caso julgado, a decisão determinou a colmatação da lacuna, pela
aplicação de uma norma existente no ordenamento jurídico, utilizando-se da
técnica analógica, para o fim de assegurar aos impetrantes, servidores públicos, o
exercício do direito de greve que ainda não estava legislativamente regulamentado.
Deste modo, mediante correta aplicação finalística do instituto, assegurou-se o
exercício do direito fundamental.
De fato, o comando teleológico que se extrai da garantia constitucional, exige
postura jurisdicional (cri)ativa e concretista, incumbindo ao Judiciário verificar a
existência da omissão e, mediante norma jurisdicional, preencher o vazio
regulamentar, no caso concreto, para assegurar o pleno exercício do direito do
postulante. Ademais, o poder geral de criação da norma judicial concretizante, na
hipótese de lacuna da lei, não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro, pois na
esfera infraconstitucional está assegurada por expresso comando do Código de
Processo Civil
348
.
No objeto de proteção do mandado de injunção, estão abrangidos todos os
direitos e liberdades constitucionais e as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à
soberania e à cidadania. Portanto, para a categoria de normas que os prevêem,
inclusive os direitos sociais, garante-se o exercício do direito não regulamentado, por
meio do mandado de injunção.
346
No MI 107-3, o Supremo Tribunal Federal adotou posição concretista, todavia, para criar norma de
caráter geral. (Rel Min. Moreira Alves, DJ 21/09/2008).
347
STF - MI 708/DF, Pleno, Min. Gilmar Mendes – DJ 06/11/2007. No mesmo sentido: STF MI 670/
DF– Rel. Min. Gilmar Mendes - DJ 06/11/2007.
348
Com eqüidade: Art.126 e 335 do CPC. Por eqüidade: Arts. 20 e 1.109 do CPC.
148
Como as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata, quando omissa ou insuficiente a normação infraconstitucional,
garante-se o exercício do direito nela inscrito por meio do mandado de injunção (art.
5º, LXXI, da CF/88).
Não possui regulamentação infraconstitucional própria, mas toma
‘emprestado’ aquela desenvolvida para o mandado de segurança por inexistência de
outra específica, por força do art. 24, § 1º, da CF/88
349
. De modo subsidiário,
aplicam-se-lhe as regras do CPC.
Diante do modelo federativo brasileiro, a competência originária para a sua
apreciação dependerá da instância legislativa omissa incumbida da expedição da
norma, sendo expressamente atribuída ao Supremo Tribunal Federal ou Superior
Tribunal de Justiça quando a regulamentação for atribuição das autoridades
mencionadas no art. 102, I, ‘q’, da CF/88 ou 105, I, ‘h’, da CF/88.
4.3.2 O Instituto e a Justiciabilidade dos Direitos Sociais
A força impositiva da aplicabilidade imediata dos direitos sociais, como
direitos fundamentais que são, revela-se mesmo diante da inexistência de normação
regulamentadora do preceito constitucional definidor do direito fundamental, cuja
fruição deve ser viabilizada ao cidadão via norma de decisão em sede de mandado
de injunção.
Destinado a integrar o comando normativo da norma de direito fundamental
pendente de regulamentação, o mandado de injunção abre amplos espaços de
decisão ao Judiciário na produção da norma individual. Este é, dos institutos de
defesa dos direitos fundamentais, o que mais amplamente proporciona a viabilização
do exercício dos direitos sociais de prestação indeterminada por ausência de
regulamentação normativa. Teoricamente, todos os direitos sociais, cujo exercício é
obstado por ausência de regulamentação, podem encontrar proteção no mandado
de injunção. Mostra-se o mais apto a, na ausência de garantia específica, tutelar os
direitos sociais não regulamentados por ensejar (ou exigir) o ativismo criativo judicial,
349
Todavia, não se admite liminar. (Cf. STF – MI 535-4/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 14/03/1996; MI
536-2/MG Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 17/04/1996. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em:
04 nov. 2007).
149
pois a sua violação primeira repousa na própria ausência de especificação legislativa
da prestação que impede o exercício do direito.
Na prática, entende José Reinaldo de Lima Lopes que o mandado de injunção
é remédio que “parece mais apto à defesa tradicional (limitativa do poder público), do
que à defesa ativa e promocional dos direitos sociais”
350
.
Em sua aplicação no âmbito jurisdicional, todavia, não se pode admitir o seu
desvirtuamento finalístico sob pena de invalidação de sua função garantista. Esta
requer, necessariamente, a atividade criativa do Judiciário que está
constitucionalmente instado a, dentro do sistema jurídico, sobretudo no campo dos
direitos sociais, inovar o ordenamento jurídico para suprir as lacunas que, mantidas,
atuam como obstáculo à exeqüibilidade da norma constitucional
351
. Além de
operacionalizar o comando de aplicabilidade imediata das normas definidoras de
direitos e garantias fundamentais, ele constitui “elemento de realização do elemento
social do Estado Democrático de Direito”
352
.
Contudo, a função do mandado de injunção, de assegurar o exercício de
direitos e prerrogativas no interesse do impetrante, tem sido historicamente
desvirtuada. Como bem adverte José Afonso da Silva, “a interpretação do Supremo
Tribunal Federal tolheu essa função que lhe dava razão de existir, para considerá-lo
mero meio de obtenção de declaração da inconstitucionalidade por omissão”
353
.
Lenio Luiz Streck, de igual modo, lamenta que “o mandado de injunção foi tornado
ineficaz pelo Poder Judiciário. Nenhum outro mecanismo previsto na Constituição
tinha – formalmente – a força do mandamus injuntivo
354
”.
Segundo a judiciosa lição de Marcelo Figueiredo, diante da recém
promulgada Carta de 1988,
350
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no
Estado Social de Direito. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direitos humanos, direitos sociais e
justiça. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 130.
351
Cf. PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas: ação direta de
inconstitucionalidade por omissão e mandado de injuão. p. 163. Aliás, como bem observa Luís
Roberto Barroso, é justamente, no campo dos direitos sociais, que se registram os principais
casos de omissão legislativa. (BARROSO, Luís Roberto, op. cit, p. 246).
352
Idem, Ibidem. p. 193. Segundo a autora, a decisão no mandado de injunção: “permite remover, no
caso concreto, a inconstitucionalidade por omissão em matéria de direitos subjetivos
constitucionais. [...] caberá ao Poder Judiciário criar norma de decisão para o caso concreto,
dentro da teleologia do sistema normativo existente”. (Idem, Ibidem, p. 159).
353
SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade, p. 165-166.
354
STRECK Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. 2. ed.
rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 839.
150
[...] a Constituição consagrou positivamente através do mandado de
injunção, uma nova espécie de tarefa ao Judiciário, o dever de criar o
Direito; segue-se que os métodos tradicionais, para se interpretar e
aplicar a norma ao caso concreto, serão insuficientes ao
entendimento do Instituto. Uma nova mentalidade jurisdicional deve
nascer para que se cumpra o desiderato constitucional
355
.
Essa nova mentalidade, desde então prenunciada, parece agora se delinear
no Supremo Tribunal Federal como se verifica pelo já citado julgamento do mandado
de injunção sobre o direito de greve dos servidores públicos (MI 670 e 708), ao
regulamentar no caso concreto o direito postulado, suprindo a lacuna legislativa.
O mandado de injunção, contudo, foi relegado ao descaso legislativo.
Concebido para garantir o exercício dos direitos fundamentais e prerrogativas não
regulamentadas, ele próprio carece de regulamentação específica e 20 anos
permanece inaudito e toma ‘emprestado’ rito processual alheio (do mandado de
segurança). Em que pese oportuna, não é adequada tal aplicação analógica, pois
existe uma nítida distinção teleológica entre os dois institutos, em face diversidade
de fundamentos fático-jurídicos para sua criação e diversidade de efeitos da
decisão. O mandado de segurança é o remédio heróico, que reclama uma decisão
mandamental, mas é extreme de dúvida o fato de que não possui o alcance de um
mandado de injunção, que reclama a intervenção mandamental, mas criativa do
Judiciário. Ademais, é inaplicável a restrição do marco probatório incidente no
mandado de segurança, que exige certeza e liquidez, fatores que estão justamente
sonegados pela própria omissão legislativa.
O instituto é estruturalmente apto, mas a idoneidade do mandado de injunção
como instrumento de proteção depende da sua correta compreensão teleológico-
funcional pelo Judiciário. Caso contrário, o instituto, que deveria constituir garantia
de concretização do direito que à norma omissa cumpria regular, será também
invalidado. Além do direito fundamental, a garantia do direito fundamental também
não é efetivada.
A sua função não pode ser desprestigiada pelo Judiciário, que não pode se
limitar a uma decisão meramente interpelativa, que pouco ou nenhum efeito exerce
sobre a mora do Legislativo. O mandado de injunção requer a intervenção judicial, a
normatização criativa, concreta e integradora em face da lacuna normativa que obsta
355
Antes desses, citam-se que as decisões no MI 232-1 e MI 283-5 já representavam algum avanço.
151
o exercício do direito social. A não ser assim, não se vislumbra real possibilidade do
mandado de injunção ensejar a necessária eficácia da proteção dos direitos sociais.
4.4 AÇÃO CIVIL PÚBLICA
4.4.1 Perfil do Instituto
O primeiro projeto de lei para a defesa dos interesses transindividuais foi fruto
da proposta de Ada Pelegrini Grinover, Kazuo Watanabe, Waldemar Mariz de
Oliveira Júnior e Cândido Rangel Dinamarco, posteriormente alterado por proposta
de Édis Milaré, Nelson Nery Júnior e Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz.
Com base nessas propostas, apresentou-se outro anteprojeto, de iniciativa do
Ministério Público do Estado de São Paulo, que, ao final, foi encampado como
projeto do poder Executivo, sendo sancionado e transformado na Lei n. 7.347/85
(Lei da Ação Civil Pública).
Trata-se de uma ação civil, de status constitucional, de rito especial, mas
ordinário. Possui plurilegitimação ativa, na qual põe-se em relevo o Ministério
Público por integrar sua missão institucional/constitucional a defesa da ordem
jurídica, subjetiva e objetiva
356
. Não sendo eventualmente o autor da ação, cumpre-
lhe intervir na relação processual como custus legis ou para assumir posição de
autor em caso de inércia do seu titular em promover a execução da sentença.
Embora a ação civil pública não esteja prevista no catálogo das garantias
fundamentais previstas na ordem jurídico-constitucional, foi por ela recepcionada ao
dispor sobre a legitimidade ativa para sua propositura, atribuída ao Ministério Público
(art. 129, III, da CF/88). Concomitantemente, protege a ordem jurídica violada e
protege a dimensão subjetiva individual ou transindividual dos interesses jurídicos
fundamentais.
Como bem anota Hugo Nigro Mazzilli, a proteção jurisdicional dos interesses
transindividuais de origem comum tem peculiaridades, pois “não só esses interesses
356
Art. 129 da CF/88. “São funções institucionais do Ministério Público: [...] III - promover o inquérito
civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos”.
152
são intrinsecamente transindividuais, como também sua defesa judicial deve ser
coletiva, seja em benefício dos lesados, seja ainda em proveito da ordem jurídica”
357
.
É regulamentada, como visto, no plano infraconstitucional pela Lei n. 7.347/85
e pelos dispositivos do Título III da Lei n. 8.078/90 (CDC), no que for cabível, sempre
com aplicação subsidiária do CPC.
Da conjugação do comando normativo, contido no dispositivo constitucional e
da legislação infraconstitucional especial que a ela se refere, legitimação ativa
extraordinária, concorrente e disjuntiva, entre: a) Ministério Público; b) as pessoas
jurídicas de direito público interno; c) as entidades da administração indireta
(empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e autarquias, nelas
incluídas as agências reguladoras); d) as associações civis constituídas há pelo
menos um ano e que tenha por objeto institucional a defesa do interesse em questão
e entidades
358
; e) mediante autorização da autoridade competente, os órgãos da
administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica,
quando destinados à proteção de interesses transindividuais
359
(ao consumidor, ao
meio ambiente, às pessoas portadoras de necessidades especiais) e f) comunidades
indígenas e sindicatos
360
.
Dos legitimados ativos, somente a atuação do Ministério Público é informada
pelos princípios da obrigatoriedade e indisponibilidade, o que significa dizer que,
concluindo o órgão ministerial sobre a existência de violação da ordem jurídica ou de
interesses individuais homogêneos ou transindividuais, não lhe incumbe, por razões
de conveniência, abster-se da propositura da ação civil pública.
A legitimidade ativa do Ministério Público, na defesa de interesses individuais
homogêneos, é expressamente reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal
Certos direitos individuais homogêneos podem ser classificados
como interesses ou direitos coletivos, ou identificar-se com
interesses sociais e individuais indisponíveis. Nesses casos, a ação
civil pública presta-se a defesa dos mesmos, legitimado o Ministério
357
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor,
patrimônio cultural patrimônio público e outros interesses. 17. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2004. p. 58.
358
Art. e 21 da Lei n. 7.347/85 (ACP), art. 82 e 90 da Lei n. 8.078/90 (CDC), art. 210 da Lei n.
8.069/90 (ECA) e art. 3º da Lei n. 7.853/89 (Portadores de deficiência).
359
Art. 82, III, da Lei n. 8.078/90 (CDC).
360
Art. 8º, III, 5º LXX, b, e 232 todos da CF/88.
153
Público para a causa. CF, art. 127, caput, e art. 129 [...] (RE 195.056,
Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 30/05/03)
361
.
O ajuizamento de ação civil pública não impede a ação individual para a
defesa de interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo pelo seu titular.
Todavia, nas duas últimas hipóteses, podeo titular se habilitar, no prazo de lei, e
requerer a suspensão da ação individual e se habilitar como assistente litisconsorcial
na ação civil pública ou coletiva. Igualmente não impede ação popular que vise
anular ato lesivo ao meio ambiente, à moralidade administrativa, ao patrimônio
histórico e cultural ou ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado
participe.
Em tese, pode ser proposta a ão civil pública em face de qualquer pessoa,
física ou jurídica, de direito privado ou público interno, inclusive entes
despersonalizados, independente da existência de prova pré-constituída.
Originalmente, a Lei n. 7.347/85 estabelecia como objeto interesses
transindividuais relativos ao consumidor e ao meio ambiente. Posteriormente, a
Constituição Federal de 1988, por seu dispositivo 129, III, ampliou o objeto da ação
civil pública, para nele inserir a defesa de outros interesses difusos e coletivos. O
objeto da ação civil pública foi, ainda, sobremodo ampliado com o advento de leis
especiais, a exemplo da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei
n. 7.853/89 (portadores de deficiência), Lei n. 7.913/89 (mercado mobiliário), Lei n.
8.429/92 (improbidade administrativa), Lei n. 8.884/94 (ordem econômica e
economia popular), Lei n. 8.974/95 (engenharia genética), Lei n. 10.257/01 (ordem
urbanística), Lei n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso) e, sobretudo, a Lei n. 8.078/90
(Código de Defesa do Consumidor).
Atualmente, o amplo o objeto da ação civil pública engloba todas as
categorias de interesses, e se relacionam ao meio ambiente, ordem econômica,
economia popular, consumidor, ordem urbanística e patrimônio público (natural e
cultural): a) interesses difusos, de objeto indivisível, pertencentes a grupo
indeterminável e que têm em comum a mesma situação de fato; b) interesses
coletivos, de objeto indivisível, pertencentes a grupo determinável e que têm em
comum a mesma relação jurídica; c) interesses individuais homogêneos, de objeto
361
No mesmo sentido: STF - RE 163.231, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 29/06/01; STF - RE-
AgR554088/SC, 2. turma, Rel.: Min. Eros Grau, DJ 20-06-2008. Disponível em: <www.stf.gov.br>.
Acesso em: 13 dez. 2007.
154
divisível, pertencentes a grupo determinável e que têm origem fática ou jurídica
comum.
A ação civil blica tem por fim desconstituir o ato impugnado e condenar os
demandados à obrigação de fazer - preferencialmente - ou pagar indenização para
recomposição de prejuízos. A decisão, quando acolher ou rejeitar o pedido salvo
por insuficiência de provas - terá efeitos ‘erga omnes’.
4.4.2 O Instituto e a Justiciabilidade dos Direitos Sociais
A ação civil pública é um poderoso instrumento para a concretização
jurisdicional dos direitos sociais em sua dimensão subjetiva transindividual, mas
também se mostra apta à tutela de direitos e interesses individuais homogêneos.
Embora não seja essa a vocação da ação civil pública, ela tem sido utilizada -
paradoxalmente - com mais sucesso para a defesa de direito subjetivo social
individual
362
do que na dimensão transindividual.
Aduz José Reinaldo de Lima Lopes que:
O levantamento dos casos mostrou justamente que os tribunais ficam
à vontade para julgar o caso a favor de um indivíduo, mas não ficam
à vontade para obrigar à revisão das políticas gerais. Nestes termos,
as ações civis públicas tendem a ter mais sucesso quando propostas
para defender interesses divisíveis e singulares do que quando
propostas para defender ‘interesses difusos’. Levando às últimas
conseqüências: as ações civis públicas funcionaram melhor quando
usadas fora de seu propósito do que quando utilizadas para os fins
que alimentaram o ideário de sua criação, pelo menos quando
analisamos os casos de saúde e educação tratados como direitos
sociais. Em geral as ações funcionaram melhor quando se converteu
362
Cf. LOPES, José Reinaldo de Lima. Direitos sociais: teoria e prática. São Paulo: Método, 2007. p.
255-256. Aduz o autor: “O levantamento dos casos mostrou justamente que os tribunais ficam à
vontade para julgar o caso a favor de um indivíduo, mas não ficam à vontade para obrigar a
revisão das políticas gerais. Nesses termos, as ações civis públicas tendem a ter mais sucesso
quando propostas para defender interesses divisíveis e singulares do que quando propostas para
defender ‘interesses difusos’. Levando às últimas conseqüências: as ações civis públicas
funcionaram melhor quando usadas fora de seu propósito do que quando utilizadas para os fins
que alimentaram o ideário de sua criação, pelo menos quando analisamos os casos de saúde e
educação tratados como direitos sociais. Em geral, as ações funcionaram melhor quando se
converteu seu pedido em defesa de direito fundamental individual, ou da fruição individual de um
direito social” (Idem, Ibidem, p. 256).
155
seu pedido em defesa de direito fundamental individual, ou da fruição
individual de um direito social.
363
Portanto, dela também o Ministério Público se vale para a defesa de
interesses individuais homogêneos. Propõe Fábio Konder Comparato a
intensificação da atuação do Ministério Público, sobretudo o Federal, pois a essa
instituição incumbe propor a ação civil pública contra o chefe do Poder Executivo e
por ser esse o remédio judicial adequado para sancionar a violação de normas
constitucionais orçamentárias em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais:
a) não inclusão ou inadequada previsão de verbas referidas às políticas públicas; b)
em caso de desvio de despesas ou de não liberação de verbas no curso do
exercício financeiro
364
.
Prossegue o jurista, afirmando diretivas para a atuação do Ministério blico
Federal, tais como: a) potencializar a sua atuação em sede de direitos sociais; b)
estabelecer compromisso com ONGs e associações para esse fim; c) firmar
convênios com o Ministério Público Estadual e do Distrito Federal nas áreas de
competência comum, a exemplo da educação e saúde
365
.
Em sede controle de políticas públicas sociais, a ação civil pública revela-se
como eficaz instrumento, tanto na esfera estadual, como federal. Nesse sentido,
Rodolfo de Camargo Mancuso
366
posiciona-se em prol da utilização da ação civil
pública para o controle judicial das políticas públicas. A relevância da ação civil
pública na judicialização das demandas coletivas para a implementação de direitos
sociais também é posta em relevo por Andreas J. Krell
367
.
Para a proteção da dimensão subjetiva dos direitos sociais, em dimensão
individual ou coletiva, verifica-se a intensa atuação do Ministério Público na área da
saúde e da educação, mediante a ação civil pública, cuja legitimidade ativa é
363
Cf. LOPES, José Reinaldo de Lima. Direitos sociais: teoria e prática. São Paulo: Método, 2007. p.
255-256.
364
Cf. COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na defesa dos direitos econômicos, sociais
e culturais. In: CUNHA, Sérgio Sérvulo (Org.). Estudos de Direito Constitucional em homenagem a
José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 244-260; p. 260.
365
Idem, Ibidem, p. 260.
366
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio
cultural e dos consumidores - Lei 7.347/85- Legislação complementar. 10. ed, rev. e atual. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 46-47.
367
Cf. KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os
des(caminhos) de um Direito Constitucional ‘comparado’. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris,
2002. p. 103 e ss.
156
amplamente reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de direitos
individuais homogêneos.
No âmbito do direito à saúde:
Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à
saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como
prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde, em
ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder
Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais,
anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento
constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-
social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra
inaceitável modalidade de comportamento governamental
desviante
368
.
No âmbito do direito social à educação:
As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais,
podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento
do Órgão do Ministério Público, pois ainda que sejam interesses
homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses
coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como
dispõe o art. 129, inciso III, da Constituição Federal. Cuidando-se de
tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever
do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério
Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade
ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na
órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza
e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo
estatal
369
.
Em sede de direito social à educação, a legitimidade do Ministério Público e a
idoneidade instrumental da ação civil pública encontram-se, inclusive, sumuladas
para o fim de estabelecer que “O Ministério Público tem legitimidade para promover
ação civil pública cujo fundamento seja a ilegalidade de reajuste de mensalidade
escolares.” (Súm. 643).
Não se deve esquecer a indagação de Cassio Scarpinella Bueno que remete
à vantagem da ação civil pública com relação ao acesso individual no que tange às
questões tributárias, previdenciárias e sociais:
Qual a ‘efetividade’ dos mecanismos jurisdicionais de asseguramento
e reconhecimento destes mesmos direitos individualmente? [...] a
‘tolerância’ quanto ao acesso ‘individual’ à Justiça é apenas
368
STF RE 267.612. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 16 dez. 2007.
369
STF RE 163.231. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 16 dez. 2007.
157
aparente. Ao mesmo tempo em que se proíbe, porque ilegítima, a
ação civil pública para os fins constantes do novo parágrafo único do
art. da Lei n. 7.347/85, ‘atomiza-se, dificulta-se, impede-se’
mesmo, a tutela jurisdicional do direito do indivíduo em diversas
facetas. Proíbe-se a concessão de liminares, exige-se, para início da
execução, o trânsito em julgado e favorece-se, aqui e acolá, a
interposição de recursos e mais recursos pelas pessoas públicas ou
por quem lhe faça as vezes
370
.
Ainda reconheceu a Corte Suprema:
Certos direitos individuais homogêneos podem ser classificados
como interesses ou direitos coletivos, ou identificar-se com
interesses sociais e individuais indisponíveis. Nesses casos, a ação
civil pública presta-se a defesa dos mesmos, legitimado o Ministério
Público para a causa. CF, art. 127, caput, e art. 129
371
.
Em termos gerais, todos os direitos sociais individuais homogêneos
identificados como interesses sociais e individuais indisponíveis tem na ação civil
pública eficaz mecanismo de proteção e a sua legitimidade ativa incumbe ao
Ministério Público, estadual ou federal, como legítimo defensor da “ordem jurídica,
do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127
da CF/88), na esfera de suas atribuições constitucionais.
4.5 AÇÃO POPULAR
4.5.1 Perfil do Instituto
Trata-se, em suma, de uma ação civil, com natureza de garantia
constitucional do cidadão, gratuita, de rito especial, mas ordinário, com
plurilegitimação passiva. Por meio dela se realiza a defesa do patrimônio público e
da probidade da Administração.
370
BUENO, Cassio Scarpinella. Réquiem para a ação civil pública. Disponível em:
http://www.saraivajur.com.br/DoutrinaArtigosDetalhe.cfm?doutrina=306. Acesso em: 13 ago. 2007.
371
STF - RE 195.056, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 30/05/03. Disponível em: <www.stf.gov.br>.
Acesso em: 16 dez. 2007.
158
Constitui garantia constitucional de feição democrática, prevista no art.
LXXIII, da CF/88
372
, que permite ao cidadão postular a invalidação de atos
administrativos praticados em ofensa aos princípios constitucionais que regem a
Administração Pública e lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa,
ao meio ambiente ou ao patrimônio histórico e cultural. É regulamentada em nível
infraconstitucional pela Lei n. 4.717/65, servindo-lhe de fonte subsidiária o CPC.
Afigura-se como instrumento do exercício da soberania popular por coroar a
prerrogativa do cidadão de fiscalizar, externamente, a atividade do Poder Público e
postular a sua invalidação quando, contrastada com os princípios constitucionais,
não se mostre legitimada.
Nos termos da lei, tem por fim “anular ato lesivo ao patrimônio público ou de
entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e
ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de
custas judiciais e do ônus da sucumbência”.
O cidadão brasileiro - nato ou naturalizado - e o português equiparado que
estejam no gozo de seus direitos políticos detêm a legitimidade ativa para a
propositura da ação popular. Em suma, o nacional eleitor. O autor, em sede de ação
popular, atua em “nome próprio, por direito próprio, na defesa de direito próprio, que
é o de sua participação na vida política do Estado”
373
. O faz, todavia, por meio da
‘representação adequada’
374
com relação aos concidadãos titulares dos mesmos
interesses, pois cada um deles possui uma “‘quota’ desse ‘direito geral’ à boa gestão
da coisa pública”
375
.
Da legitinidade ativa, estão excluídos aqueles que não estejam no gozo dos
seus direitos políticos, os estrangeiros e as pessoas jurídicas.
O extenso rol de legitimados passivos encontra-se descrito no art. e 6º, §
2º, da Lei n. 4.717/65, que abrange pessoas jurídicas e pessoas sicas ligadas ao
372
Art. da CF/88: “LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a
anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo
comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.
373
SILVA, José Afonso da. Ação popular constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968. p.
195.
374
Critério adotado das ações coletivas que têm por objeto a proteção de interesses transindividuais e
inspirado no sistema das ‘class actions’ do direito norte-americano.
375
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação popular: proteção do erário, do patrimônio público, da
moralidade administrativa e do meio ambiente. Coleção controle jurisdicional dos atos do Estado.
Coord. Tereza Arruda Alvim Wambier. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
p. 114.
159
processo de produção do ato lesivo, por conduta omissiva ou comissiva, bem como
os beneficiários diretos do mesmo.
A ação popular poderá, portanto, ser proposta contra pessoa jurídica de
direito blico interno (União, Estados, Distrito Federal e Município), entidades
autárquicas, sociedade de economia mista, de sociedade mútua de seguro com
representação da União de segurados ausentes, de empresa pública, de serviços
sociais autônomos, quaisquer entidades ou pessoas jurídicas com subvenção dos
cofres públicos, instituição ou fundação criada ou custeada pelo tesouro público,
com subvenção de cifra superior a 50% e ainda contra as autoridades e pessoas
que houverem participado na produção do ato ou que tiverem oportunizado a lesão.
O objeto da garantia constitucional consiste no interesse difuso à proteção do
meio ambiente, do patrimônio histórico cultural e da moralidade administrativa. No
centro de proteção, portanto, encontra-se o patrimônio público e a probidade na
gestão pública. Tem por fim invalidar atos administrativos lesivos (ou potencialmente
lesivos) a tais bens jurídicos, quando praticados em ofensa a princípios
constitucionais, sobretudo os relativos à Administração blica
376
e condenar os
responsáveis à reparação de eventuais danos.
A competência para apreciar e julgar a ação popular não vem
constitucionalmente descrita, razão pela qual se estabelece em razão da origem do
ato cuja anulação se pleiteia, aplicando-se as normas gerais de competência.
Portanto, ainda que o ato seja emanado daquelas pessoas que têm foro privilegiado
junto ao Supremo Tribunal Federal, estas poderão ser demandadas em instância
diversa
377
.
Com relação ao pressuposto da lesividade, remanesce dissenso doutrinário e
jurisprudencial com relação à necessidade de concomitância de ilegalidade. Mostra-
se suficiente, a nosso ver, a lesividade da conduta administrativa para justificar o uso
da garantia constitucional, mesmo porque, da interpretação sistemática, verifica-se
que o legislador constituinte, usando criteriosamente (apenas 8 vezes) o vocábulo
‘ilegalidade’ em toda a Constituição, não o utilizou na ação popular a exemplo do
que consta da revisão de vendas de terras públicas, prevista no art. 51, §1º, da
376
Nesse sentido, Norbert Lösing, o objeto de proteção da ação popular são os direitos difusos e
coletivos, no caso à proteção do meio ambiente, patrimônio histórico e cultural e da moralidade
administrativa. (LÖSING, Norbert. La jurisdicionalidad constitucional en latinoamerica. Trad.
Marcela Anzola Gil. Madrid: Dykinson S.L, 2002. p. 274).
377
Cf. STF - Pet 2.018-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 16/02/01.Disponível em: <www.stf.gov.br>.
Acesso em: 22 dez. 2007.
160
CF/88, cujo parâmetro da ilegalidade é expressamente adotado como critério de
reversão. Na ilegalidade nem sempre lesividade (material), na lesividade sempre
está implícita a ilegalidade
378
.
O Supremo Tribunal Federal, a propósito, afirmou a suficiência do mero
risco de lesividade
379
, para estatuir que “[...] não é preciso esperar que os atos
lesivos ocorram e produzam todos os seus efeitos, para que, então, ela seja
proposta”.
A ação pode ser preventiva ou repressiva, conforme se busque evitar a
produção ou consumação dos efeitos lesivos ou a recompor os danos. Neste caso,
em caso de procedência do pedido, a decisão, que tem natureza desconstitutiva-
condenatória, delimitará o montante da indenização, sendo o caso de efetivo dano, e
condenará não só as pessoas que intervieram na produção do ato, mas todos
aqueles que dele se beneficiaram.
Em suma, objetiva a defesa do patrimônio público a res publica e da
probidade da sua administração, cuja preservação constitui o interesse primário
conferido a cada cidadão e que justifica a utilização da ação popular. Como
pronuncia o Supremo Tribunal Federal, preserva-se “a intangibilidade do patrimônio
público e a integridade da moralidade adminsitrativa”
380
.
4.5.2 O Instituto e a Justiciabilidade dos Direitos Sociais
A ação popular mostra-se inoperante para a eficaz proteção dos direitos
sociais, em sua dimensão positiva na hipótese de violação do seu comando
subjetivo e/ou da omissão de políticas públicas. O objeto da garantia constitucional
impõe a demonstração da lesividade da conduta com relação à moralidade
administrativa e ao patrimônio público, e não a um direito subjetivo considerado.
Protege, pois, diretamente apenas os interesses difusos à preservação de tais bens
378
Michel Temer que sustenta que quanto à ilegalidade “ela está sempre presente nos casos de
lesividade ao patrimônio público”. (TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 14. ed.
rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 200).
379
STF - AO 506-QO, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 04/12/98. Disponível em: <www.stf.gov.br>.
Acesso em: 22 dez. 2007.
380
STF- Pleno MC-Adin n.769/MA, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 08/04/94. Disponível em:
<www.stf.gov.br>. Acesso em: 23 dez. 2007.
161
jurídicos, ou seja, à manutenção da probidade administrativa na gestão do
patrimônio público.
Como a decisão em sede de ão popular tem natureza desconstitutiva (ato
impugnado) e condenatória (perdas e danos), dela não decorreria um efeito
concretizador dos direitos sociais sonegados, mas tão-somente um efeito obstativo
de eventual lesão, por ex., em face de um programa governamental manifestamente
regressivo dos direitos sociais, cuja lesividade é manifesta por ensejar o vedado
retrocesso social. Ela não constitui, apenas desconstitui. Mostrar-se-ia apta,
portanto, apenas na hipótese de proteção dos direitos sociais em sua dimensão
negativa de não lesão uma vez incidentes os pressupostos legais que autorizam
a sua propositura.
4.6 ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
4.6.1 Perfil do Instituto
Em virtude da supremacia da Constituição, todas as normas
infraconstitucionais devem com ela manter relação de compatibilidade sob pena de
invalidade. Quando é violada a Constituição por uma lei ou ato normativo, seja
quanto ao processo de elaboração de uma norma, seja quanto à atribuição de seu
conteúdo, caracteriza-se a inconstitucionalidade, que consiste na ofensa à
Constituição. Para prevenir ou reprimir a inconstitucionalidade de leis e atos
normativos institui-se o controle judicial de constitucionalidade que, no Brasil, é
caracterizado por ser híbrido
381
, fruto da junção do modelo norte-americano (difuso)
e do modelo austríaco (concentrado).
Quando os preceitos constitucionais fundamentais são ameaçados ou
violados por ato do Poder Público, caracteriza-se o descumprimento da Constituição,
passível de correção por meio da argüição de descumprimento de preceito
fundamental. O descumprimento à Constituição, ou dos seus preceitos
fundamentais, extrapola os limites da mera inconstitucionalidade, podendo
381
O modelo brasileiro de controle de constitucionalidade é híbrido, desde a Emenda Constitucional
16, de 26.11.1965, que instituiu o modelo concentrado ao lado do modelo difuso.
162
compreender fatos do mundo concreto que estejam em desconformidade com a
realidade normativa constitucional
382
.
A argüição de descumprimento de preceito fundamental é, portanto,
mecanismo do sistema de controle concentrado de constitucionalidade, que provoca
a jurisdição constitucional orgânica. Tem por fim prevenir ou reprimir o
descumprimento de preceito constitucional fundamental por parte do Poder Público.
Desse modo, promove-se a defesa dos preceitos fundamentais e garante-se a
supremacia da Constituição.
A ação está prevista na Constituição de 1988, em seu art. 102, § 1º e
regulamentada pela Lei n. 9.882/99.
Tem por objeto de proteção os preceitos fundamentais e, segundo a dicção
legal, a sua finalidade consiste em “evitar ou reparar lesão a preceito fundamental”
quando resultante de ato do Poder Público”. Todavia, o legislador constitucional não
delimitou o alcance da expressão, nem ousou fazê-lo o legislador infraconstitucional.
É um conceito indeterminado, pois, e a sua interpretação incumbirá, principalmente,
ao Supremo Tribunal Federal enquanto guardião e intérprete último da Constituição.
Podem se considerar fundamentais aqueles preceitos – princípios ou regras – formal
ou materialmente constitucionais, que explícita ou implicitamente, abrigam valores
supremos imprescindíveis à conformação da ordem jurídico-constitucional de um
Estado Democrático de Direito, dentre as quais avultam com primazia aquelas que
definem direitos fundamentais
383
.
A partir do texto constitucional e da lei regulamentadora, pode-se conceituar a
argüição de descumprimento como uma ação especial, de índole constitucional, de
caráter principal ou incidental, que tem por objeto o controle da constitucionalidade,
na via concentrada, de atos do Poder Público de todas as esferas da federação,
normativos ou não, quando descumprirem preceitos fundamentais.
Como característica principal, tem-se apontado para sua natureza subsidiária,
no sentido de que somente é admissível quando não haja outro mecanismo para
sanar o descumprimento do preceito constitucional fundamental (art. 4º, § da Lei
n. 9.882/99). Todavia, de se verificar que, em sua modalidade incidental, não se
382
Cf. TAVARES, André Ramos. Argüição de Descumprimento de Preceito Constitucional
Fundamental: aspectos essenciais do Instituto na Constituição e na Lei. In: TAVARES, André
Ramos; ROTHEMBURG, Walter Claudius. (Orgs.) Argüição de Descumprimento de Preceito
Fundamental: análises à luz da Lei n. 9.882/99. São Paulo: Atlas, 2001. p. 59.
383
Cf. SAES, Wandimara P. S. A extensão e o conteúdo de preceito fundamental na argüição de
descumprimento, op. cit., p. 334-335.
163
mostra possível fazer tal correlação com os demais mecanismos de controle, visto
que é o único mecanismo de controle de constitucionalidade que viabiliza a
sindicabilidade de atos normativos municipais e dos pré-constitucionais.
A lei regulamentadora da argüição, todavia, ampliou o objeto da ação e a
competência do STF, para incluir em seu âmbito de proteção as hipóteses em que
se apresenta “relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato
normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição” (art.
2º, parágrafo único, inciso I, da Lei n. 9.882/99). Tal ampliação, embora tachada de
inconstitucional
384
por parcela da doutrina, tem o mérito de reduzir o círculo de
imunidade do poder público
385
.
A teor do dispositivo, incluem-se atos normativos ou não do Poder Público. No
contexto normativo e diante da dupla modalidade da argüição de descumprimento
de preceito fundamental, o objeto sindicável compõe-se: a) dos atos do Poder
Público, de todas as esferas federativas; b) das leis ou atos normativos de todas as
esferas federativas, incluídos os anteriores à Constituição.
A legitimidade ativa, na modalidade principal vem prevista no art. 2º, I, da Lei
n. 9.882/99, segundo o qual estão legitimados para a propositura da argüição de
descumprimento de preceito fundamental os mesmos sujeitos enumerados como
legitimados para propor a ação direta de inconstitucionalidade e ação direta de
constitucionalidade.
São eles: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da
Câmara dos Deputados, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso
Nacional, a Mesa de Assembléia Legislativa ou a Mesa da Câmara Legislativa do
Distrito Federal, o Governador de Estado ou o Governador do Distrito Federal e
confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional
386
.
Por força do veto presidencial incidente sobre inciso I, do art. 2º da Lei n.
9.882/99 então projeto já aprovado em ambas as Casas - foi excluída a
legitimidade ativa do cidadão, confirmando a tradição antidemocrática de afastar o
384
O Supremo Tribunal Federal manifestou entendimento de que a lei regulamentadora não padece
de tal vício ao apreciar argüição de descumprimento de preceito fundamental. (Cf. STF Pleno,
ADPF/DF 54, questão de ordem, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 31-08-2007. Disponível em:
<www.stf.gov.br>. Acesso em: 05 fev. 2008).
385
Como bem adverte o Min. Celso Mello, ao por em relevo a função instrumental do mandado de
segurança. (Cf. STF- MS 20999 / DF, Pleno. Rel. Min. Celso de Mello - DJ 25-05-1990).
386
Os três últimos legitimados devem demonstrar interesse na propositura da ação, o que se
denomina de ‘pertinência temática’.
164
cidadão da Suprema Corte. Em outras palavras, houve um ‘aborto jurídico’ do direito
do cidadão, já gestado em projeto de lei aprovado nas duas Casas do Congresso.
A legitimidade passiva recai sobre o agente ou órgão do Poder Público
responsável pela prática do ato que resultou no descumprimento de preceito
constitucional fundamental.
Nos termos do art. 102, § 2º, da CF/88 compete ao Supremo Tribunal Federal
o processamento e o julgamento da argüição de descumprimento de preceito
fundamental.
Como ocorre nas demais decisões de controle concentrado, os efeitos da
decisão na argüição de descumprimento de preceito fundamental são três:
vinculantes, erga omnes e ex tunc. Os dois primeiros efeitos citados vêm descritos
no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.882/99. O efeito é vinculante e decorre somente da parte
dispositiva da decisão
387
e atinge os demais Poderes. A eficácia erga omnes torna
geral a força obrigatória da decisão. O efeito ex tunc decorre da declaração de
nulidade do ato do Poder Público que retroage ao momento da realização do ato
impugnado, pois sendo nulo não poderia ter gerado nenhum efeito válido. Todavia, é
possível a modulação de seus efeitos, a título excepcional e mediante quorum
qualificado (2/3), por meio da qual o Supremo Tribunal Federal pode atribuir apenas
efeitos ex nunc em virtude de excepcional interesse social ou segurança jurídica e
segundo os limites temporais que o tribunal estabeleça. Podem-se citar ainda
algumas particularidades processuais: não admite desistência, não admite recurso e
não admite ação rescisória.
4.6.2 O Instituto e a Justiciabilidade dos Direitos Sociais
A argüição de descumprimento de preceito fundamental constitui poderoso
instrumento de proteção dos preceitos fundamentais constitucionais, sobretudo em
face dos efeitos emanados da decisão que a julga procedente, que são gerais e
vinculantes. Mediante a ação de descumprimento se viabiliza, de modo concentrado,
a proteção de preceitos fundamentais, em cuja classe se inserem, com primazia, os
preceitos definidores dos direitos fundamentais. Ademais, no amplo contexto
387
Exclui-se, pois, o fenômeno da transcendência dos motivos.
165
semântico de “atos do Poder Público”, incluem-se as políticas blicas para fins de
controle judicial.
Não se deve esquecer, ademais, que se os direitos sociais são
implementados essencialmente por políticas públicas, afastar o controle judicial
dessas implica excluir da apreciação jurisdicional a violação desses direitos
fundamentais e violar a sua própria justiciabilidade. Se a lei não pode afastar a
apreciação jurisdicional de lesão a direitos, com maior razão, veda-se ao Judiciário
fazê-lo.
Posta de lado a postura inicialmente restritiva do Supremo Tribunal Federal,
verifica-se o prestigiamento da argüição de descumprimento como legítimo
instrumento de controle judicial de políticas públicas no Brasil, que indiretamente
promove a proteção dos direitos fundamentais sociais em sua dimensão subjetiva.
Atualmente delineia-se a tendência à admissibilidade desse instrumento para
o controle judicial das políticas públicas, conforme se verifica na ADPF 45 que, não
obstante tenha perdido o seu objeto durante a sua tramitação, estabelece algumas
importantes diretivas: (a) possibilidade de controle judicial; (b) fundamento do
controle: razões ético-jurídicas; (c) hipóteses autorizáveis de controle: abuso, dolo ou
inércia estatal inescusável; (d) objeto da violação: mínimo existencial; (e) parâmetro
de controle: princípio da razoabilidade e (f) idoneidade instrumental para o controle:
argüição de descumprimento de preceito fundamental.
Assim se pronunciou, como relator, o emérito Min. Celso Mello:
Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas
dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação
popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre
reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade
de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.
É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou
procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a,
a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando,
como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de
um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível
consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas
necessárias a uma existência digna e essencial à própria
sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como
precedentemente enfatizado - e até mesmo por razões fundadas
em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do
166
Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens
cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado
388
.
Na doutrina também se defende a utilização da argüição de descumprimento
de preceito fundamental em sede de controle de políticas públicas
389
.
Em sede de proteção de direitos fundamentais, o instituto assume grande
relevo e a sua eficácia, com relação aos instrumentos de controle difuso, é
oportunamente observada “pois enquanto estes são processos subjetivos, a
argüição constitui um processo objetivo de defesa da Constituição, permitindo a
proteção dos direitos fundamentais de forma geral e imediata”
390
.
Em verdade, um grande ganho processual’, em que se acessa
diretamente a instância máxima e para obter decisão que emana efeitos imediatos,
gerais e vinculantes. Todavia, paralelamente, deve-se acudir aos direitos sociais que
urgem nas situações individuais subjetivas e são veiculadas mediante as garantias
constitucionais.
4.7 OS DIREITOS SOCIAIS E A AMBIÊNCIA JURISDICIONAL
Não se pretende, neste ponto, colacionar decisões emancipatória dos direitos
sociais que, de modo irrepreensível, têm sido proferidas pelos tribunais das mais
variadas unidades federativas do país
391
. Pretende-se, ao revés, extrair algumas
decisões, de cunho denegatório dos direitos sociais, com o fito de demonstrar que
ainda resistência quanto à proteção dos direitos sociais e demonstrar,
exemplificativamente, quais são os fatores que (ainda) permeiam a ambiência
jurisdicional e que atuam em prejuízo à justiciabilidade dos direitos sociais. Não se
incluem, na pesquisa, os direitos sociais laborais, que possuem justiciabilidade
reconhecida pela própria justiça especializada prevista constitucionalmente para a
sua proteção.
388
STF - ADPF 45, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04/05/04. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso
em: 05 fev. 2008.
389
Por todos, Maricy Maraldi. (Cf. MARALDI, Maricy. O controle de constitucionalidade das políticas
públicas e a argüição de descumprimento de preceito fundamental. 2005. Dissertação (Mestrado
em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo).
390
MANDELLI JÚNIOR, Roberto Mendes. Argüição de descumprimento de preceito fundamental:
instrumento de proteção dos direitos fundamentais e da Constituição. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003. p. 194.
391
A pesquisa jurisprudencial restringiu-se ao último qüinqüênio.
167
Por questões formais (processuais) ou de conteúdo, verifica-se a denegação
da proteção de direitos sociais postulados.
Pela questão de forma, pôs em relevo a inidoneidade técnica do mandado de
segurança como mecanismo de postulação do direito social, em geral em matéria de
saúde. A ineficácia do mandado de segurança como garantia do direito social, é
revelada no seguinte aresto, cujo voto parcialmente se transcreve:
Não se pode condescender com abusos que m acontecendo nos
últimos meses, pois está ocorrendo a impetração de mandados de
segurança em série para se buscar providências desta natureza, em
que o próprio julgador, até pelas características da via estreita do writ
of mandamus, fica impossibilitado de avaliar as provas e a
necessidade do medicamento receitado. Por tais argumentos, sem
prejuízo à impetrante para que possa buscar, por meio da via
processual própria, os mesmos medicamentos solicitados neste feito,
julga-se extinto o mandamus, restando prejudicadas as demais
questões ventiladas nas informações
392
.
.
No mesmo sentido: TJMG MS 1.0000.07.449922-9/000, Rel. Des. Kildare
Carvalho, j. em 07/11/2007, p. em 20/02/2008
393
.
Verifica-se que próprio Judiciário, diante da inidoneidade técnica do mandado
de segurança no caso, sugere ao titular do direito que abra o da garantia
constitucional, para a (eventual) satisfação do seu direito fundamental e opte pelas
vias ordinárias:
O mandado de segurança presta-se tão-somente à defesa de direito
líquido e certo (CF, art. 5º, LXIX); impedem a concessão da ordem
"controvérsias factuais e ausências de liquidez e certeza do direito
vindicado" (MS n. 1.752, Min. Milton Luiz Pereira). "O requerimento
de concessão gratuita de remédios pelo Estado deve ser formulado
por meio de ação ordinária, em razão da necessidade de dilação
probatória acerca da doença de que é portador o requerente bem
como da necessidade e utilidade do medicamento postulado, o que
não pode ser feito na via estreita do mandado de segurança,
necessitando de cognição exauriente
394
.
.
392
TJSC–Grupo de Câmaras de Direito Público, MS 2005.000055-5, Rel.: Rui Francisco Barreiros
Fortes, j. 27/04/2005. Disponível em: < http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 16 set. 2007.
393
In verbis: “Em sede de 'writ', quando a matéria expendida na inicial está a depender da produção
de prova técnica para caracterização do suposto direito líquido e certo do impetrante, impõe-se a
denegação da segurança, porquanto tal procedimento é incabível nos estreitos limites do
mandado de segurança.
394
TJSC - Segunda mara de Direito Público - Agravo de Instrumento 2005.021942-2, Rel. Des.
Newton Trisotto, j. 25/10/2005. Precedentes citados do Grupo de Câmaras de Direito Público do
168
No mesmo sentido: TJSC - MS n. 2004.019965-1, Des. Luiz Cézar
Medeiros
395
. Em sede de concretização do direito à saúde (art. da CF/88) a sua
proteção também tem sido denegada por inexistência de prova pré-constituída, em
sede de mandado de segurança:
Se o Estado apresenta elementos fundados - confiáveis - de seu
serviço médico oficial, atestando a discussão estabelecida acerca da
prescrição de Humira para o tratamento eficaz de artrite reumatóide,
não é aceitável, 'data venia', que atestado de um só médico particular
- absolutamente sem qualquer motivação - possa ser validamente
oposto a tais afirmativas. - Só laudo médico - devidamente justificado
e emitido por serviço oficial - pode ser contraposto às razões da
Administração, para efeito de fornecimento de medicamento
excepcional (não incluídos na Portaria MS/GM 1318/2002). -
Inexistência de prova pré-constituída para efeito de concessão da
ordem
396
.
No mesmo sentido: TJMG- Grupo de Câm. Cíveis, MS 1.0000.06.441212-
5/000, Rel. Des. Alvim Soares, Rel. do acórdão: Des. Fernando Bráulio, j. em:
27/11/2006.
A jurisprudência predominante do E. STJ entende incabível a ação civil
pública proposta pelo Ministério blico para proteção individual do direito
fundamental
397
. Não obstante, o STF já reconheceu a sua adequação e legitimidade
a esse órgão ministerial
398
.
Por questões de fundo, as razões são inúmeras.
Utilizando a teoria do mínimo existencial para a (indevida) redução do direito
social e restrição de sua imanente justiciabilidade, rechaçou-se a pretensão
veiculada pelo Ministério blico Federal. Da decisão verifica-se ainda que uma
errônea concepção da justiciabilidade dos direitos fundamentais, implicitamente
TJSC: MS n. 2004.026279-8 e MS n. 2004.024243-3 (Des. Volnei Carlin) e MS n. 2005.009370-1
(Des. Cesar Abreu). Disponível em: < http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 16 set. 2007.
395
In verbis: "A via mandamental não é própria para obrigar os entes públicos - Estado e Municípios -
a fornecerem medicamentos, haja vista inviabilizar a produção de contraprova. O caminho
processual normal seria o processo de conhecimento com pedido de antecipação de tutela".
Disponível em: < http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 16 set. 2007.
396
TJMG .4º Grupo de m.Cíveis, MS 1.0000.06.441210-9/000, Rel. Des. Edvaldo George dos
Santos, Rel. do acórdão Des. Wander Marotta, j. em: 27/11/2006. Disponível em: <
http://www.tjmg.gov.br>. Acesso em: 16 set. 2007.
397
RESP n. 706.652/SP, 2. Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 18/04/2005; RESP n. 664.139/RS,
2. Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 20/06/2005. Disponível em: <www.stj.gov.br>.Acesso em:
13 fev. 2007.
398
RE 195.056, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 30/05/03. No mesmo sentido: STF - RE 163.231, Rel.
Min. Maurício Corrêa, DJ 29/06/01; STF - RE-AgR554088/SC, 2. turma, Rel.: Min. Eros Grau, DJ
20-06-2008. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 13 fev. 2007.
169
reputada derivada (não originária) e não fundada na Constituição, visto que cita
ausência de dispositivo legal para afastar a pretensão:
[...] Em que pese inexista consenso na jurisprudência dos Tribunais
Superiores acerca da natureza da norma do art. 196 da Constituição,
considerando alguns julgados a sua natureza programática e outros,
tal como a sentença ora recorrida, defendendo que dela se poderiam
extrair direitos subjetivos aptos a gerar exigências de prestações
positivas do Poder Público, a melhor doutrina orienta que, em se
tratando de direito à saúde, apenas às prestações que compõem o
assim denominado "mínimo existencial" cabem ser judicialmente
condenados os entes públicos a implementá-las em prazo
determinado. 3. No vasto campo dos direitos aos bens da vida,
inadequado seria supor que ao Poder Judiciário coubesse fixar ou
escolher políticas públicas, como se os seus membros formassem
uma classe sacerdotal, superior e paternalista, capaz de prover todos
os bens desejados pelo homem, independentemente do debate
político, deferindo pretensões que, embora justas, estariam se
sobrepondo a outras tantas demandas sociais, deixando de levar em
conta um enorme contingente de pessoas que, vivendo abaixo do
nível da dignidade, sequer teriam acesso ao Judiciário para expor as
suas necessidades. 4. O fornecimento de aparelhos de amplificação
sonora individuais (AASI), a despeito de sua relevância para a
integração dos deficientes auditivos ao meio social, não se encontra
inserido naquele grupo de prestações formadoras do "mínimo
existencial" no campo da saúde a que se refere a doutrina de Ana
Paula de Barcellos (A eficácia jurídica dos princípios
constitucionais.[...] 5. Por não conter a Lei n. 7.853/89 qualquer
determinação expressa relacionada ao fornecimento de aparelhos
auditivos, mas, tão-somente, normas gerais visando a garantir o
pleno exercício dos direitos das pessoas portadoras de deficiências,
descabe ser enquadrada a prestação objeto da pretensão do
Ministério Público Federal nestes autos dentre aquelas que teriam a
natureza de opção política juridicizada além do mínimo existencial,
donde inexiste respaldo legal para a condenação do Poder Público a
proceder, em determinado prazo, à sua obrigatória implementação
399
.
Ainda com amparo na errônea concepção de justiciabilidade derivada dos
direitos fundamentais, se denegou proteção ao direito social por ausência de lei
regulamentadora:
[...] Em que pese o dever do Município advir também de
mandamentos constitucionais, bem como a preocupação jurídica
atual em se conceder eficácia máxima às normas constitucionais,
impende considerar que os autos versam aqui sobre direitos sociais
de saúde e assistência aos desamparados, onde o direito à vida não
399
TRF- 2. R, AC 2004.50.01.007243-4, 8. Turma Especializada, Rel. Juiz Fed. Conv. Marcelo
Pereira da Silva, DJU 02/07/2008. Disponível em: < http://www.trf2.gov.br>. Acesso em: 16 jul.
2008.
170
está em perigo, este sim, tutelável imediatamente (art. da
CRFB/88). Cuidam-se, portanto, de direitos sociais, ou seja, aqueles
de geração, onde a contraprestação estatal para o implemento
dos direitos se faz necessária, advindo daí a exigência de lei
regulamentadora sobre o tema. A CRFB/88 elegeu o remédio
constitucional cabível para a tutela de direitos subjetivos cuja falta de
norma regulamentadora torne inviável o seu exercício, qual seja, o
mandado de injunção previsto no art. 5º, LXXI
400
.
Verifica-se que foi rechaçada a pretensão cautelar embasada no direito à
saúde por ausência de demonstração que o remédio oferecido pelo SUS era
inadequado ao tratamento solicitado:
O fornecimento de medicamentos em sede de antecipação de tutela
depende da demonstração, por meio de prova inequívoca, de que o
remédio pretendido e não fornecido pelo SUS é o único capaz de
oferecer tratamento adequado à doença que acomete a parte.
Havendo dúvida acerca da verossimilhança do direito invocado,
indefere-se a antecipação de tutela requerida. Preliminar rejeitada.
Recurso conhecido e provido
401
.
.
