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Universidade Federal de Minas Gerais
Instituto de Geociências
Flavia Moura de Oliveira
ESPAÇO, LUGAR, IDENTIDADE E URBANIZAÇÃO:
conceitos geográficos na abordagem do Turismo
Belo Horizonte
2006
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Flavia Moura de Oliveira
ESPAÇO, LUGAR, IDENTIDADE E URBANIZAÇÃO:
conceitos geográficos na abordagem do Turismo
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação do Departamento de Geografia da
Universidade Federal de Minas Gerais, como
requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Geografia.
Área de concentração: Organização do
Espaço.
Orientador: Prof. Geraldo Magela Costa
Belo Horizonte
Departamento de Geografia da UFMG
2006
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O48e Oliveira, Flavia Moura de.
2006 Espaço, lugar, identidade e urbanização [manuscrito]: conceitos
geográficos na abordagem do Turismo / Flávia Moura de Oliveira. –
2006.
viii, 125 f., : il. ; enc.
Orientador: Geraldo Magela Costa.
Dissertação(mestrado) - Universidade Federal de
Minas Gerais, Departamento de Geografia.
Bibliografia: f. 119-125
1. Geografia – Teses. 2. Turismo – Teses. 3. Espaços
urbanos – Teses. I. Costa, Geraldo Magela. II.
Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento
de Geografia. III. Título.
CDU:
91:379.85
Dissertação defendida e aprovada em 18/09/2006 pela banca examinadora
constituída pelos professores:
____________________________________________________
Prof. Dr. Geraldo Magela Costa - Orientador
____________________________________________________
Prof. Dr. Bernardo Machado Gontijo
____________________________________________________
Profa. Dra. Fernanda Borges de Moraes
para meus pais,
pelo desejo incessante de agradar, fazer feliz, tornar possível e estar junto;
para Cristiano,
pelo amor que incentiva, encoraja, ensina, compreende, preenche, alegra e realiza.
AGRADECIMENTOS
Diversas colaborações foram importantes na realização deste trabalho.
A todas as pessoas que se envolveram, agradeço a participação e interação em
diferentes momentos.
À Grazielle Freitas, pelo carinho e pela prestabilidade com que me ajudou na
compreensão e tradução dos textos em espanhol.
À Patrícia Soares, pelas sugestões e contribuições importantes na busca de dados
sobre os casos estudados.
Ao Tomaz Rodrigues da Silva, pela paciência e disponibilidade em fazer a revisão
ortográfica de todo o texto.
À Raquel Araújo, pela presteza e boa-vontade com que fez a revisão gramatical e
lingüística do abstract deste trabalho.
À Paola Macedo Dias e demais funcionários da Prefeitura Municipal de Ouro Preto,
pela prestabilidade em fornecer dados e dar entrevistas e esclarecimentos sobre o distrito de
Lavras Novas.
À Rosilene Barbosa, ao Antônio Lage, ao Sr. Domingos e a tantos outros moradores
de Lavras Novas que contribuíram através de entrevistas e conversas informais para a
obtenção de preciosas informações sobre este distrito.
Ao Prof. Nelson Quadros Vieira Filho, por ter disponibilizado seus trabalhos sobre o
distrito de Lavras Novas.
À Prof.ª Cláudia Freitas Magalhães, pelas sugestões valiosas ao longo do percurso e
pelas palavras de carinho e compreensão que serviram de estímulo e alento nas horas mais
difíceis.
Aos professores do Instituto de Geociências, especialmente, Ralfo Matos, Cássio
Hissa, Sérgio Martins, Marly Nogueira, que através das disciplinas lecionadas e das conversas
fora de sala de aula muito contribuíram para que esta dissertação fosse realizada.
À Prof.ª Fernanda Borges de Moraes e à Prof.ª Heloísa Soares Moura Costa, que
além de excelentes professoras durante minha trajetória acadêmica, deram importantes
contribuições, através de sugestões, questionamentos, conselhos e críticas durante a
realização do Seminário de Dissertação.
Aos colegas do Programa de Pós-Graduação, especialmente Paulo Dimas, Luana
Maia, Letícia Epaminondas e Rita Ribeiro pelos constantes diálogos e discussões que
ajudaram a compreender importantes questões e pelo companheirismo que tornou a
caminhada mais leve e divertida.
À Maria Paula, secretária do Programa de Pós-Graduação, sempre disponível e com
informações seguras e precisas, pelo apoio e pela tranqüilidade fundamental durante a
trajetória.
Ao Cristiano Cezarino, pela compreensão nos momentos de ausência e de angustia,
pelo incentivo, apoio, encorajamento e disponibilidade em ajudar de todas as formas, em
todos os momentos. Especialmente, agradeço pelo carinho, amor e companheirismo
expressados.
Ao Prof. Geraldo Magela Costa, meu orientador, pela disponibilidade e disposição
em ajudar, discutir, explicar e indicar os melhores caminhos, pela confiança depositada em
mim e pelo constante incentivo.
RESUMO
O objetivo deste trabalho consiste em uma reflexão sobre a utilização de alguns conceitos
caros à Geografia na abordagem e análise dos impactos socioespaciais da atividade turística.
Trata-se, portanto, de um trabalho de revisão de bibliografia: no primeiro momento, a revisão
da literatura selecionada sobre turismo; no segundo momento, a revisão de estudos de casos,
que de alguma formam tem relação com a atividade turística e com os conceitos geográficos
que norteiam este trabalho - espaço, lugar, identidade e urbanização; por último, a revisão dos
conceitos propriamente ditos, com base em reflexões de autores consagrados da Geografia.
Dessa forma, este é um trabalho de natureza peculiar, uma vez que as contribuições da autora
se concentram no estabelecimento de um diálogo e do confronto entre alguns autores, com
base na forma como eles entendem o significado dos conceitos geográficos e a forma como os
utilizam ou poderiam utilizar na literatura sobre Turismo, especialmente na relação turismo e
espaço. Os resultados alcançados permitiram compreender como o fenômeno da globalização
vem influenciando a reformulação destes conceitos, especialmente lugar e identidade, através
da ligação, cada vez mais forte, que se estabelece entre o global e o local, o mundo e o lugar,
suscitando políticas urbanas que alteram o processo de urbanização e propõem novas formas
de apropriação e consumo do espaço e mercantilização das cidades, da cultura e das
paisagens.
Palavras-chave: espaço, lugar, identidade, urbanização, Geografia e Turismo.
ABSTRACT
The objective of this work is to reflect on the use of some important concepts to Geography in
the introduction and analysis of the social and spatial impacts of the tourist activity. It is,
therefore, a work of bibliography revision: first, the revision of the literature selected on
tourism; secondly, the revision of studies of cases, that in some way relate to the tourist
activity and to the geographic concepts that guide this work - space, place, identity and
urbanization; and finally, the revision of the actual concepts, based on the reflection of well
respected authors of Geography. In this manner, this is a work of peculiar nature, as the
contributions of the author concentrate in the establishment of a dialogue and confrontation
between some authors, based on how they understand the meaning of the geographic concepts
and the way they make use or could make use of them in Tourism literature, especially in
relation to tourism and space. The reached results have allowed us to understand how the
phenomenon of globalization has been influencing the reestablishment of these concepts,
especially place and identity, through the growing connection that exists between global and
local, world and place, promoting urban politics that modify the urbanization process and
propose new forms of appropriation and consumption of space and commercialization of
cities, culture and landscapes.
Key-words: space, place, identity, urbanization, Geography and Tourism.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 9
1 LEITURA CRÍTICA DE TEXTOS SELECIONADOS: RELAÇÃO ENTRE
GEOGRAFIA E TURISMO............................................................................................. 15
1.1 Breve histórico e conceituação do Turismo .................................................................. 18
1.2 Turismo: pan-urbano? ................................................................................................... 26
1.3 Urbanização turística..................................................................................................... 30
1.4 Cidades: produto turístico x cidadania.......................................................................... 33
1.5 Identidade e comunidades: global e/versus local? ........................................................ 36
1.6 Considerações parciais .................................................................................................. 39
2 RESGATE CRÍTICO DE ESTUDOS DE CASOS EXISTENTES ........................... 42
2.1 Angra dos Reis .............................................................................................................. 42
2.2 Lavras Novas................................................................................................................. 52
2.3 Pelourinho...................................................................................................................... 67
2.4 Curitiba e Barcelona...................................................................................................... 73
2.5 Considerações parciais .................................................................................................. 87
3 CONCEITOS GEOGRÁFICOS DIANTE DO TURISMO........................................ 91
3.1 Globalização: redefinindo lugar e identidade................................................................ 91
3.2 Espaço turístico ............................................................................................................. 100
3.3 Urbanização: o que muda com o turismo? .................................................................... 106
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 114
REFERÊNCIAS................................................................................................................. 118
9
INTRODUÇÃO
O turismo vem se configurando como um fenômeno marcante do mundo
contemporâneo, não apenas pelo fator econômico, mas também e principalmente pelo
aspecto sócio-espacial. Este fenômeno complexo que perpassa diversas áreas de
conhecimento - Antropologia, Sociologia, Economia, entre outras - tem grande interface
com a Geografia.
A produção, o consumo e a organização do espaço, que sempre foram
influenciados por diversas variáveis, atualmente lidam com as transformações advindas da
atividade turística.
As políticas de turismo, assim como o estudo científico do mesmo, encontram-se
em fase de implementação e desenvolvimento (CRUZ, 2000; MAGALHÃES, 2002). Ao
mesmo tempo, o interesse pelo turismo cresce na mesma velocidade em que crescem as
estatísticas relacionadas à movimentação financeira e à geração de renda pelo setor.
Por aquecer a economia mundial e a local, o turismo exige intervenções tanto do
poder público como do privado; cria empregos, mas exige qualificação profissional; gera
renda, mas é capaz de acentuar a estratificação social; é fonte de lazer, mas também pode
aumentar a criminalidade em certas localidades; permite o intercâmbio cultural, mas pode
desencadear processos de aculturação; enfim, pode ser instrumento de inclusão, mas
também de exclusão, caso não seja bem planejado.
O espaço não é somente um suporte para as relações sociais, ele é condicionado,
mas também condicionante pela e para as atividades que sobre ele são desenvolvidas,
incluindo-se aí o turismo (CRUZ, 2000). Este entendimento sobre o status do espaço na
sociedade foi enfatizado por Lefebvre (1993, p. 85):
Embora [seja] um produto para ser usado, para ser consumido, [espaço] é também
um meio de produção; redes de troca e fluxos de matéria prima e energia moldam
o espaço e são determinadas por ele. Portanto este meio de produção, assim
produzido, não pode ser separado das forças produtivas, incluindo tecnologia e
conhecimento, ou da divisão social do trabalho que lhe dá forma, ou do estado e
10
das superestruturas da sociedade.
1
Explicita-se, portanto, a motivação desta pesquisa, que coincide com a justificativa
de trazer o tema para o debate na Geografia:
A importância do turismo reside menos nas estatísticas que mostram,
parcialmente, seu significado e mais na sua incontestável capacidade de organizar
sociedades inteiras e de condicionar o (re) ordenamento de território para sua
realização. (CRUZ, 2000, p. 8).
Em momento recente da história, a industrialização foi a maior responsável pela
transformação e pela produção do espaço urbano, gerando um fluxo migratório do campo
para as cidades e das cidades pequenas para as grandes metrópoles. O que se analisa agora é
de que forma o turismo imprime uma nova dinâmica de produção do espaço em várias
localidades, pois acredita-se que: “A crescente importância econômica do turismo é causa e
conseqüência de sua ampliada necessidade de intervenção espacial” (CRUZ, 2000, p. 8).
Lembra-se, no entanto, que o território em que acontece o turismo não está livre de
ser palco de outras atividades, nem de formas de organizações espaciais anteriores ao seu
surgimento. Observa-se que a atividade turística utiliza, quase sempre, a infra-estrutura
criada em função de outros processos, como por exemplo, a demanda da população local
por melhoria de qualidade de vida e segurança que podem se realizar através de projetos
paisagísticos de praças e parques que, posteriormente, são também apropriados pelos
turistas. Segundo Rodrigues (1996, p. 25) esta é uma das principais dificuldades quando se
fala em planejamento turístico: “conciliar os interesses de uma população que busca o
prazer num local onde outras pessoas vivem e trabalham”. De acordo com Nicolás (1996, p.
44), um dos motivos dessa dificuldade se deve ao fato de que “[...] a aplicação do uso
turístico ao espaço não se desenvolve com as mesmas leis espaciais que as atividades de
produção-reprodução”
2
.
De tal forma, o turismo cria, transforma e inclusive valoriza diferencialmente
espaços que podiam não ter ‘valor’ no contexto da lógica de produção: de repente
a terra de pastagem pode se transformar em área de acampamento, ou a casa em
ruínas do avô falecido em casa de hóspedes. (NICOLÁS, 1996, p. 49).
3
O turismo logo deixa de ser usuário passivo e passa a ser condicionador do (re)
1
Tradução de Costa (1999, p. 08).
2
Tradução da autora.
3
Tradução da autora.
11
ordenamento espacial, à medida que tem suas próprias demandas. Surge, neste ponto,
uma singularidade do turismo em relação às outras atividades econômicas: a característica
de fixidez do produto turístico (ou seja, a necessidade de seu consumo in loco) orienta a
lógica da organização espacial requerida pela atividade baseada em uma demanda exterior.
Certamente, o produto turístico não é o único que exige seu consumo in loco. Os serviços
públicos coletivos, como transporte, saneamento, limpeza urbana, também são consumidos
in loco, porém a diferença é que a demanda por eles é interna. Já com a indústria pode
acontecer o inverso: produtos gerados para uma demanda externa e consumidos também
externamente. O produto turístico por sua vez é consumido internamente, mas produzido
para atender a uma demanda externa.
No entanto, nem por ser proveniente de demanda exterior, nem por ser a
hospedagem transitória, os turistas não têm menos necessidade de se apropriar do território.
Este é um aspecto que explica parte dos impactos provocados pelo turismo.
Problemas como os de expulsão da população de baixa renda das áreas antigas dos
centros das cidades pela valorização dos terrenos (CAMARGO, 1976) se repete nas cidades
turísticas, onde os imóveis de melhor qualidade são utilizados pelos turistas ou para os
empreendimentos de apoio, enquanto a população é expulsa para áreas menos nobres.
Às vezes a análise (ou percepção) das alterações espaciais provocadas pelo turismo
é mais clara nas cidades litorâneas, onde os impactos de urbanização e acesso controlado
(restrito) à orla são mais visíveis, como os casos analisados por Dantas (1993) em Angra
dos Reis e Cruz (2000) no litoral do Nordeste. Em cidades do interior do Brasil,
especialmente nas metrópoles onde outros ramos de atividade têm maior importância que o
turismo, o reordenamento espacial provocado pela atividade turística pode passar
despercebido ou ser imperceptível para os mais desatentos.
A realização da atividade turística pode criar também uma segregação funcional
do espaço, que por vezes se reflete como segregação social. Alguns pontos da cidade
(bairros, ruas ou quarteirões) são identificados ou escolhidos pelo poder público como
potenciais para se tornarem atrativos turísticos. A partir daí, os investimentos públicos e os
incentivos aos investidores privados se concentram nestes locais. Estes investimentos
acabam por valorizá-los, elevando também os custos relativos aos seus usos e serviços,
dificultando o acesso da parcela da população de renda mais baixa. Em outros casos, a
apropriação de alguns espaços pelo turismo, aliado à sua utilização, provoca
degradação do patrimônio natural e cultural.
12
Impactos negativos da atividade podem atingir diretamente os próprios turistas:
verifica-se em algumas cidades turísticas brasileiras, que, nos períodos de alta temporada é
comum ocorrerem problemas decorrentes de uma infra-estrutura inadequada: falta de água,
insuficiência no serviço limpeza urbana, congestionamentos, entre outros.
Cerro (1993, p. 15) destaca que o turismo não se distribui no espaço de forma
homogênea ou aleatória, sua localização responde a uma série de fatores e Cruz (2000)
complementa este pensamento, estabelecendo que ocorrem dois processos distintos e
complementares de apropriação e produção de espaço pelo e para o turismo. São eles: a
urbanização turística dos lugares e a urbanização para o turismo
4
. Ambos resultam, no
entanto, em uma nova organização socioespacial “sobre uma organização socioespacial
preexistente” (CRUZ, 2000, p. 12).
Neste momento, retoma-se à questão das políticas públicas de turismo abordadas
no parágrafo inicial e novamente concorda-se com Cruz (2000, p. 9): “O modo como se dá a
apropriação de uma determinada parte do espaço geográfico pelo turismo depende da
política pública de turismo que se leva a cabo no lugar”.
A autora completa este raciocínio afirmando que à “política pública de turismo
cabe o estabelecimento de metas e diretrizes que orientem o desenvolvimento socioespacial
da atividade [...]”. E o que se observa, analisando a história das políticas públicas nacionais
de turismo no Brasil, é que elas se reduziram a aspectos parciais da atividade, o que
repercutiu negativamente nas políticas públicas municipais de turismo. Os resultados são os
problemas relacionados à urbanização, como demanda de serviços públicos e infra-estrutura
básica maior que a oferta, congestionamentos nas vias de acesso, deterioração urbana e ônus
social para algumas comunidades receptoras. Além disso, a “ausência de concatenação entre
políticas urbanas e outras políticas setoriais” (CRUZ, 2000, p. 9) tem agravado os
problemas urbanos.
Algumas questões instigaram a elaboração desta pesquisa, sendo a mais abrangente
esta: Como vem sendo abordada a relação entre espaço e desenvolvimento turístico nas
pesquisas científicas e acadêmicas?
A partir da busca de resposta para esta questão surgem outras, mais específicas que
ajudam a direcionar a pesquisa bibliográfica, explicitando o que se entende por relação
4
No capítulo 1 serão explicados estes conceitos.
13
entre espaço e desenvolvimento turístico: De que forma a atividade turística participa da
produção e do consumo do espaço? Como o turismo gera reorganização espacial? Quais os
impactos decorrentes da necessidade de apropriação espacial da atividade turística?
A hipótese que se esboça é de que conceitos tão caros à geografia, como espaço,
lugar, urbanização, identidade, entre outros, foram utilizados na literatura sobre turismo
(especificamente a literatura brasileira da segunda metade da década de 1990), algumas
vezes, sem o rigor conceitual. Sendo confirmada esta hipótese, deseja-se refletir e tecer
algumas considerações sobre como esta transposição dos conceitos da geografia para o
turismo pode ser repensada nas análises sobre a relação espaço/turismo.
Acredita-se que, diante das várias conseqüências da nova organização espacial
promovida pelo turismo sobre uma organização socioespacial preexistente ou da produção
de um novo espaço exclusivo do turismo, como os parques temáticos e os resorts, pode-se
refletir sobre o papel do turismo na produção, no consumo e na organização do espaço e
avaliar criticamente uma parte da produção bibliográfica sobre este tema.
A metodologia de pesquisa, entendida como a forma de utilização do suporte
teórico para o desenvolvimento da dissertação, acredita-se, de certa forma, é construída à
medida que a pesquisa se desenvolve. O que existe a princípio são intenções, caminhos e
propostas na busca de respostas às questões que motivam a pesquisa. Dessa forma, a revisão
da literatura sobre turismo, que seria feita para identificar lacunas que seriam
posteriormente trabalhadas, ganhou aos poucos uma dimensão e uma importância maior no
trabalho. A intenção passou a ser a de realizar uma leitura crítica de parte da produção
literária brasileira sobre a atividade turística, especialmente aquela que aborda com maior
ênfase as transformações espaciais, trabalhando os conceitos de lugar, identidade e
urbanização. Esta leitura crítica constitui o primeiro capítulo desta dissertação e traz as
opiniões e idéias de diversos autores sobre o tema espaço e turismo, confrontando-os e/ou
questionando-os. Outra mudança, da mesma forma, tornou-se necessária: a pesquisa
empírica que seria feita para compor o último capítulo do trabalho, através do estudo de
caso de Lavras Novas, distrito de Ouro Preto/MG, acabou sendo incorporada ao segundo
capítulo, não mais como pesquisa empírica e sim como análise de caso baseada em estudos
existentes, uma vez que se constatou que a análise de apenas um caso não seria suficiente
para abarcar o tema geografia e turismo, nem tampouco para se tentar propor uma forma de
utilização adequada dos conceitos geográficos, que se contraponha ao que foi criticado no
primeiro capítulo. Contudo, uma vez que o estudo empírico de Lavras Novas já havia sido
14
iniciado, os dados coletados e as reflexões que já haviam sido realizadas foram
incorporadas à análise do caso como forma de complementação. Este capítulo faz, portanto,
um resgate crítico de casos analisados por outros autores: além de Lavras Novas, traz os
casos de Angra dos Reis, Pelourinho, Curitiba e Barcelona. Estes casos têm relação com o
desenvolvimento da atividade turística, mas não foram abordados sob este enfoque. Ao
contrário do que se pode pensar, isto não é uma desvantagem e, sim, uma vantagem, pois
parece ter garantido um maior rigor conceitual nas abordagens. Através destes casos
revisados criticamente, pretendeu-se identificar, refletir e compreender maneiras de realizar
a transposição conceitual da geografia para as análises dos impactos socioespacias do
turismo. Ou seja, este resgate crítico das análises de caso revelou possibilidades de
utilização dos conceitos geográficos de forma criteriosa e adequada que contribui ou
permite a avaliação do turismo enquanto elemento de transformação espacial. Entretanto,
sendo estudos de casos, apresentam especificidades que não permitem uma generalização de
como e quais são as transformações sócio-espaciais provocadas pela atividade turística. Por
isso, tornou-se necessário, no terceiro capítulo, retornar aos conceitos da geografia,
buscando uma compreensão aprofundada de seus significados e as possibilidades de
abordagem que contribuiriam para a análise da relação espaço/turismo.
15
1 LEITURA CRÍTICA DE TEXTOS SELECIONADOS: RELAÇÃO
ENTRE GEOGRAFIA E TURISMO
Apesar da produção acadêmica e científica sobre a atividade turística ainda ser
bastante tímida, especialmente no Brasil, a pesquisa bibliográfica realizada revelou
trabalhos que têm sido considerados referência importante no estudo do turismo e que
podem contribuir e dialogar com os propósitos desta pesquisa. A maior parte dos estudos
sobre o turismo concentra-se na sua dimensão econômica, mas foi encontrado também um
bom volume de textos, relativamente recentes, que discutem a dimensão sócio-espacial do
turismo, em geral produzidos por geógrafos e reunidos em livros organizados a partir de
congressos e encontros. Além destes, outros textos e obras serão utilizados e devidamente
situados e contextualizados, por nos parecerem de grande relevância ou por trabalharem os
mesmos temas que abordaremos.
O objetivo desta revisão bibliográfica, não é realizar um completo estudo sobre o
estado das artes do tema “turismo e geografia” uma vez que isso seria muito pretensioso
para caber dentro de uma pesquisa de mestrado. Deseja-se, entretanto, realizar uma leitura
crítica destes trabalhos. Considera-se esta revisão importante no sentido de buscar
compreender como a relação entre o turismo e a geografia vem sendo abordada no meio
científico e acadêmico e como alguns conceitos teóricos - especialmente espaço, lugar,
identidade e urbanização - estão sendo utilizados nestas abordagens.
Para delinear e limitar esta revisão procurou-se em primeiro lugar identificar a
bibliografia mais recorrente nos principais cursos de graduação de turismo no Brasil,
especialmente no estado de Minas Gerais. A partir daí se esboçou o primeiro limite para esta
revisão: interessa-nos a princípio avaliar a produção brasileira
5
. Posto isso, e iniciada a
revisão, três coleções logo se destacaram por conter artigos de geógrafos consagrados e
algumas discussões interessantes sobre a relação turismo e geografia. Cada uma dessas
coleções é composta por três livros que reúnem trabalhos apresentados em encontros e
5
Serão também analisados alguns textos de pesquisadores de outras nacionalidades, como argentinos,
uruguaios e mexicanos, que compõe as coletâneas selecionadas para a revisão, uma vez que parecem, por sua
presença constante, ser de relevância no entendimento do fenômeno turístico inclusive para os pesquisadores
brasileiros.
16
congressos realizados no final da década de 1990, sendo que dois deles foram promovidos
pelo departamento de Geografia da Universidade de São Paulo - USP (1995 e 1997) e um pelo
departamento de Geografia da Universidade Estadual do Ceará - UECE (1998). Isto não
significa que trabalharemos com a totalidade dos textos dessas coleções. Foram selecionados
aqueles que tratam de forma mais direta o tema geografia e turismo.
Os títulos Turismo e Desenvolvimento Local; Turismo, Modernidade e
Globalização e Turismo e ambiente: reflexões e propostas foram organizados por Adyr
Balastreri Rodrigues a partir de trabalhos apresentados no 1º Encontro Nacional de Turismo
com Base Local, promovido pelo Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da USP, realizado de 1 a 4 de maio de 1997, em São Paulo.
Rodrigues também organizou o livro Turismo e Geografia: reflexões teóricas e
enfoques regionais, resultado do Congresso Internacional Geografia e Planejamento do
Turismo, denominado “Sol e Território”, promovido pelo mesmo Departamento de
Geografia da USP e realizado de 16 a 22 de julho de 1995. Como resultado desse Congresso
também foram produzidos os títulos Turismo: Impactos Socioambientais, organizado por
Amália Inês G. Lemos, e Turismo: Espaço, Paisagem e Cultura, organizado por Eduardo
Yázigi, Ana Fani A. Carlos e Rita de Cássia Cruz.
A terceira coleção, publicada em 1998, é resultante do Segundo Encontro Nacional
realizado em Fortaleza pelo Mestrado em Geografia da UECE. O primeiro volume intitula-
se Turismo com ética, o segundo, organizado por Luiz Cruz Lima, Da cidade ao campo: a
diversidade do saber-fazer turístico, e o terceiro, Turismo e meio ambiente.
Várias são as possibilidades de organizar as análises desses artigos: por cronologia,
por tema, por divisão entre aqueles que criticam e aqueles que defendem a prática turística,
por localização do estudo de caso, entre outras.
Uma breve análise cronológica nos permite chegar a algumas conclusões. Entre
elas destaca-se que os textos mais antigos, ou seja, aqueles que foram produzidos para o
Congresso Internacional de Geografia e Planejamento do Turismo “Sol e Território” em
1995 são os mais céticos em relação ao turismo e aos benefícios que ele pode trazer para as
comunidades receptoras e também em relação aos impactos que a prática da atividade pode
causar. Exemplo destas críticas mais pessimistas são os textos de Carlos (1996) sobre a
produção do não lugar, de Yázigi (1996) sobre vandalismo e paisagem, de Becker (1996)
abordando as políticas de turismo no Brasil e de Gallero (1996) analisando os efeitos da
17
globalização no turismo. Por outro lado, textos um pouco mais recentes que os de 1995,
como alguns da publicação de 1998, por exemplo, o de Luchiari (1998) sobre a urbanização
turística, conseguem abordar o turismo num contexto mais amplo da sociedade
contemporânea. Fica claro, no entanto, no final da revisão que aqueles trabalhos iniciais
foram de fundamental importância para instigar e iniciar debates e discussões mais
profundos em relação ao turismo e a seu vínculo com os conceitos da geografia.
Em comum, todos trazem textos que, com maior ou menor ênfase, justificam a
importância de se estudar o turismo à luz da Geografia e abordam a relação espaço/turismo.
Inicia-se então a esta revisão a partir deste ponto: por que estudar o turismo á luz
da geografia?
Apesar da relutância de geógrafos e pesquisadores de outras disciplinas, parece que
responder a esta questão não é muito difícil. Basta retornar à reflexão de Milton Santos
(2002) e tantos outros geógrafos
6
sobre qual é o objeto de estudo da Geografia: o espaço. E
o que o turismo faz? Produz, consome, transforma e (re) organiza o espaço:
Cada vez mais o espaço é produzido por novos setores de atividades econômicas
como a do turismo, e desse modo praias, montanhas e campos entram no circuito
da troca, apropriadas, privativamente, como áreas de lazer para quem pode fazer
uso delas. (CARLOS, 1996, p. 25).
Agir sobre o espaço não é exclusividade da atividade turística, nem é seu único
campo de atuação. O turismo também pode afetar diretamente a economia, a cultura e as
relações sociais e políticas de uma sociedade, por isso é objeto de estudo também da
Sociologia e das Ciências Econômicas e Políticas, por exemplo.
Gallero, professor de Geografia na Universidade da República do Uruguai, fazendo
uma análise sobre a trajetória mais recente da Geografia, afirma que esta área de
conhecimento continua sendo a ciência dos lugares e da diversidade dos espaços terrestres.
Ainda que este não seja seu único vínculo com a geografia, “o certo é que também o turismo
se sustenta na diversidade dos lugares, como na diversidade das culturas ou das expressões
da vida humana” (GALLERO, 1996, p. 33)
7
.
A relevância de se estudar o turismo à luz da geografia também é enfatizada, sob
outro enfoque, por Nicolás (1996, p. 40): “[...] a prática turística implica um deslocamento
6
Entre eles: Hissa (2002) e Correa (1995).
7
Tradução da autora.
18
no espaço que a torna, em nosso entender, um das práticas sociais mais genuinamente
territoriais, comparativamente com outras. É pois um terreno fértil para a análise
sociogeográfica”
8
.
O deslocamento espacial, resultado da fixidez do produto turístico que imprime a
necessidade de consumo in situ, repercute não apenas sobre um espaço, mas sobre três: os
espaços emissores, os espaços de deslocamento e os núcleos receptores (CRUZ, 2000,
p.17). Isto significa que, mesmo com intensidades diferentes, o turismo irá provocar
transformações sobre estas três incidências territoriais, provavelmente de modo mais
acentuado nos pólos receptores e ao longo das vias de acesso.
1.1 Breve histórico e conceituação do Turismo
Mesmo diante do que foi exposto anteriormente, a relação entre turismo e espaço
não justificaria seu estudo na geografia se não fosse pelo crescimento desta atividade na
atualidade. O turismo tem sido apontado como de grande importância e relevância no
mundo moderno, por ter se tornando “um fenômeno massivo em escala global [...]
constituindo-se o primeiro produto do comércio mundial” (RODRIGUES, 1997, p. 12).
Através de uma leitura crítica da trajetória histórica do turismo, buscar-se-á entender o que
deu ao turismo o status de fenômeno social e espacial da atualidade, caracterizado pelo
deslocamento de milhares de pessoas anualmente, que promovem intercâmbio cultural e
novas formas de utilização do espaço.
De acordo com Bertoncello (1996, p. 210), o crescimento das atividades turísticas e
recreativas insere-se num processo “mais amplo de expansão e diversificação das atividades
vinculadas ao comércio e aos serviços em geral”
9
, uma vez que, diante da nova ordem
mundial, estes se tornaram os setores de ponta na geração de negócios e realização de
lucros.
De fato, algumas formas de turismo existem desde as civilizações mais antigas. No
século VIII a.C., no mundo helênico, as competições esportivas na cidade grega Olímpia já
8
Tradução da autora.
9
Tradução da autora.
19
motivavam viagens (MAGALHÃES, 2002). Marco Pólo, no século XIII, realizava
viagens à China para relatar ao imperador Cublai Cã a amplitude de seu império. Este era o
olhar do colonizador, daquele que “procura domar o que lhe é estranho”, que deve viajar,
ver, enumerar e voltar. Assim também são as viagens dos descobridores renascentistas,
quando as cartas e os relatos perdem um pouco da “narração encantatória” e passam a dar
mais ênfase às riquezas das novas terras descobertas. Posteriormente as viagens passam para
o olhar do conquistador, “o viajante que sabe não poder voltar”, ou seja, “o imigrante que
tem na conquista e na construção de um lar na terra estranha a única saída para escapar à
proletarização imposta, nos séculos XVIII e XIX, à grande parte do campesinato europeu”
(FERRARA, 1996, p. 17). No entanto, como atividade econômica e forma de viagem em
que as pessoas buscavam o prazer, a satisfação da curiosidade, o tratamento médico, a
complementação da educação ou o conhecimento de novas culturas, o turismo só começa a
desenvolver-se a partir do século XVIII na Inglaterra. No final deste mesmo século, o
Romantismo inaugura um outro olhar viajante e uma nova motivação para viajar: o olhar do
indivíduo (ou existencial) que busca o exótico e o outro para se autodescobrir: “para o
romântico, a viagem é uma metáfora da liberdade e conquista do espaço fora do domínio
familiar privado” e seu lema é “quanto mais longe, melhor” (FERRARA, 1996, p.19).
O termo turismo, contudo, surge ainda mais tarde, no século XIX (RUSCHMANN,
2001; MAGALHÃES, 2002). Nesta época, as qualidades que se acreditava ter a água de
mar relacionada com a saúde, fizeram surgir um grande número de balneários marítimos na
Europa, que aos poucos começaram a ter mais características recreativas e foram adaptados
para a atividade turística. Além disso, Rodrigues (1997, p. 10) argumenta que:
Dois fatos ocorridos na Europa costumam ser indicados como marcos para balizar
a passagem do turismo aristocrático moderno para o turismo massivo
contemporâneo: o surgimento da agência de viagens Abreu Turismo, em 1840, no
Porto, então rica cidade de Portugal graças à burguesia inglesa que comercializava
o vinho do mesmo nome, e a primeira excursão organizada por Thomas Cook, na
Inglaterra, em 1841. Teve como finalidade transportar por trem, entre
Loughborough e Leicester nada menos que 570 pessoas para um congresso
antialcoólico.
Outros autores
10
também apontam para Thomas Cook ao buscar o marco do
surgimento do turismo na era industrial, já dentro de uma prática comercial. É importante,
contudo, entendermos o contexto social, político, econômico e cultural que propiciaram a
10
Entre eles Magalhães (2002).
20
consolidação desta atividade.
No período que sucedeu às duas grandes guerras, alguns acontecimentos
impulsionaram, mais uma vez, o desenvolvimento do turismo, tais como: o
aumento do número de proprietários de carros; o uso generalizado do transporte
coletivo; o notável crescimento do transporte aéreo; o desenvolvimento dos
cruzeiros marítimos de férias; o surgimento de novas organizações voltadas para o
incentivo do lazer e do turismo; e as férias remuneradas. Esses fatores adicionam-
se aos períodos de paz e segurança depois da Segunda Guerra Mundial e o
desenvolvimento das comunicações, que facilitaram a movimentação de pessoas
por todo o mundo, levadas não somente a consumir os últimos ditames da moda,
mas também a satisfazer sua curiosidade a respeito de outras culturas.
