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DANIELLE FRANCO DA ROCHA
ESTRANHAMENTO (ENTFREMDUNG) NO TRABALHO:
O UNIBANCO NA VIRADA DOS ANOS 90
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Pontifícia Universidade Católica
São Paulo - 2006
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DANIELLE FRANCO DA ROCHA
ESTRANHAMENTO (ENTFREMDUNG) NO TRABALHO:
O UNIBANCO NA VIRADA DOS ANOS 90
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo – PUC-SP, como exigência parcial para
a obtenção do título de Mestre em Ciências
Sociais, sob a orientação da Prof. Dra. Ana
Amélia da Silva.
Pontifícia Universidade Católica
São Paulo - 2006
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Banca Examinadora:
___________________________________________
___________________________________________
___________________________________________
AGRADECIMENTOS
Esta dissertação é a confirmação da potencialidade do trabalho social, esse
desabrochar contou com as paixões e determinações de um grupo no qual foram
imprescindíveis, diríamos até viscerais, as contribuições de Blattner, Mariana, Neto,
Ana, Cássio, Pinho, Rita, e tantos outros que contribuíram para sua construção. Além
da grande amizade de Yara, Vanes, Pamplona, Fabrício, Sandra, Cleide, Paulo, Rô,
Eli, Cida, Rosa e Angélica. Cabe aqui, um agradecimento especial aos amigos Lóis e
Fernanda pelo grande apoio à materialização desta pesquisa. Isto só vem a confirmar
que a individualidade moderna se forja na reciprocidade e na diversidade.
Agradecemos à generosidade da orientação da Profa. Ana Amélia da Silva,
que com tanta paciência acompanhou nosso desenvolvimento. À Profa. Vera Lúcia
Vieira, admirável por seu rigor científico e sensibilidade, no qual as pessoas se
inspiram. Ao Prof. Antônio Rago Filho que encanta todos os corações humanistas.
Ao Prof. Miguel Chaia por seu estímulo e profícuas intervenções durante o exame de
qualificação. Ao Grupo de Marxologia da UFMG, orientado pela Profa. Ester
Vaisman. À Profa. Lívia Cotrim e Prof. Ivan Cotrim que, através de seus trabalhos,
permitiram mergulhar nos estudos brasileiros. À Profa. Nise Jinkings, que mesmo
sem conhecer de forma mais direta já se tornou uma grande companheira. À Ibaney
Chasin, um artista que plasma intensidade.
Um agradecimento especial ao pessoal do Sindicato dos Bancários de São
Paulo, no qual várias pessoas contribuíram para a elaboração desse trabalho. Aos
bibliotecários do Centro de Documentação (CEDOC), Alexandre Robério, Robson
Lima e Mercês, gentis almas que apoiaram essa busca investigativa no seu máximo,
além de construírem laços ternos de amizade para com os pesquisadores
freqüentadores do arquivo. Além dos bibliotecários, agradeço aos dirigentes sindicais
que, com tanta atenção, se dispuseram sempre a ajudar no que a pesquisa requeria.
Desde entrevistas até a autorização para participação de reuniões, debates,
assembléias, paralisações nos locais de trabalho. Permitiram, assim, uma observação
mais ativa do mundo dos bancários. Agradeço à Clarisse, Ivone, Jair, Carlão,
Manoel, Nelsinho, Marquinhos, André, Índio, Lúcia, enfim, a todos que
possibilitaram essa vivência mais próxima do movimento dos trabalhadores
bancários. E, em especial, àqueles que se tornaram grandes amigos, acima de tudo,
Ana Tércia e Reginaldo. Não poderia esquecer o pessoal da imprensa e gráfica do
Sindicato que apoiaram inclusive materialmente esse trabalho.
Ao pessoal do DIEESE, um agradecimento especial aos bibliotecários
Alexandra e Sérgio, que disponibilizaram o acervo e contribuíram com nossas buscas
de forma decisiva.
Aos bancários que gentilmente concederam informações preciosas para que
sua realidade reverberasse.
Ao CNPq, pelos recursos financeiros tão imprescindíveis à produção
científica.
Aos meus compreensivos pais que me apoiaram incondicionalmente.
Aos meus irmãos André Luís e Sabrina que sempre estiveram presentes. Em
especial à Bina que além de estar junto nos momentos mais importantes da vida,
contribuiu fundamentalmente para realização deste trabalho.
Ao irmão de alma, Dimi, meu doce amigo de encantos, muito obrigada por
tudo.
E ao querido Eribelto, o grande cúmplice de todas as grandes paixões da vida.
Sem o qual esse trabalho não seria tão intenso, nem a vida tão graciosa.
RESUMO
Esta pesquisa pretende problematizar o estranhamento no trabalho bancário
tomando a particularidade do trabalho no UNIBANCO na virada da década de
noventa. Momento de grandes transformações na esfera do mundo do trabalho
enuncia o acirramento das formas de extração do trabalho não-pago e a conseqüente
imposição da realização do valor produzido no mundo produtivo. A especificidade
desse trabalho e sua função dentro do sistema global do capital é transformar a
mercadoria-dinheiro, capacidade alienada do homem, em capital produtor de juros,
num processo que toma a aparência de dinheiro criando mais dinheiro. No bojo desse
processo, a mundialização dos capitais coopera para que o vultuoso aumento dos
fluxos desses capitais seja incorporado e realizado pelo trabalho bancário, fator
intensificador das contradições no “chão de banco” e no seu inter-relacionamento
com a reprodução social da vida. Ainda nessa direção, a investigação aponta para o
papel do crédito na acumulação capitalista e seus impactos na economia brasileira.
Atuando de forma contraditória, esse crédito é, ao mesmo tempo, - alavanca e
estrangulamento da expansão da acumulação brasileira. E o mundo do trabalho como
seu verdadeiro agente, impulsiona e viabiliza todo um sistema de produção da vida
humana em que seu trabalho torna-se hostil e, portanto, estranhado.
Palavras-Chave: Alienação, Estranhamento, Reestruturação Produtiva, Trabalho
Bancário, Unibanco, História Econômica Brasileira.
ABSTRACT
The objective of this study is to investigate alienation and strangeness
(Entfrendung) in banking work, taking as an specific case study, the analysis of the
UNIBANCO employees’ experience in the turn of the 1990s. That is a moment of
great changes in the labour world that reinforces the ways of obtaining non-paid
work and the consequent imposition of value in the productive world. The specificity
of this kind of work and its function in the global capital system is to transform the
money commodity, which is a capacity separated from men, in interest producing
capital. This process occurs and takes the appearance of “money producing more
money”. In this context, the globalization of capital helps the huge increase in capital
flow to be incorporated and done by the bank employees, which increases the
contradiction to the daily bank work routine and its relationship with the social
reproduction of life. Still in this sense, this study shows the role of credit in the
capitalist accumulation process and its impacts in Brazilian economy. In this sense,
the labour banking world, as a true agent, entails the whole system of human life
production in which labour becomes stranged in its alienated form.
Key Words: Alienation, Strangeness, Productive re-structuration, Banking workers,
Brazilian Economy, UNIBANCO.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 - Lineamentos para uma discussão sobre o Trabalho .................. 14
1.1 As Determinações Ontológicas do Trabalho............................................. 14
1.2 Dinheiro: a cristalização da alienação do homem...................................... 18
1.3 A mercadoria Dinheiro como capital......................................................... 25
1.4 A Reprodução do Capital Financeiro no Brasil ......................................... 30
CAPÍTULO 2 - Anos 80 e a Superexploração do trabalho: a forma particular de
entificação do capitalismo brasileiro...................................................................... 33
2.1 Plano Cruzado e Inflação: a forma do arrocho salarial nos anos 80.......... 33
2.2 “Até a raspa do tacho”: a trajetória da hiperinflação e recessão nos Planos
“Bresser” e “Verão”............................................................................................... 46
CAPÍTULO 3 - A Economia Brasileira nos anos 90: na rota da mundialização
do capital................................................................................................................... 63
3.1 Plano Collor e Desemprego: a forma particular do arrocho nos anos 90... 63
3.2 Abertura Comercial e Automação no Brasil: avanço e desefetivação no
trabalho bancário.................................................................................................... 70
3.3 Terceirização: a saída pela superexploração do trabalho no capitalismo
brasileiro................................................................................................................. 91
CAPÍTULO 4 - O Plano Real e a Acumulação do Capital Financeiro
Brasileiro…………................................................................................................... 99
4.1 Plano Real: o desemprego e a fragmentação da classe trabalhadora. ........ 99
4.2 Programa de Excelência Gerencial (PEG) no UNIBANCO.................... 113
4.3 O Sistema de Remuneração Variável no UNIBANCO – REMAG......... 128
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 140
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................. 153
I Referências Bibliográficas ............................................................................... 153
II Revistas, Periódicos e Jornais .......................................................................... 157
III Fontes DIEESE ................................................................................................ 159
IV Relatórios do Banco Central ............................................................................ 160
V Informativos do Sindicato dos Bancários ........................................................ 161
VI Informativos do Unibanco ............................................................................... 162
VII Legislação ........................................................................................................ 163
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Participação relativa no prêmio REMAG .............................................. 129
Tabela 2 – Variação da Remuneração de Executivos entre abril e junho de 1995.. 130
Tabela 3 – Equivalência entre grupos de cargos e correspondência com moeda .... 132
Tabela 4 – Rentabilidade Líquida e fator de ajuste da moeda interna ..................... 133
Tabela 5 – Metas e Distribuição dos Resultados ..................................................... 134
1
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa pretende problematizar o estranhamento
1
no trabalho bancário
tomando como base o trabalho nas agências do UNIBANCO na virada da década de
noventa, momento de grandes transformações e reestruturações produtivas que
apontam para o acirramento das formas de extração do trabalho não-pago e a
conseqüente imposição da realização do valor produzido no mundo produtivo. A
especificidade desse trabalho e sua função dentro do sistema global do capital é
transformar a mercadoria-dinheiro, capacidade alienada do homem, em capital
produtor de juros, num processo que toma a aparência de dinheiro criando mais
dinheiro. Neste processo, a mundialização dos capitais coopera para que o vultuoso
aumento dos fluxos desses capitais seja incorporado e realizado pelo trabalho
bancário, fator intensificador das contradições no “chão de banco” e no seu inter-
relacionamento com a reprodução social da vida.
Este estudo busca as mediações entre o trabalhador bancário, seu trabalho e,
portanto, sua vida; os bancos e o sistema financeiro nacional e internacional; o
mundo do trabalho e o capitalismo mundializado. Dessa forma, pensando na captura
das determinações mais essenciais deste complexo partiremos para a análise do
capital bancário e financeiro no Brasil. Principalmente na virada da década de
noventa, este capital se consolida hegemônico no mundo e, especificamente no
Brasil, se intensifica o processo de reestruturação do sistema financeiro impactando
diretamente no trabalho bancário e, portanto na vida moderna, configurando a forma
da reprodução da sociabilidade do capital e sua complexificação.
A idéia básica que orientou a escolha dessa problemática resulta do
posicionamento crítico diante do caráter misto de submissão, terror e até de aversão
ao trabalho por parte dos trabalhadores que, inseridos num contexto de relações
produtivas sob tensão, são subsumidos pelas pressões do trabalho que são cada vez
1
Esta palavra expressa a categoria “Entfremdung”, usada por Karl Marx nos Manuscritos Econômicos
Filosóficos, para analisar o trabalho na sociabilidade burguesa moderna. A discussão dessa categoria
será melhor desenvolvida ao longo de nosso texto, por isso pedimos, paciência e perseverança ao
leitor. E, como essa expressão é alvo de inúmeras polêmicas, tomaremos a precaução de sempre que a
utilizarmos, indicarmos seu significado tal como Marx a concebeu. Para uma melhor compreensão
desta discussão ver: COSTA, M. (A Diferença Entre as Categorias Lebensäusserung, Entäusserung,
Entfremdung, Veräusserung nos Manuscritos Econômicos Filosóficos de Karl Marx de 1844);
ALVES, Antônio José Lopes (A Individualidade Moderna nos Grundrisse); CHASIN, José. (Marx–
Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica); entre outros.
2
maiores chegando a colocar em risco sua integridade mental e física. Os espaços de
trabalho constituem-se num mundo complexo, de difícil compreensão, mesmo para
os indivíduos diretamente envolvidos. E, isto, porque o trabalho na modernidade é
estranho, exterior, alheio, de outrem, não é auto-determinado. O fato do trabalho ser
propriedade alheia, o torna opositor em relação ao trabalhador. Torna-se, portanto,
uma atividade estranhada, a serviço e produtora da propriedade privada.
“O estranhamento do trabalhador em seu objeto se expressa, pelas leis nacional
econômicas, em que quanto mais o trabalhador produz, menos tem para consumir; que
quanto mais valores cria, mais sem-valor e indigno ele se torna; quanto mais bem formado
seu produto, tanto mais deformado ele fica; quanto mais civilizado seu objeto, mais bárbaro
o trabalhador; que quanto mais poderoso o trabalho, mais impotente o trabalhador se torna;
quanto mais rico de espírito o trabalho, mais pobre de espírito e servo da natureza se torna
o trabalhador. A economia nacional oculta o estranhamento na essência do trabalho porque
não considera a relação imediata entre o trabalhador (o trabalho) e a produção. Sem
dúvida o trabalho produz maravilhas para os ricos, mas produz privação para o
trabalhador. Produz palácios, mas cavernas para o trabalhador. Produz beleza, mas
deformação para o trabalhador. Substitui o trabalho por máquinas, mas lança uma parte
dos trabalhadores de volta a um trabalho bárbaro e faz da outra parte máquinas. Produz
espírito, mas produz imbecilidade, cretinismo para o trabalhador.”
2
Como se vê, na moderna sociedade burguesa, o trabalho é estranhado, volta-
se contra o trabalhador. Este vende suas capacidades e disposições – sua força-de-
trabalho - e, com isso, a coloca a serviço de determinações externas. Isto é, o trabalho
não é auto-determinado pelo trabalhador, pelo produtor direto, mas sim comandado
pelo valor, pela troca. Tal fato, conseqüentemente, faz do trabalho, de sua
objetivação, de seu produto, forças hostis em relação ao trabalhador, na medida em
que torna-se propriedade privada. Portanto, o estranhamento (Entfremdung) resulta
dessa forma social, ou melhor, de uma forma específica de produção e reprodução da
vida humana, de uma atividade que não é autodeterminada, mas comandada pelo
valor, pela troca e, assim sendo, as relações humanas aparecem tão somente como
troca de mercadorias e não como relação entre indivíduos, mas entre coisas. É o
estranhamento (Entfremdung) das próprias relações.
“O caráter social da atividade, a forma social da produção, bem como a parte que
o indivíduo toma na produção aparecem aqui [no dinheiro], face aos indivíduos, como algo
estranho (Fremdes), como coisa objetiva (Sachliches); não como seu comportamento
2
MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos, p. 82.
3
recíproco, mas como submissão a relações existentes independentes deles e nascidas dos
embates dos indivíduos indiferentes entre si. A troca universal das atividades e produtos
torna-se condição vital para todo indivíduo singular, sua conexão recíproca lhes aparece
como estranha, independente, como uma coisa. No valor de troca, a relação social é
transformada em relação de coisas”.
3
Contudo, é necessário alertar que apesar do reconhecimento da condição
estranhada do trabalho humano na sociedade atual, não é possível considerá-la,
entretanto, como condição imanente ao trabalho do homem, à produção da vida
humana. Isto porque, ao contrário da concepção da economia política burguesa
4
, o
trabalho tem um duplo caráter. Ou seja, a atividade humano-sensível ao mesmo
tempo em que é objetiva é também objetivadora. Além de ter de se voltar ao mundo
objetivo, lidar com objetos externos, com suas propriedades concretas, preexistentes
à atividade; também promove novas objetividades, dá forma humana às formas
naturais do mundo.
Assim sendo, este duplo caráter da atividade sensível, do trabalho humano
(ser ao mesmo tempo objetivo e objetivador) contradiz concepções que o consideram
apenas como perda, como consumo de energia, uma vez que, “o trabalho não é
somente consumido, mas passa ao mesmo tempo da forma da atividade àquela do
objeto concreto, do repouso, onde está fixado, materializado; modificação inscrita
3
MARX, K. Grundrisse, Tomo I, p. 93 e 94. Apud. ALVES, A. A individualidade nos Grundrisse. p.
55.
4
Marx em sua crítica às concepções estritamente negativas do trabalho presentes em A. Smith, assim
se pronuncia:
Smith concebe o trabalho psicologicamente, em função do prazer e da dor que produz no indivíduo.
Todavia, além desta relação afetiva para com sua atividade, ele é alguma outra coisa mais – em
primeiro lugar, um para-outro, pois o puro sacrifício de A não teria nenhuma utilidade para B; em
segundo lugar, uma determinada relação sua com a coisa mesma que refunde, e para com suas
próprias disposições para o trabalho. Ele é positivo, atividade criadora”. MARX, K. Grundrisse de
1857-58, p. 239.
’Tu trabalharás com o suor do teu rosto’ Esta é a maldição com a qual Jeová presenteou a Adão. É
assim que A. Smith capta o trabalho como maldição. O ‘repouso’ aparece por isso como o estado
adequado, sinônimo de ‘liberdade’ e de ‘felicidade’. Que o indivíduo estando ‘num estado normal de
saúde, força, de atividade, de habilidade, de interesse’ possa sentir a carência mesma de efetuar uma
parte normal de trabalho e de suspensão de seu repouso, parece pouco interessar a Smith. É verdade
que a medida do trabalho aparece dada pelo exterior, pela finalidade proposta e pelos estorvos que o
trabalho deve suplantar para a sua consecução. Mas A. Smith assim não suspeita que suplantar os
estorvos possa ser por si uma atividade de liberdade – e que por outro lado, de resto, as finalidades
exteriores estão distantes de uma carência cruamente exterior e são finalidades estabelecidas
primeiro pelo indivíduo mesmo – como auto-efetivação, objetivação dos sujeitos, liberdade real, de
qual a ação é o trabalho’ MARX, K. Grundrisse. Op. Cit., Tomo II. p. 101. Apud. ALVES, A. A
individualidade nos Grundrisse. p. 18-19.
4
no objeto concreto, sua própria configuração e, da atividade, tornando-se ser”.
5
Portanto, contrariamente às concepções que concebem o trabalho, a atividade
humano sensível apenas sob seu aspecto negativo, é necessário tomá-lo sob seu
aspecto positivo, ou seja, o trabalho, não é só dispêndio de força, ação passiva do
sujeito frente à objetividade, mas é também ação humana que cria e recria tanto a
natureza quanto os próprios homens. Ação que não é passiva
6
, pura perda, mas é
ativa e transformadora.
O trabalho humano, portanto, “aparece então como um confronto dos
indivíduos com o material, no qual os primeiros realizam seus fins e transmudam o
próprio material em reservatórios de sua atividade. A atividade sensível não
subverte a objetividade do material, mas dá um novo caráter à objetividade
enquanto tal, ao fazer dela objetividade social, produzida pela atividade social dos
indivíduos. Esta nova objetividade é o material no qual se expressa a vida dos
indivíduos e aparece no fim do processo como realização destes mesmos
indivíduos.”
7
Por isso, ao contrário do que se pode pensar, a relação do indivíduo com o
trabalho, “ou seja, a relação do sujeito para com suas capacidades, potências, etc.,
se efetiva no interior da própria atividade sensível. Não é uma relação interior, que
ocorreria no recesso de sua subjetividade. Ao contrário, é na relação com o mundo,
com as propriedades da matéria, com as qualidades do material que possibilita ou
dificulta sua realização, é que as potências e fins do sujeito se revelam”
8
. O que
impulsiona o ser social para além dos limites históricos dados.
Na forma econômica capitalista, na sociabilidade do equivalente, a troca, a
venda das disposições humanas, da força-de-trabalho expressam imediatamente a
perversão do trabalho. A atividade criadora, que constitui, antes de tudo, um
processo de individuação humana, está voltada para a acumulação de riqueza.
5
MARX, K. Grundrisse de 1857-58, p. 239.
6
Esta ‘determinação, contudo não resulta numa subsunção passiva do sujeito em relação à matéria
transformada, mas é a reelaboração da própria matéria, a sua transformação em receptáculos da
atividade dos indivíduos: o ato de apropriação dos objetos pelos sujeitos, aparece igualmente de
outra parte como modelagem, submissão dos objetos a um fim subjetivo; transformação dos objetos
em resultados e reservatórios da atividade subjetiva.’ ALVES, A. A individualidade nos Grundrisse.
p. 8.
7
ALVES, A. A individualidade nos Grundrisse. p. 8.
8
Ibid.pp. 18-19.
5
É dessa forma que intentamos adentrar o mundo da moderna bancocracia,
tentando apreender os nexos causais mais estruturais do processo histórico de
transformação das condições de reprodução da força-de-trabalho bancária brasileira.
Por isso, no contato mais imediato com as fontes históricas é possível flagrar o grau
de desefetivação do trabalhador bancário levado até a morte pela fome. Basta
observar o aumento das doenças ocupacionais, chegando até mesmo ao suicídio.
Pudemos encontrar, inclusive, laudos médicos desses suicidas em meio às fontes e
suas cartas de despedida. Estas acalentavam um terror desesperado de quem não via
solução para o “enforcamento” pelas dívidas. O que pode parecer teórico nessa
colocação calorosa é de fato o estranhamento do trabalho bancário visto no seu
ápice.
Assim, os bancários vivenciaram, na virada dos anos noventa, a concentração
e centralização do capital financeiro brasileiro e a sua subsunção ao capital
financeiro internacional. Sentiram de perto a hostilidade do trabalho morto
corporificado na automação como sua concorrente. Trabalho entrecortado pelo
amadurecimento de uma relação social em vias de colapso, mutilado física e
espiritualmente pelo aprofundamento da crise capitalista, mesmo no momento em
que ela constitui a mais rica diversidade e potencialidade de universalização do
homem.
Mas, estas relações ganham forma somente quando apreendidas
historicamente. Sendo assim, nosso intuito é desenvolver algumas determinações da
particularidade do capital financeiro brasileiro, sua essência, a natureza do juro e
como ele configura a cristalização do estranhamento. Trata-se de perceber as
nuances do estranhamento (Entfremdung) no Brasil, como uma forma particular de
acumulação., o que nos leva a destacar a particularidade do maturamento da
hegemonia do capital financeiro na década de noventa e a insustentabilidade da crise
capitalista.
Esse universo categorial é realmente rico em mediações, esses
desdobramentos tendem a adquirir melhores contornos, na medida em que a
particularidade financeira e brasileira desse estranhamento for esboçada
historicamente em algumas de suas múltiplas determinações.
Importante ressaltar que, para tal, esta pesquisa se propõe a fazer uma
discussão para além do método, o que pressupõe colocar na ordem do dia a própria
6
problemática estudada. Ou melhor, trata-se de pensar nosso objeto percorrendo seus
nexos constitutivos. “Desse modo, é a própria essência da totalidade econômica que
prescreve o caminho a seguir para conhecê-la”
9
. Sendo esta a contribuição da
investigação marxiana, ou seja, “Não existe um método a priori que prescreva o
caminho correto para conhecer a realidade dos complexos do ser, nem mesmo uma
conexão essencialmente lógica das categorias da realidade articuladas no interior
de um sistema filosófico
10
. Nesse sentido é importante a afirmação de Lukács, em
que “o conhecimento só pode abrir caminho para os objetos investigando os traços
particulares de cada complexo objetivo”
11
Assim, intentamos que não há “nada mais difícil do que elevar ao estatuto
científico o estudo de uma sociedade historicamente determinada. Quando, ainda
hoje, se discute se o conhecimento histórico pode ser científico, se as leis sociais são
regidas por leis objetivas, Marx, no século XIX, encontrava pela pesquisa respostas
decisivas para tais questões, e diz: ‘Todo começo é difícil; isso vale para qualquer
ciência’
12
.
Com o intuito de partir do ser objetivo, a forma utilizada para apreender
nosso objeto contou com um acompanhamento e rigorosa análise de fontes que
compreendem fotos dos locais de trabalho em transformação e manifestações,
jornais, revistas e periódicos tanto institucionais e sindicais quanto oficiais, manuais
de treinamento, avaliações de performances, pesquisas feitas pelo UNIBANCO
relativas aos seus programas de reorganização do trabalho, textos e pautas de debates
sindicais na década, balanços e relatórios dos bancos, entre outros dados documentais
do Centro de Documentação do Sindicato dos Bancários (CEDOC). Neste acervo há
muitas informações em texto e imagem, um verdadeiro universo financeiro, desde
estatísticas à pesquisas sobre as doenças ocupacionais, laudos médicos, principais
teses e periódicos, entre outros documentos. Além disso, encontramos nos dados do
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE),
estudos sobre os trabalhadores dentro e fora do Brasil, e o registro completo sobre o
9
LUKÁCS, G. Per l’Ontologia dell’Essere Sociale, Tomo I, p. 285. apud. FORTES, Ronaldo Vielmi.
Trabalho e Gênese do Ser Social na “Ontologia” de George Lukács, p. 27.
10
FORTES, Ronaldo Vielmi. Trabalho e Gênese do Ser Social na “Ontologia” de George Lukács, p.
27.
11
LUKÁCS, G. Per l’Ontologia dell’Essere Sociale, Tomo I, p. 351. Apud. FORTES, Ronaldo
Vielmi. Trabalho e Gênese do Ser Social na “Ontologia” de George Lukács, p. 27.
12
FERREIRA, Maria Lúcia. A Teoria Marxiana do Valor Trabalho, p. 19.
7
movimento dos trabalhadores brasileiros na segunda metade do século XX.
Realizamos ainda entrevistas com bancários e militantes do movimento sindical
(diretores sindicais, imprensa que acompanha o movimento sindical, cipeiros e
assessores)
13
Foram também pesquisados documentos coletados na cobertura das
últimas greves (2004/2005) dos trabalhadores bancários, além do debate
empreendido e difundido sobre o tema.
Contudo não podemos incorrer no equívoco de ver nesses meios de apreensão
um método, e sim um ponto de partida concreto de análise, pois não se trata de uma
prévia ideação lógica do nosso objeto. Até porque, é necessário ultrapassar a
descrição do objeto e, por meio das abstrações razoáveis
14
, apreender a lógica do
relacionamento do objeto com a trama no qual está inserido e que o constitui.
Portanto, o trabalho bancário é entendido no interior dessa trama, como
particularidade da sociabilidade moderna, que cria e é criado por ela, pois é síntese
de múltiplas determinações.
E, a principal categoria
15
que apreende e captura a malha determinativa da
concretude de nosso objeto, é o estranhamento (Entfremdung), evidenciando as
peculiaridades intrínsecas à sociabilidade moderna. Assim, é de máxima importância
colocar para a reflexão a seguinte questão: Como se dá o estranhamento no trabalho
no UNIBANCO na virada dos anos 90?
13
Nem todas as entrevistas puderam ser gravadas na íntegra. Das cinco completas realizamos o
trabalho de transcrição. Outras compuseram o mapa interpretativo essencial para a reflexão.
14
Mas, o que seriam abstrações razoáveis? “As abstrações são, para Marx, o ponto de partida da
elaboração teorética. No entanto, este mesmo ponto de partida é, ele também, Daseinformen, ou seja,
é, ele também, aspecto desta mesma realidade que ele pretende explicar. Não se tratam, pois, de
abstrações produzidas pelo cérebro de forma totalmente independente, descolada, do todo mais
complexo ao qual elas se referem. Mas, é deste todo que elas se originam. São desenvolvimentos
alcançados a partir de abstrações parciais deste todo - o que Marx chama de abstrações razoáveis”.
VIEIRA, Zaira Rodrigues. Atividade Sensível e Emancipação Humana nos Grundrisse de Karl Marx,
p. 23. Ou ainda, como bem salienta Fortes sobre o trabalho das abstrações: O trabalho da
experimentação ideal consiste em isolar determinados elementos de forma a identificar, em um
primeiro momento, aquelas categorias mais decisivas de uma dada esfera específica do complexo do
ser social
”. FORTES, Ronaldo Vielmi. Trabalho e Gênese do Ser Social na “Ontologia” de George
Lukács, p. 27.
15
A categoria bem como as abstrações razoáveis são idênticas e, portanto, como bem avaliou Alves
em sua análise dos Grundrisse: “A categoria é assim expressão mental de um todo complexo,
existente na forma do ser, que permanece sendo o que é independentemente daquela. À categoria
cabe exprimir este todo concreto sob a forma de uma síntese articulada de determinações. Síntese
esta que é obtida através da extração dos elementos mais gerais e comuns do complexo efetivo
abordado. A categoria é entendida marxianamente como abstração que aglutina aqueles elementos,
sempre em obediência à ordem do real efetivamente existente, o que a determina enquanto abstração
razoável. A categoria é assim expressão mental de um todo complexo, existente na forma do ser, que
permanece sendo o que é independente daquela”. ALVES, A. A individualidade nos Grundrisse, p. 7.
8
Estudar a especificidade do trabalho bancário nos remete às formas mais
avançadas de configuração do mundo do trabalho e o Unibanco diz muito a esse
respeito. Por isso, à medida que apreendemos suas transformações em sua
particularidade, apreendemos toda uma condição de ser da própria classe
trabalhadora brasileira, e esse é o objetivo desse trabalho.
Com isso, nossa reflexão pretende expor as contradições concretas de nossa
sociedade, esse verdadeiro “complexo de complexos”, e tem como horizonte a
superação dessas contradições. “Visa, sobretudo a superação de tais contradições
para a consecução de uma nova forma societária, livre dos grilhões que impedem
sua humanização”
16
, ou seja, está voltada para dimensões mais extensas do ser
social.
O primeiro capítulo desta pesquisa, faz uma incursão nos lineamentos mais
decisivos para uma discussão sobre o trabalho como proto-forma social, sua
particularidade financeira, a essência do capital produtor de juros e a conformação
desse capital no Brasil. Recupera-se, a partir daí, o debate marxiano e sua crítica à
economia política e a sua elaboração sobre o capitalismo. A tentativa de resgatar a
gênese histórica dessa relação nos faz percorrer sua trajetória e compreender a
constituição da nossa malha societária.
Já no segundo capítulo, Anos 80 e a superexploração do trabalho: a forma
particular de entificação do capitalismo brasileiro, atentamos para a forma da
reprodução do capital no Brasil. A particularidade da acumulação com base na
superexploração da força-de-trabalho tem sua origem na condição objetivamente
débil do capital atrófico e hipertardio brasileiro. Condição objetivamente débil pela
acumulação com base na baixa composição orgânica do capital
17
, no arrocho
salarial, na “determinação de seu valor [força-de-trabalho] muito abaixo do limite
16
CASTILHO, Eribelto P. Reflexões Críticas das Concepções de Estado, Direito e Propriedade
Privada na Obra Juvenil de Karl Marx (1842), p. 1.
17
“A composição do capital tem de ser apreciada sob dois aspectos. Do ponto de vista do valor, é
determinada pela proporção em que o capital se divide em constante, o valor dos meios de produção,
e variável, o valor da força de trabalho, a soma global dos salários. Do ponto de vista da matéria que
funciona no processo de produção, todo capital se decompõe em meios de produção e força de
trabalho viva; essa composição é determinada pela relação entre a massa dos meios de reprodução
empregados e a quantidade de trabalho necessária para eles serem empregados. Chamo a primeira
composição de composição segundo o valor, e a segunda de composição técnica. Há estreita
correlação entre ambas. Para expressá-la, chamo a composição do capital segundo o valor, na
medida em que é determinada pela composição técnica e reflete as modificações desta, de
composição orgânica do capital. Ao falar simplesmente de composição do capital, estaremos sempre
nos referindo à sua composição orgânica”. MARX, K. O Capital. Livro I, v. II, pp. 712-713.
9
histórico ou social configurado nos países centrais e, mantido, em grande escala,
abaixo de seu próprio limite mínimo ou físico”
18
. Condição evidenciada pela
articulação de formas arcaicas e modernas de extração de mais-valia, pelo qual essa
singularidade se forja no seio do capital financeiro, no qual o UNIBANCO é
expressão.
Ao esboçar a inserção do trabalho bancário nos anos oitenta, no
UNIBANCO, em plena iminência da reconfiguração dos capitais não acomodados no
mercado, perceberemos como se financia a acumulação, ou seja, como se acumula.
Um verdadeiro mistério para os apologistas da completude do capital ou do fim da
história.
Aprofundando-nos mais nas mediações do comércio internacional, na divisão
internacional do trabalho, chegaremos ao imperialismo do cartão de crédito, no qual
através da chamada dívida pública extraem-se enormes fluxos de trabalho humano.
Através das transferências diretas de capitais consolida-se um gigantesco sistema de
especulação e embuste. Seguindo essa lógica, institucionaliza-se a oligopolização do
setor financeiro, viabilizada pela Constituição de 1988. Aparece oficialmente na cena
brasileira, o Banco Múltiplo, com grande repercussão na vida da classe trabalhadora.
A partir daí, a centralização e concentração do capital se intensificou
impactando decisivamente a vida moderna. Determinados passos desses gigantes
(oligopólios) geram crise e desespero. Esses colossos econômicos determinam o
dinamismo da política econômica. Dessa forma, os Planos Cruzado, Verão e Bresser
são a pedra angular para entendermos os inícios da reestruturação capitalista no
Brasil
19
. Assim, a inflação foi uma perversa forma de determinar o valor da força-de-
trabalho abaixo do limite histórico, do limite mínimo ou físico, como nos alerta
Chasin e, o congelamento salarial exerceu uma clara função na acumulação
brasileira, elevando a lucratividade com aumento de produtividade e redução dos
salários. A década de 80 enfrentou uma brutal crise com uma fabulosa transferência
de capitais ao sistema financeiro internacional, através do aviltamento nas condições
de vida do trabalhador. Essa é a forma de acumular e, no caso brasileiro, o capital
18
CHASIN, J. A Sucessão na crise e a crise na Esquerda: os impasses da via colonial do capitalismo.
In. A Miséria Brasileira., p. 213.
19
A reestruturação produtiva é imanente ao capital e, nesse caso, a reestruturação contou com a
Terceira Revolução tecnológica, também denominada Toyotismo, em referência ao pioneirismo
japonês na implantação das principais estratégias e tecnologias desse cunho.
10
hipertardio padece tanto dos males do pleno desenvolvimento do capital quanto da
falta desse desenvolvimento.
Assim, fica explícita a conciliação com o capital forâneo, o capital financeiro
internacional. Os bancos tiveram alta lucratividade com a intermediação da dívida
brasileira, via emissão de papéis. Além de se perpetuarem como ‘eternos credores
intermediários entre a nação e os trabalhadores, renovando a força da ‘aristocracia’
parasitária financeira.
O UNIBANCO, como singularidade desse processo, sempre utilizou a
política das alianças para se manter no mercado, num processo, como veremos, de
“conciliação pelo alto”. Como o próprio presidente do banco disse, em meados de
noventa, a estrutura da maioria dos capitais brasileiros é familiar. A antiga Casa
Moreira Salles, hoje o conglomerado UNIBANCO, é exemplo disso. Assim, segundo
notícia:
“O Unibanco foi fundado em Poços de Caldas, Minas Gerais, no dia 9 de novembro de 1924
e se chamava: ‘Casa Moreira Salles’. No início o banco atuava em uma pequena secção
bancária, num pequeno sobrado de esquina do interior. Ali podia-se efetuar depósitos a juros
e obter empréstimos em operações com quase duas dezenas de bancos, entre os quais o
Banco do Brasil, Banco Francês a Italiano per L’América Del Sud, Banco Brasileiro Alemão,
The Nacional City Bank of New York, Banco Portuguez do Brasil, Banco Nacional
Ultramarino, Banco de São Paulo, Banca Populare Italiana, Banco Holandez da América do
Sul e outros.
Dessa forma o banco atendia a todos os interesses locais, tanto dos moradores quanto dos
turistas que visitavam a cidade de Poços de Caldas atraídos pelas qualidades de suas águas
sulfurosas de grande poder curativo.
A Casa Moreira Salles face à diversificação de suas atividades desenvolvia-se e passou pelos
efeitos desastrosos da Depressão. Em 22 de junho de 1931, ainda com sede em Poços de
Caldas, ganhou autorização para expandir suas operações. Em 1940 a Casa Bancária Moreira
Salles se uniu ao Banco Machadense e a Casa Bancária de Botelhos formando um grande
estabelecimento bancário. Em 1967, o Banco Moreira Salles já contava com 192 agências,
concentradas nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Guanabara. Nesta época o banco
tornou-se o maior banco privado nacional e passou a se chamar União Brasileira de Bancos.
Em abril de 1975, o Grupo União de Bancos adotou um único nome para identificar todas as
empresas que o compunham. A escolha recaiu sobre a denominação de Unibanco,
favorecendo uma melhor identificação corporativa das diversas empresas do grupo.”
20
Depois, já na década de 90, o Unibanco conta com fortes aliados na sua
composição, nova conciliação.
20
Unibanco inaugura nova Agência do Portão. Jornal do Estado do Paraná, 14.07.1991, Curitiba.
11
“A associação com os grandes bancos internacionais, como o Bank of América e o
Morgan Stanley, o The Daí-Ichi Kangyo Bank, além dos sul americanos Roberts (Argentina),
Bice (Chile) e Surinvest (Uruguai), garantiram um posicionamento estratégico ao Unibanco
para alavancar, no exterior, as operações no mercado de capitais e facilitar o fluxo de
comércio no Mercosul. (...) Zinner defendeu a aliança estratégica entre empresas industriais e
comerciais com o sistema bancário.” E acrescenta, “a maior exposição à competição externa
e a necessidade de crescimento das empresas brasileiras apontam para a tendência de criação
de parcerias com os bancos, em uma nova função de buscar oportunidades de negócios, de
sócios e de apoio a atividade produtiva e comercial. O crescimento das empresas terá de
extrapolar a capacidade de capitalização de seus controladores, buscando uma fonte
alternativa de recursos, o mercado de capitais.”
21
Além disso, tem participação em vários outros setores,
“O grupo Moreira Salles fundado em 1924, em Poços de Caldas –MG tem investimentos em
14 empresas dos mais diversos setores da economia.
Entre tais empresas podem ser citadas: o próprio Unibanco, a CBMM- Companhia Brasileira
de Metalúrgica e Mineração, que é a maior produtora de nióbio do mundo; a Cambuhy
Citrus, produtora e exportadora de suco de laranja, a Cambuhy Empreendimentos
Agropecuários, Fazenda modelo instalada em Matão, São Paulo, o Club Méditerranée do
Brasil, que atua no ramo turístico hoteleiro, a Agroceres, líder do mercado na produção de
sementes; e a Companhia das Letras, editora dedicada à humanidades.”
22
Como se pode ver o capital monopólico, assim metamorfoseado, reúne os
capitais bancário, comercial, industrial e até agrário, unificando-os, fazendo deles um
só, dando-lhe o poder dos oligopólios. No entanto evidencia também, além do caráter
social da produção, a produção privada sem o controle da propriedade privada dentro
do seio capitalista, as sociedades por ações. Além disso, é possível perceber como
essas uniões, bem como com o capital estrangeiro, representam aumento da
capacidade de concorrer e, podem, portanto, adquirir a capacidade de investir
pesadamente na reorganização produtiva num momento de grandes reestruturações,
ou seja, no acirramento da concorrência. Com uma sucessão de fusões e
incorporações consolida-se o grupo Moreira Salles, engolindo capitais menores, até à
formação da grandiosa UNIBANCO HOLDINGS S.A.
21
BORGES, C. “Unibanco oferece a clientes linha de crédito por três anos para capital de giro”.
Resenha Diária – Secretaria e comunicação do Sindicato dos bancários/CUT. Rio de Janeiro. maio
1992.
22
DESTAQUE. Em sintonia com o que de mais avançado se pratica em termos de administração
empresarial no mundo” São Paulo. Boletim Institucional do Unibanco. Ano 1, nº 9, Ago. 1992.
12
No terceiro capítulo intitulado, A Economia Brasileira nos anos 90: na rota
da mundialização do capital, nossa discussão retoma aspectos em mutação na virada
para os anos 90. Aponta a abertura da economia brasileira acontecendo de forma
mais agressiva, a acumulação fundada na poupança internacional e na
superexploração da força-de-trabalho, as reformas do Estado e do sistema
financeiro. Aponta, ainda, para o papel do crédito na produção capitalista e sua
origem no Brasil, de fundos sociais, ou seja, dos trabalhadores. Mostra como esse
crédito alavanca o desenvolvimento das forças produtivas, a metamorfose das
mercadorias e, ao mesmo tempo, constitui a antinomia entre trabalho morto e
trabalho vivo, na medida em que o primeiro se apodera do segundo.
Com isso, investigamos o processo de automação e terceirização crescentes
na mesma medida em que as alianças com o capital internacional foram ocorrendo.
Evidenciando a forma da modernização do UNIBANCO, a forma de ser e ir sendo
do trabalho bancário no capitalismo brasileiro. Mesmo com uma forte diferença na
sua composição orgânica em relação aos bancos internacionais, o Unibanco sai na
frente no Brasil, na modernização dos sistemas e processos de auto-atendimento
entre outras tecnologias. No entanto, para continuar concorrendo com essa diferença
ele teria de superexplorar, flexibilizando as relações trabalhistas em maior escala.
Assim, vai surgir e se desenvolver o UNIBANCO 30 Horas, modernização que
chega a competir com o trabalho vivo quando o rebaixa à condição maquinal. Aqui, a
hostilidade da reprodução capitalista não é abstratamente apreendida, mas tenta dar
fisionomia, tenta mostrar os antagonismos dessa forma histórica de relação humana.
Essa pesquisa, acima de tudo, aponta para as infinitas possibilidades do
trabalho social, mesmo dentro da relação capitalista em que as relações entre as
pessoas tomam a aparência de relações entre coisas. Assim é que o trabalho bancário,
de realização da mercadoria dinheiro enquanto capital, é entendido na sua trama
constitutiva, na concorrência, na disputa entre capital e trabalho. Um trabalho que é
essencialmente estranhado, pois é apenas a propriedade privada que o legitima. É
produto da cisão do homem, da antinomia das condições de vida mediante a venda
das disposições humanas.
No quarto e último capítulo, “O Plano Real e a Acumulação do Capital
Financeiro Brasileiro”, caminhamos para o desdobramento histórico dos efeitos
perversos do arrocho salarial e da fragmentação da classe trabalhadora através de um
13
brutal desemprego que se acirra a cada dia. A discussão trata as políticas econômicas
desvelando seus objetivos e interesses na acumulação de capital. Assim, o Plano Real
emerge como a expressão da hegemonia do capital financeiro na década de noventa e
a dívida pública sua forma de capitalização.
A partir daí, a especulação financeira não vê limites, pois o mercado se
internacionalizou e o Brasil, elo débil desse processo, sente seus efeitos logo na
gênese da implementação do Plano Real demonstrado pelas oscilações de reservas
monetárias e forte intervenção do Banco Central no mercado de capitais. Além da
imposição forjada da concentração e centralização financeira por meio dos
Programas de Financiamentos do Governo Federal, o Programa de Estímulo à
Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro (PROER), e sua versão
estatal, PROES. Um dos primeiros a se beneficiar foi o Unibanco com a aquisição do
Banco Nacional.
Nas considerações finais procuramos apontar para os principais caminhos
percorridos, assim como levantar elementos para a continuidade da investigação.
14
CAPÍTULO 1
Lineamentos para uma discussão sobre o Trabalho
“Quanto mais o trabalhador se exterioriza (ausarbeitet)
em seu trabalho, mais o mundo estranho, objetivo, que ele
criou, torna-se poderoso diante dele, tanto mais empobrece
a si e a seu mundo interior, tanto menos é dono de si
próprio”. Karl Marx, Manuscritos Econômico-Filosóficos.
1.1 As Determinações Ontológicas do Trabalho
Inicialmente é importante consignar que o ponto de partida desse trabalho são
os indivíduos ativos
23
e sua produção enquanto resultado de sua própria atividade.
Contudo, se esta produção é por um lado exteriorização, produção de coisas, é, por
outro, a produção de si dos indivíduos. Isto é, a atividade de produção humana não só
é um ato de exteriorização de uma subjetividade que se materializa em uma nova
forma objetiva, mas é antes de tudo uma entificação do sujeito que age
24
. Assim, a
atividade não só cria novas objetividades a partir da subjetividade humana, mas cria
principalmente uma nova subjetividade, cria o objeto, mas também um novo sujeito
para este objeto: “O objeto de arte – como todo produto – cria um público apto a
compreender a arte, a fruir beleza. A produção não produz somente um objeto
concreto para um sujeito, mas também um sujeito para o objeto concreto”.
25
Como se vê: “Tanto a natureza externa ao homem é transformada pelo
trabalho, quanto à própria natureza do homem se transforma enquanto ele exerce a
sua atividade. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua
corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria
23
“Esta maneira de considerar as coisas não é desprovida de pressupostos. Parte de pressupostos
reais e não os abandona um só instante. Estes pressupostos são os homens, não em qualquer fixação
ou isolamento fantástico, mas em seu processo de desenvolvimento real, em condições determinadas,
empiricamente visíveis. Desde que se apresente este processo ativo de vida (grifos nossos), a história
deixa de ser uma coleção de fatos mortos, como para os empiristas ainda abstratos, ou uma ação
imaginária de sujeitos imaginários, como para os idealistas”. MARX, K. & ENGELS, F., A
Ideologia Alemã, p.38.
24
Como se vê, ambos, sujeito e objeto, são transmutados no curso da atividade, como bem resume
Marx: “A fome é a fome, mas a fome que se satisfaz com carne cozida, com garfo e faca, é outra que
aquela que engole a carne crua com a ajuda das mãos, unhas e dentes. Não é somente o objeto de
consumo, mas também o modo de consumi-lo que é portanto produzido pela produção, e não somente
isso, de uma maneira objetiva, mas também subjetiva. A produção cria portanto o consumidor”.
MARX, K., Grundrisse de 1857-58. apud. ALVES, A., A individualidade nos Grundrisse, p.26.
25
MARX, K., Grundrisse de 1857-58. apud. ALVES, A., A individualidade nos Grundrisse, p.6.
15
natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento,
sobre a natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo sua
própria natureza.
26
Entretanto, é importante atentar ao fato de que, sempre que houver referência
ao trabalho, à produção humana “é sempre da produção a um estado determinado de
desenvolvimento social de que se trata – da produção de indivíduos sociais”,
27
ou
seja, parte-se do pressuposto de que são: “indivíduos produzindo em sociedade –
portanto uma produção de indivíduos que é socialmente determinada”.
28
A sociabilidade, portanto, é pressuposto ontológico da produção/trabalho
humano
29
, isto é, não se pode falar em trabalho sem reportar-se à forma social em
que este é realizado.
Feitas as devidas considerações quanto às condições ontológicas do trabalho
humano, quais sejam: a atividade enquanto criadora de uma nova objetividade e
subjetividade, como também sua condição imanentemente social. É necessário
caminhar, agora, à discussão deste em sua específica forma histórica, ou seja, na
forma social capitalista.
O trabalho enquanto criador de valores de uso, como trabalho útil é
“condição de existência do homem (grifos nossos)
30
, independente de todas as
formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre
o homem e a natureza, e, portanto, da vida humana.”
31
O trabalho estabelece,
26
MARX, K. O Capital, livro I, v.I, p. 202.
27
Idem. Grundrisse de 1857-58. apud. ALVES, A., A individualidade nos Grundrisse, p.12.
28
Ibid.p.8.
29
“Ser desta ou daquela maneira, existir como escravo ou citizen [cidadão], produzir, falar
denunciam esta essência social que qualifica e cria os indivíduos enquanto indivíduos. Mesmo os
atributos mais distintivos, singulares, o saber ou a competência prática, por exemplo, são em
realidade, forças sociais que os indivíduos detêm em sua particularidade concreta. (...) A
sociabilidade que se exprime no interesse particular dos indivíduos se revela neles, na forma de sua
atividade e de suas conexões mútuas, enquanto um tipo específico de ligação social. Os indivíduos
então, realizariam e renovariam através de cada um dos seus atos produtivos toda a malha societária
que os define e os faz humanos”. ALVES, A., A individualidade nos Grundrisse, p.11.
30
“Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou por tudo que se
queira. Mas eles próprios começam a se diferenciar dos animais tão logo começam a produzir seus
meios de vida, passo este que é condicionado por sua organização corporal. Produzindo seus meios
de vida, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material”. MARX, K. & ENGELS, F.,
A Ideologia Alemã, p.27.
31
MARX, K., O Capital, livro I, v.I, p.208.
16
portanto, uma relação entre o homem e a natureza, relação esta que, como já visto,
não é passiva, de adaptação do homem, mas ativa, transformadora.
No entanto, na sociabilidade do capital, na moderna sociedade civil
burguesa, tal trabalho se entifica de forma estranhada, torna-se meio de subsistência,
ou seja, é meio de vida, não fim
32
. Assim, nesta forma social, estranhada: “O
trabalho existe independente do trabalhador e se transforma em um ‘poder
autônomo em oposição a ele’. A alienação do trabalhador, portanto, aparece como
uma forma peculiar da exteriorização humana na qual, ao mesmo tempo em que um
produto objetivo é produzido enquanto exterioridade se engendra uma relação de
oposição entre produtor e produto”.
33
Relação esta que expressa a evidência de que
a própria atividade está separada do produtor, bem como de seu gênero e de toda
riqueza genérica.
Tanto é assim que: “O caráter social da atividade, assim como a forma
social do produto, como a parte que o indivíduo toma na produção [a divisão do
trabalho, por exemplo], aparecem aqui [na sociabilidade do capital], frente aos
indivíduos, como coisa estranha, como uma reificação, não como comportamento
recíproco de indivíduos, mas como sua submissão a relações existentes independente
deles e nascidas dos entrechoques destes indivíduos indiferentes”,
34
o que vale dizer
que: “Os indivíduos não são mais seres imediatamente comunitários, mas seres para
os quais a comunidade existe como elemento exterior, contingente, ainda que
inevitável para sua reprodução, dada a sua natureza de meio.”
35
Portanto, sendo a sociabilidade apenas condição contingente, a produção para
o intercâmbio múltiplo, no qual o fim último é a produção para a troca, não é mais
uma produção voltada para a subsistência da comunidade, mas tão somente para
troca de mercadorias, isto é:
“As relações entre indivíduos se tornou uma relação entre sujeitos de troca e o
intercâmbio social se apresenta como uma grande coleção de mercadorias que são trocadas
32
É apenas no século XVIII, na sociedade civil-burguesa, que as diferentes formas de
interdependência social se apresentam ao indivíduo como simples meio de realizar seus fins
particulares, como uma necessidade exterior”. MARX, K., Grundrisse de 1857-58. apud. ALVES,
A., A individualidade nos Grundrisse, p.48.
33
COSTA, M., A Diferença Entre as Categorias Lebensäusserung, Entäusserung, Entfremdung,
Veräusserung nos Manuscritos Econômicos Filosóficos de Karl Marx de 1844, p.56.
34
MARX, K., Grundrisse de 1857-58. apud. ALVES, A., A individualidade nos Grundrisse, p.11.
35
ALVES, A., A individualidade nos Grundrisse, p.48.
17
entre esses sujeitos. O intercâmbio social é aqui, antes de tudo, troca, fluxo múltiplo de
mercadorias entre os indivíduos, e é o que caracteriza o comportamento recíproco dos
indivíduos entre si. Isto significa em primeira e última instância que a totalidade da vida
social se encontra determinada pela figura do valor e pela imposição da troca como a
modalidade geral da interação dos indivíduos, nada mais resta daquelas formas de
intercâmbio que pressupunham a existência de uma esfera anterior que aglutinava e mediava
a existência de uns para os outros dos indivíduos”
36
.
Assim, resta ainda uma observação quanto a esta forma social, forma onde a
interação dos indivíduos só se dá pelo “mercado”. Essa, como pode-se constatar, é
regida pela crença – socialmente constituída
37
- de que há uma equivalência entre os
indivíduos. De modo que, um indivíduo que troca, intercambia algo no mercado, ou
seja, sempre se baliza pelo princípio da troca de equivalentes. Afinal, qual é o
homem que, em sã consciência, troca desigualmente? Aqui, o pressuposto da
equivalência formal é uma racionalidade inferida como imanente ao sistema pela
economia política burguesa. Assim sendo, tal pressuposto induz à crença de que
mesmo que ao indivíduo reste somente a força-de-trabalho para ser trocada no
mercado, tal troca se dá pautada pelo princípio do equivalente, o que vale dizer:
mesmo que seja trocado o tempo, a essência de vida do trabalhador por um salário,
tal troca é “justa”, “equivalente”.
Finalizando, este tópico, é importante enfatizar que, apesar do
reconhecimento de que na sociabilidade do capital vige o estranhamento
(Entfremdung) no trabalho, pode-se afirmar, porém, que também esta atividade
humano sensível “põe a coisidade”
38
, isto é, faz do mundo um mundo efetivamente
36
ALVES, A., A individualidade nos Grundrisse, 49.
37
Quanto a ideologia, o ponto de partida, novamente, são os indivíduos produzindo sua vida e,
portanto, seu pensamento e todas as suas manifestações em sociedade. Dessa forma, não parte-se
unicamente “daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam, e tampouco dos homens
pensados, imaginados e representados para, a partir daí, chegar aos homens de carne e osso; parte-
se dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de vida real, expõe-se também o
desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos desse processo de vida. E mesmo as formações
nebulosas no cérebro dos homens são sublimações necessárias do seu processo de vida material,
empiricamente constatável e ligado a pressupostos materiais”. MARX, K. & ENGELS, F., A
Ideologia Alemã, p.37.
38
Aqui nos referimos à objetivação social posta em movimento pelo trabalho humano, sua ação
criadora, transformadora e, portanto, que carrega em si a possibilidade de superação dos entraves que
obstaculizam uma vida social mais autêntica. Essa questão filosófica é desenvolvida com maiores
desdobramentos em diversos trabalhos científicos, MARX, K., Grundrisse 1857-58; VIEIRA, Zaira
Rodrigues., Atividade Sensível e Emancipação Humana nos Grundrisse de Karl Marx; LUKÁCS, G.,
Per l’Ontologia dell’ Essere Sociale; FORTES, R. Vielmi., Trabalho e Gênese do Ser Social na
18
humano. Portanto, ao contrário de considerar a atual forma social do trabalho como
sendo imutável, de forma determinista, tem-se por perspectiva condutora desta
análise, a possibilidade objetiva de que, o trabalho estranhado pode modificar-se
historicamente, pode emergir novas formas de “ser social”.
