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Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP
Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - PADCT
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE
DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
_____________________________________________________________________________________________
COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA AERONÁUTICA
Nota Técnica Setorial
do Complexo Metal-Mecânico
O conteúdo deste documento é de
exclusiva responsabilidade da equipe
técnica do Consórcio. Não representa a
opinião do Governo Federal.
Campinas, 1993
A presente Nota Técnica tomou por base documento elaborado pelo consultor Renato Dagnino (IG/UNICAMP), a quem a equipe técnica
do Consórcio agradece, isentando-o de qualquer responsabilidade pelo seu conteúdo.
A Comissão de Coordenação - formada por Luciano G. Coutinho (IE/UNICAMP), João Carlos Ferraz (IEI/UFRJ), Abílio dos Santos
(FDC) e Pedro da Motta Veiga (FUNCEX) - considera que o conteúdo deste documento está coerente com o Estudo da Competitividade da Indústria
Brasileira (ECIB), incorpora contribuições obtidas nos workshops e servirá como subsídio para as Notas Técnicas Finais de síntese do Estudo.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Comissão de Coordenação
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Instituições Associadas
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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EQUIPE DE COORDENAÇÃO TÉCNICA
Coordenação Geral: Luciano G. Coutinho (UNICAMP-IE)
João Carlos Ferraz (UFRJ-IEI)
Coordenação Internacional: José Eduardo Cassiolato (SPRU)
Coordenação Executiva: Ana Lucia Gonçalves da Silva (UNICAMP-IE)
Maria Carolina Capistrano (UFRJ-IEI)
Coord. Análise dos Fatores Sistêmicos: Mario Luiz Possas (UNICAMP-IE)
Apoio Coord. Anál. Fatores Sistêmicos: Mariano F. Laplane (UNICAMP-IE)
João E. M. P. Furtado (UNESP; UNICAMP-IE)
Coordenação Análise da Indústria: Lia Haguenauer (UFRJ-IEI)
David Kupfer (UFRJ-IEI)
Apoio Coord. Análise da Indústria: Anibal Wanderley (UFRJ-IEI)
Coordenação de Eventos: Gianna Sagázio (FDC)
Contratado por:
Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT
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Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - PADCT
COMISSÃO DE SUPERVISÃO
O Estudo foi supervisionado por uma Comissão formada por:
João Camilo Penna - Presidente Júlio Fusaro Mourão (BNDES)
Lourival Carmo Monaco (FINEP) - Vice-Presidente Lauro Fiúza Júnior (CIC)
Afonso Carlos Corrêa Fleury (USP) Mauro Marcondes Rodrigues (BNDES)
Aílton Barcelos Fernandes (MICT) Nelson Back (UFSC)
Aldo Sani (RIOCELL) Oskar Klingl (MCT)
Antonio dos Santos Maciel Neto (MICT) Paulo Bastos Tigre (UFRJ)
Eduardo Gondin de Vasconcellos (USP) Paulo Diedrichsen Villares (VILLARES)
Frederico Reis de Araújo (MCT) Paulo de Tarso Paixão (DIEESE)
Guilherme Emrich (BIOBRAS) Renato Kasinsky (COFAP)
José Paulo Silveira (MCT) Wilson Suzigan (UNICAMP)
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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SUMÁRIO
RESUMO EXECUTIVO............................................................................................................1
APRESENTAÇÃO...................................................................................................................25
1. TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS DA PRODUÇÃO E DO MERCADO
INTERNACIONAL DE AERONAVES...............................................................................26
1.1. Características da Produção e do Mercado de Aeronaves Militares ................................26
1.2. Características da Produção e do Mercado de Aeronaves de Emprego Civil...................28
1.2.1. Padrões de desenvolvimento e internacionalização ...............................................28
1.3. Características do Mercado de Commuters ....................................................................29
1.3.1. A desregulamentação do transporte aéreo norte-americano..................................30
1.3.2. A tendência à manutenção dos subsídios na produção de commuters....................31
1.3.3. A exploração do conceito de família na produção de commuters..........................32
1.3.4. A tendência ao aumento dos custos de desenvolvimento.......................................32
1.3.5. Trajetórias de aprendizado e protecionismo..........................................................33
1.4. A Situação do Mercado de Commuters..........................................................................34
1.4.1. A presença norte-americana e o padrão de competição no mercado de
commuters ..........................................................................................................35
1.5. Evolução Recente e Perspectivas do Mercado de Commuters ........................................36
1.5.1. Previsões de mercado realizadas e o comportamento das empresas.......................38
1.6. As Atuais Tendências de Inovação e a IAe.....................................................................41
2.COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA AERONÁUTICA BRASILEIRA...........................43
2.1. Competitividade da EMBRAER na Década de 80..........................................................43
2.1.1. Tendências da produção de aeronaves de emprego militar e seu impacto
para a IAeB.........................................................................................................43
2.1.2. Tendências internacionais de produção de aeronaves de emprego civil e seu
impacto para a IAeB............................................................................................44
2.2. Fatores Estruturais e Sistêmicos da Competitividade......................................................46
2.3. Fatores Empresariais da Competitividade.......................................................................50
2.3.1. A evolução do setor e seu caráter de dependência em relação ao exterior.............50
2.3.2. A estratégia de autonomia tecnológica e o índice de nacionalização......................54
2.3.3. O impacto tecnológico da IAeB na indústria nacional...........................................57
2.4. A Evolução dos Indicadores Desagregados de Desempenho e o Caráter da
Produção da EMBRAER...............................................................................................58
2.4.1. A importância relativa das aeronaves de alta tecnologia........................................60
2.5. Oportunidades e Obstáculos à Competitividade da IAeB................................................63
2.5.1. Viabilidade da recuperação dos fatores estruturais................................................64
2.5.2. Viabilidade da recuperação dos fatores empresariais.............................................68
2.5.3. Viabilidade da recuperação dos fatores sistêmicos................................................77
3. PROPOSIÇÕES DE POLÍTICAS.........................................................................................79
INDICADORES DE COMPETITIVIDADE.............................................................................85
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................................87
RELAÇÃO DE TABELAS E GRÁFICOS................................................................................88
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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RESUMO EXECUTIVO
1. TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS DA PRODUÇÃO E DO MERCADO
INTERNACIONAL DE AERONAVES
1.1. Características da Produção e do Mercado de Aeronaves Militares e de Emprego Civil
A indústria aeronáutica (IAe) atende a dois mercados
__
civil e militar
__
com dinâmicas
competitivas bastante diferenciadas. Para aeronaves militares, à semelhança do que ocorre para os
demais segmentos da indústria de armamentos, é o desempenho do produto que orienta as
decisões de aquisição, sendo a capacidade de inovação fortemente influenciada por fatores
externos à empresa, cuja administração se situa na órbita estatal. A diferenciação do produto e a
segmentação de mercado são estratégias inerentes ao setor de armamentos. Ao contrário do que
se verifica no mercado civil, onde as decisões de compra são tomadas por consumidores
atomizados, o Estado é, no mercado militar, o único comprador.
A motivação estratégico-militar para a criação e manutenção do setor aeronáutico é
fundamental; apesar do fato de que, por exemplo, a produção aeronáutica civil nos países da
OECD tenha sido, em 1989, apenas 33% menor do que a militar. Outra motivação, igualmente
usada como argumento para legitimar o apoio estatal à IAe é o fato dela ser considerada uma
"locomotiva" tecnológica, concentrando-se o subsídio ao setor nas atividades de desenvolvimento
tecnológico. Nos países da OECD, com exceção do Japão, o governo financia entre 30 e 70% dos
gastos de P&D das empresas do setor aeroespacial, o que faz desse setor o de maior intensidade
de P&D.
Também o fato da IAe envolver empregos de alta qualificação, embora em pequeno
número, é utilizado como argumento para justificar a sustentação do ritmo de atividade da
indústria. Os argumentos relacionados à intensidade tecnológica e ao emprego, na medida em que
se referem à atividade de empresas que produzem produtos de uso civil e militar, terminam
atuando no sentido da manutenção dos subsídios do setor aeronáutico como um todo.
À semelhança do que ocorre no mercado militar, no mercado civil os produtos devem
atender a rígidos padrões de qualidade, confiabilidade e desempenho, praticamente não existindo
trade off ou gradação entre estas características versus o preço de venda. Os produtos possuem
elevado valor unitário e alto valor adicionado e são fabricados em séries relativamente pequenas,
apresentando, ainda, um ciclo de vida relativamente alto. Isto associado à complexidade do
produto fazem com que a assistência técnica pós-venda seja um fator extremamente importante
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nas decisões de aquisição. As transações são poucos freqüentes mas de alto valor, sendo comum a
produção por encomenda e a existência de uma alta interação entre vendedores e compradores
(geralmente organizações de grande porte e complexidade). Os custos de desenvolvimento
tecnológico são elevados e crescentes no setor aeronáutico, sendo freqüente a existência de
acordos de colaboração entre empresas e países.
Os seguintes dados permitem caracterizar o mercado aeronáutico civil:
- 90% do mercado dos países de economia não planificada é suprido por treze companhias
com base nos EUA;
- menos da metade dessas firmas produzem motores aeronáuticos;
- 75% da produção norte-americana é de responsabilidade de apenas três companhias;
- menos de dez países do chamado Terceiro Mundo possuem instalações capazes de
produzir aviões, e estas servem quase que tão somente para satisfazer necessidades locais, de
cunho estratégico-militar.
Dois fatores foram decisivos para o processo de internacionalização do mercado de
aeronaves. Em primeiro lugar, o fato de que, com exceção dos EUA, nenhum outro país possuía
um mercado suficientemente grande para arcar com os custos de desenvolvimento e produção de
aeronaves. Em segundo lugar, porque os padrões de segurança e desempenho no campo de
aviação civil são estabelecidos mediante acordos internacionais.
A orientação para o mercado externo é determinada pela busca de economias de escala e
pelo nível tecnológico exigido para a produção. A entrada de empresas de países com pequena
capacidade tecnológica relativa na produção aeronáutica costuma se dar em condições difíceis,
uma vez que o custo a ela associado tente a ser, à exceção do custo da mão-de-obra, mais
elevado. A entrada no mercado internacional, dado que praticamente mandatória, costuma ocorrer
a partir da manipulação pela empresa (e pelo país) da única variável de ajuste a seu alcance, isto é,
o preço de venda.
Em conseqüência, a decisão de implantação (e manutenção) de capacidade de produção
aeronáutica num dado país não pode prescindir de uma avaliação do custo de oportunidade, ou do
nível de subsídio, associado a produzir num patamar de qualidade e desempenho compatível com
o estado-da-arte internacional. Este fato, pouco considerado quando se analisa a produção
aeronáutica no Brasil, é fundamental para entender seu processo de desenvolvimento e suas
perspectivas futuras.
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1.2. O Mercado Mundial de Commuters
O mercado civil pode ser dividido em três grandes categorias: aeronaves de grande porte
(acima de 120 assentos), aviões pequenos (uso executivo, esporte, na agricultura, etc) e aviões de
médio porte (commuters) usado pelas companhias de tráfego aéreo regionais (de 10 a 120
assentos). O segmento do mercado civil preferencialmente explorado pela IAeB é o de aviões de
médio porte utilizados principalmente na conexão entre aeroportos de grande volume de tráfego.
A categoria de commuters é atualmente a que apresenta maior competição, dinamismo e
instabilidade. As barreiras à entrada são relativamente baixas, assim como é grande o número de
falências, incorporações e associações. O mercado da categoria é segmentado em função da
capacidade da aeronave. Ele é usualmente dividido em três segmentos: 10 a 20 lugares, 20 a 45, e
mais de 45 passageiros. No âmbito de um mesmo segmento a decisão de compra das companhias
aéreas depende fundamentalmente do preço de aquisição por assento. Outros parâmetros, como o
custo de operação e de manutenção e, o fato da aeronave ser pressurizada ou não também são
levados em conta. Existem atualmente cerca de quinze empresas e dez países envolvidos com a
produção de aeronaves commuter.
O fato da categoria dos commuters estar mais distante do mercado militar do que os
aviões de grande porte não chega a atenuar a tendência à manutenção do protecionismo. No
âmbito de parcela considerável do mercado, constituído por países de porte geográfico ou
econômico menor, ou que por qualquer outra razão possuam uma percepção de ameaça externa
pouco exigente em termos tecnológicos, existe uma relativamente maior associação entre o
segmento militar e o de commuters. Neste caso, o subsídio ao segmento militar confunde-se e
reforça, ao contrário do que poderia ocorrer em países que possuem uma percepção de ameaça
mais exigente em termos tecnológicos.
Um fato marcante na evolução da categoria dos commuter foi a desregulamentação do
mercado norte-americano de transporte aéreo em 1978. Com a desregulamentação, um grande
número de pequenas empresas aéreas entrou no mercado e algumas grandes empresas
diversificaram sua atividade no sentido da aviação de curta distância. Como resultado do aumento
da competição, houve um aumento da qualidade dos serviços, os preços diminuíram e a demanda
aumentou sensivelmente (as cerca de 180 empresas aéreas regionais norte-americanas transportam
atualmente mais de 30 milhões de passageiros por ano, o que representa um pouco mais da
metade do total mundial).
Devido a que a principal variável de ajuste passou a ser o tipo de aeronave empregado, o
mercado da categoria transformou-se significativamente, aprofundando-se sua segmentação.
Embora tenha aumentado a demanda de aeronaves de todos os segmentos a maior taxa de
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crescimento se verificou na faixa entre 30 e 40 assentos, que cresceu 550% nos oito anos
posteriores à desregulamentação.
Os ajustes que se seguiram à desregulamentação levaram a uma diminuição das tarifas de
longa distância em cerca de 40% e a um aumento das de curta distância em aproximadamente
15%, entre 1978 e 1988. O resultado desse processo foi positivo para as grandes companhias de
aviação mas não para as pequenas, que passaram a partir dos anos 80 a redimensionar suas
atividades e, em conseqüência, a reduzir as encomendas de novas aeronaves.
Após mais de uma década de desregulamentação observa-se que as companhias de aviação
regional têm-se mostrado capazes de pressionar os preços das aeronaves que utilizam mantendo-
os num nível inferior ao do custo real de produção. Isto tem obrigado as empresas aeronáuticas a
reduzir seus custos de produção e principalmente de desenvolvimento, e, por outro lado, exigir a
manutenção de um nível de subsídio elevado por parte dos governos dos países produtores.
Devido a esse último fato, os fabricantes de aeronaves têm-se tornado cada vez mais incapazes de
planejar realisticamente suas atividades a longo prazo e passaram a depender de forma crescente
de subsídios governamentais.
Esse processo tem levado a importantes transformações no mercado de commuters,
apresentadas a seguir:
. a exploração do conceito de família na produção de commuters - para o fabricante as
principais vantagens são a economia de escopo no projeto (com conseqüente redução de custo e
tempo de desenvolvimento) e produção. A experiência de algumas empresas tem mostrado que os
custos de desenvolvimento podem ser reduzidos à metade para o segundo membro de uma família
de aeronaves. Existem, por outro lado, consideráveis vantagens para o usuário, o que torna essa
tendência ainda mais significativa. A existência de componentes e sistemas comuns permite a
redução de estoque e de despesas de manutenção e reparo, e uma não menos importante redução
dos gastos de treinamento de pessoal embarcado e de terra.
. tendência ao aumento dos custos de desenvolvimento - o aumento da competição
entre as companhias de aviação exerce pressão no sentido da sofisticação das aeronaves
(pressurização, vão livre da cabine, nível de ruído, autonomia, entre outros) levando a um
contínuo aumento dos custos de desenvolvimento e produção das aeronaves. As despesas de
desenvolvimento de uma nova aeronave são atualmente da ordem de 1 a 2 bilhões de dólares,
sendo as de P&D de cerca de 250 a 650 milhões de dólares, o que torna o número de unidades
necessárias para amortizar estes custos superior a 300. Assim, mesmo com a exploração do
conceito de família de aeronaves tendem a ocorrer níveis de investimento além das possibilidades
de auto-financiamento das empresas do segmento commuter, o que vem a reforçar a tendência à
cooperação entre as empresas do setor.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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A situação descrita, de relativa superioridade do lado da demanda no mercado de
commuters, é agravada pelo fato de que as empresas aeronáuticas costumam entrar no mercado
com uma nova aeronave num estágio imediatamente posterior ao do desenvolvimento do produto,
no qual o subsídio governamental é usualmente elevado. Mesmo quando a empresa consegue
capturar uma fatia importante do mercado, o que tende a ocorrer mediante a adoção de preços
subsidiados, ela poderá ser forçada a mantê-la por mais de uma década, prazo no qual se espera
amortizar o investimento realizado. Na medida em que este é um comportamento generalizado
entre os produtores, tende a se instaurar uma situação de protecionismo.
. efeitos sobre a curva de aprendizado - embora tenda a ocorrer um ganho de
aprendizado na produção de uma determinada aeronave, à medida em que ela é utilizada pelas
companhias de aviação tendem a ser requisitadas modificações às vezes significativas. Elas atuam
no sentido de atenuar a tendência à redução do custo unitário de produção. Cada vez que ocorre
uma modificação significativa na concepção dos produtos ou nos processos de fabricação tende a
iniciar-se um novo período de aprendizado no interior da empresa. Também as inovações de
processo introduzidas na área de manufatura e principalmente de projeto tendem a colocar em
xeque a validade do conceito de curvas de aprendizado e talvez, inclusive, sua existência. Esse
fato, em um setor submetido a rígidos requisitos de qualidade e desempenho definidos
internacionalmente, faz com que o subsídio não possa ser assumido como uma situação
transitória.
1.3. Situação Atual e Perspectivas do Mercado de Commuters
É elevado o número de países (10), empresas (11) e modelos (16) no mercado de
commuters. É elevada também a quantidade de associações entre países para desenvolver um
número crescente de novas famílias de aeronaves. Existem, entretanto, uma média de cerca de três
a quatro modelos em processo de desenvolvimento para cada uma das aeronaves atualmente no
mercado.
A presença norte-americana no mercado de commuters é consideravelmente menor do que
a verificada na categoria das aeronaves de grande porte (10% da oferta total com apenas duas
empresas atuando no segmento de aeronaves de menor capacidade e sofisticação, onde detêm
cerca de 53% do mercado). Entretanto, grande parte dos aviões produzidos no mundo utilizam
componentes norte-americanos. Isto porque embora a capacidade de engenharia de sistemas
desenvolvida pelas empresas "montadoras" nos vários países seja uma condição necessária de sua
competitividade, um elemento também crucial é a qualidade dos componentes que incorpora em
seus produtos.
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A superioridade norte-americana no mercado de aeronaves civis, tanto do lado da oferta
de componentes e de aeronaves de grande porte (cujo valor de produção total é muito maior do
que o de commuters), como do lado da demanda, é um elemento explicativo da difícil situação
que se observa à escala internacional no mercado da categoria commuter. A tendência gerada por
essa superioridade tende a reforçar os condicionantes ligados às motivações estratégico-militares e
de prestígio, internos a cada um dos países presentes no mercado, levando a uma situação de
impasse. Algumas poucas firmas poderão alcançar sucesso, a partir de uma competitividade real
ou baseada no subsídio governamental. Outras necessitarão ser socorridas pelo Estado ou
absorvidas por um competidor.
O segmento de commuters de maior capacidade (mais de 45 passageiros) é o de menor
volume de produção, embora em função do crescimento verificado a partir de 1987 apresente uma
tendência a igualar-se ao de 10-20 passageiros. O segmento de 20-45 é, desde 1986, o mais
numeroso; após um período de crescimento acelerado em 1984-88, a produção deste segmento
vem apresentando leve tendência à diminuição.
No entanto, a análise do volume de recursos envolvidos na produção, a partir do preço de
venda médio, mostra uma situação significativamente distinta. A participação relativa do segmento
de 10-20 passageiros tem-se mostrado constante enquanto que o de capacidade intermediária, e
depois o de maior número de passageiros, tem apresentado uma maior taxa de crescimento; sendo
este último, desde 1988 o mais importante em termos de valor.
A estagnação da demanda por aeronaves do segmento de 10-20 lugares e a diminuição, no
caso dos dois segmentos de maior capacidade, a partir de 1989 é especialmente grave para as
empresas aeronáuticas. Em função das expectativas positivas em relação à demanda, várias
empresas de distintos países planejaram, durante o final da década dos 80, sua entrada no mercado
ou a expansão de suas atividades. No segmento de aeronaves de 10-20 passageiros ocorreu o
lançamento de vários modelos durante o período de 1983-90 (crescimento maior do que o
verificado nos 20 anos anteriores). No segmento de 20-45 passageiros existiam, em 1985, apenas
duas aeronaves; em 1988, sete e desde então duas novas aeronaves entraram no mercado. O
mercado de mais de 45 lugares também se apresenta extremamente competitivo. Existem
atualmente sete concorrentes, dos quais cinco entraram no mercado após 1988. Está programada
para os próximos anos uma considerável atualização de alguns dos modelos atualmente em
produção.
Apesar da qualidade de seus produtos, e de sua capacidade tecnológica e mercadológica,
as empresas líderes começaram a apresentar dificuldades a partir de meados dos anos 80. A
gravidade do quadro atual pode ser avaliada pelos seguintes exemplos:
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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- na Europa, Fokker, SAAB, DASA, Alenia e Aeroespatiale estão sendo socorridas pelos
seus respectivos governos para sanear sua situação financeira e prosseguir desenvolvendo seus
produtos;
- nos EUA, a Beech passa por dificuldades, tendo despedido pessoal e diminuído a
produção nos últimos anos. A Fairchild abriu falência e despediu pessoal em 1989, mas
posteriormente obteve um empréstimo para retomar a produção. A Piper abriu falência em 1992 e
encontra-se com sua produção praticamente paralisada. Tem ocorrido ainda uma série de
privatizações e incorporações como a aquisição, pela Bombardier, da Canadair do governo
canadense, em 1988, tendo este assumido o compromisso de custear o estágio final de
desenvolvimento do seu jato regional.
1.4. As Atuais Tendências de Inovação e a IAe
A IAe foi o setor que primeiro adotou processos automatizados de projeto e manufatura
dos componentes que integram seu produto final. A exigência de rígidos padrões de qualidade e
confiabilidade de seus produtos, mais do que a diminuição dos custos de produção, foi a causa
principal deste pioneirismo. Inovações como as comando numérico computadorizado, sistemas
CAD/CAM, entre outros, foram desenvolvidas no seu âmbito. Foi, por outro lado, um dos setores
que mais cedo introduziu nos seus produtos dispositivos informatizados de controle, inaugurando,
também, a tendência à miniaturização dos seus componentes e deflagando a difusão do que se
conhece como "eletrônica embarcada".
A fase de montagem, entretanto - e em função dos mesmos requisitos de qualidade e
confiabilidade e das pequenas séries de produção e alto valor unitário que caracterizam a IAe - foi
menos afetada pelas tendências de mudança na organização da produção que caracterizam setores
até certo ponto semelhantes, como a indústria automobilística. Conservaram-se, então, no setor
características de produção quase artesanal, intensiva em mão-de-obra qualificada e baseada no
saber especializado de grupos de trabalhadores. Portanto, a competitividade nesta indústria se
baseia mais na capacitação científica e tecnológica do que no aproveitamento das novas tendências
associadas à flexibilização e integração.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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2. COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA AERONÁUTICA BRASILEIRA
A tendência à supersofisticação observada genericamente na indústria de armamento dos
países avançados, responsável por cerca de 97% da produção mundial, tem sido interpretada pelos
analistas como resultado da lógica do processo decisório militar e da especificidade do setor. Esta
tendência traz duas implicações importantes. A primeira é que ela abriu um espaço no mercado
internacional de armamento, do qual cerca de 60% corresponde às compras de países do Terceiro
Mundo, para produtos de nível tecnológico intermediário, baixo custo de aquisição e operação,
mais adequados às situações reais de conflito e às necessidades daqueles países. A segunda é que,
devido a citada lógica militar imperante na IAe, a tendência à supersofisticação abarcou a
produção de aeronaves civis dos países avançados. Na verdade ela somou-se à uma outra
tendência das grandes empresas, determinada por razões comerciais, de privilegiamento da
produção de aeronaves civis de maior porte, originada pela sua usual maior lucratividade e pela
evolução projetada do mercado.
Aumentou, em conseqüência, a probabilidade de ocorrência de nichos de mercado para
aeronaves de menor porte, sofisticação, consumo de combustível, etc, sem que as empresas líderes
do mercado mundial, respondessem com a necessária presteza a essa situação. Assim,
aproveitando-se de uma conjuntura momentâneamente favorável alguns NICs e empresas
marginais dos países avançados foram capazes de firmar sua competitividade nesses nichos de
mercado.
Em meados dos anos 70, a EMBRAER iniciava a exportação de seus aviões
cuidadosamente. Ao invés de visar os difíceis mercados americano ou europeu, como primeira
experiência, ela prudentemente decidiu iniciar suas vendas internacionais pelos mercados mais
"fáceis". As restrições ao consumo de combustível trazidas pela crise do petróleo vieram a
favorecer o avião turbo-hélice brasileiro em relação a seus competidores movidos a jato, tornando
o Bandeirante uma alternativa muito mais econômica. Claro que a atitude do governo brasileiro
também ajudou: as condições de financiamento, com o respaldo do crédito governamental, foram
tão favoráveis que logo provocariam acusações de dumping contra a EMBRAER.