As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas pela massificação turística, quando os
vôos charters e os mais variados pacotes turísticos conduziram milhares de
pessoas a todas as partes do mundo. Nessa época, as localidades turísticas viveram
uma expansão sem precedentes. Todos os espaços vazios que ainda existiam nas
zonas litorâneas mais acessíveis foram preenchidos. Os vales e montanhas da
Europa se urbanizaram para atender à demanda de esportes de inverno.
Nos anos de 1980, a prosperidade econômica dos países desenvolvidos fez com
que grande maioria da população usufruísse férias duas vezes por ano,
possibilitando a muitas categorias profissionais empreenderem viagens turísticas
em grupos ou isoladamente. (MAGALHÃES, 2002, p. 13).
No entanto, mesmo este turismo, prática comercial, que surgiu na década de 1840 e
encontrou um ambiente favorável para sua expansão e sucessivos acontecimentos
impulsionadores até os anos da década de 1980, já se transformou consideravelmente. Um
dos marcos desta transformação foi a criação da internet em 1983, que se popularizou
atingindo atualmente milhares de usuários
11
, criando novos canais de comunicação. Para o
turismo, a internet agilizou as operações, tornou mais acessível e rápidas as trocas de
informações, criou a possibilidade do estabelecimento de uma rede onde a comunicação é
direta, simultânea e em tempo real a partir de cada lugar com uma grande quantidade de
destinos turísticos.
O significado de fazer turismo também se transformou à medida que a relação do
local com o mundo se expandiu. O que era uma possibilidade de lazer e recreação, hoje é
muito mais do que isso: “Na vida moderna viajar é tão importante como possuir informação,
é a própria expansão da informação” (LEMOS, 1996, p. 240).
O lazer na sociedade moderna também muda de sentido, torna-se “uma nova
11
Tecnicamente, a Internet pode ser definida como uma rede capaz de conectar vários computadores sob o
endereço comum, o TCP/IP. Inicialmente usado para fins acadêmicos, principalmente troca de
informações, em meados dos anos 90, milhões de pessoas já acessavam o sistema. Originalmente a Internet
era usada para o correio eletrônico - e-mail -, para o uso de grupos de discussão e para acesso remoto
(telnet). Hoje, a função mais utilizada é a www (World Wide Web). Disponível em:
<http://www1.uol.com.br/bibliot/linhadotempo>.
21
necessidade” e uma “nova atividade produtiva [...] que produz um novo espaço e/ou
novas formas de uso deste espaço” (CARLOS, 1996, p. 25).
O hábito de viajar e fazer turismo está hoje plenamente incorporado à sociedade
de consumo como uma necessidade, e sua satisfação dá lugar ao desenvolvimento
de atividades específicas de grande importância. (BERTONCELLO, 1996, p.
209).
O turismo mudou e evoluiu ao longo dos anos. Isto não ocorreu aleatoriamente,
sempre esteve intrinsecamente ligado com as características da sociedade e o contexto
econômico, social, político e cultural que o envolvia. É compreensível, portanto que, diante
da globalização, da sociedade de consumo estabelecida, do avanço tecnológico dos meios de
comunicação e transporte, o turismo da modernidade também tenha características novas e
uma relação diferente com o espaço e o tempo.
Bissoli (2001) apresenta de forma objetiva, sucinta, mas muito clara este novo
contexto e como o turismo se insere nele:
Nestes últimos anos do século XX, algumas palavras tornaram-se muito comuns
na mídia e nos setores acadêmico, empresarial e político. Uma dessas palavras é
‘globalização’ e a outra, ‘pós-industral’. É importante notar que, no caso da
globalização, os setores que podem ser considerados ‘globalizados’ são,
principalmente, o de telecomunicações, o de finanças e o de turismo.
As novas tecnologias, entre elas o avanço da informática, possibilitaram a
articulação global das telecomunicações, que, por sua vez, articularam o sistema
econômico-financeiro e o turismo, ambos em escala global.
A nova era do turismo, cuja característica fundamental se encontra na maior
competência entre empresas e destinos turísticos, em um mercado muito mais
bem-informado, devido a novas e diferentes motivações e exigências e ao
surgimento das novas tecnologias que incidem diretamente no comportamento da
oferta e da demanda turísticas, requer novos tipos de sistema de gestão, que
respondam, através de maior flexibilidade e segmentação, aos diferentes desejos e
necessidades dos clientes, com estratégias de desenvolvimento turístico completas
e claras. (BISSOLI, 2001, p. 113).
Acredita-se que, neste novo contexto, uma das grandes mudanças é a noção de
“tempo livre”. Persiste ainda a relação de tempo livre com as férias remuneradas e os fins de
semana. Contudo, pode-se dizer, que hoje não há tempo totalmente livre e sim livre de
obrigações específicas do tempo de trabalho. Não há tempo livre e, sim, tempo a ser
consumido, preenchido de forma eficaz e produtiva. Atualmente as pessoas viajam, não
porque têm tempo livre e sim porque viajar é necessário, pois permite o acesso à cultura, à
informação, à atualização, ao lazer, além de significar status.
No século XIX o turismo era o emprego do tempo livre, sinônimo de tempo
22
disponível para a ociosidade. Hoje a velocidade dos acontecimentos, das descobertas, das
trocas de informação, da comercialização não permite pausas ociosas. Parar, desligar-se do
mundo, do trabalho, das informações, significa desatualizar-se, perder o curso da história, ficar
para trás. Assim viajar não pode ser uma pausa ociosa, ao contrário, deseja-se que seja uma
pausa produtiva para o turista, a chance de obter novas informações, adquirir novos
conhecimentos, atualizar-se sobre as tendências, sejam estas da moda, da política ou da
economia.
O desejo de adquirir a maior quantidade de informação no menor intervalo de
tempo, com o objetivo de encurtar a duração da viagem, aliada à necessidade de consumo
da sociedade moderna, reflete diretamente na forma de fazer turismo: “Na nossa economia
global já não há tempo livre, mas a necessidade de empregar, através do deslocamento no
espaço, o dinheiro poupado ao tempo do trabalho” (FERRARA, 1996, p. 21).
Sobre esta afirmação de Ferrara pondera-se que empregar o dinheiro poupado ao
tempo do trabalho não deve ser entendido como sinônimo de gastá-lo simplesmente e sim
de investi-lo, uma vez que, como já foi dito, viajar é hoje mais do que um produto de
consumo, é uma necessidade de consumo.
O turismo que pode até ter sido impulsionado no século XIX pelo desejo de utilizar
o tempo livre conquistado através dos direitos dos trabalhadores, hoje está muito mais
ligado à busca do “espaço” do que à utilização do “tempo livre”:
O turismo faz do ‘espaço’ um objeto quando o enfrenta na visibilidade comercial
do pacote, dos roteiros, da indumentária, dos acessórios e da bagagem, das
passagens e bilhetes pagos a prestação, das estações de trem, das rodoviárias e,
especialmente, dos aeroportos. (FERRARA, 1996, p. 21).
A pressa, a falta de tempo, muda também a relação do turista com o espaço. Sem
tempo suficiente para conhecer profundamente os locais, a cultura, a história e os habitantes
dos destinos turísticos, a solução é concentrar-se nos detalhes. É sobre isso que reflete
Carlos ao utilizar a expressão ‘pseudoconhecimento’ e Ferrara ao afirmar que o turista se
satisfaz com a ‘metonímia’.
A busca dos lugares se desfaz na pressa. Passa-se por séculos de civilização, faz-
se tábua rasa da história de gerações que se inscrevem no tempo e no espaço.
Tudo previsto nos mínimos detalhes propõe um uso do tempo e, com isso, uma
forma de apropriação do espaço [...] Aqui o tempo se acelera na busca de um
pseudoconhecimento de lugares. Sem referências não se produz sequer o lugar na
memória. No fim do caminho o cansaço, do sobe e desce do ônibus, do entra e sai
de lugares desconhecidos que, parece, continuaram desconhecidos, o olhar e os
passos medidos religiosamente em tempo, um tempo produtivo que aqui se impõe
23
sem que disso as pessoas se dêem conta. (CARLOS, 1996, p. 31).
Esta avaliação de Carlos, no entanto, merece algumas considerações. Em primeiro
lugar porque se concentra na análise de um tipo de turismo de massa bem específico. Hoje
existem, mesmo no formato de pacotes turísticos, a comercialização de roteiros com
passagens, áreas ou rodoviárias, e traslados incluídos, com passeios opcionais que podem ser
adquiridos através de uma agência receptiva local. Isto permite que os turistas tenham a
liberdade de programar seu próprio tempo, sem a presença constante de um guia para controlá-
los. Portanto, nem tudo está previsto nos mínimos detalhes e a forma de apropriação do espaço
poderá variar de acordo com cada turista. Em segundo lugar, a autora de certa forma nega ou
desconsidera o que os avanços dos meios de comunicação e informação podem significar.
Cada vez mais, as pessoas adquirem informações sobre os lugares, sua história, sua cultura e
suas imagens, através da mídia impressa, da televisão e da internet. A própria autora afirma:
O turismo cria uma idéia de reconhecimento do lugar mas não o seu
conhecimento, reconhecem-se imagens antes veiculadas mas não se estabelece
uma relação com o lugar, não se descobre o seu significado pois os passos são
guiados por rotas, ruas preestabelecidas por roteiros de compras, gastronômicos,
históricos, virando um ponto de passagem. (CARLOS, 1996, p. 31).
O que se questiona é, portanto se, diante de tanta evolução, conhecer um lugar
deverá tomar tanto tempo hoje quanto tomava quando não existia internet, fotografias,
automóveis velozes e a enorme mobilidade das pessoas que hoje viajam levando e trazendo
sempre informações e imagens dos lugares por onde passaram. Com o advento da internet e
o avanço tecnológico dos meios de comunicação em geral não é comum pessoas viajarem
ao encontro do desconhecido, ao contrário, quase sempre elas tem uma boa noção sobre o
seu destino e querem experimenta-lo, vivencia-lo. Neste ponto, deve-se perguntar: a que
lugar se refere esta reflexão? Para a Geografia, o conceito de lugar é bastante específico e
não pode ser entendido como sinônimo de local. Conhecer ou estabelecer relação com o
lugar, não será o mesmo que conhecer um local. Mas será que para o turismo é necessário
conhecer o lugar ou bastaria conhecer o local? A realização da atividade turística seria
significativamente diferente através do conhecimento do lugar? Ou apenas as análises sobre
os impactos gerados pela atividade exigem o apurado entendimento deste conceito? Esta
discussão será aprofundada no capítulo 3. Por hora, concorda-se com Carlos (1996) no
sentido de que algumas vezes a experiência turística é banalizada, ou melhor,
superficializada pela fugacidade, pela pressa e pelo excesso de orientação. No entanto,
deve-se ver com cuidado a sua afirmação de que se trata de uma não apropriação a forma
24
como o turista se utiliza dos lugares, uma vez que existem maneiras diversas de se
apropriar dos espaços e lugares, no sentido de utilizar e criar relações de troca,
conhecimento, identificação.
A possibilidade de obter considerável volume quantitativo e qualitativo de
informações sobre o destino turístico antes de realizar a viagem, permite que o olhar se
concentre, faça uso da metonímia:
O turista já não é mais o andarilho itinerante à procura do exótico/outro visto na
atmosfera das viagens, ao contrário, as facilidades turísticas banalizam o exótico
e, pela abundância, desaparecem, progressivamente, as diferenças das imagens
que desafiavam o conhecimento do eu, impunham a presença do ‘outro’ e
favoreciam a comparação metafórica. O turismo, ao contrário favorece a
metonímia, os detalhes espaciais flagrados na pose fotográfica, com sua
visibilidade demonstrativa aparentemente autêntica ou nos cartões postais que
destacam a referência do detalhe urbano, o monumento, a praça. Para o turismo, a
parte vale pelo todo e é suficiente para despertar sonhos, lembranças, nostalgias e,
sobretudo, o grande fator do mercado, a necessidade de repetir a experiência.
(FERRARA, 1996, p. 21-22).
Para Carlos o novo turismo favorece a produção do não lugar e a postura passiva
dos turistas, que tendem a ter seu comportamento homogeneizado pelos pacotes turísticos. É
também neste sentido que Ferrara (1996, p. 22) acredita que o espaço nas viagens torna-se
virtual nas “duas modalidades básicas do turismo” identificadas pela autora:
o deslocamento espacial ‘extensivo’: onde importa a quilometragem superada, mas a
viagem deve ser a “extensão da vida privada e do cotidiano habitual”, por isso conforto
e segurança tem inestimável importância: “vive-se fora como se vive na própria casa”.
o deslocamento espacial intensivo: que “opera por concentração de arquétipos dos mais
variados lugares do mundo reunidos em um só espaço”.
Tanto o não lugar de Carlos como o espaço virtual de Ferrara são críticas que
questionam o espaço produzido pelo turismo, especialmente quanto à identidade destes
espaços. Neste sentido, talvez a análise de Luchiari sobre a relação entre o tempo escasso e
o contato dos turistas com o novo espaço, a nova paisagem, a nova cultura, seja mais
adequada para a compreensão da atividade turística inserida no contexto atual:
O olhar moderno voltou-se para as paisagens valorizando nestas o sentido que
havia sido perdido no ritmo veloz com o qual passamos pelas paisagens sem vê-
las. O cotidiano absorvido no trabalho, na família, nas vias expressas das cidades,
nos out-doors, dentro dos carros, dos transportes coletivos, da urbe roubou de nós
o sentido do olhar que agora olha e não vê. O olhar do turista contemporâneo
conduziu o imaginário coletivo a revalorizar a natureza, a cultura e mesmo o
simulacro que, queiramos ou não, é natureza e cultura construídas socialmente.
(LUCHIARI, 1998, p. 18).
25
Pensando dessa forma é que se considera que algumas afirmações de Carlos
(1996, p. 26, 28) tal como “A indústria do turismo transforma tudo o que toca em artificial,
cria um mundo fictício e mistificado de lazer [...]” ou “O espaço produzido pela indústria do
turismo perde o sentido, é o presente sem espessura, quer dizer, sem história, sem
identidade; neste sentido é o espaço vazio. Ausência. Não-lugares”, merecem algumas
ponderações, para que não sejam consideradas de forma tão absoluta.
Até agora esta discussão permitiu constatar que o turismo não necessita mais, como
necessitava no século XVIII, da busca por um espaço diferente, exótico. O que importa é
deslocar-se.
Vivemos na sociedade da reprodução, valorizando espetáculos e sabores que há
muito perderam a autenticidade. Isto nos leva a considerar que, no período atual a
capacidade técnica da reprodutibilidade é tão ou mais importante que a própria
autenticidade perdida. (LUCHIARI, 1998, p. 18).
Pelo que foi exposto acima por Luchiari e devido à grande importância das
metrópoles no mundo atual é que a afirmação de Ferrara ganha força para caracterizar o
turismo contemporâneo:
[...] o turismo é o deslocamento comercial do espaço, sem necessariamente mudar
as suas características; não raro, o ‘pacote turístico’ supõe uma troca entre grandes
centros urbanos, metrópoles mundificadas que mimetizam imagens, serviços,
hábitos e valores. (FERRARA, 1996, p. 21).
Ou seja, outras qualidades do espaço, que excluem a autenticidade, como
facilidades no acesso a tecnologia, a expressões culturais mundiais (moda, culinária
internacional), segurança e conforto podem ter maior peso na escolha do destino turístico do
que características relacionadas à identidade e cultura local.
Outra grande transformação, possibilitada pelo avanço tecnológico dos meios de
transporte, do mundo globalizado é o significado de distância: “O longe é um lugar que não
existe mais. As distâncias superadas, o deslocamento se concentra no tempo rápido, sem
medida” (FERRARA, 1996, p. 20).
A distância deixou de ser um empecilho técnico para quem viaja. A quilometragem
percorrida ou superada ganhou significado de status. Para alguns seguimentos sociais a
distância ainda pode ter um peso econômico relevante, mas ainda assim, o que se observa é
que as distâncias ‘diminuíram’ para todos. Pessoas que não imaginavam sair de sua cidade,
hoje encontram à disposição excursões de ônibus para cidades litorâneas, até mesmo em
outros Estados. Assim também, os preços das passagens e dos pacotes aéreos nacionais
26
permitem que uma grande parcela da classe média faça viagens para as praias do
Nordeste ou as cidades serranas da região Sul. Enquanto outra parcela da classe média que
não ousava sonhar com viagens internacionais, hoje já constitui uma grande massa que
realiza viagens para países sul-americanos e para os Estados Unidos da América.
Esta superação das distâncias estabelece uma nova relação do indivíduo/turista com
o espaço, uma nova forma de enxergar as diferentes culturas, antes tão distantes e agora a
apenas algumas horas de vôo. A “proximidade”, a facilidade do acesso, pode criar uma
sensação de apropriação mais fácil do espaço. O sentimento de não pertencimento, de ser
estrangeiro ou intruso, diminui juntamente com o tempo que separa os lugares.
1.2 Turismo: pan-urbano?
A nova relação que a sociedade contemporânea estabelece com o tempo,
transforma sua percepção sobre o espaço e sobre as distâncias e sua relação com os lugares.
Todas essas transformações, que refletem na relação do indivíduo com o espaço, o tempo, a
distância, os lugares e, portanto no seu modo de fazer e perceber o turismo, são mais
presentes e marcantes nas grandes cidades, nos centros urbanos.
As grandes metrópoles, onde são geradas as decisões que organizam a política e a
economia nacional e também se consolidam as novas pautas culturais e de consumo que,
através dos meios de comunicação, se transmitem a toda sociedade, estão no centro da
criação e divulgação dessa nova necessidade e novo produto de consumo: o turismo. A
junção de espetáculos, exposições artísticas, entretenimentos e os elementos acumulados ao
longo da história convertem a própria cidade em objeto a ser consumido. Áreas ou bairros
são reorganizados transformando-se em objetos privilegiados deste consumo, na medida em
que permitem uma reapropriação da história da cidade, das manifestações culturais mais
tradicionais (BERTONCELLO, 1996).
Isto não significa que o turismo não esteja crescendo e tenha importância nas
cidades menores e mesmo no meio rural. Ao contrário, Rodrigues (1996, p. 18) chama a
atenção para o fato do turismo alcançar atualmente até mesmo os “sítios mais inacessíveis”,
dando a eles “nexos sofisticadamente urbanos”.
27
No entanto antes de passar à análise das transformações espaciais provocadas
pelo turismo que acontece dentro e fora das grandes cidades, deve-se reavaliar a pertinência
da distinção entre campo e cidade. Este é o primeiro desafio identificado por Rodrigues para
o estudo da atividade turística: a necessidade de criar novas categorias para enquadrar o
turismo, uma vez que:
Nos territórios de forte conteúdo de ciência, tecnologia e informação não há mais
sentido contrapor a cidade ao campo, o urbano ao rural, nem tampouco insistir na
distinção entre os clássicos setores de atividade econômica. (RODRIGUES, 1996,
p. 18).
Da mesma forma Lemos (1996, p. 241) afirma: “No estágio atual da sociedade com
os territórios influídos por fortes fluxos técnicos, científicos e informacionais não existem já
essas divisões do urbano, rural, suburbano etc. que procuravam qualificar aspectos formais
do espaço”.
De fato, a atividade turística, por ser muito ampla, multiplica-se em segmentos:
cultural, rural, urbano, ecológico, religioso e de negócios, entre outros. Alguns destes
segmentos, ainda que em diferentes escalas, têm na própria cidade os principais atrativos
turísticos. Outros, mesmo que não desenvolvam na área urbana suas principais atividades,
utilizam as cidades como suporte. Para o primeiro caso pode-se citar o turismo de negócios,
o cultural, o religioso, o de lazer, etc. Para o segundo, tem-se o ecológico, o rural, o de
aventura, entre outros. Ou seja, os espaços urbanos são, ao mesmo tempo, suporte e atrativo
para o turismo.
O turismo de massa
12
é um fenômeno de natureza urbana, independente das
clássicas conceituações e distinções entre espaço urbano e espaço rural.
O turismo cria espaços urbanos uma vez que necessita, para sua realização, da
demanda da população anfitriã, do comércio dos serviços, das infra-estruturas
básicas e de apoio, dos sistemas de promoção e de comercialização, das
instituições que exercem o poder de decisão. Todos estes elementos interagindo
numa dada porção do território emprestam-lhe feições e estilos de vida
reconhecidamente urbanos. (RODRIGUES, 1996, p. 12).
12
Apesar do turismo de massa não ser representativo do turismo de forma geral, acredita-se que ele é, se não
o último, pelo menos um dos estágios mais avançados de praticamente toda forma de turismo, mesmo que
este tenha se iniciado como um modelo alternativo (LUCHIARI, 1998). Além disso, Cavaco (1996, p. 105)
questiona o outro tipo de turismo que faria oposição ao turismo de massa: “[...] a expressão turismo
alternativo permanece ambígua, ao evocar uma possível substituição do turismo de massas, sem riscos de
conduzir a novas concentrações ou danificações do meio e a impactos também destruidores e
homogeneizantes, como foi sendo comum na história do turismo e nos ciclos de vida das áreas mais
procuradas, da juventude à velhice, sem renovação real e convincente como destino turístico”. O turismo
de elite, considerado por alguns autores oposto ao turismo de massa, também é um fenômeno de natureza
urbana, pelas mesmas razões expostas por Rodrigues (1996) para o turismo de massa.
28
Luchiari (1998) vai um pouco além das necessidades práticas na explicação das
feições urbanas que adquirem os destinos turísticos localizados fora dos centros
urbanizados, considerando também os desejos subjetivos dos turistas, levando em conta que
a maioria dos centros emissores são as grandes cidades:
A organização territorial dos lugares turísticos não responde somente à lógica do
lugar, do meio, e da população, ela é a reprodução de atributos valorizados nos
centros urbanos emissores, sintetizando na materialidade das cidades que se
expandem, as novas representações sociais imprimidas ao uso do território. Por
isto os lugares não permanecerão ‘provincianos’ ou ‘selvagens’, porque estes
atributos não representam mais a sociedade. (LUCHIARI, 1998, p. 23).
Mas, se as necessidades são urbanas, por que existe a busca do turismo fora das
grandes metrópoles?
Ferrara (1996, p. 20) indica que se afastar da cidade não é uma motivação nova
para a prática do turismo, ao contrário: “[...] enquanto prática institucional e organizada, o
turismo se inicia no séc. XIX opondo a cidade ao campo e apontando-o como local que
favorecia a permanência para fins recreativos, ocupando o verão e uma parte do outono”.
Contudo, a dificuldade de distinção atual entre campo e cidade, rural e urbano,
aliada à capacidade do turismo de imprimir características urbanas aos locais onde se realiza
permite refletir que um processo mais amplo, o de extensão das cidades, poderá ajudar a
compreender esta realidade.
Segundo Damiani (1997, p. 48) o turismo “sugere uma vivência metamorfoseada,
diferente das formas à vida ordinária, cotidiana, comum”. Ele transforma assim a fuga da
cidade em algo necessário, “sem a qual a ‘vida’ parece insuportável”.
O trânsito caótico, a poluição sonora e ambiental, a violência e os altos índices de
criminalidade, a ausência de áreas verdes e outros fatores configuram a crise da cidade.
Superá-la parece difícil, mas torná-la suportável é uma tarefa que vem sendo realizada com
o turismo, através da fuga e do afastamento do cotidiano urbano. Superar a crise da cidade
exige intervenções nela própria, que não podem ser realizadas pelos indivíduos, cidadãos,
isoladamente, mas que tem sido tentada por alguns administradores governamentais, como
será visto no próximo capítulo. Suportar a crise das cidades, no entanto, parece mais
palpável para seus habitantes, através justamente da busca de refúgios fora delas. Dessa
forma “a viagem para fugir da cidade é uma forma de não enfrentar a crise da cidade”
(GAVÍRIA apud DAMIANI, 1997, p. 53).
29
Assim, a extensão das cidades pode ser entendida como uma alternativa paliativa
para a crise da cidade somando-se a isso o cumprimento de uma necessidade imposta pela
sociedade moderna, o lazer. Dessa forma, a extensão das cidades incentiva o turismo, e o
turismo estimula a extensão das cidades. O resultado final é que se torna muito difícil
classificar estes novos espaços como rurais ou urbanos. Para Lefebvre (1999) existe então o
pan-urbano, que também poderia ser chamado novo urbano ou novo rural, dependendo do
ângulo a partir do qual o fenômeno é observado
13
.
Estas novas lógicas de assentamento e povoamento, diretamente relacionadas com
o processo de expansão das cidades, permite compreender melhor o fenômeno da rápida
saturação dos destinos turísticos localizados próximos aos grandes centros:
Quanto mais próximo, mais atraente ou acessível aos centros emissores mais
rapidamente o processo [de saturação do lugar turístico] se instala, prenunciando o
esgotamento de um lugar ou, na concepção econômica, o final do ciclo de vida do
produto, despertando no turismo de elite e no mercado a necessidade da
descoberta de um novo lugar/produto. (LUCHIARI, 1998, p. 20-21).
Outras alternativas, menos individuais, também têm sido vivenciadas
concomitantemente para superar e/ou amenizar a crise das cidades. Uma delas é a produção
de simulacros, incluindo-se aí os resorts e os parques temáticos. Outra é o investimento nas
próprias cidades, indo desde a melhoria de sua infra-estrutura urbana e de sua paisagem,
especialmente de seus cartões-postais, passando por revitalizações e requalificações de áreas
degradadas, até o incentivo e a realização de megaeventos como feiras e congressos
nacionais e internacionais, ou shows, exposições e atividades culturais variadas.
O turismo fora das grandes cidades, produzido pelas necessidades criadas pelo e para
o turista, inclui, algumas vezes, como foi dito, a produção de simulacros, a tendência à
homogeneização e à padronização. Neste sentido, os resorts, utilizando as palavras de Silveira
(1997, p. 41), oferecem “[...] uma paisagem única e uma infra-estrutura globalizada [...]”. Mas
não se trata de toda e qualquer paisagem (única pela própria definição do termo). Existe quase
que um padrão da paisagem a ser oferecida. Certas características, como a presença de
elementos natural (sol, mar ou rio, praia ou mata) deve necessariamente existir nesta paisagem
‘única’.
O turismo pode reproduzir a natureza, a cultura e a autenticidade de práticas
sociais. Mas o que dá sentido ao consumo destes simulacros é a subjetividade do
13
No terceiro capítulo serão abordados os conceitos de urbanização extensiva e explosão do tecido urbano a
partir de Lefebvre e Monte-Mór para buscar uma melhor compreensão da extensão das cidades.
30
indivíduo e dos grupos sociais que passam a valorizar a própria reprodução.
Não é assim que a Disney conquista a cada ano legiões de consumidores
frenéticos e vorazes? Não é isso que ocorre com a reprodução de parques
temáticos? (LUCHIARI, 1998, p. 18).
A produção de simulacros, seja na forma de parques temáticos, seja através dos
resorts, a transformação das paisagens, com a construção de cenários e cartões-postais, e a
produção e consumo do espaço parece que poderão ser melhor estudados e compreendidos
através da abordagem de uma nova idéia ou fenômeno: a urbanização turística.
1.3 Urbanização turística
O que vem a ser urbanização turística? Vários autores apresentam conceitos ou
proposições para explicar este fenômeno. Observa-se que a urbanização turística tem sido a
maneira mais utilizada por diversos autores para abordar as transformações espaciais
geradas a partir da atividade turística, seja em termos de consumo e produção do espaço
pelo e para a realização do turismo, seja em termos das alterações nas paisagens. Em
comum, vários autores enfatizam que a organização destes novos espaços turísticos está
deslocada da produção para o consumo:
O conceito de urbanização turística tem emergido nos últimos anos para expressar
uma nova forma urbana derivada da conexão entre o desenvolvimento das
atividades turísticas e a emergência de novas paisagens urbanas no fim do século
XX. [...] forma de urbanização que, ao contrário da urbanização industrial, tem a
sua produção de significados e identidades sociais deslocada da produção para o
consumo. (LOPES JÚNIOR, 2000, p. 213).
Neste mesmo sentido Luchiari também afirma:
As cidades turísticas representam uma nova e extraordinária forma de
urbanização, porque elas são organizadas não para a produção, como o foram as
cidades industriais, mas para o consumo de bens, serviços e paisagens. Enquanto -
desde a Revolução Urbana - as cidades eram construídas para a produção e para as
necessidades básicas, estas cidades erguem-se unicamente voltadas para o
consumo e para o lazer. Este é um dos motivos que levou alguns autores a
considerarem as cidades turísticas como um exemplo expressivo de cidade pós-
moderna. (MULLINS, 1991, apud LUCHIARI, 1998, p. 17).
Este movimento entre o velho e o novo, acelerado pela urbanização turística, gera
novas paisagens, consome outras, trás à cena novos sujeitos sociais, elimina ou
marginaliza outros e redesenha as formas de apropriação do espaço urbano,
substituindo antigos usos e elegendo novas paisagens a serem valorizadas para o
lazer. A criação destrutiva da urbanização turística desafia a todo instante a
31
sobrevivência de antigas paisagens e a resistência do lugar. (LUCHIARI, 1998,
p. 17-18).
A urbanização turística não teria, no entanto uma única forma de se desenvolver.
Para Cruz (2000), por exemplo, seria possível distinguir dois processos distintos de
apropriação e de produção de espaços pelo turismo e para o turismo: a urbanização turística
dos lugares e a urbanização para o turismo. A urbanização turística seria aquela que cria
toda a infra-estrutura necessária à atividade, enquanto a urbanização para o turismo criaria a
infra-estrutura suporte para o turismo, prevendo e desejando seu desenvolvimento.
A produção e o consumo do espaço parecem se materializar assim através do
processo de urbanização, como é possível perceber através da ponderação de Lopes
Júnior
14
:
A Via Costeira é o principal marco da produção espacial da atividade turística em
Natal. Ela não é apenas o lugar onde estão instalados os melhores hotéis da
cidade, mas um dos principais referentes (sic) para a construção imagética de
Natal como cidade do prazer. (LOPES JÚNIOR, 2000, p. 223-224).
Para Bissoli (2001, p.13), a título de mais um exemplo, o turismo “é uma atividade
que consome o espaço geográfico: exige a construção de infra-estrutura, utiliza-se de
recursos turísticos, integra a população nativa e pode degradar o ambiente”.
Uma vez, portanto, que a urbanização turística é direcionada para o consumo, mas
não para o consumo de necessidades básicas, como habitação, serviços de saúde, educação
entre outras (MELLO E SILVA, 1997, p. 166), é grande o risco desta promover segregação
funcional do espaço, que por vezes pode culminar em exclusão e segregação socioespacial,
como será explicitado mais detalhadamente no próximo capítulo.
A segregação nas cidades pode acontecer também através do processo de
gentrification (traduzido como gentrificação), entendido como o enobrecimento de áreas
deterioradas da cidade, através de intervenções e investimentos nas mesmas, visando alterar
seu perfil sócio-cultural (ARANTES, 1996). Muitas vezes a gentrificação tem como
objetivo o incentivo ao aproveitamento turístico, como é o caso do Pelourinho, em Salvador,
na Bahia. O governo estadual incorporou o Pelourinho dentro de uma política de atrair
turistas, contou com a participação do Ministério da Cultura, através do Projeto
32
Monumenta, que possuía recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento, da
Caixa Econômica Federal, do BNDES e da iniciativa privada (BARBOSA, 2001, p. 87-88).
Após a polêmica revitalização de 400 dos 2.870 casarões do Pelourinho, através da
recuperação e, em alguns casos, descaracterização das fachadas, especialmente as de fundo,
e pintura das mesmas com cores que certamente estão mais relacionadas com a construção
de uma imagem desejada do que com a história, houve um processo de “limpeza do lugar”.
Esta limpeza aconteceu no sentido de retirar do local as pessoas indesejadas, os marginais e
as prostitutas, e todo o comércio popular e foi viabilizada através de indenizações pagas aos
ocupantes dos imóveis para deixá-los. A estratégia utilizada foi conjugar preservação
histórica e valor imobiliário, incentivando a substituição das moradias por lojas e
restaurantes. “O pelourinho acabou tornando-se um lugar cenográfico, palco para os turistas
desfrutarem como um cartão-postal” (BARBOSA, 2001, p. 92). Os antigos moradores, no
entanto, não apenas os que receberam indenizações, mas todos aqueles que se sentiram
obrigados a mudar-se devido a elevação do custo de vida (aluguel, IPTU, serviços urbanos)
ou pressionados diante das propostas de compras dos imóveis, não desfrutam das melhorias
urbanas viabilizadas pelo turismo, nem foram inseridos na nova dinâmica econômica.
Para explicar as transformações espaciais do turismo alguns autores também
lançam mão da noção de territorialidade. É o caso de Luchiari que afirma:
Quer na urbanização turística para residências secundárias, quer na urbanização
associada a outras modalidades de alojamento turístico, o uso fugaz do território,
marcado pela transitoriedade, é responsável por processos de desterritorialização
e reterritorialização. O tempo marcado por ritmos planejados (férias, feriados,
altas temporadas), impõe um novo ritmo à região, depois recua, e as
territorialidades locais se recompõem mas já sobre outras rugosidades. As regiões,
as cidades, os lugares turísticos vestem-se de novas materialidades: galerias,
shopping centers, edificações, condomínios fechados, infra-estrutura viária e uma
infinidade de objetos e serviços especializados para o turismo. (LUCHIARI, 1998,
p. 24).
Knafou (1996, p. 64) também aponta para um confronto de territorialidades nos
lugares turísticos:
a territorialidade sedentária dos que aí vivem frequentemente, e a territorialidade
nômade dos que só passam, mas que não têm menos necessidade de se apropriar,
mesmo fugidiamente, dos territórios que freqüentam. Um bom número de
conflitos nos lugares turísticos são oriundos das diferenças de territorialidade.