1.2 Dinheiro: a cristalização da alienação do homem
É preciso observar, agora, a conexão íntima entre, “a propriedade privada, a
ganância, a separação de trabalho, capital e propriedade da terra, de troca e
concorrência, de valor e desvalorização do homem, de monopólio e concorrência
etc., de todo esse estranhamento (Entfremdung) com o sistema do dinheiro”.
39
Na perspectiva da economia política clássica, é possível perceber que seu
ponto de partida era a propriedade privada como fato, como imanente ao homem, isto
é, ao invés desta explicar a origem e função social da propriedade, era tomada como
fato histórico dado e acabado
40
.
No entanto, o mais importante a observar, inicialmente, é que o produto do
trabalho humano, suas objetivações mútuas tornaram-se, na forma social do trabalho
estranhado, mercadoria; este pôde, portanto, converter-se em dinheiro, existindo
assim na medida da “pressuposição do valor de troca, fundamento objetivo do
conjunto do sistema de produção”
41
. Assim sendo, tal fato “implica para o indivíduo
esta coação [qual seja], que seu produto não seja produto para ele, mas torna-se tal
somente no processo social, e que ele necessita tomá-lo sob esta forma universal e
ao mesmo tempo exterior; que o indivíduo exista somente como produtor de valor de
troca, que implica a negação total de sua existência natural; que seja por
conseguinte totalmente determinado pela sociedade; enfim, que este pressupõe a
“Ontologia” de George Lukács; CHASIN, J., Marx – Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica;
entre outros.
39
MARX, K., Manuscritos Econômicos Filosóficos, p.80.
40
Segundo essa concepção, “Supõe na forma do fato (Tatsache), do acontecimento, aquilo que deve
deduzir, notadamente a relação necessária entre duas coisas, por exemplo, entre a divisão do
trabalho e troca. Assim, o teólogo explica a origem do mal pelo pecado original (Sündenfall), isto é,
supõe como um fato dado e acabado, na forma da história, o que deve explicar”. MARX, K.,
Manuscritos Econômicos Filosóficos, p.80.
41
MARX, K., Grundrisse de 1857-58. apud. ALVES, A., A individualidade nos Grundrisse, p.50.
19
divisão do trabalho, etc., na qual o indivíduo esteja já submetido a outras relações
além daquelas de simples cambistas, etc”
42
.
Esta interconexão social, ou seja, esta “interdependência social, que encontra
no dinheiro sua expressão mais vigorosa, se revela em verdade, diretamente, não
como conexão dos indivíduos entre si, mas das mercadorias produzidas e trocadas
por estes indivíduos. Dada a forma da sociabilidade, o intercâmbio entre os
indivíduos aparece então como intercâmbio das coisas.”
43
Dessa maneira, os
próprios indivíduos são postos como equivalentes, como sujeitos de troca, como
livres cambistas.
“Hoje que se faz do dinheiro a garantia social universal”
44
, o que se
apresenta, é que cada indivíduo é o dinheiro que porta, sua individualidade é
“subjugada” ao dinheiro e, ele passa a existir sob esta forma, como possuidor de
dinheiro, como o próprio dinheiro. O dinheiro é o ser “abstrato” do homem, meio da
sociabilidade, o próprio gênero humano.
“Por isso, o dinheiro é o problema da modernidade por excelência. Ele não existe
mais como um elemento à margem da vida social, mas é o próprio meio desta vida social. É
o elemento que une, ordena e vivifica todas as manifestações da vida e da produção dos
indivíduos. Frente a ele, nenhuma outra determinação pode reivindicar dignidade ou
nobreza de per se. O valor, as necessidades de reprodução deste e sua lógica é agora a
própria medida humana, a vida em comum dos indivíduos, seu liame mais essencial e real. O
dinheiro surge como a verdadeira instância que estabelece o vínculo entre os indivíduos.
Vínculo este, evidentemente, marcado pela indiferença.”
45
Ao trabalho resta a reprodução unicamente de seu valor de troca. Nas
palavras poéticas de Marx, retomando, inclusive, o Novo Testamento:
“Quanto menos comeres, beberes, comprares livros, fores ao teatro, ao baile, ao
restaurante, pensares, amares, teorizares, cantares, pintares, esgrimires etc., tanto mais tu
poupas, tanto maior se tornará o teu tesouro, que nem as traças nem o roubo corroem [trata-
se do Novo Testamento, O evangelho de Mateus 6, 19-20], teu capital. Quanto menos tu
fores, quanto menos externares a tua vida, tanto mais tens, tanto maior é a tua vida
exteriorizada, tanto mais acumulas a tua essência estranhada. Tudo o que o economista
nacional te arranca de vida e de humanidade, ele te supre em dinheiro e riqueza. E tudo
aquilo que tu não podes, pode o teu dinheiro: ele pode comer, beber, ir ao baile, ao teatro,
sabe de arte, de erudição, de raridades históricas, de poder político, pode viajar, pode
42
MARX, K., Grundrisse de 1857-58. apud. ALVES, A., A individualidade nos Grundrisse, p.50.
43
ALVES, A., A individualidade nos Grundrisse, p.50.
44
BALZAC, Honoré., Esplendores e Misérias das Cortesãs, p.367.
45
ALVES, A., op. cit., p.52.
20
apropriar-se disso tudo para ti; pode comprar tudo isso; ele é a verdadeira capacidade
(Vermögen). Mas ele, que é tudo isso, não deseja senão a criar-se a si próprio, comprar a si
próprio, pois tudo o mais é, sim, seu servo, e se eu tenho o senhor, tenho o servo e não
necessito do seu servo. Todas as paixões e toda atividade tem, portanto, de naufragar na
cobiça. Ao trabalhador só é permitido ter tanto para que queira viver, e só é permitido
querer viver para ter.”
46
Com isso, o trabalho deixa de ser a expressão ativa de vida dos indivíduos
47
.
Esta forma burguesa de produzir a vida traduz-se numa forma específica e correlata
de fruição, de apropriação, física e espiritual do mundo, do homem pelo homem.
Com isso, “a apropriação humana da natureza e das objetividades em geral,
significa para o trabalhador estranhamento, alienação. A apropriação do objeto se
manifesta a tal ponto como estranhamento que quanto mais objetos o trabalhador
produzir tanto menos ele pode possuir e mais se submete ao seu produto, o
capital”
48
.
A partir daí, a produção perde conexão com a vida do trabalhador e, segundo
Marx, isso se deve a uma inversão na qual o trabalhador se desapropria do mundo na
medida em que o produz como objetividade estranha. Em suas palavras, "o
trabalhador se relaciona com o produto de seu trabalho como a um objeto estranho.
Por isso a hipótese evidente: quanto mais o trabalhador se exterioriza (ausarbeitet)
em seu trabalho, mais o mundo estranho, objetivo, que ele criou, torna-se poderoso
diante dele, tanto mais empobrece a si e a seu mundo interior, tanto menos é dono de
si próprio”.
49
Fica cada vez mais evidente que a própria atividade está apartada do homem,
é estranha, hostil, e não apenas o produto de seu trabalho. Isto porque, “o produto é,
de fato, a síntese da atividade, da produção e, por conseguinte, o produto do
trabalho é alienação (Entäusserung), a própria produção deve ser alienação em ato,
a alienação da atividade, a atividade da alienação, o estranhamento (Entfremdung)
46
MARX, K., Manuscritos Econômicos Filosóficos, p.142.
47
“Se examinarmos inicialmente a relação pela qual tornou-se dinheiro, o valor tornado capital, e
tomamos o trabalho vivo como simples valor de uso em confronto com o capital, de sorte que o
trabalho apareça como um simples meio de valorizar o trabalho morto, objetivado, para impregná-lo
de uma lama vivificante e produzido a riqueza criada como algo estranho, e de produzir para si
apenas a indigência da força de trabalho viva”. MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos.
apud. COSTA, M., A Diferença Entre as Categorias Lebensäusserung, Entäusserung, Entfremdung,
Veräusserung nos Manuscritos Econômicos Filosóficos de Karl Marx de 1844, p.47.
48
Ibid.p.47.
49
Ibid.p.48.
21
do objeto do trabalho que é somente a síntese do estranhamento, da alienação da
própria atividade do trabalho”
50
.
A atividade torna-se externa, independente do trabalhador, não lhe pertence e,
portanto, pode ser apropriada privadamente por outrem. Dessa forma, o homem
encontra-se em oposição ao próprio gênero, encontra-se em oposição,
conseqüentemente, de si próprio enquanto ser genérico, enquanto ser social,
enquanto ser para o outro
51
. Transforma, por conseguinte, “sua realização humana
em meio de manter sua existência física”
52
e vai além numa terceira inversão que,
“primeiramente torna estranha (entfremdet) a vida genérica e individual, em
seguida, faz da última, reduzida à abstração, a finalidade da primeira, igualmente
em sua forma abstrata e estranhada (entfremdeten)”
53
.
A partir daí, o indivíduo, o homem, “só se sente ativo, nas suas funções
animais, comer, beber, procriar, quando muito, na habitação e no adorno, enquanto
nas funções humanas se vê reduzido a animal. O bestial torna-se humano, e o
humano, bestial”.
54
Contudo, importante ainda atentarmos para o fato de que: “o trabalho
alienado é anterior ao estranhamento, mas é sua base, seu sustentáculo
55
, ou seja,
“Marx identifica o trabalho alienado como relação exterior do trabalhador com a
natureza e consigo mesmo e, adiante, afirma que a propriedade privada é,
primeiramente, fruto do homem alienado e, em seguida, também ‘do homem tornado
estranho’. O homem, o trabalho, a vida tornam-se estranhas a partir da alienação
50
MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos. apud. COSTA, M., A Diferença Entre as
Categorias Lebensäusserung, Entäusserung, Entfremdung, Veräusserung nos Manuscritos
Econômicos Filosóficos de Karl Marx de 1844, p.48.
51
“E tu tens de poupar não somente teus sentidos imediatos, como comer etc., tu tens de poupar
também na colaboração com interesses universais, na compaixão, na confiança, se tu queres ser
econômico, se não queres se arruinar com ilusões”. MARX, K., Manuscritos Econômicos
Filosóficos, p.142.
52
COSTA, M., op. cit., pp.48-49.
53
MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos. apud. COSTA, M., A Diferença Entre as
Categorias Lebensäusserung, Entäusserung, Entfremdung, Veräusserung nos Manuscritos
Econômicos Filosóficos de Karl Marx de 1844, p.49.
54
Ibid.p.54.
55
COSTA, M., op. cit., p.51.
22
do produto e da atividade. Nesse sentido, a propriedade privada é o produto da
atividade humana apartada do homem.”
56
Como se vê, é dessa cisão que emerge a propriedade privada como resultado,
isto é, a propriedade privada é trabalho humano tornado capital que se “apropria” do
homem em um movimento de oposição, de hostilidade frente ao próprio homem; ou
seja, é o estranhamento (Entfremdung) em sua raiz. Assim, a “relação do
trabalhador com o trabalho gera a relação do capitalista, do dono do trabalho (ou
qualquer que seja o nome que se lhe dê) com o trabalho. A propriedade privada é,
pois, o resultado, a conseqüência necessária do trabalho alienado (entäusserten), da
relação exterior (äusserlichen) do trabalhador com a natureza e consigo mesmo”
57
.
Chegamos a partir daí à gênese, à origem da propriedade privada no qual o
trabalhador transfere a outro sua essencialidade, suas disposições físicas e espirituais.
A relação desse homem consigo mesmo e com o mundo, portanto, com o próprio
gênero é externa, contingente. Mas, o estranhamento (Entfremdung) não acomete
somente o trabalhador. Este, “transfere a outro sua atividade que, por sua vez, se
torna para ele nociva e inessencial. Este outro é o próprio homem que assume a
condição de detentor de propriedade. Nesta condição, ele também está diante do
produto como objeto estranho, já que não é fruto de sua atividade, mas, ao mesmo
tempo, é dono deste produto e, ao se apropriar do resultado do trabalho, ele se
apropria também do processo do trabalho, da atividade do trabalhador; mas apenas
exteriormente. Deste modo, o não-trabalhador, longe de permanecer excluído do
estranhamento, da alienação é também atingido, só que de forma distinta”
58
.
Ou seja, “O comportamento prático, real do trabalhador na produção e em
relação ao seu produto (como estado de ânimo - Gemutszustand) aparece ao não-
trabalhador que o confronta como comportamento teórico /.../ o trabalhador vivencia
sensivelmente a alienação e o estranhamento em cada momento de seu cotidiano,
mas para o não-trabalhador esta não é uma realidade sofrida epidermicamente, na
medida em que ele não se desgasta nem física nem espiritualmente na produção.
Objetiva e subjetivamente, portanto, ele está apartado deste processo que faz do
56
MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos. apud. COSTA, M., A Diferença Entre as
Categorias Lebensäusserung, Entäusserung, Entfremdung, Veräusserung nos Manuscritos
Econômicos Filosóficos de Karl Marx de 1844, p.51.
57
Ibid.pp.50-51.
58
Ibid.p.52.
23
homem ser genérico - que se afirma tanto em seu ser como em seu saber - pois o seu
ser e seu saber se objetivam a partir de outro.”
59
.
A materialização, a cristalização desse movimento é o salário, enquanto
evidência e forma material dessa apropriação privada do trabalho de outro. Com isso,
“salário e propriedade privada são idênticos, pois o salário no qual o produto, o
objeto do trabalho, é apenas uma conseqüência necessária do estranhamento
(Entfremdung) do trabalho, e no sistema de salário, o trabalho não aparece como
fim em si, mas como servo do salário”.
60
Assim sendo, o assalariamento é uma
peculiaridade da sociabilidade do capital.
Neste sentido, o dinheiro, na sociabilidade do capital, é o objetivo do
trabalho, na medida em que ele é o objeto por excelência que se apropria de todos os
demais objetos e que representa o pagamento pela alienação do trabalhador. O
dinheiro é o intermediário entre “a necessidade e o objeto, entre a vida e os meios do
homem”.
61
Da mesma forma que o dinheiro irrompe a especificidade do objeto, cada
indivíduo só é na medida do dinheiro. “Aquilo que mediante o dinheiro é para mim,
o que posso pagar, isso sou eu o possuidor do próprio dinheiro”.
62
O dinheiro
expressa, portanto, o meio da relação entre os indivíduos, “o que serve de meio para
minha vida serve também de meio para o modo de existência dos outros homens
para mim. Isto é para mim o outro homem”.
63
No dinheiro as diferenças se anulam,
pois, “não revelando o dinheiro aquilo que nele se transforma, converte-se tudo em
dinheiro, mercadoria ou não. Tudo se pode vender ou comprar”.
64
59
MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos. apud. COSTA, M., A Diferença Entre as
Categorias Lebensäusserung, Entäusserung, Entfremdung, Veräusserung nos Manuscritos
Econômicos Filosóficos de Karl Marx de 1844, pp.52-53.
60
Ibid.p.58.
61
Ibid.p.56.
62
Ibid.p.56.
63
Ibid.p.56.
64
Ouro, amarelo, fulgurante, ouro precioso!
Uma porção dele basta para fazer do preto, branco; do louco,
[sensato;
Do errado, certo; do vilão, nobre; do velho, jovem; do covarde,
[valente;
... ó deuses, não estais vendo? por quê
Afasta ele vossos sacerdotes e os servos dos vossos altares?
E arranca o travesseiro do justo que nele repousa a cabeça.
Esse escravo amarelo
24
Ora, ‘se o dinheiro é o laço que me liga a vida humana, que liga a sociedade
a mim, que me liga com a natureza e com o homem, não é o dinheiro o laço de todos
os laços? Não é por isso também o meio geral da separação? É a verdadeira marca
divisória, assim como o verdadeiro meio de união, é a força (...) química da
sociedade”.
65
Essa inversão geral da vida humana é a condição de possibilidade do
estranhamento (Entfremdung). Como bem observou Marx, “O que sou e o que posso
não são determinados de modo algum por minha individualidade. Sou feio, mas
posso comprar a mais bela mulher. Portanto, não sou feio, pois o efeito da feiúra,
sua força afugentadora, é aniquilada pelo dinheiro”
66
. E complementa ainda Costa:
“O dinheiro pode, portanto, negar a determinação real do ser e convertê-la em seu
contrário”.
67
A potência objetivadora dos indivíduos – a força-de-trabalho – é vendida e
intercambiada como qualquer outra mercadoria e, dessa forma, é posta sob total
indiferença para os indivíduos que a trocam pelo dinheiro. É a venda da disposição
de seu trabalho. É totalmente indiferente, é o dispor de si que é vendido.
68
É importante enfatizar, o dinheiro é a cristalização da capacidade alienada do
homem:
“A partir daí, o dinheiro, considerado aqui expressão autônoma de certa soma de
valor, exista ela em dinheiro ou em mercadorias, pode na produção capitalista transformar-
se em capital, quando esse valor determinado se transforma em valor que acresce, que se
Ata e desata vínculos sagrados; abençoa o amaldiçoado;
Doura a lepra; honra ladrões,
Dá-lhes título, genuflexões e homenagens,
Colocando-os no conselho dos senadores;
Faz viúva anciã casar de novo.
... Metal execrável,
És da humanidade a vil prostituta”. SHAKESPEARE, W. Timon de Atenas. apud. MARX, Karl., O
Capital, livro I, v. I, p.146, (nota 91).
65
MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos. apud. COSTA, M., A Diferença Entre as
Categorias Lebensäusserung, Entäusserung, Entfremdung, Veräusserung nos Manuscritos
Econômicos Filosóficos de Karl Marx de 1844, p.56.
66
Ibid.p.57.
67
A individualidade moderna está, portanto, invertida, as diferenças entre os indivíduos se anulam, é o
“ter” em vez do “ser”. Sobre isso, explica Costa, “Por via de conseqüência a totalidade de atributos
humanos são transferidos para algo exterior. O próprio destino lhe escapa, pois, sua capacidade de
construí-lo está em algo fora de si - no dinheiro. Este aparece como verdadeira essência genérica,
pois toda possibilidade humana sintetiza-se em seu poder de se apropriar do mundo humano
indeterminadamente, mas tal essência se volta contra o homem como um poder estranho que nega sua
determinação real e a transforma em seu contrário”. COSTA, M., op. cit., p.58.
68
Cf. COSTA, M., A Diferença Entre as Categorias Lebensäusserung, Entäusserung, Entfremdung,
Veräusserung nos Manuscritos Econômicos Filosóficos de Karl Marx de 1844, p.57-58.
25
expande. É dinheiro produzindo lucro, isto é, capacitando o capitalista a extrair dos
trabalhadores determinada quantidade de trabalho não pago, produto excedente e mais-
valia e dela apropriar-se. Por isso, além do valor de uso que possui como dinheiro, passa a
ter outro valor de uso, isto é, o de funcionar como capital. Seu valor de uso consiste
justamente no lucro que produz, uma vez transformado em capital. Nessa qualidade de
capital potencial, de meio de produzir lucro, torna-se mercadoria, mas mercadoria de
gênero peculiar. Vale dizer, o capital como capital se torna mercadoria.”
69
1.3 A mercadoria Dinheiro como capital
“O juro em si expressa justamente a existência das
condições de trabalho como capital, em sua antítese social
ao trabalho e em sua transformação em poderes pessoais,
em face do trabalho e sobre o trabalho. Ele representa a
mera propriedade de capital como meio de apropriar-se de
produtos do trabalho alheio. Mas representa esse caráter
do capital como algo que lhe cabe fora do processo de
produção e que não é, de modo algum, resultado da
determinação especificamente capitalista desse mesmo
processo de produção. Ele o representa não em antítese
direta ao trabalho, mas invertido, sem relação com o
trabalho e como mera relação de um capitalista com outro.
Portanto, como uma determinação externa e indiferente à
relação do capital com o trabalho.”
70
O dinheiro como mercadoria, ou seja, como capital é imbricado à:
“predestinação social antinômica da riqueza material, sua oposição ao trabalho na
condição de trabalho assalariado já se expressa, dissociada do processo de produção, no
direito mesmo de propriedade do capital. Esse aspecto particular, isolado do próprio
processo capitalista de produção, deste sendo resultado constante e, como tal, condição
permanente, revela-se na circunstância de o dinheiro e a mercadoria serem em si mesmos
capital latente, potencial, de poderem ser vendidos como capital e nessa forma comandarem
trabalho alheio, darem direito ao ato de apropriar-se de trabalho alheio, sendo, portanto
valor que se acresce. Está claro que esses elementos é que constituem o título e o meio de
apropriar-se de trabalho alheio, e não trabalho algum efetuado em contrapartida pelo
capitalista”.
71
Ou seja, o dinheiro enquanto uma de suas figurações como capital, engendra
o que comumente conhecemos como capital produtor de juros. Com isso temos que,
“O ponto de partida é o dinheiro que A adianta a B, o que pode ocorrer com penhor
ou sem ele; a primeira forma, entretanto, é a mais antiga, excetuados os
69
MARX, K. O Capital, v. 5, p.392.
70
Ibid.p.285.
71
Ibid.p.410.
26
adiantamentos garantidos por mercadorias ou título como letras de câmbio, ações,
etc. Poremos de lado essas formas especiais, para tratar do capital produtor de
juros em sua forma ordinária”,
72
e assim, perceberemos de onde vem o incremento,
o ‘plus’:
“Nas mãos de B, o dinheiro converte-se realmente em capital, leva a cabo o
movimento D-M-D’ (dinheiro que se converte em mercadoria que se converte em dinheiro
novamente acrescido de valor) e volta a A sob a forma D’, isto é, como D mais a variação
de D, representada pelo juro. Para simplificar, abstrairemos do caso em que o capital fica
por longo tempo nas mãos de B, e os juros são pagos periodicamente. O movimento é: D-D-
M-D’-D’. (...) O que aparece aqui duplicado é, primeiro, desembolso do dinheiro como
capital e, segundo, seu retorno como capital realizado, como D’.
73
Não obstante, encoberto nessa transação peculiar do capital produtor de juros
está a mediação da reprodução do capital e o que ocorre de fato é que :
“No capital produtor de juros, a primeira mudança de posição de D não constitui elemento
da metamorfose da mercadoria nem da reprodução do capital. Isto só se verifica no segundo
desembolso, feito pelo capitalista empresário, que comercia com D ou converte-o em capital
produtivo. A primeira mudança de D expressa apenas que A o transferiu ou cedeu a B;
transferência que costuma ocorrer com certas formas e condições jurídicas. (...) A esse duplo
desembolso do dinheiro como capital constituindo o primeiro mera transferência de A para
B, corresponde duplo retorno. Em D’, esse dinheiro reflui da circulação para o capitalista
empresário B. Este o transfere para A, mas acrescido de fração de lucro, como capital
realizado, como D’, não sendo igual ao lucro todo e sim a parte do lucro, o juro. Retorna a
B por tê-lo desembolsado como capital em função, mas por propriedade de A . Para que o
retorno se complete tem B, por sua vez, de transferi-lo para A. Mas, além do capital, dispõe
B do lucro obtido com esse capital e tem de fornecer a fração dele denominada juro a A, pois
este só lhe cedeu o dinheiro como capital, isto é, como valor que se conserva no movimento e
ainda gera mais-valia para seu proprietário. Só permanece nas mãos de B enquanto exerce a
função de capital. E com sua volta no prazo previsto cessa de ser capital operante. Deixando
de funcionar, tem de retornar ainda as mãos de A que não cessou de ser o proprietário
jurídico. (...) A forma empréstimo, peculiar dessa mercadoria, o capital na condição de
mercadoria, embora apareça noutras transações substituindo a forma venda, já resulta da
particularidade de o capital patentear-se aí mercadoria, ou de o dinheiro como capital
tornar-se mercadoria.”
74
E, qual seria a particularidade do dinheiro enquanto capital-mercadoria?
Segundo Marx, esse capital já contém em si mais-valia à espera de realização e
72
Ibid.p.394.
73
Ibid.p.394.
74
Ibid.p.395.
27
porque “sua função de mercadoria constitui fase do processo de reprodução como
capital, e seu movimento nessa fase, sendo apenas movimento parcial do processo
todo, é ao mesmo tempo movimento como capital; e isto se dá não em virtude da
própria troca e sim da conexão que existe entre ela e o movimento total dessa
determinada soma de valor que desempenha o papel de capital”
75
, pois esse ato
inicia o processo capitalista de produção.
No entanto:
“Só no encadeamento do processo total, em que o ponto de partida se revela o de retorno,
em D-D’ ou M-M’, surge o capital no processo de circulação como capital (enquanto no
processo de produção surge como capital em virtude de o trabalhador subordinar-se ao
capitalista, produzindo mais-valia). No momento de retorno, porém, desaparece a mediação.
O que existe então é D’ (seja na forma de variação de dinheiro, mercadoria ou elementos da
produção), montante acrescido de excedente, mais-valia realizada. E o capital, justamente
nesse ponto de retorno em que existe como capital realizado ou como valor que se acresceu,
enquanto haja aí pausa imaginária ou real, nunca entra na circulação, mas patenteia-se
retirado da circulação, resultado do processo em sua totalidade” (...) “Mercadoria e
dinheiro são aí capital, não quando a mercadoria se converte em dinheiro e o dinheiro em
mercadoria, não em suas relações reais com o comprador ou vendedor, e sim em suas
relações ideais com o próprio capitalista (aspecto subjetivo), ou como fases do processo de
reprodução (aspecto objetivo). No movimento real, o capital é capital não no processo de
circulação, mas no processo de produção, o da exploração da força-de-trabalho”.
76
Assim, com o capital produtor de juros o que justamente marca seu caráter
específico é o fato de que:
“O dono do dinheiro, para valorizar seu dinheiro como capital, cede-o para terceiro, lança-
o na circulação, faz dele a mercadoria capital; capital não só para si, mas também para os
outros; é capital para quem o cede e a priori para o cessionário, é valor que possui o valor
de uso de obter mais-valia, lucro; valor que se conserva no processo e volta, concluído seu
papel, para quem o desembolsou primeiro, no caso, o proprietário do dinheiro. O dinheiro,
portanto, se afasta do dono por algum tempo, passando de suas mãos para as do capitalista
ativo; não é dado em pagamento nem vendido, mas emprestado; só é cedido sob a condição
de voltar, depois de determinado prazo, ao ponto de partida, e ainda de retornar como
capital realizado, positivando seu valor de uso de produzir mais-valia”.
77
75
Ibid.p.395.
76
Ibid.pp.395-397.
77
Ibid.p.397.
28
Dessa forma, o empréstimo não constitui parte do processo de reprodução do
capital, mas o introduz. O processo cíclico, então, embora engendre o capital
produtor de juros, é uma configuração inteiramente exteriorizada, dissociada do
movimento efetivo de que é a forma. Assim, o movimento efetivo do dinheiro como
capital transcende as transações entre prestamista e prestatário. Nestas, o movimento
do processo de produção fica invisível e tudo aparenta nunca ter se transformado. O
dinheiro não parece ter perdido sua forma.
78
Disso tem-se que:
“O capitalista financeiro aliena efetivamente valor de uso, e por isso, o que cede tem a
natureza de mercadoria. (...) No empréstimo há a considerar a diferença de o capitalista
financeiro ser o único que cede valor na transação, mas ele o conserva por meio da
restituição futura. Mas, diferindo da mercadoria comum, esse valor de uso é em si valor
excedente que resulta do dinheiro como capital, descontando-se a magnitude primitiva do
valor. O lucro é esse valor de uso”.
79
Assim, este concorre para a formação da taxa média de lucro (socialmente
determinada), dada por fatores da concorrência entre os capitais numa dada condição
histórica, portanto num dado desenvolvimento da produção e circulação.
O lucro se divide em ganho do empresário e juro. Mas, alguém poderia
perguntar como se forma a taxa de juros então? Marx nos responde:
“O capital se apresenta como mercadoria na medida em que a repartição do lucro em juro e
lucro propriamente dito é regulada pela oferta e procura, pela concorrência, portanto, como
os preços de mercado das mercadorias. Entretanto a diferença aí é tão contundente quanto a
analogia. Se a oferta e a procura coincidem, o preço de mercado da mercadoria corresponde
ao preço de produção, isto é, o preço se patenteia então regulado pelas leis internas da
produção capitalista, sem depender da concorrência, pois as oscilações da oferta e da
procura apenas explicam os desvios que os preços de mercado tem em relação aos preços de
produção, desvios que se compensam reciprocamente, de modo que em períodos mais
longos, os preços médios de mercado se igualam aos preços de produção. Essas duas forças
(oferta e procura), quando coincidem cessam de atuar, anulam-se mutuamente, e a lei geral
de determinação dos preços passa a impor-se também ao caso particular; então, o preço de
mercado em sua existência imediata e não como média do movimento dos preços de mercado
já corresponde ao preço de produção, o qual é regulado pelas leis imanentes do próprio
modo de produção. Isto se estende ao salário. O salário passa a ser igual ao valor da força-
de-trabalho. Mas, é diferente o que se passa com o juro do capital dinheiro. Aí, a
concorrência não determina os desvios da lei, ou melhor, não existe para a repartição lei
alguma além da ditada pela concorrência, pois, não existe nenhuma taxa natural de juro.
78
Ibid.pp.395-401.
79
Ibid.pp.406-409.
29
Habitualmente entende-se por taxa natural de juro a fixada pela livre concorrência, não há
limites naturais para a taxa de juros. Se a concorrência não se limita a determinar desvios e
flutuações, se portanto, suas forças opostas se equilibram cessando toda determinação, o
que se trata de determinar é em si algo arbitrário e sem lei”.
80
Assim, o tempo de produção e de circulação concorrem para determinar o
preço das mercadorias e nessa pista da determinação do lucro, determina-se também
o juro. Com isso, o lucro é o limite máximo do juro, o que não deve ser confundido
com uma oposição entre o capital ativo e o capital financeiro. Em essência, os dois
capitais se unem para extrair o lucro, o trabalho não-pago do trabalhador. Essa
relação está encoberta por uma pretensa rivalidade entre capitais quando se trata, na
verdade, do rateio do trabalho extraído do trabalhador. Eis aí o fetiche dos fetiches, o
estranhamento do capital que não passa de trabalho, energia e suor humanos,
voltando-se contra o próprio trabalhador na forma de meios e propriedade alheia,
comandando-os.
É claro que esses capitais concorrem para abocanhar maior fatia dessa mais-
valia. Nesse processo de reprodução do capital:
“O capitalista ativo representa perante os trabalhadores assalariados o capital,
como propriedade alheia, e o capitalista financeiro, por intermédio do capitalista ativo,
participa da exploração do trabalho. A oposição entre função do capital no processo de
reprodução e a nua propriedade do capital fora do processo de reprodução obscurece que só
representando os meios de produção perante os trabalhadores pode o capitalista ativo fazê-
los trabalhar para ele ou conseguir que os meios de produção funcionem como capital”.
81
E, onde se encontra o nexo com o trabalho bancário?
Na “circunstância daí decorrente de os industriais e os comerciantes
disporem por intermédio dos banqueiros, e de maneira sempre crescente, de todas as
poupanças em dinheiro de todas as classes da sociedade, e a concentração
progressiva dessas poupanças em montantes em que podem operar como capital
dinheiro”.
82
Ou seja, “Ligado a esse comércio de dinheiro, desenvolve-se a
administração do capital produtor de juros ou do capital dinheiro como função
particular dos banqueiros. Tomar dinheiro emprestado e emprestar é seu
80
Ibid.pp.410-412.
81
Ibid.p.438.
82
Ibid.p.420.
30
negócio.”
83
Eles são intermediários entre o emprestador e o prestatário de capital
dinheiro. Na divisão do trabalho engendrada com o desenvolvimento do capital,
surge o banco, como um realizador da mercadoria dinheiro.
Com isso, o sistema de crédito impulsiona a aceleração da metamorfose do
capital:
“Nas sociedades por ações dissociam-se a função e a propriedade do capital, e em
conseqüência o trabalho aparece por completo separado da propriedade quer dos meios de
produção quer do trabalho excedente. Esse desenvolvimento máximo da produção
capitalista é uma fase transitória que levará o capital necessariamente a reverter à
propriedade dos produtores não mais, porém, como propriedade privada de produtores
individuais e sim como propriedade diretamente social. Nesta fase transitória todas as
funções do processo de reprodução ainda ligadas até agora à propriedade do capital se
transformarão em simples funções dos produtores associados, em funções sociais. (...) É a
negação do modo de produção dentro dele mesmo, por conseguinte uma contradição que se
elimina a si mesma, e logo se evidencia que é fase de transição para nova forma de
produção. Esta fase assume assim aspecto contraditório. Estabelece o monopólio em certos
ramos, provocando intervenção do Estado. Reproduz nova aristocracia financeira, nova
espécie de parasitas, na figura de projetadores, fundadores e diretores puramente nominais;
um sistema completo de especulação e embuste no tocante a incorporação de sociedades,
lançamento e comércio de ações. Há produção privada, sem o controle da propriedade
privada. (...) Assim, este acelera o desenvolvimento material das forças produtivas e a
formação do mercado mundial, e levar até certo nível esses fatores, bases materiais da nova
forma de produção, é a tarefa histórica do modo capitalista de produção. Ao mesmo tempo,
o crédito acelera as erupções violentas dessa contradição, as crises, e, em conseqüência, os
elementos dissolventes do antigo modo de produção. O sistema de crédito, pela natureza
dúplice que lhe é inerente, de um lado, desenvolve a força motriz da produção capitalista, o
enriquecimento pela exploração do trabalho alheio, levando a um sistema puro e gigantesco
de especulação e jogo, e limita cada vez mais o número dos poucos que exploram a riqueza
social; de outro, constitui a forma para novo modo de produção.”
84
1.4 A Reprodução do Capital Financeiro no Brasil
Resta-nos, agora, entender como se entifica esse processo no Brasil. A
formação particular da acumulação capitalista brasileira
85
no seu “ser e ir sendo”
83
Ibid.p.463.
84
Ibid.pp.503-510.
85
“A sociedade atual é a sociedade capitalista que existe em todos os países civilizados, ‘mais ou
menos’ expurgada de elementos medievais, ‘mais ou menos’ modificada pela evolução histórica
particular de cada país, ‘mais ou menos’ desenvolvida. O ‘estado atual’, pelo contrário, muda com a
fronteira. É diferente no Império prussiano-alemão e na Suíça, na Inglaterra e nos Estados Unidos. O
‘estado atual’ é pois uma ficção. No entanto, os diversos estados dos diversos países civilizados, não
obstante a múltipla diversidade das suas formas, têm todos em comum o fato de que assentam no
terreno da sociedade burguesa moderna, ‘mais ou menos’ desenvolvida do ponto de vista capitalista.
31
conforma-se de forma subordinada e, o capital financeiro, carrega e realimenta sua
herança colonial, acumula com base numa estrutura débil de produção, e por isso
mesmo tem as portas escancaradas às mais estapafúrdias peripécias da especulação,
do imperialismo do cartão de crédito do mercado mundial. Portanto, a conciliação
pelo alto, a parceria do capital atrófico com o oligopólio mundial é a forma particular
de reprodução em escala ampliada do capital. A forma particular de relação
intercapitalista que se alimenta da expropriação da mais-valia, lógica imanente do
capital.
Ao problematizar os impasses da “via colonial”
86
do capitalismo, Chasin
aponta:
“A América Latina, África e parte da Ásia – na generalidade e sob muitas singularizações,
das quais não pode ser abstraída uma infinidade de distinções qualitativas e quantitativas no
traçado concreto de cada caso – constituem espaço induzido da efetivação capitalista: a
objetivação pela via colonial do capitalismo, que particulariza formações sociais
economicamente subordinadas, socialmente inconsistentes e desastrosas, politicamente
instáveis em sua natureza autocrática e culturalmente incapacitadas de olhar para si com os
próprios olhos e traçar um horizonte para seus dilemas específicos na universalidade dos
impasses mundiais. Sob os influxos e refluxos do capital metropolitano, produzem e
reproduzem a miséria de sua incontemporaneidade, armada sobre a incompletude de seu
É o que faz com que certos caracteres essenciais lhes sejam comuns. MARX, K. Crítica do
Programa de Gotha. apud. CHASIN, J., A Via Colonial de Entificação do Capitalismo, pp.37-38.
“/.../ Tais determinações ficam ainda mais adensadas quando atentamos para que, no fragmento da
Crítica inicialmente citado, há algo mais, um outro aspecto que nos interessa muito de perto: a
sociedade pode se apresentar mais ou menos desenvolvida do ponto de vista capitalista, mais ou
menos expurgada de elementos pré capitalistas, mais ou menos modificada pelo processo histórico
particular de cada país. De maneira que há modos e estágios de ser, no ser e no ir sendo capitalismo,
que não desmentem a anatomia, mas que a realizam através de concreções específicas”. CHASIN, J.
A Via Colonial de Entificação do Capitalismo, pp.37-38.
86
Sobre a Via Colonial necessário é que se tome pela raiz a trama das relações mundiais, para que se
compreenda sua densidade. “É sabido que a mundialização do capital subsume formações sociais
distintas e engendra desenvolvimentos desiguais e combinados. A universalização capitalista, não
sendo uma expansão uniforme de lava homogênea, mas a irradiação da lógica substantiva de um
modo de produzir, compreende um bom número de variações e índices de efetivação. Com ela não se
processa, a não ser formalmente, é óbvio, uma igualização internacional, mas a constituição de uma
cadeia de elos muito desiguais, cuja dinâmica constitutiva, grau de configuração, capacidade de
auto-sustentação e potência reprodutiva são profundamente distintos. Diversidade necessária pela
própria legalidade do capital, uma vez que a expansão em tela é uma forma da reprodução ampliada
de certos capitais circunscritos, que ultrapassam seus limites à procura de circunscrições mais
alargadas, para efeito de suas exercitações. Movimento, pois, que requer campos receptivos ou que
sejam configuráveis como tais, portanto, diversos dos primeiros, embora com estes obrigatoriamente
articuláveis. Em síntese, espaços característicos da universalidade do capital, porém diferentes e
hierarquicamente dispostos, sem o que a conexão entre eles não atenderia à finalidade que os
combina.” CHASIN, J. A Sucessão na crise e a crise na Esquerda: os impasses da via colonial do
capitalismo, pp.213-214.
32
capital incompletável e, por isto, sobre a natureza invertebrada de suas categorias sociais
dominantes e, por decorrência, sobre a inorganicidade de suas categorias sociais
subalternas.
87
Assim, as crises mais virulentas emergem como uma crise estrutural
particular e universal na via colonial. No entanto, são a expressão do que o próprio
Chasin chamou de crise estrutural do capitalismo
88
, enquanto entificação material da
incompletude desses capitais que repõe sua subordinação em escala cada vez maior
e, a crise total do pós capitalismo
89
, que reitera a ilusão da perenidade da
sociabilidade do capital enquanto relação social sui generis.
Vejamos, agora, os ecos históricos do estranhamento no Brasil.
87
CHASIN, J. A Sucessão na crise e a crise na Esquerda: os impasses da via colonial do capitalismo,
p.212.
88
Crise estrutural do capital, isto é, “orgânica e permanentemente, para qual não há possibilidade de
superação no interior da lógica do capital, de modo que ambos, crise e sistema, estão fundidos de
modo definitivo, condenando a sobrevivência do capital ao metabolismo crítico que na atualidade o
caracteriza. Assim, viver e sobreviver para o capital tornou-se existir na e através da crise. De cada
crise do capital não tem brotado o novo, mas a reiteração de si próprio em figura agigantada, de
igual ou maior problematicidade. Em palavras diversas: a reprodução ampliada do capital,
contemporaneamente, o reproduz em proporções inauditas, ao mesmo tempo em que reproduz em
tamanho correlato sua crise constitutiva”. CHASIN, J. A Sucessão na crise e a crise na Esquerda:
crise nos dois Subsistemas do Capital, p.181. Essa problematização será retomada e melhor
desenvolvida ao longo de nossa dissertação a partir do contexto histórico no qual ela se apresenta.
89
A referência que aqui se faz é ao fracasso do Leste Europeu em sua tentativa de superação do
sistema do capital. Esta será uma questão trabalhada ao longo do texto, por agora fica somente sua
indicação.
33
CAPÍTULO 2
Anos 80 e a Superexploração do trabalho: a forma particular
de entificação do capitalismo brasileiro
“Neste contexto, que conjuga intensa reestruturação no
sistema financeiro internacional e nos sistemas bancários
nacionais com transformações produtivas que agravam e
aperfeiçoam a exploração capitalista do trabalho, os
bancários vivem a instabilidade do emprego e a
intensificação do trabalho, de modo singular. De fato, esta
fração da classe trabalhadora, diretamente vinculada aos
movimentos do capitalismo mundial dominados pela esfera
financeira – já que lida, na sua atividade diária, com o
capital-dinheiro que circula globalmente na forma de
impulsos eletrônicos -, está entre os mais atingidos pelas
mudanças atuais no modo como o capital se reproduz”.
Nise Jinkings, Trabalho e Resistência na ‘Fonte
Misteriosa’: os bancários no mundo da eletrônica e do
dinheiro.
2.1 Plano Cruzado e Inflação: a forma do arrocho salarial nos anos 80
Os anos oitenta são decisivos para entendermos como se constituíram os
primeiros passos da reestruturação capitalista no Brasil e sua virada para a década de
noventa. A análise de um período mais longo possibilita o entendimento do
movimento tendencial da acumulação brasileira e, portanto, trata das condições de
vida no Brasil. Mais do que isso, nosso objetivo nesse capítulo, é buscar a gênese
das determinações que configuram a vida na atualidade e como essa nos remete à
chamada “década perdida”, os anos 80. Tempo no qual é iminente a recomposição de
capitais no mundo e, portanto, é época de transformações mais rápidas, mais
avassaladoras. Nesse contexto, colocam-se decisivamente os Planos Econômicos
Cruzado, Bresser e Verão impactando frontalmente a condição operária brasileira e
sua forma de “ser” e “ir sendo” na divisão internacional do trabalho, na praça
mundial das trocas. Mercado mundial que começa a dar manifestações de que veio
para fazer ‘tremer o chão’ dos pequenos e médios capitais.
Assim, é importante ter em conta a forma pelo qual se reproduziu a
acumulação de capital no Brasil. É possível perceber o papel fundamental que a
inflação exerceu na vida das pessoas nesse período. As diretrizes da política
econômica brasileira dos anos oitenta centraram-se, principalmente, na dinâmica
34
inflacionária, esta chegou a atingir níveis alarmantes. Conforme Relatório do próprio
Banco Central do Brasil:
“O diagnóstico de que o processo inflacionário no Brasil continha forte componente
inercial
(grifos nossos)
90
determinou a orientação da política econômica em 1986,
caracterizada pela prática de instrumentos não convencionais de combate ao crescimento
dos preços. (...) A dinâmica da inflação caracterizava-se pela contínua mudança de patamar
e, mais do que isso, tais movimentos ascendentes vinham se concretizando em velocidade
cada vez maior, a despeito de uma política econômica de padrão essencialmente
contracionista. Assim, o componente de custo, introduzido pela elevação nos preços do
petróleo e nos níveis das taxas de juros internacionais, verificada no final dos anos setenta,
determinou abrupta alteração nos níveis anuais de inflação, que passou do patamar de 40%
para 100%. Em 1982, a adequação da política econômica à crise representada pela redução
dos créditos externos refletiu-se por novo nível anual de inflação. Mas foi no biênio 1983/84
que o componente inercial da inflação brasileira tornou-se mais evidente. O choque agrícola
verificado em 1983 contribuiu para a consolidação da taxa de inflação em 220%, no ano de
1984, não obstante tenham sido aprofundados os mecanismos ortodoxos de contenção da
demanda, consubstanciados na redução do déficit público e em política salarial restritiva”.
91
A década de 80 foi marcada pelo arrocho salarial
92
para os bancários bem
como para a maior parte da classe trabalhadora, política salarial esta que, como
sabemos, não é novidade na história autocrática de nosso país
93
. E, é muito
importante que se atente para ela, uma vez que constitui a base de sustentação da
economia brasileira, e se acirra num período de forte pressão externa pela crise da
mercadoria dinheiro, enquanto capital. Lembremos que o financiamento do padrão
90
“Inflação Inercial: processo inflacionário muito intenso, gerado pelo reajuste pleno de preços, de
acordo com a inflação, observada no período imediatamente anterior; os contratos contêm cláusulas
de indexação que restabelecem seus valores reais após intervalos fixos no tempo. Na medida em que
esses intervalos são cada vez menores e os reajustes cada vez maiores e concedidos com a mesma
intensidade para todos os preços, estes tendem a ficar alinhados”. SANDRONI, Paulo., Novo
Dicionário de Economia, p.172.
91
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1986. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 23, 1987, p.17.
92
Palavra que sintetiza de forma clara e direta a perversidade da política salarial praticada. [arrocho
(ô) sm. 1. Pau torto e curto com que se torcem as cordas para apertar os fardos, cargas, etc. 2. Situação
difícil; apertura.]. In: Dicionário Aurélio.
93
“A partir de 1964, a política salarial tornou-se o principal instrumento, a viga mestra, da
acumulação monopolista subordinada em nosso país. Não há, pois, que reduzir a ditadura a um
simples exercício de um poder arbitrário de uns sobre os demais. A ditadura se enraíza na própria
anatomia da sociedade civil, nas relações sociais de produção. A ditadura do capital sobre o trabalho
– na fórmula marxiana do trabalho morto que se apodera do vivo – logra o seu máximo objetivo:
alcançar altas taxas de crescimento econômico com a elevação da produtividade e a diminuição
politicamente forjada do valor da força de trabalho. Os operários explicavam-na com uma simples
expressão: estavam sob o jugo da política do arrocho salarial”. RAGO, F. A., Sob este signo
vencerás! A estrutura ideológica da autocracia burguesa bonapartista, p.149.
35
de acumulação brasileira funda-se - a partir do Plano de Metas - não apenas na
realização das mercadorias exportáveis, mas essencialmente, depende da realização
da mercadoria dinheiro como capital para se reproduzir. Uma vez havendo crise na
circulação de capital na economia mundial, o Brasil certamente teria problemas de
financiamento, pois, este depende desta capitalização externa. Assim, para resolver
este problema, o capital brasileiro, débil e superexplorador, recorre ao arrocho
salarial por meio, também, da inflação.
“No tocante aos salários, com a aprovação da lei nº 7 450, de 23.12.85, os reajustes a partir
do 1.01.86, para aqueles equivalentes a até dez salários mínimos, passaram a ser fixados
em, pelo menos, 100% da variação do IPCA. O mesmo instrumento legal dispunha, ainda
que os vencimentos dos funcionários públicos civis e militares passassem a ser reajustados
semestralmente. Entretanto, significativas alterações foram introduzidas pelo Programa de
Estabilização Econômica [Plano Cruzado que será analisado mais adiante] na política
salarial, cabendo destacar: a conversão dos salários em cruzados, pelo valor médio da
remuneração real dos últimos seis meses, acrescida de abono de 8,0%; estabelecimento da
anualidade para todos os reajustes, sendo obrigatória a recomposição de 60% da variação
acumulada do IPC, assegurada a negociação dos restantes 40%; a instituição da escala
móvel de salários; regulamentada pelo decreto lei nº 2 302, de 21.11.1986, com
reajustamentos automáticos, pela variação acumulada do IPC, sempre que tal acumulação
atingir 20,0% [Gatilho salarial], no curso do período de doze meses, contados a partir da
última data-base ocorrida após 28.02.86; e a fixação do valor salário mínimo em Cz$
804,00, a partir de 1º de março.”
94
Os salários foram reajustados pela média e os preços das outras mercadorias
pelo valor “de pico”. Vale mencionar ainda, o reajuste trouxe perdas significativas
para os trabalhadores, levando-se em consideração a variação acumulada da inflação
de somente 60%, sendo que os 40% restantes, seriam negociados. Sobre isso se
posiciona e acrescenta Chasin,
“Paul Singer, dos raros a fazer a crítica do DL 2283 [decreto lei] desde sua implantação,
reitera, nos artigos que vem dedicando à matéria, a denúncia que desde logo fizera da ‘média
mensal de cinco meses’ [sic!] e confirma, baseado nos resultados da Pesquisa Seade/Dieese,
que o ‘Plano Cruzado aparentemente concedia aos assalariados um aumento real de 8%
mas, na realidade, retirava mais do que isso do reajuste ao roubar um mês de inflação na
fórmula de reconstituição do salário real’, e que o Plano ‘tendia a congelar o arrocho
imposto durante a crise, particularmente em 1983’ (Folha de São Paulo, 31/07/86). É muito
importante ressaltar que Singer sustenta com razão que o Plano tinha por ‘intento reter o
ganho dos trabalhadores no nível do semestre anterior à sua decretação’ (ib.) (...) se a
inflação ou a ‘regulação inflacionária’ em ‘grande parte tem origem em conflitos
distributivos’ (Singer, Folha de São Paulo, 13/06/86), ou também, como entendem outros, se
94
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1986. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 23, 1987. p.29.
36
a inflação é um modo de valorização do capital que por outras formas não se daria, o que
vem a ser uma conquista sem batalha, a pretendida eliminação da inflação inercial, também
chamada sintomaticamente de ‘inflação burra’, que seria gerada na disputa ininterrupta pela
divisão da renda, é, antes de mais nada, a pretensão de estancar a disputa. Ou seja, na
generalidade, o intento de congelar os conflitos inerentes à lógica da economia capitalista. E
especificamente através da imposição ao trabalho do nível da partilha de renda que se
verificara em período anterior ao ‘choque’. Portanto, numa situação de desfavorabilidade
historicamente acumulada pelos assalariados, a qual se haviam somado os agravos do
período recessivo. Quadro contra o qual, desde 85, os trabalhadores haviam principiado a se
bater, mas que essencialmente não se alterara, em que pesem conquistas setoriais alcançadas”
95
.
Assim, a economia brasileira se constituiu de forma determinada,
subordinada ao atraso de suas bases de acumulação. “A figura brasileira de
capitalismo periférico e subordinado singulariza-se como a 8ª economia do mundo e
a 54ª enquanto poder de compra de sua população. Metade da renda distribuída fica
com a parcela de 1% dos mais ricos, e mais da metade da população (70 milhões)
rateia o insuficiente para poder se safar da faixa da pobreza e da miséria
absoluta.”
96
“ao longo de quase todo o ano de 1985, as expectativas surgidas nos últimos meses
do período, quanto aos efeitos adversos da frustração da safra agrícola direcionavam para
uma nova mudança no patamar inflacionário, tornando aconselhável uma política mais
radical em relação ao combate inflacionário. Diante de tal perspectiva o Governo
considerou oportuno a adoção de medidas antiinflacionárias centradas na desindexação da
economia (grifos nossos)
97
e, consubstanciadas no Programa de Estabilização Econômica
(Plano Cruzado).
O tabelamento generalizado dos preços e tarifas refletiu-se diretamente no comportamento
dos indicadores de preços, atuando de forma favorável nas expectativas de evolução do
processo inflacionário. (...) Associado à redução nas taxas nominais de juros, observou-se
acentuada elevação na demanda por moeda, cuja retenção, então a um menor custo
determinou profunda alteração na composição do portifólio dos agentes econômicos. (...) o
Plano determinou drástico ajustamento das aplicações dos agentes econômicos, ensejando a
retenção de papel moeda e depósitos a vista em níveis bem superiores ao anteriormente
observados. A participação relativa dos haveres monetários, que ao final de 1982
95
CHASIN, J., A Miséria da República dos Cruzados. p.171.
96
Ibid.p.166.
97
“Indexação. Mecanismo de política econômica pelo qual as obrigações monetárias têm seus
valores em dinheiro corrigidos com base em índices oficiais do governo. No Brasil, por exemplo, os
salários, pensões alugueis residenciais eram corrigidos em função da variação do Índice Nacional de
Preços ao Consumidor (INPC). Depois de 1986, com o Plano Cruzado, o Plano Bresser (1987) e o
Plano Verão (1989), as regras de indexação sofreram várias alterações, sendo até suspensas durante
algum tempo. Desde a apliacação do Plano Collor 2, a indexação como medida de correção
monetária foi oficialmente abolida”. SANDRONI, Paulo., Novo Dicionário de Economia, p.172.
Como se vê a política de desindexação corresponde ao período em que foram suspensas as regras de
indexação (1986).
37
representavam cerca de 18% do total dos ativos financeiros, declinou nos três anos
seguintes, sucessivamente para 12%, 14% e 14%, voltando a se elevar para 28% ao término
de 1986. (...) Paralelamente, o ritmo da atividade econômica manteve-se aquecido, com a
produção industrial apresentando taxas crescentes de expansão. A redução das taxas de
juros associada ao crescimento da renda disponível determinou a elevação nos gastos de
consumo que, contraposta a inelasticidade no curto prazo da capacidade produtiva,
estabeleceu o grande dilema do Plano Cruzado. Na ausência de ingresso de poupança
externa e diante da necessidade de contenção da demanda, optou-se por uma política fiscal
seletiva, que teria a vantagem de carrear para o governo recursos necessários para a
implementação de programas de crescimento econômico com justiça social”.
98
O Plano estabelecia um “tabelamento generalizado dos preços e tarifas e
refletiu-se diretamente no comportamento dos indicadores de preços. (...) Ganhos
significativos foram alcançados de imediato no controle dos preços, com a taxa
média mensal declinando de 14%, nos três meses que antecederam à adoção do
plano para menos de 2%, no período de março a julho.”
99
Aqui, é importante salientar, como esse processo “congelou” inclusive os
salários, de forma que a demanda fosse contida e o comportamento dos agentes se
modificasse. Esse discurso evidencia a crua frieza com que a vida das pessoas é
jogada ao pauperismo estrutural
100
. Claro que a contrapartida da contenção
inflacionária, seria a redução artificial dos salários (fórmula clássica adotada pelos
economistas liberais), duas faces da mesma moeda, em duas palavras, Plano
Cruzado.
Nessa esteira, a necessidade de financiamento do setor público que, no
momento não podia contar com ingresso de créditos externos pela falta de liquidez
internacional ocasionada pela elevação nas taxas de juros internacionais, como já
aludido anteriormente, tentava salvar as contas nacionais com uma política fiscal
98
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1986. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 23, 1987, p.17.
99
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1986. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 23, 1987, p.17.