Com a desregulamentação do transporte aéreo regional norte-americano em 1978 a
cuidadosa política da EMBRAER rendeu consideráveis dividendos. Um avião turbo-hélice, não
pressurizado, de concepção relativamente avançada como o Bandeirante, defrontou-se com o
vasto mercado potencial (havia apenas outras três aeronaves presentes no segmento de 10-20
passageiros, da Fairchild, da Beech e da de Havilland). Havia, entretanto, um obstáculo para sua
venda no mercado americano (e internacional): sua homologação pelo FAA (Federal Aviation
Administration).
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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As autoridades brasileiras sentiram-se discriminadas com os expedientes protelatórios do
governo americano. Talvez a discriminação tenha de fato ocorrido. A elevação de 7% para 50%
das tarifas alfandegárias para aeronaves leves provenientes do exterior, ocorrida em 1974, logo
após o acordo Piper-EMBRAER (que propiciou a montagem desses aviões no país) pode ter sido
interpretada como uma "reserva de mercado" pelas empresas ou pelo governo norte-americano.
Este fato somado às acusações de dumping podem ter contribuído para que somente em 1978 o
Bandeirante fosse devidamente certificado, o que resultou numa vitória diplomática e comercial da
maior importância.
Em função basicamente de seu baixo custo de aquisição e das condições vantajosas de
financiamento que apresentou, o Bandeirante alcançou grande sucesso no mercado norte-
americano. Em 1982 dominava 32% do mercado dos EUA do segmento de 10-20 passageiros e
representava 62% das importações deste país neste segmento. Dos cerca de 400 Bandeirantes
construídos pela EMBRAER, 246 foram exportados, principalmente, para companhias norte-
americanas.
Dos projetos desenvolvidos pela EMBRAER depois do Bandeirante dois merecem
destaque por razões opostas. O primeiro é o do Xingu que foi o primeiro avião pressurizado
desenvolvido e produzido pela empresa. Embora tenha sido um fracasso do ponto de vista
comercial ele permitiu à empresa adquirir a capacidade para o desenvolvimento posterior do
Brasília e da família de aeronaves subsequente. O segundo, desenvolvido em tempo recorde, a
baixo custo e com relativamente pequeno ganho em termos de capacitação tecnológica, foi o
Tucano. Neste caso, a já aludida capacidade da empresa na identificação de nichos de mercado foi
fundamental para o grande êxito comercial obtido pela aeronave.
Quando do lançamento do seu commuter de 30 lugares (o Brasília) no mercado
internacional, em 1985, a EMBRAER já possuía razoável experiência e renome entre as
companhias de aviação. Novamente se apresentou à EMBRAER, em função de uma correta
previsão da evolução do mercado, e de sua capacidade para dela tirar vantagens, a possibilidade
de explorar um nicho de mercado onde existiam apenas três aeronaves. Apesar de que em 1988 o
número de competidores no segmento de 20-45 passageiros já tivesse aumento para sete, a
situação do Brasília já estava relativamente consolidada (29% e 25%, respectivamente, no
mercado norte-americano e mundial).
2.1. Fatores Estruturais e Sistêmicos da Competitividade
O fato da implantação de uma capacidade local para a produção aeronáutica ter sido desde
o início considerada pelos militares como algo estreitamente ligado à implementação da doutrina
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de "segurança e desenvolvimento", foi um elemento decisivo para a criação das condições
estruturais e sistêmicas da competitividade do setor. Mais do que isto, é impossível entender o
processo de criação e consolidação da Indústria Aeronáutica Brasileira (IAeB) sem ter presente o
papel do Estado, através de um dos seus segmentos mais influentes - os militares. A consideração
desses vários aspectos permite entender porque não apenas os fatores empresariais de
competitividade, que dependiam das decisões tomadas pela elite técnica da Força Aérea, mas
também os de natureza estrutural e sistêmica, que de alguma forma dependiam da atuação dos
demais segmentos militares, tiveram condições de implementação.
As condições viabilizadoras da estratégia tecnológica seguida pelo setor começaram a se
materializar no começo dos anos 50, através da criação do Centro Tecnológico da Aeronáutica
__
CTA, e do Instituto Tecnológico da Aeronáutica
__
ITA. Bem antes, portando, da instalação da
Empresa Brasileira de Aeronáutica
__
EMBRAER, ocorrida em 1969, estas instituições vinham
realizando pesquisas e formando engenheiros aeronáuticos numa quantidade inicialmente muito
superior às necessidades do "mercado". Quando da fundação da empresa, foram transferidos para
as instalações construídas pelo Ministério da Aeronáutica não só uma grande quantidade de
equipamentos para a produção, como a totalidade da equipe que havia desenvolvido o
Bandeirante, que viria a se constituir no carro-chefe de vendas durante muitos anos.
Foi a existência de um generoso e continuado apoio do Estado para a formação de
recursos humanos de alto nível e a realização de pesquisa básica e aplicada, sem precedentes na
história do desenvolvimento tecnológico e industrial do País, que viabilizou a adoção pela
EMBRAER de uma estratégia orientada para a autonomia tecnológica. Baseada na aquisição de
capacitação num conjunto restrito e criteriosamente selecionado de tecnologias identificadas como
de alta fertilidade e imprescindíveis para seu programa de produção industrial e de ocupação de
nichos de mercado nacional e internacional, e numa adequada combinação entre o conhecimento
localmente desenvolvido e o obtido mediante acordos de transferência de tecnologia, consultoria
externa ou licenciamento, a empresa foi capaz de lograr sucessivas etapas na sua trajetória de
inovação.
Além da criação do CTA e do ITA foram implementadas, sob a égide do Ministério da
Aeronáutica, políticas de natureza bastante abrangente e variada de vital importância para o
estabelecimento dos fatores de competitividade do setor. Entre elas podem ser citadas:
- o benefício concedido à EMBRAER, sem precedentes no ambiente empresarial
brasileiro, para sua capitalização através da captação de parte do imposto de renda devido por
empresas estabelecidas no País, que permitiu o repasse de 500 milhões de dólares, desde a sua
fundação até 1985;
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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- a dispensa de pagamento de impostos de importação e exportação, de comercialização
(ICM) até 1988 e de produção industrial (IPI);
- a utilização do poder de compra do Governo, inicialmente mediante encomendas do
Ministério da Aeronáutica e do Ministério da Agricultura que viabilizaram a produção da empresa
durante os seus oito primeiros anos de existência, e posteriormente mediante novas encomendas
que possibilitaram cobrir grande parte dos custos de desenvolvimento;
- a destinação de recursos governamentais através de suas agências de fomento à P&D e
mediante a compra de ações da empresa;
- a virtual reserva de mercado estabelecida para os produtos de emprego não estritamente
militar;
- os créditos e subsídios especiais à exportação;
- os empréstimos em condições favoráveis concedidos pelo governo;
- o apoio da diplomacia brasileira ao programa de exportação de aeronaves de emprego militar.
Outros fatores ligados à própria estratégia seguida quando da implantação da IAeB
tiveram uma influência significativa no êxito alcançado. Diferentemente da implantação da
indústria automobilística (onde corporações transnacionais ocuparam o nível mais elevado da
atividade industrial) a EMBRAER foi concebida como uma estatal e como uma montadora final,
que se dedicaria exclusivamente à montagem de aviões através da materialização de um projeto
aeronáutico endogenamente concebido. Outra companhias nacionais e estrangeiras forneceriam a
maioria dos componentes que demandava. Ela não buscaria verticalizar a fundo, e
desnecessariamente, a produção de componentes no Brasil; mas poderia determinar com
autonomia, em função da posição que ocupava e da estratégia de capacitação tecnológica que
adotou, o desenvolvimento do setor.
A EMBRAER não baseou sua estratégia tecnológica na importação de "pacotes
tecnológicos" a serem posteriormente "abertos", adaptados às condições locais e eventualmente
otimizados mediante "engenharia reversa". Uma sólida capacitação em pesquisa básica e aplicada
e uma contínua preocupação com a formação de recursos humanos capazes de se apropriarem de
soluções tecnológicas específicas, objeto de consultorias e acordos de cooperação, foi o caminho
privilegiado para aumentar o potencial inovativo da empresa.
Foi também a partir da capacitação em projeto aeronáutico (em especial na área de
aerodinâmica) que foi possível assimilar as demais capacitações não propriamente tecnológicas a
partir da associação com parceiros externos e viabilizadas em grande medida através da atuação
governamental. Entre essas cabe destacar a de produção industrial mediante acordo com a
Aermacchi, para produção do avião militar Xavante, a de comercialização mediante acordo com a
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Piper viabilizado pela virtual reserva de mercado estabelecida pelo governo, assistência técnica e
manutenção de aeronaves (acordos de venda com companhias aéreas operadoras) e fabricação de
componentes complexos sob encomenda (subcontratação com a Douglas e a Boeing).
2.2. Fatores Empresariais da Competitividade
2.2.1. A evolução do setor e seu caráter de dependência em relação ao exterior
O êxito competitivo alcançado pela IAeB pode ser avaliado em primeira instância pela
evolução do faturamento e pelo desempenho exportador da EMBRAER.
A evolução da produção é marcadamente influenciado pelo mercado externo, o que por si
só indica o duplo aspecto de dependência em relação ao exterior que caracteriza o setor. A
existência de um alto volume de exportação e de importação não chega a ser surpreendente, tendo
em vista as características da IAe a nível internacional e nacional. Preocupante é a participação
relativa que as importações assumem em relação à produção. Somente após 1985 a empresa tem
apresentado um efeito externo líquido sistematicamente positivo, embora ainda baixo quando
comparado com outros setores da indústria nacional.
A simples consideração da alta proporção das importações no valor da produção (da
ordem de 50%, em média) seria suficiente para questionar o argumento da importância do setor
em nível do comércio exterior brasileiro. Na realidade, essa proporção é consideravelmente
subestimada pois não inclui o valor das importações "embutidas" nos insumos produzidos pelos
cerca de 400 fornecedores da EMBRAER. Descontando-se tais importações indiretas da receita
líquida obtida entre 1975 e 1988 (US$ 123 milhões anuais) chegaríamos a um total inferior a US$
20 milhões de dólares anuais.
2.2.2. A estratégia de autonomia tecnológica e o índice de nacionalização
A existência de uma alta dependência em relação à importação não caracteriza, entretanto,
uma situação de dependência tecnológica. A autonomia tecnológica não se reflete necessariamente
no índice de nacionalização, uma vez que o controle da tecnologia pode ser uma meta mais
importante.
Se as autoridades do setor aeronáutico tivessem perseguido a "miragem" do índice de
nacionalização, ele poderia ser hoje bastante superior a 50%. Isto, entretanto, teria implicado a
adoção de uma estratégia tecnológica totalmente diferente da que foi adotada. Ao invés de
especializar-se em segmentos tecnológicos nos quais a capacidade e vocação pudessem apresentar
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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vantagens comparativas, o setor teria buscado a produção local de todos os componentes do
avião. Para ter uma idéia do que isto implica basta mencionar que o número de países que
fabricam motores aeronáuticos com tecnologia própria não é superior a cinco.
Ao contrário do que poder-se-ia imaginar, nem mesmo as matérias-primas e componentes
aparentemente menos sofisticados, como as chapas de alumínio extensamente empregadas na
fabricação de aeronaves são produzidos no país. Os requisitos de desempenho e qualidade já
comentados obriga que a lista de itens importados pela EMBRAER praticamente se confunda com
a de insumos utilizados na fabricação de seus produtos.
Entre os principais países fornecedores de insumos para a EMBRAER estão os EUA (kits
de aviões leves, placas de alumínio, conectores, placas de inox e outras ligas, parafusos e porcas,
válvulas, aviônicos, motores); Grã-Bretanha (motores); França (peças e componentes, aviônicos);
Itália (kits de aviões militares, peças e componentes); e Canadá (motores). A participação dos
EUA, seja como mercado para a produção da empresa, seja como supridor dos principais insumos
que a tornam possível é significativa, fato que confirma a tendência internacional.
Assim, além do alto componente importado, deveria preocupar os responsáveis pelo setor
o fato de que, mesmo sendo uma empresa pouco verticalizada (como é o que costuma ocorrer na
IAe mundial), é muito pequeno o impacto tecnológico efetivo que gera no âmbito da indústria
nacional.
Portanto, os indicadores globais de desempenho mostram que a dependência da IAeB em
relação ao exterior é grande e tende a manter-se. Esta característica é especialmente preocupante
em relação às importações, embora possa ser também questionada a alta participação das
exportações na receita da empresa. O fato de que tanto a IAeB como IAe em nível internacional
tendem a ser altamente subsidiadas e que tende a vigorar um mecanismo de fixação de preços no
mercado internacional bastante distorcido, exige dos dirigentes do setor uma análise mais
aprofundada acerca da real conveniência em incentivar a adoção de um perfil exportador como o
observado. Ele poderia estar, na realidade, implicando perda líquida de recursos ou escasso efeito
benefício/custo global.
2.3. A Evolução dos Indicadores Desagregados de Desempenho e o Caráter da Produção da
EMBRAER
Com relação à proporção dos aviões considerados de "alta tecnologia" (AT) no total da
produção da empresa, cabe destacar a diferença entre os valores contabilizados conforme o
número ou o valor das aeronaves. O valor médio para o período 1971-1991 é de 33% e 93%,
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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caso se considere o critério de número de aviões ou de valor estimado da produção,
respectivamente. Os dados mostram também que a EMBRAER parece estar consolidando, a partir
de 1986, seu perfil de produtora de aviões da categoria AT.
A proporção dos aviões empregados para fins militares no total da produção da empresa
tomando os critérios de quantidade e valor, é de respectivamente de 30% e 42% na média do
período. Com a proporção dos aviões empregados para fins militares de aviões AT tomando os
dois critérios sendo de 58% e 48%, respectivamente, durante o mesmo período.
Esses indicadores revelam, portanto, certa contradição em relação às declarações dos
responsáveis pela IAeB acerca do caráter eminentemente civil da empresa. A evolução mais
recente do setor, embora pareça indicar uma tendência de estabilização num patamar mais baixo
do que o histórico, não deve ser interpretada como resultado de uma ação intencional neste
sentido. Uma vez que tal se deve, fundamentalmente, ao atraso do programa de desenvolvimento
do AMX, do qual haviam sido produzidas apenas 11 unidades até 1991. Contribuíram, também,
para esta evolução a manutenção da participação do Brasília na receita total; a queda da
participação do Tucano; e a ainda pequena participação do AMX na receita total.
O fato de que a produção militar tem-se mostrado ainda crucial para a atividade da
EMBRAER é o que justifica, entre outras razões, a ênfase colocada ao longo deste trabalho
acerca de seu caráter estratégico-militar.
2.4. Oportunidades e Obstáculos à Competitividade da IAeB
A análise das condições de competitividade que a EMBRAER apresentava até meados da
década de 80 mostra que todos os casos bem sucedidos trataram-se de projetos concebidos
autonomamente, em função de uma correta identificação de nichos do mercado internacional civil
(no caso do Bandeirante e do Brasília) e militares (no caso do avião de treinamento e ataque ao
solo, o Tucano). Trataram-se de situações onde a partir de uma capacitação tecnológica
solidamente constituída foi possível traçar uma estratégia de inovação que integrou elementos
mercadológicos, de comercialização e assistência técnica apropriados para o contexto nacional.
2.4.1. Viabilidade da recuperação dos fatores estruturais de competitividade
A análise da viabilidade da recuperação dos fatores de competitividade do setor está
fortemente condicionada à avaliação da posição atual dos segmentos militares em relação à IAeB.
No caso da Aeronáutica, é sensível a substituição das notícias relacionadas ao sucesso da
EMBRAER por uma preocupação em legitimar o programa de pesquisa aeroespacial, como
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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evidencia a manutenção do programa de desenvolvimento do veículo lançador de satélites.
Adicionalmente, parece estar em curso uma significativa mudança na orientação do tradicional
interesse da Aeronáutica com a capacitação tecnológica: objetivos relacionados ao projeto e
construção de aeronaves estariam sendo substituídos por uma estratégia de capacitação nas áreas
nuclear e missilística.
Quanto à viabilidade da recuperação da capacidade inovativa do setor, em primeiro lugar,
ressalta-se que, desde a criação da EMBRAER, existindo ou não causalidade entre os dois
eventos, ocorreu um paulatino debilitamento da capacidade científica e tecnológica do CTA
determinada pela contração de recursos para pesquisa e agravada pelas condições salariais de seu
pessoal. A transferência para a EMBRAER de muitas das atividades anteriormente desenvolvidas
no CTA (assim como boa parte de seu pessoal, equipamentos, etc.) teve um papel evidentemente
positivo e importante para os primeiros anos de vida da empresa. Mas, ao assumir atividades de
pesquisa sabidamente custosas, tradicionalmente financiadas a fundo perdido, e usualmente
caracterizadas por despesas implícitas não computadas, a EMBRAER obrigou-se a internalizar
custos de P&D que tenderam a se avolumar ao longo do tempo. Embora sua participação no
faturamento da empresa seja compatível com o padrão vigente internacionalmente no setor, eles
são excessivos quando se considera como denominador o valor da produção efetivamente
realizado pela empresa (isto é, descontando o conteúdo importado).
A expectativa de que a capacitação tecnológica e a capitalização financeira obtida a partir
de projetos militares custeados pelo orçamento das Forças Armadas, diretamente ou mediante
acordos de aquisição, pudessem aumentar a competitividade da empresa somente se verificou
cabalmente no início da vida da empresa. Já há alguns anos a empresa não tem conseguido
financiar internamente o desenvolvimento de seus projetos. Não obstante o apoio do Estado ter-se
mantido, a empresa tem sido obrigada a solicitar recursos adicionais ao Ministério da Aeronáutica.
O contexto atual tem se caracterizado pela redução dos recursos governamentais para a
pesquisa científica e tecnológica. A reversão da tendência de deterioração da capacitação
tecnológica da EMBRAER, seja diretamente através do financiamento aos seus projetos de
desenvolvimento tecnológico, seja indiretamente através de uma recuperação capacidade do CTA
em áreas de algum significado para a empresa - é, portanto, pouco provável.
Por outro lado, a análise da possibilidade que uma parcela maior dos recursos públicos
destinados à P&D possa (ou deva) vir a ser canalizada para a IAeB e para a EMBRAER deve
também basear-se (a) na avaliação de seus impactos efetivos na economia do País; (b) na opinião
que poderiam ter outros atores que não aqueles diretamente envolvidos com as decisões que
determinam o direcionamento do setor.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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2.4.2. Viabilidade da recuperação dos fatores empresariais de competitividade
O alto nível de endividamento acumulado pela empresa ao longo dos últimos anos, e
principalmente a sua composição (baseada em créditos de curto prazo), mais do que a queda nas
vendas observada a partir de 1990 parece ser a principal causa imediata da queda observada no
seu desempenho.
A análise da evolução da receita líquida da empresa nos últimos anos mostra que, mesmo
antes de 1989, quando a receita total vinha crescendo até atingir o valor mais alto até então
logrado, a empresa já vinha apresentando um desempenho preocupante. Naquele ano, quando
foram tomadas drásticas medidas de redução de pessoal, praticamente se duplicou o investimento
em P&D mediante endividamento de curto prazo. Por outro lado, em 1990, apesar da queda
observada na receita, também não ocorreu um ajuste no programa de investimentos da empresa.
Portanto, tal desempenho agravou-se substancialmente no início da década de 90, quando
em simultâneo a uma diminuição da receita total, verificou-se um resultado líquido negativo da
ordem de 50%. Isto é, a empresa incorreu em perdas equivalentes a uma vez e meia o valor de sua
receita. Assim, mesmo na eventualidade de uma pouco provável recuperação das vendas da
empresa até chegar ao patamar alcançado em 1989, alguns anos teriam que se passar até que ela
pudesse recuperar-se dos prejuízos já incorridos.
Apesar das dificuldades financeiras, as vendas continuavam crescendo até 1989, o que
parece ter levado seus dirigentes a apostar no futuro iniciando o desenvolvimento de dois novos
projetos. Esta decisão envolvia um risco bastante elevado, dado que alguns dos elementos já
presentes no contexto nacional e internacional eram suficientemente negativos para tornarem-na
desaconselhável. Por outro lado, tal decisão envolvia a captação de recursos não disponíveis que
foram obtidos de uma forma também bastante arriscada: mediante empréstimos de curto prazo.
A análise efetuada indica ainda que o corte de pessoal efetuado em 1990 não parece ter
sido um ajuste determinado pela queda da produtividade da empresa. Também não parece ser o
montante dos salários pagos o fator determinante do resultado negativo acumulado pela empresa
nos últimos anos. Assim, a julgar pela evolução observada no último período, novas reduções no
pessoal ocupado, caso combinadas com a manutenção da tendência declinante das vendas, não
levarão a um aumento na produtividade da empresa.
Embora desde meados dos 80 se reconhecia que a política de endividamento que estava
sendo seguida tinha que ser revista através de novo aporte de capital isto não ocorreu. A situação
atual aponta para a necessidade de que - supondo a conveniência da continuidade das operações
da empresa, e sem prejuízo de outras medidas de distinto prazo de maturação e referentes a áreas
diversas - o governo contribua para sua solução.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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2.4.3. Viabilidade da recuperação dos fatores sistêmicos de competitividade
. As perspectivas do mercado militar
__
a tendência à supersofisticação encontra-se em
franca reversão. A introdução prematura no setor de armamento de "pré-inovações" radicais,
ainda não repassadas para a aviação civil e, portanto, sancionadas e otimizadas pela lógica
comercial pode ter sido um fator determinante da tendência à supersofisticação. A evolução da
relação desempenho/custo dos produtos intensivos em tecnologias pertencentes ao paradigma em
consolidação não só reforça essa hipótese como sugere que, no futuro, a ação das grandes
empresas internacionais tenderá a restringir significativamente o espaço de concorrentes reais e
potenciais.
Por outro lado, a evidente redução do mercado militar dos países do Terceiro Mundo, e
em especial do Oriente Médio para onde se dirigiram as exportações brasileiras de armamentos, e
a concentração das atenções dos países tradicionalmente orientados à produção de armas no
sentido de controlarem aquele mercado, reduzem ainda mais as possibilidades de que países como
o Brasil possam voltar a ter ali uma presença ainda que marginal.
. As perspectivas do mercado civil
__
em função de arranjos institucionais internos, a
situação atual da IAeB pode ser resolvida mediante uma nova transferência de recursos para a
EMBRAER. Porém, é evidente que suas perspectivas num prazo menos imediato estão
determinadas pela possibilidade de que as aeronaves destinadas à faixa dos commuter - cujo
lançamento estão programadas e que já consumiram uma grande quantidade de recursos para seu
desenvolvimento - possam ser comercializadas de forma compensadora. Avalia-se a seguir a
probabilidade de que este fato possa vir a ocorrer.
No que respeita ao Vector (CBA-123), o principal obstáculo não é o desempenho
esperado da aeronave mas sim o seu preço de aquisição demasiadamente alto (cerca de 6 milhões
de dólares), superior ao dos competidores já existentes (Fairchild Beech) e provavelmente acima
do correspondente aos modelos cujo lançamento é esperado em breve.
O EMB-145, cujo preço de venda deverá situar-se em torno dos 12 milhões de dólares
também tenderá a chegar ao mercado quando os modelos cujo lançamento está previsto pela
Canadair e pela SAAB já estiverem sendo comercializados. Além disso, o mercado para um avião
com as características do EMB-145 é incerto devido ao fato de que as companhias de aviação
norte-americanas não decidiram ainda qual será sua estratégia futura: aumentar o número de vôos
entre os pequenos e os grandes aeroportos ou introduzir vôos de maior distância entre cidades de
porte médio, evitando os aeroportos de distribuição de passageiros situados nos grandes
aglomerados urbanos.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Em resumo, a situação que deverão enfrentar essas aeronaves é muito distinta da existente
quando do lançamento do Bandeirante e mesmo do Brasília. É possível afirmar, portanto, que é
pequena a probabilidade de recuperação dos fatores sistêmicos de competitividade da IAeB nas
mesmas bases, dada a existência de um ambiente internacional profundamente distinto daquele em
que se deu a consolidação da mesma em anos anteriores.
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3. PROPOSIÇÕES DE POLÍTICAS
O êxito da indústria aeronáutica brasileira (IAeB) não esteve baseado nas chamadas
vantagens comparativas estáticas. Mas também não esteve orientado ao atendimento com
eficiência de um mercado interno em expansão e ao fortalecimento da capacitação produtiva e
tecnológica nacional necessária para consolidar a base de insumos que utiliza. Devido a este
último fato, não logrou estabelecer, condições auto-sustentadas de crescimento.
À semelhança do que ocorre a nível internacional, a IAeB possui uma motivação
estratégico-militar que legitima, muito mais do que as considerações ligadas à proteção à indústria
nascente e de alta intensidade tecnológica, um elevado grau de protecionismo. O ambiente gerado
devido a este caráter foi absolutamente determinante para o estabelecimento dos fatores de
competitividade estrutural
__
atípicos no restante da indústria brasileira
__
possibilitados pelo
decidido e continuado apoio governamental de iniciativa dos segmentos militares.
A competitividade alcançada pela IAeB esteve alicerçada numa estratégia de inovação
autonomamente definida iniciada da década de 50, que permitiu a oportuna exploração de nichos
de média intensidade tecnológica do mercado civil e militar mundial em expansão.
Características inerentes à produção aeronáutica, tais como os requisitos de qualidade e
desempenho, reforçadas pela exigüidade do mercado nacional levaram à adoção de uma estratégia
tecnológica e industrial marcada por um alto nível de dependência em relação ao exterior. Tanto
pelo lado da manutenção de uma elevada relação de insumos de produção de altos conteúdo
tecnológico e valor adicionado, como pelo da destinação em proporção elevada e crescente dos
seus produtos, instaurou-se uma situação que tornou a IAeB extremamente vulnerável.