Com base na cláusula da reserva do possível, em matéria orçamentária, não
se amparou o direito social por ausência de demonstração de que o remédio
oferecido pelo SUS era inadequado ao tratamento ou que o solicitado era de
exclusiva eficácia para o sucesso do mesmo:
O Estado é parte legítima para figurar no pólo passivo da ação, uma
vez que a ele pode ser imputada a responsabilidade pelo
atendimento das necessidades de saúde da impetrante. Seja pela
observância das cláusulas da reserva do possível e da reserva em
matéria orçamentária, seja pelos princípios da isonomia, da
seletividade e da distributividade, seja ainda pela realização dos
objetivos da República Federativa do Brasil, de justiça social e
redução das desigualdades sociais, não está o Poder Público
obrigado a fornecer qualquer medicamento indicado pela parte se
esse não está incluído na lista de medicamentos obrigatórios ou se
não foi provada a eficácia exclusiva do medicamento. Não havendo a
comprovação da necessidade do medicamento em detrimento dos
outros fornecidos regularmente pelo Poder Público para o tratamento
da mesma doença que acomete a autora, deve ser julgado
400
TJRJ – 9. Câm Civ-Ap.C. 2007.001.58451 – Rel. Des. Roberto de Abreu e Silva – j. em 18/12/2007
- Disponível em: < http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em: 26 set. 2007.
401
TJMG - 3ª Câm. Cível - AI 1.0024.06.217882-7/001, Rel.(a): Des.(a) Albergaria Costa, j. em
08/02/2007. Disponível em: < http://www.tjmg.gov.br>. Acesso em: 16 set. 2007.
171
improcedente o pedido. Em reexame, reformar a sentença e denegar
a segurança
402
.
Relativizando a força do direito social em face da cláusula da reserva do
possível, tem-se a seguinte decisão:
Ementa: CONSTITUCIONAL - AÇÃO ORDINÁRIA -
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - INSUFICIÊNCIA
CORONÁRIA, MIOCARDIOPATIA E DEPRESSÃO -
INOCORRÊNCIA DE RAZOABILIDADE E DISPONIBILIDADE
FINANCEIRA - CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL. O direito
à saúde inscrito no art. 196, CF, não tem caráter absoluto e necessita
ser ponderado com outros interesses definidos na Carta da
República. Disponíveis alguns dos medicamentos pretendidos pelo
autor, acessíveis outros em forma similar ou genérica, improcede a
pretensão de obrigar o ente público a fornecer remédios outros cuja
ineficácia não é comprovada de modo satisfatório
403
.
.
Tem-se denegado segurança ao direito social à saúde por entender-se que a
sua concessão implica em ilegítima invasão de competência e desrespeito ao
princípio da separação de poderes:
Para a concretização do direito à saúde, o Poder Público deve agir
seletiva e distributivamente, não sendo possível ao magistrado
determinar que o ente estatal suporte os custos de medicamentos
que não foram previamente selecionados mediante critérios técnicos
que indicam as necessidades mais prementes da população. -
Entendimento diverso possibilita ao Judiciário imiscuir-se na esfera
de competência do Legislativo e do Executivo, interferindo no
orçamento dos entes estatais e até mesmo na política de distribuição
de saúde a todos os cidadãos, priorizando o direito de uns em
detrimento do de muitos, além de ferir o princípio da separação dos
Poderes. Segurança denegada
404
.
.
Para a concretização do direito à saúde, o poder público deve agir
seletiva e distributivamente, não sendo possível ao magistrado
determinar que o ente estatal suporte os custos de medicamentos
que não foram previamente selecionados mediante critérios técnicos
que indicam as necessidades mais prementes da população, sob
pena de o Judiciário imiscuir-se na esfera de competência do
Legislativo e do Executivo, interferindo no orçamento dos entes
402
TJMG–Ap. Cível/Reex Necessário 1.0313.06.209465-8/001, Rel.(a) Des.(a): Albergaria Costa, j.
em 11/10/2007. Disponível em: < http://www.tjmg.gov.br>. Acesso em: 16 mar. 2008.
403
TJMG, 1. Câm. Civ, Ap Cível/Reex Necessário, 1.0024.05.859238-7/001, Rel.: Des. Alberto Vilas
Boas, j. em: 10/07/2007. Disponível em: < http://www.tjmg.gov.br>. Acesso em: 16 mar. 2008.
404
TJMG MS 1.0000.07.450028-1/000(1), Rel. Des. Dárcio Lopardi Mendes, j. em 07/11/2007, p.
em 09/01/2008. Disponível em: < http://www.tjmg.gov.br>. Acesso em: 13 abr. 2008.
172
estatais e até mesmo na política de distribuição de saúde a todos os
cidadãos, priorizando o direito de uns em detrimento do de muitos
405
.
De idêntico teor a decisão proferida pelo mesmo tribunal no MS
1.0000.07.456301-6/000 (Rel. Des. Dárcio Lopardi Mendes, j. 07/11/2007, p.
29/02/2008).
Reputando indébita a intromissão em matéria afeta à administração pública
ainda assentou-se que,
[...] se a autoridade municipal, ora impetrada, demonstra o esforço
que vem empreendendo no sentido de atender `as necessidades das
pessoas com deficiência física e das portadoras de outras sequelas,
não se apresenta oportuno determinar que o governante atenda ao
pedido personalizado dos impetrantes, que na pratica significa
intervir na seara restrita da administração do executivo municipal.
Ordem denegada
406
.
Dessa forma, com fulcro no princípio da discricionariedade, o Poder Público,
[...] tem liberdade para, com a finalidade de assegurar o interesse
público, escolher onde devem ser aplicadas as verbas orçamentárias
e em quais obras deve investir. Não cabe, assim, ao Poder Judiciário
interferir nas prioridades orçamentárias do Município e determinar a
construção de obra especificada
407
.
A resistência ao controle judicial das políticas também se vê fundamentada na
ausência de competência para interferir em política derivada de comando
programático e não imperativo, referido ao direito social da educação (art. 205 da
CF/88), segundo se verifica do provimento, por unanimidade, ao recurso do
Município nos termos do aresto transcrito:
A disponibilização de vagas em estabelecimento pré-escolar é meta
programática que o Poder Público tem o dever de implementar na
medida de suas possibilidades. 2. No âmbito do Município, o direito
público subjetivo preconizado no §1º do art. 208 da Lex Mater,
consistente no ‘poder da vontade humana que, protegido e
reconhecido pela ordem jurídica, tem por objetivo um bem ou um
405
TJMG MS 1.0000.07.456301-6/000, Rel. Des. Dárcio Lopardi Mendes, j. 07/11/2007, p.
29/02/2008. Disponível em: < http://www.tjmg.gov.br>. Acesso em: 13 mar. 2008.
406
TJRJ - Decima Sexta Camara Civel MS 2004.004.02526, Des. Miguel Angelo Barros, j. 24/05/2005
- Disponível em: < http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em: 26 set. 2007.
407
STJ- 2. T, REsp -208893/PR, Min. Franciulli Netto, DJ 22.03.2004. Disponível em: <
http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 26 set. 2007.
173
interesse’ [...], somente pode ser invocado em relação ao ensino
fundamental. 3. Ao Poder Judiciário falece competência para
interferir na política educacional implementada pelo Poder Executivo,
quando esta é derivada de norma programática e não imperativa
408
.
se firmou ainda que, em sede controle de políticas públicas, sobretudo em
pela via difusa/incidental, “o caminho é demasiado estreito”
409
e, em qualquer caso,
pautado “em bases excepcionais”, como afirma o STF
410
.
Ainda sob o foco do caráter não imperativo e programático do dispositivo
constitucional relativo aos direitos sociais da criança e do adolescente (art. 227 da
CF/88), no mesmo sentido proferiu-se decisão que cassou a liminar concedida em
ação civil pública proposta pelo Ministério Público, que está assim ementada:
O estabelecimento de políticas sociais derivadas de normas
programáticas situa-se no âmbito do poder discricionário do
Administrador Público, sendo vedado ao Poder Judiciário interferir
nos critérios de conveniência e oportunidade que balizam as
prioridades elencadas pelo Poder Executivo
411
.
Do trecho do voto do Relator extrai-se que:
[...] É verdade que a garantia de assistência a crianças e
adolescentes [...] por não se tratar de imposição intangenciável -
direito público subjetivo - e sim de meta programática que o Poder
Público tem o dever de implementar na medida de suas
possibilidades, é inexigível o pronto atendimento à totalidade da
demanda existente. [...] Desse modo, os provimentos judiciais que
atendem o interesse individual das crianças beneficiadas acabam
abalando o interesse coletivo, na medida em que afetam o
408
TJSC – 2. Câm.D.Público - AC 2003.027993-8, Relator: Des. Newton Trisotto, j. 24/08/2004.
Disponível em: < http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 14 set. 2007.
409
TRF - 5ª R, AC 351857; Proc. 2000.81.00.011428-1, CE, 4.Turma, Rel. Des. Fed. Marcelo Navarro
Ribeiro Dantas, DJU 29/11/2006. < http://www.trf5.gov.br>. Acesso em: 26 set. 2007. In verbis: O
tema a respeito do controle de políticas públicas pelo Judiciário é muito rico no campo doutrinário
e no âmbito da jurisprudência, inclusive do STF, mas sempre se defendendo a sua possibilidade,
nos casos raros de cabimento através do processo coletivo ou do controle de constitucionalidade
concentrado. Isso não significa dizer que é absolutamente impossível esse controle de forma
incidental, mas pode-se afirmar que o caminho é demasiado estreito.
410
STF- RE 436.996-6/SP, Rel. Ministro Celso de Mello, publicado no DJ de 03/02/2006. Disponível
em:< http://www.stf.gov.br>. Acesso em 26.01.2008. In verbis: Poder Judiciário, ainda que em
bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela
própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes,
por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório,
vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais
impregnados de estatura constitucional”.
411
TJSC - AI 2004.007650-9, Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. em 25/05/2004. No mesmo sentido: AI
n. 2004.007882-0, Rel. Newton Trisotto, j. 25/05/2004. Disponível em: < http://www.tj.sc.gov.br>.
Acesso em: 16 set. 2007.
174
planejamento municipal nas demais áreas também relacionadas aos
infantes. Em respeito ao princípio constitucional da tripartição dos
Poderes, ao Poder Judiciário falece competência para interferir na
política social implementada pelo Poder Executivo, quando esta é
derivada de norma programática e não imperativa.
No mesmo Tribunal, na mesma linha de entendimento, verificam-se as
decisões no(a): AI n. 2004.007613-4, j. em 25/05/2004, Rel. Des. Newton Trisotto;
ACMS n. 2002.006812-3, j. em 25.05.2004, Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, AC
2003.029803-7 Rel. Newton Trisotto, j. em 31/08/2004 e AC 2003.027992-0, Rel.
Luiz Cézar Medeiros, j. em 30/03/2004
412
.
No AI n. 9.890, que teve como relator o Des. Pedro Manoel Abreu, ao apreciar
política pública na área da saúde, cuja implementação Ministério Público solicitou, se
proclama que o art. 11 e seu § da Lei n. 8.069/90 (ECA) configuram normas
programáticas, que valem apenas pelo seu teor recomendatório ao destinatário.
Também se firma o entendimento de que não se devem deferir benefícios
assistenciais quando não se está em causa risco à sobrevivência da pessoa
humana:
A decisão liminar de antecipação dos efeitos da tutela que obriga o
Estado do Paraná a fornecer fraldas descartáveis, na situação em
que não está em risco a sobrevivência da pessoa humana, deve ser
suspensa para preservar a observância do princípio de igualdade
material na prestação de assistência social aos necessitados
413
.
Igualmente de conteúdo restritivo é a decisão julgou improcedente a ação civil
pública proposta para que o Estado adquirisse todos os medicamentos listados pelo
Ministério da Saúde para tratamento de doença, cujo voto é parcialmente transcrito:
[...] Todas as considerações acima conduzem à inarredável
conclusão de que a ausência de recursos materiais constitui uma
barreira fática à efetividade dos direitos sociais, esteja a aplicação
dos correspondentes recursos na esfera de competência do
legislador, do administrador ou do judiciário. Por isto mesmo, cabe ao
legislador decidir sobre a aplicação dos recursos públicos, matéria
diretamente afetada aos limites e às diretrizes orçamentários [...] Mas
o conteúdo desta prestação não pode ser determinado pelo Poder
Judiciário, em respeito ao princípio republicano e à independência
dos Poderes. [...] Por isto, não pode o Judiciário determinar que o
412
Disponível em: < http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 14 set. 2007.
413
TJPR, Agravo 0344113-6/01, Rel. Tadeu Marino Loyola Costa, j. em 04/08/2006. Disponível em: <
http://www.tj.pr.gov.br>. Acesso em: 16 set. 2007.
175
Poder Legislativo edite normas neste sentido ou que o Poder
Executivo tome esta ou aquela decisão, dentro de sua discrição.
Pode até rever e controlar os atos daqueles poderes que se
distanciem dos sistemas e das normas diretivas existentes, mas não
pode definir as normas ou as decisões que devem ser tomadas, em
substituição àqueles
414
.
No sentido de que ao Judiciário falece competência para decidir sobre
alocação de recursos públicos:
[...] Seja pela observância das cláusulas da reserva do possível e da
reserva em matéria orçamentária, seja pelos princípios da isonomia,
da seletividade e da distributividade, seja ainda pela realização dos
objetivos da República Federativa do Brasil, de justiça social e
redução das desigualdades sociais, não ilegalidade ou abuso por
parte da autoridade coatora que não fornece medicamento prescrito
ao impetrante que não esteja relacionado na lista de fármacos da
rede pública. A competência para decidir sobre a alocação desses
recursos cabe exclusivamente ao Poder Legislativo, sem
possibilidade de ingerência do Judiciário, por respeito aos princípios
constitucionais da democracia e da separação dos poderes
415
.
Verifique-se, por fim, que a postergação do direito social tem sido realizada
pelo risco de lesão à ordem pública quando concedido em dimensão individual.
Nesse sentido, o entendimento firmado na decisão
416
da Ministra Ellen Gracie na
STA 91, parece ter orientado e causado impacto nas cortes inferiores. A ministra, ao
interpretar o direito social à saúde (art. art. 196 da CF/88), entende que o mesmo
“refere-se, em princípio, à efetivação de políticas públicas que alcancem a população
como um todo, assegurando-lhe acesso universal e igualitário, e não em situações
individualizadas” [...] “está-se diminuindo a possibilidade de serem oferecidos
serviços de saúde básicos ao restante da coletividade”. A ministra, no caso, concluiu
pela inexistência de recusa estatal, mas apenas um comando para limitar a
responsabilidade no fornecimento dos medicamentos contemplados em portaria
ministerial.
414
TJMG –Ap. Cível/Reex. Nec. 2. Câm.Cível, Rel. Brandão Teixeira, j. em 01/03/2005. Disponível
em: < http://www.tjmg.gov.br>. Acesso em: 16 set. 2007.
415
TJMG-2. Grupo de Câmaras Cíveis, MS-1.0000.06.443869-0/000, Rel.(a) Des. Albergaria Costa, j.
02/05/2007. Disponível em: < http://www.tjmg.gov.br>. Acesso em: 16 set. 2007.
416
Suspensão de Tutela Antecipada n 91.O objeto era o fornecimento de medicamentos necessários
para o tratamento de pacientes renais crônicos em hemodiálise e pacientes transplantados.
Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=69197&N>
Acesso em: 28 abr. 2007.
176
Deste modo, parece se delinear uma nova concepção jurisdicional restritiva
de proteção do direito social, em sua dimensão subjetiva individual, em função do
entendimento de que lesão à ordem pública, que a execução de decisões
como a impugnada “afeta o já abalado sistema público de saúde”.
A influência de tal decisão verifica-se pela fundamentação de arestos, a
exemplo da seguinte decisão que, em sede de mandado de segurança, rechaçou a
pretensão fundada no direito social à saúde (tratamento) e afirmou risco de
inviabilização do sistema público de saúde e a impossibilidade de controle judicial de
políticas públicas:
[...] Direito à saúde. Art. 196, da CF. Norma de conteúdo
programático. Interpretação da constituição de acordo com a "reserva
do possível", idéia pela qual os direitos sociais existem quando e
enquanto existir dinheiro nos cofres públicos. Impossibilidade
material do estado fornecer toda e qualquer espécie de medicamento
para a cura de toda espécie de doença. Fornecimento de
medicamentos que deve observar critérios fixados pela política
nacional de medicamentos e a prévia dotação orçamentária. O
preceito constitucional segundo qual a saúde é direito de todos e
dever do estado deve ser devidamente contextualizado, diante da
impossibilidade material do estado em fornecer toda e qualquer
espécie de medicamento para a cura de toda espécie de doença.
Assim, o art. 196, da Carta Magna deve ser interpretado no sentido
de que sejam efetivadas políticas públicas, e não para que haja
fornecimento gratuito de medicamentos para situações
individualizadas. A norma do art. 196 da Constituição da República,
que assegura o direito à sde, refere-se, em princípio, à efetivação
de políticas públicas que alcancem a população como um todo,
assegurando-lhe acesso universal e igualitário, e não a situações
individualizadas. A responsabilidade do Estado em fornecer os
recursos necessários à reabilitação da saúde de seus cidadãos não
pode vir a inviabilizar o sistema público de saúde. (suspensão de
tutela antecipada n. 91, Relatora Presidente ministra Ellen Gracie, DJ
n 43, de 05/03/2007) 2.2. Ausência do direito líquido e certo.
Ilegalidade não configurada. Eficácia do medicamento pleiteado não
demonstrada. Inobservância dos procedimentos previstos pelo SUS.
Hipótese encartada nos autos que não trata de ameaça à integridade
física do impetrante, mas de planejamento familiar, já que a anomalia
de que padece está relacionada à impotência "generandi". Não se
configurando hipótese em que ameaça a integridade física da
pessoa, que a anomalia de que padece o impetrante está
relacionada à infertilidade (impotência "generandi"), não está o
estado obrigado a fornecer medicamentos não incluso na listagem do
Rename, mormente quando não nos autos qualquer
demonstração da impossibilidade de se utilizar os medicamentos
disponibilizado pelo serviço público. 2.3. Impossibilidade do poder
judiciário interferir no âmbito das decisões administrativas.
Magistrado que só pode fazer o controle de legalidade dos atos
administrativos, não podendo interferir nas políticas públicas,
177
inclusive na área da saúde. Violação ao princípio da harmonia entre
os três poderes. Apelo provido. Ordem denegada
417
.
Em uma mesma decisão, verificam-se as razões de risco de lesão a ordem
pública, da reserva do possível, do respeito ao princípio da separação dos poderes e
do conteúdo programático na denegação da ordem em mandado de segurança:
1. Direito à saúde. Art. 196, da CF. Norma de conteúdo programático.
Interpretação da constituição de acordo com a "reserva do possível",
idéia pela qual os direitos sociais existem quando e enquanto
existir dinheiro nos cofres públicos. [...]. O preceito constitucional
segundo qual a saúde é direito de todos e dever do estado deve ser
devidamente contextualizado, diante da impossibilidade material do
estado em fornecer toda e qualquer espécie de medicamento para a
cura de toda espécie de doença. [...] A norma do art. 196 da
Constituição da República, que assegura o direito à saúde, refere-se,
em princípio, à efetivação de políticas públicas que alcancem a
população como um todo, assegurando-lhe acesso universal e
igualitário, e não a situações individualizadas. A responsabilidade do
estado em fornecer os recursos necessários à reabilitação da saúde
de seus cidadãos não pode vir a inviabilizar o sistema público de
saúde. (suspensão de tutela antecipada n 91, relatora presidente
Ministra Ellen Gracie, DJ n 43, de 05/ 03/2007) 2. Fornecimento de
medicamentos que deve observar critérios fixados pela agência
nacional de vigilância sanitária, sob pena de comprometer a política
de saúde. Remédio pretendido que também não se encontra previsto
no programa de medicamentos excepcionais ou de alto custo.
Ausência de dever do estado em fornecê-lo. 3. Ausência do direito
líquido e certo. [...]4. Impossibilidade do poder judiciário interferir no
âmbito das decisões administrativas. Magistrado que só pode fazer o
controle de legalidade dos atos administrativos, não podendo
interferir nas políticas públicas, inclusive na área da saúde. Violação
ao princípio da harmonia entre os três poderes. Sentença reformada
em reexame necessário
418
.
Na mesma linha de entendimento, sob a alegação de ofensa ao princípio de
previsão orçamentária de receitas e despesas, à responsabilidade fiscal e ao acesso
igualitário aos serviços de saúde, e, sobretudo de lesão à ordem pública, cassou-se
a liminar concedida em sede de ação civil pública contra o Poder Público:
A decisão liminar proferida em ação de conhecimento que obriga o
Estado do Paraná a fornecer o medicamento teicoplanina para
tratamento de osteomelite, que não consta das listas padronizadas
417
TJPR - ApCiv 0411095-4, 4. Câm. Cível, Rel. Des. Marcos de Luca Fanchin, DJPR 29/02/2008.
Disponível: http://www.tj.pr.gov.br. Acesso em: 30 abr. 2008.
418
TJPR; ReNec 0413827-4; 4.Cível; Rel. Des. Marcos de Luca Fanchin; DJPR 08/02/2008;
Disponível: http://www.tj.pr.gov.br. Acesso em: 30 abr. 2008.
178
pelo ministério da saúde, na medida que interfere na eficácia do
serviço estadual de saúde, no implemento de políticas públicas e
desrespeita o princípio constitucional de obediência ao princípio de
previsão orçamentária de receitas e despesas, de responsabilidade
fiscal e de acesso igualitário aos serviços de saúde, na forma do art.
196 da constituição
419
.
De igual teor e fundamento a decisão que suspendeu fornecimento de
medicamento deferido em primeira instância:
Configura risco de lesão à ordem e à economia públicas a decisão
liminar que obriga o Estado do Paraná a adquirir medicamento que,
embora constante no rol de medicamentos fornecidos gratuitamente
pela administração pública, seja indicado, segundo os protocolos
clínicos vigentes, para outro tipo de doença, interferindo assim na
eficácia do serviço estadual de saúde e no implemento de políticas
públicas, e desrespeitando o princípio da previsão orçamentária de
receitas e despesas, da responsabilidade fiscal e do acesso
igualitário aos serviços de saúde, na forma do art. 196 da
Constituição Federal
420
.
Em sede de ão civil pública, com relação ao direito social à saúde
(fornecimento de medicamentos), se opôs a cláusula da reserva do possível, lesão à
ordem pública e econômica e a impossibilidade de controle judicial de políticas
públicas:
[...] Impossibilidade do poder judiciário interferir no âmbito das
decisões administrativas. Magistrado que só pode fazer o controle de
legalidade dos atos administrativos, não podendo interferir nas
políticas públicas na área da saúde. Violação ao princípio da
harmonia entre os três poderes configurada. Apelação provida neste
aspecto. 6. Direito à saúde. Art. 196, da CF. Norma de conteúdo
programático. Interpretação da constituição de acordo com a "reserva
do possível", idéia pela qual os direitos sociais existem quando e
enquanto existir dinheiro nos cofres públicos. Impossibilidade
material do estado em fornecer toda e qualquer espécie de
medicamento para a cura de toda espécie de doença. Apelação
procedente neste aspecto. O preceito constitucional segundo qual a
saúde é direito de todos e dever do estado deve ser devidamente
contextualizado, diante da impossibilidade material do estado em
fornecer toda e qualquer espécie de medicamento para a cura de
toda espécie de doença. Assim, o art. 196, da Carta Magna deve ser
interpretado no sentido de que sejam efetivadas políticas públicas, e
não para que haja fornecimento gratuito de medicamentos para
419
TJPR - Agr 0490708-6/01, Órgão Especial, Rel. Des. Adalberto Jorge Xisto Pereira, DJ
27/06/2008. Disponível: http://www.tj.pr.gov.br. Acesso em: 10 jul. 2008.
420
TJPR - AgravReg 0433803-0/01, Órgão Especial, Rel. Des. Adalberto Jorge Xisto Pereira, DJ
24/01/2008. Disponível: http://www.tj.pr.gov.br. Acesso em: 10 abr. 2008.
179
situações individualizadas, sob pena de ocasionar lesão à ordem
pública e econômica. [...] Ausência de dever do estado. Apelação
provida neste aspecto. O Estado não está obrigado a fornecer
específica medicação que não se encontra registrada perante a
Anvisa e que, por isso, não teve sua eficácia comprovada estreme de
dúvida pela autoridade nacional
421
.
Em conclusão parcial, ao lado da postura emancipatória de alguns Tribunais
Estaduais na proteção dos direitos sociais, verifica-se que ainda forte resistência
por parte de outros, havendo diversidade às vezes, entre Câmaras de um mesmo
tribunal, a requerer uniformização. Invariavelmente, o déficit de (reconhecimento) da
justiciabilidade é fruto da própria ausência de tradição institucional e cultural de
controle judicial de políticas públicas e da concessão de direito social de prestação
indeterminada.
A motivação das decisões, em seu conjunto, remete à impossibilidade ou
ilegitimidade do Judiciário em tutelar o direito social postulado ou mediar a
implementação de política pública e se pauta, em suma, nesses fatores: a) respeito
à separação de poderes; b) intangibilidade da discricionariedade administrativa em
sede de políticas públicas; c) incompetência do Judiciário para alocação de recursos;
d) falta de imperatividade ou conteúdo programático das normas definidoras de
direitos sociais; e) hermenêutica incorreta (adoção da concepção de justiciabilidade
derivada) ou reducionista dos direitos sociais (como sinônimo de mínimo existencial);
f) impossibilidade de comprovação de direito social de prestação indeterminada, em
sede de mandado de segurança.
Desde já se pode concluir, portanto, que conforme o Tribunal de Justiça da
unidade da federação e nisto caberia uma pesquisa estatística - o cidadão terá
mais ou menos êxito em sede recursal nas demandas de idênticos pedidos e
idênticos fundamentos referidas aos direitos sociais. Cumpre, pois, que a jurisdição
constitucional brasileira, diante da sua dimensão difusa, encontre na mais Alta Corte,
a unidade de interpretação e aplicação da Constituição em sede de proteção dos
direitos fundamentais sociais.
Em que pese legítima a aspiração de transformar o Supremo Tribunal Federal
em Tribunal Constitucional, Corte das lides diretamente vinculadas à interpretação e
guarda da Constituição, o certo é que, com a exigência de mais um filtro de
421
TJPR- ApCvReex 0383178-5, 4.Câm.Cível, Rel. Des. Marcos de Luca Fanchin, DJ 21/12/2007.
Disponível: http://www.tj.pr.gov.br. Acesso em: 30 abr. 2008.
180
admissibilidade instituído no recurso extraordinário
422
, o cidadão, e os seus direitos
fundamentais, dele ficou ainda mais afastado. Por ora, em sede de direitos sociais, a
“controvérsia sobre a obrigatoriedade de o Poder Público fornecer medicamento de
alto custo”
423
, está expressamente reconhecida pelo STF como matéria de
repercussão geral.
Cumpre agora, mais que antes, o fortalecimento nas instâncias inferiores da
postura emancipatória dos direitos sociais, pois a essas pode recorrer o cidadão
lesado em seus direitos fundamentais, mas sem garantia de revisão da decisão via
recurso extraordinário. Por isso, se propõe aqui, que nas questões que envolvam os
deveres estatais em sede de direitos fundamentais, sobretudo, os referidos aos
direitos sociais, haja presunção legal de repercussão geral, pois a sua violação pode
gerar inclusive repercussão internacional, pois esse tema não constitui mais uma
questão ‘doméstica’. Como afirmado anteriormente, uma Corte Constitucional, acima
de tudo, deve ser a Corte dos direitos fundamentais.
422
Lei n. 11.418/06 (Lei de Repercussão Geral).
423
STF - RE 566471 RG/RN, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 07-12-2007. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 15 abr. 2008.
181
5 A JUSTICIABILIDADE SUBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS:
ASPECTOS NORMATIVOS E A DOGMÁTICA
5.1 A JUSTICIABILIDADE SUBJETIVA DOS DIREITOS SOCIAIS
5.1.1 Considerações Iniciais
Nenhum dos direitos fundamentais gerou e gera – mais polêmicas em torno
de sua justiciabilidade do que os direitos sociais. As mais variadas objeções voltam-
se contra os direitos sociais, em cuja natureza identificam um defeito congênito”
424
,
que impede a sua conformação jurídica e impossibilita a sua plena justiciabilidade.
A proposta de investigação restringe-se à problemática que suscitam os
direitos sociais de prestação indeterminada, visto que os de prestação determinada
não têm gerado, na mesma medida, as objeções que se lançam àqueles quanto à
sua caracterização como direitos subjetivos e à sua conseqüente justiciabilidade.
No contexto dos direitos sociais, ressalvam-se os direitos sociais laborais, de
inquestionável justiciabilidade, não somente por ser notória a especificação de sua
prestação, mas por serem os únicos que possuem uma Justiça especializada para
afastar as violações e solver litígios que os envolva. Além da especificação
constitucional, verifica-se a existência de detalhada normação infraconstitucional
(sobretudo a CLT - Consolidação das Leis do Trabalho) e de Justiça organizada em
nível federal, composta por órgãos jurisdicionais, especialmente destacados para
apreciar as lides decorrentes da relação de trabalho
425
.
A justiciabilidade dos direitos subjetivos fundamentais, que é especial como
visto, pode ser traduzida como um atributo do próprio direito e corresponde ao poder
de exigibilidade de sua tutela, seja perante a justiça constitucional do Estado que os
consagra, seja perante o sistema internacional de proteção que o reconhece.
Enquanto atributo imanente de todos os direitos fundamentais, a
justiciabilidade pode ser classificada segundo diversos critérios, conforme exposto
em capítulo precedente. Verificou-se, em outra oportunidade, que a justiciabilidade
424
ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibles, p.
117.
425
Reza o art. 114 da CF/88: “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ões
oriundas da relação de trabalho. [...] X - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho,
na forma da lei”.
182
dos direitos fundamentais classifica-se em: objetiva e subjetiva; originária e derivada;
interna e internacional; pública e privada; direta e indireta. A justiciabilidade dos
direitos sociais pode, a seu turno, também ser enfocada segundo tais critérios,
sendo a eles aplicáveis o expendido no tocante aos direitos fundamentais em geral.
No Brasil, a questão da justiciabilidade dos direitos sociais – no plano interno -
é questão que atualmente se coloca em pauta nas discussões jurídicas e tem
exigido atenção acerca da necessidade de um novo operar do Direito. A discussão
não é nova e longe está de sua conclusão, pois enquanto já se delineiam direitos de
quarta geração, ainda se põe viva a discussão da justiciabilidade dos direitos sociais
de segunda geração.
Dalmo de Abreu Dallari, a propósito, denuncia veementemente a criação de
um círculo fechado da hipocrisia onde se sustenta que os direitos sociais “não são
verdadeiros direitos porque não são justiciáveis, e não são justiciáveis porque não
são verdadeiros direitos”
426
.
Pondo em relevo a justiciabilidade dos direitos fundamentais, Rolando E.
Gialdino traz a lume a lição de S. Leckie, para quem a justiciabilidade dos direitos
econômicos, sociais e culturais “ha sido largamente objeto de controvérsia y abierto
escepticismo, y, en muchos aspectos, ‘este cinismo ha impedido que esos derechos
alcazaran su verdadera estatura legal”
427
.
Em análise sobre a aplicação do Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Culturais (PIDESC), em específico no Brasil, o Comitê de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais expressa preocupação pelo fato de que
em que pese a existência de disposições constitucionais e
legislativas e de procedimentos administrativos para aplicar os
direitos consagrados no Pacto, não existem medidas nem recursos
judiciais ou de outro tipo, eficazes para o exercício desses direitos,
sobretudo no caso dos grupos mais desvalidos e marginalizados
428
.
426
DALLARI, Dalmo de Abreu. A violação dos direitos econômicos, sociais e culturais e seu impacto
no exercício dos direitos civis e políticos. Transcrição de painel apresentado 1º. Encontro
Brasileiro de Direitos Humanos. In: Encontro Brasileiro de Direitos Humanos, São Paulo, 1999.
São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 2001. p. 69-84; p. 83.
427
GIALDINO, Rolando E. El derecho a un vel de vida adecuado en el plano internacional e
interamericano, con especia referencia a los derechos a la vivienda y a la alimentación adecuadas.
Su significación y contenido; p. 906.
428
In: Compilação das observações finais do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
sobre países da América Latina e do Caribe (1989 - 2004). p. 55-56. Disponível em:
183
Tão seriamente se põe a questão em sede de direitos sociais, por envolver a
própria negação de sua natureza jurídica como direito, que não se deve mais
postergar à investigação sobre a existência de fundamentos da justiciabilidade
dessa especial categoria de direitos fundamentais.
5.1.2 Principais Objeções Dogmáticas à Justiciabilidade Subjetiva dos Direitos
Sociais
Na dogmática nacional ainda não se mostra consolidado o estudo
verticalizado, salvo no âmbito acadêmico, da justiciabilidade dos direitos sociais,
tornando imperativa a investigação desse imanente e fundamental atributo dos
direitos fundamentais.
Em torno do tema, podem-se extrair, todavia, posturas dogmáticas, na
doutrina nacional e estrangeira, para a construção teórica de correntes científicas
pró e contra a justiciabilidade, sendo consideráveis – em número – as suas objeções
ou restrições. A principal objeção dogmática gravita em torno de outro tema : direito
subjetivo.
As objeções à justiciabilidade dos direitos sociais remetem à sua eficácia e
sua configuração como direitos subjetivos foram bem detectadas por José Afonso da
Silva, ao enfrentar a problemática suscitada. O jurista declina - e combate - as
teorias que são contrárias à eficácia dos direitos sociais: a) a desqualificação deles
como direitos fundamentais; b) a concepção correlata de que direitos fundamentais
constituem direitos públicos subjetivos; c) a de direitos sociais contrapostos aos
direitos individuais etc.”
429
.
Na doutrina estrangeira, Cristina M. M. Queiroz, à luz do sistema jurídico
lusitano, enumera as múltiplas causas aqui igualmente incidentes - que ensejam o
controle ‘imperfeito’ da constitucionalidade das normas que consagram os direitos
sociais, econômicos e culturais: a) a indeterminação ou complexa polivalência
semântica’, b) a relativa resistência do Judiciário na resolução de questões
aparentemente da competência de outros órgãos políticos, c) a ausência de
http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/898586b1dc7b4043c1256a450044f331/3e4492f624f618b2c1256
d5000565fcc/$FILE/G0441305.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2007.
429
SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular: estudos sobre a Constituição. o
Paulo: Malheiros, 2002, p. 197.
184
mecanismos jurisdicionais adequados à emergência dos ‘novos” direitos e d) falta de
prática institucional e cultural de interpretação e justiciabilidade e garantia desses
direitos
430
.
Robert Alexy
431
põe em relevo duas objeções. Uma, de ordem formal, afirma
a deficiência da justiciabilidade diante da imprecisão do objeto da maioria dos
direitos sociais. Outra, de ordem material, aduz que os direitos fundamentais sociais
são inconciliáveis com as normas constitucionais materiais, pois entram colisão com
os direitos de liberdade.
A tudo, acrescenta-se a objeção fundada na programaticidade das normas
definidoras dos direitos sociais, a impedir a sua plena eficácia e imediata
exigibilidade, que ficam relegados ao futuro e à ‘reserva do possível’.
Com base na distinção de natureza entre os direitos sociais e os direitos civis
e políticos, de que estes impõem obrigações negativas e aqueles prestações
positivas, de igual modo, tem se negado aos direitos sociais o status de verdadeiros
direitos e, por conseguinte, a sua imanente justiciabilidade.
Com maestria, Víctor Abramovich e Christian Courtis resgatam e combatem
- tal concepção
[...] solo puede hablarse con algún sentido de ‘derechos’ cuando una
determinada prescripción normativa se limita a imponer obligaciones
negativas o abstenciones, mientras que el intento de fundar derechos
a partir de establecimiento de obligaciones positivas resultaría
conceptualmente imposible o materialmente inviable. De modo que
se dice aunque una constitución o un pacto de derechos humanos
hablen de ‘derechos’ tales como el ‘derecho a la salud’, ‘derecho a la
vivienda’, ‘derecho a la educación o derecho al trabajo’, estas
expresiones no deberían tomarse literalmente, sino solo em sentido
figurado o metafórico’[...]
432
.
Outra objeção é citada e também repudiada - pelos autores, a qual consiste
em identificar os direitos civis e políticos como obrigações de resultado e os direitos
sociais como obrigações de conduta
433
.
Em suma, do supra exposto, podem-se catalogar as principais objeções
doutrinárias à justiciabilidade dos direitos sociais: a) desqualificação como direitos
430
QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais sociais: questões interpretativas e limites da
justiciabilidade. In: SILVA, Virgílio Afonso da. (Org.) Interpretação constitucional. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 165-216. p. 211.
431
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 490-492.
432
ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian, op. cit, p. 22-23.
433
Idem, Ibidem, p. 22, nota 6.
185
fundamentais; b) desqualificação como direito subjetivo; c) ausência de eficácia
imediata das normas definidoras dos direitos sociais; d) contraposição dos direitos
sociais aos direitos individuais; e) programaticidade das normas definidoras dos
direitos sociais; f) reserva do possível; g) indeterminação do conteúdo da prestação
ou imprecisão semântica; h) impossibilidade de criação de direitos sociais a partir de
prescrição normativa de imposição positiva (obrigações positivas) e i) identificação
dos direitos sociais como obrigações de conduta e não de resultado.
No âmbito internacional, Jayme Benvenuto Lima Jr.
434
, louvando-se em
Scheinin, também observa o subdesenvolvimento da justiciabilidade dos direitos
sociais, econômicos e culturais previstos em tratados internacionais, para o que
aponta duas razões principais: a) forma legal dessas normas e b) ineficiência dos
mecanismos de monitoramento dos tratados.
A par das objeções materiais, que remetem a própria essência do conteúdo
do direito social e do poder jurídico que ele confere ao seu titular, pode-se constatar
que também restrições jurisdicionais que obstaculizam a proteção jurisdicional
dos direitos sociais, cuja explanação se realiza em capítulo especifico
435
.
Verifica-se, portanto, que a justiciabilidade dos direitos sociais suscita a
problemática não na dimensão da positivação de suas garantias, mas no âmbito
dogmático e jurisdicional.
5.2 CONCEPÇÕES DOUTRINÁRIAS EM TORNO DA JUSTICIABILIDADE
SUBJETIVA DOS DIREITOS SOCIAIS
Não obstante se verifique a ausência de construção teórica ou sistematização
sobre o tema, é possível extrair e organizar concepções doutrinárias em torno da
justiciabilidade subjetiva dos direitos sociais, para viabilizar a compreensão de seus
fundamentos.
Pode-se verificar do tema em apreço, que há correntes doutrinárias favoráveis
e contrárias à plena justiciabilidade dos direitos sociais. Estas, de um modo ou de
434
LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. A justiciabilidade internacional dos direitos humanos
econômicos, sociais e culturais: casos das cortes européia e interamericana de direitos humanos.
2005. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São
Paulo. p. 39.
435
Vide Capítulo VI.
186
outro, se vinculam à questão da juridicidade dos direitos sociais (enquanto direitos
subjetivos).
O tema do direito subjetivo permeia, de modo indestacável, a questão da
indagação da justiciabilidade dos direitos sociais, revelando-se “intimamente
vinculado ao questionamento dos próprios limites do Estado Social de Direito”
436
.
Na seara dos direitos sociais prestacionais, em sua dimensão subjetiva,
refere-se a doutrina a direitos originários à prestação, que tem como fonte a
Constituição, e a direitos derivados à prestação, que se configuram mediante
interposição legislativa. Sobre a primeira espécie, repousa a controvérsia sobre a
existência de direito subjetivo fundamentado diretamente na Constituição - sem
intermediação legislativa – e, por conseguinte, sobre a sua justiciabilidade
437
.
Da diversidade doutrinária, podem-se agrupar e destacar duas principais
concepções dela resultante: justiciabilidade originária e justiciabilidade derivada.
5.2.1 Justiciabilidade Originária dos Direitos Sociais
Esse posicionamento põe em relevo a existência da justiciabilidade dos
direitos sociais originários à prestação - direito subjetivo fundamental -
independentemente de intermediação legislativa ou executiva. A justiciabilidade
opera-se, assim, no próprio patamar constitucional. Na doutrina nacional, a maior
parte dos juristas não atrela a justiciabilidade à intermediação legislativa,
concebendo-a como decorrência direta do comando constitucional, mas condiciona-
a por vezes a outros fatores.
Desse modo, da concepção da justiciabilidade originária ou constitucional,
podem se destacar duas vertentes: 1) justiciabilidade originária plena dos direitos
sociais e 2) justiciabilidade originária condicionada dos direitos sociais.
436
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 371.
437
Como reconhece Ingo W. Sarlet, os direitos a prestações em sentido estrito, ou seja, os direitos a
prestações materiais (direitos sociais prestacionais) são os que “suscitam os problemas mais
cruciantes”. (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos, p. 297).
187
5.2.1.1 Justiciabilidade originária plena dos direitos sociais
Essa concepção reputa os direitos sociais como direitos subjetivos e
justiciáveis - de modo pleno a partir de sua conformação constitucional. Desse
modo, afirma-se a natureza de direito fundamental e de direito subjetivo justiciável
aos direitos sociais, na medida em que reconhece ao seu titular pleno poder jurídico,
fundado nas normas constitucionais, de pleitear a sua tutela jurisdicional.
Celso Antônio Bandeira de Mello
438
, ao conceber os direitos fundamentais
como “verdadeiros ‘direitos subjetivos’, na acepção mais comum da palavra”,
observa com correção, que “é irrecusável o direito dos cidadãos a postularem
jurisdicionalmente os direitos que decorrem das normas constitucionais reguladoras
da Justiça Social”.
O jurista, ao discorrer sobre direito subjetivo, adverte que é preciso
[...] não fazer dele, sob capa de rigorismo técnico, mero instrumento
de uma visão ideológica desamparada de bom fomento jurídico. A
observação quadra porque é de uso receber tal noção, no direito
público, em termos mais estreitos do que se faz no direito privado
439
.
A jurista Regina Maria Macedo Nery Ferrari
440
, no que tange ao direito à
saúde e à educação, que concebe como direitos subjetivos, sustenta a sua
justiciabilidade constitucional ao advertir que não cabe ao Judiciário alegar falta de
legislação, e sim atender o fim constitucionalmente previsto “de promoção da
dignidade da pessoa humana”.
O jurista Sérgio Fernando Moro
441
defende a justiciabilidade originária plena
dos direitos sociais destinados aos pobres, como os relacionados à assistência
social (art. 203 da CF/88). No que tange aos direitos sociais universais, a todos
endereçados, como o direito à saúde e à educação (arts. 196 e 205 da CF/88),
defende a justiciabilidade originária “pelo menos até a garantia de um nível suficiente
para o atendimento das necessidades básicas”.
438
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social.
Revista de Direito Público. São Paulo, ano 14, n. 57/58, jan./jun.1981. p. 233-256; p. 254-255.
439
Idem, Ibidem, p. 250.
440
FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Normas constitucionais programáticas: normatividade,
operatividade e efetividade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 234-235.
441
MORO, Sergio Fernando. Jurisdição constitucional como democracia. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004.p. 282.
188
Concebendo-os como direitos públicos subjetivos, defendem a proteção
judicial e a consolidação da justiciabilidade dos direitos sociais, independentemente
de sua fonte de positivação, Flávia Piovesan e Renato Stanziola Vieira
442
.
A justiciabilidade originária, operada com fundamento direto no Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e amparada pelos
Princípios de Limburgo
443
, é defendida por Jayme Benvenuto Lima Jr.
444
, que não
descarta, todavia, a possibilidade de outros mecanismos não tradicionais de
resolução de conflitos, sobretudo em âmbito internacional.
Em prol da justiciabilidade originária plena, cita-se ainda Victor Bazán, ao
criticar aqueles que negam o caráter operativo dos direitos sociais e louvando-se em
Graciela E. Christe esclarece que
[...] resulta claro que la positivación de los derechos humanos
fundamentales, [...] mediante su incorporación constitucional, los
erige en títulos de exigibilidad jurídica en tanto dispositivos
equivalentes al derecho subjetivo en el ámbito privado, en los casos
concretos sometidos a la decisión judicial excepto situaciones
excepcionales, y sin que sea precis[a] su explicitación legislativa
445
.
Os juristas Víctor Abramovich e Christian Courtis
446
, com postura pro-
justiciabilidade originária, sustentam que os obstáculos que se levantam não devem
constituir impeditivo à justiciabilidade dos direitos sociais e sugerem duas ordens de
exigibilidade constitucional dos direitos sociais: a exigibilidade direta e a exigibilidade
indireta. Aquela, fundada diretamente sobre o direito social violado, na hipótese de
442
PIOVESAN, Flávia; VIEIRA, Renato Stanziola. Justiciabilidade dos direitos sociais e econômicos
no Brasil: desafios e perspectivas. Disponível em: <www.mp.rs.br/dirhum/doutrina/id491.htm>.
Acesso em: 15 jul. 2007.
443
Os Princípios de Limburgo constituerm um conjunto de princípios elaborados para a aplicação do
PIDESC, deliberados em reunião de países e organizações internacionais em Maastricht, Holanda
(de 2 a 6 de junho de 1986), cuja aplicação pode ser efetuada no ordenamento jurídico brasileiro
que é signatário do mesmo Pacto.
444
LIMA JÚNIOR. Jayme Benvenuto. Os direitos humanos ecomicos, sociais e culturais. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001. p. 118.
445
BAZÁN, Victor. Hacia la exgibilidad de los derechos econômicos, sociales y culturales en los
marcos interno argentino e interamerican. Revista Brasileira de Direito Constitucional, Revista do
Programa de Pós-Graduação ‘Lato Sensu em Direito Constitucional, Escola Superior de Direito
Constitucional. A contemporaneidade dos direitos fundamentais, São Paulo, n. 4, jul./dez. 2004. p.
323-349; p. 342.
446
ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian, op. cit, p. 132 e 168. Exemplificam os juristas com o
caso de Zwan de Vries versus Países Baixos e Broeks versus Países Baixos, onde se solicitavam
prestações sociais relativas ao desemprego que se concedia incondicionalmente ao homem
casado ou solteiro, mas de modo condicionado à mulher mediante comprovação de que seus
rendimentos consistiam fonte única de remuneração da família. Postulou-se, com sucesso, a
concessão do direito social com base no princípio da não discriminação. (Idem, Ibidem, p.169).
189
determinação da conduta estatal devida. Esta fundada, não com base nos direitos
sociais em si, mas indiretamente sobre princípios normativos também violados pela
lesão ao direito postulado, como o princípio da igualdade, do devido processo e
sobre as próprias liberdades e direitos civis, cuja fruição condiciona-se ao
atendimento daqueles direitos.
Da postura emancipatória de João Luiz M. Esteves
447
, ao condenar a
concepção restritiva de justiciabilidade dos direitos sociais fundada na “[...]
dogmática da razão do Estado” para obstar a sua efetivação, pode se inferir que o
jurista reconhece a justiciabilidade originária plena dos direitos sociais. Refere-se o
jurista aos direitos prestacionais não materializados e entende que “quando violados,
caberá ao Judiciário a expedição de um mandado que tenha por objeto a
materialização do direito, mediante ações administrativas ou legislativas ou ainda
cometidas a particulares”.
5.2.1.2 Justiciabilidade originária condicionada dos direitos sociais
Condiciona-se, por essa corrente, a justiciabilidade originária dos direitos
sociais, que é tida por circunstancial, por atrelar-se às peculiaridades do caso
concreto. Tal corrente de pensamento manifesta-se por três vertentes: a) conforme a
configuração ou não do direito social como direito subjetivo, b) conforme a
determinabilidade da prestação estatal devida e c) conforme a sua
(in)dispensabilidade à concretização da dignidade humana.
Na primeira vertente, admitindo a possibilidade de configuração de direito
subjetivo social ou direito subjetivo social definitivo encontra-se Robert Alexy
448
, em
cujo modelo de direitos fundamentais sociais admite a configuração circunstancial de
447
ESTEVES, João Luiz M. Direitos sociais fundamentais no Supremo Tribunal Federal. Coleção
Prof. Gilmar Mendes. São Paulo: Método, 2007. p. 62-63. Poder-se-ia incluir nessa corrente de
pensamento o jurista Dalmo de Abreu Dallari, pois afirma, sem condicioná-los a qualquer
circunstância, que os direitos sociais são verdadeiros direitos – e entendemos que o faz na
acepção de direito subjetivo - e, por isso, plenamente justiciáveis. (DALLARI, Dalmo de Abreu. A
violação dos direitos econômicos, sociais e culturais e seu impacto no exercício dos direitos civis e
políticos. Transcrição de painel apresentado 1º. Encontro Brasileiro de Direitos Humanos. In:
ENCONTRO BRASILEIRO DE DIREITOS HUMANOS, 1, São Paulo, 1999. São Paulo: Centro de
Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 2001. p. 69-84. p. 84).
448
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 494-495. Conjugando os argumentos
favoráveis e contrários, propõe um modelo ponderativo dos direitos fundamentais sociais que não
diz quais são os direitos sociais, mas quais podem sê-lo. (Idem, Ibidem, p. 495).
190
um direito fundamental social definitivo, pautada pelo critério da ponderação e
reconhecida, obrigatoriamente, diante da indispensabilidade da garantia de um
padrão mínimo na seara social. Segundo o modelo ponderativo que propõe, não se
pode sustentar que todos os direitos sociais sejam subjetivos, mas pode-se afirmar
que podem sê-lo, na medida em que exijam os princípios da liberdade fática da
separação de poderes e da democracia, uma vez ponderados com os princípios
opostos. Em todo caso, a justiciabilidade está sempre garantida quando se refira ao
mínimo vital ou existencial.
Na mesma esteira de entendimento, Ingo Wolfgang Sarlet, posiciona-se
dentre os que admitem a configuração circunstancial dos direitos sociais como
direitos subjetivos originários a prestações e a sua eventual justiciabilidade. Esta, ao
seu ver, possui grau de intensidade variável e é condicionada à normatividade do
direito fundamental. Sustenta o jurista a possibilidade de se reconhecerem, sob
determinadas condições, verdadeiros direitos subjetivos a prestações, mesmo
independentemente ou para além da concretização pelo legislador”
449
.
Conclui o jurista que, na esfera de um padrão mínimo existencial, fundado no
valor Justiça e no princípio de proteção à vida e à dignidade humana, pode haver
direito subjetivo definitivo à prestação, dotado de exigibilidade judicial. Onde tal
mínimo é ultrapassado, tão-somente um direito subjetivo prima facie, cuja
transmutação em definitivo e justiciável, condiciona-se às circunstâncias do caso
concreto
450
.
Para José Afonso da Silva, os direitos sociais são veiculados por normas
programáticas, as quais, apenas eventualmente, podem ensejar direitos subjetivos.
De qualquer modo, possibilita-se ao seu titular exigir que o Poder blico não se
oponha à prestação a que faz jus. Para o autor, a configuração dos direitos sociais
como direito subjetivo negativo sempre há, mas sua configuração como direito
449
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 180, 373. O jurista entende como
plena a justiciabilidade dos direitos de defesa (Idem, Ibidem, p. 296). Pela eventualidade de
configuração de direito originário à prestação social, alinham-se ainda os juristas alemães
Christian Starck e Rüdiger Breuer, cujas lições são oportunamente colacionadas por Ingo W.
Sarlet. Christian Starck reputa excepcional a dedução de direitos fundamentais via interpretativa,
pois embora admita a possibilidade de determinação da prestação, restringe às exceções que
enumera. Rüdiger Breuer atrela a possibilidade de reconhecimento de direito subjetivo originário à
prestação às hipóteses de indispensabilidade de manutenção das liberdades fundamentais. Em
suma, ambos os juristas admitem a configuração circunstancial de direito subjetivo originário,
desde que vinculadas à garantia de um standard mínimo de proteção social. (Idem, Ibidem, p. 366-
370).
450
Idem, Ibidem, p. 346 e 375.
191
subjetivo, em sua vertente positiva, é eventual. Os direitos sociais inscritos, no art.
205, art. 226 e art. 215, todos da CF/88 exemplifica encontram-se “no limiar da
plena eficácia” e tutelam interesses legítimos que constituem apenas um direito
subjetivo ‘in fieri’
451
.
Nessa linha de entendimento, Luís Roberto Barroso sustenta que direito
subjetivo quando se verifica a exigibilidade de uma conduta em favor do seu titular
em face do Estado. Em precisa lição, o jurista esclarece que o direito subjetivo resta
configurado quando: a) corresponde a um dever jurídico; b) é passível de violação;
c) disponibiliza-se ao seu titular meios jurídicos de exigir o seu cumprimento. No
tocante aos direitos sociais, todavia, entende o autor restarem configuradas distintas
posições jurídicas e não especificamente direito subjetivo (que atrela à
justiciabilidade) nas diversas regras constitucionais de distintos efeitos. Tais
posições reúne-as em três grupos: a) “situações prontamente desfrutáveis”, que
correspondem a uma abstenção, em geral do Estado, b) “exigibilidade de prestações
positivas do Estado” e c) interesses cuja realização depende da edição de norma
infraconstitucional integradora”
452
.
A seu turno, Otávio Henrique Martins Port
453
admite a existência de direitos
subjetivos decorrentes da previsão constitucional dos direitos sociais, mas conclui
que “Nem sempre, no entanto, a simples previsão constitucional enseja o poder de
acionar diretamente em face do Estado ou dos particulares um direito de cunho
social, em caso de descumprimento da norma constitucional”. A justiciabilidade, para
o autor, depende da existência de um dever correlato ao direito social exigível
diretamente, que se configura na hipótese da norma constitucional gerar direito
subjetivo, o que deve ser deduzido a partir da atividade interpretativa.
Na segunda vertente, o condicionamento da justiciabilidade apenas aos
casos de determinabilidade da prestação estatal, em cuja defesa encontra-se a
concepção de Carlos Weis ao sustentar que:
A possibilidade de exigir o cumprimento de direitos humanos
econômicos, sociais e culturais pela via judicial é a principal
conseqüência de sua caracterização como interesses
451
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 177.
452
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas, p. 104-111.
Acrescenta o jurista fluminense que o uso do vocábulo “direito” em normas constitucionais que
geram distintas posições jurídicas gera ambigüidade. (Idem, Ibidem, p. 113).
453
PORT, Otávio Henrique Martins. Os direitos sociais e econômicos - e a discricionariedade da
administração pública. São Paulo: RCS, 2005. p. 81.
192
transindividuais, como decorrência da superação do paradigma do
direito subjetivo individual [...] na medida em que as normas de
direitos sociais contenham uma tal especialidade que permita com
clareza identificar a obrigação estatal, nada impede que seja acolhido
pleito neste sentido
454
.