14
O artigo de Lopes Júnior não está nas coleções citadas, tendo sido publicado no ano 2000, em uma obra
que reúne textos sobre o tema população e meio ambiente. Foi inserido aqui por ser bastante representativo
da recorrência dos conceitos geográficos nas análises sobre turismo, mesmo quando produzidas sob o
enfoque de outras áreas de conhecimento, como neste caso sob o enfoque da Sociologia.
33
Nestes termos, territorialidade revela-se como um conceito apropriado para se
estudar a dimensão socioespacial da atividade turística. A territorialidade pode ser
construída simultaneamente pela formação e interação de redes geográficas temporárias ou
permanentes, identidades criadas e recriadas, novas particularidades acrescidas a um lugar,
funções atribuídas ao espaço, entre outros.
Independente de um consenso do que seria produção e consumo do espaço para ou
pelo turismo, todos os autores parecem ter um ponto de acordo: o turismo altera as
paisagens, além de transformá-las em produto e vendê-las na mídia.
A paisagem resultante é típica de parte do litoral brasileiro. Verdadeiras cidades
fantasmas à beira-mar que ganham vida apenas nos finais de semana e nos últimos
meses do ano. (LOPES JÚNIOR, 2000, p. 224).
A transformação das paisagens, no entanto, não é uma mera conseqüência dos
processos de apropriação, consumo e produção do espaço, ela é uma necessidade básica
para o desenvolvimento da atividade turística: “A atratividade dos lugares (paisagens
naturais ou construídas) precisa ser constantemente vendida, então, ela é constantemente
recriada, ou melhor, padronizada em estilo, estética e atendimento” (LUCHIARI, 1998, p.
24).
1.4 Cidades: produto turístico x cidadania
Como se afirmou anteriormente, para os habitantes de áreas urbanas, especialmente
das metrópoles, a fuga da cidade transformou-se em uma necessidade da sociedade moderna
para tornar suportável a ‘vida’ cotidiana. Ao mesmo tempo as grandes cidades são o local
onde acontecem as tomadas de decisões. Também foi apontada a necessidade do turismo de
recriar constantemente as paisagens. A partir deste contexto pode-se tentar compreender
como se desenvolvem as estratégias de marketing ligadas à imagem da cidade, aos
34
megaeventos e às requalificações urbanas.
Viajar é, atualmente, sinônimo de informação. As grandes metrópoles são os
destinos turísticos que mais facilmente permitem aos turistas permanecerem conectados
com o mundo, além de possibilitarem atualizações através de participação em cursos, feiras,
congressos, etc. Estes são alguns dos motivos que atraem os turistas para as cidades. Por
outro lado, existem as razões que motivam as administrações locais a desejar, atrair e
investir no turismo. O mais visível deles é a renda gerada. O turismo é inegavelmente uma
atividade lucrativa.
Existem evidências de que o poder público atua explicitamente propiciando estas
funções de consumo, como estratégia para reverter o esvaziamento e a estagnação das
grandes urbes, buscando um novo rol, frente à perda do setor industrial, que permita
regenerar econômica e fisicamente as grandes cidades (BERTONCELLO, 1996).
A urbanização turística coloca as cidades no mercado de paisagens naturais e
artificiais. Algumas cidades chegam a redefinir toda sua vida econômica em
função do desenvolvimento turístico, reorganizando-se para produzir paisagens
atrativas para o consumo e para o lazer. (LUCHIARI, 1998, p. 17).
No entanto, a urbanização turística é necessária, mas não é suficiente para inserir as
cidades de forma competitiva no mercado mundial. Neste ponto é preciso lançar mão do
marketing urbano:
Ora, é justamente na produção social das necessidades supérfluas, como típicas da
sociedade pós-industriais, onde o turismo se expande como consumo de massa,
que as estratégias de propaganda e marketing estabelecem mais acuradamente um
processo de depuração de imagens, prontas para um consumo estereotipado.
(BENEVIDES; GARCÍA, 1997, p. 67).
O problema notado aqui é que esta depuração de imagens para um consumo
estereotipado poderá significar um grande distanciamento entre a identidade e os elementos
da paisagem que identificam a comunidade tradicional com um lugar e as novas identidade
e paisagem produzidas para atender às expectativas e desejos dos turistas.
A atratividade resulta, portanto, da produção e da socialização de imagens
turísticas, disseminadoras de valores culturalmente compartilhados por uma
sociedade ou por alguns grupos sociais, em relação tanto a certos lugares,
almejados como centros de grande visitação, bem como a certas práticas sociais,
que teriam como espaço privilegiado também alguns lugares, representados como
‘territórios do ócio’, onde se desenvolveriam formas de sociabilidade diferentes
das conformadas nos ‘territórios do trabalho’. (BENEVIDES; GARCÍA, 1997, p.
66).
35
Mais problemático ainda pode ser a constatação de que a necessidade de
distanciamento do turista de seu cotidiano durante a prática do turismo exige que as
paisagens e as possíveis formas de apropriação do espaço sejam constantemente
aperfeiçoadas, pois parecem falsas com extrema rapidez. Contudo, “os investimentos em
turismo - os grandes projetos turísticos - podem, ao mesmo tempo, destruir as diferenças dos
lugares, homogeneizar as paisagens, e, a longo prazo, esgotar os significados turísticos dos
lugares desejados” DAMIANI (1997, p. 48).
Muito se tem divulgado e publicado sobre o crescimento da atividade turística em
todo o mundo e também sobre sua capacidade de alavancar economias estagnadas, elevar a
auto-estima de comunidades receptoras, gerar emprego e renda e movimentar cifras
impressionantes. Entre os impactos positivos gerados pela atividade destaca-se sua
capacidade de: (re) valorizar culturas locais, materializadas através da culinária, do
artesanato e de ritos, promover a (re) inserção no mercado de trabalho de inúmeros
desempregados, criar novas oportunidades de geração de renda, mesmo que na
informalidade, e possibilitar e incentivar melhorias urbanas.
É preciso, no entanto, enxergar o que existe, ou melhor, o que pode existir por trás
ou paralelamente ao desenvolvimento do turismo. Os impactos negativos existem e não
podem ser esquecidos, pois assim como a atividade turística pode promover a cidadania, ela
também pode enfraquecê-la.
Souza (1997, p. 17, 18) adverte sobre isto quando levanta o questionamento “Como
pode o turismo contribuir para o desenvolvimento local?”. O autor entende desenvolvimento
não apenas como desenvolvimento econômico, mas sim um “processo de superação de
problemas sociais, em cujo âmbito uma sociedade se torna, para seus membros, mais justa e
legítima”.
Responder à questão colocada por Souza não é tarefa simples. O próprio autor
afirma não haver uma resposta única: é necessário identificar os indivíduos para os quais se
pretende o desenvolvimento. Quem ganha e quem perde com essa atividade? Os turistas, a
população da área de origem dos turistas ou a população receptora? Mesmo que se defina a
população local receptora como aquela para quem o desenvolvimento deve principalmente
acontecer, ainda é preciso considerar que ela não é homogênea como o termo “população”
pode sugerir. A heterogeneidade de interesses, derivada principalmente de diferenças
socioeconômicas, é enorme (SOUZA, 1997, p. 19-20). Por isso, o incentivo e/ou empenho
36
das administrações públicas em estratégias de marketing das cidades, em atrair ou
produzir megaeventos, ou em promover requalificações e revitalizações urbanas, deverão
gerar rendas e aumentar as arrecadações municipais, mas isto não significa que haverá
melhoria da condição de vida para a população como um todo.
É mais fácil compreender o fortalecimento das políticas públicas que promovem
segregação social e funcional do espaço tendo-se em mente dois fatores: um tradicional e
histórico no Brasil, o embate entre a demanda solvente
15
e a demanda real por infra-
estrutura básica e investimentos e outro, mais recente e que agrava o primeiro, o surgimento
de novas políticas urbanas. Estas novas políticas urbanas, bem como as características
segregadoras das políticas públicas tradicionais serão abordadas no terceiro capítulo, através
de Rolnik (1999), Vainer (2000), Sánchez (1999) e Santos (1994), com a intenção clarear o
papel que vem sendo atribuído ao turismo pelas administrações públicas no planejamento
urbano.
A necessidade, percebida pelo poder público e pela iniciativa privada, de se inserir
as cidades economicamente na realidade de um mundo em processo de globalização tem
sido motivadora tanto do processo de urbanização turística, tratado no tópico anterior, que
transformam as paisagens e os espaços de acordo com uma demanda externa, quanto dos
processos de transformação das cidades em produto turístico competitivo mundialmente
através de sua veiculação na mídia. Por isso, propõe-se a seguir uma reflexão dos efeitos da
globalização sobre a dimensão local.
1.5 Identidade e comunidades: global e/versus local?
Enquanto os traços do passado haviam se cristalizado lentamente nas paisagens,
definindo uma geografia funcionalmente isolada entre as regiões; a natureza das
paisagens do turismo contemporâneo trouxe exatamente a mutação permanente
destas formas em relação funcional e sistêmica com as regiões e o mundo.
(LUCHIARI, 1998, p. 24).
15
Por demanda solvente entende-se aquela proveniente de pessoas ou grupo de pessoas que podem pagar pela
demanda ou gerar divisas e oferecer lucros em contrapartida. Para exemplificar: instalação de rede de
telefonia é vantajosa para a empresa quando, além da utilização dos telefones públicos, haverá demanda
por linhas particulares.
37
O artigo de Alvaro Lopez Gallero (1996), El impacto de la globalizacion sobre
el turismo, apresenta uma avaliação bastante negativa sobre a relação entre globalização e
turismo. Segundo Gallero, a globalização e a inter-relação entre poder econômico e o
avanço tecnológico criam uma tendência inevitável de homogeneização dos espaços e
seriam os países do Terceiro Mundo os mais afetados pelo domínio do capitalismo
internacional, por não terem uma economia consolidada capaz de resguardar sua identidade.
A globalização seria uma ameaça para o turismo, uma vez que ela uniformizou os
instrumentos, os veículos, os produtos de consumo e, consequentemente os hábitos. Apesar
disso, no entanto, discorda-se de Gallero, pois se acredita que em contrapartida à tendência
de homogeneização da globalização observa-se que as singularidades dos lugares se tornam
mais evidentes. O turismo, neste contexto, seria mais um incentivo para a ênfase da
autenticidade e originalidade locais: “A uma maior globalidade, corresponde uma maior
individualidade” (SANTOS, 1996, p. 252) e “[...] um dos vetores mais importantes para
associar o mundo ao lugar, o global ao local” (LUCHIARI, 1998, p. 16).
Ainda de acordo com Luchiari (1998, p. 16):
Há alguns anos atrás, dizia-se que a globalização iria destruir as diferenças locais,
homogeneizando o espaço e a sociedade. Hoje, o debate não se coloca mais nestes
termos. Tanto as peculiaridades locais, os localismos, os regionalismos emergiram
deste global, quanto a própria globalização econômica passou a valorizar as
diferenças dos lugares, fazendo desta diferenciação um atrativo para o capital.
É importante destacar que o local hoje tem um sentido diferente. Ele é definido em
relação ao global. “É o resultado de um feixe de relações que soma as particularidades
(políticas, econômicas, sociais, culturais, ambientais...) às demandas do global que o
atravessa” (LUCHIARI, 1998, p. 16).
Assim estabelece-se uma relação entre antigas paisagens e velhos usos e novas
formas e funções, impulsionando a relação do lugar com o mundo que o atravessa
com novos costumes, hábitos, maneiras de falar, mercadorias, modos de agir...
Assim também, a identidade do lugar é constantemente recriada, produzindo um
espaço social híbrido, onde o velho e o novo fundem-se dando lugar a uma nova
organização sócio-espacial. (LUCHIARI, 1998, p. 17).
O turismo é assim uma das atividades com grande potencial para conectar o lugar
ao mundo, de trazer um pouco do global para o local, transformando assim o seu sentido:
As práticas de consumo atuais conjugam o café expresso, o fast-food, os
equipamentos eletrônicos, as marcas dos carros e as griffes das roupas aos
souvenirs locais, ao artesanato, aos remanescentes florestais e culturais. Esta é a
realidade em que vivemos. Ela é híbrida. E a urbanização turística é a sua
tradução mais completa. (LUCHIARI, 1998, p. 18).
38
No entanto, de acordo com Knafou (1996, p. 64), “o turista recoloca a discussão
da ideologia do enraizamento, da ligação privilegiada com o lugar”, retomando o
questionamento: é possível ainda hoje atrelar enraizamento e identidade a raízes, local de
nascimento ou uma longa história internalizada no lugar? Respondendo parcialmente a esta
questão, ao discursar sobre identidade e os caminhos para resguardá-la, Pedro Geiger faz
uma interessante análise no seu texto Turismo e Espacialidade:
É neste quadro geográfico [da globalização], onde populações de origem comum,
localizadas em diferentes pontos da Terra, se articulam para relações culturais,
econômico-financeiras, ou políticas, que se dá um novo significado para a antiga
palavra ‘tribo’.
O turismo de massa dá força às novas tribos e as novas tribos participam no
incremento do turismo. Os turistas brasileiros que preferem a Rua 46 para suas
compras em Nova York servem para que não só o lojista brasileiro, ou seu
empregado brasileiro, mantenham sua identidade brasileira, mas também para que
o filho do lojista, nascido nos Estados Unidos, e que já trabalha na loja, passe a
pertencer à ‘tribo’. E os membros de uma tribo tendem a visitar o lugar de origem.
(GEIGER, 1996, p. 57).
O novo significado da palavra tribo a que se refere Geiger aponta para a reflexão
do sentido de enraizamento, o que para Knafou (1996, p. 64) se coloca através de “uma
forma moderna de conflito de territorialidade entre ‘nômades’ e ‘sedentários’, salvo que, nas
sociedades contemporâneas, os ‘nômades’ também possuem práticas sedentárias e os
‘sedentários’ práticas nômades”.
Da mesma forma, Geiger (1996, p. 58) argumenta: “O primeiro ato do turista é o de
se ‘desenraizar’, que seja por ‘momentos’, do local onde vive regularmente, ou
rotineiramente”. Se por um lado Geiger se contrapõe a Gallero, apresentando a alternativa à
ameaça da globalização de enfraquecer as identidades e singularidades locais e com isso
homogeneizar os espaços, Carlos reforça as idéias deste ao explicar a existência de um
sentimento de estranhamento que surge para os que vivem nas áreas que num determinado
momento se voltam para a atividade turística (CARLOS, 1996, p. 26).
No entanto é Luchiari que, mais uma vez, alerta para o significado que a
transformação do espaço pode ter caso se insista em colocar o foco das avaliações sempre
sobre os impactos negativos decorrentes da atividade turística sobre o espaço, os lugares e as
identidades:
O que é analisado como declínio dos lugares turísticos pelo adensamento das
residências, das infra-estruturas, pela concentração de pessoas e pelo apinhamento
das paisagens pode ser sinal de uma transformação histórica dos lugares, os quais
deixam para trás a determinação turística para produzir um novo lugar em
conexão sistêmica com o mundo. (LUCHIARI, 1998, p. 23).
39
Entre o setor turístico e as comunidades receptoras o primeiro ganha a
hegemonia das representações da paisagem. A população local, dominada pelo
olhar externo, faz uma reavaliação seletiva de si mesma e de sua região. Este
processo altera as percepções individuais e imprime uma nova valoração da
paisagem circundante e da cultura local a partir da substituição de hábitos e
comportamentos, da implantação de outras formas de apropriação da natureza e de
um novo estilo de vida tomado como referência para relativizar a sociedade local
e seu modo de vida. (LUCHIARI, 1998, p. 25).
No terceiro capítulo será aprofundada a discussão sobre este tema - identidade e
globalização - buscando a compreensão do significado da relação entre o global e o local,
desta ligação que se estabelece, de maneira cada vez mais forte, entre o lugar e o mundo.
1.6 Considerações parciais
O turismo é muito diverso quanto a suas formas de realização, suas motivações,
seus impactos, os lugares onde pode acontecer, etc., por isso toda generalização na sua
análise acaba sendo inválida. Como afirma Luchiari (1998, p. 15): “Há tantas formas de
turismo como possibilidades de análise desta atividade”.
Carlos (1996), por exemplo, ao analisar os impactos do turismo sobre os lugares e
as transformações espaciais ocorridas, generaliza a atividade sob uma de suas formas de
realização: o turismo de massa, especialmente aquele realizado através de pacotes turísticos,
por grandes grupos acompanhados por guias e um roteiro predefinido. Esta generalização
fica clara, por exemplo, na afirmação:
[...] o espaço se transforma em cenário para o ‘espetáculo’ para uma multidão
amorfa mediante a criação de uma série de atividades que conduzem a
passividade, produzindo apenas a ilusão da evasão, e, desse modo, o real é
metamorfoseado, transfigurado, para seduzir e fascinar. (CARLOS, 1996, p. 26).
Certamente esta é uma modalidade de turismo de grande relevância para diversas
destinações turísticas, mas não é a única. Por isso, afirmar que o espaço se transforma em
cenário, vazio de significado e de identidade, conseqüentemente não se constituindo em um
lugar, no sentido rigoroso que a geografia dá a este termo é aceitável, mas não é regra e
necessita de aprofundamento. O Turismo cria, algumas vezes, não lugares para os turistas,
que não se identificam, não participam e não interagem com o cenário produzido, apenas o
admiram e/ou utilizam superficial e passivamente, sem uma apropriação efetiva. No entanto
40
este mesmo espaço tem significado e identidade para os cidadãos que cotidianamente nele
trabalham ou vivem e que, de alguma forma, dele se apropriam. Ou seja, para estas pessoas
este é um lugar.
Além disso, deve-se considerar a relação que se estabelece entre o espaço e o
turista proveniente de outras modalidades de turismo, não para avaliar a atividade e sim para
analisar a apropriação espacial decorrente.
Acredita-se que turistas provenientes de outras modalidades de turismo, como
aquele que viaja por conta própria ou aquele que possui uma segunda residência em cidade
turística, apropria-se do espaço de forma diferente daquele ‘turista de pacote’,
estabelecendo um cotidiano, que permite a criação de uma identidade.
Os artigos analisados neste primeiro capítulo, ou seja, parte relevante da literatura
brasileira sobre turismo publicada no final da década de 1990, quando o turismo começa a
tomar fôlego como estudo científico e acadêmico, têm algo importante para acrescentar
sobre a relação da atividade turística com os processos transformadores do espaço, pois
buscam pontos de vista diferentes, focando diversas questões. No entanto, grande parte
deles trata de temas muito específicos e ao mesmo tempo generalistas: tratam de
especificidades, particularidades, dimensões delimitadas como se falassem do turismo de
forma geral; ao mesmo tempo, generalizam o turismo como se tivessem encontrado uma
definição que resumisse esta complexa e ampla atividade. A fragmentação não invalida as
análises e discussões, ao contrário, elas são necessárias, mas é também essencial que se
tome cuidado para que esta fragmentação fique clara e as generalizações não acabem por
tornar incorretas algumas análises.
A literatura revisada apesar de apresentar análises relevantes sobre as principais
características da relação entre espaço e turismo é bastante fragmentada e dificulta
compreender e relacionar causas e conseqüências das transformações espaciais e os
impactos gerados com as motivações do fazer turismo.
A análise destes textos permitiu ponderar que talvez exista uma lacuna presente
comum em todos eles: a relação existente entre motivação dos turistas para viajar para o
destino, motivações das pessoas locais em receber estes turistas e os impactos gerados pela
atividade turística. Acredita-se que estas motivações podem ter influência direta com a
relação que se estabelece entre espaço e atividade turística, turista e lugar, lugar e
identidade. Alguns autores tangenciam ou deixam transparecer, mesmo que de forma não
41
intencional, esta questão, outros realmente ignoram completamente o fato.
42
2 RESGATE CRÍTICO DE ESTUDOS DE CASOS EXISTENTES
A partir da análise crítica de estudos de caso realizados por alguns geógrafos foi
possível constatar que os impactos sócio-espaciais provocados pelo turismo sobre diversos
territórios podem ser interpretados através de um olhar geográfico mais profundo e
cuidadoso, permitindo compreender melhor as questões relacionadas à urbanização,
identidade e conceito de lugar. Assim, recorre-se neste capítulo a alguns estudos existentes
na literatura, com o intuito de se refletir sobre a utilização dos conceitos geográficos na
análise de impactos sócio-espaciais decorrentes da atividade turística. Por isso, no terceiro
capítulo estes conceitos serão retomados para serem discutidos e avaliados sobre qual
maneira podem e/ ou devem ser contextualizados e correlacionados com a atividade
turística, alinhavando o primeiro e segundo capítulos.
2.1 Angra dos Reis
A análise do caso de Angra dos Reis será feita a partir de dois trabalhos realizados
sobre este município: o primeiro, de Ana Cláudia de Miranda Dantas (1993), aborda
principalmente o processo de elaboração do Plano Diretor, na gestão 1989-1992, utilizado
como instrumento motivador da participação popular no planejamento urbano; o segundo,
de Cássio Veloso de Abreu (2005), aborda a produção e a apropriação do espaço focando os
modelos de gestão e planejamento e os principais agentes atuantes desde o seu
descobrimento pelos portugueses (1502) até o ano de 2005. Em ambos os trabalhos a
atividade turística aparece como coadjuvante nos processos analisados. No trabalho de
Dantas, focado nas políticas públicas urbanas, especialmente na tentativa de implantação de
uma gestão administrativa participativa, o turismo aparece relacionado aos principais
conflitos sociais. Na análise de Abreu fica claro que o incentivo ao desenvolvimento
turístico é a justificativa recorrente de praticamente todas as intervenções espaciais a partir
de 1970, sem, contudo, ser a principal atividade econômica ou ter forte representatividade
política.
43
Angra dos Reis localiza-se no sul do Estado do Rio de Janeiro, distante 157 Km
da capital fluminense e 380 Km da cidade de São Paulo, às margens da rodovia Rio-Santos
(BR-101). O município possui 365 ilhas e uma área de 816,3 km
2
. Sua população é de
aproximadamente 140.000 habitantes. Os municípios limítrofes são Paraty, Rio Claro e
Mangaratiba no território fluminense e Bananal e São José do Barreiro no lado paulista. As
usinas nucleares da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto situam-se em Angra dos
Reis, no distrito de Cunhambebe e são responsáveis pelo fornecimento de grande parte da
energia elétrica consumida no Estado do Rio de Janeiro. As atividades econômicas giram
em torno da pesca e atividades portuárias (terminal petrolífero), da geração de energia nas
usinas Angra I e Angra II, da indústria, do comércio e serviços, da indústria naval (estaleiro
Keppel Fels, antigo Verolme) e também do turismo, em suas praias, ilhas e locais de
mergulho submarino, principalmente na Ilha Grande.
16
Durante a maior parte de sua história, as restrições de acesso dificultaram a
ocupação da região e condicionaram um certo isolamento de Angra dos Reis. Somente a
partir da segunda metade do século XX, principalmente através da rodovia RJ-155, a
comunicação com os principais centros do país foi intensificada. Mas especialmente após
1970, com o trecho Rio-Santos da BR-101 é que se estabeleceu “um novo processo de
desenvolvimento com novos ritmos de crescimento populacional” (ABREU, 2005, p. 23).
Destaca-se que “um ciclo de intervenções, gestado fora do município e calcado em
interesses exógenos à dinâmica local” (ABREU, 2005, p. 16) contribuiu para o surgimento
de novos agentes e circuitos econômicos delineadores de novas configurações espaciais. Em
1969, o município foi declarado Área de Segurança Nacional, ocorrendo perda de parte de
seu poder político (DANTAS, 1993, p. 92). Os investimentos promovidos pelo Estado,
identificados como empreendimentos estratégicos federais, aconteceram em três momentos
distintos ao longo do século XX: primeiro, a construção do Porto de Angra dos Reis (1932);
segundo, a implantação do Estaleiro Verolme (1959); e por fim a inauguração da rodovia
BR-101 (1974), do Terminal de Petróleo (1977) e da Usina Nuclear (1985). Em comum,
além do mesmo agente promotor - o Estado, estes investimentos impactaram
significativamente na dinâmica social preexistente. O desenvolvimento industrial de Angra
não foi, portanto, “produto do processo de acumulação da própria região, e tanto sua oferta
quanto a sua demanda estão orientadas para outras regiões” (GUANZIROLI apud ABREU,
16
Informação divulgada no site <http://www.turismo.gov.br>. Acesso em: 25 abr. 2006.
44
2005, p. 32) que de alguma forma, por este motivo, influenciam na produção do espaço
de Angra.
Desencadeou-se um processo de crescimento populacional superior ao da média
brasileira. O número de habitantes do município cresceu 80% acima do que seria
esperado pelo Censo do IBGE. As obras de instalação dos empreendimentos
trouxeram um grande número de trabalhadores, que após o término das
construções permaneceram residindo no município. Apesar disto, não houve
realização de um investimento adequado em infra-estrutura, correspondente ao
processo de incremento populacional, por parte das empresas ou do poder público.
(DANTAS, 1993, p. 92).
O sítio físico, especialmente o ambiente natural, figura como um dos
condicionantes dos processos de desenvolvimento socioeconômico do espaço regional,
representando potencial para o turismo e ao mesmo tempo impondo restrições à ocupação e
uso do solo (ABREU, 2002, p. 16).
A expansão urbana que se seguiu e a pressão para ocupação territorial para fins
urbanos e agrícolas que persiste até hoje, esgotou os melhores estoques de solo disponíveis,
direcionando a ocupação para áreas cada vez menos aptas às novas formas de uso. Isto tem
gerado degradação ambiental no município através do consumo ilegal de áreas sob proteção
de leis ambientais (ABREU, 2005, p. 23).
A classe alta apropriou-se das áreas melhor situadas fisicamente, em termos de
beleza natural, privatizando praticamente todo o litoral angrense. Agricultores e
pescadores passaram a ocupar os morros da cidade (numa altura muito além da
permitida, 60m) e os bairros periféricos, sem qualquer infra-estrutura básica.
(DANTAS, 1993, p. 93).
O diferencial da abordagem de Abreu na análise do destino turístico, em relação à
literatura avaliada no primeiro capítulo, é exatamente a ênfase para a identificação dos
principais atores e dos modelos de gestão e políticas públicas.
Os principais atores sociais que participam dos processos de produção do lugar
turístico e do espaço urbano em Angra dos Reis identificados pelo autor formam dois
grupos com interesses bem diferentes e, em geral, divergentes. De um lado encontram-se as
organizações ambientalistas, os empresários do setor turístico não vinculados ao capital
imobiliário, os pequenos produtores rurais e as comunidades tradicionais; de outro lado
45
apresenta-se o capital turístico-imobiliário (ABREU, 2005, p. 03)
17
.
Abreu (2005) analisa os conflitos entre os interesses dos atores com diferentes
concepções sobre a atividade turística no município de Angra dos Reis e identifica os
pontos positivos e críticos das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento urbano,
ambiental e turístico do Município, desde 1992 quando foi publicado o Plano Diretor
Municipal. Dessa forma ele apresenta a exploração do lugar pelo turismo e o capital
turístico-imobiliário e suas formas de apropriação do espaço, objetivando esboçar um
quadro das condições físicas, sociais e econômicas que produziram o lugar turístico de
Angra dos Reis, seus conflitos e contradições.
Partindo “da compreensão de que o processo de urbanização dos municípios que,
dotados de amenidades e situados nas proximidades de grandes centros de produção e
consumo, tem sido, sobremaneira, influenciado pela construção de residências secundárias”
(ABREU, 2005, p. 05), o autor acredita que em Angra este processo vem condicionando o
desenvolvimento local ao capital imobiliário e intensificando os contrastes entre as áreas
ocupadas pelos turistas e aquelas desprovidas de infra-estrutura, ocupadas pelos grupos
sociais excluídos.
Para tratar a evolução urbana do município, o autor identifica em Angra uma fase
pré-turística e uma fase turística, cujo marco divisório foi a construção da Rodovia Federal
BR-101 (ABREU, 2005, p. 05).
Abreu (2005, p. 46) argumenta que a fase denominada turística em Angra dos Reis
está vinculada a uma urbanização “que emergiu preferencialmente por razões vinculadas
com a produção - em razão das indústrias ali instaladas e das atividades essencialmente
imobiliárias geradas por esse processo”, e que o que caracteriza a fase “turística” de Angra
dos Reis é a forte presença do chamado “capital turístico-imobiliário”, uma vez que o aporte
do capital imobiliário em Angra se justificou através do apelo ao turismo, e,
conseqüentemente, a atividade produtiva deste setor.
17
A denominação capital turístico-imobiliário é dada por Abreu (2005, p. 02-03) ao capital imobiliário que
se serviu do discurso de priorização do desenvolvimento turístico de Angra dos Reis e atua através de
quatro vertentes: implementação de condomínios residenciais destinados a um público de alta renda nas
extensas áreas litorâneas; incorporação à dinâmica imobiliária de porções do território continental
desprovidas de infra-estrutura e pouca acessibilidade, que acarreta elevados custos na ocupação ou
transforma-se apenas em estoque de terra de investidores; incorporação à dinâmica imobiliária da área
insular também como estoque de terras (ainda incipiente em decorrência das limitações naturais de acesso
e das restrições proporcionadas pela legislação ambiental); incorporação à dinâmica imobiliária do centro
da cidade, através da valorização oriunda das intervenções e dos projetos de reabilitação para novos
46
Esta fase turística, vinculada à implementação do trecho Rio-Santos da BR-101,
acirrou os problemas e conflitos ambientais e somou a eles os conflitos sociais deflagrados
pelas novas possibilidades de acumulação (ABREU, 2005, p. 24).
As transformações de Angra dos Reis ocorridas a partir do seu marco da fase
turística, a implementação da rodovia Rio-Santos, redefiniram a articulação dos agentes que
participam da produção do espaço urbano angrense:
De imediato, os terrenos lindeiros à orla marítima sofreram uma grande
valorização, acarretando, dentre outros desdobramentos, a expulsão da população
nativa, a privatização das praias e, consequentemente, a instauração de diversos
conflitos fundiários na região. (ABREU, 2005, p. 02).
Os estudos prévios de viabilidade técnico-econômica para a implantação da
rodovia Rio-Santos defendiam, além da promoção do turismo e a intercomunicação viária
de distritos industriais, o atendimento do crescimento urbano e a transformação da estrutura
agrária preexistente. No entanto o que se observou posteriormente é que nenhuma ação foi
implementada em relação ao desenvolvimento agrário.
O que se verificou foi a total prioridade para facilitar as atividades do capital
turístico-imobiliário, permitindo que este setor se expandisse aceleradamente. Os
latifúndios se mantiveram, agora supervalorizados pela estrada recém construída e
sem interesse na produção rural. Tais propriedades acabaram se tornando um
grande estoque para as atividades imobiliárias. A conseqüente pressão para a
retirada dos camponeses destas terras deflagrou uma considerável profusão de
conflitos pela posse das mesmas. (ABREU, 2005, p. 48).
A ação seguinte do governo federal foi criar o projeto TURIS, um plano de
desenvolvimento turístico da região, destinando as praias e ilhas de Angra ao turismo
voltado para a classe “A”, inspirado na ocupação turística que acontecia na orla
mediterrânea francesa (ABREU, 2005). Este projeto se baseou nas aptidões naturais da
região (praias e belezas cênicas) sem considerar as relações de produção que transformariam
tais aptidões. Ou seja, a grande atração de mão de obra não qualificada sem a devida
contrapartida de ações sociais fez surgirem invasões de áreas e bairros inteiros desprovidos
de infra-estrutura urbana. Por outro lado, complexos imobiliários de grande e pequeno porte
se instalaram rapidamente, apropriando-se de grandes extensões de terrenos costeiros,
restringindo o acesso à praia para o uso exclusivo dos turistas (ABREU, 2005).
Neste contexto as principais transformações espaciais ocorridas foram: alterações
padrões de consumo.
47
da paisagem, mudanças na morfologia urbana, impactos ambientais e desenvolvimento de
novas formas de apropriação espacial que geram exclusão e segregação sócio-espacial.
A paisagem foi alterada através de consumo de áreas de florestas em encostas de
inclinação elevada, margens de rios, mangues e mar, impedindo inclusive que estes sejam
avistados em longos trechos urbanizados. Também houve alteração significativa na
arquitetura. Segundo Abreu estas transformações afetam diretamente a construção da
identidade e capacidade de identificação da população local com os valores e características
tradicionais, já reconhecidos localmente.
Para complementar o diagnóstico sobre os impactos da rodovia Rio-Santos em
Angra dos Reis, Abreu analisa as relações entre a produção do espaço e o consumo da
paisagem através dos reflexos na morfologia urbana. Esta análise revela a transformação da
paisagem em mercadoria e também a alteração do significado e, conseqüentemente, da
identidade da cidade. Antes de iniciar-se a fase turística, observa-se que:
Em Angra dos Reis, assim como em muitos outros núcleos urbanos coloniais, a
configuração urbana era representativa do poder convergente.O significado da
cidade de então está sintetizado no centro histórico, onde a presença dos
monumentos tem um lugar de representação ‘central’, visível de todos os pontos,
lugar de convergência, lugar do poder civil e religioso efetivado pela produção
mercantil, pela relação cidade-campo. (ABREU, 2005, p. 55).
No centro histórico, a arquitetura e a estrutura urbana revelam também os
condicionantes históricos do desenvolvimento da cidade: produção da arquitetura baseada
no trabalho escravo, o nível tecnológico rudimentar, a uniformidade dos terrenos, as
limitações topográficas, a escolha das áreas “sujas” junto ao mar e a estrutura urbana
voltada para o interior. Nos núcleos de pescadores dispersos ao longo da orla marítima, por
sua vez, formaram-se estruturas urbanas diferenciadas para atender a atividade principal
desenvolvida. Tanto o centro histórico quanto os núcleos de pescadores tem um significado
que estabelece uma identidade a cada lugar (ABREU, 2005).