100
Tomamos essa categoria de J. Chasin, inserido na seguinte propositura: “Em suma, na
particularidade a que pertence o caso brasileiro, acumulação moderna e dinâmica e pauperismo
estrutural (grifos nossos) ou super-exploração do trabalho perfazem os membros contraditórios de
uma mesma equação unitária do capital. Amalgama que reproduz com toda sorte de tensões e
desequilíbrios, junto com a subordinação e o pauperismo, a subordinação estrutural do ‘hospedeiro’,
e nesta a figura da incompletude de classe do capital que o caracteriza, a saber, a sua fraqueza
econômica (e política) relativa e sua falta de autonomia, sem as quais a associação desigual seria
impossível. A Nova República assumiu como desaguadouro político de um longo período crítico desse
complexo instável em si, cavalgando a parelha deflagradora da recessão (em início de reversão) e da
miséria agudizada pelo desemprego”. CHASIN, J., A Miséria da República dos Cruzados, pp.167-
168.
38
mais incisiva. Assim, foram feitos alguns adendos ao plano, um novo pacote surgia
no horizonte [Cruzadinho e Plano de Metas]. Ainda segundo o Banco Central:
“optou-se por uma política fiscal seletiva. (...) No particular, a tributação sobre operações
financeiras sofreu várias modificações durante o exercício, com alterações tanto nas
alíquotas do imposto de renda incidentes nessas operações como na base de cálculo [bem
como institui-se o depósito compulsório em julho de 86, acirrando a concorrência,
essencialmente, no setor financeiro. De forma que os impulsos para tal foram ocasionados
tanto pela perda de receitas com a redução da ciranda financeira propiciada pelo processo
inflacionário quanto com o aumento do compulsório.] (...). O governo aprovou as diretrizes
do primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República (I PND) para o período
de 1986-89. O suporte financeiro à execução do plano se dará através do Fundo Nacional de
Desenvolvimento (FND), criado pelo decreto-lei nº 2 288, de 23.07.86 e, regulamentado pelo
decreto nº 93 538, de 6.11.86. Pelo mesmo decreto-lei e com vistas a absorção temporária
do poder aquisitivo, foi instituído empréstimo compulsório sobre a aquisição de combustíveis
e automóveis de passeio, novos ou usados com vigência até 31.12.89”
101
A política fiscal impunha socialmente o arrocho. Com isso, o aumento das
alíquotas tributárias impactou novamente os trabalhadores na medida em que
“corroeu” o poder aquisitivo dos salários, uma segunda vez. Na primeira, na forma
da correção do salário e, na segunda, reajustando os preços dos ‘serviços públicos’.
Além disso, também colocava como prioridade da política econômica, a redução do
déficit público e a renegociação da dívida externa. Nesse momento, foi criado um
Fundo Nacional de Desenvolvimento (Plano Cruzadinho), foi instituído o depósito
compulsório sobre combustível e carros, operações financeiras, bem como o
realinhamento dos preços de alguns produtos via elevação de impostos. Medidas,
segundo o governo, com vistas a elevar as exportações, além da tentativa de elevação
da poupança interna. No entanto, as exportações caíram com a já referida frustração
das safras e maiores taxas de importações. Além disso, os déficits comerciais tinham
como fatores determinantes a desvalorização cambial aliada à queda no preço das
commodities
102
e ampliação do protecionismo por importantes parceiros comerciais.
Os capitalistas brasileiros se viram em situação complicada e os trabalhadores no
meio desse fogo cruzado, “literalmente cruzado”.
101
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1986. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 23, 1987, p. 57.
102
“Commodity [mercadoria, em inglês]. Nas relações comerciais internacionais, o termo designa
um tipo particular de mercadoria em estado bruto ou produto primário de importância comercial,
como é o caso do café, do chá, da lã, do algodão, da juta, do estanho, do cobre, etc”. SANDRONI,
Paulo., Novo Dicionário de Economia, p.62.
39
Com a queda na inflação, houve também um relativo aumento de moeda em
circulação nas ruas, os haveres monetários
103
(M1 – depósito a vista mais papel
moeda em poder do público). Em 1982 representavam 18%, em 1986 subiram para
28%. Com a redução do preço de retenção de moeda, ou seja, com a redução no
imposto inflacionário, os banqueiros foram pegos de calças curtas no Brasil e “a
renda real dos bancos comerciais recua 15,17% em 1986
104
. Claro que seus lucros
continuaram crescendo, porém, não na mesma velocidade, pois este deveria ser
rateado com o capital externo, o que impulsionou, como será visto adiante, um
verdadeiro processo de reestruturação do sistema, amargando um aperto ainda maior
para os trabalhadores bancários.
O setor bancário sentiu bem de perto a pressão de uma política contracionista
e recessiva, bem como a constante perda de capacidade concorrencial em relação ao
capital internacional:
“Os fortes impactos do Plano Cruzado sobre o desempenho dos bancos em 1986 e a rápida
adaptação e recuperação dos bancos, já em 1987 contou com a remonetização da economia
e aumento da liquidez que se segue ao congelamento de preços, junto com a criação da
tabela de conversão dos valores futuros para a nova moeda provocam a redução da margem
de juros dos bancos e, por conseqüência a renda real dos bancos comerciais recua 15,17%
em 1986.
A recuperação dos bancos comerciais em 1987 tem por fatores determinantes, de um lado o
insucesso da política de controle da inflação e a reação das autoridades monetárias
forçando a elevação da taxa de juros e contração da liquidez a partir do último trimestre de
1986; e de outro, a adequação da estrutura de custos administrativos, com a demissão de
114 mil bancários e fechamento de cerca de 1000 agências em 86. A conjunção de fatores
expansivos da renda dos bancos, basicamente via aumento da margem de juros, com o
acentuado declínio das despesas diretas e indiretas com pessoal, provoca uma verdadeira
explosão da massa de lucros reais, cujo montante quase duplica em relação a 86.
(...) Ao mesmo tempo que a produtividade registra um expressivo aumento de 43,97%, entre
80 e 87, a remuneração média anual reduz-se em 11,73%. Em decorrência do achatamento
da remuneração média real e da insignificante elevação das obrigações sociais per capita,
em paralelo com o crescimento da produtividade, verifica-se um aumento no lucro bruto real
por empregado de 161,81%. É evidente que no período, as fontes de crescimento do lucro
real per capita, são, de um lado, a produtividade, cujos acréscimos são integralmente
103
Os critérios do Banco Central para a definição de moeda ou haveres monetários para este caso são:
“Conceito M1. Trata-se dos meios de pagamento, segundo versão convencional. É constituído pela
soma das moedas manual (papel moeda e moedas metálicas em poder do público) e escritural
(depósitos a vista do público nos bancos comerciais, bancos múltiplos).” SANDRONI, Paulo., Novo
Dicionário de Economia, p.132.
104
TINELLI, Arthur. O conflito capital e trabalho nos bancos comerciais: salário, produtividade,
lucro e taxa de exploração, configurações no período de 1980-1987, p.2. (Mimeog.).
40
incorporados aos lucros, e do outro, a apropriação pelo capital de parte da remuneração
média real do trabalho.”
105
Aqui é nítido o arrocho salarial com base na superexploração do trabalho,
fator fundamental para a garantia da elevação das taxas de lucratividade necessária
aos bancos para recuperarem-se do impacto sofrido com o Plano Cruzado.
Vejamos mais um exemplo em pesquisa do DIEESE sobre a constatação
acima:
“A coexistência de altos índices de produtividade do trabalho coletivo com reduções
absolutas dos níveis de remuneração real da força-de-trabalho, e, em sentido oposto, com
aumentos reais desproporcionais do lucro bruto, são a prova material do caráter espoliativo
e não recíproco das relações de trabalho nos bancos. A compulsão dos banqueiros à
maximização de seus lucros força-os à adoção de políticas e estratégias de gestão e controle
da força-de-trabalho que implicam na degradação da qualidade de vida no trabalho, no
rebaixamento do padrão de vida dos trabalhadores pela redução dos níveis médios de
remuneração real e por conseqüência, na potencialização de todos os fatores de
insatisfação, frustração e mal estar no trabalho”.
106
Esse arrocho salarial estimulou várias campanhas que visavam uma tentativa
de resistência frente a esta nefasta política, sendo que uma delas foi denominada
“Todos na luta por 100% já e pisos do DIEESE”. Organizada pelo Comando
Nacional dos Bancários em meados de 1987, tem suas diretrizes assim resumidas:
“Em reunião com o Comando Nacional dos Bancários (composto por sindicatos bancários
de todo o país pertencente à CUT e CGT) decidiram lutar por 100% de aumento já,
salários mínimos do Dieese (CZ$ 4.884,60), como piso da categoria, Comissão sindical
por banco e estabilidade no emprego. [Uma minuta foi entregue aos banqueiros].
Desde 1982 os bancários perdem poder aquisitivo. O poder aquisitivo dos bancários é
hoje muito menor do que no início da década. Verificamos que o poder aquisitivo se eleva,
em termos médios anuais, até o ano de 1982. A partir daí, a inflação e os reajustes abaixo
dos aumentos reais do custo de vida rebaixaram o poder aquisitivo médio do bancário.
Em 85 o poder aquisitivo subiu um pouco em decorrência das conquistas obtidas pela
categoria (produtividade, reposição de perda e antecipação salarial). Mas, em 86 o
salário médio real voltou a cair, apesar da propaganda do plano cruzado, que diz que não
haveria perdas salariais.
As perdas de 86
As elevadas taxas de inflação jogaram por terra a antecipação salarial de 25%
conquistada pelos bancários em janeiro. Em março após o plano cruzado, os salários
105
Ibid.p.2. (Mimeog.).
106
Ibid.p.8. (Mimeog.).
41
foram reajustados pela média real do semestre setembro 85/ fevereiro 86. Este
procedimento acarretou uma perda de 26,5% segundo os índices do governo.
Na última campanha salarial, a categoria conseguiu um reajuste de apenas 8,5% segundo
IPC-IBGE. Deste índice foram tirados os aumentos decorrentes do empréstimo
compulsório instituído em julho, o que acumulou uma perda de 0,7%. Para piorar a
situação, a inflação subiu acumulando 31,47% (ICV-Dieese) de setembro a dezembro de
86.
(...) Basta sentir o custo de vida a quantas anda, para ver que nossos companheiros devem
passar por sérias privações. O aluguel de um apartamento quarto-sala-cozinha não sai
por menos de CZ$ 5 mil. Os juros bancários vão a mais de 1000% ao ano. As taxas
escolares sobem cerca de 100%, o IPTU subiu até 338% neste ano (outra do Jânio). O
transporte subiu 67%.
107
Num estudo sobre os anos oitenta atentamos para algumas informações
bastante ilustrativas da capacidade de ampliação da extração do trabalho excedente
impulsionado pelo trabalho bancário. Ou, seja, além da redução real da renda do
trabalhador, vê-se uma “explosão” de produtividade. Vejamos:
“Considerando-se uma jornada média de 7 horas diárias, constata-se a ampliação do tempo
de trabalho despendido na geração de lucro bruto e o conseqüente encurtamento do tempo
destinado à produção do equivalente ao montante das despesas totais com pessoal. Em 1980,
o bancário gastava 2horas, 7 minutos e 26 segundos com tempo de trabalho excedente; em
1987, para a mesma finalidade, despende 3 horas, 51 minutos e 43 segundos”.
108
Dessa forma, a acumulação brasileira se viu obrigada a impulsionar taxas
cada vez maiores de crescimento para que fosse repassada parte desse produto para
os capitalistas nacionais, mas essencialmente para os estrangeiros, na forma de
transferências diretas de capital. É o que podemos ver pela forma de “ser e ir sendo”
das relações internacionais que se conformavam na economia mundial.
Ainda no ano de 1986, os preços do petróleo passam a declinar e também o
das commodities, além da redução gradual nas taxas de juros e da inflação.
Concomitantemente amplia-se o protecionismo e a diminuição no ritmo de atividade
econômica mundial. As exportações brasileiras estavam, portanto, “na corda bamba”,
exportando basicamente produtos primários e semi-manufaturados (café, açúcar,
laranja, algodão, grãos, aço, alumínio bruto, ferro-gusa, entre outros). Assim,
107
UNIFORÇA. São Paulo. Todos na luta por 100% já e pisos do DIEESE. Boletim Informativo dos
Funcionários do Unibanco. Ano II, nº 15, fev. 1987.
108
TINELLI, Arthur. op. cit., p.2. (Mimeog.).
42
“Também deve ser destacado que a forte desvalorização imprimida ao dólar norte
americano iniciada em 1985 teve continuidade em 1986, objetivando reduzir os grandes
desequilíbrios do comércio entre os principais países industrializados. O grande e crescente
déficit comercial dos Estados Unidos tem contribuído para o aumento do protecionismo,
além do constante risco de perda de confiança no dólar, que poderia representar elevação
substancial nas taxas de juros, recessão e agravamento da crise da dívida dos países em
desenvolvimento. (...) A situação dos países em desenvolvimento, no entanto, continuou
sendo bastante difícil. O déficit conjunto em conta corrente aumentou US$ 23,8 bilhões e
muitos países reduziram suas posições de reservas internacionais. O acesso aos recursos dos
mercados financeiros externos manteve-se inviável para a maioria dos países endividados,
existindo também grandes dificuldades para obtenção de créditos privados e oficiais, através
dos esquemas de renegociação da dívida. Com as pequenas taxas de expansão do PIB
observadas nos últimos anos, a renda real per capita tem apresentado evolução pouco
satisfatória, registrando em 1986, aumento de 1,3%, ressaltando-se que na América Latina,
o crescimento de 1,7% pouco significou em termos de recuperação da perda de 9,4%
registrada no período de 1981-1983.”
109
O Produto Nacional Bruto (PNB, ou seja, o produto de toda atividade
nacional) dos países hegemônicos foi bastante baixo, ficando no máximo em 3% de
crescimento. As taxas de desemprego foram contidas por menores incrementos nos
custos reais dos salários. O que não significa que estas taxas fossem baixas. Nos
Estados Unidos, 7,0%; no Reino Unido, 11,8%; França e Itália, 10,5% e 10,9%
respectivamente, e Japão, 2,8%
110
.
Com relação ao mercado financeiro internacional, observa-se uma grande
centralização do poder de concorrência e de propriedade, afinal é o capital
proprietário e hegemônico por excelência. Então vejamos:
“As operações do mercado financeiro internacional, através de créditos bancários e bônus,
registraram aumento de 11,5%, atingindo US$ 317,6 bilhões. Os maiores tomadores desses
recursos continuaram sendo os países industrializados que em conjunto, absorveram 85,1%
do total, correspondendo a US$ 270,2 bilhões, 19,2% superior ao verificado em 1985. (...)
Os países em desenvolvimento mantiveram a tendência, observada nos últimos anos, de
participação cada vez menor no mercado. Esses países, em 1986, conseguiram captar US$
24,3 bilhões, contra US$ 32,1 bilhões em 1985, representando apenas 7,7% do total de
recursos, comparativamente a 11,3% em 1985 e 28,7% em 1982. Os países latino-
americanos continuaram a ser penalizados com restrições creditícias, obtendo somente US$
3,2 bilhões, correspondendo a 1% do total, participação significativa inferior a de 17,4%
registrada no início da crise financeira de 1982.”
111
109
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1986. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 23, 1987, p.71.
110
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1986. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 23, 1987, p.72.
111
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1986. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 23, 1987, p.75.
43
Ainda em 1986, o processo inflacionário volta a subir e a balança comercial,
bem como o balanço de pagamentos, apresentam deterioração em razão das
desvalorizações do dólar e do estrangulamento das exportações. O Cruzado também
passa a se desvalorizar, o governo começa uma política cambial de mini-
desvalorizações diárias da moeda para ajustar as contas nacionais e incentivar maior
capacidade de exportação e crescimento, o que custará bem caro aos salários e à
produtividade do trabalho.
A esse respeito, aponta Chasin:
“Com idade de seis meses, o pacotão redentor é um animalzinho combalido, que tropeça
sobre os próprios pés, ele que com inaudita precocidade andou e falou na hora mesmo em
que nasceu. Raros foram aqueles (e isso sim é de chorar) que não se deixaram impressionar
pela aparente robustez do rebento e pelo eco multiplicador do vozeirão com que veio a luz.
No mínimo a quase totalidade soçobrou proudhonianamente, acalentando reter ‘apenas o
lado positivo da contradição’: o congelamento dos preços. Esquecida de que salário também
é preço, e recusando-se a admitir, nem que fosse só em atenção a experiências recentes ou
um pouco mais antigas, que o contrário é que constituía a hipótese mais plausível, pois
controlar salários, por bem ou por mal, é da compulsão do capital, enquanto o preço das
outras mercadorias - todos sabemos – é protegido pelo espírito absoluto do mercado...”
112
O processo de acumulação no Brasil se dá pela conciliação e subordinação ao
capitalismo central, sempre “subsumido” às oscilações da economia mundial. Na
década de oitenta, o fluxo de transferências de recursos reais para o exterior se
intensifica de forma assustadora acarretando no empobrecimento em massa da maior
parte da população. Gerando, com isso, grande concentração da renda, num momento
em que, na economia mundial, a soberania da economia norte americana foi posta em
questão pelos seus recorrentes desequilíbrios econômicos, e uma forte retração no
dinamismo econômico no mundo todo. A principal mercadoria exportada nessa
época é a crise. E, o Plano Cruzado não é “mais do que uma compressa caseira de
água morna”
113
.
“Com o fim do congelamento de preços e salários em fins de 1986, a economia passou a
conviver com a ameaça simultânea de hiperinflação e recessão, hipótese que se tornou mais
cristalina no decorrer do segundo trimestre de 1987 quando a inflação registrou média
superior a 20% ao mês, registrando o pico de 26% em junho, nível recorde do ano. (...) os
reflexos sobre a atividade industrial se fizeram sentir com intensidade, aflorando com a
aguda crise financeira que envolveu o setor privado, notadamente a partir de abril, com a
elevação do nível de desemprego e a queda do poder aquisitivo do salário real. (...) A
112
CHASIN, J., A Miséria da República dos Cruzados, pp. 165-166.
113
Ibid.p.170.
44
redução drástica e expressiva dos juros nominais, ocorrida a partir da adoção do Plano
Cruzado, em 1986, provocou rápido declínio da poupança financeira e das reservas
cambiais, com aumento do consumo, mas sem a equivalente contrapartida no nível de
investimento do setor privado.”
114
Aqui se verifica o caráter parasitário de desenvolvimento da acumulação
capitalista brasileira, fruto da insuficiência objetiva do capital hipertardio.
“A verdade é que o capital atuante no país repete com essa indisposição uma característica
de comportamento que, há vinte anos Caio Prado Jr. identificou como sua essência
parasitária. Sempre disposto, é óbvio, a se apropriar dos lucros e a impor a socialização dos
prejuízos, ele é um aventureiro que abomina riscos e nunca os assume, e se acredita sempre
no direito de ser financiado. Pelo estado desde sempre, e cada vez mais ao longo do último
meio século pelo ‘amparo’ de seus irmãos mais velhos de outras plagas. Que isto derive de
uma justa avaliação de sua pequenez e fragilidade objetivas, ou simplesmente reflita a rigor
a estreiteza de sua subjetividade, vem a dar no mesmo, na síntese de sua figura atrófica.”
115
Assim, os capitalistas brasileiros não dão seqüência aos necessários
investimentos e sua capacidade instalada é insuficiente para dar conta do consumo
crescente. Isto fica claro quando o relatório põe em evidência, “sem a contrapartida
no nível de investimento do setor privado”
116
, mesmo quando seus lucros apresentam
bons indicadores, em grande medida, possibilitados pelos recorrentes incrementos
ocasionados pela política econômica com infra-estrutura, subsídios, congelamento de
salários, entre outros. Com isso, “Se para o capital o Plano de Estabilização é uma
compressa reconfortante, para o trabalho é a configuração perversa do esbulho de
sempre.”
117
Os anos oitenta dão o pontapé inicial para as transformações que se
processam no trabalho bancário e que será a base para uma brutal reestruturação do
trabalho nos anos noventa. Vejamos:
“A intensificação do trabalho e tensão com as demissões vem acontecendo desde 1986, como
reflexo do Plano Cruzado, quando os banqueiros passaram a enxugar suas empresas através
de demissões e implantação de novas práticas de gestão de mão de obra. Estimativas do
próprio Banco Mundial dão conta da eliminação de cerca de 200 mil empregos no sistema
financeiro em 1986, quase todos concentrados no setor privado. Dados da Pesquisa de
Emprego e Desemprego feita pelo Seade e DIEESE na Região Metropolitana de São Paulo
114
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1987. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 24, 1988, p.17.
115
CHASIN, J., op. cit., p.170.
116
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1987. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 24, 1988, p. 17.
117
CHASIN, J., op. cit., p.171.
45
apontam uma redução de 17,5%no nível de emprego dos bancários entre 1986 e 1988. De
outro lado cresceram os lucros dos bancos, ampliação da rede de agências, sem falar na
criação dos novos bancos múltiplos. Também ao longo de 1989 constata-se este processo de
redução do emprego bancário, ao passo que se intensifica o trabalho daqueles que
conseguiram ficar empregados.
Também a prorrogação da jornada de trabalho tornou-se um fato habitual para o bancário.
A legislação em vigor prevê uma jornada de trinta horas semanais para o bancário.
Entretanto essa determinação não é respeitada: dados da pesquisa de emprego
DIEESE/SEADE apontavam uma média de 37 horas semanais trabalhadas pelos bancários
em 1988. Outra pesquisa indicava que 46% dos bancários da RMSP [Região Metropolitana
de São Paulo] tinham o hábito de prorrogar sua jornada de trabalho.”
118
Reestruturação que contou também com um intenso processo de automação,
aliás, este foi um dos fatores que influenciaram decisivamente a possibilidade de uma
onda tão agressiva de demissões. Na década de 1980, os bancos contaram com a
automação bancária em maior escala. Implementaram-se correios eletrônicos, bancos
de dados, editores de texto, código de barras, sistemas on line. A automação
bancária já era uma realidade e estas transformações tecnológicas tiveram impacto
direto sobre o trabalho bancário em termos de número de empregos, qualificação
profissional, ritmo e condições de trabalho. Ou seja, no próprio processo de trabalho
como um todo.
Ao referir-se ao Unibanco, Alvarez aponta:
“A diretoria responsável pela área pretendia reduzir a finalidade das agências a simples
atendimento dos clientes, sendo as demais atividades (como contabilização) deslocadas para
uma unidade central de todo o banco, onde seriam processadas. A vantagem alegada para
tanto seria o descongestionamento da agência, como também a facilidade de emprego de
métodos eletrônicos de processamento de dados. Aliás, a utilização de computadores é
ventilada neste estudo, sendo descartada, na época, devido ao seu custo ainda alto. A
principal modificação se daria no sistema de caixa, pois este manipularia um terminal de um
computador central e lançaria diretamente no arquivo eletrônico as entradas e saídas
verificadas, havendo a eliminação do trabalho de parte da agência (principalmente do
pessoal da chamada retaguarda: arquivos, atualizações, escrituração, etc.)”.
119
E continua, demonstrando as vantagens deste novo sistema:
“O sistema desenvolvido por esta firma pode ligar a pessoa que opera o terminal
diretamente a um centro de processamento de dados, dando-se o registro do movimento
imediatamente nos respectivos registros de cada cliente. Se as condições para esta
118
O Plano Collor e o trabalho dos bancários. Belo Horizonte: DIEESE - Sub Seção SEEEB-BH,
1990. (Mimeog.).
119
ALVAREZ.,1969. apud. ZAMBERLAN, F. & SALERNO, M., O Trabalho nos Bancos, p.29.
(Mimeog.).
46
transmissão não forem boas, o terminal recolhe as informações a uma fita cassete que no
final do dia é introduzida no computador central, passando-lhe as informações. Ainda
segundo declarações do Unibanco, a diferença de tempo na execução de contabilidade será
enorme, havendo a expectativa de diminuir o tempo de certas tarefas de duas horas para
cinco minutos”
120
.
Como visto acima, “verifica-se que o capital tem a tendência a reduzir ao
necessário o trabalho vivo diretamente empregado, a encurtar sempre o trabalho
requerido, explorando as forças produtivas sociais do trabalho, e, portanto, a
economizar o máximo possível o trabalho vivo diretamente aplicado”
121
.
2.2 “Até a raspa do tacho”: a trajetória da hiperinflação e recessão nos
Planos “Bresser” e “Verão”.
A economia brasileira no ano de 1987 desemboca numa recessão sem
tamanho e num dilema bastante crucial, quando entra em cena o Plano Bresser: “O
ano de 1987 caracterizou-se por redução no ritmo de crescimento da atividade
econômica. A diminuição dos salários reais e o menor nível de emprego
intensificaram a queda da massa salarial, refletindo-se na contração da demanda
interna e declínio da utilização da capacidade da indústria.”
122
O PIB cresceu 2,9%, o nível de emprego evoluiu 0,76%, verificou-se queda
nos investimentos, a inflação
123
chegou a crescer de 430% a 1 140%, os salários
foram reajustados pelo índice de preços ao consumidor pela média mensal de sua
variação - a Unidade de Referência de Preços (URP). A única esperança era que as
forças de mercado se auto-regulassem. Como essa religião profanada não passava de
120
Ibid.p.30.(Mimeog.).
121
Marx acresce ainda outra tendência: “a de empregar o trabalho reduzido à medida necessária, nas
condições mais econômicas, isto é, a de restringir o valor do capital constante aplicado ao mínimo
possível. O valor das mercadorias é determinado pelo necessário tempo de trabalho e não por
qualquer outro tempo de trabalho, nelas contidas”. MARX, K. O Capital, livro III, v.4, pp. 94-98.
122
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1987. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 24, 1988, p.18.
123
“Quanto aos principais produtos e serviços com preços administrados, em 1987, foram efetuados
reajustes nos seguintes: trigo (822%), energia elétrica (524%), telecomunicações (348%), gasolina
(324%), óleo diesel (462%), gás liquefeito de petróleo (545%), álcool hidratado, (325%), carvão
(560%), produtos siderúrgicos (424%), correios e telégrafos (481%), transportes ferroviários (614%)
e serviços portuários (499%)”. RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1987. Brasília. Banco
Central do Brasil (Departamento Econômico), vol. 24, 1988, p.34.
47
uma idealização socialmente dada, os anos oitenta se tornaram um horrível pesadelo
para os trabalhadores.
Os salários no começo de 1987 se reajustavam pela escala móvel, seu residual
(perda), era negociado ‘livremente’e, como a perda era muito intensa, os salários
passaram a ser reajustados pela URP
124
, mas como pudemos ver, “a compressa já
esfriara, se é que houvesse esquentado”.
A economia mundial continuava recessiva, o dólar arrastando países centrais
para a estagnação e, os chamados países em desenvolvimento, como elo débil dessa
cadeia, se sufocavam em dívidas. Esse panorama desembocou numa crise das bolsas
de valores e queda recorde do dólar no mundo todo.
“A crise da dívida dos países em desenvolvimento permaneceu pendente de equacionamento,
enquanto os déficits comercial e fiscal aumentavam cada vez mais (...) O mercado cambial
refletiu, em 1987, a crescente preocupação dos mercados financeiros diante da ausência de
resultados efetivos quanto à redução dos desequilíbrios no balanço de pagamentos das
principais nações desenvolvidas.
125
A relação entre a economia mundial e os países como o Brasil se deteriorou
com a expectativa de continuidade de desaceleração da economia, “refletindo,
especialmente, as dificuldades ainda decorrentes da absorção dos sucessivos
choques externos e do esforço de ajustamento necessário para viabilizar as
transferências de recursos ao exterior, que vem sendo realizadas por aqueles países
[países em desenvolvimento].”
126
Com isso:
“Os juros devidos aos bancos credores tiveram seu pagamento suspenso em 28 de fevereiro,
em virtude da queda ocorrida no nível das reservas externas. Tais pagamentos foram
124
Segundo Carvalheiro: “A URP teria valor de Cz$ 100 no dia 15 de junho de 1987, permanecendo
inalterada durante a fase de congelamento dos preços. Iniciada a fase de flexibilização dos preços,
seriam observadas as regras: a) para fins de cálculo, o primeiro mês de congelamento de preços
seria o de julho de 1987; b)o valor da URP, seria corrigido no primeiro dia de cada mês; c)nos
primeiros três meses da flexibilização, a variação percentual mensal média do IPC ocorrida durante
o congelamento de preços e; d)nos trimestres seguintes, a variação percentual da URP em cada mês,
seria fixa dentro do trimestre e igual a variação percentual média no trimestre imediatamentre
anterior”. CARVALHEIRO, N., Os Planos Bresser (1987) e Verão (1989): a persistência na busca
da estabilização. In: KON, Anita (Org.). Planejamento no Brasil II, p.127.
125
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1987. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 24, 1988. p. 89.
126
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1987. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 24, 1988, p. 93.
48
parcialmente retomados em novembro, época em que se verificou o acordo interino com o
comitê assessor dos bancos credores. (...) As negociações que levaram ao acordo com os
bancos credores, em novembro de 1987, tiveram continuidade em 1988, resultando, em
junho no acordo que compreendeu o refinanciamento de US$ 61 bilhões do principal da
dívida, com vencimento entre 1987 e 1993, e o ingresso de US$ 5,2 bilhões de dinheiro
novo“.
127
A moratória foi a saída dada. Enquanto isso, os bancários se manifestavam
contra a miséria imposta a “ferro e fogo". Numa campanha contra as péssimas
condições de trabalho, os trabalhadores do Unibanco tentavam resistir. Eles entraram
no banco em luto, muitos de roupas pretas, bradando contra as perseguições do banco
aos funcionários. Segundo UNIFORÇA, “Passeata dia 21/04”:
“O Unibanco é o único campeão em perseguição às funcionárias grávidas, é um dos únicos
que prorroga a jornada de trabalho disputando o 1º lugar com o Itaú e Bradesco. O
Unibanco vem demonstrando que nós funcionários somos apenas mais um número, que
depois de explorado é demitido. Some-se a isso a luta entre OTN x URP (grifos nossos)
128
,
sendo que a URP é nocauteada todo mês. Os salários andam a passos de tartaruga e os
preços a passos de gigante. Os aluguéis estão pela hora da morte, as mensalidades escolares
nem se fala, em pouco tempo vamos pagar para trabalhar. Depois de um grande número de
demissões, o Unibanco vem com seu novo slogan, uma mudança de estratégia no mercado
financeiro. Essa mudança de estratégia se reflete internamente na redução do quadro de
funcionários, acúmulo de tarefas, menores salários e piores condições de trabalho com
ampliação de jornada”.
129
Em 1988 houve inflação com desaceleração da atividade econômica. E, agora
reatada a relação com o capital financeiro internacional, acordos foram fechados, o
velho esbulho. Acordos com o Clube de Paris, Fundo Monetário Internacional e com
os bancos comerciais. A renegociação da dívida foi feita com mais endividamento, o
que qualquer assalariado brasileiro conhece bem de perto. Foi reabilitada a indexação
da economia e descongelamento dos preços, o que permitiu a recomposição destes
após o descongelamento, conformando, portanto, reajustes sistemáticos.
127
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1987. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 24, 1988, p. 100.
128
A Unidade de Referência de Preços (URP), era a forma de reajuste implantada pelo Plano. Os
reajustes davam-se pela média da variação percentual mensal do Índice de preços ao consumidor
(IPC). Havia perda considerável dos salários reais, não só pelo reajuste como também pela corrosão
que os preços das outras mercadorias provocavam dado seu reajuste pelo pico da elevação. Esta é a
menção que o jornal faz.
129
UNIFORÇA. São Paulo. Passeata dia 21/04. Boletim Informativo dos Funcionários do Unibanco.
Ano II. abril 1988.
49
“O financiamento do déficit do balanço de pagamentos, de US$ 2.987 milhões, foi composto
por US$ 715 milhões de desembolso dos bancos estrangeiros, relativos à participação destas
instituições na primeira parcela do acordo interino, US$ 3.428 milhões relativos a juros
bancários em atraso e US$ 1.175 milhões decorrentes de obrigações devidas ao Clube de
Paris e não refinanciadas no exercício. De outra parte, os haveres externos, no conceito de
balanço de pagamentos, aumentaram US$ 1,015 milhões enquanto as obrigações do Banco
Central decresceram US$ 1.316 milhões, dos quais, US$ 1.146 milhões em decorrência de
pagamentos efetuados ao FMI”.
130
O custo de vida nesse ano subiu às nuvens, e os principais produtos e serviços
administrados foram reajustados à taxas bastante elevadas
131
. Além disso, 1988 foi o
ano da promulgação da Constituição Brasileira, no qual foi alterada a forma de
regulamentar as atividades financeiras. A Resolução 1524 de 22.09.1988 trouxe a
possibilidade de o Banco Central Brasileiro autorizar a abertura de instituições,
associações, incorporações, ou seja, abriu a possibilidade de formação de
conglomerados
132
. Formação oligopólica, de bancos múltiplos, estes agora poderiam
concentrar atividades diversas como banco de investimentos, comercial, de
desenvolvimento, de crédito, financeiras, seguradoras, caixas econômicas, entre
algumas das atividades desenvolvidas pelo recém criado Banco Múltiplo.
Assim, houve uma desregulamentação do sistema financeiro em que a carta
patente individualizada para cada atividade financeira, foi extinta. Conforme
Laranjeira, “Com a nova lei (Resolução 1524 de 22/09/1988 do BC), torna-se
possível a uma instituição com personalidade jurídica própria, com contabilidade
unificada e com apenas uma autorização do Banco Central, integrar diversas
130
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1987. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 24, 1988, pp.103-105.
131
“Trigo (1.660%), energia elétrica (944%), telecomunicações (988%), gasolina (1.044%), óleo
diesel (1.026%), óleos combustíveis (840% em média), gás liquefeito de petróleo (770%), álcool
hidratado (1.069%), carvão (1.076%), produtos siderúrgicos (912%), correios e telégrafos (823%),
transportes ferroviários (1.128%) e serviços portuários (941%)”. RELATÓRIO do Banco Central do
Brasil 1988. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento Econômico), vol. 25, 1989, p. 33.
132
“Conglomerado, tipo de organização no qual várias empresas que atuam nos mais variados
setores e ramos da economia pertencem à mesma Holding [empresa que centraliza o controle sobre
outras subsidiárias por ser acionista majoritária]. O que caracteriza o conglomerado é a diversidade.
(...) Essa diversificação setorial visa a garantir uma taxa média de lucratividade à holding,
especialmente em situações de crise ou recessão, em que alguns setores são menos atingidos do que
outros”. SANDRONI, Paulo., Novo Dicionário de Economia, p. 68.
50
atividades financeiras (poupança, crédito pessoal, crédito imobiliário, distribuição
de títulos, etc.) dando origem aos chamados bancos múltiplos”.
133
O desenvolvimento do sistema financeiro brasileiro, a partir de então, pôde
contar com significativas mudanças na política monetária com impacto direto sobre o
sistema.
“O desenvolvimento do sistema financeiro nos últimos cinco anos foi bastante significativo.
Por um lado, observou-se a permanente modernização das instituições, que passaram a
oferecer serviços e produtos ajustados à conjuntura econômica. Por outro, o Banco Central
desenvolveu mecanismos que visaram aperfeiçoar a sua ação preventiva. Com o objetivo de
melhorar a gestão das instituições e de permitir que a situação econômico financeira fosse
melhor espelhada nos seus demonstrativos contábeis, adotou-se novo plano de contas, o
COSIF, comum a todo tipo de instituição financeira; elevou-se a obrigatoriedade de capital
próprio mínimo; criou-se o mercado interfinanceiro, aumentando a eficiência geral do
sistema, ao permitir a transferência de fundos entre diferentes instituições; eliminou-se mais
de uma centena de normativos. Eliminou-se também, o valor das cartas-patentes, com a
simples criação de regras para a constituição de novas sociedades, baseadas em critérios de
probidade e capacidade financeira. Criaram-se bancos múltiplos, permitindo a redução de
custos e oficializando a prática já adotada de conglomeração.”
134
Aqui se delineia a consolidação da reestruturação do setor financeiro e a
institucionalização da formação de oligopólios, os conglomerados. Assim, fica
evidente como a legislação segue a ordenação da acumulação. A eliminação de
estruturas burocráticas e entraves à formação de grandes holding’s, a possibilidade
de articulação entre os maiores capitalistas do setor com a transferência de fundos, a
junção de capitais para concorrer uma vez que nesse momento os bancos tem que
atuar com capital mínimo próprio e, portanto, os pequenos capitalistas que não
tiverem capital próprio e que atuarem com base no crédito, serão gradualmente ou
imediatamente eliminados. Ou seja, é explicita a corroboração do Estado para a
concentração e centralização de capital sob o argumento de maior transparência e
eficiência. Enquanto isso, é espantoso o volume de capitais que circula nas mãos do
capital financeiro em plena crise. Vejamos,
133
LARANJEIRA, S. Reestruturação produtiva no setor bancário: a realidade dos anos noventa.
Revista de Educação e Sociedade - Tecnologia, trabalho e educação (São Paulo), n. 61, ano XVIII, p.
especial, dez. 1997.
134
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1989. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 26, 1990, p. 35.
51
“Os mercados financeiros internacionais, através das operações publicamente anunciadas
de créditos bancários e bônus, proporcionaram, de janeiro a agosto de 1989, fluxo de
recursos de US$ 232,1 bilhões, volume 5,6 inferior ao verificado no mesmo período do ano
precedente. Este decréscimo deveu-se exclusivamente, à retração de 39,9% no fluxo de
créditos bancários, uma vez que a emissão de bônus cresceu 14,2%. A característica
marcante desses mercados, nos últimos anos, tem sido a crescente participação dos países
industrializados, que evoluiu de 63,7%, em 1982, para 88,9% em 1989. Esses países
obtiveram, nos primeiros oito meses de 1989, US$ 206,2 bilhões, significando decréscimo de
4,7% comparativamente a igual período do ano anterior.
Os países em desenvolvimento, a partir da crise da dívida externa, reduziram
significativamente sua participação no mercado de créditos bancários e bônus, caindo de
28,7% em 1982, para 3,6% em 1989, correspondendo, em valores correntes, a uma
diminuição no nível de captação de US$ 49,0 bilhões para US$ 8,4 bilhões. Para a América
Latina, a redução do fluxo de recursos foi ainda mais expressiva, passando de um montante
de US$ 29,7 bilhões (17,4%) para US$ 2,1 bilhões (0,9%).”
135
Essa é a forma de financiamento da acumulação capitalista, dependente da
realização do dinheiro enquanto capital, enquanto possibilidade de extrair mais-valia.
Assim, o capital financeiro torna-se a chave que determina o dinamismo econômico.
Embora o capital financeiro brasileiro seja débil em relação ao estrangeiro, eles
formam parcerias para viabilizar, via dívida externa, por intermediação de
investimentos, a captação de fluxos massivos de capital. Aqui fica evidente a
“conciliação pelo alto” em troca de parte (a menor) da fatia da mais-valia transferida
é evidente.
Dentro do Unibanco o terror assolava os trabalhadores, como pode-se ver
pela seguinte Carta aberta aos clientes e funcionários do Unibanco:
“Diariamente, clientes e funcionários do UNIBANCO ouvem nas rádios da capital a
mensagem de que 100% de eficiência é oferecido, através de seu corpo de funcionários
especiais. Mas tudo isso não passa de demagogia barata numa campanha publicitária muito
cara.
O funcionário único: Ao contrário do que se veicula, o funcionalismo do Unibanco trabalha
num ambiente de extremo autoritarismo ao lado de vergonhosos salários e excessos de
trabalho.
Hoje o que se vê no interior das agências, são poucos funcionários e excesso de serviço. O
banco vem demitindo em massa sem reposição de pessoal aumentando o trabalho dos que
permanecem, em visível prejuízo ao atendimento da clientela. Por isso o cliente não deve se
espantar ao ver crescerem as filas de atendimento e a redução dos caixas em atividade.
Essa situação se agrava com o achatamento salarial que o banco vem impondo há muito
tempo, pagando os menores salários do mercado (pagando menos que o Bradesco, que
historicamente paga os piores salários). Não obstante o lucro do banco bate recordes atrás
135
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1989. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 26, 1990, p. 84.
52
de recordes, sem que sua diretoria reconheça o papel desempenhado pelo funcionalismo em
tais resultados.
O banco do cão: Como se não bastasse essa aviltante situação, o banco único mantém em
suas agências cães de guarda (dobermans, filas e outros) colocando em risco clientes,
funcionários e a população em geral, já que esses animais são conhecidos pelas suas
ferocidade e pouca inteligência. Em nosso entender não há um cão por melhor amestrado que
seja que possa distinguir um assaltante de uma pessoa comum. Numa situação excepcional
(como um assalto por exemplo), esses animais podem fugir ao controle de seus
acompanhantes o que poderá resultar em gravíssimos acidentes. Para completar esses cães
são alugados de empresas especializadas NCZ$ 654,00 por mês. O banco deve ainda
alimentar, alojar (construir canis nas agências) e manter uma equipe de veterinários para
assistir aos animais. Por outro lado um bancário do Unibanco, um funcionário especial,
‘único’ ganha um piso salarial de NCZ$ 264,00. Conclui-se daí, que o tão badalado
funcionário do Unibanco está, na realidade, abaixo do rabo de cachorro.
Pedimos a compreensão da clientela em geral pela nossa campanha de denúncias e
solicitamos sua solidariedade exigindo um tratamento respeitoso, de valorização para com o
funcionalismo e a retirada imediata dos cães que protegem o patrimônio do banco e colocam
em risco a todos nós”
.
136
Essas artimanhas não eram praticadas somente pelos bancos, mas pelo
próprio governo, que é a expressão máxima da síntese do capital atrófico. Assim,
manipulava os índices de reajuste salarial para encobrir a crise instaurada. Dessa
forma, o ano de 1989, carregou os impactos da acumulação espoliativa do capital.
Com os preços flexibilizados, ocorreu uma aceleração do processo inflacionário, e
em janeiro o Governo adotou, através da Lei nº 7.730, de 31.01.89, um novo plano
de estabilização, o Plano Verão, com novo congelamento, com prazo indeterminado
de todos os preços da economia.
Com um malabarismo que maquiou os índices de reajuste de preços, o Plano
Verão tentou reduzir o patamar inflacionário. Aumentando o período de comparação
da pesquisa dos preços para aferição do índice de preços ao consumidor, o Plano
tentava reduzi-lo para taxas inferiores a 10%, como podemos constatar pelo
Relatório do Banco Central,
“Como conseqüência do estabelecido no Plano, foi alterado o período de pesquisa dos
preços para aferição do IPC de janeiro, com a taxa de variação referindo-se aos preços
médios constatados na semana de 17 a 23 de janeiro com a média de preços do período de
16 de novembro a 15 de dezembro de 1988. O aumento no período de comparação,
associado às majorações de preços e tarifas que antecederam ao Plano Verão, trouxe
grande reflexo na variação do índice, que atingiu 70,28% ao mês. Em fevereiro, a taxa de
variação do IPC foi calculada comparando-se a média dos preços observados no período de
136
Carta Aberta aos clientes e funcionários do UNIBANCO - Sindicato dos Bancários de São Paulo –
CUT, 1988. (Mimeog.).
53
16 de janeiro a 15 de fevereiro com os preços dios constatados entre 17 e 23 de janeiro.
Desse modo, a variação do mês situou-se em 3,60%. Nos meses subseqüentes, até maio, o
IPC variou a taxas abaixo de 10,0%.”
137
Verifica-se mais uma artimanha que arrocha os salários no Brasil. No entanto,
essa estratégia não foi capaz de conter a emergência da crise e o avanço dos preços.
Estes chegaram, a partir de dezembro do mesmo ano, ao patamar inacreditável de
53,55% ao mês.
A situação era de plena recessão e não havia mais aquilo que os economistas
gostam de chamar friamente de - elasticidade-renda. A alternativa era o estímulo à
captação de recursos. Com isso, os bancos se associaram ao capital estrangeiro
através da renegociação da dívida externa, com a emissão de bônus e créditos
bancários
138
. Intensifica-se a liberalização e desregulamentação da economia, ou
seja, a operacionalização da desregulamentação no Brasil passa a acontecer de forma
bastante semelhante à de outros países da América Latina.
“No Brasil, o processo recente de internacionalização financeira abrangeu o primeiro nível
de abertura, conforme a classificação de Prates
139
, nas duas dimensões: captação de
recursos no mercado internacional de capitais e entrada de investidores estrangeiros no
mercado nacional. Da mesma forma, foi ampliada a abertura financeira no segundo e
terceiro níveis, a partir de mudanças institucionais no mercado de câmbio, que liberalizaram
os fluxos de capitais no mercado nacional e facilitaram os movimentos de remessa de divisas
137
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1989. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 26, 1990, pp. 29-30.
138
“Assim, os ingressos de novos empréstimos, em 1991, foram bastante diversificados. Os títulos
relacionados com a colocação de commercial paper proporcionaram US$ 1.920 milhões, dos quais
US$ 1578 milhões tomados diretamente por empresas e US$ 342 milhões através de instituições
bancárias, nos termos da Resolução nº63. Com a colocação de bônus, o País obteve US$ 1.105
milhões, enquanto US$ 308 milhões ingressaram na modalidade de intercompanhias, US$ 278
milhões com a securitização de exportações, US$ 252 milhões através de títulos relacionados com
Floating Rate Notes, US$131 milhões com Fixed Rate Notes e US$ 3 milhões de outros empréstimos,
totalizando US$ 3 997 milhões”. RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1991. Brasília. Banco
Central do Brasil (Departamento Econômico), n. 28, 1992, p. 108.
139
“No primeiro nível, são permitidos tanto o endividamento de residentes no mercado internacional
de capitais quanto o investimento de não residentes no mercado financeiro doméstico, essas
transações são denominadas, ‘inward transations’. O segundo nível de abertura envolve a posse de
ativos externos e a transferência de capital por parte de residentes, e o endividamento de não
residentes no mercado interno, transações denominadas ‘outward transations’. Nesse nível de
abertura, existe total conversibilidade da conta de capital. O terceiro nível de abertura refere-se a
conversibilidade interna da moeda, ou seja, à liberdade de posse e de relações de débito e crédito
entre residentes em (ou denominados em) moeda estrangeira. (op.cit., p. 7)” FREITAS, M. C. &
PRATES, D., Abertura financeira na América Latina: as experiências da Argentina, Brasil e México,
Revista Economia e Sociedade. Campinas, 1998. apud. JINKINGS, Nise., Trabalho e Resistência na
“Fonte Misteriosa”: os bancários no mundo da eletrônica e do dinheiro, p.62.
54
para o exterior. Simultaneamente, aumentaram os investimentos diretos estrangeiros no
sistema financeiro nacional, mediante a participação acionária em instituições financeiras
locais e a instalação de filiais e subsidiárias no mercado brasileiro.”
140
Tratava-se de uma verdadeira mina de recursos ao capital estrangeiro, como
se pode perceber:
“A falta de uma solução adequada para o problema da dívida externa contribuiu para o
agravamento das dificuldades enfrentadas pelos países em desenvolvimento mais
endividados, acarretando pesadas transferências de recursos ao exterior. A obtenção de
novos financiamentos tem sido viabilizada somente dentro de um contexto de renegociação
da dívida externa, normalmente condicionada a programas de ajustamento com o FMI, com
metas rígidas. Não é sem razão que, no período 1985-1989, as amortizações efetuadas pelos
países em desenvolvimento ao FMI superaram em US$ 12,6 bilhões os desembolsos
recebidos. De acordo com o Banco Mundial, os 111 países em desenvolvimento, que
integram o ‘Debtor Reporting System’, efetuaram, no qüinqüênio 1985-1989, transferências
líquidas de recursos ao exterior no montante de US$ 218,3 bilhões”
141
.
No caso brasileiro, o país, entre juros e amortizações, remeteu US$ 68,6
bilhões nos últimos cinco anos da década de 80, montante 3,5 vezes superior ao
ingressado, US$ 19,6 bilhões. O crescimento do PIB na América Latina, em 1989,
foi zero, o emprego cresceu 1,6%, a atividade econômica desacelerou e a conjuntura
internacional era de queda no preço das commodities, de elevação nas taxas
internacionais de juros, aumento da inflação e diminuição no investimento.
142
Nesse processo, o Unibanco se reestruturava, fechava parcerias com o capital
estrangeiro e tinha já em sua composição acionária fortes aliados, vejamos:
“A internacionalização da economia brasileira ganha mais força em 1989 com a
intermediação de investimentos no país, via conversão da dívida externa. Este é o pano de
fundo para uma nova arrancada do Unibanco que acaba de ampliar associações com
algumas instituições financeiras dos Estados Unidos, da Alemanha Ocidental e do Japão”.
143
Essa nova condição permitiu ao UNIBANCO ampliar suas associações com o
Daí-Ichi Kangyo Bank Limited, do Japão, com o Commerzbank A.AG, da Alemanha
140
JINKINGS, Nise., Trabalho e Resistência na “Fonte Misteriosa”: os bancários no mundo da
eletrônica e do dinheiro, pp.62-63.
141
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1989. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 26, 1990, p.79.
142
Cf. dados do RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1989. Brasília. Banco Central do Brasil
(Departamento Econômico), vol. 26, 1990, p.80.
143
UNIBANCO se reestrutura para aproveitar maior internacionalização da economia. Folha de São
Paulo, Caderno Negócios, 18.4.1989, F-1.
55
Ocidental, e com o Security Pacific Nacional Bank, dos Estados Unidos. Segundo o
Vice Presidente do Unibanco, os bancos internacionais julgam bastante interessantes
essas alianças porque “elas tornam a instituição capaz de competir com os bancos
estrangeiros que já operam no país e pretendem ampliar sua atuação com a
internacionalização da economia.” Segundo Israel Vainboim (vice-presidente), a
identidade do Unibanco com os parceiros estrangeiros está marcada pelo domínio
que o banco brasileiro tem da mistura das atividades de banco comercial com a
atuação tradicional e forte na área de investimentos. “Estamos hoje com uma aliança
de bancos agindo dentro e fora do Brasil”,
144
destaca Vainboim.
Nesta direção, conforme notícia da Folha de São Paulo:
“O Unibanco, que detém cerca de 25% dos negócios em mercado de fundos no
exterior entre os principais bancos nacionais, acusa uma das melhores participações neste
setor, num momento em que as expectativas de expansão de negócios tendem para a
internacionalização da economia. Sua participação nas várias operações do setor financeiro
como um todo sempre superior a 5%. A fatia do banco no mercado de capitais oscila entre
7% a 10%; cerca de 10% no segmento de "underwrite" (subscrições de ações e de outros
papéis) fatia de 10% no administração de fundos de pensão; 7% na área de corretagem e
5% na da exportação, onde concorre principalmente com o Banco do Brasil, líder do
segmento.”
145
Aqui, começa a despontar o exercício mais agressivo de imposição do
desenvolvimento capitalista subordinado e a reboque. É exigido dos governos da
América Latina um ajuste.
“O movimento de retomada do ideário liberal na América Latina foi fomentado por um
encontro realizado em novembro de 1989 em Washington, reunindo membros do governo
dos EUA, do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e do BID (Banco
Interamericano de Desenvolvimento, preocupados e especializados nos problemas da região.
Este encontro foi chamado formalmente de ‘Latin América Adjustment: HOW Much Has
Happened’ e informalmente de Consenso de Washington. As recomendações do consenso
apontaram para a necessidade de serem encaminhadas ações em dez áreas, também
conhecidas como os dez pontos: disciplina fiscal; priorização dos gastos públicos; reforma
tributária; liberalização financeira; regime cambial; liberalização comercial; investimento
direto estrangeiro; privatização; desregulação; propriedade intelectual.”
146
144
UNIBANCO se reestrutura para aproveitar maior internacionalização da economia. Folha de São
Paulo, Caderno Negócios, 18.4.1989, F-1.
145
UNIBANCO se reestrutura para aproveitar maior internacionalização da economia. Folha de São
Paulo, Caderno Negócios, 18.4.1989, F-1.
146
MORAES, A. O Plano Brasil Novo. In. KON, Anita (Org.). Planejamento no Brasil II, pp.171-172.
56
Nesse momento, é que a economia brasileira volta a negociar sua dívida com
instituições internacionais, momento de grande efervescência internacional em que a
União Soviética
147
não consegue superar a sociabilidade do capital
148
, o que incita à
ilusão da perenidade do capital. E, em que pese o aprofundamento das “contradições
fundantes do capitalismo, que pressionam persistentemente a taxa de lucro,
alternando crises de rentabilidade e superprodução, constitui o eixo do processo de
internacionalização do capital
149
. “É nessa atmosfera de fins dos tempos, do tempo
da crise de todas as crises, que os brasileiros vão escolher um presidente depois de
décadas. (...) Todavia, é na crise e em crise, transpassado pelas contradições
universais e corroído pelas particulares, que o pleito brasileiro será travado e
decidido (...)”
150
. O pleito foi disputado, no início da década de 90, por Fernando
Collor de Melo e Luis Inácio Lula da Silva
151
.
147
“O colapso da União Soviética e de todo o bloco comunista deu novo impulso político às idéias de
desestatização e de desregulamentação da economia, repercutindo no Brasil sob a forma de um
esvaziamento das correntes estatizantes e intervencionistas”. RELATÓRIO do Banco Central do
Brasil 1991. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento Econômico), n. 28, 1992. p. 17.
148
“Já foi configurado que superar a lógica do capital compreende a unidade de um movimento
formado pelo atendimento das necessidades fundamentais e da autodeterminação do trabalho. Os
dois aspectos, totalmente convergentes e inseparáveis, implicam a existência (ou criação) de bases
materiais que sustentem essa dupla prática cotidiana. Bases inexistentes na Revolução Russa, que
matrizou, para o nosso século, os processos de passagem (grifos nossos), carecendo por inteiro dos
pressupostos materiais requeridos. Hoje, para alguns, isto pode soar como uma novidade, não o era
para Lênin e outros personagens de importância, que tinham efetivo conhecimento do problema,
tanto que cifravam a solução (grifo nosso) da Revolução Russa pela eclosão da revolução alemã, ou
seja, de um país industrial desenvolvido, diapasão que provinha da própria visualização marxiana da
questão. Dificuldade irremovível, que não leva a estapafúrdia ponderação de que, então, a revolução
não deveria ter sido feita; quando mais não seja porque não havia para a velha Rússia a perspectiva
de uma ‘solução’ pela via do crescimento capitalista. A tragédia da Revolução Russa, tragédia
autêntica de toda humanidade, quer se queira ou não – e só os muito tolos podem dar de ombros, está
precisamente no imperativo de fazer uma revolução que não pode ser realizada. Sem bases para
sustentar a revolução social (grifos nossos) pretendida, e mesmo atado – inclusive voluntária e
deliberadamente, ainda que na maioria das vezes e em ampla extensão de forma bárbara, aos
fundamentos e compromissos da revolução política (grifos nossos) realizada, o pós-capitalismo
sucumbiu, num intrincado processo de vicissitudes, onde rolou e rola o mais fantástico emaranhado
de contradições, à precariedade de seu solo material.” CHASIN, J., A Sucessão na crise e a crise na
Esquerda: a crise nos dois Subsistemas do Capital, p. 187.
