Download PDF
ads:
U
FR
J
ESPAÇO PÚBLICO E VIDEOPOLÍTICA NO BRASIL, DE 1983 A 1989
Giovanni Codeça da Silva
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de Filosofia
e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Ciência Política.
Orientadora: Ingrid Sarti
Rio de Janeiro
Fevereiro 2003
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ESPAÇO PÚBLICO E VIDEOPOLÍTICA NO BRASIL, DE 1983 A 1989
Giovanni Codeça da Silva
Orientadora: Ingrid Sarti
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de
Mestre em Ciência Política.
Aprovada por:
_______________________________
Presidente, Prof. Ingrid Sarti
_______________________________
Prof. Marcos Bretas
_______________________________
Prof. Maria Lucia Maciel
Rio de Janeiro
Fevereiro 2003
ads:
Silva, Giovanni Codeça da.
Espaço público e videopolítica no Brasil, de 1983 a 1989/
Giovanni Codeça da Silva. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2003
x, 104f.: 30 cm.
Orientadora: Ingrid Sarti
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-
graduação em Ciência Política, 2003
Referências Bibliográficas: f. 97 - 104
1 .Espaço público. 2. Videopolítica. 3. Nova República. I.
Sarti, Ingrid. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Programa de Pós-
graduação em Ciência Política. III. Título.
RESUMO
ESPAÇO PÚBLICO E VIDEOPOLÍTICA NO BRASIL, DE 1983 A 1989
Giovanni Codeça da Silva
Orientadora: Ingrid Sarti
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
graduação em Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do título de Mestre em Ciência Política.
Este trabalho aborda as noções de espaço público e de televisão como
importantes elementos de construção da política nacional pós 1983. São
especialmente contemplados os processos de reconstrução democrática do espaço
público e o surgimento da videopolítica no contexto político nacional. O objetivo
central é o de investigar de que modo a forma tradicional da política brasileira é
alterada pela introdução do novo modelo da videopolítica na década de 80. O
objeto central da análise é a influência da Rede Globo na eleição do Presidente
Collor. Conclui-se que a configuração do espaço para o diálogo político adquiriu
uma nova forma de expressão como resultado da presença da televisão na política
brasileira, cujos efeitos serão profundamente sentidos no processo de
democratização da década de 90.
Palavras-chave: espaço público, videopolítica, Nova República, Rede Globo,
eleições.
Rio de Janeiro
Fevereiro 2003
RESUMO
PUBLIC SPACE AND VIDEOPOLITICS IN BRASIL, FROM 1983 TO 1989
Giovanni Codeça da Silva
Orientadora: Ingrid Sarti
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
graduação em Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do título de Mestre em Ciência Política.
This study approaches both notions of public space and television as
important elements for the post 1983 national politics construction. The democratic
reconstruction process of public space and the emergence of videopolitics in the
national political context are particularly analysed. The aim is to acknowledge how
traditional politics were affected by the introduction of the new videopolitics model
in the eighties. The mais focus is the Globo TV Net’s influence upon President
Collor’s election. It concludes that the space designed for political dialogue has
achieved a new expression as a result of the televison presence in Brazilian politics,
whose consequences will be deeply felt during the democratization stage in the
nineties.
Keywords: public space; videopolitics; New Republic, Globo Net, elections.
Rio de Janeiro
Fevereiro 2003
Minha Alma (a paz que eu não quero)
A minha alma está armada
e apontada para cara
do sossego
pois paz sem voz
não é paz é medo
às vezes falo com a vida
às vezes é ela quem diz
qual a paz que eu não quero conservar
para tentar ser feliz
as grades do condomínio
são para trazer proteção
mas também trazem a dúvida
se é você que está nesta prisão
me abrace me dê um beijo
faça um filho comigo
mas não me deixe sentar
na poltrona no dia de Domingo
procurando novas drogas
de aluguel neste vídeo
coagido pela paz
que eu não quero seguir admitindo
às vezes falo com a vida
às vezes é ela quem diz.
letra: Marcelo Yuka
música: O Rappa
Agradecimentos
Agradeço à minha orientadora, professora Ingrid Sarti, pela oportunidade de
trabalhar ao seu lado, a confiança depositada em minha pessoa, bem como pelo
respeito intelectual à livre criação. Pelo esforço final, dadas as circunstâncias em
que esta dissertação foi levada à banca. Meu agradecimento sincero pela
compreensão ao pedido de urgência.
Agradeço aos professores que compõem a banca, Maria Lucia Maciel e Marcos
Bretas, por prontamente aceitarem o convite. Aos professores da Escola de
Comunicação, Milton José Pinto e Muniz Sodré, pelas aulas ministradas durante o
curso, pela compreensão e paciência em apontar alguns caminhos para o
entendimento das teorias do campo da comunicação. Agradeço aos professores do
programa de Ciência Política. Em especial à professora Eli Diniz e aos professores
José Paulo Bandeira e Charles Pessanha.
Ao funcionário do programa, Francisco Mendes, só você fez a agf sair do plano
espiritual. A todos os funcionários da biblioteca ... os anjos que guardam as chaves.
À Juliana pela revisão da dissertação, pela paciência de dividir o pouco tempo e
pelo fato de oferecer-me algo extremamente primordial que me alimentou com
perseverança: amor. Te amo!
Aos meus pais - Jacira e Sérgio - pelo que sou e por serem o que são: os
responsáveis diretos pelos alicerces da construção do saber em minha trajetória.
SUMÁRIO
Introdução 1
Capítulo 1. Espaço público e videopolítica 4
Espaço público e videopolítica no Brasil
Diretas-já
Artimanhas do poder
Capítulo 2. Espaço público na quarta república 22
Mandato e concessões na videopolítica
O imaginário a serviço da Rede Globo
Capítulo 3. As eleições presidenciais 43
Sete candidatos e um destino
A busca pela modernidade: Brizola, Lula e Collor
Capítulo 4. Collor em três momentos 66
Collor: o marketing que o produziu
Collor: produto da videopolítica
Segundo turno: espaço público versus videopolítica
Conclusão 83
Referências bibliográficas 87
Apresentação
Este trabalho analisa uma temática do poder que envolve duas relevantes áreas do
saber: comunicação e política. A proposta central insere-se no campo de análise
das recentes transformações ocorridas na sociedade brasileira que refletem a
apropriação do espaço público e a inserção da televisão como mediadora das
relações de poder.
A hipótese central é de que a vitória de Collor no pleito de 1989 só foi
possível devido à adoção, pelo regime militar, de um aparato tecnológico, político e
social responsável pelo esvaziamento do espaço público que favoreceu a inserção
da televisão — Rede Globo — no debate político. Nosso objetivo é apontar as
mudanças que caracterizaram esse processo concomitante de apropriação do
espaço público e marcante presença da televisão na política brasileira. Presença
esta iniciada na década de 70 e consolidada no período de transição democrática,
tendo na eleição de Collor seu principal estandarte.
Duas questões impulsionam esta dissertação: seria possível pensar um
projeto elaborado com o propósito de esvaziar o espaço público e substitui-lo pela
mediação televisiva como agente principal nos processos de comunicação pública?;
e este processo de substituição teria sido capaz de elevar a televisão — Rede Globo
— ao status de formador de opinião pública? Utilizo-me da narrativa histórica como
ferramenta para respondê-las, aliando a análise política aos fundamentos teóricos
da comunicação.
A primeira parte desta dissertação tem como preocupação central
reconstituir tanto o processo de ressurgimento do espaço público — local de
manifestações políticas da sociedade civil — como a sua reconfiguração sob impacto
da televisão. A Nova República, ou Quarta República, compreende este período de
transição da tradição política nacional à uma nova fase marcada pela forte
influência da televisão no cenário político. Discuto e me oponho a consideração da
televisão como ‘quarto poder’, no primeiro capítulo, ressaltando que a mídia
desfruta de destaque na sociedade contemporânea devido a dois fatores inerentes
à sociedade de massas: velocidade e credibilidade. A seguir, abordo os conceitos
que irão permear toda a dissertação: espaço público e videopolítica. No segundo
capítulo, inicialmente, descrevo o projeto de integração nacional e aponto a
adequação do sistema de comunicação aos interesses militares. Este período de
expansão das comunicações coincide com a expansão da Rede Globo de Televisão.
