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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Educação
Mestrado
A INSERÇÃO DO SETOR PRIVADO NO ESPAÇO
EDUCACIONAL PÚBLICO – UMA ALTERNATIVA EFICAZ?
Um estudo de caso sobre a formulação e implementação
de um projeto de Arte-Educação
Raquel Romano
Belo Horizonte
2006
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Raquel Romano
A INSERÇÃO DO SETOR PRIVADO NO ESPAÇO
EDUCACIONAL PÚBLICO – UMA ALTERNATIVA EFICAZ?
Um estudo de caso sobre a formulação e implementação
de um projeto de Arte-Educação
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Educação da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientadora: Dra. Vera Lúcia F. Alves de Brito
Belo Horizonte
2006
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Ficha catalográfica
Romano, Raquel
R759i A inserção do setor privado no espaço educacional público: uma alternativa
eficaz? um estudo de caso sobre a formulação e implementação de um projeto de
arte-educação / Raquel Romano. – Belo Horizonte, 2006.
216f.
Orientadora: Vera Lúcia Ferreira Alves de Brito
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
Programa de Pós-Graduação em Educação.
Bibliografia.
1. Arte na educação. 2. Responsabilidade social da empresa. 3. Escolas – Programas
culturais. I. Brito, Vera Lúcia Ferreira Alves de. II. Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Educação. III. Título.
CDU: 373.036
Aos meus filhos Waltinho e César,
fiéis companheiros e jóias preciosas da minha vida.
Ao meu inesquecível pai, Demosthenes, descobridor da minha veia artística.
AGRADECIMENTOS
As pessoas que participam da minha vida são personagens que vão deixando
a sua marca nas cenas da minha história de desafios e conquistas. A todas o meu
agradecimento sincero.
À professora Dra. Vera Lúcia Alves de Brito, orientadora sábia e paciente,
pelo direcionamento nos momentos de dúvidas e incertezas.
À coordenadora do Mestrado, Dra. Ana Maria Casasanta Peixoto, pela
orientação e estímulo.
Aos professores do PROPPG - Mestrado em Educação, pelos conhecimentos
partilhados.
Ao Harvey e à Graziella, pelo importante apoio na tabulação dos dados.
A Sílvia Porto, pelo companheirismo e confiança nos momentos desafiadores
da pesquisa.
A cada um dos colegas de mestrado, que deixou a sua marca na minha
lembrança.
À Valéria e demais funcionários e estagiários do PROPPG - Mestrado em
Educação PUC Minas, pelo apoio disponibilizado.
À minha mãe Waldete, pelo exemplo de amor, equilíbrio e fé.
Aos meus quatorze irmãos, incentivadores e amigos incondicionais.
Aos educadores respondentes dos questionários e aos atores entrevistados,
pela imprescindível colaboração.
Ao Marconi, pela tarefa da formatação
Aos amigos tantos, pelo interesse sincero em meu crescimento.
Aos companheiros do Budismo, pelo novo sentido da vida, razão desta vitória.
A arte é o retrato natural da existência humana, e daí permitir que nela o
homem reconheça, numa só ação, a proximidade e a distância, o estar-vivo imediato
e a mediatíssima perspectiva em que a vivência foi objeto da consciência e da
crítica, foi degrau na marcha de um auto-conhecimento que se relativiza a cada
etapa da história.
Merquior (1996)
RESUMO
A inserção do setor privado no espaço educacional público - especificamente na
área de Arte-educação por meio de um programa de responsabilidade social, foi a
questão norteadora deste estudo. O trabalho investigou o Projeto empresarial
CRIAR, integrante do programa de responsabilidade social da empresa LÓTUS, por
meio de um estudo de caso, em que se analisaram os documentos da sua
formulação e implementação na comunidade, e a percepção dos participantes, no
período compreendido entre junho de 2003 e junho de 2005. A escolha da empresa
foi definida pelo destaque dado ao seu programa de responsabilidade social, que
abarca projetos culturais de Arte-educação desenvolvidos no espaço educacional
público, utilizando as prerrogativas da Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Para
responder a questão motivadora deste trabalho, buscou-se identificar a percepção
dos atores envolvidos nas ações do Projeto CRIAR, sobre o significado do processo
de Responsabilidade Social Empresarial e Arte-educação, no âmbito de escolas
públicas de um município de Minas Gerais. Empregou-se a metodologia qualitativa,
em que foram utilizados questionários e entrevistas semi-estruturadas, buscando o
entendimento da percepção dos professores e de outros atores envolvidos no
projeto.
Palavras-chave: Educação e Arte-educação; Responsabilidade social empresarial;
Projetos culturais
ABSTRACT
The insertion of the private sector of the economy in the public educational space
through the programs of social responsibility specifically in the Art-education was
the guiding question of this study. This work investigated the enterprise project
CRIAR, a part of the social responsibility program LOTUS, through a study of case in
which were analyzed the documents of its formulation and implementation in the
community and also the perceiving of the participants, in the period ranging from
June of 2003 to June of 2005. The choice of the company was defined by the
prominence that was given to the company's own social responsibility program,
which embraces cultural projects in the Art-education sector. This has been
developed in the public educational space by using the prerogatives of the “Lei
Estadual de Incentivo à Cultura” (a Minas Gerais state law which supports culture). In
order to answer the question that motivated this work, an attempt to identify the
perception of the active parts who are involved in Projeto CRIAR took place, as
related to the meaning of the process of Enterprise Social Responsibility and of Art-
education in the circumference of the public schools of a Minas Gerais state city.
There has been engaged the qualitative methodology in this research and survey
and semi-structured interviews were used, seeking the comprehension of the
perception of the teachers, as well as of other active parts that are involved in the
project.
Key-words: Education and Art-education; Social Magement Responsibility; Cultural
projects.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Contação de história...........................................................................
108
FIGURA 2 Projeto Mural........................................................................................
109
FIGURA 3 Oficina Projeto Mural........................................................................... 109
FIGURA 4 Colcha de retalhos............................................................................... 110
FIGURA 5 Colcha de retalhos............................................................................... 110
FIGURA 6 Grupo Aruanda....................................................................................
112
FIGURA 7 Dança com jovens alunos da Oficina Aruanda ................................ 112
FIGURA 8 Desenho de aluno da oficina..............................................................
114
FIGURA 9 Aluno com desenho criado na oficina...............................................
114
FIGURA 10 Crianças e bonecos...........................................................................
115
FIGURA 11 Bonecos criados por professores/alunos.......................................
115
FIGURA 12 Oficina Andante – Teatro .................................................................
116
FIGURA 13 Oficinas de Confecção de máscaras...............................................
116
FIGURA 14 Alunos e instrumentos – UAKTI.......................................................
118
FIGURA 15 Integrantes/oficineiros do Grupo UAKTI.........................................
118
FIGURA 16 Menino com instrumentos da Oficina UAKTI.................................. 119
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 Cruzamento idade / tempo de conclusão do curso de
magistério..............................................................................................................
128
QUADRO 2 Cruzamento idade / graduação........................................................
130
QUADRO 3 Cruzamento idade / pós-graduação................................................. 132
QUADRO 4 Cruzamento regência de turma / idade...........................................
135
QUADRO 5 Cruzamento faixa etária / carga horária semanal...........................
141
QUADRO 6 Cruzamento idade / participação em entidade social....................
144
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Residência...........................................................................................
121
TABELA 2 Sexo.....................................................................................................
122
TABELA 3 Idade..................................................................................................... 124
TABELA 4 Estado Civil.........................................................................................
125
TABELA 5 Rede de Ensino em que cursou o Magistério..................................
126
TABELA 6 Tempo de conclusão do Curso de Magistério.................................
127
TABELA 7 Curso de Graduação – Freqüência...................................................
128
TABELA 7.1 Curso de Graduação - Tipos de curso...........................................
129
TABELA 8 Curso de Pós-Graduação...................................................................
131
TABELA 8.1 Curso de Pós-Graduação - tipos de curso....................................
131
TABELA 9 Tempo de conclusão da Graduação.................................................
133
TABELA 10 Rede de Ensino em que trabalha....................................................
134
TABELA 11 Regência de turma............................................................................
135
TABELA 12 Desempenho em outras funções....................................................
136
TABELA 13 Nível de ensino em que atua............................................................ 137
TABELA 14 Tempo de Regência..........................................................................
138
TABELA 15 Turnos de trabalho...........................................................................
139
TABELA 16 Carga Horária....................................................................................
140
TABELA 17 Renda familiar...................................................................................
141
TABELA 18 Participação em Entidade Social....................................................
142
TABELA 18.1 Participação em Associação, Sindicato ou Partido Político.....
143
TABELA 19 Localização da Escola......................................................................
145
TABELA 20 Níveis de ensino ofertados..............................................................
146
TABELA 21 Infra-Estrutura...................................................................................
147
TABELA 22 Recursos disponíveis.......................................................................
148
TABELA 23 Expectativa em relação ao Projeto.................................................
150
TABELA 24 Freqüência de aplicação das atividades artísticas.......................
151
TABELA 24.1 Freqüência de aplicação das atividades artísticas....................
151
TABELA 25 Importância das ações de arte-educação para o
desenvolvimento pessoal e prática docente do Professor..............................
154
TABELA 26 Avaliação das ações de acompanhamento do Consultor............
155
TABELA 27 Consulta da empresa sobre os Projetos mais necessários a
sua Escola..............................................................................................................
156
TABELA 28 Mudança da Prática Pedagógica.....................................................
157
TABELA 29 Identificação das mudanças na sala de aula a partir das
atividades de arte-educação................................................................................
158
TABELA 30 Aplicação das atividades.................................................................
160
TABELA 31 Indicação de problemas existentes na Escola..............................
161
TABELA 32 Aspecto mais frágil da Escola, com necessidade de melhoria....
162
TABELA 33 Objetivos das ações de responsabilidade social da empresa.....
163
TABELA 34 Principal aspecto não contemplado e que deveria ser alvo de
atenção...................................................................................................................
164
TABELA 35 Valorização dos costumes, das danças, das músicas e festas
locais......................................................................................................................
165
TABELA 35.1 Valori
zação dos costumes, das danças, das músicas e festas
locais......................................................................................................................
166
TABELA 36 Avaliação do Projeto Criar..............................................................
167
SUMÁRIO
1 APRESENTAÇÃO .................................................................................................10
1.1 Objetivos............................................................................................................11
1.2 Metodologia.......................................................................................................12
1.3 Responsabilidade Social e Arte-Educação.....................................................15
2 RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL: ELO DE INTERAÇÃO ENTRE
O PÚBLICO E O PRIVADO?..............................................................................18
2.1 A Área Cultural e as Políticas Culturais..........................................................29
2.2 Conceito de Cidadania......................................................................................39
2.3 Alfabetização Cultural e Arte-Educação..........................................................44
3 A PESQUISA SOBRE O PROJETO CRIAR .........................................................66
3.1 O Projeto Empresarial CRIAR ..........................................................................71
2.1.1 Análise dos Conceitos Básicos do Projeto CRIAR...........................................73
4 CARACTERIZAÇÃO DO CORPO DOCENTE DAS ESCOLAS E SUAS
PERCEPÇÕES SOBRE O PROJETO CRIAR..................................................120
4.1 Perfil Docente e das Escolas Pesquisadas...................................................120
4.1.1 Perfil do Educador..........................................................................................121
4.1.2 Perfil das Escolas que Participam do Projeto.................................................145
4.1.3 Percepção do Projeto Pedagógico pelos Educadores ...................................150
4.2 Percepção dos Docentes sobre o Projeto CRIAR ........................................168
4.2.1 Respostas das Entrevistas.............................................................................168
4.3 Perspectivas da Arte-Educação: Função Didático-Pedagógica e
Multicultural .....................................................................................................177
4.3.1 A Importância da Cultura no Desenvolvimento do Projeto CRIAR.................184
4.3.2 O Papel da Lei de Incentivo à Cultura............................................................187
4.3.3 Percepção Avaliativa Sobre o Projeto CRIAR – Ações e Resultados ............194
5 CONCLUSÕES....................................................................................................205
REFERÊNCIAS.......................................................................................................213
10
1 APRESENTAÇÃO
Este trabalho tem como objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa
vinculada à linha “direito à educação e políticas educacionais”, do Programa de Pós-
graduação da PUC Minas, que focalizou o projeto CRIAR, incluído na área de
responsabilidade social da empresa LÓTUS
1
.
Responsabilidade social, tema relativamente novo, sugere um olhar crítico
sobre a dinâmica de inserção das empresas no espaço público, sua relação com a
escola, os seus interesses mercantilistas e filantrópicos, bem como os seus limites e
possibilidades de contribuição para a área educacional pública.
As análises que sedimentam o trabalho dizem respeito ao processo de
formulação e implementação do projeto CRIAR, as ações de Arte-educação que o
compõem, bem como a percepção dos atores envolvidos sobre o significado desse
projeto.
Diante do propósito da empresa LÓTUS de estabelecer um programa
educacional em uma comunidade escolar, através de um projeto cultural que tem
como objetivo colaborar para o aprendizado dos alunos e professores, propiciando
um crescimento pessoal e cultural, e melhorar a qualidade do ensino(PROJETO
CRIAR, 2000). O objetivo principal da pesquisa foi investigar a percepção dos atores
sobre o significado do programa de responsabilidade social empresarial no
desenvolvimento profissional dos professores, na sua prática docente e sua
influência na qualidade do ensino.
Este enfoque teve como objetivo contribuir para uma reflexão acerca das
ações de responsabilidade social empresarial no âmbito da esfera pública,
especialmente no espaço da Arte na educação que tem neste trabalho uma análise
do seu percurso histórico e das tendências atuais para o seu desenvolvimento.
A temática escolhida exigiu amplo estudo sobre questões relativas aos
âmbitos público e privado, ao papel do Estado e à constituição da sociedade civil,
envolvendo também a evolução da noção de cidadania, suas redefinições e
significados, para se chegar à compreensão do diálogo entre empresa e escola.
Os atores da pesquisa foram educadores das escolas públicas - municipais e
1
LÓTUS E CRIAR são nomes criados para identificar, respectivamente, a empresa incentivadora e o
projeto de responsabilidade social, objetos de estudo deste trabalho.
11
estaduais - que participaram como alunos das oficinas oferecidos pela empresa
LÓTUS, representante da empresa no projeto CRIAR e, ainda, empreendedores
culturais que desenvolveram projetos de Arte-educação na comunidade,
patrocinados pela empresa.
1.1 Objetivos
A pesquisa consistiu em realizar um estudo de caso, tendo como foco o
projeto CRIAR, identificado como um projeto de relacionamento com a comunidade,
componente do programa de responsabilidade social da Empresa LÓTUS.
O Projeto CRIAR é constituído de projetos culturais patrocinados pela
empresa LÓTUS, direcionados para a formação artístico-cultural dos educadores de
10 escolas públicas mineiras, com o objetivo de exercitar a cidadania, contribuindo
para melhorar a qualidade do ensino e propiciar o crescimento pessoal e cultural aos
professores e alunos”. (PROJETO CRIAR, 2000).
O objetivo principal da pesquisa consistiu em analisar o Projeto CRIAR, do
ponto de vista de uma política de responsabilidade social empresarial, desdobrando-
se numa análise dos conceitos de Responsabilidade Social e de Arte-educação,
percebidos pelos atores pesquisados, no período compreendido entre junho de 2003
e junho de 2005.
No capítulo I procedeu-se um estudo acerca do conceito de Responsabilidade
Social Empresarial, sua história no Brasil, suas propostas e controvérsias; a análise
do papel da empresa no incentivo a projetos culturais, numa perspectiva da inserção
do setor privado no setor público. Analisam-se neste capítulo, o universo da cultura e
as políticas blicas na área cultural, sua articulação com a questão da cidadania
em seus variados conceitos.
O capítulo I contempla ainda, a trajetória do ensino da Arte no Brasil e os
conceitos de Arte-educação e alfabetização cultural. Analisou-se a prioridade dada
pela empresa à área de arte e cultura como fonte para a compreensão da estratégia
da empresa no investimento em projetos de Arte-educação.
No capítulo II foi feita uma análise do documento do projeto empresarial
CRIAR, contemplando o seu histórico, finalidades e as razões do investimento na
12
área cultural. Realizou-se a análise do discurso da empresa, buscando um diálogo
com teóricos de áreas afins às questões focalizadas no documento que alicerça o
projeto.
No capítulo III procedeu-se a análise dos questionários, que resultaram na
caracterização do corpo docente e das escolas participantes do Projeto CRIAR.
Ainda neste capítulo identificam-se as percepções dos entrevistados, numa análise
que tem como referência o Projeto CRIAR, representando o elo de ligação entre
empresa e escolas.
Nas considerações finais pretendeu-se oferecer respostas ao problema da
pesquisa, face às percepções dos atores entrevistados sobre o Projeto CRIAR,
incorporado nos projetos de Arte-educação incentivados pela empresa LÓTUS,
dentro do seu programa de responsabilidade social.
1.2 Metodologia
“Gaston Bachelard resumiu o processo científico em poucas palavras: ‘O fato
científico é conquistado, como construído e verificado’: conquistado sobre
preconceitos, construído pela razão, verificado nos fatos”. (QUIVY;
COMPENHOUDT, 1998, p 24)
A abordagem definida para a pesquisa foi a qualitativa, contemplando
também o uso do método quantitativo, na identificação e tratamento dos dados das
entrevistas e dos questionários, que abrangeram 46 respondentes, o que
representou uma amostragem de 20% dos educadores pertencentes às 10 escolas
participantes do Projeto CRIAR.
Segundo Bogdan e Biklen (1994, p.49), “a abordagem da investigação
qualitativa exige que o mundo seja examinado com a idéia de que nada é trivial, que
tudo tem potencial para constituir uma pista mais esclarecedora do objeto de
estudo”.
O significado é de importância vital na abordagem qualitativa, sendo ele
construído através das interações, o que é de grande interesse na presente
pesquisa.
Neste sentido existe uma interação entre a cultura e os significados que as
13
pessoas atribuem aos acontecimentos” (BOGDAN; BIKLEN,1994, p.59)
Realizou-se um estudo de caso que se deteve na análise da formulação
conceitual e da implementação do Projeto CRIAR e na percepção que os atores
envolvidos tiveram desse processo.
A medida do estudo de caso é o mergulho no campo, a intensidade do
envolvimento e a capacidade de observação.
A meta abrangente do estudo de caso, mesmo o sendo alcançada, tem
conseqüências importantes e úteis. Prepara o investigador para lidar com
descobertas inesperadas e, de fato, exige que ele reoriente seu estudo à luz
de tais desenvolvimentos. Força-o a considerar, por mais que de modo
rudimentar, as múltiplas inter-relações dos fenômenos específicos que
observa. (BECKER 1999, p 119).
A estratégia utilizada se constituiu, inicialmente, de questionários, tendo em
vista a busca de informações referentes a alguns eixos fundamentais:
a) O perfil dos professores pesquisados;
b) O significado da responsabilidade social empresarial na percepção dos
atores;
c) O sentido da Arte-educação, na perspectiva multicultural;
d) Os fatores de crescimento pessoal e cultural, decorrentes do projeto;
e) A visão do projeto, na perspectiva do ensino e da aprendizagem;
f) As expectativas criadas pelos educadores e a avaliação do projeto CRIAR.
Dessa forma, a elaboração do instrumento de pesquisa obedeceu à coerência
com estes eixos.
Além da pesquisa por meio de questionários, optou-se também pela utilização
de entrevistas semi-estruturadas, que partiram de certos questionamentos básicos,
apoiados em teorias e hipóteses de interesse para a pesquisa.
Sendo a entrevista uma técnica que apresenta grande eficiência na obtenção
de dados qualitativos, proporcionou a possibilidade de captar as opiniões e
percepções expressas pelos atores, em seu discurso articulado. Reconheceu-se,
também, ser esta uma estratégia facilitadora do esclarecimento do significado de
perguntas que poderiam gerar dúvidas ou ambigüidades, em relação a sua
interpretação.
Na entrevista semi-estruturada, as perguntas resultaram da teoria que
14
sustentou a pesquisa, das informações que o pesquisador coletou sobre o objeto de
estudo e dos contatos realizados, oferecendo ao entrevistador uma considerável
amplitude de temas, que lhe permitiu levantar uma série de tópicos para moldar o
conteúdo do trabalho.
Percebeu-se que, neste tipo de entrevista, foi valorizada a presença do
pesquisador, ao mesmo tempo em que foram oferecidas todas as perspectivas
possíveis para que o entrevistado alcançasse a liberdade e a espontaneidade
necessárias para enriquecer a pesquisa. Dessa forma, assegurou-se a obtenção de
dados comparáveis entre os vários sujeitos.
Diante dessas premissas, algumas perguntas-guia foram delineadas para
nortear as entrevistas:
1) Como você percebe a responsabilidade social empresarial na relação com
a escola pública?
2) Por que a empresa escolheu projetos de Arte-educação para cumprir uma
ação de responsabilidade social na comunidade?
3) Na sua percepção, em que medida o projeto CRIAR contribuiu para o
desenvolvimento cultural dos professores e dos alunos?
Para os empreendedores culturais entrevistados, que participaram com
projetos incentivados pela empresa LÓTUS, foram acrescentadas perguntas
referentes às suas percepções sobre a Lei Estadual de Incentivo à Cultura e as suas
propostas culturais com as oficinas de Arte-educação.
Este trabalho privilegiou também a pesquisa documental, considerada uma
fonte estável e rica. Com a finalidade de compor um corpo de informações
contextualizadas, a pesquisa documental teórica focalizou as seguintes referências:
O Projeto CRIAR, para análise do discurso da empresa LÓTUS;
A Lei Estadual de Incentivo à Cultura, para análise do marco legal;
Documentos da responsabilidade social empresarial, para análise de seus
conceitos, finalidades e princípios.
Os projetos culturais incentivados pela empresa LÓTUS.
15
Os atores da pesquisa foram pessoas envolvidas diretamente no
desenvolvimento do projeto, nos âmbitos de suas atribuições, ou seja: os
educadores, na participação das atividades artísticas; a representante da empresa
incentivadora, na coordenação do projeto CRIAR, e os empreendedores culturais, na
orientação das ações propostas pelos projetos incentivados.
Assim, as entrevistas abrangeram sete atores, dentre esses, três educadores,
sendo um diretor de escola do ensino fundamental, um professor de ensino dio e
uma professora de escola de ensino especial que participaram das ações do Projeto
CRIAR e dos seus desdobramentos nas escolas às quais pertencem. Para
representar a empresa LÓTUS na referida pesquisa, foram convidados dois
funcionários, porém apenas a coordenadora de comunicação empresarial se
disponibilizou a responder às perguntas. Os três empreendedores culturais que
tiveram participação na entrevista, foram selecionados por causa das referências
atribuídas aos seus projetos, constantes nas respostas dos questionários.
As análises relacionadas às entrevistas foram construídas a partir da
utilização da metodologia qualitativa, que possibilita a identificação das falas dos
entrevistados, buscando as relações com normas, preferências e expectativas
sociais, culturais e políticas.
As análises exploraram, ainda, como as idéias socialmente produzidas e
incorporadas nas organizações são criadas e mantidas por meio do relacionamento
entre discurso, texto e ação.
Apoiando nas idéias de Phillips, Lawrence e Hardy (2004), conclui-se que
“instituições não são somente construções sociais, mas construções sociais que se
constituem por meio do discurso”.
1.3 Responsabilidade Social e Arte-Educação
O significado da responsabilidade social de uma empresa patrocinadora de
programas culturais e artísticos para comunidades escolares é o tema central deste
trabalho.
Para buscar compreender a relação que se estabelece entre empresa e
escola, pretendeu-se, num percurso histórico e sócio-político, focalizar questões
16
referentes à responsabilidade social empresarial e analisar a trajetória da Arte-
educação no Brasil, como uma problemática revestida de vários significados, bem
como a evolução do seu conceito e da sua prática ao longo dos tempos, até os dias
atuais.
Elegeu-se o Projeto CRIAR como foco de estudo acerca da responsabilidade
social empresarial, por ser um projeto que se dedica a ações de Arte-educação no
âmbito da educação pública. Pretendeu-se investigar qual é o significado das ações
propostas pela empresa, na visão dos atores envolvidos no processo de
implementação do Projeto junto à comunidade escolar. Tornou-se necessário, então,
direcionar um olhar crítico para várias questões que pudessem clarear a noção de
responsabilidade social e suas implicações na parceria entre a esfera pública e a
esfera privada.
Identifica-se hoje, no Brasil, significativo número de empresas que ocupam o
universo das ações socialmente responsáveis, na sua maioria patrocinando projetos
artísticos e culturais, no âmbito da educação, como é o caso da empresa LÓTUS,
que, usando as prerrogativas da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, expõe a
intenção de proporcionar meios de melhorar a qualidade do ensino e promover
crescimento pessoal e cultural de professores e alunos (PROJETO CRIAR, 2000),
pela reversão do quadro entendido pela empresa como preocupante, em termos de
desajustes sociais, especialmente entre crianças e jovens. São passíveis de análise
as duas faces de uma mesma moeda: de um lado, o caráter solidário das ações de
responsabilidade social e, do outro, o marketing empresarial, percebido nas
intenções da empresa.
A Arte-educação, área revestida de encantamentos e também de equívocos
conceituais, demandou, neste trabalho de pesquisa, uma análise crítica norteada por
vasta gama de questionamentos, que contribuem para explicitar o seu verdadeiro
papel no espaço da cultura e da cidadania - como propôs a empresa patrocinadora
dos projetos, por meio de suas ações de responsabilidade social -, especialmente no
contexto da educação escolar pública.
Alguns questionamentos tornaram-se inevitáveis, diante desse cenário de
incertezas: Por que projetos de Arte-educação emigrados da esfera privada para a
esfera pública? Como se essa interação entre público e privado, em culturas o
diferenciadas como a escola pública e a empresa? Pretendeu-se investigar a que
conceito de cidadania a empresa se refere quando pretende “suprir as necessidades
17
emergenciais, entendendo que o envolvimento da organização com o dia-a-dia da
escola é um exercício de cidadania e de parceria com o Estado.” (PROJETO CRIAR,
2000)
A pesquisa buscou identificar como as atividades de Arte-educação puderam
interferir na qualidade da educação escolar, conforme proposto no Projeto CRIAR.
Por outro lado, investigou-se qual foi o significado das ações propostas pela
empresa, na percepção dos entrevistados e qual a contribuição para o
desenvolvimento pessoal e cultural percebida pelos educadores. Saber a que
conceito de cultura a empresa faz alusão no seu projeto, faz parte das questões que
motivaram as investigações neste trabalho.
Nesta pesquisa, localiza-se o professor como elemento fundamental na
articulação do sistema de relações entre empresa e escola, cuja finalidade é a
qualidade da vida sócio-educativa dos sujeitos envolvidos (direta ou indiretamente,
como alunos e famílias) e supostamente beneficiados pelos projetos culturais e
artísticos, desenvolvidos junto à comunidade escolar.
Ao mesmo tempo em que se focaliza a dinâmica da escola, os seus limites e
possibilidades no âmbito da Arte-educação, o empresariado, apoiado nas isenções
fiscais previstas nas leis de incentivo à cultura, assume o papel de patrocinador
cultural, dentro do marco dos programas de responsabilidade social.
A responsabilidade social empresarial é um conceito que precisa ser
contextualizado em direção à análise das reformas neoliberais, da trajetória dos
movimentos sociais, bem como das faces da sociedade civil, onde ela se ancora,
refletindo um ângulo da atual realidade sócio-cultural brasileira.
18
2 RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL: ELO DE INTERAÇÃO ENTRE
O PÚBLICO E O PRIVADO?
A partir do conteúdo de um projeto cultural de relacionamento com a
comunidade, integrante de um programa de responsabilidade social empresarial,
processou-se um estudo de caso sobre a formulação e implementação do referido
projeto. Buscou-se identificar a percepção dos atores envolvidos nas ações do
projeto cultural - que foi composto de projetos de Arte-educação, aprovados em Lei
de Incentivo à Cultura sobre os resultados dessa interação entre a
responsabilidade social empresarial e a Arte- educação na escola pública.
A ideologia
2
da responsabilidade social empresarial tem sua origem em uma
geopolítica mundial em tensão por uma disputa ideológica, envolvendo o
neoliberalismo, particularmente a escola neoliberal, e o crescente movimento pela
não intervenção do Estado na economia, por meio do estado de bem-estar social,
materializado pela social-democracia européia.
Hoje, poucos países do mundo estão livres das conseqüências desastrosas
do ideário neoliberal. Segundo Malaguti (1998, p.7,8), no Terceiro Mundo, podem
ser identificados dois objetivos sicos do moderno neoliberalismo: o primeiro é a
fragilização do Estado Nacional, na medida em que o “setor público” representa
limites à restrita integração dos países subdesenvolvidos à lógica da globalização
financeira e especulativa; o segundo é a destruição das mais variadas expressões
dos movimentos populares para impedir resistência política aos desígnios dos
mercados e da economia desregulada.
A responsabilidade social, enquanto novo paradigma, uma nova forma de
pensar as estratégias, os processos, as políticas de gestão das empresas, é, no
Brasil, um conceito bastante recente, efetivamente construído nas últimas duas
décadas. É um conceito que vem integrando atividades em diversas áreas, dentro e
fora da empresa, em função das transformações nas relações sociais, políticas e
econômicas, que geram demandas por melhores condições de vida.
A sociedade capitalista contemporânea vem atravessando, nas últimas
2
IDEOLOGIA “É um discurso que se oferece como representação e norma da sociedade e da
política, como saber e como condição da ação. Através da ideologia, são montados um imaginário
e uma gica da identificação social com a função precisa de escamotear o conflito, dissimular a
dominação e ocultar a presença do particular, enquanto particular, dando-lhe a aparência de
universal”. (CHAUI, 1984, p.:21)
19
décadas, profundas transformações que desafiam as formulações e práticas sociais
e intelectuais, pesquisadores e políticos. Em tal perspectiva, a discussão das
políticas públicas ganha relevância por seu caráter de mediação entre as demandas
sociais e as formas como são incorporadas e processadas pelo aparato
governamental. Paralelamente, a participação da sociedade civil na publicização de
um enorme número de demandas de direitos, tem alterado a face da sociedade
brasileira e, segundo Dagnino (2002, p.297), é inquestionável que essas demandas
encontram escasso abrigo nas políticas públicas do Estado.
O ativismo social do empresariado brasileiro, em sua autoconstituição de
responsabilidade social, busca identificar-se com noções de cidadania e direitos, e é,
através dessas noções, que se pretende esclarecer uma dimensão importante nessa
temática: a indissociabilidade entre bem público e bem comum, que implica a
existência de um lugar de todos, fora das discussões particularistas, reivindicando,
desse modo, a re-significação das categorias de público e privado. Essa noção de
cidadania faz a distinção entre o espaço de origem da ação - o mundo empresarial -
e o espaço da política e sociabilidade que ela cria, em forma de ampliação - ou
anulação - de direitos de cidadania política e social para uma sociedade.
O conceito de cidadania tem vários significados, e é importante sua
conceituação neste trabalho.
De acordo com Habermas (1998, p.46), as categorias do público e privado, de
origem grega, demarcam a separação da esfera da polis - comum ao cidadão livre -
da esfera do oikos, de apropriação individual. Liberdade e igualdade eram conceitos
essencialmente políticos, pois na polis o homem poderia ser livre, e a liberdade
era a essência da cidadania. Nessa perspectiva, a vida pública não está delimitada
num espaço, e a ordem pública funda-se na economia escravista patrimonial, tendo
os cidadãos, dispensados do trabalho produtivo, direito à participação na vida
pública, condicionada a sua autonomia privada como senhor de casa. Então, a
liberdade na polis dependia da vitória sobre as necessidades vitais em família e a
manutenção do essencial para a vida, oculta no oikos.
Tal modelo de esfera pública e privada desenvolveu-se desde o século XVIII,
atravessando o Renascimento, a Idade Média, as definições do Direito Romano e
mantém-se como modelo ideológico.
Habermas enfatiza, ainda, que “a esfera pública burguesa é o estado e a
qualidade das coisas públicas”. O autor acrescenta que se trata de uma categoria
20
típica da era do capital, vinculada à evolução histórica da sociedade burguesa
européia. Essa esfera pública que se formou ao final do século XVIII, configura-se
em um âmbito específico da sociedade burguesa, a partir do desenvolvimento
histórico da cultura material burguesa. À progressiva emancipação do intercâmbio
econômico entre os homens, em relação ao controle estatal, abre-se um espaço
social aglutinador dos interesses comuns, ou públicos, dos sujeitos privados, que
vêm regular suas relações com o mercado e com o poder político. Responsável pela
mediação entre sociedade civil e Estado, esse âmbito social é denominado por
Habermas de esfera pública burguesa.
Com o advento da modernidade (entendida como herança do projeto
iluminista fundado na razão), a ascensão da sociedade e a elevação das atividades
econômicas ao nível público, as questões que antes pertenciam à esfera privada
(familiar) transformaram-se em interesse coletivo.
A separação das esferas pública e privada, no sentido especificamente
moderno, vai se consolidando com a idéia de privado como espaço daqueles que
não possuem cargo público ou não ocupam cargo oficial. Público, em contraposição,
alude ao poder público, aos servidores do Estado, às pessoas que participam da
esfera do poder estatal, cujos negócios são públicos.
Uma esfera privada da sociedade começa a destacar-se como esfera distinta,
adquire relevância pública, e a privatização do processo de reprodução social
desenvolve-se no interior da constituição do mercado, submetido a diretrizes
estatais. Caracteriza-se, neste contexto, o nascimento do social, engendrado pela
moderna relação da esfera pública com a esfera privada, segundo Arendt (1991).
Habermas (apud RAICHELES, 1998, p.52) demarca a desagregação da
esfera pública burguesa a partir de um público consumidor de cultura, da penetração
das leis de mercado na esfera familiar, ou seja, das pessoas privadas, destruindo o
lugar do tradicional raciocínio burguês. Assiste-se, neste cenário social, ao
surgimento da cultura de integração, que assimila também a propaganda comercial.
De acordo com o pensamento de Habermas, a partir desse momento, evidencia-se a
intensa interpenetração dos âmbitos público e privado, que se transformam em uma
esfera social repolitizada. Assim, a estrutura social atravessada por antagonismos,
típica do capitalismo, provoca a organização dos sujeitos sociais na defesa dos seus
interesses.
Quase que num prognóstico da crise iniciada na década de 70, Habermas
21
(1981, p.257) aponta duas possibilidades que se confrontam, como tendências para
o desenvolvimento da esfera pública do Estado Social: uma regressiva, expressa
pela publicidade imposta pelas organizações, e outra, típica da publicidade
politicamente ativa, por meio da qual se torna possível o desenvolvimento de um
processo crítico de comunicação pública, sendo esta um indicativo do grau de
democratização da sociedade constituída pelo Estado Social, ou seja, segundo o
autor, “do grau de racionalização do exercício do poder político e social”.
Esse movimento é conduzido pela dinâmica da luta de classes, que opera o
seu deslocamento do âmbito das relações privadas para uma esfera pública. O
processo de publicização desse deslocamento das relações sociais da esfera
privada para a esfera blica assenta-se nas instituições que integram o chamado
Estado de Bem-Estar (Welfare State) que deram origem às políticas sociais públicas.
Diante da necessidade de melhor compreender a dinâmica empreendida
pelos sujeitos sociais no emaranhado das questões públicas e estatais, buscou-se
conhecer a trajetória da sociedade civil, na luta pelo espaço da democratização
social.
A expressão sociedade civil, conforme Fernandes (1994, p.87), saiu dos livros
de história européia para penetrar o vocabulário dos ativistas sociais latino-
americanos, ao final dos anos 70, passando a predominar, uma década mais tarde,
sobre as demais categorias do discurso político. Assimilada por diversas novas
instituições e difundida socialmente, a expressão ganha força para impulsionar os
movimentos sociais, na sua trajetória de confrontação com o Estado. A expressão
movimentos sociais ganhou relevância sobre a sua expressão afim, movimentos
populares, o horizonte comum foi inexoravelmente re-significado, como aconteceu
com a expressão sociedade civil e sua correlata cidadania, em decorrência do seu
uso crescente. Segundo Fernandes, “não se adota uma palavra impunemente, pois
as peças do discurso são deslocadas e novos arranjos o feitos, num jogo
complexo de rupturas e recuperações”. (1994, p.88)
No Brasil, o processo de análise das relações entre Estado e sociedade
supõe, segundo Raichelis (1998, p.67), repensar as modalidades de combinações
entre o estatal e o privado, na formação e no desenvolvimento do capitalismo em
nosso país, a simbiose entre blico e privado, na conformação assumida pelo
Estado e nas suas relações com as classes sociais.
O padrão de intervenção do Estado brasileiro concentrou-se no financiamento
22
da acumulação e da expansão do capital, em detrimento da consolidação de
instituições democráticas e da institucionalização do acesso público a bens, serviços
e direitos básicos de extensas camadas da população trabalhadora.
Na verdade, o pacto conservador que sustentou o Estado
Desenvolvimentista no Brasil não computou a participação democrática em
nenhuma de suas formas, e jamais patrocinou, por conseqüência, a
institucionalização de estruturas que pudessem dar conta das pressões pela
ampliação da cidadania política e social. (FIORI, 1995, p 145).
Analisar a profundidade da crise social brasileira e seu rebatimento em todas
as esferas da vida social supõe, necessariamente, considerar o processo histórico
por meio do qual o estatal e o privado mesclaram-se para impedir o nascimento de
uma esfera pública.
Desde a década de 80, o Brasil foi palco de um processo de revitalização da
sociedade civil, que, na luta pela democratização, colocou em xeque, não somente o
Estado ditatorial, mas a rede de instituições autoritárias que atravessava a
sociedade. Aquela década foi arena de amplo movimento de conquistas
democráticas que ganharam a cena pública: os movimentos sociais organizados em
diferentes setores, o fortalecimento dos sindicatos, a visibilidade das demandas
populares e a expressão das aspirações por uma sociedade justa e igualitária, na
luta por direitos, que acabaram se consubstanciando na Constituição de 1988, com
o reconhecimento de novos sujeitos como interlocutores políticos.
Os países capitalistas periféricos, na década de 80, são contaminados por
uma aspiração democrática, mas esta traz no seu bojo a recessão econômica, a
escalada inflacionária, a crise fiscal do Estado e o agravamento da miséria, que tem
a sua contra-face mais perversa revelada pela exclusão social, que o
desenvolvimento capitalista globalizado e desigualmente combinado faz afundar”.
(RAICHELIS, 1998, p 71)
As teses neoliberais são abrigadas em um ambiente sócio-político respaldado
por um caldo cultural favorável à sua disseminação. Em função disso, as críticas à
ineficiência do Estado – no Brasil, em particular - colocam-no cada vez mais exposto
à retórica liberal e à mercê dos interesses privados das classes dominantes e dos
organismos internacionais, enfraquecendo ainda mais a sua capacidade de formular
e executar políticas públicas.
O pensamento neoliberal tem como meta o pragmatismo, com o objetivo de
23
obter, com sistema de avaliações, índices estatísticos que dêem sustentação para a
elaboração de novos planos estratégicos, operacionais, que não avaliam a qualidade
da ação realizada, desconsiderando o que seria fundamental: a participação dos
cidadãos, que, de atores sociais do espaço público, na sociedade civil se tornam
atores políticos, para atuarem institucionalmente junto às políticas públicas”. (GOHN,
2005, p.38).
A autora enfatiza que cabe ao Estado democrático de direito encontrar
soluções consensuais, pactuadas, que dêem respostas aos problemas e aos
conflitos embutidos, pois é da natureza de um projeto sócio-político cultural, ao
mesmo tempo constitutivo de sua essência, confrontar-se e/ou defrontar-se com
contradições sócio-políticas.
Nesse quadro, ganha primazia uma redefinição do conceito de público, que
supere a dicotomia entre o privado e o estatal, como expressão de relações
democráticas, transparentes, publicizadas, controladas socialmente, mas que, ao
mesmo tempo, não dilua as responsabilidades estatais, nem os limites que impeçam
a indevida apropriação do público pelos interesses privados. (RAICHELIS, 1998,
p.118)
O cenário político da década de 90 traz inflexões importantes na luta pela
democratização do Estado, relacionadas com a participação de segmentos
organizados da sociedade civil nas decisões e prioridades das políticas públicas.
Desde a década de 80, em que ganharam vida esses processos democratizadores,
é possível observar mudanças decorrentes do protagonismo de novos sujeitos
sociais, saídos das lutas de reprodução social e transformados em interlocutores no
campo de definições de políticas públicas.
À proporção que organizações populares e instituições da sociedade civil
ganham visibilidade e legitimidade a partir da definição de instrumentos
democráticos de participação política, percebe-se essa dinâmica social gerando
novas contradições, pois afloram, simultaneamente, os limites da democracia
representativa e a necessidade de aprofundar e ampliar os processos de
participação dos cidadãos.
Faleiros (apud RAICHELIS, 1998, p.32) sintetiza as relações entre Estado e
sociedade civil, na gestão das políticas sociais, e, em diferentes graus e
combinações, identifica o autoritarismo, o clientelismo/paternalismo e o burocratismo
como modalidades presentes, historicamente, na sua realização.
Observa o autor
24
que tais relações engendram verdadeira simbiose entre blico e privado, em que o
público identificado com o estatal encobriu os processos de privatização do Estado,
determinando a ausência da esfera pública, na formação econômico-social
brasileira.
O retorno dos mecanismos democráticos no nível das instituições políticas
acentuou o reconhecimento dos mecanismos autoritários que, enraizados
historicamente, contribuíram para fortalecer uma visão que localiza a luta pela
democracia no próprio espaço da sociedade civil, e não apenas no Estado. Por outro
lado, conforme observa Dagnino (2002, p.10), na medida em que o retorno às
instituições formais básicas da democracia não produziu o encaminhamento
adequado dos problemas de exclusão e desigualdade social, por parte do Estado,
aguçaram-se percepções que enfatizam a ampliação da noção de democracia e,
também, a necessidade de aprofundar o controle do Estado por parte da sociedade.
As transformações no âmbito do Estado e da sociedade civil se expressam em
novas relações entre eles: o antagonismo, o confronto e a oposição declarados, que
caracterizavam essas relações no período da resistência contra a ditadura, dão
espaço a uma postura de negociação, que aposta na possibilidade de ação
conjunta, expressando, nesse cenário, o paradigma da “participação da sociedade
civil”. Observa-se que a adesão a esse novo paradigma se dá de forma diferenciada.
Dagnino (2002, p.12) enfatiza que tal diferenciação se faz presente tanto no interior
do Estado (rompida a relativa homogeneidade do período autoritário), como no
interior da sociedade civil, cuja heterogeneidade é exposta com o avanço da disputa
pela construção democrática e uma crescente diversificação de atores.
Na América Latina, segundo Oliveira (apud Fernandes, 1994, p.12), ONGs
têm uma história rica de solidariedade e trabalho conjunto com movimentos
populares, mas pouco relacionado com as iniciativas emergentes de filantropia
empresarial.
A América Latina nos anos 60 projetava imagens promissoras que
combinavam o vigor dos progressos materiais à generosidade romântica e
voluntarista da juventude, pois não apenas mostrava bons indícios de
crescimento econômico, como evocava os mais amplos anseios
humanitários. (FERNANDES, 1994, p.30).
Comprovando esta idéia, Landim (apud FERNANDES, 1994, p.28), informa
com base em documentos das principais Bibliotecas do Rio de Janeiro que os
25
idealizadores das primeiras ONGs da América Latina eram jovens na década de 60
que, adolescentes, chegaram à idade adulta acreditando serem partícipes de um
vasto processo de transformação histórica. Segundo Raichelis (1998, p.76), o apelo
à participação da comunidade na solução dos seus problemas não é novo, se
consideradas as ações coletivas organizadas e propostas de colaboração povo-
governo, para superação de conflitos sociais, largamente disseminadas na América
Latina na década de 50, nos marcos da ideologia desenvolvimentista.
Cidadania e solidariedade são fortemente demandadas, no momento em que
os governos dos anos 90 eram impelidos, pelo modelo econômico neoliberal vigente,
a livrar-se do investimento em obrigações públicas de proteção e garantia dos
direitos sociais. Neste novo cenário, em decorrência da idéia de responsabilidade
social partilhada entre cidadãos e organizações de governo, em busca do “benefício”
público, surge um novo ator: o empresariado.
A atividade da empresa não desvia o foco do contexto no qual desenvolvem
seus negócios e redefine a filantropia, aproximando-a da noção de cidadania, que é
acrescida da palavra “solidária”. A filantropia empresarial, segundo Paoli (apud
SANTOS, 2001, p.337), adapta-se com vantagem às formas do lucro empresarial,
ecoando o discurso neoliberal que preconiza a iniciativa individual e privada. A
empresa apresenta o diagnóstico de Estado deficiente na tentativa de diminuir a
politização dos conflitos sociais. O objetivo de diminuir a politização está presente no
novo discurso do empresariado, propondo soluções para as questões sociais
emergentes e para as questões educacionais e de inclusão cultural.
A intervenção das empresas na formulação, planejamento e execução de
políticas educacionais tem sido alvo de debates, com freqüência. Neste trabalho,
impôs-se uma questão ainda pouco pesquisada que é a intervenção na educação,
visando a inclusão cultural.
Em relação à cultura, muitos estudos m sido divulgados, apontando para a
importância da inclusão cultural, tema que envolve a questão da preservação do
patrimônio material e imaterial, responsável por uma cultura brasileira rica e
diversificada.
A Nova Constituição Brasileira, promulgada em 1988, em consonância com
as discussões internacionais, reconhece como patrimônio cultural brasileiro as
formas de expressão e os modos de criar, fazer e viver, além das criações
científicas, artísticas e tecnológicas e das obras, objetos, documentos e edificações
26
destinados a manifestações artístico-culturais ou resultado delas. Ainda na seção II,
artigo 215, estabelece: O estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura nacional, apoiará e incentivará a difusão das
manifestações culturais”.
O reconhecimento constitucional da abrangência da cultura e sua inclusão
entre o elenco de direitos e deveres que devem se combinar para garantir o pleno
exercício da cidadania foram fatores fundamentais para que se iniciasse outra fase
no tratamento das questões culturais no Brasil. Até então, elas vinham sendo
consideradas, pelas políticas blicas e pelas iniciativas de outros segmentos da
sociedade, secundárias na ordem hierárquica das urgências de um país que ainda
luta para garantir condições básicas de sobrevivência para seus habitantes, não se
fazendo presentes nas políticas de desenvolvimento.
No cenário brasileiro, significativa gama de empresas ocupa o universo das
ações denominadas “socialmente responsáveis”, patrocinando projetos artísticos e
sócio-culturais, no âmbito da educação, o que sugere um olhar crítico para essa
dinâmica, que é uma via de mão dupla, onde transitam dois atores na expectativa de
benefícios: empresa e comunidade.
Iniciativas “socialmente responsáveis”, com maior visibilidade no Brasil,
partiram de indústrias calçadistas, no Estado de São Paulo, na década de 90, e têm
suas raízes nas denúncias de violações constitucionais e estatutárias dos direitos da
criança, vindo a sensibilizar e mobilizar os empresários que, alvos de exposição
pública, temiam ver sua imagem denegrida – a se lançarem na área da cultura. Aqui,
torna-se inevitável o questionamento: Estariam os empresários conscientemente
interessados em reverter os desajustes sociais? A sua “contribuição” representa uma
atitude compensatória estratégica, um paliativo para maquiar as rachaduras do
problema e reverter a imagem da empresa?
Carcanholo (1998, p.26) ressalta que, segundo a ideologia neoliberal, a
intervenção com objetivo de distribuição de renda foge dos princípios de atuação do
Estado e, no contexto neoliberal, geralmente é acompanhada pelo ônus da
deficiência de alocação de recursos.
Nos países desenvolvidos, o objetivo básico é fundamentalmente o mesmo
impedir resistência da opinião pública -, porém as resistências de uma classe
trabalhadora organizada têm grande peso, e a opinião pública esclarecida se
posiciona, exigindo satisfações.
27
Já no plano ideológico, inexistem claras distinções entre o neoliberalismo
terceiro-mundista e o “desenvolvido”. De todas as formas, seja no campo das idéias
ou no das políticas econômicas, onde quer que as políticas neoliberais se instaurem,
surge ou cresce a miséria, a degradação econômica, a apatia, a desesperança,
formando um fosso social, que separa os “integrados” dos “marginais”, os que
lucram e os que perdem com as regras do jogo.
Bourdieu (1998, p.142) preconiza que a utopia neoliberal tende a se encarnar
na realidade de uma espécie de máquina infernal”, cuja necessidade se impõe aos
próprios dominantes, pela preocupação com os efeitos destruidores do domínio que
eles exercem; são levados a ações compensatórias, inspiradas na própria lógica que
querem neutralizar, com atitudes de generosidade”, como, por exemplo, a
responsabilidade social assumida pelos empresários.
