pensamento do constituinte republicano fosse o de conservar o habeas corpus na sua
proposição definitiva, análoga às das legislações inglesa e americana, não tinha a
Constituição republicana mais do que dizer do mesmo modo que disse em relação ao
júri: fica mantida a instituição do habeas corpus. Nesse caso, não haveria questão,
estaria o habeas corpus definido pelas leis imperiais. Que fez, porém, o legislador
constituinte neste regime? Rompeu, abertamente, pela fórmula, que adotou na Carta
republicana, com a estreiteza da concepção do habeas corpus sob o regime antigo. A
definição do habeas corpus, sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente
perigo de sofrer violência ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder. Não se fala
em prisão, não se fala em constrangimentos corporais. Fala-se amplamente,
indeterminadamente, absolutamente, em coação e violência; de modo que, onde quer
que surja, onde quer que se manifeste a violência ou coação, por um desses meios, aí
está estabelecido o caso constitucional do habeas corpus.
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Nesse pronunciamento, Rui Barbosa justifica o instrumento do habeas corpus com um
alcance amplo, fazendo um comparativo com a Constituição de 1891, onde, segundo o autor,
houve uma ampliação de tal instrumento, pois não havia só uma repetição de tal remédio
como era no antigo regime. Exemplifica ainda com a questão do Júri, pois o legislador da
época republicana fez questão de apenas dizer que mantém a instituição do júri, a princípio
nos mesmos moldes da antiga. Porém, no tocante ao HC na nova Carta, além de ser um
princípio constitucional, não se falava apenas em prisão, mas de forma ampla em coação e
violência, podendo o mesmo servir para defender outras garantias.
Heráclito Antônio Mossin, ao demonstrar o choque de idéias, traz o pronunciamento de
Pedro Lessa:
Bem longe, porém, ficou a concepção de Pedro Lessa de ajustar-se à compreensão
latíssima do habeas corpus, qual a preconizara Ruy Barbosa. Leia-se o voto, que
proferiu, quando o Supremo Tribunal julgou, em 1º de julho de 1914, o h.c. n. 3.567;
é evidente que a liberdade de pensamento, a da consciência e a religiosa podem ser
violadas de dois modos: pela coação à liberdade de locomoção, impedindo-se que o
jornalista, o tipógrafo e os demais empregados do jornal penetrem no edifício da
folha ou pratiquem quaisquer outros atos de locomoção, necessários à publicação do
jornal, ou que o orador vá à praça pública, ou suba à tribuna onde tem de falar, que o
adepto de certas idéias religiosas se afaste do lugar onde lhe ofendem as crenças,
que o sectário de um culto se entregue aos atos do culto externo, dependentes da
liberdade de movimento, ou por outros quaisquer meios, pelo embaraço ao exercício
de outros direitos, tolhendo-se, por exemplo, a construção de edifício que tenham a
forma de templo, apreendendo-se numa tipografia todos os exemplares de um livro,
exigindo-se para a nomeação de certos cargos públicos, ou para todos, a profissão de
certa fé religiosa. No primeiro caso está claro que o remédio legal é o habeas
corpus, visto como há coação ilegal à liberdade de locomoção, condição, meio,
caminho, para o exercício de um sem número de direitos. Dá-se habeas corpus para
o paciente ir à praça pública ou ao edifício do jornal, e poder manifestar os seus
pensamentos pela tribuna ou pela imprensa; para se dirigir ao seu templo, e aí
praticar os atos do culto exterior, que só se realizam pela locomoção, pela liberdade
de movimentos. Em todos os casos, pois, em que a liberdade física é necessária para
o exercício da liberdade de pensamento, da liberdade de consciência ou da liberdade
religiosa, o habeas corpus é o meio apto para proteger a liberdade-condição, a
liberdade-meio, a fim de que se possa exercer a liberdade-fim. Mas, quando a
liberdade de pensamento, a de consciência e a de cultos, ou religiosa, são tolhidas
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MOSSIN, Heráclito Antônio, op.cit., 2005. p.44.