Também faço referência à estratégia de poder que caracteriza a passagem do
governo militar para o governo civil. O caminho percorrido é o da emenda Dante de
Oliveira e seus efeitos no espaço público social. Analiso as manifestações no espaço
público, o trâmite da emenda Dante de Oliveira e a atuação da videopolítica. Os
aspectos principais da Nova República que se relacionam com as políticas adotadas
pelo governo e incluem tanto suas repercussões no espaço público como a atuação
da televisão são abordados no terceiro capítulo — os casos mais relevantes são as
votações na Constituinte de 1988 e as concessões de emissoras de televisão.
A segunda parte desta dissertação tem como preocupação central analisar a
eleição presidencial de 1989 e seus desdobramentos. Introduzo alguns aspectos
gerais da eleição e analiso a criação e implementação do horário eleitoral gratuito
como antítese à videopolítica. A seguir, comento as candidaturas dos concorrentes
à eleição, destacando a construção das candidaturas Brizola, Lula e Collor (quarto
capítulo). No quinto e último capítulo, o foco dirige-se para a imagem de Collor,
numa análise abrangente do processo de construção imagética de Collor como
candidato perfeito, com ênfase no empenho da Rede Globo de Televisão em
garantir a consolidação dessa imagem no cenário nacional. Concluo a dissertação
com as considerações finais referentes à relação espaço público e videopolítica.
Capítulo 1
Espaço público e videopolítica
As noções de espaço público e de videopolítica são originárias de campos e períodos
diferentes. A primeira advém da Grécia clássica, relacionada à política, à filosofia e à
história. A segunda é contemporânea e pertencente ao campo da comunicação e
política, diretamente vinculada às teorias de produção de sentido. Ambas as noções
são desenvolvidos por autores como Habermas, Wolton, Sennett, Sartori e Landi, que
assumem nesta dissertação o papel primordial para compreensão da realidade nacional
no período específico da década de 80.
1
Em diversos estudos a noção de espaço público confunde-se com o de esfera
pública, esta elaborada por Habermas no âmbito da teoria da comunicação como ação
coletiva.
Esfera pública é um fenômeno social tão elementar quanto ação, ator,
grupo ou coletivo, mas não se enquadra no conceito sociológico
convencional de ordem social. A esfera pública não pode ser
concebida como uma instituição e nem como uma organização. Não é
nem mesmo um quadro de normas com competências e papéis
variados, regulamentação de membros, etc. (...) A esfera pública não
representa um sistema e nem se refere à função ou ao conteúdo da
comunicação, mas ao 'espaço social' gerado pela comunicação.
2
E assim define esfera pública:
A esfera pública pode ser mais bem descrita como uma rede para se
comunicarem informações e pontos de vista (i.e. opiniões
expressando atitudes positivas e negativas); os fluxos de
comunicação são, no processo, filtrados e sintetizados de tal modo
que se aglomerem em feixes de opiniões públicas tematicamente
específicas. Tal como o mundo da vida como um todo, a esfera
pública também é reproduzida através da ação comunicativa, para a
qual o domínio da língua natural é suficiente; ela é configurada para
compreensibilidade geral da prática comunicativa do dia-a-dia.
3
1
HABERMAS, J. Civil society and the political public sphere; WOLTON, D. Use et abus
des médias; SENNETT, R. O declínio do homem público. As tiranias da intimidade;
SARTORI, G. Videopolítica; LANDI, O. Proposiciones sobre la videopolítica.
2
HABERMAS, J. Civil society and the political public sphere.
3
Idem: 362.
2
Habermas sugere que, como o conteúdo da comunicação, também o sujeito do
debate foi mediado. Assim, a esfera familiar responsável pela formação da
subjetividade e da autoconsciência começa a ser produzida pelos meios de
comunicação, em um processo que gera ainda uma esfera privada a partir da
desinteriorização da interioridade. O conceito rompe com o determinismo de tempo e
espaço, inserindo o real e o virtual através dos meios de comunicação nas mediações
da realidade. A esfera pública seria então o reflexo das transformações sociais que
modifica o espaço público.
Não obstante, diversas críticas a Habermas surgiram, questionando a
formulação da teoria da comunicação como ação coletiva. por esquecer os discursos de
persuasão que buscam sugestionar ideologias ou realidades específicas ou por
negligenciar os aspectos lúdicos da ação comunicativa. Para Bakhtin, Habermas não
reconhece o público como elemento capaz de sugerir e induzir transformações aos
meios de comunicação, por isso a não percebe que relação entre o público e os meios
de comunicação não é realizada em sentido único, o que existe são trocas entre
ambos.
4
Já Wolton
5
, para quem os meios de comunicação não furtam os
acontecimentos do espaço público, só a partir da utilização da mídia é possível um
espaço público legítimo na sociedade de massa:
... o espaço onde se trocam os discursos contraditórios dos três atores
que têm legitimidade para se expressar publicamente sobre a política:
os políticos, os jornalistas e a opinião pública através das pesquisas
de opinião.
6
As formulações de Wolton também têm suas restrições, na medida em que o
autor não define a noção de espaço público e não considera legítimos todos os
discursos políticos proferidos pela sociedade, mas apenas os discursos políticos
propriamente ditos, os jornalísticos e a opinião pública.
4
Ver BAKHTIN, M. La cultura popular en la edad media el renacimiento
5
WOLTON, D. Use et abus des médias
6
Idem: 30
3
Utilizando-se justamente do conceito de espaço público, Sennett
7
adota uma
explicação histórica do esvaziamento do espaço público, que teria tido início no final da
Segunda Guerra Mundial, com a construção do primeiro arranha-céu Lever House de
Gordon Bunshaft, em Nova York. Para o autor, a rua transforma-se em espaço morto
com a criação dos arranha-céus. O espaço coletivo dos pátios é um espaço
privado. O espaço público foi transformado em espaço de passagem. Este processo
restringe o espaço de interação social e, assim, limita o espaço de diálogo e de
manifestação. O espaço público está morto, decreta Sennett.
É interessante observar que quando surgiu a palavra público, identificava-se
com o bem público, na Inglaterra bem como na França. Com a chegada do século
XVIII, o desenvolvimento e a consolidação da burguesia altera seu sentido:
Na época em que a palavra 'público' já havia adquirido seu
significado moderno, portanto, ela significava não apenas uma região
da vida social localizada em âmbito separado do âmbito da família e
dos amigos íntimos, mas também que esse domínio público dos
conhecidos e dos estranhos incluía uma diversidade relativamente
grande de pessoas.
8
No século XIX, a questão moral adquire vigor e, não contida originalmente nos
domínios da política,
9
traz então a vida privada para a política:
Tendemos a descrever como líder 'confiável', 'carismático', ou 'alguém
que se pode confiar', aquele que for capaz de atrair grupos cujos
interesses são alheios as suas crenças pessoais, ao seu eleitorado ou
à sua ideologia (...) Essa credibilidade política é a superposição do
imaginário privado sobre o imaginário público e, também neste caso,
surgiu no século passado, como resultado de confusões
comportamentais e ideológicas entre os dois âmbitos.
10
Sennett declara o fim da vida pública a partir da transformação do público em
espectador. Esta passagem do público para o espectador retira da sociedade a ação, o
7
SENNETT, R. O declínio do homem público
8
Idem: 31. Para uma arqueologia do conceito de público que abrange seus sentidos
como espaço, esfera e opinião pública, ver a dissertação de SÁ, F. Opinião pública e
política. A apropriação de um conceito
9
Em Maquiavel, a questão moral na política é posta em debate. Ver, MAQUIAVEL N.
O príncipe
10
SENNETT, R. O declínio do homem público: 41
4
movimento, a contestação, em última instância a racionalidade reivindicatória
transformando todos em homens-massa.
11
Mas, seria a mídia responsável
pelo esvaziamento do espaço público? O autor responde que não. A mídia reforçou o
silêncio existente na sociedade, já que esta sempre delegou a ação no espaço público a
outros. O que a mídia fez foi apresentar-se no ato de representar a sociedade e traçar
novas ideologias a fim de manter a alienação social.