Profundamente marcada pela experiência autoritária do regime militar
instalado em 1964, a sociedade civil brasileira experimenta um significativo
ressurgimento, a partir da década de 70. Segundo Avritzer (in DAGNINO, 2002, p.9),
esse ressurgimento, que tem como eixo a oposição ao Estado autoritário, foi tão
significativo que é visto por alguns analistas como, de fato, a fundação efetiva da
sociedade civil no Brasil, que sua existência anterior estaria fortemente
caracterizada pela falta de autonomia em relação ao Estado. O autor argumenta que
a sociedade civil se organizou de maneira substancialmente unificada, no combate a
esse Estado. Desempenhando papel fundamental no longo processo de transição
democrática, e que a luta unificada contra o autoritarismo, que reunia os mais
diversos setores sociais, contribuiu decisivamente para uma visão homogeneizada
da sociedade civil, deixando significativas marcas no debate teórico e político sobre
o tema. Dagnino (2002, p.9)
Cabe aqui delimitar algumas diferenças básicas entre ONG
3
e
Responsabilidade Social Empresarial. Uma ONG poderia ser caracterizada como um
segmento privado com funções públicas” (FERNANDES, 1994, p.65), porém sem
fins lucrativos. Dentre os princípios legais que balizam o funcionamento de uma
ONG, está a orientação sobre os lucros que devem ser re-investidos nas atividades-
fim, não cabendo a sua distribuição entre os membros da organização. Somente
estas características indicam a distinção entre ONG e Responsabilidade Social
3
O termo “ONG foi cunhado pela ONU, em 1946, definindo-o como toda organização não
estabelecida por acordo inter-governamental, segundo Tavares (in DAGNINO, 2002, p.106).
28
Empresarial. Responsabilidade Social é caracterizada por um programa estratégico
empresarial que abrange ações sociais e patrocínio de projetos culturais, visando ao
retorno para a empresa, em forma de dedução de impostos e divulgação da sua
imagem institucional. ONGs são, na sua concepção original, instituições em que
seus membros pensam, de maneira estratégica, em como atender demandas sócio-
culturais que não são satisfeitas pelo mercado, e internalizam a pergunta sobre o
significado para as políticas públicas de cada projeto em que estejam envolvidos, por
mais localizado que ele seja.
Paoli denuncia a diferença entre atuação política de resistência e proteção de
direitos das ONGs e atuação empresarial, caracterizada como ação humanitária, não
se distinguindo, portanto, da filantropia:
[...] no bojo da ambigüidade com que se constrói e se modifica a
organização do ativismo empresarial, é claro que, por um lado, a ação social
empresarial e os welfare privados nas empresas podem ser uma
experiência social e humanitária relevante, diante das prementes
necessidades e carências da população pobre brasileira. (PAOLI, 2001,
p.413).
Essas iniciativas marcam a presença do discurso empresarial com ênfase na
cidadania, e nada se poderia dizer contra elas, se funcionassem apoiadas em
garantias reais de direitos universalizados.
Mas, para ser também politicamente relevante como uma experiência de
formação de atores investidos de responsabilidade social, seria preciso que o
movimento de filantropia empresarial reconhecesse, na sua própria constituição, a
projeção da sombra da disputa pelo poder de enunciar o espaço público e a
cidadania sob o cenário da desregulamentação estatal. Desse prisma, a
regeneração da classe dominante brasileira não se apóia em uma lógica da
cidadania e sim na eficiência da integração social, para limitar o perigo e o risco,
inerentes à presença aumentada dos excluídos e sem-direitos, que os ameaça. Sua
utopia de responsabilidade torna-se, então, conservadora, porque, por mais sensível
que seja às desigualdades sociais, preserva ao mesmo tempo as hierarquias
desiguais que produzem a descapacitação dos cidadãos, que dependem da ação
externa privada para a possibilidade de inclusão social e,
29
dependem, portanto, das intenções, dos interesses e das flutuações dos
acertos e enganos próprios ao mundo mercantil, e inerentes à liberdade
com que afinal foi cunhada, dois séculos atrás, a expressão iniciativa
privada”, contra a qual se formaram os espaços públicos diferenciados,
críticos e propositivos, voltados para a emancipação ampliada de um mundo
comum. (PAOLI, 2001, p.413)
Esta é a lógica da não cidadania e contra a criação de espaços públicos.
Como parte das classes dominantes, também os empresários temem o risco
dos excluídos, o que justifica a sua busca de construção de um discurso desprovido
da lógica da cidadania, alicerçando, em bases insólitas, uma utopia conservadora.
2.1 A Área Cultural e as Políticas Culturais
A questão da responsabilidade social empresarial suscita a discussão sobre
formas de associação entre o público e o privado e as diversas formas de expressão
cultural que se tornam focos privilegiados das políticas públicas e dos investimentos
na área. Botelho (2001, p.77) alerta para um equívoco de base: o financiamento de
projetos assumiu o primeiro plano do debate, empanando a discussão sobre as
políticas culturais”. E conclui que render-se a isso significa aceitar uma inversão no
mínimo empobrecedora, pois o financiamento da cultura não pode ser analisado
independentemente das políticas culturais, envolvendo rios atores sociais, como
governo e sociedade civil, em um contexto de identificação de demandas
comunitárias”. São elas que devem determinar as formas mais adequadas para se
atingirem os objetivos desejados, ou seja, o financiamento é determinado pela
política e não o contrário. Entende-se, então, que, mesmo quando se transferem
responsabilidades para o setor privado, isto não exclui o papel regulador do Estado,
uma vez que se está tratando de renúncia fiscal e, portanto, de recursos públicos.
As grandes mudanças com relação ao investimento em cultura, realizadas
particularmente nos últimos anos pela iniciativa privada, foram certamente
influenciadas pela política cultural de parceria entre Estado, empresários e
comunidade cultural, que vem sendo implementada pelo governo Federal e por
alguns governos estaduais e municipais.
Lembra Botelho (2001, p.77) que esta busca pelo patrocínio privado reflete o
movimento mundial iniciado nos anos 80, motivado pela crise econômica e pelas
30
soluções procuradas dentro do chamado quadro neoliberal, no qual os governos
começaram a cortar seus financiamentos para as áreas sociais e, mais
particularmente, para a cultura.
As leis culturais foram criadas na década de 1990 para estimular a iniciativa
privada a investir em cultura, num momento em que o Estado fechava os órgãos
culturais mais representativos, reduzia seu orçamento e começava a construir um
“Estado mínimo e mercado máximo”. Com as leis de incentivo à cultura, abria-se
mão das políticas públicas e realizava-se a cultura com dinheiro público na esfera
privada. Faria (2003, p.44) enfatiza que, naquele momento, “elas trouxeram um certo
alívio para a cultura, no entanto com o passar dos anos sua insuficiência mostrou-se
evidente”. O autor denuncia que não registros organizados para possibilitar a
identificação dos projetos contemplados, suas áreas e linguagens, a região
geográfica atendida, entre outros dados que seriam fundamentais para se ter um
quadro dos principais resultados alcançados. No entanto a experiência mostra que
as leis culturais têm servido, principalmente, aos interesses de grandes grupos
empresariais, que utilizam a renúncia fiscal para financiar projetos de seu interesse,
visando à divulgação do seu produto ou da sua instituição. Constata-se que o
mercado de recursos e empregos ampliou-se, notadamente em grandes eventos,
mas os recursos ficaram centralizados, não houve o fortalecimento das políticas
culturais emergentes, principalmente na periferia das cidades, e, conseqüência mais
grave, a cultura não se democratizou. Praticamente ignorou-se a multiplicação de
grupos e movimentos culturais que circulam e dão dinamismo à vida cultural nos
bairros da cidade. Por outro lado, uma questão preocupante é que o texto das leis
culturais define que não se avaliará o mérito do projeto, mas a sua viabilidade
técnica e financeira. Logo, um projeto bem realizado, ainda que não seja tão
importante para a comunidade, concorre a recursos, mesmo sem estar sintonizado
com políticas culturais democráticas.
As leis que servem às dinâmicas culturais deveriam estar contextualizadas
num cenário de debates e de políticas públicas de cultura, não devendo estar
separadas das dinâmicas culturais locais e sem relação com os organismos
representativos da cultura.
“A lei é um instrumento necessário para dar agilidade às dinâmicas culturais e
não para compensar a ausência de recursos e de políticas públicas”. (FARIA 2003,
p.44)
31
Um novo discurso aponta para novos cenários desenhados pela mobilização
social: as ações de prestígio ou de interesse público.
Assim como a sustentabilidade passou a ser premissa para qualquer ação
empreendida neste início de culo, a inclusão da cultura está entre os fatores
estratégicos de desenvolvimento e de relação entre os povos. Não se discute mais
se as políticas culturais devem estar integradas às políticas econômicas e sociais,
mas, sim, de que forma integrá-las.
Os direitos dos cidadãos, que incluem os direitos culturais, tendem a se
transformar em grandes causas da humanidade, sendo que a cultura passa a ser um
dos principais instrumentos de definição, particularização e mobilização das
comunidades.
A questão cultural emerge a partir da inclusão da cultura como um direito da
cidadania e as comunidades parecem começar a se mobilizar por esses direitos.
Conforme Diagnóstico dos Investimentos em Cultura no Brasil (CEHC-
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1998), a demanda da comunidade por ações na
área cultural constitui um fator que influencia positivamente no direcionamento da
comunicação empresarial. A pesquisa diz, porém, que, ao investir em cultura, as
empresas preocupam-se, essencialmente, em associar sua imagem a ações de
prestígio ou de interesse público.
Gohn (2005, p.46), defende que as práticas culturais podem ser
desenvolvidas em duas frentes: na sociedade civil via manifestações culturais ou
associativas que possibilitem articulação de singularidades; e na sociedade política –
via políticas públicas, criando-se espaços e arenas institucionais de negociação.
A área da cultura é rica e propícia à preservação das identidades
diversificadas para a geração de consenso, desde suas formas clássicas de
expressão artística aos direitos culturais modernos, de última geração, como os
que estão surgindo com o avanço tecnológico, na área das comunicações e da
genética humana.
Focalizando a área de expressão artística, presente neste estudo, encontra-
se bom exemplo na música. Ela é cantada em diferentes estilos, ritmos, línguas,
tons, timbres, etc., mas há um ponto comum, uma linguagem universal: as notas
musicais. Elas podem ser entendidas por diferentes povos, com identidades culturais
distintas, porque tais símbolos gráficos são o que de universal se encontra nas
singularidades locais, regionais, nacionais. Numa analogia com as notas musicais,
32
pode-se pensar em modelos civilizatórios que garantam a diversidade, o direito à
diferença e o direito à igualdade, pois os eventos culturais mobilizam milhares de
pessoas principalmente jovens -, aglutinam forças, viabilizam a participação,
resgatam o entusiasmo pela vida e pelos valores humanitários.
A análise dos conceitos de cultura e dos direitos culturais deve,
necessariamente, realizar-se de forma articulada porque as relações de
desigualdade social são ligadas à questão da cultura. Gohn (2005, p.49) alerta que
“a cultura vigente poderá tanto transformar como legitimar as desigualdades, porque
práticas e instituições culturais podem garantir a dominação de um grupo por outro”.
A autora fala de práticas cotidianas que reiteram o estilo e o modo de vida das
pessoas, dadas, por exemplo, pela linguagem, pelo sistema educacional, pelos
meios de comunicação de massa, pelas leis e por organizações sociais e religiosas.
São consideradas agências formadoras de valores, de visão de mundo, de
consciência individual e grupal, por levarem seus membros a adotarem atitudes e
pensamentos baseados em preceitos e preconceitos condicionantes, atuando na
intersubjetividade das pessoas.
Essas questões sinalizam a importância das políticas culturais de um país ou
de uma instituição, considerando que elas podem determinar mudanças de rumo no
significado das práticas sociais. Indivíduos constituídos como sujeitos coletivos,
articulados em entidades associativas, com força cio-política organizativa, podem
definir novos significados às políticas culturais.
Botelho alerta para a necessidade de se ter clareza sobre a distinção da “cultura no
plano do cotidiano daquela que ocorre no circuito organizado”. Para a autora, tal
distinção incide diretamente na definição de estratégias diversificadas, facilitando as
várias instâncias do poder público, ou seja,
aquelas que deveriam estar formulando políticas, cada uma no seu âmbito,
além de trazer uma orientação decisiva, quando se busca uma divisão de
responsabilidades eficaz e coerente entre as esferas federal, estadual e
municipal, bem como quando se enfrenta o problema das formas de
associação entre o público e o privado parcerias efetivas e fontes de
financiamento. (BOTELHO, 2001, p.73)
Embora se fale muito em política cultural, o financiamento de projetos,
tomados isoladamente, através das leis de benefício fiscal existentes no país, requer
uma avaliação criteriosa. Especialmente pelos equívocos que ocorrem quando os
33
poderes públicos, por escassez de recursos ou por omissão deliberada, deixam as
decisões sobre o que se produz, em termos de arte e de cultura, por conta dos
setores de marketing
4
das empresas, ficando os projetos incomodamente
dependentes do capital de relações sociais do empreendedor cultural
5
ou
proponente de projetos.
A dificuldade de grande parte dos profissionais da área artística, na tarefa de
negociar a captação de recursos para os seus projetos aprovados em leis de
incentivo à cultura, abriu espaço no mercado cultural para um mediador da relação
entre o proponente de projetos (artista ou arte-educador) e as empresas, que figura
como captador de recursos. Percebe-se que o mercado cultural se amplia,
alcançando a periferia do seu objetivo central, pois nessa relação de dependência, o
proponente de um projeto libera 10% do valor do projeto aprovado para o captador,
pela intermediação que ele faz com o setor de marketing da empresa patrocinadora
que, por sua vez, libera os recursos para a execução de projetos culturais.
No âmbito das políticas públicas, a cultura pode ser entendida como fator
estratégico para a garantia de um desenvolvimento sustentável. Levando-se em
conta, particularmente, as propostas da Unesco para elaboração de políticas
culturais, é fundamental a utilização de instrumentos de gestão das transformações
para garantia de identidades no âmbito de um mundo globalizado, favorecendo a
criatividade, a participação e a expressão dos diversos grupos sociais.
Apesar de sua constância na pauta de diversos fóruns internacionais, desde
os anos 60, a cultura e sua relação com o desenvolvimento econômico e social
foram objeto de uma conferência específica promovida pela Unesco, em 1970. A
partir dessa data, os fatores de ordem cultural afirmaram-se como estratégicos na
busca de modelos e passaram a ser objetos de seminários a cada dois anos.
As discussões culminaram na Conferência Mundial sobre as Políticas
Culturais, Mondiacult, ocorrida em 1982, no México, quando finalmente se chegou
ao acordo da necessidade de uma definição mais abrangente para a cultura, que
pudesse servir de referência para as ações da área: conjunto de características
4
MARKETING “É um sistema total de atividades de negócios desenvolvidas para planejar, dar
preço, promover e distribuir produtos que satisfaçam os desejos dos mercados-alvo e atingir
objetivos organizacionais”. (ETZEL; WALKER; STANTON, 2001).
5
EMPREENDEDORES CULTURAIS são idealizadores/coordenadores de projetos culturais, também
denominados proponentes de projetos incentivados por empresas e, muitas vezes, também
cumprem, na execução de projetos, a função de facilitadores de oficinas de artes ou de
protagonistas (cantores/atores) de shows e espetáculos.
34
distintas, espirituais e materiais, intelectuais e afetivas, que caracterizam uma
sociedade ou um grupo social [...] engloba, além das artes e letras, os modos de
viver, os direitos fundamentais dos seres humanos, os sistemas de valor, as
tradições e as crenças”. Reconheceu-se, ainda, que as políticas culturais para o
desenvolvimento deveriam estar centradas nas forças vivas da cultura, ou seja:
patrimônio, identidade, criatividade.
Essa abrangência retomou a própria definição antropológica da cultura como
“tudo o que caracteriza uma população humana”, ou como “o conjunto de modos de
ser, viver, pensar e falar de uma dada formação social”, segundo SANTOS (1999,
p.50). Para Bosi (1993, p.50), a cultura caracteriza-se como “todo conhecimento que
uma sociedade tem de si mesma, sobre outras sociedades, sobre o meio material
em que vive e sobre sua própria existência”, devendo-se incluir aqui as formas de
expressão simbólica desse conhecimento através das idéias, da construção de
objetos, das práticas rituais e artísticas.
Na dimensão antropológica, segundo Botelho (2002, p.74), a cultura se
produz através da interação social dos indivíduos, que elaboram seus modos de
pensar e sentir, constroem seus valores, manejam suas identidades e diferenças e
estabelecem suas rotinas”, em que cada indivíduo ergue à sua volta “pequenos
mundos de sentido”, mundos de sociabilidade, que lhe permitem uma relativa
estabilidade, ou “equilíbrios simbólicos”, conforme Michel de Certeau, lembrado pela
autora. É preciso que haja uma reorganização das estruturas sociais e uma
distribuição de recursos econômicos, para que a cultura - tomada na dimensão
antropológica seja atingida por uma política. Os processos de transformações,
embora sejam elas lentas, chegam a interferir nos estilos de vida (hábitos, costumes,
sociabilidade) de cada indivíduo.
Botelho faz distinção entre a dimensão antropológica e a dimensão
sociológica da cultura que, para a autora, refere-se a um conjunto diversificado de
demandas profissionais, institucionais, políticas e econômicas, tendo visibilidade em
si próprias, não se constituindo no plano do cotidiano do indivíduo. A dimensão
sociológica compõe um universo que interfere em um círculo organizacional, cuja
complexidade faz dela, geralmente o foco de atenção das políticas culturais,
deixando o plano antropológico relegado simplesmente ao discurso”. Em outras
palavras, trata-se de um círculo organizacional que estimula, por diversos meios, a
produção, a circulação e o consumo de bens simbólicos, ou seja, aquilo que o senso
35
comum entende por cultura.
Pode-se presumir que as políticas culturais, isoladamente, não conseguem
atingir o plano do cotidiano, sendo necessários dois tipos de investimento para que
se consiga intervir objetivamente na dimensão antropológica. Um seria a estratégia
do ponto de vista da demanda, significando iniciativas dos próprios interessados.
Isto significa organização e atuação efetivas da sociedade, em que o exercício real
da cidadania exija e impulsione a presença dos poderes públicos como respostas às
questões concretas e que não são de ordem exclusiva da área cultural.
O segundo tipo de investimento refere-se à área de cultura dentro do aparato
governamental. Para que uma política cultural cumpra a sua parte, é fundamental a
delimitação clara do seu universo de atuação, não abarcando, para si, problemas
que pertencem a outros setores do governo. Junto aos demais setores da quina
governamental, a área da cultura deve funcionar, principalmente, como articuladora
de programas conjuntos, preservando estratégias específicas para atuar diante dos
desafios da dimensão antropológica.
Para atingir um patamar mais consistente na gestão cultural, Durand (2001,
p.67) aponta para a necessidade de uma visão mais orgânica para a área cultural, o
que implica conhecer a divisão do trabalho que a lei e os costumes estabelecem
entre governo e iniciativa privada em matéria de políticas sociais”. Nesse sentido, é
indispensável distinguir aquilo que, em cada região ou localidade, está sendo bem
resolvido pela indústria cultural, ou por manifestações espontâneas da população, e
aquilo que, com base em critérios defensáveis, o governo deve encorajar.
Embora uma das principais limitações das políticas culturais seja o fato de
nunca alcançarem, por si mesmas, a cultura em sua dimensão antropológica, esta
dimensão é mencionada como a mais nobre, que é identificada como a mais
democrática, em que todos são produtores de cultura. Segundo Botelho, a
expressão dos sentidos gerados interativamente pelos indivíduos, funcionando
como reguladora dessas relações e como base da ordem social”. Talvez por esta
razão, é ela privilegiada pelo discurso político, principalmente nos países do
Terceiro Mundo, onde os problemas sociais são gritantes e suas economias
pendentes”, complementa a autora.
As diversas formas de expressão cultural, assim como suas principais
estruturas físicas de apoio, acabaram por se tornar os focos privilegiados das
políticas públicas e dos investimentos na área. Santos et al (2001, p.50) assinala
36
que “o fato da atuação segundo políticas voltadas para a cultura, num sentido mais
restrito, não entra em contradição com sua definição mais ampla, nem com suas
características implícitas de relativismo, dinamismo e diversidade”. Conforme os
autores, trata-se de delimitar um campo de competência, estabelecendo-se metas e
elegendo-se prioridades que viabilizem a gestão, a qual deve ser tratada de acordo
com os principais vetores de promoção do direito cultural: educação, formação,
sensibilização de público, artistas e produtores; tutela, subsídio, estímulo e reforço,
difusão, divulgação e distribuição; documentação, inventário e conhecimento;
proteção e salvaguarda; e a gestão propriamente dita.
Na concepção de Brant (2003, p.03), para efeito de aplicação das políticas
públicas, a cultura pode ser entendida como um conjunto de características
espirituais, materiais, intelectuais e afetivas distintas, que caracterizam uma
sociedade ou um grupo social”. Para o autor este conceito abrange, além das artes e
das letras, os modos de vida, os sistemas de valores, as tradições e as crenças.
A discussão da produção e da gestão cultural no âmbito de um mundo
globalizado levanta uma característica fundamental da cultura: a diversidade. Não é
mais possível considerar qualquer questão de interesse nacional e internacional,
senão em termos de globalização, considerada aqui, não apenas a mundialização
do capital, mas também um processo de natureza histórico-cultural que torna
porosas as fronteiras tradicionais, gerando novas práticas e relações entre as
comunidades. Até mesmo os direitos dos cidadãos, que incluem os direitos culturais,
tendem a se transformar em grandes causas comuns da humanidade, sendo que a
cultura passa a ser um dos principais instrumentos de definição, particularização e
mobilização das comunidades.
Num contexto de universalidade acelerada pelos meios de comunicação, a
diversidade torna-se um fator primordial, inserido nesse contexto, sendo que as
questões culturais assumem papel estratégico no conseqüente e desejável processo
de afirmação de identidades e sentimentos de pertencimento de cada indivíduo, de
cada comunidade, de cada nação.
A área governamental sempre abrigou os gêneros que compõem a cultura
erudita, sobretudo aqueles que não conseguem sobreviver do mercado. Embora a
ênfase, hoje em dia, seja reconhecer igualmente o valor tanto das expressões
eruditas quanto das populares, isso em nada reduz a necessidade do
monitoramento do avanço da indústria cultural pelas políticas culturais, o que
37
significa, segundo Durant (2002, p.71), acompanhar o alargamento do mercado e
da globalização sobre a cultura nacional”.
Em vista da necessidade desse monitoramento, sob uma visão sistêmica, que
gera resultados de longo prazo, Durand chama atenção para duas questões
preocupantes que permeiam os projetos culturais: a primeira refere-se ao poder do
marketing cultural, quando uma verba polpuda o autoriza a ambicionar uma grande
repercussão de mídia para a marca que patrocina um evento”. Torna-se possível,
por exemplo, fazer explodir do dia para a noite um grande público, para um
espetáculo ao vivo, de qualidade duvidosa.
A segunda questão, segundo o autor, “faz parte das tendências de época o
apelo às artes e à cultura para ajudar na busca de soluções de problemas que lhe
são alheios”, tais como recuperação de infratores, cura mental, reconciliação entre
raças e religiões, geração de empregos, estímulo ao turismo e, entre outros, a
facilitação de aprendizado.
O último item citado figura entre os benefícios das ações de Arte-Educação,
no Projeto CRIAR, citadas pelos entrevistados.
Durand conclui que não cabe discutir o tamanho, as características e o rito
de cada uma dessas demandas, mas que o fundamental é reconhecer que, se os
gestores blicos não forem capazes sequer de pensar orgânica e integralmente a
área cultural, em suas dinâmicas internas, e em suas interdependências, muito
menos estarão preparados para atender às necessidades mais agudas e que
dependam de diagnósticos mais sofisticados e da interlocução com outras áreas de
política.
Direcionando o foco para a interação de cultura e educação, Brandão (1985,
p.20) enfatiza que, ao lado da absoluta necessidade de compreensão do universo da
cultura que o educando habita e de que a escola é parte, é importante não mistificar
o papel da educação. Não é raro serem vistas atitudes de educadores incorrendo
em desastrosos equívocos conceituais.
Durhan (apud BRANDÃO, 1985, p.179) esclarece a questão, dizendo que
aquilo que muitas vezes o educador considera como sendo “toda cultura”,
representa o trabalho morto da cultura, da “coisa feita” ao “saber consagradoque,
como produto cultural, se recobre de sentido, quando reincorporado ao fluxo dos
processos de transformação da vida social, tornando-se um trabalho vivo, realizado
entre coisas e valores da cultura feita.
38
Segundo Brandão, esta é uma razão pela qual, quando se refere à cultura
“tradicional”, considerada assim pelo tempo recuado de sua realização, a sua análise
antropológica é inevitavelmente uma reflexão sobre a sua dinâmica e a sua
atualidade, num entendimento de como o tradicional participa ativamente da
produção e reprodução da vida social como cultura. O autor enfatiza que, mesmo
quando se trabalha com “o que restou do passado”, o estudo da cultura é uma
análise do comportamento real de/entre diferentes categorias de sujeitos, de
condições, lugares e momentos em que ela se realiza. É a análise do processo
diferenciado e diferenciador das relações entre os homens, através dos significados
que a própria ação atribui a tais relações versus os significados que os seus atores
sociais criam e recriam a partir delas. Antes de ser memória, a cultura fala, classifica,
estabelece pautas de legitimidade, orienta condutas e significação à ação
realizada. Este foi um enfoque contemplado no Projeto CRIAR, através da área de
danças folclóricas, conforme descrições nas entrevistas.
Brandão (1985, p.180) coloca uma séria preocupação sobre a situação
“deteriorada” da escola em relação à cultura e à arte, tentando explicar a natureza
desta condição que é exterior ao sistema educacional, e “reage como pode a um tipo
de mundo que lhe rouba o sentido e a adequação”. O autor encontra, nas idéias de
Lévi-Strauss, argumentos que justifiquem tal inadequação:
Meios e mensagens de fácil digestão, sutilmente impostos, veiculados sob o
poder de um ligeiro toque de dedo a uma população transformada em
massa consumidora e apenas produtora do que é fácil, freqüentemente
descartável, são elementos de uma cultura extra-escolar. (LÉVI-STRAUSS
1983, p.360)
Dentro de uma cultura de modelos estereotipados, em que estilos de vida são
reproduzidos e inculcados sobre todos, a escola – um espaço tradicional de trabalho
simbólico no interior da sociedade moderna sobrecarregada de alunos,
empobrecida de tempo e recursos, o consegue realizar-se mais como um eixo de
ligação vertical entre o passado e o futuro e como um elo horizontal entre a família e
a sociedade.
Strauss (in BRANDÃO, 1985, p.69) alerta ainda que,
39
antes de separar o sistema escolar dos outros que o geram e configuram,
antes de isolar a escola da cultura e a pedagogia da vida social, é preciso
não esquecer de que uma visível falácia do ensino não é devida apenas à
deficiência dos métodos pedagógicos, e mais ao contexto social, cultural e
econômico que sofreu graves transformações. (LÉVI-STRAUSS 1983,
p.121)
Pesquisa sobre investimento em cultura, de abrangência nacional, realizada
em 1998, pelo Centro de Estudos Históricos e Culturais da Fundação João Pinheiro,
mostra que 25% dos executivos entrevistados,
[...] demonstram alguma sensibilidade quanto ao papel social da empresa e
identificaram no patrocínio cultural uma oportunidade que ela tem de ampliar
o acesso dos seus funcionários e da comunidade local aos bens culturais e
de contribuir para a divulgação das manifestações culturais regionais e
nacionais. (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1998).
A afirmação no texto do projeto CRIAR, da empresa LÓTUS, referente ao
investimento em educação, que diz: participar do dia-a-dia da escola é, para a
organização/empresa, um exercício de cidadania”, estimulou a investigação sobre o
conceito de cidadania a que a empresa se refere.
2.2 Conceito de Cidadania
Todo o movimento ocorrido na sociedade brasileira, nas duas últimas
décadas, gerou uma ênfase significativa na construção de uma nova cidadania. A
redefinição da noção de cidadania, empreendida pelos movimentos sociais e por
outros setores sociais, na década de 80, aponta na direção de uma sociedade mais
igualitária em todos os seus níveis, baseada no reconhecimento de seus membros
como sujeitos portadores de direitos, inclusive o de participar ativamente na gestão
da sociedade, assegurada, assim, uma das condições da existência da sociedade
civil: a vigência de um conjunto de direitos, tomados como parâmetros básicos da
convivência social.
Landim (2002, p.32) destaca que, nos últimos quinze anos, entidades sociais
de tradição privatista passam, pouco a pouco, a desenvolver uma atuação no
espaço público, estabelecendo relações com o Estado, dentro de novos marcos,
exatamente em caminhos abertos por ONGs e movimentos sociais, a exemplo de
terrenos institucionais onde ocorrem, com maior visibilidade, os conselhos e
40
orçamentos participativos. Verifica-se nessa dinâmica, de forma contraditória e ao
mesmo tempo combinada, filantropia e política de assistência social contra luta por
direitos, através das instituições privadas.
A filantropia empresarial, ou investimento social privado surge na cena
brasileira, adotando um discurso análogo ao desenvolvido no campo das ONGs,
quanto aos valores modernos da autonomia e cidadania, diferenciado do chamado
assistencialismo com seu ethos pessoalizado e cristão. Ao contrário das
organizações assistenciais, segundo Landim (2002, p.33), trata-se de novos
agentes, de novas redes de relações, discursos, ideários, práticas e estratégias de
criação de visibilidade no espaço público”.
As idéias de intervenção na sociedade apresentam-se associadas a uma
lógica de mercado, na ação social, tais como eficiência, resultados, competitividade,
marketing.
Com a atenção voltada para a fala da empresa LÓTUS, que tem, no bojo do
projeto CRIAR, o objetivo de colaborar para o aprendizado dos alunos e
professores, propiciando-lhes um crescimento pessoal e cultural”, questiona-se o
discurso da empresa, quanto ao o seu poder de intervenção no projeto pedagógico
de cada escola, esfera das políticas públicas educacionais.
Dagnino (1994, p.103) ressalta que a expressão cidadania está hoje por toda
parte, apropriada por todo mundo, evidentemente com sentidos e expressões
diferentes”, sendo positivo, num certo sentido, porque indica que a expressão
ganhou espaço na sociedade, mas por outro lado, é preocupante a velocidade e a
voracidade das várias apropriações dessa noção, fazendo aflorar a necessidade de
delimitar o seu significado”. O que se entende e o que se quer entender por
cidadania?
Propõe-se pensar a cidadania não apenas como norma legal para garantia
de direitos, mas abrangendo a noção de cidadania voltada para a avaliação dos
procedimentos democráticos e da justiça social, num espaço público real porque
construído universalmente, portanto aquele no qual a crítica e o dissenso organizado
dos excluídos pode se instalar na demanda de direitos.
Esta definição enfatiza o significado original (referindo-se à sua origem
contemporânea) de cidadania e justifica o sentido inovador do termo nova cidadania.
Apresenta a proposição de delimitar os dois sentidos, destacando o seu caráter de
estratégia política, enquanto responde a um conjunto de interesses, desejos e
41
aspirações de uma parte significativa da sociedade. Nesse sentido, esclarece
Dagnino (1994, p.103) as apropriações e a crescente banalização desse termo
não abrigam projetos diferentes no interior da sociedade, mas também tentativas
de esvaziamento do seu sentido original e inovador”.
Identificam-se duas dimensões que emergem dessa nova noção de cidadania
e que devem ser lembradas para marcar o seu terreno próprio. Em primeiro lugar, o
fato de que ela deriva e está intrinsecamente ligada à experiência concreta de
diversificados movimentos sociais, que têm na sua organização a luta por direitos
tanto direito à igualdade, como direito à diferença constituindo a base fundamental
para a emergência de uma nova noção de cidadania, um espaço real de luta por
direitos.
Em segundo lugar, o fato de que a essa experiência concreta se agregou,
cumulativamente, uma ênfase mais ampla, em extensão e aprofundamento na
construção da democracia. Neste sentido, a nova noção de cidadania expressa o
novo estatuto teórico e político que assumiu a democracia em todo o mundo,
especialmente a partir da crise do socialismo real.
Um terceiro elemento, como conseqüência dessas duas dimensões, mostra-
se fundamental nessa noção de cidadania, diante do fato de que ela organiza uma
estratégia de construção democrática, de transformação social que afirma um nexo
constitutivo entre as dimensões da cultura e da política. Incorporando características
da sociedade contemporânea, tais como o papel das subjetividades, a emergência
de novos tipos de direitos e sujeitos sociais, e a ampliação do espaço da política,
essa é uma estratégia que reconhece e enfatiza o caráter intrínseco e constitutivo da
transformação cultural para a construção democrática.
A questão da cultura democrática, na análise de Dagnino (1994, p.104),
assume um caráter crucial no Brasil, considerando uma sociedade na qual a
desigualdade econômica, a miséria, a fome são aspectos visíveis de um
ordenamento social alicerçado numa organização hierárquica e desigual, no
conjunto das relações sociais. Profundamente enraizado em critérios de classe, raça
e gênero, o autoritarismo social se expressa num sistema de classificações que
estabelece diferentes categorias de pessoas, dispostas nos seus respectivos lugares
na sociedade, engendrando formas de sociabilidade e uma cultura autoritária de
exclusão, subjacente ao conjunto das práticas sociais, e reprodutora de
desigualdade nas relações sociais, em todos os seus níveis.
42
Focalizar a cidadania como estratégia política significa enfatizar o seu caráter
de construção histórica, definida por interesses concretos e práticas concretas de
luta pela sua contínua transformação. Significa, segundo Dagnino (1994, p.107),
dizer que o uma essência única imanente ao conceito de cidadania, que o seu
conteúdo e o seu significado não são universais, não estão definidos e delimitados
previamente, mas respondem à dinâmica dos conflitos reais, tais como vividos pela
sociedade, num momento histórico. A autora conclui que “esse conteúdo e
significado, portanto, serão sempre definidos pela luta política, no seu espaço e num
determinado tempo”.
Uma das conseqüências dessa perspectiva é a necessidade de distinguir a
nova cidadania dos anos 90 da visão liberal que, tendo gerado esse termo nos fins
do século XVIII, como resposta do Estado às reivindicações da sociedade, acabou
por essencializar a noção de cidadania. Na tentativa de permanecer como tal, e
certamente desempenhando funções bastante distintas daquelas que caracterizaram
a sua origem, essa “essência”, de cunho liberal, continua vigente até hoje.
Mesmo não tendo avançado suficientemente - o que explica as críticas que a
nova cidadania enfrenta - essa distinção, que é ao mesmo tempo política e teórica,
na verdade é o que torna possível falar do seu sentido inovador.
Dagnino apresenta alguns itens da sua pesquisa que apontam para essa
distinção, mantendo, evidentemente, as referências comuns a ambas as concepções
de cidadania, como a questão da democracia e a noção de direitos, que se
expressam como diferenças conceituais.
1. A nova cidadania trabalha com uma redefinição da idéia de direitos, cujo
ponto de partida é a concepção de um direito a ter direitos, concepção que
não se limita ao acesso a direitos previamente definidos ou a conquistas
legais, ou à implementação efetiva de direitos abstratos e formais. Inclui a
invenção/criação de novos direitos que emergem de suas lutas específicas
e práticas concretas, tais como o direito à autonomia sobre o próprio
corpo, o direito à proteção ambiental, contemplando ainda essa redefinição
a questão polêmica como o direito à diferença, e não somente à igualdade.
2. A nova cidadania requer a constituição de sujeitos sociais ativos, definindo
o que consideram ser os seus direitos e lutando pelo seu reconhecimento.
Nesse sentido, ela é uma estratégia dos não-cidadãos, dos excluídos, de
uma cidadania “de baixo para cima”.
43
3. A ênfase nesse processo de constituição de sujeitos, no “tornar-se
cidadão” retoma a questão da cultura democrática, que se constitui
também enquanto uma proposta de sociabilidade. Esse alargamento do
âmbito da cidadania no Brasil pode ser pensado em termos de uma
simultaneidade da conquista dos direitos civis, políticos e sociais, a que se
refere Marshall.
4. A nova cidadania, em relação à concepção liberal, tem que transcender o
foco privilegiado da relação com o Estado, ou entre o Estado e o indivíduo,
para estabelecer forte relação com a sociedade civil. Significa um
processo de aprendizado social, de novas formas de relação, que inclui de
um lado, a constituição de cidadãos enquanto sujeitos sociais ativos e de
outro, para a sociedade como um todo, um aprendizado de convivência
com esses cidadãos emergentes, que recusam permanecer nos lugares
que foram definidos socialmente e culturalmente para eles. Isso supõe
uma “reforma intelectual e moral” e instala-se neste ponto a radicalidade
da cidadania enquanto estratégia política. Conclui-se que representa um
equívoco - que subestima tanto o espaço da sociedade civil enquanto
arena política, como o enraizamento do autoritarismo social - supor que o
reconhecimento formal de direitos pelo Estado encerra a luta pela
cidadania.
5. Outra concepção parte da idéia de que a nova cidadania transcende uma
referência central do conceito liberal que é a reivindicação de acesso,
inclusão e pertencimento ao sistema político, na medida em que o que
está de fato em jogo é o direito de participar efetivamente da própria
definição desse sistema, o direito de definir aquilo no qual queremos ser
incluídos, a invenção de uma nova sociedade.
A democratização da educação passa pela questão da cultura, tendo como
eixo a multiculturalidade, considerada pelos movimentos da atualidade, em todos os
cantos do mundo.
É papel da escola promover a diversidade cultural e atingir, na medida do
possível, toda a sociedade, estimulando as manifestações culturais, a formação do
imaginário e a auto-estima, quesitos indispensáveis a um projeto de
44
desenvolvimento. A proposta de construção da identidade cultural de um povo, em
princípio, pode parecer improfícua caminhada contra a mundialização ou
globalização, porém o poder de construção de identidade, encontra-se no poder de
auto-determinação da sociedade.
2.3 Alfabetização Cultural e Arte-Educação
Não mais limitada à tarefa de análise da beleza, nos tempos
contemporâneos, a Estética amplia seu campo de questionamento acerca
da natureza do objeto da arte e do caráter de sua criação, apreciação,
interpretação, avaliação, assim como acerca das relações da arte com a
sociedade, tudo isto podendo ser examinado em diferentes níveis de
complexidade. (CRAWFORD, 1991, p.15)
A compreensão dos significados, dos processos, das funções e dos valores
em relação à Arte e à cultura no processo escolar, numa determinada sociedade, em
um percurso histórico, é indispensável para serem avaliadas, criticamente, as razões
pelas quais ainda tantos mal-entendidos sobre o desenvolvimento desta área de
conhecimento.
A questão central do ensino da Arte e da cultura no Brasil, diz respeito a um
enorme descompasso entre produção teórica, que tem um trajeto de constantes
perguntas e formulações, e o acesso dos professores a essa produção, dificultado
talvez pela fragilidade da sua formação, ou pela escassa literatura na área.
Acrescentando ainda as visões preconcebidas (no próprio ambiente escolar), que
reduziram a atividade cultural e artística a um verniz de superfície, para alegrar o
cotidiano da escola, omitindo o significado político e sócio-cultural das suas
expressões. Assim, fez-se necessário um olhar investigativo para essa intrigante
questão, que exigiu do estudo um recorte histórico orientado para a pouco focalizada
história do ensino da Arte, que, por seus parâmetros pedagógicos e metodológicos,
se diferencia da História da Arte, e da História da Educação, embora devam manter
permanente diálogo, na interseção dos aspectos sócio-culturais que as caracterizam.
A análise histórica mostra que nunca se desvencilhou o ensino da Arte de
uma realização cultural, porém muitas vezes voltado para a formação cultural das
elites.
A concepção de Arte reduzida a adorno é originária dos primeiros vinte anos
45
do século XIX e, no Brasil, da segunda metade do século XX, e tem um percurso
marcadamente relacionado com posicionamentos sócio-políticos, ao longo da
história. Sabe-se que, com defasagem de 10 a 20 anos, a educação brasileira
seguiu, passo a passo, o modelo americano de ensino da Arte.
De 1800 a 1820, os programas de arte eram destinados às jovens da alta classe,
que deviam ser instruídas adequadamente para uma vida aculturada, na qual a Arte
desempenhava importante papel, segundo Barbosa, que enfatiza:
A idéia de Arte para as mulheres, um indicador de alta classe social, está
relacionada aos modelos do período colonial, quando por necessidade
econômica, as mulheres teciam o material para as roupas da família e
faziam, com suas próprias mãos, objetos para embelezar o lar. Ser
descendente dos pioneiros (os pilgrims) tornou-se prestígio e refinamento, e
a Arte era usada como símbolo desse refinamento nas escolas
encarregadas da responsabilidade de preparar as jovens da sociedade para
o “mercado do casamento”. (BARBOSA, 1995, p.12).
A Arte representava uma pseudo-realização cultural, sendo ensinada não por
um artista, mas por qualquer pessoa que fosse capaz de reproduzir bem uma
imagem da realidade visível. Nas escolas femininas de elite, nos Estados Unidos e
nas escolas católicas do Brasil, a Arte esteve, no século XIX, a serviço das moças
prendadas”. nas escolas blicas americanas, no mesmo período, a Arte tinha
um objetivo resultante do desemprego e do crescimento da economia industrial,
sendo assim, ensinada como habilidade útil em algumas profissões, enfatizando
conceitos geométricos e perspectiva linear.
Conforme Barbosa (1995, p.12), o romantismo alemão teve repercussão na
América e ajudou a produzir o transcendencialismo, colocando Arte e Educação no
mesmo caminho: o caminho dos princípios morais e da crença na perfeição da
natureza.
Na primeira metade do século XIX, Arte e Educação eram baseadas em
princípios filosóficos comuns, levando artistas americanos a atuarem na escola
elementar e secundária, como professores de Arte, tendo como referências dessa
participação os livros de John Smith e Rembrandt Peale, em 1822 e 1835,
respectivamente. Refletindo uma concepção de Arte alicerçada em princípios
morais, tais publicações tiveram grande repercussão, pois era o principal objetivo da
educação daquela época. Havia enorme preconceito contra a atividade manual para
o homem da aristocracia ao qual era dirigida a educação, por vários fatores,
46
especialmente o fato de o trabalho manual ser reservado aos escravos e ter a
influência da educação jesuítica.
Consta nos estudos de Barbosa (1995, p.41) que a iniciação do ensino
artístico no Brasil teve a iniciativa de D. João VI, em 1816, ao trazer a “Missão
Francesa”, que criou a primeira escola de Belas-Artes, porém vindo a funcionar
dez anos mais tarde. Sua contribuição para a laicização da Arte foi importante, mas
não o foi para a sua democratização, que era baseada no culto à beleza, na
crença acerca do dom e em árduos exercícios de cópia, tornando-se acessível a
poucos. Salienta-se que o ensino das Humanidades começou no Brasil pela Arte,
com a Academia de Belas Artes, criada na mesma época da Faculdade de Medicina
(preparar médicos para cuidar da Corte), Faculdade de Direito (para preparar a elite
política) e Escola Militar (para defender o país de invasores). Porém os artistas
franceses convidados para assumir a Academia de Belas-Artes eram todos
neoclássicos convictos e interferiram ostensivamente na mudança de paradigma
estético no Brasil. Instituíram uma Escola neoclássica de linhas retas e puras,
contrastando com a abundância do nosso Barroco: instalou-se um preconceito de
classe baseado na categorização estética. Para eles, o Barroco era coisa para o
povo, idéia que influenciou as elites a se aliarem ao Neoclássico, que passou a ser
símbolo de distinção social. Torna-se oportuno esclarecer que, quando chegaram ao
Brasil, os franceses encontraram um Barroco florescente. Embora importado de
Portugal, o Barroco havia sido modificado pela força criadora dos artistas e artífices
brasileiros, e podia-se ver um Barroco brasileiro, bem diferente do português, do
espanhol e do italiano, de formas mais sensuais e sedutoras.
A década de 1870 foi um período de grandes transformações culturais, tanto
no Brasil como nos Estados Unidos, onde a industrialização caminhava a passos
largos. Representando o instrumento pelo qual se preparavam profissionais do
desenho para ajudar a nação a vencer a concorrência comercial com a Europa, a
Arte-educação assumia diferente e importante papel.
Marcadas pelas lutas para derrubar a Monarquia no Brasil, as décadas de
1870 e 1880 registram o estabelecimento de profundas relações entre Brasil e
Estados Unidos. Influenciados pelo liberalismo americano e também pelo positivismo
francês, os políticos brasileiros criaram, após a República, novas leis educacionais e
a inclusão do desenho geométrico no currículo, não com fins de aplicação na
indústria, como propôs Rui Barbosa, mas com o objetivo nascido do positivismo, de
47
desenvolver a racionalidade. De 1890 a 1920, novos métodos de ensino de Arte
revigoraram as escolas americanas, enquanto as crianças brasileiras continuavam
condicionadas às cópias e ao desenho geométrico.
Pela primeira vez, nos Estados Unidos, uma lei oficial apontava como
finalidade da Arte “o desenvolvimento do impulso criativo”, e psicólogos enfatizavam
a arte da criança como um elo vinculador entre processos afetivo e cognitivo,
abrindo campo para as férteis teorias de Dewey que, no Brasil, tiveram profunda
influência através de Anísio Teixeira, Fernando Azevedo e Lourenço Filho, entre
outros. Os métodos, contudo, não foram alterados e, na maioria dos casos, as
crianças desenhavam copiando do material visual usado como motivação para a
atividade proposta, omitindo-se o seu potencial criador.
O movimento de inclusão da Arte na escola primária, apenas como atividade
integrativa, para “expressar ou para fixar” conhecimentos, começou no Brasil, a partir
de 1920, com as tentativas de reforma de Sampaio Dória, depois, reforçadas pela
Escola Nova.
Segundo Fusari e Ferraz (1992, p.32), autores como John Dewey (a partir de
1900), Viktor Lowenfeld (1939), nos Estados Unidos, e Herbert Read (1943), na
Inglaterra, influenciam as mudanças que vão ocorrer no trabalho de professores de
Arte brasileiros, firmando em alguns grupos a tendência escolanovista. A Reforma
Fernando Azevedo foi um dos mais conhecidos e influentes fatos do Movimento da
Escola Nova Brasileira. Até hoje, muitos professores de arte conhecem os conceitos
de Dewey sobre arte e/ou arte-educação somente através do embrionário The
School and Society. A ênfase sobre a importância da arte na escola, durante o
Movimento (1927-35), é comprovada pelo mero de artigos publicados e cursos
organizados em Arte-educação, no período.
Barbosa (2002, p.89) enfatiza que, desde então, nunca houve uma
preocupação tão marcante pela arte na educação por parte das autoridades
educacionais e dos ensaístas educadores, no Brasil.
Alicerçada nas publicações Democracy and Education e em Affective Thougt
in Logic and Painting, a segunda fase do pensamento de Dewey sobre arte e/ou
arte-educação teve influência no Brasil, mas não tão generalizada quanto a
influência de The School and Society, informam estudos de Barbosa (2001, p.90).
A idéia de livre-expressão destaca o papel da Arte na educação, tendo como
finalidade principal permitir a expressão de sentimentos e, ainda, a idéia de que Arte
48
não é ensinada, mas expressada. Esses novos conceitos entusiasmaram artistas e
psicólogos - mais do que educadores – que se tornaram grandes divulgadores dessa
corrente - na promoção de experiências terapêuticas - considerada, então, nova
missão da Arte na Educação. Na verdade, a primeira renovação metodológica no
campo da Arte se deve ao Movimento de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. O
interesse pelas teorias expressionistas e pelos escritos de Freud despertou novo
olhar para a Arte Infantil, levando intelectuais da época a se envolverem diretamente
com a questão. Mário de Andrade e Anita Malfatti foram os introdutores da idéia de
livre expressão para a criança. Enquanto, em São Paulo, Anita orientava classes
para jovens e crianças, Mário promovia programas de pesquisas na Biblioteca
Municipal, escrevendo artigos sobre o tema em jornais e introduzindo estudos sobre
a Arte da criança, no seu curso de História da Arte, na Universidade do Rio de
Janeiro.
Apreciação e gozo estético como interação orgânica, bem como a relação
entre estética e educação, conceitos defendidos por Dewey em seu livro Art and
Experience (não traduzido no Brasil e pouco conhecido entre arte-educadores),
foram idéias introduzidas na prática da arte-educação no Brasil através do trabalho
de Artus Perrelet.
Considerada mais uma filósofa da arte do que uma professora, Perrelet veio
para o Brasil com um grupo de professores de Bruxelas e Genebra, para reorganizar
a educação pública em Minas Gerais, iniciando a Reforma Francisco Campos (1927-
29), que, segundo Barbosa (2001, p.91), rivalizou em importância com a Reforma
Fernando de Azevedo e mostrou por si o compromisso da Escola Nova brasileira
com os problemas da arte na educação”. Prova disso, é que entre os sete
professores que Francisco Campos trouxe da Europa, em 1929, para orientar a
renovação educacional e criar a Escola de Aperfeiçoamento de Professores de
Minas Gerais, estavam as duas professoras de arte Jeanne Milde e Artus Perrelet,
esta oriunda do Instituto Jean-Jacques Rousseau, cujo experimentalismo influenciou
grandemente a teoria e a prática da educação no mundo todo.
Embora menos famosa que Piaget, Mme Artus Perrelet também atuou em
todas as linhas de ação que o Instituto propunha como meta. Como pesquisadora,
ela buscava novos ‘métodos’ (termo que ela usava com ressalvas) e conceitos para
o ensino da Arte.
Na Escola de Aperfeiçoamento de Minas Gerais, Artus Perrelet coordenou o
49
ensino de Arte, gerando grande influência na mudança de estratégias e
comportamento dos professores mineiros da época.
Estudos de Barbosa (2001, p.107) mostram que o “método Perrelet” está
centrado em ação e movimento, que para ela é base do conhecimento da criança e
a base do desenho. Artus Perrelet defende queo desenho se baseia no movimento.