149
MORAES, A. O Plano Brasil Novo. In: KON, Anita (Org.). Planejamento no Brasil II, p.173.
150
CHASIN, J., op. cit., p.178.
151
Que fique aqui consignada a propositura de Leonel Brizola (PDT), no primeiro turno, único a tocar
no modelo econômico como ponto de insurgência dos reais estrangulamentos e repositor da
subordinação do capital atrófico. Ainda dentro dos limites da política, porém, propondo uma
rearticulação dos lineamentos materiais de reprodução da acumulação brasileira e ultrapassagem da
superexploração do trabalho por meio de estratégias de recomposição das bases internas de produção e
do reordenamento das relações com o exterior. Proposta que não visava a supressão da propriedade
57
O quadro que aqui se apresenta “rega as tensões” do pleito das eleições
presidenciais de 1990, no qual na outra ponta da proposta liberalizante, de Fernando
Collor de Mello, insurge como contrapartida, o PT (Partido dos Trabalhadores)
“Trata-se do desejo e da proposta de um ‘capitalismo mais justo’, isto é, de um ‘capitalismo
honesto’ que não prime pela desconsideração dos humildes; para quem, em última análise, a
pobreza também seja mácula. A seu modo e em grau mais fundo, o PT, com seu capitalismo
mais justo e humano, supostamente realizável por atos certeiros da vontade política,
sucumbe ao velho mal da esquerda, feito prisioneiro no ardil da completação do sistema do
capital.”. (...) Mais do que isso, que tem no distributivismo sua espinha dorsal, a essência
mesmo de sua impostação moralista.”
152
E, em meio a essa “turbulência”, a ameaça de nova moratória, sem, contudo,
um projeto econômico efetivo, essa proposta se impossibilita tanto teoricamente
153
quanto objetivamente, não passando de uma alegoria que não ultrapassa as urnas,
onde não coube a proposta de ‘negociação do arrocho’.
Em meio a uma guerra velada, o contexto da acumulação capitalista mundial
é a trama efetiva no qual a economia brasileira se constitui e é constituidora,
“o que se está ressaltando, a partir desse complexo real de múltiplas contraditoriedades, é a
contradição do capital avançado consigo mesmo. Ou seja, a cerimônia fúnebre de seu
círculo vicioso de expansão, onde determinados passos vitais dos monopólios ou oligopólios,
econômica e extra-economicamente privilegiados, por fusão, absorção ou aniquilamento de
unidades produtivas menores, passos avançados por um dado padrão de capacitação
técnica, redundam logo adiante em novo desequilíbrio entre a renovada produtividade
operante e a potencialidade de uma nova racionalização tecnológica, que reabre o processo
de deglutição progressiva de aparatos produtivos, reduzidos à condição de excedente
obsoleto e rebelde à ‘verdadeira racionalidade’ da produção de mercadorias. (...) Crise
privada, mas recolocava no horizonte a primeira transição (não de completude do capital), “/.../
quando se trata de desmontar o sistema de produção socialmente excludente (...) [vale dizer,
reconhece a possibilidade] do capital socialmente controlado sob os critérios da lógica do trabalho
em sua afirmação defensiva (...)”. Idem., A Sucessão na crise e a crise na Esquerda: O caso
Brasileiro na encruzilhada da Sucessão, pp. 284-285.
152
Ibid.p.264.
153
A respeito da distribuição há que se considerar que: “Na sua concepção mais banal, a distribuição
aparece como distribuição dos produtos, e assim, como que afastada da produção, e, por assim dizer,
independente dela. Contudo, antes de ser distribuição de produtos, ela é primeiro, distribuição dos
instrumentos de produção e, segundo, distribuição dos membros da sociedade pelos diferentes tipos
de produção, o que é uma determinação ampliada da relação anterior. A distribuição dos produtos é
manifestamente o resultado desta distribuição que é incluída no próprio processo de produção, cuja
articulação determina. Considerar a produção sem ter em conta esta distribuição, nela incluída, é
manifestamente uma abstração vazia, visto que a distribuição dos produtos é implicada por esta
distribuição que constitui, na origem, um fator de produção”. MARX, K. Introdução de 1857
(Grundrisse), (2b e c). apud. CHASIN, J., A Sucessão na crise e a crise na Esquerda: O caso
Brasileiro na encruzilhada da Sucessão, pp. 265-266.
58
estrutural, isto é, orgânica e permanentemente, para a qual não há possibilidade de
superação no interior da lógica do capital, de modo que ambos, crise e sistema, estão
fundidos de modo definitivo, condenando a sobrevivência do capital ao metabolismo crítico
que na atualidade o caracteriza. Assim, viver e sobreviver para o capital tornou-se existir na
e através da crise. De cada crise do capital não tem brotado o novo, mas a reiteração de si
próprio em figura agigantada, de igual ou maior problematicidade. Em palavras diversas: a
reprodução ampliada do capital, contemporaneamente, o reproduz em proporções inauditas,
ao mesmo tempo que reproduz em tamanho correlato sua crise constitutiva. Trata-se da
reconversão administrada da crise em meio de existência. É no que consiste, em verdade,
sua mágica: a faculdade adquirida de sustar, através de meios econômicos e extra-
econômicos (atividade estatal incidente no cerne dinâmico da sociedade civil), a virtualidade
explosiva da crise. Tamponamento, no entanto, que não elimina ou resolve a malha de
contradições responsável pela continuada reposição do quadro crítico. (...) A crise
estrutural do capitalismo tem a cara medonha da crise do sistema financeiro internacional.
Ou melhor, o complexo agudamente contraditório das finanças internacionais é a máscara
que reveste a estrutura crítica, nos termos referidos, do sistema produtivo global, ‘Pois o
domínio aventureiro do capital financeiro em geral é muito mais a manifestação de crises
econômicas de raízes profundas do que a sua causa, ainda que, por sua vez, também
contribua fortemente para seu subseqüente agravamento’ (Cf. I. Mészáros, a Crise Atual,
Ensaio 17/18).
Máscara que assombra antes o mundo periférico do que a esfera central do sistema
capitalista – centro este que é, no entanto e de fato, pela forma particular de sua
acumulação, epicentro da turbulência que perpassa o conjunto em toda a sua extensão.
Turbulência que na superfície aparente separa os credores do centro dos devedores da
periferia, a riqueza competente da miséria incompetente, os fautores do autêntico
capitalismo dos praticantes de suas modalidades arcaicas”
154
Esse “regurgitamento” da crise transparece quando se atenta para as
dimensões da dívida dos EUA e que, como mencionamos anteriormente, é financiada
pelas transferências maciças de capitais do mundo. É nesse sentido que tanto Chasin
quanto Mészáros, denominam a particularidade do fim do século XX como uma fase
imperialista que é constituída de determinações universais do modo de produção
capitalista, mas não se reproduz de forma igual. Ou seja, trata-se do imperialismo de
cartão de crédito
155
. Esse “ultrapassou as franjas do sistema e passou a devastar o
próprio capitalismo avançado.”
156
E, aqui é indispensável o arremate que Mészáros oferece:
“‘só tolos e cegos apologistas poderiam negar que a prática norte-americana vigente de
administração da dívida é fundada em terreno muito movediço. Ela se tornará totalmente
insustentável quando o resto do mundo (incluindo o ‘terceiro mundo’, do qual transferências
maciças ainda são extraídas com sucesso, de uma forma ou de outra, todos os anos) não
mais estiver em condições de produzir os recursos que a economia norte-americana requer,
154
CHASIN, J., A Sucessão na crise e a crise na Esquerda: crise nos dois Subsistemas do Capital.
pp.181-183.
155
Cf. Ibid.p.184.
156
Ibid.p.184.
59
a fim de manter sua própria existência como o ‘motor’ da economia capitalista mundial,
perfil sob o qual ainda hoje é idealizada (I. Mészáros, op. Cit.) ”
157
Situação que conforma um quadro bastante crítico principalmente para países
como o Brasil, conforme Alves:
Nos anos 80 ocorreu a deterioração do cenário da economia capitalista no Brasil,
caracterizada pela instabilidade macroeconômica – hiperinflação, recessão, ciranda
financeira. A crise da dívida externa (1981-1982), a instalação da crise estrutural do
balanço de pagamentos, o estrangulamento das contas externas, debilitaram a reprodução
interna de capital. A economia brasileira foi colocada diante da necessidade desesperada de
novos saldos na balança comercial, visando adquirir meios de pagamento internacionais
para cumprir o serviço da dívida externa. Pela imposição dos ajustes ortodoxos do FMI,
com a tutela dos credores internacionais, o país se concentrou no equilíbrio do balanço de
pagamentos adotando, para isso, políticas recessivas que deixam o circuito interno do
capital paralisado.
158
Com isso, fica evidente que a frustração econômica brasileira carrega
consigo, intrincadamente, sua falência política. Diante da reverberação da crise, o
mercado foi nomeado o redentor do sistema, e “o remédio é buscado na velha cesta
de costuras institucionais do liberalismo (grifo nosso)”
159
, como pudemos ver pelo
Consenso de Washington.
Com um desenvolvimento débil, a economia brasileira se apóia em modos
arcaicos de reprodução da acumulação
160
sem, no entanto, deixar de participar da
157
Ibid.p.185.
158
ALVES, G., O novo (e precário) mundo do trabalho (Reestruturação produtiva e crise do
sindicalismo), p. 112.
159
Sobre o liberalismo acrescenta Chasin: “Mecanismo de mercado e formalização da liberdade são,
precisamente o espírito e as armas do capitalismo, encaixam-se como a mão e a luva. O direito de
irrestrito deslocamento, por exemplo, na estarrecedora obviedade, hoje, do que assegura, é grandioso,
mas é também aquele que, na organização societária do mercado, dá cobertura igualmente, e pelas
suas raízes, ao passeio compulsório pela ‘praça das trocas’, onde a imensa maioria dos cidadãos é
medida e comprada pelo valor de produção de suas energias materiais e espirituais. Ou, como diz
Marx: ‘Na livre concorrência não são os indivíduos que são postos como livres, mas o que é posto
como livre é o capital. Quando a produção fundada no capital é a forma necessária e, portanto, a
mais adequada ao desenvolvimento da força produtiva social, o movimento dos indivíduos, no marco
das condições puras do capital, se apresenta como a liberdade que, todavia, também é afirmada
dogmaticamente, enquanto tal, por uma constante reflexão sobre as barreiras derrubadas pela livre
concorrência”. MARX, K., O Capital, Siglo XXI, v. 2, p.167. apud. CHASIN, J. A Sucessão na crise
e a crise na Esquerda: crise nos dois Subsistemas do Capital, p.191.
160
Sobre essa questão, Ivan Cotrim a partir da análise critica do pensamento de Fernando Henrique,
nos aponta algumas determinações da acumulação brasileira, sua particularidade, diz ele: “a
burguesia industrial em formação alcançou em vários casos um porte industrial razoável, mas não
suficiente para que pudesse alcançar um processo de industrialização com a autonomia política e
econômica semelhante a que se desenvolve revolucionariamente nos países centrais e nos EUA. Aqui,
60
praça mundial das trocas, o que equivale a dizer que seu desenvolvimento hipertardio
se coloca como entrave para ‘sua completude’ na sociabilidade do capital. A década
de noventa nos mostra como essa reprodução capitalista se põe e tenta galgar
fôlegos, abrindo espaço para a reposição da condição de subalternidade do capital
atrófico mediante o imperialismo regido, essencialmente, pelo capital financeiro.
Evidência pautada na reestruturação dos capitais, na abertura econômica e comercial,
privatização, desregulamentação (principalmente do trabalho), entre outras formas de
subordinação ao capital oligopólico internacional.
Poderíamos dizer que:
“tais formações do capital nunca integralizam a figura própria do capital, isto é, são
capitais estruturalmente incompletos e incompletáveis. Pelo que são e vão sendo, em todo
fluxo de sua ascensão, ponto a ponto, reiteram a condição de subalternidade do ‘arcaico’,
para a qual todo estágio de ‘modernização’ alcançado é imediatamente reafirmação de sua
incontemporaneidade. O receptor é assim a desatualidade permanente, o arcaico
irremissível, por si e pela relação com o outro; dito ao inverso, o ‘arcaico’ é a condição de
existência do receptor”.
161
“(...) de fato, o processo real mostra uma simbiose e uma
organicidade, uma unidade de contrários, em que o chamado ‘moderno’ cresce e se alimenta
da existência do ‘atrasado’, se se quer manter a terminologia”.
162
Sob os efeitos da economia em 1989, o Unibanco tem expectativas de
expansão de mercado e enquanto a recessão e o arrocho apertam o Brasil, Vainboim
acreditava no aumento da participação do banco em diversos segmentos do setor
financeiro.
“Para ele, apesar das perdas resultantes dos empréstimos feitos com capital próprio, em
OTN, ocasionadas pelo ‘choque verão’
(grifos nossos), o banco como a maioria das
instituições do setor, deverá registrar no primeiro trimestre deste ano a mesma rentabilidade
dos trimestres anteriores.
Vainboim considera, contudo, que a flexibilidade dos preços em geral é fundamental para
que seja evitado um engessamento da economia, ‘que leva a distorções muito pesadas’,
distorções essas que acabam induzindo tanto pessoas jurídicas como pessoas físicas a
errarem, diz ele.
ao contrário, o estado se torna uma necessidade incontornável para a implantação de outros setores
que compõem a indústria. (...) Dessa maneira, o processo de desenvolvimento industrial radicalmente
distinto daquele constituído pelas chamadas burguesias clássicas. Enquanto aqui a indústria se
desenvolve com o apoio do setor público, lá o mercado foi o campo de atuação das burguesias
originárias”. COTRIM, Ivan., O capitalismo dependente em Fernando Henrique Cardoso, p.104.
161
CHASIN, J., A Sucessão na crise e a crise na Esquerda: os impasses da Via Colonial do
Capitalismo, p.214.
162
OLIVEIRA, Francisco M. C. Crítica à Razão Dualista, p.12.
61
E como trabalhamos para empresas e pessoas físicas, esta interdependência fatalmente vai
resultar em problemas para os bancos, afirma o presidente do Unibanco.
A internacionalização da economia brasileira ganha mais força em 1989 com a
intermediação de investimentos no país, via conversão da dívida externa. Este é o pano de
fundo para uma nova arrancada do Unibanco que acaba de ampliar associações com
algumas instituições financeiras dos Estados Unidos, da Alemanha Ocidental e do Japão. Ao
mesmo tempo, com cerca de 430 agências e 150 pontos de serviço no país, o banco quer
ampliar sua atuação no atendimento de pessoas físicas, mantendo seu perfil vocacional de
grande banco de varejo selecionado, operando com clientes que tenham um rendimento
mínimo de NCZ$ 1 mil por mês.
Segundo o presidente do UNIBANCO, Israel Vainboim, 44, a estratégia do banco, decidida
no final da década passada, veio coincidir com esta fase da internacionalização da economia
brasileira, ‘deixando-nos mais a vontade para competir, já que o banco possui uma estrutura
montada para fazer transações mais sofisticadas na área de conversão da dívida’.
Para chegar a essa posição, as primeiras providências visando uma reorganização do banco
foram no sentido de sair da montagem clássica para juntar, em apenas uma área, todos os
setores de transação (grandes financiamentos no mercado interno e externo, fusões,
aquisições, etc.), o que se constituiu numa’verdadeira revolução’ no mercado, diz o vice-
presidente executivo, Carlos Alberto Frederico, 50.“.
163
Na esteira dessa conjuntura o Unibanco amplia um extenso programa de
reestruturação: reduz custos, arrocha salários, demite funcionários, com o intuito de
enxugar sua base de custos, flexibilizar sua estrutura organizacional de modo a
agilizar seus fluxos operacionais, e se enquadrar nos níveis concorrenciais dos
bancos estrangeiros. Esta é a marca da entrada na década de 90, no qual há um
acirramento tanto da concorrência, o que desembocou na formação de grandes
conglomerados com intensa concentração e centralização bancária, quanto da
reestruturação bancária como um todo.
A partir daí, o estranhamento (Entfrendumg) no Brasil é a ‘fermentação’ do
adensamento dessas contradições que se reproduzem de forma singular. E, o capital
financeiro não pode prescindir desse espaço para valorização de seus capitais.
“Os países latino-americanos mais importantes exibem perfis estruturais muito semelhantes
em suas crises. Basta pensar em dívida externa, ou seja, desequilíbrio radical das relações
internacionais; índices inflacionários explosivos, isto é, valorização improdutiva do capital
levada ao paroxismo; privatização do estado, vale dizer, instrumentalização estrutural do
poder político pelo capital atrófico em seu benefício exclusivo; superexploração da força-de-
trabalho, numa palavra, determinação de seu valor muito abaixo do limite histórico ou
social configurado nos países centrais, e mantido, em grande escala, abaixo de seu próprio
limite mínimo ou físico; incapacidade privada e pública de projetar e de dar consecução a
um itinerário de desenvolvimento auto-sustentado; e outras tantas características que não
163
UNIBANCO se reestrutura para aproveitar maior internacionalização da economia. Folha de São
Paulo, Caderno Negócios, 18.4.1989, F-1.
62
carece enumerar. Importa, sim, deixar bem grifado que, na origem e na resultante e
envolvendo todo esse quadro desalentador, estão as estruturas de conexão e subordinação
ao capital metropolitano superproduzido que, em sua própria crise estrutural, expressa na
forma de produção destrutiva, não pode dispensar o espaço latino americano para as
aventuras compulsórias do capital financeiro internacional que, recordado seja de
passagem, se apresenta em unidade solidária, mas não isenta de tensões e disputas
intestinas, tendo por centro a crise do dólar, desde meados da década de 60, e o
aparecimento de capitais não acomodados, ainda que cúmplices das tropelias da atuação
econômica norte americana. Em suma, a malha complexa e atual do que com toda
propriedade e correção os antigos chamavam de imperialismo.”
164
Torna-se fundamental retomarmos a década de 90, no qual poderemos ver a
cristalização do movimento tendencial da relação capitalista no Brasil que vem se
desenvolvendo desde a virada dos 80.
164
CHASIN, J., op. cit., p.213.
63
CAPÍTULO 3
A Economia Brasileira nos anos 90: na rota da mundialização
do capital
“Não esperem paixão; nem por isso a verdade será menos
dramática. De resto o historiador jamais deve esquecer
que sua missão consiste em dar a cada um a sua parte: o
rico e o desgraçado são iguais perante sua pena: para ele
o camponês tem a grandeza de suas misérias, como o rico
a pequenez de seus ridículos”. Honoré de Balzac. Os
Camponeses.
3.1 Plano Collor e Desemprego: a forma particular do arrocho nos anos
90.
Como pudemos constatar, o desenvolvimento da acumulação teve como
fatores determinantes a poupança internacional e a superexploração da força-de-
trabalho. E, o pleito, a eleição presidencial de 1990, coloca como questão essencial a
forma da participação do capital externo e interno no Brasil. Collor, um
desconhecido, eleito como demiurgo da facção liberalizante pelo qual a plataforma
era a privatização e desregulamentação da economia, colocava como véu, o
saneamento da corrupção se prendendo à reforma administrativa como meio de
dinamizar e viabilizar o seu projeto.
Assim:
“O novo Governo, que assumiu no mês de março, apresentou aos bancos credores
internacionais uma proposta inovadora para a renegociação da dívida externa brasileira,
visando conciliar as obrigações externas com o atendimento às demandas sociais por
crescimento econômico. Essa proposta contempla a observância dos limites da capacidade
de pagamento do País, essencialmente do setor público, determinada por quatro fatores: a)
superávit primário do setor público (receitas menos despesas não financeiras); b)
‘seignorage’, entendida como a expansão não inflacionária da base monetária; c)
financiamentos externos ao setor público; e d) receitas de juros sobre reservas
internacionais. A idéia básica para o tratamento da dívida do setor público, passível de
renegociação, consiste na adoção de um tipo especial de título, que garanta a amortização
da dívida externa brasileira, inclusive juros capitalizados a taxa fixa, no prazo de 45 anos.
Durante este período, o Governo acumularia provisões dentro de sua capacidade de
pagamento, para serem anualmente repassadas aos credores na forma de leilões de títulos
da dívida”.
165
165
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1990. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 27, 1991, p.79.
64
A partir daí, no mesmo ano, o Governo Collor autorizou a antecipação de
remessas de pagamentos do principal e juros referentes à dívida do setor privado e
30% das parcelas de juros vencíveis no primeiro trimestre de 1991, de
responsabilidade do setor público. Um completo sistema de embuste se constitui, no
qual a dívida, única realmente pública, se torna o meio de viabilizar a dinâmica da
extração da mais-valia em nível mundial. No entanto, o ritmo de crescimento da
economia encontrava-se em desaceleração; a balança comercial era negativa, em
função da liberalização comercial
166
. E, na política, reinava a avalanche das medidas
provisórias. O próprio Plano Collor era um conjunto de medidas provisórias
demonstrando o retorno camuflado do decreto-lei do período da ditadura de 1964,
evidenciando o caráter autocrático da política brasileira. É deflagrada a necessidade
iminente de aceleração da acumulação brasileira, o que desnudava cada vez mais a
superexploração do trabalho.
Assim, houve queda no nível de emprego de 15,14%; reforma monetária com
retenção dos haveres monetários, a velha política do confisco; reforma financeira
com liberalização da oligopolização, disposição do câmbio (câmbio flutuante) ao bel
prazer das forças de mercado; demanda externa retraída inviabilizando as
exportações. Ou seja, “o balanço de pagamentos registrou déficit de US$ 7.207
milhões, comparativamente ao de US$ 3.391 milhões em 1989. O financiamento do
resultado foi efetivado através do aumento de US$ 7.688 milhões nas obrigações da
autoridade monetária, compreendendo a constituição de atrasados (US$ 8.342
milhões), o aumento de outras obrigações a curto prazo (US$ 87 milhões) e
pagamentos ao FMI (US$ 741 milhões).”
167
.
As reformas constituem-se em uma tendência de proporções mundiais, pois é
um momento de reconfiguração da disputa intercapitalista. Com relação à reforma do
sistema financeiro no Brasil:
166
“Quanto à abertura comercial, a partir de março de 1990, o Governo passou a implementar uma
política de liberalização das importações fundamentada, principalmente, na dispensa de exigência de
apresentação de programas de importação pelas empresas e na supressão dos regimes especiais de
importação. Foram também abolidos controles administrativos, objetivando simplificar a tramitação
de documentos e dispensar a anuência prévia para importação de numerosos produtos”.
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1991. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), n. 28, 1992, p.21.
167
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1990. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 27, 1991, pp.84-85.
65
“Dois princípios dominam a questão do tratamento a ser conferido as instituições bancárias
estrangeiras: reciprocidade e tratamento nacional. Ambos aplicam-se tanto às condições de
entrada como aos critérios de regulamentação prudencial. Assunto não menos controverso é
o relativo à redefinição do papel dos bancos oficiais no contexto da reforma do sistema
financeiro. É preciso levar em conta o significativo peso das instituições financeiras oficiais
nos empréstimos totais (42% para as federais e 21% para as estaduais, em dezembro de
1991). Isso deriva, basicamente, de repasses de recursos oficiais – provenientes de dotação
orçamentárias e poupanças compulsórias (FGTS e PIS/PASEP) – e de sua forte presença na
captação de recursos do público (54% dos depósitos à vista e 60% dos depósitos de
poupança, também em dezembro de 1991). Dada sua maior flexibilidade estrutural, os
bancos privados vêm conseguindo efetuar ajustes mais rápidos, particularmente no que diz
respeito ao fechamento de agências deficitárias e dispensa de mão-de-obra, adaptando-se a
um período de escassez de recursos, decorrente aos problemas econômicos da última
década. O mesmo não ocorreu ainda em todos os bancos oficiais.
168
É possível perceber que a base de capitalização de recursos dos bancos acima
é a renda do trabalhador, ou seja, de todos os trabalhadores, e que este, o trabalhador,
recebe a demissão como contrapartida, o desemprego estrutural, o aviltamento pelas
condições de trabalho e vida. Este estranhamento é uma característica imanente da
relação capitalista, qual seja: eliminar o trabalho vivo submetendo-o à força do
trabalho morto cristalizado na propriedade privada, esta torna-se meio que submete o
bancário. Isto se expressa no fechamento das agências e na demissão e enxugamento
em massa dos bancários, com base, por exemplo, no fundo público dos
trabalhadores. Ou seja, a base do financiamento está no recrudescimento nas
condições de vida do trabalhador que só a ausência dos meios de existência o
compelem a se submeter. Este vive o momento histórico em que o trabalho abstrato
é elevado a sua máxima potência, e pelo qual, enquanto sujeito de troca, ele tem
somente sua capacidade de trabalho para trocar, dependendo de outrem (proprietário
da sociedade civil) para colocá-la em movimento.
O sistema financeiro, parasitário por excelência, absorve e se utiliza de
grandes volumes da fração da mais-valia produzida socialmente para colocar a
disposição de outros capitais, o capitalista industrial e comercial, a possibilidade
destes extraírem trabalho não pago. Assim, o capitalista usurário, fica com uma parte
dessa mais-valia, na forma do juro. A reforma do sistema financeiro busca, na
verdade, a desregulamentação da economia e do trabalho para acelerar o processo de
acumulação. Marx aponta esta tendência quando constata: “o crédito acelera a
168
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1991. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), n. 28, 1992, p.22.
66
velocidade da metamorfose das mercadorias e em conseqüência a velocidade da
circulação monetária. (...) O crédito acelera as diversas fases da circulação ou da
metamorfose das mercadorias e ainda da metamorfose do capital; em conseqüência,
acelera o processo de reprodução em geral
169
(além disso, o crédito possibilita
169
A respeito do papel do crédito na produção capitalista, Marx aponta algumas determinações gerais,
quais sejam, “Necessidade de seu desenvolvimento para produzir-se o nivelamento da taxa de lucro
ou a tendência a esse nivelamento sobre a qual repousa toda produção capitalista; decréscimo dos
custos de circulação.”, onde se pode suprimir o dinheiro “enquanto valor de per si” em grande parte
das transações; acelerando o movimento dos meios de circulação e; substituindo o dinheiro-ouro por
papel. Além disso, e importantíssimo ressaltar, é precursor do desenvolvimento das sociedades por
ações. Então, vejamos como o sistema de crédito impacta sobre a reprodução ampliada do capital:”1)
Expansão imensa da escala de produção e das empresas, impossível de ser atingida por capitalistas
isolados. Ao mesmo tempo, as empresas desse gênero que antes eram governamentais, se constituem
por sociedades. 2) O capital que, por outra natureza, assenta sobre modo social de meios de
produção e de forças de trabalho, assume então diretamente a forma de capital social (capital de
indivíduos diretamente associados) em oposição ao capital privado, e as empresas passam a ser
sociais em contraste com as empresas privadas. É a abolição do capital como propriedade privada
dentro dos limites do próprio modo capitalista de produção. 3)Transformação do capitalista
realmente ativo em mero dirigente, administrador do capital alheio, e dos proprietários do capital em
puros proprietários, simples capitalistas financeiros. Mesmo quando os dividendos que recebem
englobam o juro e o lucro de empresário, isto é, o lucro total (pois a remuneração do dirigente é ou
deveria ser mero salário para certa espécie de trabalho qualificado, com preço regulado pelo
mercado como qualquer outro trabalho), esse lucro total é percebido tão-só na forma de juro, isto é,
como recompensa à propriedade do capital, a qual por completo se separa da função no processo
real de produção do mesmo modo que essa função, na pessoa do dirigente, se dissocia da
propriedade do capital. O lucro se revela (e não mais parte dele, o juro, que procura sua legitimidade
no lucro do prestatário) puro assenhoreamento de trabalho excedente alheio, originando-se da
circunstância de os meios de produção se converterem em capital, isto é, se tornarem estranhos aos
produtores reais, de se oporem, como propriedade alheia, a todos os indivíduos efetivamente
ocupados na produção, do dirigente até o último dos assalariados. Nas sociedades por ações
dissociam-se a função e a propriedade do capital, e em conseqüência o trabalho aparece por
completo separado da propriedade quer dos meios de produção quer do trabalho excedente. Esse
desenvolvimento máximo da produção capitalista é uma fase transitória que levará o capital
necessariamente a reverter à propriedade dos produtores não mais, porém, como propriedade
privada de produtores individuais e sim como propriedade diretamente social. Nesta fase transitória
todas as funções do processo de reprodução ainda ligadas até agora à propriedade do capital se
transformarão em simples funções dos produtores associados, em funções sociais. (...) É a negação
do modo de produção dentro dele mesmo, por conseguinte uma contradição que se elimina a si
mesma, e logo se evidencia que é fase de transição para nova forma de produção. Esta fase assume
assim aspecto contraditório. Estabelece o monopólio em certos ramos, provocando intervenção do
Estado. Reproduz nova aristocracia financeira, nova espécie de parasitas, na figura de projetadores,
fundadores e diretores puramente nominais; um sistema completo de especulação e embuste no
tocante a incorporação de sociedades, lançamento e comércio de ações. Há produção privada, sem o
controle da propriedade privada. (...) O sistema de crédito, pela natureza dúplice que lhe é inerente,
de um lado, desenvolve a força motriz da produção capitalista, o enriquecimento pela exploração do
trabalho alheio, levando a um sistema puro e gigantesco de especulação e jogo, e limita cada vez
mais o número dos poucos que exploram a riqueza social; de outro, constitui a forma para novo
modo de produção”. MARX, K. O Capital, Livro III, v. 5, pp.503-510.
67
prolongar os intervalos entre dois atos, o de comprar e o de vender, servindo por
isso de base para a especulação)”.
170
Reiterando nossa proposição de que as reformas têm como objetivo a
aceleração dos níveis de acumulação:
“A reforma e a reformulação do Estado inseriu-se num contexto de ajuste profundo da
economia. No primeiro caso, impôs-se a necessidade de se aliviar o pesado ônus
representado pelo serviço da dívida interna. A reformulação estatal exigiu a privatização de
empresas atuantes em setores onde a iniciativa privada pode atuar com mais eficiência, a
desregulamentação dos entraves burocráticos inibidores da produção e do investimento,
além do enxugamento da máquina estatal. Neste sentido, foram enviadas ao Congresso
Nacional propostas de reformas indispensáveis à modernização da estrutura produtiva, tais
como os incentivos à vinda de empresas estrangeiras, a alteração de alguns oligopólios da
União, modificações na legislação da informática, a modernização dos portos, o programa
nacional de desestatização, a nova lei agrícola, as leis de custeio e benefícios da Previdência
Social, a lei do inquilinato, a lei que pune o enriquecimento lícito no exercício da função
pública e as normas de defesa de concorrências públicas, entre outros.”
171
Ainda com relação à atuação do Estado, o Governo Federal acordou com o
FMI um amplo programa de ajuste “macroeconômico” com metas de desempenho
para 1992. Com o controle e esbulho mais acirrados, desnuda-se a inviabilidade de
quaisquer possibilidades de superação do estrangulamento no financiamento da
acumulação brasileira que não de forma subordinada.
Pensemos nesse período como um processo de abertura econômica sem igual
no Brasil. É a partir do governo Collor que se torna irreversível a avalanche do
mercado mundial de trocas, no qual, sob os auspícios do capital privado, externo e
nacional, era propalada a necessidade de redução do déficit público como sine qua
non para a maior eficiência da economia. Vejamos:
“Nesse quadro, destacou-se O Programa Nacional de Desestatização (PND) que, em 1992,
conseguiu firmar-se como mecanismo eficiente de redução do déficit público e, em contexto
mais amplo, peça fundamental no redirecionamento da participação do Estado no processo
de desenvolvimento econômico. Criado em 1990, o Programa se defrontava com adversários
em segmentos importantes da sociedade e até hoje continua a ser um assunto controverso no
País com uma diferença básica: as críticas recentes se concentram mais na forma de como
as privatizações estão sendo feitas e menos na necessidade de fazê-las. Isso porque, até
1992, foram privatizadas 18 empresas, totalizando US$ 4,0 bilhões, pagos, basicamente,
com títulos da dívida interna vencida ou vincenda, ao par, a maioria renegociada com o
170
Ibid.p.504.
171
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1991. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), n. 28, 1992. p.67.
68
Tesouro a um custo bastante baixo (IGP-DI mais 6% aa). Dentre as ‘moedas de
privatização’ utilizada nos leilões destacam-se os certificados de privatização (27% do
total), dívidas vencidas de empresas estatais extintas e renegociadas com o Tesouro (26%),
debêntures da Siderbrás (19%), Obrigações do Fundo Nacional de Desenvolvimento –
OFND (14%) e Títulos da Dívida Agrária – TDA (8,4%). Já os títulos da dívida externa, ao
contrário do que no início se supunha, foram pouco utilizados – eles apresentaram deságio
mínimo de 25% obrigatório quando da liquidação da operação de venda. (...) Das
companhias alienadas no ano, sete pertencem ao sistema petroquímico, três são do ramo de
fertilizantes, cinco do siderúrgico, ferroviário e de navegação. Com esse resultado, restam
apenas três siderúrgicas para o Estado sair completamente do setor.”
172
Oliveira analisando a constituição da economia brasileira nos alerta, “a luta
encarniçada e sem escrúpulos pelos patrimônios do Estado é precisamente uma
dilapidação do patrimônio popular na medida em que as empresas que se privatizam
foram construídas não apenas com recursos do contribuinte, o que é ainda um
argumento liberal, mas sobretudo foram construídas por uma acumulação primitiva,
que na maior parte do tempo e dos casos significou dura repressão salarial e
ferocíssima repressão dos direitos de trabalhadores e outras categorias sociais”
173
Vejamos qual seu impacto para o trabalhador:
“No tocante aos salários, os reajustes no primeiro trimestre de 1990 foram concedidos de
acordo com Lei nº. 7.788, de 3.07.89, que estabelecia reajustes trimestrais com antecipações
mensais pelo IPC, ficando os salários, por este instrumento legal, sujeito a tratamento
diferenciado, por faixas de salários mínimos. A partir de abril, em conformidade com a Lei
nº 8.030, de 12.04.90, os salários permaneceram inalterados até a edição da Medida
Provisória nº 193, de 25.06.90, sucessivamente reeditada nos meses seguintes, que instituiu a
recomposição dos salários de cada categoria profissional, na primeira data base respectiva,
pela média que recebeu cada assalariado durante os doze meses de vigência do último
acordo coletivo. Para o cálculo da média, denominada salário efetivo utilizava-se o
resultado da divisão do salário nominal de cada mês pelo índice diário de inflação,
denominado Fator de Recomposição Salarial (FRS), correspondente ao dia do recebimento
da remuneração. (...) Não eram computados no cálculo do salário médio ou efetivo, o
décimo terceiro salário ou gratificação equivalente, as parcelas de natureza não habitual, o
abono de férias, bem como as parcelas percentuais incidentes sobre o salário, as quais
seriam aplicadas após a conversão do salário efetivo em cruzeiros. Foi prevista a extinção
do Fator de Recomposição Salarial em 1.8.91, quando, então, todas as categorias
profissionais teriam obtido, em suas datas-base, a recuperação das perdas passadas, e
subseqüentemente, consolidar-se-ia o regime de livre negociação salarial no País.”
174
172
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1992. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 29, 1993. pp.50-51.
173
OLIVEIRA, Francisco M. C., Entre a terra e o céu: mensurando a utopia? In: Seminário
Cidadania, Pobreza e exclusão social, 1998. (Mimeog.).
174
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1990. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 27, 1991, pp.32-33.
69
Além da liberalização da negociação salarial do setor privado nacional, a
maioria dos trabalhadores tiveram seus salários congelados por força da lei, e os
salários dos servidores públicos, a partir de abril:
“tiveram vedados os reajustes até outubro, quando então foi concedida uma antecipação de
30%. O salário mínimo – até então regulamentado pela Lei nº 7.789 de 89, que estipulava
reajustes mensais, pelo IPC, e que assegurava, a cada bimestre, acréscimo real de 6,09% -
teve seu valor mantido constante de março a maio por força da lei nº 8.030, de 12.4.90. Os
reajustes promovidos no salário mínimo, no decorrer de 1990, levaram-no ao valor de Cr$
8.836,82, vigente em dezembro, com variação de 1.021% no ano, bastante inferior à
evolução de quaisquer dos índices de preços aferidos no período. As diretrizes
governamentais e dispositivos legais concernentes aos salários, de modo geral, aliados ao
processo de ajustamento a que foi submetida a economia brasileira, em virtude da
implementação do Plano Brasil Novo, foram conducentes à substancial redução do poder
aquisitivo dos salários em 1990. (...) Em termos reais, deflacionada pelo IPC-FIPE,
verificou-se, em média declínio de 23,28% da massa salarial, contra expansão média de
16,38%, registrada no ano anterior, decorrente, tanto da queda do salário médio como da
depressão no nível de emprego, que havia apresentado crescimento em 1989.”
175
A prática da variabilidade salarial se generalizou. Como a parte variável do
salário não entrava na recomposição do cálculo de reajuste – como por exemplo, as
férias, 13º salário e comissionamento –, a remuneração salarial foi, gradualmente,
aumentando a parte variável dos salários, sendo comuns os abonos neste período
176
.
No Unibanco, segundo o jornal dos bancários, UNIBANDO:
“As demissões se acentuam na nossa categoria. Além dos colegas do Unibanco, foram
demitidos também bancários do Nacional, Sudameris, BNDES, Financeiras e mais 400
colegas do Boavista. Recentemente, o presidente Collor declarou à imprensa que dia 16/04,
foi o dia do fim da mordomia. No Brasil, agora estar empregado é ser marajá.
No Unibanco, depois das demissões que ocorreram recentemente, não se fala em outra coisa
senão novos cortes. O clima em todas as agências é muito tenso. Não é pra menos. Enquanto
o banco se estrutura ao novo plano, a diretoria do banco diz, cinicamente, que as demissões
são feitas dentro da lei.
Dentro dessa mesma lei, a qual o banco se refere, foram confiscados os 84,32% de nossos
salários. Já está claro que não só o bancário, mas para os trabalhadores em geral, o
significado do Plano Collor: Arrocho salarial e demissões em massa.
A prática adotada pelos banqueiros é antiga. Quando suspeitam que sua fantástica margem
de lucro pode diminuir, transferem o prejuízo para quem nunca lucra, somente sobrevive, o
bancário.
175
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1990. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 27, 1991, p.34.
176
Essa questão será tratada com o devido aprofundamento no quarto capítulo, no tópico sobre a
Remuneração Variável no Unibanco.
70
O Comando Nacional dos Funcionários do Unibanco propôs na última negociação que o
banco se adaptasse a nova regra e deixasse de lucrar tanto para garantir o emprego de
centenas de famílias. Observe a resposta que obtivemos do Sr. Domingos Spina (Diretor de
Recursos Humanos) ‘Uma empresa vive de lucros, pois só o lucro gera riquezas’ ”.
177
3.2 Abertura Comercial e Automação no Brasil: avanço e desefetivação
no trabalho bancário.
“Eu acompanhei o processo de mudança do banco desde a
época quando começou a fixa gráfica, quando você
escriturava tudo manualmente, até como é hoje,
tecnológico tudo feito no computador. Então todo esse
processo de mudança que foi um processo assim demorado
até porque na verdade a tecnologia ela não veio de uma
vez, a tecnologia começou praticamente em 1988 para cá,
então até 1988-90 esse processo de mudança foi muito
questionado. Algumas pessoas, elas eram contra, umas
eram a favor, então o processo em si ele acabou sendo um
pouco na marra, porque os funcionários antigos, eles
tinham aquela barreira, de não querer o processo novo. E
os funcionários que vinham novos queriam o processo já
mais modernizado, mais trabalhado. Então na verdade,
essa época de transição veio meio conturbada, foi meio
assim, como eu posso dizer, de difícil aceitação, porque
alguns queriam e outros não queriam.”
178
Com a abertura comercial a situação se agrava, uma vez que a capitalização
foi intensa e a automação crescia a passos de gigante. Segundo os bancários do
Unibanco,
“Nem o Plano Collor afetou o lucro dos bancos. O Unibanco teve o fabuloso lucro de 2,1
bilhões de cruzeiros, justamente quando a recessão bate a porta de todos. Mas os banqueiros
ganharam mais, e o resultado do Unibanco foi 51,34% superior ao primeiro semestre de
89”.
179
Segundo o presidente do banco, Israel Vainboin, este “é um resultado
adequado ao ambiente de trabalho no semestre”.
180
No entanto, o que se vê não são
177
UNIBANDO. Demissões: lucro a qualquer custo. São Paulo: Órgão Oficial dos Funcionários do
Unibanco. nº 36. maio 1990.
178
Entrevista realizada em 13/11/2004 com bancário do Banco do Brasil. (fita microcassete). N.
02CA252SD. Sony. s/d.
179
UNIFORÇA. “Conquistamos o vale-refeição, mas a luta continua”. São Paulo: Boletim
Informativo dos Funcionários do Unibanco. s.nº. sp. iss., ago. 1990.
180
O ambiente citado pelo banqueiro diz respeito aos resultados alcançados pelo Banco, vejamos a
seguir: “O balanço do primeiro semestre, divulgado pelo Unibanco no dia 30 de julho, apresentou
crescimento real de 26% no total de depósitos. O número de clientes também aumentou em mais de
20%. Foram abertas 70 mil novas contas de pessoas físicas e 10mil empresas. Com o lucro não foi
71
contratações, mas demissões, totalizando uma média de 1,6 mil. “Pela ótica dos
funcionários, o ambiente de que fala o banqueiro pode ser traduzido pelo aumento
da jornada e do ritmo de trabalho.”
181
Diante desse cenário, o banco segue com o enxugamento e com incorporação
de novas tecnologias, o que para os bancários repercutiu de forma avassaladora.
Numa Minuta do II Seminário Nacional dos Funcionários do Unibanco de Janeiro de
1990 encontramos uma tentativa de resistir às conseqüências a que foram submetidos
os trabalhadores bancários.
“O seminário fecha com uma discussão essencial que diz respeito ao aperfeiçoamento
tecnológico, à questão dos cachorros e demissões, ‘Aos funcionários que tiverem suas
funções extintas ou modificadas por alterações tecnológicas dos meios ou processos de
produção e, ainda, na rotina de trabalho, deve ser garantido o treinamento adequado para
aprendizagem em readaptação às novas funções. A utilização de computadores e/ou
máquinas modernas, que venham a substituir a força-de-trabalho na produção, não terá
como conseqüência a demissão de empregados, mas sim, a redução da jornada de trabalho,
sem redução salarial.
Serão criadas Comissões Paritárias de Tecnologia, onde todos os aspectos que interferem na
vida do trabalhador, decorrentes da inovação técnica, serão estudados e resolvidos.
Verificada a ocorrência de mudança do local de trabalho, decorrente das inovações
tecnológicas implantadas, fica assegurado ao empregado que este seja deslocado para o
local mais próximo de sua residência. Sobre as demissões, reintegração de todas as
demissões ocorridas no período de 20 de abril de 1989 até a data da discussão desta
cláusula”.
182
Aqui está presente a orientação do dispositivo constitucional da Constituição
de 1988, no inciso XXVII do artigo 7º, que define a: “proteção em face de
automação, na forma de lei”. No entanto esse dispositivo define como ação apenas a
promoção de treinamento para melhor qualificar o trabalhador nos novos métodos, a
realocação e remanejamento do trabalhador. Percebe-se que a supressão de postos de
trabalho é a medida mais recorrente.
diferente: Cr$ 104,2 bilhões em apenas seis meses.” EXTRA. É assim que o Banco Único trata seus
funcionários e clientes. São Paulo. Boletim Informativo dos Funcionários do Unibanco – Sindicato
dos Bancários/CUT.(Contestando a diretoria do banco). s.nº. 1992.
181
EXTRA. É assim que o Banco Único trata seus funcionários e clientes. o Paulo. Boletim
Informativo dos Funcionários do Unibanco – Sindicato dos Bancários/CUT.(Contestando a diretoria
do banco). s.nº. 1992.
182
II SEMINÁRIO NACIONAL DOS FUNCIONÁRIOS DO UNIBANCO. Minuta do Fechamento
Geral do Seminário. jan. 1990. (Mimeog.).
72
A discussão parlamentar inclusive tenta criar “comissões paritárias de
tecnologia que esbarraram no veto de João Batista Figueiredo sob alegação de que
atrasariam o desenvolvimento tecnológico do país”
183
, caso essa discussão
tecnológica passasse pelos trabalhadores.
Diante da insatisfação dos trabalhadores e de uma economia recessiva,
começa um burburinho que desembocará na reorientação das políticas de Recursos
Humanos. Com fortes impactos na vida do trabalhador, e com a necessidade de
alavancar as taxas de lucratividade num momento de forte pressão concorrencial, o
discurso tinha de se voltar aos métodos participativos.
Com o processo de centralização do sistema bancário em grupos cada vez
maiores e em reduzido número, esses conglomerados insurgentes centralizam em
suas matrizes, departamentos ligados à organização do trabalho. Começam a
desenvolver fortemente as gerências de sistemas e métodos das organizações.
“Procura-se melhorar as rotinas bancárias através de estudos de organização e
métodos com o objetivo de uniformizar e facilitar os trabalhos das agências, de
modo a permitir uma maior produtividade dos funcionários”.
184
Novas tendências emergem no campo concorrencial. Segundo o jornal A
Gazeta Mercantil:
“Aqui e ali a nova mentalidade está começando a se estabelecer: a excelência deve ser a
norma, não a exceção. (...) Numa fábrica orientada pelas inspeções, mais de metade dos
funcionários estão, de alguma maneira, envolvidos com tarefa de encontrar e de retrabalhar
os objetos rejeitados. (...) uma parte disso é controlável, outra não é. É justamente nessa
altura que o método desenvolvido por Deming, o controle estatístico de qualidade (SQC),
entra em cena”.
185
Além disso, outras práticas de controle produtivo começam a ser
implementadas. Dentre elas, ressalta-se, o processo de melhoramento contínuo ou
Kaisen, ou seja, a busca incessante de níveis cada vez mais elevados de qualidade
isolando as fontes de defeitos. Tabelas de controle, esquemas estatísticos derivados
183
RELATÓRIO Dieese. Automação: seus efeitos sobre o trabalhador bancário do Brasil. Secretaria
de política sindical da CUT (Departamento Nacional dos Bancários CUT/Dieese. São Paulo. mar.
1986. p. 2. (Mimeog.).
184
ZAMBERLAN, F. & SALERNO, M., O Trabalho nos Bancos, p.29. (Mimeog.).
185
PORT, O. A Guerra Mundial Por Mais… Gazeta Mercantil, São Paulo, 27.12.1991, caderno
indústria.
73
da medição dos processos que detectam os desvios de processo. Também, o Just in
Time que sintoniza no “tempo certo ou justo” a produção com seu escoamento. O
Quality Function Deployment seria um sistema de pesquisa sobre as oscilações no
consumo. Destaca-se ainda, o Controle Total de Qualidade, sistema de aplicação dos
princípios de qualidade em todas as atividades da empresa incluindo a satisfação do
cliente “interno e externo” (o cliente interno é o trabalhador), entre outros sistemas.
Os centros de planejamento dimensionam quadros, analisam fluxos de papéis,
métodos de otimização do trabalho, leia-se, intensificação do trabalho. É importante
notar que, justamente nessa época a idéia de um bancário “mais escolarizado”, “mais
qualificado” no mundo financeiro torna-se imprescindível na corrida concorrencial.
Este deveria ser um “consultor de negócios” e não mais somente um funcionário
administrativo e, portanto, operacional. Além dessas qualificações, tem agora de
enfrentar um mundo financeiro que, cada vez mais, tem uma diversificação maior de
serviços para correntistas e investidores.
Enquanto isso, na economia brasileira como um todo...
“A taxa de investimento (relação entre a formação bruta de capital fixo e o PIB), que esteve
em torno de 24% em 1974-1980, caiu para 18% em 1981-1990, recuando para 15% em
1991-1992, segundo estimativa do IPEA. Trata-se da mais baixa taxa registrada em todo
período de industrialização brasileira do pós-guerra. A continuidade da queda da taxa de
investimento reflete o prolongado período recessivo, provocando a obsolescência do parque
industrial brasileiro e a deterioração da infraestrutura existente.”
186
Percebe-se como alguns capitais foram ‘degolados’ nesse processo, mas o
capital financeiro, o grande capital financeiro internacional, mesmo o débil capital
financeiro brasileiro ganharam muito com a financeirização da economia. Aqui, no
entanto, um cuidado: não se pode esquecer que o capital financeiro oferece uma
“tábua de salvação que apenas o sustenta em cima da água até lhe apanharem o seu
negócio asfixiado, todas essas batalhas de dinheiro ganho, enfim, constituem a alta
política dos argentários”.
Enquanto a crise “política” se instaurava e o impeachment atingia o Planalto,
os acordos continuaram sendo fechados em velocidade e volume crescentes.
186
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1992. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 29, 1993, p.28.
74
Enfim, a recessão amargava essencialmente o trabalhador, lembrando uma
observação de Marx: “O trabalhador não precisa necessariamente ganhar com o
ganho do capitalista, mas necessariamente perde quando ele perde”.
187
“O Projeto Collor, substância e essência dos Planos 1 e 2, não caminha. Ao contrário,
retrocede e desorganiza o país. Sonha com uma nação partícipe, como filhote crescido, do
clube dos países ricos, de fotografia neoliberal, uma espécie de Coréia no Atlântico Sul.
Dócil ao grande capital externo, aproveitando-se da concorrência intramonopólica,
vislumbra a modernização capitalista sucateando o capital estatal, destruindo o pequeno e
médio capital, implodindo a tecnologia nacional, substituindo-a por uma tecnologia forânea
e abrindo nosso parque produtivo para o capital que detém esta tecnologia. E, claro,
tornando ainda mais miseráveis o enorme contingente de assalariados que vivem a
brutalização mais aguda de sua história republicana.
O Plano Collor 1, todos lembramos, objetivava, através da recessão violenta, do arrocho
salarial, do enxugamento da liquidez, da redução do déficit público, da privatização do
Estado, estancar o processo inflacionário e para abrir caminho para um real segundo
momento, mais ofensivo, do Plano. É falso, portanto, quando se diz que o Plano Collor 2 é a
continuidade natural do plano anterior. Não é. O Plano Collor 2 é o reconhecimento da
falência das medidas imediatas e contingenciais do Plano Collor 1. Este empobreceu ainda
mais o país, desestimulou o parque produtivo, achatou barbaramente os salários, manipulou
intensamente a consciência dos setores populares, e a inflação passou dos 20%, índice hoje
já insuportável. O Plano Collor 2 é a tentativa, um bocado desesperada, de arrumar o país
do estrago feito pelo plano anterior. Com o mesmo remédio, como se pode exemplificar:
congelamento de preços e salários. Já se sabe, à exaustão, o resultado disto. Um ‘tarifaço’
que joga os preços do Estado lá para cima. Desindexação que acaba com o Bônus do
Tesouro Nacional (BTN) e cria um símile, que logo dirá a que veio. A ’única’ novidade diz
respeito à unificação das datas-base, para janeiro e julho, para os reajustes para os
trabalhadores. Sem nenhuma consulta ao movimento sindical, e considerando dois
momentos sintomáticos (janeiro e julho) e não 1º de maio, como sempre reivindicaram os
trabalhadores, o governo, com isso, ponderou pelo menos dois aspectos. Primeiro:
aprisionada à visão míope de que o salário causa inflação, quer ter o controle pleno,
absoluto (uma vez mais!) dos índices de aumentos salariais semestrais, como forma de
‘controlar’ a inflação. Segundo: confia na docilidade e subserviência da Confederação
Geral dos Trabalhadores (CGT), até ontem dirigida por Magri, e da Força Sindical de
Medeiros, que sempre atuou como faixa de apoio ao atual governo [Lula]. Estes seriam
fatores intrínsecos à divisão do movimento sindical que impediriam, então, as ações mais
abrangentes do conjunto do sindicalismo.”
188
O descontentamento era geral e em 1992:
“As suspeitas de uma rede de corrupção organizada a sua volta já se propagam em
1991. Em abril de 1992, seu irmão Pedro Collor denuncia o famoso ‘esquema PC’,
envolvendo o tráfico de influências e a corrupção. Outras declarações de pessoas ligadas ao
presidente, como a do motorista de sua secretária, acabam tornando irreversível a apuração
das irregularidades que culminam com o processo de impeachment de Fernando Collor de
187
MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos, p.25.
188
ANTUNES, R., O duplo fracasso do Projeto Collor, pp.12-14.
75
Mello, apreciado na Câmara dos Deputados em setembro de 1992 e no Senado em dezembro
do mesmo ano, que acabam por afastá-lo do cargo”.
189
No mesmo período, com relação aos acordos e à modernização do setor
financeiro, segundo Dieese, a estrutura do Unibanco contava com:
“O Unibanco dispunha em Junho de 1992 de uma rede de 645 pontos de atendimento: 438
agências, 194 PAB’s e 13 agências de câmbio. O total de empregados girava em torno de
21.100 bancários. Ao longo do primeiro semestre de 1992, uma série de fatos marcaram o
desempenho do banco. Entre eles, um acordo operacional com o Morgan Stanley &Co para
viabilizar operações no mercado de capitais internacional, fusões, aquisições, privatizações;
Captação de US$ 200 milhões no mercado de eurobônus para o próprio banco; ampliação
do acordo operacional para o Mercosul com a adesão do Banco UNION DEL Paraguay (o
acordo já contava com o Surinvest do Uruguai, o Banco Roberts da Argentina, e o Bice do
Chile). (...) Finalmente o patrimônio líquido totalizou 2 trilhões neste ano. O lucro líquido
atingiu CR$ 104,2 bilhões. Este resultado foi 55% maior que no ano anterior, sendo 3,2 tri
com operações de crédito e 3,1 trilhões com operações de títulos e valores mobiliários. O
resultado na intermediação de recursos foi de 727 bilhões”.