Neste trabalho, em suma, adotaremos o conceito de espaço público como local
físico de manifestações de movimentos sociais (mobilização política). Espaço público
espaço físico de domínio coletivo com relevância social — local de ação dos
movimentos sociais que buscam mobilização, ex.: praça pública. Espaço privado
espaço físico de convívio das relações primárias, ex.: casa. Esfera públicaão
transformada em informação originariamente pública que perpassa os espaços e
dialoga com a esfera privada — a busca é por visibilidade, com diria Thompson.
12
Esfera privada — ação transformada em informação originada no âmbito privado que
perpassa os espaços e dialoga com a esfera pública.
Reiteramos que nossa questão é refletir sobre as alterações causadas pela
presença da televisão na vida política, a partir da redefinição do espaço e da esfera
pública, tal como acima definidos.
Videopolítica
Em análise crítica da literatura latino-americana sobre televisão e política na
década de 80, Sarti observa que os estudos apontam a centralidade da mídia,
particularmente da televisão brasileira, na construção dos cenários políticos da
11
Termo utilizado por Gramsci para diferenciar os homens que pensam daqueles
que aceitam as coisas como dadas. GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da
cultura
12
THOMPSON, J. A mídia e a modernidade
5
democratização, corroborando o fenômeno cunhado por Sartori de videopolítica.
13
Definido pela introdução da cultura audiovisual nas relações sociais e, particularmente,
nas de poder, o termo simboliza as alterações surgidas a partir da inserção da
tecnologia comunicacional na vida política.
14
A videopolítica funcionaria numa
proporção diretamente inversa à eficácia dos partidos políticos, contudo, opera com
eficácia também nas sociedades onde os partidos políticos são fortalecidos. Na
avaliação de Sarti,
a possibilidade de uma contribuição democrática da televisão, assim
como de políticas democratizantes dos meios de comunicação em
geral, tende a ser considerada na razão inversa do grau de
concentração oligopolista dos meios e na razão direta da importância
dos partidos em cada contexto. Assim, na década de 80, é tida como
viável no Chile, de forte presença estatal no controle dos meios e
institucionalidade partidária expressiva. Ao contrário, a virtualidade
democrática da televisão é suspeita no México e no Brasil, com seus
conglomerados multimídia — Televisa e Globo — e frágil
institucionalidade partidária, onde a mídia tende a expressar os
grandes interesses privados.
15
A literatura dominante sugere, em suma, que a ausência de partidos políticos nacionais
estruturados teria deixado lacunas no processo de mediação que foram ocupadas pela
televisão.
Outro aspecto também assinalado por Sarti como consensual na literatura de
videopolítica, é a tendência, desta vez por parte dos políticos, de descaracterizar seu
próprio discurso e incorporar o estilo midiático.
A ‘pasteurização’ que nivela a política pela descaracterização do
discurso, tem sido apontada como um dos resultados reveladores da
submersão das identidades partidárias no universo unificador da
mídia, no qual é próprio que políticos não se destaquem por sua
experiência, pelo programa de seu partido nem mesmo por sua
capacidade de liderança no processo político, mas, como assinalou
13
SARTI, I. A construção midiática do poder: avaliação crítica da literatura;
SARTORI, G. Videopolítica
14
Divulgado e adaptado à realidade latino-americana por Landi. ver LANDI, O.
Proposiciones sobre la videopolítica
15
SARTI, I. A construção midiática do poder . Ver também TREJO D., R. Telecracia
no es democracia
6
Trejo, pela simpatia que seus ‘marketeiros’ conseguem suscitar nos
grandes auditórios.
16
Em suma, a videopolítica é parte das transformações que vem ocorrendo no
mundo, porém o emprego deste conceito deve evitar equívocos na transposição para a
especificidade de cada sociedade. O que faz a diferença...
é a forma como a videopolítica ocupa o espaço público da
representação partidária e interpela os movimentos sociais. Desta
avaliação emergem prognósticos distintos sobre o papel dos partidos
políticos na democracia contemporânea ... De modo geral, persiste a
preocupação de que, no espaço público configurado pela mídia, a
política tenda a perder seu conteúdo próprio e os partidos políticos
sua identidade como mediadores de interesses entre a sociedade e o
Estado.
17
Espaço público e videopolítica no Brasil
O espaço público brasileiro possui especificidades que apenas possibilitam
utilizar as referências externas como arcabouços. A história do Brasil tem vários
exemplos de utilização do espaço público, tais como os castigos aplicados no
pelourinho, que continham a noção de ordem social, ação punitiva e supremacia racial.
O espaço público em sua formação no período colonial foi marcado pela supremacia do
homem branco, agente superior que marginaliza os demais atores da ação social
através da violência.
18
Mas também faz parte da tradição brasileira que o espaço
público sempre tenha tido status de local para manifestações políticas: as ruas, as
praças e os estádios de futebol foram palcos privilegiados dos atores políticos.
Do governo de Getúlio Vargas aos Atos Institucionais da ditadura militar
16
Para Sarti, embora o registro da videopolítica se dê de forma quase-consensual,
em poucas áreas temáticas da pesquisa social contemporânea os estudos existentes
apresentam conclusões tão díspares e diagnósticos tão divergentes quanto no caso
da análise das mudanças nas formas públicas de comunicação. SARTI, I.
Representação e questão democrática contemporânea. O mal estar dos partidos
socialistas
17
SARTI, I. Representação e questão democrática ontemporânea.
18
Para a dinâmica do espaço público como espaço de coerção social ver
FIORENTINO, M. Em costas negras. O espaço público como espaço de coerção social
no período do Brasil Imperial é analisado por CARVALHO, J. M. Pontos e bordados:
escritos de história e política
7
estabelecida pelo golpe de 1964, o espaço público teve efervescência e dinamizou-se
como local de prática política.
Na sociedade brasileira não houve um confronto entre a televisão e os partidos
políticos, mas um processo de hegemonia político-cultural da Rede Globo de Televisão
que se consolidou na ditadura militar, quando demonstrou ser nítida sua adaptação
aos importantes momentos históricos das várias etapas da transição
Como episódio emblemático da intrincada relação entre televisão e política no
Brasil, vale rever o fenômeno das diretas-já, não obstante já ter sido motivo de
valiosos análises.
19
Diretas-já
Em fevereiro de 1983, o então deputado federal Dante de Oliveira, pelo PMDB do Mato
Grosso, propôs emenda constitucional prevendo eleições presidenciais diretas para o
ano de 1985. A primeira manifestação foi organizada pelo PMDB em junho de 1983 na
cidade de Goiânia. Em julho do mesmo ano foi a vez da cidade de Campinas. Com a
adesão da população, a cúpula do PMDB vislumbrou a possibilidade de organizar um
grande comício em Curitiba. A manifestação teve uma tríplice função para o PMDB:
avaliar a adesão popular; avaliar a reação dos militares e realizar e uma sondagem
sobre as intenções de voto dos manifestantes numa eventual eleição — sondagem esta
vencida por Leonel de Moura Brizola.
20
A direção do PMDB via-se diante de dois caminhos, tendo que optar entre
enveredar na luta contra o regime militar, tomando a campanha das diretas-já como
cruzada e disputando as eleições presidenciais em pé de igualdade com outros partidos
19
Ver SOARES, M. C. Televisão e democracia; TOSI, A. A massa na praça.
Mobilização e conflito na campanha das Diretas Já; GUIMARÃES, C. e AMARAL
VIEIRA, R. A. A televisão brasileira na transição (um caso de conversão rápida à
nova ordem)
20
Veja 18.01.84: 20. Nesta edição a revista conseguiu um furo de reportagem
sobre a sondagem realizada com os manifestante, na qual, sem a indicação do
nome de políticos, Brizola saiu vencedor
8
da oposição, mergulhando portanto, na incerteza da vitória; ou administrar
politicamente a campanha, negociar com o regime militar e garantir a disputa nas
eleições contra o partido do governo. Em outras palavras, as alternativas para o PMDB
eram romper o diálogo com o governo aliando-se às esquerdas, enfrentado a
possibilidade de recrudescimento da transição, e posteriormente disputar com as
esquerdas aliadas (PDT e PT) o posto de comando do país, apostando na
imprevisibilidade das urnas; ou manter o diálogo com o governo, conquistar a
dissidência do PDS, controlar as esquerdas a fim de gerenciar o pleito eleitoral sob o
signo da previsibilidade, visando a vitória dupla — o posto da presidência e de maior
partido de oposição .