Nascido do gesto, torna-se necessário voltar ao gesto, se quisermos revivificá-lo em
sua origem primeira e integrá-lo em seu princípio mais produtivo”.
Segundo Perrelet, os elementos do desenho, isto é, as linhas, o ritmo, o
equilíbrio, a forma são símbolos do mundo interior e da realidade, “não vistos pela
criança, como objetos de contemplação, mas sim, como instrumentos de ação, de
criação, os primeiros materiais de sua construção artística”. Em ntese, para ela,
desenhar está no campo da expressão simbólica e significa dar ao movimento
expressão de vida – um valor intelectual.
Ela é muito clara ao afirmar que a interpenetração de sujeito e objeto deveria
ser a base do ensino da arte, o importando se os resultados gráficos não sejam
excelentes.
A respeito da apreciação da arte, Perrelet segue a mesma argumentação,
criticando a ‘falsa interpretação’ da obra de arte, que desconsidera a mais íntima
comunhão entre sujeito e objeto, o que, segundo a autora, constitui condição básica
para a experiência estética.
Francisco Campos, líder da reforma educacional em Minas Gerais e criador
do Instituto de Aperfeiçoamento que Perrelet ajudou a organizar, tornou-se Ministro
da Educação em 1930 e, em 1931, promoveu uma reforma da Educação,
incorporando os princípios e estratégias defendidos por Perrelet. Entretanto foram
ignoradas as preocupações filosóficas sobre o desenho. Isto foi fatal para que a
reforma de 1931 adotasse a técnica desastrosa do “desenho pedagógico”, a qual
dava ênfase à orientação baseada na simplificação da forma, enquanto que, para
Perrelet, isto seria apenas o resultado de um rico processo de percepção. O
desenho pedagógico dos anos 30 e 40 levava o aluno a copiar formas simplificadas
de objetos desenhados pelo professor. Perrelet não pretendia a simplificação da
forma como objetivo. Os professores, erroneamente inspirados em Perrelet,
passaram a ensinar desenho como formas esquematizadas dos objetos,
transformando o resultado em objetivo.
Por outro lado, a prática da arte como fase final de uma experiência, como
50
expressão de aula, também recortada das idéias de Dewey, transformou-se em uma
atividade escolar rotineira e mecanizada, enquanto reprodução de técnicas
artísticas.
Também a tentativa de adoção de modelos importados dos Estados Unidos,
em 1930, não alcançou o objetivo que educadores e intelectuais brasileiros
esperavam obter com eles: a reaproximação da arte com o povo. Barbosa (2001,
p.170) atribui o fracasso de tais modelos ao procedimento mecânico adotado nas
escolas e também às interpretações errôneas e simplificações do autor no seu
próprio país.
Uma questão antiga e recorrente relacionada ao ensino da arte no Brasil é a
submissão do arte-educador a modelos de importação indiferenciados, sem
considerar as necessidades, características e específicas realidades da sociedade
submetida ao modelo estrangeiro.
Quando o movimento para incluir a arte como livre-expressão nas escolas
primárias, estava no auge, o Estado Novo iniciou a repressão no campo
educacional. Os professores da Escola Nova sofreram perseguições, foram
demitidos ou coagidos a pedir demissão, ocorrendo, assim visíveis prejuízos no
progresso da educação.
O estado político ditatorial implantado no Brasil, de 1937 a 1945, afasta
educadores de ação renovadora, como Anísio Teixeira, das cúpulas diretivas,
provocando o entrave da dinâmica educacional e a solidificação de inúmeros clichês
pedagógicos, entre os quais aquele que caracteriza a Arte na Educação como
função de liberação emocional.
Depois da queda de Vargas, os esforços pela redemocratização colocaram a
educação novamente em foco. A campanha pela recuperação de alguns princípios
da Escola Nova trouxe de volta ao poder os líderes daquele movimento.
Foi nesse clima favorável à recuperação e renovação da educação nacional
que o artista Augusto Rodrigues criou, em 1948, a Escolinha de Arte do Brasil, no
Rio de Janeiro. Abrem-se novos horizontes para novas concepções. O objetivo da
Arte na Educação passou a ser o desenvolvimento da capacidade criadora em geral,
numa identificação com as idéias de Herbert Read. A Escolinha era uma espécie de
ateliê onde as crianças podiam desenhar e pintar livremente, o que refletia o clima
de reafirmação expressionista que dominava o pós-guerra.
Entre os anos 50 e 70, chegaram a existir, no Brasil e América Latina, 130
51
Escolinhas de Arte, constituindo-se em referência para pesquisa sobre imagens e
metodologias trabalhadas nos diferentes espaços, épocas e contextos.
Sabe-se que na Escolinha de Arte do Recife existem 6000 desenhos de
crianças, datados e guardados, como rica fonte de estudos na área.
Viktor Lowenfeld, professor de “Arte educativa na Universidade Estadual da
Pensilvânia, destacou-se como um dos precursores dos cursos de Arte nas escolas,
através de palestras e publicações nos Estados Unidos e na Europa, exerceu grande
influência para que a Educação Artística passasse a ser reconhecida como disciplina
importante no currículo das escolas públicas americanas e européias.
Em um cenário de escassez de publicações sobre a arte na educação, no Brasil, O
Desenvolvimento da Capacidade Criadora”, com sua primeira edição em inglês
datada de 1947, teve grande receptividade por um número restrito de educadores,
porque a sua edição em espanhol surgiu somente no ano de 1972 e, finalmente foi
editado no Brasil, em 1977, tornando-se uma obra de referência para a formação de
professores de Arte, por oferecer ampla abordagem conceitual e metodológica
relativa ao ensino da Arte.
Victor Lowenfeld e Lambert Brittain, os autores da referida obra, propõem desarraigar
conceitos e métodos tradicionais relacionados ao desenho e à criação artística,
introduzindo um clima de estímulo à espontaneidade. Suas idéias apontam para uma
concepção de arte como processo de auto-realização, como incentivo ao ajustamento
social, à formação educacional da criança e do adolescente e ao seu equilíbrio e
amadurecimento psicológicos.
Porém, os autores já defendiam um programa de ensino da Arte para o
desenvolvimento da consciência estética dos alunos,
[...] através do refinamento da sensibilidade dos jovens e do fortalecimento
da sua capacidade de auto-expressão,[...] oferecendo-lhes experiências de
apreciação de objetos, natureza e do mundo, com a finalidade aprofundar
no jovem, a consciência de si próprio e das coisas circundantes, dando-lhes
a oportunidade de desenvolver suas idéias e percepções, concluindo que
suas opiniões sobre o mundo o importantes. (LOWENFELD; BRITTAIN,
1977)
Eles são enfáticos em dizer que não pretendem fazer de todas as criaturas
artistas e esclarecem que,
52
[...] a ‘chavedo livro é ensinar aos professores de Arte como conduzir o
ensino das atividades de modo a estimular e incrementar a capacidade
artística e criadora inata em seus alunos, desenvolvendo-lhes a própria
maturidade intelectual e emocional. (LOWENFELD; BRITTAIN, 1977).
Os autores do “Desenvolvimento da Capacidade Criadora” enfatizam não
querer dar a impressão de que a humanidade é salva pelo mero desenvolvimento de
um bom programa de criação artística, nas escolas públicas;
[...] mas os valores significativos num programa de arte são os mesmos que
podem ser básicos para o desenvolvimento de uma nova imagem, de uma
nova filosofia e mesmo de uma estrutura inteiramente nova, no sistema
educacional (LOWENFELD; BRITTAIN, 1977).
Barbosa (1995, p.46) enfatiza que os processos intelectuais e emocionais não
se mobilizam automaticamente pelo ato de projeção de formas, tornando-se
necessário ensinar a ver, a analisar, a especular e a investigar. Ela acredita, ainda,
que os professores de Arte sabem da necessidade de estudar e conhecer teoria da
percepção, a criatividade, a antropologia e a estética, para desempenhar o seu
papel, mas que poucos se empenham realmente nisso. De suas pesquisas em
classes de Arte, por todo o país, a autora concluiu que “através de leituras mal
digeridas ou modismos superficialmente divulgados, novos objetivos vão sendo
elaborados sucessivamente para a Arte na Educação, mas o se verificam
mudanças significativas de métodos”.
Para a perplexidade de arte-educadores mais conscientes do seu papel na
educação hoje, algumas abordagens metodológicas herdadas do século XIX ainda
persistem, como no caso do ensino da Arte identificado com o ensino do desenho
geométrico.
Percorrendo uma trajetória de diferentes objetivos, formulados por diferentes
períodos históricos, a função da Arte na Educação é grandemente afetada pelo
modo como professor e aluno vêem o papel da Arte e da cultura fora da escola.
Antes de ser preparado para explicar a importância da Arte na Educação, o
professor deveria estar preparado para entender e explicar a função da Arte e da
cultura para o indivíduo e para a sociedade. A ausência de uma política de formação
de professores de Arte limita uma renovação conceitual e metodológica, dando lugar
apenas a uma mudança de rótulos no ensino da Arte.
Educação através da Arte é terminologia criada por Herbert Read, na
53
Inglaterra, em 1951, ligada ao movimento internacional com o mesmo nome. Arte e
seu ensino foi uma nomenclatura amplamente assumida - mas também indagada
quanto à sua práxis - a partir de 1989, quando da realização do 3º Simpósio
Internacional sobre o Ensino da Arte e sua História, na ECA-USP, com significativa
participação de pesquisadores internacionais conectados às experiências brasileiras.
Arte e seu ensino não é apenas uma questão, mas muitas questões: não é um
problema, mas inúmeros desafios, uma tensão instalando estados de tensividades
entre olhares, buscas e encontros aprofundados, pois Arte é conhecimento a ser
construído incessantemente”. (FRANGE, 2002, p.47)
As terminologias desvelam escolhas conceituais que definem trajetórias
metodológicas. Mas enfatiza Martins (2002, p.52) nada é tão cirurgicamente
delimitado e as terminologias acabam abarcando uma complexidade de conceitos
que se (inter)relacionam”.
Segundo Martins, na Espanha, o termo Educação Artística ganha uma
roupagem inovadora frente ao ensino da Arte, enquanto no Brasil, utilizá-lo seria ver
no espelho a roupa velha e surrada de um ensino polivalente e superficial.
A Lei de Diretrizes e Bases nº 2024, de dezembro de 1961, pretendeu
resolver o conflito entre Arte e técnica, possibilitando a coexistência da Arte e do
desenho, introduzindo a Educação Artística no currículo, não como disciplina, mas
como “atividade complementar de iniciação artística”, para “ampliar os
conhecimentos do aluno, iniciando-o em artes aplicadas, adequadas ao sexo e à
idade” (Art. 26, LDB-MEC). A resistência dos professores de desenho gerou,
gradativamente, a limitação da Arte às áreas de iniciação técnica. Saliente-se que o
medo do professor de desenho não era o de perder o emprego, pois seus direitos
foram assegurados pelo artigo 86, da Lei Federal 5692, de 11 de agosto de 1971,
mas, segundo Barbosa (1995, p.99), o status de cientista da Arte e da cnica, lhe
foi conferido pela tradição brasileira neoclássica do ensino da Arte implantado pela
Missão Francesa e, posteriormente, reforçado pelo ideário positivista e pelas
exigências do processo de industrialização, conferiu dignidade à Arte na escola, mas
exacerbou o preconceito com relação à Arte como criação. A Educação Artística
considerada como “atividade educativa” e não como disciplina teve como
conseqüência a perda dos saberes específicos das diversas formas de arte, dando
lugar a uma aprendizagem reprodutiva.
Assim, a Arte direcionada à formação global do indivíduo somente é
54
desenvolvida, a partir da década de 50 - ampliada a sua ação nos anos 70 -, nas
escolinhas de Arte particulares, fora da escola formal e pública.
Entre as cadas de 50 e 60, começou-se a notar nas escolas a influência de
um movimento denominado Escola Nova, presente na Europa e nos Estados
Unidos desde o final do culo XIX. Nas aulas de Arte, a influência da pedagogia
centrada no aluno direcionou o ensino para a livre expressão e a valorização do
processo de trabalho em arte, princípios que refletiam uma concepção
espontaneísta, em que os resultados não eram focos de preocupação do professor.
Barbosa (1995, p.11) diz que “o campo da arte caracteriza um tipo particular
de conhecimento que o ser humano produz a partir de perguntas fundamentais que
desde sempre fez com relação ao seu lugar no mundo”.
A unidade cultural resultante do relacionamento dialético entre dois campos
ideologicamente diversos Arte e Educação representa talvez, a principal
dificuldade para o especialista, diante dos obstáculos existentes neste cenário: a
deficiência na sua formação profissional e a invalidação da força da Arte no campo
da educação, significando, neste contexto, dupla problematização.
Durante os anos 70-80, tratou-se dessa formação de maneira indefinida, não
sendo a Educação Artística uma matéria, mas uma área sem contornos fixos.
A partir dos anos 80, o movimento de Arte-Educação se constitui, em diversos
pontos do país, ampliando as discussões sobre a valorização e o aprimoramento do
professor, que reconhecia o seu próprio isolamento dentro da escola e a
insuficiência de conhecimentos e competência na área.
Retomando a questão da terminologia, Frange (apud BARBOSA 0rg. 2002,
p.54) diz que Arte-educação surge na tentativa de conectar Arte e Educação, “por
isso a razão do hífen e a mesmo no intuito de, com essa junção, resgatar as
relações significativas entre a Arte e a Educação”.
Tourinho (2002, p.27) salienta que a defesa do ensino da Arte na escola
reuniu inúmeros argumentos, nenhum deles desprezível, mas quase todos alheios
aos processos que compreendem a atividade artística (conceber, fazer/criar,
perceber, ler, interpretar), seus produtos (obras, manifestações), ações e reflexões.
Esse distanciamento entre argumentos de defesa e a realidade da escola, gerou um
tratamento curricular da Arte que, além de outras implicações, despiu esse ensino
da reflexão, da crítica e da compreensão histórica, social e cultural dessa atividade
na sociedade”.
55
Em 1988, com a promulgação da Constituição, iniciam-se as discussões
sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que seria sancionada
apenas em 20 de dezembro de 1996. Convictos da importância do acesso dos
alunos de ensino básico também à área de Arte, educadores contrários a uma das
versões da referida lei, que retirava a obrigatoriedade da área, se organizaram em
manifestações e protestos, para que fosse revertido esse item. Assim, com a Lei
9394/96, revogam-se as disposições anteriores, que consideravam a Educação
Artística como atividade (Lei 5692), e a Arte passa a ser considerada obrigatória na
educação básica: “O ensino da Arte constituirá componente curricular obrigatório,
nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento
cultural dos alunos” (art. 26 § 2º), gerando novas metodologias e concepções para o
trabalho com Arte.
Nascida da luta de arte-educadores em todo o país, mesmo não sendo
executada como foi concebida, a nova LDB gerou documentos que reafirmam a
presença da Arte na escola. Unanimemente, os estudiosos da área preconizam que
é necessário perceber que as mudanças propostas na lei exigem um novo
paradigma para a construção de conceitos que fundamentam a área de
conhecimento em Arte. Um paradigma que o descarta a aprendizagem do
passado, mas que a submete a uma nova ordem, a nova hierarquia de atitudes e
valores, a um posicionamento profissional implicado com essas transformações, pois
“a fundamentação filosófica e metodológica, assim o exige” (MARTINS, 2002, p.51).
A hierarquia do conhecimento escolar – explícita e implícita ainda mantém o
ensino da Arte num escalão inferior na estrutura curricular, mas percebe-se que,
tanto política quanto conceitualmente, há um maior número de arte-educadores mais
organizados, interessados e preparados para reivindicação do espaço da Arte na
escola.
O documento do Ministério da Educação e Cultura/SEF (1997), intitulado
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), referente à Arte expõe uma compreensão
do significado da arte na educação contemplando conteúdos, objetivos e
especificidades, tanto no que se refere ao ensino e à aprendizagem, quanto no que
se refere à arte como manifestação humana. Na caracterização da área de Arte, o
documento esclarece:
56
Arte tem uma função tão importante quanto a dos outros conhecimentos no
processo de ensino e aprendizagem”. [...] “A educação em arte propicia o
desenvolvimento do pensamento artístico e da percepção estética, que
caracterizam um modo próprio de ordenar e dar sentido à experiência
humana”. [...] “Esta área também favorece ao aluno relacionar-se
criadoramente com as outras disciplinas do currículo. (BRASIL, 1997).
Merece destaque a solicitação
6
da Federação de Arte-Educadores do Brasil
FAEB, entidade representativa dos profissionais da educação na área de arte, à
Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, para retificar o
termo “Educação Artística” por “Arte”, como base na formação específica plena em
uma das linguagens: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro, no inciso IV, alínea b,
do artigo da Resolução CNE/CEB nº 2, de 7 de abril de 1998, que instituiu as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino fundamental. Justifica-se o sentido
de se estabelecer coerência entre a Resolução do CNE e os demais textos legais
que regulamentam a educação brasileira.
A nova denominação preconizada tende a fortalecer a proposta que o
ensino da arte como uma área específica do saber humano, partindo do raciocínio
de que a importância da arte está na arte em si mesma e no que ela pode oferecer,
e não porque serviria para atingir outros fins.
As quatro linguagens a serem trabalhadas vêm representando uma
dificuldade, até mesmo para o professor especializado em Arte, que o tem uma
formação suficientemente ampla, e ainda mais para o professor “comum”, que
precisa ter um domínio de conhecimento muito além das suas possibilidades reais.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais contemplam a “Área de Arte”, dando-
lhe mais abrangência e complexidade. Embora o apresentem caráter de
obrigatoriedade, os PCNs vêm servindo para a elaboração de planos e projetos
pedagógicos na escolas das redes pública e privada em todos os níveis de ensino.
Os PCNs propõem uma interação da Arte com as outras disciplinas do
currículo, e seu texto informa que fornece subsídios para que os educadores possam
“trabalhar com a mesma competência exigida para todas as disciplinas do projeto
curricular”. É questionável a possibilidade de adquirir uma competência
multidisciplinar, com domínio em linguagens tão específicas e, para muitos,
complexas, como as propostas no documento do MEC.
6
A solicitação foi atendida e aprovada em parecer nº 22/2005 CNE/CEB, de 04/10/ 2005.
57
O final da década de 90 trouxe novos desafios para o cenário da Arte-
educação, com vistas ao terceiro milênio, num mundo social, político e cultural em
ritmo acelerado de transformações, exigindo da educação nova tendência cultural,
que encontra abrigo nas possibilidades da expressão artística, alicerçadas em
conceitos estéticos e numa visão da produção artística em sua contextualização
histórica.
Fusari e Ferraz observam, otimistas, que,
[...] a Arte-educação vem se apresentando como um movimento em busca
de novas metodologias de ensino e aprendizagem de Arte nas escolas,
gerando a revalorização do professor da área, discussões e proposições
para o redimensionamento do seu trabalho, ao mesmo tempo em que o
conscientiza da importância da sua ação profissional e política na
sociedade. (FUSARI; FERRAZ, 1992, p.16,17)
Lamenta-se, porém, que a Arte tenha sido contemplada no currículo com
carga horária ainda insuficiente para um trabalho que consiga recuperar a
defasagem cultural que afetou enormemente a área e, também, que ela abranja
apenas alguns níveis do ensino fundamental e médio.
O enfoque adotado nesta pesquisa refere-se à abordagem multiculturalista na
Arte, que surge como uma tendência atual para o desenvolvimento da Arte-
Educação.
O volume dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) referente à
Pluralidade Cultural focaliza questões relacionadas ao reconhecimento e à
valorização da diversidade cultural brasileira e das formas de perceber e expressar a
realidade própria dos gêneros, das etnias e das várias regiões e grupos sociais,
oferecendo informações que contribuam para a formação de novas mentalidades,
voltadas para toda forma de superação e exclusão.
O texto descreve que
o professor deverá trabalhar diferentes linguagens que ampliam as
possibilidades de expressão para além da verbal [...] o desenvolvimento de
outras linguagens será muito importante, permitindo transversalizar, em
particular, com Educação Física e Arte. A música, a dança e as artes em
geral, vinculadas aos diferentes grupos étnicos e a composições regionais
típicas, são manifestações culturais que a criança e o adolescente poderão
conhecer e vivenciar. Dessa forma, enriquecerão seu conhecimento sobre a
diversidade presente no Brasil, enquanto desenvolvem seu próprio potencial
expressivo. (BRASIL, 1997)
58
Embora a aceitação do diferente e do diverso como base das relações sociais
democráticas seja uma premissa comum às perspectivas multiculturais, há que
considerar as circunstâncias em que esta aceitação é concebida, podendo, segundo
Garcia e Lobo (2002, p.59) “representar tanto um contexto de conflitos, onde o
diálogo e o embate entre os diferentes grupos sociais estão intrínsecos, como
também pode referir-se a um contexto de consenso, em que a superação dos
conflitos sem confronto mascara uma coerção do diferente, do diverso”. Assim, a
apropriação e o entendimento que cada professor tem acerca do multiculturalismo
pode conduzir a práticas pedagógicas desenvolvidas por caminhos diversos.
Na visão de Sacristán (1996),
[...] o termo multicultural é ambíguo e pode abarcar tanto uma perspectiva
assimilarista, em que uma cultura dominante visa a assimilar uma cultura
“minoritária”, quanto uma perspectiva multiética, que se constitui em
instrumento para diminuir preconceitos de uma sociedade para com as
minorias. (SACRISTÁN, 1996).
O multiculturalismo é apontado por Barbosa como denominador comum dos
movimentos atuais, em direção à democratização da educação em todo o mundo, e
enfatiza que,
[...] o equilíbrio entre a configuração de uma identidade cultural e a
flexibilidade para a diversidade cultural é um objetivo e, provavelmente, uma
utopia, que colocará a educação em movimento constante, porque nem a
identidade, nem os elementos do meio ambiente cultural são fixos.
(BARBOSA, 1998, p.79)
O ensino da arte, em todos os níveis, como explicitado, tem passado, ao
longo dos tempos, por processos diversos, quer por fatores de influência social, quer
por modismos, ou pela importação de modelos sem a necessária adaptação ao
contexto cultural brasileiro.
A perspectiva multiculturalista na Educação tem como objetivo ser o mais
eficiente caminho para estimular a consciência cultural do indivíduo, a começar pelo
reconhecimento e apreciação da cultura local.
Nos anos 60 e 70, conceitos como identidade cultural e diversidade cultural
eram conteúdos de maior interesse dos países do Terceiro Mundo, dos colonizados
culturalmente ou apenas das minorias dos Estados Unidos e Europa. Somente na
década de 80, os países colonizadores focalizaram seu interesse na
59
multiculturalidade.
Porém a identidade cultural não é uma forma fixa ou congelada, mas um
processo dinâmico, enriquecido através do diálogo e trocas com outras culturas.
Neste sentido, também representa um problema para o mundo desenvolvido, que
privilegia a leitura cultural (fornecimento de informações globais e superficiais sobre
diferentes campos de conhecimento) e a ecologia cultural (atenção equilibrada às
diversas culturas de cada país).
No terceiro Mundo a identidade cultural é interesse central e significa uma
necessidade básica de sobrevivência e de construção da sua própria
realidade. Sem a flexibilidade de encarar a diversidade cultural existente em
qualquer país, não é possível tanto uma identificação cultural como uma
leitura cultural global ou, ainda, uma cultura ecológica. (BARBOSA, 1998,
p.14).
Uma educação interessada no desenvolvimento cultural é aquela que tem
como objetivo o conhecimento sobre a cultura local, a cultura de vários grupos que
caracterizam a nação e a cultura de outras nações. No que diz respeito à cultura
local, observa-se que apenas o nível erudito desta cultura é admitido na escola,
continuando a serem ignoradas pelas instituições as culturas de classes sociais
subalternas, mesmo pelos que estão envolvidos na educação dessas classes. Isto
não significa a defesa dos guetos culturais, nem a exclusão da cultura erudita das
classes subalternas, que têm direito de acesso aos códigos dominantes – os códigos
do poder. A mobilidade social depende da inter-relação entre os códigos culturais
das diferentes classes sociais e diversidade cultural e presume o reconhecimento
dos diversos digos, classes, grupos étnicos, crenças e sexos na nação, assim
como o diálogo com os diversos códigos culturais das diversas nações ou países,
que incluem a cultura dos primeiros colonizadores.
Dentre as várias propostas que estão sendo difundidas no Brasil, Ana Mae
Barbosa destaca aquelas relacionadas ao multiculturalismo. Trata-se de estudos
sobre a educação estética, a estética do cotidiano, complementando a formação
artística dos alunos.
Estas idéias têm referência na Proposta Triangular para o ensino da Arte”,
desenvolvida pela Arte-Educadora Ana Mae Barbosa, sob a influência dos
construtores do DBAE - os americanos Elliot Eisner, Ralfh Smith e Brent Wilson.
Difundida no Brasil, por meio de projetos como os do Museu de Arte Contemporânea
60
de São Paulo e o Projeto Arte na Escola da Fundação Iochpe, no Rio Grande do Sul,
a Proposta Triangular deriva de uma dupla triangulação, sendo a primeira de
natureza epistemológica, ao designar os componentes do ensino/aprendizagem por
três ações mentalmente e sensorialmente básicas: criação (fazer artístico), leitura da
obra de arte e contextualização. A segunda triangulação, denominada leitura da obra
de arte explicitada por Barbosa (1998, p.33) é originada em uma tríplice
influência de três outras abordagens epistemológicas: as Esculelas al Aire Libre
mexicanas, o Critical Studies inglês e o Movimento de Apreciação Estética aliado ao
DBAE (Discipline Based Art Education) americano. Porém a autora revela que o
movimento de crítica literária e ensino da literatura americana Reader Response, em
diálogo com a especificidade terceiro-mundista, foi que inspirou a designação de
“leitura de obra de arte” para um dos componentes da triangulação ensino-
aprendizagem.
Esta perspectiva não despreza os elementos formais, mas não os prioriza,
como os estruturalistas o fizeram; valoriza o objeto, mas não o cultua, como os
desconstrutivistas; enfim, exalta a cognição, mas na, mesma medida, considera a
importância do emocional na compreensão da obra de arte. Ela faz associações
elucidativas do movimento, referindo-se à interpretação piagetiana do ato cognitivo,
enquanto o leitor e o objeto constroem a resposta à obra e, mais ainda, uma
interpretação vigotsquiana de compreensão do mundo. Assimilação e acomodação
na relação leitor-objeto são os processos fundamentais que se impõem,
correspondendo, para a autora, a necessidades fundamentais da realidade
educacional brasileira. Ela denuncia que se trata de um país com alta porcentagem
de crianças fora da escola, muitas delas vivendo na rua, sendo destituídas por
aqueles que deveriam protegê-las, e, ainda, com professores desvalorizados e sem
formação específica.
Justifica-se, então, a ênfase na leitura: leitura de palavras, gestos, ações,
imagens, necessidades, desejos, expectativas, enfim, leitura de nós
mesmos e do mundo em que vivemos. Em arte-educação, a Proposta
Triangular tenta corresponder à realidade do professor que temos e à
necessidade de instrumentalizar o aluno para o momento em que vivemos,
respondendo ao valor fundamental a ser buscado em nossa educação: a
leitura, a alfabetização. (BARBOSA, 1998, p.35)
Considerada a primeira experiência pós-moderna de ensino da Arte no Brasil,
consta que este princípio de leitura como interpretação cultural - com grande
61
influência de Paulo Freire - foi inicialmente experimentado na organização, cursos e
oficinas do Festival de Inverno de Campos do Jordão, em 1983.
Contudo, a Proposta Triangular, como sistema epistemológico, foi
sistematizada e testada entre os anos 1987 e 1993, no Museu de Arte
Contemporânea da USP, tendo como meio a leitura de obras originais. De 1989 a
1992 foi experimentada, com resultados compensadores, nas escolas municipais de
ensino de São Paulo, no período em que Paulo Freire foi Secretário de Educação do
Município de São Paulo.
Barbosa lembra que várias teses sobre Arte-educação apontam para a
importância da contextualização do ensino, dos conceitos, das imagens para uma
educação comprometida com o social.
Portanto qualquer conteúdo, de qualquer natureza visual e estética, pode ser
explorado, interpretado e operacionalizado através da Proposta Triangular. Enfatiza
a autora que é um equívoco dizer que a Proposta Triangular se destina ao trabalho
com o código hegemônico europeu e norte-americano erudito de arte. A Proposta
Triangular é sistema cuja proposição depende da resposta que damos à pergunta:
“como se dá o conhecimento em arte?” (1998, p.38).
A contextualização é, em si mesma, forma de conhecimento relativizada.
Pesquisas sobre a cognição situada mostram que o conhecimento e o entendimento
são mais facilmente efetivados se emoldurados pelo sujeito. Essa moldura é
designada de contextualização e pode ser subjetivamente e/ou socialmente
construída.
Barbosa (1998, p.91) sugere que o ideal nessa abordagem, é começar
indagando o porquê do professor de Arte trazer para a sala de aula as preocupações
com as diferenças culturais. Ela complementa que embora pareça óbvia, a resposta
tem sido pouco considerada pelos educadores: em uma sala de aula, especialmente
na escola pública, se inter-relacionam indivíduos de diferentes grupos culturais que
terão sempre que lidar com outros indivíduos também de diferentes culturas e sub-
culturas.
Entendendo que os grupos culturais se entrelaçam e podem ser identificados
pela raça, gênero, opção sexual, idade, locação geográfica, renda, classe social,
ocupação, religião, etc., Barbosa destaca questões importantes que norteiam a
atitude multiculturalista no ensino da Arte:
62
1. Como diferentes grupos culturais podem encontrar um lugar para a arte
em suas vidas?
2. Entender que grupos culturais diferentes têm também necessidade da
arte, mas que o próprio conceito de arte pode diferir de um grupo cultural
para outro.
Estas questões embora pareçam simples, são básicas para nortear o
educador nos seguintes aspectos:
a) compreender que a arte pode conferir identidade às pessoas através dos
símbolos, dos valores vivenciais e estéticos que as identificam.
b) Sensibilizar para problemas de diferença racial, deficiência física,
nacionalidade, naturalidade, religião, classe social.
c) Libertar-se de atitudes discriminatórias em relação a pessoas de origem
étnica e/ou cultural diferente.
d) Ser capaz de responder à diversidade racial, cultural e de gênero, de
maneira positiva e socialmente responsável.
A pesquisa quis saber, pela voz dos proponentes de projetos sobre o
desenvolvimento das ações artísticas e, por outro lado, pela voz dos professores,
sobre a validade de tais ações para seu desenvolvimento cultural. As percepções
dos professores confirmaram os depoimentos dos proponentes, nas entrevistas:
Todas as oficinas abordaram a arte numa perspectiva multicultural e a valorização
da cultura dos alunos. Conforme informações de professores entrevistados, a
aplicação das propostas junto aos alunos gerou resultados tanto na dinâmica da sala
de aula, como na comunidade, a exemplo dos grupos de danças folclóricas
formados por alunos das escolas públicas, tornando real a valorização da cultura de
raiz.
Conclui-se que é através da contextualização de produtos e valores estéticos
que a atitude multiculturalista é desenvolvida. Sem o exercício da contextualização
corre-se o risco de que, do ponto de vista da arte, a pluralidade cultural se limite a
uma abordagem meramente aditiva.
A multiculturalidade aditiva vem recebendo veementes críticas por sociólogos,
antropólogos e arte-educadores. Entende-se por abordagem aditiva a atitude de
apenas adicionar à cultura dominante alguns tópicos relativos a outras culturas, o
63
que ocorre com freqüência em muitas escolas, como fruto de equívocos conceituais
ou falta de conhecimentos dos educadores.
Multiculturalidade não é apenas fazer cocar no dia dos Índios, nem
tampouco fazer ovos de Páscoa ucranianos e dobraduras japonesas, ou
festejar o dia das bruxas americano, enfim trazer para a escola qualquer
atividade clichê de outra cultura. É fundamental manter uma atmosfera
investigadora, acerca das culturas compartilhadas pelos alunos, tendo em
vista que cada um participa no exercício da vida cotidiana de mais de um
grupo cultural. (BARBOSA, 1998, p.93).
Uma educação multiculturalista crítica em arte é norteada por algumas
atitudes fundamentais no cotidiano escolar, tais como:
1. Promover o entendimento de cruzamentos culturais, através da
identificação de similaridades, particularmente nos papéis e funções da
arte, dentro e entre grupos culturais.
2. Reconhecer e celebrar diversidade racial e cultural em arte na sociedade,
enquanto se potencializa o orgulho pela herança cultural em cada
indivíduo.
3. Incluir, em todos os aspectos do ensino em arte (produção,
apreciação/leitura e contextualização) problematizações acerca de
etnocentrismo, estereótipos culturais, preconceitos, discriminação e
racismo.
4. Enfatizar o estudo de grupos particulares e/ou minoritários do ponto de
vista do poder, como índios, mulheres e negros.
5. Possibilitar a confrontação de problemas, tais como racismo, sexismo,
excepcionalidade física ou mental, participação democrática, paridade de
poder.
6. Examinar a dinâmica de diferentes culturas.
7. Desenvolver a consciência acerca dos mecanismos de manutenção da
cultura dentro dos grupos sociais.
8. Incluir o estudo referente à transmissão de valores.
9. Questionar as culturas dominante, latente ou manifesta, e todo tipo de
opressão.
10. Destacar a importância da informação para a flexibilização do gosto e do
juízo acerca de outras culturas.
64
Barbosa (1998, p.94) lembra que tais atitudes desmentiriam muitos
preconceitos culturais, como por exemplo, a idéia de que a melhor arte é a produzida
pelos europeus e a de que a pintura em óleo e a escultura em mármore são as mais
importantes formas de arte. Estas idéias só reforçam o código hegemônico.
A questão preconceituosa relativa à qualidade da arte produzida pelo homem
sobre a arte da mulher, poderia ser desmentida com a contextualização em relação
ao papel secundário que as sociedades sempre deram às mulheres.
A diferença hierárquica entre artesanato e arte, seria contestada na análise
do valor dos saberes dos pobres e dos ricos, diante da cultura dominante.
A função da Arte na formação da identidade lhe confere um papel
característico dentre os complexos aspectos da cultura. Através da Arte é possível
ter-se representação simbólica dos traços espirituais, materiais, intelectuais e
emocionais que caracterizam uma sociedade ou um grupo social. A arte, como uma
linguagem presentacional dos sentidos, transmite significados que não podem ser
transmitidos tão bem através de nenhum outro tipo de linguagem, tais como a
linguagem discursiva e científica. Arte é meio para se entender as culturas de um
país. Aqueles que estão engajados na tarefa de fundar a identificação cultural não
podem alcançar um resultado significativo sem o conhecimento das manifestações
artísticas dos grupos em questão.
A base da (re)construção das identidades do sujeito pós-moderno está no
próprio indivíduo como ser que é formado por estruturas históricas, sociais,
econômicas, culturais e práticas de significação - que ocupa inúmeras posições de
sujeitos e, conforme Moreira e Macedo (2000, p.7), apresenta diferentes aspectos
identitários, que não se unificam em torno de um eu coerente e que se modificam ao
longo do tempo”. Pensar em identidades culturais no âmbito do pensamento pós-
moderno é um desafio. Em geral, a escola tem dificuldade em se desvencilhar do
ensino tradicional a hierarquização dos saberes e tempos escolares, dos
conteúdos ditos essenciais na formação humana ou seja, do currículo que prioriza
uma universalização de saberes dominantes. Esquece-se de que nesse espaço
situam-se sujeitos, com identidades próprias, e múltiplas outras em processo de
construção.
A Arte-Educação focalizada no multiculturalismo desperta interesse e respeito
às tradições dos estudantes (das famílias e da comunidade) e as diferentes culturas
são valorizadas, criando, em conseqüência, um ambiente igualitário. Nessa
65
perspectiva arte e cultura locais podem ser utilizados como eixos geradores do
currículo.
Observando a história do ensino da Arte no Brasil, constata-se que entre a
evolução conceitual e a prática real ainda um longo percurso a ser desafiado,
especialmente na escola pública, que tem por trás um sistema educacional, ainda
incapaz de entender e colocar a Arte e a cultura no lugar de direito do aluno o
direito à manifestação de percepções, idéias e emoções; o direito à apreciação,
fruição e produção artística; enfim, o direito à alfabetização cultural e à educação
estética.
Neste contexto, além de valorizar o espaço da Arte no currículo escolar, a
pesquisa propôs estudar a nova forma de ensino da arte realizada pelo Projeto
CRIAR, considerando o universo cultural da comunidade em que as escolas estão
inseridas.
66
3 A PESQUISA SOBRE O PROJETO CRIAR
É preciso ter muito cuidado com o enfoque multicultural a ser utilizado na
educação, pois, simplesmente adicionar informações sobre outras culturas
(multiculturalismo aditivo) não afeta a supremacia do código dominante.
(RITCHER, 2002, p.91)
Nesta pesquisa, buscou-se entender o papel do Projeto CRIAR como meio
para superar a sonegação cultural e verificou-se um rigor conceitual por parte de
facilitadores de oficinas, no sentido de valorizar a cultura dos participantes, de
estimular os professores a conhecer as tradições culturais locais, como uma forma
de entender a cultura das minorias.
Os rituais mecânicos existentes na escola, segundo Azevedo (2003, p.38),
são baseados em uma concepção de conhecimento fragmentada, artificial e
excludente, valorizando a pluralidade cultural como forma de disfarçar as
desigualdades socioculturais e a manutenção da subserviência. Nesse sentido,
McLaren (1992, p.37) chama a atenção para o fato de que o ritual deve ser
compreendido como “produção cultural”. Azevedo denuncia ainda que todo processo
de sonegação cultural do conhecimento “erudito” e o desrespeito com a cultura das
minorias representam uma das mais fortes vertentes, no processo de educação
escolar de tendência idealista liberal.
Envolvendo o problema da desigualdade social e econômica, está o
problema da intercomunicação dos níveis culturais. Nas sociedades que
mantêm a desigualdade como norma, e é o caso da nossa, podem ocorrer
movimentos e medidas, de caráter público ou privado, para diminuir o
abismo entre os níveis e fazer chegar ao povo os produtos eruditos. Mas,
tanto num caso quanto no outro, está implícita, como questão maior, a
correlação dos níveis. E a experiência mostra que o principal obstáculo
pode ser a falta de oportunidade, não a incapacidade. (CÂNDIDO, 1995,
p.259)
Os estudos de McLaren abriram, no Brasil, um vasto campo para a
compreensão do que vem a ser a multiculturalidade crítica, especialmente quando
analisa os rituais na escola, considerando-os “[...] como um evento político e como
parte das distribuições objetificadas do capital cultural dominante na escola”.
Questionou-se, na pesquisa, que o projeto CRIAR pode se configurar como um
ritual. Na perspectiva de McLaren, o que se quer é o ensino da Arte de qualidade,
como um ato político que precisa ser efetivado no âmbito da educação escolar,
67
assegurando para todos o acesso a conteúdos vivos e concretos, ligados às
realidades sociais e suas contradições.
Barbosa (1998, p.80) enfatiza que a identidade cultural é construída em torno
das evidências das “diferenças”, e, se essas diferenças culturais são embaçadas, o
“ego” cultural desaparece. Portanto a procura por uma identidade cultural e a
educação multicultural não são operações em diálogo, mas um inter-relacionamento
complexo e dialético. Qualquer desequilíbrio reduzirá a educação multicultural à
mera “cooptação das forças das minorias”, que leva a uma educação neo-
colonizadora.
Somente uma educação que fortalece a diversidade cultural pode ser
entendida como democrática, necessidade que está sendo reivindicada
internacionalmente. Procurar igualdade sem considerar as diferenças é obter uma
pasteurização homogeneizada, a exemplo da validação dos códigos europeus e dos
códigos brancos norte-americanos, como ainda ocorre na arte e na arte-educação,
no Brasil.
Varela (apud Fusari e Ferraz, 1992, p.17) enfatiza que o espaço da Arte-
educação é essencial à educação numa dimensão muito mais ampla, em todos os
seus níveis e formas de ensino, sendo um campo de atividade, conteúdos e
pesquisas de grande significado e não está voltado apenas para as atividades
artísticas. “É um território que pede presença de muitos, tem profundo sentido
cultural, desempenha papel integrador plural e interdisciplinar no processo formal e
não formal da educação”.
No nosso entender, o ensino da Arte deve se caracterizar por uma
educação predominantemente estética, em que os padrões culturais e
estéticos da comunidade e da família sejam respeitados e inseridos na
educação, aceitos como códigos básicos a partir dos quais deve-se
construir a compreensão e imersão em outros códigos culturais. (RITCHER,
2002, p.91)
É importante indagar se os educadores interpenetram no conhecimento dos
padrões culturais e estéticos da família, para estabelecer uma relação de respeito,
conferindo-lhe a importância relativa à cultura que o aluno traz para a escola.
Pluralidade Cultural é um termo visto como sinônimo de multiculturalidade,
sendo ambos utilizados para indicar múltiplas culturas presentes, hoje, nas
sociedades complexas. A denominação multicultural encontra-se consagrada na
literatura, não somente na área de Educação, mas também na área da Arte-
68
educação, constituindo uma forma de estudo e discussão da questão da
diversidade. O termo interculturalidade, que implica uma inter-relação de
reciprocidade entre culturas é, na concepção de Ritcher (2002, p.86), o mais
adequado ao ensino-aprendizagem em artes que se proponha a estabelecer a inter-
relação entre códigos culturais de diferentes grupos culturais. Ressalte-se que
convivemos hoje com todas essas denominações, aparecendo como sinônimos.
Vindo de preocupações e discussões que tiveram início nos Estados Unidos e
na Europa, a partir dos problemas sociais que se acumulam naquelas sociedades, o
multiculturalismo no ensino da Arte é uma nova tendência no Brasil. A sua origem
relaciona-se principalmente com os conflitos étnicos presentes naqueles países, no
entanto tal enfoque foi sendo ampliado, tendo em vista as numerosas culturas
presentes em toda a sociedade, baseadas em aspectos variados, como gênero,
religião, idade, classe social, ocupação. Mais recentemente, a educação especial
vem sendo incluída na visão multicultural, considerando-se também os portadores
de necessidades especiais, participantes da diversidade cultural.
O Projeto CRIAR abrangeu uma escola de ensino especial, cuja
representante entrevistada declarou que, nas oficinas do Projeto ela pode ver a arte
na escola, numa dimensão mais ampla, o que possibilitou adequar atividades aos
alunos portadores de dificuldades especiais.
Ana Mae Barbosa diz que a Arte-educação deve reforçar a herança artística e
estética dos alunos, com base em seu meio ambiente. Questiona-se, então, o que
significa este conceito para o educador, especialmente o da escola pública.
Pressupondo que a educação estética proporciona a leitura da subjetividade,
Barbosa (1991, p.24) adverte que uma proposta mal conduzida pode criar guetos
culturais e manter grupos amarrados aos digos de sua própria cultura, sem
possibilitar a decodificação de outras culturas.
Somente a resistência crítica à dominação cultural pode conduzir o
multiculturalismo ao seu verdadeiro caminho de humanização, e isso se
dará por intermédio do diálogo e da paz. Da mesma forma, a educação
multicultural e intercultural deve familiarizar os alunos com a realização de
culturas não dominantes, de maneira a colocá-los em contato com outros
mundos, e levando-os a se abrirem para a riqueza cultural da humanidade.
(MCLAREN,1997, p.16).
O presente trabalho pretendeu responder à pergunta: Os projetos culturais da
empresa teriam condição de fazer essa alfabetização cultural com os professores e
69
os alunos, preparando os profissionais para o domínio das várias linguagens que
devem compor os projetos artísticos, dentro de uma visão multicultural?
O compromisso com a diversidade cultural ganha ênfase na Arte-educação
pós-moderna e grande importância tem sido dada hoje aos projetos que demonstram
o mesmo valor apreciativo pela produção erudita e pela produção do povo,
possibilitando o estabelecimento da relação entre cultura da escola e cultura da
comunidade.
A concepção do conhecimento em artes denominada “Proposta Triangular do
Ensino da Arte”, sistematizada por Ana Mae Barbosa, postula a interseção da
experimentação com a codificação e a informação, como premissa para a
construção do conhecimento em Arte. A pesquisa e a compreensão das questões
que envolvem a forma de relacionamento entre Arte e Público são consideradas
como objeto de conhecimento dessa concepção. Propõe-se, assim, com referência
na “Proposta Triangular”, que um programa de ensino de Arte seja elaborado a partir
das três ações básicas executadas no relacionamento com a Arte: a leitura de obras,
o fazer artístico e a contextualização.
Entendendo que contextualizar é estabelecer relações, a contextualização, no
processo ensino-aprendizagem, é a porta aberta para o conhecimento em arte. A
redução da contextualização à história é um viés modernista. É através da
contextualização que se pode direcionar a prática educativa para a
multiculturalidade.
Uma abordagem multicultural na Arte-educação desloca o foco da questão
sobre o que é arte” para a questão “quando é arte”, colocando o contexto como
componente definidor da experiência artística e da experiência estética.
Hoje, a questão que prevalece é aquela sublinhada por Marcel Duchamp e
Kant: quando algo, um objeto, uma idéia, ou uma atitude é arte?Barbosa (1998,
p.42).
Depoimentos de alguns professores entrevistados indicaram que, no
desenvolvimento das oficinas no Projeto CRIAR, em discussões sobre a arte, muitas
variáveis se mobilizaram, tornando-se a própria experiência estética do professor,
para se tornar, depois, elemento definitivo da experiência estética do aluno. Um dos
exemplos citados foi “colcha de retalhos”, oficina que possibilitou ao professor uma
vivência individual sobre a sua história de vida, para depois ser contextualizada
numa criação coletiva, utilizando diversas linguagens da arte. Essa proposta, que
70
oferece uma visão estética e multicultural da arte, foi reeditada nas escolas junto aos
alunos”, segundo informou o entrevistado Lúcio, professor de ensino médio.
A exposição da criança e do adolescente à arte na escola depende da
escolha do professor. A experiência estética pode ser mais ou menos significante e
valiosa em função desta escolha. O professor de arte precisa conhecer estética
para, pelo menos, saber o que escolher. Em educação, a tarefa da estética
integrada na leitura da obra ou do campo do sentido da arte é ajudar a clarificar
problemas, a entender nossa experiência da arte, a discriminar entre opões, a tomar
decisões, a emitir juízos de valor.
A Proposta Triangular, conforme Barbosa (1998, p.41), é construtivista,
interacionista, dialogal, multiculturalista e é pós-moderna por tudo isto e por articular
arte como expressão e como cultura na sala de aula, sendo esta articulação o
denominador comum de todas as propostas s-modernas do ensino da arte que
circulam internacionalmente, na contemporaneidade.
Assim, a educação cultural que se pretende com a Proposta Triangular é uma
educação crítica do conhecimento construído pelo próprio aluno, com a mediação do
professor, acerca do mundo visual, e não uma “educação bancária” a que se referia
Paulo Freire.
Registram-se experiências significativas com a Proposta Triangular, em
trabalhos de código popular e de estética do cotidiano, como na exposição
Carnavalescos, Latas e sucatas, Labirintos da Moda, entre outras, orientadas por
Ana Mae Barbosa, em São Paulo.
A escolha do conteúdo a ser explorado depende da ideologia do professor e
dos códigos de valor da cultura dos alunos, o que responde à pergunta freqüente na
cabeça dos professores: “o que ensinar?”
O olhar voltado para a arte num enfoque multicultural sugeriu focalizar
algumas questões, em relação aos projetos de Arte-educação, nas escolas
beneficiadas pela empresa LÓTUS:
1. A ênfase dada pelo projeto em relação aos códigos culturais dos alunos.
2. A possibilidade de alfabetização cultural e estética, dada pelo projeto aos
professores e alunos.
3. A coerência do objetivo proposto pela empresa com a perspectiva
multicultural, ao oferecer os projetos de Arte às escolas.
71
4. A forma como a perspectiva multicultural é contemplada pelas linguagens
artísticas, no desenvolvimento do projeto.
A função da Arte está ligada à complexidade da sua natureza, que explica
inclusive o papel contraditório, mas humanizador, e talvez humanizador,
porque contraditório”. O autor propõe, na análise da Arte, a distinção de
pelo menos três faces: “1. ela é uma construção de objetos autônomos
como estrutura e significado; 2. ela é uma forma de expressão, isto é,
manifesta emoções e a visão do mundo dos indivíduos e dos grupos; 3. ela
é uma forma de conhecimento, inclusive como incorporação difusa e
inconsciente. (CÂNDIDO, 1995, p.244)
Arte-educação baseada na comunidade é uma tendência contemporânea que
tem apresentado resultados muito positivos em projetos de educação para a
reconstrução social, quando não isolam a cultura local, mas a discutem em relação
com outras culturas.
A ignorância e indiferença pelas necessidades reais e pela cultura do povo,
junto ao desrespeito e ao desinteresse pelas experiências estéticas anteriores e
pelos valores artísticos tidos e trazidos pelos próprios estudantes, desde o século
XIX representa a principal causa da ineficiência do ensino de arte nas escolas
públicas do Brasil.
Pela acomodação na dependência de padrões estéticos, perde-se a
oportunidade de transformar a arte no meio de humanizar a escola e de contribuir
para a formação de uma identidade cultural. Essa é uma questão essencial, se se
considerar que a arte é uma disciplina compulsória no ensino fundamental e médio e
nos cursos para adultos.