190
E, é a reboque dessas estratégias que se desenvolve ainda mais a base
tecnológica nas agências do Unibanco. No mesmo ano, segundo notícia da Revista
Isto É:
“O equivalente a 3 Maracanãs cheio de torcedores a cada mês recorre a um tipo de serviço
que tem ganho crescente espaço no setor bancário. O serviço, conhecido como UNIBANCO
30 Horas, que permite ao cliente realizar transações financeiras por telefone, somente em
dezembro contabilizou 500 mil chamadas, um crescimento de 20% em relação ao mês
anterior. O sucesso desse sistema inaugurado no mês passado, superou as expectativas do
Vice presidente do Unibanco, Joaquim Castro Neto. Os 650 mil correntistas do banco se
acostumaram rápido com a conveniência de realizar operações sem a necessidade de ir a
uma agência.
No seu prédio na Praça do Patriarca, o Unibanco tem 130 pessoas em três turnos prestando
atendimento dia e noite através de 120 linhas. No início muitos preferiram testar o sistema.
Ligavam de madrugada só para verificar se o atendimento de fato funcionava a qualquer
hora. Isso deu o maior impulso ao 30Horas. No total, Us$ 2 milhões foram gastos em
publicidade. (...) O atendimento centralizado ao cliente por telefone descongestiona as
agências, diferencia o banco e viabiliza redução de custos. Em julho passado, o Unibanco
inaugurou o serviço 30 Horas para pessoas jurídicas, que pode ser acionado por meio de
microcomputadores. Esse sistema permite ao cliente digitar da empresa a sua listagem de
duplicatas para cobrança. Oferece também a vantagem de lançamentos automáticos em
conta pelo terminal instalado na empresa, sem necessidade de qualquer contato verbal com
a agência”.
191
189
MORAES, A. O Plano Brasil Novo. In. KON, Anita (Org.). Planejamento no Brasil II, p.188.
190
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socieconômicos. Unibanco: Perfil e
Resultados no 1º Semestre de 1992. Belo Horizonte, 1992. (Mimeog.).
191
Na Hora Certa: Unibanco conquista mercado com agência que nunca fecha. Revista Isto É. nº
1165, São Paulo, jan. 1992.
76
E, não pára por aí. Inova mais uma vez. Começa a surgir uma longa trajetória
de automação, renovando o ciclo em novos patamares que contribuirão para a
intensificação das demissões em massa no Unibanco: redução do tempo de trabalho
bancário e também o fornecimento das condições para uma mudança no conteúdo do
trabalho
192
, com a incorporação de outras atividades.
Depois da implantação do Unibanco 30 Horas, é criada a sala de auto
atendimento - 30 Horas, nas agências.
“Mais uma vez o Unibanco sai na frente inaugurando a primeira agência do Brasil a
oferecer total conveniência ao cliente, ininterruptamente, dia e noite. É a agência
UNIBANCO 30 Horas, que está funcionando, desde o dia 12 de maio de 1992, na nova ala
do Shopping Iguatemi, em São Paulo. Ela implanta um novo conceito de atendimento,
agregando aos serviços disponíveis nas 6 horas do horário bancário as vantagens de uma
sala de conveniência eletrônica, que funciona durante 24 horas. Esses serviços estão
disponíveis aos clientes de qualquer uma das agências do Unibanco. Duas atrações se
destacam na Agência Unibanco 30 Horas. O ‘Face-a-face’ que ativa instantaneamente a tele
recepcionista, que aparece na tela da tv assim que alguém se aproxima, estabelecendo um
contato ao vivo e a cores com o cliente. A outra vedete é o cheque rápido, um aparelho de
alta tecnologia que permite ao cliente obter talão de cheques, personalizado e impresso a
lazer, em apenas dois minutos. Enquanto espera, o cliente assiste no monitor do aparelho o
processo percorrido para a fabricação do talão.” (...) Com seu aspecto futurista, a agência
já ganhou 80 contas e o movimento é considerado acima das expectativas pela diretoria do
Unibanco, que investiu US$ 2,5 milhões na informatização do sistema e mais US$ 300 mil
nas instalações. Entre as novidades está um monitor que aparentemente só transmite filmes
com a propaganda do banco. Mas quando o cliente, com dificuldade na utilização de um
equipamento, se coloca a sua frente, os comerciais dão lugar a imagem colorida de uma
moça que resolverá suas dúvidas. No entanto quem quiser conhecer ao vivo a tele-
recepcionista não terá sucesso. No começo, quando vê que a imagem está falando com ele, o
cliente se assusta, mas logo depois se acostuma, diz o gerente de marketing do banco,
Guilherme Figueira Neto”.
193
Submeter o trabalho vivo ao trabalho morto é da compulsão do capital. O
“Face a Face”, é a evidência de que o trabalho vivo permeia o 30Horas. Uma
bancária à longa distância continua como assistente do serviço, mas o que se mostra
como linha tendencial do movimento da automação é a eliminação, não total, do
trabalho humano, pois, inclusive este, se mantém na fabricação, manutenção e
alimentação das tecnologias.
192
Leia-se mudança de conteúdo, uma mudança na ênfase do trabalho em negócios em vez de focá-lo
nas transações operacionais, e não uma mudança na essência do trabalho bancário. Este continua
realizando a mercadoria dinheiro no mercado.
193
EXTRA. A Primeira Agência Unibanco 30 Horas. São Paulo: Boletim Institucional do Unibanco.
Ano 1, nº 1, jun. 1992.
77
O trabalho de Lessa desdobra essa questão, quando nos alerta para uma
determinação imanente ao trabalho que é central para compreensão do impacto do
desenvolvimento tecnológico, da força produtiva na vida social,
“Lukács argumenta, citando Marx seguidamente, que um dos traços essenciais do ser social
é a tendência à diminuição do tempo de trabalho necessário a sua reprodução material. As
atividades de trabalho (a conversão da natureza em produtos sociais) tendem, conforme
avança o processo de socialização, a ocupar uma quantidade cada vez menor de indivíduos
e de horas trabalhadas. O fenômeno, tão aclamado como a ‘novidade’ da sociedade
contemporânea, da recente expansão do setor de serviços, nada mais é do que uma
expressão historicamente particular de um fato muito mais geral. O significado imediato do
‘afastamento das barreiras naturais’ é a crescente diminuição da proporção do total de
trabalho socialmente disponível a ser alocada na transformação direta da natureza. Em
suma, com o desenvolvimento das forças produtivas, uma proporção cada vez menor da
força-de-trabalho total da humanidade deverá ser ocupada pelas atividades envolvidas com
o intercâmbio orgânico com a natureza.”
194
Um bancário de retaguarda, por exemplo, encarrega-se de tarefas como
atendimento ao cliente, caixas, controle de numerário da agência, tesouraria,
manutenção e alimentação das máquinas de auto-atendimento, processamento de
operações em geral, abertura de contas, devolução e encaminhamento de cheques,
tarifação de clientes, estorno de transações, além de cuidar do aspecto visual e
organizacional da agência, etc. Enfim, é polivalente, faz todo o trabalho operacional
da agência. A retaguarda é o desdobramento de muitas funções antigas como, por
exemplo, do escriturário. Estas atividades estão sendo, a cada dia, substituídas pelos
meios remotos
195
, suas funções deixam de ser o foco do trabalho nas agências. São
muitos os fatores explicativos, entre eles, a mudança no conteúdo do trabalho
bancário com enfoque sobre as “vendas”, sobre a captação de negócios, reafirmando
a linha de tendência do capitalismo descrita acima por Lessa. A tecnologia permite
padronizar as rotinas operacionais de modo que estas sejam substituídas pela
microinformática.
É exatamente isso que aponta o bancário em entrevista, vejamos:
194
LESSA, Sérgio., Mundo dos Homens: trabalho e ser social, p. 36.
195
Equipamentos de auto atendimento, home-bankings, tecnologias bancárias em geral.
78
“O cliente chegava no banco, passava primeiro por um atendente, o atendente pegava a
ficha dele levava pro escriturário, o cliente vinha para esse escriturário dizia o que ele
queria fazer. Por exemplo, ele falava, eu quero sacar 100 reais, aí ele anotava, fazia a ficha
de saque, anotava na ficha gráfica, passava pro chefe, o chefe vistava, e depois ia pro caixa.
Era altamente burocrático, se você comparar com hoje, hoje você tem um cartão magnético,
você vai em qualquer terminal e você saca. Olha a diferença que tem de procedimento de
trabalho, olha o quanto o banco economizou nesse custo. Você tinha três, quatro pessoas pra
atender uma pessoa, hoje você não tem ninguém, você tem uma máquina”
196
Conforme um dirigente sindical do Unibanco há uma clara transformação no
trabalho bancário na década de noventa:
“Na organização do trabalho, na forma que se faz o trabalho, no foco, no ritmo, no volume,
tudo isso se altera, e se alterou e muito mais forte se a gente for considerar os anos 90.
Quando ocorreram todas aquelas transformações da abertura econômica, na época do
Collor, acabou a inflação, os ‘Flootings’, ‘over nigth’, ganhos inflacionários, então baixou a
inflação com o Plano Real. Nominalmente, então os bancos começaram a ganhar em outras
frentes, com a taxa de juros do governo (SELIC) e na exploração de produtos financeiros e
na eficiência, os bancos falam muito na eficiência, é a equação entre ganhos de receita,
receita financeira e operacionais, em função das despesas administrativas e operacionais.
Então quanto mais enxuto o banco estiver em estrutura, em quadro de funcionários e mais
operações eles tiverem de crédito e operações financeiras e recebimentos de tarifas de
serviços bancários, ele tende a ter uma eficiência maior porque ele consegue ter mais
resultado com menos gasto.”
197
Como pode-se constatar, o cliente passa a fazer o trabalho e paga para o banco
por isso,
“Essa sensação de ver aí o cliente executando a própria operação é uma tendência que vem
crescendo porque o banco alega que esta é uma conveniência para o cliente, e você pode
acessar o banco de madrugada, ou por telefone ou pela internet ou a qualquer momento.
Para o funcionário diretamente tem dois aspectos, o banco consegue incutir na cabeça dele
que esse serviço aqui é menos importante e que ele tem de ficar focado então nos negócios,
então você se liberta de ter de ficar fazendo saque, pagamentos de continhas de telefone
porque tudo tem código de barra e o cliente paga no auto atendimento e ele te libera para
ganhar novos negócios para banco, isso então entra naquele aspecto que nós falamos do
objetivo da agência. O objetivo da agência não é atender cliente não é ter baterias de caixa
para atender volumes de clientes na agência, é ter menos clientes na agência mas aqueles
potenciais que geram resultados, que tem volumes maiores de movimentação ou ainda
aqueles clientes que usam meios eletrônicos. Mas, basicamente na agência não tem cliente. E
o funcionário incorpora essa cultura, ele diz o seguinte: eu tenho que bater minha meta eu
tenho o espaço pra fazer isso que é a agência e tem outras possibilidades que é disputar o
mercado, ir atrás desses potenciais de negócios, de novas contas. Mas enfim a automação
tem esse aspecto também, libera os funcionários para os negócios”.
198
196
Entrevista realizada em 13/11/2004 com bancário do Banco do Brasil. (fita cassete). N.
030A270MD. Sony. s/d.
197
Entrevista realizada em 26.8.2004 com dirigente sindical do Unibanco realizada no sindicato dos
bancários. (fita cassete). N. 05DA2415F. Sony. s/d.
198
Entrevista realizada em 26.8.2004 com dirigente sindical do Unibanco realizada no sindicato dos
bancários. (fita cassete). N. 05DA2415F. Sony. s/d.
79
A partir daí, o trabalho nas agências pode impulsionar uma aceleração das
taxas de lucratividade bancária, uma vez que a operacionalização do trabalho
improdutivo dá lugar à captação de negócios, ou seja, abre maior espaço para o
banco capitalizar dinheiro e emprestá-lo com maior rapidez.
Na esteira desses acontecimentos, o Unibanco que não perde tempo – pois
este também é mercadoria no sistema capitalista, é socialmente determinado –, lança
mais uma inovação:
“O Unibanco 30 Horas Pocket, um serviço que coloca o Unibanco na mão do cliente,
permitindo que, a qualquer hora e ininterruptamente, ele consulte seus saldos de conta
corrente, poupança e fundos de investimento, além de indicadores econômicos e informações
pessoais. Tudo com um aparelho menor que um maço de cigarros e movido a pilha comum
que pode ser levado a qualquer lugar. Roberto Bornhausen, presidente do conselho
administrativo do Unibanco diz que o Unibanco 30 Horas Pocket é o segundo filhote do 30
Horas. O conceito foi lançado em junho do ano passado e os primeiros passos concretos
foram o serviço telefônico e via microcomputador. O primeiro filhote foi a agência Unibanco
30 Horas. A agência faz atualmente uma média de mil atendimentos semanais. Em julho, o
serviço telefônico recebeu 700 mil chamadas. Para Bornhausen, o objetivo do Unibanco é
alcançar, no atendimento bancário um conceito equivalente à qualidade total na
indústria”
199
A inovação permanente é o que garante a sobrevivência capitalista dentro da
concorrência. Um atrativo é a possibilidade de obter informações fáceis e rápidas da
situação financeira, das aplicações e investimentos. Essa possibilidade potencializa o
fluxo transacional da mercadoria dinheiro. A partir daí uma nova possibilidade de
ampliação de mercados também se põe. Essa autofagia concorrencial é a tendência
da relação capitalista que concentra o mercado em alguns oligopólios com enorme
capacidade de capital, determinando a hegemonia do capital financeiro na economia.
Uma espécie de imperialismo se estabelece, quando essas relações já se encontram
em patamares de universalização jamais vistas na história humana. E aqui a
obsolescência dos meios, dos -aparatos tecnológicos - é uma tendência imanente da
relação que se mostra em processo de intensificação. No nosso caso, fala-se também
da diversificação dos serviços. Essa forma de concentração da propriedade de capital
- o capital financeiro - oferece aos outros capitalistas a capacidade destes extraírem
trabalho não pago, uma vez que repartem a mais-valia entre si como ganho do
199
EXTRA. Unibanco 30 Horas Pocket: o Banco na mão do cliente. São Paulo. Boletim Institucional
do Unibanco. Ano 1, nº 7, ago. 1992.
80
empresário e juro. Essa dominação é inclusive definidora da divisão internacional do
trabalho.
A conciliação com os capitais forâneos, como mecanismo de capitalização e
modernização é a forma de concorrência do Unibanco. Apesar da saída de Collor, a
política econômica de seu governo não se alterou significativamente com a entrada
de Itamar Franco, embora este tenha herdado o período de início da efervescência
nos investimentos em modernização tecnológica, o que lhe rendeu expansão da
atividade econômica. E, para o Unibanco, mais facilidades com a abertura comercial
e o incentivo à modernização.
“Cabe destacar que a mudança no comando político do país, em fins de 1992, imprimiu
alterações no quadro macroeconômico. Expectativas mais favoráveis decorrentes do novo
discurso de abrandamento da recessão e de mudanças favoráveis na política salarial,
somadas à tendência declinante das taxas reais de juros e a fatores sazonais estimularam o
aumento do consumo, através da transferência de recursos para a aquisição de ativos reais.
Verificou-se, assim, recuperação da atividade econômica no último trimestre do ano, com o
desempenho da indústria passando a ser positivo, depois de vários meses desfavoráveis. O
emprego industrial cessou seu ritmo de queda, as expressivas vendas no comércio
praticamente eliminaram os reduzidos estoques, pressionando a elevação da produção
industrial nos primeiros meses de 1993.”
200
“O Brasil deu prosseguimento ao programa de liberalização da economia e abertura ao
exterior, não obstante a conjuntura externa desfavorável ao comércio e aos desdobramentos
da crise política interna. (...) Em 1992, o setor externo da economia brasileira buscou
ajustar-se para acompanhar o processo de reformas que visam, entre outros aspectos, maior
abertura da economia ao comércio e ao capital estrangeiro e sua inserção no contexto
internacional”.
201
Ainda com relação à entrada do capital externo no Brasil, é importante que se
atente aos seus movimentos, o que foi determinante às estratégias do Unibanco para
sua expansão e modernização. Percebe-se que a facilitação, tanto da entrada quanto
da saída desses capitais forâneos é condição sine qua non para as alianças, mesmo
que isso signifique a quase totalidade soçobrada da mais-valia para o capital
nacional,
200
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1992. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 29, 1993, p.19.
201
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1992. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 29, 1993, pp.64-65.
81
“A composição dos investimentos estrangeiros no País teve sua estrutura alterada a partir
de 1991, favorecendo as aplicações no mercado de capitais. No período 1987-90, o mercado
de capitais recebeu, em média 34% do total dos investimentos em moeda, passando para
55% em 1991 e 74% em 1992. Deve-se salientar que as aplicações externas na área
produtiva foram também significativas, tendo alcançado US$ 1,3 bilhão, comparativamente
aos US$ 628 milhões observados em 1991.
Os retornos de investimentos estrangeiros atingiram US$ 2,3 bilhões, em sua quase
totalidade, no valor de US$ 2,2 bilhões relativos à remessa de recursos aplicados no
mercado de capitais. Uma das características desse mercado é a volatilidade das aplicações,
que reflete movimentos especulativos a curto prazo.
Dos US$ 3,9 bilhões destinados ao mercado de capitais, 90% tiveram origem em cinco
países: Estados Unidos (46%), Ilhas Cayman (16%), Reino Unido (15%), Antilhas
Holandesas (8%) e Bahamas (5%)”.
202
Além disso, foi extinta, em janeiro de 1992, a incidência de imposto de renda
sobre remessa ao exterior de lucros e dividendos. Nesse momento, a reconversão da
dívida em papéis e a captalização de bancos brasileiros no exterior foi bem intensa.
“Dentre as formas de captação de empréstimos externos destacaram-se a colocação
de ‘fixed rate notes’ (US$3,3 bilhões) e o lançamento do ‘commercial paper’
(US$1,2 bilhão) (...). Por sua vez os empréstimos diretos matriz-filial, lançamentos
de bônus e a tomada de recursos via bancos (Resolução 63)
203
registraram, em cada
modalidade, valores acima de US$ 800 milhões.(...)”
204
A euforia (crédito, assédio financeiro) foi tamanha que, em 1993, o ano
apresentou melhora nas taxas de investimento, com ‘relativo’ incremento no
emprego e na massa salarial. Embora, “a reestruturação da indústria, iniciada em
1990, usou como um dos seus fundamentos a diminuição da quantidade de trabalho
na produção.”
205
. Inclusive através da automação e terceirização, uma espécie de
ajustamento em que “houve recuperação também nos investimentos, com um aspecto
positivo: o aumento da capacidade produtiva foi modernizante, contando com
202
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1992. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 29, 1993, pp.80-81.
203
Resolução 63 de 1967 do Banco Central do Brasil, que autorizou os bancos comerciais, de
investimento e BNDE a captar recursos junto aos bancos internacionais.
204
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1992. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 29. 1993, p.82.
205
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1993. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 30. 1994, p. 7.
82
absorção de novas tecnologias em forma de importação de bens de capital
(máquinas e material elétrico), que cresceu 27% em valor, no ano.
206
É claro que falar em aumento de investimento não significa necessariamente
aumento de emprego, e isso a década de noventa tem bastante o que contar.
“A taxa média de desemprego aberto, do IBGE, caiu de 4,93%, no segundo
semestre de 1993, para 4,66% em igual período de 1994.”
207
“Mais uma vez, ocorreu tal
como nos anos 50, um novo surto de reestruturação produtiva [que] acompanhava o
redirecionamento do padrão de acumulação capitalista no país, com impactos decisivos
sobre o mundo do trabalho. Desta vez, o novo complexo de reestruturação produtiva
vinculava-se à Terceira Revolução Industrial, a nova lógica da racionalização do trabalho
sob a mundialização do capital – o toyotismo. Representou uma nova ofensiva do capital na
produção e uma nova lógica da superexploração do trabalho sob o capitalismo mundial.
208
A partir daí, a subsunção do trabalho ganha proporções inéditas. “o cenário
mundial da concorrência capitalista exigiu não apenas investimentos em capital
intensivo, por meio de novas tecnologias microeletrônicas na produção, mas,
principalmente, novos padrões de gestão da produção capitalista, capazes de
propiciar elevado patamar de qualidade e competitividade.”
209
Assim, as inovações implementadas continuam década à frente. A operação
de abertura de conta corrente e concessão de limite de crédito, por exemplo, havia
ficado mais fácil nas agências. É que o Unibanco acabava de introduzir um novo
processo na automação bancária que racionalizava e simplificava os procedimentos
necessários. Simultaneamente, os formulários que o cliente deveria preencher
também foram simplificados e toda a rede recebeu treinamento.
O novo processo permitiu a redução de 92% na redigitação de dados e uma
diminuição de 45% no volume de dados digitados. Com isso, o tempo gasto em todo
206
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1993. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 30. 1994, p. 7.
207
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1994. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 31, 1995, p. 9.
208
ALVES, G. O novo (e precário) mundo do trabalho (Reestruturação produtiva e crise do
sindicalismo), p.113.
209
Ibid.p.116.
83
o processo baixou 38% em comparação com o anterior, o que significa que
doravante, amplia-se o tempo para atendimento ao cliente.
210
A redução dos processos diminui custos com o trabalho improdutivo. Dessa
forma, o processamento e a operacionalização cedem lugar, cada vez mais, à
captação da mercadoria dinheiro. O bancário deixa, em boa medida, de ser o
operador, deixa de ser o processador para ser o consultor, o emprestador do dinheiro.
Empresta a capacidade de tomar trabalho não-pago, conforme já aludido
anteriormente. Essa circunstância se traduz na necessidade iminente de realização da
mercadoria dinheiro, do capital dinheiro. Esse aperfeiçoamento constante da
automação é a cristalização da alteração da composição técnica do capital,
transformando também o trabalho bancário.
Cabe ressaltar que esse desenvolvimento brutal só foi possível pela
cooperação social do trabalho que se instaurou. O caráter social do trabalho é a chave
para entendermos a potencialidade do desenvolvimento humano. As inovações do
Unibanco contaram com as descobertas e desenvolvimentos de setores de
telecomunicações e microinformática, entre outros. Assim, o Unibanco explora não
só o trabalho bancário como também o trabalho de outros setores, pois estes se ligam
a uma teia quase invisível. A recíproca, na outra ponta, também é verdadeira.
211
Em
matéria da Revista Exame encontram-se informações preciosas que passam quase
que despercebidas aos olhos desatentos. Vejamos:
210
DESTAQUE. Mais um Avanço na Automação Bancária. São Paulo: Boletim Institucional do
Unibanco. Ano 1, nº 11, set. 1992.
211
Sobre essa questão é importante ter em conta; no nível social, que “a determinação ontológica
precisa da individualidade humana [que] une de um modo indissolúvel, de um lado, o
carecimento
recíproco, e, de outro lado, a necessária diversidade dos indivíduos, num complexo real que define
distintivamente a interatividade propriamente humana. O contato social pressupõe exatamente aquela
diversidade que coloca cada indivíduo para si mesmo como um fim particular, e imediatamente, para
outro, como um meio de satisfazer a carência particular deste último. Ser concomitantemente meio e
fim é um dos aspectos mais importantes da individualidade. Assim, os indivíduos existem em sua
multidiversidade uns em relação aos outros, com fins e necessidades diferentes , e interagem no
interior deste status quo . (...) Diversidade e generidade não se opõe, mas se potencializam. A
diversidade põe o intercambio social enquanto necessidade imperiosa, onde em determinadas
circunstâncias, os indivíduos aparecem como produtores e detentores do objeto do carecimento de
uns e outros.ALVES, A., A individualidade nos Grundrisse, p.14. A reciprocidade é uma
determinação ontológica mesmo dentro da relação capitalista, quando os indivíduos aparecem como
descolados entre si, isolados.
84
“O banco é o cliente dos sonhos de qualquer produtor de máquinas ou programas. O
Unibanco, por exemplo, uma instituição criada há 68 anos, investe 50 milhões de dólares ao
ano em tecnologia. Esses investimentos transformam-se em serviços nos quais a tecnologia
se ajusta às necessidades dos clientes. Assim, uma multinacional como a Nestlé, por
exemplo, usufrui o serviço EDI (Eletronic Data Intercharge, ou troca eletrônica de dados)
do Unibanco. Uma tecnologia inovadora e ainda muito cara, a ligação entre a Nestlé e o
Unibanco possibilita que as faturas de compra e venda da empresa suíça sejam descontadas
sem que um Office-boy, por exemplo, tenha de trazer para a agência do banco os recibos da
operação. Com o EDI, tudo se processa de computador para computador”.
212
Trata-se, aqui, da informação em tempo real estabelecendo novas bases para o
desenvolvimento da vida humana socialmente posta. Além disso, fica transparente,
pelo próprio processo, o caráter social do trabalho
213
, da tecnologia. Esse caráter está
contido na automação mesmo quando essa tecnologia desenvolvida provém de outro
setor ou do mesmo setor, como trabalho social e que se opõe ao trabalho bancário.
“Os indivíduos intercambiam sua vida e sua produção sob a forma da mercadoria
pelo motivo preciso de que o caráter social de sua atividade, assim como a forma
social do produto, como a parte que o indivíduo toma na produção, aparecem aqui,
frente aos indivíduos como coisa estranha, como uma reificação, não como
comportamento recíproco de indivíduos, mas como sua submissão a relações
existentes independente deles e nascidas dos entrechoques destes indivíduos
indiferentes.”
214
Assim, o que é produto num setor, passa a ser meio de produção no
outro. No caso dos bancários, o trabalho morto corporificado, cristalizado na
tecnologia, como propriedade alheia, que só pertence ao capitalista, mas que é ao
mesmo tempo condição de trabalho para o bancário, o desemprega. Confrontando-o
enquanto força opositora, estranha, que o desefetiva.
212
“A madrugada é boa hora para fechar negócios”. Revista Exame, seção informática, s.nº, São
Paulo, set. 1992.
213
“A relação entre o trabalho e a totalidade social da qual faz parte é de tal ordem que todos os
processos particulares de trabalho separados no tempo e no espaço podem ser considerados como
diversas fases sucessivas do mesmo processo de trabalho. Ou seja, a função que o trabalho exerce no
interior da reprodução social, ele o faz enquanto um processo global, unitário, pois internamente
contraditório (suas contradições internas são mediações pelas quais, em suas inter-relações, se
constitui a totalidade do processo de trabalho), e apenas nesta sua dimensão de totalidade exerce
plenamente sua função de categoria fundante do mundo dos homens.” LESSA, S., Mundo dos
Homens: trabalho e ser social, p.39.
214
MARX, K., Grundrisse de 1857-58, pp.91-92.
85
“A maior parte das economias dessa natureza só é possível com o trabalhador coletivo e
freqüentes vezes só se tornam exeqüíveis em trabalhos de escala ainda maior, exigindo
combinação ainda maior de trabalhadores diretamente no processo de produção.
Por outro lado, o desenvolvimento da produtividade do trabalho num ramo de produção, o
de ferro, carvão, máquinas, etc., esse desenvolvimento por sua vez pode estar ligado ao
progresso no domínio da produção intelectual, notadamente das ciências naturais e da sua
aplicação, patenteia-se condição para que se reduza o valor, e portanto, os custos dos meios
de produção noutros ramos industriais. É o que naturalmente se infere, pois a mercadoria
que sai como produto de um ramo industrial, entra noutro como meio de produção. A
redução maior ou menor de seu preço depende da produtividade do trabalho no ramo de
produção de que sai como produto, e é simultaneamente condição: para baixar o preço das
mercadorias de que é meio de produção; para reduzir o valor do capital constante de que se
torna parte integrante, e, por conseqüência, para aumentar a taxa de lucro. Ganho este, que
é produto do trabalho social, embora não o seja dos trabalhadores por ele diretamente
explorados, é o caráter social do trabalho posto em movimento, a divisão do trabalho dentro
da sociedade; ao desenvolvimento do trabalho intelectual, notadamente das ciências
naturais. O capitalista se aproveita aí das vantagens de todo o sistema da divisão social do
trabalho.”
215
A economia nas condições de produção, característica da produção em
estágio bastante desenvolvido, foi bem analisada por Marx;
“Ao tratar da cooperação, da divisão do trabalho e da maquinaria, a economia nas
condições de produção, característica da produção em grande escala, decorre
essencialmente de funcionarem elas como condições do trabalho social, socialmente
combinado, como condições sociais do trabalho, portanto. No momento de produção
consome-as em comum uma coletividade de trabalhadores; não são consumidas
fragmentariamente por uma massa de trabalhadores desligados entre si ou que, no máximo
só em pequena escala cooperam de maneira direta. Toda essa economia oriunda da
concentração dos meios de produção e de seu emprego em massa tem por condição essencial
que os trabalhadores se aglomerem e atuem em conjunto, a combinação social do trabalho,
portanto. Decorre, por conseguinte do caráter social do trabalho, do mesmo modo que a
mais-valia provém do trabalho excedente de cada trabalhador isoladamente considerado.
Mesmo os aperfeiçoamentos constantes, que nesse domínio são possíveis e necessários, têm
sua origem única e exclusiva nas experiências e observações sociais, proporcionadas e
possibilitadas pela produção do conjunto de trabalhadores combinados em grande
escala”.
216
É importante notar o caráter dual da ação humana e, portanto, do trabalho. O
de “pôr a coisidade”, de criar o mundo humano, humanamente e, ao mesmo tempo,
de ser estranho ao trabalhador, na medida em que o trabalho morto domina o
trabalho vivo. Noutra passagem, Marx referencia essa questão,
215
Idem.,. O Capital. livro III, v. 4, pp. 88-89.
216
Ibid.pp.88-89.
86
“O modo capitalista de produção impulsiona, de um lado, o desenvolvimento das forças
produtivas do trabalho social, e, de outro, a economia no emprego do capital constante.
Mas não vigoram apenas a alienação e a indiferença do trabalhador, o portador do trabalho
vivo, relativamente ao emprego econômico, isto é, racional e parcimonioso de suas
condições de trabalho. De acordo com suas contradições e antagonismos, prossegue o
sistema capitalista considerando o desperdício da vida e da saúde dos trabalhadores, o
aviltamento de suas condições de existência, como economias no emprego do capital
constante e, portanto, meio de elevar a taxa de lucro.
Passando o trabalhador a maior parte da sua vida no processo de produção, as condições
desse processo constituem em grande parte aquelas em que se desenvolvem suas atividades,
suas condições de vida, e economizá-las é método de elevar a taxa de lucro; exatamente
como vimos antes, o trabalho excessivo, a transformação do trabalhador numa besta de
trabalho, constitui método de acelerar a valorização do capital, a produção de mais-
valia.”
217
Assim,
“O barateamento relativo dos meios de produção não exclui naturalmente que cresça o
montante do valor absoluto, pois a amplitude que são empregados aumenta
extraordinariamente com o desenvolvimento da produtividade do trabalho e da escala de
produção que a acompanha. Qualquer que seja a posição do observador, a economia no
emprego do capital constante resulta sempre da circunstância de os meios de produção
servirem de meios de produção comuns de uma combinação de trabalhadores que os
empregam, de modo que essa economia se patenteia produto do caráter social do trabalho
diretamente produtivo; ou, então, do desenvolvimento da produtividade do trabalho nas
esferas que fornecem ao capital os meios de produção. Desse modo, se confrontamos o
trabalho global com o capital global e não apenas os trabalhadores empregados pelo
capitalista X com o capitalista X, essa economia evidencia-se novamente produto do
desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social. A única distinção a considerar é
que esse capitalista tira partido tanto da produtividade do trabalho da sua própria fábrica
quanto das fábricas alheias. Apesar disso, a economia de capital constante, segundo o
prisma capitalista, é condição de todo estranha, que não diz respeito ao trabalhador, que
com ela nada tem que ver. Mas, está sempre evidente para o capitalista que o trabalhador
algo tem que ver com a circunstância de o capitalista comprar muito ou pouco trabalho pela
mesma quantia (como se patenteia em sua consciência a transação entre capitalista e
trabalhador). Essa economia no emprego dos meios de produção, esse método de atingir
determinado resultado com menores custos afigura-se-lhe força inerente ao capital—bem
mais do que quando considera as outras forças imanentes do trabalho --- e característica
própria do modo de produção capitalista.
Não admira essa maneira de ver tanto mais que lhe corresponde a aparência dos fatos e a
relação capitalista dissimula o contexto interno que os liga na completa indiferença,
dissociação e alienação a que leva o trabalhador com respeito às condições em que realiza o
próprio trabalho.”
218
Essa visão capitalista pode ser apreendida pelo enunciado do banqueiro que,
assim, declara:
217
Ibid.pp.96-97.
218
Ibid.pp.94-95.
87
“Na verdade, o computador é nossa fábrica, brinca Paulo Bravo de Souza, vice presidente
do Unibanco. Ao lidar com dinheiro, crédito, investimentos, o banco tem de ter domínio, o
tempo todo, sobre as variáveis do mercado, a ascensão e queda das empresas. Aqui a
tecnologia que manipula os dados se confunde com o negócio em si. Não por acaso, desde o
início dos anos 90 está-se dando ênfase ao processamento remoto. Agora, praticamente não
é mais necessário o cliente deslocar-se até uma agência para resolver seus negócios.
Usamos máquinas e sistemas para atender ao cliente na casa dele, em sua empresa ou até
dentro do bolso. O conceito é tão forte dentro da instituição que gerou uma grife própria:
UNIBANCO 30 HORAS.
O serviço de atendimento automático do Unibanco nasceu em junho de 1991, quando foram
lançadas linhas telefônicas nas quais, 24 horas por dia, sempre há alguém para resolver os
problemas do cliente. Uma parte desse trabalho é executada por gravações digitais,
enquanto outro tanto se faz com interlocutores de carne e osso. Para sofisticar essa área, o
banco mantém uma equipe de pesquisa em tecnologia que viaja por todo o mundo,
observando soluções que possam ser adaptadas.
É um ambiente high-tech forrado com aço escovado, munido com quatro micros 386 com
monitores gráficos embutidos nas paredes, uma das telas é um monitor de televisão no qual
uma funcionária responde ás duvidas dos clientes, acima desse vídeo há uma câmera que
grava a imagem do correntista e possibilita uma conversa com a bancária, esta fica em outra
localidade, de plantão, atenta a qualquer dificuldade que o cliente encontre. (...) à
semelhança de outras corporações do mundo todo, o Unibanco está vivendo um processo de
downsizing
219
. Nossa arquitetura de sistemas está baseada num conceito de cliente/servidor
em que o grande servidor da corporação continua sendo o mainframe
220
. Os serviços de
telecomunicações são insuficientes para nossa demanda, e extremamente caros, reclama
Paulo Bravo. Os preços de softwares e máquinas tem caído sempre, mas as tarifas estatais
continuam altas. Esses serviços tem um custo tão pesado que uma das soluções encontradas
contribui para uma verdadeira revolução na forma de trabalho nas agências. Onde antes
usávamos terminais burros, colocamos agora micros ligados numa rede local pequena e
bastante autônoma. Nessa nova arquitetura boa parte das informações de que os bancários
precisam está bem ao alcance de seus dedos, sem a necessidade de processamento remoto.
Assim, diminui substancialmente o tráfego de informações nos canais transdata (locados). É
a única forma de a agência continuar trabalhando quando o sistema cai”.
221
Mas, com ironia Marx considera,
“Primeiro: Os meios de produção em que consiste o capital constante representam apenas o
dinheiro do capitalista (do mesmo modo que o corpo do devedor romano, segundo Linguet,
representava o dinheiro do credor) e só estão relacionados com ele, enquanto o trabalhador,
ao entrar em contato com esses meios, emprega-os apenas como valores de uso da produção,
meios ou matérias de trabalho. Não altera a natureza da relação que existe entre ele e o
capitalista, o acréscimo ou decréscimo do valor deles, em a circunstância de trabalhar em
ferro ou cobre. Sem dúvida este prefere, de acordo com os fatos examinados, ver a
ocorrência de outra maneira, quando há acréscimo de valor dos meios de produção e,
portanto, redução da taxa de lucro.
219
Reengenharia de processos.
220
Computador de grande porte.
221
“A madrugada é boa hora para fechar negócios”. Revista Exame, seção informática, s.nº, São
Paulo, set. 1992.
88
Segundo: Uma vez que no processo de produção capitalista esses meios constituem ao
mesmo tempo meios de exploração do trabalho, não se preocupa o trabalhador com o alto
ou baixo custo relativo dos meios de exploração, do mesmo modo que a um cavalo não
importa se são caros ou baratos o bocal e a brida que o governam.
Finalmente, surge perante o trabalhador, como potência estranha, o caráter social de seu
trabalho, a combinação desse trabalho com o de outros para um objetivo comum; as
condições para que essa combinação se realize constituem propriedade alheia que não se
importaria em dissipar, se não fosse constrangido a poupá-la. A coisa é diferente quando as
fábricas pertencem aos próprios trabalhadores.
Por isso, quando a produtividade do trabalho num ramo de produção aparece noutro, com o
barateamento e melhoria dos meios de produção, elevando a taxa de lucro, essa
interdependência geral do trabalho social se apresenta como algo inteiramente estranho ao
trabalhador e que de fato diz respeito apenas ao capitalista, o único que compra esses meios
e deles se apropria. Compra o produto dos trabalhadores de outra indústria com o produto
dos trabalhadores de sua própria indústria, só dispõe dos produtos dos trabalhadores de
outro ramo por se ter apoderado gratuitamente do produto dos seus trabalhadores, mas para
sua ventura o processo de circulação dissimula essa interdependência.
E, mais. Desenvolvendo-se a produção em grande escala a partir da forma capitalista, a
avidez de lucro, de um lado, e, de outro a concorrência criam a ilusão de que essa economia
no emprego do capital constante é peculiaridade do modo capitalista de produção e, em
conseqüência, função do capitalista.”
222
Fica claro o potencial do trabalho social para o desenvolvimento do homem e,
no nosso caso, do próprio capital. Aqui, os sistemas tecnológicos barateiam muito a
reprodução da mercadoria dinheiro via o encurtamento do trabalho bancário
223
. No
entanto, percebemos que estes sistemas ainda estavam demasiado custosos, embora
estejam sendo a cada dia mais barateados pela diminuição do tempo de trabalho de
produção de tecnologias. Mas, não se trata apenas disso. O capital financeiro
brasileiro, embora sendo o capital que se consolida hegemônico no país, tem
dificuldade para se mordenizar e se informatizar. É necessário um grande poder de
capital para se modernizar e a burguesia brasileira se mostra objetivamente frágil
diante do desenvolvimento do capital internacional. Isto ficará mais evidente quando
confrontarmos a estrutura de custos de um banco internacional com os bancos mais
desenvolvidos brasileiros, ou seja, expressa na composição orgânica do capital. Não
é coincidência a “conciliação pelo alto”, isto é, com o capital estrangeiro, para se
manter concorrendo. E, apertando o cerco no domínio hegemônico sobre a
capacidade de extração de trabalho não-pago de outros capitais, como o industrial e
222
MARX, K., op. cit., pp.95-96.
223
Não porque este acresça valor, mas porque engendra custos, subtrai valor.
89
comercial. Trata-se da financeirização da economia. Como alerta o presidente do
Unibanco:
”O Unibanco está conseguindo oferecer a seus clientes linhas de crédito para
capital de giro, com prazo de três anos, a taxas que regulam com as cobradas pelo BNDES,
para projetos de investimentos. Os recursos para financiar empresas, a taxas mais atraentes
que as de mercado são decorrência da capacidade dos sócios externos do Unibanco em
colocar emissões de bônus, subscritos no mercado acionário norte americano, informou o
presidente Tomás Zinner. A associação com os grandes bancos internacionais, como o Bank
of América e o Morgan Stanley, o the Daí-Ichi Kangyo Bank, além dos sul americanos
Roberts (Argentina), Bice (Chile) e Surinvest (Uruguai), garantiram um posicionamento
estratégico ao Unibanco para alavancar, no exterior, as operações no mercado de capitais e
facilitar o fluxo de comércio no Mercosul. (...) Zinner defendeu a aliança estratégica entre
empresas industriais e comerciais com o sistema bancário.” E acrescenta, “a maior
exposição à competição externa e a necessidade de crescimento das empresas brasileiras
apontam para a tendência de criação de parcerias com os bancos, em uma nova função de
buscar oportunidades de negócios, de sócios e de apoio à atividade produtiva e comercial. O
crescimento das empresas terá de extrapolar a capacidade de capitalização de seus
controladores, buscando uma fonte alternativa de recursos, o mercado de capitais.
Zinner reconheceu que há dificuldades de as empresas aceitarem participações acionárias,
já que a maioria possui estrutura familiar, ‘se as empresas quiserem se capitalizar tornando-
se mais competitivas a nível internacional terão que abrir mão do controle acionário,
sustentou ele. (...) O Unibanco tem uma participação de 15%, igual a dos seus parceiros
argentino e chileno no Surinvest, do Uruguai, exatamente para facilitar as operações do
comércio resultantes do Mercosul”.
224
A transferência da propriedade para os bancos, via participação acionária
possibilitou e acentuou os processos de enxugamento. Dessa forma, os bancos
avançaram na modernização e nas táticas de redução de custos:
“Grandes, médias e pequenas, privadas ou estatais, as instituições financeiras também estão
reduzindo custos e implantando programas de melhoria de qualidade. Embora seja um dos
setores mais avançados no uso de tecnologia, o sistema bancário também realiza uma série
de mudanças e adaptações para enfrentar a concorrência.
A redução de gastos está intimamente ligada à capacidade de gerar mais receitas, segundo o
vice-presidente do Unibanco, Adalberto Schettert. O peso maior das despesas do sistema
bancário sempre foi a mão-de-obra, 65% a 70% dos custos. Os cortes de pessoal sempre
estiveram entre os primeiros itens na redução de custo bancário, mecanismo praticamente
esgotado, pois o setor já não pode mais fazer dispensas sem prejudicar ainda mais a
qualidade do serviço.
Banespa e Unibanco estão entre aqueles que introduziram a terceirização nas atividades de
transportes de malotes e microfilmagem. Com tal medida o Unibanco reduziu as despesas de
5% a 10% em nove meses. O Banespa procurou fazer um enxugamento inteligente. ‘Não
vamos fazer economia burra, como cortar cafezinho, promete o vice-presidente Augusto
224
BORGES, C. “Unibanco oferece a clientes linha de crédito por três anos para capital de giro”.
Resenha Diária – Secretaria e comunicação do Sindicato dos bancários/CUT. Rio de Janeiro. maio
1992.
90
Rodrigues. O primeiro passo foi eliminar cargos, com a fusão de chefias e subchefias,
envolvendo 60mil funcionários. Os níveis hierárquicos, do presidente ao escriturário, estão
sendo diminuídos de dez para cinco.’ Além disso incentivou aposentadorias e, ”reduziu
o número de funcionários. Segundo Rodrigues, pela primeira vez o Banespa está chegando
perto dos indicadores de produtividade dos bancos privados, que é de 21 funcionários por
agência. O Banespa investirá US$ 70 milhões em automação das agências (caixas
eletrônicos) e US$ 3 milhões em treinamento de funcionários.
(...) Já o Bamerindus fez uma revisão em todos os processos de trabalho e criou o programa
‘Jogo rápido’ dando condições aos funcionários de modificar as rotinas de trabalho. Foram
alterados 30 mil procedimentos e as melhores sugestões receberam prêmios.
Os investimentos em tecnologia ultrapassaram 30 milhões dentre os quais 10 milhões foram
destinados a treinamentos e, foram reduzidos sem reposição de funcionários de 42 mil para
34 mil entre 1990 e 1991”.
225
É impressionante a capacidade de reestruturação bancária às custas do
trabalhador que é quem sucumbe nesse processo
226
. A supressão de trinta mil
procedimentos só poderia desembocar na demissão de oito mil trabalhadores. Mas,
como já mencionado anteriormente, isso ainda significa atraso para a concorrência
internacional e, para conseguir minimizar esse atraso o banco se utiliza da
superexploração do trabalho, terceirizando-o.
225
UEHARO, D., “Bancos Avançam na Modernização e táticas para reduzir custos”. DCI. maio 1992.
(Mimeog.).
226
“Nesta fase da automação bancária, a difusão de novas tecnologias foi acompanhada da redução
do quadro de funcionários, e da diminuição de agências e de clientes no país (com fechamento de
agências deficitárias). Entre 1984 e 1987, o número de agências bancárias foi reduzido de 14.736
para 14.159. Em junho de 1991, o Bradesco, que tinha um quadro de 154.000 funcionários em 1986,
passou a ter 104.000; o quadro do Itaú, que em 1985 tinha 82.000 empregados, foi reduzido para
49.000; o Unibanco, que teve 42.000 funcionários em 1986, hoje não chega aos 21.000; entre 1987 e
1991, o Banco Nacional demitiu 54% de seu pessoal; o Bamerindus,que chegou a ter um quadro com
50.000 pessoas, não tinha 40.000 depois do Plano Cruzado; o Lloyds que possuía 2.000 em 1987,
passou para 1.450 funcionários; a solução encontrada pelo Citibank foi de remanejar o pessoal
dando prioridade para a área de vendas e de atendimento”. In: Revista Exame, 26/06/91. apud. ELY,
Bins Helena., As Transformações no Sistema Financeiro Brasileiro e a Automação nos Bancos
Comerciais. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), março de 1992. (Mimeog.).É
muito importante observar a distância do número de trabalhadores entre os bancos, esta é expressão da
capacidade concorrencial entre eles, da sua composição técnica.
91
3.3 Terceirização: a saída pela superexploração do trabalho no
capitalismo brasileiro
Segundo o Dieese, “no sistema financeiro brasileiro a intensificação do
processo de terceirização se dá mais tarde, no final da década de 80 e início de 90”.
O estudo diz que o objetivo é alcançar “maior eficiência, maximização do retorno do
capital que está associada à escala ideal de produção”.
227
Além disso, o referido estudo aponta para a quebra da resistência sindical, a
contenção de custos trabalhistas e o maior poder de controle financeiro interno pelo
enxugamento de pessoal, de processos. Enfim, segundo o setor, a terceirização traz
maior eficiência e reduz custos. Assim:
“O processo de terceirização representa a fase mais recente de ajuste, em particular de
áreas que até então concentravam uma parte das chamadas atividades fim do setor bancário,
como a compensação e microfilmagem de cheques e atendimento ao público. Nesta fase os
bancos objetivam enxugar suas estruturas operacionais e redefinir seu perfil de negócios,
criando novos produtos e serviços, segmentando mercados e clientela e, no limite,
desenhando as futuras tendências de sua atuação empresarial.”
228
O caráter atrófico do capital nacional se reflete na forma da contratação, na
forma da expropriação do trabalho, como superexploração. Sobre essa questão se
debruçou Teixeira:
“É claro que as grandes unidades de capital transformaram o lay-out de suas
estruturas produtivas num gigantesco esqueleto mecânico, onde se pode caminhar por suas
vértebras, metros e mais metros, sem encontrar uma viva alma. Embora esse esqueleto possa
se auto-movimentar, tenha nele mesmo a fonte de seu movimento mecânico, ele, contudo,
precisa de uma fonte externa que o alimente. A subcontratação é essa fonte. As grandes
corporações contam hoje com uma rede de pequenas e microempresas, espalhadas ao seu
redor, que tem como tarefa fornecer os inputs necessários, para serem transformados em
outputs por aquele monstro mecânico. Além disso, essas grandes unidades de produção
contam com um enorme contingente de trabalhadores domésticos, artesanais, familiares, que
funcionam como peças centrais dentro dessa cadeia de subcontratação. Constituem todos
227
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socieconômicos. Terceirização e
Reestruturação produtiva no setor bancário. Estudos setoriais, nº 2, jul. 1994. p. 7. (Mimeog.).
228
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socieconômicos. Terceirização e
Reestruturação produtiva no setor bancário. Estudos setoriais, nº 2, jul. 1994. p. 9. (Mimeog.).
92
como fornecedores de trabalho materializado, porque agora a compra e venda da força-de-
trabalho são veladas sob o véu da compra e venda de mercadorias semi-elaboradas. (...)
Com efeito, esses novos trabalhadores, metamorfoseados em vendedores de trabalho
objetivado, porque não mais fazem parte da estrutura interna da empresa, são obrigados a
fazer do seu trabalho pessoal a razão do seu sucesso como produtores de mercadorias.
Como sua capacidade empresarial depende diretamente do seu esforço pessoal, do seu
trabalho próprio, sua atividade, mais do que nunca, é para eles um meio que lhes permite
existir. É o ter que trabalhar para viver. Por isso suas vidas são invadidas pelo trabalho, o
que faz deles meros suportes de uma atividade que tem nela mesma sua finalidade e sua
razão de ser.”
229
É necessário ter em conta que para pensarmos criticamente sobre os
aperfeiçoamentos no processo de trabalho bancário precisamos analisar os processos
de automação e terceirização. Assim, nos deparamos com os “consultores” que, na
maioria das vezes, são ex-bancários recontratados como terceiros, ou seja, como
trabalhadores autônomos. Enfim, para que haja essa possibilidade de flexibilização
contratual é necessário a conivência com o Estado. Mais adiante esse processo terá
seu amadurecimento, através de uma Medida Provisória em 1998, que regulamenta o
trabalho temporário, ou seja, o tamponamento da crise via superexploração.
A conciliação da burguesia financeira atrófica, nacional, se dá “pelo alto”, e é
para isso que apontam os dados do Dieese:
“Com o fracasso na tentativa de reduzir os patamares inflacionários, o Plano Cruzado;
Cruzado2; Bresser e Verão, estes colocaram o setor bancário, em particular seu segmento
privado, numa rota irreversível de ajuste. Já operando com estruturas mais reduzidas e
crescente nível de automação, os bancos privados, assim como todo o sistema financeiro
nacional, sofreram o impacto do confisco dos ativos financeiros pelo plano Collor1 em
março de 1990.
Este representou a segunda fase de ajuste dos bancos. Nova onda de demissões. No final de
1990 havia no país 825 mil bancários contra 903 mil no final do ano anterior, foram
demitidos 77 mil trabalhadores. Essa redução do emprego continuou até 1992, com
demissões de um total de 78 mil trabalhadores até 92.
A automação se acentuou e concentrou-se no auto atendimento. Entre 91 e 92, o número de
cartões magnéticos
230
no sistema financeiro quase dobrou, 97,36%, 40 milhões de cartões.
229
TEIXEIRA, F., Neoliberalismo e Reestruturação produtiva: as novas determinações do mundo do
trabalho, pp.30-31.
230
“O dinheiro virtual, em forma de cartão magnético, já é uma realidade nos grandes centros
brasileiros.Na megalópole de São Paulo, clientes de diversos bancos conseguem pagar, de forma
eletrônica, do tradicional cafezinho ao cinema, do pãozinho matinal ao peixe das sextas-feiras, das
compras no supermercado ao abastecimento do carro. Tudo, sem carregar nenhum tostão.(...) Nesses
débitos eletrônicos, o dinheiro sai da conta corrente do consumidor e entra na do comerciante ou
93
Também em 92, a média mensal de operações em terminais eletrônicos foi de 116,33% em
relação a 91.
As maiores alterações se verificam na função de caixa que hoje em dia está se transformando
numa função polivalente visto que muitas das tarefas antes executadas diretamente estão
sendo substituídas pelo auto atendimento. A terceirização de alguns serviços de atendimento
direto ao cliente, tende a reforçar a mudança no perfil do caixa e eliminar várias atividades
antes desempenhadas pelos escriturários e atendentes de portaria.
Terceirização, auto-atendimento e polivalência do trabalhador indicam tendências de
segmentação de mercado e de clientela, diversificação de produtos e serviços e
redimensionamento da estrutura operacional”.
231
O Dieese considera “a interposição fraudulenta de mão-de-obra uma forma
de terceirização espúria, ou seja, contratação de trabalhadores temporários para a
realização de atividades na empresa contratante com salários bem inferiores, sem
benefícios sociais e muitas vezes sem carteira de trabalho. Freqüentemente o
trabalhador sequer tem vínculo com a empresa terceira”.
232
Durante a década, essa foi uma prática bastante comum no setor bancário,
quando os bancos vão se conformando em grandes conglomerados, e os
trabalhadores se transferem de uma empresa para outra do próprio conglomerado
burlando a regulamentação. É o caso do Unibanco relatado pelo Jornal dos
funcionários UNIFORÇA:
“Desde outubro do ano passado, o Unibanco vem mostrando o seu desprezo para com seus
funcionários, quando transferiu bancários para a Leasing, empresa do próprio banco, para
exercer as mesmas funções, mas registrado como comerciários e não bancários. Esses
trabalhadores passam a ter um piso salarial muito inferior à categoria bancária, sem direito
a anuênios e outras conquistas. Isso chama-se interposição fraudulenta de mão-de-obra, e é
crime.
Agora aqueles mesmos funcionários foram transferidos para Alphaville. Frente a isso o
Sindicato está convocando a fiscalização do CRT(Conselho Regional do Trabalho) para se
prestador de serviços. O débito é feito um dia depois, como se fosse um cheque normal.Como o débito
é autorizado somente se houver saldo na conta corrente do consumidor, o pagamento é líquido e
certo para o estabelecimento.Em breve, os 10 milhões de clientes que podem usar a RedeShop no país
poderão fazer o mesmo no exterior. A Credicard firmou convênio, há duas semanas, com a Maestro,
rede de débito em 70 países. Nos Estados Unidos, o dinheiro virtual movimenta US$ 40 bilhões por
ano.” GAMEZ, Milton., Dinheiro, para quê?. Folha de São Paulo. Editorial Dinheiro. 19 nov.1995.
pp. 2-6.
231
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socieconômicos. Terceirização e
Reestruturação produtiva no setor bancário. Estudos setoriais, nº 2, jul. 1994. pp.7-10. (Mimeog.).
232
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socieconômicos. Terceirização e
Reestruturação produtiva no setor bancário. Estudos setoriais, nº 2, jul. 1994. pp.7-10. (Mimeog.).
94
apurar as irregularidades e colocar um ponto final nessa situação de desrespeito ao
bancário do Unibanco.”