Subseqüente à manifestação em Curitiba, ocorreu o comício em Teresina no
qual a adesão dos políticos ligados à esquerda deu-se em massa: Luís Inácio Lula da
Silva; Leonel Brizola; Franco Montoro; Teotônio Vilela; Ulysses Guimarães; e Tancredo
Neves. Além destes nomes, o movimento ganhou dimensões suprapartidárias e passou
a envolver as esquerdas, a sociedade organizada e toda a população.
No dia 25 de janeiro, aniversário da cidade de São Paulo, foi realizado na praça
da Sé outro comício pela campanha das diretas-já, com a participação de trezentas mil
pessoas. Embora o comício de São Paulo fosse estratégico para mobilização da opinião
pública, um dos mais importantes líderes do processo suprapartidário esteve ausente.
A ausência de Tancredo Neves estava longe de caracterizar-se como um desinteresse
deste pela mobilização, mas sim revelava as artimanhas e estratégias do poder.
Tancredo Neves, que ficara em Minas Gerais para ciceronear a visita do presidente
Figueiredo ao estado, declarou que a radicalização do processo ameaçava sua
continuidade, afastando assim a possibilidade de um consenso com as dissidências do
PDS.
21
21
Isto é, 01.02.1984: 13
9
Além de reunir as principais lideranças políticas o comício realizado em São
Paulo foi o primeiro a contar com a cobertura jornalística da Rede Globo de Televisão,
que até aquele momento se mantinha subserviente ao governo militar, inclusive a
ponto de omitir de seus noticiários nacionais as manifestações em favor das diretas.
Através de pesquisas realizadas pelo Instituto Gallup
22
e encomendadas pela direção
da emissora, avaliou-se que a permanência da política adotada pela emissora poderia
comprometer sua legitimidade e audiência junto ao público.
A força com que o espaço público se impôs à televisão, leia-se Rede Globo,
levou a emissora de Roberto Marinho a redirecionar seu enfoque, num processo de
assimilação dos fatos que viria a se tornar conversão posteriormente
23
. A cautela que a
Rede Globo teve para aderir aos acontecimentos, não só a colocava na contramão da
história social do país, como também revelava a duplicidade do jogo de interesses que
cercava o momento. Todos os benefícios advindos do protetorado militar e sua
comunhão no projeto de integração nacional a impediam de posicionar-se diretamente
contrária ao regime militar, bem como, a cautela com relação a um contragolpe militar
frente ao avanço das massas e da insurreição de um governo de coalizão
trabalhista/sindical, mais principalmente pelo medo latente de uma vitória de Leonel
de Moura Brizola.
24
22
O Instituto Gallup foi chamado para avaliar o apoio da população a eleição
direta. O resultado revelou que 85% dos eleitores eram favoráveis. Entre os
eleitores do PDS o resultado atingiu 75%. O resultado da pesquisa levou o líder da
bancada governista e responsável nomeado pelo presidente Figueiredo para
cuidar da transição, José Sarney, a afirmar que Nós não nos podemos enganar
e pensar que os militares vão aceitar um Brizola ou qualquer outro incendiário no
poder. Este é o risco de uma eleição direta agora (Veja 01.02.1984)
23
Ver particularmente, GUIMARÃES, C.e AMARAL VIEIRA, R. A. A televisão
brasileira na transição (um caso de conversão rápida à nova ordem)
24
O temor de Roberto Marinho decorria da política adotada por Brizola durante sua
passagem no governo gaúcho - caso ITT, multinacional estatizada por Brizola. As
artimanhas utilizadas pela emissora incluiam desde falsas informações como
irregularidades e perigo de desmoronamento do Sambódromo, até o caso pró-
Consult
10
A emissora noticiou pela primeira vez a campanha das diretas-já, ainda que
veladamente no início do ano,
25
aproveitando-se da comemoração do aniversário da
cidade para transformar o comício da campanha repleto de políticos em um movimento
artístico-musical:
... o Jornal Nacional pela primeira vez exibiu para todo o Brasil
imagens de uma manifestação pública em favor das diretas. Foi
um segmento curto, camuflado e empobrecido, dentro de um
quadro que englobava todos os atos de comemoração do 430
º
aniversário da cidade de São Paulo e mereceu, durante sua
edição, a atenção direta do próprio Roberto Marinho.
26
No mês de fevereiro, multiplicaram-se as manifestações reivindicando as
diretas-já. Em São Luís do Maranhão, quinze mil pessoas se reuniram para gritar em
coro pelas diretas-já. As luzes dos palanques acenderam-se em Macapá, onde dez mil
pessoas compareceram para manifestar-se a favor da campanha. Uma passeata reuniu
cinqüenta mil pessoas no Rio de Janeiro, um comício em Belém do Pará teve a
presença de sessenta mil e, em Belo Horizonte, sessenta mil pessoas compareceram à
praça principal da cidade A reação militar aos sucessivos comícios veio através do
porta-voz da presidência, Carlos Átila, e dos três ministros militares que, baseados nos
relatórios do SNI, divulgaram nota relatando a possibilidade de instauração de um
novo período de intervenção. A magnitude dos comícios levou o presidente Figueiredo,
aconselhado pelo seu ministério, a convocar os líderes do PDS para exigir-lhes união. A
exigência do presidente foi esquecida imediatamente pelo vice Aureliano Chaves que
anunciou seu apoio à emenda Dante de Oliveira. Como efeito do comício de Belo
Horizonte, sentiram-se os pronunciamentos dos militares e da convocação do
Presidente. O então governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, solicitou que as
bandeiras dos partidos comunistas não fossem acenadas e que os discursos
proferidos fossem amenos em relação ao presidente Figueiredo. Com a participação
25
Jornal Nacional 25.01.84
26
A observação é do jornalista Tarso de Castro, que bem define a atitude da Rede
Globo. Folha de São Paulo 30.01.84
11
de trezentas mil pessoas os oradores do PMDB canalizaram suas críticas a Paulo
Salim Maluf e ao PDS. As exceções foram Brizola e Lula que permaneceram na luta
contra os militares e em seus discursos atacaram novamente o presidente Figueiredo e
seus antecessores.
As idas e vindas entre o governo e a oposição chefiada por Tancredo Neves
levaram a uma divisão clara dentro do PMDB. O governo percebendo a ameaça da
campanha, propôs ao PMDB a elaboração de uma emenda prevendo eleições diretas
para presidente em 1988, o que significava uma redução do mandato do novo
presidente. Tancredo, chefe da ala moderada do partido, desejava a negociação com o
governo. O que ia de encontro aos desejos de Ulysses Guimarães, que pretendia
negociar tal possibilidade apenas após a votação da Emenda Dante de Oliveira. A tática
do governo levou Brizola a adiar a data do grande comício do Rio de Janeiro, alegando
motivos de saúde.
Embora adiada pelo governador do Estado, o comitê pró-diretas manteve a data
inicial de 21 de março. Uma grande passeata organizada na Avenida Rio Branco contou
com cento e cinqüenta mil pessoas. Os artistas foram poucos mas o discurso de Lula
marcou a manifestação ao bem expressar o descontentamento da população: estão
falando na existência de conchavos e articulações por baixo dos panos, mas
não adianta porque o povo nas ruas vai passar por cima de quem ficar na
frente.