3.1 O Projeto Empresarial CRIAR
O presente capítulo é orientado por uma análise do Projeto CRIAR
7
, do ponto
de vista do seu conceito e de suas proposições em relação às ações de
responsabilidade social da empresa LÓTUS
8
.
Esta análise procurou identificar qual é o significado, para a empresa LÓTUS,
7
CRIAR - denominação fictícia dada ao projeto focalizado nesta pesquisa.
8
LÓTUS - denominação fictícia dada à empresa patrocinadora dos projetos culturais desenvolvidos
no período da pesquisa
72
das ações culturais que integraram o referido projeto, e as razões do investimento
em cultura e educação e, mais especificamente, em Arte-educação.
O Projeto CRIAR abriga projetos artístico-culturais incentivados pela empresa
LÓTUS, que se beneficia das prerrogativas da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do
Estado de Minas Gerais, 12.733/97, alterada pela Lei 13.665/2000, e do Decreto
nº 43.615/2003, que a regulamenta.
Os projetos incentivados compõem-se de atividades artísticas e culturais que
passaram por análise e aprovação do CETAP Comissão Técnica de Análise de
Projetos da Secretaria de Cultura do Estado de Minas Gerais, por preencherem
requisitos constantes em edital de concorrência da referida Lei de incentivos. De
posse dos Certificados de Aprovação (CA) concedidos pela Secretaria de Cultura, os
proponentes dos projetos ou empreendedores culturais os apresentaram à empresa
LÓTUS, para conhecimento e decisão sobre o patrocínio e posteriores providências
no sentido da liberação de recursos e definições para planejamento e execução do
cronograma de ações.
A empresa LÓTUS optou por projetos da área de Arte-Educação, que
privilegiassem oficinas direcionadas aos educadores do município, para formação de
reeditores (ou multiplicadores) das ações nas suas escolas de origem.
O Projeto CRIAR - principal componente do programa de relacionamento com
a comunidade da empresa LÓTUS - foi o foco de estudo desta pesquisa acerca da
responsabilidade social e suas ações no âmbito da educação pública. Elaborado no
ano de 1999 pela área de comunicação empresarial da Empresa LÓTUS, situada em
um município de Minas Gerais, onde foi instalada uma unidade fabril da referida
empresa, o CRIAR foi estruturado em três partes.
Consta, na primeira parte do projeto, a conceituação dos valores e dados que
levaram a empresa a decidir sobre a atuação na comunidade, privilegiando escolas
públicas estaduais e municipais. Na segunda parte, está o desenvolvimento do
projeto, o histórico de sua evolução, a política de relacionamento com a
comunidade, a conceituação do projeto, os pilares referentes ao investimento em
educação. A terceira parte contempla a definição de papéis e responsabilidades e de
que forma foi proposto o desenvolvimento das ações junto à comunidade.
73
2.1.1 Análise dos Conceitos Básicos do Projeto CRIAR
A presente análise busca identificar, por meio das formações discursivas
contidas na descrição textual do projeto CRIAR, as estratégias de persuasão
utilizadas no intuito da promoção de influência, nas relações de poder entre empresa
e comunidade.
Enquanto o discurso é a materialização das formações ideológicas, a forma
como a empresa apresenta seus conceitos e objetivos que compõem a doutrina de
responsabilidade social é o espaço reservado à manipulação consciente, cujos
elementos de expressão são organizados da melhor forma para veicular o discurso.
Segundo Fiorini (1998, p.42) discurso é, pois o lugar das coerções sociais,
enquanto o texto é o espaço da liberdade individual
A) RESPONSABILIDADE SOCIAL
Gestão com responsabilidade social mantém foco na ética, qualidade das
relações com acionistas, colaboradores, consumidores, fornecedores,
comunidades, meio ambiente e governos, e também na geração de valor
para todos. Gestão com responsabilidade social propicia a valorização da
imagem institucional e da marca, maior lealdade de todos os públicos,
inclusive do consumidor; maior capacidade de recrutar e manter talentos,
flexibilidade e capacidade de adaptação e longevidade. (PROJETO CRIAR,
2000).
O Projeto CRIAR apresenta no seu texto inicial o conceito e a função da
responsabilidade social, por meio de um discurso amplo e retórico para justificar a
ação empresarial, pois as atividades produtivas da empresa suscitam
questionamentos diante das políticas desenvolvidas, que buscam, na realidade, a
construção de uma imagem “socialmente responsável”.
Entre a teoria neoliberal e a concepção da responsabilidade social
corporativa, vale destacar as manifestações que indicam a preocupação em torno da
ética nos negócios, como necessária para a própria sobrevivência da organização,
devido às relações de poder que ela mantém com a comunidade.
Destaca-se no discurso da empresa a apologia à “qualidade das relações” de
ampla abrangência, incluindo “meio ambiente” e “geração de valor para todos”,
traduzida na forma generalizada de intervenções sociais e ambientais, meramente
compensatórias, ou, conforme Faria (1992), “podem ser entendidas como uma
74
estratégia discursiva de persuasão e ideológica, baseada no silêncio”.
um esforço visível das empresas para convencer a opinião pública da
seriedade e respeitabilidade do seu comportamento social e ambiental, mas a lista
de comportamentos radicalmente opostos à responsabilidade social é infindável,
especialmente na área ambiental.
Os esforços das empresas para patrocinar projetos sócio-culturais não são
capazes de ocultar a busca do verdadeiro motivo, ou seja, a promoção e a
publicidade institucionais divulgadas para os consumidores.
Muitas empresas vêm sendo impulsionadas a se adaptarem a essa nova
tendência de gestão social responsável, que pode, em médio e longo prazos,
apontar para uma maior fiscalização e controle social sobre as ações internas e
externas realizadas no âmbito empresarial. Contudo a ética deve ser,
fundamentalmente, a base de todas as práticas. A abordagem adotada compreende
que a ética é uma questão primordial. Sem ética, transparência e participação, tanto
no Estado quanto nas empresas, não se vislumbram significativas mudanças que
contribuam para o resgate das esperanças e a construção de uma nova e
promissora realidade social. A crise recente evidencia que a relação da noção de
Estado à corrupção e a do setor privado à agilidade e competência pode ser
bastante enganadora.
Quando a empresa LÓTUS define, em seu projeto de relacionamento com a
comunidade, que “Empresas socialmente responsáveis são agentes de nova cultura
empresarial, de mudança social e de produção de valores para todos:
colaboradores, acionistas e comunidade”, seria ela capaz de conduzir a comunidade
a um movimento social de expressão da sociedade civil?
Wautier (2001, p.22) questiona se é possível uma mudança que afirme o
encontro entre uma expectativa social e um sistema de organização, permitindo a
operacionalização desse movimento social, e conclui que encontra-se, pois, aqui
desenvolvida a noção de confronto”.
As ações de parceria decorrentes da responsabilidade social podem
concretizar-se de diversas formas, apresentando diferentes tipos de engajamento,
muitas vezes problemáticos, já que tais ações nem sempre são pautadas no direito à
escolha ou participação da comunidade, cabendo à empresa defini-las, conforme os
seus próprios interesses.
Sob um espectro ideológico, Friedman (1988) aborda a responsabilidade
75
econômica das corporações fundamentada na doutrina econômica clássica, em
oposição às premissas da responsabilidade social. De acordo com esse autor, a
única responsabilidade social dos negócios é maximizar os lucros nas regras do
jogo: poucas coisas capazes de minar o profundamente as bases de nossa
sociedade livre como a aceitação por parte dos dirigentes das empresas de uma
responsabilidade social que não a de fazer tanto dinheiro quanto possível para seus
acionistas”.
O documento da empresa enfatiza que “responsabilidade social é atitude
estratégica, não apenas postura legal ou filantrópica”. (PROJETO CRIAR, 2000)
Na raiz grega da palavra, filantropia significa simplesmente amor à
humanidade, podendo-se afirmar que é a forma mais antiga de responsabilidade
social. É uma ação de caráter humanitário, altruísta, que se traduz em doação de
caridade. Não raras vezes, o termo costuma causar certa desconfiança, uma vez
que trata basicamente da ação social assistencialista das empresas, em benefício de
associações comunitárias, grupos estudantis, entre outros, fomentando um
relacionamento restrito entre doador e beneficiário. A filantropia pode criar a ilusão
de que a empresa está agindo de forma socialmente responsável, porém o que se
pode verificar, na prática, é uma relação de poder e dependência. Em outras
palavras, a organização empresarial estaria se contentando em promover doações
isoladas, sem incorporar em sua cadeia de negócios a noção de responsabilidade
social, em que se deve estabelecer um diálogo com a comunidade, em função das
demandas locais.
Pelo discurso da empresa perpassa a intenção de cuidar dos seus interesses
e da sua imagem, em primeiro lugar, talvez como o objetivo que está por detrás de
uma atitude legal ou filantrópica.
Refletindo sobre a ambigüidade política da responsabilidade empresarial
acerca da questão social, Paoli esclarece sua hipótese de que,
[...] o sentido da ‘filantropia empresarial cidadã’ e de sua auto-investida
responsabilidade social no Brasil está indiretamente ligado à substituição da
idéia de deliberação participativa ampliada sobre os bens públicos pela
noção de gestão eficaz de recursos sociais, cuja distribuição é decidida
privadamente, seguindo critérios aleatórios próprios. Nesse sentido, são
práticas que desmancham a referência pública e política para reduzir as
injustiças sociais. (PAOLI apud SANTOS, 2001, p.404).
Ao lado da função econômica, as empresas têm que desempenhar uma
76
função ética, que, segundo Shour, é uma posição tomada pelos empresários, não
por altruísmo ou por sentimento democrático, mas por imposição das relações de
poder presentes.
Agir eticamente converte-se, então, em questão de bom senso e em
estratégia de sobrevivência. Cabe, aqui, ler o conceito de responsabilidade
social como orientação para os outros, o por mera deliberação pessoal,
mas por contingência dos interesses em jogo. (SHOUR, 1994, p.10).
B) RESPONSABILIDADE SOCIAL E CIDADANIA
No âmbito internacional, verifica-se uma mobilização intensa no sentido de
desenvolver conceitos e parâmetros para a questão da responsabilidade social
empresarial. Como referência de ações conjuntas do Sistema das Nações Unidas no
Brasil, destaca-se o Pacto Global, que é uma iniciativa desenvolvida pela
Organização das Nações Unidas (ONU), com o objetivo de mobilizar a comunidade
empresarial internacional para a promoção de valores fundamentais, nas áreas de
direitos humanos, trabalho e meio ambiente, e incentivar programas de
responsabilidade social.
O Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi A. Annan, durante o Fórum
Econômico Mundial, em Davos, no dia 31 de janeiro de 1999, desafiou os líderes
empresariais mundiais a “apoiar e adotar” o Pacto Global, tanto em suas práticas
corporativas individuais, quanto no apoio a políticas públicas apropriadas.
Kofi A. Annan fez um convite ao setor privado para que, juntamente com
agências das Nações Unidas, Alto Comissariado para Direitos Humanos (ACNUR),
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Organização
Internacional do Trabalho (OIT), Organização das Nações Unidas para o
Desenvolvimento Industrial (UNIDO) e o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) e atores sociais, contribuísse para avançar a prática da
responsabilidade social corporativa, na busca de uma economia global mais
sustentável e inclusiva.
A finalidade proposta no Pacto Global é encorajar o alinhamento das políticas
e práticas empresariais com os valores e os objetivos aplicáveis internacionalmente
e universalmente acordados. Esses valores principais foram separados em dez
princípios chaves, nas áreas de direitos humanos, direitos do trabalho, proteção
77
ambiental e combate à corrupção, entendendo possuírem essas áreas um potencial
efetivo para influenciar e gerar mudança positiva.
Os dez princípios universais advogados pelo Pacto Global são derivados da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Declaração da OIT sobre Princípios
e Direitos Fundamentais no Trabalho, da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento e da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, e
consistem em:
1. Respeitar e proteger os direitos humanos; 2. Impedir violações de direitos
humanos; 3. Apoiar a liberdade de associação no trabalho; 4. Abolir o trabalho
forçado; 5. Abolir o trabalho infantil; 6. Eliminar a discriminação no ambiente de
trabalho; 7. Apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais; 8. Promover
a responsabilidade ambiental; 9. Encorajar tecnologias que não agridam o meio
ambiente; 10. Combater a corrupção em todas as suas formas, inclusive extorsão e
propina.
Embora todos sejam de fundamental importância, são de interesse mais
direto ao presente estudo os princípios referentes aos Direitos Humanos, a seguir:
Princípio 1- Apoiar e respeitar a proteção dos direitos humanos proclamados
internacionalmente. Princípio 2 - Evitar a cumplicidade nos abusos dos direitos
humanos. A origem dos Princípios 1 e 2, relacionados aos direitos humanos, é
encontrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948.
O objetivo desta declaração é estipular padrões internacionais mínimos para a
proteção dos direitos e liberdades do indivíduo, hoje amplamente considerados
como formadores da base do direito internacional. Saliente-se que, especificamente,
os componentes da DUDH são considerados como lei consuetudinária internacional
e não exigem assinatura ou aprovação pelo estado para serem reconhecidas como
padrão legal. Sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Assembléia
Geral das Nações Unidas proclamou que:
Um padrão comum de realização para todos os povos e todas as nações, a
fim de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade tenham sempre em
mente esta Declaração, e se empenhem ensinando e educando a promover
o respeito por estes direitos e liberdades e mediante medidas progressivas,
nacionais e internacionais, para garantir seu reconhecimento e observância
em bases universais efetivas.
A Declaração tem como premissa básica a “igualdade” – todos os seres
78
humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” – e dá conteúdo ao
entendimento de igualdade, proibindo qualquer distinção no gozo dos direitos
humanos, em virtude de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra
opinião, origem nacional ou social, propriedade, nascimento ou outra posição.
O direito à educação está, portanto, incluído nesta dimensão, e a empresa
LÓTUS propõe, no seu discurso, abraçar a causa educacional na comunidade em
que se situa.
Percebe-se que os direitos proclamados em 1948 estavam (e ainda estão)
longe de serem respeitados e de alcançar, por todos, o seu objetivo universal, o que
exige um esforço imenso de cada indivíduo e de cada grupo da sociedade.
Baseando no fato de a responsabilidade recair sobre cada indivíduo e sobre
cada grupo em sociedade é que os princípios 1 e 2 do Pacto Global desafiaram as
empresas não somente a desenvolver uma consciência dos direitos humanos, mas
também a trabalhar dentro de sua esfera de influência e proteger estes direitos
humanos e universais.
Conforme o Pacto Global, as empresas que operam em bases globais ficam
visíveis a um público maior no mundo todo, em decorrência dos avanços nas
tecnologias de comunicação. Considerando que a visibilidade é pressuposto da
responsabilidade social, a abordagem de questões de direitos humanos traz
compensações tanto em nível local, nas comunidades locais, quanto nas
comunidades globais mais amplas onde as empresas operam.
Entendendo que a globalização da economia é, nos dias atuais, um fato
incontestável, não se pode ignorar que esse modelo econômico apresenta aspectos
vulneráveis que carecem de correções ou, pelo menos, de medidas atenuantes. A
fragilidade do mundo globalizado pode ser observada na concentração do poder
econômico, na distribuição de renda e nas rupturas institucionais, fenômenos
freqüentes em boa parte dos países em desenvolvimento.
Líderes empresariais participantes do Pacto Global concordam em afirmar
que a globalização, de fato, é altamente frágil e apresenta futuro incerto. Na
verdade, as preocupações sobre os efeitos da globalização nos países em
desenvolvimento, relacionados à concentração do poder econômico, distribuição
de renda e rupturas na sociedade, estão aumentando e sugerem que a globalização
de hoje não é sustentável. Conforme documento que fundamenta o Pacto Global,
ele foi criado para ajudar as organizações a redefinirem suas estratégias e ações, a
79
fim de que todas as pessoas possam compartilhar dos benefícios da globalização,
evitando que estes sejam aproveitados por poucos.
Desde o seu lançamento oficial, em 26 de julho de 2000, a adesão chegou a
3000 participantes, incluindo 2.500 empresários, em 90 países do mundo.
O Pacto Global conforme descrito no seu conteúdo não é um instrumento
regulatório, um código de conduta legalmente obrigatório ou um fórum para policiar
as políticas e práticas gerenciais. Também não é um porto seguro para as empresas
participarem, sem demonstrarem real envolvimento e resultados. O Pacto Global é,
segundo o documento que o descreve, uma iniciativa voluntária que procura
fornecer uma estrutura global para a promoção e o crescimento sustentável e da
cidadania, através de lideranças corporativas comprometidas e inovadoras.
A ONU sugere que as empresas sejam signatárias do Pacto Global
iniciativa da organização que incentiva a responsabilidade social e que prestem
contas sobre o andamento de seus projetos. Para estimular a prática, definida como
obrigatória no termo de adesão ao pacto, as Nações Unidas realizaram um encontro
para apresentar a corporações do calibre de Nestlé e HSBC, entre outras, quatro
sistemas de monitoramento escolhidos como modelos na apresentação dos
resultados obtidos.
Conforme premissas do documento conceitual do Pacto Global, a
responsabilidade pelos direitos humanos não está somente com os governos ou com
as nações. As questões de direitos humanos são importantes tanto para os
indivíduos como para as organizações que eles venham a criar. Como parte do seu
compromisso com o Pacto Global,
a comunidade empresarial tem a responsabilidade de proteger os direitos
humanos tanto no local de trabalho como mais amplamente em sua esfera
de influência. O imperativo moral crescente de se comportar com
responsabilidade está aliado ao reconhecimento de que um bom
desempenho em direitos humanos pode favorecer o aprimoramento do
desempenho comercial.
Nesta perspectiva, a empresa LÓTUS procura associar-se a programas de
responsabilidade social, incluindo projetos para a área de educação, a exemplo dos
projetos analisados neste trabalho.
80
B 1) ATUAÇÃO NA COMUNIDADE
A razão de atuar na comunidade, contida no projeto CRIAR, traduz a matriz
ideológica do discurso da empresa:
Além de produzir riquezas, a empresa também deve ser um instrumento de
desenvolvimento social. Junto à globalização dos negócios, também está a
globalização das melhores práticas empresariais. (PROJETO CRIAR, 2000)
Ao mesmo tempo em que a empresa LÓTUS cria o discurso da busca de
qualidade de vida, faz afirmação contundente, quando destaca o mercado
globalizado - evidências de um posicionamento neoliberal - na medida em que
procura se inserir no mercado altamente competitivo.
Os estragos sociais causados pelas políticas neoliberais são cada vez mais
evidentes, e as estratégias utilizadas, supostamente para “compensar”
esses estragos, não conseguiram minimizá-los. Nesse sentido, o
neoliberalismo ainda é hegemônico no campo da questão social.
(MONTAÑO, 2003, p.11).
O texto do Projeto CRIAR amplia a abrangência da sua proposta de atuação
na comunidade, quando descreve que,
Hoje os públicos que se relacionam com a empresa têm expectativas em
relação à atuação desta junto às suas comunidades. É papel da empresa
tornar a comunidade um lugar melhor para se viver, investindo em
educação, cultura, saúde, meio ambiente, entre outras iniciativas.
(PROJETO CRIAR, 2000).
O discurso da empresa faz o deslocamento do paradigma da gestão
empresarial de um monolito econômico e financeiro para um tripé que coloca toda a
tomada de decisão em importantes aspectos, como impactos ambientais, sociais e
humanos, numa promessa de atuação frente a questões globais, tanto para a nação,
como para soluções pontuais na comunidade.
Com a iniciativa de ações na área social, a empresa terá mais chances de
atrair e reter talentos em seu quadro de pessoal, terá mais facilidades com
os fornecedores e clientes, além de conseguir uma boa imagem junto à
população. (PROJETO CRIAR, 2000).
Da hegemonia do discurso da responsabilidade social no ambiente
81
empresarial decorre a relevância do desempenho social das corporações, em que as
ações sociais são mensuradas por intermédio de balanços específicos que
possibilitam a institucionalização de comportamentos e difusão de políticas de
marketing no mercado. Segundo Castells (1999, p.58), “isso significa que uma
batalha em busca das mentes das pessoas, numa estrutura social que valoriza
imagens de representação e a manipulação de símbolos”.
O projeto CRIAR destaca em seu texto as possibilidades de atuação da
empresa, especialmente em âmbitos sociais mais amplos, conforme descrição a
seguir:
A empresa cidadã influi e modifica o ‘status quo’ na sociedade, busca
qualidade de vida, articula o individual e coletivo, lega valor às gerações
futuras, promove o desenvolvimento sustentável, integra missões pessoais,
empresariais e comunitárias, contribui para a inserção competitiva e
qualitativa do país no cenário global, gerando capital social para a nação.
(PROJETO CRIAR, 2000).
A empresa deixa transparecer no seu discurso uma relação de poder em que
um conjunto de atores sociais permanece submisso, sendo, assim, a interface
organização-sociedade é realizada sob uma única via.
A difusão da ideologia da responsabilidade social, essencialmente sob a ótica
da empresa, “oculta o debate sobre o seu controle na sociedade, reduzindo-o a uma
discussão dicotômica entre a existência de uma política ou não da cidadania
corporativa”. (BITTENCOURT; CARRIERI, 2005, p.21)
Torna-se oportuno examinar mais detidamente o discurso contido no Projeto
CRIAR, particularmente com referência à condição de empresa cidadã.
Estudos de Pinto e Lara (2004, p.50) focalizam o conceito de cidadania
corporativa, salientando que, assim como nas discussões sobre responsabilidade
social empresarial, busca-se unanimidade no tocante ao referido conceito, que
alguns autores denominam de responsabilidade social corporativa. Outros ainda se
referem à cidadania corporativa como ética corporativa.
Na visão de Carroll, 1998 (in Pinto e Lara, 2004, p.50), mais recentemente, a
performance social dos negócios tem sido chamada de cidadania corporativa.
Segundo Davenport (apud PINTO; LARA, 2004), nos anos de 1990, a cidadania
corporativa tornou-se um termo comumente utilizado por profissionais, por ser ele o
mais indicado para conotar uma série de comportamentos que definem a
82
performance social corporativa. Esse termo, conforme Wartick e Cochran (1985),
pode ser encarado como qualquer interação entre negócios e ambiente social.
Pinto e Lara apontam a distinção entre cidadania corporativa e performance
social feita por Maigan:
Enquanto a performance social corporativa investigaria questões morais,
gerenciais e sociológicas, a cidadania corporativa focalizaria atividades mais
restritas desenvolvidas pela organização com o escopo de atender a
demandas sociais mais concretas. (MAIGAN, 1999).
Uma integração das diferentes perspectivas conduz a uma convergência
entre os conceitos de cidadania corporativa e responsabilidade social empresarial,
organizando a cidadania corporativa em quatro dimensões, agrupadas aos seus
respectivos significados:
a) Dimensão econômica Significado: A empresa deve ser produtiva,
lucrativa e atender às expectativas dos acionistas, garantindo o retorno
sobre o investimento. Os outros papéis dos negócios são derivados desse
pressuposto fundamental.
b) Dimensão legal Significado: O negócio deve acrescentar à sua missão
econômica o respeito às leis e aos regulamentos. A sociedade espera que
os negócios ofereçam produtos dentro das normas de segurança e
obedeçam a regulamentações governamentais.
c) Dimensão ética Significado: Considera os princípios e padrões que
definem a conduta aceitável determinada pelo público, grupos privados
interessados, órgãos regulamentadores, concorrentes e a própria
organização. As conseqüências das ões devem ser consideradas, antes
mesmo da tomada de decisões, devendo ser respeitados os direitos e
cumpridos os deveres, evitando prejudicar os outros.
d) Dimensão filantrópica Significado: O negócio deve estar envolvido com
a melhoria da sociedade por meio da responsabilidade legal, ética e
econômica, bem como a adoção de práticas filantrópicas. Prevê atividades
que são guiadas pelo desejo dos negócios em se engajar em papéis sociais
não obrigatórios legalmente, mas que estão se tornando cada vez mais
estratégicos. (CARROL, 1991, p.39)
Com referência nesses pressupostos, pode-se perceber como inconsistente o
discurso da empresa no Projeto CRIAR, que se sustentaria melhor pelo foco no
relacionamento com os stakeholders
9
, que são os públicos mais importantes para a
organização, uma vez que a auxiliam na realização de seus objetivos e metas,
que, segundo Clarkson (1995), os stakeholders são atores com interesses,
reivindicações e direitos similares e podem ser classificados como pertencentes ao
9
STAKEHOLDERS - São todas as "partes interessadas" ou todos os diferentes públicos que afetam
ou são de alguma forma afetados pela atuação de uma empresa: funcionários, acionistas,
comunidade, instituições, fornecedores, consumidores e governo.
83
mesmo grupo” que se relaciona, implicitamente, com as dimensões citadas.
A definição ideológica da empresa cidadã sugere um breve recorte,
sinalizando para o que ocorre hoje com a hegemonia do projeto liberal, que se
constitui em um claro esvaziamento dos direitos dos cidadãos, da democracia
formal, no âmbito estatal, portanto democracia como instituição geral. Não uma
democracia na sociedade civil, outra no Estado, outra no mercado o processo é
único, desenvolvido de forma diferenciada, mas articuladamente em diversos
espaços.
Montaño (2003, p.162) reforça esta análise, advertindo que uma democracia
dentro da ordem’, sem questionar ou alterar a sociedade privada e a hegemonia da
fração de classe do poder que permite a exploração e as formas de submissão e
dominação sociais quanto à direção político-ideológica da população, que não
questiona nenhuma variável econômica ou política sistêmica que mantém/reforça as
fontes de poder da classe hegemônica e busca/aceita parcerias, no lugar do
embate é um projeto condenado a ser mais um processo instrumentalizado’ pelo
capital e, portanto, ‘funcionalpara ele.
C) A ÊNFASE NA EDUCAÇÃO
O discurso da empresa, ao apresentar o Projeto CRIAR, de inserção nas
escolas públicas, situa-se em um cenário transcorrido na década de 1990. Portanto
torna-se oportuna uma breve visão do ambiente das políticas educacionais e a crise
do Estado, na perspectiva neoliberal.
A política educacional vem, ao longo dos últimos anos, sofrendo modificações
em sua pauta de debates e redefinindo, na prática, questões pactuadas pelos
educadores, no período correspondente à década de 1980, conteúdos atribuídos à
descentralização, à autonomia e à participação, que foram as bases do debate sobre
a gestão democrática, naquele período.
Peroni e Adrião (2005, p.138), focalizando o Estado na berlinda, analisam o
diagnóstico da crise e as estratégias hegemônicas para sua superação, partindo do
pressuposto de que “a origem das mudanças propostas para a educação na década
de 1990 tem como substrato um diagnóstico que identifica a crise do capitalismo
como resultado da crise do Estado”.
Segundo as autoras, para a teoria neoliberal, não é o capitalismo que está em
84
crise, mas o Estado. Portanto a estratégia para a superação da crise seria a reforma
do Estado por meio da diminuição da sua atuação. Segundo esta perspectiva, duas
causas levaram à crise do estado: a primeira deve-se a um excessivo gasto
governamental, gerado pela permanente necessidade de se legitimar por meio do
atendimento às demandas da população por políticas sociais, o que provocou a crise
fiscal. Além disso, para esta lógica, as políticas sociais, por se constituírem em
mecanismos de distribuição de riqueza, confrontavam-se com o direito à propriedade
privada, razão pela qual gerariam distorções indesejáveis nas sociedades de
mercado e deveriam ser suprimidas. A segunda causa encontrava-se no papel
regulador desempenhado pelo Estado na esfera econômica, prática que atrapalhava
o livre andamento do mercado. Peroni e Adrião (2005, p.138) concluem que o
neoliberalismo atribuía ao mercado a capacidade de superar as falhas do Estado,
inclusive tomando de empréstimo a lógica mercantil e adotando-a na gestão de
instâncias estatais, como forma de torná-las mais eficientes e produtivas, como
condição para superação das citadas causas.
C.1. POR QUE INVESTIR EM EDUCAÇÃO?
Encontrar uma descrição significativa para a compreensão do posicionamento
da empresa frente à comunidade, no âmbito educacional, foi um dos propósitos
deste trabalho. As argumentações expostas no discurso contido no Projeto CRIAR
enfatizam que,
Atualmente, na América Latina e no Brasil, especialmente, todas as
atenções estão voltadas para a educação, que deixou de ser assunto menor
e passou a ter maior legitimidade política, mobilizando a sociedade em geral
e os governos em todos os seus níveis.
A educação é responsabilidade do Estado e de toda sociedade civil. A ação
de indivíduos ou empresas não exime os governos municipais, os estaduais
e o federal de suas obrigações, mas pode contribuir para sua efetivação.
Além de suprir as necessidades emergenciais, o envolvimento das
organizações com a dia-a-dia da escola é um exercício de cidadania e de
parceria com o Estado. (PROJETO CRIAR, 2000)
Afirma Montaño (2003, p.12) que, “aliados a uma estratégia ‘substitutiva e não
complementar’, estão os movimentos de descentralização e privatização dos
serviços públicos, pois os governos desobrigam-se da responsabilidade pela
implementação de programas sociais, delegando-os aos governos locais em
85
parcerias com ONGs ou outras organizações sociais, ou com o setor privado”, como
é o caso das ações de responsabilidade social empresarial.
Uma visão crítica sobre a responsabilidade social empresarial tende a
considerar o debate hegemônico que a sustenta, seus pressupostos e promessas, e
o fenômeno que se oculta por trás dessa denominação ideológica, com ênfase na
sua funcionalidade para com o projeto neoliberal. No enfrentamento da questão
social inserida no atual processo de reestruturação do capital, a relevância do tema
é forte” (MONTAÑO, 2003, p.14).
No documento que descreve o projeto CRIAR, a empresa LÓTUS justifica a
sua atuação na escola pública:
A ação na escola pública é entendida como participação em causas de
interesse social e comunitário. Sem substituir o Estado ou contrapor-se ao
trabalho remunerado, reflete a disposição para atuar em questões de
interesse coletivo. (PROJETO CRIAR, 2000).
O discurso da empresa, que compõe o Projeto CRIAR, destaca ainda, que “se
o empresariado pretende atuar no campo social para melhorar as condições de vida
das camadas de baixa renda, existe o consenso de que a educação a escola
pública – é uma prioridade”.
Porém o êxito das estratégias preconizadas no discurso da empresa está
associado a um forte apelo ideológico, tecido pelo cenário conservador neoliberal.
O valor da educação para o grupo empresarial LÓTUS se justifica a seguir:
A educação se transformou na ferramenta mais estratégica para o avanço
tecnológico, a competitividade da empresas e o emprego dos trabalhadores.
Investir em educação é uma responsabilidade de todos do governo, das
famílias e das empresas. O Grupo LÓTUS tomou esse dogma como norte
de suas ações, reconhecendo ser seu dever ir bem além das suas
contribuições legais. (PROJETO CRIAR, 2000).
Na verdade, a razão para o grupo investir em educação está implícita no seu
discurso, indicando a garantia do retorno em mão-de-obra qualificada, que assegura
avanço tecnológico, a competitividade da empresa e o emprego dos trabalhadores,
podendo ser entendida, assim, a educação como ferramenta estratégica para os
seus negócios.
O texto que incorpora o Projeto CRIAR situa o Estado de Minas Gerais no
contexto de algumas iniciativas a favor da qualidade da educação no Brasil,
86
enfatizando que “apesar das dificuldades do ensino público no Brasil, o Estado de
Minas Gerais foi reconhecido, na década de 90, como um modelo de gerenciamento
da educação básica, pelo Unicef - Fundo das Nações Unidas para Infância e
Adolescência”.
Minas Gerais assumiu com o Banco Mundial (BIRD) um contrato dentro do
Programa Pró Qualidade, que pretende a melhoria da qualidade do ensino
básico, apresentando soluções para os problemas de repetência e evasão
escolar. (PROJETO CRIAR, 2000).
Segundo o Projeto CRIAR, a educação de qualidade também estaria
garantida pelo Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado PMDI (ambicioso
programa de investimentos desenvolvido pelo governo de Minas, na década de 90,
que previa, no setor educacional, investimentos para educação básica). O trabalho
conjunto entre escolas, prefeituras e Secretaria de Estado da Educação levaria três
milhões de alunos às salas de aula em todo o Estado, número muito significativo
para a época.
O discurso da empresa expressa uma valorização das iniciativas do governo
no sentido da busca de financiamentos de organismos internacionais, para solução
dos problemas da educação.
Vale ressaltar que o contrato entre o Estado e o Banco Mundial incluía um
pacote de reformas educativas, imposto aos países em desenvolvimento, com base
em alguns desafios a serem enfrentados pelos sistemas educativos desses países,
resumidos em: acesso, eqüidade, qualidade e redução da distância entre a reforma
educativa e a reforma das estruturas econômicas, destacando, no referido pacote,
alguns itens como: melhoria da qualidade/eficiência da educação, autonomia e
responsabilidade das instituições escolares por seus resultados, maior participação
dos pais e da comunidade nos assuntos escolares, o impulso do setor privado como
agentes ativos no terreno educativo.
As recomendações do Banco Mundial fazem parte de uma política de crédito
para a educação que se autodenomina cooperação ou assistência técnica.
Entretanto, segundo Fonseca (1998, p.47), tais recomendações integram os projetos
econômicos que elevam a dívida externa do país, partindo de um prisma
economicista e contribuindo para inserir e institucionalizar os valores do mercado
capitalista na esfera da cultura e da educação. A autora salienta que é utilizada a
87
mesma metodologia economicista para tentar adequar a realidade educativa ao
modelo econômico, estabelecendo uma correlação entre: sistema educativo e
sistema de mercado, escola e empresa, pais e consumidores de serviços, relações
pedagógicas e relações de insumo-produto, aprendizagem e produto.
O documento da empresa LÓTUS, apoiado em alguns dados sobre a
educação no Brasil e em Minas Gerais, afirma que,
O panorama da educação brasileira apresentou significativa melhoria nas
últimas décadas, com declínio acentuado da taxa de analfabetismo,
expressivo aumento do mero de matrículas em todos os níveis de ensino
e gradual crescimento da escolaridade média da população. A constatação
destes avanços, no entanto, não prescinde de uma análise crítica sobre os
desafios educacionais que o País ainda precisa vencer para superar o
déficit histórico acumulado nesta área. (PROJETO CRIAR, 2000).
Torna-se adequado indagar se a formulação do Projeto CRIAR estimula
práticas educacionais mais efetivas, capazes de contribuir para a superação do
referido déficit histórico. Não significa precipitação dizer que a empresa se situa
como um ator privilegiado na superação dos déficits educacionais, num discurso
pretensioso em face ao que ela se propõe realizar.
Gentili critica o processo de transferência de responsabilidades públicas na
área educacional para entidades privadas, “as quais invadem espaços que o Estado
deveria ocupar, delegando responsabilidades e funções que envolvem uma série de
mediações, o que torna a privatização, nesse campo, mais difusa e indireta que a
privatização das instituições produtivas”. O autor complementa sua crítica,
enfatizando que,
[...] a ‘adoção’ de escolas nesse processo, dá-se com os argumentos do
Estado pobre, do empresário bom e responsável, da filantropia estratégica e
do perigo iminente, que seria o investimento em educação, para evitar os
efeitos desagregadores (como violência e criminalidade) do abandono das
políticas sociais pelo Estado. (GENTILI, 1998, p.75).
O autor destaca que esse argumento consegue convencer até mesmo alguns
críticos do neoliberalismo.
Considerando a perspectiva da empresa, torna-se importante chamar a
atenção, ainda, para o significado que o conceito de qualidade toma nas orientações
dos organismos internacionais fomentadores de políticas educacionais, como o
Banco Mundial, tomando por base o sentido em que se o aproveitamento e o
88
desempenho escolar, que definem a qualidade da educação para o referido
organismo, bem como para a empresa. Silva (2003, p.73) enfatiza que “as
preocupações se direcionam para os resultados do sistema escolar e esses devem
ser adequados ao mundo do trabalho, trazendo novos suportes para a discussão da
relação entre educação e desenvolvimento”.
A empresa LÓTUS argumenta, no texto do projeto CRIAR, que,
Com a integração econômica e a velocidade das mudanças tecnológicas,
tornou-se crucial para o País promover uma acelerada elevação do nível de
escolaridade da sua mão-de-obra. Obviamente, este objetivo está
hierarquicamente subordinado à garantia do acesso à educação básica
como condição mínima e indispensável para o exercício pleno da cidadania.
(PROJETO CRIAR, 2000).
A elevação do nível de escolaridade da sua mão-de-obra, como exigência das
mudanças tecnológicas, é um argumento forte da empresa, que demonstra buscar o
retorno de suas ações de responsabilidade social, para os seus próprios interesses
mercantilistas.
A empresa apresenta no seu discurso um reducionismo conceitual em relação
ao exercício pleno da cidadania, ignorando que, segundo Candau,
[...] o reconhecimento e a realização ampla de todos os direitos supõe,
certamente, indivíduos cidadãos, vivendo numa sociedade onde haja
redistribuição econômica, tendo acesso e direito a viver em condições
condignas de existência, condizentes com o exercício pleno da cidadania:
renda suficiente que remunere seu trabalho para viver com dignidade,
acesso à educação, aos serviços básicos de assistência e prevenção à
saúde, transporte, lazer, etc. Supõe também a coexistência e o respeito à
diferença e às múltiplas identidades culturais. (CANDAU 2002, p.54).
Conclui-se que há uma ênfase, no discurso da empresa, na superioridade do
mercado na coordenação das atividades humanas, especialmente na educação.
D) O INVESTIMENTO EM ARTE E CULTURA
Investimento em arte e cultura apresenta uma diversidade de dimensões.
Cultura e arte possuem a força de criar e recriar sentimentos pelas reações
que provocam e têm o poder de transformar o homem à vista das emoções que
desperta. A cultura e a arte são infinitamente amplas, trafegam do popular ao
erudito, do adulto ao infantil, do intrincado ao mais simples significado. Seu alcance
89
e seus reflexos são visíveis nas sociedades em que os indivíduos m maior contato
com elas. Ribenboim (2003, p.125) enfatiza que um povo que tem acesso à arte e à
cultura possui maior auto-estima, maior conhecimento do mundo que o cerca e
maior entendimento do seu papel social e individual.
As empresas privadas, por sua vez, perceberam que, ao associarem sua
marca e seu trabalho à cultura, agregam valor a estes, contribuindo também para a
formação de uma sociedade melhor. Segundo o autor, aos poucos, o empresariado
compreende que, mais do que uma operação contábil bastante rentável, pois, em
cultura, com muito pouco é possível fazer bastante o investimento cultural
consistente aparece em longo prazo, refletindo muito mais nos índices de mudança
social que no retorno do volume aplicado.
Como compreender a perspectiva das empresas, no âmbito das ações
culturais, é uma questão importante que surge no cenário atual. Um primeiro passo
seria o estabelecimento de políticas de atuação cultural bem fundamentadas, em
que as organizações possam dar suporte a projetos socioculturais, promovendo
verdadeira ação educacional para a capacitação do cidadão.
Se a ação política, verdadeiramente cidadã, é aquela que é pautada pela
diversidade, deve haver uma força regulamentadora que garanta a todos o acesso
também à cidadania cultural, que, segundo Chauí (1995, p.23), seria: direito de
acesso e de fruição dos bens culturais, direito à criação cultural, direito a
reconhecer-se como sujeito cultural (no sentido mais amplo do termo) e direito à
participação nas decisões públicas sobre cultura”.
Corre-se o risco de trocar, impunemente, a categoria de cidadão pela de
consumidor e de se acreditar que os direitos assegurados pela nossa Constituição
são exclusividade daqueles que pagam por ela”. (SANTOS, 1996, p.32)
O investimento da iniciativa privada em ações culturais, por meio de
incentivos fiscais, é uma forma de partilhar com o poder público a responsabilidade e
o compromisso de atender, pelo menos em parte, à imensa demanda cultural
existente no Brasil.
Nesse sentido, as leis de incentivo à cultura abriram grandes possibilidades
para a parceria Estado/empresas/sociedade, convertendo o que antes eram apenas
ações isoladas, muitas vezes de cunho assistencialista, em projetos consistentes.
90
D.1) HISTÓRICO DO PROJETO CRIAR
Para proceder a uma análise do papel do investimento em educação e cultura
pelo prisma do discurso da empresa LÓTUS, optou-se por conhecer o histórico do
Projeto CRIAR, a sua concepção, objetivos e estratégias de implementação.
Conforme documento da empresa, para formatar o projeto, que teve seu
embrião lançado no ano de 99, a equipe de comunicação realizou benchmarking”
10
em duas empresas, situadas em outros municípios do Estado, para conhecer os
trabalhos que realizavam nas áreas de educação e cultura em suas comunidades.
Foram realizadas visitas às unidades para norteamento das idéias da equipe sobre a
abordagem que poderia ser desenvolvida nas comunidades onde a empresa LÓTUS
instalou uma de suas fábricas.
Segundo descrição do projeto, após o delineamento das idéias que poderiam
ser adequadas às comunidades locais, balizada pela meta de relacionamento com a
comunidade, com foco em educação e meio ambiente, a área de Desenvolvimento
Organizacional e Comunicação começou a buscar alternativas viáveis, para
implantação do projeto CRIAR, conforme descrição a seguir, contida no texto original
do referido projeto.
A princípio, imaginávamos a possibilidade da adoção de uma escola em
cada cidade, uma alternativa simples e assistencialista. Então, decidimos
buscar a opinião das diretoras das escolas públicas de dois municípios e
percebemos que o caminho a seguir não era esse. Precisávamos
desenvolver um projeto que tivesse o respaldo da comunidade escolar e
também que fosse adequado à realidade local, beneficiando o maior
número possível de alunos e não restrito a apenas uma escola.
Refletimos a respeito de todas as vertentes de que tínhamos conhecimento
e escrevemos um anteprojeto, que obteve aprovação da Diretoria da
empresa, para ser encaminhado. (PROJETO CRIAR, 2000).
Segundo o documento, definiu-se pela atuação em quatro frentes, com base
nas necessidades levantadas e nos recursos disponíveis. Assim, foram definidos os
pilares do Projeto CRIAR, que se concentram em: Capacitação de professores,
Educando com arte, Infra-estrutura na escola e Mobilização Comunitária.
O texto diz que, em seguida, o projeto foi detalhado para implantação, tendo
10
BENCHMARKING é o processo utilizado por empresas para: a) descobrir o que comparar; b)
identificar um padrão de excelência; c) determinar que métodos ou processos produzem esses
resultados e d) decidir fazer as mudanças ou melhorias da própria maneira de fazer negócios, a fim
de igualar ou suplantar o padrão de referência de mercado, criando um novo padrão de excelência.
(Fonte: SEBRAE-MG)
91
como objetivo básico uma política de relacionamento com a comunidade, que
consiste em: Orientar e regular os programas/projetos de relacionamento da
empresa com a comunidade, de modo a fixar e preservar sua imagem institucional
atendendo aos princípios éticos, morais e de responsabilidade social”. (PROJETO
CRIAR, 2000).
O discurso mostra mais uma contradição, se for observado minuciosamente o
texto da empresa que propõe como objetivo básico uma política de relacionamento
com a comunidade, atendendo aos princípios éticos e morais de responsabilidade
social. Porém, no mesmo texto, a empresa diz que esse objetivo consiste em
orientar e regular programas/projetos, de modo a fixar e preservar a imagem
institucional, o que deixa transparecer uma postura autoritária da empresa, do seu
lugar de poder de decisão no relacionamento com a comunidade e, mais ainda, a
atitude estratégica de busca de visibilidade social da imagem.
A ideologia da responsabilidade social e a imagem fixada e preservada
estariam coerentes com os propalados princípios éticos e morais contidos no
discurso?
Conforme descrição relativa à elaboração dos programas constantes dessa
política de relacionamento com a comunidade, percebe-se uma estrutura
operacional muito abrangente e com a gestão centralizada na própria empresa.
Definição do foco de atuação da empresa em temas que ratifiquem a
postura de responsabilidade social como: educação, saúde, meio ambiente
e cultura.
Definição do objetivo: descrição específica do projeto e resultados
esperados.
Abrangência: comunidade interna, parceiros de negócios, comunidade
local e sociedade
Plano de ação
Recursos financeiros e físicos aplicados
Avaliação de resultados alcançados. (PROJETO CRIAR, 2000).
Com referência aos Incentivos Fiscais, o texto do projeto enfatiza que:
Prioritariamente, as empresas deverão utilizar os incentivos fiscais previstos
na legislação. A corporação, através da área responsável pelo planejamento
tributário, deverá analisar e recomendar as propostas encaminhadas pelas
empresas bem como desenvolver novas alternativas, considerando a
utilização de incentivos fiscais. (PROJETO CRIAR).
O documento diz que, para assegurar a qualidade de escolha e
92
desenvolvimento de projetos, foram definidas responsabilidades internas à empresa,
da seguinte forma:
Gerência Geral (proponente): Através da Gerência de Desenvolvimento
Organizacional, desenvolver os programas/projetos, de acordo com a
estrutura prevista na política empresarial; apontar utilização de incentivos
fiscais; elaborar a previsão orçamentária e acompanhar a implementação e
avaliação.
Gerência Geral de Desenvolvimento Organizacional/Consultoria de
Comunicação: assessorar tecnicamente o desenvolvimento dos
programas/projetos; avaliar conteúdos; indicar alternativas para alcance dos
objetivos propostos e acompanhar a implementação e avaliação.
Cabe à Diretoria da Empresa aprovar individualmente os programas/
projetos recomendados.
É de responsabilidade da Diretoria Corporativa a aprovação do valor total e
a determinação das áreas prioritárias para aplicação em conjunto com o
Diretor Superintendente da Empresa. (PROJETO CRIAR, 2000).
O projeto contempla, ainda, a definição de papéis e responsabilidades, no
âmbito da comunidade escolar:
Secretaria Municipal de Educação: Garantir que o projeto atinja o blico-
alvo desejado, facilitando trâmites e promovendo o comprometimento da
comunidade escolar.
Diretoras de Escolas: Abrir as portas das escolas, facilitando a participação
do corpo docente e dos multiplicadores nos trabalhos propostos no projeto.
Docentes: Repassar o conhecimento adquirido para os alunos, fomentando
o crescimento do projeto e a disseminação do conhecimento. Fornecer
relatórios dos resultados dos trabalhos.
Alunos multiplicadores: Unir-se ao corpo docente para repassar o
conhecimento a todos os alunos a serem atingidos pelo projeto. (PROJETO
CRIAR, 2000).
O texto do Projeto CRIAR que se refere à definição dos papéis e
responsabilidades, demonstra uma contradição no discurso da empresa, diante da
sua declarada política de relacionamento com a comunidade, que seria legitimado,
no exercício de um trabalho compartilhado e de escuta das reais demandas locais.
Mas o que se identifica é um enunciado de cunho autoritário, em que todas as
definições sobre projetos a serem incentivados cabem às gerências da empresa,
‘sobrando’ para a comunidade educacional tarefas desniveladas, como as
relacionadas à logística para realização das ações, mobilização, bem como
multiplicação e manutenção dos trabalhos realizados no Projeto CRIAR. Essa é a
forma de parceria implícita na fala da empresa.
A ideologia da responsabilidade social ultrapassa as fronteiras do discurso
hegemônico da importância da ética na condução das ações, situando-se em um
93
contexto de relações de poder, envolvendo dominação e subordinação, e apologia
às ações sociais, de caráter meramente compensatório.
A conceituação do projeto é justificada pelo discurso da empresa LÓTUS, que
se declara ciente de sua responsabilidade social e comprometida com o
desenvolvimento do seu papel, através de projetos com enfoque em educação, para
capacitar as comunidades na busca da melhoria da qualidade de ensino. A empresa
se concentra na busca de recursos e parcerias que suportem a condução desse
projeto”, segundo sua descrição textual.
Supõe-se que a “busca de recursos e parcerias que suportem a condução do
projeto” deve significar, na fala dos elaboradores, o encaminhamento pela via do
incentivo fiscal.
Incentivos fiscais são estímulos criados pelos governos para impulsionar
determinados setores da atividade econômica. Segundo Cesnik,
[...] isto constitui um mecanismo moderno, criado para os moldes do Estado
Liberal, em que o governo interage com a iniciativa privada, desenvolvendo
uma verdadeira “parceria”, no intuito de estimular determinado segmento,
normalmente deficiente e estratégico, para a estruturação do Estado.
(CESNIK 2003, p.99).
A cultura pertence a um desses setores que necessitam de estímulo
governamental para conseguir impulso e espaço na sociedade.
A Constituição de 1988 define três papéis distintos do Estado como agente na
Ordem Econômica Nacional: fiscalizador, incentivador e planejador. Essas funções
distintas do Estado aparecem num plano de multilateralidade, sem se caracterizar
como ingerência estatal na economia e diferencia-se do Estado Totalitário, que
mantém a unilateralidade como regra da sua gestão”, enfatiza Cesnik.
Ao contrário, o modelo brasileiro de Estado está fundado na livre iniciativa,
conforme preceitua o caput do artigo 170 da nossa Carta Magna, sendo atribuição
do Estado o papel de estímulo às ações privadas, prevendo e incentivando o lucro
das empresas. É seu papel, também, reprimir os abusos.
Modernamente, os Direitos Público e Social Comparados têm optado, como
marca de seu avanço, pela ‘negociação’, o que se apresenta como uma forma de
democracia participativa, de parceria.