Na terceira vertente, encontra-se a postura daqueles que, sem conferir caráter
de direito subjetivo, reputam circunstancialmente justiciáveis os direitos sociais, na
medida em que se atrelarem à concreção da dignidade humana, quando assume
feição de direito subjetivo.
A jurista Ana Paula de Barcellos
455
não atrela a configuração da
justiciabilidade a medidas legislativas ou executivas, todavia, em sua concepção,
condiciona a sua manifestação por entender que ela somente se configura na
medida em que o direito social se atrele ao ‘mínimo existencial’, que possui feição de
direito subjetivo e que corresponde ao núcleo justiciável da dignidade humana.
Nesse sentido, também alinha-se a lição de Eduardo Cambi que declara
456
:
[...] é atual a questão da tutela dos direitos fundamentais sociais (art.
6º. da CF: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança,
previdência social, proteção à maternidade e à infância, bem como a
assistência aos desamparados). Tais direitos não são verdadeiros
‘direitos subjetivos’, dotados de conteúdo líquido e certo, mas
também não são meros instrumentos jurídicos para a luta política,
dando ensejo à ‘atuação positiva’ do Estado – e, portanto, conferindo
legitimidade individual ou coletiva para demandar judicialmente -,
quando tais direitos, ainda que gerem custos à sua implementação,
forem indispensáveis à concretização do valor constitucional da
dignidade humana.
454
WEIS, Carlos. Os direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 135. Esse
jurista entende que as normas de direitos sociais tanto podem configurar direito individual, na
hipótese de divisibilidade da prestação estatal, como o direito ao ensino básico, segundo
exemplifica, como direito transindividual, devendo, neste caso, ser demandado pelas vias
processuais próprias. (Idem, Ibidem, p. 135-136).
455
BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da
dignidade humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 258. O cleo justiciável da dignidade
humana, para a jurista, é composto pela educação fundamental, pela saúde básica, pela
assistência aos desamparados e pelo acesso à Justiça. (Idem, Ibidem, p. 305).
456
CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. In: FUX, Luiz et al. (Coord.)
Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 662-683; p. 667. Acrescenta o autor: “[...] a tutela dos
direitos sociais, diversamente dos direitos subjetivos de conteúdo líquido e certo, é limitada, de um
lado, pelo que deve integrar o mínimo existencial e, de outro, pelas questões orçamentárias,
rotuladas na expressão reserva do possível, que, por sua vez, como se viu, não pode ser um
obstáculo intransponível à efetivação dos direitos fundamentais”. (Idem, Ibidem, p. 668).
193
Não diverge a concepção de justiciabilidade condicionada de Jörg Neuner
457
,
que atrela a configuração de direito subjetivo e a justiciabilidade dos direitos sociais
ao mínimo existencial ou aos “pressupostos mínimos para uma existência
humanamente digna”.
5.2.2 Justiciabilidade Derivada dos Direitos Sociais
Segundo essa concepção, a justiciabilidade decorre não do comando
constitucional, mas sim do comando legal que especifica o direito fundamental ou da
institucionalização fática desse direito. Esse posicionamento nega a justiciabilidade
imanente dos direitos sociais, enquanto direitos fundamentais, relegando a sua
justiciabilidade àqueles direitos sociais densificados por ação estatal, seja pelo
Executivo, seja pelo Legislativo. Pode ser ainda dividida em duas vertentes: a) a que
desqualifica os direitos sociais, negando-lhes a natureza de direito fundamental ou
subjetivo e b) a que admite o seu status de direito subjetivo emanado da norma
constitucional.
Na primeira vertente, não se reconhece a possibilidade dos direitos sociais,
configurarem direitos subjetivos. O principal argumento assenta-se na idéia apenas
descrita por José Afonso da Silva de “que ninguém tem direito subjetivo em face do
Estado para obter a realização dessas prestações que consubstanciam os direitos
sociais correspondentes”
458
.
Negando a sua qualidade de direito subjetivo originário e também a sua ínsita
justiciabilidade, o jurista Ricardo Lobo Torres sustenta que os direitos sociais não
são direitos fundamentais, mas reivindicações da cidadania, princípios de justiça
social sujeitos sempre à interposição legislativa, que não possuem garantia judicial
sem prévia lei formal
459
. Por conseguinte, embora admitindo a exigibilidade do
457
NEUNER, Jörg. Os direitos humanos sociais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Jurisdição e
Direitos Fundamentais: anuário 2004/2005. Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul
(AJURIS). Porto Alegre: Escola Superior da Magistratura/Livraria do Advogado, 2006.v. 1, t. 2, p.
145-168; p. 163.
458
O entendimento é descrito por José Afonso da Silva embora dele não compartilhe. (SILVA, José
Afonso da. Poder constituinte e poder popular: estudos sobre a Constituição, p. 201).
459
TORRES, Ricardo Lobo. ‘A cidadania multidimensional na era dos direitos’. In: TORRES, Ricardo
Lobo (Org.). Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 243-342;
282-283, 294-296. Entende o jurista que a conseqüência de se aderir à tese de que são direitos
fundamentais os sociais é o desestímulo à ‘face libertária e reivindicatória da cidadania social”.
(Idem, Ibidemn, p. 295). O posicionamento deste jurista é criticado por Andréas J. Krell, que
194
‘mínimo existencial, nega a justiciabilidade imanente dos direitos sociais por
entender que se trata de uma “questão de justiça”, mas fora da ambiência
jurisdicional
460
.
Com posicionamento similar, Jacy de Souza Mendonça sustenta que os
direitos sociais “não geram direitos para os cidadãos, mas apenas deveres para os
administradores do Estado e só se tornam direitos subjetivos do cidadão e
obrigações jurídicas do Estado se e quando definidos e regulamentados por lei”
461
.
Na doutrina estrangeira, encontra-se a concepção de José Carlos Vieira de
Andrade
462
, que a partir da análise do ordenamento jurídico-constitucional lusitano,
nega a justiciabilidade interna e internacional dos direitos sociais. No âmbito interno,
o jurista declara que, em regra, os direitos sociais constituem ‘pretensões jurídicas’,
mas não “direitos subjectivos plenos, com um conteúdo determinado o determinável
que permita aos seus titulares a exigência directa do respectivo cumprimento por via
judicial.” Fundamenta o jurista que os direitos sociais não integram o conjunto
material dos direitos fundamentais e não participam do regime jurídico a eles
outorgados pela constituição Portuguesa (1976), constituindo direitos meramente
legais ou dependentes de legislação para constituírem direitos subjetivos plenos
463
.
O jurista Gregório Peces-Barba Martinez
464
, a seu turno, sustenta que para a
categoria de direitos sociais ‘incompletos’ – aos quais falta uma estrutura equiparada
a das clássicas liberdades – “no se puede exigir su garantia y su reconocimiento por
los tribunales si no existe ley que los desarolle”. Registra-se, ainda, o
sustenta “Essa afirmação está na linha da antiga (e ultrapassada) distinção feita por Carl Schimitt,
que negava a qualidade de verdadeiros Direitos Fundamentais (Grundrechte) aos direitos sociais
consagrados na Carta de Weimar por serem completamente sujeitos à vontade do legislador
ordinário”. (KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha:
os des(caminhos) de um Direito Constitucional ‘comparado’. p. 49).
460
TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: TORRES, Ricardo
Lobo (Org.). Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 243-342; p.
313.
461
MENDONÇA, Jacy de Souza. Curso de filosofia do direito: o homem e o direito. São Paulo:
Quartier Latin, 2006. p. 338.
462
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976.
3. ed. Coimbra: Almedina, 2004. p. 419. Como exceção à não justiciabilidade, o autor admite que
somente o conteúdo mínimo dos direitos sociais fundamentais pode considerar-se
constitucionalmente determinado e judicialmente exigível, admitindo a fiscalização concreta da
constitucionalidade de normas editadas em ofensa ao referido conteúdo. (Idem, Ibidem, p. 390,
401 e 415).
463
ANDRADE, José Carlos Vieira de, op. cit, p. 391 e 411.
464
PECES-BARBA MARTÍNEZ, Gregório. La Constitución y los derechos. Bogotá: Universidad
Externado de Colômbia, 2006. p. 160. Admite a justiciabilidade, porém, quando sua estrutura se
mostre equiparada à dos direitos de liberdade.
195
posicionamento de Paolo Biscaretti de Ruffia
465
, para quem os direitos sociais
constam de normas programáticas e são ‘acionáveis’ somente a partir de
intervenção legislativa.
Na segunda vertente, sua justiciabilidade fica também adstrita à ação estatal
ou intermediação legislativa, todavia admite-se o status de direitos subjetivos aos
direitos sociais, fundados na Constituição.
J. J. Gomes Canotilho
466
sustenta tal concepção ao detectar a questão da
proteção e justiciabilidade dos direitos sociais, à luz do ordenamento jurídico
português. Não condiciona a configuração do direito subjetivo à intermediação
legislativa, mas a reputa necessária para operar a sua justiciabilidade. Assim, não
obstante entenda-os como direitos subjetivos originários à prestação embora não
no clássico modelo - inerentes ao espaço existencial do cidadão como direitos,
reputa-os destituídos de justiciabilidade, que pode lhes ser reconhecida na medida
em que se concretizem legislativamente. Por isso, nega a justiciabilidade originária
dos direitos sociais, mesmo entendendo configurarem direitos subjetivos originários
e afirma que “os direitos subjetivos a prestações, mesmo quando não concretizados,
existem para além da lei por virtude da constituição, podendo ser invocados (embora
não judicialmente) contra as omissões inconstitucionais do legislador”
467
. (grifou-se)
Em escritos mais recentes do jurista lusitano, talvez em virtude da revisão da
sua própria teoria da Constituição dirigente’, verifica-se que a sua concepção
tornou-se mais rígida, no que tange à configuração dos direitos sociais como direitos
465
BISCARETTI DI RUFIA, Paolo. Diritto constituzionale: instituzioni di dirrito pubblico. 14. ed.
riveduta. Napoli: Eugeno Jovene, 1986. p. 836. (Tradução livre).
466
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1993. p.
541-546. de se fazer um breve aprofundamento em sua explanação. O jurista lusitano arrola
quatro modelos de positivação de direitos sociais: a) previsão em normas programáticas; b)
previsão em normas de organização; c) previsão como garantias constitucionais e d) previsão
como direitos públicos subjetivos. O jurista faz ainda dicotomia entre direitos originários a
prestações e direitos derivados a prestações. Somente a estes reconhece justiciabilidade, naquilo
que constituem densificação e concretização fática dos direitos fundamentais, permitindo aos seus
titulares o acesso aos tribunais. Para aqueles, por estarem dependentes da ação do Estado, não
reconhece a exeqüibilidade e a justiciabilidade, ensejando o fenômeno que a doutrina tem
denominado de ‘aporia’ dos direitos sociais e a sua recondução para o campo da ´política
social’.(Idem, Ibidem, p. 546).
467
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo
para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra, 1994. p. 371.
Por isso - sustenta ele - “a pretensão subjectiva judicialmente (não confundir com direito
subjectivo) accionável pressupõe, em geral, a concretização concreta, legalmente efectuada, do
direito fundamental”. (Idem, Ibidem, p. 376).
196
subjetivos originários, criticando inclusive a opção do legislador constituinte brasileiro
de albergar os direitos sociais sob o princípio da aplicabilidade imediata
468
.
No mesmo sentido, Jorge Miranda
469
, embora defendendo a justiciabilidade
objetiva dos direitos sociais - que comporta ação de inconstitucionalidade - somente
reconhece a justiciabilidade subjetiva derivada dos direitos sociais, quando
ensejarem ‘direitos legais a prestações’, pois nesse caso seguem o regime jurídico
de defesa dos direitos, liberdades a garantias fundamentais. Tal posicionamento
mostra-se incompatível com a concepção, por si adotada, de que não são os direitos
fundamentais que se movem no âmbito da lei, mas a lei que deve mover-se no
âmbito dos direitos fundamentais.
Enrique Ricardo Lewandowski, embora reconhecendo o status de direitos
subjetivos aos direitos sociais, sustenta a justiciabilidade derivada, ao afirmar que
estes “nem sempre podem ser exigidos através dos tribunais, não porque não
estão claramente definidos como os de primeira geração, como também porque
dependem de uma ação positiva do Estado para se concretizarem”
470
.
Defendendo a configuração de direito subjetivo de natureza transindividual e a
justiciabilidade derivada, José Reinaldo de Lima Lopes descreve a característica que
reputa peculiar aos direitos sociais, pois
[...] esta consiste em que não são fruíveis, ou exeqüíveis
individualmente. Não quer isto dizer que juridicamente não possam,
em determinadas circunstâncias, ser exigidos como se exigem outros
direitos subjetivos. Mas, de regra, dependem para sua eficácia, de
atuação do Executivo e do Legislativo por terem o caráter de
generalidade e publicidade
471
.
Na doutrina estrangeira, destaca-se o posicionamento de Konrad Hesse que
sustenta que a Lei Fundamental (da Alemanha) “[...] renuncia aos ‘direitos
468
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou romper com a Constituição dirigente? Defesa de
um constitucionalismo moralmente reflexivo. Revista dos Tribunais: Cadernos de Direito
Constitucional e Ciência Política, São Paulo, n. 15, abr./jun.1996. p. 7-17; p. 13-15.
469
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: Direitos fundamentais. t. 4. Coimbra: Coimbra,
1988. p. 342.
470
LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Direitos fundamentais. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva;
MENDES, Gilmar Ferreira; TAVARES, André Ramos (Coords.). Lições de direito constitucional:
em homenagem ao jurista Celso Bastos. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 168-179. p. 177.
471
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no
Estado Social de Direito. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direitos humanos, direitos sociais e
justiça. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 113-143, p. 127-129. Este jurista excepciona a
justiciabilidade dos direitos sociais inseridos na categoria uti singuli, defendendo a possibilidade na
hipótese de serviço público uti universi, sob pena de violar-se a universalidade que caracteriza tais
direitos. (Idem, Ibidem, p. 129).
197
fundamentais sociais’ [...] Semelhantes direitos não podem [...] fundamentar
pretensões do cidadão imediatas, que podem ser perseguidas judicialmente”
472
.
Segundo a postura da justiciabilidade derivada, Karl Loewenstein
473
, sustenta
que os direitos sociais “não são direitos no sentido jurídico’, visto que não podem ser
exigidos judicialmente do Estado, senão quando tenham sido institucionalizados por
uma ação estatal”.
Compartilha igual entendimento, ao condicionar a justiciabilidade dos direitos
sociais à especificação legislativa, Cristina M. M. Queiroz
474
. Não obstante admita a
possibilidade de configuração de ‘pretensões subjetivas jusfundamentais’, assevera
que quando existe um direito, este se mostra, em princípio, como justiciável. No
caso dos direitos de natureza econômica e social, essa justiciabilidade encontra-se
dependente de uma configuração jurídica particular a levar a cabo pelo
legislador”
475
.
Em suma, no que tange a concepções dogmáticas acerca da justiciabilidade
subjetiva dos direitos sociais, enquadram-se nos seguintes posicionamentos:
a) justiciabilidade originária plena, Celso Antônio Bandeira de Mello, Regina
Maria Macedo Nery Ferrari
476
, Dalmo de Abreu Dallari, Victor Bazán , Graciela
E. Christe, Víctor Abramovich e Christian Courtis;
b) justiciabilidade originária condicionada, Robert Alexy, Ingo Wolfgang Sarlet,
José Afonso da Silva, Luís Roberto Barroso, Otávio Henrique Martins Port e
Carlos Weis, Ana Paula de Barcellos e Eduardo Cambi;
c) sustentando a justiciabilidade derivada, José Carlos Vieira de Andrade, J. J.
Gomes Canotilho, Jorge Miranda, Karl Loewenstein, Konrad Hesse, Paolo
Biscaretti de Ruffia, Cristina M. M. Queiroz, Enrique Ricardo Lewandowski,
472
HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Trad.
Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1998. p. 170, item 208.
473
LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona:
Ariel, 1986. p. 401.
474
QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais: teoria geral. Faculdade de Direito da
Universidade do Porto. Teses e monografias 4. Coimbra: Coimbra, 2002. p. 153.
475
QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais sociais: questões interpretativas e limites da
justiciabilidade. In: SILVA, Virgílio Afonso da. (Org.) Interpretação constitucional. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 165-216. p. 211. Acrescenta a jurista que “a ordenação de uma tutela ‘estrita’ e
‘rigorosa’ dos direitos fundamentais estende-se não só ao direito subjetivo qua tale, mas, ainda, ao
círculo de situações juridicamente protegidas”. (QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais
sociais: questões interpretativas e limites da justiciabilidade’. In: SILVA, Virgílio Afonso da. (Org.)
Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 165-216. p. 176).
476
Conforme posicionamento defendido quanto ao direito social à educação e à saúde. (FERRARI,
Regina Maria Macedo Nery. Normas constitucionais programáticas: normatividade, operatividade e
efetividade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 234-235).
198
Jacy de Souza Mendonça, José Reinaldo de Lima Lopes, Ricardo Lobo
Torres.
5.2.3 Análise Crítica das Concepções Doutrinárias: Posicionamento Adotado
de se avaliar a fundo os posicionamentos que, embora admitindo a
justiciabilidade originária dos direitos sociais, a condicionam e discordar, de forma
integral, dos posicionamentos que negam a justiciabilidade originária dos direitos
sociais, em face de alguns fatores ora expendidos.
Primeiro, as justificativas de inexigibilidade judicial intrínseca dos direitos
sociais em função de sua estrutura, de início, demonstram a sua incoerência teórica,
pois os direitos sociais de prestação determinada, verbi gratia, do direito laboral
(arts. da CF/88), não têm sua justiciabilidade questionada e são amplamente
tutelados via jurisdição, contando com uma Justiça especializada e estruturalmente
organizada no Brasil (art. 114 da CF/88). Não impeditivo “estrutural” intrínseco à
justiciabilidade ou algum traço inerente aos direitos sociais que os impeça de
receber a tutela jurisdicional
477
. A questão se põe, como se verificará, no âmbito da
determinação da prestação, ou melhor, de sua determinabilidade.
Segundo, não se pode aceitar o óbice da ‘reserva do possível’, porque o
conteúdo e a eficácia de um direito, sobretudo fundamental, não podem ficar a
mercê da vontade política ou da conjuntura econômica para sua implementação
ainda que em patamar mínimo. Jayme Benvenuto Lima Junior
478
lucidamente
magistra que “O argumento da mera escassez de recursos financeiros, usado com
freqüência pelos administradores públicos, resulta na postergação da realização
prática dos DHESC”. Existente o direito subjetivo, sentencia Otávio Henrique Martins
Port
479
, não podem “as contingências orçamentárias destituir os direitos sociais de
sua eficácia ou inviabilizar a sua exigibilidade jurisdicional”.
477
Cf. ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian, op. cit, p. 117.
478
LIMA JUNIOR, Jayme Benvenuto. O caráter expansivo dos direitos humanos na afirmação de sua
exigibilidade. In: PIOVESAN, Flávia. (Coord.) Direitos humanos, globalização econômica e
integração regional: desafios do Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad,
2002. p. 651-667. p. 665.
479
PORT, Otávio Henrique Martins. Os direitos sociais e econômicos: e a discricionariedade da
administração pública. São Paulo: RCS, 2005. p. 106.
199
Terceiro, também há de se discordar daqueles que, embora admitindo a
natureza de direito subjetivo aos direitos sociais, negam a sua justiciabilidade. Se se
reconhece que é direito subjetivo, haveria uma evidente contraditio in terminis.
Conforme postura aqui adotada: se é direito subjetivo, de ser plenamente
justiciável, posto que lhe é imanente tal atributo. De outro turno, se se admite que
não é justiciável, tal situação pode corresponder a uma situação subjetiva outra, mas
não a de direito subjetivo
480
.
Quarto, quanto à postura que desqualifica os direitos sociais como direito
fundamental ou subjetivo, esta parece conduzir, como toda postura que mutila os
direitos fundamentais de sua garantia jurisdicional, ao temido retrocesso em sede de
direitos sociais. Uma vez conquistados, declarados e positivados, trata-se agora de
protegê-los
481
.
Entende-se, ademais, que o inadequação no uso do vocábulo ‘direito’
pelo legislador Constituinte para se referir aos direitos sociais. De fato, toda vez que
o Constituinte referiu-se a ‘direitos’, nos distintos enunciados constitucionais, é
porque quis dar ao termo toda a potencialidade semântica que o vocábulo evoca.
Direito (fundamental) é sempre direito (fundamental) e as distintas formas de sua
efetivação não podem de modo algum afastar a sua juridicidade e a sua
justiciabilidade. Ademais, todas as características que singularizam o direito
subjetivo - dever jurídico’, ‘violabilidade’ e ‘pretensão’ - encontram-se presentes nas
normas definidoras dos direitos sociais.
Quinto, quanto à alegação de programaticidade de normas que definem os
direitos sociais, críticas são lançadas para condenar a postura daqueles que assim
adjetivam as normas constitucionais para afastar a sua eficácia e poder de
exigibilidade jurisdicional.
Verifica-se, na doutrina nacional, sem dissensão, que as normas
programáticas ensejam, no mínimo, direitos subjetivos negativos
482
. Por outro lado,
480
Em Hans Kelsen a noção de direito subjetivo atrela-se à justiciabilidade, pois, para o jurista, dele
decorre o poder jurídico concedido pelo Direito Objetivo, quer isso dizer, ter o poder de colaborar
na produção da norma jurídica individual através de uma ação específica demanda ou queixa”.
(KELSEN Hans. Teoria geral das normas. Trad. José Florentino Duarte. Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris, 1986. p. 174-175).
481
Sustenta Norberto Bobbio que uma coisa é positivação e justificação, outra é garantia de sua
proteção. Em suas palavras, “uma coisa é falar dos direitos do homem, direitos sempre novos e
cada vez mais extensos e justificá-los com argumentos convincentes; outra coisa é garantir-lhes
uma proteção efetiva”. (BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nélson Coutinho. 14.
tiragem. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 63).
482
Cf. BARROSO, Luís Roberto, O direito constitucional e a efetividade de suas normas, p.121.
200
resistência com relação à configuração de direitos subjetivos em sua vertente
positiva. Todavia, não há, na Constituição, ‘direitos fundamentais diferidos’ ou
subordinados a qualquer condição. Fossem diferidos os direitos sociais ou contidos
em normas programáticas, o legislador não lhes teria outorgado imediata
aplicabilidade e fruição garantida pelo mandado de injunção nos casos de ausência
de regulamentação.
Desse modo, ainda que se possa sustentar uma dimensão programática das
normas relativas aos direitos sociais - pois isso não invalida a sua eficácia e sua
dimensão subjetiva - inexistem ‘direitos programáticos’ ou ‘direitos diferidos’
483
.
Sexto, a indeterminabilidade do conteúdo prestacional dos direitos sociais
(originários a prestações), decorrente da ausência de especificação normativa,
colocado como impeditivo da justiciabilidade, também não merece vingar. A
indeterminação semântica não é exclusividade dessa seara do Direito. Ademais,
pode haver determinação ulterior pela jurisprudência e dogmática, além de conferir
maior flexibilidade nas decisões políticas
484
.
Quanto à sua determinação fática, observam Victor Abramovich e Christian
Courtis que, em muitos casos, poderá existir somente uma ação ou um número
limitado de ações possíveis para a proteção e satisfação de um direito que a sua
prévia imposição normativa poderia excluir
485
.
Deste modo, a discricionariedade que envolve os direitos sociais dirige-se não
somente ao Estado quando implementa ‘faticamente’ esses direitos, mas também ao
Estado quando declara e aplica o direito objetivo, a eles referidos, quando passam
para a ambiência processual, pois também nesse plano os direitos fundamentais se
realizam na experiência do processo. Quando o se possam identificar os
elementos essenciais da prestação devida ao seu titular por ausência de
especificação no enunciado da Constituição e diante da omissão do legislador
infraconstitucional (norma abstrata), incumbe ao Judiciário concretizá-la por norma
concreta, no âmbito da lide
486
.
483
Por isso sentencia Paulo Gilberto Cogo Leivas “[...] os direitos fundamentais de segunda geração
tendem a tornar-se tão justicializáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra que já não
poderá ser descumprida ou ter sua eficácia recusada com aquela facilidade de argumentação
arrimada no caráter programático da norma”. (LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos Direitos
Fundamentais Sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 94).
484
ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian, op. cit, p. 122-126.
485
Idem, ibidem, p. 126.
486
Vide Capítulo V, 5.3.1.3.
201
Sétimo, por fim, de se reconhecer a natureza constitucional da pretensão
fundada em direito social, que conduz à sua justiciabilidade originária, cujo exercício
não se condiciona à concretização legislativa ou à medida governamental. Ademais,
condicionar a justiciabilidade e relegar-se a força imanente e vinculante de um direito
social ao nível legislativo equivaleria, no nimo, à sua inversão hierárquico-
normativa.
A justiciabilidade, como atributo imanente de cada direito fundamental, não
pode ser condicionada ou circunstancial. A configuração do direito subjetivo à
prestação originária, ainda que indeterminada - frise-se - pode ser deduzida da
atividade interpretativo/ponderativa judicial. Desse modo, não se pode afastar ou
condicionar, a priori, a justiciabilidade dos direitos sociais, pois somente garantida
esta, de modo pleno, poder-se-á apreciar o direito social postulado no caso
concreto, com vistas à sua correlata tutela jurisdicional. Ademais, se em
ordenamentos jurídicos em que sequer se encontram constitucionalmente
positivados direitos sociais, é possível a dedução de posições jurídico-subjetivas a
partir da atividade interpretativa e construção jurisprudencial
487
, a denegação da
justiciabilidade dos direitos sociais pela jurisdição brasileira equivaleria ao vedado
non liquet, ou ao no mínimo, ao retrocesso operado via jurisdicional, visto que a
proteção judicial é um imperativo diante de sua positivação.
Quanto à concessão da tutela jurisdicional, todavia, há de se proceder à dupla
análise. O aspecto subjetivo, no qual se avalia se o postulante é titular do direito
inscrito na norma, quando não universal, e o aspecto objetivo, em que se examina
se é devida a prestação postulada. Sob o primeiro aspecto, quanto à titularidade,
não se pode conceder, por exemplo, a uma pessoa não idosa o salário nimo
assistencial e a um trabalhador autônomo não pode conceder o seguro-desemprego.
Sob o aspecto objetivo, de se avaliar a prestação postulada, quando o
determinada. Nesse caso, entende-se que o postulante não tem direito à prestação,
mas sim a uma prestação que atenda ao comando finalístico da norma, cuja
adequação será avaliada pela ponderação judicial. De igual modo, pelo princípio do
nemo judex sine actore, o postulante haverá de declinar qual é o direito postulado,
no que consiste a violação do seu direito e qual a prestação que entende devida,
quando não especificamente determinada. Pelo princípio da proporcionalidade e
487
A exemplo do Direito Constitucional Alemão, segundo o autorizado magistério de Ingo Wolfgang
Sarlet.
202
seus sub-princípios - a adequação, a necessidade e a proporcionalidade (sentido
estrito) - o Judiciário irá avaliar o direito social alegado em face dos princípios que
iluminam o caso e daqueles eventualmente em colisão.
No ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, os direitos sociais, como
todos os direitos fundamentais - são direitos constitucionais e não legais, cujo
exercício é assegurado mesmo na hipótese de ausência de interposição legislativa,
via mandado de injunção. Em sede justiciabilidade dos direitos fundamentais, não se
podem importar, sem as devidas ressalvas, as lições da doutrina estrangeira diante
da eventual diversidade de regime jurídico, a exemplo da lusitana, em face da qual
os direitos sociais no plano constitucional não participam do regime jurídico dos
direitos fundamentais. Portanto, a noção de pretensão meramente legal que grassa
na doutrina estrangeira não pode ser transportada sem a devida ressalva para a
realidade jurídico brasileira, visto que independentemente da determinação ou não
da prestação, todas as pretensões subjetivas sociais são (im)posições jurídicas
fundadas na Constituição, conforme posicionamento aqui adotado.
Ad exemplum, o direito social à educação, no que tange ao ensino, não
possui determinação constitucional da sua prestação e não obstante é
declaradamente um “direito público subjetivo” social (art. 6º. e 205 e ss. da CF/88).
De outro turno, o legislador constituinte não fez expressa referência do direito
fundamental à saúde como ‘direito público subjetivo’ e nem lhe determinou o
conteúdo da prestação, nem por isso deixou ele de ser reconhecido como tal pelo
Judiciário
488
.
Criticando a postura daqueles que negam a justiciabilidade dos direitos
sociais, Rolando E. Gialdino observa que:
No parece necesario subrayar la trascendencia de este modo de
pensar, que dejaría inerme a los individuos frente al quebrantamiento
de buena parte de los derechos humanos que los Estados se
comprometieron a respetar, por cuanto mutilaría gravemente la
demanda de protecíon nada menos que ante los órganos
judiciales
489
.
488
STF - AgRgRE 271.286-RS, rel. Min. Celso de Mello, J. 12.09.2000, DJU 24.11.2000, v.100.
489
GIALDINO, Rolando E. Los derechos económicos, sociales y culturales. Su respeto, protección y
realización en el plano internacional, regional y nacional’. In: CORTE SUPREMA DE JUSTICIA DE
LA NACIÓN REPÚBLICA ARGENTINA. Secretaría de investigación de Derecho comparado.
Investigaciones. Buenos Aires, ano III, n. 2, 1999, p. 365-395; p. 372.
203
Victor Abramovich e Christian Courtis
490
, em defesa da justiciabilidade
originária dos direitos sociais, sentenciam que “no existe derecho económico, social
o cultural que no presente al menos alguma caraterística o faceta que permita su
justiciabilidad judicial en caso de violación”.
A indeterminação semântica não pode constituir óbice à justiciabilidade,
antes, desafia a criatividade do Poder Judiciário, que pode recorrer ao ordenamento
jurídico para determinar seu conteúdo, em função das reais necessidades sociais,
devendo solucionar de modo concreto os reclamos daí decorrentes.
A extensa normatização infraconstitucional
491
dos direitos sociais, a expressa
atribuição do Ministério Público, na área estadual e federal, para a defesa dos
direitos sociais e a recepção constitucional da ação civil pública, que põe como
relevante instrumento de controle de políticas públicas e de proteção dos direitos
fundamentais, reforçam amplamente a justiciabilidade dessa categoria de direitos.
A adoção da concepção da justiciabilidade originária milita, substancialmente,
em prol do resgate da dignidade dos direitos sociais como direitos subjetivos
fundamentais, visto que tem por efeito imediato, a dedução do seu poder subjetivo
diretamente da Constituição. Conduz à compreensão do dever material do Estado
na realização das prestações sociais e do direito de exigir proteção jurisdicional na
hipótese do seu descumprimento, independentemente de intervenção legislativa,
mas mediante atividade interpretativa judicial. Para tanto, de se firmar o
entendimento de que a legislação infraconstitucional regulamentadora, nesse
contexto, o cria o direito fundamental, mas apenas especifica a prestação nele
contida.
Um dos impeditivos à reabilitação jurídico-constitucional dos direitos sociais,
segundo observa José Joaquim Gomes Canotilho, é a existência do dúplice
490
ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian. Apuntes sobre la exigibilidad judicial de los derechos
sociales. In: SARLET, Ingo W. (Org.). Direitos fundamentais sociais: estudos de direito
constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 152.
491
Citam-se, por exemplo: Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente); Lei n. 8.080/90
(Lei orgânica da Saúde); Lei n. 8.742/93 (Assistência Social);Lei n. 9.313/96 (Distribuição gratuita
de medicamentos aos portadores do HIV); Lei n. 9.394/96 (Diretrizes e bases da educação
nacional); Lei n. 10.150/00 (Novação de dívidas para os mutuários do Sistema Financeiro de
Habitação); Lei n. 10.257/01 (Estatuto da Cidade); Lei n. 10.689/03 (PNAA - Programa Nacional de
Acesso à Alimentação-Fome Zero); Lei n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso); Lei n. 10.835/04 (Renda
Básica de Cidadania); Lei n. 10.836/04 (Bolsa Família); Lei n. 11.124/05 (Sistema Nacional de
Habitação de Interesse Social – SNHIS); Lei n. 11.346/06 (Sistema Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional – SISAN).
204
discurso’: o da “bondade fora das fronteiras; ‘maldade’dentro das fronteiras
constitucionais”
492
.
Há que se harmonizar no Brasil o discurso dos direitos fundamentais, internos
ou internalizados, sobretudo diante dos (8) objetivos globais do atual milênio
propostos pela ONU
493
, em sua maioria reflexos da urgência da efetivação dos
direitos sociais.
Os direitos sociais possuem justiciabilidade. Impende apenas reconhecê-la,
respeitá-la e torná-la factível perante os Tribunais. O histórico do desenvolvimento
dos direitos humanos, bem descrito por Norberto Bobbio
494
, compreende as fases de
sua conquista histórica, positivação, generalização, institucionalização e
especificação. Cumpre agora, em tempos de neoconstitucionalismo, acrescentar
àquelas, em definitivo, a fase da justiciabilidade dos direitos humanos, sobretudo os
sociais, cujos fundamentos se dessume do próprio sistema dos direitos
fundamentais.
Em conclusão, no ordenamento jurídico brasileiro, em face da natureza
constitucional da pretensão, esta de possuir uma justiciabilidade originária, cujo
exercício não se condiciona à concretização legislativa. Relegar-se à força imanente
e vinculante de um direito social ao nível legislativo equivaleria, no mínimo, a
desconstitucionalização ilegítima de um direito genuinamente fundamental.
Não obstante possa densificá-la, a lei (ou a ausência dela) não pode conter a
força normativa da Constituição em sede de direitos fundamentais.
Em conclusão, das três concepções dogmáticas acerca da justiciabilidade dos
direitos sociais, a postura da justiciabilidade originária, plena, não condicionada, é a
que parece mais consentânea com o status de direito subjetivo fundamental dos
492
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra,
2004. p. 104.
493
São eles: (1) Erradicar a pobreza e a fome, (3) ofertar a educação primária, (3) promover a
igualdade entre os gêneros e a autonomia da mulher, (4) reduzir a mortalidade infantil, (5)
melhorar a saúde materna, (6) combater o HIV/AIDS, o paludismo e outras enfermidades, (7)
garantir a sustentabilidade do meio-ambiente e (8) fomentar uma associação mundial para o
desenvolvimento.
494
Em sua clássica obra A era dos direitos. (BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de
Carlos Nélson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992). Na afirmação do douto constitucionalista
Paulo Bonavides, de que os direitos sociais ainda caminham para sua justiciabilidade, de se
entender que é o seu reconhecimento e não esta que pende de consolidação. (BONAVIDES,
Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa: por um Direito Constitucional de luta e
resistência por uma Nova Hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2001. p. 355).
205
direitos sociais e com os objetivos constitucionais da República Federativa do Brasil,
de implementação de Estado Democrático de Direito e da Justiça Social.
5.3 FUNDAMENTOS DA JUSTICIABILIDADE SUBJETIVA DOS DIREITOS
SOCIAIS
Não obstante se alinhem correntes doutrinárias que negam a
fundamentalidade dos direitos sociais e o seu próprio status jurídico de direitos,
conclui-se que a sua justiciabilidade subjetiva, não lhes pode ser negada em face de
inúmeros fundamentos, cuja exposição se faz sem qualquer pretensão circunscrever
a esses todos os fundamentos existentes.
5.3.1 Justiciabilidade Subjetiva Originária
A face subjetiva decorre da bifrontalidade revelada pela dupla perspectiva dos
direitos fundamentais. A justiciabilidade subjetiva corresponde ao poder que
promana do direito subjetivo e confere ao seu titular a exigibilidade da sua tutela
jurisdicional.
Em sua face subjetiva, a ordem jurídico-constitucional confere, segundo lição
de Ingo W. Sarlet, a possibilidade ao
[...] seu titular (considerando como tal a pessoa individual ou ente
coletivo a quem é atribuído) de fazer valer judicialmente os poderes,
as liberdades ou mesmo o direito à ação ou ações negativas ou
positivas que lhe foram outorgadas pela norma consagradora do
direito fundamental em questão
495
.
Nessa dimensão, a justiciabilidade originária, como decorrência direta do
comando constitucional que define o direito fundamental, tem suscitado objeções de
ordem teórica e prática. Impende investigar os fundamentos que também se devem,
com a mesma ênfase, destacar para a justificativa de sua imanente configuração em
sede de direitos sociais.
495
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed, rev. atual. e amp. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 180.
206
5.3.1.1 Direitos sociais como direitos formal e materialmente fundamentais
Na ordem jurídica brasileira os direitos fundamentais estão, expressa ou
implicitamente positivados, na Constituição em cujo catálogo dogmático se inserem
os direitos sociais. A fundamentalidade formal dos direitos sociais resulta de sua
positivação na Constituição, sob a rubrica ‘Direitos Sociais, no Título II, intitulado
“Direitos e Garantias Fundamentais”, o que é suficiente para dissipar qualquer
dúvida quanto a sua natureza jurídica e fundamental.
De outro ângulo considerado, pode se afirmar que os direitos sociais não são
fundamentais porque estão na Constituição, eles estão na Constituição porque são
fundamentais ao homem. Por isso, José Afonso da Silva
496
defende a
fundamentalidade dos direitos sociais por entender que a Constituição assumiu essa
concepção, considerando-os “valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos”.
Afigura-se como excepcional a postura de quem lhes negue tal atributo, a
exemplo da sustentada por Carl Schmitt
497
Ricardo Lobo Torres
498
, Jacy de Souza
Mendonça
499
e Pinto Ferreira
500
.
Sua natureza fundamental é reconhecida por majoritária doutrina nacional
formando caudalosa corrente, dentre cujos adeptos se podem citar José Afonso da
Silva, Ingo W. Sarlet
501
, Celso Antonio Bandeira de Mello
502
, Clèmerson Merlin
Clève
503
e Paulo Lopo Saraiva
504
.
496
SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular: estudos sobre a Constituição, p. 198.
497
SCHMITT, Carl. Teoria de la constitución.xico: Nacional, 1966. p.190-196.
498
TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: TORRES, Ricardo
Lobo (Org.). Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 243-342; p.
283.
499
MENDONÇA, Jacy de Souza. Curso de filosofia do direito: o homem e o direito, p. 338-339.
500
PINTO, Ferreira. Curso de direito constitucional. 12. ed. ampl. e atual. de acordo com as Emendas
Constitucionais e a Revisão constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002. p.129,130.
501
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed, rev. atual. e amp. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 372. Como bem sentencia Ingo W. Sarlet, “[...] pode se
chamar de ideológica a postura dos que tentam desqualificar os direitos sociais como direitos
fundamentais, incluindo aqueles que outorgam às dificuldades efetivamente existentes o cunho de
barreiras intransponíveis”.
502
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social.
Revista de Direito Público. São Paulo, ano 14, n. 57/58, jan./jun.1981. p. 233-256; p. 255.
503
CLÈVE, Clèmerson Merlin. O desafio da efetividade dos direitos fundamentais sociais. Revista da
Academia Brasileira de Direito Constitucional-Anais do IV Simpósio Nacional de Direito
Constitucional. Curitiba, n. 3, 2003. p. 291-293.
504
SARAIVA, Paulo Lopo. Garantia constitucional dos direitos sociais. Rio de Janeiro: Forense, 1983.
p. 28.
207
Em prol do reconhecimento da fundamentalidade dos direitos sociais, na
doutrina estrangeira, deve-se ressaltar o esforço ingente dos juristas Luigi Ferrajoli
505
e Antonio Enrique Perez Luño, para quem “los derechos sociales son auténticos
direitos fundamentales”
506
. A terminologia ‘direitos fundamentais sociais’, adotada
por Robert Alexy, dá-nos conta de idêntica concepção
507
.
Mauro Cappelletti, de igual modo, se posiciona:
[...] me parece indudable que ‘los derechos fundamentales’, inclusive
aquellos llamados ‘sociales’, en su esquema más elemental,
atribuyen o, más precisamente, consisten (si son verdaderos
derechos), en un poder, en un ‘jubere licere’ de los ‘individuos
particulares
508
.
A fundamentalidade dos direitos sociais pode ainda se deduzir de sua
previsão em documentos jurídicos internacionais, cujos dispositivos têm direta
incidência sobre os titulares dos direitos ao conferir-lhes posições jurídicas perante a
ordem internacional.
A questão acerca da natureza fundamental dos direitos sociais foi enfrentada
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, na elaboração do Protocolo
Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador), ao reconhecer que
“[...] los derechos humanos econômicos, sociales y culturales son auténticos
derechos fundamentales”
509
.
Além de sua fundamentalidade formal, ostentam fundamentalidade material,
decorrente do próprio regime e dos princípios adotados pela Constituição e dos
previstos em tratados internacionais nos quais é parte o Brasil
510
, a fundamentar
amplamente a sua justiciabilidade. Ainda que não fossem formalmente
505
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana Paula Zomer Sica. 2. ed.
rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 842.
506
PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, estado de derecho y constitución. 8. ed.
Madrid: Tecnos, 2003. p. 570 e também PEREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Los derechos
fundamentales. 7. ed. Madrid: Tecnos, 1998. p. 187.
507
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 486.
508
CAPELLETTI, Mauro. La jurisdicción constitucional de la libertad com referencia a los
ordenamientos alemán, suiz y austríaco p. 4.
509
CAVALLARO, James Louis e POGREBINSKI, Thamy. Rumo à exigibilidade dos direitos
econômicos, sociais e culturais nas Américas: o desenvolvimento da jurisprudência do sistema
interamericano. In: PIOVESAN, Flávia. (Coord.) Direitos humanos, globalização econômica e
integração regional: desafios do Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad,
2002. p. 679-684. p. 675.
510
Como, por exemplo, Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e da Convenção
Americana - Pacto de San José da Costa Rica.
208
fundamentais, ostentariam os direitos sociais a sua face fundamental material, por
força “do regime e dos princípios por ela adotados”, nos termos do art. 5º, § 2º,
primeira parte, da CF/88. Regime, no caso, o Social Democrático, expressamente
adotado nos termos do art. e da CF/88. Princípio, sobretudo, o da dignidade
humana, cuja concretização depende da implementação fática dos direitos sociais.
É da essência do direito fundamental a sua justiciabilidade, que é tornada
inoperante por inércia de seu titular. E como não há direito fundamental que não seja
direito e não direito fundamental sem justiciabilidade, conclui-se que os direitos
sociais são direitos e fundamentais e, portanto, justiciáveis.
5.3.1.2 Direitos sociais como direitos públicos subjetivos fundamentais
Conforme destacado anteriormente, o tema justiciabilidade encontra-se
intrinsecamente ligado ao do direito subjetivo. Este, por sua vez, atrela-se à questão
que se levanta acerca da (in)determinação da prestação
511
e natureza programática
das normas que os definem
512
, que demandam análise para a correta compreensão
da justiciabilidade. Faz-se imprescindível a verificação, mas não exaustiva diante da
delimitação do objeto da investigação proposta, dessa especial situação jurídica:
direito subjetivo.
Com o propósito de alcançar a essência do objeto dessa categoria específica
de direitos fundamentais, a doutrina tem tentado em vão ‘encaixar’ os direitos sociais
dentro da concepção privatística de direito subjetivo, ignorando a sua feição pública.
A definição de direito subjetivo, mesmo em âmbito privatístico, constitui tormentosa a
questão conceitual como se destacou no capítulo inicial
513
. Disso resulta a grande
perplexidade e a disparidade de posicionamentos doutrinários, presente no estudo
dos direitos sociais, em âmbito nacional e estrangeiro, acerca do status jurídico e da
justiciabilidade dos direitos sociais.
Com relação a essa configuração, verifica-se que se adotam posturas
diversas, uma excludente, que nega a qualificação jurídica de direito subjetivo aos
511
Vide item 6.3.2.3.
512
Vide item 6.3.2.4.
513
Antonio E. Perez Luño não concorda com a concepção dos direitos sociais como direitos públicos
subjetivos visto que, em seu entender, estes visam limitar a atuação do Estado e aquele impõem e
estabelecem os fins da atuação do Estado. PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos,
estado de derecho y constitución. p. 570.
209
direitos sociais; uma restritiva, quanto à posição jurídica que conferem as normas
que o definem, admitindo a configuração eventual de direito subjetivo; uma
concessiva, que os reputam sempre direitos subjetivos, uma vez positivados na
Constituição como fundamentais.
Na postura excludente, é de se registrar a concepção de Carl Schmitt
514
, para
quem os direitos sociais são pretensões socialistas frente ao Estado, mas não
constituem direitos fundamentais. Na doutrina pátria registra-se a idêntica concepção
de Pinto Ferreira que os nomina como ‘direitos e pretensões socialistas’, próprios “de
uma Constituição simbólica” e, em grande parte, meras intenções ideológicas, com
eficácia bem precária, e algumas vezes sem nenhum poder de exeqüibilidade”
515
.
Na postura restritiva, pode-se enquadrar o posicionamento
516
que defende a
configuração do direito social como subjetivo somente naquilo que decorra da
dignidade humana ou quando definidos e regulamentados por lei.
Diante da postura concessiva aqui adotada, pode-se sustentar que toda
norma definidora de direito fundamental é de impositividade imediata por isso não
programática - e sempre confere um direito público subjetivo ao seu titular. Não é
lícito deduzir uma diversidade de posições jurídicas de normas instituídas pelo
legislador constituinte sob regime jurídico único, a exemplo do implantado para os
direitos fundamentais, que estão regidos sob a epígrafe “direitos fundamentais”. Se
ostentam as normas definidoras de direitos fundamentais - como se entende aqui -
idêntica natureza e mesmo regime de eficácia e aplicabilidade, o de gerar os
mesmos efeitos e conceder idênticos poderes ao seus titulares.
Concebendo os direitos fundamentais como direitos subjetivos, Lorenzo
Martín-Retortillo Baquer
517
estatui que “En primer lugar, los derechos fundamentales
son derechos subjetivos, derechos de los indivíduos no solo en cuanto derechos de
los ciudadanos en sentido estricto, sino en cuanto garantizan un status jurídico”.
514
SCHMITT, Carl. Teoria de la Constitución. México: Nacional, 1966. p. 190, 196-197.
515
PINTO, Ferreira. Curso de direito constitucional. 12. ed. ampl. e atual. de acordo com as Emendas
Constitucionais e a Revisão constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002. p.129-130.
516
QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais sociais: questões interpretativas e limites da
justiciabilidade. In: SILVA, Virgílio Afonso da. (Org.) Interpretação constitucional. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 165-216. p. 214. Afirma a jurista que, não obstante as objeções doutrinárias, é
possível serem os direitos sociais concebidos como ‘direitos prestacionais de natureza subjetiva
ao seu titular, enquanto ‘ser socialmente integrado’, naquilo que decorra do princípio da dignidade
humana (Idem, Ibidem, p. 214).
517
BAQUER, Lorenzo Martín-Retortillo; OTTO Y PARDO, Ignácio. Derechos fundamentales y
Constitución. Madrid: Civitas, 1988. p. 56.
210
Luigi Ferrajoli
518
também os concebe como direitos subjetivos, esclarecendo
que, enquanto os direitos de liberdade são ‘direitos de’ e referem-se a prestações
negativas, os direitos sociais são ‘direitos a’ e referem-se a prestações positivas do
Estado.
Reconhecendo a ampla juridicidade dos direitos sociais, enquanto direitos
subjetivos em patamar constitucional, se posicionam
519
Celso Antônio Bandeira de
Mello, José Reinaldo de Lima Lopes, Enrique Ricardo Lewandowski, Victor Bazán,
Víctor Abramovich e Christian Courtis, José Joaquim Gomes Canotilho. Também
identificam a natureza de direitos subjetivos nos direitos sociais Daniel Sarmento
520
e
Rogério Gesta Leal.
Além de sua configuração como direitos fundamentais e subjetivos, entende-
se que os direitos sociais são direitos públicos.
Na classificação que realiza dos direitos sociais, Luigi Ferrajoli
521
caracteriza-
os como direitos fundamentais e públicos. Antonio E. Perez Luño
522
, todavia, não
concorda com a concepção dos direitos sociais como ‘direitos públicos subjetivos’
visto que, em seu entender, estes visam limitar a atuação do Estado e aquele
impõem e estabelecem os fins da atuação do Estado.
Não obstante, discorda-se de tal assertiva por entender aplicável tal
concepção e não apenas em seu sentido liberal, visto que os direitos públicos
subjetivos podem comportar, além de seu conteúdo negativo, que impõe a não
intervenção do Estado, também um conteúdo positivo, que impõe conduta positiva
do Estado na efetivação dos direitos fundamentais.
O ordenamento jurídico-constitucional brasileiro adota expressamente tal
terminologia para indicar tal natureza ao reconhecer expressamente a existência de
518
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. p. 842-843.
519
Conforme exposto no item 5.2 e seus tópicos.
520
SARMENTO, Daniel. Colisões entre direitos fundamentais e interesses públicos. In: SARLET, Ingo
Wolfgang (Org.). Jurisdição e Direitos Fundamentais: anuário 2004/2005. Escola Superior da
Magistratura do Rio Grande do Sul (AJURIS). Porto Alegre: Escola Superior da
Magistratura/Livraria do Advogado, 2006. v. 1, t. 2, p. 29-70; p. 51-52.
521
FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales. p. 293-295.
522
PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, estado de derecho y constitución 8. ed.
Madrid: Tecnos, 2003. p. 570. Também em: PEREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Los derechos
fundamentales. 7. ed. Madrid: Tecnos, 1998. p. 186. No mesmo sentido: Guilherme Braga Pena de
Moraes, que também não recomenda a utilização da linguagem empregada por Gerber e Jellinek,
visto que a expressão direito subjetivo público”, ao seu ver, designa apenas a “autolimitação
estatal em benefício da esfera subjetiva de ação, sem referir-se aos “direitos de igualdade”,
característicos do Estado Democrático Social de Direito. (MORAES, Guilherme Braga Peña de.
Dos direitos fundamentais: Contribuição para uma teoria. Parte geral. São Paulo: LTr, 1997. p.
145).
211
direito subjetivo de feição pública, a exemplo do direito fundamental de acesso ao
ensino obrigatório e gratuito (art. 208, §1º, da CF/88).
Para isso atentou Luis Roberto Barroso, em comento ao referido artigo, mas
afirma que “o dispositivo, todavia, o deve induzir ao equívoco de uma leitura
restritiva: todas as outras situações jurídicas constitucionais que sejam redutíveis ao
esquema direito individual dever do Estado configuram, na mesma sorte, direitos
públicos subjetivos”
523
.
Ademais, a noção de direito subjetivo atrela-se à justiciabilidade. Essa é a
concepção de Hans Kelsen, para quem do direito subjetivo decorre o “poder jurídico
concedido pelo Direito Objetivo, quer isto dizer, ter o poder de colaborar na produção
da norma jurídica individual através de uma ão específica demanda ou
queixa”
524
.
Como direitos subjetivos, constata-se que os direitos sociais são plenamente
dotados desse poder jurídico e, nesse sentido, “O que qualificará a existência de um
direito social como direito pleno não é simplesmente a conduta cumprida pelo
Estado, mas a existência de algum poder jurídico que possa ser utilizado pelo titular
do direito em caso de descumprimento da obrigação devida”
525
.
Observa, percucientemente, Sergio García Ramírez que:
Esta ‘justiciabilidad’ o proteción jurisdiccional es apenas la
consecuencia de que vengan al caso derechos genuínos no
apenas expectativas de derechos, promesas o esperanzas -, y de
que exista, seriamente, su contrapartida jurídica: deberes autênticos,
que, por serlo, pueden ser activados mediante la pretensión de tutela
acogida en la sentencia
526
.
523
BARROSO, Luís Roberto, O direito constitucional e a efetividade de suas normas, p. 115. José
Afonso da Silva bem explicita os conceitos de situação jurídica subjetiva e direito subjetivo, sendo
aquela gênero e este a espécie: “‘situação jurídica subjetiva como a posição que os indivíduos ou
entidades ocupam nas relações jurídicas, e que lhes possibilita realizar certos interesses
juridicamente protegidos ou os constrange a subordinar-se a eles’. Se esses interesses protegidos
são daqueles que a ordem jurídica considera um valor fundante ou importante do Direito, recebem
eles proteção direta plena e específica, constituindo-se na figura dos ‘direitos subjetivos’. Se essa
proteção for indireta, limitada e genérica, o interesse protegido revelará outras situações jurídicas
subjetivas, como o interesse simples, o interesse legítimo, a expectativa de direito ou o direito
condicionado”. (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 170).
524
KELSEN Hans. Teoria geral das normas. p. 174-175.
525
ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian, Los derechos sociales como derechos exigibles, p.37.
(Tradução livre).
526
RAMÍREZ, Sergio García. Cuestiones Constitucionales - Revista Mexicana de Derecho
Constitucional. Universidad Nacional Autónoma de México, México, n. 9, jul./dic. 2003. p. 127-158;
p. 131.
212
Aduza-se, porém, que a indicação expressa de determinados direitos
subjetivos na Constituição não deve conduzir ao equívoco de que outros assim não
referidos não ostentem tal natureza, pois, como se salientou a identificação do direito
subjetivo pode ser extraída, em cada caso, da atividade exegética e consolidada na
norma de decisão. Desse modo, o fato de que o legislador constituinte tenha se
utilizado da expressão “direito público subjetivo”, quanto ao acesso ao ensino
obrigatório e gratuito, não pode conduzir a uma interpretação excludente de outras
hipóteses, que podem ser deduzidas igualmente das normas definidoras dos direitos
fundamentais.
A pretensão fundada em direito social como direito público subjetivo - fora da
hipótese expressa do art. 208, § 1º, da CF/88 - foi reconhecida pelo Supremo
Tribunal Federal que, em judiciosa e paradigmática decisão, proclamou ser direito
subjetivo o direito à saúde, ao declarar que o “direito público subjetivo à saúde
representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas
pela própria Constituição da República (art. 196)”
527
.
Na sentença de 18 de dezembro de 1926, decidia o Tribunal Constitucional
austríaco que ‘direito constitucionalmente garantido’ existe quando há interesse
particular suficientemente individualizado com relação a uma disposição objetiva da
Constituição, que, ao protegê-lo por meios de suas disposições, faz dele um direito
subjetivo
528
. Tal interpretação se impõe com maior razão à luz da ordem jurídico-
constitucional brasileira, em que os direitos sociais, expressos ou implícitos, além de
fundamentais são protegidos por garantias jurisdicionais
529
.