27
Os comícios seguiram independente dos conchavos políticos. No dia 31 de
março, mesma data do pronunciamento do presidente João Figueiredo nos meios de
comunicação em cadeia nacional, quarenta mil pessoas em Cascavel, no Paraná,
reuniram-se no pró-diretas
28
. A conseqüência direta das manifestações populares foi a
27
Veja, 28.03.84
28
Seguiram-se a estes comícios os do dia 2 de abril em Londrina, com a
participação de quarenta mil pessoas; o do dia 5 em Recife - Largo do Santo
Amaro, com a presença de oitenta mil manifestantes; e o do dia 6 - todos em
12
convocação, a partir do comitê pró-diretas, de uma paralisação no dia da votação da
emenda Dante de Oliveira (25 de janeiro). A notícia espalhou-se como rastilho de
pólvora e, para os setores conservadores, era o anúncio de uma grande greve geral.
Imediatamente o governo fez saber que novamente Brasília estaria fechada a
manifestações, através do decreto de medidas de emergência.
A plenitude dos comícios e a adesão do povo não permitiam mais adiar o
comício nas duas cidades mais importantes do país - Rio de Janeiro e São Paulo. No
dia 10 de abril, ainda pela manhã, era possível ver a movimentação de centenas de
pessoas. Outra movimentação também podia ser percebida ... a da emissora de
televisão Rede Globo. Frente ao avanço dos comícios e a força proveniente das ruas, a
Rede Globo não poderia mais escamotear, denegrir, mentir ou omitir as informações. A
tática de noticiar os comícios apenas em seus boletins regionais colocou-a numa
posição difícil. Por suas últimas ações a emissora era percebida como mecanismo do
regime ditatorial, um entulho militarista antidemocrático. A solução de seu
proprietário, Roberto Marinho, foi abrir o jornalismo da emissora e realizar uma grande
cobertura com todo aparato tecnológico. A Rede Globo rendia-se à invasão do espaço
público que fazia publicitaro comício.
29
Na tarde daquele dia nas ruas do centro do Rio de Janeiro, um milhão de
pessoas espalhavam-se da estação ferroviária Central do Brasil à igreja da Candelária,
seguindo da praça Mauá a Cinelândia. O showmício contou com a participação de
inúmeros políticos e artistas. Lula discursou frente ao povo e ao lado dos políticos que
anteriormente tramavam nos corredores do Palácio do Planalto: ... ou a gente se
abril - em Natal, no qual cem mil pessoas invadiram as ruas para alavancar
definitivamente o movimento suprapartidário
29
Consagração do esfera pública, tal qual concebido no primeiro capítulo, fruto das
ações realizadas no espaço público e levadas ao espaço privado afim de
publicizá-las como informação verídica e imutável ( por parte do meio
transmissor )
13
acovarda e morre de cabeça baixa, ou a gente toma coragem e morre lutando pelo
direito do nosso povo.
30
O maior articulador da oposição junto ao governo, Tancredo Neves, entendeu o
recado de Lula e frente a um mar de pessoas ávidas pelo direito de escolher
diretamente seu presidente afirmou
... estão querendo fazer deste país uma democracia sem povo e
sem votos, e a única maneira de impedir que essa vontade da
minoria dominante prevaleça sobre a vontade da maioria usurpada é
através de demonstrações como essa, democrática, ordeira e
determinada.
31
Antes do desfecho apoteótico de um milhão de pessoas cantando em coro com
Fafá de Belém o hino nacional, o governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola
proclamou em tom otimista: vamos preparar nossos títulos que as eleições diretas não
estão longe.
32
Além dos efeitos práticos do comício e da vitrine nacional de um milhão de
pessoas nas ruas, outros dois aspectos caracterizaram o comício do Rio de Janeiro. O
primeiro foi a afirmação, em tom coloquial, do Presidente Figueiredo de que se
estivesse no Rio de Janeiro seria o milionésimo primeiro cidadão no comício. A
afirmação do Presidente que estava em viagem pela África irritou o bloco governista. O
segundo aspecto, e este de extrema importância para vida política da sociedade
brasileira, refere-se à adesão da Rede Globo à campanha das diretas. O realinhamento
da emissora se deu a partir da cobertura do comício do Rio de Janeiro. A utilização de
um helicóptero e de um dirigível permitiu as tomadas aéreas que davam dimensão
exata da magnitude do comício. A intervenção na programação através dos dezenove
flashes; os dez minutos cedidos durante o Jornal Nacional e principalmente a
30
Jornal do Brasil, 11.04.84
31
Idem e Rede Globo de Televisão 10.04.84
32
Folha de São Paulo 11.04.84
14
interrupção da novela das oito para transmissão do desfecho do comício, revelaram a
nova posição da Rede Globo.
Mas o que se escondeu atrás deste súbito realinhamento? Entre os vários
fatores que explicam a decisão de Roberto Marinho, interessa-nos enfatizar os
seguintes: a força do espaço público em organizar-se e atuar como grupo de pressão;
o isolamento cada vez maior do bloco governista e a adesão de diversos dissidentes à
campanha, sinalizando a perda da força de contenção militar e a dificuldade de opor-se
através de um contragolpe; a manutenção de sua credibilidade e legitimidade junto à
sociedade, possibilitando a adequação da emissora a um novo regime civil; e, por
último, a elevação da audiência da emissora em quinze pontos percentuais em relação
ao índice que a novela vinha alcançando. Na ocasião, o dono da emissora Roberto
Marinho limitou-se a declarar:
Devido ao seu gigantismo e ao fato de que o Jornal Nacional é
acompanhado atentamente pelo governo, a Globo é sempre mais
cautelosa... Achamos que os comícios pró-diretas poderiam
representar um fator de inquietação nacional e por isso
realizamos, num primeiro momento, apenas reportagens
regionais. Mas a paixão popular foi tamanha que resolvemos
tratar o assunto em rede nacional.
33
A última grande etapa deste curto processo de sucessivos comícios de ampla
repercussão
34
ocorreu em 16 de abril, no Vale do Anhangabaú, São Paulo. Mais de um
milhão de pessoas reuniram-se para exigir eleições diretas. O clima de festividade e
esperança dividia espaço com o de preocupação e tensão. O governador de São Paulo
apoiou o movimento, mas preferiu eximir-se da responsabilidade da organização.
Tancredo Neves lembrava a todo instante a necessidade de se garantir um
andamento democrático para os acontecimentos. A voz dissonante, e logo a mais
33
Veja, 18.04.84
34
Em 12 de abril, duzentos e cinqüenta goianos, participaram de um novo comício
na capital do estado. No dia seguinte, em 13 de abril, dois comícios movimentaram
a opinião pública: em Porto Alegre uma multidão de duzentos mil pessoas agitaram
a região sul; e em Ipatinga/MG cinqüenta mil pessoas gritaram diretas-já
15
ovacionada pelo mar de pessoas ali presentes, foi a de Lula. Mais uma vez, como em
outros comícios, a voz do ex-líder sindical era a mais próxima da população
... o povo brasileiro já não suportará mais quatro anos de
governo biônico (...) a oposição não tem o direito de trair o
povo; não vamos negociar a decência e a hombridade do povo
brasileiro ...
35
A grande vencedora do comício foi a Rede Globo de Televisão. Em seu esforço
em apagar a imagem negativa da falta de cobertura ao diretas já em seu início,
Roberto Marinho transformava agora Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Leonel
Brizola, Luís Inácio Lula e Franco Montoro em estrelas do horário nobre de sua
programação.
O governo então lançou mão de todo seu aparato ideológico, institucional e
coercitivo para evitar uma coalizão definitiva entre o centro e a esquerda. A proposta
de uma emenda com eleições diretas em 1988 já havia movimentado diversos setores
da oposição. Aproveitando-se da receptividade a esta emenda, o governo a enviou
para análise do Congresso. Decretou também estado de emergência em Brasília
impedindo assim a marcha das diretas (se fosse necessário, como o foi, a PE estaria
autorizada a utilizar barricadas para alcançar seus objetivos). Através de censura
prévia, impossibilitou os meios de comunicação de transmitirem os comícios, bem
como a votação da emenda Dante de Oliveira.
Com este quadro de pressão o governo esperava uma votação a seu favor.