94
O incentivo fiscal é a mais moderada forma de presença do Estado na
economia, exatamente porque o é impositiva, unilateral, mas exige
acordo de vontades, do incentivador e do incentivado, acordo gerador de
situação jurídica subjetivada. (FERREIRA, p. 2003).
Caracterizado o incentivo fiscal, uma dúvida que surge na discussão do
incentivo público é a relação existente entre a Lei de Incentivo à Cultura e a Lei de
Responsabilidade Fiscal. Cesnik (2003, p.100) esclarece que a Lei de
Responsabilidade Fiscal estabelece que não só as despesas, mas também as
renúncias fiscais, somente poderão ser instituídas a partir da existência de
arrecadação que as comporte. A existência de benefícios fiscais passa a depender
de uma estimativa do impacto orçamentário financeiro no exercício em que se inicia
a vigência da renúncia e nos seguintes, atendendo ao disposto na Lei de Diretrizes
Orçamentárias.
A questão dos mecanismos de financiamento à cultura no Brasil vem
ocupando, a partir da década de 80, lugar de destaque no debate sobre as políticas
culturais. A ênfase nessa questão reflete a busca de alternativas ao papel até então
desempenhado pelo Estado, no patrocínio à cultura e às artes no país. Essa
tendência acompanha o movimento mundial ocorrido nessa década de minimização
do papel do Estado e dos seus encargos financeiros, motivada pela crise econômica
mundial, bem como pela propagação do ideário neoliberal, que leva os governos a
cortar o financiamento para as áreas sociais, entre elas a cultura.
As soluções encontradas privilegiam o modelo de financiamento que se
baseia na isenção fiscal e no patrocínio privado a projetos culturais oriundos da
sociedade. Esse modelo pressupõe uma parceria entre os três principais atores
sociais envolvidos: Estado, sociedade (produtores culturais e artistas) e mercado,
este representado pelas empresas patrocinadoras.
Ao Estado cabe a delimitação das normas que regerão os mecanismos de
incentivos fiscais, com a definição de percentuais de desconto sobre os impostos e o
teto de incentivo das empresas, responsabilizando-se, portanto, pela sinalização,
para a sociedade e para o mercado, das condições e prioridades da produção
cultural por meio da aprovação dos projetos que conformam a demanda cultural da
sociedade.
95
Criadas para se tornarem ponte estratégica entre o setor privado e a cultura,
consideradas uma área de alto interesse estratégico para o
desenvolvimento social, as leis de incentivo foram comemoradas por ser
uma via possível frente ao desmanche do setor, promovido pela Era Collor.
(BRANT, 2003, p.10).
Brant provoca uma reflexão sobre o tema, dizendo que parecia razoável a
existência de um dispositivo que pudesse encontrar interseção de interesse entre a
política pública e o capital, em benefício da sociedade, mas o governo teria de
exercer sua função constitucional de planejador, regulador e fiscalizador da
sociedade, implementando uma política capaz de separar o joio do trigo, listando
projetos considerados de interesse público”.
A recente história das leis mostra um quadro bastante diferente disso,
restringindo os benefícios a produtos e eventos artísticos, o que limita o
entendimento da cultura à sua parte mais efêmera e menos importante no
cumprimento do processo de desenvolvimento cultural do país.
O autor denuncia que, por meio desses dispositivos, “permite-se que toda
sorte de projetos sem qualquer vínculo com o interesse público receba o ‘aval’ do
Estado, prontos para seguir seu caminho natural de acasalamento com o setor
privado”, e isso tem permitido que apenas projetos de maior apelo mercadológico
despertem interesse para incentivos empresariais.
Conclui-se que a lógica que move o sistema de incentivos é perversa, pois
permite que empresas recebam apoio do governo para transformar ações culturais
em marketing empresarial, contrariando um importante movimento universal em
repúdio ao controle da cultura pelas grandes marcas.
O Projeto CRIAR, como explicitado anteriormente, integra as ações
socialmente responsáveis da Empresa LÓTUS, cujos projetos artístico-culturais por
ela incentivados se apoiaram na Lei de Incentivo à Cultura do Estado de Minas
Gerais.
A primeira legislação fiscal criada pelo Poder Público para incentivar
empresários a investir em cultura foi a Lei Federal 7.505, mais conhecida como
Lei Sarney. Sancionada em 02 de julho de 1986 e regulamentada em 03 de outubro
do mesmo ano, constituiu-se na mais importante conquista do Fórum Nacional de
Secretários da Cultura, depois da instalação do Ministério da Cultura, em 1985.
Mecanismo de financiamento das atividades culturais, por meio da concessão de
incentivos fiscais ao contribuinte de Imposto de Renda que decidisse incentivar
96
projetos culturais, através de doação, patrocínio ou investimento, segundo
diagnóstico de investimentos em cultura, realizado em 1998, pela Fundação João
Pinheiro, apesar de muitas imperfeições, a Lei Sarney foi fundamental para o
processo de reaquecimento cultural do País, particularmente de 1986 a 1989,
período de sua existência”. Foi revogada pela Medida Provisória 161, em março de
1990, no início do governo do Presidente Fernando Collor. Num cenário de
agravamento da situação econômica, a fusão do Ministério da Cultura nas diversas
fundações culturais, aliada à ausência de qualquer tipo de incentivo, provocou grave
crise no universo da produção cultural brasileira. Como conseqüência dessa
situação, a maioria das empresas incentivadoras cancelou ou reduziu os seus
patrocínios a projetos culturais.
O segmento da produção cultural, valendo-se da experiência acumulada, de
seus erros e acertos, articula-se para a aprovação de mecanismos de incentivo à
cultura, o que ocorreu inicialmente no município de São Paulo, com a criação da Lei
10.923/90, intitulada Lei Marcos Mendonça. Sancionada em 1991, pela prefeita
Luiza Erundina, constituiu medida pioneira e modelar, permitindo a dedução do
Imposto sobre a Propriedade Territorial e Urbana (IPTU) e do Imposto sobre
Serviços (ISS) para quem aplicasse recursos na área da cultura. A Lei Mendonça
teve seu modelo de funcionamento adotado por todas as leis de incentivo à cultura
que vieram a partir de então, nos âmbitos municipais e estaduais.
A dinâmica moderna das leis de incentivo espautada na existência de três
elementos essenciais: o produtor cultural (empreendedor ou proponente) que
apresenta sua demanda/projeto ao Estado; o Estado, que avalia, aprova e concede
o incentivo e, ainda, fiscaliza a execução do projeto e aplicação dos recursos; a
empresa investidora que, informada do(s) projeto(s) aprovado(s), escolhe aquele(s)
do seu interesse. O passo seguinte é a transferência dos recursos para o produtor
ou empreendedor cultural, que passa a gerenciar os recursos dos benefícios fiscais
concedidos pelo estado, na execução das ações previstas em planilha aprovada na
lei. Um dos critérios de escolha do(s) projeto(s) pela empresa é a possibilidade de
retorno para a sua marca, no seu período de realização.
Valendo-se dessa fórmula, foram criadas, no âmbito federal, a Lei Rouanet
(Lei 8.313/91) e a Lei do Audiovisual (Lei 8.685/93), entre outras.
Posteriormente, seguindo o mesmo mecanismo das anteriores, com algumas
adaptações, foram criadas as leis de incentivo à cultura pelos estados e municípios.
97
Em Minas, está em vigor a Lei de Incentivo à Cultura de Minas Gerais, 12
733, instituída em 30 de dezembro de 1997, regulamentada no Decreto 40.851, de
30 de dezembro de 1999, e modificada pela Lei 13.665, de 20 de julho de 2000. Os
decretos 41 124/00 e 41 289/00 regulamentaram as novas alterações.
O incentivo ao setor cultural do estado, a partir dessa legislação, advém do
ICMS (Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre
Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação), na seguinte condição: o contribuinte que apoiar financeiramente um
projeto cultural poderá deduzir do imposto devido a80% do valor repassado ao
projeto. O abatimento será efetuado a cada mês e não poderá exceder a 3% do
valor do ICMS a ser pago no período, até atingir o montante dos recursos dedutíveis.
Atingido o limite previsto na lei, o projeto cultural aprovado deverá aguardar o
próximo exercício fiscal para receber o incentivo.
O artigo enfatiza que somente poderão ser beneficiados pelos incentivos
desta lei os projetos culturais que visem à exibição, à utilização ou à circulação
públicas de bens culturais, sendo vedada concessão de incentivo a projeto
destinado ou restrito a circuitos privados ou coleções particulares.
A Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais disponibiliza, anualmente,
o edital contendo os requisitos e as condições exigidas do empreendedor para
candidatar-se aos benefícios desta lei, orientações necessárias para a apresentação
de projetos, bem como diretrizes para execução do projeto e as exigências para a
prestação de contas, que tem o prazo de um ano, após a aprovação, para
apresentação ao Estado.
Na hipótese do artigo 32, do Decreto 43.615/2003 MG, qualquer pessoa
jurídica interessada poderá figurar como incentivador, desde que apóie
financeiramente projeto artístico cultural incentivado, oferecendo como participação
própria, no mínimo, 20% do total dos recursos destinados ao projeto, e que
apresente documentação exigida pela Secretaria de Estado da Fazenda.
A particularidade dessa legislação, comparada a outros mecanismos de
incentivo, é que ela admite como incentivador o contribuinte devedor do ICMS, que
se encontra no cadastro da dívida ativa do Estado.
A empresa cujo débito estiver inscrito na dívida ativa poderá quitá-lo com 25%
de desconto, desde que apóie financeiramente projeto cultural, previamente
98
aprovado pela CETAP
11
(Comissão Técnica de Análise de Projetos), repassando ao
empreendedor o valor correspondente a 18,75% da sua dívida total, em número de
parcelas fixadas pela CETAP, de acordo com as necessidades do projeto. O
restante, que corresponde a 56,25%, deverá ser pago à Secretaria de Estado da
Fazenda que, por meio de negociação, estabelecerá o parcelamento máximo
possível.
Esta inovação amplia consideravelmente os recursos destinados aos projetos
culturais e não se sujeita aos editais anuais da Lei de Incentivo, podendo ser os
projetos apresentados entre os dias 1º e 10 de cada s. Entretanto, como a
relação das empresas inscritas no cadastro da dívida ativa do Estado não pode ser
divulgada pela Secretaria de Estado da Fazenda, por questões relativas ao sigilo
fiscal, os empreendedores se vêem em dificuldades para captar recursos, pela falta
de identificação de empresas que podem regularizar sua situação via utilização da
lei.
Em ambas as modalidades de incentivo ICMS corrente e dívida ativa - pelo
menos 20% do valor incentivado deve corresponder à participação própria do
patrocinador.
Esta contrapartida deve ser efetivada em moeda corrente, fornecimento de
mercadorias, prestação de serviços ou cessão de uso de imóvel, desde que
necessários à realização do projeto, conforme entendimentos entre empreendedor
cultural e empresa patrocinadora.
Ressalte-se que a contrapartida corresponde à taxa de co-responsabilidade
empresarial, que representa um acréscimo de recursos privados para as atividades
artístico-culturais.
Percebe-se que a obrigatoriedade de desembolso de recursos próprios força
as empresas a planejarem e avaliarem a importância de investimento em cultura
como uma estratégia de marketing
12
, com grande potencial de retorno.
11
A CETAP, independente e autônoma, é formada por nove representantes do Sistema Estadual de
Cultura e por nove entidades culturais estaduais diversas. Os membros da Comissão são indicados
por suas respectivas instituições e nomeados pelo Secretário de Estado da cultura para um
mandato de dois anos, com as atribuições de elaborar o edital que determina as normas para
realização do concurso, como a data-limite para entrega dos projetos, os critérios técnicos segundo
os quais estes serão julgados e outras diretrizes essenciais ao processo de utilização da Lei de
Incentivo à Cultura.
12
MARKETING é um sistema total de atividades de negócios desenvolvidas para planejar, dar
preço, promover e distribuir produtos que satisfaçam os desejos dos mercados-alvo e atingir
objetivos organizacionais. (ETZEL; WALKER; STANTON. 2001).
99
Alguns críticos das leis de incentivo afirmam que elas existem para beneficiar
alguns poucos projetos das regiões Sul e Sudeste ou mesmo as mega-produções,
alijando da participação produtores que são mais carentes de recursos para
realização de suas atividades. Este é um tipo de comentário que carece de uma
visão mais ampla a respeito do incentivo cultural, embora seja claro o interesse
primordial da empresa na imagem da sua marca amplamente divulgada. Um fato
que freqüentemente ocorre é a indicação de locais para a realização dos projetos
nas comunidades próximas às unidades fabris das empresas, pois a empresa é que
determina os locais de realização dos projetos por ela incentivados, ficando a
maioria das regiões, onde não indústrias ou atividades empresariais de outras
naturezas, desprovidas de ações culturais.
O projeto CRIAR é parte de muitos projetos culturais incentivados pela
empresa LÓTUS, em todo o País, mas esse, especificamente, foi criado pela equipe
de Desenvolvimento Humano e Organizacional (DHO) de uma de suas unidades,
sendo que as atividades artísticas e culturais se concentram em apenas um
município, onde uma das fábricas da empresa está instalada.
E) POR QUE ARTE-EDUCAÇÃO?
Não seria inadequado supor que a empresa LÓTUS tenha optado por
incentivar projetos de Arte-educação em decorrência de alguns fatores
interdependentes, significativos e facilmente previsíveis: a grande abrangência das
ações culturais no universo da comunidade escolar; a rapidez de respostas dos
educadores, advindas de oficinas artísticas; o retorno para a empresa, da visibilidade
que a manifestação artística proporciona.
Afinal, a arte é um sistema simbólico de comunicação inter-humana e, do
ponto de vista sociológico, segundo Cândido (1995, p.33), pressupõe o jogo
permanente de relações entre obra ou manifestação artística, o autor e o público. O
público sentido e realidade à obra, sem ele o autor não se realiza. Transpondo
este pressuposto - sem preocupação com posição dos atores e rigor conceitual -
para o cenário da responsabilidade social empresarial, inter-relacionam-se, em torno
dos projetos culturais, formando uma tríade: as ações artísticas, os educadores
participantes e o projeto CRIAR, diante de uma perspectiva de transformação
sociocultural e de uma educação estética e multicultural.
100
Cândido (1995, p.242) considera a Arte como um poderoso instrumento de
instrução e educação, que entra nos currículos, sendo proposta a cada um como
equipamento intelectual e afetivo”. E complementa dizendo que os valores que a
sociedade preconiza, ou os que ela considera prejudiciais, estão presentes nas
diversas manifestações artísticas, seja na poesia, na dramatização, na música.
Pode-se concluir, então, que a Arte é uma rica fonte de reflexão, considerada como
forma de comunicação e expressão do mundo sentido e percebido, mas passível de
ser transformado pelo olhar estético do fruidor ou do criador em arte.
Numa abordagem sobre a Arte, na perspectiva da educação estética, Duarte
Jr. comenta que o modo de perceber, na experiência proporcionada pela Arte, é
distinto da percepção ordinária e cotidiana do indivíduo. O autor enfatiza que,
[...] na experiência estética, o indivíduo retorna a uma condição anterior à
percepção condicionada pelas relações conceituais forjadas pela
linguagem, retornando a uma primitiva e mágica visão do mundo. Nessa
perspectiva, entende-se que, na vida diária, interroga-se o ‘aparecer dos
objetos, segundo propósitos práticos, sua utilidade; na percepção estética
não é mais a intelecção que guia a percepção: a ‘verdadedo objeto reside
nele mesmo. Na percepção estética, o ‘ser’ do objeto é o seu aparecer.
(DUARTE JÚNIOR, 2002, p.91).
Em complementação às palavras de Cândido, que diz ser a arte [...]
poderoso instrumento de instrução e educação”, pode-se afirmar que a Arte é
poderoso canal de conexão com a experiência estética, à medida que proporciona o
envolvimento total do indivíduo com o objeto estético ou com o processo criador,
fazendo com que a sua consciência não mais apreenda segundo as regras da
realidade, mas ultrapasse a um relacionamento dos sistemas conceituais,
equilibrando-se, nessa experiência, as faculdades intelectivas e emocionais.
Lanier (2002, p.43) propõe “devolver a Arte à arte-educação”, ao mesmo
tempo que denuncia a fragmentação de idéias que impera no ensino da arte”, que,
segundo ele, “não é em si perniciosa, mas carece de um quadro conceitual coeso”.
Na busca de identificar idéias defendidas por arte-educadores, destacaram-se
alguns conceitos para a Arte-Educação, entre eles: criatividade, aptidão visual e
motora, arte-terapia, desenvolvimento intelectual, comunicação, atividades de lazer,
técnicas artísticas, relações interpessoais e educação estética.
Não há nenhuma razão constrangedora que suscite vidas ou negue que as
atividades de Arte na escola possam promover crescimentos pessoais,
101
independentemente do valor ou da resposta estética. Entretanto o que é mais
interessante sobre essa série de idéias é que apenas a última citada - a educação
estética – refere-se ao aprendizado da Arte e foi de interesse nesta pesquisa.
Segundo Lenier (2002, p.44), todas as outras idéias concernem, em sua maioria, ao
desenvolvimento de qualidades e características do indivíduo, sem estar
necessariamente relacionadas com arte ou mesmo com experiência estética”. Na
tentativa de traduzir a premissa do autor, a maioria das idéias ou conceitos que
visam fornecer uma direção curricular para a área não reflete as contribuições
específicas da Arte-educação, benefícios que nenhuma outra área de estudo pode
oferecer à educação.
O autor chama atenção para outro prisma desta questão, apontando para o
direcionamento dos programas de Arte-educação que utilizam a Arte como meio de
clarificar os modos pelos quais o mundo social, o econômico e o político atuam e
como isso pode ser incrementado. Segundo o autor, isso significa, naturalmente, a
arte a serviço da responsabilidade social”, idéia que ele defende, mesmo convencido
de que é um esforço quase inútil”. Ele insiste que todos aqueles aspectos
anteriormente citados não deveriam ser o foco para o professor de artes e que a sua
principal referência deveria ser o progresso no domínio dos procedimentos estético-
visuais e enfatiza que a sua proposta é, de fato, devolver a Arte à Arte-educação.
Supõe-se que este conceito central é tanto viável, quanto desejável, e que
arte-educadores poderiam trabalhar para esse fim.
Torna-se oportuno esclarecer que a experiência estética em geral, incluindo
um de seus aspectos particulares, a experiência estética visual, é desfrutada pelo
indivíduo antes que ele entre para a escola. Portanto o professor não a introduz para
os alunos, mas estimula a partir de algo que eles já têm. Nessa perspectiva, LENIER
(2002, p.46) salienta que as artes plásticas, além de outros estímulos, provocam a
experiência estético-visual e devem incluir mais que técnicas com papel e tinta e
explorar outras linguagens expressivas, por exemplo relacionadas à cultura popular,
ao artesanato, e em particular à mídia eletrônica, como cinema e televisão. Outro
aspecto questionável a que o autor se refere como não sendo, necessariamente, a
maneira mais eficaz de promover o crescimento, em extensão e qualidade, da
experiência estética é a produção de Arte de ateliê. Ele enfatiza que apenas o
indivíduo que está adequadamente informado sobre a natureza da experiência
estética pode ampliar com certa facilidade o âmbito e a qualidade dessa
102
experiência”. Portanto os currículos de Arte-educação deveriam estar concentrados
na educação estética. No entanto “educação estética” é um termo aplicado, muitas
vezes, impropriamente, uma vez que não se trata da experiência estética do meio
ambiente imediato.
Lenier critica os termos usados em programas de Arte-educação, cujos
objetivos são, por exemplo, propiciar experiências estéticas àqueles que nunca as
tiveram” ou “criar nos indivíduos uma experiência estética” ou, ainda, “desenvolver
um indivíduo esteticamente perceptivo e responsivo”. Em contraponto, o conceito
central defendido pelo autor emprega o termo “ampliar”, considerando que todas as
pessoas têm, efetivamente, uma experiência estética, mesmo sem ter tido um curso
de apreciação artística.
Partindo dessa perspectiva, a abordagem da experiência estética ou
alfabetização estética - como querem alguns autores, como Ana Mae Barbosa -
aproxima-se da abordagem multicultural, que se associa à estética do cotidiano
como uma fonte de referência cultural, explorada por arte-educadores, inclusive
no meio rural, sendo denominada de estética interiorana. Significa, por exemplo,
uma forma de valorizar os modos de viver, a forma de relação estética com os
objetos domésticos e com o conceito particular do belo, livres de conceitos
impregnados por códigos estéticos dominantes. Inclui nessa noção a própria idéia de
multiculturalismo, que propõe o respeito às diferenças sociais e à diversidade
cultural, presentes nas manifestações culturais populares que abrangem uma
variada gama de linguagens artísticas.
As práticas pedagógicas podem ser conduzidas por diferentes caminhos,
conforme o entendimento e a apropriação que cada professor tem acerca do termo
“multicultural”.
O compromisso com a diversidade cultural ganha ênfase na Arte-educação
pós-moderna e grande importância tem sido dada aos projetos que
demonstram o mesmo valor apreciativo pela produção erudita e pela
produção do povo, possibilitando o estabelecimento da relação entre cultura
da escola e cultura da comunidade. (BARBOSA, 1998).
A Arte-educação tende a cumprir um papel muito importante nas relações
sociais e educacionais, podendo ser também esta uma razão plausível para a
escolha de projetos alicerçados na Arte-educação, pela empresa LÓTUS, com o
sentido de fomentar ações culturais na comunidade, via educação escolar, dado o
103
seu potencial de mobilização e multiplicação.
E.1) AS FINALIDADES DO PROJETO CRIAR
Conforme documento que fundamenta o projeto CRIAR, foram realizados
encontros com representantes das unidades escolares do município onde se instala
a empresa LÓTUS, com o objetivo de conhecer as expectativas e realidades das
escolas, tendo sido registradas as principais questões apontadas pelas
comunidades escolares: Necessidade de atualização em novas tecnologias de
ensino; Atividades dicas, esportivas e culturais; Necessidade de aproximação com
os pais; Melhoria da infra-estrutura física.
Segundo o texto da empresa, as necessidades indicadas pelos educadores
serviram de referencial na definição de quatro pilares básicos e seus respectivos
objetivos, para atuação junto à comunidade escolar, que se resumem em:
1. CAPACITAÇÃO DOS PROFESSORES
Aperfeiçoamento do ensino público através de parcerias com instituições de
capacitação acadêmica. Consiste na capacitação dos professores das
escolas públicas com as novas tecnologias de ensino.
OBJETIVO: Contribuir com a reciclagem dos professores, propiciando um
melhoramento no nível da qualidade de ensino.
2. EDUCANDO COM ARTE
Levar atividades culturais e lúdicas para as escolas, buscando
oportunidades para a comunidade escolar, focando também a capacitação
dos professores, alunos e a formação de multiplicadores. Todo o trabalho
será desenvolvido através de oficinas culturais.
OBJETIVO: Colaborar para o aprendizado dos alunos e professores,
propiciando um crescimento pessoal e cultural.
3. CONSTRUINDO NOSSA ESCOLA
Promover melhorias na infra-estrutura das escolas públicas com maior
carência e maior número de alunos, promovendo um ambiente mais
adequado ao aprendizado dos alunos.
OBJETIVO: Melhorar as condições da escola, promovendo um ambiente
mais adequado ao aprendizado dos alunos.
4. MOBILIZAÇÃO COMUNITÁRIA
Consiste em replicar nestas comunidades o Canal Futura e aproveitar a
metodologia para desenvolver trabalho de mobilização comunitária e
capacitação, utilizando vídeos.
OBJETIVOS: Aumentar o nível de informação da comunidade escolar e
disseminar programas educativos. (PROJETO CRIAR, 2000).
O pilar 2 - Educando com Arte - foi destacado como alvo de interesse na
pesquisa, por estar a ele relacionado o programa de Arte-educação desenvolvido
nas escolas.
A empresa LÓTUS, por meio do seu programa de responsabilidade social,
104
decidiu incentivar projetos compostos por oficinas de Arte-educação, para garantir o
suporte ao pilar Educando com arte”, que, conforme consta no texto fundador do
projeto CRIAR, tem como objetivo,
Colaborar para o aprendizado dos alunos e professores, propiciando um
crescimento pessoal e cultural”, por meio de “atividades culturais e lúdicas,
buscando oportunidades para a comunidade escolar, focando também a
capacitação dos professores, alunos e a formação de multiplicadores.
(PROJETO CRIAR, 2000).
O texto enfatiza ainda que todo o trabalho será desenvolvido através de
oficinas culturais”.
A seguir, será esclarecedora uma explanação sobre os projetos artístico-
culturais que incorporaram o Projeto CRIAR, objeto de análise da presente pesquisa.
F) A IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO CRIAR
Os projetos patrocinados pela empresa LÓTUS, beneficiada pelas
prerrogativas da Lei de Incentivo à Cultura do Estado de Minas Gerais, no ciclo
compreendido entre junho de 2003 a junho de 2005, ofereceram diversas
modalidades de expressões artísticas às escolas públicas do município onde operam
algumas fábricas da empresa.
Nesse período, foram realizadas oficinas de artes integradas, incluindo as
linguagens do teatro, das artes visuais, da literatura, da dança e de bonecos e,
também, shows culturais e exposições. Os grupos artísticos, coordenados por
empreendedor cultural ou proponente de projeto, assumiram a responsabilidade
pelas oficinas culturais destinadas às comunidades escolares. Os shows abertos
para um público mais amplo tiveram como finalidade abranger não somente as
escolas, mas também toda a comunidade e, principalmente, dar visibilidade social ao
Projeto CRIAR, de responsabilidade social da empresa LÓTUS.
Os projetos patrocinados se compuseram de Caravana poética: (Projetos de
Artes Integradas, criação e expressão poética para educadores - brinquedos
cantados e contação de histórias para crianças e adolescentes); Arte na Infância
(Desenho oficinas com crianças e adolescentes); Andante (Teatro e máscaras
oficinas para educadores); Patati & Pata (teatro de boneco oficinas para
educadores); Aruanda (dança oficinas para educadores e adolescentes); Uakti
105
(percussão – oficinas para educadores e adolescentes).
Programados para serem a culminância de algumas oficinas, os shows foram
realizados pelos mesmos empreendedores culturais ou grupos artísticos que as
ministraram, sendo eles: “Poemas Musicados” e lançamento de CD Cantora Ana
Cristina; “Aruanda” Grupo de Danças Folclóricas; “Musiclown” e “Olímpia” Grupo
Andante; Patati & Patatá – Teatro de bonecos e “Uakti” – Grupo de percussão.
A empresa LÓTUS contratou consultores da área de gestão e Arte-educação
para acompanhar e orientar as escolas na implementação dos projetos e ministrar
um curso de gestão pedagógica participativa, denominado “Caminho de luzes e
pedras”, que contemplou conceitos de liderança, fortalecimento de equipes e, ainda,
diagnóstico, planejamento, metodologia de desenvolvimento de projetos e avaliação
de resultados. O objetivo proposto pela empresa LÓTUS era que o programa de
gestão pudesse assegurar a melhor aplicação das ações do projeto CRIAR nas
escolas, de forma sistematizada, para cumprir os seus objetivos de melhorar a
qualidade da educação, conforme informações da coordenadora da área de
comunicação da empresa. Para tanto, segundo a informante, o programa de gestão
participativa antecedeu às oficinas culturais, com a realização de cursos, e
continuou, através do acompanhamento da consultoria aos educadores, nas suas
escolas.
F.1) A INSERÇÃO DAS ESCOLAS NO PROJETO CRIAR
Conforme informações adquiridas in loco, junto à área de comunicação
empresarial da empresa LÓTUS, identificaram-se os procedimentos para
implantação dos projetos incentivados pela empresa, que comporiam as ações do
projeto CRIAR.
Inicialmente, foi realizado um encontro com aproximadamente 200
representantes das 20 escolas públicas municipais e estaduais do município,
com a finalidade de comunicar formalmente a proposta de responsabilidade social
da empresa, destacando o projeto CRIAR, que abrigaria ações direcionadas às
escolas, conforme seu conceito e objetivos.
Este encontro teve como objetivo também aplicar um questionário, cuja
análise foi balizada por critérios previamente determinados para selecionar 10
escolas que viriam a fazer parte de todas as atividades do projeto CRIAR.
106
Indagada sobre a razão de tal seleção, que significaria a exclusão da metade
das escolas do município, a representante da empresa argumentou que a idéia era
fazer um projeto piloto e que, no ano seguinte, entraria uma nova escola, a
completar a inclusão de todas as outras”.
Analisados os questionários, com referência nos critérios adotados, foram
identificadas as 10 escolas, cujos educadores passariam a participar de um
programa composto por oficinas culturais e artísticas, bem como por atividades
programadas para os alunos.
Conforme informações de representante da Secretaria Municipal de Educação
e Cultura (SEMEC), a referida seleção gerou descontentamento nos educadores
“excluídos”, que “sentiram-se injustiçados, diante do desejo e necessidade de
participação no projeto”, e, segundo depoimento, tais sentimentos continuaram
perdurando nas escolas.
Apesar de o processo de seleção e de os critérios terem sido esclarecidos a
todos os educadores, conclui-se que não houve um procedimento democrático, e
que não ficaram claras as razões para a empresa “desnivelar” o acesso à
oportunidade de participação nas atividades culturais por ela incentivadas.
Por iniciativa da empresa LÓTUS, uma parceria foi constituída entre a
Secretaria Municipal de Educação e Cultura e o Setor de Comunicação Empresarial
da empresa, com apoio de consultoria gerencial e artístico-pedagógica contratada
pela empresa LÓTUS, para elaboração do cronograma de implantação das ações,
bem como acompanhamento e orientação de procedimentos necessários à
operacionalização do projeto.
G) OS PROJETOS CULTURAIS INCENTIVADOS PELA EMPRESA LÓTUS
As propostas de trabalhos dos empreendedores culturais realizadas de junho
de 2003 a junho de 2005, período de referência para a pesquisa, consistem de
apresentações musicais e cênicas e oficinas de artes para educadores, que
contemplaram a dança, as artes plásticas, o teatro, a expressão poética, a
percussão musical, e, ainda, atividades do domínio multicultural direcionadas às
crianças, como “contação de histórias”, “brinquedos e brincadeiras”.
Através de contatos com os empreendedores culturais, chegou-se ao
conhecimento dos conteúdos dos projetos desenvolvidos junto às escolas
107
selecionadas pela empresa LÓTUS.
No conjunto dos projetos incentivados, verificou-se que quase todos foram
executados pelos próprios proponentes, ou por artistas e arte-educadores
especialmente contratados por aqueles, para coordenar oficinas relacionadas a um
domínio específico de conhecimento na área artística.
As propostas vivenciadas nas oficinas foram conduzidas com o objetivo de
serem reeditadas pelos educadores, junto aos seus alunos, em projetos temáticos
de interesse para o projeto pedagógico de cada escola.
Os projetos incentivados pela empresa LÓTUS, incorporados pelo Projeto
Criar, no período da pesquisa, foram: Caravana Poética várias oficinas, Aruanda
danças folclóricas, Arte na Infância oficina de desenho, Patati & Patateatro de
bonecos, Andante - Teatro de máscaras, e UAKTI musicalização e percussão,
descritos a seguir.
1) CARAVANA POÉTICA
Segundo Carol, a proponente do projeto Caravana Poética, o seu projeto
compõe-se de:
a) Poemas Musicados
Espetáculo musical que dá origem ao CD, doado a todas as escolas do
município, concebido, segundo a própria autora Carol, a partir de uma pesquisa de
músicas feitas com poemas de autores famosos da ngua portuguesa e musicados
por renomados compositores brasileiros. Revela a proponente:
Os professores, especialmente os de ensino médio e estudantes,
consideraram o espetáculo uma das coisas mais importantes da Caravana,
porque o aluno que tem resistência à poesia, ele se enxerga ouvindo
Cazuza e Renato Russo. E ele percebe que aquilo é poesia. É muito
interessante ver a cara de surpresa dos alunos, quando ficam sabendo que
Renato Russo musicou Camões. Camões é aquele autor que, se não
desconhecido, é aquela coisa que assusta aos estudantes.
Conforme palavras da empreendedora,
108
A partir daí pensei em um projeto mais amplo para incentivo à leitura. Então
o objetivo principal da Caravana é instigar as pessoas para que elas sejam
incentivadas a buscar a leitura, mais especificamente a poesia, que é o que
mais falta mesmo, no sentido de faltar mesmo. Não é deficiência não, é
falta. Principalmente nas escolas do interior. Quando há uma biblioteca, não
há material de poesia.
O projeto Caravana Poética, na concepção da empreendedora cultural,
proporcionou, à comunidade local, o acesso à poesia espalhada em varais que,
estendidos pelas praças principais da cidade, despertavam a atenção das pessoas
que podiam escolher e levar para suas casas os poemas de sua preferência, entre
dezenas de autores da língua portuguesa”.
b) Contação de histórias
Carol informou que os contadores de histórias usaram o lúdico para trabalhar
com os alunos, com grande capacidade de interação e criatividade, lidando com o
imaginário, através de histórias de domínio público, cantadas, contadas e
encantadas, através dos tempos.
Figura 1: Contação de história
FONTE: Foto de Ana Cristina
E, ainda, que eles trabalharam lendas brasileiras que trazem, além da
informação, a formação cultural, a poesia da forma como ela é contada.
É uma re-contação de história para explicar fatos que ocorrem naquela
região ou que aconteceram naquela sociedade. É a forma lúdica de contar
histórias... Como surgiu a Serra da Mantiqueira? Então é uma visão poética
do Sul de Minas, a Serra da Mantiqueira. A poesia esali escancarada.
(CAROL, ECP).
109
c) Brinquedos e Brincadeiras
A idealizadora da Caravana Poética enfatiza a importância das intervenções
lúdicas “Brinquedos e Brincadeiras” que levou para as escolas. Desenvolvidas por
ator/arte-educador, na pele de um palhaço da Comédia dell’Arte, que faz brinquedos
voadores, canta e brinca com as crianças, utilizando repertório de canções e
brincadeiras de domínio público, essas atividades, segundo a entrevistada, criaram
um clima de interação e alegria nas escolas.
d) Interpretando e Aprendendo
Carol lembrou que um ponto forte da Caravana, desenvolvido somente com
educadores, foi a oficina Interpretando e Aprendendo, “proposta de reflexão sobre a
história, limites e possibilidades da Arte-educação e de estímulo à descoberta das
potencialidades lúdicas e criadoras do professor, que possibilitam a re-elaboração do
modo de ver, sentir e agir na relação com o mundo, proporcionando novos caminhos
de construção do conhecimento, numa perspectiva da ética, da estética e da
poética, no cotidiano escolar”, esclarece a empreendedora cultural.
Segundo ela, o projeto Interpretando e Aprendendo é composto de três
oficinas de expressão criadora:, Projeto Mural, Colcha de retalhos e Expressão
Poética.
d.1) Projeto Mural
Figura 2: Projeto Mural Figura 3: Oficina Projeto Mural
FONTE: Foto de Ana Cristina FONTE: Foto de Ana Cristina
110
Desenvolvido por uma arte-educadora, descreve a proponente do projeto
Caravana Poética:
[...] o ‘Projeto mural’ também foi muito valorizado pelos participantes da
oficina, o pelo resultado belíssimo, mas também porque proporciona
uma vivência individual transformada em construção coletiva. A leitura do
poema Conversa de Corpo (de Priscila Freire), ‘emoldurada pela
sonoridadede Música das Esferas (de Marcos Vianna) serve de estímulo à
expressão corporal dos participantes.
Ela esclarece que,
[...] num trabalho com música, poesia, expressão corporal e percepção
sensorial, as pessoas tornam-se estrelas caídas no chão da Terra’. Assim,
em estado de relaxamento, elas têm as silhuetas de seus corpos
desenhadas pelo professor, o que proporciona a discussão da metodologia
de construção do projeto participativo a pintura do mural figurativo-
abstrato, suscitando informações conceituais sobre criatividade, composição
artística e seus elementos formais: cores, formas, texturas. (CAROL, ECP)
Os grupos sempre lançam mão de matéria prima local para a pintura do
mural, como terras e pigmentos da região, comprovando a riqueza dos recursos
disponíveis e a beleza do efeito estético, conforme informação da proponente.
d.2) Projeto Colcha de Retalhos
fonte
Figura 4: Colcha de retalhos Figura 5: Colcha de retalhos
FONTE: Foto de Ana Cristina FONTE: Foto de Ana Cristina
A proponente atribuiu grande significado à oficina “Colcha de retalhos”,
porque, segundo disse,
111
[...] é uma forma do professor resgatar as suas imagens particulares de
infância e colocar de uma forma colorida e criativa num pedaço de papel, e
de juntar aqueles fragmentos todos, com tantas pessoas diferentes, com
tantas vivências diferentes, que leva os participantes da oficina a
visualizarem de uma forma muito clara que cada pessoa é diferente da
outra, mas que têm pontos em comum. Elas conseguem enxergar,
conseguem ver melhor o que os alunos podem vivenciar naquele momento,
porque o que fazem ao colocar tudo na ‘Colcha de retalhos’ é trazer pra fora
aquela infância que elas viveram e que no fim das contas é a mesma
infância dos seus alunos. Acho que abre uma possibilidade de os
educadores compreenderem melhor a realidade dos alunos. (CAROL, ECP).
Conforme a proponente explicou, houve o momento de criação de
personagens de cenas da vida, concebidos pelos participantes, que serviram de
referência para as montagens teatrais em grupos. Ela diz que o projeto aponta para
“a abordagem multicultural, possível e visível nas representações extraídas da
memória cultural e afetiva da infância: as brincadeiras, os costumes, os valores, a
cultura familiar e regional”. (CAROL, proponente da Caravana Poética)
A oficina Colcha de retalhos faz uma conjugação de diversas linguagens
artísticas, sugerindo o desdobramento em ações interdisciplinares no cotidiano da
escola, numa perspectiva multicultural, conforme explicações de Carol.
d.3) Expressão poética Compondo ainda a Caravana Poética, a terceira
atividade que integra a oficina Interpretando e Aprendendo é descrita pela
proponente com entusiasmo: é o momento do contato direto com a poesia, com as
possibilidades de produção e interpretação. Os professores criam os seus
classificados poéticos pessoais... os anúncios dos seus desejos de transformação. É
muito bonito ver a simplicidade com que cada um põe pra fora os seus desejos, os
seus medos, as suas angústias... cada um do seu jeito, mas com profunda energia”.
Segundo Carol, depois vem o momento da criação de hai-kai (poesia
oriental), que desperta o olhar pra fora, pro ambiente. É o exercício da síntese
poética.
E tudo é finalizado com o sarau poético, quando os professores fazem as
leituras dos seus poemas e, em seguida, eles são expostos em um varal, no pátio da
escola, para apreciação coletiva.
“Muitos deles disseram não acreditar que foram capazes de tais criações”,
comenta Carol.
“O resultado de tudo isso é que é importante: Os alunos desenvolvendo
habilidades de leitura, produção e de expressão poética, por meio da proposta
reeditada em sala de aula por seus professores”, acrescenta a proponente do
112
projeto Caravana Poética.
2 ARUANDA – Oficinas de danças folclóricas
Figura 6: Apresentação do Grupo Aruanda Figura 7: Dança/jovens alunos da Oficina Aruanda
FONTE: Acervo da SEMEC/TM FONTE: Acervo da SEMEC/TM
De acordo com informações da empreendedora cultural da Cia de danças
folclóricas Aruanda, a proposta do projeto sob a sua coordenação foi desenvolvida
por meio de oficinas de capacitação para professores, visando o ensino e o
reconhecimento das tradições da cultura popular, através da dança.
Esse trabalho, segundo ela, proporcionou aos educadores participantes uma
visão teórica da cultura popular tradicional, entremeada com a prática da dança
folclórica, realizada através de variadas composições coreográficas.
Quando você leva o histórico da dança, você explica, contextualiza, você
pode fazer uma projeção contextualizada daquilo e não só reproduzir uma
dança, por reproduzir, porque isso entra em choque com a cultura de massa
atual, e os alunos não gostam. Não querem dançar a música folclórica
porque é uma ‘coisa do passado, estagnada’. Mas quando eles entendem o
significado dessa história, eles participam. Lidar com a história viva é outra
história, o aluno percebe que tem a ver com a identidade dele. (CLÁUDIA,
EFO).
Cláudia - empreendedora e também na função de facilitadora da oficina -
disse que uma preocupação sua foi explorar diversos conceitos relacionados com a
dança folclórica, nas perspectivas pedagógica, multicultural e metodológica,
entendendo que não são conteúdos comumente desenvolvidos nas escolas.
Dessa forma, a facilitadora disse que privilegiou algumas abordagens, que
alicerçaram toda a proposta das oficinas, como, por exemplo, uma introdução ao
estudo do Folclore, que se desdobrou em:
113
Conceitos de Cultura e Folclore, Identificação dos fatos folclóricos e suas
características, Dinâmica do fato folclórico, Domínios do Folclore e Grupos
folclóricos X grupos para-folclóricos.
As professoras que fizeram o trabalho conosco as oficinas - entenderam o
que era o reinado, o que eram as folias, o que eram as catiras, a leitura da
identidade de Minas e do Brasil, através da dança brasileira, e que a dança
não é desconectada, ela faz parte do todo. (CLÁUDIA, EFO).
A facilitadora disse que constatou a falta de base dos professores nesse
assunto, mas ao mesmo tempo, um grande interesse em aprender tudo sobre a
dança”, o que, segundo ela, a motivou a intensificar o seu trabalho com o foco na
atuação do professor na escola. Então, conforme declarou Cláudia, as oficinas de
dança eram seguidas de estudos sobre a aplicação do Folclore na escola, o Folclore
e as disciplinas curriculares e, ainda, a metodologia de pesquisa do folclore”.
A Cultura popular não é valorizada instrumentalmente de fora, para ser
funcionalmente domesticada, o que equivale à modernização do popular por
folclorização do que ali existe de potencialmente político. Ela é valorizada
de dentro para fora para ser rearticulada como um modo de poder popular
através da cultura, o que significa a transformação orgânica do popular por
politização do que ali existe de folclórico, ou seja, de “cultura do povo”.
(BRANDÃO, 1985, p.65).
A facilitadora e proponente do projeto Aruanda disse ter sido informada de
que os educadores participantes das oficinas deveriam ser reeditores das propostas
vivenciadas em danças folclóricas, nas suas escolas, então ela procurou, ainda
mais, fazer um trabalho consistente, que lhes desse segurança para formar grupos
de danças com alunos”.
O programa do projeto Aruanda contemplou também Metodologia das Danças
Folclóricas, Histórico das danças folclóricas das diversas regiões brasileiras e
Composição Coreográfica, segundo esclareceu Cláudia.
Eu acredito que o projeto foi bem direcionado e os objetivos alcançados,
pois muitos professores fizeram várias oficinas para ampliar seus
conhecimentos e com interesse de reforçar o que já tinham aprendido.
(CLÁUDIA, EFO).
Cláudia informou que, ao final de cada oficina, houve uma apresentação
pública, com profissionais da Cia de danças folclóricas Aruanda, contemplando
114
algumas danças ministradas durante as oficinas, o que gerou muitos depoimentos
por parte de professores sobre a importância do projeto Aruanda na sua formação”,
complementa.
Pelas informações da empreendedora, o projeto Aruanda promoveu um
intercâmbio entre o seu conteúdo e a cultura local, em muitos aspectos,
desconhecida”. Segundo ela, na proposta de pesquisar a cultura local e as tradições,
alguns professores trouxeram para a oficina a preciosa informação da descoberta
do ‘Gamba’, uma dança regional, antiga, esquecida e em extinção”, comenta
Cláudia, enfatizando ainda, que,
[...] quando os alunos adolescentes foram apresentar a resposta das
oficinas que estavam sendo reeditadas pelos professores, através da dança
de São Gonçalo, nós ficamos muito lisonjeados e vimos o nosso objetivo ser
cumprido, pois a questão não é só com os professores, a questão é com a
meninada que está chegando. (CLÁUDIA, EFO).
3) ARTE NA INFÂNCIA
Figura 8: Desenho de aluno da oficina Figura 9: Aluno com desenho criado na oficina
FONTE: Acervo da Aviva FONTE: Acervo da Aviva
Conforme informou Elton, seu idealizador, o projeto “Arte na Infância” é
composto de oficinas, palestras e exposições com o objetivo de promover, valorizar
e divulgar artes plásticas produzidas por crianças.
As oficinas são compostas por atividades teórico-práticas em que técnicas
tradicionais associadas a recursos de computação e Internet favorecem a
expressão gráfica da criança. “Arte na Infância” tem como método e
estratégia envolver ões participativas de diferentes setores sociais:
crianças, professores, instituições de ensino, obtendo, além de resultados
artístico-culturais, outras conquistas sociais. Através de qualidades estéticas
da infância, ela resgata seus méritos e promove sua expressão, fazendo-
nos repensar valores, significados e funções nos processos da Arte. O
sentido e a importância da cultura são ampliados e revistos pelos adultos.
(ELTON, EFO).
115
Segundo Elton, os trabalhos artísticos das crianças foram expostos não só em
espaço público no município, mas também no Palácio das Artes em Belo Horizonte
e, segundo ele, os resultados encantaram e emocionaram”. E complementa: As
crianças se revelaram surpreendentes e capazes de estruturar um discurso gráfico
consistente e expressivo”.
No entendimento do facilitador, ao ser incentivada e reconhecida como
produtora de bem cultural, a criança toma consciência do seu valor e eleva a sua
auto-estima.
O empreendedor cultural e facilitador da oficina “Arte na Infância” disse que
“entende como questão ética disponibilizar às crianças recursos teóricos,
tecnológicos, financeiros e culturais para a realização de uma expressão plena -
condição cidadã”.
Elton concluiu que, na prática, este projeto pode contribuir para as
descentralizações culturais, abrindo espaço para manifestações das periferias
sociais e incentivar as expressões artísticas na infância” (ELTON, EFO).
Conforme esclarecimentos da Secretaria Municipal de Educação e Cultura,
depois da oficina “Arte na Infância”, os alunos das escolas que participaram do
Projeto CRIAR, se tornaram mais encorajados a criar seus próprios desenhos, com
maior expressividade do que antes.
4) PATATI & PATATÁ - TEATRO DE BONECOS
Figura 10: Crianças e bonecos Figura 11: Bonecos criados por professores/alunos
FONTE: Acervo da SEMEC/TM FONTE: Acervo da SEMEC/TM
116
Patati & Patatá, segundo informações da sua proponente Glória, foi um
projeto composto de oficinas de confecção de bonecos, espetáculo do Grupo Teatral
Patati & Patatá e exposição dos bonecos criados pelos participantes das atividades.
Conforme explicação de Glória, a oficina contemplou uma proposta conceitual
e histórica sobre o teatro de bonecos, como uma linguagem artística utilizada desde
a Antigüidade, “pois é importante mostrar aos educadores que confeccionar bonecos
não consiste em uma simples técnica artesanal”. (GLÓRIA, EFO).
Nessa perspectiva, segundo a facilitadora de oficina, a proposta do Patati &
Patatá atendeu perfeitamente às necessidades das escolas públicas - que não
dispõem de recursos para aquisição de materiais de arte -, por oferecer a
possibilidade de criação dos bonecos, utilizando materiais reutilizáveis, como
garrafas PET, tampas, retalhos de tecidos, entre outros.
5) ANDANTE - O Teatro de Máscaras
Figura 12: Oficina Andante – Teatro Figura 13: Oficinas de confecção de máscaras
FONTE: Acervo da SEMEC/TM FONTE: Acervo da SEMEC/TM
Segundo Norma, empreendedora cultural, o grupo teatral ANDANTE
desenvolveu, junto aos participantes do projeto CRIAR, a oficina O Teatro de
Máscaras, que teve como objetivo introduzir os educadores na linguagem teatral
peculiar, a máscara.
Ela informou que a oficina foi dirigida a professores interessados nessa
abordagem, com o objetivo de formar agentes reprodutores para o futuro das
atividades locais, mas alguns alunos de ensino fundamental e médio que tiveram
interesse e demonstraram alguma afinidade com as atividades propostas, também
participaram das oficinas”, complementou a empreendedora, que também foi
facilitadora de oficina.
117
Conforme explicações de Norma, as atividades proporcionaram aos
educadores abordagem teórica e prática da construção e do uso da máscara neutra
e das máscaras expressivas e o estudo de técnicas corporais e teatrais específicas
para a utilização das máscaras.
Norma, proponente do projeto, diz ter-se preocupado com a metodologia,
propondo,
[...] um trabalho que partiu de jogos grupais e exercícios práticos para
buscar a desinibição, a expressividade, a prontidão e a conexão
necessárias para a utilização da máscara e de jogos de improvisação que
propiciam a descoberta dos tipos sociais e a construção de esquetes
adequados à representação com máscaras.
A facilitadora enfatizou a importância de se promover o exercício da
imaginação e da construção dramatúrgica coletiva, levando à realização de histórias
adequadas à representação com máscaras, partindo das histórias e personagens
locais, que, conforme sua percepção, despertou nos educadores o interesse pela
pesquisa de valores da cultura local”.
Norma complementa a sua descrição sobre a oficina ‘O Teatro de Máscaras’,
dizendo que,
[...] o nosso interesse foi utilizar esse movimento como base e inspiração
para que possa ser feito o teatro local, com os tipos sociais e a construção
de uma dramaturgia própria da região.