A força jurídico-vinculante dos direitos sociais sobre os Poderes Públicos
supera a retórica das normas programáticas, sem conteúdo subjetivo e gera para
seu titular direito público subjetivo prestacional perante o Estado
530
, que pode ser
efetivado mediante realização de políticas públicas.
Da configuração jurídica e da natureza fundamental dos direitos sociais,
decorrem ineludivelmente o seu status de direito subjetivo fundamental. Enquanto
direito subjetivo, confere ao seu titular a posição jurídica de exigir a prestação de
527
STF - AgRgRE 271.286-RS, rel. Min. Celso de Mello, J. 12.09.2000, DJU 24.11.2000, v.100.
528
Cf. FERNANDEZ SEGADO, Francisco. La dogmatica de los derechos humanos (a propósito de la
Constitución Española de 1978). Estudio preliminar de Jose F. Palomino Manchego. Lima:
Ediciones Jurídicas, 1994. p. 216.
529
Também as garantias fundamentais, em que pese instrumentais, o concebidas como direitos
subjetivos.
530
Às vezes perante o particular, como os direitos sociais fundamentais decorrentes da relação de
trabalho.
213
quem ostente o dever jurídico de realizá-la, ainda quando não especificada
normativamente a sua prestação, que pode ser deduzida a partir da exegese judicial.
Igualmente confere uma posição jurídica subjetiva de exigir do Estado o
cumprimento do seu dever de proteção jurisdicional nas hipóteses de violação do
direito social. Portanto, nega-se a sua juridicidade, quando se deixam de reconhecê-
los como direitos subjetivos e nega-se a sua justiciabilidade se não protegidos
quando violados.
5.3.1.3 Direitos sociais de prestação determinável
Na ausência de determinação da prestação, repousa a maior objeção à
configuração dos direitos sociais como direitos subjetivos. Todavia, o direito
subjetivo fundamental, nesses casos, não se vincula a tal especificação normativa,
mas sim à concreção finalística da norma que o positiva.
Ocorre muitas vezes a limitação (ou exclusão) das opções estatais para a
efetivação de determinados direitos, sobretudo na área de saúde que se condiciona
ao estágio de desenvolvimento das pesquisas científicas
531
. Na área da saúde, seria
impensável no marco histórico da positivação do direito à saúde postular do Estado
qualquer medicamento específico para tratamento do HIV, que hoje é concedido
jurisdicionalmente
532
, haja vista que o estágio de desenvolvimento da ciência não
permitia tal postulação, em face da inexistência de descobertas científicas nesse
sentido.
Não havendo tal limitação, ao Estado se atribui discricionariedade para optar
dentre várias, a prestação que melhor atenda o comando constitucional. Não
optando por nenhuma, ou não optando por aquela que atenda racionalmente o
conteúdo finalístico da norma, caberá ao Judiciário concretizar o direito fundamental
violado, impondo ao Estado a realização da prestação que no caso decretar, a qual
poderá corresponder ou não àquela exigida pelo postulante. Contudo, a
discricionariedade da Administração, bem como a discricionariedade do Judiciário,
531
Cf. ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibles,
p. 125.
532
STF - RE 271286 / RS, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 23/08/2000. Disponível
em:<www.stf.gov.br.>Acesso em: 05 jun. 2007.
214
estão sempre vinculadas à Constituição e à racionalidade material dos direitos
fundamentais.
A existência da indeterminação da prestação não pode levar à negativa de
juridicidade e justiciabilidade de tais direitos, a fim de afastar a sua proteção judicial.
Mediante prestação idônea, à sua escolha, poderá o Estado promover a realização
do direito social. Se omisso, o Judiciário é chamado a dar concreção ao direito social
sonegado.
De outro turno, quando se trate de direito subjetivo de prestação
normativamente definida, como no caso dos direitos sociais laborais, aquela deve
ser concedida, não cabendo ao Judiciário impor outra senão aquela delimitada pelo
legislador.
Para Rolando E. Gialdino a indeterminação ou ‘vagueidade’ de alguns
direitos sociais pode ser certamente superada pois hay más que suficientes
elementos de juicio para que los jueces puedan realizar uma ponderada, objetiva y
séria valoración al respecto”
533
.
Acerca do dilema da indeterminação, também aduz Robert Alexy que
[...] la tesis de la justiciabilidade deficiente tiene que hacer valer algo
más afuera de la imprecisión semântica y estructural de los derechos
fundamentales sociales[...]. Tiene que sostener que o derecho no
ofrece pautas suficientes para ello
534
.
Num regime jurídico constitucional, que admite direitos fundamentais
implícitos, a exemplo do brasileiro, não se pode recusar a dedução interpretativa da
prestação de um direito fundamental que já está legítima e expressamente
positivado.
Mostra-se, assim, ideológica e sem base jurídica postura daqueles que
entendem que “a ausência de lei definidora obsta a identificação do conceito e
invocação do correlato direito”
535
. Revela-se, sobretudo, falaciosa a postura que
nega a dedução interpretativa da prestação nos direitos subjetivos fundamentais de
conteúdo vago. Eles apenas requerem um tipo especial de interpretação, pois
533
GIALDINO, Rolando E. El derecho a un vel de vida adecuado en el plano internacional e
interamericano, con especia referencia a los derechos a la vivienda y a la alimentación adecuadas.
Su significación y contenido. Los sistemas de protección, p. 908.
534
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 490.
535
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social’.
Revista de Direito Público. São Paulo, ano 14, n. 57/58, jan./jun.1981. p. 233-256; p. 255.
215
ensejam ampla margem de discricionariedade, como bem adverte Mauro
Cappelletti
536
.
Desse modo, o desenvolvimento da regulamentação normativa e a
construção dogmática e jurisprudencial podem afastar a indeterminação do conteúdo
semântico das prestações dos direitos sociais, que também podem se definir
‘faticamente’ de acordo com o fator conjuntural da sociedade que os consagra.
Ademais, seria de todo inviável ao legislador pretender, por antecipação, a
completude de sua determinação, visto que as próprias necessidades sociais são
conjunturais e cambiantes.
A indeterminação semântica dos direitos sociais, antes de constituir óbice à
sua justiciabilidade, deve propiciar e fomentar o desenvolvimento social. Os
elementos para a sua gradual determinação devem ser extraídos do ordenamento
jurídico e operados de acordo com as necessidades e com o estágio cultural e
civilizatório de cada sociedade, a fim de que se garanta ao homem todas as
condições necessárias ao seu pleno desenvolvimento.
Em suma, a prestação que compõe o objeto dos direito sociais a qualquer
tempo é determinável, em seu conteúdo e extensão, de acordo com o conteúdo
finalístico da norma que os positiva. A especificação da prestação pode ser realizada
pelo Poder Constituinte ou delegada ao legislador infraconstitucional (norma
genérica e abstrata) e, na sua omissão, ao Judiciário no âmbito da lide (norma
individual e concreta). Nesse último caso, é elaborada mediante processo de
ponderação dos princípios incidentes no caso concreto acompanhada de racional
justificação.
5.3.1.4 Direitos sociais inscritos em normas de eficácia plena, imediata e
vinculante
No âmbito de análise da justiciabilidade dos direitos sociais, emerge
necessariamente a questão da eficácia das normas definidoras dos direitos
fundamentais. Trata-se de apurar o grau de eficácia de tais normas no contexto
jurídico-normativo constitucional.
536
CAPELLETTI, Mauro. La jurisdicción constitucional de la libertad com referencia a los
ordenamientos alemán, suiz y austríaco, p. 6, 7, nota 8.
216
Na doutrina, tem-se sustentado que muitos dos direitos sociais, previstos na
Constituição Federal de 1988, estão veiculados por normas denominadas
‘programáticas’, que não conferem direitos
537
mas apenas instituem programas ao
Estado. Ao revés, o que se verifica dos dispositivos constitucionais que consagram
expressamente os direitos sociais como fundamentais é que o verbo utilizado em
sua oração traduz uma impositividade presente e não futura e nada de
programático em seu conteúdo. O legislador constitucional não diz ‘serão’ direitos
sociais, mas diz solenemente: ‘são’ direitos sociais. São direitos presentes e não
futuros. O que se pode afirmar, todavia, que no círculo de efetivação de cada direito
social, de fato, um programa constitucional permanente que impulsiona a sua
concretização e vincula os Poderes Públicos.
E participando do regime jurídico dos direitos fundamentais, de se
reconhecer que aos direitos sociais se aplica o expresso comando de imediata
aplicabilidade (art. 5º, § 1º, da CF/88), ao qual não se fez restrições com relação
qualquer dos direitos fundamentais
538
, não sendo suficiente o argumento
‘topográfico’ do dispositivo para excluí-los da sua incidência.
Ademais, aplicabilidade pressupõe eficácia. A eficácia de que se trata aqui é
a eficácia jurídica de que toda norma constitucional é portadora e não da eficácia
social, também denominada de efetividade. De fato, ‘toda norma constitucional é
dotada de eficácia jurídica e deve ser interpretada e aplicada em busca de sua
máxima ‘efetividade’”
539
.
Sob pena de inversão hierárquico-normativa, a ausência de interposição
legislativa não pode obviar a plena eficácia e imediata aplicabilidade das normas
definidoras dos direitos fundamentais sociais. Ao revés, a própria Constituição
assegura que a mora regulamentadora não constitui óbice ao seu exercício, que
desafia a atuação criativo-implementadora do direito pelo Judiciário, via injunção (art.
537
Luís Roberto Barroso, todavia, entende que os efeitos jurídicos das normas programáticas, sob o
aspecto subjetivo, ensejam os seguintes direitos: “a) opor-se judicialmente ao cumprimento de
regras ou à sujeição a atos que o atinjam, se forem contrários ao sentido do preceptivo
constitucional; e b) obter, nas prestações jurisdicionais, interpretação e decisão orientadas no
mesmo sentido e direção apontados por estas normas, sempre que estejam em pauta os
interesses constitucionais por ela protegidos”. (BARROSO, Luís Roberto, O direito constitucional e
a efetividade de suas normas, p. 122).
538
Ingo Wolfgang Sarlet lucidamente pronuncia: “[...] A toda evidência, a nossa Constituição não
estabeleceu distinção desta natureza entre os direitos de liberdade e sociais, encontrando-se
todas as categorias de direitos fundamentais sujeitas, em princípio, ao mesmo regime jurídico”.
(SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit, p. 274-275).
539
BARROSO, Luís Roberto, op. cit., p. 264.
217
5º, LXXI, da CF/88), conclamando assim esse Poder à responsabilidade residual
pela sua regulamentação casuística. Instaura-se paralelamente à competência do
Legislativo, omisso quanto à regulamentação da norma definidora de direito
fundamental, a legitimação do Judiciário para operacionalizar a norma, em cada
caso que decidir, enquanto perdurar a omissão.
O comando de imediata aplicabilidade imediata não constitui senão o reforço
da impositividade da plena eficácia (jurídica) constitucional das normas definidoras
de direitos e garantias fundamentais. Afasta, assim, toda a noção de
programaticidade que lhes queira imputar e implica a vinculação de todos os
Poderes, na medida de sua competência, ao seu imediato cumprimento.
José Afonso da Silva, ao comentar o comando da aplicabilidade imediata
inscrito no § 1º, art. 5º, da CF/88 declara que o mesmo “abrange, pelo visto, as
normas que revelam os direitos sociais, nos termos dos arts. a 11”, sendo que o
Poder Judiciário “invocado a propósito de uma situação concreta neles garantida,
não pode deixar de aplicá-las, conferindo ao interessado o direito reclamado,
segundo as instituições existentes”
540
. Ressalva, todavia, que dentre essas normas,
“as que mencionam uma lei integradora, são de eficácia limitada e aplicabilidade
indireta”
541
. o obstante, a Constituição não faz tal dicotomia. Ao revés, nivela
todas as normas definidoras dos direitos fundamentais, quanto ao nível de eficácia -
plena - por meio do comando da imediata aplicabilidade e do exercício mediante a
injunção.
Em defesa da aplicabilidade imediata dos direitos sociais, com clareza,
argumenta Paulo Gilberto Cogo Leivas que “quem defende a programaticidade dos
direitos fundamentais sociais necessitará defender a inexistência de direitos
fundamentais sociais na Constituição brasileira e argumentar contra a própria
literalidade do texto constitucional”
542
. Na concepção de eficácia e aplicabilidade
540
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 165.
541
Idem, Ibidem, p. 165.
542
LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos direitos fundamentais sociais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006. p. 94-95.
218
imediatas dos direitos sociais, alinham-se ainda Eros Roberto Grau
543
e Guilherme
Braga Peña de Moraes
544
.
Em seu primoroso voto, o Des. Magalhães Coelho do Tribunal de Justiça de
São Paulo anuncia:
Longe de se ver aqui, uma norma programática, recurso pelo qual
usualmente os administradores públicos se escusam de cumprir as
obrigações que lhes são dirigidas pela Constituição Federal, que
se ver uma norma impositiva de eficácia plena, que objetiva tomar
real e não meramente retórico o direito à vida proclamado no art.
da Constituição Federal
545
.
Norberto Bobbio diante da falta de efetividade das normas que prevêem os
direitos sociais, ‘pudicamente’ chamados de programáticos, revela também sua
perplexidade ao indagar que gênero de direitos o esses que tais normas definem,
cujo reconhecimento e proteção são adiados sine die
546
.
de se concluir, portanto, que diante do comando constitucional não é lícito
excluir os direitos sociais do regime jurídico da eficácia plena e imediata
aplicabilidade que a todos os direitos fundamentais se reconhece.
A impositividade desse comando, no regime jurídico dos direitos
fundamentais, também confere eficácia vinculante das normas que os definem com
relação aos Poderes Políticos. Deste modo, os direitos sociais, irradiam sua força
vinculante sobre os Poderes blicos e lhes imputam prestações que visam à sua
plena concretização, na esfera legislativa, executiva e jurisdicional
547
.
543
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica, p. 344. Aduz o jurista: “encontra-se em um parágrafo
do art. 5º, que veicula direitos e garantias fundamentais. A eles também respeitam, no entanto, os
arts. 6º. a 17 da Constituição e, aí, os direitos sociais, os direitos relativos à nacionalidade, os
direitos políticos e aqueles atinentes à organização dos partidos políticos”(Idem, Ibidem, p. 344).
544
MORAES, Guilherme Braga Peña de. Dos Direitos Fundamentais: Contribuição para uma teoria.
Parte geral. São Paulo: LTr, 1997. p. 196.
545
TJSP - Apelação Com Revisão 2788015800-SP, Câmara de Direito Público, Rel. Des.
Magalhães Coelho.Voto 5.268. Data de registro: 03/06/2005. Por isso, Otávio H M. Port enuncia
que “Cabe ao Judiciário, quando da análise do caso concreto, interpretar o direito social,
emprestando-lhe maior eficácia possível, dentro dos cânones da proporcionalidade, da
razoabilidade e da preservação da unidade constitucional”. (PORT, Otávio Henrique Martins. Os
direitos sociais e econômicos: e a discricionariedade da administração pública. São Paulo: RCS,
2005. p. 99).
546
Cf. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 78.
547
Consoante a lição de Flávia Piovesan, quanto ao Legislativo, incumbe-lhe proceder
tempestivamente a concretização dos direitos fundamentais mediante prestações normativas. Ao
Judiciário, incumbe, à luz da máxima efetividade, a interpretação, densificação e aplicação dos
preceitos constitucionais consagradores de direitos fundamentais. Ao Executivo cabe a realização
de direitos fundamentais mediante prestações materiais. (Cf. PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial
219
Impõe-se, assim, a superação da estreita visão de normas declaratórias para
a compreensão de sua eficácia plena e vinculativa dos Poderes Públicos com
repúdio à noção de programaticidade das normas definidoras de direitos sociais,
combatida por Flávia Piovesan para o fim de extrair a máxima efetividade dos
preceitos referentes aos direitos econômicos, sociais e culturais
548
.
O comando da imediata aplicabilidade, de igual modo, alcança os direitos
fundamentais previstos em documentos internacionais e incorporados ao direito
interno. No âmbito internacional, não é outra a orientação interpretativa, diante do
que convém evitar qualquer suposição, a priori, de que as normas não se devam
considerar de aplicação imediata (Observação Geral do Comitê de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, n. 9, §11)
549
.
Tais direitos, portanto, não somente têm aplicabilidade imediata, como
possuem eficácia plena e vinculante no sistema jurídico de cada Estado-parte.
Há de se admitir, portanto, que “Para determinar qual é a melhor forma de dar
eficácia jurídica aos direitos reconhecidos no Pacto” – ou na Constituição – “é
importante ter em conta a necessidade de assegurar a justiciabilidade”
550
.
5.3.1.5 Direitos sociais como direitos irreversíveis e inderrogáveis
O fundamento da inderrogabilidade radica no ordenamento constitucional, que
expressamente eternizou todos os preceitos que consagram direitos fundamentais,
nos termos do art. 60, § 4º, IV, da CF
551
.
O fundamento do não retrocesso encontra raiz no direito internacional
552
, é
plenamente aplicável ao ordenamento jurídico-brasileiro não só porque o Brasil a ele
se vincula como signatário dos Tratados que o estabelecem, mas, sobretudo, porque
contra omissões legislativas: ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de
injunção. 2. ed. rev, atual. e ampl.o Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 107-108).
548
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direito Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 113.
549
<http://www2.ohchr.org/english/bodies/cescr/comments.htm.>Acesso em: 27 jul. 2007. (Tradução
livre).
550
Cf. Observação Geral n. 9, § 7, do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível
em: <http://www2.ohchr.org/english/bodies/cescr/comments.htm.>Acesso em: 25 jul. 2007.
551
Vide Capítulo II, item 3.9.
552
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, art. 2.1; Convenção Americana
de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), art. 26; Protocolo Adicional à Convenção
Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(Protocolo de São Salvador), art. 1º.
220
ele compõe a principiologia que informa os direitos humanos dele constantes (art. 5º,
§ 2º, da CF/88).
O princípio do o retrocesso decorre de outro, o da progressividade
553
, que
se encontra consagrado de forma nuclear no regime jurídico dos direitos sociais.
Não obstante, “Quantos governos, a pretexto de buscar a ‘realização progressiva’ de
determinados direitos econômicos e sociais em um futuro indeterminado, violaram
sistematicamente os direitos civis e políticos”
554
.
A progressividade, como obrigação imposta pelos documentos internacionais,
em sede de direitos sociais, engloba, três sentidos complementares: gradualidade,
progresso e não regresso. A gradualidade, diante dos limites temporais e
econômicos, implica em mover-se o rápida e efetivamente quanto seja possível,
em direção à meta. O progresso consiste na obrigação estatal de melhorar as
condições de gozo e exercício dos direitos econômicos, sociais e culturais. O não
regresso entende como proibição de adotar políticas e medidas, e de sancionar
normas jurídicas, que prejudiquem a situação dos direitos sociais que os seus
titulares usufruíam, no plano fático-normativo, no momento da imposição da nova
medida
555
.
Concluem Victor Abramovich e Christian Courtis que
“Dado que el Estado se
obliga a mejorar la situación de estos derechos, simultáneamente asume la
prohibición de reducir los niveles de proteción de los derechos ya existentes”
556
.
A progressividade é, em si mesma, parâmetro de justiciabilidade, pois ela
“misma es, de suyo, un derecho reclamable: caminar ya, ir adelante y no retroceder
son, en efecto, el núcleo duro en el que se sustenta una primera exigencia y se
apoya la ‘justiciabilidad’”
557
.
553
Art. 2º do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: “1. Cada Estado-parte
no presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela
assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o
máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os
meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em
particular, a adoção de medidas legislativas”. Incide também o Princípio de Limburgo E/CN 4.
554
TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado Internacional dos direitos humanos. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 1997. p. 391.
555
Cf. ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibles,
p. 93-94. (Tradução livre). Acrescentam os juristas que a proibição de retrocesso, no
ordenamento jurídico argentino, também tem como fonte o princípio da razoabilidade, pois ambos
buscam o mesmo objetivo: assegurar o devido processo substantivo.
556
Idem, Ibidem, p. 94.
557
Cf. GARCÍA RAMÍREZ, Sergio. ‘Protección jurisdicional internacional de los derechos econômicos,
sociales y culturais’. Cuestiones Constitucionales. p. 134.
221
De todo modo, a proibição de retrocesso constitui um dos mais eloqüentes
parâmetros ou ‘estándares de justiciabilidad’ dos direitos sociais, como observam
Victor Abramovich e Christian Courtis
558
.
Tal é a sua amplitude que rende ensejo não à justiciabilidade subjetiva,
nas hipótese de lesão concreta aos titulares dos direitos lesados com a ação estatal
regressiva, como também à justiciabilidade objetiva, em face de lesão à ordem
jurídica, que se deve conformar pela racionalidade dos direitos fundamentais.
As políticas sociais visam, acima de tudo, proporcionar as condições
necessárias para a consecução do bem comum de uma sociedade. As políticas
assistenciais, em especial, dirigem-se a todos quantos não possam, por si só,
alcançá-las sem auxílio estatal. Visam à emancipação do homem, para a
preservação de sua própria dignidade, enquanto não atinja o grau de autonomia
necessário para fazê-lo por si só. Contudo, para aqueles que delas se beneficiam e
que padecem de dificuldades supeveis, não podem alimentar um nocivo
conformismo com a sua transitória condição e servir de desestímulo na busca
permanente de sua plena autonomia e capacitação, necessárias para que o homem
alcance seus fins últimos.
Ao lado das políticas sociais permanentes, podem se implementar políticas
temporárias, estas condicionadas a fatores temporais ou limitadas a fatores de
resultado. Atingida a meta ou o prazo, tais políticas podem ser suprimidas sem que
isso importe em retrocesso. De qualquer modo, se a implementação de toda política
pública deve ser fundamentada pelo seu telos e orientada pela razoabilidade, a sua
manutenção ou supressão de ser justificada racionalmente em face da mesma
teleologia.
Veda-se, portanto, a reformatio in pejus. À luz de uma concepção relativa,
somente se poderia admitir a mitigação de tal princípio, na esfera de implementação
fática, mediante a justificação racional orientada pela ponderação com outros
princípios constitucionais ou mesmo diante do atingimento de prazo/objetivos de
uma política pública implementada. Não é de se desconsiderar, de igual modo, a sua
relativização por circunstâncias excepcionais, de ordem interna ou externa, que
provoquem a ruptura da estabilidade institucional no país.
558
ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian. Cuestiones Constitucionales, p. 92.
222
O princípio do não retrocesso, portanto, corresponde à garantia de não
reversão ilegítima da previsão jurídico-normativa e da implementação fática dos
direitos sociais.
A vinculatividade do Legislativo aos direitos sociais alcança dúplice dimensão:
(i) quanto ao não retrocesso, enseja obrigação negativa de não intervir, no sentido
regressivo, no âmbito de positivação dos direitos e garantias fundamentais e (ii)
quanto à progressividade, enseja a obrigação positiva de otimização progressiva e
de regulamentação de normas instituidoras de direitos fundamentais sociais.
Em virtude do princípio do não retrocesso (ou da proibição de evolução
reacionária’), J. J. Gomes Canotilho entende, quanto às prestações estatais
assistenciais, que “uma vez alcançadas e conquistadas, passam a constituir,
simultaneamente, ‘garantia institucional’ e um ‘direito subjectivo’”
559
.Em outras
palavras, “ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser
arbitrariamente suprimido [...] especialmente os de cunho social”
560
.
A vinculatividade do Executivo aos direitos sociais alcança tríplice dimensão:
(i) quanto ao não retrocesso, enseja a obrigação de preservar o nível de realização
das políticas sociais verificado e (ii) quanto à progressividade, enseja a obrigação
de otimizar a implementação de políticas públicas sociais, segundo as necessidades
e demandas sociais e otimizar as condições de fruição de direitos sociais
implementados.
Dado que a força vinculante dos direitos fundamentais se irradia sobre todos
os Poderes Públicos, o princípio da vedação de retrocesso, do modo que aqui se
concebe, alcança inclusive o Judiciário e tem como corolário a admissão da ampla
justiciabilidade, sob pena de retrocesso quanto à proteção jurisdicional.
Desse modo, a jurisdição constitucional, que está posta, como garante
inafastável dos direitos fundamentais, quando se exime de proteger direitos
positivados e garantidos pela Constituição, viola o princípio do não retrocesso,
diante da negativa de justiciabilidade e recusa da tutela jurisdicional quando
necessária à plena fruição dos direitos sociais violados.
Em suma, o princípio do não retrocesso significa a irreversibilidade ilegítima
da previsão jurídico-normativa e da implementação fática dos direitos sociais. Em
559
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 6. rev. Coimbra: Almedina, 1993. p. 542.
560
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e
possibilidades da Constituição brasileira, p.158.
223
tempos de neoconstitucionalismo, que legitima ao Judiciário ampla atuação, toda
forma de redução do nível de garantia ou de tutela jurisdicional, também enseja o
vedado retrocesso.
5.3.1.6 Direitos sociais em unidade deôntica com os direitos civis e políticos
Com base em uma errônea concepção ideológica, encontra-se referida, na
dogmática dos direitos fundamentais, a distinção entre os direitos civis e políticos e
os direitos econômicos, sociais e culturais, baseada na aplicabilidade imediata
daqueles e da progressividade destes
561
.
A mera diferença do grau de atuação estatal, na implementação dos referidos
direitos, não tem o condão de configurar uma distinção estrutural entre os mesmos,
visto que todos constituem um complexo de obrigações positivas e negativas a cargo
do Estado
562
. Enfim, todos visam propiciar condições ao pleno desenvolvimento do
homem como indivíduo e ser social.
Contudo, observa José Afonso da Silva
563
que
[...] o reconhecimento dos direitos sociais, como instrumentos de
tutela dos menos favorecidos, não tem tido a eficácia necessária
para reequilibrar a posição de inferioridade que lhes impede o efetivo
exercício das liberdades garantidas.
A identidade finalística entre os direitos sociais e os direitos civis e políticos é
um fenômeno que é por muitos juristas referido como continuidade,
interdependência, integralidade, indissociabilidade ou indivisibilidade dos direitos
humanos e vem consagrada no plano internacional em inúmeros documentos
564
.
Harmoniza-se assim, como bem observa Flávia Piovesan
565
, o discurso liberal e o
discurso social da cidadania, ao conjugar o valor da liberdade ao valor da igualdade.
561
SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular: estudos sobre a Constituição, p.197.
562
Nesse sentido, o posicionamento de Victor Abramovich e Christian Courtis (op. cit, p. 25).
563
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 141.
564
Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (1986), na Resolução n. 32/130 da Assembléia
Geral das Nações Unidas e reiterada na Declaração de Viena de 1993 e também pelas
Observações Gerais do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
565
PIOVESAN, Flávia. O futuro dos direitos humanos. Disponível em:<http://www.pge.rs.gov.br/cgi-
bin/om_isapi.dll?clientID=1253486697&hitsperheading=on&infobase=encdh&record={B4}&softpag
e=Document42>.Acesso em: 26 out. 2007.
224
Para J. J. Gomes Canotilho
566
, os direitos de liberdade constituem o próprio
fundamento originário dos direitos a prestações, dentre os quais os sociais.
Não obstante ainda se sustente a distinção entre as liberdades clássicas e os
direitos sociais, no que tange ao seu fundamento, titularidade e tutela, inexiste
suporte jurídico para se proceder a tal distinção pois todos os direitos fundamentais,
encontram, identicamente, na natureza humana, seu fundamento antropológico e
têm por titular a pessoa individualmente considerada
567
.
Adverte Antônio Augusto Cançado Trindade
568
acerca da necessária visão
integral dos direitos fundamentais, visto que corresponde a integridade do ser
humano.
Nunca é demais ressaltar a importância de uma visão ‘integral’ dos
direitos humanos. [...] a indemonstrável fantasia das ‘gerações de
direitos’, tem prestado um desserviço à causa da proteção
internacional dos direitos humanos
Ressaltando a interdependência dos direitos humanos, Rolando E. Gialdino
entende que “a indivisibilidad e interdependencia de todos los derechos humanos
impide toda distinción de base o conceptual entre los derechos económicos, sociales
y culturales, y los derechos civiles e políticos”
569
.
O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais alça a individsibilidade
ao status de princípio e proclama que:
566
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Constituição dirigente, p. 371. Aduz o jurista: “‘A força
imediatamente vinculante que hoje se atribui a uma parte dos direitos fundamentais (os direitos,
liberdades e garantias e os direitos de natureza análoga) pode e deve ser interpretada, no que
respeita aos direitos a prestações, no sentido de fundamentar originariamente esses direitos,
mesmo que não haja imposição constitucional dirigida expressamente ao legislador’”.
567
PEREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Los derechos fundamentales, p. 206-213.
568
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil
(1948-1997): as primeiras cinco décadas. 2. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. p. 126;
TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado Internacional dos direitos humanos. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 1997. p. 391. Aduz o jurista: “O fenômeno que hoje testemunhamos não é o
de uma ‘sucessão’, mas antes de uma ‘expansão’, ‘cumulação’ e ‘fortalecimento’ de direitos
humanos consagrados, consoante uma visão necessariamente integrada de todos os direitos
humanos.” (Idem, Ibidem, p. 390). No mesmo sentido Helio Gallardo, para quem o cumprimento
dos direitos humanos reclamam sua universalidade e sua integralidade. (GALLARDO, Helio.
Derechos Discriminados y olvidados. In: SÁNCHEZ RÚBIO, David et al (Org.). Direitos humanos e
globalização: fundamentos e possibilidades desde a teoria crítica. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2004. p. 57.)
569
GIALDINO, Rolando E. Los derechos económicos, sociales y culturales. Su respeto, protección y
realización en el plano internacional, regional y nacional, p. 394. Em defesa da interdependência
dos direitos fundamentais Luis Roberto Barroso (BARROSO, Luís Roberto, O direito constitucional
e a efetividade de suas normas, p. 107).
225
El disfrute de los derechos económicos, sociales y culturales está
indisolublemente unido al disfrute de los derechos civiles y políticos
[...] se debe reconocer la posibilidad de invocar ante los tribunales los
derechos económicos, sociales y culturales, así como los derechos
civiles y políticos
570
.
Como observam James Louis Cavallaro e Thamy Pogrebinski
571
, as
recomendações práticas do Comitê, bem como os precedentes da Corte
Interamericana de Direitos Humanos definem “amplamente os contornos da
exigibilidade judicial dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais”.
Todavia, de se pontificar que a justiciabilidade dos direitos sociais não se
funda nos direitos civis e políticos - embora seja admissível que com base nestes se
efetue a exigibilidade daqueles -, mas sim na indivisibilidade dos direitos
fundamentais, pois a fruição de uns direitos proporcionam o exercício de outros.
Como se verificou, é falsa a assertiva de que exista algum defeito congênito ou traço
inerente aos direitos sociais que os impeça de receber a tutela jurisdicional. Afirma-
se, ao revés, que todos os direitos fundamentais possuem indistintamente
justiciabilidade, sendo impossível a concretização das liberdades e direitos da
primeira geração, sem que se tutelem igualmente os direitos sociais, e vice-versa.
Em defesa da indissociabilidade dos direitos fundamentais, adverte Antonio E.
Perez Luño que a liberdade, sem igualdade, não conduz a uma sociedade livre,
senão à oligarquia, o conduz à democracia, senão ao despotismo
572
. De fato, “A
liberdade individual é ilusória, sem um mínimo de igualdade social”
573
, decreta Fábio
Konder Comparato.
570
Observação Geral n 5, § 7º, § 1, do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
<http://www2.ohchr.org/english/bodies/cescr/comments.htm.>Acesso em: 27 jul. 2007. (Tradução
livre).
571
CAVALLARO, James Louis; POGREBINSKI, Thamy. Rumo à exigibilidade dos direitos
econômicos, sociais e culturais nas Américas: o desenvolvimento da jurisprudência do sistema
interamericano, p. 675. Os juristas citam como exemplos casos de proteção outorgada a direitos
sociais pelo sistema interamericano de proteção, como o direito à saúde (caso Odir Miranda), o
direito à seguridade social (caso Benvenuto Torres) todos reconhecidos pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos e a proteção contra despedida arbitrária de trabalho (Caso
Baena) reconhecida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. (Idem, Ibidem, p. 679-683).
572
PEREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Los derechos fundamentales, p. 215. Nesse sentido sustenta
Flávia Piovesan que Não mais como cogitar da liberdade divorciada da justiça social”.
(PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 3. ed. atual. São
Paulo: Max Limonad, 1997. p. 161).
573
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed, rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2005. p. 333.
226
Mais que identidade, todos os direitos - civis, políticos e sociais constituem
uma unidade deôntica
574
no sentido de que o ‘dever-ser’ fundamental é comum e
repousa no núcleo da absoluta igualdade em dignidade entre os homens. À luz da
lógica do razoável
575
que rege a lógica do humano, que se inferir que a
diversidade tipológica de direitos fundamentais civis, políticos e sociais - apenas
corresponde à multiplicidade de dimensões que a dignidade pode assumir enquanto
atributo indissociável do homem e não autoriza qualquer interpretação
discriminatória.
5.3.1.7 Direitos sociais fundados na dignidade humana
Como se salientou inicialmente, a dignidade humana, a par de constituir
princípio fundante do Estado, consiste na lula mater de todos os direitos
fundamentais. Estes não são senão o desdobramento e a concreção da dignidade,
sobretudo os direitos sociais, que possuem um conteúdo nuclear ou essencial
diretamente a ela referido
576
.
No preâmbulo do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais (PIDESC), reconhece-se que “esses direitos decorrem da dignidade
inerente à pessoa humana”. No mesmo patamar, proclama o Protocolo de São
Salvador
577
que a dignidade humana como fundamento único do bloco indissolúvel
dos direitos humanos.
Considerando a estreita relação que existe entre a vigência dos
direitos econômicos, sociais e culturais e a dos direitos civis e
políticos, por motivo de as diferentes categorias de direito
constituírem um todo indissolúvel que tem sua base no
reconhecimento da dignidade da pessoa humana, razão pela qual
exigem tutela e promoção permanente, com o objetivo de conseguir
574
Segundo Luiz Régis Prado, a gica deôntica, contida na lógica jurídica, “decorre da aplicação do
princípio da imputação que rege as relações comportamentais humanas (Se A, B deve ser)”.
(PRADO, Luiz Régis. Do deôntico ao razoável: ensaio de lógica jurídica. Revista de Ciências
Jurídicas, Maringá, 1999, ano 3, n. 1, p. 23-42; p. 27).
575
RICASÉN SICHES, Luís. Nueva filosofia de la interpretación del Derecho. 2. ed. aum. México:
Porrúa, 1973. p. 287.
576
Nesse sentido: ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição
Portuguesa de 1976. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2004. p. 386.
577
Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais.
227
sua plena vigência, sem que jamais possa justificar-se a violação de
uns a pretexto da observação de outros
578
.
Atento a dignidade humana subjacente aos direitos sociais, indaga Helio
Gallardo:
Que gritan y exigen los derechos econômicos y sociales, los
derechos culturales?” Lucidamente responde a seguir: “[...] Los
derechos económicos, sociales y culturales exigen que nadie nunca
sea material y espiritualmente empobrecido, es decir ‘se le niegue
socialmente su condición de sujeto con autonomía y autoestima’
579
.
A dignidade humana pressupõe a vida, mas esta se torna factível mesmo
quando aquela o se impõe. Todavia, somente a dignidade humana é capaz de
resgatar a vida de um mero processo biológico e propiciar que o homem alcance
seus fins últimos. A dignidade humana, que qualifica a vida, constitui o mais valioso
bem jurídico do indivíduo e a esse título afigura-se justiciável em qualquer tempo,
lugar e instância. Disso deflui que os direitos sociais que concretizam a dignidade
humana são objetiva ou subjetivamente justiciáveis, enquanto valor democrático,
enquanto direito fundamental do cidadão.
A dignidade humana é fonte de direitos subjetivos
580
. O direito social,
portanto, é justiciável porque o é a dignidade humana que visa concretizar. A
compreensão da dignidade humana como direito público subjetivo e como
fundamento de pretensões jurídicas acionáveis, por si só, reputa-se suficiente para
superar qualquer discussão em torno da justiciabilidade dos direitos sociais que, ao
lado das clássicas liberdades, visam assegurar a existência digna do homem.
578
Adotado durante a XVIII Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos, em São
Salvador, em 17 de novembro de 1988 e ratificado pelo Brasil em 21.08.1996.
579
GALLARDO, Helio. Derechos discriminados y olvidados. In: SÁNCHEZ RÚBIO, David et al (Org.).
Direitos humanos e globalização: fundamentos e possibilidades desde a teoria crítica. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 2004. p. 54-55.
580
Cleber Francisco Alves, resgatando lição de Ruy Samuel Espíndola sustenta que a dignidade
humana é fonte de direitos subjetivos e supedâneo de pretensões jurídicas deduzíveis em juízo.
(ALVES, Cleber Francisco. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: o enfoque
da doutrina social da Igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 125).
228
5.3.1.8 Direitos sociais guarnecidos de pretensão subjetiva à realização de
políticas públicas
Em sua dimensão subjetiva, por pretensão, entende-se uma situação jurídica
decorrente do direito subjetivo, que autoriza o seu titular a exigência do cumprimento
de uma obrigação por parte do obrigado. Por pretensão fundamental, pode-se
compreender aquela situação jurídica decorrente de direito subjetivo fundamental,
formal ou materialmente constitucional, que autoriza o seu titular a exigência da
prestação ou da não lesão do seu direito.
Na ordem jurídico-constitucional brasileira, os direitos sociais implicam
obrigação jurídica e não moral, pois nela não direito fundamental destituído de
pretensão jurídico-constitucional. Os direitos sociais configuram direito subjetivo de
feição publicística e a pretensão que ensejam também possui o mesmo matiz, visto
que sua exigibilidade é permanente, pois é insuscetível às limitações temporais
inerentes à pretensão do direito privado, tais como vencimento e prescrição. Os
direitos fundamentais nunca perecem, nunca prescrevem e são sempre exigíveis o
dever jurídico que deles decorre
581
.
Denominando-os de ‘direitos sociais de cidadania’, sustenta João Carlos
Espada
582
que os direitos sociais implicam pretensões (claims) relativamente a
determinados bens sociais, econômicos e culturais, tais como educação, segurança
social, habitação e, “de um modo geral, um nível de vida considerado decente”.
Rolando E. Gialdino
583
, em precisa concepção, observa que o direito a um nível de
vida adequado referido ao conjunto dos direitos sociais - não tem como objeto
determinados bens, mas sim a relação digna que permita ao sujeito adquirir bens
necessários a sua dignidade.
Pode-se afirmar que, em sede de direitos sociais, a pretensão fundamental
decorre de sua feição de direito fundamental prestacional, em face da qual se exige
a sua concreção por meio de prestações positivas. Tal é a sua amplitude, em sede
de prestação estatal, que geram pretensão quanto à realização de políticas públicas
581
Cf. Capítulo I, 1.7.1, salvo quando a própria ordem constitucional preveja limitações temporais
para o seu exercício, tal como a prescrição em sede de direitos fundamentais sociais (art. 7º,
XXIX, da CF/88).
582
ESPADA, João Carlos. Direitos sociais de cidadania. Cadernos Liberais. n. 10. São Paulo: Massao
Ohno, 1999. p. 14.
583
GIALDINO, Rolando E. El derecho a un vel de vida adecuado en el plano internacional e
interamericano, con especia referencia a los derechos a la vivienda y a la alimentación adecuadas.
Su significación y contenido. Los sistemas de protección, p. 910.
229
e a correta aplicação de recursos destinados à realização da justiça social, posta
como elemento central da ordem econômica, da ordem social e, enfim, enquanto
objetivo fundamental da própria República (art. 3º, I, art. 170, art. 193 todos da
CF/88).
Nos princípios de Limburgo encontra-se a advertência de que “Todos os
Estados-partes têm a obrigação de começar de imediato a adotar medidas que
persigam a plena realização dos direitos reconhecidos no Pacto” 16)
584
. Por isso,
se configurado ao cidadão um direito à realização de políticas blicas para a
concretização do programa constitucional
585
.
A progressividade na implementação dos direitos sociais depende da
eficiência da implementação de políticas públicas e, como se verificou, a
progressividade constitui um parâmetro de justiciabilidade.
No ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, os direitos sociais, como
todos os direitos fundamentais - são direitos constitucionais e não legais, por isso a
pretensão material e o poder de exigibilidade jurisdicional, que deles emana, decorre
diretamente da Constituição, visto que a o- positivação constitucional de um
direito alça-o à categoria normativo-axiológica superior.
Na ordem jurídico-constitucional brasileira, se os direitos sociais não
regulamentados o podem se conter diante da omissão legislativa, pois encontram
no comando da aplicabilidade imediata e no mandado de injunção a garantia de sua
imediata aplicação, não podem eles ficar inertes diante de eventual omissão
governamental em sua implementação cuja correção enseja a intervenção judiciária.
Ao cidadão além do direito material prestação) em si, confere-se o direito
fundamental implícito à implementação de políticas públicas, que compreende o
controle popular da sua formulação e implementação bem como da aplicação dos
recursos. Correlatamente, exsurge a legitimidade do Judiciário para controlar a
constitucionalidade de tais políticas e concretizar de tais direitos, pois a dignidade
fundamental dos direitos sociais, muitas vezes, somente é reconhecida mediante
intervenção jurisdicional no curso da via processual.
Portanto, a natureza de direito subjetivo prestacional do direito social traz
latente uma pretensão à realização de políticas públicas que é constitucional,
584
Versão em espanhol disponível em: <http://www.villarroelsierraalta.com/spanish/Portales/
villarroelsierraalta%5Cdata%5C333.pdf>. Acesso em: 27 ago. 2007.
585
Cf. BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max
Limonad, 2003. p. 97 e ss.
230
fundamental e justiciável. Se os direitos sociais não estão efetivados por conduta
omissiva do Estado, justifica-se a justiciabilidade da pretensão fundamental a cuja
satisfação incumbe à justiça constitucional proceder. Nesse contexto, avulta a
importância da efetiva atuação do Ministério Público, Estadual e Federal, que tem a
seu dispor a ação civil pública para a exigência de implementação ou correção das
políticas públicas, ausentes ou ineficientes.
5.3.1.9 Direitos sociais munidos de garantias jurisdicionais
Para instrumentalizar a proteção dos direitos, outorga-se o direito de ação.
Para todo direito fundamental, além da garantia genérica de ação, outorgam-se
garantias fundamentais específicas, sobretudo as jurisdicionais, que constituem
igualmente direitos subjetivos fundamentais. Conectado a cada direito fundamental,
há um direito fundamental à jurisdição constitucional.
Os direitos sociais, como direitos fundamentais, são munidos de direitos-
garantias constitucionais expressamente previstas na Constituição da República
para assegurar a imediata aplicabilidade das normas que os instituem e para
assegurar o seu pleno exercício, comissiva ou omissivamente obstado. Dentre tais
garantias, avultam o mandado de segurança (art. 5º, LXIX da CF/88) e mandado de
injunção (art. 5º, LXX da CF/88).
Os princípios de Limburgo 19)
586
assinalam o dever dos Estados de prover
remédios efetivos, sobretudo judiciais. De fato, afigurar-se-ia meramente retórico o
reconhecimento estatal de direitos para cuja efetivação não se instituíssem meios
idôneos de que pudesse se valer o seu titular.
O direito subjetivo e a garantia de sua tutela jurisdicional são noções
indissociáveis. A mera previsão constitucional de um direito como fundamental se
mostra suficiente para transformá-lo em direito subjetivo e ensejar o correlato dever
estatal de sua efetivação. E mais, a previsão de garantias jurisdicionais específicas
para sua proteção, com muito mais razão, tem o condão de transformar cada direito
fundamental em direito subjetivo e outorgar ao cidadão o direito fundamental à
justiça constitucional que é informada pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição.
586
Disponível em: <http://www.villarroelsierraalta.com/spanish/Portales/villarroelsierraalta%5Cd.pdf>.
Acesso em: 27 ste. 2007. (Tradução livre).
231
Desse modo, as garantias fundamentais expressadas por ações constitucionais
nominadas, a par de constituírem direito fundamental representam um reforço da
justiciabilidade que é sempre imanente aos direitos fundamentais.
A justiciabilidade pode ser ainda reforçada no plano infraconstitucional. Como
exemplo citem-se os direitos sociais da criança e do adolescente, que são
expressamente densificados pela Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do
Adolescente). Além de especificar os direitos sociais para essa especial classe de
titulares, prevê ação de responsabilidade por violação aos direitos assegurados à
criança e ao adolescente
587
.
Não somente a existência de garantias jurisdicionais no ordenamento jurídico
interno, mas a exigência de esgotamento desses recursos, previsto no art. 46 da
Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) como um dos pressupostos
para o acesso ao sistema interamericano de proteção, reforça o princípio da
justiciabilidade interna, impondo ao Estado-jurisdição o dever de viabilizar plena
proteção jurisdicional aos direitos sociais, garantindo-os com ampla gama de
mecanismos. Deste modo, a inexistência de mecanismos jurisdicionais que
viabilizem a justiciabilidade de qualquer dos direitos fundamentais, por si só, seria
violatória da ordem jurídica interna e da ordem jurídica internacional
588
.
Os direitos sociais, em suma, são tão justiciáveis como qualquer outro direito
fundamental e possuem, além da exigibilidade da tutela jurisdicional em caso de
violação, a exigibilidade da disponibilização de mecanismos jurídicos que viabilizem
eficazmente a sua proteção. Positivamente assegurados os direitos sociais por
garantias jurisdicionais, não obstante deficitárias como se verificará, a questão que
se põe não deve ser outra senão a de verificar se essa justiciabilidade tem sido
reconhecida pela justiça constitucional.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho
589
traz a lume a precisa lição de Piero
Calamandrei, para quem vãs seriam as liberdades públicas do indivíduo, senão
pudessem ser afirmadas e defendidas em juízo.
587
Nos termos do art. 208 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Frisa-se que a proteção judicial
dos direitos sociais não se restringe às hipóteses ali descritas, ao revés, abrange outros
interesses individuais, difusos ou coletivos, próprios da infância e da adolescência, protegidos pela
Constituição e pela Lei” (art. 208, § 1º, Estatuto da Criança e do Adolescente).
588
Nos termos do, art. 2º e 25 da CADH c/c art. 8º da DUDH.
589
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves et al. Liberdades públicas: parte geral. São Paulo: Saraiva,
1978. p. 181.
232
5.3.1.10 Direitos sociais com pretensão à tutela jurisdicional na ordem interna
e internacional
Como visto, pela sua normatividade implícita e amplitude de incidência, a
justiciabilidade pode constituir-se em princípio geral. Em que pese não positivado na
ordem interna, é correlato ao princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição
nas hipóteses de lesão ou ameaça de lesão.
O comando da inafastabilidade da jurisdição, é duplamente reforçado. Na
ordem interna, é previsto no art. 5º, XXXV, da CF/88. Na ordem internacional
também resta assegurado a teor do disposto no art. da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, ao dispor que “Toda pessoa tem direito a um recurso efetivo
perante os tribunais nacionais competentes, que a ampare contra atos que violem
seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei”.
Luis Roberto Barroso
590
leciona que “Quando a prestação a que faz jus o
titular do direito não é entregue voluntariamente, nasce para ele uma pretensão, a
ser veiculada através do exercício do direito de ação, pela qual se requer a órgão do
Poder Judiciário que faça atuar o direito objetivo e promova a tutela dos interesses
violados ou ameaçados”.
Dos direitos sociais, enquanto direitos fundamentais, decorre uma pretensão
jurisdicional que corresponde àquela situação jurídica que confere ao seu titular o
poder de deduzir a sua pretensão material, que se funda em norma jurídica
(Constituição e Tratados
591
) definidora de direitos sociais junto a instâncias internas
e internacionais.
A justiciabilidade especial dos direitos fundamentais, que também qualifica os
sociais, confere ao seu titular o poder de exigibilidade da tutela jurisdicional na
ordem interna, de um direito fundamental reconhecido na Constituição ou em
tratados internacionais ratificados pelo Brasil e a exigibilidade de proteção
internacional, de modo subsidiário, esgotados os recursos judiciais internos.
Acerca da justiciabilidade dos direitos sociais, Celso Antônio Bandeira de
Mello com aguda precisão, sentencia que “é irrecusável o direito dos cidadãos a
590
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma
dogmática constitucional transformadora. 4. ed, rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 250.
591
Também a Lei, em uma compreensão ampliativa e emancipatória dos direitos sociais, como
implicitamente autoriza o art. 7º, ‘caput’, da CF/88.
233
postularem jurisdicionalmente os direitos que decorrem das normas constitucionais
reguladoras da Justiça Social”
592
.
Repudiando a resistência à justiciabilidade dos direitos sociais, Luis Roberto
Barroso afirma:
Modernamente, não cabe negar o caráter jurídico e, pois, a
exigibilidade e ‘acionabilidade’ dos direitos fundamentais, na sua
múltipla tipologia. É puramente ideológica, e não científica, a
resistência que ainda hoje se opõe à efetivação, por via coercitiva,
dos chamados direitos sociais. Também os direitos políticos e
individuais enfrentaram, como se assinalou, a reação conservadora,
até sua final consolidação
593
.
O exercício da justiciabilidade perante a jurisdição interna é expressamente
reconhecido pela Convenção Americana de Direitos Humanos
594
(Pacto de San José
da Costa Rica), em seu art. 25 que assim prescreve:
Proteção judicial: 1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e
rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou
tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus
direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou
pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida
por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções
oficiais.
Na análise detida da justiciabilidade dos direitos sociais é oportuna
advertência do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ao apontar para o
fato de que:
La adopción de una clasificación rígida de los derechos económicos,
sociais y culturais que los sitúe, por definición, fuera del ámbito de los
tribunales sería, por lo tanto, arbitraria y incompatible con el princípio
de que los dos grupos de derechos son indivisibles e
interdependentes. También se reduciría drásticamente la capacidad
592
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social, p.
254.
593
BARROSO, Luís Roberto, O direito constitucional e a efetividade de suas normas, p. 106.
594
Adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos
Humanos, em San José de Costa Rica, em 22 de novembro de 1969 e ratificada elo Brasil em 25
de setembro de 1992.
234
de los tribunales para proteger los derechos de los grupos más
vulnerables de la sociedad
595
.
No contexto do sistema jurídico brasileiro, verifica-se a existência de uma
jurisdição ordinária vocacionada - em que pese não especializada e um conjunto
de mecanismos constitucionais desenvolvidos para a proteção dos direitos
fundamentais, em sua dimensão subjetiva, postos à disposição de seu titular
596
.
Relembrando a lição de Rolando E. Gialdino, “La justiciabilidade en el plano
interno de los Estados de cuestiones atinentes al derecho a un nível de vida
adecuado es un imperativo que deriva de los propios instrumentos en los que aquél
se encuentra enunciado”
597
.
No âmbito internacional, cuja jurisdição é marcada pela subsidiariedade
598
,
com relação aos direitos sociais pode-se verificar a existência de organismos
internacionais de proteção
599
e de sistemas (global/regional) de proteção dos direitos
sociais, econômicos e culturais, com extensa normativa
600
.
595
Observação Geral n 9, § 10, do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível
em: <http://www2.ohchr.org/english/bodies/cescr/comments.htm.>Acesso em: 27 jul. 2007.
(Tradução livre).
596
Vide Capítulo IV.
597
GIALDINO, Rolando E. El derecho a un vel de vida adecuado en el plano internacional e
interamericano, con especia referencia a los derechos a la vivienda y a la alimentación adecuadas.
Su significación y contenido. Los sistemas de protección, p. 912.
598
Aduza-se que dada a subsidiariedade do sistema internacional de proteção, estabelecem-se
requisitos de admissibilidade nos termos do art. 5.2.b do Protocolo Facultativo do PIDESC e art.
46 da Convenção Americana de Direitos Humanos, como o de prévio esgotamento das instâncias
internas, inexistência de litispendência internacional, inexistência ou lacunas na legislação
processual e observância do prazo prescricional de seis meses. Perante a Comissão
Interamericana qualquer pessoa ou grupo de pessoas pode interpor denúncias de violação de
direitos. Todavia, a postulação perante a Corte Interamericana somente pode ser exercida pelos
Estados-partes e pela Comissão Interamericana.
599
É amplo o espaço internacional consagrado aos direitos sociais, pois diversos organismos
internacionais governamentais intervêm no campo de sua proteção não jurisdicional, tal a
imperatividade premente de sua implementação para o pleno desenvolvimento do indivíduo, as
quais se põem em relevo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização Mundial
da Saúde (OMS), Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO), Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD), a (FAO) e o
Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais no âmbito da Organização das Nações Unidas
(ONU).
600
Citam-se alguns documentos internacionais que contêm normas sobre direitos sociais: Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948); Carta da OEA (1948); Convenção Interamericana de
Direitos Humanos–Pacto de San José (1969); PIDESC-Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (1966); Declaração de Vancouver (1976); Observações Gerais do
CDESC (1985); Carta Africana de Direitos Humanos (1986); Princípios de Limburgo (1986);
Protocolo Facultativo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador) (1988); Diretrizes de Maastricht
(1996); Diretrizes Voluntárias da FAO (2004); Carta Social Européia; Convenção sobre os Direitos
da Criança; Programa de Direito à Moradia das Nações Unidas.
235
No plano global, cita-se, em primeiro plano, o Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (1966), editado pela ONU (Organização das Nações
Unidas). Não órgão jurisdicional, todavia, no sistema global, no âmbito da ONU,
que reclama criação de uma corte internacional de direitos humanos para a proteção
de direitos dessa natureza
601
.
Criado em 1985, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(CDESC), o órgão, não possui natureza jurisdicional e lhe compete avaliar o
cumprimento do PIDESC mediante análise de relatórios e realizar observações e
orientações, receber e examinar petições individuais ou coletivas, relativas a
violações de qualquer direito econômico, social e cultural, previsto no Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
602
.
No plano regional, o documento de maior relevo no âmbito da Organização
dos Estados Americanos (OEA) é a Convenção Americana de Direitos Humanos
(CADH), denominada Pacto de São José da Costa Rica (1969). Foi complementada
pelo Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em
Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador
603
),
que se fundamenta na relevância da proteção integral como ápice do progresso
histórico dos direitos sociais, proclamando em seu preâmbulo para que sejam
[...] reafirmados, desenvolvidos, aperfeiçoados e protegidos, a fim de
consolidar na América, com base no respeito pleno dos direitos da
pessoa, o regime democrático representativo de governo, bem como
o direito de seus povos ao desenvolvimento, à livre determinação e a
utilizar livremente suas riquezas e recursos naturais.