A fase turística altera estes significados e estabelece novas relações com o espaço:
O centro antigo tornou-se um fragmento da cidade contemporânea sem a relação
de representação que tinha antes. A massa construtiva genérica que se produziu na
cidade, desprovida de qualidade arquitetônica, não se qualifica mais por uma
relação de representatividade ou de identidade. Tal relação se deu, após a fase
turística, conforme a lógica da produção do espaço na cidade capitalista, mediado
pelas regulamentações normativas. Todavia, o processo de produção desse espaço
ocorre mais em razão da lógica da maximização dos ganhos do capital do que pela
regulamentação normativa, salvo aonde esta regulamentação se adequa aos
interesses hegemônicos. [...] Se por um lado se observa a exploração máxima dos
recursos naturais através de sua apropriação (aterros hidráulicos, canais) e
48
monopolização (privatização de praias) pelos resorts ou condomínios de luxo,
por outro, se nota a disputa para a utilização máxima de cada palmo de terreno nas
invasões e favelas (em muitos casos com finalidades especulativas, incluindo aí o
aluguel de segundas residências). (ABREU, 2005, p. 57).
Figuras 1 e 2: Fotos de Angra dos Reis que revelam o consumo de áreas de encostas, destinadas à
preservação, e a privatização e restrição de acesso às praias.
Figuras 3 e 4: Fotos que mostram o contraste entre os estilos arquitetônicos das construções
voltadas para o turismo e as construções do centro histórico.
Nesta análise, Abreu consegue identificar simultaneamente dois impactos
negativos do capital turístico imobiliário sobre o lugar: primeiro, a transformação da
identidade; segundo, o conflito que se estabelece pelo espaço urbano. Sobre este conflito
nota-se a expulsão e exclusão da população local e a prioridade que se dá ao consumidor no
lugar do cidadão. Sobre a dissolução da identidade existente, pode-se imaginar várias
conseqüências: dificuldade de preservação do patrimônio histórico e cultural pela própria
população angrense e desenvolvimento de processo de aculturação. Uma das conseqüências
concretas apontada por Abreu é a utilização de referências exógenas da arquitetura e do
estilo dos empreendimentos turístico-imobiliários da fase turística. Para ele “o significado
dessa cidade do ponto de vista arquitetônico não será apreensível por seus próprios
habitantes” (ABREU, 2005, p. 59). Este fenômeno reforça o argumento de Carlos (1996),
49
exposto no primeiro capítulo, sobre o surgimento do sentimento de estranhamento dos
habitantes locais em relação ao lugar.
A urbanização foi e ainda é um dos processos mais afetados pelo capital
imobiliário, devido à força econômica e política de seus agentes. As novas formas de
apropriação incluem restrição e fechamento de acesso às praias e investimentos em infra-
estrutura básica e equipamentos públicos distribuídos de forma desigual na área do
município de forma a privilegiar as áreas destinadas aos turistas.
Foi neste contexto que em 1988 o Partido dos Trabalhadores ganhou as eleições
municipais com a proposta de uma gestão democrática e a inversão das prioridades na
administração pública. O momento era também favorável porque, após longo período de
intervenção federal, o município havia recuperado sua autonomia política pouco tempo
antes, com a realização de eleições para Prefeito em 1985.
A proposta de campanha foi posta em prática principalmente através da elaboração
do Plano Diretor num processo intenso de reuniões com as associações de moradores locais,
que se baseava também na Constituição Federal de 1988 que, através do capítulo que trata
de Política Urbana, havia instituído a obrigatoriedade de Planos Diretores para cidades com
mais de 20.000 habitantes (ABREU, 2005).
A proposta para o Plano Diretor de Angra dos Reis buscava fazer deste um
instrumento de reforma urbana e municipal. Pretendia-se por em prática um
processo de planejamento no qual a participação da população fosse efetiva, ao
invés de servir como veículo legitimador das decisões dos dirigentes. (DANTAS,
1993, p. 93).
O plano foi elaborado em duas etapas. Na primeira, foi confeccionado um
Diagnóstico Municipal, a partir de pesquisas bibliográficas, levantamento de dados
censitários, visitas às localidades e entrevistas com moradores e representantes
comunitários. Na segunda fase, o município foi dividido em seis fóruns regionais (sendo as
localidades agrupadas em função de proximidade física ou do reconhecimento de
características semelhantes) e foram promovidos debates sobre os temas referentes ao que
deveria ser legislado pelo Plano (DANTAS, 1993).
A participação da população nos fóruns de debate não se deu em função do
critério de inserção em algum tipo de entidade civil. A Secretaria de Planejamento
convocou todos os moradores, através dos jornais e rádios da cidade, a participar
do processo. O governo Municipal propunha-se a discutir o futuro de Angra dos
Reis. [...] Cumpre ressaltar que no início dos trabalhos a equipe técnica
considerou que só deveriam participar das reuniões os setores populares,
entendendo que um governo democrático deveria ter como meta o atendimento
50
dos interesses das classes de baixa renda. No entanto, a partir da segunda
reunião temática
18
, os empresários locais, tendo tomado consciência da
importância da legislação do Plano Diretor e de que não seriam consultados a seu
respeito, articularam-se de modo a garantir sua inserção no processo que tomava
corpo no município.
Esse fato, apesar de não ter feito parte da concepção da metodologia participativa,
teve papel fundamental na politização dos debates. Os representantes populares
tiveram a oportunidade de reformular a percepção que tinham dos empresários,
passando a reconhecê-los como portadores de interesses e projetos antagônicos
aos seus. (DANTAS, 1993, p. 93-95).
Para Dantas (1993, p. 98) os principais méritos dessa experiência de gestão foram
“a formulação do conceito de injustiça associado à noção de exclusão social” e “a maneira
pela qual a população, apropriando-se dos valores e conhecimentos transferidos pelos
agentes municipais, passou a participar da construção do seu cotidiano de forma
diferenciada”. Outro mérito que deve ser destacado pela experiência da gestão participativa
foi a tomada de consciência por parte de grande parcela da população sobre quem eram os
principais agentes responsáveis pela produção do espaço em Angra dos Reis: o setor
imobiliário e, durante muitos anos, o poder público federal. O governo municipal,
subordinado ao federal até 1985, participava deste processo criando as condições
necessárias para que fossem colocadas em prática as medidas que privilegiavam a atração e
o atendimento das demandas dos potenciais turistas provenientes das classes econômicas
mais altas das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. A partir da apreensão deste
conhecimento, a população teve melhores condições de compreender a dinâmica
socioespacial do município e se organizar para criar uma resistência à continuidade do
processo de segregação e exclusão.
Depois de aprovado o plano, em dezembro de 1991, iniciou-se o processo de
implantação de seus instrumentos, dentre os quais se destaca o Conselho Municipal de
Urbanismo e Meio Ambiente (CMUMA) que centralizava todas as questões referentes à
Política Urbana. A análise das atribuições e da trajetória deste Conselho revela, no entanto,
como gradativamente a gestão democrática e participativa proposta foi se limitando as
questões pontuais e dando espaço ao empresariamento
19
.
O texto legal, que define as atribuições do CMUMA, não define se o Conselho é
18
Foram realizadas quatro reuniões temáticas em cada fórum regional (DANTAS, 1993).
19
O termo empresariamento foi tomado de Harvey (1996), referindo-se ao comportamento empresarial das
administrações públicas urbanas de países capitalistas, nas décadas de 1980 e 1990, em relação ao
desenvolvimento econômico local.
51
deliberativo ou consultivo, estabelecendo apenas que determinados projetos e propostas
devem ser ‘apreciados’ pelos membros do Conselho (ABREU, 2005, p.71).
Outra crítica que se faz à atuação do Conselho é a prioridade e importância dada às
reuniões que tratam de “análise de projetos de empreendimentos” de médio e grande porte
em detrimento daquelas que abordam outras questões, inclusive as relativas à legislação
urbanística (ABREU, 2005, p. 73).
Critica-se também o fato do CMUMA não estar suscitando novas reflexões e
discussões, limitando-se a atuar dentro de suas atribuições legais. Nota-se uma progressiva
desmobilização da comunidade e dos membros do Conselho induzida pela própria
Prefeitura, especialmente na administração municipal 2001/2004, além de já ter sido
constatado que a representação setorial da sociedade está inadequada.
Ainda assim, considera-se que o CMUMA representa um ganho para a população
local de baixa renda. Exemplo disso são as contrapartidas obtidas durante as negociações
para aprovação de certos projetos: pavimentação de ruas, urbanização de logradouros,
construção de um equipamento comunitário, entre outras (ABREU, 2005, p. 75).
As soluções para as críticas apontam para a revisão do Plano Diretor e a
reestruturação do CMUMA (ABREU, 2005, p. 80). Isto fica ainda mais evidente quando se
admite que “novos processos caracterizam a atual fase do capitalismo em que uma nova
lógica de acumulação imprime à escala local a competição internacional [...]” (ABREU,
2005, p. 82)
Sobre a produção espacial especialmente influenciada pelo contexto atual de
competição internacional entre as cidades, Abreu (2005, p. 82) afirma:
A proximidade geográfica de Angra dos Reis com o Rio [de Janeiro] e São Paulo
associada à sua grande concentração imobiliária de alto luxo a coloca em
conjunção com dois dos maiores centros urbanos da América Latina quanto à sua
capacidade potencial atrativa de investimentos. Assim, a competitividade, a
requalificação dos espaços, o rearranjo de populações e equipamentos segundo as
grandes flutuações de mercado são condicionantes impostos pelos novos
processos urbanos também incidentes na contínua re-produção desse espaço.
Segundo Abreu (2005) o exemplo mais significativo para caracterizar a gestão
empresarial que vem se estabelecendo no município é o Projeto Orla, uma intervenção na
orla marítima da área central, com o objetivo de requalificá-la tendo como justificativa,
mais uma vez, o turismo.
Através de parcerias público-privadas, a iniciativa privada deverá investir recursos
52
no projeto. O empresariamento evidencia-se através das contrapartidas oferecidas como
reservas de áreas para implantação de conjuntos residenciais para demanda solvável
20
, ou
seja, veranistas de alta renda (ABREU, 2005, p. 86).
Em 2003, a descoberta de gás e óleo na Bacia de Santos, juntamente com o novo
estímulo governamental para a indústria naval e a retomada do projeto do Reator Nuclear de
Angra 3, em 2005, geram expectativa do ‘empresariamento’ pela opção de qualificar Angra
como exportadora de bens e serviços, diferente da opção pelo turismo (espaço de consumo
global). Os rumos desta escolha, caso ela realmente seja feita, ainda não estão definidos,
mas os setores ligados ao capital imobiliário, de qualquer forma, terão o campo de atuação
favorecido.
Todavia, seja qual for o processo de desenvolvimento, o padrão de urbanização
decorrente - turística ou industrial - dará poucas chances à inclusão dos grupos
sociais alheios aos benefícios dos processos urbanos atuais, tendo em vista a
hegemonia dos interesses imobiliários em razão da atual aliança desses interesses
com o agente estatal em nível local. Ao que parece, já não é crível ocorrer um
reorientação no jogo que aponte para o turismo em face do alto nível de
investimento necessário. Porém, se isso ocorrer, há ainda a pouca possibilidade, a
curto e médio prazo, do processo se dar segundo a determinação de uma gestão
participativa e, portanto, tem-se a forte indicação da contínua (e talvez crescente)
exclusão social no processo de produção e consumo do espaço de Angra.
(ABREU, 2005, p. 104).
O caso de Angra dos Reis exemplifica como a urbanização turística provoca
transformações na paisagem e altera a dinâmica de produção e consumo do espaço, ainda
que, viabilizada, quase que exclusivamente, pela força do capital-turístico-imobiliário,
especialmente através de construção de residências secundárias e grandes complexos que
oferecem infra-estrutura adequada para o lazer dos veranistas de alta renda. A identidade e a
noção de lugar também são transformadas por processos deflagrados pela atividade turística.
2.2 Lavras Novas
A análise do caso do distrito de Lavras Novas baseia-se principalmente na
pesquisa, com enfoque antropológico, de Nelson Antônio Quadros Vieira Filho sobre esta
localidade, materializada através de dois artigos publicados em 2005 em anais de seminários
20
Demanda que pode solver ou pagar.
53
sobre turismo. Outro estudo, de Cláudio Resende Ribeiro (2000), contribuiu para a
compreensão das questões relacionadas à preservação do patrimônio e dinâmica da
evolução urbana local. Visitas técnicas e entrevistas orais realizadas com moradores do
distrito e funcionários da Prefeitura Municipal de Ouro Preto completam as informações
para esta análise.
O distrito de Lavras Novas localiza-se no município de Ouro Preto, a 17Km da
sede e a 118Km de Belo Horizonte. Sua proximidade com um grande centro emissor de
turistas - a capital do Estado - e sua localização em uma área histórica, tradicionalmente
turística, possibilitam a investigação sobre impactos relacionados à extensão das cidades, ao
estabelecimento de segundas residências, entre outros.
De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
a população de Lavras Novas cresceu substantivamente ao longo da década de 90, passando
de 681 habitantes em 1991, para 771 em 2000. A estimativa é que a comunidade tenha
atualmente cerca de 800 habitantes (VIEIRA FILHO, 2005a).
Em outubro de 2005, após a elaboração de um projeto de lei
21
, que atendia a uma
demanda da comunidade, manifestada através de um abaixo assinado, Lavras Novas foi
elevada à categoria de distrito de Ouro Preto. Até então sua situação político administrativa
era de subdistrito de Ouro Preto. A cerimônia oficial da aprovação da lei teve a participação
das principais instituições atuantes em Lavras Novas: Associação para o desenvolvimento
de Lavras Novas (ALN); Conselho de Segurança Pública (CONSEP); a Mesa
Administrativa da Irmandade Nossa Senhora dos Prazeres; e a ONG Grupo Ecológico
Lavras Vivas
22
.
Para Ouro Preto, município histórico já consagrado, que recebe inclusive turistas
estrangeiros, o distrito de Lavras Novas tem se destacado como um destino turístico de
grande atratividade, causando preocupação junto ao poder público local, devido a processos
de aculturação e comprometimento da identidade local, impactos sobre o meio ambiente,
transformações paisagísticas e novas funções e formas que o espaço vem adquirindo.
A Prefeitura Municipal de Ouro Preto, através da Secretaria de Cultura e
Patrimônio Histórico, está empenhada atualmente em realizar os inventários de todos os
21
Projeto de Lei elaborado pelo vereador Flávio Andrade.
22
Informações fornecidas por Rosilene Barbosa, secretária da ANL, em entrevista realizada em setembro de
2005.
54
distritos do município. Uma empresa contratada
23
está responsabilizada pelo inventário
do patrimônio imaterial de todos os distritos (exceto o distrito-sede) que deverá ser
concluído até dezembro de 2006. Já o inventário dos bens móveis e imóveis está sendo
realizado pela própria Secretaria. Este trabalho foi iniciado em setembro de 2005 com o
distrito de São Bartolomeu, para o qual a Secretaria de Cultura e Patrimônio Histórico foi
responsabilizada pelos bens imóveis, o que inclui a produção de uma planta cadastral
atualizada. O inventário dos bens móveis também está sendo executado pela Secretaria de
Cultura e Patrimônio. O próximo distrito a ser contemplado pelos trabalhos, provavelmente,
será Lavras Novas, exatamente porque a grande pressão do turismo na localidade tem
gerado preocupação em relação à preservação de seu patrimônio arquitetônico
24
.
Lavras Novas, apesar de situar-se em um município de grande destaque
arquitetônico e importância histórica no estado de Minas Gerais, é bastante carente de
documentação e registros históricos. Um dos motivos para que a documentação sobre
Lavras Novas seja falha deve-se ao fato do povoado ter ficado de fora dos principais
eventos mineiros, como a Guerra dos Emboabas, o Levante de Vila Rica e a Inconfidência
Mineira. O que também prejudicou os registros é o fato de Lavras Novas estar fora do
caminho da Estrada Real. Mesmo o trecho utilizado em parte para o acesso ao distrito,
asfaltado em 1999/2000 ligando Ouro Preto a Ouro Branco e que vem sendo divulgado
como sendo parte da Estrada Real fazia parte, na verdade, da Estrada Imperial, bem mais
recente (1840/1850). O que se sabe, portanto, é que Lavras Novas sofreu no século XIX
declínio sócio-econômico assim como praticamente todas as comunidades do estado de
Minas Gerais, devido a diminuição drástica do ouro de aluvião
25
.
O próprio nome, Lavras Novas, contribui para confirmar a existência de ouro e
atividade mineradora no local: “os núcleos de população que se formaram no território
mineiro receberam os nomes que lhes foram dados pelos bandeirantes e outros povoadores,
inspirados tanto nos aspectos oferecidos pela natureza como no sentimento religioso”
(COSTA, 1970, p. 127).
O local também era conhecido como Mina dos Prazeres, fazendo referência tanto à
23
Empresa Memória Arquitetura. A mesma já havia elaborado anteriormente o Plano de Inventário do
Acervo Cultural.
24
Informações fornecidas através de entrevista realizada em 10 de novembro de 2005 com a arquiteta Paola
de Macedo Dias, funcionária da Secretaria Municipal de Cultura e Patrimônio Histórico de Ouro Preto.
25
Informações adquiridas através de entrevista com o historiador Alex Bohrer, funcionário da Secretaria
Municipal de Cultura e Patrimônio Histórico de Ouro Preto, concedida em 10 de novembro de 2005.
55
natureza como à religião, uma vez que o distrito tem como padroeira Nossa Senhora dos
Prazeres. Segundo Ribeiro (2000, p. 43):
Mina dos Prazeres, como era conhecida Lavras Novas, foi fundada por volta de
1704 por Antônio Fernandes e Feliciano Cardoso, filhos do coronel Salvador
Fernandes, um dos bandeirantes que mais terras descobriu em Minas. Sua matriz
foi erguida por volta de 1762, em substituição à antiga capela, também consagrada
a Nossa Senhora dos Prazeres, erigida à época da ocupação inicial do arraial.
Esta carência de documentação oficial acabou por facilitar a criação de lendas e
mitos sobre a história do lugar. Um dos mitos mais divulgado é sobre a origem do povoado
estar relacionada com a formação de um quilombo. Apesar da ausência de provas
documentais, vários indícios e características da ocupação do lugar negam sua veracidade.
Em primeiro lugar, a igreja Nossa Senhora dos Prazeres é construída em pedra, assim como
a cruz, o que não era costume nos quilombos que possuíam uma arquitetura bastante
efêmera. Além disso, apesar de bastante simples, ela apresenta características da arquitetura
portuguesa e não influência negra. Em segundo lugar ela foi curada, ou seja, reconhecida e
formalizada pela Igreja, em 1742, época em que esta não aceitava os quilombos, o que
indica que deveria existir uma comunidade branca vivendo ali. As celebrações mais
tradicionais e importantes do povoado são originalmente de pessoas brancas e de nível
social e econômico mais elevado, a exemplo da celebração da Semana Santa, inclusive com
a Cruz do Martírio, e o culto de Senhor dos Passos. A própria padroeira do lugar, Nossa
Senhora dos Prazeres, não é usualmente uma evocação dos descendentes de escravos, ao
contrário de Nossa Senhora Aparecida e Santa Efigênia
26
.
Apesar de sua longa história e da existência de construções centenárias, o distrito
não possui nenhum bem tombado. A ocupação espacial desenvolveu-se a partir de um
traçado linear e, para além da polêmica questão de ter sido ou não originado de um
quilombo, outras particularidades da ocupação do lugar chama a atenção: seu assentamento
parece ter seguido o acampamento original, comuns à época quando se encontrava ouro,
sem a preocupação de projetar um arruamento mais regular como acontecia em geral;
mesmo as construções são peculiares por não serem assobradadas e ainda apresentarem
alpendres incomuns para a época. Esta arquitetura vem, no entanto, sendo transformada e
descaracterizada através de reformas e ampliações, que por vezes estão relacionadas com a
realização direta da atividade turística, no caso de pousadas, casas de aluguel,
26
Informações adquiridas através de entrevista com o historiador Alex Bohrer em 10 de novembro de 2005.
56
estabelecimentos comerciais, e outras vezes são o reflexo do aumento da renda dos
moradores, possibilitada pelo turismo, que buscam através destas intervenções melhorias e
valorização para as construções.
Segundo Vieira Filho, a partir de meados da década de 70, a localização e as
belezas naturais de Lavras Novas, seu conjunto arquitetônico, seu apelo histórico e cultural,
a tranqüilidade da vila e simplicidade de sua gente, seu artesanato de bambu e madeira, bem
como seus eventos festivos e outras manifestações culturais começaram a atrair um
crescente fluxo turístico de Belo Horizonte, Ouro Preto e outras cidades de Minas. Aos
poucos Lavras Novas se transformou no principal centro de atração turística nos arredores
de Ouro Preto.
A trajetória do turismo de Lavras Novas tem certas similaridades com várias
outras comunidades no Brasil e no mundo, onde o crescimento desta atividade
também se deu de forma um tanto caótica, sem o devido planejamento, iniciando-
se com a chegada de ‘hippies’ e ‘mochileiros’, em busca do contato com o
diferente e exótico, com a natureza e cultura local, seguido de um crescente
processo de massificação do turismo (VIEIRA FILHO, 2005a, p. 08).
Para se ter noção do tamanho da população de turistas que a cidade chega a receber
sazonalmente, no feriado de carnaval de 2004 a ALN estima que 1.283 turistas estiveram na
cidade. Na Semana Santa deste mesmo ano o número foi de 1.000 turistas
27
.
Outro dado relevante para se dimensionar o potencial de impacto do turismo na
comunidade é apresentado por Vieira Filho (2005a, p. 09): dados levantados ainda em 1995
indicavam que 16% das casas existentes na localidade pertenciam aos ‘turistas de segunda
residência’ e do total de 22 negócios relacionados ao turismo (pousadas, restaurantes e
bares) apenas 2 pertenciam a ‘nativos’ do lugar.
Estima-se que este impacto não é maior por uma questão histórica de cunho
religioso e cultural no distrito, que dificulta a aquisição de lotes e terrenos: as terras de
Lavras Novas são de ‘propriedade’ de Nossa Senhora dos Prazeres, padroeira do local.
Em algum momento não especificado deste período [século XIX], as terras de
Lavras Novas, passaram então a serem (SIC) denominadas por seus habitantes por
‘Terra da Santa’ ou ‘Patrimônio da Santa’, em referência a sua santa padroeira,
Nossa Senhora dos Prazeres. ‘Terras de santo’, como se sabe, eram normalmente
originárias de terras devolutas que pertenciam ao Estado, foram abandonadas ou
doadas pelos antigos exploradores, proprietários ou ocupantes, às famílias de ex-
escravos, trabalhadores e outros moradores locais, para o uso destes, em nome de
27
A contagem do número de turistas foi realizada por seguranças contratados pela ALN que ficaram
posicionados na entrada da cidade com instruções para anotar as placas dos veículos que entravam na
cidade, distribuir folhetos e contar o número de veículos e passageiros.
57
um santo católico de devoção, através de meios formais ou não.
As terras foram então apropriadas de forma coletiva pela comunidade lavras-
novense, em nome da santa, sendo feitas algumas divisões de áreas para moradia e
uso-fruto das diferentes famílias locais, ainda que permanecendo, do ponto de
vista legal, como terra devoluta. As terras desde então, passaram a ser zeladas e
geridas, na prática, pela população local, através da Mesa Diretora de sua
Irmandade de Nossa Senhora dos Prazeres, formada por homens ‘leigos’ locais,
ainda em meados do século XVIII. (VIEIRA FILHO, 2005(a), p.07 e 08)
A situação das terras só começou a ser legalizada mais tarde diante de um novo
acontecimento que marcou a comunidade:
Por volta dos anos 50, ocorreu um conflito com a Companhia Eletroquímica
Brasileira, que pleiteava uma área de terra da comunidade, para seus fins
econômicos. Como resolução deste conflito, intermediado pela Igreja, parte da
terra da comunidade foi cedida à empresa, em troca de um registro oficial,
apoiado por esta, de uma área de 268 hectares, em nome do ‘Patrimônio de Nossa
Senhora dos Prazeres’. (VIEIRA FILHO, 2005a, p. 08).
Desde a década de 1970, entretanto, a Irmandade de Nossa Senhora dos Prazeres e
a Igreja (representada pela arquidiocese) começaram a entrar em conflito por causa da
propriedade das terras.
A irmandade local [...] motivada inicialmente pela necessidade de pagamento de
uma reforma do cemitério e outras despesas religiosas, bem como dos impostos
relativos à parte legalizada da terra da santa, tinha já na década de 70, começado a
vender parte das terras locais a turistas e outros interessados, dando início, a partir
daí, a um processo de apropriação individual de parte desse patrimônio,
principalmente em sua porção urbana. (VIEIRA FILHO, 2005a, p. 08-09).
Apenas no final dos anos 90 a Irmandade entrou em acordo com a Igreja se
comprometendo a não mais vender as ‘terras da santa’. É apenas neste período que a irmandade
legaliza sua situação tornando-se pessoa jurídica. A partir de então se tornou mais difícil
pessoas de fora da comunidade, ou seja, não ‘irmãos’, adquirirem terrenos em Lavras Novas.
Vieira Filho afirma que boa parte da literatura sobre turismo negligencia, ou reduz
a fatores econômicos, as motivações das populações das regiões dos destinos turísticos para
receber e lidar com o turismo. Ele propõe então uma reflexão sobre os impactos sócio-
culturais do turismo à luz da antropologia para preencher esta lacuna.
O diferencial da abordagem de Vieira Filho é, portanto, estudar os impactos sócio-
culturais sobre a comunidade de Lavras Novas, a partir da análise das motivações das
pessoas locais para receber os turistas, suas percepções dos principais impactos e as formas
encontradas para lidar com o turismo. Partindo deste olhar do cidadão local, ao invés do
olhar do turista, do planejador urbano, do administrador público ou do empreendedor, foi
58
possível verificar como a realização da atividade turística relaciona-se com o processo de
construção da identidade local e outros aspectos da vida social.
Através de entrevistas e participação em diversas atividades da comunidade o autor
conseguiu identificar as transformações na auto-estima e percepção da comunidade sobre si
mesma.
Um dos pontos mais importantes no trabalho de Vieira Filho foi, portanto,
descobrir qual a percepção os lavras-novenses faziam de si mesmo e como essa percepção
foi alterada a partir do advento da atividade turística na localidade. Curiosamente, foi o
confronto entre a percepção dos turistas em relação aos habitantes locais e vice-versa que
forçou os lavras-novenses a reavaliarem sua situação:
As pessoas de Lavras Novas, em sua maioria, eram percebidas ou descritas por
pessoas ‘de fora’ como sendo negras. De outro lado, os lavras-novenses, que
normalmente internalizam certo preconceito a seus sinais de negritude,
reconheciam-se como descendentes e produtos da fusão de negros, brancos e
índios, preferindo descrever-se em relação a sua cor como ‘morenos’. (VIEIRA
FILHO, 2005a, p. 07).
As pessoas integrantes do fluxo turístico que se dirige a Lavras Novas são [...]
geralmente percebidas pelas pessoas locais como sendo brancas e de um nível
sócio-econômico e de escolaridade mais elevado, em relação à maioria dos
‘nativos’. (VIEIRA FILHO, 2005a, p. 09).
Além das questões racial e socioeconômica, os habitantes de Lavras Novas também
se sentiam discriminados em relação a uma de suas principais atividades econômicas: a
fabricação e comercialização de balaios de taquara. Esta situação começa a mudar com o
advento do turismo e a maior exposição da localidade na mídia que, por diversas vezes,
valoriza a fabricação dos balaios, apontando a atividade como uma forte expressão da
cultura local, tradicional e artesanal. A percepção dos lavras-novenses em relação a esta
mudança fica clara através do depoimento de uma moradora:
As pessoas de Ouro Preto, no passado, costumavam falar mal daqui: ‘Terra do
bambu’, ‘terra do balaio’. Eles diziam que só tinha pessoas feias aqui. Agora é
que eles vêem os de Belo Horizonte gostando daqui e aí, com inveja, eles também
passam
a gostar daqui e fazem amizade com a gente. (VIEIRA FILHO, 2005a, p.
11).
A percepção dos turistas em relação a si próprios e em relação às suas atitudes no
local e com os moradores também apresentava certa particularidade:
[...] a maior parte dos visitantes em viagem de lazer na localidade, com os quais
tive contato, tendiam a rejeitar a denominação de “turista” por considerarem este
termo pejorativo, associado ao “outro” visitante que tipicamente consome lugares
superficialmente, em busca de entretenimento. Em seus esforços para se
59
diferenciarem do rótulo de turistas convencionais, normalmente tendiam a
enfatizar sua busca de envolvimento maior com habitantes nativos e seu habitat
[...].
De outro lado, ser ‘nativo’ ou ‘do lugar’ poderia ser tomado não apenas como
uma questão de local de nascimento, mas também de ‘jeito de ser’, que podia ser
adquirido pela convivência ou relacionamento próximo com as pessoas no lugar.
Todavia, uma pessoa que ‘virasse nativo’ ou fosse considerada do lugar, nesse
sentido, podia ainda ser diferenciada daqueles ‘realmente nativos’ ou ‘nativos da
gema’, entendidos como os nascidos, criados e com raízes familiares na
comunidade. (VIEIRA FILHO, 2005b, p. 06-07).
Visitas ao distrito e entrevistas mais recentes por mim realizadas com moradores
revelam que esta situação vem, no entanto, se alterando devido à mudança gradativa do
perfil dos turistas na localidade
28
. Ainda é possível encontrar um grande número destes,
principalmente os de segunda residência, que rejeitam a denominação ‘turista’ e prezam por
um relacionamento mais próximo com os moradores, mas com o aumento do fluxo de
visitantes, aumentou consideravelmente o número de turistas que não se preocupam com
isso, uma vez que procuram conhecer o local motivados pelos seus atributos naturais e
opções de lazer oferecidas e não pela possibilidade de convívio com os lavras-novenses.
Sobre a dinâmica do turismo em Lavras Novas, Antônio Laje
29
afirma que nos
últimos anos tem ocorrido uma mudança de público. Como causa o entrevistado aponta
principalmente a elevação dos custos com hospedagem e alimentação para os turistas e
também o aumento de oferta de opções mais caras e sofisticadas que tem atraído um público
que até então não se interessava pelo local. A construção do posto policial na entrada da
localidade também é fator que incentivou a mudança de público: “As pessoas que vinham
para cá porque achavam que podiam fazer o que quisessem, agora se sentem reprimidas”.
Esta mudança tem deixado casas e quartos de aluguel ociosos nos fins de semana, o que em
alguns casos, tem funcionado como estímulo para que seus proprietários melhorem as
instalações e os serviços, para atender ao novo perfil de turista, ou simplesmente desistam
de ofertá-los para fins turísticos. O maior contingente de turistas é proveniente de Belo
Horizonte, seguido de cidades do interior do Estado próximas da capital, como Contagem,
Betim, Divinópolis, Carmo do Cajuru. Também é considerável a presença de turistas de Juiz
28
É válido destacar que a pesquisa inicial de Vieira Filho que resultou em sua tese de doutoramento, da qual
originou os artigos utilizados neste trabalho, data de 1999. Deste ano até o momento atual (2006) foram
inauguradas novas pousadas e novos restaurantes, que tem como público alvo um turista de perfil diferente
do que freqüentava o local há seis anos atrás.
29
Antonio Laje é natural de Belo Horizonte, possui casa própria no distrito há 17 anos, onde mora a dez anos
e é proprietário de dois estabelecimentos comercias, ambos voltados para o turismo. Concedeu entrevista
oral em 11 de novembro de 2005.
60
de Fora e Rio de Janeiro em feriados prolongados. Das cidades mais próximas de Lavras
Novas, como Ouro Preto, Mariana, Ouro Branco e Conselheiro Lafaiete costuma vir o “pior
público”: visitantes, que se diferenciam dos turistas porque não se hospedam, apenas
passam o dia e são considerados os mais desrespeitosos e baderneiros.
Em função do incremento da atividade turística e do interesse crescente de turistas
e empreendedores pelo local, proprietários de estabelecimentos comerciais, principalmente
aqueles voltados para o turismo, organizaram-se e fundaram em julho de 2003 a Associação
para o Desenvolvimento Turístico de Lavras Novas (ALN). Segundo a secretária da
Associação, Rosilene Barbosa
30
, são realizadas reuniões mensais onde predominam as
pautas sobre questões ligadas ao turismo e à infra-estrutura do distrito.
A entrevistada, quando questionada sobre o impacto do desenvolvimento da
atividade turística no distrito, revela um pouco da percepção dos habitantes locais sobre a
vinda de pessoas de fora da comunidade para a exploração do turismo, relacionando este
fato com a gradativa mudança de público e avaliando positivamente suas conseqüências:
Foi bom eles [empresários e empreendedores de fora da comunidade] terem
vindo. Foi por causa da melhor infra-estrutura das pousadas e dos restaurantes
que veio este turismo melhor para cá. Se não fossem eles não tínhamos esse fluxo
[de turistas].
Antigamente como não tinham bons restaurantes e boas pousadas, o público que
vinha para cá era bem jovem, pagavam R$10,00 para se hospedar e queriam o
‘auê’. Agora, que tem uma infra-estrutura, as coisas são mais caras e por isso as
pessoas que vem tem maior poder aquisitivo.
Em outro momento da entrevista, transparece uma situação paradoxal com a qual os
moradores do distrito tem tido que lidar em conseqüência do turismo, revelando uma certa
pressão, por um lado, de zelar pela preservação de sua expressão identitária para continuar
atendendo as expectativas de alguns turistas, e, por outro lado, de se modernizarem baseados
em parâmetros externos para atender ao novo perfil do turista que tem se interessado pelo local:
Lavras Novas não tem ainda condições de receber um turista muito, muito
exigente por vários fatores: o acesso que é de terra, os serviços de ‘conforto e
mordomia’ que não tem, os funcionários não são uniformizados... Eles vão querer
um cardápio mais sofisticado! Menos rusticidade nas coisas...
As pessoas vem para uma cidade do interior, mas querem encontrar infra-
estrutura de cidade grande, até shopping elas gostariam... Mas tem também as
pessoas que estão querendo coisas mais simples, porque todo conforto elas já tem
lá!
O Secretário de Cultura de Ouro Preto, no início de 2005, realizou uma reunião
30
Entrevista oral realizada em 11 de novembro de 2005.
61
com a Mesa Administrativa da Irmandade Nossa Senhora Dos Prazeres, com o objetivo
de conhecer as lideranças comunitárias (oficiais ou não) e suas principais demandas. A
partir de então foram realizadas reuniões mensais, informais, para discutir essas demandas.