O caráter estratégico-militar, embora tenha sido a causa primeira da competitividade pela
IAeB, terminou levando, dada a deterioração das finanças públicas, a uma situação de crise
manifestada pela diminuição da capacidade demonstrada nos primeiros anos de monitorar as
tendências do mercado internacional e desenvolver projetos comercialmente viáveis mediante
cooperação com parceiros adequados, e pela arriscada opção de financiá-los através de
empréstimos de curto prazo.
As dificuldades do cenário nacional vão além de uma contração conjuntural da demanda
por aeronaves civis e militares e da virtual paralisação do desenvolvimento tecnológico e industrial
de outros setores à montante e à jusante que poderiam atenuar a dupla dependência externa do
setor. A elas tende a se somar a diminuição da capacidade dos segmentos militares em manter seu
apoio e a decorrente mudança de perspectiva por eles conferida ao setor. A já elevada proporção
do orçamento públicos destinada ao desenvolvimento tecnológico militar torna pouco provável
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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que recursos adicionais possam ser canalizados para manter os projetos em desenvolvimento
eventualmente capazes de recuperar a posição de competitividade alcançada pelo setor.
Embora possa ser questionado até que ponto o relativo sucesso alcançado pela IAeB em
termos do comércio exterior tenha-se baseado numa real competitividade, não há dúvida de que as
recentes alterações do contexto internacional tendem a tornar sua situação ainda mais delicada.
Também neste caso não se trata apenas de uma contração dos segmentos de mercado (militar e
civil) explorados pela IAeB, de natureza conjuntural ou temporária.
No mercado militar estão em curso modificações estruturais que apontam para sua
crescente monopolização e controle, e por condições tecnológicas, que tornam muito pouco
provável uma recuperação da IAeB. No mercado dos aviões de pequeno porte, ao protecionismo
já existente, somam-se tendências ao aumento dos custos de desenvolvimento e a conseqüente
elevação das séries rentáveis de produção, e à globalização e conglomeração à escala mundial que
originam uma deterioração dos fatores de competitividade sistêmica da IAeB anteriormente
existentes. Um grande número de empresas que anteriormente apresentaram excelente
desempenho estão falindo, sendo privatizadas ou absorvidas pelos concorrentes de maior poder de
barganha ou grau de subsídio governamental. No âmbito deste processo não parecem existir
condições muito favoráveis para empresas ou países do porte e importância relativa da
EMBRAER e do Brasil.
À situação determinada pela postura adotada pela EMBRAER na condução de sua
atividade empresarial, que se acentua a partir do final dos anos 80 (eleição de novos projetos,
obtenção de financiamentos, etc.) e que levaram a uma situação financeira extremamente difícil,
somam-se, portanto, tendências de mercado interno e externo claramente adversas.
Ações encaminhadas pela empresa no período recente, como a drástica redução de pessoal
e a obtenção de recursos governamentais para aliviar seu passivo financeiro, não têm alcançado
sucesso, levando a que seu futuro se mantenha indefinido. A longa e até agora pouco profícua
espera a que se estão sujeitando os dirigentes do setor na expectativa de que seja retomado o nível
histórico de subsídio torna a situação (especialmente a relacionada à sua elevada dívida de curto
prazo) crescentemente difícil e demanda com cada vez mais urgência uma definição por parte do
governo.
A consecução dos fatores de competitividade da IAeB demandaria, muito mais do que no
caso de outros setores industriais, a adoção de uma política governamental especificamente
orientada, e em especial, para a capacitação tecnológica do setor. A análise da conveniência da
adoção de tal política não pode, entretanto, dadas as presentes condições relacionadas à IAeB e à
grave situação em que se encontram outros setores industriais de importância relativa
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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possivelmente maior, pautar-se por critérios exclusivamente estratégico-militares como os que no
passado a presidiram.
Os aspectos relativos ao custo associado à manutenção da estratégia industrial e
tecnológica seguida pelo setor foram apontados neste trabalho, embora, por razões conhecidas,
sem tentar dimensioná-los. Em falta de uma estimativa mais acurada, e mesmo não computando o
grande volume de recursos aplicados na criação e manutenção do setor ao longo de sua existência,
a simples consideração do endividamento acumulado pela EMBRAER, questão que teria que ser
solucionada a curtíssimo prazo, é preocupante. Não existe evidência de que o custo futuro de
manutenção da IAeB para o governo possa diminuir. Pelo contrário, a avaliação de aspectos como
a situação do mercado internacional, entre outros, aponta para um provável aumento de um custo
que se tem mostrado, se não proibitivo, pelo menos excessivo.
O fato de que a receita (ou o custo de produção) da empresa é praticamente igual ao valor
dos salários pagos e das importações realizadas, apesar de não ser conclusivo, é também
preocupante. Esta constatação, entretanto, não surpreende quando contrastada com a experiência
internacional do setor de produção de armamento e mais ainda com a que se pode logicamente
esperar do comportamento da IAeB.
A avaliação precisa dos impactos gerados pelo setor (como o verificado em termos da
balança comercial assim como do tecnológico) faz-se fundamental. A ausência de análises
aprofundadas sobre a IAeB tem contribuído para uma situação de desinformação que não ajuda
em nada a necessária reflexão sobre as reais restrições e potencialidades do setor.
Entre as alternativas atualmente analisadas no cenário internacional para encaminhar a
difícil situação de um número significativo de empresas aeronáuticas que se encontram em
dificuldades, está a privatização. Tal alternativa foi tentada, em algumas dessa empresas,
posteriormente ao saneamento das mesmas pelo governo, em geral mediante a aquisição por
competidores estrangeiros. O resultado, apesar do porte dos atores envolvidos, tem-se mostrado,
entretanto, pouco estimulante.
No Brasil, a alternativa da privatização - colocada na ordem do dia pela política econômica
adotada pelo governo nos últimos anos - que poderia levar à recomposição das condições de
competitividade da EMBRAER, implicaria possivelmente na compra total ou parcial de seus
ativos pelo capital internacional. A tendência de reorganização do setor e dos fluxos de
investimento à escala internacional, a alta dependência da IAeB do mercado externo, o alto risco
inerente à atividade de produção aeronáutica, o próprio volume do investimento já realizado e da
dívida acumulada são elementos a serem considerados tanto pelo governo brasileiro como pelo
eventual comprador. De uma forma geral, a menos que condições artificialmente favoráveis sejam
22
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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oferecidas, não parece provável que alguma empresa estrangeira venha a interessar-se pelo
negócio.
Além disso - e ao contrário de outros setores onde a privatização poderia desencadear a
adoção de uma estratégia de inovação mais eficiente, embora provavelmente com a perda de
efeitos colaterais eventualmente positivos - a privatização da EMBRAER, entendida como uma
desnacionalização da IAeB, tem encontrado sérios obstáculos. No meio militar, por razões óbvias.
No âmbito dos engenheiros e técnicos, aponta-se (a) a necessidade de proteger e dar continuidade
a uma das experiências nacionais mais significativas de capacitação tecnológica; (b) que a
mudança da estrutura de propriedade da empresa resultaria na adoção de tecnologias e projetos
desenvolvidos fora do país e, assim, mais cedo ou mais tarde, na sua prescindibilidade. No meio
sindical, devido à incerteza em relação ao futuro que uma mudança da estrutura de propriedade da
empresa em condições críticas determina (sobretudo numa generalizada conjuntura recessiva), e à
quase absoluta concentração espacial das atividades do setor, se cristaliza, também, uma forte
oposição à privatização.
A virtual impossibilidade, pelo menos à médio prazo, da privatização/desnacionalização da
EMBRAER faz com que a recomposição das condições de competitividade da IAeB não possa
ocorrer de forma "automática", sob a coordenação de um grupo empresarial estrangeiro,
demandando, ao contrário, ações específicas articuladas pelo Estado.
Ainda assim, antes mesmo que se coloque seriamente a alternativa da privatização, ou que
se proponham ações específicas do Estado no sentido da recomposição dos fatores de
competitividade do setor, a questão chave a ser aprofundada diz respeito à definição da prioridade
relativa que a sua manutenção possui no âmbito da política industrial do País.
Nesse sentido, as proposições de política podem ser resumidas na recomendação de que os
elementos de juízo aqui oferecidos, juntamente com outros proporcionados pelas instâncias
competentes, sejam avaliados no nível decisório adequado com o objetivo de encaminhar a
urgente e profunda reorientação que o setor está a demandar.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IEI/UFRJ-IE/UNICAMP-FDC-FUNCEX
4. INDICADORES DE COMPETITIVIDADE
A definição de indicadores de competitividade para a indústria aeronáutica é tarefa de
grande complexidade em função das condições particulares que regem a produção e o mercado
nesse setor, em especial no que se refere às aeronaves de emprego militar.
Propõe-se a seguir uma família de indicadores de uso geral para a avaliação da
competitividade no setor.
. Indicadores de desempenho
- número e valor das aeronaves produzidas por ano
- receita líquida das empresas
- grau de endividamento das empresas (de curto e longo prazo)
- produtividade - pessoal ocupado/número de aeronaves Alta Tecnologia e Total
- produtividade - pessoal ocupado/valor de aeronaves Alta Tecnologia e Total
- preços de venda das aeronaves competidoras por segmentos de mercado
. Indicadores de mix de produtos
- ano de lançamentos dos modelos
- proporção de aviões Alta Tecnologia no total (em valor e quantidade)
- proporção dos aviões militares no total (em valor e quantidade)
- proporção de aviões militares no total Alta Tecnologia (em valor e quantidade)
. Indicadores de grau de dependência
- participação das importações no valor da produção
- efeito externo líquido (balança comercial do setor e por aeronave/valor da produção)
- estrutura de fornecedores e compradores
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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. Indicadores de esforço tecnológico
- investimento em P&D em relação ao faturamento
- investimentos em P&D em relação ao conteúdo local da produção (faturamento -
importações de componentes)
- relação recursos próprios/recursos totais em P&D
- relação financiamentos a fundo perdido/gastos totais em P&D
- relação gastos em P&D militar/P&D total das empresas
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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APRESENTAÇÃO
Este trabalho apresenta os principais fatores de competitividade presentes na evolução da
indústria aeronáutica brasileira (IAeB) com o objetivo de analisar as alternativas possíveis de
adoção de políticas governamentais visando a superação da difícil situação em que se encontra a
indústria.
O primeiro capítulo traz considerações sobre a Indústria Aeronáutica mundial (IAe)
procurando destacar suas especificidades em relação a outros setores industriais de alta
intensidade tecnológica e caracterizar as dinâmicas dos diferentes mercados (aeronaves militares,
comerciais de grande porte e commuters) que atende. Especial atenção é dada à sua orientação
estratégico-militar, ao alto nível de protecionismo em grande parte dele resultante, e às intensas
modificações em curso no mercado internacional que configuram uma situação adversa aos
fabricantes de aeronaves do tipo produzido pela IAeB.
As três primeiras seções do segundo capítulo abordam os fatores de competitividade
observados na IAeB. Nelas se analisa a geração, a partir de um continuado apoio governamental
de iniciativa dos militares, de uma estratégia de autonomia tecnológica centrada menos na
produção ou aquisição de tecnologias específicas e mais na constituição de um enfoque de
engenharia de sistemas, que se encontra na origem do relativo êxito alcançado. A par de
caracterizar os aspectos positivos da evolução do setor responsáveis pelo nível de competitividade
alcançado até o final da década dos 80, se explicitam os aspectos negativos que posteriormente
viriam a manifestar-se determinantes da considerável mudança da situação observada.
A quarta seção desse capítulo, mediante uma abordagem integrada dos três tipos de
fatores de competitividade, analisa o processo de sua deterioração. Nela se mostra que apesar do
impacto negativo das tendências presentes no mercado internacional, para onde se dirige uma
parcela grande e crescente da produção do setor, foi a existência de condicionantes internos a
causa principal da grave situação em que se encontra.
O capítulo final resume alguns dos pontos mais importantes para uma avaliação das
opções de encaminhamento da situação atual. Sem pretender ser conclusivo, ele destaca aqueles
relacionados às tendências do mercado internacional e à pequena contribuição que o setor
apresenta em termos globais. Contrariamente à posição usualmente sustentada é argumentado que o
efeito negativo ou desprezível da IAeB em termos de balança comercial, e seu reduzido impacto
econômico e tecnológico frente à indústria nacional, são elementos que não recomendam o
prosseguimento da política de subsídio ao setor até agora implementada. A alternativa da privatização é
examinada mostrando as pré-condições que demanda e as implicações que pode determinar.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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1. TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS DA PRODUÇÃO E DO MERCADO
INTERNACIONAL DE AERONAVES
Um aspecto fundamental para o entendimento das características da indústria aeronáutica
(IAe), que se revela tanto em nível internacional como nacional, é a de atender a dois mercados -
civil e militar. O fato dos dois tipos de produtos possuírem características distintas (apesar de
serem freqüentemente fabricados pela mesma empresa), entre outras razões, determina a
existência de dois mercados com dinâmicas competitivas bastante diferenciadas.
1.1. Características da Produção e do Mercado de Aeronaves Militares
Para o mercado militar de aeronaves, e à semelhança do que ocorre para os demais
segmentos da indústria de armamentos, é o desempenho do produto, acima de qualquer outro
critério, o que orienta as decisões de aquisição. A capacidade de inovação do setor de
armamentos é fortemente influenciada por fatores externos à empresa, cuja administração se situa
na órbita estatal, sendo a proporção dos gastos em P&D financiados pelo Estado dos países
avançados uma das mais altas da indústria. Prestígio, autonomia e segurança nacionais são os
elementos fundamentais que presidem sua dinâmica de inovação tecnológica. Na verdade, esta
tem-se constituído no componente central da busca pela superioridade militar. A título de exemplo
vale citar que no passado recente a proporção dos recursos públicos norte-americanos alocados à
P&D militar e áreas correlatas (aeroespacial e nuclear) chegou a representar 85% do total.
A diferenciação do produto e a segmentação de mercado são estratégias inerentes ao setor
de armamentos, ao ponto de virtualmente eliminarem a possibilidade de competição entre
produtos. Ao contrário do que se verifica no mercado civil, onde as decisões de compra são
tomadas por consumidores atomizados, o Estado é, no mercado militar, o único comprador. A
aquisição de equipamento militar costuma ser um desdobramento de uma intrincada, longa e
custosa cadeia de eventos. Ela se inicia pela sua especificação genérica por parte de um dos
serviços das Forças Armadas, gerando a elaboração de um projeto de desenvolvimento, a
construção de protótipos, um programa de testes, até sua produção em escala industrial.
Tipicamente, no valor de aquisição de um lote de um equipamento estão incluídos os gastos
referentes a todas as fases que a possibilitam.
A produção de aeronaves militares se verifica nos países avançados no âmbito do setor
aeroespacial, responsável também por equipamentos de intensidade tecnológica e sofisticação
ainda maiores, como são os mísseis e foguetes. Não só o processo de P&D está sujeito a
procedimentos comuns. A própria produção dos componentes e principalmente a montagem final
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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desses equipamentos militares é realizada pelas mesmas empresas. O valor unitário de uma
aeronave militar ultrapassa facilmente a casa dos milhões de dólares.
A motivação estratégico-militar para a criação e manutenção do setor aeronáutico é
amplamente reconhecida na literatura como sendo a fundamental. E isto apesar do fato de que,
por exemplo, a produção aeronáutica civil nos países da OECD tenha sido, em 1989, apenas 33%
menor do que a militar. A produção civil é encarada como uma maneira de manter a capacidade
tecnológica e de produção que pode vir a manifestar-se como necessária em tempo de guerra. Na
verdade a única exceção a este padrão é a Holanda, sua empresa aeronáutica, a Fokker, nunca
teve propósitos militares. Para todos os outros países de economia não planificada que produzem
aeronaves (EUA, França, Grã-Bretanha, Espanha, Itália, Canadá, Suécia, Brasil, Indonésia) pode-
se identificar a motivação estratégico-militar como o principal fator que levou à implantação das
instalações para a produção aeronáutica. Isto ocorre até mesmo em países como a Alemanha e o
Japão, que após a Segunda Guerra Mundial foram impedidos de engajar-se na produção de
aeronaves militares.
Uma outra motivação, igualmente usada como argumento para legitimar o apoio estatal à
IAe é o fato dela ser considerada uma "locomotiva" tecnológica. Assim, sem excluir outras
formas, o subsídio a este setor tende a concentrar-se nas atividades de desenvolvimento
tecnológico. Nos países da OECD, com exceção do Japão, o governo financia entre 30 e 70% dos
gastos de P&D das empresas do setor aeroespacial, o que faz desse setor o de maior intensidade
de P&D. Para ter-se uma idéia do montante dos recursos aplicados, a estes gastos teriam que ser
adicionados aqueles efetuados por agências governamentais que direta ou indiretamente terminam
beneficiando as empresas do setor.
Embora o pessoal empregado pelo setor aeronáutico seja relativamente pequeno, tratam-se
de empregos de alta qualificação e portanto remuneração, algo que vem se tornando cada vez
mais importante, sobretudo no âmbito das economias avançadas. Argumentos relacionados à
intensidade tecnológica e ao emprego, na medida em que se referem à atividade de empresas que
produzem produtos de uso civil e militar, terminam atuando no sentido da manutenção dos
subsídios do setor aeronáutico como um todo.
Antes de passar à consideração da produção civil, que é a que parece ser a mais
importante para a análise das perspectivas da IAeB, há que ressaltar o fato de que a contínua
ampliação da capacidade de inovação para a produção de aeronaves militares tem impactado
diretamente a produção civil. Isto, inclusive, devido a que as grandes empresas do setor, tanto as
"montadoras" como principalmente as fabricantes de componentes, produzem para ambos os
mercados. Assim, dado que a dinâmica da IAe é presidida por uma lógica militar, mesmo o
comportamento inovativo de seu componente civil, e em conseqüência seus determinantes de
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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competitividade, não podem ser explicados sem levar em conta este fato. Essa característica
distintiva da IAe determina que grande parte da análise acerca dos determinantes de
competitividade tenda a se afastar dos padrões usuais e a se concentrar nas suas causas primeiras.
1.2. Características da Produção e do Mercado de Aeronaves de Emprego Civil
Para o mercado civil se adequa o tipo de critérios e análises elaboradas para outros setores
produtores de bens de uso civil de alta intensidade tecnológica. Os produtos devem atender a
rígidos padrões de qualidade, confiabilidade e desempenho, praticamente não existindo trade off
ou gradação entre estas características versus o preço de venda. Os produtos possuem elevado
valor unitário e alto valor adicionado e são fabricados em séries relativamente pequenas. Seu ciclo
de vida é relativamente alto e a assistência técnica pós-venda é um fator extremamente importante
nas decisões de aquisição. As transações são poucos freqüentes mas de alto valor, sendo comum a
produção por encomenda e a existência de uma alta interação entre vendedores e compradores.
Estes são, geralmente, organizações de grande porte e complexidade, que possuem uma vasta
informação e capacidade de avaliação a respeito do produto e do mercado. Os custos de
desenvolvimento tecnológico são elevados e crescentes no setor aeronáutico, sendo freqüente a
existência de acordos de colaboração entre empresas e países.
Para se ter uma idéia das características do mercado aeronáutico civil é suficiente constatar
que 90% do mercado dos países de economia não planificada era suprido por treze companhias
com base nos EUA e com extensas redes de vendas e manutenção espalhadas por todo o mundo;
que menos da metade dessas firmas produzem motores aeronáuticos; que 75% da produção norte-
americana é de responsabilidade de apenas três companhias; e que menos de dez países do
chamado Terceiro Mundo possuem instalações capazes de produzir aviões, e estas servem quase
que tão somente para satisfazer necessidades locais, de cunho estratégico-militar.
1.2.1. Padrões de desenvolvimento e internacionalização
Bastante antes do que veio a ocorrer em outros mercados de produtos industrializados, o
mercado de aeronaves sofreu um processo de internacionalização. Dois fatores foram decisivos
para este processo. Em primeiro lugar, o fato de que, com exceção dos EUA nenhum outro país
possuía um mercado suficientemente grande para, com o nível de subsídio tolerável, arcar com os
custos de desenvolvimento e produção de aeronaves. Em segundo lugar, porque os padrões de
segurança e desempenho no campo de aviação civil são estabelecidos mediante acordos
internacionais. Desta forma, mesmo na improvável situação em que um avião pudesse ser
projetado apenas para o mercado interno de um determinado país (constituído pelas suas
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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companhias de transporte aéreo), ainda assim ele teria que atender aos requisitos internacionais
para aquela classe de aviões. Esta situação faz com que a indústria aeronáutica seja uma indústria
intrinsecamente internacionalizada, uma vez que mesmo quando orientada para o mercado interno,
ela tem que produzir num patamar de qualidade e desempenho (ainda que não necessariamente de
custo) semelhante à fronteira internacional, ao contrário do que ocorre em outros setores, como a
indústria automobilística, por exemplo.
Assim, a orientação para o mercado externo é não somente uma necessidade determinada
pela busca de economias de escala como uma possibilidade ensejada pelo nível tecnológico de
qualquer forma exigido para a produção. A entrada de empresas de países com pequena
capacidade tecnológica relativa na produção aeronáutica costuma se dar em condições a priori
difíceis, uma vez que o custo a ela associado tente a ser, à exceção do custo da mão-de-obra, mais
elevado. A entrada no mercado internacional, dado que praticamente mandatória, costuma ocorrer
a partir da manipulação pela empresa (e pelo país) da única variável de ajuste a seu alcance, isto é,
o preço de venda.
Em conseqüência, a decisão de implantação de uma capacidade de produção aeronáutica
num dado país (e de sua manutenção) não pode prescindir de uma avaliação do custo de
oportunidade, ou do nível de subsídio, associado a produzir num patamar de qualidade e
desempenho compatível com o estado-da-arte internacional. Este fato, pouco considerado quando
se analisa a produção aeronáutica em nosso país, é fundamental para entender seu processo de
desenvolvimento e suas perspectivas futuras.
1.3. Características do Mercado de Commuters
O mercado civil pode ser dividido em três grandes categorias. A das aeronaves de grande
porte para transporte de carga e passageiros (acima de 120 assentos), a dos aviões pequenos para
uso executivo, esporte, na agricultura, etc, e a dos aviões de médio porte usado pelas companhias
de tráfego aéreo regionais (de 10 a 120 assentos). Esta última categoria, cuja designação em
inglês - commuter - passou a se utilizada também em outras línguas é, por razões que dizem
respeito às possibilidades de sobrevivência da indústria aeronáutica brasileira, a que será analisada
com maior detalhe neste trabalho.
Esta categoria é atualmente a que apresenta maior competição, dinamismo e instabilidade.
As barreiras à entrada são relativamente baixas, assim como é grande o número de falências,
incorporações e associações. O mercado da categoria é segmentado em função da capacidade da
aeronave. Ele é usualmente dividido em três segmentos: 10 a 20 lugares, 20 a 45, e mais de 45
passageiros. No âmbito de um mesmo segmento a decisão de compra das companhias aéreas
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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depende fundamentalmente do preço de aquisição por assento. Outros parâmetros, como o custo
de operação e de manutenção e, por exemplo, no caso dos aviões de menor porte, o fato da
aeronave ser pressurizada ou não também são tomadas em conta. Existem atualmente cerca de
quinze empresas e dez países envolvidos com a produção de aeronaves commuter.
O fato da categoria dos commuters ser mais distante do mercado militar do que os aviões
de grande porte não chega a atenuar a tendência à manutenção do protecionismo. No âmbito de
parcela considerável do mercado, constituído por países de porte geográfico ou econômico
menor, ou que por qualquer outra razão possuam uma percepção de ameaça pouco exigente em
termos tecnológicos, existe uma relativamente maior associação entre o segmento militar e o de
commuters. Neste caso, o subsídio ao segmento militar confunde-se e reforça, ao contrário do que
poderia ocorrer em países que possuem uma percepção de ameaça mais exigente em termos
tecnológicos.
1.3.1. A desregulamentação do transporte aéreo norte-americano
Um fato que marcou a evolução da categoria dos commuter e que é fundamental para
entender suas características atuais e tendências futuras foi a desregulamentação do mercado
norte-americano de transporte aéreo em 1978. A tendência observada desde os anos 60 até então,
era de que o custo de aquisição e operação das aeronaves usadas nas linhas de longa distância
vinha caindo mais do que o correspondente às de curta distância. Este fato, aliado à
regulamentação do mercado de transporte aéreo (que estabelecia a tarifa em função da distância
entre as cidades e o volume de tráfego), permitia que a margem de lucro associada às linhas de
longa distância fosse sistematicamente mais elevada. Com a desregulamentação, um grande
número de pequenas empresas aéreas entrou no mercado e algumas grandes empresas
diversificaram sua atividade no sentido da aviação de curta distância. Como resultado do aumento
da competição, houve um aumento da qualidade dos serviços, os preços diminuíram e a demanda
aumentou sensivelmente.