[...] a linguagem das máscaras teatrais se baseia na Commedia dell’Arte,
movimento artístico ocorrido na Itália, e atingindo outros países, por volta
dos séculos XVII e XVIII. O movimento era formado por companhias
itinerantes que improvisavam cenas baseadas em roteiros pré-
estabelecidos, os canovacci, sempre com objetivo crítico e cômico, que até
hoje encantam, fascinam e alegram o público. (NORMA, EFO).
O encerramento, ao final das oficinas, contou com apresentação de dois
espetáculos do Grupo Andante ‘Olympia’ e ‘Musiclown’ -, informa a
empreendedora, dizendo que percebeu o encantamento da platéia formada
basicamente por educadores e alunos das escolas participantes do projeto CRIAR.
Norma declara-se satisfeita com o trabalho realizado, diante dos depoimentos
dos educadores sobre o ganho que tiveram com as vivências em oficina, a nova
percepção do teatro de máscaras, baseado em concepções de cultura e
enriquecedor para a prática educativa na escola”.
118
6) UAKTI - OFICINA DE MUSICALIZAÇÃO E PERCUSSÃO
Figura 14: Alunas e instrumentos – UAKTI
Figura 15: Integrantes/oficineiros do Grupo UAKTI
FONTE: Acervo da SEMEC/TM FONTE: Acervo da SEMEC/TM
As informações obtidas com os empreendedores culturais do UAKTI, sobre a
oficina de musicalização e percussão, mostraram que o trabalho ocorreu nos moldes
propostos pelo Grupo UAKTI, isto é, a partir da experiência de 25 anos do grupo,
com a construção de novos instrumentos musicais acústicos, utilizando, para isto,
materiais diversos como PVC, madeira, vidro, água, cabaças, etc.
Segundo Raul, um dos facilitadores de Musicalização e Percussão, os
objetivos propostos e realizados na oficina se resumiram em introduzir os alunos ao
repertório musical do Grupo UAKTI, discorrendo sobre o funcionamento de cada
novo instrumento musical apresentado, assim como novas formas de notação
musical.
O facilitador da oficina enfatizou que uma novidade para os educadores foi a
aplicação de novas técnicas de notação musical, como as figuras geométricas que
aceleram nitidamente o processo de linguagem musical”. O facilitador esclareceu
que as figuras geométricas são “trigramas e hexagramas do I Ching”.
A metodologia utilizada nas oficinas, conforme esclarecimentos de Raul, foi
participativa, privilegiando técnicas de performance percussiva e de arranjos de
músicas folclóricas.
119
Figura 16: Menino com instrumentos da Oficina UAKTI
FONTE: Acervo da SEMEC/TM
A utilização de instrumentos criados pelo UAKTI especialmente para o
trabalho de oficinas, fomentou o interesse dos participantes pela construção
de novos instrumentos, com materiais de fácil acesso a todos. (RAUL,
facilitador oficina).
A oficina atendeu educadores e jovens alunos das escolas, inclusive
portadores de necessidades especiais da escola da APAE que participou do projeto
CRIAR, segundo informações obtidas na Secretaria Municipal de Educação e
Cultura. Ao final do período de oficinas, houve apresentação de trabalho musical do
grupo UAKTI, para um público maior, através da realização de um concerto que
incluiu também a participação dos alunos que integraram a oficina de Musicalização
e Percussão.
120
4 CARACTERIZAÇÃO DO CORPO DOCENTE DAS ESCOLAS E SUAS
PERCEPÇÕES SOBRE O PROJETO CRIAR
O projeto CRIAR, cuja análise compõe o capítulo II deste trabalho, é a
espinha dorsal do programa de relacionamento da empresa LÓTUS com a
comunidade. Ele foi concebido especificamente para um município do Estado de
Minas Gerais, com 42 anos de emancipação e uma população de 25 mil habitantes.
O fator principal de desenvolvimento econômico do município é relacionado à
empresa LÓTUS, que tem ali instada uma unidade de suas fábricas.
Com estrutura voltada para atendimento às escolas públicas, o Projeto CRIAR
defende em sua descrição o objetivo de colaborar para o aprendizado dos alunos e
professores, propiciando-lhes um crescimento pessoal e cultural”.
4.1 Perfil Docente e das Escolas Pesquisadas
Inicialmente foram distribuídos 85 questionários entre educadores das 10
escolas selecionadas para participar do Projeto CRIAR, porém apenas 46 foram
respondidos, o que corresponde a 54% de retorno dos questionários. Isto representa
uma amostragem de 20% dos educadores que participaram das oficinas propostas,
no período compreendido entre junho de 2003 e junho de 2005.
Os entrevistados trabalhavam em escolas públicas municipais e estaduais,
que atendiam do ensino infantil ao médio.
121
4.1.1 Perfil do Educador
TABELA 1
RESIDÊNCIA
Residência Freqüência Porcentagem
Não respondeu 1 2%
Zona Urbana 43 94%
Zona Rural 2 4%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 1: Residência
FONTE: Dados da Pesquisa
94% dos professores participantes da pesquisa residiam na zona urbana do
município.
A zona urbana na qual se inseriu a pesquisa é uma cidade interiorana com 25
mil habitantes, tendo como principal fonte de empregos e renda, a empresa LÓTUS.
122
TABELA 2
SEXO
Sexo Freqüência Porcentagem
Não respondeu 4 9%
Masculino 3 6%
Feminino 39 85%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 2: Sexo
FONTE: Dados da Pesquisa
85% dos professores entrevistados são do sexo feminino.
O dado está coerente com as pesquisas sobre o processo de feminização do
magistério.
Estudos mostram que no início do século XX, as mulheres vão se tornando
maioria no exercício da profissão docente, sobretudo como decorrência dos baixos
salários, sendo esta uma razão que explica o processo de evasão de professores e
professoras, que atinge sobremaneira os docentes do sexo masculino. Mesmo
depois de mais de 100 anos, a evasão dos homens da profissão docente continua
sendo justificada pelos baixos salários e pelo desprestígio da profissão, embora
123
recentes estudos mostrem outros fatores.
Peixoto e Passos (2005, p.54) apontam para explicações que sustentam
análises de estudos sobre feminização do magistério no Brasil, no contexto do final
do século XIX e início do século XX, e a partir da década de 1990 e enfatizam que
entre os fatores estão:
Alterações no mercado de trabalho, gerando novas e melhores
oportunidades para o homem. Destaca-se a forte vinculação com o
patriarcalismo na reprodução das condições e possibilidade da
continuidade da condição subalterna da mulher.
Incremento do processo de escolarização, com o aumento do número de
escolas e, sobretudo, da matrícula de meninas. A publicação de leis
favorecendo a entrada e presença das mulheres no magistério.
O protagonismo feminino na ocupação de um emergente mercado de
trabalho. Para as mulheres pobres, significava ganhar o pão de cada dia;
para as mulheres providas de melhores condições financeiras, a
oportunidade de ter uma atividade fora dos domínios do lar. A
possibilidade de conciliar o trabalho doméstico com o magistério é
significativa para ambas.
A feminização se acentua na escola primária, do ponto de vista da
prescrição social, por se tratar de relações entre adultos e crianças,
território marcadamente ligado à feminilidade e às mulheres, a partir de
uma evocação das relações de cuidado dentro da família.
Com este olhar, a questão central quanto às respostas dos educadores seria
que sua feminização não significou apenas a entrada de mulheres na ocupação de
professora, mas também um processo de deslocamento de significados de escola,
de ensino, de mulher, de feminilidade, de maternidade, de masculinidade, entre
outros.
Outra fonte de aprendizado mencionada pelos entrevistados foram as
experiências trocadas com colegas, com os professores mais velhos, indicando
especialmente assuntos relativos às relações com alunos e suas famílias, coerente
com Nóvoa (1997, p.18) que enfatiza: “Mais do que um lugar de aquisição de
técnicas e de conhecimento, a formação de professores é o momento-chave da
socialização e da configuração profissional”
124
Dubet e Martuccelli, 1996 (in Peixoto et.al:2006) chamam a atenção para a
dimensão relacional do trabalho docente como base da sua percepção dos
processos de formação, o que reafirma que a profissionalização do magistério
apresenta características semelhantes às do presente estudo, coerentes com
pesquisas de Peixoto e al, 2006, p.96: “Ao falar de sua aprendizagem pela
experiência, a maioria dos professores parece estar se referindo à aprendizagem de
relações interpessoais, a saber lidar com as demandas múltiplas, as emoções e os
sentimentos que brotam do turbilhão efervescente da sala de aula”.
TABELA 3
IDADE
Idade Freqüência Porcentagem
Não respondeu 1 2%
até 24 anos. 2 4%
de 25 a 29 anos . 6 13%
de 30 a 39 anos. 23 51%
de 40 a 49 anos. 12 26%
de 50 anos ou mais. 2 4%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 3: Idade
FONTE: Dados da Pesquisa
125
A pesquisa indicou que:
18% dos educadores estavam entre 20 e 29 anos de idade.
50% tinham entre 30 e 39 anos de idade.
32% dos entrevistados estavam na faixa de 40 e 50 anos de idade ou mais.
Os professores estavam, portanto, em diferentes fases da carreira. Havia 18%
na fase de entrada da carreira, e 50% na fase de estabilização.
TABELA 4
ESTADO CIVIL
Estado civil Freqüência
Porcentagem
Solteiro(a) 19 41%
Casado(a) 26 57%
Viúvo(a) 0 0%
Separado(a) 1 2%
Divorciado(a) 0 0%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 4: Estado civil
FONTE: Dados da Pesquisa
126
Verificaram-se, na pesquisa, duas grandes categorias que se distribuíram em
solteiros e casados, sendo que o total de casados correspondeu a um percentual de
(57%), e solteiros, (41%). Verificou-se a predominância de 35% de casados na faixa
etária de 30 a 39 anos, enquanto, na faixa entre 40 a 50 anos ou mais, 17% eram
casados. Dos jovens educadores entre 20 e 29 anos de idade, que totalizaram 17%,
apenas 5% pertenciam à categoria dos casados
A grande proporção de casados com idade entre 30 e 39 anos foi coerente
com o índice de 57% pesquisados nesta faixa etária, observando-se a
predominância de mulheres casadas.
TABELA 5
REDE DE ENSINO EM QUE CURSOU O MAGISTÉRIO
REDE DE ENSINO EM QUE CURSOU O MAGISTÉRIO
Freqüência Porcentagem
Não respondeu 1 2%
Escola publica 35 76%
Escola particular 7 15%
Publica e particular 3 7%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 5: Rede de ensino em que cursou o magistério.
FONTE: Dados da Pesquisa
127
75% dos educadores eram oriundos de escola pública.
As escolas públicas predominavam na rede educacional do município e da
região, especialmente nos anos que corresponderam à época de formação escolar
dos entrevistados.
TABELA 6
TEMPO DE CONCLUSÃO DO CURSO DE MAGISTÉRIO
TEMPO DE CONCLUSÃO DE MAGISTÉRIO
Freqüência Porcentagem
Não respondeu 4 9%
até 4 anos. 2 4%
5 a 8 anos. 7 15%
9 a 12 anos. 10 22%
13 a 16 anos. 7 15%
17 a 20 anos. 6 13%
mais de 20 anos 10 22%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 6: Tempo de conclusão do magistério
FONTE: Dados da Pesquisa
128
Faixa etária
Até 8
anos
De 9 a 14
anos
De 15 a 20
anos
Mais de 20
anos
Total
20 a 29 anos 15% 2.17% 0% 0% 17%
30 a 39 anos 4% 35% 9% 2% 50%
40 a 50 anos e + 2% 0% 4% 20% 26%
Quadro 1: Cruzamento idade/tempo de conclusão do curso de magistério
Do total de questionários, 7% não foram respondidos.
A pesquisa identificou que, pelo tempo de conclusão do magistério,
predominou uma profissionalização já bem sedimentada, pois mais de 70% dos
educadores concluíram o magistério mais de 9 anos, o que justificou a
necessidade de atualização dos professores entrevistados, identificada pela
demanda de continuidade de capacitação.
TABELA 7
CURSO DE GRADUAÇÃO – FREQÜÊNCIA
Curso de graduação Freqüência Porcentagem
Não responderam 1 2%
Não 10 22%
Sim 35 78%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
129
Gráfico 7: Curso de graduação – Freqüência
FONTE: Dados da Pesquisa
TABELA 7.1
CURSO DE GRADUAÇÃO - TIPOS DE CURSO
Curso de graduação Freqüência Porcentagem
Normal superior 18 50%
Ciências Biológicas 6 16%
Pedagogia 3 8%
Letras 5 14%
Sociologia 1 3%
Geografia 1 3%
Teologia 1 3%
História 1 3%
Total (Sim) 36 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
130
Gráfico 7.1: Curso de graduação – Tipos de curso
FONTE: Dados da Pesquisa
22% dos professores não fizeram nenhum curso superior.
76% tinham graduação na área de educação, predominantemente Normal
superior (50%), Ciências Biológicas (16%), Letras (14%) e Pedagogia (8%). Os
outros cursos de graduação (3% cada) se distribuíam em Sociologia, Teologia,
Geografia e História.
Graduação % 20 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 50 anos ou +
Sim 76% 11% 39% 26 %
Não 22% 7% 11% 4%
Quadro 2: Cruzamento idade/graduação
FONTE: Dados da Pesquisa
2% dos entrevistados não responderam à questão.
Fazendo o cruzamento dos dados desta tabela com idade, verificou-se um
índice significativo de educadores com curso de graduação, sendo 39% na faixa de
30 a 39 anos, e 26% na faixa etária que abrange 40 a 50 anos ou mais. Dos
educadores mais jovens, em idade de 20 a 29 anos, apenas 11% concluíram a
graduação. Percebeu-se uma busca de capacitação pelo grupo formado mais
tempo em curso magistério.
131
TABELA 8
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO
Curso de pós-graduação
Freqüência Porcentagem
Não respondeu 1 2%
Não 40 88%
Sim 5 10%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 8: Curso de pós-graduação
FONTE: Dados da Pesquisa
TABELA 8.1
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO - TIPOS DE CURSO
Curso de Pós-Graduação Freqüência
Porcentagem
Psicopedagogia 2 40%
Biologia 1 20%
Sociologia 1 20%
Meio Ambiente 1 20%
Total 5 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
132
Gráfico 8.1: Curso de pós-graduação – Tipos de curso
FONTE: Dados da Pesquisa
A pesquisa indicou que 88% dos educadores entrevistados não cursaram
pós-graduação, e que somente 10% responderam sim, sendo 4% em
Psicopedagogia, 2% em Biologia, 2% em Sociologia e 2% em Meio ambiente.
A correlação idade dos entrevistados com a conclusão de pós-graduação
mostra os seguintes resultados:
Pós-graduação % 20 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 50 anos ou +
SIM 10% 0% 6% 4%
NÃO 88% 18% 44 % 26%
Quadro 3: Cruzamento idade/pós-graduação
FONTE: Dados da Pesquisa
O cruzamento dos dados mostrou que era pequeno o índice de professores
com pós-graduação.
Aqueles que o concluíram estavam na faixa etária dos 30 e 50 anos,
indicando, talvez, que os menos jovens estão buscando aprimoramento profissional,
o que pode ampliar suas oportunidades salariais.
133
TABELA 9
TEMPO DE CONCLUSÃO DA GRADUAÇÃO
TEMPO DE CONCLUSÃO DE GRADUAÇÃO
Freqüência
Porcentagem
Não respondeu 16 35%
até 4 anos. 20 44%
5 a 8 anos. 6 13%
9 a 12 anos. 3 6%
13 a 16 anos. 1 2%
17 a 20 anos. 0 0%
há mais de 20 anos 0 0%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 9: Tempo de conclusão da graduação
FONTE: Dados da Pesquisa
A pesquisa mostrou que 57% dos professores que fizeram graduação,
concluíram-na havia menos de 8 anos, sendo que desses, 44% havia menos de 4
anos.
Verificou-se graduação recente em 44% dos casos, o que coincidiu com o
aumento da oferta de cursos que não exigiam disponibilidade integral do aluno.
134
TABELA 10
REDE DE ENSINO EM QUE TRABALHA
Rede de ensino em que trabalha Freqüência Porcentagem
Estadual 7 15%
Municipal 32 70%
Particular 0 0%
Estadual e municipal 6 13%
Municipal e particular 1 2%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 10: Rede de ensino em que trabalha
FONTE: Dados da Pesquisa
Os pesquisados integravam-se, em sua maioria, (70%) à rede municipal de
ensino. 15% trabalhavam na rede estadual, e 13% trabalhavam nas redes estadual e
municipal. Apenas 2% trabalhavam na rede privada e na municipal.
135
TABELA 11
REGÊNCIA DE TURMA
Regência de turma Freqüência
Porcentagem
Não respondeu 2 5%
Sim 41 89%
Não 3 7%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 11: Regência de turma
FONTE: Dados da Pesquisa
Quase totalidade dos educadores entrevistados, representando 89%, estavam
em regência de turma.
Regente de turma % 20 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 50 anos ou +
SIM 89 19 46 26
NÃO 6 0 2 4
Quadro 4: Cruzamento regência de turma/idade
FONTE: Dados da Pesquisa
+ 5% dos entrevistados não responderam
136
TABELA 12
DESEMPENHO EM OUTRAS FUNÇÕES
Desempenho em outras funções Freqüência Porcentagem
Não respondeu 1 2%
Não 41 90%
Sim 4 8%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 12: Desempenho em outras funções
FONTE: Dados da Pesquisa
Os pesquisados que ocupavam outras funções na escola, totalizavam apenas
8% e exerciam cargos de supervisão, vice-direção, secretaria e assistência de
criança.
137
TABELA 13
NÍVEL DE ENSINO EM QUE ATUA
Freqüência de nível de atuação Freqüência Porcentagem
Educação infantil 5 11%
1ª a 4ª série ou 1º ciclo do ensino fundamental 23 51%
5ª a 8ª série ou 2º ciclo do ensino fundamental 7 15%
Ensino fundamental completo (1ª a série ou e
2º ciclos)
0 0%
Ensino médio 7 15%
Classes multisseriadas 0 0%
Educação especial 2 4%
Educação de jovens e adultos 1 2%
Assistente da criança 1 2%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 13: Nível de ensino em que atua
FONTE: Dados da Pesquisa
Entre os professores pesquisados, a atuação era diversificada, pois 66%
atuavam no ensino fundamental, e, desses, 51% no primeiro ciclo (primeira à quarta
série) e 15% no segundo ciclo (5ª a rie). 13% atuavam na educação infantil,
138
15%, no ensino médio, 4%, no ensino especial (APAE) e 2% atuavam no EJA. Ainda
2% dos entrevistados declararam atuação como assistente de criança.
Esta diversificação pode ter representado uma dificuldade no
desenvolvimento do projeto, pois as intervenções para os educadores visaram a um
público único, ou seja, não houve atividades específicas para educadores de cada
nível de ensino.
TABELA 14
TEMPO DE REGÊNCIA
Tempo de regência Freqüência Porcentagem
Não respondeu 1 2%
até 4 anos. 11 24%
de 5 a 8 anos. 11 24%
de 9 a 12 anos. 5 11%
de 13 a 16 anos. 7 15%
de 17 a 20 anos. 4 9%
mais de 20 anos. 7 15%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 14: Tempo de regência
FONTE: Dados da Pesquisa
139
48% dos professores tinham até 8 anos de regência. Pode-se supor que este
dado mostrou a tendência da sociedade atual em relação à inserção da mulher no
mercado de trabalho.
26% estavam entre os que tinham de 9 a 16 anos na regência, 24% estavam
de 13 a 20 anos, e somente 15% estavam na regência havia mais de 20 anos.
Os dados mostraram significativo número de professores com poucos anos
de regência. Na faixa etária entre 20 e 29 anos, estavam muito poucos, donde se
concluiu que muitos entraram na carreira mais tarde.
TABELA 15
TURNOS DE TRABALHO
Turnos de trabalho Freqüência
Porcentagem
1(um) turno 23 50%
2(dois) turnos na mesma escola 7 15%
2(dois) turnos em escolas diferentes 11 24%
3(três) turnos na mesma escola 1 2%
3(três) turnos em escolas diferentes 4 9%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 14: Turnos de trabalho
FONTE: Dados da Pesquisa
140
50% dos professores trabalhavam em um turno, e os outros 50%, ficaram
distribuídos em mais de um turno.
50% dos professores trabalhavam em um turno somente, 15%, em 02 turnos
na mesma escola, 24%, em 02 turnos em diferentes escolas. Os que trabalhavam
em 03 turnos se distribuíam em 2% na mesma escola e 9% em escolas diferentes.
Constatou-se que 50% dos professores cumpriam dupla jornada. Supõe-se
que a necessidade de aumentar a remuneração é que levou os professores a
trabalharem em 02 e até em 03 turnos, em escolas diferentes.
TABELA 16
CARGA HORÁRIA
Carga horária semanal Freqüência Porcentagem
Não respondeu 5 11%
até 20 horas 8 17%
de 21 a 30 horas 15 33%
de 31 a 40 horas 11 24%
mais de 40 horas 7 15%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 16: Carga horária
FONTE: Dados da Pesquisa
141
17% dos professores cumpriam uma carga horária de aulas de 20 horas,
enquanto 33% cumpriam de 21 a 30 horas. 39% dos professores cumpriam de 31 a
mais de 40 horas de trabalho semanal.
Dos professores que cumpriam carga horária semanal de 20 a 40 ou mais
horas, identificou-se o índice significativo de 46%, na faixa de 30 a 39 anos de idade,
e 26%, na população de 40 a 50 e mais anos.
Faixa etária
Até 20
horas
De 21 a 30
horas
De 31 a 40
horas
+ de 41
horas
Total
20 a 29 anos 2% 9% 4% 0% 17%
30 a 39 anos 11% 17% 9% 9% 46%
40 a 50 anos e + 4% 4% 11% 7% 26%
Quadro 5: Cruzamento faixa etária/carga horária semanal
FONTE: Dados da Pesquisa
11% dos entrevistados não responderam.
A pesquisa mostrou que os professores mais jovens, a29 anos de idade,
cumpriam uma carga horária de trabalho menor do que os mais velhos, que, supõe-
se, fossem pessoas com maior compromisso financeiro, do grupo de casados.
TABELA 17
RENDA FAMILIAR
Renda familiar Freqüência Porcentagem
Não respondeu 2 4%
até 2 salários mínimos 14 31%
de 2 a 4 salários mínimos 14 31%
de 4 a 6 salários mínimos 11 24%
de 6 a 8 salários mínimos 3 7%
de 8 a 10 salários mínimos 2 4%
mais de 10 salários mínimos 0 0%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
142
Gráfico 17: Renda familiar
FONTE: Dados da Pesquisa
A pesquisa mostrou que 62% dos educadores recebiam de 02 a 04 salários
mínimos, 24% recebiam de 04 a 06 salários e 11% estavam na faixa dos 06 a 10
salários mínimos mensais.
O perfil dos entrevistados mostrou que a maioria 86% dos professores -
recebia de 02 a 04 salários. Apenas 11% dos educadores entrevistados puderam ser
considerados pertencentes à classe média.
Supõe-se que a renda do professor, especialmente do interior, era uma renda
significativa para o sustento familiar, e a limitada possibilidade de remuneração
justificava as dobras de turnos de trabalho.
TABELA 18
PARTICIPAÇÃO EM ENTIDADE SOCIAL
Participação em associação, sindicato ou partido
político
Freqüência
Porcentagem
Não respondeu 2 4%
Não 34 72%
Sim 11 24%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
143
Gráfico 18: Participação em entidade social
FONTE: Dados da Pesquisa
TABELA 18.1
PARTICIPAÇÃO EM ASSOCIAÇÃO, SINDICATO OU PARTIDO POLÍTICO
Participação em ass
ociação, sindicato ou
partido político
Freqüência
Porcentagem
Sindicato 6 55%
Partido político 2 18%
Sindicato e partido político 2 18%
Associação 1 9%
Total (sim) 11 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
144
Gráfico 18.1: Participação em associação, sindicato ou partido político
FONTE: Dados da Pesquisa
72% responderam que não participavam de entidade social, e dos 24% que
responderam sim à pergunta, 55% tinham envolvimento com sindicato, 18% com
partido político e mais 18% participavam de partido político e sindicato.
Um dado interessante deste item é que a maioria dos participantes de
sindicatos estava na faixa etária de 30 a 39 anos, seguidos dos que pertenciam à
faixa dos 40 a 50 anos de idade ou mais. Concluiu-se que os mais jovens tinham
menos interesse em questões de classe ou mobilização social.
Participação
entidade social
% 20 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 50 anos ou +
Sim 24 2% 15% 7%
Não 72 13% 35% 24%
Quadro 6: Cruzamento idade/participação em entidade social
FONTE: Dados da Pesquisa
4% dos entrevistados não responderam.
Pode-se cogitar de alguns fatores para um índice tão elevado de não
participantes em entidades sociais. Um deles pode ser a percepção da decadência
em sindicatos de professores, embora a maior participação se concentre nesse item.
Apatia e descrença em possíveis mudanças também podem ser fatores de falta de
145
participação.
Por se tratar de uma cidade jovem, com pouco mais de 40 anos de fundação,
os seus moradores eram, na sua maioria, originários de outros municípios, o que
pode indicar causa da baixa participação dos educadores nas entidades sociais.
4.1.2 Perfil das Escolas que Participam do Projeto
TABELA 19
LOCALIZAÇÃO DA ESCOLA
Localização da escola Freqüência
Porcentagem
Não respondeu 3 7%
Zona urbana 43 94%
Zona rural 0 0%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 19: Localização da escola
FONTE: Dados da Pesquisa
146
Todas as escolas participantes do projeto localizavam-se na zona urbana do
município, por deliberação da empresa e da Secretaria Municipal de Educação,
conforme critérios de seleção pré-determinados. Somente uma escola estadual
participante do projeto estava localizada fora da cidade, mas no perímetro urbano de
um distrito municipal, não sendo o local caracterizado como zona rural.
A cidade tinha 25 mil habitantes e possuía algumas características peculiares:
Foi fundada no ano de 1964, sendo, portanto, muito recente. O seu crescimento
decorreu de dois fatores principais: uma represa e o Rio São Francisco, como fontes
de turismo e pesca e, ainda, a instalação da empresa X, fonte de empregos e
geradora de arrecadação fiscal para o município.
TABELA 20
NÍVEIS DE ENSINO OFERTADOS
Níveis de ensino ofertados Freqüência
Porcentagem
Educação infantil 23 22%
Ensino fundamental - 1ª a 4ª série ou 1º ciclo 27 26%
Ensino fundamental - 5ª a 8ª série ou 2º ciclo 16 15%
Ensino fundamental - (1ª a 8ª série ou 1º e 2º ciclos)
12 12%
Ensino médio. 6 6%
Classes multisseriadas. 0 0%
Educação especial 2 2%
Educação de jovens e adultos 17 17%
Outros 0 0%
FONTE: Dados da Pesquisa
147
Gráfico 20: Níveis de ensino ofertados
FONTE: Dados da Pesquisa
A predominância de níveis de ensino ofertados pelas escolas participantes do
projeto era de 1º ciclo do ensino fundamental (26%) e infantil (22%). O EJA mostrava
o índice de 17%, e o 2º ciclo do ensino fundamental (5ª a 8ª séries) ocupava 15% do
ensino ofertado. Das escolas participantes, 6% ofereciam o ensino médio, e 2%,
ensino especial.
As escolas atendiam a diferentes níveis de escolarização, e as atividades
culturais foram abertas a todos os educadores, de todos os níveis. Percebeu-se que
as ações do projeto foram pulverizadas, em vez de direcionadas ao atendimento de
demandas específicas dos educadores de cada nível.
TABELA 21
INFRA-ESTRUTURA
Infra-estrutura Freqüência
Porcentagem
Luz elétrica 45 98%
Esgoto e água tratada 44 96%
Linha telefônica 45 98%
Fossa séptica 1 2%
FONTE: Dados da Pesquisa
148
Gráfico 21: Infra-estrutura
FONTE: Dados da Pesquisa
Conforme dados da pesquisa, as condições de infra-estrutura básica das
escolas eram muito boas.
TABELA 22
RECURSOS DISPONÍVEIS
Recursos disponíveis na escola Freqüência
Porcentagem
Acesso à internet para uso dos alunos. 0 0%
Acesso a computadores para uso dos professores. 25 12%
Acesso à internet para uso dos professores. 2 1%
Antena parabólica 6 3%
Aparelho de som. 40 19%
Biblioteca. 35 17%
Laboratório de Ciências. 4 2%
Laboratório de informática. 2 1%
Máquina copiadora. 2 1%
Retroprojetor. 11 5%
Televisão. 43 20%
Videocassete. 41 19%
Total 211 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
149
Gráfico 22: Recursos disponíveis
FONTE: Dados da Pesquisa
No aspecto dos recursos disponíveis, constatou-se uma situação precária,
pois faltavam laboratórios de Ciências e de Informática, não havia acesso à Internet,
e apenas 12% das escolas tinham computadores na secretaria. 19% das escolas
possuíam aparelho de som, índice indicador da insuficiência de recursos.
Esta realidade constatada na pesquisa era contraditória com a proposta do
Projeto de relacionamento com a comunidade, que distinguia a necessidade de
melhoria na infra-estrutura física, em seus pilares.
150
4.1.3 Percepção do Projeto Pedagógico pelos Educadores
TABELA 23
EXPECTATIVA EM RELAÇÃO AO PROJETO
Expectativa em relação ao Projeto CRIAR Freqüência
Porcentagem
Não respondeu 1 2%
Aprofundar seus conhecimentos pedagógicos e
melhorar sua prática docente. 41 89%
Ampliar sua participação em projetos de arte e
cultura 4 9%
Melhorar seu nível salarial. 0 0%
Ser mais valorizado socialmente. 0 0%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 23: Expectativa em relação ao projeto
FONTE: Dados da Pesquisa
89% dos professores pesquisados responderam que a sua expectativa era
"aprofundar seus conhecimentos pedagógicos e melhorar sua pratica docente",
enquanto 9% declararam ser sua expectativa "ampliar sua participação em projetos
151
de arte e cultura".
Este elevado índice de expectativa em relação ao projeto demonstrou que os
professores tinham desejo de melhorar a prática pedagógica, vinculando esta
melhoria à aquisição de mais conhecimentos, pressupondo-se que melhoria da
prática docente é igual a ter mais conhecimento.
TABELA 24
FREQÜÊNCIA DE APLICAÇÃO DAS ATIVIDADES ARTÍSTICAS
Freqüência de
aplicação
das atividades da
escola
Sempre
Algumas
vezes
Raras
vezes
Nunca
Não
respondeu
Total
1. Artes cênicas/teatrais 3 21 12 3 7 46
2. Artes Plásticas/visuais 11 13 4 9 9 46
3. Atividades
literárias/poesia
20 13 1 3 9 46
4. Dança 5 18 10 5 8 46
5. Gestão participativa 16 13 2 2 13 46
6. Música 23 13 0 2 8 46
FONTE: Dados da Pesquisa
TABELA 24.1
FREQÜÊNCIA DE APLICAÇÃO DAS ATIVIDADES ARTÍSTICAS
Freqüência de
aplicação das
atividades da escola
Sempre
Algumas
vezes
Raras
vezes
Nunca
Não
respondeu
Total
1. Artes cênicas/teatrais
7% 45% 26% 7% 15% 100%
2. Artes
Plásticas/visuais
23% 28% 9% 20% 20% 100%
3. Atividades
literárias/poesia
43% 28% 2% 7% 20% 100%
4. Dança 11% 39% 21% 11% 18% 100%
5. Gestão participativa 36% 28% 4% 4% 28% 100%
6. Música 50% 28% 0% 4% 18% 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
152
Gráfico 24: Freqüência de aplicação das atividades artísticas
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico demonstrativo da freqüência de aplicação das atividades artísticas, no
cotidiano escolar.
Gráfico 24,1: Artes Cênicas/teatrais Gráfico 24.2: Artes plásticas/visuais
FONTE: Dados da Pesquisa FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 24.3: Atividades literárias/poesia Gráfico 24.4: Dança
FONTE: Dados da Pesquisa FONTE: Dados da Pesquisa
153
Gráfico 24.5: Gestão participativa Gráfico 24.6: Música
FONTE: Dados da Pesquisa FONTE: Dados da Pesquisa
Os gráficos acima apresentam desdobramentos do gráfico 24, para
proporcionar uma análise mais detalhada da freqüência de aplicação das atividades
artísticas no cotidiano escolar.
A freqüência de aplicação das atividades do projeto em sala de aula
demonstrou um bom índice de aproveitamento das ações oferecidas, sendo
priorizadas as seguintes áreas:
Aplicam sempre e algumas vezes:
Música = 50% e 28%.
Atividades literárias/poesia = 43% e 28%.
Gestão participativa = 36% e 28%.
Artes plásticas/visuais = 23% e 28%..
Literatura e poesia incorporaram as atividades do projeto Caravana Poética,
um dos incentivados pela empresa LÓTUS, assim como a área de artes plásticas e
música.
Gestão participativa fez parte da orientação do Projeto CRIAR aos
educadores, como meio de facilitar a implantação das atividades culturais nas
escolas.
As atividades que indicaram menor índice em raras vezes e nunca, foram
música, gestão participativa e literatura/poesia, apontando, respectivamente, de 0%
e 4%, 4% e 4% e 2% e 7%, o que confirmou a escolha destas como atividades mais
aplicadas no cotidiano escolar.
Apresentaram consideráveis índices de aplicação das atividades,
respectivamente, dança, com 39% algumas vezes e 21% raras vezes e artes
cênicas/teatrais com 45% algumas vezes e 26% raras vezes.
154
TABELA 25
IMPORTÂNCIA DAS AÇÕES DE ARTE-EDUCAÇÃO PARA O
DESENVOLVIMENTO PESSOAL E PRÁTICA DOCENTE DO PROFESSOR
Importância das ações de arte educação Freqüência Porcentagem
Não respondeu 5 11%
Arte na Infância 3 7%
Contação de Histórias* 10 22%
Colcha de retalhos* 10 22%
Aruanda (Dança folclórica) 7 15%
Patati e Patatá (Teatro de bonecos) 9 19%
Oficina de expressão poética* 0 0%
Brincadeiras cantadas* 1 2%
Projeto Mural* 1 2%
UAKTI (percussão) 0 0%
Andante 0 0%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
(*) Oficinas integrantes do Projeto Caravana Poética
Gráfico 25: Importância das ações de arte-educação para o desenvolvimento pessoal e prática
docente do professor
FONTE: Dados da Pesquisa
155
As ações de Arte-educação mais indicadas pelo grau de importância para o
desenvolvimento pessoal e prática docente do professor foram Contação de histórias
(intervenção ludo-cultural), com 22%, e Colcha de retalhos (artes integradas), com
22%, Patati & Patatá (teatro de bonecos), com 19% e Aruanda (danças folclóricas),
com 15% das preferências.
Gestão participativa foi um programa inserido no Projeto CRIAR, com a
finalidade de orientar os educadores, na implementação das atividades culturais nas
suas escolas.
O grupo de percussão Uakti e Grupo de teatro Andante ainda não tinham
desenvolvido as suas oficinas no período inicial da pesquisa, razão pela qual não
foram indicados, neste item do questionário, mas eles apareceram nas falas dos
educadores entrevistados mais tarde.
TABELA 26
AVALIAÇÃO DAS AÇÕES DE ACOMPANHAMENTO DO CONSULTOR
Avaliação das ações de acompanhamento do
consultor
Freqüência
Porcentagem
Não respondeu 1 2%
Muito necessário 16 35%
Necessário 27 59%
Pouco necessário 2 4%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
156
Gráfico 26: Avaliação das ações de acompanhamento do consultor
FONTE: Dados da Pesquisa
Enquanto 35% dos educadores pesquisados julgaram ser muito necessárias
as ações de acompanhamento às escolas, e apenas 4% disseram ser pouco
necessário o acompanhamento, 59% declararam ser necessárias as ações de
acompanhamento para implantação do projeto. Este resultado denotou a segurança
do professor com apoio da consultoria, para implantação do projeto na escola.
TABELA 27
CONSULTA DA EMPRESA SOBRE OS PROJETOS MAIS NECESSÁRIOS A SUA
ESCOLA
Consulta da empresa sobre os projetos
mais
necessários a escola
Freqüência
Porcentagem
Não respondeu 4 9%
Sim 14 30%
Não 28 61%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
157
Gráfico 27: Consulta da empresa sobre os projetos mais necessários a sua escola
FONTE: Dados da Pesquisa
30% disseram terem sido consultados, enquanto 61% declararam que não
houve consulta a eles.
Houve manifestação da empresa em consultar os educadores, mas não
atingiu a todos, o que representou uma grande falha na comunicação. Conclui-se
que 61% não foram ouvidos sobre o que queriam.
TABELA 28
MUDANÇA DA PRÁTICA PEDAGÓGICA
Mudança na prática pedagógica Freqüência Porcentagem
Não respondeu 2 4%
Muita 14 31%
Media 25 54%
Pouca 4 9%
Nenhuma 1 2%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
158
Gráfico 28: Mudança da prática pedagógica
FONTE: Dados da Pesquisa
31% dos pesquisados disseram que houve muita mudança na sua prática
pedagógica, em decorrência do Projeto CRIAR, enquanto 54% classificaram como
média a mudança e 9% identificaram pouca mudança na sua prática.
Não houve unanimidade na avaliação como tendo muita eficiência. Média
eficiência significa que talvez as atividades oferecidas não correspondessem às
demandas dos educadores.
TABELA 29
IDENTIFICAÇÃO DAS MUDANÇAS NA SALA DE AULA A PARTIR DAS
ATIVIDADES DE ARTE-EDUCAÇÃO
Percepção de mudanças no cotidiano da sala de
aula
Freqüência
Porcentagem
Não respondeu 2 4%
Aprimoramento do processo ensino-aprendizagem 10 22%
Criatividade na prática pedagógica 15 32%
Melhoria da comunicação com os alunos 10 22%
Melhoria da disciplina do aluno 3 7%
Utilização de recursos artísticos 6 13%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
159
Gráfico 29: Identificação das mudanças na sala de aula a partir das atividades de arte-educação
FONTE: Dados da Pesquisa
As mudanças no cotidiano da sala de aula, indicadas pelos professores, se
distribuíram da seguinte forma:
Criatividade na prática pedagógica: 32%.
Aprimoramento do processo ensino-aprendizagem: 22%.
Melhoria da comunicação com os alunos: 22%.
Utilização de recursos artísticos: 13%.
Melhoria da disciplina do aluno: 7%.
Não responderam: apenas 4%.
Se a expectativa dos educadores era "aprofundar seus conhecimentos
pedagógicos e melhorar sua prática docente", o projeto cumpriu os seus objetivos,
considerando que todos os pesquisados indicaram uma série de mudanças que
influíram na sua prática docente.
160
TABELA 30
APLICAÇÃO DAS ATIVIDADES
Aplicação das atividades Freqüência
Porcentagem
Não respondeu 2 4%
Nos planos de aula diários 9 19%
Nos projetos interdisciplinares 16 35%
Nas aulas de Arte 16 35%
Nas aulas de Educação Física 3 7%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 30: Aplicação das atividades
FONTE: Dados da Pesquisa
35% dos professores declararam utilizar as atividades nos projetos
interdisciplinares, e outros 35%, nas aulas de arte, enquanto 19% aplicam nos
planos de aula diários, e 7%, nas aulas de educação física.
O direcionamento das atividades de Arte-educação demonstrou uma
coerência com as orientações das oficinas, que colocaram ênfase em
interdisciplinaridade e arte. A aplicação nos planos diários, apesar do índice de 19%,
mostra um entendimento da proposta de utilização das atividades no dia-a-dia da
sala de aula.
161
TABELA 31
INDICAÇÃO DE PROBLEMAS EXISTENTES NA ESCOLA
Indicação de problemas mais graves na escola Freqüência
Porcentagem
Não respondeu 4 9%
Atitudes de agressão e violência 10 22%
Baixa qualidade do ensino 3 7%
Gravidez na adolescência 1 2%
Situação sócio-econômica dos alunos 27 58%
Uso de drogas 1 2%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 31: Indicação de problemas existentes na escola
FONTE: Dados da Pesquisa
58% das respostas indicaram como o problema mais grave na escola a
situação sócio-econômica dos alunos”; 22% indicaram “atitudes de agressão e
violência”, enquanto 9% não responderam, 7% citaram “a baixa qualidade do ensino”
e os 4% das respostas restantes foram igualmente distribuídas: 2% responderam
“gravidez na adolescência” e 2% “uso de drogas”.
Os professores tenderam a indicar problemas externos e não a qualidade do
ensino, pois isto significaria responsabilizá-los pelos problemas dos alunos.
Vale analisar que o objetivo da empresa de melhorar a qualidade do ensino
não correspondeu, segundo a indicação da gravidade dos problemas existentes na
162
escola, às maiores necessidades da comunidade escolar percebidas pelos
professores.
TABELA 32
ASPECTO MAIS FRÁGIL DA ESCOLA, COM NECESSIDADE DE MELHORIA
Aspecto frágil da escola
com necessidade de
melhoria
Freqüência
Porcentagem
Não respondeu 4 9%
Biblioteca 10 22%
Conteúdos e práticas de ensino 2 4%
Corpo docente 1 2%
Equipamentos e material didático 7 15%
Espaços de lazer 22 48%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 32: Aspecto mais frágil da escola, com necessidade de melhoria
FONTE: Dados da Pesquisa
A necessidade de espaço de lazer ocupa 48% das indicações de aspecto
frágil da escola, e 22% se referem à biblioteca. 15% indicaram falta de equipamentos
e material didático, enquanto 9% deixaram o item sem resposta. 4% consideraram
“conteúdos e práticas de ensino” e apenas 2%, “corpo docente”.
163
Concluiu-se que necessidade de capacitação na formação docente pareceu
não representar, para os professores, fator relevante nas ações de melhoria.
TABELA 33
OBJETIVOS DAS AÇÕES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA
Objetivos das ões de responsabilidade social da
empresa
Freqüência
Porcentagem
Não respondeu 2 4%
Estimular atividades culturais e artísticas na escola 22 48%
Incentivar a qualidade do ensino público 15 32%
Melhorar a imagem da empresa 1 2%
Preparar futuros empregados 0 0%
Preservar os valores culturais da comunidade 3 7%
Resolver problemas sociais da comunidade 3 7%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
Gráfico 33: Objetivos das ações de responsabilidade social da empresa
FONTE: Dados da Pesquisa
A percepção que os professores demonstraram ter do objetivo das ações de
responsabilidade social da empresa se concentraram em dois itens representativos,
sendo 48% “estimular atividades culturais e artísticas na escola” e 32% incentivar a
164
qualidade do ensino público”. 14% foram distribuídos igualmente entre os itens
“preservar os valores culturais da comunidade” (7%) e “resolver problemas sociais
da comunidade” (7%).
48% dos entrevistados identificaram cultura e arte como objetivos da
responsabilidade social da empresa; 32% reconheceram o incentivo à qualidade do
ensino, o que não exclui a atividade cultural. 7% indicaram como objetivo preservar
valores culturais, significando o reconhecimento da matriz cultural.
Curiosamente, apenas 2% das respostas indicaram melhorar a imagem da
empresa” como objetivo da responsabilidade social.
Os objetivos das ações da empresa se configuraram, pois as finalidades
propostas pela empresa foram percebidas pelos educadores.
TABELA 34
PRINCIPAL ASPECTO NÃO CONTEMPLADO E
QUE DEVERIA SER ALVO DE ATENÇÃO
Principal aspecto não contemplado
e que
deveria ser alvo de atenção
Freqüência
Porcentagem
Não respondeu 6 13%
Cultura afro-brasileira 2 4%
Cultura indígena 3 7%
Orientações sexuais 33 72%
Valorização e emancipação feminina 2 4%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
165
Gráfico 34: Principal aspecto não contemplado e que deveria ser alvo de atenção
FONTE: Dados da Pesquisa
O aspecto mais indicado foi “Orientações sexuais”, por 72% dos educadores,
enquanto 13% não responderam. Cultura indígena” teve o índice de 7% das
respostas, enquanto o aspecto “Cultura afro-brasileira” teve um índice de 4%, e
“Valorização e emancipação feminina”,4% também.
“Orientações sexuais” não foi um aspecto contemplado nas ações do projeto
CRIAR, mas os professores não foram consultados previamente. Concluiu-se que
não houve cuidado da empresa em identificar as necessidades da comunidade
escolar, para a escolha de projetos que seriam incentivados.
TABELA 35
VALORIZAÇÃO DOS COSTUMES, DAS DANÇAS, DAS MÚSICAS E FESTAS
LOCAIS
Valorização dos costumes, das danças, das
músicas e festas locais
Freqüência
Porcentagem
Não respondeu 6 13%
Não 3 7%
Sim 37 80%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
166
Gráfico 35: Valorização dos costumes, das danças, das músicas e festas locais
FONTE: Dados da Pesquisa
TABELA 35.1
VALORIZAÇÃO DOS COSTUMES, DAS DANÇAS, DAS MÚSICAS E FESTAS
LOCAIS
Valorização dos costumes, das danças, das
músicas e festas locais
Freqüência
Porcentagem
Sem justificativa 12 32%
Valorização da Cultura Popular 17 46%
Valorização da literatura de Guimarães Rosa 4 11%
Grupo Aruanda 4 11%
Total 37 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
167
Gráfico 35.1: Valorização dos costumes, das danças, das músicas e festas locais
FONTE: Dados da Pesquisa
80% dos respondentes disseram sim, e 7% responderam que o projeto
CRIAR não valorizou a cultura local.
Desses 80% que reconheceram a valorização da cultura local pelo projeto,
36% disseram que o projeto CRIAR “valoriza a cultura popular” , 9% reconheceram a
valorização da literatura de Guimarães Rosa”, e mais 9% citaram o Grupo folclórico
Aruanda como prova da valorização das danças. 13% não responderam, e 7%
afirmaram que o projeto não valorizou a cultura da comunidade.
Concluiu-se que 80% dos educadores entrevistados reconheceram que o
projeto valorizou a cultura, os costumes, danças e festas da comunidade.
TABELA 36
AVALIAÇÃO DO PROJETO CRIAR
Avaliação do projeto CRIAR Freqüência
Porcentagem
Não respondeu 1 2%
Muito bom 15 32%
Bom 26 57%
Razoável 3 7%
Fraco 1 2%
Total 46 100%
FONTE: Dados da Pesquisa
168
Gráfico 36: Avaliação do projeto Criar
FONTE: Dados da Pesquisa
Os dados mostram que 57%dos professores avaliaram o Projeto CRIAR como
um bom projeto e 32%, muito bom, enquanto 7% disseram ser razoável. 2% não
responderam e ainda 2% julgam o projeto como fraco.
4.2 Percepção dos Docentes sobre o Projeto CRIAR
4.2.1 Respostas das Entrevistas
Baseados na fundamentação teórica que teve como foco da análise as
abordagens sobre a responsabilidade social, o marco legal de incentivo cultural,
conceitos e finalidade da Arte-educação, delinearam-se os tópicos referenciais das
entrevistas com a finalidade de investigar a percepção dos educadores, quanto à
importância do projeto para o seu desenvolvimento cultural e sua prática docente.
Entrevistas semi-estruturadas constituíram um referencial para análise do
significado das ações de responsabilidade social percebido pelos participantes do
projeto CRIAR e se nortearam pelo seguinte roteiro:
169
1. Objetivo da responsabilidade social empresarial.
2. Percepção dos objetivos do projeto CRIAR.
3. O significado de Arte-educação na percepção do atores envolvidos no
projeto CRIAR.
4. As leis de incentivo à cultura na visão dos empreendedores culturais.
5. Percepção sobre o projeto CRIAR – ações e resultados.
Foram efetuados contatos com os diretores das instituições escolares, com
vistas ao delineamento efetivo do conjunto de atores a serem entrevistados e, em
seguida, iniciou-se o trabalho com dez educadores de atuações diferenciadas no
segmento escolar. Foram selecionadas três entrevistas mais significativas dentro
dos objetivos da pesquisa, realizadas com 1(um) diretor de escola de ensino
fundamental, 1(um) professor de ensino médio e 1(uma) professora de escola
especial da APAE.
Conforme determinado no projeto de pesquisa, foram também entrevistados
outros profissionais envolvidos no projeto CRIAR, no período compreendido entre os
anos de 2003 e 2005.
Finalmente, selecionou-se o total de sete entrevistas para análise, sendo elas
representativas de todos os segmentos envolvidos no processo de desenvolvimento
do projeto CRIAR. O conjunto dos atores entrevistados
13
foi composto, então, dos
três educadores, de uma coordenadora da área de comunicação da empresa
LÓTUS, responsável pelos programas de relacionamento com a comunidade e,
ainda, de três empreendedores culturais, que participaram com projetos de Arte-
educação, e também na função de facilitadores de oficinas. O critério de escolha
desses empreendedores justificou-se pela importância da posição de suas propostas
no projeto CRIAR, indicada em respostas nos questionários.
Após realização das entrevistas, processou-se um estudo de caso alicerçado
na análise da implementação do projeto CRIAR, na perspectiva dos professores e
dos empreendedores culturais envolvidos, e na percepção de uma representante da
empresa.
13
ATORES ENTREVISTADOS - Todos os entrevistados têm nomes fictícios neste trabalho. Os
empreendedores entrevistados, com citações neste trabalho, podem ser identificados como:
ELTON, EFO (Empreendedor e Facilitador de Oficina); CLÁÚDIA, EFO (Empreendedora e
Facilitadora de Oficina) e CAROL, ECP, (Empreendedora Cultural/Proponente de Projeto).