No contexto regional de proteção de direitos humanos, o Brasil se insere no
sistema interamericano, cujo órgão jurisdicional é a Corte Interamericana de Direitos
Humanos, perante a qual se prestigia a justiciabilidade dos direitos humanos
604
.
601
A exemplo do Tribunal Penal Internacional.
602
O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais não contém dispositivo similar
ao do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art.2º, 3, b) quanto à obrigação dos
Estados em desenvolver recursos judiciais, mas, conforme observação do Comitê de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, terão de demonstrar que os recursos judiciais não são meios
adequados ou que são desnecessários a vista de outros existentes.
603
Foi elaborado em virtude de lacunas de reconhecimento e proteção quanto aos direitos sociais,
econômicos e culturais.
604
Em princípio, somente os Estados-partes e a Comissão têm direito de submeter um caso à
decisão da Corte (art. 61, CADH). Como exceção, admitindo petição individual, os direitos
sindicais e o direito à educação(art. 19) do Protocolo de São Salvador . A Corte Interamericana de
Direitos Humanos, em decisão histórica, condenou o Brasil, pela primeira vez, em 4 de julho de
236
Em suma, a pretensão jurisdicional internacional dos direitos sociais
depreende-se, sobretudo, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 8
o
),
da Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica
(art. 25, art. 44, art. 46 e art. 63) e do Protocolo Adicional à Convenção Americana
sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais -
Protocolo de São Salvador (do art. 19).
Magistra Rolando E. Gialdino que:
Es evidente que la existencia de una justiciabilidade internacional
dando a este término alcances amplios debido a la distinta naturaleza
y competencia de los órganos supranacionales involucrados-, habida
cuenta de su caráter subsidiario y coadyuvante de los ordenamientos
nacionales, explica a todas as luces la justiciabilidad en este último
plano. La actividad de los mencionados órganos tiene lugar,
regularmente, una vez agotados los recursos que ofrezca el plano
interno de los países (v. gr, Convención Americana, art. 46. 1 a;
Protocolo Facultativo del Pacto Internacional de Derechos Civiles y
Políticos, art. 5.2.b)
605
.(grifou-se)
A Observação Geral n. 3 do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais reforça a justiciabilidade desses direitos em sua dimensão internacional, ao
firmar o entendimento da aplicabilidade imediata de inúmeros dispositivos relativos
aos direitos sociais do PIDESC, tais como o art. 3º, art.7º, inciso i, item a, art. 8º, art.
10, § 3º, art. 13, item a do § 2º e seus §§ 3º e 4º. e art. 15, § 3º.
A justiciabilidade internacional dos direitos sociais está plenamente
configurada, não obstante o sistema normativo no campo dos direitos civis e
políticos esteja mais avançado. o se pode perder de vista que a justificativa da
proteção dos direitos fundamentais do homem perante a ordem internacional não
deriva “do fato de ser ele nacional de determinado estado, mas sim do fato de terem
como fundamento aos atributos da pessoa humana”
606
.
2006, por violação de direitos humanos. (Caso Damião Ximenes Lopes). Na decisão declarou-se
que o Brasil violou sua obrigação geral de respeitar e garantir os direitos humanos, violou o direito
à integridade pessoal de Damião e de sua família e violou os direitos às garantias judiciais e à
proteção judicial, condenando o país a reparar, mediante indenização, a família da vítima. Impôs-
se ainda a garantia de celeridade da Justiça brasileira na investigação criminal.
605
GIALDINO, Rolando E. El derecho a un vel de vida adecuado en el plano internacional e
interamericano, con especia referencia a los derechos a la vivienda y a la alimentación adecuadas.
Su significación y contenido. Los sistemas de protección, p. 905.
606
Preâmbulo do Pacto de São Salvador (Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos
Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais colo de São Salvador).
237
A violação dos direitos sociais previstos também em tratados internacionais
ratificados constitui ainda dupla violação e se deve partir da premissa de que
qualquer atentado aos direitos fundamentais o é apenas uma ‘questão doméstica’
e sim um problema de relevância internacional
607
.
A negativa de justiciabilidade dos direitos sociais - adverte Rolando E.
Gialdino - é “incompatible con el principio del império del derecho”
608
, o qual deveria
supor sempre o respeito aos deveres assumidos pelo Estado, em nível internacional
e, sobretudo, em nível interno, diante do império da Constituição que os consagra.
Por isso, sentencia o jurista
609
,“a justiciabilidad de los derechos económicos, sociais
y culturais no admite excepciones”.
Afastados, teoricamente, os obstáculos à justiciabilidade e vistos os seus
fundamentos, se pode concluir que, além de sua justiciabilidade objetiva como valor,
núcleo normativo e objeto democrático-constitucional, em sua dimensão subjetiva,
os direitos sociais são justiciáveis como direitos subjetivos fundamentais, de eficácia
plena, formal e materialmente fundamentais, inderrogáveis e irreversíveis, fundados
na dignidade humana e indissoluvelmente unidos às liberdades.
Na verdade, a justiciabilidade dos direitos sociais deveria ser uma
obviedade teórica, na dogmática brasileira dos direitos fundamentais, pois todos os
dias a dignidade humana é violada no Brasil diante da estatística que acusa mais de
50 milhões de pessoas
610
vivendo abaixo da linha de indigência. A negativa de
justiciabilidade interna constitui para o cidadão dúplice violação: lesão a seu direito
fundamental à jurisdição nacional e violação o direito à jurisdição internacional, uma
vez que ela é subsidiária e requer, em regra, o prévio esgotamento dos recursos e
medidas no âmbito nacional.
Não se deve esquecer que:
Quien pretenda” na precisa lição de Robert Alexy-“escribir en la
Constitución ideales políticos no justiciables, debe ser consciente de
lo que se juega. Con una sola disposición em la Constitución no
607
Cf. PEREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Los derechos fundamentales, p. 41.
608
GIALDINO, Rolando E. ‘Los derechos económicos, sociales y culturales. Su respeto, protección y
realización en el plano internacional, regional y nacional, p. 372.
609
Idem, ibidem, p. 395.
610
Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio Janeiro em 2002. Disponível em:
<http://www.ibre.fgv.br>. Acesso em: 23 ago. 2007.
238
controlable judicialmente se abre el camino para la perdida de su
obligatoriedad
611
.
Portanto, a superação dos obstáculos impeditivos à justiciabilidade dos
direitos sociais é um imperativo e desafio desta quadra da história constitucional.
Diante da marginalidade, da exclusão social e da miséria que “nos exhiben a
sus víctimas”, como evoca a contundente advertência de Germán J. Bidart de
Campos
612
, o reconhecimento universal dos direitos sociais como direitos plenos
se alcançará quando se superarem todos os obstáculos que impedem a sua
adequada justiciabilidade
613
.
Negar o direito fundamental social como direito justiciável significa, na esfera
individual, violar a própria dignidade humana que dele depende para a sua
concreção e na esfera comunitária, inviabilizar o Bem Comum do Estado Brasileiro.
Ademais, em tempos de declaração universal dos direitos humanos, de
cidadania cosmopolita, de uma justiça global
614
se pode aspirar, a partir do ideal
kantiano de paz perpétua, ao Bem Comum da humanidade.
A justiciabilidade dos direitos sociais, seja no plano interno, seja no plano
internacional, radica nas normas definidoras de direitos fundamentais previstas na
própria Constituição e nos instrumentos internacionais por ela albergados. A
justiciabilidade que emana dos direitos sociais é (ou deve ser) assegurada
normativamente pelas garantias-constitucionais e jurisdicionalmente pela sua própria
admissão, sob pena de violação das obrigações interna e internacionalmente
assumidas pelo Estado Brasileiro.
Proposta a superação teórica das objeções dogmáricas à justiciabilidade dos
direitos sociais e vistas as técnicas de sua operacionalização no ordenamento
jurídico brasileiro
615
, cumpre analisar, a sua admissibilidade e reconhecimento no
âmbito jurisdicional.
611
ALEXY, Robert. Los derechos fundamentales en el Estado Constitucional democrático. In:
CARBONELL, Miguel (Org.). Neoconsticionalismo(s). Edición de Miguel Carbonell. 2. ed. Madrid:
Trotta, 2005. p. 31-47; p. 33.
612
CAMPOS, German J. Bidart. Los derechos sociales. Revista Brasileira de Direito Constitucional,
Revista do Programa de Pós-Graduação ‘Lato Sensu’ em Direito Constitucional, Escola Superior
de Direito Constitucional. Em tempos de democracia, São Paulo, n. 3, jan./jun. 2004, p. 671-678;
p. 678.
613
ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos, p. 11.
614
A exemplo do Tribunal Penal Internacional.
615
Vide Capítulo IV.
239
6 CAPÍTULO VI: A JUSTICIABILIDADE SUBJETIVA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS SOCIAIS: ASPECTOS NORMATIVOS E A AMBIÊNCIA
JURISDICIONAL
6.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Superada teoricamente a questão da inegável justiciabilidade dos direitos
sociais, a questão que se põe nesta quadra não é outra senão a de verificar se essa
justiciabilidade tem recebido a correlata admissão perante da justiça constitucional
na hipótese de direitos sociais.
duas ordens de tutela jurisdicional que incidem sobre direitos
fundamentais sociais: a tutela jurisdicional em sua dimensão objetiva e em sua
dimensão subjetiva.
Quanto à sua dimensão objetiva, em defesa da proteção da ordem jurídico-
objetiva, nela incluída a social, instituíram-se mecanismos eficazes que compõem o
sistema de controle concentrado de constitucionalidade. Verifica-se que a
justiciabilidade da pretensão de natureza objetiva dos direitos sociais, como uma das
faces de sua dúplice vertente, pode ensejar decisões jurisdicionais munidas de
efeitos erga omnes na esfera de controle concentrado com amplitude de proteção da
ordem jurídico-social no Brasil. Sobre essa questão não nos incumbe avançar diante
dos limites postos à investigação no presente estudo.
Quanto à justiciabilidade subjetiva esta nos incumbe investigar - promovida
perante jurisdição constitucional pelo modo difuso, faz-se necessário verificar qual a
postura jurisdicional dos tribunais diante da justiciabilidade dos direitos sociais, uma
vez que existem, em sobejo, elementos jurídico-constitucionais que a fundamentem.
O reconhecimento da dignidade jurídica dos direitos sociais não é suficiente
se não vem acompanhado da sua proteção jurisdicional e a nova concepção de
efetividade dos direitos fundamentais, que busca colocá-los “num grau mais alto de
juridicidade, concretude, positividade e eficácia
616
, impõe que se investigue e se
superem eventuais objeções jurisdicionais à justiciabilidade dos direitos sociais.
616
OLIVEIRA, C. A. Álvaro de. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. In:
SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Jurisdição e direitos fundamentais: anuário 2004/2005. Escola
Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul (AJURIS). Porto Alegre: Escola Superior da
Magistratura/Livraria do Advogado, 2006. v. 1, t. 2, p. 251-263; p. 253.
240
6.2 OBJEÇÕES JURISDICIONAIS: DÉFICIT DE JUSTICIABILIDADE SUBJETIVA
DOS DIREITOS SOCIAIS
A par das objeções materiais doutrinárias que remetem à própria essência do
direito social e ao poder jurídico que ele confere ao seu titular, do enfoque
jurisprudencial, pode-se constatar que também restrições no ambiente
jurisdicional, locus legítimo de proteção dos direitos sociais, as quais obstam a sua
concretização.
Com relação ao locus jurisdicional, João Luiz M. Esteves
617
descreve três
tipos de oposição à justiciabilidade dos direitos sociais: a objeção jurídico-
sociológica, segundo a qual o Judiciário não possui capacidade de responder às
demandas ligadas à cidadania social, a objeção jurídico-ideológica, segundo a qual
ao juiz somente é dado julgar mediante subsunção do fato à norma, não sendo sua
tarefa a resolução de conflitos sociais e a objeção político-ideogica, em face da
qual se entende que a judicialização dos conflitos sociais frustra a reivindicação e
conquista popular dos direitos.
A adoção das duas primeiras posturas, por certo, advém da falta de tradição
institucional e cultural de controle judicial de políticas públicas e de proteção
jurisdicional dos direitos sociais no Brasil. A terceira é fruto de errônea concepção,
pois a postulação judicial dos direitos, ao ins de frustrar, estimula o exercício da
cidadania ao se exigir judicialmente a efetivação de direitos já conquistados. A
propósito, é de se registrar que um dos fatores da não efetivação dos direitos sociais
envolve o próprio acesso – ou a falta de acesso - ao Judiciário. Assim, o desprestígio
estatal da justiciabilidade dos direitos fundamentais do cidadão convive com o de
sua própria cidadania.
No âmbito jurisdicional, podem se destacar os principais obstáculos que se
põem no caminho da proteção jurisdicional dos direitos sociais: 1) hermenêutica
judicial não concretizante e 2) suposta ilegitimidade da jurisdição constitucional em
617
ESTEVES, João Luiz M. Direitos sociais fundamentais no Supremo Tribunal Federal. Coleção
Prof. Gilmar Mendes. São Paulo: Método, 2007. p. 58-59. Alessandra Gotti, em estudo sobre a
eficácia e exigibilidade dos direitos sociais, também detectou a questão - que ainda persiste - e
descreve os obstáculos da efetivação dos direitos sociais pelo Judiciário: “a) a sua desqualificação
como direitos blicos subjetivos; b) a problemática da separação de poderes; c) a intangibilidade
da discricionariedade administrativa e d) a necessidade de previsão orçamentária, isto é, o
condicionamento da realização dos direitos sociais”. (GOTTI, Alessandra Gotti. A eficácia e
acionabilidade dos direitos sociais: uma análise à luz da Constituição de 1988. 2003. Dissertação
(Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. p. 258).
241
face do princípio da separação de poderes. Tais fatores resultam nas restrições
seguintes: a) não sindicabilidade as políticas públicas; b) incompetência do Judiciário
para alocação de recursos e c) autocontenção do poder judicial na resolução das
questões relativas aos direitos sociais ou justiça social.
Os juristas Victor Abramovich e Christian Courtis, no contexto da realidade
jurídico-normativo da Argentina, similar à brasileira, enumeram os que constituem,
ao seu ver, os principais obstáculos à justiciabilidade dos direitos sociais: a) a
indeterminação da conduta devida, por não possuírem especificação concreta
dificultando a identificação do próprio descumprimento, b) a autorestrição do poder
judicial frente a questões políticas e técnicas, por entender que o lhes incumbe
avaliar a implementação e a execução de políticas públicas por serem próprias dos
órgãos políticos do sistema, c) a ausência de mecanismos processuais adequados
para a tutela de direitos sociais e d) escassa tradição do controle judicial na matéria,
fundadas na visão conservadora do papel institucional do poder judicial e do
princípio da separação de poderes em menosprezo as normas de hierarquia
constitucional que consagram esses direitos
618
.
Das decisões colacionadas, destacadas anteriormente
619
, conclui-se que
ainda mostra-se restritiva a postura jurisdicional como se pode observar por meio
das decisões das Cortes Superiores e TJs. Embora se identifique, ocasionalmente, a
concretização judicial de alguns dos direitos sociais, não se pode afirmar que tal
posicionamento se traduza em postura emancipatória dos direitos sociais já
consolidada. Na dimensão jurisdicional, portanto, pode-se apurar o déficit
justiciabilidade subjetiva dos direitos sociais (ou do seu reconhecimento) diante do
que cumpre levantar hipóteses acerca das possíveis causas, à luz do trinômio que
compõem a justiça: jurisdição, ação e processo.
618
ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian, op. cit, p.121-131.
619
Jurisprudências em destaque no Capítulo 4 (4.7).
242
6.3 CAUSAS DO DÉFICIT
6.3.1 Quanto à Ação: Inadequação das Garantias Constitucionais do Cidadão
para a Defesa dos seus Direitos Subjetivos Sociais
O item proposto - que se estreita com a precedente exposição sobre as
garantias e ações constitucionais de justiciabilidade subjetiva - sem pretender
esgotar outras eventuais deficiências, busca demonstrar que fatores que
comprometem a função garantista do sistema de proteção dos direitos fundamentais.
Cabe, antes de adentrar no tema proposto por estar intrinsecamente ligado a
ele, um comento acerca da justiciabilidade dos direitos sociais na instância máxima
superior.
Da análise do sistema jurisdicional de proteção, verifica-se que a
justiciabilidade direta é vedada perante as Cortes Superiores. Para o seu titular, os
direitos fundamentais não são justiciáveis de modo direto e imediato perante o
Supremo Tribunal Federal. Os direitos fundamentais apenas são justiciáveis, de
modo direto, perante as instâncias inferiores, no exercício delegado da jurisdição
constitucional em virtude do sistema difuso.
Confere-se o acesso ao Supremo Tribunal Federal, em grau de recurso
extraordinário no curso de uma relação processual (subjetiva) instaurada em
instância inferior, uma vez ultrapassado o filtro de admissibilidade recursal,
sobretudo o referido à repercusssão geral
620
.
Registra-se que a única hipótese no ordenamento jurídico-constitucional
brasileiro que permite ao cidadão (ou lhe obriga?) o acesso direto aos Tribunais
Superiores, sucede nos casos em que o sujeito processual passivo tenha ali seu foro
privilegiado e quando a competência originária para conhecer as ações
constitucionais for – e sempre o é - instituída em privilégio da autoridade estatal junto
ao Tribunal Superior
621
. Nesse caso, o que determina o acesso direto do cidadão ao
Tribunal Superior, o é a relevância da matéria (direitos fundamentais), nem o seu
620
Lei. n. 11.418/2006.
621
As hipóteses constitucionais de competência originária do Supremo Tribunal Federal, para
processar e julgar os writs constitucionais, estão previstas no art. 102 da CF/88. As hipóteses
constitucionais de competência originária do Superior Tribunal de Justiça, para processar os writs,
estão previstas no art. 105 da CF/88 e do Tribunal de Justiça estão estabelecidas pela
Constituição do Estado, nos termos do art. 125 da CF/88.
243
status civitatis, mas sim o status da autoridade estatal violadora dos seus direitos
fundamentais, quando ali tenha seu foro privilegiado - ensejando a alocação do
foro para aquela Corte.
Assim, como mais uma incoerência do sistema jurisdicional constitucional
brasileiro, restringe-se o acesso direto do cidadão às cortes e delas se afasta a
justiciabilidade direta dos direitos fundamentais.
No catálogo constitucional de garantias fundamentais, sem considerar as
implícitas ou decorrentes
622
, existe um razoável número de remédios para a
proteção de direitos fundamentais no que tange a sua dimensão subjetiva. Os
mecanismos de defesa dos direitos fundamentais sociais positivados o: o
mandado de segurança individual ou coletivo, o mandado de injunção, a ação civil
pública e a ação popular, estando excluídos o habeas corpus e o habeas data por se
destinarem à proteção de direitos fundamentais específicos.
Para o cidadão não remédio específico para a defesa dos direitos sociais,
em sua dimensão individual ou coletiva e eles ingressam, teoricamente no âmbito de
proteção das garantias constitucionais do mandado de segurança e do mandado de
injunção. Não obstante, na prática, esses mecanismos o se mostram adequados
ao cumprimento da prometida proteção estatal dos direitos subjetivos sociais.
A ação popular, propõe um âmbito de proteção transindividual e constitui a
única garantia constitucional do cidadão que enseja decisão com efeitos erga
omnes, a beneficiar simultaneamente os interesses de todos os titulares e o próprio
interesse público. Todavia, a decisão proferida não tem efeito constitutivo mas
apenas desconstitutivo, pois só pode invalidar eventual ato estatal lesivo aos direitos
sociais e não ordenar a sua promoção. Deste modo, em sede de políticas públicas,
não se pode postular a sua implementação, mas tão somente a sua invalidação, na
hipótese de política social regressiva ou violatória dos princípios constitucionais da
moralidade administrativa e probidade na gestão pública.
Em sede de proteção subjetiva transindividual, a ação civil blica e a
argüição de descumprimento de preceito fundamental mostram-se como
mecanismos eficientes e idôneos para controle das políticas públicas e para resgatar
os direitos sociais da ineficiência ou inércia estatal que inviabiliza a sua fruição.
622
Art. 5º, § 2º, da CF/88.
244
Todavia, não constituem garantia do cidadão e a sua interposição fica subordinada
ao critério e à iniciativa dos legitimados ativos.
Torna-se insuficiente o reconhecimento de um direito fundamental quando
não se lhe capacita de adequado instrumento de tutela jurisdicional ou quando não
se lhe outroga a legitimidade ativa para a sua interposição. É direito inoperante, que
não se impõe e de que não se pode fazer valer (materialmente). As formas de tutela
jurisdicional previstas pelo direito material devem necessariamente passar pelo crivo
da eficiência e idoneidade das técnicas processuais para viabilizar a prometida
proteção
623
.
Bem observa Luigi Ferrajoli que:
Os direitos sociais não se fizeram acompanhar de garantías sociales
o ‘positivas’ adecuadas, es decir, de técnicas de defensa y de
justiciabilidad paragonables a las aportadas por las ‘garantias
liberales’ o ‘negativas’ para la tutela de los derechos de libertad
624
.
Por conseguinte, prejudicam a justiciabilidade “la falta de acciones o garantías
procesales concretas que tutelen los derechos sociales
625
pois “los instrumentos
procesales tradicionales resultan limitados para exigir judicialmente estos
derechos”
626
.
Convém reiterar que a inexistência ou deficiência de mecanismos que
viabilizem a justiciabilidade dos direitos sociais, constitui, por si só, violação aos
direitos sociais, tanto no âmbito interno, como no âmbito internacional por violação
às obrigações internacionalmente assumidas de implementação de recursos judiciais
de proteção.
Do quadro geral das garantias postas para o cidadão, conclui-se pela:
623
Luiz Guilherme Marinoni argumenta: “Deseja-se, isto sim, a partir de uma postura dogmática
preocupada com as posições jurídicas protegidas e com as formas de tutela necessárias para lhes
dar proteção [...] chegar a uma verdadeira análise crítica da ação e do processo, mediante a
verificação da idoneidade das técnicas processuais para prestar as formas de tutela prometidas
pelo direito material” (MARINONI, Luiz Guilherme. Da ação abstrata e uniforme à ação adequada
à tutela dos direitos. In: FUX, Luiz et al. (Coord.) Processo e Constituição: estudos em
homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. o Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
p. 838-869; p. 848).
624
FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias: la ley del más débil. Madrid: Trotta, 2006. p. 63-64.
625
ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos, p. 40.
626
Idem Ibidem. p. 45.
245
a) inexistência de mecanismo específico ou apto para tutelar
jurisdicionalmente os direitos sociais, sobretudo de prestação indeterminada,
que também requerem tutela imediata;
b) inaptidão do mandado de segurança como mecanismo de tutela dos
direitos sociais de prestação indeterminada: primeiro por ser vocacionado à
defesa de direitos de primeira dimensão, não prestacionais, segundo por
restringir o marco probatório ao exigir prévia comprovação do direito líquido e
certo
627
;
c) inócua utilização do mandado de injunção, em face de sua
descaracterização finalística;
d) o objeto da ação popular não alcança a defesa de direitos subjetivos
sociais, mas tão somente a proteção de interesses transindividuais, e a sua
decisão, que possui conteúdo desconstitutivo, não tem o condão de
assegurar, positivamente, a fruição ou implementação de direitos sociais mas
tão somente evitar ou reparar eventual lesão neles provocada;
e) ação civil pública mostra-se eficaz para a proteção de direito social
individual e transindividual e, sobretudo relevante em sede de omissão de
políticas públicas. A decisão de procedência possui conteúdo condenatório e
gera efeitos de ampla extensão, alcançando o universo dos titulares dos
interesses objeto da ação. Todavia, não constitui garantia constitucional do
cidadão, e a sua interposição depende da iniciativa dos legitimados, o que
pode mostrar-se ineficaz diante da urgência do caso concreto. Se proposta a
ação, pode-se assegurar tal situação via liminar ou via antecipação de tutela;
f) quanto à argüição de descumprimento de preceito fundamental, a sua
idoneidade técnica em sede de controle de políticas públicas foi
reconhecida pelo STF. Todavia não constitui garantia ao cidadão, que ficou
627
Na atual processualística do mandado de segurança, o art. 18 da Lei n. 1.533/51 é de manifesta
inconstitucionalidade por limitar temporalmente o exercício de direito de ação, restringindo, por
conseguinte, a justiciabilidade de um direito, quando a Constituição não o faz.Todavia, a
constitucionalidade de tal dispositivo encontra-se sumulada. (Súm. 632). As alterações inseridas
ou incidentes na legislação do mandado de segurança, na maior parte das vezes, tem ampliado as
vantagens ao pólo passivo, ou seja, à autoridade pública, conferindo-lhe prerrogativas e uma
posição processual privilegiada em detrimento do particular. A tulo de exemplo, verifica-se que a
Lei n. 2.770/56 suprimiu a concessão de medidas liminares em determinadas hipóteses. A Lei n.
4.348/64 novamente restringiu a concessão de liminares ao particular, em benefício da
Administração Pública e conferiu efeito suspensivo a recurso nas hipóteses de decisão
desfavorável a esta, quando a causa envolva vencimento ou reclassificação funcional, impedindo
a execução provisória da decisão.
246
excluído do rol de legitimados ativos, ficando a conveniência de sua
interposição à mercê do interesse dos legitimados especiais.
As garantias individuais foram concebidas no contexto do Estado
abstencionista. Tinham por objeto os direitos de liberdades, por isso, apresentam-se
inadequadas ao momento presente, do primado da constitucionalidade no Estado
Social de Direito e limitadas para o garantismo que requerem os direitos sociais.
O ordenamento-jurídico pátrio catalogou direitos fundamentais de múltipla
tipologia, mas não criou, concomitantemente, formas de tutela adequadas à
multiplicidade de tais direitos, notadamente os direitos sociais não regulamentados
ou de prestação indeterminada. Conclui-se que, para o cidadão, há deficiência
qualitativa ou operativa no sistema de proteção jurisdicional dos direitos
fundamentais no ordenamento jurídico pátrio, que reclama um mecanismo de status
fundamental, com atribuição da legitimidade ativa ao cidadão e que seja apto a
proteger direitos da dignidade dos direitos sociais, em sua dimensão subjetiva
individual.
Em decorrência, a dignidade humana, que nos direitos sociais encontra viva
expressão, não possui proteção compatível com a fundamentalidade do seu valor,
revelando-se extremamente vulnerável no sistema jurídico-constitucional. O
garantismo formal deve ceder espaço ao garantismo funcional, teleológico, que
facilite e não malogre o acesso à justiça
628
, para que nela os direitos sociais
encontrem permanente guarida.
6.3.2 Quanto ao Processo: Ineficiência Procedimental
Propugna a moderna dogmática do direito constitucional a sistematização de
um processo constitucional, como categoria autônoma, que regule o contencioso
constitucional.
O subsistema constitucional, composto pelas normas definidoras dos direitos
fundamentais enquanto ordem jurídica subjetiva, requer tal sistematização, que
privilegie a jurisdição de urgência e a eficiência procedimental, para a sua imediata e
efetiva satisfação. A garantia de acesso à jurisdição constitucional é, por si só, um
628
Cf. MORELLO, Augusto M. La eficacia del processo. 2. ed. ampl. Buenos Aires: Editorial
Hammurabi, 2000. p. 100.
247
direito fundamental que visa resguardar a primazia dos demais direitos
fundamentais. O processo, a seu turno, deve se transformar em instrumento de
democratização.
Augusto M. Morello bem acentua a função do processo no Estado
Democrático de Direito ao ponderar que:
Si la efectividad de las técnicas (acciones y remedios) y de los
resultados jurisdicionales es la meta que signa la eficiencia en
concreto de la actividad jurisdiccional, ese proposito es notorio y
cobra novedosa presencia como exigencia perentoria del Estado de
derecho, en el clásico brocárdico ‘ubi remedium, ibi jus’
629
.
Não efetividade no sistema de proteção pátrio, quanto aos direitos
fundamentais sociais, porque as suas garantias e técnicas, o são capazes de
assegurar a situação subjetiva que abstratamente visam proteger.
Direitos fundamentais e direitos não fundamentais não podem percorrer o
mesmo caminho processual para a sua garantia. Mesmo havendo preferência na
tramitação processual e mesmo possuindo mecanismos específicos para a proteção
de direitos fundamentais, os direitos fundamentais percorrem todo o caminho da
justiça ordinária - no exercício da jurisdição constitucional, submetendo-se a todos
os limites procedimentais e temporais, que lhe são inerentes, até chegar à via
recursal extraordinária (STF), onde se submetem aos mesmos requisitos exigidos
nos processos onde não se veiculam direitos fundamentais.
O que difere então um direito fundamental de um direito não fundamental
senão a imediatidade de sua aplicação e a especialidade de sua proteção? O
legislador infraconstitucional, ao regulamentaruma garantia constitucional, não pode
se esquecer da destinação constitucional do instituto.
Na postulação da tutela jurisdicional, não se deve exigir do cidadão que seus
direitos sociais se encaixem em rígidos moldes processuais e que aguardem todo o
percurso que vai da comprovação do ‘direito líquido e certo’ à demonstração da
‘repercussão geral’ para o exercício dos seus direitos fundamentais. O que a
Constituição confere, de imediato, não pode ser postergado pela legislação ou pela
jurisdição. Sendo imediatamente eficazes e aplicáveis os direitos sociais, não cabe
postergar a sua fruição ao submetê-la ao rigorismo procedimental. O Poder
629
MORELLO, Augusto M. op. cit., p. 47.
248
Constituinte os alçou ao topo da pirâmide normativo-axiológica, dentre os direitos
fundamentais, mas na dimensão processual o legislador infraconstitucional não
proporcionou técnicas adequadas, de igual dignidade, para a tutela dos direitos
sociais.
Abordando o processo como um direito necessário, Augusto M. Morello
630
afirma que os direitos “también se radican, sostienen y realizan en la experiencia del
processo, el cual permanece en disponibilidad para ser usado y como parte
necesaria del mundo jurídico”.
No sistema jurídico pátrio, direitos fundamentais e não fundamentais estão
nivelados quanto ao grau e possibilidade de sua concretização, não obstante
encontram-se aqueles ‘em plena Constituição com o tão decantado status de
fundamentais.
A deficiência, no sistema pátrio de defesa dos direitos fundamentais,
representa não violação ao comando constitucional da plena aplicabilidade dos
direitos fundamentais como violação da prometida garantia de justiciabilidade.
Como deficiências processuais, no sistema de proteção dos direitos sociais,
podem ser apontadas as seguintes: a) - o nivelamento, ao percurso processual
comum, da defesa de direitos sociais que não ensejem as garantias constitucionais,
quando para esses deveriam ser instituídas garantias específicas, ou aptas, com
técnicas procedimentais idôneas; b)- o desequilíbrio processual diante das
prerrogativas conferidas ao Estado na relação processual, que subsistem mesmo
quando a ele se imputa a violação dos direitos fundamentais; c)- ausência de
garantias de execução das decisões que condenam o Estado à prestação de fazer;
d)- inexistência de mecanismos de participação adequada dos sujeitos coletivos nas
diferentes diligência ou instâncias processuais e e)- o distanciamento do processo
da sua função de operacionalizar a justiça material ou justiça distributiva
631
.
Ademais, em face do princípio nemo judex sine actore, não se pode deixar de
mencionar como restritivo à proteção jurisdicional dos direitos sociais a própria falta
de exercício de cidadania diante de violações, que conduz à inércia do seu titular em
630
MORELLO, Augusto M. La eficacia del processo, p. 151.
631
Itens c), d) e e) observados por Victor Abramovich e Christian Courtis (ABRAMOVICH, Victor;
COURTIS, Christian, op. cit, p. 129-130 e 254). Os juristas citam algumas medidas processuais
que se afinam com as necessidades da justiça distributiva como a mitigação do princípio
dispositivo, autorização ao juiz de adotar medidas que não coincidem exatamente com as
postuladas pelas partes, procedimentos que viabilizem diálogos entre as partes relevantes,
possibilidade de controle de gestão de bens durante o processo, dentre outras. (Idem, Ibidem, p.
254).
249
sentido inverso da justiciabilidade. A propósito, o acesso ao Judiciário no Brasil está
estreitamente vinculado ao IDH da região, constatando-se que justamente nas
regiões com maiores carências socioeconômicas é reduzido o índice de acesso
632
.
A prejudicialidade de tal postura é observada por Flávia Piovesan e Renato
Stanziola Vieira
633
quando declaram que,
[...] o incipiente grau de provocação do Poder Judiciário, para
demandas envolvendo a tutela dos direitos sociais e econômicos,
revela a apropriação ainda tímida pela sociedade civil dos direitos
econômicos, sociais e culturais como verdadeiros direitos legais,
acionáveis e justiciáveis.
E, para o seu titular, a não apropriação de seus direitos sociais e a não
compreensão de sua justiciabilidade, significa, em última instância, não se apropriar
de sua própria cidadania, que tem no processo poderoso instrumento de
consolidação.
Como visto, o sistema processual relativo aos direitos fundamentais, no
ordenamento pátrio, padece de vícios, dentre os quais a falta de sincronia material
entre os direitos subjetivos sociais e as garantias formais são postas para a sua
tutela jurisdicional. Para o aperfeiçoamento deste sistema de defesa dos direitos
fundamentais, ainda um novo caminho a ser percorrido, a se iniciar pela nova
concepção do próprio processo.
A violação a direito fundamental, mais que ilegal, é inconstitucional.
Parafraseando Ronald Dworkin - quando afirma que violar um princípio é mais grave
do que violar uma regra - ora se afirma que violar a Constituição é mais grave que
violar a lei, o que justifica tornar especial a proteção dos direitos fundamentais nela
inscritos, independentemente de maiores formalismos processuais ao não ser os
que assegurem a amplitude, celeridade e eficácia de prestação jurisdicional.
632
Conforme registram estudos de Maria Tereza Sadek, Fernão Dias de Lima e Jo Renato de
Campos Araújo (SADEK, Maria Tereza; LIMA, Fernão Dias de; ARAÚJO, José Renato de
Campos. O Judiciário e a prestação da justiça. In: SADEK, Maria Teresa (Org). Acesso à Justiça.
São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001.
633
PIOVESAN, Flávia; VIEIRA, Renato Stanziola. Justiciabilidade dos direitos sociais e econômicos
no Brasil: desafios e perspectivas. Disponível em: <www.mp.rs.br/dirhum/doutrina/id491.htm>.
Acesso em: 15 jul. 2007.
250
6.3.3 Quanto à Jurisdição
6.3.3.1 Crise de legitimidade da jurisdição constitucional
a) Ausência de controle das políticas públicas
A justiciabilidade dos direitos sociais tem levado à discussão de outra
candente questão que, na atualidade, tem sido um tema recorrente no debate
jurídico brasileiro: o controle judicial das políticas públicas.
Nesse contexto, impende esclarecer que não obstante a força vinculante dos
direitos fundamentais manifeste-se sobre todos os Poderes, ela se revela com maior
expressão sobre o Poder Legislativo e Executivo e, pois a concretização dos direitos
fundamentais sociais, maior parte das vezes, condiciona-se à iniciativa deste por
meio de implementação políticas públicas. A jurista Maria Garcia concebe políticas
públicas como princípios, ‘metas coletivas conscientes’ que direcionam a atividade
do Estado, objetivando o interesse público”
634
. As políticas púbicas são, para
Gilberto Bercovici, programas de ação governamental visando coordenar os meios à
disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos
socialmente relevantes e politicamente determinados
635
. Rogério Gesta Leal as
nomina de ‘políticas públicas vinculantes’
636
.
Se inexistentes ou insuficientes as políticas públicas, discute-se se o
Judiciário deve ser chamado a concretizar os direitos fundamentais violados ou não
implementados. Entra em cena o princípio da separação de poderes e a questão da
não sindicabilidade judicial das políticas públicas. Na prática, verifica-se que
sonegados os direitos sociais, tem sido manifesta a resistência do poder judicial -
fruto da crise de legitimidade - ao enfrentamento e resolução de questões daí
advindas, pois se inserem no contexto, muitas vezes, da valoração da política
adotada, quando não é o caso da própria ausência desta.
634
Louvando-se em Hugo Assman. (GARCIA, Maria. Políticas públicas e atividade administrativa do
Estado. Revista dos Tribunais - Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo,
ano 4, n. 15, abr./jun.1996, p. 64-67; p. 65).
635
BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento: uma leitura a partir da
Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 61.
636
LEAL, Rogério Gesta. O controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil: possibilidades
materiais. In SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Jurisdição e direitos fundamentais: anuário
2004/2005. Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul (AJURIS). Porto Alegre: Escola
Superior da Magistratura/Livraria do Advogado, 2006, v. 1, t. 1, p. 157-178; p. 176.
251
Da análise das políticas públicas, enquanto instrumento de gestão
governamental, pode-se concluir que os objetivos, metas e princípios que a sua
consecução norteiam, estão constitucionalmente traçados na Constituição como
meios de concreção racional da própria finalidade do Estado que aspira ser um
Estado de Justiça Social. Portanto, a submissão formal e material das políticas
públicas ao império da Constituição, por si só, justificaria o controle judicial em face
dos princípios constitucionais que norteiam a atividade estatal.
Esse, é um tema complexo e não imune a divergências doutrinárias
637
.
Impende verificar, o que se fará em momento oportuno, se há legitimidade do
Judiciário e/ou fundamentos jurídico-constitucionais que justifiquem a submissão das
políticas públicas ao crivo jurisdicional.
Independentemente da postura que se adote, é fato inconteste que a
ausência de controle de políticas públicas, sobretudo no Estado Social, constitui
grave prejuízo à justiciabilidade dos direitos sociais, que dependem, em ampla
extensão, de uma política social eficiente e racionalmente norteada pelos fins
constitucionais.
b) Autocontenção do Judiciário
Quanto à jurisdição constitucional, verifica-se a autocontenção, que é fruto do
que se pode denominar ‘crise de legitimidade da jurisdição constitucional’ e traduz a
postura da jurisdição protetora dos direitos fundamentais.
Não obstante os críticos sustentem que intervencionismo ilegítimo do
Judiciário, a história da justiça constitucional brasileira contraria tal assertiva. Nesse
campo, ao revés, a atuação do Judiciário tem sido marcada pela política do self
restraint, que tem afetado com maior intensidade os direitos fundamentais sociais,
penalizados por uma concretização fática aquém do comando constitucional.
A propósito, Lenio Luiz Streck tem combatido a postura self restraint que
historicamente o Judiciário tem assumido, tachando-a de ‘ativismo às avessas’ e que
está muito longe de caracterizar o ativismo peculiar de alguns tribunais europeus.
638
637
A propósito, Luís Roberto Barroso conclui pela não sindicabilidade jurisdicional das políticas
públicas como regra, que pode ser afastada somente nas hipóteses de “casos extremos de inércia
ou manifesta inadequação das providências tomadas”. (BARROSO, Luís Roberto. O direito
constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 8.
ed, amp. e atual. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2006. p. 109).
638
STRECK Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. 2. ed.
rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 109, nota 21 e p. 295. Todavia, de se verificar,
no que tange aos diretos sociais, o fenômeno de resistência e autocontenção do Judiciário e do
déficit de justiciabilidade não é exclusivo da realidade brasileira. Juristas de diversos países
252
Essa ‘baixa constitucionalidade’, conforme expressa o jurista, deve-se, sobretudo, a
fatores como a falta de tradição democrática no País; falta de autonomia do
Supremo Tribunal Federal; tardia inserção do controle concentrado e do mecanismo
de extensão dos efeitos das decisões de controle difuso e “tardio ingresso do Brasil
na era do constitucionalismo do Estado Democrático de Direito”
639
.
A própria adoção da postura da não sindicabilidade das políticas públicas
denuncia a nociva autocontenção em sede de direitos sociais, que se tornou tradição
no exercício do poder judicial, pois como bem observam Victor Abramovich e
Christian Courtis,
[...] pese la existência de normas de jerarquía constitucional que
consagran estos derechos, concepciones conservadoras acerca del
papel institucional del poder judicial y de la separación de poderes
han provocado una escasa práctica de exigencia judicial de esos
derechos, y un menosprecio de las normas que los instituyen
640
.
Os juristas protestam contra a autocontenção do poder judicial frente a
questões políticas e técnicas, entendendo-a como fruto da falta de tradição de
ativismo judicial. Reputam-na injustifivel em face dos seguintes fundamentos: a)
nem todas as obrigações estatais em sede de direitos sociais se revestem de caráter
político ou técnico; b) quanto maior o campo de debate sobre a natureza das
questões - se políticas ou técnicas - menor possibilidade de êxito terá a demanda
para seu autor; c) é possível a partir da própria conduta estatal, juridicizar uma
questão política ou técnica
641
.
Do estudo empírico do tratamento dos direitos sociais pelo Supremo Tribunal
Federal, João Luiz M. Esteves
642
conclui que:
O Supremo Tribunal Federal tem vacilado no seu entendimento
quanto à possibilidade de efetivar direitos sociais, quando o que se
exige é a atuação do Poder Público, algo que aquele considera – em
princípio não competir ao Judiciário [...] num claro
comprometimento com uma ‘dogmática da razão do Estado’ [...]
relacionada à ‘separação dos poderes’.
debruçam sobre o tema, como Portugal, Alemanha, Itália, Espanha, Estados Unidos, Argentina,
dentre muitos, conforme se verifica neste estudo.
639
STRECK Lenio Luiz, op. cit., p. 109, nota 21.
640
ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian, op. cit, p. 131.
641
Idem, Ibidem, p. 121-131.
642
ESTEVES, João Luiz M. op. cit. p. 136.
253
Observa Lígia Bolívar
643
que a justiciabilidade dos direitos sociais tem sido
negada pelas autoridades nacionais, “por una concepción restrictiva de los recursos
jurisdicionais existentes sobre la materia, pero ello no significa que, precisamente
esa imposibilid de hacer justiciable un derecho en el ámbito interno, no pueda ser
base de denuncias a nível internacional”.
Não obstante seja a efetivação dos direitos sociais condição necessária da
justiça social, é visível a postura de autocontenção do Judiciário, pois se tem
entendido que a ele não incumbe atuar na esfera política das decisões
governamentais, nem alocar recursos orçamentários, em homenagem ao princípio
da separação dos poderes.
6.3.3.2 Hermenêutica não concretizante
A ausência da compreensão principiológica dos direitos sociais mostra-se
como um dos principais fatores que ocasionam o déficit de sua interpretação.
Inócuo seria aparelhar e estruturar materialmente a justiça constitucional
instituição - sem preparar o elemento humano que a compõe. De nada serviriam
reformas processuais, com previsão de novas cnicas para tornar eficiente a
entrega da prestação jurisdicional, se o julgador não estiver capacitado a proceder a
uma correta atividade exegética, que é pressuposto indispensável da aplicação e
concretização da Constituição.
A propósito, Jose Eduardo Faria
644
, sugere a concepção de que “quanto mais
programáticas forem as normas dos direitos sociais, maior é o espaço deixado à
discricionariedade nas decisões judiciais”, sob pena de o Judiciário correr o sério
risco de ver a ordem jurídico-positiva fragmentada e despedaçada por uma
sociedade dividida, contraditória e explosiva”.
A hierarquia normativo-axiológica e a tessitura aberta dos enunciados
constitucionais justificam, por si sós, postulados hermenêuticos específicos.
643
BOLÍVAR, Lígia. Derechos econômicos, sociales y culturales: derribar mitos, enfrentar retos,
tender puentes: uma visión desde la (in)experiência de América Latina. In: Estudios sicos de
derechos humanos V - Instituto Interamericano de Derechos Humanos. Compilado por Sonia
Picado S, Antonio A. Cançado Trindade y Roberto Cuéllar. San José, Costa Rica: Instituto
Interamericano de Derechos Humanos, 1996. p. 85-136; p. 98.
644
FARIA, José Eduardo. O judiciário e os direitos humanos e sociais: notas para uma avaliação da
justiça brasileira. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São
Paulo: Malheiros, 2002. p. 94-112; p. 111.
254
Não obstante, Andreas J. Krell não crê que haja uma consciência valorativa
na interpretação constitucional, embora amplamente preconizada:
[...] a maioria dos operadores (juízes, promotores, procuradores,
administradores, advogados) ainda não passou a interpretar as
normas constitucionais [...] ‘no espírito’ dos Direitos Fundamentais e
seus valores subjacentes. [...] A natureza político-social dessas
normas impõe a necessidade de métodos de interpretação
específicos
645
.
Com relação aos próprios direitos fundamentais, e sobretudo os sociais, outra
não é a conclusão a que se chega. O prejuízo da justiciabilidade dos direitos sociais
tem sido, em grande parte, causada pelo déficit de interpretação, este entendido
como ponderação judicial ou compreensão dogmática equivocada de um direito
fundamental, seja em seu conteúdo normativo, seja em seus limites ou funções.
uma evidente postura de minimização dos direitos sociais e uma
maximização dos eventuais óbices que se postam no caminho da sua concreção
jurisdicional. De um lado, desprezam-se princípios interpretativos dos direitos
sociais, cuja inobservância torna ineficaz a sua eficácia vinculante, em prejuízo de
sua justiciabilidade. De outro lado, ocorre a maximização da restrição de sua
implementação e proteção judicial.
Em função da real implicação econômica dos direitos sociais prestacionais e a
problemática da disponibilidade do seu objeto, é que se afirma estar a efetivação
dos referidos direitos sob a ‘reserva do possível’, uma vez que requerem
necessariamente “destinação, distribuição (e redistribuição), bem como a criação de
bens materiais”
646
.
645
KRELL, Andreas Joachim, Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os
des(caminhos) de um Direito Constitucional ‘comparado’, p. 72-73.
646
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed, rev. atual. e amp. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 301-303. O jurista põe em relevo a tríplice dimensão da
denominada cláusula da ‘reserva do possível’: “a) a efetiva disponibilidade fática dos recursos para
a efetivação dos direitos fundamentais; b) disponibilidade jurídica dos recursos materiais e
humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias,
orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama
equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional
federativo; c) na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a
reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no
tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade”. (Idem, Ibidem, p. 304).
255
Devido aos custos dos direitos sociais, relega-se a sua implementação à
denominada ‘reserva do possível’ que corresponde, segundo a concepção de Robert
Alexy, àquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade
647
.
A postura que concebe os direitos sociais como variável do PIB (Produto
Interno Bruto) ou os condiciona ao fluxo orçamentário, enseja a negação dos direitos
fundamentais soberanamente reconhecidos pelo Poder Constituinte. Os direitos
fundamentais passam a ter existência com a mera positivação constitucional,
trazendo de forma imanente o dever jurídico do Estado de sua implementação. A
não efetivação dos direitos fundamentais prestacionais não afeta a sua juridicidade
ou justiciabilidade, antes configura violação permanente do dever constitucional do
Estado de implementá-los e de protegê-los.
A postura final dos gestores públicos, que reduzem a factibilidade dos direitos
sociais ao argumento da ‘reserva (econômica) do possível’, é criticada por Francisco
José Contreras Peláez
648
que concebe-a como uma traição à utopia dos direitos
humanos - grande ideal dos tempos modernos - e inadmissível conivência com a
atual ordem internacional (ex, dicotomia Norte-Sul), cujas regras condenam à
miséria dois terços da população mundial.
A propósito, Jayme Benvenuto Lima Junior leciona que “O argumento da
mera escassez de recursos financeiros, usado com freqüência pelos administradores
públicos, resulta na postergação da realização prática dos DHESC”
649
.
Sob o mesmo argumento econômico dos custos dos direitos sociais e reserva
do possível têm sido sonegados os direitos sociais ao cidadão no âmbito
jurisdicional. A adoção apriorística de tal postura pelo Judiciário, ao recusar-se à
concreção jurisdicional dos direitos sociais sonegados, afigura-se mais grave do que
647
Cf. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 482.
648
PELÁEZ, Francisco José Contreras, op. cit, p. 114. A seu ver, o mundo atual possui capacidade
técnica e recursos mais do que suficientes para satisfazer as necessidades elementares de todos
os homens, sobretudo num contexto de Estado social mundial, cuja implementação entende
economicamente viável. (Idem, Ibidem, p. 115-127).
649
LIMA JUNIOR, Jayme Benvenuto. O caráter expansivo dos direitos humanos na afirmação de sua
exigibilidade. In: PIOVESAN, Flávia. (Coord.) Direitos humanos, globalização econômica e
integração regional: desafios do Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad,
2002. p. 651-667; p. 665. Oportuna a lição de Regina Maria Macedo Nery Ferrari, que não admite
que sob o argumento da impossibilidade de realizá-lo por questões financeiras, materiais ou
políticas, o comando constitucional acabe destituído, completamente de eficácia. É o princípio do
razoável, da proporcionalidade que deve reger a sua observância e efetividade”. (FERRARI,
Regina Maria Macedo Nery. Normas constitucionais programáticas: normatividade, operatividade e
efetividade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 235).
256
a omissão dos demais Poderes, posto que é garante inafastável dos direitos
fundamentais do cidadão.
Reportando-se à “Constituição Parcial”, citada por Cass Sustein, bem observa
Ricardo Lobo Torres que:
Os direitos sociais e econômicos [...] usufruídos sob a reserva do
possível’, não encontram no Judiciário a sua garantia institucional
mais efetiva. hoje, em diversos países, a sensação de existência
de deficit de legitimidade do próprio processo jurisdicional, por sua
incapacidade para adjudicar direitos econômicos e sociais na
ausência de lei concessiva
650
.
Não alheio às usuais objeções lançadas aos direitos sociais, o Comitê de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais lapidarmente declara que:
Com relação aos direitos econômicos, sociais e culturais se parte
com demasiada freqüência, lamentavelmente, da suposição inversa
relativa aos direitos civis e políticos em favor de sua justiciabilidade,
a qual sói fundar-se, entre outras razões, em que as questões
relativas aos primeiros supõem alocação de recursos, de modo que
são exclusivas das autoridades políticas e alheias aos tribunais.
Configura-se assim, por certo, uma distinção não justificada nem pelo
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais nem
pela natureza dos direitos que consagra
651
.
Os direitos sociais têm sido discriminados ou sonegados em virtude da
adoção não ponderada, da cláusula da reserva econômica.
Em sede de direitos sociais, é extreme de dúvidas que um grande déficit
de exegese que impede a sua correta aplicação, em prejuízo à justiciabilidade a
desses direitos fundamentais. O não desenvolvimento de uma hermenêutica judicial
adequada aos direitos fundamentais, que por certo requer uma interpretação
principiológica, tem postergado a proteção jurisdicional dos direitos sociais.
650
TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: TORRES, Ricardo
Lobo (Org.). Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 243-342; p.
326-327.
651
Observação Geral n 9, § 10, do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível
em: <http://www2.ohchr.org/english/bodies/cescr/comments.htm.>. Acesso em: 25 ago. 2007.
(Tradução livre).
257
6.4 CONSEQÜÊNCIAS DO DÉFICIT
Considerados os direitos sociais em sua dimensão objetiva e conformadora
da ordem jurídico-constitucional, verifica-se que se encontra plenamente prestigiado
o sistema de proteção relativo à sua justiciabilidade objetiva.
Nota-se a tendência do legislador constitucional, por meio de Emendas, ou
por delegação ao legislador ordinário, ao aperfeiçoamento do sistema jurisdicional
para a defesa da ordem objetiva, instituindo eficientes mecanismos de controle de
constitucionalidade, coroando o sistema com a inserção da argüição de
descumprimento de preceito fundamental. Verifica-se que mecanismos de
controle suficientes para sindicar a constitucionalidade de todos os atos do Poder
Público. Aliás, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, ações
em sobejo, como a ação declaratória de constitucionalidade, cuja previsão é de
duvidosa necessidade.
O mesmo não se pode dizer com relação à justiciabilidade subjetiva dos
direitos sociais, considerados em sua dimensão subjetiva, pois o sistema
jurisdicional de proteção da defesa da ordem jurídico-constitucional subjetiva
encontra-se deficitário. Ocasionam déficit de justiciabilidade subjetiva dos direitos
sociais, como exposto, a ineficácia das garantias constitucionais do cidadão, a
inadequação do processo constitucional, a sua incorreta exegese, sobretudo a
judicial não concretizante e a autocontenção de jurisdição constitucional, sobretudo
em sede de políticas públicas, fundada na ausência (suposta) de legitimidade.
Criticando a postura daqueles que negam a justiciabilidade dos direitos
sociais, Rolando E. Gialdino observa que:
No parece necesario subrayar la trascendencia de este modo de
pensar, que dejaría inerme a los individuos frente al quebrantamiento
de buena parte de los derechos humanos que los Estado se
comprometieron a respetar, por cuanto mutilaría gravemente la
demanda de protecíon nada menos que ante los órganos
judiciales.
652
Resulta, em última instância, na negativa de sua própria juridicidade, pois a
“negação de qualquer tipo de obrigação a ser cumprida na base dos Direitos
652
GIALDINO, Rolando E. Los derechos económicos, sociales y culturales. Su respeto, protección y
realización em el plano internacional, regional y nacional, p. 372.
258
Fundamentais Sociais tem como conseqüência a renúncia de reconhecê-los como
verdadeiros ‘direitos’”
653
.
A conseqüência do déficit (do reconhecimento) da justiciabilidade subjetiva
dos direitos sociais, no âmbito do Judiciário, é a deficiência no sistema de proteção
que corresponde, ao final, à denegação da tutela jurisdicional dos direitos subjetivos
sociais cuja existência fica ‘condenada’ ao plano da mera positivação. Denega-se,
enfim, a justiça e torna vão todo o esforço histórico-constitucional de sua conquista e
positivação. Denega-se, enfim, a justiça.
6.5 CORREÇÃO DO DÉFICIT
6.5.1 Quanto à Ação: Criação ou Adequação das Ações de Garantia dos
Direitos Sociais
Há de se ter em vista que, sob pena de negativa da própria natureza especial
do direito que visa garantir, o instrumento que garante um direito fundamental deve
ostentar status fundamental, apto a preservar a supremacia e a justiciabilidade
especial do direito fundamental.
Dos mecanismos vocacionados à proteção dos direitos subjetivos sociais,
se destacaram aqueles que, teoricamente, se mostram em melhor posição para
conferir a sua proteção em dimensão individual/coletiva: o mandado de segurança e
o mandado de injunção e em sua dimensão transindividual: a ação popular, ação
civil pública e a argüição de descumprimento de preceito fundamental.