233
Corroborando com esse processo, as atividades vão se aperfeiçoando de
maneira a articular avanços tecnológicos com terceirização. Vejamos o que nos conta
um dirigente sindical:
“Todo dia que eu converso com um diretor do banco é assim, ele diz: eu tenho que
terceirizar porque o banco está disputando o mercado e eu preciso ter eficiência, eu preciso
ser eficiente. Terceirização é uma forma de cortar custo, é uma forma que nos afeta
diretamente porque corta postos de trabalho bancário, gera uma subcategoria. Faz as
mesmas coisas que o bancário, só que não tem nenhum direito, nenhuma garantia, nenhum
benefício, e o salário é menor, e não é organizado, não tem representação. Então eles ficam
diretamente expostos à influência do empregador, no caso a empresa terceirizada que
submete essas pessoas ao banco. O banco é o gestor da força-de-trabalho terceirizada, não é
o contratante, é o gestor. Por exemplo, eu sou contratado por uma empresa para fazer a
compensação do Unibanco, eu respondo ao gestor do Unibanco, que coordena um setor
qualquer, mas quem me contratou foi a empresa X, Y, Z, que me paga salário e algum
benefício caso haja. Tanto que juridicamente, na vara do trabalho, se estabelece o vínculo,
porque você está respondendo ao gestor da empresa contratante, a atividade é reconhecida
como bancária, e algumas pessoas tem ganhos jurídicos em relação a isso, com o
estabelecimento do vínculo, são residuais, mas existem.”
234
Dessa forma, alguns ex-bancários são transformados em prestadores de
serviços bancários, precarizados, subcontratados, terceirizados.
Ainda em 1992, ano de grande efervescência tecnológica, os bancos saíram
na frente e permaneceram aplicando recursos em sistemas. Para análise financeira,
por exemplo, o Unibanco escolheu o software ‘Nacional Pater’. É um sistema
aconselhador que vai basicamente verificar as condições de crédito de uma empresa,
e é capaz de avaliar o balanço das companhias, dados cadastrais, situação financeira
e o sistema de crédito. A partir daí, o sistema conclui qual a faixa de valor de crédito
que pode ser concedida ao cliente. Conectado a uma rede local de dados, o sistema
pode concluir a favor da proposta do cliente, da elevação da solicitação, da
diminuição do crédito pedido ou desaconselhar a operação.
233
UNIFORÇA. “30 Horas” Unibanco quer agradar seus clientes sacrificando os funcionários. São
Paulo. Boletim Informativo dos Funcionários do Unibanco. s. nº, mar. 1992.
234
Entrevista realizada em 26.8.2004 com dirigente sindical do Unibanco realizada no sindicato dos
bancários. (fita cassete). N. 05DA2415F. Sony. s/d.
95
Com estes sistemas, o trabalho abstrato se põe com o máximo
desenvolvimento o trabalho abstrato
235
, o que potencializa muito a extração e
realização de mais-valia. Conforme Teixeira, “a nivelação geral das operações
permitiu o deslocamento dos trabalhadores, efetivamente ocupados, de uma máquina
para outra em tempo muito breve e sem a necessidade de adestramento especial”.
236
Neste caso reduz-se o tempo de trabalho no processamento de operações
237
. Continua
nosso autor:
“A criação de um departamento especializado na produção de máquinas,
equipamentos, instalações, etc, deu liberdade ao capital para investir para além da
capacidade de consumo pessoal da população. A criação desse departamento, ao permitir a
substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto, deu condições ao capital para controlar o
nível e o movimento dos salários, posto que a demanda por trabalho passou a crescer menos
que a procura por esses instrumentos mudos de trabalho. (...) Realmente, para erigir-se
como força que aspira a tudo dominar, o capital precisa desenvolver, incondicionalmente as
forças produtivas. Ao fazê-lo ele nega as bases de sua própria valorização: o trabalho vivo
como criador de valor.
238
Assim, as principais práticas dos bancos são: informatização das agências;
informatização de serviços ao cliente; racionalização para mudança de processos;
terceirização de serviços; descentralização de alçadas; treinamento de funcionários
para relacionamento com os clientes; programa de produtividade; círculo de controle
de qualidade; revisão dos processos sob a ótica dos clientes; identificação de
deficiências do fluxo operacional; reconhecimento dos funcionários; canal próprio de
divulgação; comitês de qualidade; pesquisas com os clientes; central de atendimento
ao cliente; pesquisas com os funcionários; mudanças no critério de seleção de
Recursos Humanos; indicadores de desempenho; plano estruturado para toda
235
Segundo Marx: “No trabalho, toda diversidade natural, espiritual e social da atividade individual
sobressai e é paga diferentemente, enquanto o capital morto caminha sempre no mesmo passo e é
indiferente perante a atividade individual efetiva”. MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos,
p.25.
236
TEIXEIRA, F., op. cit., p.29.
237
Com relação às condições de reprodução do trabalho, trabalho estranhado: a divisão do trabalho
torna-o cada vez mais unilateral e dependente assim como acarreta a concorrência não só dos
homens mas também entre máquinas. Posto que o trabalhador baixou à [condição de] máquina, a
máquina pode enfrentá-lo como concorrente.” MARX, K. op. cit., p.27.
238
TEIXEIRA, F., op. cit., p.29.
96
organização; metas para os funcionários ou padrões de qualidade; programas de
qualidade com os fornecedores, entre outras
239
.
Os resultados da pressão, dos programas, dos prêmios, da estrutura produtiva
e do monopólio se cristalizaram, no “dia 29 de março, quando a central do
Unibanco 30Horas atingiu a marca de 1 milhão de ligações no mês. O total em
março chegou a 1 mi e 100 mil, o novo Record do sistema. Foi comemorado com os
400 operadores e toda a área de retaguarda além de fornecedores internos e
externos.”
240
Intensificou-se o trabalho de forma a manter uma taxa de crescimento das
ligações de 8% ao mês, cerca de 3 mil novas ligações por dia, quase 90 mil a mais
por mês. “Mas se as pessoas podem fazer tudo sem ir as agências o que o Unibanco
reserva as agências? Miguel Lisboa Cohen, diretor de Marketing, responde. Tudo,
entendemos que o totem de um banco são as suas agências, a parte mais importante
e visível. Mas também nesse aspecto resolvemos criar a ‘Agência Unibanco 30
Horas’ onde funciona a sala de conveniência, sem similar no mundo”
241
A discussão dos jornais de 1993 era: “Empregados podem se tornar
sócios”
242
ou ainda: “Administração participativa ganha espaço: os tempos
modernos mostram que a empresa precisa ser dirigida como se fosse um time
uníssono, onde o chefe exerce o papel de treinador.”
243
No Unibanco, eram estabelecidas novas diretrizes da gestão da força-de-
trabalho, sendo que o banco pontua o que o departamento estratégico articula em
relação à qualidade. Afirma, portanto, que o: “Unibanco dispõe um sistema oficial de
reconhecimento que premia as pessoas ou equipes que fazem contribuições
importantes para a qualidade. Este sistema pode dar dinheiro, bem como fazer
homenagens e deve ser utilizado todas as vezes que alguma equipe fizer uma tarefa
239
REVISTA BANCO HOJE. Busca da eficiência, nº 52, pp. 46-54, jul. 1993.
240
DESTAQUE. “Unibanco 30 Horas mais de um milhão de ligações”. São Paulo. Boletim
Institucional do Unibanco. Ano 2, nº 28, maio 1993.
241
BRAVO, P. (Org.). Informativo do 21º Encontro de Comunicação Direta do Unibanco, 16.6.1994,
pp. 1-11. (Mimeog.).
242
MENEZES, J. Empregados podem se tornar sócios. Jornal do Brasil, 31.10.1993.
243
COGAN, S. Administração participativa ganha espaço: Os tempos modernos mostram que a
empresa precisa ser dirigida como se fosse um time uníssono, onde o chefe exerce o papel de
treinador. O Estado de São Paulo, caderno Empresas, 19.1.1993, p.2.
97
digna de destaque e/ou que representar uma contribuição adicional ao seu dia-a-dia
de trabalho.”
244
Ainda no Informativo acima citado
245
, essas diretrizes apontavam para que a
orientação dos próprios investimentos subseqüentes, inclusive em automação, viesse
das necessidades do processo de trabalho. Para tal, era necessário que esses
apontamentos fossem dados pelos envolvidos diretamente com o processo, os
trabalhadores, ou as equipes. Assim, fez-se necessário um envolvimento crescente do
trabalhador. Então:
“O banco constituiu equipes de melhoria da qualidade (EMQ) que é uma equipe de
funcionários escolhidos para alavancar um determinado processo de trabalho. Hoje estamos
com duas EMQ’s que estão trabalhando nos assuntos de não recebimento de cartão, senha,
extrato de conta corrente e a inexistência de talão de cheque quando o cliente precisa. Estes
assuntos foram levantados junto a 10 agências do Varejo, e representou índice significativo
de necessidade dos clientes formalizados em formulário próprio. Através desse sistema, não
só estamos melhorando a comunicação, bem como estamos sendo capazes de prever as
necessidades. Nossa intenção é a de que as EMQ’s se multipliquem e isto provavelmente
vamos conseguir em 1994. Só para termos idéia, a EMQ’s de talão encontrou uma solução
que reduz o custo, melhora a disponibilidade do talão de acordo com a necessidade do
cliente, reduz o estoque na agência, aumenta a segurança, e economiza 2 milhões de dólares
por ano. Esta equipe começou a trabalhar no início do semestre. A solução já está
equacionada e são pessoas de todas as áreas tais como fábrica de talões, sistemas,
marketing, agências, correspondência e etc. São 9 a 10 membros dentro da equipe. Todos
são funcionários e nenhum é especialista. A EMQ que cuida de extrato, cartão e senha
apresentou sugestões que economizam 700 mil dólares por ano.”
246
Assim, o foco dos investimentos em 1993 e 1994, se concentrou em:
“Promover o desenvolvimento de seus profissionais é tão importante para o Unibanco
quanto investir permanentemente no aprimoramento de suas instalações, equipamentos,
processos, produtos e serviços. Este conjunto de investimentos possibilita ao banco
consolidar e ampliar sua participação no mercado. Segundo o banco ele investiu 2,68
milhões em treinamento, na realização de programas de treinamento e desenvolvimento dos
funcionários.
247
244
BRAVO, P. (Org.). Informativo do 21º Encontro de Comunicação Direta do Unibanco, 16.6.1994,
pp. 1-11. (Mimeog.).
245
BRAVO, P. (Org.). Informativo do 21º Encontro de Comunicação Direta do Unibanco, 16.6.1994,
pp. 1-11. (Mimeog.).
246
BRAVO, P. (Org.). Informativo do 21º Encontro de Comunicação Direta do Unibanco, 16.6.1994,
pp. 1-11. (Mimeog.).
247
DESTAQUE. Os investimentos de 1993. São Paulo. Boletim Institucional do Unibanco. Ano 3, nº
56, abr. 1994.
98
Essa é a expressão clara do momento predominante do trabalho vivo na
produção – esta envolve produção e circulação do capital - é a prova cabal de que
reestruturar significa reorganizar a forma da participação do trabalho, como se
verifica abaixo:
Ao lado da automação foram sendo implementadas novas políticas de gestão e de
organização do trabalho, num primeiro momento determinadas pela própria informatização,
e, posteriormente, como estratégias do setor bancário para manter suas margens de lucro
diante das novas políticas de estabilização econômica, como ocorreu com o Plano Cruzado,
Plano Collor e, mais recentemente, com o Plano Real. As principais políticas de gestão são
os Programas de Qualidade Total e a Terceirização. No primeiro caso, foi implementado o
‘Projeto de Qualidade da Febraban’ [Federação Brasileira de Bancos] que visa resolver os
problemas de qualidade do atendimento dos serviços bancários, marcado sobretudo pelas
enormes filas, número insuficiente de funcionários para atender ao público, o que se agrava
em períodos de pagamentos, onde um contingente maior de pessoas procuram as agências
para efetuar saques e pagamentos e preconiza a divisão das agências em quatro ambientes
ou plataformas: 1)Plataforma para atendimento personalizado; 2) Plataforma para
atendimento Pessoal; 3)Plataforma para auto-atendimento; 4) Plataforma operacional.”
248
O processo de trabalho foi organizado de tal forma que cada unidade ou
trabalhador passou a depender do trabalho do outro, ou seja, o controle coletivo e a
fragmentação passaram a ser mais próximos, mais acirrados. Mas, isso ganha maior
consistência quando acontece de forma mais acentuada com a implementação do
Plano Real no qual estas mudanças no trabalho são mais rápidas e impactantes.
Como será visto mais adiante, a revolução tecnológica que se inicia mais
agressivamente com o 30 Horas no Unibanco, desenvolverá o sistema de banco
pocket e home banking, dentre outros, que serão analisados sob a luz do Plano Real,
facilitador da modernização do sistema financeiro brasileiro.
No movimento mais amplo da acumulação de capital, percebe-se que a
especulação em épocas de crise social é uma hábil extratora de mais trabalho, e que a
tendência é de agravamento ou alargamento dessas dimensões contraditórias da
reprodução capitalista, na base. Isto significa a negação do nervo fundante do sistema
capitalista, o trabalho vivo. É necessário adentrar no Plano Real no qual essas
tendências adquirem forma plena e se mostram mais acabadas.
248
DRUCK, M., FILGUEIRAS, L. A reestruturação produtiva e os impactos sobre o trabalho e o
emprego bancário na Bahia/Brasil. (Mimeog.).
99
CAPÍTULO 4
O Plano Real e a Acumulação do Capital Financeiro Brasileiro
“Os acontecimentos nunca são absolutos, seus resultados
dependem exclusivamente dos indivíduos: o infortúnio é um
degrau para o gênio, uma piscina para o cristão, um
tesouro para o homem hábil, um abismo para os fracos”.
Honoré de Balzac, História da grandeza e da decadência
de César Birotteau.
4.1 Plano Real: o desemprego e a fragmentação da classe trabalhadora.
No Brasil, o processo de reestruturação produtiva nos bancos cuja origem é
ainda muito tímida nos anos 60, teve maior impulso mesmo na segunda metade dos
80, intensificando-se nos 90. Década esta, em que a particularidade do desemprego é
a arma para a reestruturação da produção, e impulsionadora da intensificação da
extração da mais-valia e quebra da resistência operária. “Informações da OIT
revelam que o mundo convive na década de noventa com cerca de 800 milhões de
desempregados ou subempregados, sendo cerca de 40 milhões nos países do
capitalismo avançado.”
249
“Ou seja, a opção neoliberal é reduzir a inflação – leia-
se: os salários reais – com expansão do EIR [Exército Industrial de Reserva]”.
250
“No Brasil o início da ofensiva do capital se deu com um atraso de uma década, no
início dos anos noventa. Mas, já dá indícios de mudanças profundas no padrão das lutas
operárias, em relação ao estabelecido durante os anos oitenta, e o fator que mais tem
determinado essa inflexão é o aumento do desemprego, como destaca Noronha: ‘O aumento
das taxas de desemprego é indiscutivelmente um inibidor de greves, bem como a expansão
do emprego propicia-lhes condições favoráveis’. (...) Os estudos sobre o mercado de
trabalho mostram que a taxa de desemprego no Brasil cresceu principalmente durante a
vigência
da política econômica do governo Collor. Essa conclusão autorizaria fazer
inferências sobre a relevância desse exército de desempregados sobre o processo de
reestruturação capitalista no Brasil. (...) Em 1985, a taxa média anual de desemprego total,
em São Paulo, o principal centro industrial do país, era de 12,2%, e em 1993 já alcançava
14,6%, representando um incremento de 19,67%. Depois de apresentar um certo refluxo em
89, as taxas de desemprego entre 90 e 92 deram novo salto. Tomando por base o período de
89 e 92, o crescimento do desemprego entre esses dois anos em São Paulo foi de 74,71%”
251
As políticas econômicas corroboram com a reestruturação capitalista da
produção como bem observou Meneleu:
249
MENELEU, J. N. Desemprego e luta de classes: as novas determinidades do conceito marxista de
exército industrial de reserva, p. 75.
250
Ibid.p. 80.
251
Ibid.pp.101-103.
100
“Tais políticas permitiram criar uma atmosfera social favorável – através do desemprego
em massa – para que as empresas retomassem o controle sobre o ritmo de trabalho e a
modalidade do processo de trabalho. Isso explica a necessidade de desregulamentar o
mercado de trabalho, que se fez mediante uma precarização crescente das relações entre
capital e trabalho. É nesse contexto que se pode entender como as ‘leis objetivas do capital’
são postas e repostas no interior de um cenário de luta, que é constituído em função da luta
de classes e não de uma ‘lei natural’. Por isso, a escolha das alternativas de política
econômica não possui nenhuma inocência, porque depende fundamentalmente dos objetivos
da acumulação.”
252
Nesta perspectiva é importante atentar para a forma como o Plano Real
expressa essa “lógica” ao longo da década de 90:
“A economia brasileira passou por profundas transformações no ano de 1994, em
decorrência das modificações introduzidas pelo Plano de Estabilização Econômica, lançado
ao final de 1993 e implementado em três fases sucessivas.
Na primeira fase, o governo procurou combater uma das principais causas da inflação, qual
seja, o déficit público. Em fevereiro, o Congresso aprovou o Fundo Social de Emergência
(FSE), com validade até o final de 1995, que implicou aumento da alíquota da Contribuição
Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das instituições financeiras e liberação de parte das
receitas constitucionalmente vinculadas, o que possibilitou ao governo maior grau de
autonomia visando o equilíbrio fiscal. A segunda fase teve início com a introdução da
Unidade Real de Valor (URV), representando a utilização de um mesmo indexador para
todos os preços da economia, com o objetivo de coordenar e eliminar as distorções nos
preços relativos. A URV foi corrigida diariamente pelo Banco Central, com base em
estimativas de três índices de preços (IPCA-E do IBGE, IGP-M da FGV e IPC da FIPE),
permanecendo como parâmetro de valor monetário entre 1º de março e 30 de junho. A partir
de julho, o governo implementou a terceira fase do Plano de Estabilização, a reforma
monetária, com a introdução do real.”
253
Na primeira fase do Plano Real, caracterizada pelo Banco Central, as medidas
foram de cunho contracionista e socializador do financiamento da acumulação
capitalista, explicitando como o déficit público foi financiado
254
:
252
Ibid.p.80.
253
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1994. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 31, 1995, p. 7.
254
Sobre a dívida pública, Marx analisando a acumulação primitiva do capital, aponta sua origem e
função e, faz a seguinte consideração: “A dívida pública, em outros termos, os compromissos do
Estado, seja este despótico, constitucional ou republicano, assinalam as características da era
capitalista. A única parte da chamada riqueza nacional, que entra realmente na posse coletiva dos
povos modernos, é a sua dívida pública. Não se deve, pois, estranhar a doutrina moderna de que um
povo quanto mais se endivida mais se enriquece. O crédito público, eis aí o credo do capital. Por isso,
a falta de fé na dívida pública toma o lugar do pecado contra o Espírito Santo, outrora o único
imperdoável. A dívida pública opera como um dos agentes mais enérgicos da acumulação primitiva.
Por um golpe de varinha de mágica, ela dá ao dinheiro improdutivo a virtude reprodutiva e o
converte desta maneira em capital, sem que ele tenha com isso de sofrer os riscos, as perturbações
inseparáveis de seu emprego industrial e mesmo da usura privada. Os credores da dívida pública, a
dizer a verdade, não dão nada, pois, sua principal metamorfose em efeitos públicos de fácil
transferência continua funcionando em suas mãos como qualquer outro numerário. Entretanto, afora
a classe de credores ociosos assim criada, além da fortuna improvisada dos financistas
intermediários entre o governo e a nação - do mesmo modo que a dos arrendatários particulares,
101
“Visando assegurar o equilíbrio fiscal em 1994, o governo promoveu cortes no orçamento e
aprovou o FSE. Nesse ano, a receita tributária alcançou R$ 65,5 bilhões, apresentando
crescimento de 33,2% em relação a 1993. Os principais fatores que determinaram esse
comportamento foram: cobrança do IPMF (válida apenas em 1994), que alcançou
arrecadação de 5 bilhões (7,6% da receita tributária); o reconhecimento da
constitucionalidade da COFINS pelo Supremo Tribunal Federal e a conseqüente
normalização de seu recolhimento; aumento, de 25% para 26,6%, da alíquota do imposto de
renda retido na fonte sobre o trabalho, e a criação da nova faixa de 35%; a ampliação da
alíquota da CSLL; o aumento da arrecadação do imposto de importação e do IPI vinculado
às importações, em função de sua expansão; o aumento no nível de atividade econômica; e a
redução drástica das perdas do efeito Tanzi (corrosão real da receita tributária em face da
inflação) a partir da introdução do real. O programa de privatização gerou arrecadação de
cerca de US$ 1,97 bilhão em 1994, decorrente da venda de nove empresas (US$ 619
milhões), de participações minoritárias (US$ 396 milhões) e de sobras e novas ofertas de
ações de empresas já privatizadas (US$ 956milhões).”
255
“O ‘ajuste neoliberal’ tende a adotar políticas deflacionárias, cujos exemplos são o Plano
Collor, que conduziu o país a uma das maiores recessões da história econômica (a de
1991/93) e, mais recentemente, o Plano Real, de 1994, que obtém sucesso em seus objetivos
deflacionários, mas assentado numa política monetária restritiva e numa abertura comercial
que, em linhas gerais, dá continuidade à política neoliberal de Collor. Além disso, conduz o
país a um processo recessivo que atinge os setores de ponta da indústria nacional, além de
promover o desemprego, debilitando, portanto, a base da mobilização operária e
sindical.”
256
Adentrando um pouco mais nas medidas do plano, verificamos que a política
cambial constituiu-se num instrumento de transferência de capitais, exposta às
tempestades de especulação do capital financeiro internacional
257
.
aos quais uma boa parte de todos os empréstimos lhes faz o efeito de um capital caído do céu – a
dívida pública deu impulso as sociedades por ações, ao comércio de papéis negociáveis de toda sorte
às obrigações aleatórias, à agiotagem, em suma aos jogos da Bolsa e a bancocracia moderna. Os
grandes bancos, desde seu início, disfarçados com títulos nacionais, não eram mais que associações
de especuladores privados estabelecidos ao lado dos governantes e, graças aos privilégios que deles
obtinham, emprestavam-lhe o dinheiro público. Por isso, a acumulação da dívida pública não tem
crescimento mais seguro que o da alta sucessiva das ações destes bancos, cujo desenvolvimento
integral data da fundação do Banco da Inglaterra, em 1794. (...) Mas não bastava que desse com uma
mão para receber com a outra; ao mesmo tempo que recebia, continuava sendo o eterno credor da
nação até o último real”. MARX, K. A origem do capital: a acumulação primitiva, p. 100.
255
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1994. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 31, 1995, p. 10.
256
ALVES, G., Nova ofensiva do capital, crise do sindicalismo e as perspectivas do trabalho – o Brasil
nos anos noventa, p. 132.
257
“as políticas monetárias estão severamente constrangidas pelas tensões e desequilíbrios que
nascem dos mercados financeiros, atribuindo ao regime de acumulação vigente o desempenho
medíocre da produtividade, o crescimento das taxas de desemprego, e o declínio dos salários reais
que se observam a nível mundial”. Assim, se evidencia “a crescente interdependência dos mercados
de moeda e de finanças e a progressiva dificuldade para o exercício da gestão monetária por parte
dos Bancos Centrais”. TAVARES, Maria da Conceição & FIORI, José Luís (Orgs). Poder e
Dinheiro: uma economia política da globalização. Petrópolis, p. 11.
102
“A política cambial implementada pelo Banco Central passou por importantes mudanças em
1994. Nos primeiros meses do ano, foi mantida a estratégia que vinha sendo adotada desde o
final de 1991, com o Banco Central procurando assegurar a estabilidade real da taxa de
câmbio, por meio de desvalorizações cambiais diárias, balizadas pela expectativa de
inflação. Para manter o valor real da taxa de câmbio, a Autoridade Monetária atuava no
mercado absorvendo o excesso de divisas, o que provocava acúmulo de reservas
internacionais. As taxas de juros reais internas, relativamente mais elevadas em relação às
externas, e o processo de reinserção do país no mercado financeiro internacional
dificultaram a manutenção dessa política cambial.
A partir de julho, a política cambial foi pautada no compromisso explícito do Banco Central
de vender dólares quando a taxa de câmbio atingisse R$ 1/US$ 1. Foi deixada, portanto, ao
mercado a busca do nível mais adequado de equilíbrio da taxa de câmbio. A atuação do
Banco Central limitou-se, inicialmente, a evitar maior volatilidade na taxa de câmbio e
coibir movimentos especulativos. Nos primeiros meses do real, o ingresso líquido de divisas,
via operações comerciais e financeiras, propiciou valorização nominal da moeda, tendo sido
adotadas medidas que evitaram a acentuação desse processo, estimulando-se a demanda e
limitando-se a oferta de divisas.“
258
Essas oscilações de divisas já demonstravam a especulação com a nova
moeda no seio de sua gênese, culminando com um processo de especulação do
capital financeiro internacional ainda maior.
“Com a eclosão, ao final de dezembro, da crise cambial mexicana, ocorreu uma reversão do
processo de transferências internacionais de capitais, com uma série de países, inclusive o
Brasil, sendo afetados. Diante da mudança do cenário internacional, no início de março de
1995, passaram a ser adotados, de forma explícita, o mecanismo de bandas cambiais e uma
política de taxa interna de juros mais elevadas, para estimular maior captação de
divisas.”
259
Fica evidente, com isso, que o capital financeiro busca mercados para
valorização de seu capital, em que determinados passos desses gigantes, oligopólios
mundiais, geram desequilíbrio e crise. Assim, com taxas de juros mais altas, leia-se -
dívida pública mais alta - e, com o Banco Central absorvendo capitais, o capital
financeiro se viu num verdadeiro paraíso.
Além da abertura comercial iniciada pela política cambial (câmbio flutuante),
a política de comércio exterior também foi determinante para os capitais em busca de
mercados para se instalarem com ótimas condições. Mercados mais promissores,
guerra fiscal, trabalho em desregulamentação, salários mais baixos.
258
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1994. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 31, 1995, p. 11.
259
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1994. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 31, 1995, p. 11.
103
Com o aprofundamento do processo de abertura da economia durante o ano de 1994, a
política comercial exercida visou aumentar a oferta interna de produtos a preços
competitivos, mediante redução de diversas tarifas de importação, eliminação de barreiras
não-tarifárias, simplificação dos trâmites operacionais e desoneração dos produtos
exportáveis. Com a antecipação da Tarifa Externa Comum (TEC), a tarifa de importação
média chegou a 11,32% em dezembro de 1994, nível mais próximo dos vigentes
internacionalmente, após a marca de 14,2% em julho de 1993 e 32,2% em dezembro de
1990.”
260
Assim, com a expansão do crédito aliada à redução das tarifas de importação:
“A indústria de bens de capital mecânicos registrou crescimento de produção da ordem de
14,9% em 1994. A utilização da capacidade instalada do setor evoluiu de 65% em 1993 para
67% em 1994, tendo a média do segundo semestre atingido 68,3% (...). Os desembolsos para
financiamento de investimentos produtivos do Sistema Banco de Desenvolvimento
Econômico e Social, composto pelo BNDES, FINAME e BNDESpar, totalizaram US$
5,511,1 milhões em 1994, tendo acrescido 71% comparativamente a 1993. Desse total,
foram destinados 40,8% ao setor industrial, 38,7% ao setor de serviços, e 19,7% a
agropecuária. A maior parte dos desembolsos constituiu-se de recursos da Agência Especial
de Financiamento de Máquinas e Equipamentos – Finame (58%). Segundo a natureza das
empresas beneficiadas, 84,7% dos financiamentos foram destinados ao setor privado, tendo
o montante superado em 65% o de 1993. A participação do setor público passou de 12,3%
em 1993 para 15,3% em 1994. Por regiões, 44% dos desembolsos foram alocados na
Sudeste, 24,1% na Sul, 17,3% na Centro-Oeste, 12,1% na Nordeste e 2,5 Norte.”
261
Tudo isso contribuiu muito para alargar o desemprego estrutural, a
incorporação de uma revolução e expansão da base tecnológica na produção e
circulação do capital no Brasil, conquanto estes se processem ainda de forma tímida
se comparada com os níveis internacionais. No entanto, é suficiente para acirrar o
aviltamento nas condições de vida do trabalhador. Nesta direção, a política de
conversão salarial se deu, segundo BC,
“Em decorrência da implantação da segunda fase do Programa de Estabilização
Econômica, a partir de 1º de março, os salários foram convertidos em Unidade Real de
Valor – URV (Lei 8.880, de 27.05.94), pela média aritmética dos valores nominais,
transformados em URV na data do efetivo pagamento, dos quatro meses precedentes. A
utilização da URV como referência procurou assegurar a preservação do poder de compra
dos salários durante a fase de transição para o real. A nova lei vetou quaisquer mecanismos
de indexação salarial para períodos inferiores a um ano, permitindo, no entanto, a revisão
salarial nas datas base de cada categoria. De acordo com a lei, por ocasião da revisão
260
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1994. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 31, 1995, pp. 11-12.
261
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1994. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 31, 1995, p. 26.
104
prevaleceu o maior valor entre o salário vigente e a média aritmética dos salários em URV,
na data do efetivo pagamento dos 12 meses anteriores à data-base. Sem prejuízo desse
cálculo, assegurou também a reposição, na primeira data-base a partir de 1º de julho, de
eventuais perdas ocorridas no período de março a junho de 1994, em relação às regras
salariais anteriores, bem como a correção pela variação do IPCr entre julho, inclusive, e o
mês imediatamente anterior à data-base. (...) A conversão do salário mínimo seguiu a
mesma sistemática utilizada para os salários em geral, tomando-se por base o último dia dos
meses de novembro de 1993 a fevereiro de 1994. Pelo resultado da conversão, foi fixado em
64,79 URV a partir de 1º março, valor que se manteve até 1º julho, quando foi transformado
em reais. A partir de 1ºde setembro, foi reajustado para R$ 70,00, valor mantido até o final
de 1994.”
262
Segundo o Jornal Folha de São Paulo:
“Em 16 de maio, os funcionários da Cosipa realizaram uma greve de 24 horas, visando
pressionar a Cosipa a assinar o acordo coletivo. Após interferência do Tribunal Regional do
Trabalho, os metalúrgicos decidiram continuar negociando e interromperam a greve. Eles
reivindicavam 128% de perdas salariais com a transição para o Plano real, mas a Petrobras
ofereceu 13%. Total de trabalhadores 50 mil. Os bancários pedem 119% de reposição
salarial retroativa a setembro de 93. Bancários pedem ainda 13,20% de produtividade. Os
bancos oferecem 11,87%, total de trabalhadores 670 mil.”
263
Para o Dieese:
“Efetivamente, a inflação anual cai do patamar de quatro dígitos (mais de 2500% ao ano em
1993, medida pelo ICV DIEESE) para menos de 1%, cinco anos depois (na realidade 0,5%
1998.) Mesmo com os impactos da desvalorização cambial do início desse ano, a não ser
que ocorra uma nova crise cambial, a taxa de inflação deve continuar no patamar de um
dígito. (...) Vale a pena levantar os números do desemprego, que mostram um dos mais
perversos efeitos sociais do Plano Real. As taxas de desemprego, medidas em diversas
regiões metropolitanas pela PED, realizada mensalmente crescem de uma média de 15% em
1994 para 20% em 1999, um aumento de 33%. Caso se utilize a Pesquisa Mensal de
Emprego do IBGE, as taxas passam de 5% a 8%, um aumento de 60%! Além de aumentar as
taxas de desemprego, aumentou o tempo de procura por um novo emprego.
No plano das relações com o resto do mundo, nova desestabilização. A Balança Comercial
brasileira se inverteu de 1994 para 1995, passando de um superávit de cerca de US$ 10
bilhões em 1994 para um déficit de cerca de US$ 3 bilhões já em 1995. Este déficit chega a
mais de US$ 8 bilhões em 1997e recua em 1998 para cerca de US$ 6,5 bilhões, ao custo da
contenção do crescimento econômico. Em 1999, o Governo, que já havia trabalhado com
uma previsão otimista de um saldo de US$ 11 bilhões positivo, retrocedeu essa avaliação
para US$ 4 bilhões antes da metade do ano. O déficit em transações correntes do país,
entretanto, apresentou comportamento explosivo, pulou de algo como US$ 1,7 bilhões em
262
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1994. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 31, 1995, pp. 27-28.
263
PETROLEIROS e bancários também param. Categorias reivindicam reposição salarial; bancários
da Bahia fazem paralisações surpresa nas agências. Folha de São Paulo, Editorial Brasil, 13.9.1994,
F-1/9.
105
1994 para quase US$ 35 bilhões em 1998. Além disso, a dívida externa do país cresceu US$
75,5 bilhões entre 1994 e 1999, atingindo mais de 220 bilhões. Esse déficit, que representa a
soma da balança comercial com a de serviços, mede o montante que tem de ser financiado
com a entrada de capitais, e vem crescendo ano após ano, mostrando claramente a
constituição de um modelo dependente em relação à entrada de capitais externos.
Para atrair esses capitais, fecham a conta das relações com o exterior, adotando-se desde o
início do Plano Real uma política de taxas de juros extremamente elevadas. As taxas de
juros reais elevadas, praticadas durante todo o período, exercem o duplo papel de atrair
recursos externos e conter o crescimento econômico, funcionando para tentar equilibrar o
desequilíbrio das relações com o exterior. Além disso, no período posterior à desvalorização
do real, as taxas de juros elevadas serviram para conter ainda mais a atividade econômica,
tentando evitar o repasse a preços generalizado dos impactos da desvalorização cambial. A
taxa de juros real média em 1998 foi em torno de 26%. Mas, além de se manter elevadas, as
taxas de juros no Brasil se apresentaram extremamente voláteis, subindo fortemente a cada
crise financeira internacional, com o discurso de ser o mecanismo mais eficiente de defesa
da moeda nacional. Como as crises financeiras internacionais se sucedem desde o início do
Real (vale lembrar que a crise mexicana já é do final do próprio ano de 1994, e a esta se
seguiram inúmeras turbulências no mercado financeiro internacional, culminando com a
própria crise brasileira no início deste ano [1999] ) as taxas de juros apresentam vários
momentos de descontinuidade, variando fortemente para cima.
Como efeito das taxas elevadas, inverte-se a situação fiscal do país, passando de um
superávit nos anos de 1993 e 1994 para um déficit nos anos seguintes. Só em 1998, o setor
público pagou cerca de R$ 72,5 bilhões de reais a título de juros sobre a sua dívida,
enquanto a dívida pública do setor público passava de R$ 153 bilhões, ao final de 1994,
para mais de R$ 500 bilhões em 1999. Essa política de geração de um enorme passivo
interno, enquanto parecer administrável, tem como conseqüência a transferência brutal de
renda do setor público para o setor financeiro da economia, e um permanente aperto
orçamentário, apesar do déficit, complicando ainda mais, senão impedindo, a capacidade de
o Estado brasileiro promover alguma política pública consistente (...).
Como se pode perceber, apesar da estabilização da moeda, o Real vem produzindo uma
enorme desestabilização da economia, ainda em curso, e que só poderá ser avaliada na sua
totalidade com o esgotamento do conjunto de políticas como a de juros elevados e captação
de recursos externos voláteis, que está nas raízes do plano.”
264
A década de noventa expressa a tentativa de retomada da crise de acumulação
dos países hegemônicos. Não é coincidência que durante a implementação do
Plano Real, em que aconteceu uma verdadeira invasão do capital estrangeiro no
Brasil, houve também certa recuperação da atividade e reversão dos déficits de
países como os EUA que, nos anos 80, chegaram a abalar sua confiabilidade e que
foram revertidos via dívida pública dos países em desenvolvimento.
“A economia mundial manteve, em 1994, o processo de recuperação que se iniciou
em 1992. Segundo avaliações do FMI, a produção mundial cresceu 3,7% em 1994, taxa
bastante superior à média de 2% do período de 1990/1993. Esse comportamento refletiu o
264
BOLETIM DIEESE, “Aniversário do Real”. Seção conjuntura, nº 213, maio/jun. 1999.
106
melhor da atividade econômica nos países desenvolvidos, principalmente nos Estados
Unidos, e a manutenção do crescimento das economias em desenvolvimento. (...) O
desenvolvimento da atividade econômica teve reflexos sobre o nível de emprego nos países
industrializados, observando-se aumento de 1,1% em 1994, após três anos de quedas
sucessivas. Entre as sete nações mais desenvolvidas, Estados Unidos (3,1%) e Canadá
(2,1%) foram os países de maior expansão no nível do emprego. Todavia na Itália(-1,7%),
Alemanha (-0,9%), o incremento da produção ocorreu paralelamente à retração no nível de
emprego, indicativo de utilização de processos de produção menos intensivos em mão-de-
obra. (...) O aumento da atividade econômica nos países industrializados, a forte demanda
por importados nos países em transição, bem como a liberalização comercial e o crescente
investimento externo nos países em desenvolvimento contribuíram para o incremento no
comércio internacional.”
265
Percebe-se um aumento na produção mundial fortemente influenciado pela
liberalização comercial de boa parte dos “países em desenvolvimento”. No entanto,
esse aumento é poupador de trabalho vivo e essa é a grande contribuição do
toyotismo combinado às políticas econômicas para a acumulação: aumenta a
produtividade com reestruturação tecnológica e organizacional e diminui força-de-
trabalho viva.
Em 1995, no Brasil, “foram registradas quedas sucessivas no nível de emprego
até o final do ano, contribuindo ainda para esse quadro, a utilização, por parte da
indústria, de novas tecnologias e processos produtivos poupadores de mão de
obra.”
266
Com relação ao setor financeiro, o Governo de Fernando Henrique Cardoso
267
em 1995, contribuiu para a concentração e centralização financeira de forma bastante
incisiva.
Ao mesmo tempo, com o objetivo de evitar a propagação de crises localizadas, foi
instituído o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema
Financeiro (PROER), para incentivar processos de fusão e incorporação de bancos. Além
disso, foi editada medida provisória que estabelece a responsabilidade solidária dos
acionistas controladores de instituições financeiras submetidas aos regimes de liquidação
extrajudicial ou de intervenção, além de estender a indisponibilidade dos bens aos acionistas
controladores e agilizar a desapropriação das ações de bancos em dificuldades, pela
União.”
268
“(...) Esse programa prevê, além do estabelecimento de linha especial de
265
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1994. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 31, 1995, pp. 157-159.
266
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1995. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 32, 1996, p. 7.
267
O jornal Folha de São Paulo apontou os financiadores da campanha eleitoral de Fernando
Henrique Cardoso em 1994: “Na lista de doadores de FHC aparecem 32 bancos, somando cerca de
R$ 7,3 milhões em contribuições. Na de Lula, cinco bancos doaram no total R$ 624,9 mil”. SOUZA.
Gutemberg., Financiadores de FHC. Folha de São Paulo. Editorial Brasil, 22.11.1994. pp. 1-8.
268
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1995. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 32, 1996, p. 9.
107
assistência financeira, a liberação de recursos do recolhimento compulsório sobre depósitos
a vista, a flexibilização do atendimento dos limites operacionais aplicáveis às instituições
financeiras, o diferimento dos gastos com a implantação do programa e a permissão para
registrar como ágio a diferença entre o valor de aquisição e o valor patrimonial da
participação societária adquirida. Nos meses de novembro e dezembro, foram liberados,
pelo Banco Central, R$ 5,6 bilhões para financiamento de incorporações, destacando-se a
absorção do Banco Nacional pelo Unibanco, dois dos maiores bancos privados
brasileiros.(...) No período entre 1º de julho de 1994 e 31 de dezembro de 1995, 16 bancos
privados foram liquidados, 5 bancos estaduais foram colocados sob Regime de
Administração Especial Temporária (RAET), além de ter sido decretada intervenção em 3
bancos. Essas ações levaram ao empoçamento da liquidez em determinadas instituições,
dificultando a irrigação do sistema”
269
Foi permitida também a contratação de sociedades prestadoras de serviços
aos bancos e financeiras, além de redução nos recolhimentos compulsórios o que
permitiu que o setor tivesse uma economia de custos bastante significativa. Ainda
foram criados novos fundos de investimento com a redefinição do perfil financeiro
de mais curto prazo.
No mesmo ano, a política fiscal passou a tributar os inativos, autônomos e a
movimentação financeira com o intuito de aumentar a arrecadação. Com relação aos
salários vigorou a livre negociação e os maiores ganhos foram para os conta própria
e informais.
A partir de abril, como reflexo dos efeitos das medidas de contenção ao consumo, a
atividade industrial passou a mostrar tendência de desaquecimento, tendo a produção
registrado queda de 8% em relação ao trimestre anterior. O resultado do período foi
influenciado pela paralisação dos petroleiros em maio, que provocou queda da produção da
indústria extrativa mineral (-43,6%) e da química (-40,8%), setores que respondem por
aproximadamente 24,6% do produto da indústria.”
270
Essa greve foi como uma “bomba implodindo” parte significativa do parque
industrial brasileiro. Segundo Antunes,
“A greve dos petroleiros, dos 31 dias, entre maio e junho de 1995, mostrou coesão,
solidariedade, força e combatividade. Foi (parcialmente) derrotada neste primeiro embate.
Mas saberá extrair todas as lições dessa histórica greve. E abriu uma fenda na atual
estrutura do poder vigente no país. Desnudou o verdadeiro significado do Governo FHC.
Mostrou um governo que ascendeu falando em socialdemocracia e vem implementando, sem
o aventureirismo de Collor, mas com competência e racionalidade burguesas, o mesmo
projeto neoliberal do Fernando das Alagoas. FHC propugnava moderação e vociferou
autocratismo e tirania; pregava equanimidade e mostrou-se muito servil para os
269
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1995. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 32, 1996, pp. 34-35.
270
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1995. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 32, 1996, p. 16.
108
proprietários do capital e bastante truculento para os que são possuidores do seu trabalho.
Defendia o democratismo civil e curvou-se desde logo à tutela militar, indo aqui novamente
muito além de Collor, que só ameaçou colocar tanques nas refinarias.
FHC foi incapaz de negociar, sem recorrer ao poder muito mais que simbólico dos tanques e
dos militares, a pretexto de preservar um patrimônio que seu governo está dilapidando.
Usou de uma herança arcaica, que diz respeito ao poder normativo da justiça do trabalho
(em verdade, do capital) e desconsiderou um acordo formalmente lícito, feito entre as partes
e envolvendo a própria Presidência da República. Parecia conciliador na aparência mas, na
realidade, tem se mostrado truculento na essência. Dócil e cordato para os interesses da
ordem e bravio e mesmo selvagem para os que vivem do trabalho. Mas foi incapaz
de
impedir que uma pequena crise fosse instalada em seu projeto de dominação e que o
significado mais profundo de seu governo fosse desvendado por amplos contingentes que
antes viam em FHC alguma positividade.”
271
Essa é a essência do capital atrófico: “servil para os proprietários do capital
e truculento para os que são possuidores do seu trabalho”. Mas aqui, as
possibilidades concretas de abalar o contraditório funcionamento da acumulação são
postas pelo trabalho. O trabalho na sua luta defensiva contra a superexploração
recolocou em cena sua força. Essa greve recoloca no horizonte a importância do
movimento organizado da classe trabalhadora, não apenas um movimento categorial,
fragmentado, mas movimento enquanto classe.
Quanto à servidão do capital atrófico, é importante ressaltar que com a
“normalização [crise mexicana] dos mercados financeiros, conjugada ao diferencial
de taxas de juros internas e externas, bem como ao processo de ajuste gradual da
taxa de câmbio, contribuiu para o crescente fluxo de ingressos de recursos externos
em julho e no início de agosto [1995]. Nesse contexto, para manter os objetivos da
política cambial, o Banco Central acumulou significativo volume de reservas
cambiais no período.”
272
Assim, o governo baixou as alíquotas de importação e o imposto sobre
operações financeiras (IOF), entre as medidas que garantissem ganhos atrativos para
o capital estrangeiro, facilitando sua entrada e saída do Brasil.
“Os resultados positivos do comércio, entretanto, não foram suficientes para anular o déficit
de origem financeira, que atingiu US$ 4,4 bilhões em março, refletindo, basicamente, a
repatriação de recursos aplicados no mercado de capitais, de modo especial via Anexo IV da
Resolução nº1.289/87 e fundos de renda fixa-capital estrangeiro. Em conseqüência, no
primeiro trimestre de 1995, as operações comerciais registraram superávit de US$ 2,1
271
ANTUNES, R. Lições da Greve no Governo FHC, p. 35.
272
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1995. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 32, 1996, p. 114.
109
bilhões, após déficit de US$ 364 milhões no trimestre anterior, enquanto as transações
financeiras foram deficitárias em US$7,7 bilhões. A conjugação desses fluxos resultou em
déficit cambial de US$ 5,6 bilhões nos três primeiros meses do ano. (...) No início do
segundo semestre, mantinham-se condições favoráveis para o ingresso de recursos externos,
especialmente devido às taxas de juros, aos avanços no plano de estabilização e à
orientação da política cambial.”
273
Nessa disputa não só os petroleiros reagiram de forma articulada, mas, como
apontado anteriormente, uma vez que o descontentamento era geral, os bancários
reivindicavam 119% de reajuste salarial e mais 13% de aumento real. Assim, “Em
assembléia realizada ontem em São Paulo, os funcionários do Banco do Brasil
aprovaram a realização de paralisação de uma hora no dia 21 próximo. O BB,
assim como os demais bancos oficiais, oferece 11,87%”
274
.
Para o presidente da FENABAN Federação Nacional dos Bancos, Alcides
Tápias,
“’Os sindicalistas brasileiros deveriam se limitar à defender seus associados.(...) Hoje há uma
mistura de interesses políticos e sindicais, afirmou. Não há clima para paralisação nas
agências bancárias’. Tápias disse que até o final do ano será definido quais os cortes de
pessoal necessários para que o sistema financeiro se ajuste à nova situação, pós Plano Real.
’Com certeza precisaremos de menos gente do que tínhamos antes de julho’, afirmou.
Hoje, segundo ele, os bancos ‘estão praticamente parados e os bancários estão percebendo
isso’.
Houve, de acordo com cálculos da Fenaban, uma redução de 20% a 30% no movimento
bancário após o real. ‘Com a economia estável, as pessoas carregam dinheiro no bolso e não
precisam ficar indo ao banco toda hora para se defender da inflação.’"
275
Os ânimos dessa luta encarniçada são percebidos pela declaração do
representante dos banqueiros, Tápias. No entanto,
273
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1995. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), v. 32, 1996, p. 116.
274
Assim, começa com os petroleiros um movimento que os bancários dão seqüência conforme
apontou a Folha de São Paulo: EM assembléia realizada ontem em São Paulo, os funcionários do
Banco do Brasil aprovaram a realização de paralisação de uma hora no dia 21 próximo. Folha de São
Paulo, 15.09.1994, pp. 1-4.
275
EM assembléia realizada ontem em São Paulo, os funcionários do Banco do Brasil aprovaram a
realização de paralisação de uma hora no dia 21 próximo. Folha de São Paulo, 15.09.1994, pp. 1-4.
Enquanto isso na Itália, “Os bancos italianos ficaram fechados ontem. Uma greve por aumento de
salários e por um corte na jornada de trabalho que possibilite a criação de novos empregos fez com
que 330 mil trabalhadores paralisassem suas atividades, segundo os cinco sindicatos que reúnem a
categoria. Segundo a associação dos bancos e instituições financeiras, a Assicredito, a greve atingiu
apenas 50% dos funcionários”. Os bancos italianos ficaram fechados ontem. Folha de São Paulo,
17.09.1994. Secção Tendência, Caderno Mundo, pp. 2-13.
110
“Os bancários fizeram ontem paralisações surpresa de uma e duas horas em agências do
Bradesco e Itaú. Para hoje, eles prometem greves e manifestações também entre uma e duas
horas no Bradesco, Itaú, Nacional e Real. Em São Paulo, a agência central do Itaú, na rua
Boa Vista, ficou parada das 7hs às 9hs, afirmou Carlos Uliana, da Executiva Nacional dos
Bancários. Os 2000 funcionários participaram de manifestação em frente à agência. No Rio de
Janeiro, a paralisação surpresa atingiu a agência central do Bradesco, no centro, e o CPD
(Centro de Processamento de Dados) do banco, no Flamengo (Zona Sul), disse Fernando Dias,
diretor do sindicato na cidade.”
276
No dia seguinte,
“Os bancários não aceitaram proposta feita ontem pela Federação Nacional dos Bancos e
prometem parar hoje, de ‘surpresa’, um banco privado por 24hs. A proposta prevê reajuste de
16% (11,87% do IPCr, 1,66% de resíduo na conversão para URV) e 2% de produtividade. (...)
Ricardo Berzoini, presidente do sindicato dos bancários de São Paulo, disse que a proposta é
fraquíssima. Ela representa só R$ 7 a mais no piso do escriturário.”
277
A FENABAN pediu o dissídio ao Tribunal Regional do Trabalho, “'Eu
espero que consigamos resolver tudo com negociações, sem a necessidade de
julgamento’, afirmou Alencar Rossi, negociador da FENABAN. ‘Se os bancos
adotarem atitudes truculentas contra as nossas greves 'surpresa' ou se houver um
julgamento desfavorável a nós por parte do TRT já na semana que vem a
radicalização da categoria será inevitável’, disse Berzoini.”
278
Assim, o Sindicalista Sérgio Rosa dá uma entrevista para a Folha de São
Paulo e declara:
“A lucratividade do sistema financeiro nas últimas décadas dispensa maiores comentários. É
do conhecimento de todos o desempenho sempre acima da média dos bancos, favorecidos pela
ciranda financeira e pela concentração de serviços que a sociedade entregou a ele, sem ter
recebido em contrapartida, bom atendimento e investimentos na produção. Para comprovar a
excelente situação basta ver os balanços do primeiro semestre de 94. Os 50 maiores bancos do
país tiveram lucro acumulado de US$ 287 milhões. O Bradesco teve um lucro 92,7% maior
que no primeiro semestre de 92. E isto não foi nenhuma exceção.
A realidade dos bancários é completamente diferente. Nos últimos 12 meses, a inflação medida
pelo ICV-Dieese foi de 4.370,53%, enquanto a correção dos salários ficou em apenas
1.937,66%. Daí a nossa reivindicação de reajuste de 119%, para melhorar um piso salarial
que é de R$ 259. Também nos últimos quatro anos o sistema financeiro foi responsável pela
redução de 156 mil postos de trabalho. Daí decorre nossa reivindicação de garantia do nível
de emprego. Durante as negociações, no entanto, os bancos afirmam que não podem nem
pensar em recompor os salários dos bancários e garantir seus empregos. Segundo os
276
LUCCHESI, Cristiane., Os bancários fizeram ontem paralisações surpresa de uma e duas horas em
agências do Bradesco e Itaú. Folha de São Paulo. Editorial Brasil, 21.09.1994, pp. 1-5.
277
LUCCHESI, Cristiane., Os bancários não aceitaram proposta feita ontem pela Federação Nacional
dos Bancos e prometem parar hoje, de ‘surpresa’, um banco privado por 24hs. Folha de São Paulo.
Editorial Brasil, 22.09.1994, pp. 1-5.
278
LUCCHESI, Cristiane., Folha de São Paulo. Editorial Brasil, 23.09.1994, pp. 1-5.
111
banqueiros, o sistema estaria vivendo um momento muito delicado e não teria condição de
negociar muito acima do que determina a lei. Os bancos não admitiram sequer a proposta
flexibilizada apresentada pelos bancários, de pagamento imediato de 53% de reajuste, com
parcelamento do restante e garantia do emprego por 180 dias.
A campanha salarial é marcada por dois temas. O primeiro é se a lei para os salários é justa e
suficiente. O segundo é se o sistema financeiro tem realmente dificuldades que impeçam uma
negociação adequada. Nos parece claro que o tratamento dos salários dentro do Plano
Econômico não vai se sustentar por muito tempo. Quando convertidos pela média, os salários
já consolidaram uma perda anterior.
Depois, sofreram com a inflação tanto em URV quanto em real. Como a inflação persiste
(mesmo que por hora em índices reduzidos) é evidente que novas perdas ocorrerão. E a regra
de só permitir reajustes a cada 12 meses é mais do que draconiana. É insustentável que os
salários convivam com regras rígidas, enquanto os preços permaneçam em regime de
liberdade.
Quanto ao desempenho dos bancos, é evidente que a situação atual nem é tão dramática e
muito menos pode ser vista como duradoura. A maior parte dos bancos está sobrevivendo
muito bem a este período. O governo vem criando uma situação claramente artificial para o
sistema financeiro, praticando uma política de juros e de recolhimento dos compulsórios que
também não pode se sustentar por muito tempo. Os bancos tem muita gordura para queimar e
o regime a que estão provisoriamente submetidos está longe de ser rigoroso.”
279
A fala do sindicalista permite retomar nossa discussão com relação à forma
da acumulação pela superexploração do trabalho
280
. Respondendo às acusações,
Alencar Rossi, FENABAN, diz: “Os bancos sempre quiseram negociar. Não sei se
as grevilhas são manifestações de quem ainda está disposto ao diálogo.(...) Nesta
semana não houve movimento grevista, mas boicote, de formação de barreiras
contra a entrada de empregados. Sem contar o anúncio surpresa, uma greve assim
quase que ardilosa, contra um banco que ninguém sabia qual era, nem os próprios
empregados. É lógico que se trata de um movimento dirigido pelo movimento
sindical.”
281
Com isso, afirma Berzoini, Presidente do Sindicato dos bancários, “Caiu a
máscara da FENABAN, que tem um discurso liberal, está pedindo o socorro do
Estado porque não consegue resolver a negociação. Com o pedido de julgamento do
dissídio, a possibilidade de realizar uma greve geral da categoria ganhou força
279
Rosa. Sergio (Presidente da Confederação Nacional dos Bancários da CUT). Folha de São Paulo.
Editoria Dinheiro. P. 2-2 26/09/1994. Seção Opinião Econômica.
280
Sobre essa questão retomar capítulo1. Chasin aponta a crítica de Singer ao Plano Cruzado que
retinha salário e liberalizava os preços das outras mercadorias. Arrochava salários impondo perdas
numa situação de “desfavorabilidade historicamente acumulada pelos assalariados, a qual se haviam
somado os agravos do período recessivo”. CHASIN, J. A Miséria da República dos Cruzados, p. 171.