Para se ter uma idéia do que significou a desregulamentação do transporte aéreo dos EUA
em termos do aumento da demanda de aeronaves da categoria commuter, convém lembrar que
suas cercas de 180 companhias regionais transportam atualmente mais de 30 milhões de
passageiros por ano, o que representa um pouco mais da metade do total mundial. Em função da
desregulamentação as empresas passaram a fixar os preço da passagem a partir da elasticidade da
demanda de cada rota e do custo marginal de operação, sendo que a principal variável de ajuste
passou a ser o tipo de aeronave empregado. Em conseqüência, o mercado da categoria
transformou-se significativamente, aprofundando-se sua segmentação. Embora tenha aumentado a
demanda de aeronaves de todos os segmentos a maior taxa de crescimento se verificou na faixa
entre 30 e 40 assentos, que cresceu 550% nos oito anos posteriores à desregulamentação.
31
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Os ajustes que se seguiram à desregulamentação levaram a uma diminuição das tarifas de
longa distância em cerca de 40% e a um aumento das de curta distância em aproximadamente
15%, entre 1978 e 1988. O resultado desse processo foi positivo para as grandes companhias de
aviação. Na medida em que elas dividem entre si o tráfego de longa distância nos principais
aeroportos norte-americanos, elas foram capazes de assegurar para si as linhas de curta distância
mais lucrativas. O mesmo não ocorreu com as pequenas, que passaram a partir dos anos 80 a
redimensionar suas atividades e, em conseqüência, a reduzir as encomendas de novas aeronaves.
1.3.2. A tendência à manutenção dos subsídios na produção de commuters
Em função dos ajustes ocorridos após a desregulamentação, as empresas fabricantes de
commuters passaram a fixar seu preço no mercado internacional, que é para onde necessariamente
têm que se orientar, em função de quatro fatores:
- elasticidade da demanda das companhias de aviação regional;
- competitividade em relação aos concorrentes no segmento de mercado (preço x
desempenho dos produtos);
- custo real de produção, isto é sem subsídio governamental;
- nível de subsídio governamental.
A condição de permanência no mercado de uma dada empresa é determinada pelo arranjo
possível entre os três últimos fatores, uma vez que o primeiro escapa totalmente do seu campo de
ingerência, principalmente quando se trata de companhias de aviação estrangeiras. O segundo
encontra-se estreitamente ligado ao terceiro uma vez que os compradores tendem a assumir um
comportamento bastante racional nas suas decisões de compra. É por outro lado particularmente
notável no setor da produção de aeronaves a existência de uma estreita correlação entre custo de
desenvolvimento tecnológico e desempenho. O custo de produção, por sua vez, é estreitamente
determinado pelo custo de desenvolvimento tecnológico.
Com relação ao primeiro fator, o que se tem observado após mais de uma década de
desregulamentação é que as companhias de aviação regional têm-se mostrado capazes de
pressionar os preços das aeronaves que utilizam mantendo-os num nível inferior ao do custo real
de produção. Isto tem obrigado as empresas aeronáuticas a reduzirem seus custos de produção e
principalmente de desenvolvimento, e, por outro lado, exigir a manutenção de um nível de
subsídio elevado por parte dos governos dos países produtores.
Com relação aos dois últimos fatores citados, dado que sua identificação é quase
impossível, visto que o subsídio ocorre tanto previamente como durante a produção e mesmo na
32
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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fase de comercialização, os fabricantes de aeronaves têm-se tornado cada vez mais incapazes de
planejar realisticamente suas atividades a longo prazo e passaram a depender de forma crescente
de subsídios governamentais.
1.3.3. A exploração do conceito de família na produção de commuters
Além da crescente cooperação entre as principais empresas aeronáuticas para o
lançamento de novos produtos, uma outra tendência a ela associada encontra-se em vigência no
mercado de aeronaves civis, e principalmente no de commuters, visando atenuar a crescente
elevação dos custos de desenvolvimento. Trata-se da exploração do conceito de família de
aeronaves. Embora as primeiras famílias tenham surgido com o desenvolvimento, a partir de uma
aeronave existente, de versões de maior capacidade, em geral alongadas, com maior potência e
autonomia, e melhor desempenho, atualmente o planejamento das empresas envolve o projeto
conjunto ou pelo menos concatenado de aeronaves destinadas aos diferentes segmentos do
mercado.
Para o fabricante as principais vantagens são a economia de escopo no projeto (com
conseqüente redução de custo e tempo de desenvolvimento) e produção. A experiência de
algumas empresas tem mostrado que os custos de desenvolvimento podem ser reduzidos à metade
para o segundo membro de uma família de aeronaves. Existem, por outro lado, consideráveis
vantagens para o usuário, o que torna essa tendência ainda mais significativa. A existência de
componentes e sistemas comuns permite a redução de estoque e de despesas de manutenção e
reparo, e uma não menos importante redução dos gastos de treinamento de pessoal embarcado e
de terra. Em conseqüência, a tendência de evolução do mercado dos commuter está hoje
estreitamente ligada ao conceito de família. Ao invés de um relativamente grande número de
firmas dominando segmentos específicos se está evoluindo para um número menor de empresas
com famílias de produtos situados em cada segmento importante.
1.3.4. A tendência ao aumento dos custos de desenvolvimento
Mas se por um lado reduzem-se os custos de desenvolvimento para cada modelo de
aeronave, o associado à uma família é ainda grande. Uma importante conseqüência do aumento da
competição entre as companhias de aviação para oferecer serviços cada vez melhores foi uma
crescente pressão no sentido da sofisticação das aeronaves. Requisitos como pressurização, vão
livre da cabine, nível de ruído, autonomia, entre outros, passariam a ser cada vez mais exigentes
levando a um contínuo aumento dos custos de desenvolvimento e produção das aeronaves. As
despesas de desenvolvimento de uma nova aeronave são atualmente da ordem de 1 a 2 bilhões de
dólares, sendo as de P&D de cerca de 250 a 650 milhões de dólares, o que torna o número de
33
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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unidades necessárias para amortizar estes custos superior a 300. Assim, mesmo com a exploração
do conceito de família de aeronaves tendem a ocorrer níveis de investimento além das
possibilidades de auto-financiamento das empresas do segmento commuter, o que vem a reforçar
a tendência à cooperação entre as empresas do setor.
A situação descrita, de relativa superioridade do lado da demanda no mercado de
commuters, é agravada pelo fato de que as empresas aeronáuticas costumam entrar no mercado
com uma nova aeronave num estágio imediatamente posterior ao do desenvolvimento do produto,
em que o subsídio governamental é usualmente elevado. Mesmo quando a empresa consegue
capturar uma fatia importante do mercado, o que tende a ocorrer mediante a adoção de preços
subsidiados, ela será forçada a mantê-la por mais de uma década, prazo no qual se espera
amortizar o investimento realizado. Na medida em que este é um comportamento generalizado
entre os produtores, tende a se instaurar uma situação de protecionismo.
1.3.5. Trajetórias de aprendizado e protecionismo
A expectativa de que em função da trajetória de aprendizado das empresas o nível de
protecionismo e subsídio pudesse ser reduzido não tem-se verificado. Embora tenha sido no
âmbito da análise da produção aeronáutica do imediato pós-guerra que se tenha formulado o
conceito de curva de aprendizado, e que a partir de então tenha sido a sua existência a justificativa
racional do protecionismo em indústrias nascentes, a experiência atual do setor não parece
sancionar o tipo de comportamento previsto. A existência de curvas de aprendizado convexas em
relação à origem, que se constitui no argumento que justifica uma temporária proteção às
empresas nascentes de modo a permitir um "catching up", parece não se verificar na produção
aeronáutica. Em primeiro lugar, porque embora tenda a ocorrer um ganho de aprendizado na
produção de uma determinada aeronave, à medida em que ela é utilizada pelas companhias de
aviação, tendem a ser requisitadas modificações às vezes significativas. Elas atuam no sentido de
diminuir as já pequenas quantidades em que um mesmo produto é fabricado atenuando a tendência
à redução do custo unitário de produção. Em segundo lugar, porque cada vez que ocorre uma
modificação significativa na concepção dos produtos ou nos processos de fabricação, e o
momento atual se assemelha em muito a uma situação deste tipo, tende a iniciar-se um novo
período de aprendizado no interior da empresa. Em terceiro lugar, as inovações de processo
introduzidas na área de manufatura e principalmente de projeto tendem a colocar em xeque a
validade do conceito de curvas de aprendizado e talvez, inclusive, sua existência.
Assim, mesmo que se aceite a existência de curvas de aprendizado, o fato delas tenderem a
assumir uma forma distinta da anteriormente suposta e de não necessariamente vigorarem para o
conjunto dos vários programas de produção de uma dada empresa ao longo do tempo, somado ao fato
de que o setor está submetido a rígidos requisitos de qualidade e desempenho definidos
internacionalmente, faz com que o subsídio não possa ser assumido como uma situação transitória.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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1.4. A Situação do Mercado de Commuters
A tabela 1 apresenta uma visão sintética da situação atual do mercado internacional de
commuters para o ano de 1990, classificado em função dos seus segmentos.
TABELA 1
MERCADO MUNDIAL DE COMMUTERS
(1990)
PREÇO PREÇO PART. PART.
AERONAVE ANO CAPAC. APROX. /ASS. NUM. VAL. PROC. COOP. FAMÍLIA
(1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8) (9)
Segmento de 10-20 passageiros
Fairchild 81 19 4 211 13% 13% EUA - s
BAe-31 73 19 4 211 35% 35% GB - s
Beech-1900 82 14 3,9 279 40% 40% EUA - -
CASA-212 71 19 4 211 4% 4% Ind Esp s
Dornier-228 82 19 4 211 9% 9% Ale - s
Participação do segmento no total
Segmento de 20-45 passageiros
Havil. 8 84 40 9,65 241 34% 35% Can Irl s
SAAB-340 82 37 8,8 238 22% 21% Sue EUA s
ATR-42 84 50 10,6 212 15% 18% Ita Fra s
EMB-120 83 30 7,6 253 24% 20% Bra - s
CASA-235 83 44 9,9 225 5% 5% Ind Esp -
Participação do segmento no total
Segmento de mais de 45 passageiros
Havil. 7 75 56 12,5 223 0% 0% Can Irl s
Fokker-50 85 58 12,5 216 30% 19% Hol - s
Fokker-100 86 120 28,5 238 27% 39% Hol Ale,Ir,I s
ATR-72 88 74 12,9 174 11% 7% Ita Fra s
BAe-ATP 86 72 13,7 190 12% 8% GB - -
BAe 146-300 83 122 25,9 212 21% 27% GB Sue s
Participação do segmento no total
(1) Ano de lançamento do modelo.
(2) Número máximo de assentos.
(3) Preço estimado, em milhões de dólares.
(4) Em milhares de dólares por assento.
(5) Relação entre o número de unidades comercializadas e o correspondente ao total do segmento.
(6) Relação entre valor das unidades comercializadas e o total do segmento.
(7) País onde se realiza a produção da aeronave. 'Ind' significa Indonésia.
(8) Outros países envolvidos no projeto de desenvolvimento ou fabricação da aeronave ou da família a ela associada.
(9) 's' significa se foi ou está sendo desenvolvida uma família de aeronaves a partir da indicada.
Fontes: Air Transport World, vários números; ICAO Annual Reports of de Council, 1986-1990; Aviation Week and Space
Technology, vário números; FRISHTACK, 1992 e estimativas.
Como se pode constatar, é elevado o número de países (10), empresas (11) e modelos (16)
no mercado de commuters. Como é elevada também a quantidade de associações entre países para
desenvolver um número crescente de novas famílias de aeronaves. Existem, entretanto, uma média
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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de cerca de três ou quatro outros modelos em processo de desenvolvimento para cada uma das
aeronaves atualmente no mercado. Estes novos modelos são novas versões de capacidade
semelhante aos já existentes ou, na maioria das vezes, extensão ou "reduções" dos mesmos no
interior de uma mesma família. De acordo com os planos das empresas aeronáuticas atualmente
em vigor, o mercado dos commuters deveria abrigar nos próximos anos cerca de 40 modelos
distintos, o que como se discutirá posteriormente não parece viável.
1.4.1. A presença norte-americana e o padrão de competição no mercado de commuters
Como mostra a tabela 1, e isto é um fato de significativa importância na determinação do
padrão de competição vigente no mercado de commuters, a presença norte-americana no mesmo é
consideravelmente menor do que a verificada na categoria das aeronaves de grande porte. As duas
empresas americanas que atuam na categoria commuters o fazem no segmento de aeronaves de
menor capacidade e sofisticação, onde detêm atualmente cerca de 53% do mercado. Nos outros
dois segmentos, responsáveis por uma parcela muito maior do volume comercializado, os EUA
estão ausentes, o que implica numa participação na oferta total de apenas 10%.
Essa situação parece estar fundamentada na capacidade dos EUA em manter um regime de
preços no segmento dos commuters que o torna pouco atrativo para as companhias norte-
americanas. Um elemento indicativo desta capacidade é o Agreement on Trade in Civil Aircraft
(GATT, Genebra, 1985). Ele estabelece o acordo entre os signatários de que os aviões civis
devem ser comercializados a preços que remunerem de forma realista todos os custos incorridos
na sua produção, inclusive aqueles decorrentes da P&D militar. O fato de que os recursos
transacionados no mercado de aeronaves de grande porte seja muito maior do que o verificado no
mercado de commuters, faz com que essa situação passe despercebida. Por outro lado, o mesmo
GATT, em 1979, referindo-se particularmente ao segmento dos aviões leves, deixa a questão da
relação entre custo e preço de venda em aberto. Assim instaura-se um conjunto de normas e
práticas de comércio internacional favorável aos países que possuem fabricantes de aeronaves de
grande porte (os EUA: McDonell-Douglas e Boeing e os países europeus envolvidos no consórcio
Airbus), e tende a penalizar os países e as empresas produtoras de aviões commuter.
Finalmente, embora uma parcela bastante pequena da produção de aviões do tipo
commuter seja atualmente efetivada nos EUA, uma grande parte dos aviões produzidos no mundo
utilizam componentes norte-americanos. As empresas norte-americanas do setor, que produzem
componentes relativamente sofisticados e de alto valor agregado para as grandes empresas
aeronáuticas fornecedoras do mercado militar e civil daquele país, puderam beneficiar-se do
aumento verificado na produção de aeronaves da categoria commuter. Isto porque, embora a
capacidade de engenharia de sistemas desenvolvida pelas empresas "montadoras" nos vários países
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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seja uma condição necessária de sua competitividade, um elemento também crucial é a qualidade
dos componentes que incorpora em seus produtos.
A superioridade norte-americana no mercado de aeronaves civis, tanto do lado da oferta
de componentes e de aeronaves de grande porte (cujo valor de produção total é muito maior do
que o de commuters), como do lado da demanda, é um elemento explicativo da difícil situação
que se observa à escala internacional no mercado da categoria commuter. A tendência gerada por
essa superioridade tende a reforçar os condicionantes ligados às motivações estratégico-militares e
de prestígio, internos a cada um dos países presentes no mercado, levando a uma situação de
impasse. Algumas poucas firmas poderão alcançar sucesso, seja a partir de uma competitividade
real seja espúria, baseada no subsídio governamental, outras não, e necessitarão ser socorridas
pelo Estado ou absorvidas por um competidor.
1.5. Evolução Recente e Perspectivas do Mercado de Commuters
Os gráficos 1 e 2 indicam a evolução da produção de commuters em quantidade e valor a
partir de 1982, ano em que se inicia um período de intenso crescimento. Suas fontes são as
mesmas indicadas na tabela anterior. O gráfico 1, que apresenta o número de aeronaves
produzidas, permite apreciar que o segmento de maior capacidade (mais de 45 passageiros) é o
menos numeroso, embora em função do crescimento verificado a partir de 1987 apresente uma
tendência a igualar-se ao de menor capacidade (10-20 passageiros). O segmento de 20-45 é, desde
1986 o mais numeroso. Em relação ao conjunto da categoria, pode-se observar que após um
período de crescimento acelerado em 1984-88 ela tende a estacionar e posteriormente a diminuir
ainda que levemente.
Porém, mais importante do que apreciar a evolução do número de unidades produzidas de
cada modelo de aeronave é avaliar o volume de recursos envolvidos na sua produção. Para tanto
foi traçado o gráfico 2 a partir do preço de venda médio estimado. Através dele é possível
observar uma situação significativamente distinta da anteriormente comentada.
A participação relativa do segmento de 10-20 passageiros tem-se mostrado constante
enquanto que o de capacidade intermediária, e depois o de maior número de passageiros, têm
apresentado uma maior taxa de crescimento; sendo este último, desde 1988 o mais importante em
termos de valor. Em relação ao conjunto da categoria dos commuters, pode-se observar que após
um período de crescimento acelerado o valor da produção tende a diminuir a partir de 1989 numa
proporção maior do que a observada no número de unidades produzidas. Os dados acerca do
comportamento dos diversos segmentos, ainda não disponíveis com um nível de detalhe
compatível necessário, indicam a manutenção da tendência de queda observada a partir de 1990.
37
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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A estagnação da demanda por aeronaves do segmento de 10-20 lugares e a diminuição, no
caso dos dois segmentos de maior capacidade, a partir de 1989, é especialmente grave para as
empresas aeronáuticas dado que ocorre num momento em que elas haviam preparado sua atividade
futura supondo um período de manutenção da tendência de crescimento observado nos anos anteriores.
GRÁFICO 1
AERONAVES PRODUZIDAS (QUANTIDADES)
ano
nº aeronaves
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
82 83 84 85 86 87 88 89 90
10-20 pass. 20-45 pass. 45+ pass.
GRÁFICO 2
AERONAVES PRODUZIDAS (VALOR)
ano
milhões de dólares
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
4500
5000
82 83 84 85 86 87 88 89 90
10-20 pass. 20-45 pass. 45+ pass.
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1.5.1. Previsões de mercado realizadas e o comportamento das empresas
A tabela 2 permite entender as origens da situação atual, marcada por uma crescente
dificuldade das empresas que atuam no mercado de commuters. Ela apresenta na coluna (5)
algumas das mais importantes estimativas realizadas para o mercado de diferentes segmentos de
aeronaves commuter durante a década de 80. As quatro mais antigas foram realizadas por órgãos
independentes (Office of Technology Assessment do governo norte-americano e a Federal
Aviation Association) e as três mais recentes, por empresas aeronáuticas.
Na coluna (6) está indicada a média anual de produção decorrente de estimativa. Na
coluna (7) está indicada a produção para os segmentos respectivos obtida a partir dos dados
referentes ao ano de 1990, que pode ser considerado como o ano médio dos intervalos de
previsão considerados.
Estimativas como as apresentadas têm normalmente significativa divulgação e refletem de
maneira bastante razoável o senso comum presente no setor em relação às expectativas de
crescimento do mercado. Elas costumam ser levadas em conta nas atividades de planejamento de
médio e longo prazo das empresas. Por essa razão, sua consideração permite avaliar a maneira
como as empresas estimaram sua capacidade competitiva frente aos concorrentes.
TABELA 2
ESTIMATIVA DO MERCADO MUNDIAL DE COMMUTERS
(em número de aeronaves)
ESTIMADO POR ANO PERIODO SEGMENTO ESTIMATIVA MÉDIA ANUAL PROD.90
(1) (2) (3) (4) (5) (6) (7)
OTA 1980 1980-2000 20-40 1996 95 155
FAA 1979 1980-2000 20-40 1600 76 155
OTA 1980 1980-2000 40-60 1215 58 193
FAA 1979 1980-2000 40-60 1500 71 193
CASA 1986 1984-1994 30-50 1800 164 166
De Havilland 1986 1984-1995 30-50 1500-2000 146 166
Aeroespatiale 1986 1984-1985 30-50 2800-3000 242 166
Fonte: Hockendrick (1989) p.78 e estimativas.
Supondo uma previsão realizada a partir de uma extrapolação linear, os dados de
produção para o ano de 90 podem ser comparados de forma razoável com a média anual do
período. O resultado desta comparação indica que as estimativas realizadas em 1979 e 1980 -
quando a categoria dos commuters não havia entrado ainda no seu período de intenso crescimento
- mostraram-se conservadoras quando cotejadas com a evolução observada do mercado. Das
estimativas realizadas em meados da década dos 80 (1986), quando o mercado se encontrava em
franca expansão, duas foram coerentes com a evolução observada e uma a superestimou.
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No início da década de 80, quando as empresas estavam iniciando os programas de
desenvolvimento das aeronaves que seriam lançadas no mercado entre 1983 e 1985, houve uma
superestimação da fatia de mercado (previsto pelas estimativas então realizadas) que cada uma
delas poderia ocupar. Não ocorreu, entretanto, uma frustração das expectativas das empresas, e
elas puderam amortizar seu investimento com o desenvolvimento das aeronaves que foram
lançadas devido ao comportamento não esperado do mercado. Em meados da década dos 80,
quando as empresas estavam iniciando os programas de desenvolvimento das aeronaves que
seriam lançadas no mercado nos três ou quatro anos seguintes, o mesmo viés otimista por parte de
cada empresa parece ter ocorrido. Neste caso, entretanto, as conseqüências têm-se mostrado bem
distintas, como pode ser inferido pelas dificuldades que as empresas vêm enfrentando para se
manterem no mercado.
Em função das expectativas positivas em relação à demanda, várias empresas de distintos
países planejaram, durante o final da década dos oitenta, sua entrada no mercado ou a expansão
de suas atividades. Entre outros merecem ser citados:
- os planos da empresa aeronáutica da Indonésia (ITPN) em colaboração com a CASA
espanhola de expandir sua família de commuters;
- os planos da Coréia do Sul de iniciar a produção de commuters;
- a compra por parte de Taiwan de ações da McDonell-Douglas visando a produção local;
- a formação de um joint venture entre uma empresa chinesa com a McDonell-Douglas e
com a Boeing para produzir aviões commuters;
- a disposição de firma indiana e da British Aerospace de formar um joint venture visando
a produção do Ba146;
- a disposição do Japão, que já produz uma série de componentes aeronáuticos
sofisticados, para entrar no mercado de commuters;
- a disposição da Deutsch Aerospace alemã de formar um joint venture com a Alenia
italiana e a Aeroespatiale francesa, e eventualmente com a Fokker holandesa, para a produção de
commuters a jato para os diversos segmentos.
Como conseqüência dessas e de outras ações, algumas das quais levadas a cabo com
sucesso, um grande número de novos modelos foram lançados no mercado. No segmento de
aeronaves de 10-20 passageiros ocorreu o lançamento de um número de modelos durante o
período de 1983-90 maior do que o verificado nos 20 anos anteriores. No segmento de 20-45
passageiros existiam, em 1985, apenas duas aeronaves que haviam começado a ser produzidas no
início dos 60, e mais uma que havia entrado no mercado no ano anterior. Até 1988, existiam neste
segmento sete competidores. Embora tenha sido posteriormente descontinuada a produção das
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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duas aeronaves mais antigas, duas novas entraram no mercado desde então. O mercado de mais de
45 lugares também se apresenta extremamente competitivo. Existem atualmente sete
concorrentes, dos quais cinco entraram no mercado após 1988. Está programada para os
próximos anos uma considerável atualização de alguns dos modelos atualmente em produção.
Como já apontado, e em função da evolução comentada, empresas como a Fokker, De
Havilland, Fairchild, SAAB, Shorts Brothers, British Aerospace, apesar da qualidade de seus
produtos, e de sua capacidade tecnológica e mercadológica, começaram a apresentar dificuldades
a partir de meados dos anos 80.
A gravidade do quadro atual pode ser avaliada pelos seguintes exemplos:
- na Europa, Fokker, SAAB, DASA, Alenia e Aeroespatiale estão sendo socorridas pelos seus
respectivos governos para sanear sua situação financeira e prosseguir desenvolvendo seus produtos;
- nos EUA, a Beech passa por dificuldades, tendo despedido pessoal e diminuído a
produção nos últimos anos. A Fairchild abriu falência e despediu pessoal em 1989, mas
posteriormente obteve um empréstimo para retomar a produção. A Piper abriu falência em 1992 e
encontra-se com sua produção praticamente paralisada.
Por outro lado, e em função dessa situação, tem ocorrido uma série de privatizações e
incorporações. Entre elas cabe citar:
- a aquisição, pela Bombardier, da Canadair do governo canadense, em 1988, tendo este
assumido o compromisso de custear o estágio final de desenvolvimento do seu jato regional;
- a aquisição, pela Bombardier, da Shorts Brother, em 1989, após o governo ter efetivado
uma significativa injeção de capital anteriormente decidida e aceito custear investimentos também
já programados. Em troca, a Bombardier comprometeu-se em seguir utilizando a marca Shorters e
mantê-la sob seu controle pelos quatro anos seguintes;
- a aquisição, pela Boeing, da De Havilland, em 1988 e posterior venda para a
Bombardier, com a participação do governo canadense, em 1992.
Embora o comportamento da Boeing não tenha sido até agora seguido por outras grandes
empresas produtoras de aviões de grande porte, ele pode render consideráveis dividendos. Em
função do grande volume de insumos por ela utilizados, a compra da De Havilland permitiria uma
considerável redução de preço na compra de materiais e componentes (30% nas placas metálicas e
40% nos aviônicos) para esta empresa. Por outro lado, caso bem sucedida, a incorporação
permitiria à Boeing oferecer descontos às companhias de aviação na venda dos commuters
fabricados pela De Havilland.
41
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1.6. As Atuais Tendências de Inovação e a IAe
A alta concentração de atividades de P&D que apresenta o setor determina que muitas das
inovações de produto e de processo geradas nas últimas décadas e posteriormente difundidas para
o conjunto da indústria tenham sido nele originadas.
A IAe foi o setor que primeiro adotou processos automatizados de projeto e manufatura
dos componentes que integram seu produto final. A exigência de rígidos padrões de qualidade e
confiabilidade de seus produtos foi a causa principal deste pioneirismo, mais do que a diminuição
dos custos de produção, como tem ocorrido em outros setores. Inovações como as MFCN, os
sistemas CAD/CAM, entre outros, foram desenvolvidas justamente no seu âmbito.