A idoneidade técnica argüição de descumprimento de preceito fundamental
foi reconhecida pelo STF. Embora de utilização incipiente em sede controle de
políticas, mostra-se como relevante instrumento contexto da mediação jurisdicional
na implementação dos direitos sociais por viabilizar a apreciação judicial das
políticas blicas, propiciando soluções constitucionais concretas de amplo alcance
e prevenindo a multiplicidade de litígios individuais que da sua
ausência/inadequação decorreriam. Impende agora prestigiar o seu uso e
potencializar a sua função operatória para esse fim. A sua potencialização também
depende da ação de cidadania do próprio interessado – em sede de políticas
653
KRELL, Andreas Joachim, Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha, p. 23.
259
públicas todo brasileiro é - mediante representação ao Procurador-Geral da
República
654
.
Quanto à ação civil pública, há de se insistir em sua relevância, pois a ação é
tecnicamente apta e constitui relevante instrumento, sobretudo em mãos do
Ministério Público, Federal e Estadual, para o controle de políticas públicas e para a
consolidação dos direitos sociais no Brasil. Como diz Fábio K. Comparato
655
, o
Ministério Público é o ‘ministério do povo’ e, embora não seja a sua vocação incial
ação civil pública, ela tem sido utilizada com mais sucesso para a defesa de direito
subjetivo social individual
656
do que na dimensão transindividual, por certo em face
da ausência de outro mecanismo, instituído para o cidadão. Em sede de direitos
sociais, a sua eficácia apenas depende da eficiência dos seus legitimados,
sobretudo do MP.
Quanto ao mandado de injunção, somente com a sua correção pragmática
pelo Judiciário, orientada pela teleologia que o idealizou, os direitos sociais não
regulamentados podem alcançar a sua plena exeqüibilidade e o instituto poderá
cumprir o seu papel garantista dos direitos sociais, e de resto, de qualquer dos
direitos fundamentais que se inserem em seu objeto. Ademais, há de se
regulamentar o mandado de injunção em função de sua teleologia para que seja
apto à tutela dos direitos fundamentais.
Quanto ao mandado de segurança, embora seja um remédio heróico residual
utilizado para a defesa de todas as categorias de direitos fundamentais não
especialmente protegidas, necessita de reformulações em sua processualística
quando veicular direitos fundamentais sociais. Estes, por comando constitucional,
encontram-se inegavelmente em uma categoria mais recente e diferenciada dos
654
Art. 2º, § 1º, da Lei n. 9.882/99.
655
COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na defesa dos direitos econômicos, sociais e
culturais. In: CUNHA, Sérgio Sérvulo. (Org.). Estudos de Direito Constitucional em homenagem a
José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 244-260; p. 260.
656
Cf. LOPES, José Reinaldo de Lima. Direitos sociais: teoria e prática. São Paulo: Método, 2007. p.
255-256. Aduz o autor: “O levantamento dos casos mostrou justamente que os tribunais ficam à
vontade para julgar o caso a favor de um indivíduo, mas não ficam à vontade para obrigar à
revisão das políticas gerais. Nestes termos, as ações civis públicas tendem a ter mais sucesso
quando propostas para defender interesses divisíveis e singulares do que quando propostas para
defender ‘interesses difusos’. Levando às últimas conseqüências: as ações civis públicas
funcionaram melhor quando usadas fora de seu propósito do que quando utilizadas para os fins
que alimentaram o ideário de sua criação, pelo menos quando analisamos os casos de saúde e
educação tratados como direitos sociais. Em geral, as ações funcionaram melhor quando se
converteu seu pedido em defesa de direito fundamental individual, ou da fruição individual de um
direito social”. (Idem, Ibidem, p. 256).
260
demais direitos fundamentais, a justificar a previsão de garantias sincronizadas com
o tipo de tutela que tais direitos postulam.
Diante da inexistência de garantia específica, a proposta é que se a este
instrumento-garantia constitucional contornos adequados ao direito a que visa
proteger, pois não obstante positivados os direitos sociais, não se lhes outorgou,
com igual magnitude, garantias específicas - ou aptas - para a sua proteção e
efetivação. O impetrante deve receber tratamento processual condigno com a sua
situação o apenas de sujeito processual ativo, mas de titular de um direito
fundamental, de supremacia normativo-axiológica, que reclama imediata proteção.
Ademais, em sede de direitos fundamentais, não se podem conceder vantagens
processuais ao Poder Público, mormente quando a ele se imputa a violação de tais
direitos.
Não é novo o reclamo doutrinário não somente acerca do aperfeiçoamento do
instituto dentro da processualística existente, mas da criação de uma categoria
especial denominada ‘mandado de segurança social’ ou ‘amparo social’, de
titularidade individual ou coletiva, a fim de permitir a proteção adequada dos direitos
sociais.
Embora alguns avanços possam ter ocorrido, a tendência do legislador
ordinário é privilegiar o Estado, cuja atuação abusiva e ilegal procura-se coibir na
ação, demonstrando um ranço da posição (superada) de supremacia de que aquele
sempre desfrutou em face do particular, inclusive em sede processual.
Atento à questão Jayme Benvenuto Lima Junior ressalta que,
[...] a criação de leis favoráveis ao gozo dos direitos humanos
econômicos, sociais e culturais é um dos passos a serem dados.
Entre as possibilidades considero importante que sejam
vislumbrados mecanismos processuais (inclusive com ‘status
constitucional’ destinados a garantir especificamente os direitos
humanos econômicos, sociais e culturais
657
.
657
LIMA JUNIOR, Jayme Benvenuto. O caráter expansivo dos direitos humanos na afirmação de sua
exigibilidade. In: PIOVESAN, Flávia. (Coord.) Direitos humanos, globalização econômica e
integração regional: desafios do Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad,
2002. p. 651-667; p. 661. Nesse sentido, o mesmo autor em: LIMA NIOR. Jayme Benvenuto.
Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 88.
261
A impossibilidade conceitual de tornar justiciáveis os direitos sociais diante da
deficiência dos seus mecanismos de proteção no ordenamento jurídico brasileiro não
impede que se proceda à adequação ou à criação de instrumentos adequados
658
.
Os instrumentos da democracia clássica, para a proteção dos direitos
fundamentais, devem ser afinados com a vigente democracia social, que está a
requerer ampla abertura jurisdicional para a proteção dos direitos sociais.
Por isso, inteira razão assiste ao processualista Luiz Guilherme Marinoni ao
sustentar que, para o estabelecimento de formas de tutela jurisdicional, “é preciso
partir dos direitos, passar pelas suas necessidades, para então encontrar as formas
capazes de atendê-las”
659
.
O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ao explicitar o Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) consagra
expressamente a justiciabilidade dos direitos sociais neles constantes ao decretar,
definitivamente, que quando um direito reconhecido no PIDESC não se pode exercer
plenamente sem uma intervenção do poder judicial, é necessário estabelecer
recursos judiciais
660
.
Víctor Bazán esclarece a respeito que:
Se impone la necesidad de fortalecer los mecanismos internos de
exigbilidad y justiciabilidad de los DESC, como paso prévio a la
articulación de los resortes internacionales, dado que la jurisdición
internacional es complementaria o coadyuvante de la nacional
661
.
Na Declaração de Quito (1998) assentou-se a seguinte exigência aos
Estados:
Que garantam que, no marco das reformas constitucionais, os DESC
ostentem categoria constitucional e gozem de mecanismos
658
Cf. ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian, op. cit, p. 46.
659
MARINONI, Luiz Guilherme. Da ação abstrata e uniforme à ação adequada à tutela dos direitos.
In: FUX, Luiz et al. (Coord.). Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José
Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 838-869; p. 847.
660
Observação Geral n 9, § 9º, do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em:
<http://www2.ohchr.org/english/bodies/cescr/comments.htm.>. Acesso em: 25 ago. 2007.
(Tradução livre).
661
BAZÁN, Victor. Hacia la exgibilidad de los derechos econômicos, sociales y culturales en los
marcos interno argentino e interamericano. Revista Brasileira de Direito Constitucional, Revista do
Programa de Pós-Graduação ‘Lato Sensu em Direito Constitucional. Escola Superior de Direito
Constitucional. A contemporaneidade dos direitos fundamentais, São Paulo, n. 4, jul./dez. 2004, p.
323-349; p. 343.
262
específicos e adequados de proteção jurídica que assegure sua
exigibilidade e justiciabilidade ante os tribunais.
662
Deve-se caminhar para o desenvolvimento de mecanismos, aptos à tutela
protetiva de direitos da magnitude dos direitos sociais, com diretivas processuais e
procedimentais afinadas com a natureza do direito tutelado. Para o cumprimento de
suas obrigações, mormente as internacionais, ao Estado brasileiro incumbe
disponibilizar ao cidadão tais mecanismos, de real função garantista, que prestigiem
a justiciabilidade dos direitos sociais para viabilizar a sua tutela jurisdicional. Direito
que não se possa validamente proteger, não é direito algum.
6.5.2 Quanto ao Processo: Sistematização do Processo Constitucional e
Aperfeiçoamento das Técnicas Processuais
A justiciabilidade subjetiva pode estar assegurada diante da adequação e
idoneidade técnica da garantia para a tutela efetiva ao direito ameaçado ou violado.
Diante do quadro atual das garantias constitucionais, impõe-se o desenvolvimento
de técnicas adequadas à tutela dessa categoria de direitos, em sua dimensão
individual, o que não impede a adequação instrumental das garantias já existentes.
Quanto às técnicas processuais, que devem ser afinadas com a racionalidade
dos direitos fundamentais, sustenta Ingo Wolfgang Sarlet que, em sede de proteção
dos direitos fundamentais, deve-se “tomar a sério o poder-dever do Juiz da
adequada interpretação e formatação do processo e dos procedimentos, assim
como das técnicas processuais de tutela dos direitos”
663
.
Em sede de proteção dos direitos sociais, Victor Abramovich e Christian
Courtis
664
põem em relevo a necessidade de um regime processual firmado em
princípios jurídicos, mas que também se afine com a noção de justiça distributiva e
não da justiça comutativa que parece reger os procedimentos ordinários
665
.
662
Disponível em: http://www.faders.rs.gov.br/legislacao/novos/declara%E7%E3o_quito.htm. Acesso
em: 12 jun. 2008.
663
SARLET, Ingo Wolfgang, A eficácia dos direitos fundamentais, p. 229.
664
ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian, op. cit, p. 254.
665
A maior complexidade em sede dos direitos sociais, como observa José Reinaldo de Lima Lopes,
ainda não debatida na doutrina nacional, e foi frutificada no debate norte-americano, que é a
questão da natureza multilateral ou policêntrica dos conflitos, que envolve a disputa por um bem
público e que não comporta a adjudicação tradicional típica dos conflitos bilaterais. Desse modo,
entende que há limites na decisão judicial que envolve políticas públicas, ditados pela natureza do
263
A fundamentalidade desses direitos exige uma proteção especial, que pode
incluir a facilitação do acesso à justiça constitucional de pula, ainda que recursal.
No âmbito da proteção difusa dos direitos sociais, deve-se proceder ao
aperfeiçoamento do sistema recursal em sede de direitos fundamentais, para se
franquear amplo acesso do cidadão à Corte Suprema, que somente se dá via
recurso extraordinário, dispensando o requisito da demonstração de repercussão
geral
666
, na hipótese de violação de direitos fundamentais. Toda violação a direitos
fundamentais ocasionada pela atividade estatal, ainda que não ultrapasse os lindes
intersubjetivos, de ser presumidamente caracterizada como questão de
repercussão geral. Aliás, em sede de violação de direitos humanos a questão
enseja, mais que geral, repercussão internacional, até mesmo se pode reafirmar a
visão kantiana de que a violação de um direito humano praticada em um ponto da
terra é por todos sentida.
O processo deve se transformar em instrumento de democratização. A própria
garantia de acesso à jurisdição é, por si só, um direito fundamental que visa
resguardar a efetividade dos demais direitos. Se os direitos fundamentais m
imediata aplicabilidade, quando violados, devem ensejar a jurisdição de urgência,
por meio de mecanismos eficientes, para sua imediata e efetiva satisfação. Ademais,
a lei ordinária que regula uma ação-garantia constitucional além de primar por um
processo célere e eficaz, deve pautar-se em função da concretização teleológica do
instituto.
Quanto ao mandado de injunção, além da correta compreensão do seu papel
no sistema jurisdicional de proteção dos direitos fundamentais, há de se desenvolver
regulamentação específica, segundo a sua proposta teleológica.
Quanto ao mandado de segurança, podem se inserir as seguintes
peculiaridades processuais: a) inexigibilidade da comprovação de plano dos
requisitos da certeza e liquidez em sede de direitos sociais de prestação
indeterminada, para que não se torne inoperante a sua justiciabilidade, mediante
expressa indicação na petição inicial do direito social violado, com menção ao
processo e do bem, e não pelos fatores empíricos (cultura dos juízes ou disponibilidade de
recursos). Nesse contexto, à luz da experiência norte-americana, o jurista aponta para a
inadequação da adjudicação tradicional, típica de conflitos bilaterais, em sede de resolução de
conflitos distributivos (pluraterais), que envolvem a disputa de um bem público. (LOPES, José
Reinaldo de Lima. Direitos sociais e justiça: a experiência norte-americana. Revista da Faculdade
de Direito (Universidade de São Paulo), São Paulo, v. 92, 1997, p. 201-227; p. 203-207).
666
Nos termos da Lei n. 11.418/2006.
264
dispositivo da Constituição ou do princípio de que decorre, com menção a estes ou
ao tratado em que se fundamenta; b) concessão automática de liminar em sede de
mandado de segurança (social), quando existente a prova pré-constituída do direito
alegado, ademais em sede de direitos fundamentais periculum in mora deve ser
presumido; c) não incidência de causas decadenciais da pretensão para a sua
permanente exigibilidade em sede de mandado de segurança (social), visto que,
enquanto não se implementam os direitos sociais, há violação contínua por parte do
Estado.
Na dimensão processual, a racionalidade dos direitos fundamentais, ou seja,
a sua normatividade, a sua principiologia e a sua supremacia, orientam a formulação
de regras do processo vocacionado à sua concreção
667
.
Atentando para a relevância funcional do processo, C. A. Álvaro de Oliveira
aduz,
[...] se o processo, na sua condição de autêntica ferramenta de
natureza pública indispensável para a realização da justiça e da
pacificação social, não pode ser compreendido como mera técnica
mas, sim como instrumento de realização de valores e especialmente
de valores constitucionais, impõe-se considerá-lo como direito
constitucional aplicado. Nos dias atuais, cresce em significado a
importância dessa concepção, se atentarmos para a íntima
conexidade entre a jurisdição e o instrumento processual na
aplicação e na proteção dos direitos e garantias assegurados na
Constituição
668
.
A justiciabilidade dos direitos sociais impõe tal desafio e, diante da imposição,
adverte corretamente Jayme Benvenuto Lima Junior
669
:
Superar idéias limitadas significa também que a maior dificuldade de
realização dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais – em
função das crises econômicas, dos poucos mecanismos de validação
667
Nesse sentido, conforme C. A. Álvaro de Oliveira, três as diretivas devem orientar o processo: a) a
normatividade do direito fundamental, norteadora da regulação legislativa do processo, do
regramento da conduta das partes, do órgão judicial no processo e na determinação do conteúdo
da decisão; b) a supremacia do direito fundamental, pois “não são os direitos fundamentais que se
movem no âmbito da lei, mas a lei que deve mover-se no âmbito dos direitos fundamentais” (Jorge
Miranda) e c) o caráter principiológico dos direitos fundamentais, a iluminar regras existentes,
norteando a formulação de outras para solucionar questões processuais concretas. (OLIVEIRA, C.
A. Álvaro de. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. In: SARLET, Ingo
Wolfgang (Org.). Jurisdição e direitos fundamentais: anuário 2004/2005. Escola Superior da
Magistratura do Rio Grande do Sul (AJURIS). Porto Alegre: Escola Superior da
Magistratura/Livraria do Advogado, 2006.v. 1, t. 2, p. 251-263; p. 255).
668
OLIVEIRA, C. A. Álvaro de, op. cit, p. 252.
669
LIMA JUNIOR, Jayme Benvenuto, op. cit, p. 659.
265
em nível nacional e internacional, dos processos de globalização etc.
não deve constituir elemento inibidor à sua realização, mas antes,
um desafio a ser superado.
Mostra-se imperativo o aperfeiçoamento do sistema processual de proteção
dos direitos fundamentais sociais, mediante a instituição de mecanismos próprios
com técnicas procedimentais capazes de outorgar a tutela jurisdicional que esses
direitos reclamam, em consagração à sua plena justiciabilidade. Enquanto se
desenvolve tal compreensão, revela-se mandatória a alteração da processualística
dos direitos fundamentais a fim de conferir-lhe sistematização, a ser regida por
princípios próprios, visando ao aperfeiçoamento da proteção dessa categoria (mal
protegida) de direitos fundamentais. O desafio demandará dos operadores do Direito
ingente esforço, mas por certo inadiável.
6.5.3 Quanto à Jurisdição
6.5.3.1 Reestruturação orgânica e funcional da justiça constitucional: criação
do tribunal constitucional
Quanto à dimensão orgânica, de se ressaltar que, especialmente após a
Segunda Guerra Mundial, houve a multiplicação de Tribunais Constitucionais (ad
hoc), cuja conveniência de implantação atualmente se põe em pauta no Brasil por
segmentos mais abalizados do ambiente jurídico. Discute-se, especialmente nestes
tempos de ‘crise de legitimidade’, o grau de legitimação de um Poder não eleito
Judiciário – para controlar as decisões de um Poder democraticamente eleito.
Não por outra razão sustenta Lenio Luiz Streck, louvando-se em Vital Moreira,
que a existência de um Tribunal desses moldes, parece ostentar o requisito de
“legitimação e de credibilidade política dos regimes constitucionais democráticos”
670
.
O abalo da legitimidade do Judiciário pode ser fruto de lacuna institucional
como a denomina Willis Santiago Guerra Filho
671
:
670
STRECK Lenio Luiz, Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito, p. 103.
671
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 4. ed . rev. e
atual. São Paulo: RCS, 2005. p. 12.
266
também uma grande lacuna institucional, a inibir semelhante
desenvolvimento, que é a ausência de uma ‘justiça constitucional’
propriamente dita, nos moldes daquelas que, como nos países da
Europa [...] desincumbem-se a contento da tarefa, absolutamente
indispensável que lhes está reservada, uma vez investidas na
jurisdição constitucional.
A necessidade de especialização da justiça constitucional é observada por
Norbert Lösing que sustenta que,
[...] a una controversia constitucional ante un cuerpo jurisdiccional
especializado regularmente se le presta más atención que en un
sistema de control constitucional difuso [...] aún cuando exista um
sistema concentrado, para el cual es competente la Corte Suprema
[...] Los jueces no se sienten frecuentemente como jueces
constitucionales [...] Por regla general tienen poco tiempo, para tomar
parcialmente decisiones importantes. El caso se queda entre los
‘negocios cotidianos’
672
.
Por esta e outras igualmente relevantes razões, discute-se atualmente a
missão de um tribunal constitucional e se tem defendido, inclusive pelos integrantes
da magistratura, que a jurisdição constitucional deve ser exercida por órgão
destacado.
Airton Mozart Valadares Pires, presidente da Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB), defende a transformação do Supremo Tribunal Federal (STF) em
Corte Constitucional exclusiva, proposta também formulada por Cezar Britto,
presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil.
O magistrado, que encaminha o debate para o Congresso Nacional e para a
sociedade brasileira, pronuncia-se:
Entendo que aquele colegiado, STF, deve tratar exclusivamente da
leitura e interpretação da Carta Política do País. O Supremo não
pode estar debruçado sobre questões menores ou demandas que
não interessem ao País, ou seja, deve se ocupar única e
exclusivamente com a interpretação da Carta Política, da
Constituição brasileira
673
.(01/02/2008)
Propõe-se um modelo de Corte que, na visão de Paulo Bonavides,
672
LÖSING, Norbert. La jurisdicionalidad constitucional en latinoamerica. Trad. Marcela Anzola Gil.
Madrid: Dykinson S.L, 2002. p. 342 e nota 8.
673
Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=visualiza_noticia&id_caderno=&id_
noticia=23587.Acesso em: 10 abr. 2008.
267
[...] fique fora e acima dos três Poderes clássicos da lição de
Montesquieu e inspirado grandemente no modelo das Cortes
constitucionais européias.[...] Na idade em que o Direito é mais a
legitimidade e o princípio mais do que a regra, mais a
constitucionalidade e o direito fundamental que a legalidade e o
código, a dimensão principiológica de imperar nas Cortes
Constitucionais qual quinta-essência do Estado de Direito, como
proposta que legitime, nos países da periferia, os substratos
valorativos da democracia participativa
674
.
Por idênticas razões, o jurista Marcelo Figueiredo
675
, quando da recém
promulgada Constituição Federal de 1988, declarava ser “[...] medida
imprescindível à criação de uma Corte Constitucional, especializada no trato desta
seara do Direito”. De fato, na atualidade, a jurisdição constitucional exercida por uma
corte especializada deve integrar a própria concepção de Estado Democrático de
Direito, ou melhor, condição “de credibilidade de qualquer regime constitucional
democrático”
676
.
Em função da criação do Superior Tribunal de Justiça, a relevante e -
precípua - missão de Corte Constitucional do Supremo Tribunal Federal é posta em
relevo por Luís Roberto Barroso
677
.
Uma Corte Suprema não deve, todavia, ser somente a guardiã das
instituições, mas também a Corte dos direitos fundamentais. No modelo e cultura
vigentes no sistema judiciário brasileiro, firma-se a postura da imunização das
questões políticas do controle judicial que se mostra prejudicial à proteção dos
direitos sociais, posto que eles se encontram intrinsecamente ligados ao contexto
das políticas públicas para a sua concreção.
De qualquer modo, não se pode adotar uma postura de mitificação e da
ingênua visão de que a implantação, por si só, de um tribunal constitucional
representará a solução para todas as questões, sobretudo da concretização dos
direitos fundamentais sociais, dependentes que são da atuação das diversas
674
BONAVIDES, Paulo, Jurisdição constitucional e legitimidade: algumas observações sobre o Brasil.
Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-014200400020000
7&lng=pt&nrm=iso)>. Acesso em: 12 mar. 2007. Uma das apontadas virtudes dos Tribunais
Constitucionais é a doutrina das questões políticas, pois como oportunamente lembra Sérgio
Fernando Moro, estas “juntamente com outros instrumentos, permitem aos juízes definir se,
quando e como deveriam decidir casos constitucionais”. (MORO, Sergio Fernando. Jurisdição
constitucional como democracia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 67).
675
FIGUEIREDO, Marcelo. O mandado de injunção e a inconstitucionalidade por omissão. 1989.
Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica, São Paulo. p. 11.
676
TAVARES, André Ramos. Tribunal e jurisdição constitucional.o Paulo: IBDC, 1998. p. 15.
677
BARROSO, Luís Roberto, O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e
possibilidades da Constituição brasileira, p. 300.
268
instâncias estatais. Todavia, se no Brasil o modelo vigente de justiça constitucional é
(ou diz-se ser) inapto para controlar políticas públicas e mediar a implementação do
Estado Social, urge repensar um novo modelo.
Formular, teoricamente, um modelo de tribunal constitucional a partir de
paradigmas de excelência existentes, mas com perfil adequado à realidade
brasileira, o que pode ensejar nova estrutura, novas funções e novas competências.
Não se pode descurar, todavia, que “dentro dos estritos limites da clássica divisão de
Montesquieu, não haveria lugar para um tribunal constitucional”, mesmo porque
“superou-se, em teoria, o dogma da tripartição dos poderes, amplamente revisto,
debatido e criticado”
678
.
Esse processo de reconstrução teórica de um novo modelo de justiça
constitucional mostra-se inadiável para o Brasil, para que seriamente que ele atinja
alto grau de maturidade democrático-constitucional.
Por isso André Ramos Tavares propõe um modelo de tribunal constitucional
‘catalisador das aspirações democráticas’, sobretudo diante da crise da democracia
e da própria Constituição
679
.
Nesse modelo, a proposta de governo deveria ser aprovada como ‘lei
constitucional’ previamente controlada pelo tribunal constitucional para verificar
limites materiais administrativos, fiscais e orçamentários e normas programáticas em
geral
680
.
Desse modo, ou se procede à alteração substancial do modelo de jurisdição
constitucional, com a transformação, na prática, do Supremo Tribunal Federal em
Corte Constitucional, cujo ideal é posto como fundamento da instituição da
678
TAVARES, André Ramos. Teoria da justiça constitucional. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 173-174.
679
Idem, ibidem, p. 557. Segundo Luis Nunes de Almeida, “[...] o que importa fundamentalmente
assegurar não é o equilíbrio entre este e aquele bloco político-partidário [...]. O que importa é que
haja equilíbrio entre os que defendem, sobretudo, a liberdade e os que propendem mais para a
autoridade; entre os que acentuam mais a autoridade; entre os que acentuam mais a necessidade
de garantir os direitos dos cidadãos e os que atribuem maior importância à salvaguarda das
instituições; entre os que pendem para as prerrogativas do Parlamento e os que simpatizam com o
reforço dos poderes do Executivo; entre os que vêem a realização da justiça social do
reconhecimento de direitos e aqueles que a vêem sobretudo realizada através de formas
assistenciais; entre os que se preocupam com a redistribuição da riqueza e os que dão maior
ênfase à produção; entre os que têm uma formação laica e os que têm uma formação
confessional. Não é, pois, entre partidos, mas entre estas sensibilidades que tem necessariamente
que haver um equilíbrio no Tribunal Constitucional, e nisto, e nisto, de consistir a sua
politização”. (Luis Nunes de Almeida apud BONAVIDES, Paulo, Jurisdição constitucional e
legitimidade: algumas observações sobre o Brasil. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-014200400020000 7&lng=pt&nr)>.
Acesso em: 12 mar. 2007).
680
TAVARES, André Ramos, op. cit., p. 562.
269
repercussão geral no recurso extraordinário, ou se procede à institucionalização de
uma Corte Constitucional, nos moldes das Cortes Européias, fora dos quadros do
Poder Judiciário ou a partir de um modelo desenvolvido para própria realidade
brasileira, com expressa competência jurídico-política.
Propondo um modelo de justiça constitucional que viabilize a instauração de
um contencioso constitucional, José Alfredo de Oliveira Baracho recomenda:
Para que não ocorra a desvalorização normativa da Constituição,
nem seja a interpretação da lei mera operação passiva e lógica, nem
objetiva e ideologicamente indiferente, é necessário refletir que a
criação da jurisdição constitucional leva à implantação dialética do
direito constitucional, como um conjunto de imperativos jurídicos
681
.
A propósito das funções do tribunal constitucional, mas que desde já pode ser
transportada para nossa realidade constitucional, oportuna a concepção do
constitucionalista Luis Nunes de Almeida:
de se estabelecer um correto ‘desenho técnico’ de justiça que, para Pablo
Perez Tremps
682
, requer procedimentos ágeis, sem dilações e adequados à tutela
dos direitos e situações jurídicas do cidadão, sobretudo em face da Administração e,
por fim, a dignificação da própria jurisdição constitucional, mediante a legitimação e
o preparo técnico dos que a exercem.
É imperativo concluir, todavia, que da eficiente configuração da justiça
constitucional, dependem a estabilidade política e jurídica e a preservação do
Estado Democrático de Direito. E independentemente do modelo de jurisdição, o
grau de implementação da democracia social sempre será diretamente proporcional
ao grau de desenvolvimento dos direitos sociais e do reconhecimento de sua
justiciabilidade.
Sabiamente sustenta Mauro Cappelletti que já se demonstrou que “mesmo no
melhor dos mundos possíveis, a liderança legislativa e executiva, embora
tradicionalmente considerada ‘diretamente responsável perante o povo’, nunca
681
BARACHO, Jo Alfredo de Oliveira. Teoria geral da cidadania: a plenitude da cidadania e as
garantias constitucionais e processuais. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 66.
682
PEREZ TREMPS, Pablo. La justicia constitucional em la actualidad: especial referencia a América
Latina. Revista Brasileira de Direito Constitucional, Revista do Programa de s-Graduação ‘Lato
Sensu’ em Direito Constitucional. Escola Superior de Direito Constitucional. A justiça
Constitucional, São Paulo, n. l, jan./jun. 2003, p. 29-39; p. 38-39.
270
constitui, diferentemente do judiciário, perfeito paradigma de democracia
representativa”
683
.
E, enquanto transcorre o debate político versus jurídico clamam, inauditos, os
direitos sociais pela sua concretização.
6.5.3.2 Reconhecimento da legitimidade democrático-constitucional do Poder
Judiciário: releitura do princípio da separação dos poderes (e novos deveres)
no Estado Social
A discussão, acerca das possibilidades e limites da legitimidade do Judiciário
para controlar atos praticados pelos outros Poderes Políticos, põe-se diante da
concepção tradicional do princípio da separação dos poderes e da atual
compreensão da implantação do Estado Democrático de Direito. A direção de tal
discussão também se orienta pelo posicionamento que se adote com relação à
própria concepção que se tenha de Constituição. Duas correntes alinham-se de
modo contundente, com relação a essa concepção: a procedimentalista e a
substancialista. Para a concepção procedimentalista, capitaneada por Jürgen
Habermas
684
, a Constituição apenas regula procedimentos políticos e cabendo à
jurisdição constitucional apenas garantir o jogo democrático, cuja atuação resta
sobremodo restrita e sem legitimidade democrática para controle da validade de leis
ou para impor condutas ao Executivo. A substancialista, que tem entre seus adeptos
mais ilustres Mauro Cappelletti, reconhece o papel diretivo da Constituição e o amplo
protagonismo da jurisdição constitucional na efetivação dos direitos fundamentais
685
.
Diante do modelo substancialista, reputado aqui como o mais consentâneo
com o papel de uma Constituição em um Estado Democrático de Direito, o princípio
da separação de poderes resta reconfigurado.
Segundo a postura substancialista de Lenio Luiz Streck:
A jurisdição constitucional é, portanto - e a lição é de Binenbojm -,
uma instância de poder contramajoritário, no sentido de que sua
683
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris, 1999. p. 94.
684
Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. v. I. Trad. Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 326.
685
Nesse sentido: STRECK Lenio Luiz, Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do
Direito, p.163.
271
função é mesmo a de anular determinados atos votados e aprovados
majoritariamente, por representantes eleitos. [...] os princípios e
direitos fundamentais constitucionalmente assegurados são, em
verdade, condições estruturantes e essenciais ao bom
funcionamento do próprio regime democrático; assim, quando a
justiça constitucional anula leis ofensivas a tais princípios ou direitos,
sua intervenção se dá a favor e não contra a democracia
686
.
No mesmo sentido, posiciona-se Clèmerson M. Clève
E no que diz respeito à legitimidade democrática, importa deixar claro
que o Judiciário atua, de certa maneira, como um poder contra-
majoritário em defesa dos direitos das minorias. De outro ângulo, o
devido processo legal, a motivação e recorribilidade das decisões, a
publicidade de suas manifestações e a vinculação à Constituição
parecem constituir meios distintos de atribuição de legitimidade à
esfera de atuação do Judiciário
687
.
Quanto à suposta ofensa ao princípio majoritário, André Ramos Tavares, ao
defender uma ‘democracia e representatividade para além das urnas’, traz a precisa
lição de Beaney Mason acerca dos atos legislativos, mas aplicável aos jurisdicionais,
segundo a qual afirma-se que “não é elevar a Corte além da legislatura, mas antes
fazer ‘o poder do povo superior a ambas’”
688
.
Para Andreas J. Krell
689
, na questão da separação de poderes, impõe-se à
doutrina e ao Judiciário “a necessária atualização e re-interpretação de velhos
dogmas do constitucionalismo clássico”, pois
[...] o vetusto princípio da Separação de Poderes, idealizado por
Montesquieu no século XVIII, está produzindo, com sua grande força
simbólica, um ‘efeito paralisante’ às reivindicações de cunho social e
precisa ser submetido a uma nova leitura, para poder continuar
686
STRECK Lenio Luiz, op. cit., p. 297.
687
CLÈVE, Clèmerson Merlin. O desafio da efetividade dos direitos fundamentais sociais. Revista da
Academia Brasileira de Direito Constitucional. Anais do IV Simpósio Nacional de Direito
Constitucional, Curitiba, n. 3, 2003, p. 291-300; p. 299.
688
TAVARES, André Ramos, op. cit, p. 498-511. Discorrendo sobre as várias formas de legitimidade
do Tribunal Constitucional, o autor aponta para os seguintes fundamentos, alguns dos quais se
pode identificar atualmente com relação no Supremo Tribunal Federal: legitimidade pela
representação da vontade popular expressa na Constituição (a protege e a promove),
“legitimidade democrática indireta” (designação política dos integrantes), “legitimidade técnica pela
composição” (critério técnico), legitimidade por uma democracia real” (proteção das minorias),
“legitimidade material” (assegura as decisões materiais da sociedade). O Supremo Tribunal
Federal carece, todavia, da legitimidade pela latitude de acesso”, visto que o cidadão não possui
acesso amplo, pois ele se via indireta, mediante recurso extraordinário ou argüição incidental
de descumprimento de preceito fundamental.
689
KRELL, Andreas Joachim, Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os
des(caminhos) de um Direito Constitucional ‘comparado’, p. 91
272
servindo ao seu escopo original de garantir Direitos Fundamentais
contra o arbítrio e, hoje também, a omissão estatal
690
.
Ademais, a legitimidade da maioria atual, que amanhã pode se converter em
minoria, deve-se sopesar com a ‘autoridade do justo’, na precisa lição de Paul
Kirchhof
691
, por entender que os Tribunais decidem hoje e sua decisão deve
permanecer vigente e vinculante, no mínimo, durante todo o tempo de vigência da
norma constitucional.
Recomendando visão prospectiva na identificação dos limites e das
potencialidades do Poder Judiciário na concreção dos direitos sociais, Emerson
Garcia propõe o distanciamento “[...] dos dogmas sedimentados pelas clássicas
teorias de Locke e de Montesquieu, desenvolvidas sob a égide do liberalismo
692
.
Não se podem subverter os fins em prol dos meios. O homem constitui razão
e fim do Estado. O princípio da separação dos poderes deve estar posto em função
e em garantia de seus direitos fundamentais, que tem precedência sobre o princípio
majoritário e da separação dos poderes, visto que daqueles o sistema jurídico retira
a sua validade material. Não se pode admitir, portanto, que sejam tais princípios
postos como óbice à justiciabilidade dos direitos sociais.
Uma nova lógica deve presidir o raciocínio na interpretação e implementação
dos direitos sociais, sobretudo porque a argumentação pautada na ‘separação de
poderes’ “traz o perigo de inviabilizar políticas públicas, resguardando o manto da
discricionariedade administrativa, quando há o dever jurídico de ação”
693
.
Com bem assevera o jurista Paulo Bonavides, “A época constitucional em que
vivemos é a dos direitos fundamentais que sucede a época da separação de
690
KRELL, Andreas Joachim, op. cit., p. 88. Nesse sentido, Paulo Gilberto Cogo Leivas, para quem
os princípios democráticos e da separação dos poderes [...] não funcionam como obstáculos à
efetividade destes direitos em caso de omissão ou ação insuficiente, inadequada ou
desnecessária dos Poderes Legislativo e Executivo”. (LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos
Direitos Fundamentais Sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 95. Nesse sentido:
PORT, Otávio Henrique Martins. Os direitos sociais e econômicos: e a discricionariedade da
administração pública. São Paulo: RCS, 2005. p. 178).
691
KIRCHHOF, Pablo. Jurisprudencia constitucional. (Cap. 3). In: PEZ PINA, Antonio (Org.). La
garantia constitucional de los derechos fundamentales. Alemania, Espana, Francia e Itália:
Servicio de publicaciones de la Universidad Complutense/Civitas, p. 245-259; p. 253.
692
GARCIA, Emerson. Princípio da separação de poderes: os órgãos jurisdicionais e a concreção dos
direitos sociais. Revista Brasileira de Direito Constitucional, Revista do Programa de Pós-
Graduação ‘Lato Sensu’ em Direito Constitucional. Escola Superior de Direito Constitucional.
Princípios Constitucionais de Direito Privado. São Paulo, n. 5, jan./jun.2005, p.112-136; p. 115.
693
PIOVESAN, Flávia et al. A proteção internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais. In:
PIOVESAN, Flávia (Org.). Temas de direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003. p.
91-114; p. 113.
273
poderes”
694
, e o equilíbrio entre estes somente pode ser obtido com a supremacia da
Constituição e dos direitos fundamentais, legitimamente resguardados pelo
Judiciário
695
.
Onde se impõe a rigidez da fórmula tradicional da separação de poderes sem
espaço para controles recíprocos e para a atuação ampla aos magistrados haverá,
como bem observa Mauro Cappelletti, “um judiciário perigosamente débil e
confinado, em essência, aos conflitos ‘privados’”
696
.
Em suma, é inconsistente a objeção de ofensa à separação de poderes, pois
não se trata de usurpação ou ilegítima invasão de competência de outro Poder, mas
sim impor sua submissão à vontade suprema do povo expressa na Constituição. O
Judiciário não controla este ou aquele Poder e nem verifica se é ou o político o
ato. Simplesmente, o Judiciário verifica se o ato estatal viola ou não um preceito
constitucional.
Mediante a releitura dos princípios, pode-se sustentar que a legitimidade
democrática do Judiciário
697
corresponde inequivocamente à sua legitimidade
constitucional e justifica o controle das políticas públicas e o necessário ativismo em
sede de direitos sociais.
A legitimidade (e imposição) democrática do Judiciário, cujo fundamento o
se identifica com aquele referido aos demais Poderes, retira sua justificação no
poder-dever constitucional que lhe foi atribuído, em tríplice aspecto: a) dever de
implementação do Estado Social Democrático de Direito, b) dever de concretizar o
bem comum na Constituição expressado e c) dever de realizar a guarda da
Constituição e implementar os direitos fundamentais nela inscritos.
Quanto ao dever de implementação do Estado Social Democrático de Direito
(art. 1º da CF/88), as tarefas de implementação de um Estado Social o estão
somente cometidas ao Executivo e Legislativo. A justiça constitucional está, mais do
que qualquer Poder ou instituição estatal, irremissivelmente vocacionada à
694
BONAVIDES, Paulo. Jurisdição constitucional e legitimidade: algumas observações sobre o Brasil.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-4014200400020
0007&lng=pt&nrm=iso)>. Acesso em: 12 mar. 2007.
695
Cf. BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa: p. 21.
696
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? p. 196.
697
Para uma resposta à objeção da ilegitimidade democrática do Poder Judiciário para a
concretização dos direitos fundamentais sociais ver: MELLO, Cláudio Ari. Os direitos sociais e a
teoria discursiva do direito. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 224, abr./jun. 2001,
p. 239-284. Sobre limites da legitimidade ver: VIEIRA, Renato Stanziola. Jurisdição constitucional
brasileira e os limites de sua legitimidade democratica. 2006. Dissertação (Mestrado em Direito).
Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.
274
implementação dos valores supremos inscritos nos preceitos fundamentais da
Constituição, e que são “imprescindíveis à conformação da ordem jurídico-
constitucional de um Estado Democrático de Direito”
698
.
Dos valores que subjazem aos preceitos fundamentais, destaca-se, com
primazia, o da dignidade humana, cuja concreção é efetivada com maior expressão
pela implementação dos direitos sociais.
Como bem adverte, Lenio Luiz Streck
699
:
[...] no Estado Democrático de Direito, a justiça constitucional
assume um lugar de destaque (intervencionista, no sentido de - no
limite, isto é, na omissão do Poder Executivo e do Poder Legislativo,
e para evitar o solapamento da materialidade da Constituição
concretizar os direitos fundamentais-sociais).
Segundo a precisa lição de Cristina M. M. Queiroz
700
, em função da
passagem do Estado de Direito ao Estado Social de Direito, torna-se característica
central do sistema jurídico a atividade judicial e é no poder judicial que o direito
desenvolve a sua função de garantia da paz social.
O juiz, no Estado Social, atua como um “garantidor da estabilidade e da
dinâmica institucionais”, pois “os direitos sociais agregam ao Estado de Direito um
considerável aumento de complexidade” uma vez que “lidam com uma seletividade
inclusiva”
701
.
Pondo em relevo o protagonismo judicial, Clèmerson M. Clève também
pronuncia que o Direito no Estado Social “não sobrevive, não se aperfeiçoa, não
evolui nem se realiza sem o juiz’”
702
.
Com propriedade, José Reinaldo de Lima Lopes adverte que:
698
SAES, Wandimara P. S. A extensão e o conteúdo de preceito fundamental na argüição de
descumprimento, p. 334-335.
699
STRECK Lenio Luiz, Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito, p. 837.
700
QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais: teoria geral. Faculdade de Direito da
Universidade do Porto. Teses e monografias 4. Coimbra: Coimbra, 2002. p. 185. Nesse sentido, a
lição de Andreas J. Krell e de Clèmerson M. Clève, por ele citado. (KRELL, Andréas J. Controle
judicial dos serviços públicos básicos na base dos direitos fundamentais sociais. In: SARLET, Ingo
Wolfgang (Org.). A Constituição concretizada: construindo pontes com o público e o privado. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 25-60; p. 54-55).
701
Cf. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Os desafios do Judiciário: um enquadramento teórico. In:
FARIA, José Eduardo (Org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros,
2002. p. 30-51; p. 47. Nesse sentido, Luís Roberto Barroso entende que é a efetivação dos direitos
sociais é mais complexa das categorias. (BARROSO, Luís Roberto, O direito constitucional e a
efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira, p. 107).
702
CLÈVE, Clèmerson M. Poder judiciário: autonomia e justiça. Revista de Informação legislativa,
Brasília, n 117, jan./mar. 1993, p. 293-308; p. 304.
275
Como nunca, está em jogo perante o Poder Judiciário, a questão
fundamental da justiça distributiva no Brasil. [...]. Ao Judiciário
incumbe, pois, para desempenhar hoje seu papel histórico num
Estado democrático, dar-se conta do modelo de Estado, de
sociedade e de conflitos em que está imerso, escapar da ilusão
liberal mais simples de que sua missão se reduz à proteção da
propriedade privada e que as reformas sociais de que necessitamos
virão por si, sem a sua participação
703
.
O Judiciário deve ser, portanto, o ‘locus’ de afirmação de direitos, que
dignifique a racionalidade emancipatória dos direitos sociais e econômicos como
direitos humanos, nacional e internacionalmente garantidos”
704
.
Portanto, o protagonismo do Judiciário, na implementação do Estado de
Justiça Social, mais do que opção democrática, é dever constitucional.
Em se tratando do dever de concretizar o bem comum (art. da CF/88), na
teoria geral contemporânea do Estado, este, em sua acepção jurídica, constitui uma
“ordem jurídica soberana, que tem por finalidade o bem comum de um povo situado
em determinado território”
705
. Não diverge a moderna teoria geral do processo, ao
afirmar o bem comum como objetivo-síntese do Estado, a ser concretizado no
âmbito da jurisdição mediante a ‘pacificação com justiça’
706
.
O bem comum constitui “medida histórica da justiça”
707
e é definido por Jacy
de Souza Mendonça, como “‘o conjunto das condições cuja realização todos devem
buscar, a fim de tornarem possível a realização de seus fins últimos’”
708
.
O elemento finalístico do Estado Brasileiro está previsto na Constituição
Federal, em seu art. que constitui o bem comum, cuja consecução está
particularmente delineada em linhas de ações estratégicas: “I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III -
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
703
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no
Estado Social de Direito. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direitos humanos, direitos sociais e
justiça. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 113-143; p. 142-143.
704
Cf. PIOVESAN, Flávia e VIEIRA, Renato Stanziola. Justiciabilidade dos direitos sociais e
econômicos no Brasil: desafios e perspectivas. Disponível em: < www.mp.rs.br/dirhum/doutrina/
id491.htm>. Acesso em: 15 jul. 2007.
705
Cf. DALLARI, Dalmo de Abreu. O futuro do Estado. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 47-49.
706
Cf. GRINOVER, Ada P. et al. Teoria geral do processo. 16. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,
2000. p. 25.
707
Cf. REALE, Miguel. Filosofia do direito. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 707.
708
MENDONÇA, Jacy de Souza. Curso de filosofia do direito: o homem e o direito. São Paulo:
Quartier Latin, 2006. p. 386.
276
regionais e IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação
709
.
O comando infraconstitucional impõe, na atividade jurisdicional, a mesma
teleologia ao proclamar que na aplicação da lei atender-se-á às exigências do bem
comum (art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil).
Referida diretamente ao bem comum, encontra-se a justiça distributiva, que a
seu turno, envolve a questão dos direitos sociais. A justiça distributiva, na concepção
de Jo Reinaldo Lima Lopes, consiste na regra “segundo a qual os interesses
particulares (de indivíduos, de grupos, de classes, de corporações) são articulados
para que uma forma de produção de vida com liberdade seja possível”
710
.
Diante dos compromissos estabelecidos pelo Poder Constituinte e daqueles
internacionalmente assumidos pelo Estado brasileiro, a proteção e a efetivação dos
direitos sociais requerem a necessária intervenção dos Poderes Públicos, sobretudo
por meio de políticas públicas. Nesse contexto, sobressai, em primeiro plano, a
atuação do Poder Executivo e do Poder Legislativo. A eles incumbe,
prioritariamente, a formulação e execução de políticas públicas. Para tanto requer-se
eficiência administrativa no planejamento das políticas públicas mediante plano de
ação detalhado”, comprometido com as diretrizes constitucionais e orçamentárias.
Em segundo plano, na omissão ou ineficiência da ação estatal desses Poderes, o
Judiciário é chamado a concretizar os direitos sociais sonegados ou violados.
Como bem observa José Reinaldo de Lima Lopes,
[...] o processo de judicialização dos conflitos no Brasil está
atravessando por demandas de justiça dinâmica (alteração de
regras), algo que pode ser realizado judicialmente na esfera de
discussão da constitucionalidade de leis, atos e programas
711
.
709
Uma vez que constitui elemento finalístico do Estado o bem comum e que os Poderes Públicos
estão postos para sua consecução é lícito concluir que “o poder político não deve exercer-se em
benefício de alguns, ou de uma ou algumas classes, mas da totalidade do corpo social”.
(TEIXEIRA, J. H. Meirelles; Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1991. p. 446).
710
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direitos sociais: teoria e prática. São Paulo: Método, 2007. p. 127.
O jurista André F. Montoro, ao analisar a justiça distributiva, adverte que ela deve ser
implementada pelo Estado diante do desnível existente no mundo contemporâneo entre classes
sociais, setores econômicos, com vistas à garantia dos direitos fundamentais, por meio do
exercício da função legislativa e jurisdicional, e também pelo poder de polícia. (Cf. SAES,
Wandimara P.S. A concepção da justiça em Aristóteles, p. 220, nota 79).
711
LOPES, José Reinaldo de Lima, op. cit, p. 125.
277
Portanto, o Judiciário não podese eximir do enfrentamento da questão da
justiça distributiva no Brasil, cujas condições de realização dependem da
concretização dos direitos sociais.
Mais do que responsável pela proteção dos direitos e das situações
subjetivas, o juiz, em seu novo papel, deve ser também protagonista na
implementação da justiça social. A marginalidade socioeconômica não justifica
qualquer progresso nem se compatibiliza com a real democracia, pois como
enfatizou Tancredo Neves em seu discurso “Enquanto houver, neste País, um
homem sem trabalho, sem pão, sem teto e sem letras, toda a prosperidade será
falsa”.
Atento a essa nova postura de viés neoconstitucional, adequada para o
desafio da justiça distributiva a ser implementada no Estado Democrático de Direito,
Celso Fernandes Campilongo
712
anuncia,
[...] além de sua funções usuais, cabe ao Judiciário controlar a
constitucionalidade e o caráter democrático das regulações sociais.
Mais ainda: o juiz passa a integrar o circuito de negociação política.
Garantir as políticas públicas, impedir o desvirtuamento privatista das
ações estatais, enfrentar o processo de desinstitucionalização dos
conflitos [...] significa atribuir ao magistrado uma função ativa no
processo de afirmação da cidadania e da justiça substantiva. Aplicar
o Direito tende a configurar-se, assim, apenas um resíduo de
atividade judiciária, agora também combinada com a escolha de
valores e aplicação de modelos de justiça.
Ao objetivo estatal do bem comum, inscrito no art. 3º. da Magna Carta,
encontra-se irrefragavelmente submetido o Judiciário enquanto Poder que expressa
a soberania do Estado, cuja principal missão, no âmbito da justiça constitucional,
corresponde à preservação da supremacia da Constituição e à excelsa proteção dos
direitos fundamentais, mediante a concretização de valores e princípios
constitucionais.
No desempenho de seu mister, ao Judiciário incumbe aplicar a Constituição
com vistas ao bem comum nela mesma expressado, na qual se incluem os direitos
sociais, cuja concretização viabiliza a cidadania social e as condições indispensáveis
ao desenvolvimento do homem no âmbito da sociedade em que se insere.
712
CAMPILONGO, Celso Fernandes. Os desafios do Judiciário, p. 49.
278
Quanto ao dever de realizar a guarda da Constituição e implementar os
direitos fundamentais nela inscritos (art. 102 CF/88), nada na Constituição que
não seja legítimo e nela se estabelece a configuração orgânica e funcional do
Judiciário. Como órgão de pula do Judiciário, a Constituição designou o Supremo
Tribunal Federal e incumbiu-lhe do múnus precípuo de guardião supremo da
Constituição.
A estrutura, a composição e as funções do Supremo Tribunal Federal são
fruto de decisão política fundamental do Poder Constituinte do qual o cidadão é o
supremo titular. Composição essa fruto de opção democrática constituinte que se
materializa com a conjugação da manifestação da vontade política do Executivo e do
Legislativo. Mais do que o enfoque procedimental de sua composição, muitas vezes
criticada, avulta o substancial, que põe em relevo a sua missão constitucional (art.
102 da CF/88), e nela se inclui o controle da constitucionalidade da atividade jurídica
dos demais Poderes Públicos (arts, 102, I, “a”, “q”; 102 §2º, 103, § 2º,103-A da
CF/88).
O Supremo Tribunal Federal é, portanto, a Corte Suprema eleita pelo povo,
não diretamente, mas por intermédio dos seus representantes - Legislativo e
Executivo – pois seus membros são “nomeados pelo Presidente da República,
depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. (art. 101,
parágrafo único, da CF/88). Poder mais democraticamente legítimo do que o
Judiciário não há, pois é o único cuja cúpula é formada por escolha dos demais
Poderes. Não se pode tachar de antidemocrático aquilo que soberanamente o povo,
mediante representantes eleitos, decide.
Robert Alexy, enfocando a questão da competência e legitimidade do tribunal
constitucional, que pode ser aplicado ao Supremo tribunal Federal, pontifica que o
seu núcleo reside na natureza da representação, sendo que o parlamento
representa o povo politicamente e o tribunal constitucional representa
argumentativamente
713
.
Ao Supremo Tribunal Federal, em função do procedimento de sua
composição, poder-se-ia admitir a crítica de poder não majoritário, mas não a de
antidemocrático. Em verdade “a necessidade de garantir a Constituição salva os
tribunais de poder ser acusados de antimajoritários ou antidemocráticos e isso
713
ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado Constitucional Democrático. Trad. Luiz Afonso
Heck. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 217, jul./set. 1999 , p. 55-66; p. 66.
279
porque sua legitimidade deriva, não certamente da maioria presente, senão da
maioria pretérita e constituinte”
714
.
Mais que legitimidade, o Judiciário possui o múnus constitucional, que lhe
incumbiu democraticamente o Poder Constituinte como expressão máxima da
vontade de seu titular: o povo. Incumbe ao Judiciário, como guardião supremo,
tornar viva e impositiva a letra da Constituição, a fim de que esta não se reduza à
mera simbologia. Fazê-lo, implica o somente a adoção de nova postura
hermenêutica, imprescindível em sede de direitos sociais.
De qualquer modo, para que o Judiciário enquanto Poder estatal - jurídico e
necessariamente político - possa desincumbir-se legitimamente do seu múnus
constitucional, deverá viabilizar a justiciabilidade dos direitos sociais enquanto
houver um só cidadão brasileiro (sobre)vivendo abaixo da linha da dignidade.
Legitimidade para tanto, não lhe falta. Como operacionalizar, é questão de
alta indagação e não constitui proposta teórica deste limitado estudo. Mas é o que
se impõe, neste momento, como grande desafio à dogmática e à jurisprudência, a
fim de que se possa desenvolver um protagonismo judicial exemplar na
implementação dos direitos sociais no Brasil que (quiçá) sirva de paradigma para os
Estados democráticos.
A pretexto de homenagem ao princípio da separação de poderes, a questão
da (i)legitimidade do Judiciário ainda remanesce e, enquanto ela não se deslinda,
dos seus efeitos deletérios deve estar a salvo os direitos sociais do cidadão.
6.5.3.2.1 Controle judicial principiológico da constitucionalidade das políticas
públicas
A Constituição traça os limites das atividades estatais impondo metas a serem
atingidas e a primeira delas, por certo, é a implementação dos direitos fundamentais,
sobretudo os direitos sociais, como se adverte no Preâmbulo da Constituição.
Para a sua consecução, impõem-se as políticas públicas, matéria regulada pelos
princípios jurídico-constitucionais, em que pese seu conteúdo marcadamente
político.
714
Cf. USERA, Raul C. apud TAVARES, André Ramos. Teoria da justiça constitucional. São Paulo:
Saraiva, 2005. p. 500.
280
A política pública social, como programa governamental de natureza
essencialmente redistributiva, visa à consecução do objetivo constitucional de
realização de justiça social e se realiza mediante a ordenação de “escolhas trágicas
segundo um princípio de justiça consistente e coerente”
715
. Cada política tem uma
meta e de seu planejamento eficiente depende a sua eficácia. Como ato
administrativo, em amplo sentido, submete-se, portanto, aos princípios
constitucionais e ao controle judicial principiológico .
No âmbito internacional, também avulta o dever assumido pelos Estados de
adoção de políticas públicas nacionais adequadas à implementação dos direitos
fundamentais, sobretudo o direito ao desenvolvimento. Adotada pela Assembléia
Geral das Nações Unidas, a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento
716
(1986) prescreve o direito humano ao desenvolvimento e estabelece expressamente
o dever dos Estados de formular políticas públicas “adequadas para o
desenvolvimento, que visem ao constante aprimoramento do bem-estar de toda a
população e de todos os indivíduos, com base em sua participação ativa, livre e
significativa e no desenvolvimento e na distribuição eqüitativa dos benefícios daí
resultantes” (Art. 2º, item 3). O direito ao desenvolvimento corresponde ao “direito
humano inalienável, em virtude do qual toda pessoa e todos os povos estão
habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político”
(Art. 1º, 1).