Diante da percepção de uma situação paradoxal, onde a comunidade expressava o desejo de
valorizar e divulgar sua cultura, ao mesmo tempo em que se notava dispersão e certo
desconhecimento sobre a mesma, e também perante a reclamação sobre a falta de opções de
lazer na localidade feita para a Secretaria de Esporte e Lazer, foi organizada uma Gincana
Cultural. O objetivo do evento, muito além de entreter, era mobilizar a comunidade e
resgatar aspectos fundamentais de sua cultura. Para isso foram lançadas ‘tarefas’ que
deveriam ser cumpridas durante a semana do evento, como gravação de relatos em vídeo de
histórias, lendas e costumes antigos do lugar, e também ‘tarefas relâmpagos’ no dia do
encerramento do evento, quando um palco foi montado atrás da igreja. O Secretário ressalta
que no encerramento, que aconteceu em um sábado, dia em que a localidade recebe mais
visitantes e turistas, apesar do palco e das chamadas pelo microfone durante o ‘leilão’ que
compunha uma das tarefas relâmpago, os turistas não interagiram com os participantes nem
se interessaram pelo que acontecia, como seria de se esperar daqueles turistas que procuram
um convívio mais próximo com o cotidiano dos nativos.
O evento também deixou clara a importância e o impacto positivo que a elevação
da localidade de subdistrito para a categoria de distrito teve sobre a auto estima da
população. Ao final da solenidade algumas pessoas da comunidade afirmavam: “Agora só
falta tombar”, fazendo clara referência ao status e reconhecimento de Ouro Preto, que
acreditam estar relacionado com o tombamento de seu patrimônio e ter influência na
atratividade da cidade para os turistas
31
.
Nesse sentido, Vieira Filho (2005b, p. 08) aponta para a existência de motivações
dos turistas na escolha de seu destino ligadas a “fenômenos recorrentes na
contemporaneidade, causados pela insatisfação das pessoas com as mudanças engendradas
pela globalização e modernidade tardia”, como por exemplo, a possibilidade de vivenciar
“uma viagem a um passado idealizado, quando a vida era diferente, com um suposto nível
de integração e completude, que faltava no presente”. Em entrevistas com turistas em
Lavras Novas, o autor citado identifica a existência de um ‘ideal de vida de vila’, uma
idealização de alguns turistas de que “as pessoas mais simples em pequenas comunidades
31
Informações obtidas através de entrevista oral realizada em 10 de novembro de 2005, com o Secretário de
Cultura de Ouro Preto, Sérgio Lelis Santiago.
62
situadas no interior tinham mais liberdade, prazeres, felicidade e saúde”, fazendo
inclusive com que estes turistas sonhassem em, um dia, mudar para o local. De acordo com
Vieira Filho, no contexto da modernidade, as concepções de lazer e prazer de turistas são
associadas a sentimentos de “felicidade, criatividade e liberdade em relação às obrigações
primárias e situadas em oposição às tensões do trabalho e de sua rotina diária. Dessa forma,
Lavras Novas é identificada por alguns turistas como um espaço propício para o ‘escape’ do
cotidiano e vivência da liberdade.
A pesquisa de Vieira Filho também revelou aspectos inusitados, pelo menos
considerando-se a bibliografia sobre turismo analisada no capítulo anterior, sobre a
motivação dos habitantes locais para receber os turistas. Entre os motivos pelos quais os
moradores consideram positiva a presença dos turistas, além de questões relacionadas a
emprego e renda, estão a possibilidade de construírem novos laços de amizades, de terem
incrementadas suas opções de lazer, de poderem, através de recursos vindos do turismo,
melhor estruturarem suas festas religiosas, e até mesmo serem beneficiados por atos de
generosidades dos turistas, como doações de roupas e alimentos.
O caso de Lavras Novas ilustra ainda como podem ocorrer impactos na
transformação da paisagem possibilitados pela intensificação da urbanização. Com a
proibição de venda de terras da Santa, a tendência maior é de adensamento, que, segundo
Ribeiro (2000), já tem provocado relevantes alterações na paisagem e descaracterização
arquitetônica das construções, uma vez que grande número de proprietários amplia as
edificações, ocupando seus afastamentos laterais, frontais, e de fundo. Também houve um
adensamento com construções novas, uma vez que terras de propriedade individual, ou seja,
que não sejam as ‘terras da santa’ podem ser comercializadas e o foram ao longo das
últimas três décadas principalmente. Este é o caso, por exemplo, de uma grande área
próxima ao campo de futebol da localidade, de aproximadamente 8000m², que pertencia a
um proprietário que dividiu as terras em terrenos de aproximadamente 2000m² e vendeu,
viabilizando a construção de pelo menos três pousadas: Vila das Artes, Menestrel e Chalés
Galo do Campo. A falta de legislação e fiscalização, aliadas à irregularidades nas
construções, também tem contribuído para a transformação da paisagem, como é o caso de
uma pousada que teria invadido parte da rua, no acesso de uma das cachoeiras da localidade
com sua construção
32
.
32
Informações concedidas através de entrevista oral com Antônio Lage em 11 de novembro de 2005.
63
Figuras 5, 6, 7, 8, 9 e 10: Contraste entre o estilo arquitetônico e a forma de ocupação do solo
tradicionais (acima) e os novos estilos arquitetônicos, o adensamento e a expansão urbana (abaixo).
O mapa a seguir, desenvolvido por Ribeiro (2000), apresenta, de forma esquemática
a evolução urbana no distrito:
Figura 11: Mapa Evolução Urbana de Lavras Novas
Fonte: RIBEIRO, 2000, p. 45.
64
Por outro lado, o entorno de Lavras Novas (as localidades mais próximas) já
começa a ter sua dinâmica alterada como reflexo da atividade turística. Isso pode ser
percebido tanto através de conversas com moradores e visitantes de Lavras Novas e das
localidades próximas, como também através de fontes textuais. No Plano de Inventário do
Acervo Cultural de Ouro Preto encontra-se:
Com o grande aumento do fluxo turístico em Lavras Novas nos últimos anos, o
vilarejo de Chapada é uma nova opção de tranqüilidade para os visitantes.
Atualmente o turismo é a principal atividade econômica do povoado, com aluguel
de casas para fins de semana e retorno para o comércio local. Cada vez mais
turistas visitam a localidade para conhecer sua importância histórica, sua beleza
cênica, seus pratos típicos (como a batata recheada do bar do seu Nelson e a pinga
na cobra), suas cachoeiras, a simplicidade do seu povo e ainda caminhar pela
Serra do Trovão, importante marco da região. (OURO PRETO, 2005, p. 12).
A hipótese é que esta extensão das cidades esteja sendo impulsionada pelas
atividades de lazer e turismo.
A questão que se coloca é: Qual a diferença existente entre ter uma casa em um
condomínio para passar os finais de semana ou ter uma casa em Lavras Novas, ou outra
cidade próxima, para os fins de semana. Para a localidade certamente existe uma grande
diferença. Os impactos identificados até agora, por exemplo, não afetam o cotidiano das
cidades que abrigam estes condomínios fechados. Mas do ponto de vista da expansão das
cidades a diferença não é tão acentuada.
Outro ponto a ser avaliado então é o impacto dos turistas residenciais nos seus
destinos turísticos. E sobre isto Vieira Filho faz uma análise para o caso de Lavras Novas e
conclui que os turistas de segunda-residência, normalmente colocados na literatura como
“impactantes”, podem também ser um dos maiores impactados e vítimas de um processo de
desenvolvimento turístico desordenado. O depoimento de uma proprietária de segunda
residência no distrito de Lavras Novas ilustra essa situação:
Os problemas daqui começaram com o turismo. Minha revolta é com alguns
desses turistas, com a falta de respeito de alguns deles. [...] Um dia um turista pôs
uma música muito alta no seu carro, em frente da minha casa, às 3 da manhã. Eu
acordei e saí com uma barra de ferro, perguntando se eles não sabiam que aqui
perto vivia uma mulher de 98 anos. [...] Agora, alguns nativos, especialmente
alguns mais jovens não gostam de mim porque eu não gosto de turistas e reclamo
do barulho e bagunça deles.
33
Em contra partida à atitude preconceituosa que muitos estudos tem em relação às
33
Depoimento de Laura, 45 anos, citado em Vieira Filho (2005a, p. 13).
65
conseqüências que o turismo pode causar, Vieira Filho (2005a, p. 05) aponta para
benefícios que podem ser conquistados através do desenvolvimento da atividade turística:
A renda e a pressão política que o turismo gera, especialmente o de segunda
residência, podem implicar em melhora das condições de infra-estrutura, serviços
e qualidade de vida também para os residentes. Esses fatores, aliados à
valorização do lugar e sua cultura pelos turistas podem levar à conservação e
revitalização do patrimônio cultural e local - ainda que em boa parte para atender
a demanda de consumo dos turistas -, ao aumento do status social e auto-estima da
população local e à reafirmação da sua identidade cultural.
Impactos sobre a construção da identidade local também podem ser percebidos, a
partir, por exemplo, de processos de aculturação:
O contato [dos habitantes locais] com os turistas tende a estimular uma maior
comercialização da vida social e das manifestações culturais locais - que passam
em boa medida a ser produzidas para esse mercado -, cópia dos padrões de
consumo e comportamentos de turistas, crescente individualismo e emergência de
novos valores (políticos, sociais, religiosos, morais), alterações de normas e
costumes e formas como a identidade é vivenciada nesses locais. (VIEIRA
FILHO, 2005a, p. 04).
Outro exemplo desse impacto revela-se quando alguns moradores admitem saber
que a história de que o povoado teria surgido a partir de um quilombo é apenas lenda,
utilizada, no entanto como instrumento de marketing: “Os mais antigos não contam isso
não. Isso foram os turistas que começaram a contar e o povo gostou
34
.
Quanto à questão da preservação cultural, por exemplo, sempre levantada, Vieira
Filho consegue deixar mais claro o conflito para além da simples questão: o que deve ou
não ser preservado nem sempre é unanimidade entre nativos, turistas, administradores
públicos e especialistas.
A valorização dos imóveis e terrenos na área de ocupação mais antiga do distrito
tem resultado na mudança de uso dos mesmos através de venda, aluguel e
reforma/ampliação. Ao longo da Rua Nossa Senhora dos Prazeres, a principal e mais antiga
via do distrito, encontram-se lojas de artesanato, lanchonetes, padarias, pousadas. Para
muitos nativos, a descaracterização provocada na paisagem e no patrimônio arquitetônico
significa o desenvolvimento do lugar, não um impacto negativo (VIEIRA FILHO, 2005a,
p.13).
Do ponto de vista do significado do lugar, como conceito, o maior impacto foi
34
Rosilene Barbosa, moradora do distrito e secretária da ALN em entrevista em 11 de novembro de 2005.
66
sobre seu cotidiano que se alterou e continua em transformação devido a estímulos
externos, com destaque para o turismo. Os próprios moradores vêem com outros olhos o
lugar, através da sua ligação com o global, alavancada pelo turismo. Nesse sentido, a
evolução das tecnologias dos meios de comunicação é sentida com mais intensidade, como
revela o Sr. Domingos
35
, nativo, proprietário de restaurante e pousada no distrito há 15
anos:
Eu ‘tô’ na internet. Minha página... Eles acham muita graça... Esse negócio de
computador, ‘cê’ me acha lá! [...] Tem a Viação Cipó também, eles ligam
querendo fazer programa [de TV] e eu falo: ‘pode vir’. Eles filmam e a gente
aparece na televisão.
Ele [o turismo] traz recurso para o lugar. [No início] Era muita bagunça, muita
coisa, mas hoje todo lugar que ‘cê’ vai tem uma barraca para alugar. Aqui [em
Lavras Novas] também. Hoje já ‘tá’ mais civilizado.
Todos estes impactos são percebidos também pelos próprios turistas como já foi
dito anteriormente. Vieira Filho observa que se pode distinguir dois tipos amplos de
resposta à globalização neste caso do turismo.
Um tipo é aquele em que os turistas:
[...] perseguem uma experiência ‘fora do tempo e do lugar’, na qual as
características históricas e espaciais distintivas que dão identidade à destinação
turística são obscurecidas em favor da sua abstração como um centro de sensação
física e emocional. Muitos deles simplesmente não ligam para a autenticidade dos
diferentes elementos da cultura que eles consomem - e podem até saborear o
‘inautêntico’. (VIEIRA FILHO, 2005b, p. 13).
O segundo tipo de resposta é:
[...] tentar resistir à lógica do capitalismo e existencialmente recuperar significado
e autenticidade - ainda que isso seja ilusório - através da produção e do consumo
da diferença. (VIEIRA FILHO, 2005b, p. 13).
Dessa forma a falta de autenticidade é um problema apenas para poucos turistas:
[...] para quem naturalidade e autenticidade são componentes essenciais. [...]
Autenticidade não costuma ser um problema para aqueles engajados em um tipo
de turismo coletivo, que privilegia o congraçamento. (VIEIRA FILHO, 2005b, p.
14).
A gradativa transformação da paisagem local, através das reformas e novas
construções em estilos arquitetônicos diversos, que não tem relação alguma com a história
35
Entrevista realizada em 11 de novembro de 2005.
67
ou a população do lugar; o consumo e a valorização de peças artesanais e culinária típicas
de outras regiões; a vivência de experiências e atividades que poderiam acontecer em
qualquer lugar; enfim, o inautêntico e o não original, que nada tem a ver com as
singularidades locais, acabam por ser absorvidos pelos turistas, ganhando novo significado e
valor apenas pelo distanciamento físico e temporal de seu cotidiano.
2.3 Pelourinho
O caso do Pelourinho, em Salvador/BA, foi estudado e analisado por diversos
autores, com diferentes enfoques que vão desde a questão arquitetônica relacionada à
revitalização do patrimônio, ao turismo, passando pela questão cultural relacionada a
mercantilização da cultura.
A análise do caso do Pelourinho nesta pesquisa está baseada em quatro artigos
publicados na obra Pelo Pelô, organizada por Marco Aurélio Gomes (1995). Tomados em
conjunto, os quatro artigos refletem o panorama social, cultural e político que dominava o
centro de Salvador na época, ano de 1991, em que foi iniciada uma grande intervenção
visando o incremento da atividade turística no local. Além de traçar este panorama, os
artigos trazem as expectativas dos autores quanto às conseqüências dessa intervenção e
algumas críticas ao que já estava acontecendo.
O que se denomina Pelourinho é o centro histórico do primeiro núcleo da cidade de
Salvador, fundada em 1549. O termo “pelourinho”, entretanto, é o nome dado ao local onde
os escravos eram castigados pelos senhores de engenho, que em Salvador, a fim de
demonstrar à população sua força e poder, construíram um “pelourinho” no largo central da
cidade. Devido a esse fato o “pelourinho” virou ponto de referência local e, com o passar
dos tempos, o nome se popularizou, passando a referir-se a toda a área do conjunto
arquitetônico barroco-português compreendida entre o Terreiro de Jesus e a Igreja do Passo.
Durante o séc. XVI e até o início do séc. XX, o Pelourinho foi o bairro da aristocracia
soteropolitana, composta de senhores de engenho, políticos, grandes comerciantes e o clero,
por isso a forte influência européia na sua arquitetura e o grande número de igrejas num
espaço geográfico pequeno. Até o início do século XX, o poder político na Bahia emanava
68
do Pelourinho
36
. Esta importância como centro político e econômico, entretanto, começou
a ser alterada ainda no final do século XIX:
A perda de dinamismo de parcelas do centro da cidade não é um fenômeno
recente. [...] Com o advento do bonde, nas últimas décadas do século XIX, as
classes superiores soteropolitanas, que até então viviam bastante próximas das
camadas populares, passam a ser dotadas de mobilidade espacial, o que acarretará
um primeiro esvaziamento da área. (GOMES; FERNANDES, 1995, p. 48).
Mesmo assim, o Pelourinho manteve-se como um importante centro, polifuncional
e único na cidade, até que a partir dos anos de 1960 surgiram embriões de novos centros,
que, aos poucos, se consolidaram e se especializaram, marcando a decadência do velho
centro e a mudança funcional da cidade de Salvador, incluindo aí o desenvolvimento da
atividade turística (SANTOS, 1995).
Se, num primeiro momento, o centro novo de alguma forma competiu com o
centro velho porque as funções nele não se haviam ainda instalado de maneira
definitiva e os hábitos não se haviam igualmente estabelecido, também competiu
porque os recursos, todos públicos, a ele se dirigiram criando um desnível dentro
da cidade. (SANTOS, 1995, p. 23).
A deterioração do centro antigo não significou perda de mercado consumidor, mas
significou, sem dúvida, a decadência de sua qualidade urbana que acompanhou um processo
de transformação do perfil do usuário e dos investimentos nele realizados:
A degradação do centro tem raiz na transformação gradativa do seu perfil de
clientela/oferta de bens e sua especialização como espaço de consumo/produção
das camadas pobres, que integra o processo de segmentação dos mercados e de
segregação socioespacial que se consolida na cidade, transparente numa política
modernizante de investimentos públicos que vem priorizando outras áreas de
Salvador. (FRANCO, 1995, p. 45).
O centro antigo e o centro novo, gradativamente passam a ter significados e
funções diferentes, sendo apropriados por parcelas distintas da população.
O centro novo é o centro do movimento rápido; o centro velho é o centro do
movimento lento. De fato, na cidade, a velocidade intelectual e política maior não
se instala nas áreas de movimento rápido e sim naquelas de movimento lento. Nós
vamos assistir - aliás, já estamos assistindo - à revanche do movimento lento.
(SANTOS, 1995, p. 25).
A perda de dinamismo do Pelourinho, o centro antigo, acontece na década de 1960,
justamente na mesma época em que, no plano nacional, há uma redefinição da política
36
Disponível em: <http://www.mercuri.com.br/historia2.html>. Acesso em: 11 jul. 2006.
69
brasileira de preservação do patrimônio histórico e cultural com o entendimento de que
este patrimônio poderia tornar-se um ‘grande negócio’ através do turismo. Na década
seguinte, busca-se uma “noção ampliada de patrimônio histórico com elementos visando a
construção de uma identidade nacional” (GOMES; FERNANDES, 1995, p. 51).
Em 1985, o Pelourinho é declarado patrimônio da humanidade pela Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o que estimula o
surgimento de uma maior preocupação em preservar e revitalizar seu patrimônio
arquitetônico e urbanístico. Na primeira metade da década de 1990 acontece “o
rejuvenescimento parcial do centro velho adaptado às exigências do turismo e dos turistas”
(SANTOS, 1995, p. 17).
Para Santos (1995) o que ocorre em Salvador é o fortalecimento da cultura de
massa no centro novo, de movimento rápido, e o fortalecimento da cultura popular no centro
velho, de movimento lento, enquanto o turismo, com sua clientela errante, representa um
traço de união entre esses dois movimentos:
É evidente que o turismo e as formas de despaísamento que se multiplicaram no
mundo hoje (não é só o turismo, mas o gosto pela música, pela dança
representativa de outros povos) foram rapidamente investidos pela indústria
cultural. E, ainda agora, na Bahia mesma, entre os negros nesta cidade está se
levantando um debate que eu considero de extrema importância, opondo a idéia
de indústria cultural à idéia de cultura. (SANTOS, 1995, p. 27).
Se esse debate é importante, as culturas que tem força encontram também meios
de reverter a tendência. Essa luta tem uma base geográfica, porque é uma luta do
lugar contra o mundo, um mundo tal como ele chega a nós, que é um mundo
perverso. O lugar é que se antepõe ao mundo. Dessa maneira o Pelourinho é um
desses lugares que é um mundo, mas que também a ele se antepõe porque antepor-
se ao mundo não é sair do mundo. Antepor-se ao mundo é também estar no
mundo. E o turismo é o traço de união que se vai desenvolver desgraçadamente ao
preço de um policiamento extremamente numeroso e freqüentemente exagerado,
mas que é a condição de tranqüilidade que ele, como mercado exige. (SANTOS,
1995, p. 28).
Gomes e Fernandes (1995, p. 48) apontam para a importância do turismo nos
planos governamentais para o Estado da Bahia:
[...] a tentativa de recuperar o centro antigo de Salvador com fins explicitamente
turísticos não é uma novidade. Isto vem sendo tentado, de forma mais ou menos
direta, há aproximadamente 20 anos. Essas tentativas de requalificação do centro
antigo de Salvador vão se desenvolver em paralelo à própria redefinição do papel
desempenhado pela área central da cidade: a partir do momento em que certos
setores perdem dinamismo, os veremos emergir como objeto de ações de
preservação.
70
O Pelourinho redefiniu-se e consolidou-se com novas características sem perder
sua identidade como centro de referência de cultura e de cidadania, continuando a ser um
espaço compartilhado por todas as classes e grupos sociais de Salvador, onde ocorrem as
principais manifestações culturais e políticas. O centro, representado pelo Pelourinho, é
referência de cultura e de cidadania. No entanto, o que se reconhece hoje como cultura é a
cultura de não-cidadãos e a intervenção do Pelourinho seria um marco disto (SANTOS,
1995, p. 33).
A história é uma mercadoria que se vende bem, seja sob a forma de centros
antigos ou de novela de época, tanto quanto o popular, o regional e o “exótico”
são também produtos de grande aceitação. Nesse contexto, os territórios
historicizados são vividos como territórios de evasão e uma espécie de
dépaysement espaço-temporal por parte de uma clientela que vem de outros
estados do Brasil e de outros países. Tal fenômeno não acontece só na Bahia, mas
acontece no mundo todo. É uma demanda atual. Então, nesse sentido, se uma
parte da população de Salvador ansiava pela reconquista do pelourinho - e aí a
palavra a ser usada é reconquista mesmo, com todo o peso que ela traz -, o mesmo
acontecia também com amplos segmentos de consumidores de paisagens exóticas
espalhadas pelos quatro cantos do mundo. (GOMES; FERNANDES, 1995, p. 57).
Esta é, portanto a luta do lugar contra o mundo a que se referia Santos
anteriormente. É a tentativa de manter vivas as tradições, a cultura e os costumes, que ao
serem transformados em mercadoria são estilizados e modificados para atender ao gosto dos
não-cidadãos. O Pelourinho, que num primeiro momento entrou em decadência devido à
competição com um novo centro e num segundo momento viu a cultura popular se
fortalecer, assiste nesse terceiro momento a uma nova derrota, quando essa cultura popular e
este espaço que a abriga e dá vida são transformados em mercadoria, para o consumidor-
turista muito distante do cidadão local.
Rodrigues (1995, p. 81) afirma que apesar e além da recuperação física do
Pelourinho, houve um processo forte de exclusão social “[...] que afastou do Centro
Histórico 90% dos seus antigos moradores”. O aspecto econômico figura como um dos
principais causadores deste processo, a partir da definição do governo estadual de que:
[...] o Pelourinho/Maciel deveria ser uma vitrine do turismo baiano, e, portanto
deveriam se realizar ali obras que recuperassem fisicamente a área, mas que
estivessem atentas às novas necessidades, que seriam instalar lojas de artigos
turísticos, bares, etc., criando-se ali um centro de convivência, uma espécie de
Quartier Latin. (RODRIGUES, 1995, p. 82).
Portanto, a filosofia do governo não era preservar e valorizar a cultura local,
71
melhorar as condições de moradia e trabalho dos moradores, nem mesmo resgatar e
divulgar a história daquela área.
A recuperação cultural até que houve e está havendo, porque uma sociedade
capitalista é muito pródiga em se apropriar de símbolos. Se há 10 anos atrás sair
no Olodum, ir à terça-feira do Olodum, vestir alguma coisa que identificasse o
Olodum era uma coisa ruim, hoje é um símbolo de status de ‘transporte’, de
‘transição’. (RODRIGUES, 1995, p. 83)
Neste ponto chega-se às questões identitárias relacionadas ao preconceito racial e
social, quando a questão racial também é transformada em objeto de marketing para a
cidade:
Ou seja, a cultura na Bahia das elites e do povo, vivia e ainda vive uma dicotomia
em relação ao que queremos ser. Quando é para apresentar para o mundo exterior
o que nós somos, a cidade de Salvador, os habitantes da cidade do Salvador, as
autoridades da cidade do Salvador, a inteligência da cidade do Salvador
expressam-se como uma cidade negra, de maioria africana, de uma profunda
religiosidade africana, de uma música e um folclore caracteristicamente negros, e
mostram isso à população estrangeira, como uma característica da convivência da
democracia racial. Expressam isso com um cinismo fácil de ser desmontado: a
cidade do Salvador é uma cidade pobre com 2 milhões e 72 mil habitantes, dos
quais apenas 5% têm efetivamente poder de compra. Basta qualquer turista,
qualquer estrangeiro ou pessoa de um outro estado andar um pouquinho mais nas
ruas de Salvador para detectar que aqui, na realidade, se pratica um apartheid
social e um apartheid racial. (RODRIGUES, 1995, p. 85).
A gentrificação
37
passa a ser o passo seguinte para a desejada segregação socio-
espacial, para que os turistas e os cidadãos de maior poder aquisitivo possam se apropriar de
espaços onde os investimentos públicos e privados terão retorno garantido, sem a
necessidade de realizar investimentos para aquela parcela da população que não pode pagar
ou gerar lucros. É o que previa Rodrigues (1995, p. 89):
Hoje a Rua 28 de Setembro, próxima à Ladeira da Praça, abriga 70% dos antigos
moradores do Pelourinho/Maciel em casas em situação igual à anterior
[deterioradas e em mau estado de conservação]. Eles sabem que, quando a
reforma chegar ali, também serão excluídos, porque, na realidade, o objetivo é
que, no Centro Histórico da cidade do Salvador, não morem mais pobres nem
pretos.
Magnavita (1995) acredita que a intervenção lançada pelo governo do estado no
Pelourinho, em 1991, fugiu totalmente à escala e aos objetivos das intervenções anteriores,
justamente por priorizar a recuperação física da área, em detrimento das questões sociais e
culturais.
37
Conceito derivado do termo gentrification, explicitado anteriormente (ver página 32).
72
No caso de Salvador, o lento e crescente florescimento da cultura negra em
suas diversas dimensões - música, dança, agremiações carnavalescas, cultos
religiosos, produtos artesanais, etc. - pode ser entendido como reinvestimento
simbólico enquanto imagem e resgate da etnicidade. Tal constatação, quando
somada à vertente do lazer cultural promovido pela indústria turística, torna
possível compreender a rápida transformação do Largo do Pelourinho e
adjacências num palco permanente de manifestações do lazer cultural e de
oportunidades competitivas. (MAGNAVITA, 1995, p. 123).
Em 1993 se concluiu a primeira etapa de intervenção no Pelourinho comandada por
Antônio Carlos Magalhães, então governador do estado da Bahia. Começou então uma
história de mais de dez anos de intervenção maciça por parte do governo estadual no Centro
Histórico de Salvador, justificada pela necessidade de se atender às demandas necessárias à
atração do maior número possível de turistas para a cidade. Essa política do governo baiano
é, até hoje, constantemente citada como o exemplo brasileiro mais bem acabado de
preservação do patrimônio histórico que provocou elitização, exclusão da população mais
pobre e a reprodução de desigualdades sociais. Em 2000 foi iniciada a retirada de famílias
de baixa renda do Pelourinho, oferecendo condições para que elas se mudassem para um
conjunto habitacional, na periferia da cidade, ou mesmo recebessem um auxílio financeiro
para realocação (entre mil e 3 mil reais), reavivando a prática de remoção dos moradores
locais, que ficam então excluídos das melhorias que seriam realizadas no local. As
condições precárias de moradia nos casarões, muito degradados, fizeram com que a maioria
dos moradores aceitasse as propostas apresentadas. Das 1674 famílias, apenas 103 optaram
por permanecer na área
38
, estando sujeitos é claro à pressão imobiliária e à elevação do
custo de vida, com elevação de preço dos alugueis, serviços e produtos do comércio local.
O cotidiano no Pelourinho se transformou, bem como sua identidade se alterou e
foi, em parte, reconstruída por seus novos usuários: turistas, visitantes, intelectuais e
parcelas da população que originalmente não costumavam freqüentar o local. O perfil do
comércio se alterou para atender ao novo público. O comércio mais popular foi aos poucos
se reduzindo e se concentrando nas áreas aonde as intervenções chegaram com menor
intensidade. A nova paisagem, com abundância de cores vivas nas fachadas e placas
publicitárias, não guarda relação identitária com sua história e seus antigos moradores e
usuários. A cultura foi recuperada e valorizada, foi também lapidada e elitizada, para
atender às expectativas dos turistas e às necessidades mercadológicas dos investidores e
empresários do turismo. Expressões culturais que ainda não foram transformadas em
38
Disponível em: <http://www.revista.iphan.gov.br/materia.php?id=103>. Acesso em: 11 jul. 2006.
73
mercadoria continuam à margem dos turistas, mas, por outro lado, mantêm-se mais livres
dos riscos de serem transformadas e reproduzidas em massa.
Figuras 12, 13 e 14: Fotos que mostram a pintura das fachadas principais em cores vibrantes, os
novos usos voltados para o turismo (lojas de artesanato, bares, cafés, etc.) e uma apresentação
‘cultural’ para turistas.
Aconteceu a preservação do patrimônio no sentido de ter ocorrido reformas e
recuperação da estrutura de algumas construções que estavam em péssimo estado, mas, ao
mesmo tempo, ocorreu descaracterização arquitetônica e urbanística, através da
transformação de fachadas e acessos e a criação de pátios/praças no interior de alguns
quarteirões. Enfim, houve no Pelourinho processos de gentrificação, segregação e exclusão
social, espacial e funcional, produção de um cenário, de um simulacro de uma cultura
(hábitos, costumes, tradições) que não correspondem ao autêntico e original, e não
representam a história do local.
2.4 Curitiba e Barcelona
Foram
analisados, nesta pesquisa, até agora, três casos bem distintos e representativos
de diferentes tipos de desenvolvimento turístico: Angra dos Reis, Pelourinho e Lavras Novas.
O primeiro, uma cidade litorânea localizada na área de influência de duas grandes cidades
brasileiras - Rio de Janeiro e São Paulo -, fortemente marcada pelo binômio sol e mar e pelas
belezas cênicas de sua paisagem natural, resultando num espaço regido pela presença e disputa
do capital imobiliário e, também, por desigualdades e conflitos sociais. O Pelourinho, inserido
em outro grande centro urbano - Salvador -, com grande apelo cultural e histórico, onde as
intervenções urbanas planejadas e realizadas resultaram em gentrificação e produziram
cenários e simulacros de uma cultura e um cotidiano idealizados e irreais. Lavras Novas, por
74
sua vez, representa o oposto em termos de urbanização e desenvolvimento socioeconômico:
um pequeno povoado, pouco urbanizado, onde a rusticidade, a simplicidade e a impressão de
ser um local ‘parado no tempo’ figuram como os principais atrativos ao turismo.
Propõe-se agora uma análise paralela de dois casos: Curitiba e Barcelona, também
grandes centros urbanos, diferenciando-se dos anteriores, no entanto, por não focar sua
atratividade apenas ou prioritariamente em recursos naturais ou histórico-culturais e sim,
especialmente, em espaços urbanos modernizados, preservados, renovados e/ou
gentrificados, e em eventos, tecnologia, qualidade de vida, entre outros.
As fontes privilegiadas escolhidas para a análise destes casos são de autoria de
Fernanda Sánchez, algumas vezes em parceria com outros autores. Os artigos selecionados
abordam o tema das políticas urbanas para promoção das cidades, utilizando como
exemplos cidades como Barcelona, Curitiba, Cingapura, Fortaleza, entre outras.
Para complementar e ampliar o contexto destas análises foram também consultados
outros dois artigos. Um sobre Curitiba, de Silveira (1998), que enfoca a questão do turismo
em espaços urbanos. Outro sobre Barcelona, de Carreras (1996), que apresenta um sucinto
histórico da cidade que contribuiu significativamente para melhor compreensão do caso.
Ambas as cidades buscam a marca de ‘cidade-modelo’, como será explicitado a
seguir, com características próprias, algumas diretrizes semelhantes no que diz respeito às
políticas urbanas e muitas diferenças entre si.
Barcelona é a capital da Catalunha, província espanhola que tentou por várias
vezes, ao longo de sua história, a conquista da soberania nacional, mas nunca obteve êxito.
Esta particularidade é um dos principais pontos de partida para traçar e compreender a
história do lugar até os dias de hoje. Apesar de não ter se tornado independente mantem-se
intacto o orgulho de ser catalão, fato que se comprova através de suas tradições e
celebrações, assim como pelo fato do catalão ser língua oficial juntamente com o
espanhol
39
. A cidade localiza-se em posição privilegiada, considerada estratégica, por ser
local de transbordo para quem se dirige aos mais tradicionais locais de veraneio da Costa
Brava e também local de passagem para aqueles que vão até as estâncias de esqui dos
Pirineus e do pequeno estado de Andorra. Além disso, a cidade, voltada para o
Mediterrâneo, possui mais de quatro quilômetros de praia e um grande acervo arquitetônico
preservado, que vai desde o estilo gótico até os séculos XIX e XX, culminando com
39
Disponível em: <http://www.janelanaweb.com/viagens/barcelona.html>. Acesso em: 01 jun. 2006.
75
construções contemporâneas que têm se destacado internacionalmente
40
.
Curitiba, por sua vez, capital do Paraná, na região Sul do Brasil, foi fundada
oficialmente em 29 de março de 1693. Inicialmente teve sua economia baseada na
mineração e na agricultura de subsistência. Posteriormente, nos séculos XVIII e XIX, a
atividade tropeira, derivada da pecuária, predominou. Já no final do século XIX iniciou-se o
ciclo de exploração da erva-mate e da madeira. Nesta época a cidade foi marcada pela
chegada em massa de imigrantes europeus e pela construção da Estrada de Ferro Paranaguá-
Curitiba, ligando o planalto paranaense ao litoral. A cidade tem hoje uma população
aproximada de 1,8 milhão de habitantes e uma economia voltada para o setor de comércio e
serviços, incluindo o turismo, enquanto grandes indústrias localizam-se em municípios
vizinhos, que formam a Região Metropolitana de Curitiba
41
.