Foi, por outro lado, um dos setores que mais cedo introduziu nos seus produtos
dispositivos informatizados de controle, em substituição aos servo-mecanismos mecânicos ou
pneumáticos, inaugurando, também, a tendência à miniaturização dos seus componentes. Basta
dizer que a difusão do que se conhece como "eletrônica embarcada" iniciou-se, justamente, neste
setor.
Mais do que outros setores que fabricam produtos complexos e de grande porte,
resultantes da integração de um grande número de componentes fabricados separadamente, e por
um grande número de empresas, a produção aeronáutica é dividida em duas fases que guardam
especificidades bastante marcadas. A fase de produção de componentes, como acima indicado,
tem-se alterado profundamente do ponto de vista tecnológico nos últimos anos, na esteira de uma
tendência internacional dominante manifesta na indústria em geral. A fase de montagem,
entretanto, e em função dos mesmos requisitos de qualidade e confiabilidade acima apontados, e
das pequenas séries de produção e alto valor unitário que caracterizam a IAe, foi menos afetada
pelas tendências de mudança que caracterizam setores até certo ponto semelhantes, como a
indústria automobilística. Para ter uma idéia das diferenças que guarda em relação a esta indústria,
vale mencionar que o preço unitário de um pequeno avião se estima em centenas de milhares de
dólares e que os maiores volumes comercializados de um mesmo modelo, vendido ao longo de
vários anos a um restrito número de clientes, em geral empresas de grande porte, se contam em
centenas de unidades.
Assim, diferentemente de outros setores industriais de produção seriada ou contínua, onde
a informatização tem penetrado maciçamente em todas as fases do processo produtivo e onde as
novas formas de organização do trabalho estão revolucionando os métodos tradicionais, a fase de
montagem de aeronaves conserva características de produção quase artesanal, intensiva em mão-
de-obra qualificada e baseada no saber especializado de grupos de trabalhadores.
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As características estruturais da IAe já apontadas tornam pouco atrativa a difusão em seu
interior das tendências à maior flexibilização e integração entre as diversas fases do processo
produtivo (projeto, produção e distribuição) facultada pelas inovações baseadas na
informatização. Em conseqüência, as oportunidades de exploração das fronteiras de aumento da
competitividade não estritamente tecnológicas abertas por essa tendência em grande parte dos
setores industriais encontra-se - acredita-se que não apenas conjunturalmente - limitada. Apesar de
na produção de aeronaves de emprego civil existir uma possibilidade relativamente maior de
incorporação daquelas tendências, isto não é vislumbrado no prazo imediato, tendo em vista (a) o
virtual obstáculo que representa a fase de montagem; e (b) o pequeno impacto que elas
implicariam em termos de redução de custos. Por essas razões, e mais do que em outros setores
de intensidade tecnológica semelhante onde as tendências descritas se manifestam com grande
ímpeto, a capacidade de inovação desta indústria se baseia ainda, fundamentalmente, na
capacitação científica e tecnológica.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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2.COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA AERONÁUTICA BRASILEIRA
2.1. Competitividade da EMBRAER na Década de 80
Mantendo o caráter privilegiado na análise, de enfocar os aspectos tecnológicos
determinantes dos fatores de competitividade esta seção aborda primeiramente aqueles associados
às tendências internacionais da produção de aeronaves de emprego militar e seu impacto para a
IAeB. Posteriormente se analisam aqueles referentes à produção de aeronaves de emprego civil
pertencentes à categoria dos commuters.
2.1.1. Tendências da produção de aeronaves de emprego militar e seu impacto para a IAeB
Como já observado no primeiro capítulo, a fabricação de aeronaves de uso militar
caracterizou-se desde o início da década de 70 até meados da de 80 pela super sofisticação. Esta
pode ser entendida como uma tendência de elevação do custo de produção, determinada pelo
peso crescente do componente de P&D e pelas características do mercado (monopsônico e de
oligopólio diferenciado, quando não monopólico), acompanhada por um decrescente ou mesmo
negativo aumento do desempenho marginal do produto. Elevado preço de produção, custosa e
complexa manutenção e operação, associados a um desempenho sofrível em situações reais de
conflito foram constatados por grande número de analistas nas últimas duas décadas.
A tendência à supersofisticação observada genericamente na indústria de armamento dos
países avançados, responsável por cerca de 97% da produção mundial, tem sido interpretada pelos
analistas como resultado da lógica do processo decisório militar e da especificidade do setor. O
mecanismo dissuasório de ação e reação baseado na superioridade tecnológica típico da guerra
fria e, segundo alguns, a própria independização da P&D militar que teria passado a determinar a
corrida armamentista são os elementos-chave dessas interpretações.
A tendência à supersofisticação possui duas implicações importantes para a análise aqui
desenvolvida. A primeira é que ela abriu um espaço no mercado internacional de armamento, do
qual cerca de 60% corresponde às compras de países do Terceiro Mundo, para produtos de nível
tecnológico intermediário, baixo custo de aquisição e operação, mais adequados às situações reais
de conflito e às necessidades daqueles países. A segunda é que, devido à citada lógica militar
imperante na IAe, a tendência à supersofisticação abarcou a produção de aeronaves civis dos
países avançados. Na verdade ela somou-se à uma outra tendência das grandes empresas,
determinada por razões comerciais, de privilegiamento da produção de aeronaves civis de maior
porte, originada pela sua usual maior lucratividade e pela evolução projetada do mercado.
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Aumentou, em conseqüência, a probabilidade de ocorrência de nichos de mercado para
aeronaves de menor porte, sofisticação, consumo de combustível, etc, sem que as empresas líderes
do mercado mundial, respondessem com a necessária presteza a essa situação. Assim,
aproveitando-se de uma conjuntura favorável e, como se verá, momentânea - alguns NICs e
empresas marginais dos países avançados foram capazes de firmar sua competitividade nesses
nichos de mercado.
2.1.2. Tendências internacionais de produção de aeronaves de emprego civil e seu impacto
para a IAeB
Como também já apontado no capítulo inicial, o mercado civil pode ser classificado em
vários segmentos correspondentes a diferentes tipos de demanda por transporte aéreo, em termos
de autonomia de vôo e capacidade de carga/passageiros. A "nata" deste mercado, os grandes jatos
internacionais multi-turbinados, estava, em meados dos anos 70 como atualmente, solidamente nas
mãos de indústrias tradicionais dos países centrais. Mas, à medida que se descia na escalada de
complexidade, existiam algumas oportunidades.
Em meados dos anos 70, a EMBRAER começava a exportação de seus aviões
cuidadosamente. Ao invés de tentar dar conta dos difíceis mercados americano ou europeu, como
primeira experiência, ela prudentemente decidiu iniciar suas vendas internacionais pelos mercados
mais "fáceis". A duração destes procedimentos cautelosos pode ser evidenciada por algumas datas
significativas. Embora a EMBRAER tivesse solicitado a homologação americana para o
Bandeirante (um importante requisito para a exportação), já em 1969, somente a partir de 1974 é
que sua divisão de vendas foi criada. A primeira venda internacional aconteceu em 1975: um
solitário Bandeirante foi vendido ao Uruguai, e outros poucos para o Togo. Somente mais tarde é
que foi oferecido em outros países.
A crise do petróleo veio em muito boa hora para a EMBRAER. As restrições ao consumo
de combustível vieram a favorecer o avião turbo-hélice brasileiro em relação a seus competidores
movidos a jato. Repentina e inesperadamente, o Bandeirante tornou-se uma alternativa muito mais
econômica. Claro que a atitude do governo brasileiro também ajudou: as condições de
financiamento, com o respaldo do crédito governamental, foram tão favoráveis que logo
provocariam acusações de dumping contra a EMBRAER.
A cuidadosa política da EMBRAER rendeu consideráveis dividendos à medida em que se
ia transformando o mercado mundial de aeronaves de categoria commuter. Em 1978, ocorreu a
desregulamentação do transporte aéreo regional norte-americano. Suspenderam-se as exigências
de utilização de grandes jatos para linhas de baixo tráfego e/ou curta distância. Isto abriu um vasto
mercado para aviões de vinte assentos. Naquela época, poucas empresas aeronáuticas tinham um
45
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produto compatível com o estado da arte, a baixo preço e de baixo custo operacional. Como se
indicou, a tendência geral, até então, fora no sentido da produção de aeronaves que se tornariam
anti-econômicas à medida que seus custos operacionais disparavam na esteira dos choques do
petróleo.
Um avião turbo-hélice, não pressurizado, de concepção relativamente avançada como o
Bandeirante, defrontou-se com o vasto mercado potencial (havia apenas outras três aeronaves
presentes no segmento de 10-20 passageiros, da Fairchild, da Beech e da de Havilland). Havia,
entretanto, um obstáculo para sua venda no mercado americano (e internacional): sua
homologação pelo FAA (Federal Aviation Administration).
As autoridades brasileiras sentiram-se discriminadas com os expedientes protelatórios do
governo americano. Talvez a discriminação tenha de fato ocorrido. A elevação de 7% para 50%
das tarifas alfandegárias para aeronaves leves provenientes do exterior, ocorrida em 1974, logo
após o acordo Piper-EMBRAER (que propiciou a montagem desses aviões no país) pode ter sido
interpretada como uma "reserva de mercado" pelas empresas ou pelo governo norte-americano.
Este fato, somado às acusações de dumping citadas, pode ter contribuído para que somente em
1978 o Bandeirante fosse devidamente certificado. Esta foi uma vitória diplomática e comercial da
maior importância.
Em função basicamente de seu baixo custo de aquisição e das condições vantajosas de
financiamento que apresentou, o Bandeirante alcançou grande sucesso no mercado norte-
americano. Em 1982, dominava 32% do mercado norte-americano do segmento de 10-20
passageiros e representava 62% das importações norte-americanas de aeronaves deste segmento.
Dos cerca de 400 Bandeirantes construídos pela EMBRAER, 246 foram exportados,
principalmente, para companhias norte-americanas.
Dos projetos desenvolvidos pela EMBRAER depois do Bandeirante dois merecem
destaque por razões opostas. O primeiro é o do Xingu que foi o primeiro avião pressurizado
desenvolvido e produzido pela empresa. Embora tenha sido um fracasso do ponto de vista
comercial, ele permitiu à empresa adquirir a capacidade para o desenvolvimento posterior do
Brasília e da família de aeronaves cujo projeto se sucedeu, da qual o Xingu pode ser considerado
precursor. O segundo, desenvolvido em tempo recorde, a baixo custo e com relativamente
pequeno ganho em termos de capacitação tecnológica, foi o Tucano. Neste caso, a já aludida
capacidade da empresa na identificação de nichos de mercado foi fundamental para o grande êxito
comercial obtido pela aeronave.
Quando do lançamento do Brasília no mercado internacional, em 1985, a EMBRAER já
possuía uma maior experiência e renome entre as companhias de aviação. Mas mais importante do
que estes fatores foi a possibilidade que novamente se apresentou à EMBRAER, em função de
46
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uma correta previsão da evolução do mercado, e de sua capacidade para dela tirar vantagens, de
explorar um nicho de mercado onde existiam apenas três aeronaves. Duas que haviam começado a
ser produzidas no início dos 60 e uma que havia entrado no mercado no ano anterior. Apesar de,
em 1988, o número de competidores no segmento de 20-45 passageiros haver aumentado para
sete, a situação do Brasília já estava relativamente consolidada. Embora tenha sido posteriormente
descontinuada a produção das duas aeronaves mais antigas, e duas novas tenham entrado no
mercado, a participação do Brasília seguiu crescendo, alcançando 29% e 25%, respectivamente,
no mercado norte-americano e mundial.
2.2. Fatores Estruturais e Sistêmicos da Competitividade
O fato da implantação de uma capacidade local para a produção aeronáutica ter sido desde
o início considerada pelos militares como estritamente ligada à implementação da doutrina de
"segurança e desenvolvimento", consistiu-se num elemento decisivo para a criação das condições
estruturais e sistêmicas da competitividade do setor. Mais do que isto, é impossível entender o
processo de criação e consolidação da IAeB sem ter presente o papel do Estado, através de um
dos atores mais importantes - os militares. Por essa razão, e visando explicitar aspectos que
permitem uma melhor compreensão dos fatores empresariais, optou-se por analisar os fatores
estruturais e sistêmicos da competitividade em primeiro lugar.
Não parece conveniente no contexto deste trabalho aprofundar a análise acerca da auto-
percepção dos militares como agentes modernizantes e, por conseqüência, preocupados com o
desenvolvimento industrial e tecnológico, que parece estar na origem do seu engajamento com a
instalação, ao longo da história do País, de setores intensivos em tecnologia, como siderurgia,
petróleo, energia, telecomunicações e informática.
Tampouco parece necessário enfatizar que, ao lado dessa preocupação genérica com o
desenvolvimento industrial e tecnológico (comportamento aliás atípico entre as elites nacionais),
existia o objetivo, oriundo da função especificamente militar, de criar as condições para a
produção de equipamentos bélicos. Igualmente não se aprofunda a questão do caráter distinto que
apresentou a Força Aérea no âmbito das Forças Armadas Brasileiras em relação à conveniência de
contar com uma capacitação tecnológica e industrial para a produção dos equipamentos que sua
função determinava. Finalmente, não parece necessário ressaltar que durante o regime militar, os
segmentos militares tiveram o espaço necessário para formular e implementar políticas públicas
coerentes com seus objetivos.
A consideração desses vários aspectos permite entender porque não apenas os fatores
empresariais de competitividade, que dependiam das decisões tomadas pela elite técnica da Força
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Aérea, mas também os de natureza estrutural e sistêmica, que de alguma forma dependiam da
atuação dos militares, tiveram condições de implementação. Dado que a estratégia, e o
conseqüente nível de capacitação tecnológica1 atingido pela IAeB se constituiu na condição
necessária que viabilizou a competitividade do setor, é conveniente apresentar alguns elementos
relacionados ao início de sua implantação.
Pode-se dizer que as condições viabilizadoras da estratégia tecnológica seguida pelo setor
começaram a se materializar no começo dos anos 50, através da criação do Centro Tecnológico
da Aeronáutica
__
CTA, e do Instituto Tecnológico da Aeronáutica
__
ITA. Bem antes,
portando, da instalação de sua empresa líder2, a Empresa Brasileira de Aeronáutica
__
EMBRAER, ocorrida em 1969, estas instituições vinham realizando pesquisas e formando
engenheiros aeronáuticos numa quantidade inicialmente muito superior às necessidades do
"mercado". Quando da fundação da empresa
__
que como se verá ao longo do trabalho,
confunde-se para todos os efeitos de análise com a própria IAeB
__
foram transferidos para as
instalações construídas pelo Ministério da Aeronáutica não só uma grande quantidade de
equipamentos para a produção como a totalidade da equipe que havia desenvolvido o
Bandeirante, que viria a se constituir no carro-chefe de vendas durante muitos anos.
Foi a existência de um generoso e continuado apoio do Estado para a formação de
recursos humanos de alto nível e a realização de pesquisa básica e aplicada, sem precedentes na
história do desenvolvimento tecnológico e industrial do País, que viabilizou a adoção pela
EMBRAER de uma estratégia orientada para a autonomia tecnológica. Baseada na aquisição de
capacitação num conjunto restrito e criteriosamente selecionado de tecnologias identificadas como
de alta fertilidade e imprescindíveis para seu programa de produção industrial e de ocupação de
nichos de mercado nacional e internacional, e numa adequada combinação entre o conhecimento
localmente desenvolvido e o obtido mediante consultoria externa ou licenciamento, a empresa foi
capaz de lograr sucessivas etapas na sua trajetória de inovação.
Além da criação do CTA e do ITA são implementadas, sob a égide do Ministério da
Aeronáutica, políticas de natureza bastante abrangente e variada de vital importância para o
estabelecimento dos fatores de competitividade do setor. Entre elas podem ser citadas:
- o benefício concedido à EMBRAER, sem precedentes no ambiente empresarial
brasileiro, para sua capitalização através da captação de parte do imposto de renda devido por
empresas estabelecidas no País, que permitiu que o repasse de 500 milhões de dólares, desde a sua
fundação até 1985;
1 Note-se, entretanto, que a importância da capacitação tecnológica como fator de competitividade não é específica
da IAeB mas uma característica da IAe em nível internacional, como comentado no capítulo inicial.
2 Ainda que impropriamente usa-se aqui o termo "empresa líder" para designar a EMBRAER no contexto da IAeB.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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- a dispensa de pagamento de impostos de importação e exportação, de comercialização
(ICM) e de produção industrial (IPI);
- a utilização do poder de compra do Governo, inicialmente mediante encomendas do
Ministério da Aeronáutica e do Ministério da Agricultura que viabilizaram a produção da empresa
durante os seus oito primeiros anos de existência, e posteriormente mediante novas encomendas
que possibilitaram cobrir grande parte dos custos de desenvolvimento;
- a destinação de recursos governamentais através de suas de fomento à pesquisa e ao
desenvolvimento industrial e mediante a compra de ações da empresa;
- a virtual reserva de mercado estabelecida para os produtos de emprego não estritamente
militar;
- os créditos e subsídios especiais à exportação;
- os empréstimos em condições extremamente favoráveis concedidos pelo governo;
- o forte apoio da diplomacia brasileira à exportação de aeronaves de emprego militar.
Outros fatores ligados à própria estratégia seguida quando da implantação da IAeB
tiveram uma influência significativa no êxito alcançado. Uma comparação, ainda que superficial
com o processo de implantação da indústria automobilística, no final dos anos 50, é elucidativa.
Neste caso, foi concedido às corporações transnacionais do setor o nível mais elevado da
atividade industrial, isto é, a montagem, o que permitiu-lhes através da concepção do produto
final controlar os vários fornecedores e a indústria como um todo, exercendo uma poderosa
influência em seu desenvolvimento. A EMBRAER foi concebida como uma estatal e como uma
montadora final, que se dedicaria exclusivamente à montagem de aviões através da materialização
de um projeto aeronáutico endogenamente concebido. Outra companhias nacionais e estrangeiras
forneceriam a maioria dos componentes que demandava. Ela não buscaria verticalizar a fundo, e
desnecessariamente, a produção de componentes no Brasil; mas poderia determinar com
autonomia em função da posição que ocupava e da estratégia de capacitação tecnológica que
adotou, o desenvolvimento do setor.
Sem que seja necessário apontar outros exemplos e aprofundar a análise já efetuada em
outros trabalhos, é possível afirmar que ocorreu no âmbito do setor uma sintonia, que não
encontra paralelo no País, entre a política científica e tecnológica explícita, visando o
estabelecimento de mecanismos de fomento à capacitação tecnológica, e políticas implícitas que as
potencializavam. Tal grau de sintonia não ocorreu nem mesmo em outros setores, como o das
telecomunicações, da informática e do petróleo, onde se materializaram o que pode ser
caracterizado como "subsistemas" que levaram a implementação, de forma atípica em relação ao
conjunto do sistema de desenvolvimento científico e tecnológico nacional, de políticas de
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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capacitação tecnológica convergentes com as políticas mais abrangentes adotadas no campo
econômico e industrial.
A trajetória que pôde ser seguida pela EMBRAER graças ao apoio governamental
recebido contrasta, radicalmente, com a experiência vivida por outros setores industriais de países
periféricos, descrita na literatura como "estratégia de aprendizagem" de "learning by doing" ou
ainda de "learning by adapting". A EMBRAER não baseou sua estratégia tecnológica na
importação de "pacotes tecnológicos" a serem posteriormente "abertos", adaptados às condições
locais e eventualmente otimizados mediante "engenharia reversa". Uma sólida capacitação em
pesquisa básica e aplicada e uma contínua preocupação com a formação de recursos humanos
capazes de se apropriarem de soluções tecnológicas específicas, objeto de consultorias e acordos
de cooperação, foi o caminho privilegiado para aumentar o potencial inovativo da empresa.
Foi a partir da capacitação em projeto aeronáutico (em especial na área de aerodinâmica) -
a qual foi iniciada ainda no âmbito do CTA e previamente à criação da empresa - que foi possível
assimilar as demais capacitações não propriamente tecnológicas, que conformaram sua estratégia
competitiva. Entre essas últimas, que foram sucessivamente obtidas a partir da associação com
parceiros externos e viabilizadas em grande medida através da atuação governamental, cabe
destacar aqueles relativos à:
- produção industrial, mediante acordo com a Aermacchi, para produção do avião militar
Xavante;
- comercialização, mediante acordo com a Piper viabilizado pela virtual reserva de
mercado estabelecida pelo governo;
- assistência técnica e manutenção de aeronaves (acordos de venda com companhias aéreas
operadoras);
- fabricação de componentes complexos sob encomenda (subcontratação com a Douglas e
a Boeing).
É claro que essas sucessivas etapas de aprimoramento da capacidade genérica de inovação
da empresas possibilitaram, em paralelo, uma crescente capacitação tecnológica, até o ponto de
lograr firmar-se como parceira tecnologicamente mais forte, como é o caso da cooperação com a
Argentina para a produção do Vector.
50
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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2.3. Fatores Empresariais da Competitividade
A partir do contexto conformado através da atuação do Estado, comentado na seção
anterior, e que se mostrou fundamental para a criação dos fatores de competitividade do setor, são
a seguir abordados os principais aspectos referentes ao estabelecimento dos fatores de
competitividade ao nível da empresa.
2.3.1. A evolução do setor e seu caráter de dependência em relação ao exterior
O êxito competitivo alcançado pela IAeB pode ser avaliado em primeira instância pela
evolução do faturamento e pelo desempenho exportador da EMBRAER. O gráfico 3 indica os
valores de produção e exportação (os valores destes e dos gráficos seguintes estão expressados
em dólares correntes) a partir de 1975, ano em que se iniciam as vendas externas da empresa.
Sem detalhar as razões que determinam a evolução observada, o que exigirá uma
desagregação dos dados globais indicados, é importante destacar a existência de quatro fases bem
marcadas:
- primeira fase, de moderado crescimento, que vai até 1981;
- segunda fase (1981-85), de relativa estagnação;
- terceira fase (1985-89), de intenso crescimento;
- quarta fase (1989- ), de acentuada diminuição da produção.
A tabela 3 apresenta os vários modelos de aeronaves produzidos ou em desenvolvimento
EMBRAER. Ela situa, através do ano de fabricação da primeira unidade de cada modelo os
principais momentos da vida da empresa, desde a sua fundação até o presente.
TABELA 3
MODELOS PRODUZIDOS OU EM DESENVOLVIMENTO PELA EMBRAER
MODELO INÍCIO E TÉRMINO PROJETO CARACTERISTICAS
DA PRODUÇÃO
BANDEIRANTE 1973- EMBRAER MILITAR E CIVIL (COMMUTER - 19 ASSENTOS,
TURBOPROP.)
XAVANTE 1971-81 COOP.ITALIA MILITAR (BOMBARDEIRO E TREINAMENTO, A JATO)
IPANEMA 1971- EMBRAER MILITAR E CIVIL (MONOPLACE)
LINHA PIPER 1975- PROD.LICENÇA PIPER MILITAR E CIVIL
XINGU 1978-87 EMBRAER MILITAR E CIVIL
TUCANO 1983- EMBRAER MILITAR (ATAQUE AO SOLO E TREINAMENTO,
TURBOPROP.)
BRASILIA 1985- EMBRAER MILITAR E CIVIL (COMMUTER - 30 ASSENTOS,
TURBOPROP.)
AMX 1989- COOP.ITALIA MILITAR (CAÇA-BOMBARDEIO, A JATO)
VECTOR (CBA-123) PROTOTIPO COOP.ARGENTINA CIVIL (COMMUTER - 19 ASSENTOS, TURBOPROP.)
EMB-145 EM DESENV. EMBRAER CIVIL (COMMUTER - 19 ASSENTOS, A JATO)
Fonte: EMBRAER e estimativas.
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Como se pode constatar a partir dos gráficos 3 e 43, a evolução da produção é
marcadamente influenciado pelo mercado externo, o que por si só indica o duplo aspecto de
dependência em relação ao exterior que caracteriza o setor. A existência de um alto volume de
exportação não chega a ser surpreendente, tendo em vista as características da IAe em nível
internacional, abordadas no primeiro capítulo. Tampouco o é a existência de um grande volume de
importação, uma vez que se trata de uma empresa situada num país com baixo nível de
capacitação tecnológica; o que sim é preocupante, é a participação relativa que esta assume em
relação à produção, mostrada no gráfico 4.
A dependência observada, tanto em nível da exportação (aeronaves, kits, peças e
componentes, etc), como de importação (matérias-primas, peças e componentes, máquinas, etc),
obriga a uma análise detalhada de suas implicações. A primeira delas é a indicada no gráfico 5,
que permite uma avaliação do desempenho da empresa até 1989, no que respeita ao efeito externo
líquido de sua operação. Como indicado, somente após 1985 a empresa tem apresentado um
efeito externo líquido sistematicamente positivo, embora ainda baixo quando comparado com
outros setores da indústria nacional.
GRÁFICO 3
DESEMPENHO DA EMBRAER
ano
milhões de dólares
0
100
200
300
400
500
600
700
800
75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92
EXPORTAÇÃO PRODUÇÃO
3 A EMBRAER costuma divulgar o valor de sua receita e das exportações que realiza, sendo que os dados
reportados pela CACEX, coincidem com estes últimos. Existe, entretanto, uma certa reserva da empresa em
informar suas importações. A partir da informação fornecida pela empresa e dos dados obtidos na CACEX, até
1989, é possível ter uma visão geral do desempenho seu desde o início de suas operações.