Como em um Estado Constitucional, todos os Poderes devem sujeição à
Constituição, o controle judicial deve ser exercido sobre os seus atos para aferir-lhes
a constitucionalidade, sobretudo aqueles vinculados aos objetivos constitucionais. O
Judiciário vê-se diante da impostergável missão de controlar a constitucionalidade
dos atos administrativos-governamentais, não em invasão de competência, mas
para o controle e preservação da supremacia da Constituição.
No sistema jurídico-constitucional brasileiro, nenhuma conduta estatal lesiva a
direito fundamental subtrai-se do controle de constitucionalidade. O ato estatal de
todo agente que, em função do seu múnus, aplique ou deva aplicar a Constituição,
deve ser controlado e submetido à jurisdição constitucional. Assim, toda atividade
pública curva-se à supremacia da Constituição e o contraste entre ambas incumbe
715
SANTOS, Wanderley G. A trágica condição da política social. In: SANTOS, Wanderley G. et al.
Política social e combate à pobreza. Rio de Janeiro: Zahar, 1987. p. 33-64; p. 37.
716
Adotada pela Resolução n. 41/128 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 4 de dezembro de
1986.
281
ao Judiciário realizar, sobretudo à luz do princípio da eficiência e da moralidade
administrativa, nesta contida a proporcionalidade e a razoabilidade.
O princípio da eficiência, na Administração Pública, e no contexto
administrativo dos Poderes Públicos, foi instituído pela EC/98 e implica a adoção das
ações idôneas para atingir a eficácia do resultado almejado. Enseja uma relação de
meio-fim. Para Alexandre de Moraes, o princípio da eficiência imposto à
Administração Pública “[...] dirige-se para a razão e fim maior do Estado, a prestação
dos serviços sociais essenciais à população, visando à adoção de todos os meios
legais e morais possíveis para satisfação do bem comum”
717
.
No princípio da moralidade administrativa, está implícita a normatividade dos
valores e dos princípios gerais do Direito. Dentre esses, citam-se boa-fé,
razoabilidade, proporcionalidade, lealdade e sua violação pode resultar da
infringência dos requisitos da finalidade, objeto ou motivo do ato administrativo”
718
.
O princípio da proporcionalidade operacionaliza-se mediante a observância
da aplicação seqüencial dos seus subprincípios: adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito
719
. Não obstante implícito, pois destituído de
positivação, a observância do princípio da proporcionalidade é de rigor
720
.
Apresenta-se como uma das formas de expressão do Justo, cujas medidas são a
igualdade e a proporcionalidade, já decantadas por Aristóteles
721
e que informa a
elaboração, a interpretação e aplicação do Direito. Pelos ditames da
proporcionalidade, de início, analisa-se se o meio é apto ou idôneo para atingir o fim.
Após, verifica-se dentre os dois meios igualmente idôneos qual o menos invasivo.
Por fim, sopesa-se o grau de restrição eventualmente imposto a direito do particular
e o grau de relevância deste. A razoabilidade, que deve estar contida, na
717
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 22. ed. atual. até a EC n. 53/06. São Paulo: Atlas,
2007. p. 317. Segundo esse mesmo jurista caracteriza-se pelo “direcionamento da atividade e dos
serviços públicos à efetividade do bem comum, imparcialidade, neutralidade, transparência,
participação e aproximação dos serviços públicos da população, eficácia, desburocratização e
busca de qualidade” (Idem, Ibidem, p. 319).
718
ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito administrativo. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
p. 14. Segundo o jurista, o princípio da eficiência exige que a forma de organização da
Administração Pública e da atuação do agente público observem “os critérios técnicos, ou
profissionais, que assegurem o melhor resultado possível” e atentem “para os padrões modernos
de gestão ou administração”. (Idem, Ibidem, p. 10 e 16).
719
Cf. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Versão espanhola: Ernesto Garzón
Valdés. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001. p. 111.
720
O Supremo Tribunal Federal reconheceu expressamente a incidência do princípio da
proporcionalidade na hipótese de restrição legal de direitos (STF-ADI –MC 855/PR. Rel. Min.
Sepúlveda Pertence. DJ. 01-10-1993).
721
ARISTÓTELES. In: Metafísica: livro 1 e livro 2; Ética à Nicômano; poética; Aristóteles. Trad.
Vicenzo Cocco et al. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
282
proporcionalidade, consiste na “compatibilidade entre meios e fins”
722
ou no
comando de harmonização ou adequação entre fins buscados e meios utilizados
pelo agente estatal.
A discricionariedade política ou administrativa desvinculada da finalidade
constitucional é insuficiente para reger a gestão pública legítima, ainda que legal.
Justifica-se, portanto, a sua submissão ao controle judicial e ao contraste com as
metas da Constituição. O ato político ou de governo é ou deve ser – constitucional
e o seu controle -se por parâmetros jurídico-constitucionais, a ser efetivado para
aferir eventual improbidade, omissão, ineficiência ou desvio de finalidade
constitucional.
Posto que ao judiciário atribui-se o múnus constitucional de implementar e
zelar pela Constituição, revela-se inequívoca a legitimidade do Judiciário - sobretudo
a sua Corte Suprema - para controlar todo e qualquer ato submetido à Constituição.
Ademais, não na CF/88 categoria de atos excluída do controle
jurisdicional, a exemplo da Constituição de 1946, que vedava a apreciação
jurisdicional de atos políticos. E se a lei o pode afastar a apreciação jurisdicional
(art. 5º, XXXV, da CF/88) de lesão a direitos, com maior razão, veda-se ao Judiciário
fazê-lo
723
.
Em pese de conteúdo marcadamente político, as políticas públicas ensejam
controle jurisdicional e devem ser contrastadas com a Constituição, sobretudo
porque no Estado Democrático de Direito, como sustenta Oswaldo Aranha Bandeira
de Mello
724
, inexiste atividade insuscetível de controle do Judiciário quando viola
direitos e causa danos.
Em sede de controle principiológico da atividade administrativa, adverte
Marco Maselli Gouveia:
Uma opção discricionária que não for capaz de subsumir-se a uma
regra deontológica será, no nimo, caprichosa. Sem referência a
722
Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, v.
798, abr. 2002, p. 23-50; p. 45. Adverte o jurista que não se deve confundir proporcionalidade com
razoabilidade, pois esta corresponde a uma das três sub-regras daquela (Idem, Ibidem, p. 45).
723
Há uma hipótese constitucional de exclusão, não da justiciabilidade, mas da garantia constitucional
do habeas corpus nos casos de punições disciplinares (art.142, § 2º, da CF/88).
724
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Princípios gerais de direito administrativo. v. 1, Rio de Janeiro:
Forense, 1969, p. 417. Também defende o controle judicial da discricionariedade estatal Manoel
Antonio Ferreira Filho (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Poder judiciário na Constituição de
1988. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 198, out./dez. 1994, p. 1-17; p. 12-13.
283
um parâmetro, a um critério decisório, a integração discricionária
perde seu sentido finalístico e assume a pecha de ilegitimidade
725
.
A discricionariedade estatal é limitada, pela lei ou pela Constituição. Deste
modo, toda opção estatal, submete-se ao dever de justificação racional.
A mitigação da discricionariedade estatal, em sede de direitos sociais, é
proposta por Flávia Piovesan:
[...] que se reduzir o grau de discricionariedade estatal, a partir da
elaboração de um instrumental científico de indicadores, que torne
viável a cobrança desses direitos. Há que se consolidar uma doutrina
e uma prática que afirmem a aplicabilidade e a acionabilidade dos
direitos sociais, econômicos e culturais. Esses direitos devem ser
levados a sério. Devem exigidos e reivindicados como direitos legais
nas instâncias nacionais e internacionais
726
.
Como defensores do controle judicial das políticas públicas, alinham-se
Dalmo de Abreu Dallari
727
e Fábio Konder Comparato
728
. Este reputa falsa a clássica
objeção à justiciabilidade das políticas governamentais, fruto da incorreta
interpretação das political question doctrine do Direito norte-americano. Entende que
amplo deve ser o controle judicial, pois “o juízo de constitucionalidade, nessa
matéria, tem por objeto não as finalidades, expressas ou implícitas, de uma
política pública, mas também os meios empregados para se atingirem esses fins”.
Favoravelmente ao controle judicial das políticas públicas, posiciona-se
Andreas J. Krell, quando sustenta que,
725
GOUVÊIA, Marco Maselli. Balizamentos da discricionariedade administrativa na implementação
dos direitos econômicos, sociais e culturais. In: GARCIA, Emerson (Org.) Discricionariedade
administrativa. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 309-386; p. 357.
726
PIOVESAN, Flávia et al. A proteção internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais. In:
PIOVESAN, Flávia (Org.) Temas de direito humanos. 2. ed. rev, ampl. e atual. São Paulo: Max
Limonad, 2003. p. 91-114; p. 114. Diante da constatada limitação da discricionariedade da
Administração Pública em sede de implementação dos direitos sociais, conclui Otávio Henrique
Martins Port pela possibilidade do controle judicial das políticas a serem examinadas em função
das normas-programa segundo o princípio da proporcionalidade. ”.(PORT, Otávio Henrique
Martins. Os direitos sociais e econômicos: e a discricionariedade da administração pública. São
Paulo: RCS, 2005. p. 218).
727
DALLARI, Dalmo de Abreu. A violação dos direitos econômicos, sociais e culturais e seu impacto
no exercício dos direitos civis e políticos. ENCONTRO BRASILEIRO DE DIREITOS HUMANOS
(1999). Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, São Paulo, 2001. p. 69-84; p. 84.
728
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas.
Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 35, n. 138, abr./jun. 1998, p. 39-48; p. 46. O jurista
acrescenta que o juízo de inconstitucionalidade deveria ser feito de modo concentrado, pelo órgão
de cúpula, estadual ou federal, que seu objeto atingiria todas as leis e atos executórios envolvidos
no programa governamental, que a decisão deveria produzir efeitos ex nunc e ostentar também
efeito mandamental. (Idem, Ibidem, p. 47).
284
[...] as questões ligadas ao cumprimento das tarefas sociais como a
formulação das respectivas políticas, no Estado Social de Direito [...]
têm seu fundamento nas próprias normas constitucionais sobre
direitos sociais; a sua observação pelo [Poder Executivo] pode e
deve ser controlada pelo tribunais
729
.
Analisando a realidade brasileira de modernidade tardia, o jurista Lenio Luiz
Streck leciona que, “[...] na inércia/omissão dos Poderes Legislativo e Executivo na
consecução de políticas públicas [...] ‘não se pode abrir mão da intervenção da
justiça constitucional na busca da concretização dos direitos constitucionais de
várias dimensões’”
730
.
O atual cenário jurisdicional brasileiro quanto às políticas públicas é retratado
pelo jurista Marcelo Figueiredoque defende ser possível o controle prudente e
razoável - da constitucionalidade das políticas públicas quanto “à sua adequação ao
conteúdo e aos fins estabelecidos na Constituição”
731
.
O jurista Eduardo Moreira Ribeiro, sugerindo a utilização da técnica
interpretativa da construção constitucional, afirma “que o controle das políticas
públicas podia ser exercido, as metas já constavam na Constituição desde a sua
promulgação, uma omissão que agora pode ser sanada”
732
.
729
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha, p. 100. O
jurista endossa a lição de Carlos Alberto de Salles para quem “Onde o processo político
(Legislativo, Executivo) falha ou se omite na implementação de políticas públicas e dos objetivos
sociais nelas implicados, cabe ao Poder Judiciário tomar uma atitude ativa na realização desses
fins sociais através da correição da prestação dos serviços sociais básicos”. (Idem, Ibidem, p.
101).
730
STRECK Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. 2. ed.
rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 109, nota 21. Nesse sentido, manifesta-se o mesmo
jurista: STRECK, Lenio Luiz. A baixa constitucionalidade e a inefetividade dos direitos
fundamentais-sociais em Terrae Brasilis. Revista Brasileira de Direito Constitucional, Revista do
Programa de Pós-Graduação ‘Lato Sensu em Direito Constitucional. Escola Superior de Direito
Constitucional. A contemporaneidade dos direitos fundamentais, São Paulo, n. 4, jul./dez. 2004, p.
272-308; p. 290.
731
FIGUEIREDO, Marcelo. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário no Brasil uma
visão geral. Revista de Direito do Estado, São Paulo, ano 2, n. 7, jul./set. 2007, p. 217-253; p. 239.
Sustenta o jurista: “O Poder Judiciário tem sido provocado, sobretudo pelo Ministério Público
brasileiro, a questionar e avaliar políticas públicas, notadamente direitos sociais, econômicos e
culturais, quer em função das obrigações e direitos constitucionais diretamente sacados da
Constituição, quer em razão de omissão, ilegalidade, desvio de poder ou irrazoabilidade (gênero)
dos poderes públicos no cumprimento das metas constitucionais e infraconstitucionais. (Idem,
Ibidem, p. 252).
732
MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Os direitos constitucionais em tempos de constitucionalismo. Tese
(Doutorado em Direito). 2006. Pontifícia Universidade Católica, São Paulo. p. 179. Para o jurista, a
técnica da construção constitucional “consiste em levar a norma constitucional a uma situação
equiparada, que existia, mas houve omissão dos aplicadores do direito”. Acrescenta ainda: A
influência da Constituição nas reformas das políticas públicas, exercida com controle direto pelo
Poder Judiciário, é possibilidade nova e é resposta aos reclamos sociais dos gastos blicos, que
devem ser orientados, exclusivamente, pelas possibilidades constitucionais, e não mais pela
285
“O papel do Ministério Público, neste particular, é da maior importância”,
sentencia Clèmerson M. Clève acrescentando que “Pode o Poder Judiciário,
eventualmente, fulminar políticas blicas que estejam contrastando com as
disposições constitucionais”
733
.
Dentre os juristas brasileiros que se posicionam em prol do controle judicial
das políticas públicas, além dos citados Marcelo Figueiredo, Andreas J. Krell,
Celso Fernandes Campilongo, Clèmerson Merlin Clève, Lenio L. Streck, Dalmo de
Abreu Dallari, Fábio Konder Comparato, Emerson Garcia, Eduardo Ribeiro Moreira,
Otávio Henrique Martins Port e Flávia Piovesan, citem-se ainda Rogério Gesta
Leal
734
, Dinorá Adelaide Musetti Grotti
735
, Rodolfo de Camargo Mancuso
736
, Renato
Stanziola Vieira
737
, José Alcebíades de Oliveira Junior
738
, Ana Paula de Barcellos
739
,
Marília L. dos Santos
740
e Gilberto Bercovici
741
.
conveniência e pela oportunidade, derivadas da discricionariedade política, legitimada apenas pela
consulta eleitoral semi-direta”. (Idem, Ibidem, p. 103).
733
CLÈVE, Clèmerson Merlin. O desafio da efetividade dos direitos fundamentais sociais. Revista da
Academia Brasileira de Direito Constitucional. Anais do IV Simpósio Nacional de Direito
Constitucional, Curitiba, n. 3, 2003, p. 291-300; p. 299.
734
LEAL, Rogério Gesta. O controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil: possibilidades
materiais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Jurisdição e direitos fundamentais: anuário
2004/2005. Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul (AJURIS). Porto Alegre: Escola
Superior da Magistratura/Livraria do Advogado, 2006, v. 1, t. 1, p. 157-178; p. 169.
735
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Redefinição do papel do Estado na prestação de serviços
públicos: realização e regulação diante do princípio da eficiência e da universalidade. In: PEDRA,
Adriano Sant’Ana (Org.) Arquivos de direito público: as transformações do Estado brasileiro e as
novas perspectivas para o Direito Público. São Paulo: Método, 2007. p. 119-150. p. 148.
736
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio
cultural e dos consumidores - Lei 7.347/85- Legislação complementar. 10. ed, rev. e atual. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 46-47.
737
PIOVESAN, Flávia; VIEIRA, Renato Stanziola. Justiciabilidade dos direitos sociais e econômicos
no Brasil: desafios e perspectivas. Disponível em: <www.mp.rs.br/dirhum/doutrina/id491.htm>.
Acesso em: 15 jul. 2007. Aduzem os autores: “De toda maneira, a obediência aos parâmetros
constitucionais, quer quanto aos fins, quer quanto aos meios, do atingimento da plena eficácia dos
direitos fundamentais destacadamente os direitos sociais e econômicos, que demandam
atividade contínua dos Poderes Públicos com vistas aos objetivos constitucionais, deve ser
fiscalizada pelo Poder Judiciário, principalmente por força do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição
Federal, que prevê a impossibilidade de o Judiciário deixar de apreciar lesão ou ameaça de lesão
a qualquer direito”.
738
KELLER, Arno Arnoldo. A exigibilidade dos direitos fundamentais sociais no Estado Democrático
de Direito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007. p. 9. Segundo o jurista, a intervenção do
Judiciário constitui uma missão constitucional a ser exercida na omissão funcional dos demais
Poderes.
739
BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas
públicas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, abr./jun. 2005, p. 83-103; p. 92.
Para a construção do controle das políticas públicas, a jurista aponta três fatores a serem
desenvolvidos que são, em suma: a) identificação dos parâmetros de controle; b) a garantia de
acesso à informação e c) a elaboração de instrumentos de controle.(Idem, Ibidem, p. 103).
740
SANTOS, Marilia L. Interpretação constitucional no controle judicial das políticas públicas. Porto
Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2006. p. 184. Entende a jurista que não somente é cabível o
controle como constitui pressuposto para a concretização dos fins constitucionais colimados.
286
Dentre os doutrinadores estrangeiros, podem-se citar Victor Abramovich e
Christian Courtis, que enfrentam a temática das políticas sociais com singularidade e
defendem a possibilidade do seu controle via judicial. Na visão dos juristas, as
questões de maior complexidade técnica ou relacionadas a decisões de desenho ou
execução de políticas públicas podem se sujeitar à intervenção judicial, desde que
assentada sobre um standard jurídico, denominado ‘la regla de juicio’. Esta consiste
em um critério de análise da medida em questão que surja de uma norma jurídica,
legal ou constitucional. Em caso excepcional, ao Judiciário incumbiria a tarefa de,
não desenhar políticas públicas, mas de confrontá-las com o standard aplicável e
conferir a possibilidade de elaboração, em caso de omissão ou de ajuste em caso de
divergência
742
.
Desse modo os autores, a partir de uma análise estratégica, enumeram três
situações-tipo em que o Judiciário intervém: a) para juridicizar uma política assumida
pelo Poder público sem entrar na valoração da própria política, limitando-se a impor
sanções em caso de descumprimento, transformando a discricionariedade em
obrigação legal; b) para examinar a compatibilidade da política pública com o
standard jurídico aplicável e assim a sua idoneidade para satisfazer o direito em
questão, outorgando ao Poder Público a possibilidade de ajuste e c) para valorar o
tipo de medida a ser adotada nas hipóteses de passividade e omissão dos poderes
públicos, determinando concretamente a conduta devida
743
.
Cass Sustein, ao expor sobre a possibilidade de se afastar os obstáculos à
proteção judicial dos direitos socioeconômicos, cita o caso Grootboon, julgado pela
Corte Constitucional Sul-Africana, que em seu entender adotou o ‘modelo
administrativo de direitos socioeconômicos’, segundo o qual, mediante a apuração
da razoabilidade, controla-se a validade de um programa de governo em face dos
recursos existentes e as metas e objetivos legais
744
.
741
Cf. BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max
Limonad, 2003. p. 97 e ss.
742
Cf. ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibles.
p. 254.
743
Idem, Ibidem, p. 254.
744
Cf. SUSTEIN, Cass. Direitos sociais e econômicos? Lições da África do Sul. In: SARLET, Ingo
Wolfgang (Org.). Jurisdição e Direitos Fundamentais: anuário 2004/2005. Escola Superior da
Magistratura do Rio Grande do Sul. (AJURIS). Porto Alegre: Escola Superior da Magistratura;
Livraria do Advogado, 2006.v. 1, t. 1, p. 11-28; p. 26-28. O objeto da postulação era o direito à
moradia adequada e a Corte, em decisão pioneira, interpretou que o art. 28 estabelece um dever
para o governo, judicialmente exigível, demonstrando que é possível superar as objeções à
proteção jurisdicional dos direitos sociais, inclusive em países pobres.
287
Sem precisar buscar tão longe um positivo referencial, pode-se citar a decisão
do Supremo Tribunal Federal na ADPF 45 que, não obstante ainda de viés restritivo,
demonstra certa tendência à admissibilidade do controle judicial das políticas
públicas. Conforme exposto, da decisão, podem-se extrair algumas diretivas de
controle de políticas públicas: (a) possibilidade de controle; (b) fundamento do
controle: razões ético-jurídicas; (c) hipóteses autorizativas de controle: abuso, dolo
ou inércia estatal inescusável: (d) objeto da violação: mínimo existencial; (e)
parâmetro de controle: princípio da razoabilidade e (f) idoneidade instrumental para
o controle: argüição de descumprimento de preceito fundamental.
Assim se pronunciou, como relator, o emérito Min. Celso Mello:
Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas
dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação
popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre
reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade
de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.
É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou
procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a,
a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando,
como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de
um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível
consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas
necessárias a uma existência digna e essenciais à própria
sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como
precedentemente enfatizado - e até mesmo por razões fundadas
em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do
Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens
cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado
745
.
Não se deve esquecer, ademais, que se os direitos sociais são
implementados essencialmente por políticas públicas, afastar o controle judicial
dessas implica negativa de justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais.
A judicialização da política e a sindicabilidade judicial das políticas públicas
são, de fato, reflexos do neoconstitucionalismo
746
.
745
ADPF 45, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04/05/04.
746
Nesse sentido: BARROSO, Luiz Roberto. Painel: Neoconstitucionalismo. XXVII Congresso
Brasileiro de Direito Constitucional. O século XXI e as novas fronteiras do Direito Constitucional.
Coordenadora científica: Dra. Maria Garcia. São Paulo, 24-26/05/2007. No mesmo sentido:
Eduardo Ribeiro Moreira (MOREIRA, Eduardo Ribeiro, op. cit, p. 171). No mesmo sentido quanto à
judicialização das relações sociais e políticas, Luis Roberto Barroso, todavia reputa excepcional a
sindicabilidade das políticas públicas. (BARROSO, Luís Roberto, O direito constitucional e a
efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira, p. 109). E nesse
contexto, verifica-se que, necessariamente, alia-se ao jurídico o conteúdo da Moral, como propõe
o neoconstitucionalismo, haja vista que tal operação permite o contraste da conduta estatal com a
288
O jurista José Reinaldo de Lima Lopes observa o fenômeno, pontificando que
a justiça dinâmica exige a intervenção judicial na questão da constitucionalidade de
leis, atos e programas, sobretudo porque “está em questão a justiça distributiva
(realocação de riquezas)”, da qual os direitos sociais são apenas um capítulo
747
.
Quanto à suposta incompatibilidade do binômio jurídico/político, em sede de
controle jurisdicional, Rui Barbosa defende a competência dos tribunais para a
apreciação dos atos políticos, quando lese ou negue um direito individual, em
violação à Constituição.
O jurista sustenta que o Judiciário:
É, indubitavelmente, um poder, até certa altura, político, exercido sob
as formas judiciais. Quando a pendência toca a direitos individuais, a
justiça não se pode abster de julgar, ainda que a hipótese entenda
com os interesses políticos de mais elevada monta
748
.
Eduardo García de Enterría sentencia “Es, pues, cierto que el Tribunal decide
conflictos políticos, ‘pero lo característico es que la resolución de los mismos se hace
por criterios y métodos jurídicos’”
749
.
Em defesa do controle jurisdicional dos atos políticos, postam-se José de
Castro Nunes, Jorge Sarmiento García
750
e, por este citados, Germán Bidart
Campos e Agustín Alberto Gordillo.
Em precisa lição, José de Castro Nunes enuncia que “[...] a discrição só existe
dentre dos limites objetivos, legais, e que, ultrapassados estes, começa a esfera
jurisdicional”, pois “[...] a discrição cessa onde começa o direito individual, posto em
moralidade jurídica imposta pela Constituição e que deve imperar na conduta administrativa do
Estado.
747
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direitos sociais: teoria e prática. São Paulo: Método, 2007. p. 125
e 222. Explicita o autor: José Reinaldo de Lima Lopes [...] os direitos sociais são apenas um
capítulo do grande tema da justiça distributiva e bastante importante nas sociedades
democráticas. Mesmo quando definidos em contraste com os direitos individuais (civis e políticos),
esses direitos dependem de uma concepção moderna de direito (um interesse protegido por
determinada ação). Em todos os Estados sociais (de bem estar), eles se tornaram um ponto
central de disputa constitucional”. (Idem, Ibidem, p. 222).
748
Discurso proferido no Instituto dos Advogados, em 19 de novembro de 1914. BARBOSA, Rui. O
Supremo Tribunal Federal na Constituição Brasileira. Revista Pensamento e Ação. p. 157-193; p.
89. Disponível em: <http://www.casaruibarbosa.gov.br>. Acesso em: 10 jan. 2008.
749
ENTERRÍA, Eduardo García de. La constitución como norma y el tribunal constitucional. Madrid:
Civitas, 1983. p. 178.
750
GARCÍA, Jorge Sarmiento et al. Derecho público: teoria del Estado y de la Constitución, derecho
constitucional, derecho administrativo. 2. ed. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1998. p.
289.
289
equação legal”
751
. E conclui, acertadamente, que não deve ser a natureza da
matéria a ensejar a objeção do controle jurisdicional do ato político, “mas a
configuração legal do direito argüente da ilegitimidade do ato”
752
.
O ato estatal, ainda que político, não é inescrutável. O Estado é um ente
jurídico-político e a Constituição - que o constitui - além de jurídica é política. O
indissociável conteúdo jurídico-político nela contido permeia as decisões
jurisdicionais, sobretudo as que apreciam a atividade estatal.
Ademais, quando se trata de apreciar direitos do homem é impossível a
dissociação, pois como bem vislumbra Hannah Arendt “todos os aspectos da
condição humana têm alguma relação com a política”
753
.
O argumento ‘político’ cede forças ao principio da supremacia da Constituição
e dos direitos fundamentais, que reclamam a sua justiciabilidade, bem como das
políticas públicas que os implementam. Estas não se podem subtrair do controle do
Judiciário a pretexto de falta de legitimidade funcional, pois toda lesão a direito
fundamental deve ser, incondicionalmente, apreciada pelo Judiciário, ainda que
´política´ seja a sua causa.
Acerca da mitigação da discricionariedade estatal, não se deve esquecer a
douta lição de Rui Barbosa:
Certo, dos casos meramente políticos não julgam os tribunais. Mas o
caso cessa de ser meramente político, desde que nele se envolvem
direitos legais de uma pessoa [...]. Porque meramente político é só o
caso, em que um dos poderes do Estado exerce uma função de todo
o ponto discricionária; e não se pode ter como discricionária uma
função, que encontra limites expressos num direito legalmente
ldefinido
754
.
E, nos tempos atuais, de neoconstitucionalismo, muito mais do que direitos
legais, deve-se proclamar a plena justiciabilidade de direitos constitucionais, antes
de se invocar o princípio da separação de poderes ou discricionariedade
inescrutável da atividade estatal, cujos limites encontram exata medida nos fins
previstos na Constituição.
751
NUNES, Jode Castro. Mandado de segurança: e de outros meios de defesa contra atos do
poder público. 8. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 161.
752
NUNES, José de Castro. Mandado de segurança, p. 164.
753
ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. Roberto Raposo. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2005. p. 15.
754
Trecho do Discurso no Instituto dos Advogados Brasileiros. Disponível em:
<http://www.casaruibarbosa.gov.br>.Acesso em: 20 jan. 2008.
290
Ademais, não se vislumbra na jurisdição constitucional qualquer
incompatibilidade no acúmulo do desempenho da função de legislador negativo, em
sede de jurisdição orgânica, e da função pró-ativa, em sede de jurisdição dogmática,
inclusive para controlar e mediar a implementação de políticas públicas, sobretudo
sociais, pois ambas estão compreendidas no múnus constitucional do Judiciário.
A nova função protagonista - da jurisdição constitucional no Estado Social,
não poderá ser combatida com facilidade no sistema jurídico-brasileiro, em tempos
de argüição de descumprimento de preceito fundamental que reduziu a zero o
campo de imunização do poder estatal e tempos de mandado de injunção, que abre
amplo espaço de decisão ao Judiciário, inclusive para o desempenho de função
símile a de legislador positivo, ad hoc, no caso de omissão legislativa em sede de
direitos fundamentais, para editar norma integradora individual.
A força vinculativa dos direitos sociais torna co-responsáveis os Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário na sua efetivação. O Poder Legislativo, no
contexto da normatização das políticas públicas e da regulamentação dos direitos
sociais. O Poder Executivo, no âmbito de implementação das políticas públicas
orientada pelos princípios da eficiência e da moralidade, nesta contida a
proporcionalidade e razoabilidade. O Poder Judiciário, no âmbito de concretização
jurisdicional, por força do princípio da justiciabilidade e da inafastabilidade do
Judiciário da apreciação de violação a direitos (art. 5º, XXXV, CF/88).
Postas as diretivas, doutrinárias e jurisprudenciais, e admitida teoricamente a
possibilidade do controle judicial das políticas públicas, impõe-se a investigação da
operacionalização de tal controle, o que o constitui objetivo do presente estudo
em função da delimitação de seu objeto. Todavia, de se mencionar, apenas por
amor ao debate, algumas possibilidades extraídas do sistema de proteção dos
direitos fundamentais, mas superficialmente consideradas e por isso não isentas de
críticas.
Na hipótese de violação de direito social, por
ausência/insuficência/ineficiência de políticas públicas, os direitos sociais podem ser
postulados: a) via garantias constitucionais (writs) pelo seu titular como direitos
subjetivos, em sua dimensão individual ou coletiva, b) por especiais legitimados, via
ação civil pública, para a proteção transindividual do interesse, não se afastando a
hipótese de sua utilização para defesa de interesse individual quando tal se justificar
291
e c) por especiais legitimados, em sede de argüição de descumprimento de preceito
fundamental que consagra direito social.
De outro turno, se em sede de políticas públicas, houver violação da
eficiência, lesão ao patrimônio público social, lesão à moralidade administrativa ou o
vedado retrocesso, é cabível a sua desconstituição por meio da ação popular por
qualquer cidadão.
Com vistas à proteção individual dos direitos sociais, nas postulações em
sede de garantias jurisdicionais, embasadas em direitos subjetivos individuais ou
coletivos, em caso de procedência, não haverá condenação à formulação ou
adequação de programa, mas condenação do Estado à prestação determinada ou,
quando não determinada normativamente, àquela que atenda o aspecto finalístico
da norma definidora do direito fundamental se em virtude da omissão ou
inadequação da política não puder o(s) titular(es) do direito usufruí-lo. A decio
possuirá efeitos inter partes e vigência vinculada à satisfação do direito violado, que
pode ser imediata ou continuada
755
e, nesse caso, as prestações contínuas devem
realizadas, segundo a necessidade do seu titular ou até que sobrevenha a
implementação ou adequação da política.
Com vistas à proteção transindividual dos direitos sociais, as postulações em
sede de argüição de descumprimento de preceito fundamental
756
ou de ação civil
pública
757
, viabilizam o controle das políticas públicas, podendo resultar na
condenação do Estado à formulação de programa, quando inexistente, ou à sua
adequação à finalidade da norma constitucional, devendo em todo caso, ocorrer
adoção de medidas que garantam o mínimo existencial eventualmente em perigo.
Em ambos casos, a decisão final possuirá efeitos erga omnes, no caso da ação civil
pública, nos limites da competência territorial do órgão prolator e na argüição de
descumprimento de preceito fundamental efeitos erga omnes e vinculantes dos
demais Poderes, na hipótese da argüição de descumprimento do preceito
fundamental.
755
Exemplos: de prestação imediata, realização de uma cirurgia não coberta pelo SUS; de prestação
continuada, disponibilização de remédios de uso contínuo para pessoas comprovadamente sem
recursos para adquiri-los sem prejuízo de sua subsistência ou de sua família.
756
Art. 102, § 1º, da CF/88 e Lei n.9.882/99.
757
Art. 129, III da CF/88 e Lei n. 7.347/1985.
292
O direito social urge e não pode aguardar a formulação de uma política
pública que indevidamente se relegou ao descaso, se a sua inobservância já põe em
risco o mínimo existencial.
Independentemente da solução que a justiça constitucional também incumbe
buscar, compete a esta não proteger a ordem jurídico-constitucional objetiva,
mas, com primazia, concretizar os direitos fundamentais. Esse múnus, o Judiciário
deve legitimamente exercer, dentro dos lindes de suas atribuições constitucionais,
ainda que implique o controle dos atos praticados pelos demais Poderes para a
correção de desvios omissivos ou comissivos da finalidade constitucional.
Outra não é a lição do mestre Paulo Bonavides, para quem o Judiciário tem
legitimidade suficiente para corrigir as omissões dos demais Poderes quando
qualquer deles “se faz desertor de suas atribuições constitucionais”
758
.
Registra-se, ainda, a eloqüência da manifestação de Rui Barbosa, em 1892,
perante o Supremo Tribunal Federal, o qual nomina ‘sacrário da Constituição’ e do
qual enaltece as funções de guardião da sua hermenêutica e de veto permanente
aos sofismas opressores da Razão de Estado:
Dizem: ‘Este assunto é vedado à justiça, pela natureza política das
atribuições que envolvem’. Não vos enredeis em tal sofisma. [...]
Com os atos de puro governo não têm que ver os tribunais. Mas aqui
não. Vós, Tribunal Supremo, fostes instituído para guarda aos
direitos individuais, especialmente contra os abusos políticos; porque
são pelos abusos políticos que esses direitos costumam perecer. [...]
Logo, senhores juízes, a circunstância de abrigar-se em formas
políticas o atentado não o subtrai ao vosso poder equilibrador, se
uma liberdade ferida, negada, conculcada pelo Governo, se levanta
diante de vós, exigindo reparação. [...] Se isto não é obvio, se isto
não é inquestionável, então toda a justiça é ludíbrio, toda a lógica é
mentira. [...] Dizem: “Aqui é o domínio da apreciação política; e neste
domínio não tem ingresso à justiça”. Mas qual é a fórmula
constitucional que abriu esse valo, que ergueu essa trincheira aos
abusos da força política contra o direito privado e a ordem geral das
instituições republicanas? Ora, a regularidade orgânica das
instituições republicanas e a inviolabilidade dos direitos particulares
foram - vos entregues em custódia, estão-vos confiados em depósito,
são a matéria peculiar da vossa autoridade. Tudo o que atente contra
elas, toca ao vosso poder, desde que se defina perante vós sob as
formas de questão judicial. [...] Vejo apenas ilações, isto é,
apreciações de natureza conjectural, fundadas num jogo hábil entre o
adjetivo político e o substantivo justiça [...]. Uma Constituição sensata
758
BONAVIDES, Paulo, Teoria constitucional da democracia participativa, p. 21.
293
não pode contemplar o heroísmo como elemento ordinário no cálculo
dos seus freios e contrapesos
759
.
Deve, ainda, iluminar a questão da legitimação para o controle judicial da
constitucionalidade das políticas públicas a sábia advertência de Mauro Cappelletti
que demonstra a relação direta entre o ‘sucesso’ da justiça constitucional na
proteção dos direitos fundamentais e a forma de liberdade democrática de governo,
[...] uma lição que muitos críticos da legitimidade democrática da
revisão judicial parecem negligenciar, é a de que nenhum sistema
efetivo de controle judicial é compatível ou tolerado por regimes
antilibertários e autocráticos, quer se coloquem à esquerda ou à
direita dum espectro político.[...] a revisão judicial se constitui em um
anátema à tirania
760
.
A discricionariedade estatal, entendida não como poder, mas ‘dever de
alcançar a finalidade legal’
761
, é limitada pois é jungida a esta. Deste modo, as
políticas públicas podem e devem ser contrastadas com a finalidade constitucional,
sobretudo porque se submetem à força vinculante dos direitos fundamentais a que
visam implementar.
Diante da crise do Estado, bem descrita por José Reinaldo Lima Lopes
762
, a
solução também deverá provir do Judiciário, pois não há como implementar o Estado
Social e concretizar a justiça substantiva sem a intervenção do juiz.
No Estado brasileiro, mais do que aumento de recursos, requer-se um
planejamento eficiente para gerir os existentes. Desta feita, não controlar
jurisdicionalmente as políticas públicas equivale à negação da justiciabilidade dos
759
BARBOSA, Rui. Oração perante o Supremo Tribunal Federal, em 23. 04. 1892. Revista
Pensamento e Ação. p. 150-153. p. 155. Disponível em: <http://www.casaruibarbosa.gov.br>.
Acesso em: 10 jan. 2008.
760
CAPPELLETTI, Mauro. Repudiando Monstesquieu? A expansão e a legitimidade da justiça
constitucional. Trad. Fernando Sá. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre. v. 20, out. 2001. p. 261-270; p. 266.
761
Cf. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. São
Paulo: Malheiros, 2003. p. 15.
762
A propósito José Reinaldo de Lima Lopes enfatiza a relevância do papel do Judiciário “num Estado
que tem sido cada vez menos capaz de cumprir seu papel básico”, pois está “em cheque o Estado
enquanto ordenador das condições de vida política, ou seja, enquanto garantidor das condições
de sociabilidade”. (LOPES, José Reinaldo de Lima. Crise da norma jurídica e a reforma do
Judiciário. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 85). Para Celso Fernandes Campilongo o desafio para o Judiciário, “no campo
dos direitos sociais era, e continua sendo, conferir eficácia aos programas de ação do Estado, isto
é, às políticas públicas, que nada mais são do que os direitos decorrentes dessa ‘seletividade
inclusiva’. (CAMPILONGO, Celso Fernandes, op. cit, p. 47).
294
direitos sociais que delas dependem, em grande parcela, para se afirmarem no
plano fático.
Sensível a esse imperativo ético-jurídico, verifica-se a conversão de postura
do Supremo Tribunal Federal, ao acenar para a possibilidade do controle judicial das
políticas públicas
763
.
Estas são as inafastáveis diretrizes de cúpula para todo o Judiciário:
É preciso evoluir, cada vez mais, no sentido da completa
justiciabilidade da atividade estatal e fortalecer o postulado da
inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial. A
progressiva redução e eliminação dos circulos de imunidade do
poder de gerar, como expressivo efeito consequencial, a
interdição de seu exercício abusivo
764
.
O controle principiológico das políticas públicas é de rigor, posto que esse não
constitui senão a análise da sua compatibilidade com o comando finalístico do texto
constitucional e da sua submissão aos princípios nele inscritos, notadamente o da
eficiência e da moralidade, nesta contida a razoabilidade e a proporcionalidade.
Ademais, “cuando se defienden los princípios constitucionales no se hace
política sino defensa jurisdicional de La Constitución”
765
.
6.5.3.2.2 Ativismo estratégico judicial
A crise de efetividade dos direitos fundamentais é observada por Ingo
Wolfgang Sarlet, para quem a crescente descrença nos direitos fundamentais tem
relação direta com a crise do Estado Democrático e Social de Direito
766
.
763
STF - 2. t, RE-Agr 410715 / SP. Rel. Min. Celso de Mello, DJ 03-02-2006.
764
STF- Pleno, MS 20999 / Distrito Federal. Rel. Min. Celso de Mello, DJ 25-05-1990.
765
Miguel Angel Garcia Herrera apud STRECK, Lenio Luiz. A baixa constitucionalidade e a
inefetividade dos direitos fundamentais-sociais em Terrae Brasilis, p. 277.
766
SARLET, Ingo Wolfgang et al. A reforma (deforma?) do judiciário e a assim designada
“federalização” dos crimes contra os direitos humanos: proteção ou violação de princípios e
direitos fundamentais? In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Jurisdição e direitos fundamentais:
anuário 2004/2005. Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul. (AJURIS). Porto
Alegre: Escola Superior da Magistratura/Livraria do Advogado, 2006.v. 1, t. 1, p. 49-105; p. 57,
nota 9. A propósito denuncia Luiz Lenio Streck a “baixa constitucionalidade”, pois o acontecer da
Constituição, ainda não realizado, depende da possibilidade da manifestação do ser do ente
‘Constituição’. Todavia ela é meramente desvelada pelo ‘sentido comum teórico’ que é uma
“manifestação (inautêntica) do ser do Direito, velando, na ambivalência velamento-desvelamento,
as possibilidades transformadoras exsurgentes do novo modelo de Direito (Estado Democrático de
Direito)”. (STRECK Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do
Direito. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 835-836, nota 2).
295
A descrença dos direitos fundamentais, em verdade, constitui o mero reflexo
da descrença quanto à (ausência de) efetivação e proteção a eles destinada.
Portanto, mostra-se sobremodo relevante a atuação efetiva da jurisdição
constitucional para o resgate da credibilidade nos direitos fundamentais sociais e de
sua imanente justiciabilidade, sobretudo em função da “perda do substrato social do
Direito
767
.
Os direitos sociais implicam um ‘protagonismo ativo-prestacional’ (Contreras
Peláez) dos poderes blicos, pois reclamam um Estado intervencionista,
redistributivo-assistencial, que se responsabiliza por garantir aos indivíduos um
mínimo de bem-estar.
Ao ativismo prestacional do Estado (devedor), corresponde ao protagonismo
ativo-jurisdicional do Estado (fiador) que garanta e ordene a concretização de
direitos sociais ilegitimamente sonegados.
O ativismo judicial, segundo a lição do jurista Eduardo Ribeiro Moreira:
O ativismo judicial não é escolher a vontade do intérprete, mas de
completar a obscuridade, a lacuna do legislador, maximizando a
vontade constitucional e concretizando os direitos fundamentais, em
todos os espaços possíveis
768
.
O Judiciário é instado ao ativismo em sede de direitos sociais, sobretudo após
1988, quando a Constituição outorgou ao cidadão o mandado de injunção para que
ele o Judiciário diante da omissão dos demais Poderes concretizasse o seu
direito violado.
Com a autoridade do seu magistério, Robert Alexy bem descreve o proposto
ativismo estratégico:
Como lo ha mostrado la jurisprudencia del Tribunal Consitucional
Federal, en modo alguno un tribunal constitucional es impotente
frente a un legislador inoperante. El espectro de sus posibilidades
procesales-constitucionais se extiende, desde la mera constatación
de una violación de la Constitución, a través de la fijación de un plazo
dentro do cual debe llevarse a cabo una legislación acorde con la
767
STRECK, Lenio Luiz. A baixa constitucionalidade e a inefetividade dos direitos fundamentais-
sociais em Terrae Brasilis, p. 300.
768
Segundo o jurista, o ativismo “[...] foi a postura adotada nos Estados Unidos em meados do século
XX que introduziu uma rie de mudanças no estado social, cultural e econômico, a partir das
decisões da Suprema Corte). (MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Os direitos constitucionais em tempos
de constitucionalismo. Tese (Doutorado em Direito). 2006. Pontifícia Universidade Católica, São
Paulo, p.175.
296
Constitución, hasta la formulación judicial directa de lo ordenado por
la Constitución
769
.
Atentos à necessidade no contexto brasileiro, defendem o ativismo em sede
de direitos sociais, dentre outros, João Luiz M. Esteves
770
, Sergio Fernando Moro
771
e José Eduardo Faria
772
, Eduardo Cambi
773
e Lenio Luiz Streck
774
.
Igualmente, na aplicação interna dos direitos sociais reconhecidos no Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, não se prescinde da
postura ativista, quando necessária, pois,
[...] dentro dos limites do exercício adequado de suas funções de
exame judicial, os tribunais devem ter em conta os direitos
reconhecidos no Pacto quando seja necessário para garantir que o
comportamento do Estado está em consonância com as obrigações
dimanantes do Pacto
775
.
Na doutrina estrangeira, os juristas Victor Abramovich e Christian Courtis
776
de igual modo conclamam o Judiciário ao ativismo para a reversão da atual postura
em sede de direitos sociais
[...] avanzar en el planteo de casos judiciales sólidos, en los que se
reclame ante la violación de derechos económicos, sociales y
culturales. La gradual acumulación de precedentes judiciales, que
permitam extraer princípios de actuación operables en contextos
análogos, hará posible un cambio de actitud por parte de los
769
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 496-497.
770
ESTEVES, João Luiz M. Direitos sociais fundamentais no Supremo Tribunal Federal. Coleção
Prof. Gilmar Mendes. São Paulo: Método, 2007. p. 137.
771
MORO, Sergio Fernando. Jurisdição constitucional como democracia. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004. p. 292.
772
FARIA, José Eduardo. Transformações do Judiciário em face de suas responsabilidades sociais.
In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça.o Paulo: Malheiros,
2002. p. 66;. Para o jurista a interpretação e a concretização dos direitos fundamentais, sobretudo
os sociais, em sede de normas programáticas, exigem um processo jurisdicional mais ativo e
dinâmico, modificando as formas ortodoxas de ação e lide judiciais”.
773
O jurista leciona que “[...] em nível principiológico, o ativismo judicial deve imperar quando se trate
de concretizar direitos fundamentais inerentes ao que se denominou mínimo existencial”. (CAMBI,
Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. In: FUX, Luiz et al. (Coord.). Processo e
Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006. p. 662-683; p. 668).
774
Cf. STRECK Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito, p.
19.
775
Observação Geral n 9, § 14, do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível
em: <http://www2.ohchr.org/english/bodies/cescr/comments.htm.>. Acesso em: 25 ago. 2007.
(Tradução livre).
776
ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian, op. cit, p. 132.
297
tribunales, y una mayor visibilidad de la posibilidad de reclamo
judicial por parte de las própias víctimas.
A jurisdição constitucional não pode se resumir ao controle da
constitucionalidade normativa em defesa da ordem jurídica objetiva, embora seja
esse pressuposto indispensável para a implementação de um Estado
Constitucional
777
.
O resgate da função social do Estado Democrático e a magnitude dos direitos
sociais, justificam o ativismo judicial, que viabiliza, de forma substancial, a
consecução do objetivo constitucional de implementação da justiça social.
Ao novo papel da jurisdição constitucional no Estado Social, apto a
concretizar uma Constituição compromissária e de extrema densidade axiológica – a
exemplo da brasileira corresponde um ativismo estratégico na proteção de direitos
sociais. A adoção de postura judicial ativa é tanto mais justificada diante da textura
aberta que os preceitos constitucionais definidores dos direitos sociais enseja e para
que se enfrente a complexidade que a sua concretização exige.
Por essa ótica, mostra-se violatória a negativa de justiciabilidade (subjetiva)
aos direitos sociais. A negativa de justiciabilidade ou “la omisión por los jueces de
hacer valer los mencionados compromissos u obligaciones”, aduz Rolando E.
Gialdino, é “incompatible con el principio del império del derecho, que siempre ha de
suponerse que incluye el respeto de las obligaciones internacionales en matéria de
derechos humanos”
778
.
Num Estado Democrático de Direito a ‘vontade de Constituição’ e a sua ‘força
normativa’ (Konrad Hesse) estão acima do princípio majoritário e devem ser
asseguradas pela ativa postura jurisdicional, sobretudo em tempos de
neoconstitucionalismo.
O ativismo judicial corresponde à postura do julgador, não só ativa, mas
estratégica, que no exercício do múnus jurisdicional, não se limita a aplicar a lei e a
Constituição, que se vale da discricionariedade técnica em busca de soluções
777
Pelo histórico da evolução do sistema de controle de constitucionalidade no ordenamento pátrio,
híbrido desde a EC 16/1965, verifica-se um robustecimento da jurisdição orgânica, com o
crescente aperfeiçoamento do sistema de controle de constitucionalidade, sobretudo o
concentrado, enquanto a Jurisdição constitucional garantidora dos direitos fundamentais,
sobretudo em sede de direitos sociais, permanece deficitária.
778
GIALDINO, Rolando E. El derecho a un vel de vida adecuado en el plano internacional e
interamericano, con especia referencia a los derechos a la vivienda y a la alimentación adecuadas.
Su significación y contenido. p. 372.
298
constitucionais concretas para as violações de direitos fundamentais e da
maximização da vontade constitucional.
E mais, um ativismo judicial “(conseqüente e responsável) fortemente
articulado do ponto de vista da consistência discursiva (motivação) e da riqueza
argumentativa (convencimento)”, como bem adverte Clèmerson M. Clève
779
.
6.5.3.3 Hermenêutica neoconstitucional concretizante
A par do desenvolvimento de um sistema processual garantista para os
direitos sociais, da alteração orgânico-funcional da jurisdição constitucional e o
reconhecimento da legitimidade democrático-constitucional do Poder Judiciário,
postula-se a adoção de uma postura jurisdicional compatível com as novas
exigências do Estado Social. Postula-se, sobretudo, que a hermenêutica dos direitos
sociais seja pautada, sobretudo, na principiologia do direito interno e internacional.
No âmbito da jurisdição constitucional, se deve assegurar a concretização
jurisdicional pautada por uma hermenêutica renovada e adequada à racionalidade
dos direitos fundamentais, que requer um juízo prático-reflexivo
780
.
6.5.3.3.1 Principiologia do direito interno e internacional
A extensão e relevância do tema hermenêutica constitucional merece um
estudo amplo e pormenorizado que não cabe neste espaço desenvolver. Cabe,
porém, pontificar que, sobretudo em sede direitos sociais, é um reclamo
neoconstitucional a nova hermenêutica. Ela deve ser, sobretudo, principiológica e
concretizante. A interpretação adequada da norma constitucional, na visão de
Konrad Hesse, “é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido
779
CLÈVE, Clèmerson M. Poder judiciário: autonomia e justiça. Revista de Informação Legislativa,
Brasília, n 117, jan./mar. 1993, p. 293-308; p. 297.
780
Em sede de direitos sociais, sobretudo, o Judiciário de superar a hermenêutica retrospectiva,
que é vista por Luís Roberto Barroso como “uma das patologias crônicas da hermenêutica
constitucional no Brasil”. (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição:
fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 4. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2001. p. 251).
299
(Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa
determinada situação”
781
.
A correta interpretação judicial que enseja a concretização do comando
constitucional, todavia, somente é possível mediante a adequada capacitação do
julgador, neste caso, em matéria de direitos humanos.
De fato, não se pode renegar “a existência de um conjunto de princípios e
regras jurídicas que alcançam e mesmo protegem, formalmente, os direitos
fundamentais”
782
.
Em estudo especial nos países da América Latina, o Comitê de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (ONU) ao apurar a aplicação do PIDESC no Brasil
[...] expressa preocupação pela falta de capacitação adequada em
matéria de direitos humanos no Estado Parte [Brasil], em particular
no que respeita aos direitos consagrados no Pacto, especialmente na
judicatura e entre os agentes da ordem e outros encarregados da
aplicação do Pacto
783
.
À mesma conclusão chegaram José Ricardo Cunha e Alexandre Garrido da
Silva
784
, em função do que propõem ações estratégicas em âmbito jurisdicional
[...] que devem versar sobre a arquitetônica institucional e o ‘corpus’
jurídico-normativo que conformam o Direito Internacional dos Direitos
Humanos, pois o seu desconhecimento condiciona uma ‘menor’
efetividade das normativas internacionais sobre direitos humanos no
cotidiano da atividade jurisdicional.
A jurisdição dogmática, protetora dos direitos fundamentais, deve ter um
parâmetro que reclama uma compreensão axiológica que “postula uma
781
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris, 1991. p. 22.
782
LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas hermenêuticas dos direitos humanos e fundamentais no Brasil.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 192.
783
In: Compilação das observações finais do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
sobre países da América Latina e do Caribe (1989-2004). p. 56. Disponível em:<
http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/898586b1dc7b4043c1256a450044f331/3e4492f624f618b2c1256
d5000565fcc/$FILE/G0441305.pdf>.Acesso em: 28 jul. 2007.
784
CUNHA, José Ricardo; SILVA, Alexandre Garrido da. Direitos Humanos no Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro: concepção, aplicação e formação. Disponível em:
<http://conpedi.org/manaus///arquivos/Anais/Jose%20Ricardo%20Cunha%20e%20Alexandre%20
Garrido%20da%20Silva.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2008.
300
racionalidade material, de fundamento, centrada no valor da pessoa humana, que dá
sentido ao nosso viver”
785
.
Ademais, sendo o Estado constitucional concebido como Estado e Sociedade
dos direitos fundamentais, como afirma Peter Häberle, não cabe dissociar a
interpretação e a efetividade dos direitos fundamentais
786
. Ademais, eles “são as
referências substantivas, materiais que servirão de base às decisões jurisdicionais,
articulando também a necessária unidade do sistema jurídico”
787
.
O jurista Paulo Bonavides descreve com precisão ímpar a necessidade da
hermenêutica neoconstitucional em tempos de múltiplas dimensões de direitos
fundamentais
[...] tudo mudou, e mudou para sempre, quando advieram os direitos
fundamentais de segunda, terceira e quarta gerações [...]. Suas
postulações fizeram o princípio deslocar a regra, a legitimidade a
legalidade, a Constituição a lei, e assim logrou estabelecer o primado
da dignidade da pessoa humana como esteio de legitimação e
alicerce de todas as ordens jurídicas fundadas no argumento da
igualdade, no valor da justiça e nas premissas da liberdade, que
concretizam o verdadeiro Estado de Direito
788
.
A marca principal da hermenêutica neoconstitucional “é a ascensão dos
valores, o reconhecimento da normatividade dos princípios e a essencialidade dos
direitos fundamentais”
789
. E diante de sua proposta, requer-se do juiz uma postura
ativa e criativa, com a necessária consciência valorativa, para que saiba operar os
direitos fundamentais em suas múltipla tipologia.
785
MELGARÉ, Plínio. Um olhar sobre os direitos fundamentais e o estado de direito – breves
reflexões ao abrigo de uma perspectiva material. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Jurisdição e
direitos fundamentais: anuário 2004/2005. Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul
(AJURIS). Porto Alegre: Escola Superior da Magistratura/Livraria do Advogado, 2006, v. 1, t. 2, p.
193-208; p. 206.
786
HÄBERLE, Peter. Jurisprudência constitucional, p. 277. Louvando-se nas lições de Lúcia B. F.