Sabendo, portanto, tratarem-se de cidades bem diferentes em termos de história,
cultura e economia, Curitiba e Barcelona tornaram-se cidades “emblemáticas do urbanismo
contemporâneo, sobretudo nos anos 90” (SÁNCHEZ, 1999, p. 116), o que torna interessante
e válido o paralelo entre elas. Na verdade, este ‘urbanismo contemporâneo’, com uma
linguagem renovada, presente nas novas políticas públicas e, especialmente, nos discursos
de promoção das cidades, como estratégia comunicacional, é resultado, como será visto
adiante, principalmente, do desenvolvimento de planos estratégicos
42
para as cidades.
Uma das linhas de comparação entre as duas cidades, que pode ser facilmente
estendida a outros recentes exemplos com tendências semelhantes, é o papel
chave que passa a ter o ‘novo urbanismo’ nas respectivas políticas urbanas dos
anos 90. Com efeito, é possível verificar em ambas alguns importantes traços
comuns: ênfase na forma mais que na função, uma ênfase nos projetos urbanos
pontuais mais que nos planos gerais, buscando melhorar a imagem urbana
mediante a criação de novos espaços ou pela revitalização de espaços antigos.
(SÁNCHEZ, 1999, p. 123).
Para compreender a importância que recebem atualmente as políticas urbanas de
promoção do turismo e construção de imagens positivas, é necessário ter em mente o
40
Disponível em: <http://www.transavia.com>. Acesso em: 30 maio 2006.
41
Disponível em: <http://www.curitiba.pr.gov.br>. Acesso em: 01 jun. 2006.
42
Os conceitos, a doutrina e os instrumentos analíticos e metodológicos do planejamento estratégico foram
extraídos da prática empresarial com origens na Harvard Business School de planejamento estratégico
norte-americano. Os planos estratégicos propõem atuações integradas a longo prazo, dirigidas à execução
de grandes projetos que combinam objetivos de crescimento econômico e desenvolvimento urbano,
envolvendo agentes sociais e econômicos ao longo do processo. As principais ações propostas são voltadas
para um redesenho espacial das cidades face à obsolescência da infra-estrutura urbana existente diante das
novas relações de produção, merecendo especial atenção o setor de transportes e telecomunicações
(SÁNCHEZ, 1999).
76
contexto atual de competitividade entre as cidades, que estimula a criação do valor do
lugar, através da “seleção de um conjunto de objetos, discursos e imagens” (SÁNCHEZ,
1998, p. 30). O turismo urbano contemporâneo, viabilizado através da “produção das
cidades enquanto lugares turísticos” (SÁNCHEZ, 1998, p. 30), é um dos caminhos para as
cidades se inserirem nesta competição internacional.
Segundo Sánchez e Moura (1999, p. 96), “como pontos luminosos no mundo, um
conjunto eleito de cidades é qualificado como modelo”. Dentro deste conjunto encontra-se
Curitiba, aonde as políticas públicas “orientam-se através do city marketing
43
, para ações
voltadas à conquista e à manutenção da marca de cidade-modelo” (SÁNCHEZ; MOURA,
1999, p. 96), e também Barcelona que luta pelo protagonismo frente a outras cidades através
da organização de mega-eventos internacionais, como foi o caso dos Jogos Olímpicos de
1992 e o Fórum Mundial das Culturas em 1994, além de elaborar um ‘agitado’ calendário
de eventos, incluindo feiras, congressos, festas, exposições, entre outros (SÁNCHEZ,
1998). Os padrões seguidos pelas cidades-modelo, “embora apresentados como condições
intrínsecas dos lugares, resultam fortemente do atendimento aos requisitos internacionais de
atratividade, mediante os quais as cidades globalizadas captam investimentos” (SÁNCHEZ;
MOURA, 1999, p. 96). Enfatiza-se que para compreender o significado da existência de
cidades-modelo, mais uma vez, “é preciso situar-se no atual contexto da globalização da
economia e da mundialização da cultura”, no qual a disputa é inevitável, mas as políticas
públicas locais são capazes de inserir as cidades de forma competitiva no mercado mundial,
atraindo investimentos internacionais. Estas políticas públicas incluem a construção de um
consenso e a emergência de atores “que postulam a legitimidade para caracterizar as
chamadas ‘boas práticas’, freqüentemente elencadas como referência forte dos modelos”
(SÁNCHEZ; MOURA, 1999, p. 97).
Tudo o que é realizado na cidade e que pode ser identificado com sua projeção
internacional contribui bastante para facilitar sua aceitação por parte dos cidadãos.
A opinião do estrangeiro chega a ser transformada em medida da qualidade dos
projetos. (SÁNCHEZ; MOURA, 1999, p. 98).
Em Curitiba, um exemplo da importância do reconhecimento internacional para a
legitimização das ações políticas e aceitação da socialização de seus custos pelos cidadãos
foi a exposição do urbanismo de Curitiba em Nova York, com destaque para o ‘ligeirinho’,
43
City marketing ou marketing de cidade é a “orientação da política urbana à criação ou atendimento das
necessidades do consumidor, seja este investidor, turista ou o próprio cidadão” (SÁNCHEZ, 1998, p. 31).
77
divulgada pela imprensa paranaense como se a cidade americana fosse adotar o mesmo
sistema de transporte público.
Tanto o caso de Curitiba quanto o de Barcelona, se enquadram na modalidade de
turismo associado à idéia de urbanidade, “de um viver urbano saudável”, diferenciando-se
entre si, no entanto, em relação aos tipos de imagens produzidas e socializadas. Em Curitiba
essas imagens são representadas por “soluções urbanísticas funcionais e com forte apelo
estético”, “vida urbana ordeira e aparentemente homogênea do ponto de vista social” e
“projetos ambientais que possibilitariam um viver urbano mais saudável” (SÁNCHEZ,
1998, p. 31). Já em Barcelona, espaços de renovação urbana, grandes obras urbanísticas,
onde arquitetura desempenha papel preponderante na consolidação dos marcos mais
emblemáticos, diversificação da oferta nos circuitos culturais e de consumo e a ênfase na
posição estratégica são as imagens em que se baseia toda a estratégia promocional.
Apesar da utilização de um mesmo recurso - a produção e socialização de imagens
- como estratégia promocional nas políticas urbanas, historicamente a trajetória política
dessas cidades está bem distante, isto porque enquanto Curitiba tem seu marco inicial na
construção da imagem de uma ‘cidade modelo’ no início dos anos 70, com a implantação do
Plano Diretor, Barcelona pratica políticas de internacionalização a nível local há mais de
100 anos. Um dos motivos que estimulou o desenvolvimento dessa política é “o lugar
específico de Barcelona dentro do sistema urbano espanhol, que a define como cidade
secundária, [...] o que a obrigou a encontrar seus próprios meios para o crescimento
econômico” (CARRERAS, 1996, p. 231)
44
. Sua especialização no setor de serviços a partir
de 1973, tem permitido o desdobramento de estratégias locais frente a atração de fluxos
internacionais de pessoas. Sua localização numa zona de calor, um patrimônio arquitetônico
especialmente rico, afluência de manifestações culturais locais e internacionais e um nível
de vida relativamente alto têm sido elementos importantes para manter estas estratégias.
Outro aspecto importante na manutenção desta política tradicional e arraigada é um pacto
entre as elites econômicas, políticas e culturais revezando-se na liderança administrativa da
cidade.
A base material para a manutenção, em Barcelona, por tantos anos, desta política
de atração a nível internacional é dada por duas organizações em modelo de empresa mista
de capital público e privado: uma organização turística que funciona desde de 1908 e uma
44
Tradução da autora.
78
feira comercial, desde 1920. Além disto, existe um extenso calendário na organização dos
maiores eventos, que teve início em 1888 com a primeira Exposição Universal. A segunda
exposição internacional foi realizada em 1929 e, apesar da crise mundial daquele ano, ela
serviu para dar novo impulso arquitetônico no local. Depois disso houve mais três tentativas
de realização de grandes eventos (a terceira exposição universal, em 1980, e os jogos
olímpicos de 1936 e 1960) que fracassaram principalmente por motivos que fugiam ao
controle das lideranças locais (CARRERAS, 1996).
Apesar destes ‘fracassos’, é esta tradição política que permite compreender o
recente êxito dos megaeventos organizados na cidade, uma vez que em Barcelona a
internacionalização tem sido mais uma política urbana local do que uma estratégia efêmera
e ocasional. Uma razão geopolítica já destacada - o fato de ser a capital da Catalunha, “uma
nação sem estado desde os tempos medievais” - faz com que suas elites locais estejam
“habituadas a olhar para a cena internacional como meio mais seguro para reforçar sua
posição a nível nacional” (CARRERAS, 1996, p. 232)
45
.
Em 1992, Barcelona sediou as Olimpíadas, colocando em prática planos
urbanísticos e uma política econômica que contavam com um consenso local, conquistado e
liderado pelo prefeito da cidade, alcançando visibilidade internacional e difundindo uma
nova imagem da cidade. Como conseqüência houve um grande aumento do número de
turistas estrangeiros nos anos seguintes, alterando o perfil dos turistas, uma vez que cresceu
o fluxo do turismo familiar, principalmente formado por casais sem filhos, em detrimento
do tradicional fluxo de grupos organizados provenientes do típico turismo de praia. A
política urbana tem merecido desde então atenção e estímulos especiais, com abertura de
novos hotéis, centros comerciais e instalações culturais e planos de reforma urbana para
melhoria do tráfego e reordenação das atividades centrais da cidade (CARRERAS, 1996).
No entanto, para Carreras (1996, p. 235), Barcelona não deve ser visto como um
modelo a seguir, e sim como um caso interessante de estudo, “já que a cidade, aos efeitos
locais da globalização, une em sua própria história local uma política de internacionalização
já secular”
46
, o que provavelmente não se verifica em outras cidades, inclusive Curitiba, que
foi a primeira cidade brasileira que se inspirou neste modelo.
Além disso, a história recente de Barcelona também tem outras particularidades
45
Tradução da autora.
46
Tradução da autora.
79
que participam significativamente da construção de sua imagem atual. Entre 1975 e
meados dos anos 80, Barcelona viveu uma fase de euforia: a identidade catalã foi resgatada
em toda sua plenitude, as tradições e as festas foram recuperadas ou reiventadas num
movimento de busca ao passado. A ocupação de ruas e demais espaços públicos como
espaço de celebração e encontro marca todo esse período. No plano cultural não houve
propriamente uma política, mas uma intensa atividade traduzida na criação de inúmeros
espaços comunitários de atividades em prédios antigos reformados para tal fim. A arte
pública (entendida como obras de arte em espaços públicos) ganhou importância ao
valorizar os artistas locais. A criação da infra-estrutura e as intensas atividades culturais
decorreram do mesmo entusiasmo que movia as festas e celebrações: a afirmação da cultura
catalã após 40 anos de repressão. Foi um momento de muita criatividade, mas pouco recurso
financeiro. Na passagem da década de 80 para 90 foi elaborado o Plano Estratégico de
Barcelona que priorizou os aspectos econômicos, buscando inserir Barcelona entre as
cidades referenciais do mundo. O plano tinha dois grandes eixos de atuação: um maior
incentivo ao setor de serviços e o estímulo ao turismo
47
.
Em 1986, com a nomeação de Barcelona para sediar os Jogos Olímpicos de 1992,
iniciou-se na cidade um processo de transformação espacial e investimentos. O modelo de
Planejamento Estratégico chegou na Espanha em 1987, depois de ter sido aplicado em São
Francisco, EUA, em 1982 (SÁNCHEZ, 1999, p. 121).
É preciso considerar também que no caso de Barcelona além da “herança
urbanística riquíssima que integra marcas e ruínas da cidade romana de 2000 anos com o
tecido medieval do ‘Bairro Gótico’ e as áreas de renovação onde se deram as principais
obras do período olímpico” (SÁNCHEZ 1999, p. 123), os governos municipais, desde a
segunda metade do século XIX, utilizaram a promoção de eventos internacionais para
realizar intervenções de grande porte, como a urbanização do terreno da Cidadela, antiga
fortificação militar, para a Exposição Universal de 1888, a urbanização da Plaza Espanha e
construção de um complexo de pavilhões de porte monumental, onde se encontra hoje a
Feria de Barcelona, para a Exposição Internacional de 1929, e a recuperação das áreas
industriais degradadas da cidade contíguas à orla litorânea do Mediterrâneo para os Jogos
47
Informações obtidas através do relato de Durval Lara sobre a palestra ministrada por Jordi Martí (professor
de gestão cultural na universidade de Barcelona e coordenador do plano estratégico da capital catalã de
1996 a 1999) no projeto Aula São Paulo, da Prefeitura Municipal de São Paulo, em 14 março de 2006.
Disponível em: <http://forumpermanente.incubadora.fapesp.br>. Acesso em: 01 jun. 2006.
80
Olímpicos de 1992 (LIMONAD, 2005), só para citar alguns exemplos.
No Plano Estratégico de Barcelona foram, portanto priorizadas as construções de
infra-estruturas de mobilidade internas e externas, novas infra-estruturas de comunicação,
grandes obras do complexo olímpico e desenho de novas áreas de centralidade. O modelo
de Barcelona tem suas principais ações “voltadas para o redesenho espacial das cidades face
a obsolescência da infra-estrutura urbana instalada nas novas relações de produção. Nesta
direção, o urbanismo ganha centralidade [...]” (SÁNCHEZ, 1999, p. 121-122). O
urbanismo, que fique bem claro, entendido como obras de grande impacto e visibilidade, o
urbanismo “espetáculo”, que não prioriza obras de saneamento e infra-estrutura básica de
bairros periféricos.
A noção de cidade-espetáculo aqui desenvolvida indica a espetacularização da
experiência urbana. Verificamos que muitas vezes os cidadãos - consumidores? -
têm uma atitude reverenciadora, complacente e, em última instância, passiva, em
relação à cidade. O espaço é transformado em cenário onde tudo é objeto de
consumo estético e contemplativo. Nesse sentido, é a cidade que está no centro da
cena, a cidade tornada sujeito, que em determinadas circunstâncias transforma os
próprios cidadãos em meros figurantes, atores secundários de seu roteiro
(SÁNCHEZ, 1999, p. 126).
Em todo o processo tiveram significativa importância o papel dos meios de
comunicação na construção da imagem pública do prefeito Pasqual Maragall, como um
“grande líder”, protagonista de todas as ações da prefeitura e que garante a continuidade de
seu planejamento (ele foi prefeito de 1982 a 1997) e na divulgação do reconhecimento
internacional da cidade como modelo. Isto foi de fundamental importância para legitimar as
intervenções ao longo de todos esses anos
Curitiba, por sua vez, como foi dito anteriormente, teve o início do processo de
construção de sua imagem na década de 70, com a implantação de um Plano Diretor,
elaborado em 1966, que “produziu mudanças profundas no tecido urbano e cujos eixos
foram a determinação de um novo desenho de vias estruturais com uso do solo específico
[...] e um modelo de transporte coletivo de ônibus expressos” (SÁNCHEZ, 1999, p. 122).
Pode-se dizer que a cidade saiu na frente se comparada às outras cidades brasileiras que
apenas na década de 80 começaram a trabalhar efetivamente para elaboração e/ou
implantação de um Plano Diretor. No entanto, é importante ter em mente que o Plano
Diretor instituído como obrigatório pela Constituição de 1988, para municípios com mais de
20 mil habitantes, e regulamentado pelo Estatuto da Cidade, em 2001, tem características
muito diferentes dos Planos Diretores elaborados anteriormente. Estes eram um
81
planejamento físico das cidades, enquanto aqueles tem como objetivo ordenar o
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Além de tudo isso,
não se deve considerar que este histórico político de Curitiba tenha o mesmo peso que a
política de internacionalização em prática em Barcelona há mais de 100 anos.
Apesar da construção da imagem de Curitiba como cidade-modelo ter sido iniciada
por volta dos anos de 1970, deve ser destacado o fato de o planejamento urbano ter se
iniciado já na década de 40:
[...] em 1940 dá-se início à elaboração do primeiro plano de urbanização de
Curitiba, o Plano Agache, implantado três anos mais tarde, isto é, em 1943.
Concebido dentro de uma visão funcionalista do espaço urbano, ou seja, a cidade
organizada em zonas funcionais bem definidas (comercial, industrial,
administrativa, etc), tal como o modelo europeu de urbanismo (BARZ: 1997), o
Plano Agache serviu de base para o futuro crescimento da cidade. Nessa época
Curitiba tinha pouco mais de 100 mil habitantes e, prevendo seu crescimento do
centro em direção aos bairros, os técnicos responsáveis pela execução do Plano
Agache deram prioridade ao planejamento físico da cidade com a construção de
avenidas e a realização de obras de infra-estrutura urbana. (SILVEIRA, 1998, p.
66).
O Plano Diretor elaborado na década de 1960 também priorizou o planejamento
físico da cidade, especialmente a estrutura viária e as áreas de preservação ambiental, o que,
posteriormente, foi determinante para a paisagem urbana resultante:
O Plano Diretor de 1966 vai definir as linhas da ocupação das chamadas vias
‘estruturais’, um sistema composto de três vias, duas para o tráfego de veículos e
uma exclusiva para o tráfego de ônibus coletivo, é um dos fatos que vai marcar a
paisagem urbana de Curitiba. Assim como a delimitação das áreas de fundo de
vale, previstas no plano para conter e regularizar a vazão dos rios, e prevenir
enchentes. Mais tarde, foram utilizadas estas mesmas áreas para a criação de
alguns dos parques urbanos existentes atualmente na cidade. (SILVEIRA, 1998,
p. 66).
No entanto, não foi apenas o pioneirismo de Curitiba na preocupação em elaborar
um Plano Diretor que garantiu que seu planejamento urbano alcançasse o status de modelo.
Fatores históricos sobre a dinâmica de crescimento populacional da cidade foram relevantes
nesse processo, como destaca Silveira (1998, p. 66-67):
Na verdade, a principal diferença de Curitiba em relação às outras metrópoles
brasileiras, é que nela foi possível efetuar um planejamento visando preparar a
cidade para o futuro, pelo menos no que diz respeito ao crescimento urbano.
Diferentemente de São Paulo e do Rio de Janeiro, por exemplo, o fluxo migratório
pra Curitiba foi muito pequeno até o final da década de 70, possibilitando a
realização de experiências urbanísticas que a tornaram, especialmente a partir dos
anos 80, uma referência em planejamento urbano no Brasil e no exterior.
Assim, depois de haver sido uma das primeiras cidades brasileiras a efetivamente
valorizar o papel do planejamento urbano nos anos 60, Curitiba se afirma como
cidade planejada nos anos 80. Período, aliás, em que o processo de
metropolização se acentua, através do crescimento populacional verificado tanto
82
nos municípios que integram a Região Metropolitana de Curitiba (RMC),
quanto no próprio município de Curitiba [...]. Cabe destacar que muitos projetos
urbanos que até hoje fazem a fama de Curitiba foram implementados neste
período de crescimento demográfico. Evidentemente que este crescimento
provocou o aparecimento de vários problemas sociais e ambientais comuns às
demais cidades brasileiras. Entretanto, Curitiba apresenta uma boa qualidade de
vida quando comparada à maioria das grandes cidades brasileiras. Aliás, foi essa
condição que se explorou para construir a imagem da cidade. Imagem esta que
tem sido bastante utilizada por governantes locais, tanto para atender interesses
políticos quanto para atrair e/ou ampliar novos tipos de investimentos e de
consumo, como é o caso do turismo e do lazer.
Não se pretende, no entanto, tirar o mérito das intervenções e do planejamento
elaborados no Plano Diretor de 1966 e da maneira como ele foi implementado ao longo da
década de 1970, uma vez que alguns de seus resultados positivos podem ser observados até
os dias atuais, comprovando terem sido elaborados a partir de um estudo criterioso com
visão a longo prazo:
A reformulação física da cidade, que ocorreu a partir de 1971, colocou o
transporte como elemento indutor do crescimento urbano. Em 1978 foi implantada
a RIT - Rede Integrada de Transporte -, na qual atualmente se desloca 85% da
população que utiliza ônibus. [...] Curitiba possui também um sistema de áreas
verdes muito bem planejado. Para cada um dos mais de 1,4 milhões de habitantes,
há cerca de 50 metros quadrados de área verde - número três vezes superior ao
recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Esse considerável índice de
área verde per capita foi um dos motivos que levou Curitiba a ser chamada de
‘Capital Ecológica do Brasil’. [...] Outras ações que também contribuíram para
que Curitiba ficasse conhecida como ‘capital ecológica’ são os projetos
ambientais desenvolvidos na cidade. (SILVEIRA, 1998, p. 67).
Merece ressalva o fato de que, sem dúvida, indicadores como a área verde per
capita e os projetos implantados de coleta seletiva e reciclagem de lixo e educação
ambiental escolar colaboraram para que Curitiba fosse reconhecida como capital ecológica,
mas o fator determinante para que isso acontecesse foi, mais uma vez, o marketing da
cidade. Através da mídia, Curitiba se autoproclamou uma cidade ecológica, uma vez que
neste modelo de planejamento, internamente a mídia tem o papel de produzir nos habitantes
a sensação de pertencimento e de participação, de orgulho da cidade, para
conseqüentemente obter adesão e consenso nos projetos governamentais lançados.
Externamente a mídia cria a idéia de cidade modelo que deve ser copiada por outros
administradores públicos, que oferece segurança e lucro para investidores e que deve ser
visitada por outros cidadãos do Brasil e do mundo, visando o incremento da atividade
turística:
Apesar de não possuir as características de uma típica cidade turística brasileira,
ou seja, não está no litoral, não tem clima tropical, nem tem a agitação das festas
83
mais populares do país como carnaval, Curitiba é hoje um dos principais
destinos turísticos da região Sul do Brasil. Os indicadores turísticos permitem
auferir uma importância crescente do setor de turismo na vida e na economia da
cidade. (SILVEIRA, 1998, p. 68).
Sánchez e Moura (1999) argumentam que à noção de cidade-modelo quase sempre se
associa a noção de “cidade sustentável” e este foi também o caso de Curitiba, onde os
indicadores de qualidade de vida ganharam destaque notável e foram criadas e associadas à
cidade várias imagens de marca, num esforço de reciclagem permanente: ‘cidade sustentável’;
‘cidade planejada’; ‘cidade de Primeiro Mundo’; ‘capital ecológica’; ‘capital brasileira da
qualidade de vida’; ‘Curitiba de todas as gentes’; ‘cidade saudável’ e ‘O Brasil urbano que deu
certo’.
Na década de 1990 as transformações urbanas deixam de ser estruturais e passam a
ser mais fragmentadas, centradas em obras urbanísticas grandiosas e de grande porte como
parques étnicos, novos centros culturais e áreas de lazer como o “Memorial da Cidade” ou a
“Ópera de Arame”, ruas de serviço chamadas de “ruas da Cidadania”, bibliotecas de bairros
chamadas “Faróis do Saber”, o Jardim Botânico, a “Universidade do Meio Ambiente”, a
“Rua 24 Horas”, entre as obras mais emblemáticas e com maior presença na nova imagem
da cidade (SÁNCHEZ, 1999).
Assim
como em Barcelona, a utilização dos meios de comunicação foi também
fundamental para reiterar a importância da continuidade histórica das intervenções,
reforçando, propositadamente, o protagonismo do prefeito (Jaime Lerner - 1971-1974, 1979-
1983, 1989-1992) para camuflar as articulações de poder dos diversos grupos econômicos
existentes.
A construção da identidade pública desses “grandes líderes urbanos” (Maragall em
Barcelona e Lerner em Curitiba) é feita através da mídia caracterizando-os como
“empreendedor, técnico, performático e apolítico”, o que colabora para o processo de
adesão e consenso nas tomadas de decisão (SÁNCHEZ, 1999, p. 126).
O que se tem observado, entretanto, é que o city marketing dessas cidades-modelo
vem sendo trabalhado tanto no sentido de supervalorizar as imagens positivas, como
também de camuflar e ocultar seus problemas e pontos negativos decorrentes da
transformação da cidade em produto e do cidadão em consumidor e expectador passivo.
No caso de Curitiba, Gonçalves argumenta que são selecionadas imagens de
“parcelas de uma cidade, organizadas de forma seletiva e conveniente aos interesses de
84
coalizões dominantes, que encobre e conduz à negação de sérias diferenças sociais e
espaciais encontradas” (GONÇALVES, 2001, p. 91).
Na busca do melhor desempenho entre as capitais brasileiras, o governo municipal
de Curitiba enfatizou, durante muito tempo, a qualidade de seus indicadores
locais, sem referência aos contrastantes indicadores dos municípios periféricos -
uma forma de adquirir visibilidade apenas a partir de um fragmento do espaço
metropolitano. Qualquer análise que revelasse as desigualdades internas ou as
crescentes condições de miséria circundante era sutilmente escondida.
(SÁNCHEZ; MOURA, 1999, p. 110).
Algumas das principais críticas ao modelo de planejamento adotado tanto em
Barcelona como em Curitiba baseiam-se na evidenciação de quem são os verdadeiros
agentes, escondidos atrás da figura simbólica do prefeito, e os reais beneficiados das
intervenções propostas. Investimentos públicos e privados, concentrados territorial e
socialmente, deixam transparecer que, muito além e, por vezes, ao contrário de serem “a
longo prazo, bons para todos”, eles atendem a demandas e interesses específicos e pontuais
que garantem maior arrecadação de impostos para a prefeitura. Isto explica a clara
contradição da cidade de Curitiba em se autoproclamar “cidade saudável” e, ao mesmo
tempo, incentivar a criação de um pólo automobilístico em sua Região Metropolitana. Do
mesmo modo que é antagônico ser uma cidade que tanto se preocupou com seu
planejamento físico e permitir a “proliferação de shopping centers com localização
desregulada e significativamente impactante para a cidade que, por outro lado, também
evidencia uma clara flexibilização da legislação de uso do solo” (SÁNCHEZ, 1999, p. 119).
As críticas ao modelo Barcelona podem ser apontadas a partir desse urbanismo
espetáculo, por um lado por priorizar obras de grande impacto e visibilidade, deixando para
segundo plano solucionar as carências sociais da cidade, que teriam um custo bem inferior
ao que é gasto com a produção dos mega-eventos.
Os planos estratégicos de Barcelona fizeram com que o valor de troca dos espaços
público superasse seu valor de uso. A conseqüência negativa é que o fenômeno da
privatização desses lugares, ou simplesmente, a troca do espaço público pelo espaço privado
ocorre de forma acelerada, no mesmo ritmo em que os bens culturais dão lugar aos produtos
culturais. Além disso, atualmente Barcelona assiste a mais uma onda migratória que amplia
a diversidade e traz novos desafios relacionados a emprego, educação, saúde e moradia. Ao
mesmo tempo, só recentemente se percebeu que o turista não vai a Barcelona para visitar
seus museus e salas de concerto, mas sim pelo ambiente da cidade, pelo espaço público que
ela oferece. Alguns espaços construídos para os eventos internacionais de grande porte, ao
85
contrário do que se esperava, tornaram-se ociosos rapidamente. De tudo isso resulta a
crítica de que se investiu muito ou de forma equivocada em projetos e intervenções de
menor importância, enquanto investimentos realmente necessários não foram realizados.
Para SÁNCHEZ (1999) isto aconteceu, por exemplo, na realização dos Jogos Olímpicos de
1992 para atender a fortes interesses do capital imobiliário internacional.
De acordo com Jordi Martí
48
alguns aspectos das intervenções urbanas realizadas
em Barcelona nos últimos 25 anos começam agora a ser questionadas diante do aparente
esgotamento de suas possibilidades, centradas no turismo, na realização de grandes eventos
e no setor de serviços. Além disso, a cidade tem sofrido com a contradição de ser muito
admirada pelos turistas, mas nem tanto pelos seus próprios cidadãos.
Além do valor de troca superar o valor de uso, da criação de simulacros
decorrentes das intervenções pontuais que conduzem à passividade do cidadão-consumidor,
a população resiste também a outro impacto negativo da inserção competitiva da cidade no
mundo globalizado: o risco de ser obrigado a abrir mão da identidade local para tornar-se
uma cidade global.
[...] partes da cidade de Barcelona resistem a tornar-se uma cidade global e a
perder uma identidade catalã, o que é extremamente positivo. [...] Contrapõe-se,
assim, a satisfação de necessidades da população residente às necessidades
impostas por outros setores e agentes sociais ligados ao turismo, à especulação
imobiliária que convertem os espaços urbanos, produzidos enquanto valor de uso
social, lugares de reprodução, vida cotidiana, consumo e satisfação de
necessidades sociais em objetos de consumo global. (LIMONAD, 2005).
Isso explica o confronto entre os movimentos sociais populares que desejam
preservar áreas históricas e planejadores, arquitetos e técnicos da prefeitura, aliados aos
especuladores imobiliários que defendem a renovação urbana.
Enfim, assiste-se à transformação do espaço de Barcelona: de lugar de consumo
torna-se lugar a ser consumido. O resultado é a coexistência de distintas formas de
apropriação do espaço social público e uma segregação funcional e social do mesmo.
Nos espaços destinados ao turismo imperam os cafés, restaurantes, a exibição de
atos ditos culturais, estátuas vivas, malabaristas, performers. Aí não há lugar para
o transeunte desfrutar sem pagar, seja para sentar e descansar, seja para se
entreter, se o quiser, deverá consumir; exceto pela contemplação das estátuas
48
Jordi Martí (professor de gestão cultural na universidade de Barcelona e coordenador do plano estratégico
da capital catalã de 1996 a 1999) ministrou palestra no projeto Aula São Paulo, da Prefeitura Municipal de
São Paulo, em 14 março de 2006, relatada por Durval Lara, disponível em:
<http://forumpermanente.incubadora.fapesp.br>. Acesso em: 01 jun. 2006.
86
vivas. Nestes espaços não se encontram equipamentos de lazer, nem bancos
para descansar e sentar. Já nos espaços de domínio da população residente
abundam os bancos, espaços para sentar, para jogar pingue-pongue, quadras de
bocha, balanços, escorregadores infantis e áreas para cães. (LIMONAD, 2005).
Apesar de coexistirem os espaços destinados ao turismo e os espaços destinados à
população residente, tanto em Curitiba como em Barcelona, a cidade, ou seja, seus espaços,
equipamentos, infra-estrutura, serviços e até mesmo sua paisagem, tem sido pensada mais
para o consumo do que para o simples usufruto. Dessa forma os investimentos nos locais
destinados ao consumo global são maiores do que nas demais áreas. Além disso, nos
espaços turísticos, os referenciais identitários da população local são gradativamente
substituídos por ícones e signos globais e os investimentos nas áreas destinadas à população
local têm como objetivo, muitas vezes, criar o sentimento de participação e pertencimento,
visando adesão aos projetos.
Figuras 15, 16 e 17: Em Barcelona, três fotos bem representativas das imagens socializadas: o anel
olímpico - renovação urbana realizada através da promoção de um megaevento internacional -, a
paisagem urbana de uma cidade modernizada e globalizada com uma obra arquitetônica
contemporânea de grande impacto visual e o bairro gótico preservado.
Figuras 18, 19 e 20: Em Curitiba, obras pontuais com forte apelo estético e ambiental: o Jardim
Botânico, a Ópera de Arame e o Bosque do Alemão.
Esta segregação espacial e a construção desta nova paisagem urbana, de acordo
com Zukin (1996, p. 205), vão além da intencionalidade dos administradores públicos e está
fortemente relacionada com os novos modos de apropriação cultural e a genialidade dos
87
investidores imobiliários que “consiste em converter a narrativa da cidade moderna em
um nexo fictício, uma imagem que é um grande embrulho daquilo que a população pode
comprar, um sonho de consumo visual”.
2.5 Considerações parciais
As análises dos estudos de caso deste capítulo evidenciaram que o turismo não
provoca sempre as mesmas transformações socioespaciais. Não se deve, portanto falar
destas transformações decorrentes da atividade turística de forma genérica, a não ser que se
esteja disposto a tentar enumerá-las em uma longa lista, a partir de tantos casos quanto se
puder imaginar, correndo ainda assim o risco de deixá-la incompleta.
As transformações socioespaciais irão depender da inter-relação de diversos
fatores e características do destino turístico. A identificação dessas especificidades é,
portanto, o primeiro passo para que seja possível estabelecer um paralelo comparativo dos
casos analisados, que permita estabelecer a relação geografia/turismo, para a avaliação
crítica da utilização dos conceitos geográficos.
Em primeiro lugar, destaca-se que a abordagem dos casos mostrou a importância
de se identificar quais são os sujeitos das ações que estão por trás da realização da atividade
turística, uma vez que são esses agentes sociais, de acordo com seus interesses, que irão
promover, estimular ou desencadear as intervenções espaciais nos destinos turísticos.
Assim, em Angra dos Reis, ligado à atividade turística, um dos principais agentes
transformadores do espaço foi o setor imobiliário, utilizando os potenciais benefícios do
desenvolvimento turístico para justificar suas intervenções e por isso denominado por Abreu
(2005) de capital turístico-imobiliário. O Governo Federal, também se destacou durante
anos como agente de transformação, antes mesmo do setor imobiliário, uma vez que sua
atuação iniciou-se muito antes da fase turística e foi responsável pelo seu surgimento. O
Governo Federal começou a participar da transformação do espaço angrense já na década de
1930 com a construção do Porto de Angra dos Reis, seguido da implantação do Estaleiro
Verolme, nos anos 50. Mas foi na década de 1970, com a construção da rodovia BR-101,
trecho Rio-Santos, que a instância federal do poder público, abriu as portas para o
desenvolvimento turístico, isto porque, além de facilitar o acesso ao município, criou
88
através da Embratur o Projeto TURIS que qualificou o município de Angra dos Reis
como local de exploração turística de classe ‘A’ e iniciou o processo de regularização
fundiária necessário para a viabilização da ocupação turística. Por outro lado, com menor
poder de ação, mas também atuando na transformação do espaço urbano, ainda que através
de movimentos de resistência, aparecem as organizações ambientalistas, os empresários do
setor turístico não vinculados ao capital imobiliário, os pequenos produtores rurais e as
comunidades tradicionais.