Logo duas alternativas apresentaram-se a Tancredo Neves e aos moderados do
PMDB (inclusive os governadores dos Estados): seguir com a campanha das diretas,
aliar-se definitivamente às esquerdas, enfrentar a possibilidade de uma guerra civil e
mergulhar na incerteza das urnas numa disputa direta com Brizola ou o PT; ou
posicionar-se ao lado do governo, garantir a aliança com os dissidentes do PDS e partir
para uma disputa pacífica com o candidato indicado pelo governo.
35
Folha de São Paulo 17.04.84
16
A política celebrada nas ruas foi traída pela política de gabinete. No dia 25 de
abril de 1984, quando a emenda Dante de Oliveira foi votada no Colégio Eleitoral
de uma Brasília sob estado de emergência, as lideranças que participaram do
movimento pelas diretas traíram o povo. Os trezentos e vinte votos necessários para
alterar a Constituição não foram confirmados. O resultado final — 298 votos a favor;
65 contrários; 113 abstenções; e 3 faltas — enterrou a maior mobilização nacional nos
últimos vinte anos. Este resultado deve-se em muito à atuação do líder do PDS e
encarregado pelo presidente Figueiredo de coordenar a sucessão, José Sarney, que
conseguiu manter a aliança entre os governistas.
A derrota da emenda era a derrota da democracia. Naquele momento a
esperança da população brasileira que integrou e entregou-se ao movimento pró-
diretas foi também derrotada. O golpe branco dos traidores feriu a democracia que
viria instaurar-se, deixando ao povo um legado de desesperança e desconfiança em
relação a seus representantes. Estava iniciado o movimento de reestruturação do
paradigma da política nacional, que calava o espaço público e dava voz à política de
gabinete, logo mais expressa pela televisão.
Artimanhas do poder
A derrota da emenda Dante de Oliveira decorrente dos votos políticos na Câmara dos
Deputados marcava o semear dos males da futura República. Os sinais seriam sentidos
a partir da crise da política, tendo na crise de representatividade e na falta de
engajamento seus principais sintomas. As alianças e o reposicionamento político
iniciaram-se em seguida. Miguel Arraes (PMDB) e outros políticos (inclusive do PCB, na
ilegalidade) passaram a apoiar o nome de Tancredo Neves para concorrer à eleição
indireta de 1985.
No interior do PMDB ainda havia divergências quanto ao nome do candidato que
disputaria com o PDS. Tancredo Neves congregava dissidências do PDS e era visto com
17
bons olhos pelo governo; Ulysses Guimarães era o preferido pelo partido para
concorrer à eleição em caso de diretas. As vozes dissonantes foram caladas quando o
secretário do governador de São Paulo, Roberto Gusmão esclareceu que a condução do
processo de escolha do candidato à eleição seria realizada pela cúpula do partido.
36
Estavam assim afastados do processo os partidos de esquerda e da própria esquerda
do partido.
Embora tendo como praticamente certa a indicação do nome de Tancredo
Neves para disputa eleitoral, setores do PDS ainda preocupavam-se com a esquerda
peemedebista que pregava um processo de culpabilidade e punição dos militares
envolvidos em atos administrativos danosos e na violação dos direitos humanos, bem
como da sociedade como um todo — processo conhecido como argentinização, no qual
os militares argentinos responderam judicialmente pelo período ditatorial.. O apoio da
dissidência do PDS era de extrema importância, pois o PMDB ainda não dispunha da
maioria dos votos no Colégio Eleitoral para garantir sua vitória.
Enquanto isso o clima no PDS estava conturbado. Governadores de estados
nordestinos apoiavam a candidatura de Tancredo Neves por medo de enfrentarem o
repúdio da sociedade advindo das urnas em eleições futuras. Os dois nomes
previamente defendidos no PDS eram o de Paulo Salim Maluf e Mário Andreazza.
Ambos enfrentavam resistências dentro do próprio partido e a aversão da sociedade
civil. A convenção do partido marcada para agosto inquietava a todos. A cúpula do PDS
formada pelo presidente do partido José Sarney, Marco Maciel e Jorge Bornhausen,
utilizava-se de todos os mecanismos possíveis para alterar a indicação das
candidaturas à convenção. Segundo a imprensa,
37
a cúpula queria promover uma
prévia incluindo todos os filiados, vetando assim o nome de Paulo Maluf. Mas, o
36
Veja 23.05.84: 3
37
Veja 13.06.84: 18
18
candidato recusou-se a participar da prévia, o que motivou definitivamente a
desintegração do PDS e resultou na criação da Frente Liberal.
Em 5 de julho foi formada a Frente Liberal que congregava José Sarney,
Aureliano Chaves, Marco Maciel, Jorge Bornhausen, Esperidião Amim, Roberto
Magalhães, Luiz Rocha, Gonzaga Motta, Jair Soares entre outras figuras importantes
da base governista. No dia 18 de julho José Sarney foi confirmado vice-presidente na
candidatura de Tancredo, estabelecendo assim a Aliança Democrática. O resultado
imediato da Aliança Democrática foi a cisão do PT com o PMDB e a acusação do partido
de esquerda de que o PMDB havia capitulado frente ao governo militar. Também o PDT
mostrou-se desfavorável à Aliança assumindo o espaço da esquerda no Rio de Janeiro
e em Minas Gerais.
A despeito das deserções que vinha sofrendo o partido, a bancada malufista
confirmou o nome de Paulo Maluf na disputa presidencial ao derrotar Mário Andreazza.
O resultado da convenção causou novas baixas no partido. Antônio Carlos Magalhães,
Hugo Napoleão e o banqueiro Olavo Setúbal (que viria financiar a campanha de
Tancredo) passaram a integrar a Aliança Democrática. As seguidas adesões dos
dissidentes do PDS ao nome de Tancredo Neves sacramentaram qualquer esperança
de Ulysses Guimarães em concorrer à indicação do partido. O último passo rumo a
certeza da vitória era a garantia de que os militares no governo não se rebelariam
contra o resultado da eleição.
Embora o presidente Figueiredo demonstrasse insatisfação com o nome de
Paulo Maluf, manteve o apoio ao candidato do PDS sinalizando a intenção de receber o
resultado
das urnas sem sobressaltos. Mas, para que os militares garantissem a não intervenção
no pós-eleição, eram necessários mais benefícios aos militares. Para tal a habilidade de
Tancredo Neves em negociar foi posta à prova. Tancredo em encontro com o ministro
Walter Pires acertou as condições para que a transição ocorresse. Em troca da não
19
intervenção no processo decisório, Tancredo Neves ofereceu a não argentinização, ou
seja, garantiu que nenhum militar seria caçado, julgado ou responsabilizado
criminalmente pelos delitos cometidos durante a ditadura militar;
38
manutenção do SNI
e outros direitos; e a preservação de inúmeras instituições militares.
Os acordos realizados transformaram a transição numa transação entre elites
políticas com o apoio dos empresários (Olavo Setúbal, Abílio Diniz, Antônio Ermírio de
Moraes, entre outros) e respaldo pelo diálogo com FMI, afastando da disputa as
esquerdas e a sociedade como um todo. A tão propalada redemocratização ficava
adiada para os próximos pleitos. O PMDB utilizou-se da sociedade para legitimar-se e
garantindo sua posição com o aval da ditadura militar.
O projeto militar de transição assim estava próximo de alcançar a máxima
satisfação. Garantia sua presença na vida política, afastava a ameaça da coalizão
sindical-trabalhista, repassava a responsabilidade das dívidas econômicas e sociais,
garantia a instituição e a sua imagem. Fazia-se eficiente também no legado que
estabelecia com sua saída: ruptura da cidadania através da queda do nível
educacional; desmoralização da política; permanência das elites no poder através de
seus representantes políticos; e a ideologia de que manifestações e badernas tinham o
mesmo significado:
... a banalização da violência praticada pelo Estado. Desta
maneira qualquer ataque a grupos excluídos da sociedade (como
favelados, presos e sem terras) é acobertado pelo discurso do
‘excesso’ ou atribuído ao calor dos acontecimentos.
39
Mas a principal conseqüência da transação entre militares e o PMDB foi o início
da mudança do locus da política do espaço público para o espaço privado que, em
última análise, é a mudança do espaço público para a videopolítica que facilita a
manutenção da ordem.