Alvarenga, Andreas J. Krellsustenta que a “questão hermenêutica dos Direitos Fundamentais
deixa de ser um problema de correta subsunção do fato à norma para se tornar um problema de
conformação ‘políticados fatos, isto é, de sua transformação conforme um projeto ideológico (e
não lógico)”. (KRELL, Andreas Joachim, op. cit, p. 74).
787
MELGARÉ, Plínio, op. cit, p. 204.
788
BONAVIDES, Paulo, Teoria constitucional da democracia participativa, p. 221.
789
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional
brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: GRAU, Eros Roberto; CUNHA,
Sérgio rvulo (Coords.). Estudos de direito constitucional: em homenagem a José Afonso da
Silva. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 23-59; p. 43.
301
À luz da concepção de Estado e do regime constitucional adotado pela CF/88,
requer-se no campo hermenêutico constitucional, não a especificidade exegético-
axiológica, mas uma exegese conformada pelo Estado Social.
O Estado Social, bem observa Celso Fernandes Campilongo
790
, desafia o juiz
à adoção de uma nova postura exegética
[...] a ‘complicada convivência’ do Estado de Direito com o chamado
Estado de Bem Estar Social fica evidenciada pelo necessário recurso
a novas categorias cognitivas da parte do intérprete. Caminha-se,
assim, da hermenêutica de bloqueio para a hermenêutica de
‘legitimação de aspirações’
791
.
Portanto, do ponto de vista metodológico, é favorável a abertura semântica
das normas que consagram os direitos econômicos, sociais, ao possibilitar diversas
concretizações, como bem observa Cristina M. M. Queiroz, pois a [...] ‘abertura’
comporta uma ‘delegação’ em favor dos órgãos concretizadores
792
.
Dada a força normativo-axiológica que emanam as normas de direitos
fundamentais, a sua vinculação normativa deve ser transportada para o processo de
interpretação/concretização
793
. A necessidade de uma hermenêutica específica,
tanto mais se justifica em função da postura de minimização dos direitos sociais e
uma maximização de obstáculos à sua realização e proteção. Entre o minus e o
majus de se buscar, mediante interpretação principiológica e concretista, a
realização ponderada dos direitos sociais.
A sistematização de princípios constitucionais interpretativos dos direitos
fundamentais obstaria, em grande medida, o déficit de interpretação dos direitos
sociais. Desse modo, não em sua dimensão objetiva, mas sobretudo em sua
dimensão subjetiva, os direitos sociais hão de ser interpretados por princípios que
maximizem a sua eficácia e que prestigiem a sua justiciabilidade.
A interpretação constitucional judicial desempenha relevante função na
elaboração da ordem jurídica, sobretudo em sede de direitos fundamentais, quando
790
CAMPILONGO, Celso Fernandes, op. cit, p. 46.
791
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio, op.p. 154.
792
QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais sociais: questões interpretativas e limites da
justiciabilidade. In: SILVA, Virgílio Afonso da. (Org.) Interpretação constitucional. São Paulo:
Malheiros, 2005. p. 165-216; p. 176,177.
793
Cf. QUEIROZ, Cristina M. M. Interpretação constitucional e poder judicial: sobre a epistemologia
da construção constitucional. Coimbra: Coimbra, 2000. p. 335.
302
estabelece sua pauta interpretativa para os demais Poderes, oportunamente
mencionada por Rolando E. Gialdino em comento aos direitos sociais:
No se trata, para nada, de definir desde los tribunais una orientación
política, lo cual corresponde a los órganos políticos, sino más bien de
que aquéllos precisen el significado de los conceptos inscriptos en la
Constitución y los límites del domínio en el que puede intevenir la
potestad pública. De esta suerte, es decir, por via de la interpretación
de la Constitución, la justicia en clave constitucional provee a los
otros poderes del Estado de instrumentos y critérios conceptuales
para su conducta. Los jueces que aplican la Constitución tienen, así,
no solo una función de salvaguarda, sino también que juegan un
papel en la elaboración del orden jurídico
794
.
E acrescenta o jurista que as pautas e standards elaborados pelos órgãos
internacionais, e mesmo nacionais, provêem condições aos Tribunais para a
resolução de conflitos envolvendo os direitos fundamentais, sobretudo o direito a um
nível de vida adequado (existência digna) em termos ponderados, sérios e
objetivos
795
.
No contexto da ordem jurídico-constitucional brasileira, na atividade judicial
interpretativa sob a perspectiva principiológica neoconstitucional, deve-se observar
que não mais estando restrito o catálogo e o regime jurídico dos direitos e garantias
fundamentais ao âmbito da Constituição, apresenta-se ampla a diretiva
principiológica que incide em sua interpretação e aplicação.
Mediante a cláusula de positivação implícita, adotada pela Constituição
Federal de 1988, por meio da qual os direitos e garantias previstos nos Tratados em
que participe o Brasil agregam-se automaticamente à sua parte dogmática, impõe-se
à aplicação automática dos princípios de Direito Internacional e dos princípios
informadores sobre eles incidentes. Por conseguinte, revela-se sobremodo ampliada
a gama de princípios incidentes na aplicação interna, no âmbito dos Estados, dos
direitos e garantias previstos neles previstos.
Dentre as categorias principiológicas, citam-se, no âmbito internacional: a)
princípios de Direito Internacional
796
, a exemplo do o princípio do pacta sunt
794
GIALDINO, Rolando E. El derecho a un nível de vida adecuado en el plano internacional e
interamericano, con especia referencia a los derechos a la vivienda y a la alimentación adecuadas,
p. 909.
795
Idem, Ibidem, p. 912.
796
São nesse sentido as Observações Gerais dos Comitês das Nações Unidas em matéria de direitos
humanos – segunda entrega, quanto à aplicação interna do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais. Cf. ‘Observaciones y recomendaciones generales de los comitês de las Naciones
303
servanda e o b) princípios informadores dos direitos e garantias previstos nos
tratados e convenções Internacionais, a exemplo do o princípio da progressividade e
não retrocesso, relativos aos direitos sociais.
No âmbito interno, dos princípios interpretativos citam-se princípios
informadores dos direitos e garantias previstos na Constituição, a exemplo do
princípio da dignidade humana, do princípio da máxima da efetividade da norma
definidora dos direitos fundamentais e, ainda, do princípio da justiça social e da
democracia social, no tocante aos direitos sociais.
Deles se façam breves observações dada a delimitação epistemológica do
presente estudo.
O princípio do pacta sunt servanda deflui da Convenção de Viena sobre o
Direito dos Tratados
797
, que estabelece em seu art. 26 que “Todo tratado em vigor
obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé” e o princípio da não
objeção do direito interno , do seu art. 27 no sentido de que “Uma parte o pode
invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um
tratado”.
Esse princípio é invocável e plenamente aplicável no tocante à efetivação dos
direitos sociais previstos no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais (PIDESC), na Convenção Americana de Direitos Humanos e respectivo
Protocolo, pois o descumprimento das obrigações assumidas pelo Estado implica,
segundo o direito internacional, violação do Pacto (Princípios de Limburgo, §70)
798
.
O princípio da progressividade encontra-se explicitamente referido no
PIDESC, em seu art. e no art. 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos
(Pacto de San José da Costa Rica). Além de representar uma pauta interpretativa
Unidas em matéria de derechos humanos - segunda entrega’. Investigaciones. Buenos Aires, Ano
5, v. 3, 2001, Corte Suprema de Justicia de la Nación República Argentina. Secretaría de
investigación de Derecho comparado. p. 539-576; p. 558).
797
A Convenção sobre o Direito dos Tratados, concluída em Viena em 23 de maio de 1969, entrou
em vigor em âmbito internacional em 27 de janeiro de 1980, ainda não foi ratificada pelo Brasil.
Não obstante, vincula materialmente, pois o texto da Convenção, com ressalva de seus arts. 25
e 66, foi aprovado nos termos Projeto de Decreto Legislativo n 214/92 (Congresso Nacional),
inclusive com parecer positivo da Comissão de Justiça e de Redação, pela constitucionalidade,
juridicidade e técnica legislativa. Referido projeto, está desde 08/11/1995, pronto para a Ordem do
Dia no Plenário da Câmara dos Deputados (DCD 08 12 95 PAG 8398 COL 01).
798
Os Princípios de Limburgo constituem um conjunto de princípios elaborados para a aplicação do
PIDESC, deliberados em reunião de países e organizações internacionais em Maastricht, Holanda
(de 2 a 6 de junho de 1986), cuja aplicação pode ser efetuada no ordenamento jurídico brasileiro
que é signatário do mesmo Pacto. Disponível em: <http://www.villarroelsierraalta.com/
spanish/Portales/villarroelsierraalta%5Cdata%5C333.pdf>.Acesso em: 27 set. 2007. (Tradução
livre).
304
“Es un concepto destinado a hacer cada vez más rigurosos los estándares de
exigibilidad
799
e conduz ao imperativo por parte do Estado de efetivar os direitos
sociais o “mais explícita e eficazmente possível”
800
, segundo os recursos existentes,
independentemente do aumentos destes
801
.
A questão da progressividade atrelada à implementação dos direitos humanos
econômicos, sociais e culturais é imposta pelos documentos internacionais, em sede
de direitos sociais, engloba três sentidos complementares: gradualidade, progresso
e não retrocesso
802
. Corresponde à proteção do mínimo no caminho progressivo da
implementação dos direitos sociais. Não implica diferir a efetivação dos direitos
sociais, relegando sua implantação apenas à superveniência de condições de ampla
disponibilidade econômico-financeira. Ao revés, implica tornar mais rigorosa a sua
implementação e promover a sua constante melhora, mediante a ponderação com a
reserva das possibilidades reais - e não das impossibilidades apenas argüidas -
reputando-se inadmissível qualquer medida não legítima que importe em retrocesso
social.
Todavia, subverte-se tal comando, em prejuízo dos direitos sociais, como
denuncia Antonio Augusto Cançado Trindade, que tem servido de pretexto à
postergação indeterminada e à violação dos próprios direitos
803
.
O princípio do não retrocesso, conforme já se afirmou, corresponde à garantia
de não reversão ilegítima da proteção jurídico-normativa e da implementação fática
dos direitos sociais.
Como princípio de direito interno, mostra-se de especial relevância o princípio
da dignidade humana, que deve pautar necessariamente a interpretação e
efetivação dos direitos sociais, posto que estes possuem nuclearmente conteúdo em
dignidade humana e desta constituem a mais expressiva concreção. Desse modo,
799
GIALDINO, Rolando E, El derecho a un nível de vida adecuado en el plano internacional e
interamericano, con especia referencia a los derechos a la vivienda y a la alimentación adecuadas,
p. 855.
800
Observação Geral n 3, § 9º, do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em:
<http://www2.ohchr.org/english/bodies/cescr/comments.htm.>. Acesso em: 25 ago. 2007.
(Tradução livre).
801
Princípios de Limburgo, § 24. (Tradução livre).
802
Vide Cap. V, item 5.3.1.5.
803
TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado Internacional dos direitos humanos. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 1997. p.391.
305
impõe-se a interpretação pro dignitate
804
ou pro humanitate, pois em favor do
homem e da sua impostergável dignidade devem os direitos sociais ser
interpretados.
O princípio da dignidade humana, que conforma a ordem constitucional, na
lúcida visão de Cristina M. M. Queiroz, “poderá vir a ser chamado a desempenhar,
em sede de interpretação a aplicação dos direitos fundamentais sociais, o papel de
motor do ‘desenvolvimento’ e ‘aperfeiçoamento’ da ordem jurídico-constitucional”
805
.
A jurista lusitana, combatendo de forma categórica as objeções doutrinárias aos
direitos sociais afirma ser possível conceber os direitos sociais como ‘direitos
prestacionais de natureza subjetiva’ ao seu titular, enquanto ‘ser socialmente
integrado’, naquilo que decorra do princípio da dignidade humana
806
.
O princípio da máxima efetividade da Constituição, sobretudo das normas
constitucionais definidoras de direito fundamental, implica escolher a inteligência
que preserve e não a que destrua a essência do direito em jogo”
807
. Na leitura do
princípio supra, deve-se incluir a máxima efetividade dos Tratados dos quais é
signatário o Brasil. Toda interpretação dos direitos sociais deve permitir, portanto, a
plena aplicação dos Tratados internacionais que os prevejam e que gozam de
constitucionalidade material no ordenamento pátrio.
O princípio da justiça social, cujos ditames são elementos integrantes dos
objetivos constitucionais da Constituição Federal de 1988, deve constituir prinpio
hermenêutico constitucional, a fim de pautar, de modo permanente, a interpretação e
aplicação judicial dos direitos sociais. O conteúdo da justiça social deve consistir,
como ponderou a Corte Suprema Argentina, “na ordenação da atividade
intersubjetiva dos membros da comunidade e os recursos que esta possui com
804
Em favor da interpretação pro dignitate, Ingo W. Sarlet. (SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos sociais:
o problema de sua proteção contra o poder de reforma na Constituição de 1988. Revista de Direito
Constitucional e Internacional, São Paulo, ano 12, n .46, jan./mar. 2004, p. 42-73; p. 73).
805
QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais sociais: questões interpretativas e limites da
justiciabilidade, p. 213. Nesse sentido, Emerson Garcia, para quem podem ser deduzidos direitos
subjetivos das normas definidores de direitos sociais mediante a conjugação do mandado
constitucional e do princípio do Estado Social com o princípio da dignidade humana. (GARCIA,
Emerson. Princípio da separação de poderes: os órgãos jurisdicionais e a concreção dos direitos
sociais, p. 128).
806
Idem, ibidem, p. 213, 214. Essa leitura moral’ (Dworkin) da Constituição, acrescenta a jurista,
apresenta-se como metodologia de interpretação e aplicação a partir de argumentos materiais
em favor dos direitos fundamentais - e requisito de integridade constitucional (Idem, Ibidem, p.
203).
807
GIALDINO, Rolando E. Los derechos económicos, sociales y culturales. Su respeito, protección y
realización en el plano internacional, regional y nacional', p. 390.
306
vistas a possibilitar que todos e cada um de seus membros participem dos bens
materiais e espirituais da civilização”
808
.
O prinpio da democracia econômica, social e cultural, citado por J. J.Gomes
Canotilho como estruturante, deve ser utilizado como elemento de interpretação na
avaliação da conformidade da conduta estatal com a Constituição
809
. Deve, pois
constituir parâmetro legitimador em sede de interpretação e concretização
jurisdicional dos direitos sociais. Pondera o jurista lusitano que a actividade
jurisprudencial deve também se esforçar por, no momento interpretativo
concretizador, dar um conteúdo concreto aos direitos econômicos, sociais e
culturais”
810
.
A interpretação opera em grau máximo quando se tratam de princípios
constitucionais e direitos humanos, segundo a correta visão de André Ramos
Tavares
811
.
Mais do que novas metodologias, faz-se necessário o desenvolvimento de
uma teoria da interpretação dos direitos fundamentais, sobretudo dos direitos
sociais, a fim de que estes alcancem o reconhecimento de sua plena justiciabilidade.
A compreensão axiológica das normas constitucionais é um imperativo na jurisdição
constitucional, pois fora de uma hermenêutica principiológica, não legitimidade
das soluções constitucionais e nem mesmo interpretação da Constituição
812
.
A visão prospectiva e a exegese principiológica, contributos necessários para
a construção teórica do neoconstitucionalismo, cuja perspectiva crítica implica
rupturas paradigmáticas, mormente em sede de direitos sociais.
Desse modo, toda interpretação e aplicação das normas definidoras dos
direitos sociais devem se realizar pro dignitate e pro justitia socialis
813
, na medida
808
Citada por GIALDINO, Rolando E. Los derechos económicos, sociales y culturales. Su respeito,
protección y realización en el plano internacional, regional y nacional, p. 382.
809
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1993. p.
470.
810
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. p. 668.
811
TAVARES, André Ramos. Teoria da justiça constitucional. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 241.
812
Cf. BONAVIDES, Paulo. Jurisdição constitucional e legitimidade: algumas observações sobre o
Brasil. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004
000200007&lng=pt&nrm=iso)>. Acesso em: 12 mar. 2007. Também em: BONAVIDES, Paulo.
Teoria constitucional, p. 4. Aduz o jurista: “Enquanto os tribunais insistirem em interpretar a lei com
métodos especificamente jurídicos, da metodologia clássica, surgidos do dedutivismo jusprivatista
inspirado nos cânones de Savigny, eles jamais interpretarão a Constituição”.
813
Expressão de Rolando E. Gialdino. (GIALDINO, Rolando E. Los derechos económicos, sociales y
culturales. Su respeito, protección y realización en el plano internacional, regional y nacional, p.
382). Declara o jurista: “Los derechos econômicos, sociales y culturales, deben aplicarse e
interpretarse en favor de la persona, y según los términos de la justicia social”.
307
em que favoreçam aqueles que deles necessitam para, sob o pálio da suprema
dignidade, usufruir do bem comum e alcançar a plena potencialidade como ser
humano.
6.5.3.3.2 Reserva do possível x princípio da eficiência
Outra correção necessária é a adequada exegese da reserva do possível,
cuja deficiência de interpretação constitui obstáculo jurisdicional à justiciabilidade
dos direitos sociais.
Em face dos custos dos direitos sociais, pode se afirmar que uma errônea
perspectiva, doutrinária sobretudo, que condiciona a juridicidade ou configuração do
próprio direito à disponibilidade de recursos. Não se nega a implicação financeira na
realização material dos direitos sociais e é justamente em virtude dessa necessidade
que o Estado arrecada, aliás, vorazmente no caso do Brasil. Todavia, também se
deve pôr em foco a gestão pública e o princípio da eficiência que a norteia.
O princípio da eficiência, que muito vigora na gestão privada, informa
agora a gestão pública e a sua observância implica tomar decisões estratégicas em
busca da eficácia nos resultados. E, nesse contexto, somente um planejamento
estratégico pode dar organização e racionalidade na aplicação dos recursos para o
alcance das metas propostas ou impostas pela Constituição quando em sede de
políticas públicas.
O planejamento ou ‘plano de ação detalhado’, sem dúvida, implica orçamento
ou ‘orçamento-programa’
814
, que sob seu aspecto formal constitui instrumento
técnico de execução dos planos governamentais. Esclarece Adilson de Abreu Dallari
que “O orçamento não é um amontoado de números, mas sim a representação
numérica de uma programa completo de governo, coroando todo um sistema de
planejamento”
815
.
814
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed, rev. e atual. nos termos da
reforma constitucional (até a Emenda n. 39, de 19.12.2002). São Paulo: Malheiros, 2003. p. 714.
As origens do orçamento remontam ao ano de 1215, com a edição da ‘Magna Charta Libertatum’ e
se confundem com o próprio surgimento do Estado, como pontifica Adilson de Abreu Dallari,
passando o controle dos gastos dos governantes a constituir uma imposição do Estado de Direito.
(DALLARI, Adilson Abreu. Constituição e orçamento. Revista dos Tribunais-Cadernos de Direito
Constitucional e Ciência Política, São Paulo, ano 4, n. 5, abr./jun.1996, p. 18-24; p.19).
815
Idem, Ibidem, p. 19.
308
Todavia, de se considerar também o seu sentido material, explicitado por
Ricardo Lôbo Torres, para quem o orçamento público é um
[...] documento de quantificação dos valores éticos, a conta corrente
da ponderação dos princípios constitucionais, o plano contábil da
justiça social, o balanço das escolhas dramáticas por políticas
públicas em um universo fechado de recursos financeiros escassos e
limitados
816
.
A exigência do planejamento é ditada pela “necessidade da transformação do
Estado Liberal em Estado das Políticas Públicas”
817
e pelo valor albergado pelo
sistema jurídico brasileiro denominado ‘previsibilidade da ação estatal’, como
observa Adilson de Abreu Dallari
818
, evitando que os cidadãos sejam surpreendidos
com medidas governamentais não previstas.
Nesse contexto, a cláusula da reserva do possível, não tem como
conseqüência a sua ineficácia, como bem adverte Cristina M. M. Queiroz
819
, visto
que ela expressa unicamente a ‘necessidade de sua ponderação’”. Não obstante,
ela não pode conduzir à negativa da justiciabilidade dos direitos sociais, e sim
vincular a atuação estatal ao ‘máximo possível’ na sua implementação, mediante a
ponderação do binômio necessidade-possibilidade.
Na hipótese de violações dos direitos sociais, a cláusula da reserva do
possível não deve afastar de plano a responsabilidade estatal. Ao revés, deve instar
o Poder Público à comprovação da conformação constitucional de sua atividade,
visto que os recursos podem se tornar indisponíveis por gestão, fruto de
ineficiência administrativa.
Desse modo, aplicando-se a inversão da carga probatória para proteção do
hipossufiente, ao Poder Público incumbe comprovar que: a) elaborou e executou
com eficiência políticas públicas sociais, mas que por circunstâncias que o lhe
podem ser imputadas, estas não se mostraram eficazes, b) realizou todo o esforço
para utilizar os recursos existentes a fim de garantir, em caráter prioritário, o mínimo
816
TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: TORRES, Ricardo
Lobo (Org.). Teoria dos direitos fundamentais, p. 282.
817
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. Interpretação e crítica. 7. ed,
rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 364. O jurista concebe planejamento como “forma de
ação racional caracterizada pela previsão de comportamentos econômicos e sociais futuros, pela
formulação explícita de objetivos e pela definição de meios de ação coordenadamente dispostos”.
818
DALLARI, Adilson de Abreu, op. cit, p. 19.
819
QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais sociais: questões interpretativas e limites da
justiciabilidade, p. 211.
309
essencial a uma existência digna
820
ou c) não elaborou ou não executou políticas
públicas sociais em virtude da inexistência de recursos.
A isso se obriga, antes, o Estado para lançar mão do argumento econômico.
Por outro lado, o princípio constitucional da eficiência administrativa
821
em
sede de efetivação dos direitos sociais reputa-se violado em sede de política social
quando, a título de exemplo: (a) há recursos suficientes não utilizados ou mal
versados, (b) mau planejamento, (c) a implementação de uma política em
detrimento de outra prioritária, (c) má execução de uma política social
adequadamente desenhada e (d) inidoneidade ou inadequação da política em
face das metas.
Portanto, não é suficiente a alegação de reserva do possível se o Poder
Público, se a tanto instado, não logra demonstrar que inexistem recursos ou que
elaborou e executou de modo eficiente políticas sociais adequadas, mas que por
circunstâncias que não lhe podem ser imputadas - não se mostraram eficazes.
Nesse contexto, o Judiciário é chamado a, no desempenho legítimo de seu
múnus constitucional de guardião da Constituição, contrastar a conduta estatal,
omissiva ou comissiva, violadora dos direitos fundamentais, à luz dos princípios que
direcionam e vinculam a atividade estatal, ainda que nela contido o político.
A implementação da justiça social posta como objetivo da República
Federativa do Brasil
822
requer gestão eficiente mediante planejamento estratégico,
que deve ser submetido ao controle democrático e ao controle jurisdicional,
sobretudo à luz do princípio constitucional da eficiência.
Há de se verificar, portanto, antes de se lançar mão da cláusula de reserva do
possível, se há (in)suficiência dos recursos ou a (in)eficiência na gestão das políticas
sociais.
de se situar, ademais, o argumento da reserva econômica no contexto da
realidade em que se efetiva. O Brasil, por exemplo, mediante uma nova metodologia
de avaliação, subiu uma posição na economia mundial, passando a ocupar o
lugar, segundo ranking do Banco Mundial informado em 18/12/2007 e,
paradoxalmente, caiu uma posição na lista do Índice de Desenvolvimento
820
Observação Geral n.3, §10, do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em:
<http://www2.ohchr.org/english/bodies/cescr/comments.htm.>. Acesso em: 25 ago. 2008.
(Tradução livre).
821
Também podem as políticas blicas serem contrastadas à luz do principio da moralidade
administrativa.
822
Nos termos do Art. 1º da CF/88.
310
Humano
823
(IDH), na qual aparece atualmente 70º posição, segundo relatório da
Organização das Nações Unidas, informado em 27/11/2007.
A potencialidade e capacidade econômica do Brasil parecem contradizer o
discurso monocórdico da reserva econômica, donde se afirma que o ‘possível’ dos
direitos sociais não pode mais estar sob reserva no Brasil, ao revés, deve ser
otimizado.
Os direitos sociais como exigências éticas da dignidade humana não podem
ser suplantados pelos indicadores econômicos, pois equivaleriam “na prática, a
nenhuma vinculação jurídica”
824
. A violação dos direitos sociais desafia a sua
justiciabilidade e requer, em face da cláusula da reserva do possível, a ponderação
judicial.
6.5.3.3.3 Vedação do retrocesso via jurisdicional
Tradicionalmente, o princípio da proibição do retrocesso é concebido como
princípio que objetiva, principalmente, impedir que se proceda a qualquer a alteração
in pejus em sede de direitos sociais em nível de positivação jurídica, e até mesmo,
em nível de implementação fática.
Magistram, a propósito, Victor Abramovich e Christian Courtis:
La obligación de no regresividad constituye justamente uno de los
parámetros de juicio de las medidas adoptadas por el Estado en
matéria de derechos econômicos, sociales y culturales que resulta
directamente aplicable por el Poder Judicial. [...] La obligación veda
al legislador y al titular del poder reglamentario la adopción de
reglamentación que derogue o reduzca el nível de los derechos
econômicos, sociales y culturales de los que goza la población
825
.
823
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida comparativa utilizada para avaliar,
anualmente, e de modo padronizado, o nível de bem-estar de uma população, segundo a análise
das áreas de saúde, conhecimento e padrão de vida.
824
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 5. Coimbra: Almedina,
2002. p. 476-477.
825
ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian, op. cit, p. 95. “A obrigação de não retroceder constitui
justamente um dos parâmetros de justiciabilidade das medidas adotadas pelo Estado em matéria
de direitos econômicos, sociais e culturais que resulta diretamente aplicável pelo Poder Judiciário.
Do ponto de vista conceitual, a obrigação de não retroceder constitui uma limitação que os
tratados de direitos humanos pertinentes e, eventualmente, a Constituição impõem aos Poderes
Legislativo e Executivo no que tange às possibilidades de regulamentação dos direitos
econômicos, sociais e culturais. [...] Trata-se de uma garantia substancial, vale dizer, de uma
garantia que visa proteger o conteúdo dos direitos vigentes no momento da adoção da obrigação
311
Contudo, o princípio da proibição de retrocesso social, vincula toda a
atividade estatal, portanto, a normativa, a executiva e a jurisdicional do Estado.
Dirige-se o princípio do não retrocesso, portanto, a todos os Poderes. Ao
Legislativo
826
, dirige-se com vistas à manutenção do status jurídico dos direitos
sociais e de suas garantias, tornando irreversível o nível de positivação jurídica.
Dirige-se ao Executivo para, em preservando o nível de realização verificado,
otimizar a implementação dos direitos sociais. Ao Judiciário, que é também seu
destinatário, de um lado, para afastar as violações contra o próprio princípio por
parte dos demais Poderes, e de outro, para dar ampla admissão à justiciabilidade
dos direitos sociais de qualquer modo violados.
Segundo concepção aqui sustentada, o princípio do não retrocesso também
vincula o Judicrio e, nesse âmbito, também deve ser posto em relevo. Se a
positivação de um direito fundamental supõe progresso no histórico de conquista e
reconhecimento dos direitos humanos, a negativa jurisdicional de sua proteção
implica, mais que retrocesso, supressão arbitrária de sua justiciabilidade.
Desse modo, para correta exegese judicial dos direitos há de se atentar para
o comando da vedação de retrocesso, cuidando para que ela não opera via
jurisdicional. Em suma, o princípio visa não só a manutenção do conteúdo normativo
e do grau de realização fática dos direitos sociais, mas assegurar um nível de
proteção jurisdicional correlato à sua positividade mediante a admissão de sua
justiciabilidade.
Não tutelar ou concretizar direito fundamental legitimamente positivado na
Constituição equivale à negação estatal da proteção por ela institucionalizada.
Constitui uma das mais graves formas de retrocesso, pois é operada no âmbito onde
deve haver inafastável proteção. Direito fundamental a que se nega justiciabilidade é
um direito que não se reconhece. Faz-se dele um ‘não-direito’ e faz-se nula a
conquista histórica da consagração constitucional de direitos e garantias do cidadão.
internacional, e o nível de realização alcançado cada vez que o Estado, no cumprimento de sua
obrigação de progressividade, haja produzido uma melhora”. (tradução livre)
826
Exemplifica J. J. Gomes Canotilho: “consagradas legalmente as prestações de assistência social,
o legislador não pode eliminá-las posteriormente ‘retornando sobre seus passos’”. (CANOTILHO,
J.J. Gomes, op. cit, p. 542).
312
“O Judiciário é a última trincheira do cidadão”, como ressalta a Min. Ellen
Gracie
827
, e com maior razão o seo Supremo Tribunal Federal, enquanto templo
da justiça, onde a consciência jurídica do país tem a sua sede suprema e a sua
expressão final, segundo as notáveis palavras de Rui Barbosa
828
.
Para suprir eventual omissão dos demais Poderes, o Judiciário quando
acionado a prestar a tutela jurisdicional dos direitos sociais deve admitir,
indubitavelmente, a sua justiciabilidade sob pena de incidir no vedado retrocesso e
de deserção de sua missão constitucional. À luz do histórico do processo de
desenvolvimento dos direitos sociais, pode-se afirmar, em tempos de
neoconstitucionalismo, que o reconhecimento da justiciabilidade dos direito sociais
constitui progresso, a sua negativa, inadmissível retrocesso.
827
Cf. pronunciamento da Ministra do Supremo Tribunal Federal Ellen N. Gracie, em 3/12/2007, em
rede nacional de televisão, no caso de violação dos direitos humanos no Brasil ocorrida com a
prisão ilegal de uma menor em uma cela masculina.
828
Discurso proferido no Instituto dos Advogados, em 19 de novembro de 1914. (BARBOSA, Rui. O
Supremo Tribunal Federal na Constituição Brasileira. Revista Pensamento e Ação. p. 193.
http://www.casaruibarbosa.gov.br.).
313
CONCLUSÃO
I. Da análise histórica dos direitos fundamentais, apura-se que a nese de
seu reconhecimento repousa na proteção das liberdades contra o exercício abusivo
do poder estatal, deveras ampliada em face da crescente complexidade da
sociedade contemporânea, fazendo surgir novas classes de direitos num incessante
processo emancipatório. Na sua tipologia os direitos fundamentais podem ser
especificados em liberdades civis e políticas, em direitos sociais, culturais e
econômicos, em direitos da fraternidade ou solidariedade e em direito à democracia,
à informação e ao pluralismo.
Na proposta teórico-conceitual dos direitos fundamentais, impõe que se
considere a sua bifrontalidade. Sob a ótica jurídico-objetiva, constituem a base
conformadora da ordem jurídica e fundamentadora do Estado Democrático de Direito
brasileiro. Sob a ótica jurídico-subjetiva, os direitos fundamentais são direitos
subjetivos, de pública feição, estatuídos em preceitos fundamentais expressos,
decorrentes ou albergados pela Constituição, que outorgam ao seu titular a posição
jurídica de exigibilidade da sua dúplice pretensão: pretensão material
(abstenção/prestação) e pretensão jurisdicional (justiciabilidade).
No ordenamento jurídico-pátrio, além dos atributos tradicionalmente
apontados pela doutrina, historicidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade e
imprescritibilidade, podem-se apurar outros atributos, que ora se propõem, pois os
direitos fundamentais ainda se caracterizam pela sua supremacia axiológica,
aplicabilidade imediata, inderrogabilidade, vinculatividade, garantismo constitucional,
bifrontalidade, transcendência de proteção e justiciabilidade especial.
Da dúplice dimensão que assumem os direitos fundamentais no atual
constitucionalismo, decorre sua dupla função: aquela institucional e diretiva da
ordem jurídica cumulada ao seu clássico papel de liberdades e garantias subjetivas.
A sua bifrontalidade tem com o elemento catalizador a dignidade humana.
A dignidade humana possui tríplice dimensão: valor, princípio e direito
fundamental. Como valor ético-jurídico, é intangível e orienta o sentido dos princípios
que lhe concretizam. Como direito, compõe indissociavelmente o núcleo essencial
dos demais direitos fundamentais. Como princípio diretivo-exegético, orienta a
interpretação de todo o ordenamento jurídico, propiciando-lhe unidade e coerência e
314
como princípio estruturante do Estado Democrático de Direito, confere-lhe
fundamento e legitimidade.
II. O neoconstitucionalismo, fruto de uma nova concepção de
constitucionalismo, ocorrida no segundo pós-guerra, constitui um fenômeno jurídico-
político que reflete de modo decisivo a quebra de paradigma que aconteceu,
sobretudo, com relação ao papel da Constituição democrática, com grande influência
na compreensão dos direitos fundamentais.
A releitura dos direitos sociais sob a lente do neoconstitucionalismo e a
adoção de sua proposta teórico-filosófica podem levar à superação dos principais
obstáculos que se põem no caminho da sua compreensão, concretização e
justiciabilidade.
A Revolução Industrial, ocorrida em meados do século XVIII, provocou a
revisão do liberalismo pela necessidade de um novo modelo de Estado, de postura
interventiva, diante da insuficiência revelada pela ausência de condições sócio-
econômicas. Configura-se, assim, a passagem do Estado Liberal para o Estado
Social que, em essência, é o Estado de Direito vocacionado para a realização da
justiça social (distributiva).
Sob a égide do Estado Social e do constitucionalismo social inaugurado com
a constitucionalização dos direitos sociais, despontam com força jurídico-impositiva
os direitos sociais, caracterizados como direitos prestacionais vocacionados à
provisão das necessidades materiais e espirituais do indivíduo situado no contexto
da sociedade.
A primeira Constituição que previu direitos sociais foi a francesa (jacobina) de
1793. No Brasil, os direitos sociais foram inseridos na Constituição de 1934,
inaugurando o constitucionalismo social. Fizeram-se presentes nos Textos
Constitucionais e atualmente ostentam a natureza de cláusulas pétreas ou garantias
de eternidade, sendo inexpurgáveis da ordem jurídica constitucional.
Em sua formulação conceitual, em sentido jurídico-objetivo, os direitos sociais
constituem o conjunto de preceitos constitucionais fundamentais que regulam a
atividade estatal de implementação da justiça distributiva. Em sentido jurídico-
subjetivo, os direitos sociais são direitos fundamentais subjetivos a prestações
privadas ou estatais, que viabilizam a provisão das necessidades materiais e
espirituais indispensáveis à emancipação humana social e à concretização do Bem
Comum.
315
Entre todos os direitos fundamentais, há uma indissociabilidade deôntica,
finalística e estrutural, com direta implicação no reconhecimento da justiciabilidade
dos direitos sociais ao lado dos direitos civis e políticos.
A par das gerais, como características especiais dos direitos sociais
identificam-se a sua natureza intrinsecamente prestacional bem como a sua
progressividade e irreversibilidade, que são decorrentes dos princípios homônimos
que os regem.
Dentro do quadro dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico
brasileiro, classificam-se os direitos sociais como direitos blicos, fundamentais,
originários, de prestação material privada ou estatal (determinada ou indeterminada).
A indeterminação da prestação tem constituído um dos maiores óbices
opostos à sua configuração como direitos subjetivos e, por conseguinte, à sua
justiciabilidade.
Os direitos fundamentais, incluídos os sociais, pode ser presentes ou futuros,
expressos ou implícitos e podem estar dentro ou fora da Constituição. Com base na
Constituição Federal de 1988 e segundo a sua forma de manifestação no mundo
jurídico, os direitos sociais podem ser: a) os expressos, positivados na Constituição;
b) os implícitos (interpretados), decorrentes do regime e princípios adotados pela
Constituição; c) os materialmente recepcionados; d) os formalmente recepcionados
e internalizados pelo procedimento legislativo qualificado; e) todos aqueles que
visem à melhoria da condição social do trabalhador.
Na ordem jurídico-constitucional, alinham-se os seguintes direitos
fundamentais sociais: direito à educação, direito à saúde, direito ao trabalho, direitos
decorrentes da relação de emprego, urbana ou rural, direito à moradia, direito ao
lazer, direito à segurança, direito à previdência social, direito à proteção à
maternidade e à infância, direito à assistência social, direito ao desporto e direito à
cultura.
No âmbito internacional, prevêem-se inúmeros direitos sociais enumerados no
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC-ONU), que
não divergem substancialmente dos estabelecidos na ordem interna, ressalvado o
direito a um nível de vida adequado a si próprio e à sua família que naquele
documento está expressamente estabelecido.
Direito social têm conteúdo mais amplo que mínimo existencial, pois este está
contido naquele, como imposição da intangibilidade da dignidade humana. Satisfeito
316
o mínimo existencial, como obrigação estatal mínima, tudo o mais consiste
progresso em sede de implementação de direitos sociais.
III. A tutela estatal dos direitos fundamentais é uma imposição a todos os
Poderes Políticos que, mediante atividades positivas de concreção ou atividades
negativas de não interferência ou não limitação, os protegem, promovem e
garantem. A tutela jurisdicional é exercida pelo Poder Judiciário e/ou órgão estatal
especificamente incumbido quando se tratar da justiça constitucional especializada,
dentro ou fora dos quadros do Judiciário.
Conceitualmente, pode-se apreender a justiciabilidade como atributo
imanente de todo direito subjetivo ou interesse reconhecido pela ordem jurídica, que
confere ao seu titular ou especial legitimado, o poder de exigibilidade da tutela
jurisdicional.
Em sua essência, possui a natureza de atributo assecuratório, um ‘selo de
garantia jurisdicional’ que é impresso em cada direito positivado. Diante de sua força
impositiva, pode ser alçado à categoria de princípio, dotado de normatividade,
configurando o princípio da justiciabilidade dos direitos’ segundo o qual todos os
interesses e direitos reconhecidos pela ordem jurídica possuem a garantia de
receber do Estado a prometida tutela jurisdicional.
Para os direitos fundamentais, configura-se a justiciabilidade especial, como
atributo intrínseco, em seu duplo matiz objetivo-subjetivo, que confere ao seu titular
ou especial legitimado, o poder de exigibilidade da sua tutela jurisdicional
constitucional.
A justiciabilidade referida aos direitos fundamentais mostra-se especial em
virtude dos seguintes fatores: a) a constitucionalização do próprio direito e de suas
garantias jurisdicionais; b) a acesso à justiça constitucional; c) a transcendência de
sua proteção, interna e internacional; d) a dúplice pretensão que ostentam, de um
lado, subjetiva, que confere posição subjetiva ao titular do direito fundamental, de
outro, objetiva, que corresponde à conformação jurídico-axiológica do próprio
Estado; e) a garantia, exclusiva, de fruição mediante a injunção do Judiciário,
quando a ausência de regulamentação lhes obsta o exercício.
A bifrontalidade decorrente da dupla perspectiva dos direitos fundamentais
enseja, de um lado, a justiciabilidade subjetiva dos direitos fundamentais. A
justiciabilidade subjetiva corresponde ao poder, conferido ao seu titular, de exigir a
tutela jurisdicional do direito fundamental enquanto direito subjetivo.
317
A justiciabilidade dos direitos fundamentais, em seu aspecto estático e
dinâmico, comporta diversas categorizações semânticas há: a) em face do bem
jurídico tutelado, justiciabilidade subjetiva e justiciabilidade objetiva; b) em face da
fonte normativa, justiciabilidade originária e justiciabilidade derivada; c) em face do
fundamento jurídico da tutela, justiciabilidade direta e justiciabilidade indireta; d) em
face do sistema de proteção jurisdicional perante o qual pode ser exercida,
justiciabilidade interna e justiciabilidade internacional e d) em face da legitimidade
de quem a exerce, justiciabilidade pública e justiciabilidade privada.
A justiça constitucional, em seu sentido institucional, corresponde ao poder-
dever estatal de garantir a Constituição e assegurar o Estado Democrático de Direito
mediante jurisdição constitucional. A jurisdição constitucional corresponde à
atividade jurisdicional finalisticamente posta para a concretização e defesa da
Constituição (jurisdição orgânica) e para a tutela dos direitos fundamentais nela
inscritos (jurisdição dogmática). Se jurisdição é dizer o Direito e aplicá-lo aos casos
concretos, a jurisdição constitucional é dizer a Constituição e, sobretudo, assegurar
a sua supremacia.
A necessária especialidade da proteção dos direitos fundamentais, deve
ensejar a configuração de uma jurisdição especial, de matiz constitucional. No Brasil,
somente jurisdição constitucional especializada, em sede de jurisdição orgânica
na dimensão concentrada. Em sede de jurisdição dogmática, salvo em sede de
direitos sociais laborais, para cuja proteção se instituiu a Justiça do Trabalho, não se
pode identificar uma justiça especializada, que é difusa na proteção de direitos
fundamentais.
A ação constitucional é a ão típica, nominada, com sede constitucional, por
meio da qual se exerce a justiciabilidade, invocando a prestação jurisdicional, com
vistas à defesa direta da Constituição (ordem jurídico-constitucional objetiva) ou à
defesa dos direitos subjetivos fundamentais (ordem jurídico-constitucional subjetiva)
nela albergados. O processo de constitucional é o instrumento por meio do qual o
Estado exerce a sua jurisdição constitucional e nele realiza a defesa direta da
Constituição ou dos direitos fundamentais, enquanto direitos subjetivos.
Deve se reconhecer, a todo cidadão, o direito fundamental de acesso à justiça
constitucional, por meio das ações constitucionais, seja para postular a tutela de
seus direitos fundamentais, seja para postular a proteção da integridade da ordem
jurídico-constitucional objetiva.
318
IV. Os mecanismos de justiciabilidade subjetiva dos interesses legítimos e
direitos fundamentais, previstos no ordenamento jurídico-constitucional, são: o
mandado de injunção, o habeas data, o mandado de segurança, o habeas corpus, a
ação popular e a ação civil pública. Esses seis mecanismos constitucionais, com
regulamentação infraconstitucional, viabilizam, dinamicamente, a justiciabilidade
subjetiva dos direitos fundamentais perante a jurisdição constitucional para a tutela
dos direitos subjetivos em face da conduta (omissiva ou comissiva) dos Poderes
Públicos.
Registra-se que, para a defesa de seus direitos fundamentais, o cidadão não
possui acesso direto e imediato à Corte Suprema ou Tribunais Superiores para
invocar a proteção de seus direitos subjetivos fundamentais, a não ser em função do
foro privilegiado por prerrogativa funcional do sujeito processual passivo.
Na esfera de proteção dos direitos fundamentais, não obstante não possua o
cidadão legitimidade ativa para a sua interposição, mostram-se idôneas para
viabilizar o controle das políticas públicas, a ação civil pública e a argüição de
descumprimento de preceito fundamental.
V. As objeções lançadas contra os direitos sociais os têm impedido de
alcançar a sua verdadeira estatura jurídica de direitos subjetivos fundamentais e a
sua plena justiciabilidade.
No âmbito dogmático as principais objeções são: a) desqualificação como
direitos fundamentais; b) desqualificação como direito subjetivo; c) ausência de
eficácia imediata das normas definidoras dos direitos sociais; d) contraposição dos
direitos sociais aos direitos individuais; e) programaticidade das normas definidoras
dos direitos sociais; f) reserva do possível; g) imprecisão semântica ou
indeterminação do conteúdo da prestação; h) impossibilidade de criação de direitos
sociais a partir de prescrição normativa de imposição positiva (obrigações positivas)
e i) identificação dos direitos sociais como obrigações de conduta e não de
resultado.
A postura dogmática adotada com relação aos direitos sociais, em sua
dimensão subjetiva, como direitos originários à prestação (tem como fonte a
Constituição), ou direitos derivados à prestação (configurados mediante interposição
legislativa), remete a duas concepções de justiciabilidade: a originária e a derivada.
319
Diante da concepção de justiciabilidade originária, os direitos sociais não são
vistos como direitos legais, mas como direitos subjetivos constitucionais, justiciáveis,
de modo pleno e incondicional, a partir de sua conformação constitucional.
Diante da concepção de justiciabilidade derivada, esta decorre não do
comando constitucional, mas sim do comando legal que especifica o direito
fundamental ou da institucionalização fática desse direito.
Das concepções dogmáticas acerca da justiciabilidade dos direitos sociais, a
postura da justiciabilidade originária, plena, não condicionada, é a que parece mais
consentânea com o status de direito subjetivo fundamental dos direitos sociais, com
a natureza constitucional da pretensão e com os objetivos constitucionais de
implementação do Estado Democrático de Direito e da Justiça Social no Brasil.
Não obstante possa densificá-la, a lei (ou a ausência dela) não pode conter a
força normativa da Constituição em sede de direitos fundamentais.
A justiciabilidade originária, como decorrência direta do comando
constitucional que define o direito fundamental, não obstante tenha suscitado
objeções, possui inúmeros fundamentos que devem ser, com a mesma ênfase,
destacados em prol do seu reconhecimento em sede de direitos sociais.
Os direitos sociais são direitos e fundamentais e, portanto, justiciáveis, pois
não direito fundamental que não seja direito e não direito fundamental sem
justiciabilidade. A sua configuração jurídica, enseja ao seu titular a posição jurídica
de exigir a prestação de quem ostente o dever jurídico de realizá-la e o cumprimento
estatal do dever de proteção jurisdicional nas hipóteses de violação.
A prestação que compõe o objeto dos direito sociais a qualquer tempo é
determinável, em seu conteúdo e extensão, de acordo com o conteúdo finalístico da
norma que os positiva. A especificação da prestação quando não realizada pelo
Poder Constituinte ou pelo legislador infraconstitucional (norma genérica e abstrata),
pode ser realizada pelo Judiciário no âmbito da lide (norma individual e concreta),
mediante ponderação dos princípios incidentes no caso concreto acompanhada de
racional justificação.
Conclui-se que os direitos sociais: a) submetem-se ao regime jurídico dos
direitos fundamentais de imediata aplicabilidade e esta pressupõe eficácia (jurídica),
que por sua vez é sempre vinculante em sede de direitos fundamentais; b) o
inderrogáveis porque constituem cláusulas pétreas e são irreversíveis por que veda-
se a sua ilegítima irreversibilidade, seja quanto à proteção jurídico-normativa-
320
jurisdicional, seja quanto à sua implementação fática; c) além da garantia genérica
de ação, são munidos de garantias constitucionais, sobretudo as jurisdicionais, por
meio das quais se exerce a justiciabilidade; d) constituem, com os direitos civis,
políticos e sociais, uma unidade deôntica no sentido de que o ‘dever-ser’
fundamental é comum e repousa no núcleo da absoluta igualdade em dignidade
entre os homens; e) constituem a concreção histórica da dignidade humana, que
afigura-se justiciável em qualquer tempo, lugar e instância, ensejando a
justiciabilidade dos direitos sociais que a concretizam; f) trazem latente uma
pretensão à realização de políticas públicas, cuja natureza é constitucional,
fundamental e justiciável; g) o dotados de exigibilidade da tutela jurisdicional na
ordem interna e na ordem internacional, de modo subsidiário, esgotados os recursos
judiciais internos.
A justiciabilidade dos direitos sociais deveria ser uma obviedade teórica, na
dogmática brasileira dos direitos fundamentais, pois a estatística da miséria mostra
que todos os dias a dignidade humana é violada no Brasil. A superação dos
obstáculos impeditivos à justiciabilidade dos direitos sociais é um imperativo e
desafio desta quadra da história constitucional.
Negar o direito fundamental social como direito justiciável significa, na esfera
individual, violar a própria dignidade humana que dele depende para a sua
concreção e na esfera comunitária, inviabilizar o Bem Comum do Estado Brasileiro.
A dogmática contemporânea dos direitos fundamentais, em tempos de
neoconstitucionalismo, de resgatar a dignidade fundamental dos direitos sociais
nela incluída a sua plena justiciabilidade. Incumbe-lhe, sobretudo, afastar os
obstáculos teóricos que se põem em seu caminho, para concluir que, além de sua
justiciabilidade objetiva como valor, núcleo normativo e objeto democrático-
constitucional, são justiciáveis os direitos sociais, em sua dimensão subjetiva,
enquanto direitos subjetivos, de eficácia plena, formal e materialmente fundamentais,
de prestação determinável, inderrogáveis e irreversíveis, fundados na dignidade
humana e indissoluvelmente unidos às liberdades.
VI. Ao lado da postura emancipatória de alguns Tribunais Estaduais na
proteção dos direitos sociais, ainda convive uma forte resistência, por parte de
outros, em sede de proteção dos direitos sociais.
A motivação das decisões, em seu conjunto, remete à impossibilidade ou
ilegitimidade do Judiciário em tutelar o direito social postulado ou mediar a
321
implementação de política pública e se pauta, em suma, nesses fatores: a) respeito
à separação de poderes; b) intangibilidade da discricionariedade administrativa em
sede de políticas públicas; c) incompetência do Judiciário para alocação de recursos;
d) falta de imperatividade ou conteúdo programático das normas definidoras de
direitos sociais; e) hermenêutica incorreta da justiciabilidade (concepção de
justiciabilidade derivada ou reducionista ao mínimo existencial); f) impossibilidade de
comprovação de direito social de prestação indeterminada, em sede de mandado de
segurança.
Constatada a justiciabilidade dos direitos sociais (poder de exigibilidade de
tutela jurisdicional) e contrastada com a atuação da justiça constitucional (admissão
da justiciabilidade da tutela jurisdicional), apura-se o déficit de tutela jurisdicional dos
direitos sociais.
No locus jurisdicional, à luz do trinômio que o compõe jurisdição, ação e
processo – apurou-se a existência de restrições à justiciabilidade dos direitos sociais
em sua dimensão individual, que têm sido ocasionadas por alguns fatores, cujas
causas se devem identificar para a necessária correção.
Como exigência de uma jurisdição contemporânea, substancial e compatível
com o Estado Social, à luz da proposta do neoconstitucionalismo conclui-se como
necessário ou desejável - para a correção do déficit da justiciabilidade dos direitos
sociais, a reconfiguração da justiça constitucional à luz do trinômio que a compõe:
jurisdição-ação-processo.
Para a correção do déficit apurado, requer-se, em suma:
a) nova configuração orgânica da Justiça Constitucional, mediante a criação
de um Tribunal Constitucional adequado à realidade brasileira ou
transformação do Supremo Tribunal Federal em Corte Constitucional, com
acesso para o cidadão para a defesa dos seus direitos fundamentais.
b) nova postura funcional, mediante a reeleitura do princípio da separação de
poderes, que implica adesão ao protagonismo judicial e ao reconhecimento
da legitimidade constitucional-democrática do Judiciário para o desempenho
do novo papel que o Estado Social fundado na dignidade da pessoa humana
lhe impõe.
c) a adoção de uma hermenêutica neoconstitucional, essencialmente
principiológica e na racionalidade dos direitos sociais que clamam pela sua
322
múltipla concretização pro dignitate e pelo reconhecimento de sua
justiciabilidade originária.
d) a previsão de ações-garantias idôneas à tutela dos direitos fundamentais
sociais, em sua dimensão individual.
e) ampla admissão da ação civil blica, sobretudo proposta pelo Ministério
Público, Federal e Estadual, como legítimo instrumento para a proteção dos
direitos sociais, inclusive no contexto das políticas públicas.
f) o adequado e justo processo constitucional, dotado de técnicas eficientes
para prover não a entrega da prestação jurisdicional, mas a tutela efetiva
do direito social postulado.
VII. A omissão, como forma mais característica de violação estatal dos
direitos sociais, não ocorre somente na esfera do Legislativo e Executivo. Ela pode
revelar-se no âmbito do Judiciário, quando não concede tutela dos direitos sociais,
em sua dimensão individual, ao sufragar, sem ponderação, a claúsula da reserva do
possível e a tese da ausência de legitimidade para o exame judicial das políticas
públicas.
A justiciabilidade dos direitos sociais requer o cumprimento da promessa
estatal firmada no contrato social para receber do Estado-jurisdição a tutela da
justiça sobre eles firmada. Sob pena de retrocesso via jurisdicional, o seu
cumprimento implica afastar as violações ou omissões do próprio Estado, inclusive
mediante o controle da constitucionalidade das políticas públicas que os
implementam.
De forma geral, da investigação apura-se a existência de um déficit no tocante
aos direitos sociais, que em sua dimensão individual, são mal interpretados (enfoque
analítico), mal garantidos e mal tutelados (enfoque empírico). O déficit, encontrado
nesses planos de investigação, constitui óbice ao reconhecimento da plena
justiciabilidade dos direitos sociais e à concreção da Justiça Social, posta como
objetivo maior da Republica Brasileira.
O reconhecimento universal dos direitos sociais como direitos plenos, se
operará quando se superarem todas as objeções teóricas e obstáculos jurisdicionais
que impedem não só a sua condigna justiciabilidade como também a compreensão
de sua fundamentabilidade para o homem e para a implementação do Estado
Social.
323
Nesta quadra da história constitucional brasileira, a superação dos obstáculos
impeditivos à justiciabilidade dos direitos sociais é de rigor.
Requer, ainda, do cidadão, consciência integral de sua cidadania social que
inclui a sua ativa participação democrática no controle da atividade estatal e,
sobretudo, o exercício do seu direito cívico de utilizar o processo judicial quando ela
se revelar atentória dos direitos fundamentais. A implementação do Estado Social
deve ser fruto da atividade conjugada de todos os Poderes, e não somente do
Governo, que deve contar com colaboração da própria sociedade, por meio do seu
empowerment.
Os direitos sociais, como exigências éticas da dignidade humana não podem
ser condicionados a indicadores econômicos e mostram-se justiciáveis em qualquer
tempo, lugar e instância.
A concretização dos direitos fundamentais via judicial não deve ser, por certo,
objetivo de um sistema estatal de proteção visto que a atividade jurisdicional tem
natureza eminentemente substitutiva. Antes, se deve almejar que a dignificação dos
direitos sociais no Brasil atinja um grau tal que torne desnecessário ao cidadão
trilhar o caminho da justiciabilidade para usufruir aquilo que, pelo simples respeito à
Constituição, lhe deve ser voluntariamente outorgado.
Enquanto não se atinja tal grau de consciência valorativa do papel da
Constituição substancial no Estado Democrático de Direito, a justiciabilidade deve
ser assegurada pela jurisdição constitucional brasileira e que a sua atuação possa
servir de paradigma para os Estados Democráticos. Contudo, enquanto os índices
nefastos do desemprego, indigência, analfabetismo e exclusão social acusarem o
descumprimento das obrigações estatais, interna e internacionalmente assumidas,
exibindo ao mundo as suas vítimas, não estamos, de fato, em condições de negar a
justiciabilidade dos direitos sociais no Brasil.
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