Em Lavras Novas destacam-se dois atores principais no processo de transformação
espacial, que de modo geral, atuam no mesmo sentido: os empresários e empreendedores do
setor turístico e a população local. Estes dois grupos desejam o desenvolvimento da
atividade turística e intervem no espaço para esta realização, através da busca por novas
áreas de loteamento, de novas construções e de novas propostas de uso e ocupação do solo
(construções de dois ou três pavimentos e transformações de áreas públicas em áreas de
estacionamento, por exemplo). A população local, de maneira geral, com renda e
escolaridade inferior aos empresários do setor turístico (a maior parte proveniente de Belo
Horizonte, Ouro Preto, Mariana e Ouro Branco) participa da transformação espacial,
porque, ao desejar o desenvolvimento turístico, está disposta a negociar seus imóveis ou a
transformá-los em equipamentos turísticos (pousadas, restaurantes, áreas de camping, casas
de aluguel, etc.) e, para isso, promovem reformas e ampliações, que alteram a paisagem e
geram adensamento. O setor imobiliário não aparece como relevante ator, provavelmente
pela baixíssima oferta de terras no distrito. O movimento de resistência, no caso de Lavras
Novas, é constituído principalmente por turistas residenciais, ou seja, aqueles que possuem
uma segunda moradia no distrito, aonde passam fins de semana, feriados e férias,
retornando à moradia principal, normalmente em Belo Horizonte, no período de trabalho.
Esta resistência é feita no sentido de tentar evitar o consumo de áreas impróprias para
construção, a descaracterização do patrimônio histórico, a perda da identidade local
(cultura, costumes e tradições) e as infrações contra a ordem pública por parte dos turistas,
como desrespeito à lei do silêncio e da propriedade privada, além de outros de caráter ético
e moral. Além disso, eles pressionam o poder público, até pela maior facilidade de acesso à
informação, para promover melhorias urbanas no distrito, como complementação das redes
de água, iluminação pública, limpeza urbana, calçamento de vias e elaboração de legislação
de uso e ocupação de solo.
No caso do Pelourinho quem se destaca como agente transformador do espaço são
89
os governos estadual e municipal, que através de vários planos, interviram no local
através da construção de novos equipamentos urbanos (por exemplo, a instalação de palcos
para apresentações), da reforma e revitalização de algumas edificações e de projetos de
remoção dos moradores “indesejados” (as pessoas de baixa renda, os moradores de cortiços,
os considerados marginais, as prostitutas, etc.) e de todo o comércio e serviço “inadequado”
ao projeto de desenvolvimento turístico, ou seja, aqueles voltados para o público de renda
inferior ou que não tenha interesse para os visitantes por não guardarem relação com a
parcela da cultura transformada em mercadoria.
Em Curitiba e Barcelona, são as administrações locais através de parcerias com a
iniciativa privada responsáveis pelas intervenções espaciais, tanto as pontuais, como
construção de equipamentos (praças, pavilhões para feiras, centros culturais, memoriais,
etc.), quanto as de maior extensão física e social, como obras de melhoria viária, transporte
público e projetos sociais, culturais e ambientais.
Ao fazer o exercício de identificar os principais agentes de transformação do
espaço foi evidenciada a importância que a história e trajetória político-administrativa pode
desempenhar. Com exceção de Lavras Novas, onde apesar de existir, o poder público pouco
influenciou no processo de transformação espacial, ou talvez tenha influenciado no sentido
de retardá-lo pela negligencia, todos os outros casos devem ser compreendidos a partir de
processos iniciados a 30, 50 e até 150 atrás. Cada um deles, ressalta-se, com suas razões
políticas e econômicas particulares e únicas, o que deixa claro tratar-se de especificidades
importantes que não podem ser ignoradas, nem reduzidas.
Em segundo lugar, nos estudos de caso transparece o papel fundamental que a
localização do destino pode ter no seu processo de urbanização, desenvolvimento turístico e
apropriação territorial.
A proximidade geográfica de Angra dos Reis com duas das maiores cidades
brasileiras - Rio de Janeiro e São Paulo - foi primordial na proliferação e ocupação dos
empreendimentos imobiliários de luxo. A localização considerada estratégica de Barcelona,
por sua abertura para o Mar Mediterrâneo, por ser local de transbordo e passagem para
quem viaja para outros destinos turísticos na Espanha, também facilitou a construção da
imagem de cidade globalizada, apta a receber investimentos e turistas de qualquer parte do
mundo, com garantia de fácil mobilidade e comunicação eficiente. No caso do Pelourinho,
ampliando-se a reflexão para toda a cidade de Salvador, sua visibilidade internacional é,
90
pelo menos em parte, devida a longos anos de projetos do Governo Federal e dos
governos estaduais na divulgação da Região Nordeste como destino turístico “tropical”.
Apesar do turismo no Pelourinho não ser viabilizado pelo atrativo natural, especialmente o
binômio “sol e mar”, o apelo publicitário que inclui a valorização da raça negra, a cultura
afro-brasileira e sua musicalidade acabam por facilitar sua exposição na mídia internacional.
Por outro lado, a dificuldade de acesso a Lavras Novas surge neste caso como
inibidor do desenvolvimento turístico e conseqüentemente retarda alguns impactos sócio-
espaciais que este poderia causar. Porém, sua proximidade geográfica com centros
potenciais na emissão de turistas (Belo Horizonte, Mariana e Ouro Branco) resultou em um
rápido aumento do número de residências secundárias no distrito.
Contudo, nem sempre a localização aparece como uma especificidade capaz de
determinar os rumos da urbanização e apropriação turística. Em Curitiba, por exemplo, a
localização geográfica não desempenhou papel de destaque nos processos e impactos
analisados.
Tudo isso reforça que estas especificidades dos destinos turísticos precisam ser
consideradas cuidadosamente, no momento de se avaliar os impactos sociais e espaciais
causados pela atividade turística.
91
3 CONCEITOS GEOGRÁFICOS DIANTE DO TURISMO
Até agora, para recapitular de forma resumida, este trabalho identificou lacunas e
inconsistências na literatura selecionada sobre turismo (capítulo 1) e especificidades nos
estudos de caso resgatados criticamente (capítulo 2). Nesse resgate dos estudos de caso,
procurou-se à medida do possível trazer à tona as reflexões que passavam pelos conceitos
que norteiam este trabalho: espaço, lugar, identidade e urbanização. A partir de agora, estes
conceitos geográficos serão revisitados, buscando compreender se e como a utilização
rigorosa e criteriosa dos mesmos colabora para a análise dos impactos sócio-espaciais do
turismo.
3.1 Globalização: redefinindo lugar e identidade
Observa-se um número considerável e crescente de estudiosos, analistas, políticos e
leigos afirmando que o turismo é uma das principais atividades do mundo contemporâneo, a
que mais cresce ou a de maior potencial econômico e social para várias regiões. A mídia e a
evolução tecnológica dos meios de comunicação evidenciam que a atividade turística está
em fase de ascensão e é impulsionada pelo desejo de consumo de paisagens e culturas.
Portanto, para avaliar e discutir as transformações sócio-espaciais exacerbadas pelo
desenvolvimento do turismo, será preciso contextualizar esta atividade neste momento
histórico atual, o da globalização. Não é rara a associação entre globalização e
homogeneização ou padronização, ou seja, associa-se o processo de globalização a uma
conseqüente transformação do lugar, através da pasteurização de sua cultura,
enfraquecimento de sua identidade e da perda de suas singularidades. O turismo
freqüentemente tem sido apontado neste processo com diferentes papéis dependendo do
enfoque que é dado. Ele é apontado como fator homogeneizante, por exemplo, quando se
fala de processos de criação de símbolos e imagens globalizados, de aculturação e de
proliferação de resorts e redes hoteleiras que oferecem o mesmo padrão de atendimento e
serviço, a mesma arquitetura, o mesmo design de mobiliário e até a mesma culinária em
92
qualquer parte do mundo em que se instalam. Ao mesmo tempo, é considerado como
fator que promove a valorização e divulgação das diferenças culturais, sociais, históricas e
naturais quando estas diferenças são o motivados da realização de inúmeras viagens
turísticas. Por tudo isso não parece adequado, nem mesmo viável, falar deste momento atual
sem discutir sobre os significados de identidade e cultura para esta nova sociedade da era da
globalização.
Mas então se pergunta: que sociedade é esta? Quais a suas principais características
e como ela está organizada?
Para Castells (1999, p. 17), a sociedade deste momento é a “sociedade em rede”,
que se originou com “a revolução da tecnologia e a reestruturação do capitalismo”. As
principais características da sociedade em rede, segundo ele, são a globalização das
atividades econômicas, a organização em redes, a instabilidade e a flexibilidade do
emprego, a cultura da realidade virtual com a mídia onipresente e, principalmente, a
transformação da relação com o tempo e o espaço. Esta transformação criou “um espaço de
fluxos” e “um tempo intemporal como expressões das atividades e elites dominantes” que
configuram uma nova forma de organização social com capacidade de penetrar todos os
níveis da sociedade em todo o mundo (CASTELLS, 1999, p. 17). Em contrapartida a essa
tendência à globalização e ao cosmopolitismo emerge a tendência de acirramento de
identidades coletivas, “que seguem os contornos pertinentes a cada cultura, bem como às
fontes históricas da formação de cada identidade”, incluindo também movimentos de
resistência em defesa de crença religiosa, da nação, da etnia, da família, da região e outros.
Doreen Massey, por sua vez, destaca que apesar da época atual ser de uma nova
fase de internacionalização do capital isto não é suficiente para explicar todos os fenômenos
que se tem observado, inclusive a incerteza do significado do lugar, e aponta para a
importância assumida pela mobilidade e pela comunicação, e, especialmente, pelo controle
destas na nova sociedade. Desta forma ela mostra que não apenas as relações econômicas
estão se modificando, mas também “a geografia das relações sociais está mudando”
(MASSEY, 1994, p. 184). A autora aprofunda na transformação atual do espaço e do tempo
apontada por Castells e trata este fenômeno como “compressão de tempo-espaço”. A
capacidade de difusão do processo de globalização, também afirmada por Castells, em todos
os níveis da sociedade em todo o mundo é ilustrada e, portanto, reafirmada pela autora
através de vários exemplos, esclarecendo sobre a noção de compressão de tempo-espaço,
como se pode verificar através da seguinte constatação:
93
Os jumbos permitem que consultores de computação coreanos visitem o Vale do
Silício como se batessem na porta ao lado, e que empresários de Cingapura
cheguem a Seattle em um dia. As fronteiras do maior oceano do mundo estão
ligadas como nunca. E o Boeing une essas pessoas. (BIRKETT, 1990 apud
MASSEY, 1994, p. 179).
Se por um lado Castells chama atenção para a força que ganham as identidades
coletivas, Massey aborda de forma diferente, mas não contraditória, o novo significado da
identidade. Para ela não existem identidades únicas e o que se enfatiza junto e através da
globalização é a singularidade dos lugares, contestando novamente a capacidade de
uniformização e homogeneização que se cogitou ter o processo de globalização.
A contextualização de Santos para o momento atual passa pela mesma contestação
sobre a globalização indicada pelos outros dois autores citados anteriormente, explicitada de
forma clara através da afirmação: “A uma maior globalidade, corresponde uma maior
individualidade” (SANTOS, 1996, p. 252).
Milton Santos propõe que uma das possibilidades para encontrar os novos
significados do lugar no mundo atual é através da consideração do cotidiano. Sendo assim,
após fazer a análise do papel da proximidade
49
no intercâmbio cultural e nos “encontros
que são inevitavelmente condicionados “pelas infraestruturas presentes [nos lugares] e suas
normas de utilização, pelo mercado territorialmente delimitado e pelas possibilidades de
vida cultural localmente oferecidas pelo equipamento existente” (SANTOS, 1996, p. 256),
ele chega a uma definição nova de lugar: “um cotidiano compartido entre as mais diversas
pessoas, firmas e instituições” (SANTOS, 1996, p. 258). O cotidiano é então considerado
como uma nova dimensão do espaço banal
50
, a dimensão do compartilhamento, das relações
inter-humanas, das trocas e da tomada de consciência do outro.
Ora, se lugar é um cotidiano compartido, um destino turístico constitui-se em um
lugar, uma vez que não se qualificou este cotidiano e que, portanto, é possível compreende-
lo como sendo a vivência dia-a-dia das pessoas que transitam por determinado espaço,
podendo ser elas turistas, trabalhadores, empresários, representantes do poder público e todo
e qualquer cidadão. Estas pessoas, ao utilizarem conjuntamente o espaço se apropriam dele
de diversas maneiras. Nesse sentido, não há porque considerar um parque temático como a
49
A proximidade a que se refere está relacionada com contigüidade física e, conseqüentemente, com a
construção de uma vizinhança.
50
“o espaço dos geógrafos” (SANTOS, 1996, p. 257).
94
Disney World um não-lugar, uma vez que também ali existe um cotidiano compartilhado
e apropriação espacial, ainda que efêmera.
Enquanto isso, Doreen Massey, partindo do questionamento do sentido de um
lugar local, se empenha na busca de um sentido progressista de lugar, ou seja, um sentido
que se adapte aos tempos globais de compressão de tempo-espaço em contraposição à noção
reacionária de lugar que ela havia detectado. O sentido reacionário provém da idéia de que a
globalização criaria condições de insegurança e um sentimento de vulnerabilidade que
provocaria a busca por um local de refúgio e afirmação da identidade, o que segundo
Massey é uma visão romantizada. Este sentido progressista de lugar passa por três
constatações básicas: os lugares não são estáticos, são processos; os lugares não têm
fronteiras (divisões demarcatórias); e, finalmente, os lugares não têm identidades únicas. A
síntese destas constatações culmina com o “sentido global de lugar” que significa que seu
sentido é “construído por meio da ligação desse lugar com outros lugares” (MASSEY,
1994, p. 185).
A definição de Massey, também não torna a realização da atividade turística um
fator que transforma um lugar em um não-lugar ou outra definição parecida. O sentido
progressista de lugar apenas contribui para esclarecer que à medida que o turismo representa
uma ligação do lugar com o mundo, seu desenvolvimento irá certamente transformar o
lugar. Isto é o que foi afirmado por Luchiari, como exposto no capítulo 1 e é o que parece
ser facilmente verificado no caso de Lavras Novas.
De certa forma, é possível verificar que, apesar de terem pontos de partida
distintos, Santos e Massey chegam a conclusões bastante convergentes. Afinal o papel da
vizinhança, segundo Santos, é dado exatamente pela “intensidade de suas relações” que leva
“a uma percepção global do mundo e dos homens” (SANTOS, 1996, p. 255). Essa idéia
parece ter muita semelhança com a “consciência global do lugar” (MASSEY, 1994, p. 185).
Geometria do poder” é a expressão utilizada por Massey para evidenciar que
“diferentes grupos sociais e diferentes indivíduos posicionam-se de formas muito distintas
em relação a esses fluxos e interconexões” da era da globalização (MASSEY, 1994, p. 179).
Mais do que isso, ela destaca também que a vivência da compressão de tempo-espaço, da
mobilidade e da comunicação, é vivenciada de forma bastante diversa, algumas vezes
contraditória, dependendo da raça, do gênero, da classe social, entre outras variáveis.
Diversa e contraditória pois alguns grupos e indivíduos se beneficiam com esse movimento,
95
outros não e ainda outros são prejudicados por ele. De acordo com Massey alguns
controlam este movimento e, assim, podem tirar proveito, enquanto outros são
“aprisionados” por ele. Um exemplo simples da própria autora pode ilustrar sua afirmação:
Do mesmo modo, toda vez que alguém usa um carro - e, portanto, aumenta sua
mobilidade pessoal -, ao mesmo tempo diminui o fundamento lógico e a
viabilidade financeira do sistema de transporte público - e assim também reduz
potencialmente a mobilidade daqueles que dependem desse sistema. (MASSEY,
1994, p. 181).
Santos, por sua vez, dedica-se a explicar como vivem os “pobres”, ou “fracos”, ou
ainda os “homens lentos” na cidade. A cidade grande, com sua capacidade de “atrair e
acolher as multidões de pobres expulsos do campo e das cidades médias”, é o “espaço onde
os fracos podem subsistir” (SANTOS, 1996, p. 259). Santos vai ainda mais além, e talvez
neste ponto seja bastante divergente de Massey, afirmando que:
Agora, estamos descobrindo que, nas cidades, o tempo que comanda, ou vai
comandar, é o tempo dos homens lentos. Na grande cidade, hoje, o que se dá é
tudo ao contrário. A força é dos ‘lentos’ e não dos que detêm a velocidade
elogiada [...]. (SANTOS, 1996, p. 259).
E ele justifica esta afirmação:
[...] os guetos urbanos, comparados a outras áreas da cidade, tenderiam a dar às
relações de proximidade um conteúdo comunicacional ainda maior e isso se deve
a uma percepção mais clara das situações pessoais ou de grupo e à afinidade de
destino, afinidade econômica ou cultural. (SANTOS, 1996, p. 259).
Castells, por outro lado, parece compartilhar mais com as idéias de Massey do que
com o raciocínio de Santos, afirmando que:
Com certa freqüência, a nova e poderosa mídia tecnológica, tal como as redes
mundiais de telecomunicação interativa, é utilizada pelos contenedores, ampliando
e acirrando o conflito em casos em que, por exemplo, a Internet se torna um
instrumento de ambientalistas internacionais, zapatistas mexicanos ou, ainda,
milícias norte-americanas, respondendo na mesma moeda às investidas da
globalização computadorizada dos mercados financeiras e de processamento de
dados. (CASTELLS, 1999, p. 18).
A desigualdade com que os indivíduos ou grupos vivenciam e experimentam o
progresso dos meios de transporte e comunicação e a reestruturação do capitalismo em geral
é inegável. A relação que se pode estabelecer, no entanto, entre a ‘geometria do poder’, a
força dos homens lentos e o turismo fica mais clara quando se retoma dois dos estudos de
caso analisados: de um lado Angra dos Reis e de outro lado o Pelourinho. Em Angra dos
Reis, os grupos sociais dominantes, representados pelo setor turístico-imobiliário e pelos
96
turistas de classe ‘A’, detêm mobilidade, informação e poder político e aquisitivo e tiram
proveito disso se apropriando das áreas de maior beleza física e natural, enquanto a
população local é repelida para a periferia da cidade. No pelourinho, o outro lado da moeda
é representado pelo movimento de resistência da população tradicional que conseguiu
preservar, durante anos, sua cultura, enquanto o novo centro atraia para si a modernidade. O
que acontece mais recentemente já é novamente a ação daqueles que possuem o acesso à
informação mais rapidamente e que tem a força econômica e política para se apropriar desta
área que agora tem um novo valor mercantilizado de sua cultura.
Retornando agora à reflexão do significado da identidade para a sociedade
contemporânea, Castells afirma que no último quarto do século XX houve um grande
avanço da identidade coletiva. Para este autor identidade pode ser definida como “a fonte de
significado e experiência de um povo” ou “o processo de construção de significado com
base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados,
o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significado” (CASTELLS, 1999, p. 22).
Além destas definições, que dão destaque para o “significado”, pois seria ele o responsável
pela distinção importante entre identidades e papéis
51
, Castells também faz outras
colocações interessantes a respeito de identidade. Primeiro ele afirma que pode haver
identidades múltiplas para um indivíduo ou um ator coletivo. Em segundo lugar, afirma que
“toda e qualquer identidade é construída [...] em um contexto marcado por relações de
poder” (CASTELLS, 1999, p. 23-24). O que difere, segundo Castells, a construção de
identidade na “modernidade” da construção da mesma na atualidade é que hoje esta se
origina da “resistência comunal”. A partir desta constatação, então, Castells irá trabalhar
com o conceito de comunidade local.
Doreen Massey, por sua vez, compartilha do pensamento de Castells sobre as
identidades múltiplas, sem, contudo, aceitar a utilização do termo ‘identidade’. Ela acredita
que apesar de um lugar possuir características próprias ele não tem uma identidade coesa,
um sentido particular partilhado por todos, pois as pessoas não são iguais e assim como elas
têm identidades múltiplas, também os lugares têm identidades. Diante disso, no entanto, ela
prefere diferenciar os lugares pelas suas “singularidades” e não pela sua identidade,
entendida por ela como “uma especificidade resultante de uma história longa, internalizada”
(MASSEY, 1994, p. 185). A singularidade, por sua vez, seria a “mistura distinta das
97
relações sociais mais amplas com as mais locais” (MASSEY, 1994, p. 185), ou seja, seria
também fruto da globalização das relações sociais no sentido positivo e não uma simples
reação ou necessidade.
Um ponto ainda mais divergente de Massey em relação a Castells é a sua recusa da
idéia de “comunidade”. De acordo com a autora um dos problemas da definição de lugar,
objetivo de seu trabalho, é a insistência de alguns autores em identificá-lo com a
“comunidade”. Para ela “as comunidades podem existir sem estar no mesmo lugar [...] [e]
mesmo onde existem, isso não implica um único sentido de lugar, pois as pessoas ocupam
diferentes posições no interior de qualquer comunidade” (MASSEY, 1994, p. 183).
Já o pensamento de Santos parece se aproximar um pouco mais de Castells quando
aquele trabalha a importância da vizinhança na construção do cotidiano e, portanto, do
lugar.
Fica clara, pela exposição dos autores, que a tendência de homogeneização e
uniformização do processo globalizante, especialmente em torno da evolução tecnológica
dos meios de comunicação, potencializando o poder da mídia, é, se não superficial, pelo
menos relativa. Diante de sua ameaça emerge o desejo de reafirmação das diferenças
locacionais, seja através das identidades ou das singularidades, expressas, reforçadas ou
construídas pelos movimentos de resistência.
O sentimento de pertencimento, a identificação do indivíduo com um lugar não
emergem simplesmente de uma história longa e internalizada, não tem a ver com local de
nascimento, nem com passado. Indubitavelmente a história, a cultura e a memória de cada
indivíduo contribuíram para a construção de sua percepção espacial. Mas o que realmente
conta para a construção da particularidade da dimensão local são as relações sociais que se
desenvolvem e entrelaçam no cotidiano de um locus específico, a percepção do próximo e a
consciência global do lugar, e conseqüente a construção de resistências e memórias
coletivas (MASSEY, 1994).
A relação direta que se pretende fazer entre espaço, lugar e cultura, resulta,
segundo Ferguson e Gupta (2000), em problemas significativos. Em primeiro lugar, a
definição da cultura daqueles que habitam as fronteiras, ou os que as cruzam
periodicamente, ou ainda aqueles que as cruzam de forma permanente. Em segundo lugar,
51
Papéis são relacionados com funções, como por exemplo ser mãe, trabalhador, sindicalista, religioso,
jogador de futebol, etc.
98
as diferenças culturais no interior de uma localidade, o multiculturalismo.
Sem dúvida, os povos sempre foram mais móveis e as identidades menos fixas do
que as abordagens estáticas e tipologizantes da antropologia clássica sugerem.
Mas, hoje, a rápida mobilidade e expansão dos povos combina-se com a recusa de
produtos e práticas culturais de “ficar parado” para dar um sentido profundo de
perda de raízes territoriais, de erosão da peculiaridade cultural dos lugares e de
fermentação na teoria antropológica. (FERGUSON; GUPTA, 2000, p. 35).
A aparente desterritorialização da identidade recoloca no centro das discussões as
questões: Qual o significado de falar em “terra nativa”? Que processos, em vez de essências,
estão envolvidos nas atuais experiências de identidade cultural?
Ferguson e Gupta (2000, p. 35-36) apontam para o fato de que não apenas quem se
desloca experimenta a desterritorialização da cultura e da identidade, “pois até mesmo quem
permanece em locais familiares e ancestrais vê mudar inelutavelmente a natureza de sua
relação com o lugar e romper-se a ilusão de uma conexão essencial entre lugar e cultura”.
Nesse sentido, a “terra natal” permanece um dos símbolos unificadores mais
poderosos para povos móveis e deslocados, embora a relação com ela possa ser
construída de modo diferente em cenários diferentes. (FERGUSON; GUPTA,
2000, p. 36).
Arantes chama a atenção para o fato de que:
‘Nunca se falou tanto em cultura e seus derivados como nos dias de hoje’ e
acrescenta que ‘a noção de cultura se expandiu a ponto de abarcar praticamente
todas as dimensões da vida social’. (ARANTES, 1996, p. 232).
Para o turismo isto se revela ainda mais forte uma vez que o intercâmbio cultural é
um dos principais objetivos e/ou principal motivação para a atividade.
A apropriação espacial é apenas um dos tipos de apropriação decorrentes da
atividade turística. Os turistas ao se apropriarem dos lugares, de uma forma mais ampla,
apropriam-se também da história, da cultura e da paisagem do local, transformando-as em
mercadoria de consumo.
Arantes (1996, p. 231) destaca que a cidade, no contexto da globalização, passou a
ser vista como um “repertório de símbolos”, onde “tudo vira cultura” e por isso é necessário
‘devolver’ aos cidadãos sua identidade.
A imagem é produzida a princípio a partir da cultura e da identidade de cada local,
porém, afirma Harvey (1995, p. 8):
Quando não há uma herança real suficiente em que uma imagem urbana atraente
99
possa ser fundamentada, torna-se imprescindível a construção de um pseudo-
imagem [...] ou de um senso especial de um lugar [...] através de um planejamento
urbano de características especiais do lugar.
Se
tudo isso falhar, ainda existe a possibilidade de se organizar espetáculos
urbanos. Festivais, feiras, desfiles, concertos, jogos olímpicos e eventos esportivos
fantásticos.
Foi desta maneira, unindo um extenso e vigoroso trabalho de city marketing, uma
requalificação urbana e um espetáculo urbano (jogos olímpicos de 1992), que Barcelona
conseguiu se tornar um dos grandes destinos turísticos da Europa, além de ter se tornado
referência de reestruturação urbana e modelo a ser seguido por outras cidades.
Tendo entendido que a cidade ‘precisava’ ser competitiva e que para isso precisava
ser tratada como um produto a ser vendido, o poder local de Barcelona utilizou o marketing
como instrumento fundamental para aumentar a capacidade de atração de sua mercadoria: a
própria cidade. Para isso o poder público assumiu a responsabilidade sobre as melhorias na
infra-estrutura física e modernização dos sistemas viários e de comunicação. Paralelamente
a isso, os meios de comunicação foram utilizados de forma a converter “cada canteiro de
obras, num local de visitação e passeio familiar”, “o que também evitou criticas pelo grande
transtorno causado à população” (SANCHÉZ, 1999, p. 118, 123). Ou seja, além de ter
conseguido consolidar internacionalmente uma imagem sócio-espacial positiva, conseguiu
adesão e, conseqüentemente, apoio da população local.
A busca pela identidade local, porém nem sempre chega a resultados considerados
suficientes ou adequados para o desenvolvimento e a sustentação da atividade turística.
Nestes casos a identidade precisa ser forjada (como foi explicitado anteriormente) e/ou o
processo de gentrificação é induzido.
Para ilustrar e melhor explicar o processo de gentrificação basta recordarmos do
caso do Pelourinho, em Salvador/BA, onde os investimentos em infra-estrutura e
requalificação urbana resultaram na valorização econômica do local. Isto repercutiu na
expulsão dos antigos moradores e criou condições propícias para a criação de uma nova
imagem e uma nova identidade (pseudo-identidade) do local, adequadas para atrair o turista
com o perfil social, cultural e econômico escolhido. As intervenções urbanas e a
“maquiagem” (chamada erroneamente de revitalização) feita nas edificações ajudaram a
transformar tudo num grande cenário.
As considerações de Zukin (1996) sobre gentrificação, de certa forma, ajudam a
compreender a relação que pode existir entre o desenvolvimento turístico e processos de
100
segregação espacial e transformação da identidade:
O processo de apropriação cultural freqüentemente começa nos bairros urbanos
históricos com passeios a pé. Esses roteiros são montados por voluntários que
individualmente se fascinam pela combinação de arcaísmo e beleza, ou
autenticidade e design, que por anos permaneceu oculta por detrás dos usos da
‘classe baixa’. [...] Mesmo nos estágios primordiais do enobrecimento, a
apropriação cultural é um processo em duas etapas. Primeiro, um grupo social que
não é relacionado de modo nativo seja à paisagem seja ao vernacular toma uma
perspectiva de ambos. Em segundo lugar, a imposição de sua visão -
transformando o vernacular em paisagem - conduz a um processo material de
apropriação espacial. (ZUKIN, 1996, p. 210).
Em relação à identidade local mais um agravante tem sido apontado: o processo de
aculturação das comunidades receptoras do turismo. Magalhães (2002, p. 50) afirma que “os
novos hábitos que surgem da interação turista/população têm se tornado um problema
carente de solução”. Isto pode ser melhor compreendido na medida que se avalia que, assim
como os turistas se deslocam buscando conhecer novas culturas, eles levam em sua
bagagem uma cultura que também é diferente e encontram nas cidades pessoas também
ávidas por consumi-las. Até então, pode-se presumir que deveria acontecer apenas o
desejado intercâmbio cultural. A raiz do problema reside no fato das comunidades
receptoras nem sempre estarem preparadas, no sentido de entender o valor de suas tradições,
seus hábitos e costumes, e começarem então a desprezar sua própria cultura e “substituí-la”
pela cultura do turista, mesmo que involuntariamente. Festas religiosas e pagãs começam a
perder seu valor, a culinária típica começa a ser substituída, até a maneira de vestir e a
linguagem utilizada são modificadas. O resultado é que além de perderem sua identidade,
perdem o seu principal atrativo para o turismo: a singularidade e a originalidade de sua
cultura.
3.2 Espaço turístico
Segundo Corrêa (1995) a Geografia é objetivada através de cinco conceitos-chave,
sendo eles paisagem, região, espaço, lugar e território. Destaca-se, no entanto, que de
acordo com a época foi dada maior ou menor importância a cada uma destas categorias,
assim como seus significados e representações variaram. Contudo, o espaço é apontado
como, além de um dos conceitos-chave desta disciplina, o objeto de estudo da Geografia.
101
Henri Lefebvre concebe o espaço como locus da reprodução das relações
sociais de produção (CORRÊA, 1995, p. 26). Milton Santos, inspirado em Lefebvre, merece
destaque, pois explicita teoricamente a forte conexão entre sociedade e espaço ao conceituar
a formação sócio-espacial. Para Santos o espaço só pode ser entendido a partir da sociedade
e esta só se concretiza através de seu espaço.
Enfim, Corrêa (1986, p. 55) chega a uma definição de organização espacial, que
segundo o próprio autor é uma expressão equivalente a espaço: “conjunto de objetos criados
pelo homem e dispostos sobre a superfície da Terra”.
Milton Santos (1985) determina cinco elementos que compõem o espaço - o
homem, as firmas, as instituições, o meio ecológico e a infra-estrutura. O objetivo desta
fragmentação do que ele mesmo afirma ser uma totalidade é facilitar seu estudo e
compreensão.
De certa forma dialogando com Santos, Magalhães (2002) propõe os componentes
de um espaço turístico: atrativo turístico, equipamentos e serviços indispensáveis ao
desenvolvimento da atividade, infra-estrutura de apoio turístico, instituições, demanda e a
comunidade.
Na geografia humanista, chamada por alguns autores de geografia comportamental,
lugar é o conceito-chave de maior relevância, seguido pelo conceito de território. Paisagem
e região são categorias revalorizadas, enquanto espaço tem sentido quando entendido como
espaço vivido. O conceito de espaço passa, portanto pela área que pode ser vivida,
experimentada, sentida por um indivíduo ou por uma coletividade. O espaço é, por isso,
marcado pela afetividade (CORRÊA, 1995).
Para Soja (1993, p. 25) é importante destacar a heterogeneidade do espaço:
O espaço em que vivemos, que nos retira de nós mesmos, no qual ocorre o
desgaste de nossa vida, nossa época e nossa história, o espaço que nos dilacera e
corrói, é também, em si mesmo, um espaço heterogêneo. Em outras palavras, não
vivemos numa espécie de vazio dentro do qual possamos situar indivíduos e
coisas. Não vivemos num vazio passível de ser colorido por matizes variados de
luz, mas num conjunto de relações que delineia localizações irredutíveis umas às
outras e absolutamente não superponíveis entre si.
A heterotopia é capaz de superpor num único lugar real diversos espaços, diversos
locais que em si são incompatíveis [...]. (FOUCAULT apud SOJA, 1993, p. 25).
No entanto, ao abordar neste trabalho o espaço e suas transformações a partir da
102
atividade turística, surge uma questão: o que é espaço turístico?
Desde que se deseja abordar o espaço produzido, consumido, organizado/
desorganizado e reorganizado pelo e para o turismo, é importante que se esclareça de que
espaço se trata. No entanto, Milton Santos já alertou que definir espaço “é uma tarefa
extremamente árdua” (SANTOS, 2002, p. 150). O espaço turístico abordado nesta pesquisa
é antes de tudo parte do espaço geográfico, do espaço social (e, portanto, de acordo com
Lefebvre (1993), um espaço de conflito entre valor de uso e valor de troca). O que o
diferencia, ou melhor, o que o particulariza em relação aos outros é a presença da atividade
turística.
Esta atividade por sua vez manifesta-se espacialmente através da existência de três
elementos fundamentais: áreas emissoras, via ou corredor de acesso turístico e área
receptora (PORTUGUEZ, 1996, p. 57), o que remete mais uma vez a uma peculiaridade da
atividade turística: apesar de ser a área receptora o espaço turístico propriamente dito, ele
não pode existir sem estes outros dois espaços - as áreas emissoras e os corredores de
acesso.
Isto é ainda insuficiente para a definição do espaço turístico, uma vez que a
definição de espaço geográfico tende a mudar com o processo histórico.
O espaço deve ser considerado como um conjunto de relações realizadas através
de funções e de forma que se apresentam como testemunho de uma história escrita
por processos do passado e do presente. (SANTOS, 2002, p. 153).
Mas como conceituar o espaço turístico? Quais os elementos o caracterizam? Quais
as suas dimensões preponderantes? E ainda mais: como analisá-lo?
Quando Santos (2002, p. 153) afirma que “[...] o espaço se define como um
conjunto de formas representativas de relações sociais do passado e do presente e por uma
estrutura representada por relações sociais que estão acontecendo diante dos nossos olhos e
que se manifestam através de processos e funções” fica claro que o espaço turístico não
poderá ser definido ou caracterizado apenas a partir de uma atividade do presente, mesmo
que ela seja a principal, - o turismo -, uma vez que as relações sociais do passado também
definem o espaço e estas podem ser anteriores ao desenvolvimento da atividade turística.