52
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GRÁFICO 4
PARTICIPAÇÃO DAS IMPORTAÇÕES
ano
milhões de dólares
0
100
200
300
400
500
600
700
800
75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91
IMPORTAÇÃO PRODUÇÃO
O gráfico 6 permite, a partir da mesma informação, observar como tem variado a
dependência da empresa em relação ao mercado externo. Nele é possível distinguir três nuvens de
pontos que, por agruparem com correlação significativa nos anos subseqüentes, parecem estar
indicando mudanças no perfil da empresa no que respeita à sua dependência em relação ao
mercado externo. Interessa destacar que a partir de 1985 a empresa parece consolidar seu perfil de
dependência em termos de insumo (entre 40 e 50% da produção) e de produto (entre 60 e 70% da
produção); os dados de exportação referentes a 1990 e 91 corroboram esta afirmação. Os níveis
de dependência encontrados são igualmente atípicos (isto era de se esperar dado que provém da
mesma informação básica).
A simples consideração da alta proporção das importações no valor da produção (da
ordem de 50%, em média) seria suficiente para questionar o argumento da importância do setor
em nível do comércio exterior brasileiro. Na realidade, essa proporção é consideravelmente
subestimada. Ela se refere apenas aos insumos importados diretamente pela EMBRAER. Haveria
que adicionar a estes o valor das importações "embutidas" nos insumos produzidos por empresas
nacionais fornecedoras da EMBRAER. Como é citado pela própria EMBRAER, a empresa tem
cerca de 400 empresas fornecedoras, que fabricam uma ampla gama de produtos de distintos
graus de sofisticação. É evidente que existe uma parcela considerável do valor dos mesmos que
corresponde a importações. Não há porque supor que ela seja muito menor do que à apresentada
pela própria EMBRAER. Em alguns casos, de produtos especialmente sofisticados da área
eletrônica, ela é seguramente maior, a julgar pelo que ocorre no setor de produção de bens de
emprego civil. É interessante notar, por outro lado que, apesar da existência de uma considerável
53
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proporcionalidade entre produção e importação, ao longo do tempo, existem alguns anos nos
quais, aparentemente devido aos preparativos da empresa para lançar novos produtos, há um
aumento da relação importação/produção.
Uma estimativa mais fidedigna do coeficiente de importação do setor aeronáutico
brasileiro teria que se basear numa análise do componente importado da produção dos distintos
fornecedores da empresa final e do peso relativo que os mesmos possuem na composição do
custo. Se se supõe, otimisticamente, que 15% do custo de produção da EMBRAER é constituído
de insumos produzidos por outras empresas sediadas no país, e que o componente importado dos
mesmos é da mesma ordem do por ela apresentado, teríamos que o coeficiente importado global
médio no período analisado aumentaria em mais 7,5 pontos percentuais.
GRÁFICO 5
EFEITO EXTERNO LIQUIDO (EXP-IMP)/PROD
ano
-0,8
-0,6
-0,4
-0,2
0
0,2
0,4
75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89
54
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GRÁFICO 6
DEPENDÊNCIA EM RELAÇÃO AO EXTERIOR
COEF. IMPORTAÇÃO
COEF. EXPORTAÇÃO
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1
75
76
77
78
79
80
84
82
83
87
86
88
89
85
81
M
Entretanto, mesmo a desconsideração desse fato, cuja exploração e dimensionamento está
bastante além do nível de informação existente, permite chegar a resultados bastante preocupantes
e contrários aos que aparentemente embasam as declarações dos dirigentes do setor acerca de sua
relevância para a balança comercial do país. Se se observam os valores médios de exportação e
importação (que, como indicado, se referem apenas à importação realizada diretamente pela
EMBRAER), o questionamento feito nos parágrafos precedentes ganha ainda mais força. De fato,
a receita "líquida" entre 1975 e 1988 não é de cerca de 123 milhões de dólares anuais, mas sim de
apenas 19,3 milhões de dólares anuais (descontando-se os US$ 103,7 milhões referentes às
importações indiretas).
2.3.2. A estratégia de autonomia tecnológica e o índice de nacionalização
A existência de uma alta dependência em relação à importação não caracteriza, entretanto,
uma situação de dependência tecnológica. A autonomia tecnológica não se reflete necessariamente
no "índice de nacionalização". Principalmente num ramo produtivo como este, de alta densidade
tecnológica e propositalmente submetido a uma estratégia de desenvolvimento como a
caracterizada anteriormente, o controle nacional da tecnologia é uma meta mais importante do que
a do aumento do índice de nacionalização. Foi essa estratégia que ensejou o desenvolvimento do
setor aeronáutico brasileiro em moldes completamente distintos do automobilístico, até agora
controlado pelo, e tecnologicamente dependente do, capital transnacional; e isto apesar de
apresentar um índice de nacionalização de quase 100%.
55
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Se as autoridades do setor aeronáutico tivessem perseguido a "miragem" do índice de
nacionalização, ele poderia ser hoje bastante superior a 50%. Isto, entretanto, teria implicado a
adoção de uma estratégia tecnológica totalmente diferente da que foi adotada. Ao invés de
especializar-se em segmentos tecnológicos nos quais a capacidade e vocação, existentes ou
possíveis, pudessem apresentar vantagens comparativas, como os de aerodinâmica, engenharia de
sistemas (entendida basicamente como a capacidade de combinar componentes de distintas
procedências com a fuselagem produzida localmente), fabricação de materiais compostos etc, o
setor teria buscado a produção local "por igual" de todos os componentes do avião. Para ter uma
idéia do que isto implica basta mencionar que o número de países que fabricam motores
aeronáuticos com tecnologia própria não é superior a cinco.
Nos casos em que não há um controle nacional do empreendimento e quando se parte de
uma fronteira tecnológica conhecida pela empresa estrangeira instalada no país mas não dominada
localmente, a estratégia do aumento do índice de nacionalização mostra-se atrativa. Pois nestes
casos, uma das formas de aumentar o ganho do país é estipular índices crescentes de
nacionalização e, assim, quotas de produção local cada vez maiores. O domínio da tecnologia por
empresas nacionais, neste caso, não é um resultado a buscar; seja porque não interessa ao país
obtê-lo, seja porque ele é inacessível. Quando o controle do empreendimento está desde o começo
assegurado, a estratégia não tem porque ser de aumento do índice de nacionalização. O leque de
opções que se abre aos responsáveis pelo empreendimento é, neste último caso, muito maior.
O resultado de uma estratégia de aumento puro e simples do índice de nacionalização faria
com que se pudesse estar hoje produzindo no país aviões totalmente nacionais. Estes, porém,
poderiam resultar inadequados para a satisfação das necessidades civis do pequeno mercado
nacional e, principalmente, daquelas visualizadas pelos segmentos militares. Estas considerações
vêm, novamente, corroborar a hipótese de que a lógica do setor aeronáutico brasileiro não é
econômica. Além disso, indicam quão difícil é optar sobre o "balanço" entre "auto-suficiência" e
autonomia quando a decisão não é puramente econômica.
O objetivo de trazer à discussão esse ponto, é colocar claramente a opinião de que os
critérios que devem presidir uma avaliação em última instância da EMBRAER não são
econômicos. O não-reconhecimento deste fato pelos seus responsáveis obriga-os a tentar justificar
de forma inadequada, para não dizer desastrada, um empreendimento que parece só pode ser
legitimado pela via estratégico-militar. O procedimento de tentar construir um argumento
utilizando apenas as evidências positivas constitui um claro sintoma.
A partir da informação coletada pela CACEX e de outras estimativas é possível formar
uma idéia a respeito das características da dependência do setor em relação ao exterior. Os
gráficos 7 e 8 indicam o destino das exportações da empresa e a origem das importações, em
56
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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1988. Como se pode constatar, a participação dos EUA - seja como mercado para a produção da
empresa - seja como supridor dos principais insumos que a tornam possível é significativa, fato
que confirma a tendência internacional comentada no capítulo inicial. Entre os principais países
fornecedores de insumos para a EMBRAER estão:
- EUA: kits de aviões leves (Piper), placas de alumínio (Alcan, Alcoa), conectores, placas
de inox e outras ligas, parafusos e porcas, válvulas, aviônicos, motores;
- Grã-Bretanha: motores;
- França: peças e componentes, aviônicos;
- Itália: kits de aviões militares, peças e componentes;
- Canadá: motores.
GRÁFICO 7
PRINCIPAIS CLIENTES (1982 - CACEX)
PARAGUAI (2,4%)
OUTROS (8,6%)
EUA (41,6%)
FRANÇA (15,8%)
ARGENTINA (12,7%)
BAHAMAS (5,7%)
GB (5,7%)
MALTA (3,5%)
COLÔMBIA (4,0%)
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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GRÁFICO 8
PRINCIPAIS FORNECEDORES (1989 - CACEX)
OUTROS (0,4%)
ALEMANHA (0,7%)
CANADÁ (35,3%)
ITÁLIA (3,3%)
FRANÇA (6,7%)
GB (1,5%)
EUA (52,1%)
2.3.3. O impacto tecnológico da IAeB na indústria nacional
Ao contrário do que poder-se-ia imaginar, nem mesmo as matérias-primas e componentes
aparentemente menos sofisticados, como as chapas de alumínio extensamente empregadas na
fabricação de aeronaves são produzidos no país. Os requisitos de desempenho e qualidade já
comentados obriga que a lista de ítens importados pela EMBRAER praticamente se confunda com
a de insumos utilizados na fabricação de seus produtos.
A este respeito cabe assinalar que não obstante o propalado efeito de spin off que a
EMBRAER exerceria sobre a indústria nacional, onde teria capacitado as cercas de 400 empresas
fornecedoras, não há evidência acerca da sua existência. A exemplo do que parece ocorrer em
relação à literatura sobre os parques e pólos tecnológicos brasileiros, entre os quais o de São José
dos Campos, nucleado em torno da EMBRAER e de outras empresas produtoras de armamento, é
apontado como um exemplo bem-sucedido, o aludido efeito se assemelha mais a uma justificativa
ad hoc do que a constatação de uma realidade.
Para formar uma idéia, ainda que aproximada, do que seria tal efeito spin off, pode-se
tomar como parâmetro o impacto econômico que ele determina. Mesmo sem conhecer em detalhe
a estrutura de custos da EMBRAER, é possível estimar que no ano de 1989, quando a produção
foi de aproximadamente 700 milhões de dólares e a importação cerca de 350 milhões, o total da
folha de salários e encargos teria chegado a quase US$ 300 milhões4. Supondo que a empresa
tivesse apresentado uma receita líquida nula naquele ano sobrariam então cerca de 50 milhões de
4 Tal relação entre os gastos com mão-de-obra e a produção é coerente com a experiência internacional, que a situa
em cerca de 50%.
58
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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dólares que teriam sido alocados para efetuar todos os seus outros gastos no país. O fato de a
empresa ter apresentado uma receita líquida de quase 100 milhões de dólares naquele ano, torna o
exercício mais complicado, mas não chega a invalidar a hipótese de o efeito econômico de spin off
por ela gerado é, ser se não desprezível pelo menos muito menor do que dão a entender os
responsáveis pela IAeB. Assim, além do alto componente importado, deveria preocupar os
responsáveis pelo setor o fato de que, mesmo sendo uma empresa pouco verticalizada (como aliás
é o que costuma ocorrer na IAe mundial), é muito pequeno o impacto econômico que gera.
Restaria, entretanto, o argumento de que apesar de seu pequeno significado econômico, tal
efeito seria importante na medida em que poderia contribuir para o desenvolvimento tecnológico
de outros setores. Esta questão é abordada com algum detalhe adiante.
Como conclusão da análise efetuada acerca da evolução dos indicadores globais de
desempenho cabe ressaltar a grande dependência em relação ao exterior que apresenta a IAeB e o
fato de que ao contrário do que poder-se-ia esperar, esta dependência tende a manter-se. Esta
característica é especialmente preocupante em relação às importações, embora possa ser também
questionada a alta participação das exportações na receita da empresa. O fato já assinalado, de
que tanto a IAeB como IAe em nível internacional tendem a ser altamente subsidiadas e que tende
a vigorar um mecanismo de fixação de preços no mercado internacional bastante distorcido, exige
dos dirigentes do setor uma análise mais aprofundada acerca da real conveniência em incentivar a
adoção de um perfil exportador como o observado. Ele poderia estar, na realidade, implicando
perda líquida de recursos ou escasso efeito benefício/custo global.
2.4. A Evolução dos Indicadores Desagregados de Desempenho e o Caráter da Produção da
EMBRAER
A presente seção objetiva uma análise mais detalhada do desempenho da EMBRAER
através da desagregação dos valores da produção da empresa segundo as categorias de aviões que
fabrica e os mercados a que se destinam.
A EMBRAER costuma divulgar anualmente o número de aviões produzidos e
comercializados. Existe, entretanto, uma certa reserva da empresa em informar a receita oriunda
da venda de seus diferentes produtos para os mercados civil e militar. A partir da informação
fornecida pela empresa e de estimativas acerca do emprego militar ou civil dos aviões, é possível
construir a tabela 4.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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TABELA 4
NÚMERO DE AVIÕES PRODUZIDOS PELA EMBRAER
Tipo/Emprego 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 méd tot
Band. civil 12 8 29 10 15 44 47 55 37 18 16 3 6 6 2 1 6 3 18 318
Band. militar 13 13 27 23 11 24 9 14 10 4 14 6 1 9 12 178
Band. total 13 25 35 52 21 39 53 61 65 41 18 30 3 6 6 8 2 15 3 24 496
Brasilia civil 6 19 33 45 53 51 31 34 238
Brasilia militar 2 2 1 4
Brasilia total 6 19 33 47 53 51 31 35 242
Xingu civil 2 6 18 15 10 2 1 2 1 2 6 59
Xingu mil. 2 2 14 23 5 9 46
Xingu total 4 8 18 15 24 25 6 2 1 2 10 105
Tucano completo 12 41 53 39 57 26 25 2 9 29 264
Tucano kit 5 15 29 40 60 30 149
Tucano total 12 41 58 54 86 66 85 2 9 46 413
Xavante 5 23 20 22 24 14 17 21 15 6 12 3 14 182
AMX 2 5 4 4 11
Total AT 5 23 33 47 59 66 38 64 76 85 92 65 58 77 69 80 129 121 142 73 47 69 1449
L. Piper civil 77 322 270 182 323 297 114 116 56 79 94 76 54 50 95 51 41 135 2297
L. Piper mil. 12 9 12 2 9 35
Ipanema civil 10 27 48 81 74 60 35 45 37 17 27 20 18 30 30 35 14 23 27 10 33 668
Ipanema mil. 2 1 2 3
Total BT 0 10 27 48 158 398 343 217 368 343 143 143 76 99 124 106 89 64 118 78 51 143 3003
TOTAL 5 33 60 95 217 464 381 281 444 428 235 208 134 176 193 186 218 185 260 151 98 212 4452
Fonte: EMBRAER e estimativas.
Como indica seu título, a tabela apresenta o número de aviões produzidos ou vendidos, o
que, na realidade, não autoriza o tipo de emprego dado pela empresa à informação e adotada
preliminarmente neste documento. Isto é, o procedimento de adicionar distintos tipos de aviões
como se fossem "unidades homogêneas".
De maneira a explicitar as reais características da produção e da empresa, os aviões foram
classificados em duas categorias. O primeiro, denominados de "alta tecnologia" (AT), é formado
pelos tipos de aviões que, não somente apresentam, de uma maneira geral, uma tecnologia mais
complexa, como implicaram esforço maior do que os da outra categoria, em termos de P&D, ou
de absorção de tecnologia. A outra categoria, denominados de "baixa tecnologia" (BT) inclui
aviões produzidos mediante licença - os da linha Piper - ou de uso agrícola - Ipanema - que não
implicam esforço significativo em termos de P&D, seja qualitativo ou quantitativo.
A título de exemplo, vale recordar que a produção dos aviões da linha Piper (que
representa 55% do total de aviões fabricados pela empresa, sem contribuir em nada para as
exportações) é realizada fora do complexo de São José dos Campo, a partir de "kits" importados.
Esta produção é realizada com um envolvimento mínimo do pessoal da EMBRAER, pela Neiva
que é às vezes considerada como uma empresa autônoma e, às vezes como uma subsidiária da
60
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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EMBRAER. A julgar pelo fato de ter sido ser colocada (sem sucesso) à venda há alguns anos
atrás, não parece ter grande importância para a operação da EMBRAER.
O acordo com a Piper, que teve um importante papel nos anos iniciais de operação da
EMBRAER, não exatamente em termos de capacitação tecnológica, mas na medida em que
possibilitou um aprendizado no que tange à comercialização e assistência técnica, encontra-se
envolvido numa situação bastante difícil. Somados a dificuldades anteriores, que já há vários anos
haviam determinado a opção pela privatização da unidade que operava a linha Piper, existe
atualmente o problema criado com a falência da Piper norte-americana, resultante das tendências
internacionais presentes no setor.
De forma a contornar a dificuldade já apontada, e poder melhor avaliar o desempenho
tecnológico e econômico da empresa, atribui-se a cada tipo de avião produzido um preço médio
de venda, estimado a partir do mercado internacional e interno, e obtido mediante o acesso à
imprensa e a publicações especializadas. Este procedimento padece de uma série de incorreções,
devido ao montante dos valores transacionados, às condições de financiamento, à ocorrência de
acordos paralelos de assistência técnica, fornecimento de peças de reposição, etc. No caso dos
aviões de emprego militar, a situação é ainda mais nebulosa, uma vez que, como se diz, ali "cada
negócio é um negócio". Não apenas os preços de venda internos e externos são distintos; também
o são os cobrados por aviões semelhantes de emprego distinto ou, ainda, os do mesmo tipo para
clientes diferentes. Os dados obtidos utilizando o critério de valor da produção, juntamente com
os apresentados na tabela 4, permitem analisar os aspectos econômicos e tecnológicos
evidenciados nos gráficos que seguem.
2.4.1. A importância relativa das aeronaves de alta tecnologia
O gráfico 9 indica a proporção dos aviões considerados de "alta tecnologia" no total da
produção da empresa tomando os dois critérios. Em primeiro lugar, cabe destacar a flagrante
diferença entre as duas curvas. A consideração da informação fornecida pela EMBRAER,
representada na curva traçada tomando como referência o número de aviões produzidos,
conduziria a um juízo a respeito do nível de sofisticação tecnológica da empresa bastante
contraditório, aliás em relação à imagem divulgada pelos próprios responsáveis pela IAeB. O
valor médio do período é, respectivamente, de 33% e 93%, caso se considere o critério de número
de aviões ou de valor estimado da produção. Este fato evidencia a necessidade de estimar os
valores unitários de produção, apesar da precariedade do procedimento, para poder melhor avaliar
as características e o desempenho do setor.
É flagrante, também, e ao contrário do que indicaria a curva citada, que a EMBRAER
parece vir consolidando, a partir de 1986, seu perfil de produtora de aviões da categoria de "alta
61
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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tecnologia" (AT). Isto é, de aviões que, não somente apresentam uma tecnologia mais complexa,
como implicam um esforço maior de P&D, ou de absorção de tecnologia. A diminuição na
produção ocorrida a partir de 1989, mostrada no gráfico 3, pode agora ser melhor qualificada,
uma vez que ela ocorre em paralelo a um aumento da produção de aviões de AT.
O gráfico 10 indica a proporção dos aviões empregados para fins militares no total da
produção da empresa tomando os dois critérios. Ele indica, também, uma contradição em relação
às declarações dos responsáveis pela IAeB acerca do caráter eminentemente civil da empresa. O
valor médio do período é, respectivamente, de 30% e 42%, caso se considere o critério de número
de aviões ou de valor estimado da produção.
O gráfico 11 mostra a proporção dos aviões empregados para fins militares na categoria de
aviões considerados de alta tecnologia tomando os dois critérios. Como já assinalado, é a
produção desta categoria de aviões que demanda, não apenas uma maior capacitação tecnológica,
adquirida ao longo da experiência da empresa e a maior parte de seu pessoal qualificado, como
um maior esforço empresarial. O fato de que ela é a que representa, de fato, a atividade da
EMBRAER é o que autoriza, entre outras razões, a ênfase colocada ao longo deste trabalho
acerca de seu caráter estratégico-militar. É a orientação imprimida à condução da empresa a
principal responsável pelo comportamento considerado típico pelos analistas internacionais das
empresas dedicadas à produção militar, e, conforme abordado com algum detalhe mais adiante,
excessivamente ambicioso na definição dos projetos desenvolvidos e pouco preocupado com os
aspectos econômico-financeiros.
GRÁFICO 9
PROPORÇÃO DOS AVIÕES AT NO TOTAL
ano
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91
em nº de aviões em valor estimado
62
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GRÁFICO 10
PROPORÇÃO DOS AVIÕES MILITARES NO TOTAL
ano
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91
em nº de aviões em valor estimado
A consideração do gráfico 11 é, por essas razões, especialmente importante. A evolução
verificada entre 1971 e 1991 indica, respectivamente, 58% e 48% para na proporção da
quantidade e do valor dos aviões empregados para fins militares na categoria de aviões AT. Como
se pode verificar, a partir da entrada em produção do Tucano, avião militar de baixo preço em
1983, e do Brasília, avião eminentemente civil de alto preço em 1985, a curva que expressa o
valor das aeronaves produzidas, que até então se confundia com aquela que indica o número das
mesmas, se situa numa posição inferior.
Esta evolução, embora pareça indicar uma tendência de estabilização num patamar mais
baixo do que o histórico, não coloca em risco a afirmação realizada. Ela não pode ser interpretada
como resultado de uma ação intencional neste sentido, uma vez que se deve, fundamentalmente, a
uma situação não prevista: o atraso do programa de desenvolvimento do AMX, do qual haviam
sido produzidas apenas 11 unidades até 1991. Contribuíram, também, para esta evolução a
manutenção da participação do Brasília na receita total; a queda da participação do Tucano; e a
ainda pequena participação do AMX na receita total.
Segundo esperado pelos responsáveis pelo setor, os dois últimos fatores poderão ser
revertidos no futuro, em função de contratos internacionais em negociação envolvendo a
produção do Tucano e a entrada em cadência normal de fabricação do AMX (os planos da
EMBRAER incluem a produção de 262 AMX). Por outro lado, embora seja plausível uma
recuperação das vendas externas do Brasília (que em 1991 foram de 31 unidades) até alcançar o
volume correspondente a 1989 (53 unidades), é pouco provável que ele possa manter a elevada
participação na faixa do mercado mundial e norte-americano em que se insere.
63
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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GRÁFICO 11
AVIÕES MILITARES NO TOTAL AT
ano
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91
em nº de aviões em valor estimado
2.5. Oportunidades e Obstáculos à Competitividade da IAeB
A análise das condições de competitividade que a EMBRAER apresentava, até meados da
década de 80, mostra que todos os casos bem sucedidos trataram-se de projetos concebidos
autonomamente, em função de uma correta identificação de nichos do mercado internacional civil
(no caso do Bandeirante e do Brasília) e militares (no caso do avião de treinamento e ataque ao
solo, o Tucano). Isto é, trataram-se de situações onde, a partir de uma capacitação tecnológica
solidamente constituída, foi possível traçar uma estratégia de inovação que integrou elementos
mercadológicos, de comercialização e assistência técnica apropriados para o contexto nacional.
A presente seção retoma a análise desenvolvida nos capítulos anteriores adicionando
novos elementos referentes à evolução recente do setor e às tendências prováveis que agravam os
aspectos negativos que já apresentava e que alteram significativamente o relativo sucesso que até
então demonstrava. Ela está organizada em torno à indagação a respeito das condições que dever-
se-iam verificar, e a sua probabilidade de ocorrência, para que pudessem ser retomadas as
condições de competitividade do setor. Sua primeira subseção, dedicada aos fatores estruturais de
competitividade, está centrada na viabilidade de que um fluxo de recursos públicos possa
novamente ser canalizado para custear os gastos de desenvolvimento e, em especial os relativos à
P&D imprescindíveis à recuperação do setor. A segunda subseção, dedicada aos fatores
empresariais, aborda as condições atualmente existentes na EMBRAER após alguns anos de
64
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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crescentes dificuldades, de recompor sua posição competitiva. A terceira aborda o contexto
internacional mostrando a escassa probabilidade de reversão das condições adversas que a
empresa vem encontrando.
2.5.1. Viabilidade da recuperação dos fatores estruturais
As áreas militares brasileiras e, mais especificamente, o Ministério da Aeronáutica,
representam o principal esteio onde se tem assentado a criação dos fatores estruturais e sistêmicos
de competitividade do setor. Além de sua participação direta no empreendimento, que teve
influência decisiva na constituição dos fatores empresariais de competitividade, elas foram
responsáveis pelo contexto favorável à consolidação da IAeB. Seus planos e intenções sempre
contemplaram a necessidade de proporcionar recursos para o desenvolvimento tecnológico
considerado como o elemento fundamental para a competitividade do setor, seja através das
compras militares, seja através de apoio financeiro direto e indireto, e mesmo mediante sua
atuação no contexto internacional visando obter ganhos de escala que viabilizassem minimamente
o empreendimento.
Como era de se esperar, a análise da viabilidade da recuperação dos fatores de
competitividade do setor está fortemente condicionada à avaliação da posição atual dos
segmentos militares em relação à IAeB. São eles, mais do que os outros atores que participam no
processo de tomada de decisão relativo ao setor, os que tenderão a definir sua competitividade
futura.