281
ROSSI, Alencar (Coordenador de Negociações da FENABAN). Entrevista Folha de São Paulo.
Editoria Dinheiro. P. 1-5. 26/09/1994. Seção Opinião Econômica.
112
entre as lideranças sindicais. As greves surpresa, vão continuar durante essa
semana. Tais greves ajudam a construir uma paralisação maior. Não vamos desistir
de nossas táticas.”
282
Estas falas reiteram a colocação de Ivan Cotrim
283
sobre o desenvolvimento
da acumulação na particularidade brasileira, no qual as burguesias se desenvolvem
apoiadas no Estado dado à debilidade do capital brasileiro. Assim, as perdas
acumuladas com os planos econômicos
284
, como apontado anteriormente, são
expressivas e formam um quadro de impasse para a classe trabalhadora. Mas, o
desfecho das negociações entre bancários e banqueiros fica aquém das necessidades
dos trabalhadores, que já somam muitas perdas e aquém também das reais
possibilidades dos bancos. Vejamos,
“A FENABAN fez nova proposta aos bancários, que foi aceita pela executiva nacional da
categoria por 14 votos a 4. A proposta que será votada em assembléias em todo o país hoje,
deve evitar a greve na categoria, marcada para amanhã. Ela prevê, além do reajuste de 16%
sobre os salários de agosto, já oferecidos anteriormente, um cheque-cesta-alimentação de
R$ 80, a partir de 1º de Setembro. Esse cheque representa, por exemplo, 20% do salário de
um caixa antes do reajuste de 16%. A proposta estabelece ainda que, de ontem até 30 de
novembro, serão pagos dois avisos prévios a mais para o demitido sem justa causa, em
dezembro, um e meio aviso prévio a mais, em janeiro, um e em fevereiro, meio. A proposta
não satisfaz mas, tendo em vista a conjuntura, consideramos que devemos aceitá-la, disse
282
LUCCHESI, Cristiane., A audiência de conciliação entre bancários e banqueiros, hoje, às 14h, no
Tribunal Regional de Trabalho em São Paulo, vai começar em clima tenso. Folha de São Paulo.
Editoria Brasil, 26.09.1994, pp. 1-5. Importante ressaltar que essa tática visa driblar a lei de greve que
dita que as paralisações grevistas devem ser anunciadas para os bancos até 72 horas antes de
acontecerem. O que a partir do ano de 1996 introduz-se na cena o mecanismo do interdito proibitório
assentado nessa medida. Os bancos conseguiriam antecipar sua defesa via Estado. Assim, as
paralisações eram inviabilizadas pelas ações possessórias dos bancos.
283
COTRIM. Ivan. O capitalismo dependente em Fernando Henrique Cardoso. , p. 104.
284
“’Só no Banco do Brasil existem mais de 17 ações tramitando na Justiça exigindo as perdas
ocorridas nos planos passados’, afirma Paulo Salvador, diretor do Sindicato dos Bancários de São
Paulo, também considera negociável uma proposta semelhante à apresentada na reunião de Juiz de
Fora que pôs fim à greve dos petroleiros. As perdas do Plano Bresser representariam um reajuste de
26,05% a ser incorporado aos salários. Com o Plano Verão, dariam um abono (não incorporado)de
um salário e meio’, calcula o dirigente bancário. Para Rosa, se for preciso, os bancários vão chamar
Vicentinho, e o próprio presidente Itamar para negociar. Com os bancos privados não há acordo
ainda. No próximo dia 13 acontece a quarta audiência de conciliação no Tribunal Regional do
Trabalho de São Paulo. Até lá, deveria haver negociação com a FENABAN sobre as cláusulas
sociais. Mas, segundo Ricardo Berzoini, Presidente do Sindicato dos bancários de São Paulo,
‘infelizmente, a FENABAN ainda não nos chamou para negociar’”. LUCCHESI, Cristiane., Folha de
São Paulo. Editorial Brasil, 09.11.1994, pp. 1-5.
113
Ricardo Berzoini. Os bancários pediam 119% mais 13% de aumento real. Alencar Rossi, da
FENABAN, disse que ‘houve flexibilização dos dois lados.’”
285
Assim, percebemos uma substancial redução do número de greves dos
bancários nesse período, bem como da classe trabalhadora como um todo, como nos
alertou Meneleu
286
. A fragmentação da classe foi o calcanhar de Aquiles da sua
resistência.
Para Jinkings, trata-se de um,
“contexto de precarização social e dominância do mercado sobre as condições de emprego e
salário soma-se aos obstáculos postos pela reestruturação produtiva ao desenvolvimento das
práticas de resistência dos bancários. Os atuais métodos de reorganização do trabalho e as
estratégias de poder recriadas nas empresas para intensificar o trabalho e mascarar a
exploração capitalista fragmentam os trabalhadores e debilitam sua capacidade de
organização sindical. A individualização dos rendimentos dos trabalhadores, posta pelo
programa ‘remuneração variável’; as formas precárias de contratação, que segregam os
assalariados quanto à direitos salariais, sindicais e de trabalho; a ‘qualidade total’ e seus
mecanismos ideológicos de manipulação da subjetividade do trabalho; a redefinição
profissional do bancário e o sentido político dos novos atributos e habilidades requeridos
pela ‘excelência no atendimento’; a pressão por produtividade e a intensificação do controle
e do trabalho; a ansiedade e o medo, diante da ameaça permanente do desemprego – todos
esses elementos desestruturam relações solidárias entre companheiros de trabalho e
obstaculizam a coesão e o sentido de classe.”
287
Cabe ver a seguir, como o estranhamento acomete, no dia-a-dia, o bancário
através do Programa de Qualidade PEG e a Remuneração Variável REMAG, no
Unibanco.
4.2 Programa de Excelência Gerencial (PEG) no UNIBANCO.
“A baixa qualidade nos serviços bancários é inferida,
geralmente, ao funcionário. Porque o funcionário está
demorando no caixa, porque o funcionário conta duas
vezes o dinheiro antes de dar o troco, porque o funcionário
não digita rápido, porque o funcionário é isso, porque o
funcionário aquilo, o funcionário é lerdo, o funcionário
não presta. Então, sempre foi isso, nunca ninguém
questionou que a estrutura pudesse estar errada, não,
afinal temos poucos funcionários, somos aqui como uma
285
LUCCHESI, Cristiane., Desfecho das negociações de greve dos bancários. Folha de São Paulo.
Editorial Brasil, 25.11.1994, pp. 1-5.
286
Conforme apontado no início da discussão deste capítulo, a fragmentação da classe se intensifica e
reduz sua capacidade de resistência. No entanto importante observar que a resistência à degradação
não desaparece. Qual homem não fará tudo antes de se anular? Objetivamente levado à radicalização,
as manifestações dessa luta ocorrem como visto acima.
287
JINKINGS, Nise. Trabalho e Resistência na “Fonte Misteriosa”: os bancários no mundo da
eletrônica e do dinheiro. 2002.p. 380.
114
família, entre aspas, precisamos nos ajudar, cada um deve
fazer o melhor de si. Eu lembro que, quando eu já estava
para sair do banco, eu comecei a namorar, e no final do
expediente eu queria ver minha namorada então
combinava as seis ou seis e quinze, certo, sendo que meu
expediente terminava realmente às seis da tarde, eu
fechava minhas coisas e ia embora do banco. Eu sei que fiz
isso por cerca de uma semana até que o gerente geral e a
minha gerente administrativa me chamaram para
conversar e perguntaram o que estava acontecendo
comigo, porque que eu já não me esforçava como deveria,
é, e como que eu deixava os outros ali sozinhos na agência
trabalhando até as oito da noite e ia embora às seis.
Absurdo, não é?”
288
O UNIBANCO instaura, na década de noventa, os Projetos de Engajamento
Estimulado como estratégia de alavancagem da produtividade do trabalho. Estes
projetos “foram montados a partir da análise do que a nova realidade de mercado
exige, a saber: elevação dos padrões de exigência dos clientes quanto aos serviços e
produtos à sua disposição; acirramento da concorrência; incorporação de novas
tecnologias; busca de melhoria constante, na qualidade e competitividade de
serviços e produtos; aumento das competências técnicas e interpessoal dos
profissionais e das equipes das empresas. ‘O desafio do nosso projeto é o de
identificar e desenvolver pessoas com talento para enfrentar as demandas dos anos
90’ diz Israel Vainboim, diretor presidente do banco.”
289
Esses projetos e programas
aparecem num contexto de crescente busca do engajamento dos trabalhadores aos
interesses institucionais.
Assim, o Projeto Linha de Frente, reconfigura a estrutura de cargos nas
agências do UNIBANCO, e faz parte do Programa de Excelência Gerencial (PEG).
As novidades administrativas, que consistem na preparação de funcionários para
atuar nos recém criados cargos de assistente de gerência (AG), de atendimento (AA)
e geral de caixa (AGC), têm sua perversidade revelada por uma simples operação
matemática: cada três coringas ocupando uma dessas funções há oito horas diárias
realizam a jornada de quatro bancários com período de seis horas (3 vezes 8 = 4
288
Entrevista com bancário de agência do Unibanco realizada em 20/10/2004. N. G2639022. Maxell.
289
UNIBANCO lança novo programa individualizado para trainees. O Estado de São Paulo,
29.12.1991.
115
vezes 6, ou seja, três 3 coringas equivalem à eliminação de um posto de
trabalho).”
290
Além da extensão da jornada e aumento da produtividade do trabalho, a partir
do governo Collor, houve também a liberalização da negociação salarial. Desde
então, o Unibanco soube aproveitar muito bem essa circunstância.
“Nos anos noventa, o Unibanco ampliou seus compromissos com a excelência. Para isso vem
desenvolvendo várias ações, a partir do lançamento do PEG Programa de Excelência
Gerencial, que definiu os conceitos e práticas fundamentais para a excelência de gestão,
mediante explicitação da missão, dos objetivos corporativos e das estratégias organizacionais
do Unibanco, além dos atributos e posturas do gestor Unibanco. Paralelamente, o Unibanco
deu novos passos na sua modernização técnica e gerencial, adotando métodos e sistemas de
trabalho avançados e tecnologias de última geração, que lhe permitiram ser pioneiro em
serviços de alta conveniência ao cliente”.
291
Assim, segundo um bancário que participou do PEG, “de alguma forma eles
conseguiram me convencer de que as oportunidades de crescimento dentro do
UNIBANCO eram infinitas e que pertencíamos a um grupo de elite que iria reformar
o banco. E, a partir de então, eu comecei a imaginar que num futuro próximo eu
poderia ser um gerente importante ou um diretor grande, alguma coisa e a
visualização de possibilidades de crescimento espantosos num período pequeno
fizeram que eu entrasse cada vez mais dentro da dinâmica do UNIBANCO. E é isso,
daí, fui me envolvendo cada vez mais.”
292
. Mas, para o banco o que significa
encarreiramento é na verdade absorção de novas tarefas, o que eles gostam de
chamar responsabilidades, vejamos:
“Em linhas gerais o encarreiramento no Unibanco é um processo que ocorre tanto no sentido
vertical como horizontal. O vertical é quando um funcionário é promovido assumindo posição
hierarquicamente mais alta em relação a anterior. Isso significa também salário e
responsabilidades maiores. Já no crescimento horizontal, não ocorre promoção para cargos
mais altos. O funcionário permanece no mesmo cargo, mas tem a oportunidade de adquirir
conhecimentos, assumir novas funções e responsabilidades e encarar novos desafios. Uma
moderna estratégia de preparação de desenvolvimento de pessoas, adotada pelas
organizações, é o conceito de enriquecer o trabalho através da polivalência funcional. (...) Os
resultados dessa valorização se refletem junto aos clientes. O Unibanco consegue boa
290
EXTRA. É assim que o Banco Único trata seus funcionários e clientes. o Paulo. Boletim
Informativo dos Funcionários do Unibanco – Sindicato dos Bancários/CUT.(Contestando a diretoria
do banco). s.nº. 1992.
291
DESTAQUE. “Investimentos em desenvolvimento”. São Paulo. Boletim Institucional do Unibanco.
Ano 2, nº 38, maio 1993.
292
Entrevista com bancário de agência do Unibanco realizada em 20/10/2004. N. G2639022. Maxell.
116
competitividade porque busca a excelência no atendimento ao cliente através da excelência de
seus recursos humanos.”
293
No entanto, ainda segundo bancário, “às vezes parecia que a gente estava
cavando buracos com as mãos, o banco não teria dado as pás.”
294
Essas palavras
expressam exatamente o estranhamento no trabalho bancário. Um cotidiano
martirizado. Foi assim que através do PEG vários outros projetos foram sendo
implementados, vejamos: “Inserida no contexto do programa de excelência
gerencial (PEG), a Campanha Comunicação Pessoa-a-Pessoa objetiva,
principalmente, sensibilizar toda comunidade Unibanco e, em especial, os gestores,
sobre a importância da comunicação como meio de alcance das metas estabelecidas
pelas áreas e pelo o banco como um todo. Assim, tem o intuito de estimular a todos,
criando um clima de envolvimento, reflexão e participação.”
295
Conforme Laércio Gonçalves, diretor de Marketing do Unibanco, “para
atingir o objetivo definido pelo banco de ter um padrão de excelência era preciso
definir o tipo de perfil dos gestores e criar condições para essa mudança. Assim,
instituímos vários programas de treinamento, um banco de talentos, um sistema de
remuneração por resultados e a descentralização de recursos humanos. Qual é esse
novo perfil? Não é mais o Recurso Humano que define a política salarial. Cada uma
das sete unidades de negócios escolhe seu mercado referencial para a atualização
dos salários. Afinal se o banco tem uma política de negócios voltada para o
mercado, deve ter um sistema de remuneração também com essa filosofia.”
296
Com isso, é enfatizado para o trabalhador que ser um bom funcionário é ser
um recordista em “vendas dos produtos bancários”. A capitalização, e mais ainda, a
capitalização crescente é a garantia da permanência no emprego. Uma intensa
coerção impele os bancários à competição para “bater” metas e impulsionar maior
produtividade e lucratividade.
A competição “assume o lugar” da autoridade e atua como meio de coerção,
procurando elevar individualmente a produtividade, bem como extrair demonstrações
293
DESTAQUE. “Investimentos em desenvolvimento”. São Paulo. Boletim Institucional do Unibanco.
Ano 2, nº 38, maio 1993.
294
Entrevista com bancário de agência do Unibanco realizada em 20/10/2004. Grifos nossos.
295
DESTAQUE. “Os primeiros vencedores”. São Paulo. Boletim Institucional do Unibanco. Ano 2,
nº 34, maio 1993.
296
QUAL a política para alcançar a excelência? O Estado de São Paulo, 27.06.1993.
117
de dedicação ao trabalho e obediência às normas. A organização acena como prêmio
a possibilidade do contínuo sonhar com a presidência da instituição. Cada um é
levado a se entender como um chefe em potencial. Os que não conseguem ascender
"são considerados incapazes" frente às qualidades necessárias, e passam a ter a
obrigação de respeitar todas as imposições daqueles cujo êxito lhes confere o direito
de determinar o processo produtivo, bem como o modo de fazê-lo. É medida assim, a
virtude de adotar para si os princípios da instituição
297
.
Isso fica bastante evidente nas palavras do bancário expressas logo a seguir:
“A coisa não era voltada pra quem é o mais eficiente, a coisa era muito panelinha,
dentro daquela agência, e eu acho que por isso que não funcionava tão bem. É interessante
que dentro de uma estrutura que busca a produtividade total, ou seja, essa é a diretriz da
diretoria, no entanto a gerência às vezes é falha, e a eficiência não é total, mesmo assim,
apesar da eficiência não ser total, ela pode ser um trabalho muito desumano pra alguns
enquanto é extremamente facilitado pra outros, certo, o que um não faz, o outro tem que
fazer em dobro, sendo que já era uma estrutura que visava fazer com que o seu funcionário
trabalhasse o dobro que o funcionário anterior, do que um funcionário de décadas atrás
trabalharia, não é?!. Mas dentro da agência era um pouco mais desumano com aqueles que
trabalham efetivamente e que não participam da panelinha porque daí, ele não só tinha que
trabalhar o dobro do que um outro trabalhava antigamente, mas tinha que trabalhar o dobro
do que um funcionário de hoje trabalha porque tinha um outro que tava trabalhando a
metade.”
298
Da mesma forma, outro bancário nos relata sobre o processo de avaliação de
performance que aprofundaremos mais adiante. No entanto, fica sua indicação desde
já:
“Essa avaliação é feita entre eles, é gerenciada entre eles. Então, na verdade é um
controlando o outro. É A controlando B, B controlando C e C controlando A, porque,
existem as agências e elas tem níveis. Nível A, nível B e nível C, então se você é nível C e
quer ir pra uma agência nível B, que é um pouquinho melhor financeiramente você tem que
produzir mais, você tem que fazer os seus funcionários produzirem mais, então você tem que
pressionar mais. Até você atingir o status de você chegar a presidente do Banco do Brasil. A
performance começa no gerente de agência e vai até o presidente do Banco do Brasil.”
299
Quando perguntado sobre como era o controle do trabalho, ou mesmo se
haveria controle coletivo do trabalho na forma de rankings, controle de metas, de
processos, ou seja, como era determinado o trabalho, o trabalhador apontou mais
297
Cf. SEGNINI, Liliana Petrilli. A liturgia do poder: trabalho e disciplina, pp.77-78.
298
Entrevista com bancário de agência do Unibanco realizada em 20/10/2004. N. G2639022. Maxell.
299
Entrevista realizada em 13/11/2004 com bancário do Banco do Brasil. (fita microcassete). N.
02CA252SD. Sony. s/d.
118
uma vez aspectos que desnudam o estranhamento em mais uma de suas dimensões.
Descreve o cotidiano e o estranhamento no momento direto do processo de trabalho.
“Existia um quadro sim, mostrando quem tinham sido os destaques do mês, certo, em vendas
dos diversos produtos bancários. Então, quem vendeu a mais do PLIN, entrava ali como
destaque do PLIN [Título de Capitalização do Unibanco], quem vendeu mais do PREVER
[Plano de Previdência Privada da Seguradora do UNIBANCO], entrava como destaque do
PREVER, o segundo lugar já não entrava. Então a pessoa corria que nem um desesperado
pra poder ser o primeiro porque ela ficava em evidência na agência e ficava bem quisto
pelos outros funcionários, certo, que iam parabenizá-lo. E o colocavam num patamar
diferente, ele passava a ser visto como uma pessoa de importância maior dentro da agência,
portanto, passava a ser mais respeitado pelos outros funcionários, e passava a poder
usufruir de maiores favores, maior ajuda quando fosse necessário, porque é um ambiente
onde deveria haver cooperação, mas a cooperação ela não era, assim tão, tão fácil, tão
direta, tão incondicional.
A cooperação ela vinha na medida que você era mais respeitado dentro da agência, que você
tinha mais poder dentro da agência e o poder emanava tanto do teu cargo, certo, um cargo
mais alto teria mais poder e um menos alto teria menos poder, mas também das relações
sociais que você tinha dentro dessa gerência, certo. Se você era um cara com muitos amigos,
você acabava tendo mais facilidade para ter essa interação com os outros e poder receber
essa ajuda e essa cooperação tão necessária no dia-a-dia, e também, se você era uma pessoa
que se destacava em vendas, também passava a ser mais respeitado e passava a ter o
trabalho cada vez mais facilitado.
Ou seja, na medida em que você se destacava e passava a receber contribuições maiores dos
outros funcionários, o seu tempo para poder vender aumentava e as suas vendas iam
aumentando progressivamente e cumulativamente fazendo com que o campeão de vendas se
perpetuasse como campeão de vendas sempre e os outros se perpetuassem como os escravos,
como sofredores da agência sem, sem a condição ou possibilidade de aumentar esse
prestígio dentro da agência e sem prestígios, por não terem prestígio sendo cada vez mais
maltratados, até humilhados tanto pelos colegas quanto pela gerência.
Esse foi um lado do controle de aumento da venda, de estímulo da venda, ou seja, essa foi a
parte da gratificação por ter feito algo bom. A parte de ser castigado por ter feito algo ruim
também existia na agência. Ela não era pregada no quadro, mas o gerente administrativo
fazia questão de contar para a agência inteira aquilo que tinha sido feito de errado para que
todos soubessem que você tinha pisado na bola de alguma forma e para que o seu prestígio
lá dentro diminuísse, para que você ficasse tão aterrorizado com a possibilidade de ser
humilhado publicamente que passasse a produzir com qualidade total, certo, ou seja,
qualidade total através do desespero do funcionário.”
300
Cresce assombrosamente a competição entre os bancários que ficam no
emprego num contexto da “produção enxuta”, ou melhor, impulsiona-se um
ambiente em que as relações entre os trabalhadores são hostis pela intensificação
300
Entrevista com bancário de agência do Unibanco realizada em 20/10/2004. N. G2639022. Maxell.
119
crescente do trabalho
301
agravada também pela redução constante e gradual de
trabalhadores.
“É, o trabalho em equipe facilitaria bastante, mas a princípio, pelo menos no
começo, é, a equipe, ela não funcionava muito em equipe, nós tínhamos um quadro de
funcionários muito desmotivado e, havia um certo malcaratismo ali dentro e tanto é um
malcaratismo que depois descobriu-se que três funcionários que trabalhavam numa agência
de cerca de sete, certo, ou seja, quase cinqüenta por cento da agência, estavam fazendo
furtos no caixa, estavam roubando o banco mesmo, e essas pessoas foram demitidas,
processadas.”
302
Nesse ambiente hostilizado, os laços de solidariedade se esvaem e isso chega
ao seu ápice com a redução de trabalhadores seja pela automação ou pela chamada
Gerência By Stress
303
. Os trabalhadores que vivem a permanente ameaça de
demissão, ou ainda de degradação do trabalho, encontram muitas dificuldades para
reagir coletivamente. Proliferaram, então, as "culturas empresariais", com novos
métodos de gestão direta e organização da força-de-trabalho.
“Quando eu entrei, deviam ser eu não sei se seis ou sete, acho que sete, e nesse meio tempo,
é, primeiro mandaram esses três embora, agora parece que veio bem a calhar esse roubo que
eles fizeram, porque parece que o banco tava mesmo querendo mandar gente embora porque
na hora de recontratar, demorou pra recontratarem então a gente ficou sobrecarregado num
ponto e quando recontrataram, recontrataram primeiro um, depois o outro e o terceiro lugar
ficou vago, ou seja, é nós é que tivemos que passar a fazer esse trabalho que era feito por um a
mais, já eram poucos ficaram menos. Ah, e o mais cruel é que a justificativa deles é que eles
estavam investindo em máquinas que facilitavam nosso trabalho, então o que antes
precisariam muitos funcionários pra poder fazer, com o auxílio das máquinas, um funcionário
poderia fazer ou até um funcionário poderia manipular várias máquinas e fazer o que antes
três, quatro funcionários fariam. O problema é que o UNIBANCO, pelo menos na época em
que eu trabalhei, não estava investindo efetivamente em equipamento, eles só estavam
demitindo, os computadores eram antiquados, a rede de informática era lenta, os
computadores travavam e você ficava sozinho num caixa tendo que atender, você era o único
caixa, certo, tendo que atender uma multidão e de repente seu computador travava, o sistema
falhava também, é apareciam faltas de caixa onde não deveriam ter faltas de caixa,
duplicidades na contagem do caixa.”
304
301
Num primeiro momento o trabalhador ocupa-se por mais tempo de suas tarefas com intensidade
crescente, num segundo, agregam-se às suas tarefas outras responsabilidades, como o controle de
qualidade, a manutenção dos equipamentos, organização do local de trabalho.
302
Entrevista com bancário de agência do Unibanco realizada em 20/10/2004. N. G2639022. Maxell.
303
A gerência By Stress, institui o comportamento inovativo, aprimorativo como regra que é mantida
mesmo quando os resultados da produção são satisfatórios. Quanto mais os trabalhadores se
empenham, são produtivos, mais pressão, mais ameaças sofrerão, inclusive dos colegas de grupo de
trabalho, de equipe, de time.
304
Entrevista com bancário de agência do Unibanco realizada em 20/10/2004. N. G2639022. Maxell.
120
A reestruturação do trabalho bancário tem como estratégia – para aumentar a
produtividade do trabalho – o trabalho em equipe, exigindo delicadas aptidões como:
ser cooperativo
305
, comunicativo, adaptável, polivalente, ágil, mas principalmente
enfatiza a responsabilidade mútua
306
. O intenso "jogo" de poder que permeia a
mediação do trabalho em grupo escamoteia a autoridade implícita no processo de
trabalho. Esta possui uma conotação negativa. A dissimulação do trabalho em equipe
acomoda tensões, esconde os controles. Além disso, o “olhar coletivo” do grupo,
substitui muito bem as estruturas hierarquizadas, com um gerente controlando o
processo de trabalho. Além disso, o olhar coletivo é muito mais próximo dos
trabalhadores do que o gerente jamais conseguiria ser. "Agora o vilão não tem face".
Fragmenta-se, com isso, a resistência dos trabalhadores. É possível visualizar isso no
cotidiano bancário. Assim:
“As metas são individuais, apuradas e mensuradas por grupo. Então numa agência do
Unibanco, o grupo tem uma produção que tem de ser cumprida e individualmente atribuído,
partes dela, então cada pessoa tem que fazer ‘x’ aberturas de conta, determinado número de
cartões de crédito, capitalizações, seguros e outros produtos financeiros do banco. A
distribuição de remuneração disso é feita em grupo, então antigamente havia uma premiação
indireta chamada PD no UBB na rede de agências. E, quando havia muita reclamação até por
parte do sindicato mesmo de que o nível de metas era muito elevado e individualmente
colocado, o UBB fez uma mudança estrutural aí nos programas de metas e criou a apuração
global. Na agência existe uma meta estabelecida e ela só é dividida para cada pessoa, mas não
é cobrada individualmente, mas no grupo. Problema é que o grupo cobra o indivíduo, então
horizontalmente há a cobrança, então o assistente de gerência exige que outros também
vendam porque se ele não vender ele vai prejudicar o grupo, então é uma cobrança dos pares,
há uma transferência da cobrança, um gestor aqui, qualquer gerente geral da agência não
aparecem como aquela figura que está ali impondo uma cobrança de meta, apesar de ter
muitos exemplos disso, mas também os pares se cobram, o colega do lado cobra para que ele
305
Jinkings, em seu rigoroso estudo sobre o trabalho bancário, analisa a função do culto da excelência:
“Com a suposta finalidade de estimular a participação dos trabalhadores em decisões da empresa,
especialmente as relativas à racionalização do processo de trabalho, as equipes de qualidade, que se
difundem nos diversos setores econômicos cumprem uma dupla função. Por um lado, ao
reconhecerem a incumbência de conceber formas produtivas mais racionais, permitem uma maior
apropriação, pelo capital, do saber prático acumulado pelo assalariado. Por outro, devem substituir
ou enfraquecer as organizações sindicais por local de trabalho, tentando credenciar-se como
instrumento mais adequado para as manifestações e reivindicações dos trabalhadores relativas ao
cotidiano produtivo. A valorização do saber prático do trabalhador é uma das estratégias
fundamentais das novas formas de controle do trabalho”. JINKINGS, Nise. Trabalho e Resistência
na “Fonte Misteriosa”: os bancários no mundo da eletrônica e do dinheiro, p. 140.
306
“O termo ‘responsabilidade’ é mobilizado dentro de um discurso institucional em detrimento do
maior engajamento possível dos trabalhadore’
. ROT, Gwenaële., Autocontrôle, traçabilité,
responsabilité. Sociologie du travail, pp. 5-20.
121
se esforce para obter a meta. Porque globalmente na agência vai distribuir depois a produção
disso. O resultado disso é que existe uma remuneração para cada um.”
307
Essa estratégia acaba por introduzir “a lei da selva” no cotidiano bancário
obtendo uma produtividade extraordinária. Os desafios de cumprimento das metas
são uma pedra angular do estranhamento no trabalho no Unibanco, como bem
salientou o trabalhador.
“É como se existissem duas equipes dentro de uma agência. Uma equipe que ta lá pra
vender e pra dar o resultado pro banco, a outra equipe que ta lá pra organizar e pra resolver o
dia-a-dia bancário que é imposto por lei pelos bancos, né, os recebimentos de pagamentos, os
depósitos, etc... Coisas que talvez o banco não estivesse nem um pouco interessado se não
fossem uma obrigação legal. Então, assim, nessa equipe de vendas participavam os gerentes,
os assistentes de gerente na verdade não assistiam os gerentes, nunca ficaram ao lado de um
gerente, ajudando o gerente, não éramos assistentes dos gerentes, éramos sim trabalhadores
que trabalhavam muito mais nesse atendimento e nessa rotina bancária”.
308
A partir dos anos 90, o Unibanco passou a contratar somente gerentes e
assistentes de gerentes com o intuito de enquadrar todos em cargos de confiança, o
que inviabilizaria uma futura ação trabalhista. Uma forma de tentar burlar o sistema
ocupacional no trabalho bancário. Esses trabalhadores que, por convenção coletiva
trabalhariam 6 horas, trabalham 8 horas, e executam todo o trabalho, inclusive de
captação como vimos.
Mas, como era essa rotina bancária?
“Como caixa, como pessoa que direciona os clientes para os meios remotos, o assistente de
auto-atendimento, como a pessoa que abre os envelopes de depósito remoto no final do dia e
que faz os depósitos [o caixa expresso], conta o dinheiro e bate o caixa, e também, quando
sobrava um tempo, coisa que era raríssima, trabalhávamos também ligando pra clientes e
ofertando os produtos bancários e trabalhávamos com vendas. Era interessante no final do
mês o gerente geral que era o líder dessa equipe de vendas cobrando os funcionários que eram
da retaguarda por vendas, sendo que estes não tinham tido nada de tempo pra poder realizar
essas vendas, mas ainda assim eram cobrados. O Gerente Geral sempre queria impor metas
pra gente, apesar de serem metas inferiores às metas dos gerentes, mas queria nos impor
metas também. Então, surgiram idéias do tipo, VENDA NO CAIXA: Ao atender um cliente e
receber um depósito deveria-se perguntar se este não gostaria de adquirir um título de
capitalização, uma vez que esse dinheiro que ele estava depositando na poupança poderia lhe
render prêmios e tal (grifo nosso), então, o gerente geral acreditava que esse era um bom
momento de venda, e, ou seja, na sua visão tacanha, restrita, esquecia das filas, esquecia a
necessidade de atendimento veloz, dinâmico, e queria favorecer as vendas, a geração de lucro
em detrimento da qualidade do serviço, ou seja, a qualidade total aí, ia pro espaço, a
307
Entrevista realizada em 26.8.2004 com dirigente sindical do Unibanco realizada no sindicato dos
bancários. N. G2639022. Maxell.
308
Entrevista com bancário de agência do Unibanco realizada em 20/10/2004. N. G2639022. Maxell.
122
qualidade não era total, aliás a qualidade era mínima, qualidade muito baixa do sistema de
atendimento.”
309
Assim, tanto a extensão do tempo de trabalho quanto do aumento da
produtividade, configuram-se parte constituída e constituidora do trabalho no
Unibanco nos anos noventa. Continua o bancário:
“E, é claro que vez por outra surgia um produto bancário que era mais facilmente vendável
nas filas mesmo de caixa, como, por exemplo, foi o plano de empréstimos para aposentados,
em que eles acharam que os aposentados só vem ao banco sacar os benefícios e ficam
esperando na fila, então aquele era o momento deles serem abordados, inclusive, era no
momento anterior a abertura do banco. Eles nos pediam pra chegar uma hora antes, pra poder
atender esses clientes, nunca nos pagaram nada a mais por isso, e o funcionário não tinha
opção porque uma vez definido ali pelo gerente, e definido pelo gerente e uma vez que todos
tinham aceitado porque todos estavam tão dentro daquele, daquela, eu não sei, seria quase que
uma histeria coletiva ali. O pessoal realmente entrava naquele clima de que é a nossa família,
é o nosso sustento, é a nossa vida. Se precisamos chegar uma hora antes, chegaremos uma
hora antes; se precisamos sair duas horas depois, sairemos duas horas depois, aquele que não
está chegando uma hora antes, saindo duas horas depois, é um traidor. Então, as pessoas
chegavam e com o tempo paravam de questionar e tal, e assim, o banco até dava alguma
gratificação por vendas, mas era sempre uma coisa muito irrisória, nunca ninguém conseguia
fazer dinheiro com aquilo, um bom vendedor ganharia talvez uma comissão extra de cem reais
a mais no final do mês, talvez duzentos reais, eu não sei os gerentes, mas cem reais é até muito
pra um cara da retaguarda, se fosse bom vendedor inclusive. Eu não conseguia nunca fazer
cem reais a mais, ou seja, não era muito dinheiro a mais não, mas era muito trabalho a mais,
era como se fosse apenas um estímulo psicológico pra que a pessoa que quisesse vender
dissesse: Ah, eu vou ganhar alguma coisa a mais!, mas no final não ganha quase nada vai.”
310
Com isso, entram em cena formas de remuneração muito próximas daquelas
utilizadas em larga escala no período manufatureiro do desenvolvimento capitalista.
Um retorno “bárbaro” do trabalho por peça
311
que, no nosso caso, é a vinculação do
salário à realização do dinheiro no mercado.
“Já faz parte do histórico salarial das instituições financeiras a adoção do salário variável,
bônus e gratificações por superação de metas, principalmente vinculados a receita direta e a
resultados da empresa. A medida visa estimular a produção e a qualidade de um dos setores
mais competitivos e ágeis do país. Agora, seguindo a tendência mundial, os bancos querem
envolver um número maior de funcionários no programa e aumentar a periodicidade da
distribuição. São premiações, gratificações de função, bonificações por mérito. Todos atrelados
ao desempenho individual. Quanto à freqüência das gratificações, ela está vinculada a
309
Entrevista com bancário de agência do Unibanco realizada em 20/10/2004. N. G2639022. Maxell.
310
Entrevista com bancário de agência do Unibanco realizada em 20/10/2004.
311
Não somente por peça produzida, serviço financeiro, mas pressupõe a realização, circulação do
empréstimo, pressupõe o êxito no mercado realizado pelo trabalhador. Já não é suficiente o tempo de
trabalho gasto, mas a garantia de lucro.
123
periodicidade das avaliações das metas da instituição e pode ser trimestral, semestral ou
anual.”
312
Os bancários tornaram-se cooperadores, parceiros, responsáveis pela inserção
do Unibanco no mercado, ou seja, foram responsáveis pela “posição de mercado” do
banco. A produção integrada exige uma relação de cooperação ativa entre a empresa,
seus empregados e clientes. Esse padrão de relacionamento fundado na cooperação é
a tentativa de implantar recursos de informações mais eficazes e a potencialização do
trabalho. Descentralização das decisões como meio de agilizar o trabalho e envolver
o trabalhador. Dentro de equipes ou pequenos grupos de trabalho, a produtividade
pode ser extraída instituindo-se metas de produção ou de lucratividade que cada
unidade tem a "liberdade" e a "autonomia" para realizar da maneira que julgar mais
eficaz. A outra face dessas metas mostra que na realidade as condições para atingi-
las e sua dimensão nem sempre estão em sincronia. Exige-se assim um esforço
escomunal para que as unidades cumpram "autonomamente" essas metas
313
.
“Desde que o Unibanco montou o Programa de excelência gerencial, PEG, os executivos do
banco, gerentes, superintendentes e diretores, ganharam autonomia para tomar decisões e
transformaram-se em intrapreneurs, assalariados com dotes de empreendedores. Podem
aprovar empréstimos sem consultar o chefe, demitir e contratar o pessoal, sugerir e aprovar
novos produtos, definir estratégias para suas áreas de atuação. É um grande movimento de
TRANSFORMAÇÃO CULTURAL, diz Paulo Bravo, vice presidente da unidade de serviços
suporte e marketing, recursos humanos e sistemas.
Quando a direção do Unibanco decidiu, há dois anos, transferir poder aos escalões
intermediários, os funcionários torceram o nariz. Poucos acreditavam que aqueles senhores
enfatiotados que habitavam o Olimpo, no 22º andar da sede da organização, fossem abrir mão
do controle que tinham sobre o sétimo maior banco privado do país em volume de
empréstimos. Hoje, o novo modelo de gestão, mais participativa é uma realidade. As paredes
caíram não só na alta direção. O presidente e os vices perderam seus escritórios privativos e
ocupam um único salão. Os gerentes, superintendentes e diretores também trabalham em
contato direto com os subordinados e tem mais autonomia para gerir os departamentos. Não
foi fácil acabar com a autocracia dos chefes e a dependência dos subordinados. No primeiro
momento temíamos a desagregação do poder, diz Bravo. Para adaptar a organização ao novo
estilo de gestão, todos os funcionários, do presidente ao Office-boy estão passando por uma
reciclagem. O PEG, lançado há um ano e meio, já proporcionou treinamento a 13.000 dos
21.000 funcionários. Só no ano passado foram ministradas 453.000 horas de treinamento. O
312
BANCOS adotam salários variáveis como estímulo a qualidade e produtividade. A Gazeta
Mercantil, 29.04.1993.
313
Cf. SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo
capitalismo, p. 65.
124
Unibanco quer redesenhar o perfil dos funcionários de forma a que todos se comprometam
com as metas de redução de custos e busca de excelência no atendimento ao cliente.”
314
A partir daí, o Unibanco adotou alguns recursos inéditos para o sistema de
remuneração variável.
“Um deles é o contrato individual de metas que os executivos assinam no início de cada
semestre. Ali são definidos os limites de custos, os projetos a serem desenvolvidos e os
resultados buscados. A cada item é atribuído um peso. No final do semestre, o desempenho do
executivo será avaliado pelos pontos obtidos em cada item do contrato. Dependendo do
resultado ele receberá bônus que poderão acrescentar até 2,5 salários aos seus ganhos
semestrais. Todos são avaliados inclusive os vice-presidentes. Hoje eles tem a maior parte da
sua remuneração proveniente dos bônus. Mas o que pesa mesmo em seus rendimentos é o
desempenho do banco todo não apenas a sua área de trabalho. O sistema parece draconiano,
mas funciona. Dos 620 executivos do banco, 89% superaram suas metas no último semestre.
O gerente da agência Nova Paulista é um exemplo do novo perfil de gestor que está sendo
criado no Unibanco. A agência comandada por Gil possuía em 1991, 380 clientes com renda
acima de 1000 dólares mensais. Hoje está com 1050. No semestre passado, ele superou a meta
de crescimento da carteira de clientes. O bom desempenho obtido nos últimos tempos, desde a
implantação do PEG, fez a carteira de Gil deslanchar. Em um ano e meio ele saltou do nível 2
de gerência para o 4, o topo da faixa. Por isso todos os seus funcionários também foram
treinados para ser polivalentes. Eles podem atender ao caixa, abrir contas, entregar talões,
enfim, prestar atendimento completo ao cliente. As funções estanques foram derrubadas, e hoje
qualquer funcionário conhece todo o trabalho de uma agência. ‘Isso nos permite dar
atendimento personalizado ao cliente’ Em cada agência do Unibanco os clientes preferenciais
são atendidos num reservado, a UNIAGÊNCIA, por um assistente de gerência que realiza
todas as operações, saque, depósito, aplicações, sem o suplício das filas diante dos caixas. Ao
proporcionar atendimento diferenciado, eles aumentaram a rentabilidade das agências e
conquistaram ganhos salariais. Nas 438 agências do Unibanco ocorreram no último ano 2000
promoções que resultaram em aumentos salariais de 5% a 55%. ‘Isso estimula o bancário a
prosseguir na carreira e profissionalizar-se’, diz Laércio Gonçalves, diretor de
desenvolvimento de RH.
(...) Está em curso uma pesquisa de clima organizacional, a direção quer saber o que pensam
seus subordinados sobre as chefias, os salários, benefícios e a imagem do banco. ‘Vamos
identificar o foco de insatisfação para poder administrá-lo’, ‘cada um poderá identificar os
eventuais erros de gestão’. Reza a nova filosofia do Unibanco que o melhor caminho para
formar um empreendedor é ensiná-lo a ouvir seus subordinados. Por isso o ponto de partida
do PEG foi pôr no divã seus principais dirigentes. Não pense que o Unibanco resolveu
derrubar a autocracia por puro diletantismo democrático. ‘estamos mudando a cultura
gerencial por exigência do mercado’, diz Bravo. Ele constatou o óbvio: uma empresa com
gestão centralizada não tem velocidade de resposta. As decisões são lentas, os empregados
insatisfeitos atendem mal o cliente. ‘Estamos modernizando a administração para competir
314
O poder dividido, o lucro multiplicado: Como o Unibanco está transformando executivos em
empreendedores capazes de aumentar sua rentabilidade e eficiência. Revista Exame, p. 68-69, fev.
1993.
125
melhor. Na luta para conseguir novas fatias de mercado não tem limites para as inovações.
Assim, nenhum executivo ainda é nota 10’.”
315
É muito difícil apreendermos a intensidade dos infortúnios de um trabalhador
assalariado mediante esse estranhamento. Essa dimensão é capturada por quem sabe
o que é ter de produzir a própria existência tendo o dinheiro como garantia social
universal. No que se transforma a vida desse bancário?
Um dirigente sindical nos dá essa mediação:
“Semestralmente as pessoas fazem um contrato de gestão com o banco, então se estabelece
metas, então em seis meses eu pretendo fazer tais coisas então é feito um contratinho ali entre
as partes, um contrato de gestão, o nome que o banco usa é esse. Quando você então se
compromete a fazer aquilo, você é monitorado naquele semestre pra obter aqueles resultados,
tem acompanhamento e no final do semestre, na hora da checagem disso, o que você obteve de
resultado? Comparando com o seu contrato de gestão é dado um conceito de avaliação. Então
no UBB existe insuficiente, inadequado e o diferenciado, que é o melhor avaliado do grupo.
Quem fica com o conceito insuficiente não costuma continuar no banco, normalmente é o
público alvo das demissões do banco porque o banco diz que ele está fora do perfil. Ela pode
ter tido resultados bons em vários momentos, vários semestres e em um semestre a média dela
caiu, o conceito caiu porque não houve o resultado estabelecido, por qualquer motivo que seja,
ficou doente, ou o mercado não estava favorável, não vendeu nada, ela é tida como insuficiente
e é colocada a margem. É um grupo que é alvo para demissões, caso haja necessidade de
demissões o insuficiente é o grupo preferencial e o argumento é você está fora do perfil, você
não atende a expectativa da empresa. E isso é o principal condicionante para demissões, em
exceção quando existe um programa de reestruturação do banco, mas no dia a dia quando há
movimentação de funcionário as grandes alegações são estas, a pessoa não tem perfil, não
importa o que ela fez antes, hoje ela não tem perfil. Vale a pena frisar isso, quanto o colega
cobra o outro. É bem forte isso nos bancos, bem presente. Essa cobrança do colega pode ser
mais contundente ainda do que a própria cobrança gerencial, é a equipe atuando como uma
pressão extra cotidianamente e a todo minuto.”
316
Quando perguntado sobre a remuneração variável no Unibanco, Paulo Bravo,
diretor do banco, assinala as peculiaridades do sistema. Ele diz que tem de haver
sempre o funcionário classificado com nota ‘D’ na avaliação. Ou seja, toda equipe
tem um insuficiente.
“Sim, a avaliação de desempenho é um processo de decantação e o que queremos é identificar
pessoas que tem performance muito destacada das que não tem performance boa, o que
queremos é elevar gradualmente a qualidade de toda a equipe de funcionários do banco e por
315
O poder dividido, o lucro multiplicado: Como o Unibanco está transformando executivos em
empreendedores capazes de aumentar sua rentabilidade e eficiência. Revista Exame, p. 68-69, fev.
1993.
316
Entrevista realizada em 26.8.2004 com dirigente sindical do Unibanco realizada no sindicato dos
bancários. N. G2639022. Maxell.
126
isso é necessário o processo de decantação. As pessoas que requerem mais atenção do gestor
são as que estão A,B e D. A tendência dessas pessoas é a de deixar a empresa.”
317
Explicando melhor:
“Os quatro momentos da avaliação
A avaliação é um processo contínuo que deve acontecer no dia a dia de trabalho. O
planejamento é o instante inicial do processo, quando o gestor informa e esclarece o seu
subordinado sobre o que é esperado dele em termos de metas, tarefas e critérios que servirão
de base para a avaliação (por exemplo, elaboração e implantação de um projeto, aumento nas
vendas de um determinado produto, relacionamento interpessoal, responsabilidade,
apresentação pessoal, etc). Além de fazer com que o funcionário conheça metas e critérios, é
fundamental que o gestor o ajude a planejar a melhor maneira dele conseguir tais resultados.
Acompanhamento. Cada gestor deve fazer o acompanhamento do desempenho individual dos
funcionários durante todo o semestre. A idéia é que o gestor esteja sempre próximo do
funcionário, orientando-o no sentido de alcançar as metas fixadas na fase de planejamento. Da
mesma forma, sempre que o funcionário sentir que não está conseguindo atingir aquilo que
ficou estabelecido no início do semestre, deve buscar a orientação do seu chefe. Não deve
esperar e ser surpreendido com uma má avaliação.
Avaliação. Trata-se basicamente de duas comparações feitas pelo gestor. Uma delas é a
comparação entre o que estava previsto e os efetivos resultados do trabalho de cada
funcionário, considerados todos os fatores que eventualmente tenham influenciado esse
desempenho.
Assim, é importante que o avaliado mantenha seu chefe a par do andamento e término do seu
trabalho, das facilidades e dificuldades encontradas. A outra é a comparação do desempenho
individual de cada funcionário com os desempenhos individuais de seus colegas de equipe,
consideradas as diferenças decorrentes de cada trabalho.
O produto dessas comparações se expressa em A, excelente; B, muito bom; C, bom; e D,
insuficiente. Entretanto, esses conceitos não devem ser considerados como rótulos [aqui fica
evidente a taxação e discriminação cotidiana como observamos em entrevista com bancário.]
que não mudam nunca. Na verdade elas servem como sinais para um melhor direcionamento
de ações que possam alavancar resultados. Dessa forma se um funcionário tem uma
performance D num semestre, deverá dar maior atenção para os aspectos que dificultaram a
performance, no sentido de corrigi-los e melhorá-los para o próximo semestre. Convém
lembrar que o gestor é o responsável por esta classificação, devendo estar ciente da
necessidade de diferenciar sua equipe para dirigir os investimentos de desenvolvimento.
Comunicação. A última etapa da avaliação de performance talvez seja a mais importante. É
que nesse momento o funcionário ficará sabendo onde e porque acertou, e também tomará
conhecimento de seus erros e porque eles aconteceram. Esta fase serve para melhorar
desempenho e resultado para o semestre seguinte.”
318
317
BRAVO, P. (Org.). Informativo do 21º Encontro de Comunicação Direta do Unibanco, 16.6.1994,
pp. 1-11. (Mimeog.).
318
DESTAQUE. Os investimentos de 1993. São Paulo. Boletim Institucional do Unibanco. Ano 3, nº
56, abr. 1994. A referida humilhação coletiva que expõe o trabalhador é uma estratégia induzida para
elevar a produtividade.
127
Assim, o “UNIBANCO ganha mais um Top de RH” Esta era a manchete do
DESTAQUE
319
. Juntamente com outras dez empresas, o Unibanco é premiado pelo
importante incentivo para que as empresas melhorem cada vez mais, “valorizando o
ser humano nos processos de trabalho.”
320
. Assim, “O Unibanco ganhou o Top de
RH [Recursos Humanos] em 94 com o ‘case’ performance e potencial. Instrumentos
de gestão da excelência gerencial, onde são abordados os sistemas de avaliação de
performance, de excelência gerencial (avaliação do chefe pelo subordinado) e de
potencial.”
321
A comparação entre o desempenho individual e o coletivo contrapõe os
trabalhadores, estabelece rivalidades e acirra a competição. Em poucas palavras,
expressa a Gerência By Stress. Como muito bem salientou Jinkings, “Dessa forma,
com uma retórica de valorização da força-de-trabalho e de democratização das
políticas de recursos humanos, instituem-se artifícios diversos para a intensificação
e controle do trabalho. A prática da premiação de trabalhadores por produtividade,
já referida, é um desses artifícios que torna altamente competitivos os ambientes de
trabalho. No Unibanco, um requintado sistema de premiação atinge empresas
fornecedoras de serviços, unidades de trabalho do banco e funcionários
individualmente. (...) O empenho das empresas em aperfeiçoar os mecanismos de
comunicação interna e convertê-los em instrumento de dominação de trabalho
revela-se na sofisticação de seus periódicos, dirigidos aos trabalhadores. O
Unibanco possui um conjunto de jornais, boletins, revistas e até programas em vídeo
que perseguem a incondicional adesão dos funcionários aos projetos
mercadológicos do banco.”
322
Isso tudo provoca muita tensão no cotidiano bancário. Com a intensificação
do trabalho há também um enorme estímulo ao engajamento do trabalhador, uma
cooptação constante do empenho para com os interesses do conglomerado, da
319
DESTAQUE. “UNIBANCO ganha mais um Top de RH” . São Paulo. Boletim Institucional do
Unibanco. Ano 3, nº 68, ago. 1994. O Unibanco foi premiado juntamente com a Vale do Rio Doce,
Banco Bamerindus, Serasa, Amil, Localiza, Refinações de milho Brasil, Banco de Boston, Souza Cruz
e Banco do Estado da Bahia. Nota-se que os bancos estão bem presentes nas premiações.
320
DESTAQUE. “UNIBANCO ganha mais um Top de RH” . São Paulo. Boletim Institucional do
Unibanco. Ano 3, nº 68, ago. 1994.
321
DESTAQUE. “UNIBANCO ganha mais um Top de RH” . São Paulo. Boletim Institucional do
Unibanco. Ano 3, nº 68, ago. 1994.
322
JINKINGS, Nise. Trabalho e Resistência na “Fonte Misteriosa”: os bancários no mundo da
eletrônica e do dinheiro. pp. 145-147.
128
equipe, da ‘Família Unibanco’. Ao mesmo tempo, os trabalhadores extenuados são
compelidos a intensificar cada vez mais e em velocidade maior, o ritmo de trabalho.
Trabalho que exige alto grau de concentração por tempo prolongado e um
permanente estado de atrito entre o funcionário do banco e uma rígida e burocrática
estrutura de trabalho, além do atrito entre os colegas de trabalho pela competição
instaurada. Uma jornada extenuante de trabalho, o que ‘institucionalizou’ a hora
extra. Apesar da redução acentuada dos níveis hierárquicos através de demissões
serem bem comuns na década, ainda permanecia uma rígida hierarquização e um
sistema de controle de desempenho das tarefas percebido como opressivo e gerador
de tensão.
Esses aspectos da atividade bancária repercutem diretamente nas condições de
saúde dos bancários produzindo um perfil epidemiológico próprio para uma
verdadeira síndrome da condição bancária
323
.
4.3 O Sistema de Remuneração Variável no UNIBANCO – REMAG
O sistema de remuneração variável do Unibanco é o REMAG – Remuneração
de Agências que, “comissiona os executivos do banco com base na venda de
produtos e no peso dos diversos cargos.”
324
(DIEESE, 1995, p. 3).
O sistema de vendas funciona da seguinte forma: “no início do mês a unidade
recebe suas metas; estas são distribuídas pelo gerente geral aos demais gerentes;
divididas as metas, a agência encaminha à diretoria/superintendência da região uma
planilha com as metas individuais dos gerentes de contas e adjuntos e as encaminha
para a diretoria; no fim do mês, a agência apura as produções individuais, é feita
323
“A maneira como a lógica destrutiva do capital e sua reestruturação produtiva repercutem sobre
a vida e a saúde dos trabalhadores revela-se no cotidiano do trabalho bancário, marcado pela
ansiedade e pelo medo. O sofrimento psíquico causado pelo contexto de precarização social e pelas
formas brutais da reorganização do trabalho degrada progressivamente a saúde física e mental. As
LERs [Lesão por esforço repetitivo], provocadas por movimentos manuais e repetitivos e por
mobiliário inadequado, mas também pela sobrecarga psíquica, atingem imenso contingente de
bancários. O crescente índice de manifestações patológicas e de suicídios, especialmente entre
trabalhadores de bancos estatais, em face das mudanças abruptas de suas condições laborais, é
significativo das formas atuais de fragmentação e destruição da subjetividade do trabalho”.
JINKINGS, Nise. Trabalho e Resistência na “Fonte Misteriosa”: os bancários no mundo da
eletrônica e do dinheiro, p. 380.
324
DIEESE. Linha Bancários. “Remuneração Variável: o exemplo do UNIBANCO”. São Paulo. set.
de 1995. p.3.
129
uma comparação entre as metas e a produção, com base nos percentuais de
atingimento de metas são atribuídos pontos de performance dos gerentes. O gerente
geral e administrativo não recebem metas.”
325
(DIEESE, 1995, P. 4)
Os critérios para avaliação de performance são rentabilidade da carteira do
gerente; produção em torno de captação de recursos ou venda de serviços, conquista
de novos clientes e administração e controle de carteira de clientes.
Já com relação ao peso dos cargos, há diferenciação para a distribuição das
comissões conforme os níveis hierárquicos decrescem. “O superintendente da
agência e os gerentes gerais I, II, III e IV são os cargos de maior peso. Em seguida
estão os pesos dos gerentes de contas I e II, gerente de contas PJ I e II e gerente
administrativo I, II< III e IV. Finalmente com menor peso estão os gerentes adjunto
de conta. (...) Após a definição da participação do gerente geral e administrativo no
REMAG, são definidas as participações dos gerentes de contas e adjuntos. Esta
parte do REMAG é dividida em duas parcelas: uma parcela de 30% tem seu rateio
levando-se em consideração somente o peso do cargo, a parcela de 70% restante
leva em consideração os pontos de performance obtidos através do sistema de
vendas e, também, os pesos dos cargos."
326
(DIEESE, 1995, p. 5).
Tabela 1 – Participação relativa no prêmio REMAG
Cargo Participação no REMAG (em %)
Gerente geral 42,1%
Gerente Administrativo 10,5%
Gerente de contas PJ 15,4%
Gerente de contas I 10,3%
Gerente de contas II 10,5%
Gerente adjunto de contas 5,6%
Fonte:DIEESE, 1995, p. 6
325
DIEESE. Linha Bancários. “Remuneração Variável: o exemplo do UNIBANCO”. São Paulo. set.
de 1995. p.4.