170
Para esta compreensão, foi considerada a função unificadora de um sujeito,
pois “as diversas modalidades enunciativas manifestam a dispersão deste sujeito;
para estatutos diversos, lugares diversos, posições diversas que ele possa ocupar,
ou lhe ser atribuídos, quando faz um discurso.” Foucault (1987, p.61).
Com a finalidade de avaliar as diversas formas de expressão que compõem o
quadro teórico da construção do objeto, no seu aspecto da construção discursiva,
pretendeu-se enfatizar o “como o objeto é tratado e tentar identificar as
diversificadas percepções e/ou que tipos de interesses ou necessidades congregam
estas formas em relação umas com as outras.
Diante destas premissas, podem-se extrair algumas observações analíticas
sobre as falas na pesquisa, considerando como os diferenciados atores/sujeitos -
que pensam de um lugar específico, de uma formação determinada - percebem os
objetos em questão.
O preenchimento desse lugar pode modalizar o objeto de modo diferente:
uma modalidade assertiva, uma modalidade especulativa, uma modalidade crítica,
etc.” (MARI, 2005)
Respondendo sobre o objetivo da responsabilidade social, Ilma
(coordenadora de comunicação empresarial da empresa LÓTUS) fala do seu lugar
institucional, quando expressa que o grande objetivo é suprir necessidades que
existem nas comunidades”, o que supõe uma deficiência que a comunidade parece
ter, e a representante da empresa se coloca na posição de dar conta do problema.
Os outros entrevistados apontam para coisas um pouco diferentes, supondo
um teor menos autoritário nos seus enunciados: Mauro, diretor de escola, diz que o
objetivo da responsabilidade social "deve ser de realmente poder ajudar instituições
locais ou pessoas que desenvolvam trabalhos de qualidade...”. Lúcio, o professor
de ensino médio, diz acreditar que o objetivo da responsabilidade social de uma
empresa reside no amparo ao desenvolvimento da comunidade”. Confirma unidade
de pensamento entre os educadores a fala de Marli, professora de ensino especial:
eu penso que o objetivo da responsabilidade social das empresas é auxiliar as
comunidades, onde elas pertencem”. As expressões ajudar, contribuir, amparar têm
um claro significado filantrópico.
Entre os empreendedores culturais entrevistados, que desenvolveram
projetos de Arte-educação, encontram-se percepções diversificadas. Para Carol, o
objetivo da responsabilidade social é fazer ações que possam melhorar a qualidade
171
de vida das pessoas que trabalham pra você, tanto na questão da empresa, como
na questão da pessoa... Eu, como proponente de projeto, por exemplo, me incluo
nessa questão”, enfatiza a proponente de projetos culturais.
Na condição de empreendedora cultural, Carol parece se revestir de
responsabilidade por melhorias profissionais e sociais, através dos trabalhos
artísticos que realiza.
Presencia-se, hoje, grande reconhecimento de que a vivência da arte e da
cultura funciona como articulação de identidades e referência na elaboração de
projetos de vida individuais e coletivos, além de ser meio de intervenção do indivíduo
na sociedade, constituindo-se como uma forma própria de participação social.
Ilma, no lugar da empresa LÓTUS, refere-se ao “entorno”, como foco dos
objetivos da empresa. Igualmente a Carol coloca-se no papel de assumir a
responsabilidade social, dizendo que “todos nós somos responsáveis pelo caminho
que a gente vai dar para a vida das pessoas”, como se a empresa tivesse o poder
de resolver os problemas da comunidade.
O empreendedor cultural Elton se coloca em um posicionamento crítico e de
generalização, dizendo que,
[...] quando propõe realizar ações de responsabilidade social, a empresa
acaba entrando num território de contradições, nos seus próprios objetivos,
nos seus próprios métodos, e confronta, muitas vezes, com questões da
responsabilidade, do social e aborda o território da afetividade, dos
anseios, dos desejos, dos medos, das glórias, etc.
Eu acho que são territórios bastante diferentes e penso que a empresa hoje
exerce ou tenta exercer esse papel por sobre a pressão, para obter
certificações. (ELTON, EFO)
Cláudia esclarece na sua fala que responsabilidade social é um retorno e, ao
mesmo tempo, um benefício em mão dupla. Ela enfatiza que de uns tempos pra
este trabalho social é uma das respostas melhores para o contato de empresas e
comunidades”. A entrevistada se coloca no lugar do artista que é mediador de tais
benefícios ou “respostas melhores”, e avança a sua percepção quanto ao papel da
responsabilidade social, acreditando ser “o caminho e a solução de muitos
problemas que a gente vem atendendo, principalmente enquanto o governo às
vezes não atende alguma coisa e o privado entra para ajudar”. (CLÁUDIA, EFO)
A entrevistada Marli, professora da Apae, tem expressão semelhante à de
Cláudia, em relação ao papel do Estado, quando justifica a importância da
172
participação da empresa: Porque se a gente for esperar somente dos governantes,
a gente não vai conseguir auxílio nenhum”. (MARLI, PEE)
Estas percepções são discutidas por SOUSA (2000, p.182), que destaca o
pragmatismo nelas existente afirmando que um reconhecimento de que o poder
público não conta de cumprir as responsabilidades que lhe cabem, e uma ‘saída’,
não ‘solução’, que se apresenta, é a busca de alternativas para suprir necessidades
de forma mais ágil, dentre as quais a parceria com empresas”.
Quanto ao significado da inserção da empresa na escola como alternativa
para melhoria do ensino público, as opiniões de representantes de empresas e
diretores de escolas, conforme pesquisa realizada por Sousa, em São Paulo,
tendem a destacar um ponto comum: o entendimento de que a parceria não é
solução para resolver o quadro de carências em que se encontra o ensino público,
“constituindo-se numa prática que pode amenizar tal situação, com caráter de
suplementação ou complementação à ação do Estado(Souza, 1996), o que está
implícito nas falas de alguns entrevistados na presente pesquisa.
Os discursos dos entrevistados apontam para uma situação de ambigüidade,
sob o ponto de vista conceitual e também prático, em relação à proposta da empresa
para realização de ações de responsabilidade social.
Para efeito de organização das percepções dos atores da pesquisa, em
relação ao projeto CRIAR, inserido no programa de responsabilidade social da
empresa LÓTUS, definiram-se algumas categorias para a análise da
Responsabilidade Social, como:
Estratégia empresarial; Imagem; Atendimento ao entorno; Formação de
futuros funcionários; Perspectiva assistencialista; Significados da Arte-educação
função didático-pedagógica e multicultural; Representação do projeto CRIAR como
cultura; Visão das Leis de Incentivo à Cultura; Avaliação do projeto CRIAR
processo e resultados.
a) ESTRATÉGIA EMPRESARIAL
Elton diz pensar que,
[...] a empresa hoje exerce ou tenta exercer esse papel por sobre a pressão,
para se ter na frente o certificado de ISO, para ela poder vender o seu
produto no mercado mundial. [...] a sua motivação é vender seu produto no
mercado mundial. (ELTON, EFO).
173
A fala do entrevistado faz aflorar a sua percepção das ões de
responsabilidade social como sendo pura estratégia empresarial.
Cláudia apresenta um discurso crítico, quando diz:
Essa coisa é uma faca de dois gumes, porque tem um outro lado da
empresa que patrocina, mas que a gente percebe que não es com os
olhos preocupados com a cultura, principalmente com o segmento da
cultura. Às vezes num ano ela patrocina um projeto, no outro ano patrocina
outro, que não tem nada a ver... depois outro e não continuidade. Como
se a comunidade em que elas atuam fosse como um... balde que ela vai
jogando migalhas assim: toma essa migalha de teatro, agora toma esse
evento na área da música... agora outro [...] E como se dissessem:
‘Estamos dando’. e não dá, porque o dinheiro é de imposto [...]
(CLÁUDIA, EFO).
b) VALORIZAÇÃO DA IMAGEM
Dos educadores entrevistados, dois deles se referem à questão da imagem
institucional, apresentando percepções diferenciadas sobre a motivação da empresa
em se preocupar com sua imagem na comunidade:
Eu acredito que o objetivo da empresa seja na questão de melhoramento da
sua imagem perante a comunidade local, sobretudo isto. Deve haver
também a questão de preocupar um pouco com a comunidade, mas
sobretudo em melhorar a sua imagem, quem sabe até aperfeiçoar a sua
imagem perante a comunidade local. (LÚCIO, PEM).
Mauro faz uma crítica à ausência de representantes da empresa nos eventos
relacionados ao projeto CRIAR, quando diz que,
[...] a empresa é muito ausente nestes projetos que ela mesma propõe.
Parece que nem tem interesse em divulgar o seu nome, porque o que as
escolas progrediram foi bem significativo e ela o usa isto para seu
marketing [...] Não sei por que [...] (MAURO, DEF).
Nas duas falas, percebe-se um tom de denúncia de imagem da empresa
desgastada diante da comunidade.
A fala de Carol critica a falta de divulgação do projeto CRIAR na comunidade
e denuncia o interesse da empresa em divulgar a sua imagem de forma mais ampla,
para os concorrentes, quando expressa:
174
Quanto à inserção da empresa LÓTUS com responsabilidade social, ela
aparece e divulga o seu trabalho, principalmente para as outras empresas,
fora da comunidade onde ela atua. Tenho notícias de inserção de fotos do
projeto CRIAR em publicações da empresa, em São Paulo. Então, ela
divulga lá fora, como um programa dela. Isto é complicado, porque as
pessoas fazem o programa acontecer e não estão sendo citadas. Têm que
ser citadas, há que se dar crédito... Acho então, que principalmente para ela
mostrar para as outras empresas, ela está conseguindo bem. (CAROL,
ECP).
Percebe-se um discurso do ator que se crê injustiçado, de denúncia por
usurpação de crédito de seu projeto artístico desenvolvido na comunidade.
c) ÊNFASE NO ATENDIMENTO AO ENTORNO
Percebe-se na fala da Ilma que o atendimento ao entorno constitui atitude
compensatória da empresa, que explora o ambiente em que se instala, com fins de
lucratividade.
Agora, falando enquanto empresa, falando em nome de uma atuação em
responsabilidade social empresarial, eu acredito que o grande objetivo é
suprir necessidades, que existem nas comunidades, que existem no entorno
onde as empresas atuam, porque ali elas se instalam, se beneficiam de tudo
que há para a lucratividade da empresa, e ela tem que deixar alguma coisa
em troca, tem que exercer o seu papel social para as pessoas que ali vivem,
para as pessoas que ali estão construindo suas vidas. (ILMA, RCE).
Claúdia enfatiza que, uma vez que a empresa se instalou em determinada
região, ela deveria dar o retorno para a comunidade, “enquanto está obtendo
recursos em prol de manufaturados, retirando alguma coisa da região”. A
entrevistada complementa que responsabilidade social é um retorno específico para
o bem social comum”.
A entrevistada complementa dizendo:
Para mim a solução seria a comunidade cobrar, exigir e não passar como se
a empresa fosse a benfeitora. Seria a comunidade dizer: para vocês ficarem
aqui, nós queremos isso, isso e isso. Mas não é assim que acontece. A
nossa cultura é de submissão, do receber. É muito complicado. (CLÁUDIA,
ECP).
Na opinião de Carol - que justifica a ênfase no entorno, por parte da empresa
- responsabilidade social significa ter os olhos voltados para ações amplas, que
envolvam não somente as questões pessoais, comerciais, institucionais, “como a
175
questão do entorno, principalmente do entorno”. A fala da entrevistada sugere que a
comunidade precisa ser vista pela empresa. Ela enfatiza que responsabilidade social
é,
[...] fazer ões que possam melhorar a qualidade de vida das pessoas [...]
É proporcionar melhorias básicas, proporcionar dignidade, é proporcionar
condições de trabalho. E transformar a realidade ao seu redor, de uma
forma positiva. (CAROL, ECP).
Marli, a professora de escola especial, entende as ações de responsabilidade
social da empresa como contrapartida pelo uso do espaço físico e social do
município, justificando: “[...] porque a empresa vive, utiliza, usa a comunidade onde
está”.
Tanto Ilma, quanto Cláudia, de modo mais crítico, justificam explicitamente
nas suas falas que as ações de responsabilidade social da empresa representam
contrapartida pelo que ela usa da comunidade”, e todos os outros entrevistados
deixam isto implícito nas entrelinhas dos seus discursos, referindo-se à apropriação
do local onde a empresa se instala, que deverá ser revertida em benefícios para o
entorno, para a comunidade.
d) FORMAÇÃO DE FUTUROS FUNCIONÁRIOS
Observa-se unidade discursiva entre Ilma, a representante da empresa
LÓTUS e Mauro, o diretor de escola, quando se referem ao aprimoramento do
estudo e desempenho escolar para os filhos dos funcionários, que poderão ser
futuros funcionários da empresa, embora haja grande diferenciação nas
modalidades enunciativas, pelo lugar que cada entrevistado ocupa, na comunidade.
Ilma é enfática em colocar a empresa na posição de poder, como o de
interferência no ensino público, quando diz:
Existe o retorno da empresa para os seus funcionários, através de seus
filhos nas escolas, aprimorando o estudo, buscando eficiência no ensino
público. Eles poderão ser futuros funcionários da empresa. Então,
conseqüentemente, essas crianças, esses adolescentes são potenciais para
estarem inseridos na fábrica, como funcionários. Sem dúvida, a empresa se
beneficiará disso, buscando uma melhor educação para os adolescentes
hoje, com certeza ela se beneficiará disso. Mas isso é uma conseqüência.
(MAURO, Diretor de escola).
176
A fala de Ilma traduz o investimento em responsabilidade social, como um
movimento estratégico de conseqüente retorno.
Mauro, por sua vez, expressa de forma quase subalterna que,
[...] é importante e necessário que as empresas ajudem as escolas, para
que as mesmas possam estimular o desempenho dos filhos dos
profissionais da própria empresa, que provavelmente serão futuros
funcionários. (Mauro, Diretor de escola).
Outros aspectos poderiam ser analisados nesta categoria, considerando o
retorno que a empresa espera do seu investimento em educação. Os dois
entrevistados colocam a intervenção na comunidade em termos de um investimento
para a mão-de-obra da própria empresa.
Pode-se observar que, para a empresa, é mais econômico absorver mão-de-
obra local, o que justifica o seu discurso em melhorias na área educacional.
e) PERSPECTIVA ASSISTENCIALISTA
Para o total dos entrevistados, parece quase unânime a visão que têm da
responsabilidade social da empresa, numa perspectiva assistencialista, quando
utilizam as expressões ajudar, auxiliar, ser amparo, suprir necessidades, como seu
objetivo principal, conforme as suas falas:
“É importante e necessário que as empresas ajudem as escolas”.(MAURO,
DEF)
“O objetivo da responsabilidade social reside no amparo ao desenvolvimento
[...] sem tentar atingir algum objetivo mirabolante, mas que tenha ênfase em tentar
ajudar aquela comunidade, onde ela se instala, em qualquer aspecto” (LÚCIO,
PEM).
“[...] é auxiliar a comunidade onde ela pertence” (MARLI, PEE).
“[...] suprir necessidades que existem na comunidade” (ILMA, RCE).
O lugar de onde fala a entrevistada deixa clara a posição de poder da
empresa, diante do objetivo da responsabilidade social, colocado por ela, que vai
muito além da visão dos outros entrevistados, na posição de assistidos pela
empresa.
Se o sentido de uma palavra é determinado pelas posições ideológicas
177
daqueles que as enunciam e os sentidos extraem a sua materialidade da ideologia
(MARI, 2005), observa-se coerência no discurso da representante da empresa,
demarcando pontos de incompatibilidade, quando diz que,
[...] o foco da responsabilidade social é estreitar o relacionamento com a
comunidade, enquanto todos os outros entrevistados falam que a empresa
é muito ausente [...], falta de comunicação..., precisa ter calma na hora de
querer resultados [...], não está preparada [...] (ILMA, RCE)
Os outros entrevistados pensam de forma um tanto diferente e essa
diferenciação continua mostrando a forma ideológica como a entrevistada que
representa a empresa se relaciona com o objeto em questão.
4.3 Perspectivas da Arte-Educação: Função Didático-Pedagógica e
Multicultural
A seguir serão analisadas as percepções dos entrevistados sobre o projeto
CRIAR que, em sua implementação, focalizou atividades de expressões artísticas,
destacando-se a dança, a música, o teatro de bonecos, a poesia, o desenho e artes
plásticas.
O texto que fundamenta o projeto CRIAR, da empresa LÓTUS, esclarece que,
conforme necessidades levantadas junto à comunidade educacional, foram definidos
alguns pilares norteadores das ações de responsabilidade social, dentre os quais se
destaca o pilar “Educando com Arte”, que propõe, “levar atividades culturais e
lúdicas para as escolas, buscando oportunidade para a comunidade escolar,
focando também a capacitação dos professores, alunos e multiplicadores, através de
oficinas culturais”. O objetivo desse pilar, conforme enfatizado no documento do
referido projeto, é “colaborar para o aprendizado dos alunos e professores,
propiciando um crescimento pessoal e cultural”.
O trabalho de pesquisa pretendeu buscar respostas para a indagação acerca
da eficácia dos projetos de Arte-educação patrocinados pela empresa LÓTUS, no
sentido de promover alfabetização cultural de professores e alunos, dentro de uma
visão multicultural.
A “Proposta Triangular” para o ensino da Arte defendida por Ana Mae
178
Barbosa é uma forma de “leitura” artística, cujo encaminhamento pedagógico-
artístico tem por premissa básica a integração do fazer artístico, da apreciação da
obra de arte e sua contextualização histórica.
É oportuno salientar que Barbosa (1998, p.92) defende que “a palavra ‘leitura’
sugere uma interpretação para a qual colaboram: uma gramática, uma sintaxe, um
campo de sentido decodificável e a poética pessoal do decodificador”.
Incentivado pela empresa LÓTUS,o projeto Caravana Poética, integrante do
Projeto CRIAR, foi o que mais se aproximou da metodologia de Barbosa,
especialmente a oficina de Expressão Poética. O objeto de ‘leitura’ compunha-se de
poemas, que, passados pelo processo de audição e interpretação, se transformavam
em referências para as criações pessoais, que seriam o objeto decodificado e
contextualizado na experiência pessoal do professor. O mesmo processo foi
transferido para as salas de aula, pelas mãos dos professores que participaram das
oficinas. Significativo número de professores entrevistados apontou o estímulo à
expressão poética como fator de melhoria da aprendizagem e da auto-estima dos
alunos, que a partir dela, desencadearam a alfabetização e o gosto pela leitura.
O projeto Mural, oficina de artes integradas, que privilegia uma pintura
figurativa-abstrata, teve seu processo metodológico aproximado da Proposta
Triangular, embora numa dinâmica inversa, mas muito rica, na medida da
possibilidade de criação, apreciação e leitura da obra produzida pelos próprios
alunos/professores”, conforme depoimentos de Carol, a proponente da Caravana
Poética.
Buscou-se identificar o significado da Arte-educação na expressão dos
entrevistados e que contribuições trazem as ações do projeto CRIAR para a
educação escolar, sob vários aspetos, conforme análises a seguir:
Ilma, representante da empresa LÓTUS, se posiciona de forma crítica em
relação à escola tradicional, dizendo que,
[...] a escola tradicional, principalmente à escola pública o reconhece a
cultura na educação, ainda. A Arte-educação nas escolas tem a finalidade
de levar as pessoas a vivenciarem mais a cultura, a buscar mais sobre a
cultura. Mas o que a gente é que fica-se nas matérias básicas do ensino,
sendo a Arte-educação - que possibilita ampliar a visão dos alunos, abrir a
cabeça dos alunos para a criatividade, para relacionamento, para outros
papéis que a gente desempenha na vida, que não se limitam ao Português,
à Matemática, a essas matérias tradicionais do ensino - relegada a um
segundo plano. (ILMA, RCE).
179
A fala da entrevistada, que responde pela empresa, demonstra uma visão
depreciativa da escola pública em relação à cultura, à criatividade e ao processo de
desenvolvimento da Arte-educação, que para ela tem grande importância na
formação do indivíduo.
Mauro, diretor de escola, diz que para ele Arte-educação representa uma
maneira diferente de ensinar e aprender e isto precisa ser mais valorizado pela
empresa. Arte-educação é uma idéia nova que nenhum professor aprendeu na sua
formação.
Verificam-se certas semelhanças nos discursos de Ilma e de Mauro, quanto à
deficiência ou ao tratamento equivocado da Arte-educação nas escolas. Na fala de
Mauro, perpassa a expectativa de apoio da empresa, para projetos de Arte-
educação.
O entrevistado enfatiza a formação deficiente do professor em relação à Arte,
atribuindo importância à nova concepção assimilada no projeto CRIAR, quando diz:
Arte que a gente conhecia era para desenvolver o dom que o aluno tinha,
mas a gente aprendeu que todos os alunos podem utilizar uma linguagem
artística e expressar do seu jeito. Esse conceito antigo de Educação
Artística, que ensina técnicas de artes plásticas no papel, eu acho que
está ultrapassado. Mas a gente não aprendeu isso direito. (MAURO, DEF).
Lúcio também focaliza a Arte-educação sob o aspecto didático-pedagógico,
como,
[...] um incentivo e uma orientação para o professor da rede pública,
principalmente, para que ele possa perceber que existe um caminho
diferente em termos de didática para ele lidar com os conteúdos. (LÚCIO,
PEM)
O entrevistado destaca na sua fala a ênfase dada por Mauro, Marli e Ilma
sobre a formação deficiente do professor, ao mesmo tempo em que valoriza o
projeto CRIAR:
Incentivar a arte dos professores e alunos eu acho que foi um ponto
significativo do projeto, porque na formação do professor, na faculdade,
nesta parte, ele não estava muito acostumado a lidar. Até então, na prática,
não. Muito menos na teoria. (LÚCIO, PEM).
Professor de ensino médio, Lúcio aponta como significativa para ele uma
oficina de poesia, do projeto Caravana Poética:
180
Para mim essa oficina que trabalhou letras de música, me deu mais
criatividade em trabalhar música com os alunos, inclusive até de aprender a
conciliar o conteúdo que eu estou trabalhando e relacionar com a música.
Fica bem mais fácil para dividir com o aluno. (LÚCIO, PEM).
Identificaram-se uma mesma concepção e pontos comuns aos entrevistados,
que apresentaram discursos críticos relativos à deficiência da Arte e da Cultura no
processo educativo escolar, e também sobre uma visão - muitas vezes indefinida -
que o professor da escola pública possui acerca da questão.
Marli, professora de escola da APAE, inter-relaciona Arte, Educação e
Cultura, enfatizando que Arte possibilita descobrir dentro de cada um, o seu
potencial, em todas as linguagens expressivas. É tirar aquilo que está escondido ali
dentro, aquelas possibilidades e habilidades que a pessoa pensa que não tem”.
Percebe-se na fala de Marli um grande foco em Arte e Cultura, como meios
para potencializar a criatividade e valores humanos, elementos significativos na Arte-
educação.
A entrevistada explica a interação arte, educação e cultura, exemplificando:
Educação é um aprendizado que a gente vai adquirindo a cada dia. Cada
vez que estamos trabalhando a dança, a capoeira com os meninos, a gente
não está trabalhando a questão da apresentação somente, apenas a
estética. Tem o trabalho da história daquela dança, porque que ela existe, e
o aluno trabalha o respeito ao outro, dentro da cultura. As duas coisas
envolvidas despertam os alunos para o mundo. (MARLI, PEE).
A entrevistada ressalta ainda no seu discurso uma vivência prática do projeto
na escola:
Eu vejo aqui mesmo na APAE, quando nós começamos a trabalhar com os
alunos a capoeira, a arte, a música, a dança, o desenvolvimento cognitivo
teve um avanço muito grande, muito maior do que só ficar apenas em papel,
caneta, lápis, giz. Porque a gente vai tirando do aluno, vai fazendo com que
ele descubra possibilidades e habilidades que estão escondidas. Quando a
gente une os dois... arte e se preocupando em educar, a gente consegue
um desenvolvimento muito grande. (MARLI, PEE).
A fala de Marli expressa a Arte-educação numa perspectiva didático-
pedagógica, quando diz que o desenvolvimento cognitivo dos alunos teve um
avanço muito grande.
Por outro lado, a entrevistada deixa implícita na sua fala a abordagem
multiculturalista, mostrando entender que a empresa se preocupa com essa questão:
181
Eu penso que a empresa tem esta preocupação, porque os projetos que
foram trazidos valorizaram a cultura brasileira, a história do país. Por
exemplo, nós não tivemos nenhum curso sobre o Haloween, que não é
cultura brasileira. Foi valorizado dança afro. Por exemplo, o Aruanda trouxe
muitas danças típicas de cada região do país. Isto resgata a história e
quando a gente chega pro aluno, ele descobre tantas coisas de sua vida, de
sua comunidade e da sua cidade. Ele valoriza a história que está em volta
do espaço em que vive. Ele não mora numa rua simplesmente, ali tem uma
história. Ele tem 15 anos de idade... vamos analisar o nosso município com
42 anos de existência, então se um jovem tem 15 anos, o que aconteceu na
sua cidade nos anos anteriores? Ele tem que descobrir isso pra respeitar e
valorizar o local onde ele mora. Então eu penso em arte e cultura nesse
sentido, na valorização das pessoas, do seu lugar, da sua história. (MARLI,
PEE).
A perspectiva multiculturalista na educação, como enunciado no capítulo I,
deveria ser o mais eficiente caminho para estimular a consciência cultural do
indivíduo, a começar pelo reconhecimento e apreciação da cultura local e como
forma de combate à influência dos códigos culturais europeus e norte-americanos
que vêm impregnando a educação formal.
Buscando analisar a fala de Elton - proponente do projeto Arte na Infância -,
percebe-se uma posição de crítica contundente em relação à Arte-educação, para
ele situada num “terreno de contradições” e, mais especificamente, quanto à questão
da formação do professor em um sistema educacional conservador:
Quando se fala de Arte e de ensino, você está com dois termos
contraditórios. Quando se pensa o ensino, na sua forma acadêmica,
formal... é uma coisa. E é uma coisa lamentável. Eu sinto que poderia
contribuir muito mais e tive demanda. Os próprios professores tiveram um
grande desejo de fazer um trabalho de capacitação comigo e essa coisa
não se deu. Foi difícil, não aconteceu, porque a própria escola, o professor
reconhece que ele não tem formação adequada para esse assunto. Depois
a própria idéia de Arte, de manifestação independente, liberal e libertária do
indivíduo se opõe ao processo formal de educação, e de enquadramento e
de formação. (ELTON, EFO).
Ele conclui o seu discurso, apontando para a importância do conflito no
desenvolvimento das relações sociais, quando diz que “é preciso que essas coisas
continuem se opondo. É isso que garante o meio termo, o caminho do meio de
sobrevivência”.
A fala do entrevistado é ratificada pela idéia de CÂNDIDO (1995), quando
expressa que a Arte não é uma experiência inofensiva, mas uma experiência que
pode causar problemas, pois no âmbito da instrução escolar, a Arte chega a gerar
conflitos, porque o seu efeito transcende as normas estabelecidas”.
182
Nesta perspectiva, a Arte tem papel formador da personalidade, mas não
segundo as convenções.
A inserção de questões relacionadas com as diferenças culturais nos
programas educativos escolares tem sido pouco considerada pelos educadores,
mesmo sendo óbvia a sua importância, pois em uma sala de aula, especialmente na
escola pública, se inter-relacionam indivíduos de diferentes grupos culturais que
terão sempre que lidar com outros indivíduos de diferentes culturas e sub-culturas.
Cláudia proponente do projeto Aruanda conceitua a Arte-educação do
ponto de vista do multiculturalismo e enfatiza o desenvolvimento das oficinas de
danças folclóricas, em conexão com todo o universo interdisciplinar da sala de aula e
também com a vida em comunidade, quando diz:
Apesar de fazermos a projeção das manifestações, através da dança, ela
não é desconectada da geografia, da linguagem, da comida , da música, do
vestir, do falar, dos costumes, etc. Então ela é associada a isso. Por isso é
que a gente dança assim, a gente mexe o corpo de outra forma. uma
visão multicultural. A cultura popular e a cultura erudita, a cultura de massa,
uma interfere na outra e assim vão acontecendo transformações. Como
folclore a gente tem que ficar atenta que folclore o é uma coisa estática,
não é uma coisa do passado. Pra ser folclore tem que ser atual, tem que
ser vivo. E esta leitura nós levamos para os professores e acho que daí é o
grande achado. Tentamos repassar o conceito de cultura popular
tradicional, enquanto uma coisa presente e que faz parte da nossa realidade
atual, nós somos o que somos pelo que a gente fez e pelas
transformações que são feitas no dia-a-dia. (CLÁUDIA, EFO).
A fala da entrevistada expressa uma visão antropológica da cultura, quando
se refere à cultura tradicional, considerada assim pelo tempo recuado de sua
realização e a sua atualidade, que sugere uma reflexão sobre a sua dinâmica, num
entendimento de como o tradicional participa ativamente da produção e reprodução
da vida social como cultura.
Nesta concepção, as pesquisas folclóricas etnográficas valorizam as culturas
populares, considerando que a ocorrência delas é função da dinâmica da sociedade
e que, de modo geral, a arte origina-se do povo. Entende-se que as criações
populares são fontes das eruditas e, segundo alguns pesquisadores, uma
corrente em dois sentidos, defendendo a idéia de que a esfera erudita e a popular
trocam influências de maneira incessante, fazendo da criação artística um fenômeno
de vasta intercomunicação.
Carol proponente do projeto Caravana Poética expressa visão múltipla da
183
Arte-educação: uma forma de conjugação de várias linguagens artísticas, cuja
importância está nas possibilidades de vivência direta e aprimoramento didático”.
A entrevistada salienta a importância da Arte-educação para,
[...] descoberta de potencialidades lúdicas e criadoras que possibilitam ao
professor a re-elaboração do modo de ver, sentir e agir na relação com o
mundo, proporcionando novos caminhos de construção do conhecimento,
numa perspectiva da ética, da estética e da poética, no cotidiano escolar.
Ela diz ver a Arte como um meio de potencializar a afetividade, a
capacidade criadora e a criticidade do professor. (CAROL, ECP).
Referindo-se ao projeto desenvolvido sob sua coordenação, Carol diz que a
Arte-educação contempla a abordagem de questões relacionadas à pluralidade
cultural, com propostas de valorização da cultura local e as possibilidades de
exploração na escola e na comunidade”.
Arte-educação baseada na comunidade é uma tendência contemporânea que
tem apresentado resultados positivos em projetos de educação para a reconstrução
social, quando não isolam a cultura local, mas a discutem em relação a outras
culturas.
A fala de Carol atribui à Arte-educação um poder abrangente e transformador,
no âmbito das relações educativas, e lembra que o seu projeto contemplou oficinas
de Brinquedos e brincadeiras e de Contação de histórias, cujos conteúdos são
intrinsecamente ligados à multiculturalidade”, que, segundo a entrevistada,
abrangem lendas, poesias e músicas de domínio blico e originárias de diversas
regiões do País e do mundo, para estimular a busca de valores culturais na própria
vida dos alunos e na comunidade”.
A entrevistada apresenta um discurso similar às idéias de Barbosa (1998),
que aponta o multiculturalismo como denominador comum dos movimentos atuais
em direção à democratização da educação em todo o mundo. Enfatiza que o
equilíbrio entre a configuração de uma identidade cultural e a flexibilidade para a
diversidade cultural é um objetivo e, provavelmente, uma utopia, que coloca a
educação em movimento constante, porque nem a identidade, nem os elementos do
meio cultural são fixos.
Segundo esta perspectiva, cada sujeito participa no exercício da vida
cotidiana de mais de um grupo cultural. É fundamental manter uma atmosfera
investigadora acerca das culturas compartilhadas pelos alunos, como forma de
184
combate aos clichês importados de culturas estrangeiras, que invadem as escolas,
sem que o aluno tenha consciência crítica sobre o que está assimilando.
Um aspecto comum considerado pelos entrevistados refere-se à Arte-
educação cumprindo uma finalidade de enriquecer a ação educativa do professor,
uma vez que, na percepção deles, é uma área que oferece meios didático-
pedagógicos para o desenvolvimento dos conteúdos curriculares e, ainda,
estratégias facilitadoras do processo ensino-aprendizagem na sala de aula.
Verificou-se também uma ênfase na perspectiva multicultural, como
abordagem e possibilidade oferecidas pelo Projeto CRIAR, por meio das oficinas de
Arte-educação.
Conforme constatação em entrevistas, diversas oficinas culturais do projeto
CRIAR ofereceram possibilidades de contato tanto com a cultura erudita, quanto
com a popular, como é o caso da Caravana Poética, que, por um lado, proporcionou
momentos de fruição estética da poesia de autores como Camões, Olavo Bilac,
Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Adélia Prado, entre outros, de
poemas musicados por grandes nomes do cenário musical brasileiro. Por outro lado,
nas oficinas de Contação de histórias foram abordados contos regionais de
repertório popular.
Conclui-se que as expressões dos entrevistados sobre os possíveis
significados da Arte-educação apontaram, direta ou indiretamente, para aspectos
didático-pedagógico e multicultural, associados à formação integral do indivíduo.
4.3.1 A Importância da Cultura no Desenvolvimento do Projeto CRIAR
Neste item, verifica-se que a identificação dos entrevistados com a
representação cultural é presente nas suas expressões, podendo ser considerada
como uma categoria significativa nas entrevistas, a importância da cultura no
desenvolvimento do projeto CRIAR.
Reportando às entrevistas, confirma-se a inserção deste contexto no Projeto
CRIAR, quando se depara com a fala de Cláudia, facilitadora da oficina de danças
folclóricas:
185
Quando a gente aborda a dança na educação, ela tem que estar agregada
ao contexto sócio-cultural dos alunos. Até mesmo porque a forma de se
manifestar através da dança é vinculada às histórias vivenciadas na
comunidade. Uma das primeiras ações nossas na abordagem da cultura
popular, foi estimular o olhar dos professores para o que cada aluno tem
dentro de casa. Qual é a identidade do João, filho da Maria, que mora na
rua x, no bairro tal, que história ele tem pra contar. A observação leva o
professor a identificar o diferente e o igual. Procuramos trabalhar a cultura, a
dança, no seu conceito histórico da diversidade cultural. Lidar com a história
viva é outra história. O aluno percebe que tem a ver com a identidade dele.
(PROJETO CRIAR, 2000)
Ilma, que fala em nome da empresa, sinaliza a importância da cultura para o
município, que não tem cultura própria, que não tem identidade” e justifica que “esta
é a razão do projeto de Arte-educação”, explicitando que, item fundamental no
projeto CRIAR, O pilar Educando com Artefoi criado em função de levar a cultura
para aquela região, que não tem um teatro, que não tem um cinema”.
A fala da entrevistada cria um distanciamento entre as expressões dos outros
entrevistados, esvaziando a reflexão sobre cultura, à medida que faz duas
afirmações ostensivas: uma, quando nega a identidade e a cultura própria no
município, e outra, quando justifica ser essa a razão do projeto CRIAR, como se as
ações suprissem as carências que ela denuncia.
Marli diz acreditar que “a empresa escolheu incentivar projeto de arte e
cultura para resgatar um pouco a história do nosso país, que está tão escondida,
que as pessoas não valorizam”.
E enfatiza que o brasileiro valoriza muito mais as histórias de outros países do
que do seu próprio, de sua própria região. A entrevistada esclarece que
[...] um dos pontos positivos do projeto CRIAR, que eu vi em todas as
oficinas, foi a busca do resgate da cultura. Houve a possibilidade de o
professor estar se vendo, valorizando e resgatando a cultura do seu
município. Ele teve que vivenciar, teve que sentir, para depois passar para o
seu aluno. (MARLI, PEE)
Percebe-se, na expressão da entrevistada, que o professor que vivenciou as
atividades propostas no projeto CRIAR, aprofundou mais a sua percepção sobre a
abrangência da arte e da cultura e suas possibilidades de transposição do conceito
para a prática, na escola.
Mauro demonstra perceber a concepção de cultura no projeto CRIAR como
uma proposta de reflexo transformador, ultrapassando os muros da escola, ao dizer:
186
A partir do projeto CRIAR, já criamos projetos comunitários, grupos de
dança e muitas atividades para valorizar a cultura de raiz - a maioria dos
alunos tem descendência negra - e melhorar a convivência social na nossa
escola [...] o entrosamento com as famílias e a motivação dos alunos.
Fazemos tudo para melhorar a qualidade do ensino. (MAURO, DEF).
A fala do entrevistado exprime a valorização da cultura, especialmente a
cultura de origem dos alunos, como estratégia de convivência e de intervenção
pedagógica.
Lúcio, no seu lugar de professor de História e Geografia, fez uma reflexão
sobre a representação da cultura, percebida por ele, no projeto CRIAR:
Na oficina de dança Aruanda eu percebi que uma maneira diferente de
trabalhar. Como eu sou professor de História e de Geografia, seria não
interessante, mas seria mais rico para o aluno conhecer como é plural a
nossa cultura brasileira, porque ele conhece apenas o funk, o hip-hop, que
são culturas de outros países. Ele ainda o tem aquela idéia de como a
nossa cultura regional é rica e importante na nossa formação. (LÚCIO,
PEM)
O entrevistado demonstra perceber o projeto CRIAR como fonte de formação
cultural e estratégia didático-pedagógica para desenvolvimento dos conteúdos na
escola, contemplando uma visão multicultural.
Na posição dos educadores entrevistados, está implícita a importância do
multiculturalismo crítico, cuja perspectiva se baseia no reconhecimento das
diversidades, na mobilização política, que entende a diferença como produto da
história, da cultura, do poder, da ideologia, e considera que nenhuma cultura pode
se sobrepor a outras, num movimento de diminuição dos preconceitos com as
minorias culturais.
Cláudia, facilitadora da oficina de danças folclóricas, conceitua a cultura como
“cultivo” e justifica: “ela produz, ela também tem um retorno”.
Quanto à representação do projeto CRIAR como cultura, ela diz:
É o caminho, porque eu acredito que cultura tem que estar agregada à
educação. Ela tem que ser uma cultura consciente e essa consciência tem que
passar pela educação, tem que chegar na base mesmo”. (CLÁUDIA, EFO)
A fala da entrevistada expressa uma tentativa de refletir sobre a construção
de uma Arte-educação democrática e multicultural, que é reforçada por Sousa
Santos (1999, p.62), quando trata da discussão sobre a construção multicultural da
igualdade e da diferença: “Temos o direito a sermos iguais sempre que a diferença
187
nos inferioriza; temos o direito de sermos diferentes sempre que a igualdade nos
descaracteriza”.
A entrevistada complementa a idéia, referindo-se ao professor na relação
com o aluno e diz:
“A partir do momento que você questiona o que você recebe, que você
dialoga, que você comunica, tem o que passar pro outro... É dentro da
educação, que é onde es esse saber, saber erudito, o saber da classe
dominante, os donos do saber... É esse o caminho da cultura, estar
entrando e estar recebendo esse diálogo, esse refazer dos conceitos do
saber... eu acho que é o caminho do multiculturalismo. (CLÁUDIA, EFO).
A entrevistada apresenta um discurso crítico e veemente em defesa do
diálogo por uma educação multicultural, defende a interação de cultura e educação e
enfatiza positivamente a realização do projeto CRIAR.
As práticas pedagógicas podem ser conduzidas por diferentes caminhos,
conforme entendimentos e apropriação que cada professor tem acerca do termo
multicultural. Nessa perspectiva, contemplar os fenômenos educacionais implica
redimensionar noções fundamentais sobre cultura, construindo propostas
curriculares emancipatórias, que incorporam elementos culturais e possibilitam a
formação de indivíduos críticos.
4.3.2 O Papel da Lei de Incentivo à Cultura
Tendo em vista que o projeto CRIAR foi patrocinado pela empresa LÓTUS,
sob os auspícios da Lei Estadual de Incentivo à cultura, foram consideradas nesta
análise as entrevistas da representante da empresa e dos empreendedores
culturais, pois apenas esses atores fizeram alusão ao assunto incentivo cultural.
Ilma, em nome da empresa patrocinadora, diz que o incentivo fiscal é uma
oportunidade que as empresas têm para desenvolverem seus projetos de
responsabilidade social nas comunidades e complementa:
Através do incentivo fiscal, a empresa, além de poder desenvolver os
projetos, diminuindo os custos próprios para execução dos projetos e dar
visibilidade a esses projetos, eu acho que é um grande passo do governo
para a questão do mundo empresarial, de estar usufruindo de verbas que
nem sempre o próprio governo destina para o social. (ILMA, RCE).
188
O discurso da entrevistada aponta para o lugar do poder - social e econômico
- da empresa, no espaço das intervenções comunitárias, indicando ainda a sua fala
a existência de um benefício de via dupla: a empresa diminui os custos próprios para
viabilizar projetos, e o governo canaliza verbas que seriam desviadas do social.
Ilma mostra um tom de denúncia, quando fala:
A gente está vivenciando esse momento de crise política. E a gente percebe
isso: de onde é que vem tanto dinheiro? Tanto, que as contas bancárias dos
políticos estão recheadas. Então, a gente percebe claramente que a gente
tem que influenciar mesmo. Através do incentivo fiscal, foi um passo, um
passo importante para o dia-a-dia das empresas, para desenvolverem seus
projetos. (ILMA, RCE).
Esta fala estaria insinuando uma disputa de poder da empresa com o Estado?
O discurso da entrevistada parece afirmar que as leis de incentivo abriram espaço
para a empresa controlar as questões sociais na comunidade.
Com referência ao envolvimento social da corporação, Levitt (1958) enfatiza
que “os negócios precisam sobreviver, e precisam de segurança contra ataques e
restrições do seu maior inimigo potencial, que é o Estado”, entendendo, ainda que o
”bem-estar e a sociedade não fazem parte do negócio das corporações”.
A entrevistada complementa a sua fala justificando que o projeto CRIAR está
vinculado à área de recursos humanos da empresa LÓTUS,
“o que limita muito a autonomia, em termos de valores a serem
disponibilizados para projetos sócio-culturais. Sobra uma fatia muito pequena do
bolo do grupo empresarial e a gente não tem poder para interferir. A estrutura
precisa mudar. A área de responsabilidade social deveria ser independente da área
de recursos humanos, para cumprir a sua função externa de manter e fomentar o
relacionamento da empresa com a comunidade”. (ILMA, RCE).
A fala da coordenadora de Comunicação da empresa é uma justificativa
individual, mas o conteúdo do discurso é caracterizado pelo contexto social em que
a empresa está inserida, o da valorização do lema de responsabilidade social pelas
corporações. Como agente enunciador, a fala da entrevistada é a de reprodução
inconsciente do dizer do seu grupo social, não sendo ela livre para dizer, mas
‘coagida’ pelo sistema empresarial a reproduzir o discurso incorporado na
organização. Segundo Srour (1994), é a busca de sintonia com o discurso
hegemônico no intuito de preservar a própria imagem.
189
Elton, um dos empreendedores culturais que participaram com oficinas no
projeto CRIAR, diz que as leis de incentivo à cultura m evoluído bastante e são
fatos relativamente novos no nosso contexto sócio-cultural, que estão abertos a
novas constituições”. Em relação à “parceria” com empresa, o entrevistado mostrou
uma fala crítica:
Eu acho que é sempre muito difícil, em nível da instituição, você alcançar
novos resultados, mas estabelecer um processo de discussão, de manifestação... as
pessoas estão chamando para militância cultural, a representação dessas idéias”.
(ELTON, EFO)
O discurso do entrevistado, de certa forma, denuncia a posição de
autoritarismo da empresa, na inflexibilidade para diálogos com os proponentes de
projetos e alerta para a necessidade de posicionamento da classe artística.
A própria lei estadual, agora, recentemente, criou um fundo também. Eu
acho que é ade se esperar, mesmo porque à medida que se caminha
para uma sociedade onde a produção industrial e alimentar se torna mais
eficiente, essa grande massa que esno ócio, precisa ser ocupada de
alguma forma. (ELTON, EFO).
Pode-se extrair da fala do entrevistado a existência de uma responsabilidade
social do artista, que incorpora a crença na Arte como função cognitiva, ética e
estética, reconhecendo nele mesmo um instrumento de visão. O artista não
consegue devolver ao mundo uma imagem simétrica, uma cópia adequada, um
reflexo sem reflexão.
Elton complementa sobre a sua atuação, decorrente de projeto aprovado em
lei de incentivo:
Acho que tenho conseguido contribuir com o setor empresarial. Eu acho que
hoje eu tenho mais capacidade de oferecer respostas sociais, que são as
necessidades da empresa, com a minha forma de trabalhar interação social,
alcançando meus objetivos culturais e os objetivos sociais, que seriam os
desejos da empresa. (ELTON, EFO).
Percebe-se na sua fala um reconhecimento da lei de incentivo à cultura, como
um canal para a inserção da arte e da cultura em camadas sociais periféricas, e
ainda a colaboração com a empresa no seu papel socialmente responsável, quando
diz:
190
Você tem o lado do entretenimento, que é uma versão crítica dessa
existência, mas você tem por outro lado também avançando... isto me deixa
feliz... a oportunidade de criação efetiva e participação efetiva, por exemplo,
em áreas que estão à margem do mercado. A criança está fora do mercado
de Arte. Hoje estou levando oportunidade de expressão e trazendo
elementos do interior, do meio rural, que raramente têm acesso às leis de
incentivo. (ELTON, EFO).
A fala do entrevistado encontra abrigo na premissa de Merquior - presente no
capítulo I - de que sendo,
[...] a arte por si mesma, uma responsabilidade social, a exigência de uma
responsabilidade social por parte do artista é questão que se coloca à
medida que uma sociedade, decidida a instaurar seus valores, age, até
certo ponto, em nome de uma cultura onde há mais coisa a fazer do que
coisa feita e acumulada, exatamente o caso das sociedades culturalmente
(não só economicamente) subdesenvolvidas. (MERQUIOR, 1996, p.241).
Elton destaca na sua fala o papel do artista diante da abertura proporcionada
pela lei de incentivo à cultura:
Eu acho que essa é a ação efetiva do artista num momento de transição
industrial, onde a agricultura familiar perde espaço para a agricultura
industrial e é um fato que se impõe economicamente, e reconhecer que
economia é fato vivo e primordial... Então, assim, como que podemos
humanizar isso e fazer a nossa contribuição? Eu acho que existe um leque
grande de coisas por serem descobertas e serem exercidas e que o
artista deve buscar esse exercício efetivo.
As leis estão contribuindo para isso e estão abertas para receber novas
propostas e constituem hoje um desafio para a própria classe cultural e
artística, porque elas oferecem o caminho. As leis de incentivos estão
abertas a novas propostas e elas é que abrem o caminho. (ELTON, EFO).
Focalizando a fala da empreendedora cultural Carol, constata-se um tom
bastante crítico, quando declara ter uma ressalva, especialmente em relação à lei
estadual de incentivo à cultura, que,
[...] por um lado ela proporciona oportunidades de realizar os projetos e
fazer o que a gente tem e não tinha possibilidade de fazer no passado, por
outro lado, ela criou um círculo vicioso que se você não tem a lei de
incentivo à cultura, você o sobrevive artisticamente no mercado. Criou um
vício completamente destrutivo porque, especialmente no interior, que se
acostumou mal a receber as atrações e os projetos de graça, se vai um
grupo lá cobrando cinco reais que seja, eles não vão porque não é de
graça. Se vai um cantor fazer um show sem patrocínio, acham ruim e ainda
questionam: Por que fulano fez show de graça e esse tem que cobrar?
(CAROL, ECP).
191
Carol enfatiza ainda que isto,
[...] gerou um péssimo bito, deseducou a platéia, formou uma platéia que
não tira dinheiro do bolso para consumir a cultura. Formou muita platéia,
sim, mas uma platéia preguiçosa e ‘pão dura’, que vai aos eventos, sim,
mas que é incapaz de tirar cinco reais do bolso para ver uma novidade.
(CAROL, ECP).
A percepção que a entrevistada demonstra sobre a lei de incentivos como
formadora de hábitos culturais da comunidade, é bastante polêmica, porque ela
desloca o foco de uma mobilização social, exclusivamente para a o foco da culpa
atribuída à lei de incentivo. Entende-se mobilização social, como um processo de
reflexão e tomada de consciência para definição de demandas sócio-culturais e
construção de uma dinâmica cultural participativa, com envolvimento dos diversos
atores da comunidade. Essa mobilização, no caso, partiria dos setores responsáveis
pela implementação dos projetos incentivados, ou seja, a empresa LÓTUS e sua
parceira SEMEC (Secretaria Municipal de Educação e Cultura).
Por outro lado, a questão da contrapartida das empresas não é fiscalizada
da forma como deveria ser. Não é mesmo fiscalizada. Algumas empresas
perceberam que pra elas ficaria muito mais interessante passarem o valor
em dinheiro, porque elas estavam gastando com pessoal da parte interna e
passaram a dar a contrapartida em dinheiro, o que foi uma grande evolução
pra elas e uma vantagem pros artistas, que têm mais condição de gerenciar
essa verba. São 25% do valor do projeto que o empreendedor recebe a
mais, para gerenciar os custos. Esta questão da contrapartida é muito séria.
A empresa tem que entender que ela está ali aparecendo, e que ela está
deixando de pagar imposto pro governo, que os projetos não são dela, os
projetos são do governo, do povo, do estado, porque é dinheiro público, não
é dinheiro da empresa. Ela não pode manipular os projetos e mudar o teor
artístico do projeto, o que costuma acontecer. Eu acho que a pessoa se
vender e mudar o projeto por exigência de uma empresa, ela está
acreditando, no fundo, que a empresa é que tirou o dinheiro do bolso.