O recurso analítico proposto por Lefebvre (1993) - a decodificação do espaço
social em espaço percebido, espaço vivido e espaço concebido - facilita a compreensão da
multiplicidade de espaços que integram o espaço social. A noção de espaço absoluto,
103
espaço abstrato e espaço diferencial por sua vez contribuem para o entendimento do
processo histórico espacial.
Espaço vivido, ou espaço de representações, é aquele “diretamente vivido através
de suas imagens e símbolos associados [...], o espaço que a imaginação procura mudar e
apropriar” (LEFEBVRE, 1993 apud COSTA, 1999, p. 7).
No caso do espaço turístico observa-se que determinadas porções do espaço são
vivenciadas com intensidades e/ou períodos de tempo diferentes por diversos “tipos” de
usuários. Estes podem ser turistas, moradores da cidade, ou promotores turísticos e o que
determina a intensidade (tempo e forma de apropriação) com que estas porções do espaço
são vivenciadas é a função que ela desempenha (ou não) para a realização da atividade
turística. Assim, um atrativo turístico natural, por exemplo, uma queda d’água, será
vivenciado de maneira bem diferente por um turista ou por um habitante da região.
Provavelmente o turista que se deslocou para o município especificamente para ter lazer
através daquele atrativo passará várias horas do dia naquele local. O autóctone, por sua vez,
talvez, por já conhecer o local há muito tempo, não o ache tão interessante e o utilize mais
como local de descanso do que de lazer, por apenas poucos minutos. Também, por ter a
possibilidade de usufruí-lo em qualquer época do ano ou dia da semana, ele o freqüente
quando está sem a presença de turistas ou visitantes e, por isso, bem mais calmo e tranqüilo
do que nas férias ou fins de semana. Por outro lado, o contrário pode acontecer com o centro
comercial de uma cidade turística. Um turista pode nem chegar a conhecer esta porção
espacial da cidade se não houver nela um atrativo ou equipamentos de apoio ao turismo,
como restaurantes ou hotéis, enquanto um morador da cidade poderá passar horas do seu dia
no centro comercial trabalhando ou dele depender para realizar suas atividades cotidianas
como fazer compras, ir ao banco, etc. Se este centro, por outro lado, atrair o turista, por
oferecer produtos artesanais típicos, por exemplo, ele poderá passear por suas ruas com um
ritmo e uma disposição totalmente diferentes daquele morador anteriormente citado.
Portanto apesar de se tratar das mesmas porções de espaço, os espaços vividos para um e
outro indivíduo serão totalmente diferentes. Enquanto para um o centro significa trabalho,
para o outro significa lazer. Isto, é claro, não acontece só nas cidades onde se realiza o
turismo: um bairro pobre de uma cidade é vivenciado com mais intensidade pela parcela da
população de renda mais baixa enquanto os de mais alta renda irão vivenciar com maior
intensidade os shopping centers, por exemplo, mas o que nos interessa aqui é discutir o
espaço turísticos, buscando entender suas particularidades.
104
Espaço concebido, ou representação do espaço, é o “espaço dos cientistas,
planejadores, urbanistas, tecnocratas e engenheiros sociais.” Em outras palavras é o
espaço que os especialistas projetam e de certa forma enxergam sobre o espaço real. Isto
significa que os projetos de intervenção espacial criados por estes especialistas pode não
coincidir com o que os leigos imaginam para o mesmo espaço. Dependendo do
envolvimento e conhecimento do especialista sobre o desenvolvimento da atividade
turística, suas intervenções podem ou não levá-la em conta de diversas maneiras. Tomando
novamente a queda d’água como exemplo pode se estabelecer hipoteticamente três espaços
concebidos diferentes: um desejado por um grupo de moradores, outro por turistas e outro
pelo poder público. O grupo de moradores, diante da possibilidade de lucrar com a atividade
turística, poderia projetar uma ampliação e melhoria da trilha que leva até o atrativo visando
facilitar o acesso, não só dos pedestres, mas principalmente de produtos que possam ser
comercializados no local. Os turistas, por sua vez, por estarem buscando o contato com a
natureza, desejariam que a trilha permanecesse estreita e bastante rústica, melhorando
apenas sua sinalização. Já o poder público, preocupado com a preservação ambiental,
poderia desejar um maior controle do número de visitantes, evitando, portanto a sinalização
para que os turistas só possam chegar ao local acompanhados de guias devidamente
treinados.
O espaço percebido diz respeito às práticas espaciais, ao consumo e ao cotidiano
dos indivíduos que nele atuam ou dele participam. Neste espaço é que se identificam
também os fluxos materiais de produtos e pessoas. Estes fluxos, juntamente com a economia
de mercado e os pontos fixos determinam a existência das redes geográficas, segundo
Correa (2001). As redes geográficas do turismo têm algumas características particulares,
que serão, no entanto, abordadas no próximo tópico.
Sobre as práticas espaciais, o consumo e o cotidiano também se podem encontrar
peculiaridades para o espaço turístico percebido. Hiernaux Nicolas (1996, p. 42), ao estudar
a relação que se estabelece entre turista e espaço, evidencia as diferenças entre as lógicas de
ócio e de produção e afirma: “É através do deslocamento que o turismo permite desenvolver
práticas sociais distintas, aceitas ou não pelas normas de comportamento do mundo do
trabalho”
52
. Entre as práticas sociais distintas desenvolvem-se também práticas espaciais.
Mas o que são práticas espaciais? Segundo Harvey (1993, p. 261), elas “referem-se aos
52
Tradução da autora.
105
fluxos físicos e materiais, transferências e interações que ocorrem no e através do espaço
de tal forma que assegure produção e reprodução social”.
Lefebvre aponta para a relação dialética entre os três espaços que, na verdade,
constituem um único espaço, o social, do qual o espaço turístico participa. Além desta
relação dialética que se estabelece entre as três dimensões do espaço social, cada uma destas
dimensões varia de acordo com o ator focado - turista, população local ou agente do
turismo
53
- e, ao mesmo tempo, se superpõem coexistindo no mesmo espaço. As
contradições no espaço ficam mais claras quando são introduzidos os conceitos de espaço
absoluto, espaço abstrato e espaço diferencial, propostos por Lefebvre, pois, como já foi
dito, através deles é que será inserida a variante tempo, ou seja, o processo histórico.
O espaço absoluto é aquele determinado mais por laços consangüíneos, de
parentescos e vínculos com a terra, do que por processos econômicos ou sociais. É o espaço
que surge antes do capitalismo, quando a dinâmica econômica e socioespacial ainda era
pequena. Com o desenvolvimento do capitalismo, se sobrepõe a este espaço o espaço da
acumulação, ou espaço abstrato. “Este espaço abstrato abriga além de velhas contradições
que permaneceram ao longo da história ou, principalmente, novas contradições relacionadas
ao novo modo de produção” (COSTA, 1999, p. 8). É um espaço que deve ser funcional para
os processos de produção e reprodução social e de acumulação. Para tanto busca
homogeneizar, hierarquizar e neutralizar diferenças. Esta busca, no entanto, acaba por
destacar as contradições do espaço abstrato e daí emerge o espaço diferencial:
[...] o espaço abstrato contém dentro de si mesmo sementes de um novo tipo de
espaço. Chamarei esse novo espaço de ‘espaço diferencial’ porque, uma vez que o
espaço abstrato tende para a homogeneidade, para a eliminação de diferenças ou
particularidades existentes, um novo espaço não pode nascer (ser produzido) a
não ser que acentue diferenças. (LEFEBVRE, 1993, p. 52).
54
O espaço de diferenças que emerge da busca pelo resgate do valor de uso do
espaço, impedindo-o de transformá-lo apenas em valor de troca, revela-se através da
explosão de espaços a que se refere Lefebvre:
Por causa dessas contradições, encontramo-nos confrontados com um
extraordinário, pouco notado fenômeno: a explosão de espaços. Nem o
capitalismo nem o Estado podem manter o caótico e contraditório espaço que eles
53
Agente do turismo neste caso representa tanto o poder público interessado em incentivar o turismo, como
empreendedores turísticos, proprietários de meios de hospedagem e alimentação, capital turístico
imobiliário.
54
Tradução de Costa (2003, p. 12).
106
mesmos produziram. (LEFEBVRE, 1993, p. 52).
55
A luta entre valor de troca e valor de uso e a dinâmica social geradas por este
embate constituem a práxis sócio-espacial segundo a teoria lefebvriana de espaço. Assim,
“[...] a proposta de Lefebvre não está focada no objeto, mas no processo, que procura
incorporar a dimensão política do espaço em teoria e prática” (COSTA, 2003, p. 13).
Acreditando nesta proposta, é que, neste trabalho, busca-se compreender os processos que
levam à construção de um espaço turístico.
Sabe-se, no entanto, que:
A contribuição da teoria do espaço de Lefebvre para a análise urbana é
essencialmente uma inspiração. Com isto quero dizer que não há como se criar
categorias de análise empírica a partir dos vários conceitos de espaço que
Lefebvre menciona ao longo de seus textos. Ou seja, são conceitos teóricos que
lhe permitem construir uma teoria única sobre a produção do espaço que nos
autoriza construir hipóteses que guiem a análise urbana e contribuam para o
avanço no processo de conhecimento de processos sócio-espaciais. A
transformação de tais conceitos em categorias de análise empírica é um equívoco
que empobrece a contribuição teórica de Lefebvre. (COSTA, 2003, p. 13).
Enfim, o desenvolvimento da atividade turística, entre outras questões, cria uma
nova necessidade e uma nova forma de apropriação dos espaços urbanos, que gera conflitos
e pode culminar com a segregação espacial. Apesar disso, esta nova apropriação é legítima
mesmo que muitas vezes seja apenas temporária e proveniente de uma demanda externa.
Harvey (1993, p. 69) afirma, ao conceituar a cidade pós-moderna, que seu tecido urbano
seria “algo necessariamente fragmentado, um ‘palimpsesto’ de formas passadas superpostas
umas às outras e uma ‘colagem’ de usos correntes, muitos dos quais podem ser efêmeros”.
3.3 Urbanização: o que muda com o turismo?
O processo mais recente de urbanização brasileira, caracterizado pelo crescimento
da pobreza nas cidades, especialmente na médias e grandes, e por processos de segregação
espacial, ajuda a compreender as necessidades cada vez mais contundentes dos governos
municipais, principalmente os das grandes cidades, que desejam o desenvolvimento
turístico, a esconder a pobreza, através de estímulo a processos de gentrificação e
55
Tradução de Costa (1999, p. 08).
107
periferização.
De acordo com Santos (1994, p. 9 e 10) “a grande cidade, mais do que antes, é um
pólo da pobreza (a periferia no pólo...), o lugar com mais força e capacidade de atrair e
manter gente pobre, ainda que muitas vezes em condições sub-humanas”. E, de acordo com
ele, o crescimento de outras atividades econômicas não é capaz de reverter este quadro:
Algumas atividades continuam a crescer, ao passo que a população se empobrece
e observa a degradação de suas condições de existência. [...] O campo brasileiro
moderno repele os pobres, e os trabalhadores da agricultura capitalizada vivem
cada vez mais nos espaços urbanos. A indústria se desenvolve com a criação de
pequeno número de empregos e o terciário associa formas modernas a formas
primitivas que remuneram mal e não garantem a ocupação. (SANTOS, 1994, p.
10).
Ao mesmo tempo em que existe essa tendência de crescimento da pobreza nas
grandes cidades existe também a tendência do desenvolvimento do turismo nas mesmas e
nos seus arredores mais próximos, como foi explicitado no capítulo 1.
Complementando este entendimento, Henri Lefebvre, apesar de não abordar
especifica ou diretamente o turismo, reflete sobre este processo mais amplo e complexo que
faz com que o campo tenha cada vez mais características urbanas, devido em parte, quase
que paradoxalmente, pela fuga do urbano. O autor afirma, na defesa de sua hipótese da
sociedade urbana, derivada da urbanização completa da sociedade, que, segundo ele
acredita, surgirá depois da sociedade pós-industrial atual:
O tecido urbano prolifera, estende-se, corroí os resíduos de vida agrária. Estas
palavras, ‘o tecido urbano’, não designam, de maneira restrita, o domínio
edificado nas cidades, mas o conjunto das manifestações do predomínio da cidade
sobre o campo. Nessa acepção, uma segunda residência, uma rodovia, um
supermercado em pleno campo, fazem parte do tecido urbano. (LEFEBVRE,
1999, p. 17).
O conjunto das transformações que a sociedade atual atravessa, e que Lefebvre
acredita ser o passo para a consolidação da sociedade urbana, é chamado de revolução
urbana.
Da mesma forma, Monte-Mór (1994, p. 170) também questiona a pertinência da
oposição entre campo e cidade e reflete sobre as tendências de assentamento e povoamento
atuais. Sob a denominação de urbanização extensiva, ele também admite que o tecido
urbano seja “a trama de relações sócio-espaciais que se estende à região resultante da
explosão da cidade preexistente”.
108
Qual seria então a relação do turismo com essas novas lógicas de assentamento
e povoamento? O olhar ambiental de Monte-Mór (1994, p. 174) contribui para a
compreensão parcial
56
desta questão ao afirmar que “as áreas urbanas têm sido vistas
tradicionalmente como espaços mortos, do ponto de vista ecológico”. Disso é possível
compreender que a busca por qualidade de vida, contato com a natureza e distanciamento
das grandes cidades tornaram-se motivações para o desejo de secundas residências ou
destinos certos fora do núcleo urbano propriamente dito.
Isto traz uma luz para a compreensão do crescente número de condomínios e
propriedades particulares - sítios e pequenas fazendas - nas proximidades das metrópoles e
grandes cidades. Estes condomínios, por vezes são utilizados para o estabelecimento de
segundas residências com fins recreativos de lazer e descanso, assim como os sítios; por
outras vezes, no entanto, são usados como a residência principal ou única de famílias que
optam por realizarem na grande cidade as atividades cotidianas, como trabalhar, estudar,
fazer compras, etc. e no fim do dia se recolherem a estes ‘refúgios’, transformados quase em
dormitórios. Seus habitantes costumamo ter vínculo algum com o município onde
‘moram’ e continuam a se considerarem cidadãos, e mesmo munícipes, do centro urbano
onde passam a maior parte do dia.
Condomínios e sítios, contudo, não foram as únicas opções encontradas por
aqueles que querem escapar do caos urbano nos fins de semana e feriados. É crescente o
número de segundas residências localizadas em cidades menores, nas proximidades das
grandes cidades.
Por outro lado, políticas urbanas que privilegiam a apropriação de certos pontos da
cidade ou a especialização funcional de espaços por parte de segmentos sociais mais
abastados da população não são fenômenos da contemporaneidade, uma vez que
historicamente a legislação urbana e a ação do Estado ao intervir e investir em determinados
espaços também, e principalmente, provocam estes processos. Raquel Rolnik, em sua obra
A cidade e a lei, ao recuperar a trajetória da legislação urbana da cidade de São Paulo,
afirma que “juntamente com os investimentos em infra-estrutura, a legislação configurou
eixos de valorização do solo, hierarquizando e indexando mercados” (ROLNIK, 1999, p.
101) e destaca as políticas urbanas que propositadamente promoveram elevação de preços
56
Digo parcial por acreditar que não é apenas a questão ambiental que define esta relação. Outros fatores,
como especulação imobiliária, investimentos e incentivos do poder público, por exemplo, também vão
influenciar nesta relação.
109
de terrenos e aluguéis e determinaram zoneamentos específicos que excluíam certos
tipos de uso e ocupação do solo (residências multifamiliares, para acabar com os cortiços, e
instalação de indústrias) e mesmo práticas cotidianas foram proibidas (trânsito de carroças e
cavalos e comércio de rua), visando a especialização funcional de determinadas áreas e a
segregação social. Assim verifica-se como vem de longa data o privilégio do consumidor
sobre o cidadão comum.
Na década de 30 o poder público municipal, admitia que, na impossibilidade de
oferecer a toda a população o serviço de limpeza urbana, deveriam ter prioridade os bairros e
ruas asfaltados, iluminados e com redes de fornecimento de água, ou seja, os bairros ocupados
pelas classes mais altas, aquelas que poderiam pagar pelos serviços e ainda gerar lucros
(ROLNIK, 1999). O turismo surge então como um agravante desta situação, uma vez que o
turista apresenta também demandas solváveis e por isso muitas vezes tem recebido do poder
público um tratamento melhor que o restante da população, especialmente as classes mais
populares. Algumas comunidades se ressentem disso, como é o caso de habitantes de Ouro
Preto/MG, que em diversas declarações dizem que a prefeitura investe muito mais no que é
para o turista, do que o que é para a população em geral.
As novas políticas urbanas emergem diante do contexto atual de globalização e
fragmentação, de evolução tecnológica dos meios de comunicação e de transporte. A nova
questão urbana, que tem como nexo central a produtividade e a competitividade (VAINER,
2000, p. 75-76), faz surgir novas formas de governo e de urbanização, caracterizado por
Harvey (1996) como empresariamento das cidades e por Santos (1994) como urbanização
corporativa, expresso por Vainer (2000) e Sánchez (1999) através do discurso do
planejamento estratégico. Em comum esses autores evidenciam a transformação da cidade
em mercadoria a ser consumida por seus próprios habitantes e por turistas, empreendedores
e investidores, ao mesmo tempo em que anunciam as conseqüências negativas que tal
transformação pode significar.
Estas novas políticas urbanas e as novas formas de gerir as cidades abrem espaço
para processos de gentrificação e construção de simulacros (cenários, proliferação de
resorts e parques temáticos), em função do consumidor, seja ele turista ou não.
A pós-modernidade sugere, de fato, duas formas contrastantes de paisagem urbana
arquetípica. Para cidades antigas, como Nova York, Londres e Paris, as
transformações da pós-modernidade são modeladas sobre o enobrecimento. Para
cidades mais novas, [...] como Los Angeles e Miami, a paisagem pós-moderna
toma a forma do Walt Disney World, na Flórida. (ZUKIN, 1996, p. 206).
110
Santos (1994, p. 109) afirma que “o cidadão é não raro ensombrecido pelo
usuário e pelo consumidor, afastando para muito depois a construção do homem público.
Daí a busca de privilégio em vez de direitos”.
A preponderância e a centralidade do consumo, especialmente do consumo de
espaços, deixa claro como o turismo se insere confortavelmente na aplicação destas novas
políticas e como a atividade turística pode agravar o comprometimento da cidadania.
Vainer (2000, p. 78) “procura evidenciar que este projeto de cidade implica a direta
e imediata apropriação da cidade por interesses empresariais globalizados e depende, em
grande medida, do banimento da política e da eliminação do conflito e das condições de
exercício da cidadania”.
A analogia entre cidade, mercadoria e empresa, ressaltada por Vainer (2000)
facilita a compreensão do turismo nesta nova lógica. Ao se transformar a cidade em
mercadoria, pressupõem-se colocá-la à venda e aí cabe uma pergunta: a quem se pretende
vendê-la? A resposta é clara: “visitantes e usuários solventes” (VAINER, 2000, p. 80). Não
se quer vendê-la a cidadãos e, portanto, não se pretende planejá-la em função da
necessidade dos cidadãos. O que importa é criar a imagem de uma cidade segura, mesmo
que ela não o seja realmente, “é sempre possível criar cordões de isolamento e áreas de
segurança para os visitantes” (VAINER, 2000, p. 81). Neste sentido, a miséria é redefinida
como problema paisagístico ou ambiental, não é preciso combatê-la, apenas torna-la menos
visível ao consumidor.
A abordagem da cidade-empresa revela outra face perversa do planejamento
estratégico: a parceria entre o setor público e o setor privado, onde o setor privado deve ser
entendido como o interesse privado dos capitalistas e o setor público como o interesse
político de tirar proveito do privado na venda da mercadoria cidade. Enfim, pretende-se
“legitimar a apropriação direta dos instrumentos de poder público por grupos empresariais
privados” (VAINER, 2000, p. 89).
Para o turismo o processo de seleção e de re-elaboração de imagens de um lugar,
em consonância com seus potenciais visitantes constitui a produção e a veiculação de
paisagens construídas e naturais, valores e hábitos de convivência significativamente
diferentes dos realçados nos territórios preponderantemente do trabalho, idealmente
tipificados nas grandes metrópoles, onde justamente reside a grande massa de potenciais
turistas.
111
Um bom exemplo destas analogias é o caso de Barcelona, na Espanha,
analisado por Sánchez (1999, p. 121): “A força da experiência de reestruturação urbana de
Barcelona, viabilizada pelos Jogos Olímpicos de 1992, transformou a cidade em paradigma,
apresentada como modelo a ser seguido pelas cidades que procuram uma inserção
competitiva na nova ordem econômica”. E entre as cidades que têm procurado seguir este
modelo estão algumas cidades brasileiras, sem o devido cuidado de observarem diferenças
históricas de suas políticas públicas e seus processos de urbanização.
A atitude passiva e a transformação da cidade em sujeito indicam a terceira
analogia identificada por Vainer como cidade-pátria, e abordada por Sánchez através da
expressão “engenharia do consenso”.
Segundo Vainer (2000, p. 91) “a instauração da cidade-empresa constitui uma
negação radical da cidade enquanto espaço político”, então “como construir política e
intelectualmente as condições de legitimação de um projeto de encolhimento tão radical do
espaço público, de subordinação do poder público às exigências do capital internacional e
local?” A resposta é a necessidade de construção do consenso, viabilizado através de um
discurso que trata a cidade como uma unidade coesa. Dois elementos se destacam então
para a construção do consenso: a consciência de crise e o patriotismo de cidade. A
consciência de crise é o que sensibiliza, em um primeiro momento, a população e cria
condições para uma “trégua dos conflitos internos” (VAINER, 2000, p. 93). O patriotismo
de cidade vem em seguida, para tornar a sensibilização duradoura.
O compromisso patriótico de não romper a unidade necessária ao bom andamento
dos negócios nos quais a cidade está engajada, a abdicação do poder a um chefe
carismático, a estabilidade e a trégua assim conquistadas, seriam o preço a pagar
pelo privilégio de disputar, junto com outras tantas dezenas ou centenas de
cidades, o direito de ser escolhida como localização dos próximos investimentos,
das próximas feiras, das próximas convenções. (VAINER, 2000, p. 98).
Sánchez (1999, p. 128) vai ainda mais além, explicitando o papel da publicidade e
da mídia na produção do consenso:
De fato, ao lado dos que de uma ou outra maneira se beneficiam dos efeitos da
reestruturação urbana e, portanto, estão interessados em promovê-la, há um amplo
setor da população que não participa diretamente destes benefícios mas que,
entretanto, terá que assumir seus custos. A produção de imagem atua assim como
um instrumento de legitimação da reestruturação urbana para aqueles que são
indiretamente beneficiados por uma hipotética ‘gota de azeite’ que a longo prazo
acabaria por estender a todos o que hoje é bom para alguns. Mais além, já não se
trata de criar uma esperança futura, mas sim de mostrar os efeitos positivos
imediatos para todos os cidadãos por meio da criação de um sentimento de
‘pertencimento’ a uma cidade que melhora, na qual é um privilégio viver.
112
É válido lembrar que o exemplo de Barcelona é bastante ilustrativo para o
turismo, mas o modelo serve a um contexto mais amplo de produtividade e competitividade
entre as cidades, como já foi dito. As tentativas de sua reprodução no Brasil, como em
Curitiba e no Rio de Janeiro, não objetivavam prioritária ou unicamente o desenvolvimento
turístico. Ressalta-se, no entanto, que devido à grande notabilidade que o turismo vem
ganhando e o fato do turismo em Barcelona ter se revigorado através dessas políticas, outras
cidades brasileiras, especialmente turísticas, têm tentado reproduzir pelo menos parte deste
modelo e as conseqüências podem não trazer os benefícios que se espera, ou trazer ônus que
não se previam, pois:
[...] o paraíso utópico da cidade virtual pode revelar-se uma máscara para a
especulação e para os grandes empreendimentos, o estimulado civismo urbano
pode encobrir o desprezo pela participação substantiva do cidadão, a retórica do
multiculturalismo tende a transformar o ‘outro’ em simples imagem, vazia de
conteúdo, e a construção da cidade sustentável pode ser a última versão de uma
retórica apenas adjetiva, condicionada por um modelo político de exportação.
(SÁNCHEZ; MOURA, 1999, p. 112).
É neste sentido que Jacques Rancière (1996, p. 367) propõe a prática do dissenso e
a diferenciação entre política e polícia, como meio de combater o “discurso atualmente
dominante que identifica a racionalidade política ao consenso e o consenso ao princípio
mesmo da democracia”.
Para Rancière (1996, p. 382):
Não se pode renunciar a uma razão senão em favor de uma outra capaz de fazer
melhor o que a anterior fazia. Esse não é o caso da proposição consensual. Eis por
quê, fora de toda nostalgia, penso que não devemos nos decidir pelo
desaparecimento dessa razão política que resumi na palavra dissenso.
Em pesquisas sobre o turismo no Nordeste, Cruz (1997) também chama a atenção
para esta questão:
A necessidade de fazer turismo é colocada como prioridade nas sociedades
industrializadas deste fim de século, conduzindo à falsa sensação de que de que
todos têm condições materiais de fazê-lo, quando, na verdade, sabe-se que grande
parte da população mundial sequer consegue satisfazer suas necessidades básicas
de alimentação e moradia. (CRUZ, 1997, p. 217).
Um dos grandes equívocos decorrentes da criação artificial da imagem ‘paraíso
tropical’ consiste na mitificação da atividade turística, que passa a ser vista como
única possibilidade de redenção econômica do lugar: para residentes e visitantes o
turismo tem sido visto como ‘única saída’ para o Nordeste. A especialização
turística desses territórios implica, porém, riscos muito altos: a atividade turística
fortalece o setor de serviços, mas não garante o fortalecimento de outros setores
da economia local e regional. As políticas urbanas devem dar conta de que o
113
turismo é apenas um dos fatores a serem considerados no processo de
construção do lugar, já que ocorre concomitantemente a outras atividades.
(CRUZ, 1997, p. 218).
Diante de tudo que foi exposto é possível afirmar que o comprometimento da
cidadania pelo desenvolvimento da atividade turística vai muito além da falta de um “bom
planejamento” como se encontra publicado em diversas produções acadêmicas e científicas
sobre turismo e mesmo nas falas de políticos e leigos. É preciso inserir o debate das
políticas públicas de turismo no contexto mais amplo das políticas públicas urbanas se
deseja-se que o turismo não figure apenas como atividade capaz de promover uma
pseudocidadania e a falsa sensação de inclusão social em uma população ilusoriamente
coesa. Antes de se divulgar amplamente, como vêm sendo feito, a capacidade do turismo de
contribuir para o desenvolvimento, é essencial deixar claro para quem se pretende oferecer
este desenvolvimento.
114
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O espaço turístico tem características próprias e específicas, mas que se
manifestam diferentemente dependendo do “lugar” em que acontece, ou seja, dependendo
da identidade do lugar e da sua relação com o mundo. A relação lugar/mundo, global /local,
tem influência na construção do espaço turístico.
No caso de Lavras Novas esta relação é ambígua. A localidade se destacou, e ainda
hoje se destaca, e despontou para o turismo por causa de suas singularidades,
particularidades e peculiaridades, enfim características únicas, em parte, originadas do certo
isolamento físico causado pelas dificuldades de acesso. Ao mesmo tempo, seus habitantes
mostram-se ávidos por receber as informações do mundo, conhecer e ter acesso a tantas
coisas que até agora eram distantes, para dessa forma se incluírem no mundo globalizado.
Eles querem conhecer e incorporar costumes, hábitos e elementos de uma cultura mais
global, para assim se sentirem incluídos, modernos e globais.
Os turistas, por sua vez, valorizam a singularidade do local, mas querem adicionar
a ela singularidades de outros locais. É como se desejassem produzir uma colcha de
retalhos, onde os retalhos são as singularidades locais espalhadas pelo mundo, pelo global.
Alguns destes retalhos, ou seja, singularidades, são a cultura local, a religiosidade, os
costumes, a história, o povo, a arquitetura e os atrativos naturais, enquanto outros são o
esoterismo, o místico, o lúdico, as referências a outros lugares, arquiteturas diferentes,
comportamentos contemporâneos, etc. É assim que surgem na localidade os chalés suíços,
as cabanas românticas, e as pousadas sofisticadas. É assim também que comportamentos são
incentivados, mesmo que involuntariamente, como o ato de ir a um bar e tomar cerveja
gelada, como as moças ficarem até tarde na rua e também consumirem bebidas alcoólicas,
ou ainda colocar o som alto como se estivesse anunciando qual é o som atual, da moda.
Dessa forma, em Lavras Novas, observa-se a transformação do lugar, através da
incorporação de novos significados, novos signos e símbolos e da construção de um espaço
turístico, com alteração da paisagem, em decorrência da urbanização turística.
Ao contrário do que acontece em Lavras Novas, onde a construção do lugar e do
115
espaço turístico é produzida simultaneamente, mesmo com algumas divergências, pela
comunidade local, pelos turistas e pelos empresários do setor turístico, em Angra dos Reis a
formação do lugar e do espaço turístico acontece de modo a gerar mais exclusão e,
consequentemente, mais conflitos. Fatores político-administrativos históricos possibilitaram
o surgimento em Angra de um agente social forte e dominante, o capital turístico-
imobiliário, que, aliado ao fator da proximidade com as cidades do Rio de Janeiro e de São
Paulo, mais evidente ligação do lugar com o mundo, conseguiu implementar o
desenvolvimento de um turismo voltado para as classes de poder aquisitivo mais elevado,
concretizado espacialmente através de residências secundárias em condomínios de luxo,
hotéis, resorts, marinas e clubes, em contraste com a grande parcela da população local de
renda mais baixa, que foi ao longo dos anos atraída em conseqüência da implantação de
empreendimentos federais (porto, estaleiro, usinas nucleares, entre outros). Assim, a maior
parte da população local fica excluída socialmente da apropriação dos espaços que vão
sendo produzidos e consumidos pelo e para o turismo, ao mesmo tempo em que assistem a
transformação da paisagem natural e construída, através da incorporação de símbolos e
elementos que não tem relação com sua identidade e cultura e lhe são estranhos, também,
porque não tiveram a oportunidade de estabelecer relação efetiva com o que vem de fora e
representa parte do global. Dessa forma, criam-se não lugares para a população local ao
longo da orla marítima e nas áreas de maior beleza cênica, onde simultaneamente são
criados lugares exclusivos para os turistas. Ao mesmo tempo em que os lugares cheios de
significado e identidade para a comunidade local não tem importância ou são ignorados
pelos turistas, constituindo-se de não lugares. Surgem, portanto, lugares e não lugares
superpostos e relativos dependendo do foco da análise.
No caso do Pelourinho, a construção, ou reformulação, do espaço turístico se deu
através da intervenção e projeto do poder público com a promoção de uma nova forma de
apropriação do lugar, estabelecendo um novo perfil de usuário desejado. Houve exclusão
social e espacial dos usuários tradicionais e intervenções físicas que alteraram a paisagem e
principalmente a forma de apropriação espacial, com mudança de uso das edificações e,
consequentemente, perda de parte do significado do lugar, para que o espaço fosse re-
apropriado por novos usuários, provenientes da atividade turística que se desejava
desenvolver. Neste processo um novo espaço foi produzido e o lugar foi transformado, bem
como sua identidade foi alterada e sua cultura transformada em mercadoria.
Curitiba e Barcelona são casos onde o desenvolvimento de políticas públicas
116
urbanas centradas na produção e socialização de imagens tiveram grande participação na
construção do espaço turístico e na transformação do significado do lugar e da identidade
local através da criação do valor do lugar. A mídia, utilizada para construção de consenso e
adesão em torno dos projetos do governo, acaba por participar efetivamente da
transformação da identidade e do lugar.
A mídia tecnológica, controlada pelo seleto grupo social capaz de fazer uso da
compressão de tempo-espaço e transformá-la em vantagem, é o principal incentivo e
instrumento da homogeneização, influenciando tanto os governantes a buscarem soluções
econômicas e sociais para as cidades através de sua inserção competitiva no mundo
globalizado, quanto os turistas a desejarem os símbolos globais ou as cidades globais. E são
os movimentos sociais de resistência, formados pelas comunidades tradicionais, que
garantem a permanência das identidades e particularidades do lugar. Não é, portanto o
turismo que cria a tendência à homogeneização, apesar dele aparecer como um dos
instrumentos para isso ao se destacar como uma forma competitiva de inserção das cidades
na ‘guerra dos lugares’.
No paralelo estabelecido entre a utilização dos conceitos geográficos pela literatura
do Turismo e a reflexão e o debate destes mesmos conceitos teóricos na Geografia ficaram
claras algumas diferenças.
A maior distância entre as duas abordagens acontece com o conceito de espaço
que, enquanto no Turismo é tratado basicamente sob o enfoque de se identificar em quais
espaços a atividade turística se realiza, ou seja, quais são as características do espaço para o
turismo se realizar, limitando-se a refletir sobre a pertinência de se distinguir espaços
urbanos e rurais e de criar novas categorias de espaços que se adaptem â
contemporaneidade, na Geografia o conceito de espaço é entendido como o espaço
socialmente produzido, locus da reprodução das relações sociais de produção.
Os conceitos de lugar e identidade, que como foi visto, sofreram as maiores
transformações e necessidades de reformulação no novo contexto da globalização e do
fenômeno de compressão de tempo-espaço, ressoam no Turismo com bons ecos, por
encontrarem elementos e críticas que indicam a necessidade de reformulação e, portanto, de
reflexão e problematização. Independente de serem classificadas como certas ou erradas, as
questões relacionadas aos não lugares, à não apropriação ou às novas formas de
apropriação, produção e consumo do espaço e à importância de se preservar identidade,
117
autenticidade e originalidade suscitam debates que contribuem para o avanço do
conhecimento do Turismo.
Por fim, a questão da urbanização, que na Geografia é discutida em um amplo
leque que varia desde o movimento de migração do campo para as cidades e a
transformação das áreas rurais em urbanas até, mais recentemente, o processo de produção
do espaço, incluindo sua dimensão política e a “urbanização extensiva”, na literatura do
Turismo surge, quase invariavelmente e tão somente, relacionada à transformação das
paisagens.
118
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