38
Jornal do Brasil 24.10.84
39
QUADRAT, S. V. Poder e informação: o sistema de inteligência e o regime militar
no Brasil: 17
20
O resultado da eleição que ocorreu em 15 de janeiro de 1985 já era esperado. A
Aliança Democrática fazia-se vitoriosa frente à derrota do PDS de Maluf. Embora
esperado foi surpreendente a votação, 480 votos para a Aliança contra os 180 do PDS.
Diversos setores venceram na ato da transição, mas a vitória de maior expressão foi a
alcançada pela Rede Globo de Televisão. Antes da derrota da emenda Dante de
Oliveira, nos momentos finais de mobilização popular, a Rede Globo assumiu a posição
de aliada da opinião pública. O apoio à candidatura de Tancredo Neves à presidência
da República simbolizava a retomada do papel de sujeito agente, constituindo-se como
um dos elementos na formação e informação do público. A TV Globo passou a
alimentar a campanha da Aliança Democrática, impulsionando a candidatura de
Tancredo Neves através da exaltação de suas virtudes, contrapondo-se a figura de
Paulo Maluf.
Nessa tarefa de constrão de imagens contrastes, a TV Globo
utilizou muito especialmente seu ‘Jornal da Globo’, último noticiário
do dia (às 23 h.). Para cumprir tal objetivo, o programa — que,
em virtude do horário, tem uma audiência de 'elite' — sofreu
adaptações que redundaram num tipo novo de jornalismo da
rede... Em contraste, o novo ‘Jornal da Globo’ era um exercício de
jornalismo interpretativo e opinativo. O asséptico apresentador foi
substituído por um casal de noticiaristas-repórteres-locutores
conscientes do texto lido, parceiros, senão cúmplices de
interpretações implícitas em gestos, troca de olhares, inflexões de
voz, construindo com o telespectador um verdadeiro código mediante
o qual sancionavam ou não o que liam. Não fora isto o bastante, o
jornal passa a ter comentaristas de política nacional, política
internacional, economia ...
40
A transmissão ao vivo da votação no Colégio Eleitoral apenas consolidou a
posição
da Globo. O voto em aberto deu à Rede Globo o terreno que precisava para
apresentar-se como instituição democrática a serviço da sociedade. Ao declararem o
voto, os deputados sofriam a pressão da desaprovação da opinião pública. A vitória de
Tancredo Neves, as comemorações, as viagens ao exterior e as definições dos
40
GUIMARÃES, C, & AMARAL VIEIRA, R. A. Meios de comunicação de massa e
eleições: 21
21
ministérios comprometidos pelas alianças rumo à vitória possibilitaram à Rede Globo
assumir uma nova identidade e consolidar sua nova imagem pública, apagando o seu
passado de braço ideológico do autoritarismo militar. Era uma nova Globo que emergia
daquele processo, uma Globo virginal, pronta para ser a porta-voz da Nova
República.
41
41
SOARES, M. C. Construindo o significado do voto: retórica da propaganda política
pela televisão: 120-121
22
CapítulO 2
Espaço público na quarta República
A eleição de Tancredo Neves manteve-se dentro do processo de transição lenta e
gradual. Ao assumir o governo o PMDB enfrentou a difícil tarefa de lidar com a
insatisfação popular de forma democrática. Entre diversos setores da sociedade havia
um mal-estar, uma incômoda sensação de continuismo. Estes setores, descontentes,
estavam ligados à esquerda — PDT e principalmente o PT — levando à elite o medo do
espectro trabalhista/sindical. O desempenho do PMDB, foi o de afastar a possibilidade
de uma nova coalizão perpetuando assim as elites e a si próprio no processo decisório
e no comando do poder.
Em 14 de março de 1985, um dia antes da posse do novo presidente, Tancredo
Neves foi submetido às pressas a uma operação no Hospital de Base de Brasília.
Iniciava-se o martírio de Tancredo Neves e a via-crucis da população brasileira. Sob o
efeito letárgico do destino, a sociedade via o então vice-presidente José Sarney
assumir o comando da Nova República.
A internação e, posteriormente, a transferência de Tancredo Neves de Brasília
para o Instituto do Coração em São Paulo foram acompanhadas pela sociedade que
permanecia imobilizada frente ao monitor de TV, à espera de qualquer notícia. A
cobertura da televisão e em especial da Rede Globo com flashes ao vivo, interrupções
na programação para boletins em tempo real sobre o estado de saúde do presidente
hospitalizado, permitiram à emissora uma mudança radical aos olhos da opinião
pública.
A emissora que havia negligenciado as manifestações pelas diretas e aliado-se
ao movimento nos instantes finais - quando já não era mais possível permanecer
contrária, correndo risco de perder sua legitimidade e credibilidade - renascia como
guardiã da democracia ao permanecer de vigília com todo o seu staff, dando
23
prioridade à doença de Tancredo Neves. Rapidamente a comoção tomou conta da
nação e a Rede Globo foi conduzida ao centro dos acontecimentos. Em seus noticiários
fazia questão de transformar Tancredo Neves em mártir do enfrentamento à ditadura.
A sociedade, o status quo político e a Rede Globo experimentavam as ações da
videopolítica através de um acontecimento inesperado. É bem verdade que não havia
um projeto de mudança do paradigma político ( do espaço público para a videopolítica
), mas os acontecimentos deram à Rede Globo e aos políticos uma alternativa de
controle social velado da democracia. A avaliação dos efeitos da TV como reordenadora
do espaço de sociabilidade via monitor de televisão possibilitava a criação de uma nova
realidade para a reconfiguração do espaço público pelas elites dirigentes, que foi
denominada de telerrealidade.
A posse em 15 de março de 1985 do agora presidente interino José Sarney
trouxe um gosto amargo para sociedade. Sarney era ex-presidente da Arena e do PDS,
líder da campanha no Congresso contra as diretas já, homem de confiança do
presidente militar João Figueiredo.
No dia 21 de abril de 1985 Tancredo Neves faleceu. Com ele faleceu também a
esperança da população de um governo civil comprometido com o bem-estar social.
Com Tancredo foram enterradas as explicações de uma série de acontecimentos
bizarros: havia rumores de que Tancredo já havia falecido e a data da enunciação de
sua morte foi prolongada para manter a tranqüilidade enquanto Sarney assumisse o
cargo de dirigente do País — estranha e apropriada coincidência que unia em 21 de
abril dois líderes mineiros; Tancredo Neves e Tiradentes.
Assim nascia a Nova República sob o comando do ex-líder político do governo
militar, José Sarney - é bem verdade que este manteve os acordos que Tancredo havia
traçado com a Aliança Democrática; não alterou o ministério e reconheceu a liderança
de Ulysses Guimarães que, posteriormente, assumiria a Presidência do Congresso
Nacional, no exercício, portanto, do segundo cargo da República, vez que a vice-
24
presidência permaneceu vaga. Doravante, será nítida a influência do ministro do
Exército Leônidas Pires Gonçalves.
Frente à crise o ministério da Fazenda surgia como um dos principais cargos. A
permanência no cargo de Francisco Dornelles, que havia sido o braço direito de
Delfim Netto (ex-ministro dos governos Médici e Figueiredo), agradou ao PMDB. Em
breve, os desafetos Francisco Dornelles e o ministro do Planejamento, João Setúbal,
foram superados pela necessidade de implementar o desenvolvimento de uma política
econômica de consenso e sem sobressaltos. Contudo, em agosto Francisco Dornelles
pede demissão do cargo, possibilitando a Sarney nomear uma nova equipe
econômica.
Para o ministério da Fazenda foi escolhido o empresário Dilson Funaro, que
levou consigo os economistas pertencentes aos quadros da Universidade Estadual de
Campinas (São Paulo), críticos do modelo econômico instaurado pela ditadura militar.
A nova equipe econômica parecia ter devolvido esperança e credibilidade ao governo.
O primeiro teste desde a posse de Sarney aconteceu em novembro de 1985,
nas eleições municipais para escolha de prefeitos das capitais dos estados. Conforme
a opinião dos políticos mais experientes, era decisivo para o futuro do PMDB vencer em
São Paulo. O candidato pelo PMDB foi o sociólogo Fernando Henrique Cardoso.