Cabe no entanto observar que mudanças significativas ocorreram nos últimos anos quanto
ao papel e espaço (econômico e político) dos setores militares, não apenas no Brasil, mas também
a nível internacional. Isto tem implicado em importantes mudanças na estratégia destes setores. Da
mesma forma como nos anos 80 era comum a divulgação dos sucessos e das vantagens para o
País da produção de armamentos, atualmente são mais freqüentes as referências aos programas de
P&D militares. O projeto do submarino à propulsão nuclear da Marinha, que é o que tem
merecido maior destaque, já estaria bastante adiantado e é mostrado como um grande sucesso. As
informações divulgadas revelam a intenção de angariar apoio ao programa e sensibilizar os
tomadores de decisão para a ampliação dos recursos a ele destinados; fato que se tem verificado.
No caso da Aeronáutica, é também sensível a substituição das notícias relacionadas ao
sucesso da EMBRAER por uma preocupação maior em legitimar o programa de pesquisa
aeroespacial. Por outro lado, o programa do veículo lançador de satélites, que tem desdobramento
militar - o desenvolvimento de um míssil balístico capaz de transportar um artefato nuclear - tem
sido mantido intacto.
65
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IEI/UFRJ-IE/UNICAMP-FDC-FUNCEX
A imagem de seriedade e eficiência para lidar com questões relativas à C&T, cultivada
pelos militares, tem calado fundo na opinião pública brasileira. Até mesmo no âmbito da
comunidade científica há um ambiente favorável que inclusive pode levar a que a já significativa
parcela dos recursos dedicados à P&D militar aumente ainda mais. Caso tal venha a ocorrer, o
resultado para a análise aqui realizada seria uma significativa mudança na orientação do tradicional
interesse dos militares da Aeronáutica com a capacitação tecnológica. Aliada às dificuldades já
expostas, e aos obstáculos que serão ainda tratados mais adiante, que limitam a possibilidade de
manter a posição conquistada pela IAeB, essa situação estaria contribuindo decisivamente para
essa mudança.
. Recursos governamentais para a P&D do setor
Estabelecido o panorama mais abrangente onde ao que se supõe deverá ocorrer a tomada
de decisão acerca dos rumos futuros do setor, cabe explorar com maior detalhe a possibilidade de
que mesmo na ausência de uma definição mais estrita em relação à questão, seja viabilizado um
contexto propício à recuperação da capacidade inovativa do setor.
Em primeiro lugar, cabe ressaltar que desde a criação da EMBRAER, existindo ou não
causalidade entre os dois eventos, ocorreu um paulatino debilitamento da capacidade científica e
tecnológica do CTA, determinada pela contração de recursos para pesquisa e agravada pelas
condições salariais de seu pessoal. A atual situação do CTA, como aliás de muitos outros
institutos de pesquisa e universidades mantidas pelo poder público, é extremamente precária,
sobretudo nas áreas relevantes para atuação da EMBRAER.
A transferência para a EMBRAER de muitas das atividades anteriormente desenvolvidas
no CTA, assim como boa parte de seu pessoal, equipamentos, etc. teve um papel evidentemente
positivo e importante para os primeiros anos de vida da empresa. Mas por outro lado, ao assumir
atividades de pesquisa (sabidamente custosas, tradicionalmente financiadas a fundo perdido, e
usualmente caracterizadas por despesas implícitas não computadas), a EMBRAER obrigou-se a
internalizar custos de P&D que tenderam a se avolumar ao longo do tempo. Embora sua relação
no faturamento da empresa seja compatível com o padrão vigente internacionalmente no setor,
eles são excessivos quando se considera como denominador o valor da produção efetivamente
realizado pela empresa (isto é, descontando o conteúdo importado) eventualmente asfixiantes
numa economia como a brasileira.
A expectativa de que a capacitação tecnológica e a capitalização financeira obtida a partir
de projetos militares custeados pelo orçamento das Forças Armadas, diretamente ou mediante
acordos de aquisição, pudessem aumentar a competitividade da empresa somente se verificou
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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cabalmente no início da vida da empresa; o que não quer dizer que não se tenha mantido um fluxo
de recursos públicos mais ou menos regular canalizado por outras vias.
Já há alguns anos, a empresa não tem conseguido financiar internamente o
desenvolvimento de seus projetos. Não obstante o apoio do Estado ter-se mantido (embora seja
quase impossível conhecer sua magnitude e, portanto, determinar uma eventual contração), a
empresa tem sido obrigada a solicitar recursos adicionais ao Ministério da Aeronáutica.
O contexto atual tem se caracterizado pela redução dos recursos governamentais para a
pesquisa científica e tecnológica. A mudança dessa situação - o que poderia reverter a tendência
de deterioração da capacitação tecnológica da EMBRAER, seja diretamente através do
financiamento aos seus projetos de desenvolvimento tecnológico, seja indiretamente através de
uma recuperação capacidade do CTA em áreas de algum significado para a empresa - é, portanto,
pouco provável.
. A eficiência global da P&D do setor
Uma análise da viabilidade de uma ação específica por parte do governo, que possibilite
que uma parcela maior dos recursos públicos destinados à P&D seja canalizada para o
desenvolvimento de tecnologia relevante para a EMBRAER, deve também basear-se na opinião
que poderiam ter outros atores que não aqueles diretamente envolvidos com as decisões que
determinam o direcionamento do setor.
O resultado da análise acerca da P&D militar, dos quais uma parcela importante se refere à
realizada no âmbito da IAeB, mostraria que ela é relativamente ineficiente. O tratamento da
questão da eficiência técnico-econômica de setores produtores é, sabidamente, uma questão
complexa e controversa. Inúmeros especialistas em organização industrial e em economia da
tecnologia têm-se dedicado a ela sem que existam indicadores de eficiência ou produtividade
aceitos consensualmente. Em conseqüência, predomina um procedimento casuístico: para cada
setor e situação são adotados indicadores específicos cujo emprego permite a comparação com
outras realidades consideradas pertinentes.
Embora o desenvolvimento tecnológico possa apresentar efeitos colaterais importantes,
seu resultado principal é um insumo para a produção de bens e serviços. Uma comparação entre
os setores militares brasileiro e norte-americano é uma boa maneira para mostrar esse fato, uma
vez que os EUA é apontado por alguns pesquisadores como um exemplo de ineficiência nesta área
e como um país que financia excessivamente, e com graves conseqüências para sua economia, as
atividades de P&D militar.
67
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Contrariamente à costumeira informação acerca da porcentagem alocada à função "Defesa
Nacional e Segurança" (0,7% do orçamento público de C&T), estima-se que a despesa real com a
P&D militar represente quase 20% do gasto total efetuado na área de C&T. Essa estimativa,
realizada a partir de informações relativas à década passada, pode ser considerada, atualmente,
como conservadora. Como se sabe, o processo de deterioração do sistema nacional de fomento à
P&D não evoluiu da mesma forma.
Dado que, como já mencionado, a participação da produção de armamento no PIB é
inferior a 0,2%, é possível estimar a razão entre estes dois indicadores; que a seguir são
comparados com os correspondentes à situação norte-americana. Ela é de 100:1. Nos EUA, a
parcela dos gastos com a P&D militar no total pode ser considerada, para fins de comparação com
o caso brasileiro, como próxima a 40%, e a participação da produção de armamento no PIB como
de 4%. A razão entre estes dois indicadores é de 10:1. A comparação das razões correspondentes
ao Brasil e aos EUA, 100:1 e 10:1, respectivamente, mostra uma situação surpreendente. A julgar
pela eficácia com que o esforço de P&D militar se traduz na produção de armamento, pode-se
concluir que: (a) a atividade de P&D brasileira é relativamente ainda mais militarizada do que a
norte-americana; (b) as atividades de P&D militar brasileiras são ainda menos eficiente do que as
da norte-americana.
. O impacto da P&D do setor no desenvolvimento tecnológico da indústria nacional
Um último aspecto a ser abordado é o relacionado à conveniência em alocar maiores
recursos para a P&D realizada na IAeB para desta forma contribuir para o desenvolvimento
tecnológico do País. Como já apontado, a maior inovação ocorrida no setor não foi um conjunto
de tecnologias (hardware) mas sim um enfoque (software) baseado na busca de autonomia como
situação oposta à de dependência tecnológica. Uma atípica e sustentada preocupação com a
formação de recursos humanos e a pesquisa estabeleceu uma inusitada capacidade para integrar,
de uma forma adequada e variada o conhecimento endógeno com tecnologias de distintas
procedências e idades. Desta forma, evitou-se a compra de "caixas pretas" e "pacotes
tecnológicos" e viabilizou-se o uso de componentes de diferentes características. O resultado
deste enfoque foi a produção de aeronaves de nível tecnológico intermediário localmente
projetadas, que se caracterizavam pela sua simplicidade, robustez e confiabilidade, e que
incorporavam componentes críticos de alta sofisticação, adequadamente selecionados, e
importados de diferentes empresas e países. Resultado da estratégia e do enfoque adotados foi
também a capacidade desenvolvida e muito bem utilizada nos quinze primeiros anos de vida de
selecionar com propriedade os nichos de mercado onde poderia se inserir em condições
vantajosas.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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A adoção desse enfoque num setor cuja dinâmica é fortemente influenciado por
considerações de natureza estratégico-militar, encerra dois aspectos paradoxais. O primeiro é que
ele somente teve sua implementação possível porque o País não estava submetido a uma ameaça
externa. Se não fosse assim teria prevalecido um enfoque direcionado à autarquia, como se
constatou em outros países, e não à autonomia. O segundo, é que ele se mostra especialmente
adaptado para guiar o desenvolvimento tecnológico e industrial em países periféricos como o
Brasil. Assim, apesar da importância que o enfoque tecnológico descrito possa representar, parece
não ter havido aporte tecnológico significativo desenvolvido no País, nos produtos da IAeB.
Também não parece haver indicações possa vir a ser realizado e transferido para a indústria
brasileira de alguma maneira importante. A regra geral vigente nos setores industriais de países
tecnologicamente dependentes como o Brasil é a utilização de tecnologia importada, uma vez que
esta solução, entre outras razões, é vista como mais barata, confiável, eficiente e rápida do que a
alternativa de desenvolvimento local.
Esses elementos reforçam a avaliação acerca da escassa probabilidade de que recursos
adicionais para P&D possam (ou devam) vir a ser canalizados para a IAeB e para a EMBRAER e
permitir, pela via da modificação dos fatores estruturais, a recomposição do fator empresarial
relacionado à capacitação tecnológica, considerado determinante na competitividade do setor.
2.5.2. Viabilidade da recuperação dos fatores empresariais
A presente seção analisa alguns indicadores de desempenho da EMBRAER que permitem
aprofundar a avaliação da probabilidade da recomposição dos fatores de competitividade do setor.
Adotando o procedimento usual de análise econômico-financeira, o texto que segue avalia os
principais indicadores de desempenho da EMBRAER, buscando retratar a grave situação atual e
sua probabilidade de recuperação.
. Receita líquida da EMBRAER
O gráfico 12 mostra a evolução da receita líquida da empresa nos últimos anos, para os
quais se dispõe de informação.
Como se pode observar, já anteriormente a 1989, quando a receita total vinha crescendo
até atingir o valor mais alto até então logrado, a empresa já vinha apresentando um desempenho
preocupante. Tal desempenho se agravou substancialmente os anos de 1990 e 91, quando em
simultâneo a uma diminuição da receita total verificou-se um resultado líquido da ordem de 50%.
Isto é, a empresa incorreu em perdas equivalentes a uma vez e meia o valor de sua receita. Assim,
mesmo na eventualidade de uma pouco provável recuperação das vendas da empresa até chegar
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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ao patamar alcançado em 1989, alguns anos teriam que se passar até que ela pudesse recuperar-se
dos prejuízos já incorridos.
A dimensão dessa evolução sugere que se procure analisar suas causas imediatas, de
maneira a avaliar a probabilidade de sua reversão.
GRÁFICO 12
RECEITA LIQUIDA
ano
milhões de dólares
-300
-250
-200
-150
-100
-50
0
50
100
85 86 87 88 89 90 91
. Endividamento
O Gráfico 13 mostra a evolução do endividamento da empresa nos últimos anos. É
importante observar que já anteriormente a 1989, portanto numa situação em que as vendas da
empresa se encontravam em franco crescimento, o nível de endividamento e principalmente a sua
composição (baseada em créditos de curto prazo) era preocupante. Este fato permite argumentar
que não foi exatamente a retração do mercado da empresa o elemento detonador da crise de
endividamento na qual se encontra submergida. Na verdade, o alto nível de endividamento
acumulado pela empresa ao longo dos últimos anos, até mesmo mais do que a queda nas vendas
observada a partir de 1990, parece ser a principal causa imediata da queda observada no seu
desempenho.
Embora desde meados dos 80 se reconhecia que a política de endividamento que estava
sendo seguida tinha que ser revista através de novo aporte de capital isto não ocorreu. Apesar da
EMBRAER ter conseguido levantar 185 milhões de dólares de 1989 nada ocorreu até 1991,
quando a injeção de capital por parte do governo de centenas de milhões de dólares permitiu um
70
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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relativo equilíbrio entre seu endividamento de curto e longo prazo. Não obstante, as despesas
financeiras líquidas alcançaram naquele ano 122 milhões de dólares, ou seja, 30% da receita bruta
da empresa.
A situação atual aponta para a necessidade de que, supondo a conveniência da
continuidade das operações da empresa, e sem prejuízo de outras medidas de distinto prazo de
maturação e referentes a áreas diversas, o governo contribua para sua solução. A exemplo do que
vem ocorrendo no caso de empresas aeronáuticas de outros países, mesmo a alternativa de
privatização ou associação não pode prescindir de uma urgente e decidida ação governamental.
Embora sem atacar de forma decidida os problemas que estão na origem do fraco
desempenho apresentado ultimamente pelo setor, que parecem estar ligados a questões como a
real viabilidade e conveniência de manter uma indústria aeronáutica do País e o tipo de orientação
que deveria seguir, os responsáveis pela EMBRAER têm tentado enfrentar a situação de crise pela
qual passa a empresa.
O exame de dois outros indicadores relacionados à evolução da situação da EMBRAER
mostra como a difícil situação foi enfrentada pelos dirigentes do setor de uma maneira assimétrica.
. Relações trabalhistas, pessoal ocupado e produtividade
As características anteriormente apontadas da produção aeronáutica - alta intensidade
tecnológica, elevada confiabilidade, alto valor agregado e pequenas séries de produção -
determinam uma situação atípica em relação a outros setores industriais. O elevado padrão
tecnológico necessário demanda, simultaneamente, a utilização de equipamentos e técnicas de
produção sofisticados e a manutenção de um alto nível de qualificação da mão-de-obra
diretamente empregada na produção. Isto faz com que ao lado de uma equipe de engenheiros de
projeto e fabricação de alta capacitação, a produção aeronáutica tenha que contar com operários
também altamente qualificados.
Seguindo a tendência internacional, a EMBRAER tem-se preocupado desde sua fundação
em tratar de forma adequada esses dois elementos da sua equação de desenvolvimento
tecnológico. No primeiro caso, contou, como já assinalado, com a inestimável colaboração do
ITA e do CTA na qualificação de seu pessoal. Dedicou-se, adicionalmente, a promover o
aperfeiçoamento e atualização de seu quadro técnico de alto nível internamente à empresa. No que
respeita à remuneração, embora tenha conseguido manter um nível superior à média do mercado,
foi prejudicada pela concorrência exercida por outras empresas, notadamente do setor de
armamentos. O fato de que muitos de seus engenheiros (e também seus operários especializados)
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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tenham abandonado a empresa após absorverem a qualificação a eles proporcionada é apontado
como um elemento que tem dificultado a manutenção da competitividade da empresa.
No que respeita ao seu quadro de operários especializados, a atuação da empresa também
tem-se pautado pela qualificação através do treinamento interno e externo. O estilo de gestão
empresarial adotado, com ênfase na qualidade indispensável à confiabilidade do produto
aeronáutico, levou a que as relações de trabalho no âmbito da produção tenham-se transformado,
antes mesmo do que em outros setores industriais, no sentido apontado pelas novas técnicas de
gestão. No que respeita à remuneração, pode-se afirmar que a situação descrita no caso do
pessoal mais qualificado não chegou a ser preocupante. Benefícios como transporte, alimentação,
assistência média, etc. contribuíram para atenuá-la.
A manutenção de relações de trabalho e de remuneração melhor do que as vigentes no
conjunto da indústria, não foi secundada por uma atitude adequada no que respeita à solução de
conflitos trabalhistas. No meio sindical têm sido frequentes as críticas relacionadas à pouca
flexibilidade predominante na direção da empresa no tratamento desses conflitos.
O gráfico 14 indica a evolução do pessoal ocupado da empresa nos últimos nove anos,
para os quais se dispõe de informação.
Como se observa, a quantidade de pessoal ocupado apresenta uma tendência ascendente
até 1989 para decrescer posteriormente até atingir, em 1991, um valor pouco inferior ao de 1986.
Conforme noticiado na época, teria sido a expectativa de redução nas vendas (posteriormente
confirmada) o que teria levado a direção da empresa a efetuar o drástico corte de pessoal ocorrido
em 1990. Considerações acerca do "inchamento" de pessoal típico de empresas estatais
ineficientes e mal administradas foram então divulgadas de modo a justificar a diminuição do
efetivo da EMBRAER.
Com o objetivo de avaliar as implicações da evolução já observada da quantidade de
pessoal ocupado na empresa, foi elaborado o gráfico 15. Ele indica duas relações:
- entre o número de aviões de "alta tecnologia" produzidos e a quantidade de pessoal
ocupado (avaliado em dezenas de aviões por mil trabalhadores); e
- a receita da empresa e a quantidade de pessoal ocupado (avaliada em milhares de dólares
por trabalhador).
72
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GRÁFICO 13
ENDIVIDAMENTO
ano
milhões de dólares
0
200
400
600
800
1000
1200
87 88 89 90 91
curto prazo longo prazo
GRÁFICO 14
PESSOAL OCUPADO
ano
empregados
6000
7000
8000
9000
10000
11000
12000
13000
83 84 85 86 87 88 89 90 91
Como se verifica através do exame da curva inferior, embora o pessoal ocupado tenha
quase duplicado entre 1983 e 1990, o número de aviões de "alta tecnologia" produzidos por cada
mil trabalhadores passou de 8 para 11, o que deve ser interpretado como um aumento da
produtividade física da empresa.
73
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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A evolução do valor da receita por trabalhador, mostrado na curva superior, indica um
resultado ainda mais surpreendente. No período 1983-90, ele mais do que duplicou, passando de
25 para 54 mil dólares por trabalhador; o que indica um considerável aumento da produtividade
(agora avaliada em termos econômicos) por trabalhador ocupado.
Como conseqüência esperada do corte de pessoal efetuado em 1990, o valor da receita por
trabalhador aumentou para 63 mil dólares por trabalhador. Este aumento, de cerca de 14%, foi,
entretanto apenas a metade da redução observada (quase 30%) no número de trabalhadores
ocupados.
A nova redução do efeito efetuada em 1991, de 654 pessoas (cerca de 7% do pessoal
ocupado em 1990) não surtiu, entretanto, o efeito desejado. A produtividade avaliada em termos
econômicos caiu em 25% (de 63 para 47 mil dólares por trabalhador), situando-se num nível
próximo ao existente em 1987, ano em que a empresa inicia um rápido aumento no número de
empregados.
A análise efetuada permite concluir que:
- durante o período em que a empresa apresentou um crescimento na sua produção (1987-
90) ocorreu um sensível aumento da produtividade;
- a julgar pela evolução observada no último período, novas reduções no pessoal ocupado,
caso combinadas com a manutenção da tendência declinante das vendas, não levarão a um
aumento na produtividade da empresa;
- finalmente, não parece ser o montante dos salários pagos o fator determinante do
resultado negativo acumulado pela empresa nos últimos anos.
. Investimentos em P&D
O gráfico 16 indica a evolução dos investimentos em P&D efetuados pela empresa e a
relação entre estes e a receita (descontado o valor e produção estimado da linha Piper, uma vez
que estes não exercem demanda por desenvolvimento tecnológico).
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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GRÁFICO 15
PESSOAL OCUPADO, AVIÕES AT E RECEITA
ano
0
10
20
30
40
50
60
70
83 84 85 86 87 88 89 90 91
Nº AV.AT/PESSOAL RECEITA EST/PESSOAL
GRÁFICO 16
INVESTIMENTO EM P&D
ano
(%)
0
5
10
15
20
25
30
74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91
0
20
40
60
80
100
120
140
milhões de dólares
INVESTIMENTO INVESTIMENTO/RECEITA
Como se constata, o nível de investimento em P&D da empresa flutuou ao longo do
tempo em função da existência de novos projetos que demandavam desenvolvimento. O período
posterior a 1983, ano em que a empresa atingiu o menor valor da relação investimento em
P&D/receita de sua história, é o que merece destaque. Naquele ano foi lançado o Tucano que,
75
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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conforme já comentado, não parece ter demandado gastos significativos de desenvolvimento, e o
desenvolvimento de Brasília estava em pleno andamento. Seu lançamento ocorreu em 1985, o que
faz supor que parte do investimento em P&D realizado em 1984 e 1985 tenha sido decorrente de
seu projeto. Já estava, entretanto, também em desenvolvimento o AMX (que começa a entrar em
cadência de produção em 1989). É, portanto, bastante provável (embora dificilmente passível de
ser documentado) que os gastos que se seguiram tenham sido em grande parte canalizados para a
consecução deste projeto.
. As opções de desenvolvimento de novos produtos
Embora, como já apontado, a situação financeira da empresa não fosse das melhores, as
vendas continuavam crescendo até 1989, o que parece ter levado seus dirigentes a apostar no
futuro iniciando o desenvolvimento de dois outros projetos. Esta decisão, dadas suas implicações
para o futuro da empresa merece uma avaliação.
Em primeiro lugar, porque envolvia um risco bastante elevado, uma vez que alguns dos
elementos já presentes no contexto nacional e internacional eram suficientemente negativos para
tornarem-na desaconselhável. Em segundo lugar, porque ela envolvia a captação de recursos não
disponíveis que foram obtidos de uma forma também bastante arriscada (mediante empréstimos de
curto prazo). Em terceiro lugar, porque os projetos que foram desenvolvidos envolviam também
um risco maior do que a empresa poderia correr.
O primeiro era o do AMX, cujo cronograma e custo de desenvolvimento se mostraram
muito superiores aos programados, e cuja possibilidade de colocação junto ao Ministério da
Aeronáutica e no mercado externo já era remota à época. Este projeto parece nunca ter sido uma
boa alternativa em termos comerciais para a empresa, só se justificando por considerações
estratégico-militares, possivelmente questionáveis mesmo quando analisadas segundo a
perspectiva estrita das necessidades visualizadas pela Força Aérea.5
O segundo era o CBA-123 (commuter de 19 passageiros) iniciado em 1986 e objeto de um
consórcio com a FAMA argentina assinado em 1987. Este consórcio pode ser considerado como
a primeira iniciativa de cooperação de grande porte no âmbito do processo que viria a culminar
com a criação do Mercosul. Seu objetivo era a agregação da capacidade tecnológica e produtiva
da EMBRAER, e sua experiência adquirida através de consórcios com parceiros europeus, à
competência argentina. A capacidade tecnológica e industrial a ser adquirida conjuntamente numa
área de ponta era um importante apelo.
5 Ao que parece ele era uma alternativa interessante apenas para as empresas italianas envolvidas no consórcio.
Isto porque, que ao contrário do que ocorre com projetos de desenvolvimento realizados internamente, em que o
subsídio está limitado a 70%, o governo italiano subsidia em até 100% aqueles que envolvam cooperação
internacional.
76
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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No âmbito econômico, a expectativa do parceiro mais forte (a EMBRAER) de poder
contar com um mercado expandido não só pelas encomendas argentinas mas com outros países
com os quais a Argentina já mantinha ou poderia encetar relações de comércio prováveis, era o
principal atrativo.
Do ponto de vista político, a iniciativa tinha sua existência legitimada dado que visava a
aproximação entre os dois países numa área especialmente sensível, tradicionalmente controlada
pelos militares. Por outro lado, esperava-se que o consórcio pudesse exercer, um efeito de
demonstração positivo estimulando iniciativas futuras.
Embora tivesse sido inicialmente idealizado para substituir o Bandeirante, cujas competitividade
declinava em função da entrada de novas aeronaves no segmento correspondente, seu projeto evoluiu
numa direção demasiadamente ambiciosa para as possibilidades tecnológicas e financeiras dos parceiros
envolvidos. Ao invés de constituir-se numa aeronave mais atualizada mas que mantivesse as
características que haviam tornado o Bandeirante um sucesso de vendas, ele pretendeu incorporar
soluções radicais ainda não suficientemente testadas à concepção do Brasília num sentido contrário ao
usual. Num momento em que a tendência à contração da demanda e à conglomeração do mercado já
podiam ser visualizadas, um projeto menos ambicioso e uma associação que permitisse maior
segurança no desenvolvimento do produto e maior garantia quanto à possibilidade de comercialização
talvez tivesse sido um passo mais prudente para a EMBRAER.
O terceiro projeto era o EMB-145 (commuter a jato de 45 passageiros), concebido como
uma versão alongada do Brasília, com o qual deveria partilhar 75% dos componentes e sistemas.