(CAROL, ECP).
A fala de Carol denuncia a intromissão da empresa na estrutura original de
um projeto cultural e na conivência de alguns proponentes/artistas com certas
práticas empresariais de ética duvidosa.
A contrapartida, aludida pela entrevistada, corresponde à taxa de co-
responsabilidade empresarial - no valor de pelo menos 20% do valor incentivado -
que deverá ser efetivada em moeda corrente, fornecimento de mercadorias,
prestação de serviços ou cessão de uso de imóveis, desde que necessários à
realização do projeto, em definição negociada entre empresa e proponente. A
192
empresa incentivadora deve ter a perspectiva de investimento, no que se refere ao
projeto cultural. A obrigatoriedade de desembolso de recursos próprios força as
empresas a planejarem e avaliarem a importância do investimento em cultura como
uma estratégia de marketing com grande potencial de retorno.
Cláudia diz que na lei de incentivo à cultura existem duas facetas:
Uma é a questão de quem está pleiteando mesmo, de quem está buscando,
de quem está atuando na área de cultura. Acaba sendo um caminho que
você tem que percorrer para conseguir alguma verba, para você fazer
alguma coisa, que não é só em prol de você, que é mais em prol do outro.
Quem trabalha com cultura mesmo sabe que tem que passar por isso.
E pra você continuar fazendo uma coisa que a gente entenda que seja na
área de educação ou cultural, acaba passando por isso.
Essa coisa é uma faca de dois gumes, porque tem um outro lado da
empresa que patrocina, mas que a gente percebe que não es com os
olhos preocupados com a cultura, principalmente com o segmento da
cultura. Às vezes num ano ela patrocina um projeto, no outro ano patrocina
outro, que não tem nada a ver [...] depois outro e não há continuidade.
Como se a comunidade em que elas atuam fosse como um [...] balde que
ela vai jogando migalhas assim: toma essa migalha de teatro, agora toma
esse evento na área da música [...] agora outro [...] E como se dissessem:
‘Estamos dando’. Dá e não dá, porque o dinheiro é de imposto [...] Acho que
o dar por dar, como fossem migalhas mesmo é complicado. (CLAÚDIA,
EFO).
A fala da entrevistada mostra a sua percepção de que a empresa não tem
compromisso com um projeto de revitalização da cultura na comunidade, que as
ações são fragmentadas e sem continuidade. A sua fala deixa perpassar, ainda um
descaso da empresa com a escolha dos projetos que incentiva, desconsiderando a
adequação com as necessidades e interesses da comunidade.
O interesse deles o é a comunidade, sabe? O interesse é exatamente
abater no imposto. Vira o interesse financeiro atrás de outro interesse que é
o da gente, da pessoa que corre atrás, que buscando, que
promovendo, que está pleiteando. E o interesse da empresa que só quer
mesmo passar como socialmente responsável dessa forma:’ Somos bons,
estamos atendendo’[...] o interesse em passar boa imagem [...] (CLÁUDIA,
EFO).
Aliada a esta fala crítica, a entrevistada expressa o seu questionamento,
como se não houvesse outra saída para o empreendedor cultural:
Eu não sei[...] será que era melhor sem ou é pior com. Essa é a questão.
Mas se não tem outro caminho por enquanto, eu acho que é um, por que se
não acontecer dessa forma não acontece de jeito nenhum. Aliás, será que
não aconteceria de jeito nenhum mesmo????? É melhor a gente parar aqui.
(CLÁUDIA, EFO).
193
Cláudia, no seu lugar de proponente de projetos, expressa certa indignação
em relação à percepção que demonstra ter de como a empresa se apropria das
prerrogativas da lei de incentivos, principalmente para abater no imposto” e passar
boa imagem”. A sua fala deixa transparecer também um misto de angústia e
insegurança do empreendedor cultural diante da situação de dependência à lei de
incentivo aliada ao poder da empresa, como o único caminho para desenvolver
projetos culturais.
falta de conscientização de que você está recebendo uma coisa que é
de direito seu e que é de dever do outro. A empresa não está fazendo favor
aos artistas, nem à comunidade. É o mínimo! Pra entrar na sua casa, o
mínimo é pedir licença. Às vezes a empresa entra, toma conta do espaço e
até mesmo acaba gerenciando o que ela quer que a comunidade tenha
como cultura ou não.
Então você apresenta os projetos e a empresa vê o que ela acha
interessante [...] Tem que ser o contrário: Ela deveria apresentar todos o
projetos à comunidade e perguntar o que ela quer. Então [...] nós queremos
isso, isso, isso. Nós não queremos isso. então, eu acho que teria um
retorno. Mas é um caminhar longo. Apesar dessa dependência, é uma
oportunidade. (CLÁUDIA, EFO).
A entrevistada denuncia uma situação de autoritarismo da empresa e, ao
mesmo tempo, de submissão da classe artística, que desenvolve os projetos
incentivados pela empresa, e também da comunidade, que aceita ‘calada’ o que lhe
é oferecido.
Uma proposta de cultura para superar as desigualdades e as exclusões por
meio da democratização do acesso deverá proporcionar aos indivíduos, grupos e
comunidades instrumentos necessários para que, com autonomia, possam
desenvolver a sua vida cultural e participar nos processos sócio-culturais.
Outra coisa é a questão do Estado [...] que às vezes é uma coisa da
Constituição, que é de direito, mas que joga pro privado uma coisa que o
Estado, às vezes não conta. Ele passa pra empresa uma
responsabilidade que deveria ser dele. Você paga os impostos, mas você
não recebe o seu retorno e ao mesmo tempo tem que estar pleiteando, tem
que bater na porta de outro, para conseguir um retorno que o Estado
deveria estar dando. Mas de qualquer forma, o caminho é esse, por
enquanto, então tem que ser trilhado. O mínimo que a lei de incentivos, que
as pessoas que estão nesse controle precisam saber é se um projeto é bom
para a comunidade ou não. É complicado, mas é um cana. (CLÁUDIA,
EFO).
Assim como a empreendedora Carol, também Cláudia, apresenta um discurso
reivindicativo e crítico com relação à necessidade de fiscalização e controle dos
194
projetos patrocinados pela empresa - pelos órgãos estaduais responsáveis -, desde
a escolha adequada às demandas da comunidade até a execução das ações.
4.3.3 Percepção Avaliativa Sobre o Projeto CRIAR – Ações e Resultados
Diante da indagação sobre objetivos do projeto CRIAR, suas ações e
resultados, Ilma inicia a sua fala se referindo à escolha de escolas públicas para
implantar o projeto CRIAR,
[...] que se justifica porque a gente queria abranger um número maior de
escolas, e o município tem 20 escolas públicas, uma quantidade maior do
que a de escolas particulares, que dispõem de mais recursos e têm ensino
mais eficiente, exatamente porque elas m recursos próprios para buscar
um ensino com eficiência, com qualidade. Nós estamos abrangendo 10
escolas, mas o objetivo é que a gente consiga chegar ao total das 20.
(ILMA, RCE).
Este discurso mostra uma restrição exercida de um agente sobre o outro, em
uma autêntica relação de poder: a gente (a empresa) queria [...] nós estamos [...] A
entrevistada fala a linguagem da empresa, demonstrando pensar do modo que o seu
grupo pensa, e complementa justificando o formato do projeto criar:
O projeto foi desenhado, foi escrito, e tinha como diretriz trabalhar o jovem e
a educação. Então, casando esses dois focos, descobrimos a possibilidade
de trabalhar em escolas. Esse é o maior objetivo. E ele se destrincha nas
suas várias vertentes de educação, de mobilização, de infra-estrutura, de
acompanhamento dos professores, de capacitação. (ILMA, RCE).
Ilma continua sua fala:
Mas eu acho que o grande objetivo é estreitar o relacionamento com a
comunidade, ter ela mais próxima... Porque numa comunidade de 25 mil
habitantes e uma empresa empregadora de média de 1000 funcionários, o
número de filhos de funcionários nessas escolas é muito grande. Então é
um retorno da empresa também para os funcionários, através de seus filhos
na escola, aprimorando os estudos, buscando a eficiência no ensino
público. (ILMA, RCE)
A fala da entrevistada é impregnada de uma estratégia empresarial que
explicita o benefício pretendido para os funcionários da empresa através dos seus
filhos nas escolas públicas, o que possibilita o aumento do nível de identificação dos
195
funcionários com a empresa, além de uma imagem corporativa favorável.
Numa avaliação do projeto CRIAR, eu acho que hoje ele precisa de uma
revitalização, ele precisa buscar novas alternativas, outras inserções nas
escolas, e que essa demanda surja da própria escola. E ele é um projeto
muito interessante, inovador, ele traz pilares que são fundamentais para as
escolas da comunidade, que têm poucos recursos, mas o projeto precisa de
revitalização.
A gente tem que ouvir, precisa aprender a ouvir o que os professores, o que
os alunos estão querendo realmente. E trabalhar dentro disso aí, porque o
projeto quando surgiu, aconteceu uma pesquisa e definiram os pilares e
eu acredito que deu certo o projeto, o formato é bom.
A gente percebe isso nos resultados que nós tivemos. Todos estão
fluindo, como os grupos de dança, os meninos que trabalham na rádio, e na
descoberta desses alunos de potenciais que eles têm, nessas áreas que
eles descobriram através do CRIAR. (ILMA, RCE).
A fala da entrevistada revela uma percepção positiva dos resultados obtidos
por meio das ões do projeto CRIAR, embora ela expresse a necessidade de
revitalização.
Mas eu acho que agora a gente precisa ouvir o que a comunidade quer, o
que a escola quer para poder ter um resultado mais concreto, mais
perceptível, de maior visibilidade. Eu acho que, para que isso aconteça,
todas as partes envolvidas têm que estar comprometidas com o projeto.
Tanto os proponentes, como a empresa, quanto a Secretaria de Educação,
como os consultores têm que perceber o que é preciso ser mudado. Mas eu
acho que o projeto precisa de uma mudança. (ILMA, RCE).
O discurso final da representante da empresa aponta para a necessidade de
comprometimento dos envolvidos no projeto, que pode significar uma iniciativa de
fortalecimento da ‘parceria’ e de tentativa de consolidação de uma imagem positiva
junto à comunidade.
Mauro, diretor de escola do ensino fundamental, disse perceber resultado
positivo do projeto CRIAR:
[...] uma nova maneira de pensar e perceber a educação, o que é ponto de
partida para as mudanças na atitude dos professores. É mudança de cultura
[...] uma cultura que não tivemos antes [...]
A oficina ‘Caminho de Luzes e Pedras’ - de gestão participativa - foi
fundamental para a gente aprender a se organizar, registrar, avaliar a nossa
caminhada, com mais clareza, para transformar o que é preciso.
Acho que é o caminho para mudar a cultura da equipe da escola, por isso é
que proponho que as oficinas, principalmente esta de gestão participativa,
devem ser feitas com todo mundo de cada escola. A gente faz um curso,
uma oficina [...] e chega na escola todo entusiasmado, mas não consegue
passar do mesmo jeito para os professores [...] fica difícil colocar em
prática.
196
Outro ponto positivo que vejo é a organização dos professores, uma
preocupação maior com os registros, a avaliação e um jeito mais criativo de
preparar as aulas. Sinto melhor desenvolvimento dos alunos, embora estes
ainda precisam melhorar muito, porém para que isto aconteça, tem que
melhorar os educadores. (MAURO, DEF).
O entrevistado, na condição de diretor de escola, de líder, revelou na sua fala
a importância da oficina que abordou gestão participativa, como norteadora dos
profissionais da escola, na organização dos seus trabalhos e na interação dos
projetos artísticos com as disciplinas curriculares.
A abordagem teórica tem enfatizado a importância da apropriação cultural no
interior da escola, enfatizando que “a cultura escolar se efetiva, quando os sujeitos
se apropriam desse ambiente cultural e o reelaboram no seu cotidiano” (TURA,1999)
O entrevistado Mauro continua sua fala expondo que
[...] a partir do projeto CRIAR, criamos projetos comunitários, grupos de
dança e muitas atividades para valorizar a cultura de raiz e melhorar a
convivência social na nossa escola... o entrosamento com as famílias e a
motivação dos alunos. Fazemos tudo para melhorar a qualidade do ensino.
(MAURO, DEF).
Mauro mostra na sua fala uma crença na valorização da cultura de raiz e na
validade do diálogo entre as várias linguagens que se constroem na escola, em
busca da qualidade do ensino.
Um ponto negativo no projeto CRIAR, apontado pelo entrevistado,
[...] é principalmente a pouca disponibilidade de tempo dos consultores, que
são muito importantes para nós. Eles precisam ficar mais conosco para nos
ajudar a superar as nossas dificuldades. Outro é a questão das oficinas em
horários que não permitem todos os professores da escola participarem. E
também a falta de visita e participação da empresa, para ver o que estamos
fazendo, como já crescemos. (MAURO, DEF).
O discurso do entrevistado apresenta nuances de dependência, ao apontar a
importância dos consultores, que ajudam a superar dificuldades e, por outro lado, a
necessidade de a equipe escolar ser reconhecida pela empresa, que, pela sua fala,
tem sua ausência sentida pelos educadores.
O entrevistado Lúcio, professor de ensino médio, disse que,
197
[...] em relação ao projeto CRIAR, no período de 2003 a 2005, constituiu-se
de atividades que orientaram as escolas, os professores na questão da
gestão das escolas e na questão de trabalhar, incentivar a arte dos alunos e
professores. Eu acho que foi o ponto significativo do projeto. (LÚCIO, PEM).
Semelhante à percepção de Mauro, o entrevistado reconhece a gestão
participativa proposta como uma parte significativa do projeto, bem como as
orientações relacionadas à Arte-educação.
Mas nem todos esses projetos, a princípio, alcançaram ou melhoraram de
fato o desempenho do professor, mas apenas deram uma orientação”. (LÚCIO,
PEM).
Porém, pela fala de Lúcio, os objetivos do projeto CRIAR não foram
totalmente alcançados, pois as atividades apenas serviram de apoio ao desempenho
do professor.
O entrevistado aponta pontos negativos no projeto, quando fala que,
[...] houve falta de uma comunicação entre o projeto CRIAR e a SEMEC,
para uma melhor organização do cronograma. Porque também complica
para a escola, faltar 03 ou 04 professores. Complica para o diretor da
escola. Eu e os professores da escola em que trabalho sugerimos que o
projeto ocorresse por escola. Por exemplo, segunda-feira o projeto
aconteceria em uma escola só, e todos os professores teriam oportunidade
de realizar. Naquele dia, naquele mês tal, seria em outra escola. Acho que
seria mais harmônico e até para o projeto ter mais resultado.
Quando eu fiquei sabendo da oficina do Uakti, já tinha passado [...] Puxa
vida! Um grupo musical famoso aqui com a gente, conhecido
internacionalmente [...] (LÚCIO, PEM)
Apesar de Lúcio demonstrar interesse pelo projeto, em sua fala pode-se
perceber um posicionamento crítico que tem unidade discursiva com a do diretor
Mauro, quanto à necessidade de organização das atividades para atender a todos
os educadores de uma mesma escola.
Marli expressa que,
[...] como são bons projetos, são projetos que auxiliaram bastante no caso
da educação. Puderam despertar os professores para muitas coisas que
estavam adormecidas, entretanto a gente também tem que analisar que a
empresa tem que ter um pouquinho de calma na hora de querer os
resultados, porque as escolas caminham devagar. A gente tem que
respeitar o desenvolvimento e o aprendizado dos alunos porque eles não
aprendem de uma hora para outra. A gente tem que dar o tempo para que
cada um desperte sua habilidade. (MARLI, PEE).
198
O lugar de que fala a entrevistada determina o teor do seu discurso. Marli fala
do seu lugar de facilitadora do projeto em sua instituição e professora de ensino
especial, que exige do professor competência para lidar habilidades e ritmos
diferenciados, na busca de resultados concretos.
Reportando-se às atividades artísticas do projeto CRIAR, a entrevistada
enfatiza na sua fala que
Não adianta a gente querer cobrar do aluno este desnudar do ser, soltar
preconceitos, se ele mesmo, o professor, o conseguir em primeiro lugar
se soltar, se livrar de preconceitos. Se o professor não venceu isto, como é
que ele vai pra frente ministrar uma aula, se ele mesmo não se soltou?
Quando a gente consegue que o professor faça isso, que ele se solte, que
ele mostre uma outra face dele, o aluno adquire confiança e consegue se
soltar. (MARLI, PEE).
Marli complementa sua fala buscando identificar as atividades mais
significativas do projeto CRIAR e a razão da sua importância:
Vários cursos foram muito bons, mas eu vejo que o primeiro que foi de
Gestão participativa chegou num momento em que a gente precisava parar
ou repensar as nossas atitudes aqui dentro. Então quando nós trabalhamos
aquele caminho das pedras e que oportunizou que fossemos para uma
reunião de conselho (da APAE) e fazer uma avaliação de como estava a
escola naquele momento, ela fez com a gente buscasse novos caminhos,
fez com que os profissionais abrissem o olhar para novas posturas [...]
melhorasse aquilo que... não vou dizer que estava errado, mas aquilo que
estava precisando de novo olhar nova postura dos profissionais de um
modo geral. (MARLI, PEE).
O primeiro curso de gestão participativa fez com que a escola abrisse, ela
fez com que os cursos posteriores fossem bem recebidos, porque as
pessoas estavam buscando melhora. Então nós agarramos os outros cursos
com unhas e dentes, buscando essa melhora e, a partir daí a gente foi
amadurecendo, adquirindo passo a passo, conquistando aquilo que a gente
precisava. (MARLI, PEE).
A fala de Marli expressa que havia uma necessidade de transformação no seu
grupo, e o projeto CRIAR ofereceu o suporte, especialmente norteado pela gestão
participativa.
O conselho começou a ver a instituição com outro olhar [...] pêraí [...] a
APAE, o que é houve? Foi visto que não era a escola que tava olhando
os meninos ali no sentido de dar abrigo para aqueles meninos que
precisam. Não! Foi o momento de repensar que os alunos tinham
possibilidade de ocupar outros espaços. Então hoje nós estamos com
meninos no mercado de trabalho, os alunos sendo alfabetizados. A gente tá
no início ainda, mas os alunos estão sendo alfabetizados. Isto tudo foi uma
conquista. Mudanças de posturas aqui dentro que fez com que tudo se
desenvolvesse. Porque se não fosse isto a gente ia estar na mesmice até
hoje. (MARLI, PEE).
199
Percebe-se entusiasmo e compromisso no discurso da entrevistada, que
relata resultados concretos junto aos alunos da escola especial, embora nada tenha
sido direcionado, especificamente, aos portadores de necessidades especiais:
O projeto trouxe contribuições, mas com relação à educação especial é tudo
muito novo no país.
As faculdades muito pouco tempo é que têm disciplina de educação
especial. Os cursos superiores não tinham isso. Hoje em dia a gente não
encontra muito material adaptado pra educação especial. A gente vai
adaptando para a realidade de cada criança. Em qualquer instância [...] a
não ser cursos dentro da Federação das Apaes, mas tirando isto, qualquer
curso que a gente faça, a gente tem que chegar aqui na APAE e adaptar
para a nossa realidade, seja livro, seja curso, seja passos de uma dança...
tudo tem que ser adaptado para a nossa realidade. Justamente por isso...na
escola, a gente tem diversas deficiências, diversas síndromes e o que serve
para um não serve para outro [...] a gente vai adaptando à realidade de
cada aluno e atendendo à individualidade de cada um. (MARLI, PEE).
Marli finaliza a sua fala, identificando pontos positivos e negativos percebidos
no projeto:
Os pontos positivos que eu vi em todos os cursos foi esta busca de resgate
da cultura, para levar aos alunos. O professor estar se vendo, valorizando e
resgatando a cultura do seu município, teve que vivenciar, teve que sentir,
para depois passar pro seu aluno. (MARLI, PEE).
Percebe-se na fala da entrevistada a valorização da cultura numa proposta de
vivência prática das oficinas.
Os pontos negativos foram ligados talvez às questões administrativas, de
datas que foram muito apertadas. A questão de tirar professores da escola
num momento em que ela não poderia ficar desfalcada de profissionais.
Turmas que poderiam ter um número x de participantes foram menos do
que o esperado. (MARLI, PEE).
Este ponto negativo tornou-se observação recorrente, pois de fez presente na
fala dos outros educadores entrevistados, bem como a referência à pouca
participação da empresa no desenvolvimento do projeto CRIAR, revertida em tom de
protesto, na fala de Marli:
Com relação a uma participação mais ativa da empresa, às vezes a gente tá
nos cursos, participando ou vai fazer um encontro para apresentar um
trabalho e a gente não ninguém da empresa. Quem que está sempre lá?
Os pais, os alunos. Se ela esoferecendo os cursos, ela teria que estar
junto, mais ativamente. Isto é que, na maioria das escolas, os profissionais
sentem falta [...] ver as pessoas da empresa acompanhando mais de perto.
(MARLI, PEE).
200
O proponente de projetos, Elton, apresenta um discurso absolutamente
crítico, quando solicitada a sua percepção avaliativa acerca de ações e resultados
do projeto CRIAR:
Eu tenho um pouco de dúvida se a gente pode chamar isso de um projeto.
Isso é uma composição de um mix de projetos. Mas, enfim, o projeto CRIAR
eu não identifiquei, eu não tive essa informação, de identificar como um
projeto. É uma oportunidade de somar um grupo de ofertas e realizar isto
durante uma etapa. É uma estratégia de investimento. (ELTON, EFO).
E continua seu discurso:
Uma das questões que pontuei foi exatamente que poderia ter nessa
oportunidade, um encontro com as diversas pessoas que estavam fazendo
oficinas diferentes e realizar um intercâmbio entre eles. Tinha gente
fazendo música, varal de poesias, vários assuntos que são do meu
interesse, mas na prática...isso era feito de forma isolada. A gente ia lá,
tantos dias e acabou, vai embora e tchau. Eu acho que isso ofereceria
grandes oportunidades de conjugações, de somar ganhos nisso. Mas
implicaria, por outro lado também em esforço, de avaliação, de articular, de
se trabalhar isso. Um esforço da própria empresa [...] (ELTON, EFO).
A fala do entrevistado demonstra o seu reconhecimento do valor dos projetos
artísticos que participaram do CRIAR e, também, críticas às proposições que ele
teria para o enriquecimento das ações, de forma integrada.
Eu acho que a empresa não está preparada para trabalhar isto, na sua
própria conceituação sobre estas questões, sobre esses valores que a
gente leva para a realização do projeto... Então eu penso que a realização
do meu projeto é quase que um fato isolado nesse contexto. Ele se deu por
determinados atributos próprios na relação direta com a criança, com a
mãe, com o professor, no conteúdo do trabalho e nos resultados [...] e
também naquilo que a prefeitura se empenhou para vir a BH, (trazendo os
alunos para a mostra dos desenhos no Palácio das Artes), houve essa
coisa. Mas eu colocaria assim como uma ação do projeto Arte na Infância e
alunos das escolas e professores das elscolas, não na sua interação no
conjunto dos demais projetos, etc., não querendo me isolar, mas de fato não
houve essa dinâmica. Eu vejo por essa ótica. (ELTON, EFO).
Elton mostra, na sua fala, um descrédito em relação à ação da empresa,
apontando para a fragmentação das ações do projeto CRIAR, que, na concepção
dele, é apenas uma estratégia de investimento da empresa.
O entrevistado complementa a sua percepção sobre os resultados do projeto
criar, dizendo:
201
Eu considero que o meu objetivo foi alcançado, com resultados positivos...
eu tenho também depoimentos registrados [...] que enriquecem a nossa
própria existência particular, de um ideal pessoal e dessa realização da arte
com a criança, dando oportunidade a ela, que está fora do contexto do
mercado, de se expressar, de ser reconhecida no seu meio escolar, no seu
meio familiar e cultural. (ELTON, EFO).
A fala de Elton, embora demonstre uma satisfação particular, expressa o
sentimento de isolamento no projeto CRIAR, que é complementado quando diz que
não teve nenhuma avaliação da empresa e denuncia que o próprio espírito da
empresa é antagônico à questão social”. E continua seu discurso crítico:
Eu acho que para a empresa desenvolver um projeto contemplando essas
questões sociais e de instrução, exigiria muito mais sensibilidade e
conhecimento dessa matéria. E às vezes você tem na empresa
administradores que estão com a visão num processo de produção, de
lucro, de resultados [...] num ritmo, numa dinâmica, numa forma de relação
completamente defasados da vida real, da vida dos ritmos, da vida das
emoções, etc. Não se pode transportar esse modelo industrial e
administrativo para um projeto artístico, dinâmico. Eu acho que es a
essência da questão. (ELTON, EFO).
Percebe-se, na expressão de Elton, uma inquietação pela forma inadequada
como a empresa se relaciona com os projetos incentivados por ela mesma e, ao
mesmo tempo, um desejo de que houvesse uma dinâmica interativa entre a empresa
e os atores envolvidos no projeto CRIAR, confirmando as falas dos outros
entrevistados.
Passando para a entrevista de Carol, percebe-se também um posicionamento
crítico em relação ao projeto CRIAR, quando diz:
Eu considero que o objetivo do meu projeto foi alcançado em parte, porque
a minha proposta era trabalhar com todas as escolas da rede pública, e
atendemos somente a metade. Eu acho muito complicado um projeto de
relacionamento com a comunidade trabalhar com 50% de um espectro da
comunidade. Ele deveria atender não somente a todas as escolas, mas com
todos os espectros da sociedade, com a classe trabalhadora, com os
professores, com os estudantes, com donas de casa, com ações amplas,
com ações direcionadas. Mas se você vai fazer um trabalho mais intenso
com as escolas, isto gera uma baixa estima aos que não participam, gera
competição desnecessária, gera um ciúme desnecessário, e o que pode ser
produtivo, por um lado, pode agravar de outro lado, gera problema de outro
lado. Acho que fica uma balança muito desigual. Tem que se tratar
igualmente todas as escolas. Não que se fazer amostragem de 50%,
numa cidade com 20 escolas... Não tem sentido! que se dividir as ações
com todas. Se fossem 200 escolas, trabalhar com 20, tudo bem, mas 20 [...]
não tem por quê. (CAROL, ECP).
202
A entrevistada também demonstra, na sua fala, o incômodo pela dificuldade
de comunicação com a empresa:
A empresa não se faz presente, o que causou estranhamento por parte de
nós, empreendedores, já envolvidos no processo. Havia uma intermediação,
que teve seu lado positivo: o cronograma vinha arrumadinho. Você ia
sabendo qual faixa etária ia ser atendida, então você podia preparar melhor
a atividade que você ia levar. Mas a gente não tinha nenhum contato com a
empresa. (CAROL, ECP).
E, finalmente, Carol apresenta um discurso indignado pela ausência da
empresa nas ações do projeto CRIAR:
que ela se propõe a fazer um projeto pra comunidade, como uma
empresa que atua junto à comunidade, nada melhor que mostrar a carinha,
por meio dos funcionários, por meio das pessoas vinculadas à empresa, por
meio de ações diretas.
Na condição de proponente e facilitadora de oficina, Cláudia diz: do que eu
presenciei do projeto CRIAR, eu achei fantástico.
O projeto CRIAR foi um dos melhores projetos que conheci, quando estava
pleiteando o incentivo. Qualquer projeto aliado à educação e à cultura
tem que dar certo. Eu acredito que se um dia a empresa deixar de
patrocinar projetos, a comunidade, se ela tiver sido conscientizada,
enquanto estava participando, ela vai pleitear, ela vai estar buscando. Se
vierem com um projeto que não é de interesse, eles vão questionar. Você
pode até sair, mas você deixou um pouquinho da transformação desses
conceitos, que já vêm pré-estabelecidos. (CLÁUDIA, EFO).
Considerando que os objetivos do seu projeto foram alcançados, a
entrevistada reforça na sua fala que,
[...] muitos professores fizeram várias oficinas para ampliar seus
conhecimentos e com interesse de reforçar o que já tinham aprendido.
Ficamos sabendo que já há grupos de danças folclóricas formados por
alunos das escolas, o que constata a nossa realização! (CLÁUDIA, EFO).
Cláudia, no papel de empreendedora, fala do seu relacionamento na
comunidade:
O relacionamento nosso com os alunos/professores foi fantástico e com a
comunidade também. Mas com a empresa não houve nenhum contato. O
contato foi mais com a Secretaria Municipal de Educação. A relação
próxima com a empresa não houve. Eu não conheci ninguém da empresa.
O nosso contato foi com os representantes da Secretaria de Educação. O
que a gente percebeu foi a importância da SEMEC valorizar a Arte-
educação, que aí agregou o Aruanda, agregou a dança e que levou a outras
demandas que tinha dentro da educação. (CLÁUDIA, EFO).
A fala de Cláudia reconhece, também, o significativo papel da Secretaria
203
Municipal de Educação e Cultura no desenvolvimento do CRIAR e, ao mesmo
tempo, demonstra estranhamento pela ausência de representante da empresa nos
eventos.
A partir das análises descritas anteriormente, pode-se chegar a conclusões
referentes aos universos abordados – a cultura, a Arte-educação e a escola pública -
muito significativos no norteamento de uma visão crítica de suas relações com o
programa de Responsabilidade Social Empresarial, da empresa LÓTUS.
As ações de parceria decorrentes da Responsabilidade Social podem
concretizar-se de diversas formas, apresentando diferentes tipos de engajamento
muitas vezes problemáticos, já que tais ações nem sempre são pautadas no direito à
escolha ou participação da comunidade, cabendo à empresa as definições,
conforme os seus próprios interesses, a exemplo do cenário em que foram situadas
as escolas participantes do projeto CRIAR, escolhidas pela empresa LÓTUS, assim
como os projetos culturais a elas oferecidos.
Embora os limites dos campos de atuação, possam ser considerados como
conflitos velados, numa relação de poder e submissão, os representantes das
escolas públicas se sentiram beneficiados pelo projeto de Arte-educação.
A oficina ‘Caminho de Luzes e Pedras’ - de gestão participativa - foi
mencionada por todos os educadores entrevistados, como fundamental para
aprenderem a se organizar, registrar e avaliar a caminhada, com mais clareza.
O caminho de Luzes e Pedras ajuda a transformar o que for preciso na
escola. Acho que é o caminho para mudar a cultura da equipe da escola,
por isso é que proponho que as oficinas, principalmente esta de gestão
participativa, deve ser feita com todo mundo de cada escola. A gente faz um
curso, uma oficina [...] e chega na escola todo entusiasmado, mas não
consegue passar do mesmo jeito para os professores... Aí fica difícil colocar
em prática. (MAURO, DEF).
Esta expressão representa uma dificuldade encontrada pelos educadores em
reeditar as atividades do Projeto CRIAR para os colegas, em suas escolas.
Esta fala de um diretor de escola traduz um efeito positivo da oficina de
gestão participativa, Caminho de luzes e pedras, na sua escola:
Um resultado positivo do Projeto CRIAR é a organização dos professores,
uma preocupação maior com os registros, a avaliação e um jeito mais
criativo de preparar as aulas. Sinto melhor desenvolvimento dos alunos,
embora estes ainda precisem melhorar muito, porém para que isto
aconteça, tem que melhorar os educadores. (MAURO, DEF).
204
Uma das conclusões que se apresenta é que, apesar da ausência de
representação da empresa LÓTUS nos eventos do projeto - ausência denunciada e
sentida pela maioria dos entrevistados, tanto educadores quanto proponentes de
projetos - o desenvolvimento das ações inseridas no Projeto CRIAR foi percebido
como positivo pelos participantes.
O discurso ideológico da empresa - “o foco é estreitar o relacionamento com a
comunidade” - demarca incompatibilidade com a percepção dos referidos
entrevistados, que enfatizam a ausência e a falta de comunicação por parte da
empresa, em relação aos eventos por ela incentivados. Supõe-se que a insatisfação
manifestada pelos entrevistados possa se identificar com a necessidade de
reconhecimento, por parte da empresa, do valor das ações realizadas nas escolas,
em decorrência do Projeto CRIAR.
Ana Mae Barbosa defende que, sem conhecimento em arte e cultura, não é
possível uma consciência da identidade nacional, e a escola é o lugar adequado
para se exercer o princípio democrático de acesso à informação e formação estética
de todas as classes sociais, propiciando-se, na multiculturalidade brasileira, uma
aproximação de códigos culturais de diferentes grupos.
O que temos, entretanto, é o apartheid cultural. A sonegação de códigos
eruditos de arte predomina no gosto da classe dominante que, por ser dominante,
tem possibilidade de ser mais abrangente e também domina os códigos da cultura
popular.
O projeto CRIAR pode não ter conseguido superar tais desajustes, mas as
pesquisas mostram uma nova visão conceitual sobre a questão da identidade
cultural, assimilada pelos educadores participantes das oficinas artísticas, cujas
atividades, segundo os entrevistados, passaram a ser reeditadas junto aos alunos,
como a formação dos grupos de dança, os contadores de histórias e a expressão
poética.
Pode ser percebida, nas entrevistas, a valorização dessa abordagem nas
oficinas artísticas, levando os educadores a despertarem para uma nova consciência
pedagógica em sala de aula e para a possibilidade de abordagens mais criativas dos
conteúdos curriculares, conforme declaração da totalidade dos professores
entrevistados.
205
5 CONCLUSÕES
No decorrer deste estudo, a pesquisadora tentou desvendar muitas questões
para responder qual é o significado da Responsabilidade Social Empresarial, na
percepção dos atores entrevistados, considerando a inserção da empresa LÓTUS
no espaço educacional público, por meio de projetos de Arte-educação.
Se o objetivo da empresa, conforme documento do projeto CRIAR, é
“colaborar para o aprendizado dos alunos e professores, propiciando-lhes um
crescimento pessoal e cultural, numa tentativa de suprir uma necessidade da escola
pública, enquanto traz um retorno da valorização da sua imagem institucional junto à
comunidade”, conclui-se, pela fala dos entrevistados, que os resultados foram
positivos. Na expressão dos educadores, o Projeto CRIAR não representou uma
“solução permanentepara as questões educacionais, mas sim um “grande apoio
para o professor aprimorar a sua prática pedagógica”, e muitos deles reconheceram
o benefício pessoal e cultural proporcionado por algumas oficinas.
Uma questão que ficou no ar, talvez pela subjetividade inerente à sua
natureza, é se a empresa obteve “retorno da valorização de sua imagem institucional
junto à comunidade”, com o programa de responsabilidade social oferecido às
escolas públicas do município.
O pilar Educando com arte, integrante das diretrizes operacionais do Projeto,
propôs “levar atividades culturais e lúdicas para as escolas, buscando oportunidades
para a comunidade escolar, focando também a capacitação dos professores, alunos
e a formação de multiplicadores. Todo o trabalho deverá ser desenvolvido através de
oficinas culturais”. Este objetivo de proporcionar projetos culturais incentivados pela
empresa LÓTUS foi um dos pontos positivos, acrescentando-se, ainda, o
depoimento dos participantes, que enfatizaram a competência dos facilitadores de
oficinas. Porém é preciso considerar que a prática não fala por si mesma. Para se
entender a eficácia de um projeto de Arte-educação, busca-se, em Kuenzer (2004),
a referência para uma prática educativa: os fatos práticos têm que ser identificados,
analisados, interpretados, que a realidade não se deixa revelar pela observação
imediata; é preciso ir além da imediaticidade para compreender as relações, as
conexões, as estruturas internas, as formas de organização, a relação entre as
partes e a totalidade, as finalidades, que não são apreendidas no primeiro momento,
206
quando se percebem os fatos vivenciados, muitas vezes superficiais, que ainda o
se constituem em conhecimento. Para que as escolas incorporem ao seu cotidiano
as ações desenvolvidas no Projeto CRIAR, como suporte “para o aprendizado dos
professores e alunos”, como pretendeu a empresa LÓTUS, torna-se fundamental a
continuidade e o aprofundamento dos conhecimentos e estratégias oferecidos.
Portanto o objetivo da empresa de “suprir uma necessidade da escola pública”
representa uma pretensão, cujo alcance exigiria um projeto duradouro e não apenas
temporário, como os patrocinados através das Leis de Incentivo à Cultura.
Os atores pesquisados reconheceram a importância da Arte-educação no
processo educativo escolar, bem como a sua restrita formação nessa área de
conhecimento. Enfatiza-se que, nas dez escolas integrantes do projeto CRIAR, não
sequer um professor com formação em Artes. Esta é uma informação que
suscitaria novas discussões que, por sua vez, apresentariam questões paradoxais,
pois, sendo a Arte uma área de conhecimento inserida no programa curricular oficial,
ela continua, na escola, submetida a um tratamento absolutamente distanciado da
função de promover a alfabetização estética e cultural, fato que pode ser justificado
pela escassez de profissionais com formação na área.
Corroborando o que diz Ana Mae sobre as deficiências que contornam a Arte-
educação no Brasil, mesmo na universidade, supõe-se que o somente a falta de
professores de Arte é que agrava a questão, mas o despreparo dos professores de
Arte, especialmente no ensino público.
O Projeto CRIAR, de certa forma, representou uma contribuição para as
escolas, na falta do professor com formação específica em Arte.
O patrocínio privado reflete o movimento mundial iniciado nos anos 80,
quando os governos começaram a cortar seus financiamentos para as áreas sociais
e, mais particularmente, para a cultura, num cenário de crise econômica e busca de
soluções, dentro do chamado quadro neoliberal. Apesar dos problemas que trouxe
para a sociedade, este movimento tem um aspecto positivo no caso brasileiro, pois
resultou numa mobilização maior de artistas e produtores, que foram obrigados a
sair a campo em busca de patrocínio privado para o desenvolvimento das suas
atividades.
Mesmo sabendo que o objetivo da empresa não é destituído de interesses
corporativos, é fato positivo verificar que ela começa a considerar a cultura como
algo importante, graças ao esforço dos produtores culturais, às campanhas
207
governamentais, à presença da mídia; um fator relevante são as comunidades mais
conscientes e mobilizadas para reivindicar ações sócio-culturais. Foi significativo o
índice de educadores entrevistados que atribuíram à empresa LÓTUS a obrigação
de cuidar do entorno, devolvendo à comunidade o que ela tira para o seu benefício
comercial”. Por outro lado, a percepção de que o objetivo da responsabilidade social
da empresa é “ajudar, amparar, auxiliar, suprir necessidades” foi mais freqüente do
que o reconhecimento de seu interesse real - divulgar a sua imagem” -, conduzindo
à suposição de um posicionamento ingênuo ou subalterno desses entrevistados, em
relação à empresa.
Os resultados levaram a pressupor que a prática da responsabilidade social
se situa, para os educadores, num contexto mais significativo que o mero discurso
empresarial.
Responsabilidade Social é uma questão complexa, levando-se em conta que
o patrocínio de projetos culturais é importante para a empresa, do ponto de vista de
estratégia, de mercado, e pode gerar conceito positivo para a sua imagem na
comunidade.
A arte cumpre um papel muito eficiente para a visibilidade da empresa na
comunidade, pela própria natureza de suas manifestações expressivas.
A Responsabilidade Social Empresarial, na percepção dos entrevistados,
apresentou várias facetas, e a percepção dos professores teve focos variados,
contemplando aspectos positivos e algumas ressalvas. O estudo possibilitou a
identificação de pontos positivos e pontos polêmicos no Projeto CRIAR, numa
perspectiva da Responsabilidade Social Empresarial.
Entre os pontos positivos destacaram-se:
1. Ser um projeto voltado para a área de cultura é um ponto positivo do
projeto de Responsabilidade Social da empresa LÓTUS, porque significou
uma oportunidade oferecida a educadores do interior do estado para o
contato com uma diversidade de linguagens artísticas, aplicáveis no seu
cotidiano escolar e na comunidade.
2. A destinação de recursos para a área de arte e cultura representa um
ponto positivo. Embora a empresa tenha se beneficiado da Lei Estadual de
Incentivo à Cultura, que lhe concede o direito de transferir as obrigações
fiscais para a área cultural, ela disponibilizou, de fontes próprias, 25% do
valor de cada projeto incentivado para o empreendedor cultural. Esta
208
iniciativa é facultativa a cada empresa, podendo a contrapartida ser
revertida em infra-estrutura, transporte, hospedagem, etc. Conforme
depoimentos de empreendedores, é vantagem que eles mesmos
gerenciem esse recurso.
3. A oportunidade dada a grupos artísticos, de divulgarem seu trabalho, num
momento em que as medidas governamentais prestigiam os grupos
que estão envolvidos em projetos culturais, aprovados em Lei de Incentivo
à Cultura, representa, talvez, para os artistas, a única forma de subvenção
e meio de sobrevivência.
4. Foi possível aos educadores vivenciarem atividades de arte e cultura,
abrindo novos horizontes para possibilidades de formação na área.
5. Em relação à qualidade do ensino, o projeto ofereceu aos professores um
vasto repertório de atividades culturais, lúdicas e criadoras, como
alternativas para o trabalho com os alunos.
6. O estímulo à cultura regional ocorreu nas oficinas que buscaram a
interação do seu conteúdo e as tradições culturais da região, entre elas as
danças, as brincadeiras, a literatura. Este aspecto se confirma como
positivo na identificação de 80% dos educadores que afirmaram ter sido a
“valorização da cultura local” contemplada no Projeto CRIAR.
Alguns aspectos significativos sobre os objetivos das ações de
Responsabilidade Social da empresa LÓTUS, indicados pelos educadores
apontaram para uma visão positiva do papel da empresa, considerando
que 48% perceberam como objetivo estimular atividades culturais e
artísticas na escola”, e 32% disseram que é incentivar a qualidade do
ensino público”, o que não exclui a atividade cultural. Significando o
reconhecimento da matriz cultural, 7% dos educadores indicaram como
objetivo da empresa preservar valores culturais da comunidade”, e mais
7%, “resolver problemas sociais da comunidade”.
7. A qualidade dos projetos incentivados, segundo os entrevistados, foi
referência fundamental na valorização da Responsabilidade Social.
Estudos da área mostram que o relacionamento entre a esfera cultural e o
governo, iniciativa privada e sociedade, provocado, principalmente, pelas
Leis de Incentivo à Cultura, trouxe maior profissionalismo para o mercado
cultural.
209
Os pontos polêmicos sobre o projeto de Responsabilidade Social,
identificados na pesquisa foram:
1. O próprio conceito de Responsabilidade Social Empresarial, que é
polêmico, considerando-se que, de um lado, a empresa não abre mão de
seus interesses estratégicos diante do mercado e da preservação da sua
imagem social. De outro lado, ela usa o espaço da comunidade e provoca
degradações no ambiente. Pode-se perceber que a visão das empresas a
respeito da Responsabilidade Social está em transformação, contudo são
inegáveis as suas iniciativas significando ações compensatórias.
2. O conceito de cidadania, para a empresa, resume-se em levar educação
e cultura”, no entanto é um conceito de extensão muito mais ampla. O que
irá definir a cidadania é um processo onde se encontram redes de
relações, conjuntos de práticas (sociais, econômicas, políticas e culturais),
tramas de articulações que explicam as relações dos indivíduos e grupos
com o Estado e, ao mesmo tempo, sempre estão abertas para que estas
relações se redefinam. Nesta perspectiva, o Estado é sempre elemento
referencial definidor, porque é na esfera pública estatal que se asseguram
direitos e sanções cabíveis pelo descumprimento dos deveres. Cidadania,
nessas novas concepções, significa a luta por direitos, e não espaço
para política compensatória. Os direitos culturais são parte integrante dos
direitos humanos e, portanto, são universais, indissociáveis e
interdependentes.
3. A adequação das atividades oferecidas às demandas das escolas públicas
figura entre os pontos polêmicos, pois a pesquisa indicou que 61% dos
educadores não foram consultados sobre projetos que melhor atenderiam
às necessidades de suas escolas. Outros dados da pesquisa podem ser
articulados com esta questão como, por exemplo, 48% dos entrevistados
indicaram espaços de esporte e lazer como necessidade das escolas, 22%
apontaram para a necessidade de biblioteca e 15% indicaram a falta de
equipamentos e materiais didáticos como um aspecto frágil nas escolas.
Questionados sobre aspectos não contemplados que deveriam ser alvo de
atenção no projeto, 72% dos educadores indicaram “orientações sexuais”.
210
4. Ações de compensação por danos ambientais representam um ponto
polêmico em relação à empresa, confirmado nas entrevistas, que
mostraram significativo índice de comentários sobre a obrigação da
empresa em beneficiar a comunidade, em troca do que ela tira da
comunidade, do que ela destrói no ambiente”.
5. O estudo mostrou que interesses corporativos sobressaem sobre o bem
comum da comunidade, notadamente na associação do investimento na
qualidade do ensino, proposto no documento do Projeto CRIAR, à
preparação de futuros empregados da empresa, que, na percepção de
vários atores entrevistados, destaca-se como um objetivo do projeto de
responsabilidade social.
6. Não foi contemplado, no projeto, um trabalho efetivo para associar-se aos
grupos atuantes nas ações para preservar e valorizar a cultura local,
como o levantamento do patrimônio material e imaterial existentes no
município e na região.
7. Um outro ponto polêmico é o conceito de cultura que a empresa
demonstra ter, quando descreve no pilar Educando com Arte, do Projeto
CRIAR: “levar atividades culturais e lúdicas para as escolas...” Isto
significa que o Projeto de Responsabilidade Social considera que a
comunidade não tem cultura, contrariando o conceito de cultura como fator
de desenvolvimento, que valoriza as identidades individuais e coletivas
existentes e construídas no interior das relações sociais, num processo
dinâmico, enriquecido através do diálogo e trocas com outras culturas. Na
concepção adotada neste estudo, a educação poderia ser o mais eficiente
caminho para estimular a consciência cultural do indivíduo, começando
pelo reconhecimento e apreciação da cultura local.
Alguns aspectos significativos sobre os objetivos das ações de
Responsabilidade Social da empresa LÓTUS, indicados pelos educadores,
apontaram para uma visão positiva do papel da empresa. Dessa forma, os objetivos
das ações de responsabilidade social da empresa se configuram, na medida em que
grande parte das finalidades contidas no documento do Projeto CRIAR, foi percebida
pelos educadores entrevistados.
211
Conclui-se que, embora o programa de Responsabilidade Social Empresarial
tenha tido aprovação dos educadores, há necessidades percebidas pelos
professores e não contempladas pelo projeto. Percebe-se que, em vez de um grupo
mobilizado pelos interesses comuns, uma cultura de submissão na comunidade,
que aceita o que lhe é oferecido, pois é melhor que nada, como disse um educador
entrevistado.
Ponderando os pontos positivos e os polêmicos da Responsabilidade Social
Empresarial, a inserção do setor privado no espaço educacional público, analisada
do ponto de vista da percepção dos atores entrevistados, pode ser considerada
eficaz, pois 89% das respostas se situam na faixa de bom e muito bom e, apesar de
uma visão crítica em relação à empresa, os educadores foram unânimes em
manifestar a validade das ações de Arte-educação como enriquecimento do
processo educativo e formação cultural dos estudantes. Portanto, considerando os
dados da pesquisa, a inserção do setor privado no espaço educacional público, por
meio do Projeto CRIAR, foi uma alternativa positiva que enriqueceu o repertório
didático-pedagógico dos educadores e ampliou a sua visão crítica acerca de
importantes questões educacionais e sócio-culturais expostas no decorrer das
atividades.
Em breve não será mais aceita a possibilidade de uma empresa manter
todos os parâmetros de qualidade, eficácia e foco em resultados, quando o
assunto é produção e comercialização de seus produtos, e deixar que seus
esforços institucionais e culturais sigam critérios abstratos e totalmente
descomprometidos com a modificação dos cenários com os quais interage.
(CORREA, 2004).
Em relação ao investimento em cultura, algumas motivações que
marcaram o relacionamento da empresa com a comunidade. Seja por questões
mercadológicas de seus negócios (como a divulgação de sua marca e de seus
produtos e serviços), seja por questões institucionais (fortalecendo sua imagem junto
a blicos específicos, como acionistas, governo e mídia), seja por interesse em
participar de forma mais ativa das comunidades em que atua (e de onde saem seus
empregados, fornecedores e demais públicos que circulam em torno de sua
operação), o fato é que a empresa passou a ter uma atuação na área cultural, que a
torna alvo preferencial das ações culturais incentivadas para o desenvolvimento
dessa área.
212
Por mais que se criem expectativas de uma exatidão de repostas para as
conclusões da pesquisa, talvez mais incertezas pairem nessa encruzilhada de
infindáveis descobertas, que poderão ser desdobradas em novos estudos.
A cultura, associada à responsabilidade social e baseada na formação,
fomento e difusão cultural, é uma das possibilidades transformadoras do
Brasil. A questão cultural, porém, é complexa, exigindo permanente esforço
de análise e reflexão. São fundamentais o fomento e a criação de espaços
democráticos para sua discussão, com a presença efetiva de todos os
atores sociais e culturais envolvidos no processo. Redefinir formas de
convívio social, explodir as matrizes do pensamento excludente e
embrutecedor que sedimenta o secular pacto das elites no Brasil, garantir
direitos constitucionais já existentes, criar novos direitos e eliminar
privilégios são compromissos essenciais para uma gestão democrática,
assumindo o cidadão como prioridade. (MAMBERTI, 2003).
213
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Ana Mae. (Org.) Arte-educação: leitura no subsolo. o Paulo: Cortez,
2002
BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da Arte: anos oitenta e novos tempos.
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