326
DIEESE. Linha Bancários. “Remuneração Variável: o exemplo do UNIBANCO”. São Paulo. set.
de 1995. p.5.
130
A participação dos que realizam os serviços é bem menor do que daqueles
que pressionam por maior produtividade, como é o caso do gerente geral e do gerente
de contas. Já os assistentes de gerente nem entram no rateio, mesmo que tenham uma
alta produtividade. Com isso institui-se a rivalidade e a competição não só entre
agências, mas entre os próprios trabalhadores, fragmentando-os, disciplinado-os
reciprocamente.
Além do REMAG, há ainda o “Prêmio produção, comissões de seguro,
prêmio captação, produto Unibanco saúde, prêmio campanha prever, prêmio
Uniclass-PJ [Pessoa Jurídica], campanha débito automático, prêmio vida premiada,
prêmio campanha Credicard.”
327
(DIEESE, 1995, p. 7).
É importante atentar para a forma como essa remuneração influencia na
composição da renda do trabalhador bancário:
Tabela 2 – Variação da Remuneração de Executivos entre abril e junho de 1995
Remuneração
Fixa
Remuneração
Variável
Total
Gerente Geral 5,3% 180,2% 49,8%
Gerente PJ 5,1% 12,7% 8%
Gerente
Administrativo
5,7% -7,4% 3,7%
Assistente de
Gerente
7,7% -100% -20,6%
Caixa 5,1% -16% 1,5%
Fonte: Linha Bancários. DIEESE – Subseção SESE/SEEB-SP
“O gerente geral tem uma mudança significativa no perfil de sua
remuneração em períodos onde a agência atinge metas de desempenho, com a
remuneração variável passando de 25,4% para 47,6% da remuneração total”
328
327
DIEESE. Linha Bancários. “Remuneração Variável: o exemplo do UNIBANCO”. São Paulo. set.
de 1995. p.7.
328
DIEESE. Linha Bancários. “Remuneração Variável: o exemplo do UNIBANCO”. São Paulo. set.
de 1995. p.8.
131
Uma premiação aos cargos de negócios leva os cargos essencialmente
operacionais, de retaguarda, a serem penalizados, obrigando-os a entrar nas vendas
como forma de ampliar a capacidade da renda. Mais um fator fragmentador entre os
trabalhadores. Além disso, a pressão e até perseguição por parte dos gerentes gerais
pode ser muito elevada mediante uma potencialidade salarial maior, influindo
possivelmente nas avaliações de performance, o que aprisiona os bancários de tal
forma que compromete seu salário.
Há com isso, uma transferência dos riscos da empresa para o trabalhador.
Este se vê obrigado a produzir resultados para poder reproduzir sua própria
existência. Mesmo quando a demanda por serviços bancários é baixa, o banco deixa
de remunerá-lo. Tanto do ponto de vista individual como coletivamente e, no último
caso mais intensivamente, o banco ganha um “plus”, através do trabalho social, da
cooperação. A produtividade alcança, com isso, patamares que permitem um grande
processo de enxugamento de pessoal, como foi feita com a redução dos níveis
hierárquicos, tornando-se uma prática habitual e impulsionando uma aceleração da
acumulação de capital.
Assim, “No setor bancário, a PLR foi discutida na campanha salarial de
setembro de 1995, sendo acordado o pagamento de 72% do salário reajustado mais
um valor fixo de R$200,00, condicionado a existência de lucros nas empresas e,
inexistência de pagamentos anteriores sob esse título. Inclusive foi constatado o não
pagamento da PLR, em alguns bancos, sob o argumento da não existência de lucros
ou, em bancos sob intervenção e/ou que não publicaram os balanços.”
329
A renda é vinculada à capacidade da empresa em realizar lucros no mercado,
condiciona parcelas crescentes da remuneração paga sob a forma variável. “O PPR
do UNIBANCO visa o envolvimento das equipes com as estratégias e objetivos das
áreas de atuação, um maior incentivo a qualidade e produtividade e a possibilidade
de alcance de melhores resultados. (...) O programa abrange um universo de 15 mil
funcionários. Nas agências e PAB’s [posto de atendimento bancário] destina-se aos
superintendentes de agências, gerente geral, gerente de contas, gerente adjunto,
329
DIEESE. Linha Bancários. “Remuneração Variável: o exemplo do UNIBANCO”. São Paulo. set.
de 1995. p.9.
132
gerente administrativo, supervisor, tesoureiro e assistente de gerência. O programa
vincula o pagamento aos empregados elegíveis ao alcance das metas previamente
estabelecidas entre os funcionários e suas chefias e o resultado global da empresa,
expresso pelo retorno sobre o Patrimônio Líquido do banco.”
330
Esse sistema criou uma moeda interna como fator de cálculo que oscila
conforme o cargo ocupado, e com relação à rentabilidade do banco proveniente do
patrimônio líquido no ano. Como exemplo, pode-se observar a distribuição da
quantidade de moedas por cargo, realizada com base no nível hierárquico:
Tabela 3 – Equivalência entre grupos de cargos e correspondência com moeda
Moedas Cargos
65 Suporte agência (Ass_informática)
55
Gerente Geral IV (AdvogadoCoordenador de
sistemas)
45
Gerente geral III
Gerente de contas PJ IV Consultor (crédito,
auditoria, chefe de divisão)
40 Analista e Supervisor
32
Gerente Geral II
Gerente de contasPJ III
Gerente de contas V
25
Gerente Geral I
Gerente de contas PJ II
23 Gerente de contas PJ I Gerente de contas III
20 Gerente de contas II
17
Gerente de contas I
Supervisor
15 Tesoureiro
14 Assistente de gerência
Fonte: Programa de Participação de Resultados – UNIBANCO
Elaboração: DIEESE – Subseção SESE/SEEB-SP
330
DIEESE. SESE/SEEB-SP. Linha Bancários. “Programa de Participação nos Resultados do
UNIBANCO: alguns comentários”. Boletim da Integração 25 UNIBANCO - Edição Especial.
08/05/1996.
133
A moeda vale R$ 72,00 como referência para base de cálculo. “O valor da
moeda interna varia pela aplicação de um fator de ajuste que oscila em função do
comportamento da rentabilidade líquida do banco (Lucro líquido dividido pelo
patrimônio líquido), O valor de R$ 72,00 vale para o caso da rentabilidade líquida
estar situada no intervalo entre 14% e 15%. Caso a rentabilidade líquida seja
superior a este intervalo, a moeda interna tem seu valor acrescido pelo fator de
ajuste correspondente. Da mesma forma, rentabilidade líquida inferior, leva a uma
redução no valor da moeda interna pelo fator de ajuste correspondente. Como
ilustração, no caso de uma rentabilidade líquida de 11,5%, o valor da moeda interna
é R$61,20 (R$ 72,00 X 0,85)”
331
.
Tabela 4 – Rentabilidade Líquida e fator de ajuste da moeda interna
Rentabilidade liquida Fator de ajuste da moeda
<6% 0
De 6% A <7% 0,60
De 7% A <8% 0,65
De 8% A <9% 0,70
De 9% A <10% 0,75
De 10% a <11% 0,80
De 11% a <12% 0,85
De 12% a < 13% 0,90
De 13% a <14% 0,95
De 14% a <15% 1,00
De 15% a < 16% 1,05
De 16% a <17% 1,10
De 17% a <18% 1,15
De 18% a <19%
1,20
De 19% a <20%
1,25
De 20% a <21%
1,30
De 21% a <22%
1,35
= ou >22%
1,40
Fonte: Programa de Participação de Resultados – UNIBANCO
331
DIEESE. SESE/SEEB-SP. Linha Bancários. “Programa de Participação nos Resultados do
UNIBANCO: alguns comentários”. Boletim da Integração 25 UNIBANCO - Edição Especial.
08/05/1996.
134
Quanto à periodicidade do pagamento,“O PPR tem periodicidade anual, e
seu pagamento é efetuado em duas parcelas semestrais: a primeira de 40% e a
segunda 60%.”
332
Tabela 5 – Metas e Distribuição dos Resultados
50%
Pagos automaticamente a todos os
empregados elegíveis;
0 a 25%
Pagos na proporção dos resultados da
área/equipe a que pertencem;
0 a 25%
Pagos conforme avaliação de
performance de cada funcionário.
Fonte: Programa de participação de resultados- UNIBANCO
Elaboração; DIEESE – SUBSEÇÃO SESE/SEEB-SP
Há ainda um critério que diz respeito à avaliação de performance de acordo
com as metas individuais podendo se classificar em A=25%; B=20%; C=15%;
D=0%.
A definição da participação se dá da seguinte forma, “1º verifica-se a
quantidade de moedas estipuladas para a função; 2º define-se o valor da moeda
interna, mediante a multiplicação do valor-referência de R$ 72,00 – pelo fator de
ajuste correspondente à rentabilidade líquida do banco. Deve ser observado que,
neste caso, trata-se de uma estimativa da rentabilidade líquida anual, já que os
dados são extraídos dos demonstrativos contábeis semestrais; 3º multiplica-se a
quantidade de moedas pelo valor (já ajustado) da moeda interna obtendo assim o
valor máximo potencial, estimado para o ano, a que teria direito o empregado; 4º
calcula-se o valor potencial da primeira parcela: 40% do valor máximo potencial
estimado para o ano; 5º a metade desta primeira parcela está automaticamente
garantida para todos os empregados elegíveis, e o pagamento da outra metade será
proporcional ao atingimento de metas individuais e por área/equipe.”
333
Para a
segunda parcela valem os mesmos critérios, mas o que se acresce é, “a segunda
332
DIEESE. SESE/SEEB-SP. Linha Bancários. “Programa de Participação nos Resultados do
UNIBANCO: alguns comentários”. Boletim da Integração 25 UNIBANCO - Edição Especial.
08/05/1996.
333
DIEESE. SESE/SEEB-SP. Linha Bancários. “Programa de Participação nos Resultados do
UNIBANCO: alguns comentários”. Boletim da Integração 25 UNIBANCO - Edição Especial.
08/05/1996.
135
parcela [que] será igual à diferença entre o valor máximo potencial, efetivo para o
ano, e o valor potencial da primeira parcela.”
334
Profissionais de retaguarda, assistentes de atendimento e caixas não estão
inseridos no programa. Nas demais áreas os cargos abaixo do Grupo Salarial 4, e os
cargos de 6 e 4 horas, também não participam do programa.
Segundo o Dieese, “dado que são estabelecidas metas por área, e que as
metas individuais concorrem para a sua concretização, as diferenças nos
desempenhos individuais poderão gerar uma pressão do grupo (coletiva) em relação
aos indivíduos ‘menos produtivos’, ou seja, exercendo uma pressão negativa na
sociabilidade interna. A dispersão de forma a premiar as chefias pode radicalizar
este processo de modo a gerar excessivas pressões.”
335
Além disso, a categoria se distancia cada vez mais dos sindicatos. Os
trabalhadores não tem unidade de classe, obviamente porque a classe está bastante
fragmentada, com distinções de renda, de jornada, de contratação e níveis alarmantes
de informalização e miserabilidade.
Outro fator degradador a ser considerado que detectamos na pesquisa refere-
se, “à relação entre rentabilidade líquida dos bancos e as metas, parâmetro para a
participação nos resultados, pode estar sendo afetada por fatores que trazem
impactos diferenciados e mesmo opostos, para a empresa e seus funcionários.
Exemplo disso, seria um processo de capitalização da empresa que, caso leve a uma
taxa de crescimento do seu patrimônio líquido maior que a verificada em seu l
ucro líquido, causaria impacto negativo sobre a rentabilidade líquida, já que esta é
igual a razão entre o lucro líquido e o patrimônio líquido.”
336
. Além de ser bastante
elevado o patamar de rentabilidade exigido pela instituição para remunerar a
334
DIEESE. SESE/SEEB-SP. Linha Bancários. “Programa de Participação nos Resultados do
UNIBANCO: alguns comentários”. Boletim da Integração 25 UNIBANCO - Edição Especial.
08/05/1996.
335
DIEESE. SESE/SEEB-SP. Linha Bancários. “Programa de Participação nos Resultados do
UNIBANCO: alguns comentários”. Boletim da Integração 25 UNIBANCO - Edição Especial.
08/05/1996.p. 9.
336
DIEESE. SESE/SEEB-SP. Linha Bancários. “Programa de Participação nos Resultados do
UNIBANCO: alguns comentários”. Boletim da Integração 25 UNIBANCO - Edição Especial.
08/05/1996.p. 10.
136
participação, este é de 14 a 15%. E, no caso de rentabilidade de 6% a participação é
nula.
É importante ressaltar que o UNIBANCO alcançou a posição que ocupa no
mercado financeiro através da competência e da participação de seu corpo de
colaboradores.”
337
Sintetizando, os critérios são a contratação de metas individuais e globais (da
unidade), a moeda interna, a quantidade de moedas por cargos e o ajuste da moeda.
No mês de novembro de 1996 a participação nos resultados passou a ser
implementada para todos os trabalhadores.
Para os trabalhadores haverá retenção de imposto de renda na fonte de toda
renda variável e participação dos lucros, mas isenção para o empregador.
“Parágrafo 1º do 3º art. Para efeito de apuração do lucro real, a pessoa jurídica poderá
deduzir como despesa operacional as participações atribuídas aos empregados nos
lucros ou resultados, nos termos da presente medida provisória, dentro do próprio exercício
de sua constituição
Parágrafo quarto do 3ºartigo. As participações de que trata este artigo serão tributadas na
fonte, em separado dos demais rendimentos recebidos no mês, como participação do imposto
de renda devido na declaração de rendimentos da pessoa física, competindo a pessoa
jurídica a responsabilidade pela retenção e pelo recolhimento do imposto.”MP 1136 de
26/09/1995
A raiz da questão está na análise já empreendida anteriormente, a de que
salário sobre a lucratividade, ou por peça, são formas hostis e estranhadas de
aprisionar o trabalhador. Agravada ainda pela medida provisória sobre a participação
nos lucros que institucionaliza o arrocho salarial. É a força da propriedade privada se
impondo com toda força sobre os trabalhadores.
Com isso, o discurso enfatiza que o trabalho deve ajustar-se aos interesses da
empresa. Além do que são trabalhadores subcontratados, já em condição de
temporários. Dessa forma, não tem nem a possibilidade de receberem a participação
nos lucros que os mesmos produziram pela medida estabelecida. Ou seja, lhes é
337
DIEESE. SESE/SEEB-SP. Linha Bancários. “Programa de Participação nos Resultados do
UNIBANCO: alguns comentários”. Boletim da Integração 25 UNIBANCO - Edição Especial.
08/05/1996.p. 8.
137
vedada a renda, uma vez que o salário é composto por uma média de 80% variável.
É vedado o pagamento de qualquer antecipação ou distribuição de valores a título
de participação nos lucros ou resultados da empresa em periodicidade inferior a um
semestre”.
338
Além disso, a negação do princípio da habitualidade, segundo o qual,
qualquer parcela paga com regularidade ao empregado, como comissões,
percentagens, gratificações ajustadas, abonos, etc, integram o salário, revelando a
possibilidade da empresa decidir se paga ou não a participação. Segundo a Medida
Provisória, “as empresas podem convencionar livremente com seus empregados a
participação em programas de metas, qualidade ou outras formas de objetivos,
traduzidos em resultados. Assim, a MP dá margem para incluir nas empresas
programas de remuneração das maneiras mais diversas possíveis, levando em
consideração a cultura e o tipo de atividade de cada organização”.
339
Daí, a aparência de maior participação se forja no condicionamento do salário
à produtividade. Participação no montante produzido totalmente pelo trabalhador. A
motivação à expansão da produtividade é objetiva, ou seja, a motivação para aderir
aos objetivos capitalistas. Isto se reflete nos movimentos grevistas, que comumente
reivindicam salários, tendem a ser substituídos pela negociação direta.
Na Xerox do Brasil, “a satisfação dos empregados, a melhoria dos processos
e a diminuição do desperdício foram gratificantes. No entanto é visível o interesse
dos funcionários, que buscam cada vez mais a melhoria da empresa, uma vez que
eles lucrarão.”
340
. No caso do Unibanco, por exemplo, isso se evidencia nos
contratos semestrais de metas, em que as diferenças entre os parceiros e capitalistas,
entre o banqueiro e o trabalhador bancário se apagam, ilusoriamente se esvaem.
Através da qualidade total e da remuneração variável, o trabalhador adere aos
interesses da empresa por imposições objetivas, hostis e estranhadas, não somente
338
MP nº1136 de 26/09/1995 editada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e o Ministro da
Fazenda Pedro Malan
339
LOBO, J., A Participação nos lucros dos trabalhadores ou dos sindicatos?. Folha de São Paulo,
09.03.95.
340
LOBO, J., A Participação nos lucros dos trabalhadores ou dos sindicatos? Folha de São Paulo,
09.03.95.
138
como convencimento discursivo, apenas uma manipulação subjetiva. O que fica
claro é que a remuneração variável sobre a lucratividade que o trabalho próprio
impulsiona compreende uma coação material primeiramente. Se o salário depende do
nível de produção ou de lucro que impulsiona e neste último caso é ainda pior, pois
pressupõe a realização da mercadoria; e a própria existência do trabalhador, as
possibilidades concretas de vida dependem imediatamente dessa adesão. A adesão ou
resistência do trabalhador são o desenlace objetivo de uma situação de
aprisionamento material, da alienação, separação objetiva entre o homem e suas
possibilidades concretas de humanização.
Conforme afirma Teixeira: “trata-se de uma reposição de formas antigas de
pagamento que foram dominantes nos primórdios do capitalismo e até mesmo na
época de apogeu da grande indústria. Noutras palavras, trata-se de uma forma
transfigurada do salário por peça, que Marx analisou em O Capital, como forma de
pagamento que serviu de alavanca para o prolongamento do tempo de trabalho e
rebaixamento dos salários, no período de crescimento tempestuoso da grande
indústria, que se estendeu de 1797 a 1815”.
341
O REMAG expressa mais uma dimensão do estranhamento no trabalho,
“assim, se a remuneração variável implica para os trabalhadores a intensificação
do trabalho e a perda de direitos salariais, para as empresas permite expressiva
redução de custos com força-de-trabalho e elevação dos níveis de produtividade. De
fato o sistema viabiliza variações nos valores das folhas de pagamento dos
empregados, conforme as flutuações na demanda e na produção, constituindo
mecanismo extremamente benéfico ao capital. Não seria demasiado afirmar que, no
contexto atual de altos índices de desemprego e subemprego em escala mundial, os
mecanismos de pressão por produtividade adquirem maior eficácia, sob o prisma do
capital. Pois, seja pelo medo da perda do emprego, seja pela contrapartida material
oferecida pela empresa, seja, ainda, pela adesão ao ideário patronal, o trabalhador
esforça-se para atingir as metas de produtividade que lhe são impostas”.
342
O estranhamento no trabalho bancário, como pudemos constatar, tem várias
dimensões. O estranhamento acomete desde o processo de trabalho mais imediato,
341
TEIXEIRA, F. J. S., Modernidade e crise: reestruturação capitalista ou fim do capitalismo, pp. 30-
31.
342
JINKINGS, Nise. Trabalho e Resistência na “Fonte Misteriosa”: os bancários no mundo da
eletrônica e do dinheiro, pp. 158-159.
139
até a sua função social na trama da divisão do trabalho. A função social do trabalho
bancário é uma das dimensões mais importantes que acreditamos ter contribuído para
desvendar. Um trabalho que não produz nada de fato, mas se apropria em escala
crescente de trabalho alheio. Se não tivéssemos desdobrado a função social desta
atividade, a bancária, nunca teríamos ultrapassado o imediato. Assim, não teríamos
capturado, para além da particularidade bancária, a condição da classe trabalhadora
hoje, suas determinações universais. O processo de trabalho é expressão da
acumulação capitalista. Portanto, nossa análise tentou ir além, entendendo o processo
de trabalho inserido num contexto maior, mutabilizando-se a partir de suas relações
em escala ampliada com a reprodução do capital.
Ao finalizar este capítulo, cabe lembrar que “no processo de trabalho, que é
simultaneamente processo de valorização, os elementos objetivos do capital, os
meios de produção, funcionam como instrumentos para a ‘sucção’ da capacidade
viva de trabalho. Daí porque a dominação do capitalista sobre o operário é a
dominação da coisa sobre o homem, a do trabalho morto sobre o trabalho vivo, a do
produto sobre o produtor”.
343
343
Ibid.p. 168.
140
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Quanto mais o trabalhador se exterioriza (ausarbeitet) em seu trabalho,
mais o mundo estranho, objetivo, que ele criou, torna-se poderoso diante dele, tanto
mais empobrece a si e a seu mundo interior, tanto menos é dono de si próprio”.
344
Esta é a essência do estranhamento no trabalho e, no caso do trabalho bancário, não
é somente estranhamento para o bancário no seu cotidiano, no seu salário, nas suas
condições de trabalho e vida, mas é a espoliação em ato de todas as classes da
sociedade capitalista.
Esta pesquisa procurou contribuir com os estudos sobre a economia brasileira
e as condições de vida da classe trabalhadora no Brasil. Sempre atentos à forma
como o Brasil se relaciona na acumulação mundial, o período estudado procurou
flagrar o ápice da internacionalização do capital. Dessa forma, tentamos resgatar as
determinações mais essenciais da transformação das bases de reprodução do capital
na periferia do capitalismo. Se tivéssemos ignorado o contexto mundial, a
reprodução em escala ampliada do capital, não conseguiríamos seguir em nossa
investigação. Sendo assim, este trabalho buscou plasmar com toda intensidade a
universalidade intrínseca de nosso objeto. Ou seja, partir da particularidade da
condição bancária, significa também apreender as condições de vida de toda a classe
trabalhadora. Assim, é verdade que o método de apresentação adotado é
marcadamente impopular. A razão disso reside parcialmente no caráter abstrato do
assunto. A segunda parte pode ser compreendida mais facilmente, pois trata de
assuntos mais concretos, particulares.
Nossa preocupação centrou-se no dinamismo dos fatos, nas imagens
históricas o que, muitas vezes, se traduziu na forma de exposição dos próprios
fragmentos históricos com o intuito de evidenciar o estranhamento no trabalho,
tomando sua particularidade brasileira e financeira através do acompanhamento e
análise do desenvolver do trabalho no Unibanco na virada da década de noventa.
Nossa discussão é resultado, portanto, da observação e não de dedução teórica, feita
do material histórico disponível. “Sendo assim, ainda que tivesse havido equívoco
344
MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos, p. (MEF:XLIX / 512). Apud. COSTA, M. A
Diferença Entre as Categorias Lebensäusserung, Entäusserung, Entfremdung, Veräusserung nos
Manuscritos Econômicos Filosóficos de Karl Marx de 1844, p. 48.
141
em nossas observações, ou se estas fossem enganadoras, a teoria geral não teria
sido afetada.”
345
Pudemos observar que há muitas dimensões do estranhamento no trabalho
bancário. Tentamos analisar, porém, os nexos causais mais estruturais do período
histórico que compreendeu os anos de 1985 a 1995. A partir daí, percorremos os
planos econômicos, o comportamento do mercado de capitais, a concorrência no
setor financeiro, a disputa intestina entre capital nacional e estrangeiro pelo rateio da
mais-valia produzida. Com esse retrato histórico procuramos recompor a
determinação real de como se deram, suas causas e impactos, a gênese e função
social do estranhamento no trabalho bancário. Assim, ao longo de nossa análise
algumas determinações essenciais, como por exemplo, a inflação, ganharam
destaque.
Ao adentrarmos nos anos oitenta, constatamos que a inflação foi uma forma
singular de valorização do capital, pois “a inflação é um modo de valorização do
capital que por outras formas não se daria, o que vem a ser uma conquista sem
batalha, a pretendida eliminação da inflação inercial, também chamada
sintomaticamente de ‘inflação burra’, que seria gerada na disputa ininterrupta pela
divisão da renda, é, antes de mais nada, a pretensão de estancar a disputa.”
346
Nessa medida, a inflação configurou um dos estranhamentos mais intensos da
acumulação capitalista na ‘década perdida’. O Estado, por meio da inflação,
financiou a acumulação de capital, e com isso o repasse da manutenção dos níveis de
lucratividade crescentes pôde se dar por meio dessa forma de valorização
improdutiva do capital, ou seja, favorecendo os circuitos da ciranda financeira.
O que caracterizou a economia como “A figura brasileira de capitalismo
periférico e subordinado singulariza-se como a 8ª economia do mundo e a 54ª
enquanto poder de compra de sua população. Metade da renda distribuída fica com
a parcela de 1% dos mais ricos, e mais da metade da população (70 milhões) rateia
o insuficiente para poder se safar da faixa da pobreza e da miséria absoluta.”
347
Como muito bem observou Cotrim, “a burguesia industrial em formação
alcançou em vários casos um porte industrial razoável, mas não suficiente para que
pudesse alcançar um processo de industrialização com a autonomia política e
345
MARX, Karl. Formações Econômicas Pré-Capitalistas, p.87.
346
CHASIN, J. A Miséria da República dos Cruzados, p. 170
347
Ibid.p.171.
142
econômica semelhante a que se desenvolve revolucionariamente nos países centrais
e nos EUA. Aqui, ao contrário, o estado se torna uma necessidade incontornável
para a implantação de outros setores que compõem a indústria. (...) Dessa maneira,
o processo de desenvolvimento industrial radicalmente distinto daquele constituído
pelas chamadas burguesias clássicas. Enquanto aqui a indústria se desenvolve com
o apoio do setor público, lá o mercado foi o campo de atuação das burguesias
originárias”.
348
Caio Prado Júnior, José Chasin e Francisco de Oliveira também
apontaram este processo como sendo a essência do desenvolvimento do capital no
Brasil, “A verdade é que o capital atuante no país repete com essa indisposição uma
característica de comportamento que, há vinte anos Caio Prado Jr. identificou como
sua essência parasitária. Sempre disposto, é óbvio, a se apropriar dos lucros e a
impor a socialização dos prejuízos, ele é um aventureiro que abomina riscos e nunca
os assume, e se acredita sempre no direito de ser financiado. Pelo estado desde
sempre, e cada vez mais ao longo do último meio século pelo ‘amparo’ de seus
irmãos mais velhos de outras plagas. Que isto derive de uma justa avaliação de sua
pequenez e fragilidade objetivas, ou simplesmente reflita a rigor a estreiteza de sua
subjetividade, vem a dar no mesmo, na síntese de sua figura atrófica.”
349
Isto conformou uma situação agravante na degradação das condições de vida
dos trabalhadores, uma vez que na virada dos anos noventa as privatizações se
intensificaram e houve um verdadeiro desmantelamento do setor industrial nacional
em detrimento do capital estrangeiro, especialmente o capital financeiro
internacional. As medidas de abertura comercial e desregulamentação financeira, que
ampliam aceleradamente os fluxos de capital estrangeiro no país, conduzem a um
maior endividamento externo e à desarticulação da estrutura industrial, o que
agravou sobremaneira as mazelas sociais, entre elas, os níveis alarmantes de pobreza
no Brasil. Assim, o PROER e PROES, por exemplo, são a expressão da extração da
mais-valia social em detrimento da fração hegemônica do capital - o capital
financeiro internacional. Nessa direção, está a Linha de crédito do Estado brasileiro
para fusões, aquisições e incorporações. Além disso, houve crédito e estímulo às
reestruturações organizacionais e tecnológicas dentro do setor bancário. O que
concentrou e centralizou ainda mais esse capital. O Relatório do Banco Central
348
COTRIM. Ivan. O capitalismo dependente em Fernando Henrique Cardoso. , p. 104.
349
CHASIN, J. A Miséria da República dos Cruzados, p. 170.
143
acenou para o tratamento a ser conferido às “instituições bancárias estrangeiras:
reciprocidade e tratamento nacional”. Dessa forma, o capital nacional é um capital
que é “Dócil ao grande capital externo, aproveitando-se da concorrência
intramonopólica, vislumbra a modernização capitalista sucateando o capital estatal,
destruindo o pequeno e médio capital, implodindo a tecnologia nacional,
substituindo-a por uma tecnologia forânea e abrindo nosso parque produtivo para o
capital que detém esta tecnologia. E, claro, tornando ainda mais miseráveis o
enorme contingente de assalariados que vivem a brutalização mais aguda de sua
história republicana.”
350
O caso brasileiro, tendo em vista a sua subordinação estrutural à praça
mundial das trocas e, à poupança internacional como padrão de financiamento da
economia brasileira; naufraga em taxas escandalosas e insuportáveis de desemprego
e miserabilidade. E, através do sistema de crédito, transfere-se, numa escala
ameaçadora, fatias crescentes da mais-valia produzida no Brasil. Ameaçadora porque
compromete a própria reprodução da força-de-trabalho brasileira.
É dessa forma que o processo de acumulação no Brasil se dá pela conciliação
e subordinação ao capitalismo central, a “conciliação pelo alto”
351
. Isto se expressa
nas transferências de recursos reais para o exterior, na inflação como forma de
financiamento improdutivo da economia, nas relações de produção e circulação do
capital. Da mesma forma se expressa na capitalização do Unibanco, suas parcerias,
sua conglomeração com a participação estrangeira, expresso também na tecnologia
importada, no empobrecimento em massa da maior parte da população, com grande
concentração de renda. A principal mercadoria exportada nessa época, como dito
outrora, é a crise.
Se tivermos em conta que o volume de capital do mercado financeiro
internacional que passa pela América Latina é menor que 1% de todo seu volume,
esse pode ser um dos fatores que explicam os níveis de desemprego da população
350
ANTUNES, R. “O duplo fracasso do Projeto Collor”, pp. 12-14.
351
Essa conciliação é bem mais antiga, no entanto. Isso já se expressava no nascedouro do “Brasil
Nação”. Assim, “Os banqueiros ingleses (foram quase sempre a casa Rothschild), conluiadas com os
desonestos altos dignatários do Império, lançam-se sem piedade sobre esta presa inerme que era a
nação brasileira”. PRADO, Jr. Caio. História Econômica do Brasil, p. 139. (nota). E não pára por aí,
“Claro está que a relação centro e periferia se processa agora em novas bases, ou seja, além de
ainda permanecer a antiga divisão internacional da produção, cabendo aos países periféricos o
fornecimento de matérias-primas aos países centrais já industrializados, verifica-se, no entanto, uma
nova e mais intensa forma de subordinação – a financeira.” CASTILHO, Eribelto Peres. Centro e
Periferia: pólos opostos de um mesmo sistema. 2006. p. 5. (mimeo).
144
brasileira. Conforme o próprio Banco Central do Brasil, “Os países em
desenvolvimento mantiveram a tendência, observada nos últimos anos, de
participação cada vez menor no mercado. Os países latino-americanos continuaram
a ser penalizados com restrições creditícias, obtendo somente US$ 3,2 bilhões,
correspondendo a 1% do total, participação significativa inferior a de 17,4%
registrada no início da crise financeira de 1982.”
352
Como pudemos constatar, o desenvolvimento da acumulação brasileira teve
como fatores determinantes a poupança internacional e a superexploração da força-
de-trabalho. Sendo assim, os suicídios, os quadros de degradação máxima da saúde
dos trabalhadores, tornam-se o estranhamento na sua forma mais brutal. E, a
especificidade do trabalho bancário é que ele é a expressão máxima do
estranhamento para todos os trabalhadores da sociedade na medida em que se
assenta no parasitismo sobre o trabalho alheio. Assenta-se na exploração indireta do
trabalhador por meio do capital industrial e comercial, mas de forma oculta,
invertida, fantasmagórica, misteriosa. Assim, à medida que cresce a produtividade
do trabalho bancário, cresce também a intermediação financeira, cresce a
expropriação através do empréstimo, sem nenhuma contrapartida e unicamente
pautado na propriedade de seu capital. O dinheiro como capital tem de se tornar
meios de produção e extrair trabalho não-pago. Com a produtividade do trabalho
bancário cresce também a especulação e o aviltamento das condições de vida de
todos os trabalhadores, cresce, portanto, sua condição estranhada. Não é demasiado
enfatizar que o capital financeiro proporciona uma “tábua de salvação que apenas o
sustenta em cima da água até lhe apanharem o seu negócio asfixiado, todas essas
batalhas de dinheiro ganho, enfim, constituem a alta política dos argentários”
353
.
Assim, no Brasil, onde o salário é intensamente arrochado e não chega até o
fim do mês, o crédito acaba sendo uma forma de estranhamento, de aprisionamento
mais intenso para o trabalhador. A corrosão do poder aquisitivo se dá de forma
crescente. No trabalho bancário, a alienação e estranhamento devem ser buscadas na
raiz de sua gênese e função social, no questionamento do sentido de sua atividade. E
a virada dos anos noventa mostrou uma ação defensiva dos bancários contra essa
superexploração do trabalho. Esse desdobramento analítico, representado pela
352
RELATÓRIO do Banco Central do Brasil 1986. Brasília. Banco Central do Brasil (Departamento
Econômico), vol. 23, 1987, p. 75.
353
BALZAC, Honoré, Esplendores e Misérias das Cortesãs. In. A Comédia Humana.
145
resistência bancária, não pôde, no entanto, ser desenvolvido nesta dissertação,
abrindo novas possibilidades para futura continuidade da pesquisa.
Chegamos ao ápice da dualidade: um desenvolvimento brutal da
universalização da produção humana, da tecnologia, da comunicação, da cooperação
do trabalho numa escala jamais vista antes, da redução do tempo socialmente
necessário de produção numa escala incrível. É, por outro lado, a barbárie, a
banalização e degradação máxima da vida. O crédito dá um impulso ao
desenvolvimento das forças produtivas, introduzindo o processo de produção
(produção e circulação), mas retira dele o trabalho excedente numa escala que
chega a ameaçar a reprodução da força-de-trabalho brasileira. No caso brasileiro,
contamos com uma composição orgânica do capital que pesa sobre os ombros dos
bancários
354
. Aqui o trabalhador sofre tanto do pleno desenvolvimento, como da falta
dele. Por isso, no caso brasileiro, a jornada é mais abusivamente estendida, a
informalização do trabalho em maior escala (terceirização, estágio, trabalho
temporário, tempo parcial, subcontratação), o arrocho salarial é bem mais intenso
355
.
Assim,
“Os países latino-americanos mais importantes exibem perfis estruturais muito semelhantes
em suas crises. Basta pensar em dívida externa, ou seja, desequilíbrio radical das relações
internacionais; índices inflacionários explosivos, isto é, valorização improdutiva do capital
levada ao paroxismo; privatização do estado, vale dizer, instrumentalização estrutural do
poder político pelo capital atrófico em seu benefício exclusivo; superexploração da força-de-
trabalho, numa palavra, determinação de seu valor muito abaixo do limite histórico ou
social configurado nos países centrais, e mantido, em grande escala, abaixo de seu próprio
354
“Nesta fase da automação bancária, a difusão de novas tecnologias foi acompanhada da redução
do quadro de funcionários, e da diminuição de agências e de clientes no país (com fechamento de
agências deficitárias). Entre 1984 e 1987, o número de agências bancárias foi reduzido de 14.736
para 14.159. Em junho de 1991, o Bradesco, que tinha um quadro de 154.000 funcionários em 1986,
passou a ter 104.000; o quadro do Itaú, que em 1985 tinha 82.000 empregados, foi reduzido para
49.000; o Unibanco, que teve 42.000 funcionários em 1986, hoje não chega aos 21.000; entre 1987 e
1991, o Banco Nacional demitiu 54% de seu pessoal; o Bamerindus,que chegou a ter um quadro com
50.000 pessoas, não tinha 40.000 depois do Plano Cruzado; o Lloyds que possuía 2.000 em 1987,
passou para 1.450 funcionários; a solução encontrada pelo Citibank foi de remanejar o pessoal
dando prioridade para a área de vendas e de atendimento”. Revista Exame. 26/06/91 apud ELY,
Bins Helena. As Transformações no Sistema Financeiro Brasileiro e a Automação nos Bancos
Comerciais. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), março de 1992. (mimeo)).É
muito importante observar a distância do número de trabalhadores entre os bancos, esta é expressão da
capacidade concorrencial entre eles, da sua composição técnica do trabalho.
355
“Realmente, é de se considerar que a existência da burguesia nacional muito se assemelha ao ovo
que é chocado pela galinha sob os olhos auspiciosos do lobo do mato, donde o Estado seria a galinha
e o lobo seria o capital estrangeiro sedento em não só sugar o ovo, mas também arrancar uma cocha
da galinha.” CASTILHO, Eribelto Peres. Centro e Periferia: pólos opostos de um mesmo sistema.
2006. p. 5. (mimeo).
146
limite mínimo ou físico; incapacidade privada e pública de projetar e de dar consecução a
um itinerário de desenvolvimento auto-sustentado; e outras tantas características que não
carece enumerar. Importa, sim, deixar bem grifado que, na origem e na resultante e
envolvendo todo esse quadro desalentador, estão as estruturas de conexão e subordinação
ao capital metropolitano superproduzido que, em sua própria crise estrutural, expressa na
forma de produção destrutiva, não pode dispensar o espaço latino americano para as
aventuras compulsórias do capital financeiro internacional que, recordado seja de
passagem, se apresenta em unidade solidária, mas não isenta de tensões e disputas
intestinas, tendo por centro a crise do dólar, desde meados da década de 60, e o
aparecimento de capitais não acomodados, ainda que cúmplices das tropelias da atuação
econômica norte americana. Em suma, a malha complexa e atual do que com toda
propriedade e correção os antigos chamavam de imperialismo.”
356
Com isso,
“Sem dúvida o trabalho produz maravilhas para os ricos, mas produz
privação para o trabalhador. Produz palácios, mas cavernas para o
trabalhador. Produz beleza, mas deformação para o trabalhador. Substitui o
trabalho por máquinas, mas lança uma parte dos trabalhadores de volta a
um trabalho bárbaro e faz da outra parte máquinas. Produz espírito, mas
produz imbecilidade, cretinismo para o trabalhador.”
357
Essa multi-dimensionalidade está contida no estranhamento por meio do
caráter social do trabalho contido na automação, pelo fato de ser produto saído de um
ramo de produção que entra no processo de trabalho bancário de forma hostil, como
bem salientou Marx, substituindo o trabalho por máquinas e lançando uma parte dos
trabalhadores de volta à um trabalho bárbaro, e fazendo da outra parte máquinas,
brutalizando o homem.
É importante termos em conta a forma dinâmica como o desenvolvimento das
forças produtivas impactam sobre a sociabilidade. De um lado, o Unibanco fecha
parcerias com Daí-Ichi Kangyo Bank Limited, do Japão, com o Commerzbank
A.AG, da Alemanha Ocidental, e com o Security Pacific Nacional Bank, dos Estados
Unidos, entre outros e cede parte de sua composição acionária, cede parte de seus
dividendos, o trabalho extraído dos trabalhadores bancários e não bancários. A
356
CHASIN, J. A Sucessão na crise e a crise na Esquerda: os impasses da via colonial do capitalismo,
p. 213.
357
MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos, p. 82.
147
conciliação com os capitais forâneos, como mecanismo de capitalização e
modernização é a forma da concorrência do Unibanco. Assim, automatiza e enxuga
sua estrutura organizacional. Ao mesmo tempo, introduz novas tecnologias,
lembremos do acordo entre a Microsoft, Unibanco e IBM para financiar a expansão
da base de computadores e programas no Brasil. Foi dessa maneira que se criou as
condições para a expansão do auto-atendimento, dos home bankings, da automação
bancária como um todo.
Jinkings, sintetizou muito bem as transformações no trabalho bancário na
virada dos noventa, “As agências tendem a se transformar em lojas eletrônicas de
serviços financeiros, tornando descartável significativa parcela dos trabalhadores.
Favorecidos pelo desenvolvimento tecnológico, os programas e ajustes operacionais
reduzem ao máximo a estrutura administrativa e a quantidade de força-de-trabalho
empregada nas instituições financeiras. Fechamentos de agências, de centrais de
processamento de dados, de serviços de compensação, além da extinção de setores
inteiros das instituições, têm implicado demissões em massa no setor.”
358
No caso dos bancários o trabalho morto corporificado, cristalizado na
tecnologia, como propriedade alheia, que só pertence ao capitalista, mas que é
também condição de trabalho para o bancário - o desemprega. Confrontando-o como
força opositora, estranha, que o desefetiva.
É da compulsão do capital reestruturar o trabalho de forma que este atinja o
ápice do estranhamento. Contudo, cabe mencionar que outra questão ressaltou aos
nossos olhos. Para além da reestruturação produtiva, o avanço da força produtiva e a
sua universalização, embora aparentemente de forma lenta, estão transformando a
base de reprodução da vida. Cabe lembrar uma grande contribuição de Marx trazida
à cena por Lukács: “um dos traços essenciais do ser social é a tendência à
diminuição do tempo de trabalho necessário a sua reprodução material. As
atividades de trabalho (a conversão da natureza em produtos sociais) tendem,
conforme avança o processo de socialização, a ocupar uma quantidade cada vez
menor de indivíduos e de horas trabalhadas. O fenômeno, tão aclamado como a
‘novidade’ da sociedade contemporânea, da recente expansão do setor de serviços,
nada mais é do que uma expressão historicamente particular de um fato muito mais
358
JINKINGS, Nise. Trabalho e Resistência na “Fonte Misteriosa”: os bancários no mundo da
eletrônica e do dinheiro, p. 124.
148
geral. O significado imediato do ‘afastamento das barreiras naturais’ é a crescente
diminuição da proporção do total de trabalho socialmente disponível a ser alocada
na transformação direta da natureza. Em suma, com o desenvolvimento das forças
produtivas, uma proporção cada vez menor da força-de-trabalho total da
humanidade deverá ser ocupada pelas atividades envolvidas com o intercâmbio
orgânico com a natureza.”
359
O caráter social do trabalho é, portanto, uma
determinação ontológica que possibilita novas formas de ser social.
O estranhamento atinge seu máximo desenvolvimento num contexto de extrema
degradação social e reafirmação do mercado, da troca, como a única forma de
sociabilidade. No entanto, compreende, também, o período de desenvolvimento de
uma brutal capacidade de produção da vida, em que a linha de tendência, descrita
acima, se mostra mais evidente.
Alguém poderia inquirir ainda que essa forma usurária de expropriação
sempre tenha existido e, portanto, seria imanente à vida social. Resgatando o próprio
Marx, é importante perceber como sua pesquisa vai às raízes históricas do capital
produtor de juros e captura a gênese da moderna “bancocracia”, explicitando as
especificidades e distinções entre a usura e o moderno capital produtor de juros.
É fundamental ter em conta o desenvolvimento histórico desse capital, sua
função social. Assim, ele destaca: “o capital mercantil e o capital produtor de juros
são as formas mais antigas do capital.”
360
Observando a gênese dessa forma de
capital ele continua: “O capital usurário como forma característica do capital
produtor de juros corresponde ao predomínio da pequena produção de camponeses
que trabalham para si mesmos e dos pequenos mestres artesãos. Se, como se dá no
capitalismo desenvolvido as condições de trabalho e o produto do trabalho como
capital se confrontam com o trabalhador, não tem este de tomar dinheiro
emprestado, na condição de produtor. Se toma emprestado é para suas necessidades
pessoais, como por exemplo nas casas de penhor. Ao revés, quando o trabalhador é
o proprietário, verdadeiro ou nominal, de suas condições de trabalho e de seu
produto, relaciona-se como produtor com o capital do emprestador de dinheiro, o
capital usurário com que se confronta.”
361
Assim, vimos historicamente este
produtor perder seus meios de trabalho. “A usura centraliza as fortunas em dinheiro
359
LESSA, Sérgio. Mundo dos Homens: trabalho e ser social, p. 36.
360
MARX. K. O Capital. 1996, p. 698.
361
Ibid.p. 682.
149
onde estão dispersos os meios de produção. Não altera o modo de produção, mas
explora-o firme como uma sanguessuga tornando-o miserável. (...) Daí o ódio
popular contra a usura, atingindo a maior intensidade no mundo antigo, onde a
propriedade dos meios de produção pelo produtor é ao mesmo tempo a base das
instituições políticas e da autonomia do cidadão.”
362
.
O capital usurário antes da produção capitalista corresponde a uma produção
numa escala ainda incipiente. Já “na produção capitalista evoluída, o trabalhador
não é proprietário das condições de produção, do campo que cultiva, da matéria-
prima com que trabalha, etc. A circunstância de o trabalhador alienar-se dos meios
de produção corresponde aí a uma transformação real do próprio modo de
produção. (...) Na produção capitalista, a usura não pode mais dissociar do
produtor as condições de produção, porque essa dissociação já existe.”
363
É curioso que enquanto o usurário é odiado, o banqueiro é admirado,
respeitado como o ser mais perspicaz. E, aqui, “Não repara que se interpõe a
diferença entre dois modos sociais de produção com as correspondentes estruturas
sociais, e que o contraste entre ricos e pobres não constitui meio de esclarecer a
questão.”
364
Assim, a “usura na Antiguidade e na era feudal, solapa e destrói a
riqueza e a propriedade.” Ou seja, “a usura em relação à riqueza subordinada ao
consumo é historicamente importante por ser ela mesma um processo de
aparecimento do capital. O capital usurário e a fortuna mercantil propiciam a
formação de uma riqueza monetária independente da propriedade da terra”
365
. Com
isso, ela atua de forma revolucionária quando destrói e dissolve as formas de
propriedade.
A usura arruína fundamentalmente os proprietários de terras e esgota os
pequenos produtores. Já na produção capitalista no qual a produção não se restringe
“ao consumo do senhor feudal e seu séqüito
366
”, ela se revela um dos meios de
constituir novo modo de produção. A partir daí, “o crédito se desenvolve como
reação contra a usura. (...) Essa reação significa nem mais nem menos que a
subordinação do capital que rende juros às condições e necessidades do modo
362
MARX. K. O Capital. 1996, pp. 683-684.
363
Ibid.pp. 683-684.
364
Ibid.p. 682.
365
Ibid.p. 685.
366
Ibid.p. 684.
150
capitalista de produção.”
367
O que os distingue não é sua natureza ou caráter mas, “é
o fato de serem outras as condições em que opera, por conseguinte, de mudar por
inteiro a figura do prestatário que se confronta com o emprestador do dinheiro.”
368
A usura paralisava o circuito de reprodução da vida, enquanto o capital
produtor de juros no capitalismo desenvolve e universaliza a força produtiva,
potencializa o trabalho social
369
constituindo uma nova base de reprodução da vida e
dissolvendo as formas de propriedade, como por exemplo, as sociedades anônimas.
Até porque, como vimos, o que se arrisca é o trabalho social e não seu capital
privado, por meio do sistema bancário.
Finalmente,
“O sistema bancário é, pela forma de organização e pela centralização, o resultado mais
engenhoso e mais refinado a que leva o modo capitalista de produção. Daí, o poder imenso
que uma instituição como o Banco da Inglaterra tem sobre o comércio e a indústria, que,
entretanto se movimentam efetiva e totalmente fora do domínio do banco que em relação a
esse movimento se comporta de maneira passiva. Sem dúvida estabelece-se por esse meio a
forma de contabilidade geral e repartição dos meios de produção em escala social, mas a
forma e nada mais. Vimos que o lucro médio do capitalista individual, ou de todo capital
particular é determinado não pelo trabalho excedente de que esse capital se apropria em
primeira mão, mas pela quantidade global de trabalho excedente de que se apropria o
capital total, e da qual cada capital particular extrai seus dividendos, na qualidade apenas
de fração proporcional do capital em sua totalidade. Só o desenvolvimento completo do
sistema de crédito e do sistema bancário promove e efetiva por inteiro esse caráter social do
capital. E esses sistemas vão mais longe. Põem à disposição dos capitalistas industriais e
comerciais todo o capital da sociedade, o disponível e mesmo o potencial – o que não está
ainda comprometido numa atividade. Desse modo, nem o prestamista nem o empregador
desse capital são proprietários ou produtores dele. Em conseqüência eliminam o caráter
privado do capital, e encerram em potência, mas só em potência, a abolição do capital. O
sistema bancário retira das mãos dos capitalistas privados e dos usurários a repartição do
capital, o negócio específico e a função social do sistema. Mas, por isso, os bancos e o
crédito ao mesmo tempo se tornam o mais poderoso meio de impelir a produção capitalista
além dos próprios limites, e um dos veículos mais eficazes das crises e da especulação. O
sistema bancário, ao substituir o dinheiro pelas diversas formas circulantes do crédito,
mostra que o dinheiro na realidade nada mais é que expressão particular do caráter social
do trabalho e dos produtos do trabalho, mas esse caráter opondo-se à base da produção
privada, configura-se sempre e necessariamente em coisa, em mercadoria específica ao lado
de outras mercadorias.”
370
367
MARX. K. O Capital. 1996, pp. 687-688.
368
Ibid.p. 688.
369
Exemplo do desenvolvimento que o capital produtor de juros proporciona as forças produtivas
encontra-se nas análises de Oliveira do caso específico brasileiro. Diz ele: o capital estrangeiro
proporcionava à “economia nacional aquele fator que a ausência de acumulação capitalista prévia
tornara débil na economia brasileira: teve a virtualidade de transformar, de poder potenciar o
trabalho vivo, isto é, a exploração do trabalho mediante a utilização de um trabalho morto
acumulado, vale dizer, de uma tecnologia em processos, máquinas e equipamentos que vão potenciar
o trabalho, a exploração do trabalho e, portanto, a própria acumulação”. OLIVEIRA, Francisco M.
C. A Economia da Dependência Imperfeita, p. 80.
370
MARX. K. op. cit., pp. 695-696.
151
Ao se reportar à usura nas condições pré-capitalistas Marx analisa que em
condições de pequena produção e correspondente propriedade o capital usurário
paralisa e empobrece a base de reprodução da vida, “e a forma predominante aí é o
empobrecimento, atrofia ou perda das condições de reprodução”
371
. Essa noção o
leva a outra proposição bastante pertinente para nossa análise, qual seja: “Na
economia burguesa, essa situação reaparece nas indústrias atrasadas ou naquelas
que resistem à passagem para o novo modo de produção”
372
Neste caso,
“individualmente o pequeno produtor pode conservar ou perder os meios de
produção, dependendo de mil contingências. Cada acidente ou perda eventual
significa empobrecimento, e oferece oportunidade para se plantem as ventosas da
usura. Basta que morra uma vaca para que o pequeno camponês ficar incapacitado
de recomeçar a produção na escala antiga. Cai sob o guante da usura, e a partir daí
nunca mais se libertará dela.”
373
Proposição que nos remete ao trabalho de Cotrim sobre a especificidade
brasileira. Citando Marini, ele aponta: “o desenvolvimento que aqui se efetiva
implica na reprodução da dependência, e por isso na manutenção da
superexploração do trabalho, que se reproduz como condição para o próprio
desenvolvimento. Este se define, pois, por padrões produtivos incapazes de
solucionar a superexploração, ao contrário, nutre-se desta”
374
.
Com efeito, enquanto o Estado brasileiro, investindo no setor produtivo
375
,
passava a executar importantes tarefas que não podiam ser “cumpridas ou
simplesmente sustentadas pela própria força da burguesia nacional
376
(grifos
371
MARX. K. O Capital. 1996, p. 686.
372
Ibid.p. 685.
373
Ibid.p. 687.
374
COTRIM. Ivan. O capitalismo dependente em Fernando Henrique Cardoso. , p. 274.
375
“A estratégia da expansão fundava-se na premissa de que a acumulação do setor privado da
economia seria potenciada pela transferência de parte do excedente via preços subsidiados dos bens
e serviços produzidos pelas empresas estatais, propiciada pelo próprio aumento da produtividade do
trabalho no setor produtor dos bens de produção, o que implicava no virtual barateamento do capital
constante do setor privado da indústria. Sob certos aspectos, essa estratégia de industrialização
parece-se muito com o modelo Dobb para a primeira fase da expansão da economia soviética; essa
semelhança é apenas teórica, já que nunca esteve, nem na ideologia nem da prática dos grupos
dominantes de então, qualquer veleidade socializante”. OLIVEIRA, Francisco M. C. A Economia da
Dependência Imperfeita, p. 80.
376
Realmente, é de se considerar que a existência da burguesia nacional muito se assemelha ao ovo
que é chocado pela galinha sob os olhos auspiciosos do lobo do mato, donde o Estado seria a galinha e
o lobo seria o capital estrangeiro sedento em não só sugar o ovo, mas também arrancar uma cocha da
galinha.
152
nossos)”,
377
o capital estrangeiro, por sua vez, proporcionava à “economia nacional
aquele fator que a ausência de acumulação capitalista prévia tornara débil na
economia brasileira: teve a virtualidade de transformar, de poder potenciar o
trabalho vivo, isto é, a exploração do trabalho mediante a utilização de um trabalho
morto acumulado, vale dizer, de uma tecnologia em processos, máquinas e
equipamentos que vão potenciar o trabalho, a exploração do trabalho e, portanto, a
própria acumulação”
378
.
Por fim cabe ressaltar que a crítica central ao capitalismo que tentamos
empreender não é à injustiça na distribuição da riqueza, mas sim à perversão do
trabalho, convertendo-o em trabalho forçado, alienado, sem sentido, estranhado.
Sabe-se que, nos marcos dessas considerações finais, procurou-se recuperar as
determinações que melhor perfazem a constituição do estranhamento no trabalho
bancário no Brasil. Da mesma forma, tem-se a convicção de que seria impossível
trazer à tona todas as descobertas proporcionadas pelo trabalho investigativo. Porém
os lineamentos aqui deixados suscitam novas inquietações que instigam à
continuidade da pesquisa e da reflexão.
377
OLIVEIRA, Francisco M. C. A Economia da Dependência Imperfeita, p. 117.
378
Ibid.pp. 116 e 117.
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DESTAQUE. “UNIBANCO ganha mais um Top de RH” . São Paulo. Boletim
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Institucional do Unibanco. Ano 3, nº 68, ago. 1994.
BRAVO, P. (Org.). Informativo do 21º Encontro de Comunicação Direta do
Unibanco, 16.6.1994, pp. 1-11. (Mimeo).
VII LEGISLAÇÃO
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aos bancos comerciais, de investimento e o BNDE a captar recursos junto aos bancos
internacionais.
MP nº1136 de 26/09/1995 editada por FHC e Pedro Malan (nota 313)
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