Apresentado em 1989 para entrar em operação normal em 1992, o avião teve seu projeto atrasado
em função da opção pela propulsão a jato, cuja conveniência não chegou a convencer os
especialistas no assunto. Com o cronograma e custo de desenvolvimento ampliados teve seu
lançamento oficialmente adiado para 1995. Novamente neste caso a pouca atenção dada aos sinais
presentes no contexto nacional e internacional levaram a EMBRAER a lançar-se, sem um
conveniente apoio de um parceiro externo competente, numa empreitada de elevado risco. Como
resultado, tanto este projeto como o anterior encontram-se praticamente paralisados.
Voltando à questão anteriormente levantada, acerca da maneira assimétrica como a já
difícil situação financeira da empresa foi enfrentada pelos seus dirigentes, chama a atenção o fato
de que no ano de 89, quando foram tomadas drásticas medidas de redução de pessoal,
praticamente se duplicou o investimento em P&D, mediante endividamento de curto prazo.
Tal situação foi agravada pelo fato de que em 1990, apesar da queda observada na receita,
não ocorreu um ajuste no programa de investimentos da empresa. Seria importante isto ter
ocorrido em algum momento antes que a situação se tornasse insustentável e a campanha movida
para a salvação da EMBRAER tivesse maiores chances de dar resultados positivos. A opção
77
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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tomada de manter o plano de expansão, apoiando-se em financiamentos de elevado custo, parece
portanto ter sido orientada por compromissos de natureza "não-econônica".6
2.5.3. Viabilidade da recuperação dos fatores sistêmicos
Embora uma parcela crescente dos setores que de alguma forma influem no processo de
tomada de decisão relativo ao setor demonstrem estar cada vez mais convencidas da pequena
atratividade que apresenta o mercado militar, é conveniente comentar brevemente a tendência a
que este parece submetido. Posteriormente se apresenta com um pouco mais de detalhe a situação
do mercado civil, retomando a análise realizada no capítulo de considerações gerais e situando a
posição relativa da IAeB, uma vez que é ali que parecem estar fundadas as esperanças de uma
retomada do crescimento apresentado no passado pelo setor.
. As perspectivas do mercado militar
A tendência à supersofisticação, que destacada como sendo um dos motivos importantes
do sucesso relativo logrado pela IAeB, encontra-se em franca reversão. A percepção é de que
uma de suas causas mais significativas, embora não convenientemente abordada na literatura
internacional sobre o tema, parece ter sido de natureza apenas conjuntural, o que é de extrema
importância para o caso da IAeB.
A introdução prematura no setor de armamento de "pré-inovações" radicais, ainda não
repassadas para a aviação civil e, portanto, sancionadas e otimizadas pela lógica comercial pode
ter sido um fator determinante da tendência à supersofisticação. A evolução da relação
desempenho/custo dos produtos intensivos em tecnologias pertencentes ao paradigma em
consolidação não só reforça essa hipótese como sugere que, no futuro, a ação das grandes
empresas internacionais tenderão a restringir significativamente o espaço para que iniciativas bem
sucedidas como a relatada possam se verificar.
Por outro lado, a evidente redução do mercado militar dos países do Terceiro Mundo, e
em especial do Oriente Médio para onde se dirigiram as exportações brasileiras de armamentos, e
a concentração das atenções dos países tradicionalmente orientados à produção de armas no
sentido de controlarem aquele mercado, reduzem ainda mais as possibilidades de que países como
o Brasil possam voltar a ter ali uma presença ainda que marginal.
6 Frishtack (1992) aponta em seu trabalho sobre a EMBRAER, as razões que estariam na base de um
comportamento demasiadamente ambicioso no que respeita ao nível tecnológico buscado na concepção de alguns
dos produtos, e à pouca importância conferida aos meios para o financiamento de seus projetos. Elas poderiam ser
sintetizadas na sua frase: "...(EMBRAER) let designers and performance-focussed officials have an inordinate
decision-making power, at the expense of aircraft financing and marketing requirements." Embora concordando
com sua afirmação não há como deixar de ressaltar mais uma vez, dado que isto não é sequer comentado no
trabalho, que a verdadeira origem deste comportamento deve ser buscada na orientação seguida desde o
estabelecimento das atividades ligadas à produção aeronáutica no País.
78
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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. As perspectivas do mercado civil
Sem prejuízo de que, em função de arranjos institucionais internos, a situação atual da
IAeB possa ser resolvida mediante uma nova transferência de recursos para a EMBRAER, é
evidente que suas perspectivas num prazo menos imediato estão determinadas pela possibilidade
de poderem ser comercializadas de forma compensadora as aeronaves destinadas à faixa dos
commuter, cujo lançamento estão programadas e que já consumiram uma grande quantidade de
recursos para seu desenvolvimento.
Por esta razão, e retomando as considerações apresentadas no capítulo inicial acerca da
situação atual e as tendências de evolução do mercado internacional - que é para onde fatalmente
teria que orientar-se a sua comercialização - avalia-se a seguir a probabilidade de que este fato
possa vir a ocorrer.
No que respeita ao Vector (CBA-123), o principal obstáculo não é o desempenho
esperado da aeronave mas sim o seu preço de aquisição demasiadamente alto (cerca de 6 milhões
de dólares). Ele é bastante superior ao dos competidores já existentes (Fairchild Beech) e
provavelmente acima do correspondente aos modelos cujo lançamento é esperado em breve, numa
situação em que as companhias de aviação encontram crescentes dificuldades financeiras.
Neste sentido, é muito provável que a motivação econômica inicial do consórcio com a
Argentina, relacionada à possibilidade de contas com um mercado expandido no âmbito do
MERCOSUL venha a ser satisfeita.
O EMB-145, cujo preço de venda deverá situar-se em torno dos 12 milhões de dólares
também tenderá a chegar ao mercado quando os modelos cujo lançamento está previsto pela
Canadair e pela SAAB já estiverem sendo comercializados. Além do que, o mercado para um
avião com as características do EMB-145 é incerto devido ao fato de que as companhias de
aviação norte-americanas não decidiram ainda qual será sua estratégia futura, se aumentar o
número de vôos entre os pequenos e os grandes aeroportos ou introduzir vôos de maior distância
entre cidades de porte médio, evitando os aeroportos de distribuição de passageiros situados nos
grandes aglomerados urbanos.
Como se depreende do exposto no capítulo inicial, e dos elementos agora adicionados, a
situação que deverão enfrentar essas aeronaves é muito distinta da existente quando do
lançamento do Bandeirante e mesmo do Brasília.
Em resumo, e concluindo, é possível afirmar que é pequena a probabilidade de
recuperação dos fatores sistêmicos de competitividade que caracterizaram o ambiente
internacional em que se deu a consolidação da IAeB.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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3. PROPOSIÇÕES DE POLÍTICAS
O êxito da indústria aeronáutica brasileira (IAeB) no atendimento às necessidades internas
e ao mercado internacional, ao contrário do que ocorreu em outros setores de propriedade
nacional, não esteve baseado nas chamadas vantagens comparativas estáticas. Mas também ao
contrário de outros setores, ele não esteve orientado ao atendimento com eficiência de um
mercado interno em expansão e ao fortalecimento da capacitação produtiva e tecnológica nacional
necessária para consolidar a base de insumos que utiliza, não logrando estabelecer, portanto,
condições auto-sustentadas de crescimento.
À semelhança do que ocorre em nível internacional, a IAeB possui uma motivação
estratégico-militar que legitima, muito mais do que as considerações ligadas à proteção à indústria
nascente e de alta intensidade tecnológica, um elevado grau de protecionismo. O ambiente gerado
devido a este caráter foi absolutamente determinante para o estabelecimento dos fatores de
competitividade estrutural
__
atípicos na restante da indústria brasileira
__
possibilitados pelo
decidido e continuado apoio governamental de iniciativa dos segmentos militares.
A competitividade alcançada pela IAeB esteve alicerçada numa estratégia de inovação
autonomamente definida iniciada da década de 50, bem antes da criação da Empresa Brasileira de
Aeronáutica (EMBRAER), em 1970, que permitiu, também mediante a alocação de recursos
governamentais, a oportuna exploração de nichos de média intensidade tecnológica do mercado
civil e militar mundial em expansão.
Características inerentes à produção aeronáutica, tais como os requisitos de qualidade e
desempenho, reforçadas pela exigüidade do mercado nacional levaram à adoção de uma estratégia
tecnológica e industrial marcada por um alto nível de dependência em relação ao exterior. Tanto pelo
lado da manutenção de uma elevada relação de insumos de produção de altos conteúdo tecnológico e
valor adicionado, como pelo da destinação em proporção elevada e crescente dos seus produtos,
instaurou-se uma situação de protecionismo que tornaram a IAeB extremamente vulnerável.
As condições criadas em função do caráter estratégico-militar foram responsáveis por um
comportamento empresarial pouco realista. A demasiada ênfase à produção militar, quando já
eram evidentes, em outros países, suas conotações de ineficiência, e a escassa probabilidade de
colocação dos seus produtos no mercado interno e internacional é um sintoma. Embora sem se
poder assegurar a aquisição numa escala rentável dos produtos da EMBRAER, seguiu-se
buscando financiar seu desenvolvimento na expectativa de que a capacitação tecnológica
adquirida - em si mesma um objetivo estratégico privilegiado - pudesse manter a competitividade
lograda pela empresa.
80
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Esse caráter estratégico-militar, embora tenha sido a causa primeira da competitividade
pela IAeB, terminou levando, em face à deterioração das finanças públicas, a uma situação de
crise manifestada pela diminuição da capacidade demonstrada nos primeiros anos de monitorar as
tendências do mercado internacional e de desenvolver projetos comercialmente viáveis mediante
cooperação com parceiros adequados, e pela arriscada opção de financiá-los através de
empréstimos de curto prazo.
As dificuldades do cenário nacional vão além de uma contração conjuntural da demanda
por aeronaves civis e militares, da virtual paralisação do desenvolvimento tecnológico e industrial
de outros setores à montante e à jusante que poderiam atenuar a dupla dependência externa do
setor. A elas tende a se somar a diminuição da capacidade dos segmentos militares em manter seu
apoio e a decorrente mudança na perspectiva que conferem ao setor. A já elevada proporção do
orçamento públicos determinados ao desenvolvimento tecnológico militar torna pouco provável
que recursos adicionais possam ser canalizados para manter os projetos em desenvolvimento, os
quais poderiam eventualmente recuperar a posição de competitividade alcançada pelo setor.
Embora possa ser questionado até que ponto o relativo sucesso alcançado pela IAeB em
termos do comércio exterior tenha-se baseado numa real competitividade, não há dúvida de que as
recentes alterações do contexto internacional tendem a tornar sua situação ainda mais delicada.
Também neste caso não se trata apenas de uma contração dos segmentos de mercado (militar e
civil) explorados pela IAeB, de natureza conjuntural ou temporária. No mercado militar estão em
curso modificações estruturais que apontam para sua crescente monopolização e controle, e por
condições tecnológicas, que tornam muito pouco provável a recuperação alcançada pela IAeB.
No mercado dos aviões de pequeno porte, ao protecionismo já existente, somam-se tendências ao
aumento dos custos de desenvolvimento e a conseqüente elevação das séries rentáveis de
produção, e à globalização e conglomeração à escala mundial que originam uma deterioração dos
fatores de competitividade sistêmica da IAeB anteriormente existentes. Um grande número de
empresas que anteriormente apresentaram excelente desempenho estão falindo, sendo privatizadas
ou absorvidas pelos concorrentes de maior poder de barganha ou grau de subsídio governamental.
No âmbito deste processo, as condições favoráveis para empresas ou países do porte e
importância relativa da EMBRAER e do Brasil, mostram-se reduzidas.
Somam-se, portanto, à situação determinada pela postura adotada pela EMBRAER na
condução de sua atividade empresarial, que se acentua a partir do final dos anos 80 (seleção de
novos projetos, obtenção de financiamentos, etc.), e que levaram a uma situação financeira
extremamente difícil, as adversas tendências de mercado interno e externo.
Ações encaminhadas pela empresa no período recente, como a drástica redução de pessoal
e a obtenção de recursos governamentais para aliviar seu passivo financeiro, não têm alcançado
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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sucesso, levando a que seu futuro se mantenha indefinido. A longa e até agora pouco profícua
espera a que se estão sujeitando os dirigentes do setor na expectativa de que seja retomado o nível
histórico de subsídio torna a situação, especialmente a relacionada à sua elevada dívida de curto
prazo, crescentemente difícil, e demanda com cada vez mais urgência uma definição por parte do
governo.
A análise desenvolvida neste trabalho aponta que os fatores de competitividade da IAeB,
não só dependeram até o passado recente da atuação do Estado, mas que a consecução de tais
fatores no longo prazo demandaria, muito mais do que no caso de outros setores industriais, a
adoção de uma política governamental especificamente orientada, e em especial, para a
capacitação tecnológica do setor. A análise da conveniência da adoção de tal política não pode,
entretanto, dadas as presentes condições relacionadas à IAeB e à grave situação em que se
encontram outros setores industriais de importância relativa possivelmente maior, pautar-se por
critérios como os que no passado a presidiram.
Elementos para uma avaliação de custo-benefício como a que parece necessária estão
extensamente discutidos ao longo deste trabalho. Cabe apenas uma breve menção a alguns dos
mais importantes.
Os aspectos relativos ao custo associado à manutenção da estratégia industrial e
tecnológica seguida pelo setor foram apontados, embora, por razões conhecidas, sem tentar
dimensioná-los. Em falta de uma estimativa mais acurada, e mesmo não computando o grande
volume de recursos aplicados na criação e manutenção do setor ao longo de sua existência, a
simples consideração do endividamento acumulado pela EMBRAER, questão que teria que ser
solucionada a curtíssimo prazo, é preocupante. À luz da análise, realizada não existe evidência de
que o custo futuro de manutenção da IAeB para o governo possa diminuir. Pelo contrário, a
avaliação de aspectos como a situação do mercado internacional, entre outros, aponta para um
provável aumento de um custo que se tem mostrado, se não proibitivo, pelo menos excessivo.
No que respeita aos benefícios, foram apresentados elementos que permitem questionar os
argumentos que têm sido utilizados pelos dirigentes da IAeB para demonstrar a sua existência.
O impacto desprezível, se não negativo, verificado em termos da balança comercial, é um
exemplo de como a ausência de análises aprofundadas sobre a IAeB tem contribuído para que
uma situação de desinformação tenha mantido o setor infenso à necessária crítica.
O pequeno impacto econômico e tecnológico fica também evidente quando se procura
dimensionar o propalado efeito positivo que EMBRAER exerceria sobre a indústria nacional,
onde teria capacitado as cerca de 400 empresas fornecedoras. O fato de que a receita (ou o custo
de produção) da empresa é praticamente igual ao valor dos salários pagos e das importações
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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realizadas, apesar de não ser conclusivo, é preocupante. Esta constatação, entretanto, não
surpreende quando contrastada com a experiência internacional do setor de produção de
armamento e mais ainda com a que se pode logicamente esperar do comportamento da IAeB.
A estratégia industrial e tecnológica da IAeB esteve centrada menos na produção ou
aquisição de tecnologia específicas passíveis de serem transferidas, mas na constituição de um
enfoque de engenharia de sistemas. Uma atípica e sustentada preocupação com a formação de
recursos humanos e a pesquisa estabeleceu uma inusitada capacidade para integrar, de uma forma
adequada e variada o conhecimento endógeno com tecnologias de distintas procedências e idades.
Desta forma, evitou-se a compra de "caixas pretas" e "pacotes tecnológicos" e viabilizou-
se o uso de componentes de diferentes características. O resultado deste enfoque foi a produção
de aeronaves de nível tecnológico intermediário localmente projetadas, que se caracterizavam pela
sua simplicidade, robustez e confiabilidade, e que incorporavam componentes críticas de alta
sofisticação, adequadamente selecionados, e importados de diferentes empresas e países.
Resultado da estratégia e do enfoque adotados foi também a capacidade desenvolvida e muito
bem utilizada nos quinze primeiros anos de vida da empresa de selecionar com propriedade os
nichos de mercado onde poderia se inserir em condições vantajosas.
Apesar do interesse que desperta, e da eventual importância que o enfoque tecnológico
descrito possa representar para informar políticas direcionadas a outros setores da indústria
nacional, é possível questionar a existência passada e futura de aportes tecnológicos significativos
desenvolvidos pela IAeB; assim como sua efetiva transferência para a indústria brasileira. A regra
geral vigente nos setores industriais de países tecnologicamente dependentes como o Brasil é a
utilização de tecnologia importada, uma vez que esta, entre outras razões, é mais barata,
confiável, eficiente e prestigiada do que aquela que poderia ser localmente desenvolvida.
Entre as alternativas atualmente analisadas no cenário internacional para encaminhar a
difícil situação de um número significativo de empresas aeronáuticas que se encontram em
dificuldades, está a privatização. Esta pode ser vista como uma alternativa cômoda na medida que
eximiria o Estado de impulsionar políticas para o direcionamento do setor. Tal alternativa,
colocada na ordem do dia pela política econômica adotada pelo governo brasileiro nos dois
últimos anos - que poderia, eventualmente, levar à recomposição das condições de
competitividade da EMBRAER - poderia implicar na compra total ou parcial de seus ativos pelo
capital internacional.
A tendência de reorganização do setor e dos fluxos de investimento à escala internacional,
a alta dependência da IAeB do mercado externo em termos da colocação de seus produtos, o alto
risco inerente à atividade de produção aeronáutica (determinado pelo seu alto componente de
P&D e pela existência de um mercado altamente competitivo e de preços administrados), e o
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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próprio volume do investimento já realizado e da dívida acumulada são elementos a serem
considerados tanto pelo governo brasileiro como pelo eventual comprador. De uma forma geral, a
menos que condições artificialmente favoráveis sejam oferecidas, não parece provável que alguma
empresa estrangeira venha a interessar-se pelo negócio.
Além do que, e ao contrário de outros setores onde a privatização poderia desencadear a
adoção de uma estratégia de inovação mais eficiente, embora provavelmente com a perda de
efeitos colaterais eventualmente positivos, a privatização da EMBRAER, entendida como uma
desnacionalização da IAeB, tem encontrado sérios obstáculos. No meio militar, por razões óbvias.
No âmbito dos engenheiros e técnicos, existe a percepção de que a mudança da estrutura de
propriedade da empresa resultaria na adoção de tecnologias e projetos desenvolvidos fora do país
e, assim, mais cedo ou mais tarde, na sua prescindibilidade. No meio sindical, devido à incerteza
em relação ao futuro que uma mudança da estrutura de propriedade da empresa em condições
críticas determina (sobretudo numa generalizada conjuntura recessiva), e à quase absoluta
concentração espacial das atividades do setor, se cristaliza também uma forte oposição à
privatização.
A virtual impossibilidade, pelo menos a médio prazo, da privatização/desnacionalização da
EMBRAER faz com que a recomposição das condições de competitividade da IAeB não possa
ocorrer de forma "automática", sob a coordenação de um grupo empresarial estrangeiro,
demandando, ao contrário, ações específicas articuladas pelo Estado.
Diferentemente da maior parte dos setores da estrutura industrial brasileira, existe na IAeB
um grau suficiente de coordenação entre os fatores e agentes nos níveis estrutural, empresarial e
sistêmico para a implementação de políticas, não sendo necessário o estímulo a uma maior
organicidade e concertação entre os mesmos como um alvo prioritário.
Além de um amplo espaço para a coordenação entre níveis e agentes, há na IAeB uma
consciência crescente a respeito de ações específicas para o encaminhamento de soluções
localizadas para os problemas que enfrenta o setor. Esse espaço, embora tenha sido mantido sob a
orientação quase exclusiva dos responsáveis pelo setor, tem sido capaz de encaminhar ações nos
níveis estrutural (como o aumento da componente nacional mediante a capacitação de
fornecedores e consequente reforçamento da cadeia produtiva, melhoria das relações com clientes
visando estabelecimento de associações, especialização em direção a nichos de mercado
promissores, reestruturação patrimonial, entre os mais fundamentais); empresarial (como melhoria
da gestão e racionalização, reforçamento e orientação das atividades de suporte tecnológico, entre
outros); e sistêmico (como financiamento às atividades da empresa líder, crédito aos clientes,
tributação, treinamento de pessoal e acesso ao Mercosul).
84
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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A eficácia de tais ações, entretanto, esbarra no obstáculo trazido pela ausência de uma
definição estratégica que leve em conta, por um lado, o caráter inteiramente subsidiado da
produção aeronáutica internacional e, por outro, a relativa prescindibilidade da IAeB no atual
cenário nacional, além da situação crescentemente adversa que enfrenta no âmbito externo.
O espaço de coordenação existente não tem sido capaz de abordar, por razões
compreensíveis, a questão que está na base das perspectivas do setor: a da definição da sua
prioridade relativa frente às alternativas de desenvolvimento industrial e tecnológico do país. É
somente a partir de uma avaliação, não apenas das questões específicas do setor, mas da
problemática nacional mais abrangente, trazida por agentes externos ao mesmo, que tal definição
estratégica pode ser estabelecida a contento.
Assim, antes mesmo que se coloque seriamente a alternativa da privatização, ou que se
proponham ações específicas do Estado no sentido da recomposição dos fatores de
competitividade do setor, a questão chave a ser aprofundada diz respeito à definição da prioridade
relativa que a sua manutenção possui no âmbito da política industrial do País.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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INDICADORES DE COMPETITIVIDADE
A definição de indicadores de competitividade para a indústria aeronáutica é tarefa de
grande complexidade em função das condições particulares que regem a produção e o mercado
nesse setor, em especial no que se refere às aeronaves de emprego militar.
Propõe-se a seguir uma família de indicadores de uso geral para a avaliação da
competitividade no setor.
. Indicadores de desempenho
- número e valor das aeronaves produzidas por ano
- receita líquida das empresas
- grau de endividamento das empresas (de curto e longo prazo)
- produtividade - pessoal ocupado/número de aeronaves Alta Tecnologia e Total
- produtividade - pessoal ocupado/valor de aeronaves Alta Tecnologia e Total
- preços de venda das aeronaves competidoras por segmentos de mercado
. Indicadores de mix de produtos
- ano de lançamentos dos modelos
- proporção de aviões Alta Tecnologia no total (em valor e quantidade)
- proporção dos aviões militares no total (em valor e quantidade)
- proporção de aviões militares no total Alta Tecnologia (em valor e quantidade)
. Indicadores de grau de dependência
- participação das importações no valor da produção
- efeito externo líquido (balança comercial do setor e por aeronave/valor da produção)
- estrutura de fornecedores e compradores
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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. Indicadores de esforço tecnológico
- investimento em P&D em relação ao faturamento
- investimentos em P&D em relação ao conteúdo local da produção (faturamento -
importações de componentes)
- relação recursos próprios/recursos totais em P&D
- relação financiamentos a fundo perdido/gastos totais em P&D
- relação gastos em P&D militar/P&D total das empresas
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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BIBLIOGRAFIA
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doutorado, Instituto de Economia/UNICAMP, 1989, 504 p.
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do Itamaraty, Brasília, 20 e 21 de julho de 1992. A ser publicado na coletânea Sessenta
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Club: Possibilities for Brazil. Defense Analysis. 8(3), Novembro, 1992.
FRISHTACK, Cláudio: Learning, Progress and Competitiveness in the Commuter Aircraft
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McKENDRICK, David: Acquiring Technological capabilities: aircraft and commercial banking in
Indonesia. PhD dissertation. Bussiness Administration, University of California, Berkeley,
1989.
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commuter aircraft industry. California Management Review 27(2), winter, p. 60-84.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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RELAÇÃO DE TABELAS E GRÁFICOS
TABELA 1
MERCADO MUNDIAL DE COMMUTERS (1990).....................................................34
TABELA 2
ESTIMATIVA DO MERCADO MUNDIAL DE COMMUTERS.................................38
TABELA 3
MODELOS PRODUZIDOS OU EM DESENVOLVIMENTO PELA EMBRAER .......50
TABELA 4
NÚMERO DE AVIÕES PRODUZIDOS PELA EMBRAER.........................................59
GRÁFICO 1
AERONAVES PRODUZIDAS (QUANTIDADES)......................................................37
GRÁFICO 2
AERONAVES PRODUZIDAS (VALOR).....................................................................37
GRÁFICO 3
DESEMPENHO DA EMBRAER..................................................................................51
GRÁFICO 4
PARTICIPAÇÃO DAS IMPORTAÇÕES.....................................................................52
GRÁFICO 5
EFEITO EXTERNO LIQUIDO (EXP-IMP)/PROD......................................................53
GRÁFICO 6
DEPENDÊNCIA EM RELAÇÃO AO EXTERIOR.......................................................54
GRÁFICO 7
PRINCIPAIS CLIENTES (1982 - CACEX)..................................................................56
GRÁFICO 8
PRINCIPAIS FORNECEDORES (1989 - CACEX)......................................................57
GRÁFICO 9
PROPORÇÃO DOS AVIÕES AT NO TOTAL.............................................................61
GRÁFICO 10
PROPORÇÃO DOS AVIÕES MILITARES NO TOTAL .............................................62
GRÁFICO 11
AVIÕES MILITARES NO TOTAL AT........................................................................63
GRÁFICO 12
RECEITA LIQUIDA.....................................................................................................69
GRÁFICO 13
ENDIVIDAMENTO.....................................................................................................72
GRÁFICO 14
PESSOAL OCUPADO..................................................................................................72
GRÁFICO 15
PESSOAL OCUPADO, AVIÕES AT E RECEITA.......................................................74
GRÁFICO 16
INVESTIMENTO EM P&D .........................................................................................74
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