Realizada a eleição o vitorioso foi Jânio Quadros que disputou pelo PTB. Os resultados
de novembro de 1985 no principal Estado indicaram que o PMDB não estava
correspondendo às expectativas.
Decorridos alguns meses, a inflação ao invés de ser debelada, disparou. O
desenvolvimento da nova equipe econômica já estava sendo alvo de comentários
irônicos de Delfim Netto, quando em fevereiro de 1986 foi desencadeado um vigoroso
plano de estabilização econômica, a fim de acabar com a inflação. Os preços foram
congelados e o cruzeiro substituído pelo cruzado. O Plano Cruzado caracterizava-se
como choque econômico para estabilização a fim de acabar com a inflação,
25
combinando austeridade fiscal e monetária e uma forte tentativa de elevação de renda
dos assalariados. Os preços e os salários foram congelados, foi criado o seguro-
desemprego, extinguiu-se a correção monetária, foi decretado abono salarial de 8%
para todos os trabalhadores e criou-se um gatilho salarial que representava um
reajuste automático dos salários toda vez que a inflação atingisse 20%. Quanto à
política econômica externa, o governo decretou moratória e suspendeu o pagamento
das dívidas do país.
O presidente José Sarney através da TV e do rádio convocou a população a
fiscalizar os preços dos produtos afim de evitar remarcações e de exigir dos
comerciantes o pagamento dos impostos, sobretudo do ICMS. A resposta da população
foi a invasão das ruas, ciceroneada pela televisão que criou a alcunha de fiscais do
Sarney. A todo momento um estabelecimento era fechado, a população aplaudia
42
e a
televisão publicitava os feitos da população e a eficácia do Plano Cruzado.
A estratégia escolhida trouxe os resultados desejados pelos estrategistas do
partido. A popularidade do governo e com ela a do partido cresceram. Restava garantir
a manutenção do apoio ao governo para continuar o processo de transformação
econômica, o que ocorreu mediante o voto nos candidatos do PMDB. As eleições de
1986 para governador consolidaram definitivamente o PMDB como maior partido
brasileiro no período. As perdas das prefeituras do Rio de Janeiro e de São Paulo foram
compensadas com a vitória dos candidatos a governador, respectivamente: Moreira
Franco e Orestes Quércia. O PMDB superou expressivamente os demais partidos,
elegendo 22 dos 23 governadores e arrematando os principais Estados. Outra vitória
incontestável para o partido foi a eleição de mais da metade ( 54% ) das cadeiras que
formaram a Assembléia Nacional Constituinte. O presidente José Sarney buscava
assegurar o apoio necessário para implantar novas reformas e pleitear a indicação de
42
Surgiram inclusive diversos movimentos pró-governo, como por exemplo, o
Movimento das donas de casa em Belo Horizonte e São Bernardo
26
seu sucessor. Mas o racha ocorrido no PMDB polarizou o espectro político do próprio
partido. A cisão entre o Centrão (de apoio ao governo) e o bloco histórico do PMDB
(que abrigava Mário Covas, Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso e José Richa,
logo mais fundadores do PSDB) não oferecia a Sarney fundamentos para tais
aspirações.
A análise das eleições de 1985 e 1986 refletiam as transformações ocorridas no
eleitorado e foram sentidas nas eleições subsequentes. O descrédito inicial com o
PMDB em 1985, devido à permanência do caos social, dirigiu o voto da população para
alternativas que marcassem a insatisfação com o governo. A escolha de partidos de
esquerda para conduzirem as prefeituras das grandes cidades perturbou os políticos da
situação. A reação do governo viera através do Plano Cruzado, que pretendia
resgatar a credibilidade do maior partido de situação, porém a estagnação levou uma
parcela considerável do eleitorado a optar por novas tendências de manifestação nas
urnas: o voto branco e nulo. Apesar da supremacia incontestável do PMDB nas eleições
de 1986, a população havia descoberto uma nova forma de manifestar-se contra os
políticos da situação e de oposição que não apresentassem reformas no seio do
Estado.
Menos de uma semana após a eleição, precisamente seis dias depois, em 21 de
novembro o governo decretou o Plano Cruzado II. Os ministros da Fazenda, Dilson
Funaro, do Planejamento João Sayad e do Trabalho Almir Pazzianotto foram à televisão
anunciar que devido à procura de bens provocada pelo aumento do poder aquisitivo e
à inabilidade do Estado de cortar gastos, seriam adotadas as seguintes medidas:
aumento de 60% nos preços da gasolina e do álcool, que
passaram a custar 9,77 e 6,35 cruzados por litro;
aumento de 80% no preço dos automóveis;
aumento de 35%, em média, no serviço dos Correios;
aumento de 35% nas contas dos telefones;
aumento variável de até 60% no preço da energia elétrica;
aumento de 25% para o açúcar;
aumento de 05 % a 15% nos remédios;
27
aumento de 100% nas bebidas;
aumentos de 45% a 120% nos cigarros;
novo índice de inflação, relacionado com o consumo das famílias
com até 4.020 cruzados de renda mensal.
43
Traída, a população inicia uma série de manifestações, ocupando o
espaço
público para reivindicar e demonstrar seu descontentamento com a política do
governo.
44
A CUT e a CGT organizaram uma manifestação que contou com 5000
pessoas e a imagem da polícia do Exército ( PE ) cercando o Palácio do Planalto virou
capa de revista.
45
Em Brasília manifestantes entraram em confronto com a polícia
militar. O resultado final incluiu quebra-quebra, lojas saqueadas,
carros de polícia em chamas, manifestantes espancados e presos. O
governo tentou responsabilizar a esquerda pelo incidentes e afirmou a
existência de um plano nacional de revolta e subversão. O ministro da
Justiça mostrou a foto de um ‘subversivo’ com um objeto metálico
que supostamente seria uma bomba, mas se descobriu-se que se
tratava de um desempregado, que roubara uma lata de complemento
alimentar para seus dois filhos.
46
O Rio de Janeiro foi palco de três manifestações de amplitude nacional. A
primeira, em 25 de junho de 1987 — quando o ônibus da comitiva do presidente José
Sarney foi cercada por manifestantes que apedrejaram e arrastaram o ônibus pela rua
1
º
de Março —foi debelada pelo policiamento mediante o uso da força. Dias depois, a
população motivada pelo aumento da tarifa de ônibus, iniciou um enorme quebra-
quebra e incendiou dezenas de coletivos. O saldo da manifestação foi de 100 presos,
54 feridos, 173 ônibus destruídos e as tarifas recuando ao preço anterior.
43
Veja, 26.11.86: 36
44
Uma das manchetes estampava: Os ganhadores passam a perna no eleitor. Veja
26.11.86
45
O governo assustado foi o título que apareceu em Veja 03.12.86
46
Idem. ibidem. O guerrilheiro subversivo do governo ficou conhecido como
guerrilheiro Nescau
28
A violência empregada pelo governo para extinguir as manifestações da
oposição chegou ao extremo em novembro de 1988, quando Uma grande greve
reunindo dezoito mil operários da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta
Redonda, teve um desfecho trágico. O governo autorizou a invasão da siderúrgica
pelos militares que, com golpes de baionetas e tiros, a maioria nas costas dos
manifestantes, mataram 3 operários e feriram outros.
47
Era o retorno da Nova
República à ditadura das armas como resposta à liberdade de manifestação e
expressão da vontade popular. A manutenção da ordem pública justificava o
assassinato de civis que exerciam o direito de livre manifestação.
A despeito de tudo que ocorria fora de seus muros, a Assembléia Nacional
Constituinte seguia seu cronograma, instalada em 1 de fevereiro de 1987, obedecendo
o regimento interno estabelecido através de acordos entre o PMDB, o PFL, o PDS e o
PTB, que estipulava oito comissões temáticas para estudar e apresentar propostas, e
uma comissão de sistematização encarregada de redigir os projetos preparados pelas
comissões.
Diversos pontos polêmicos dividiram as opiniões, entre eles, a jornada de
trabalho, liberdade sindical e de greve, estabilidade de emprego, reforma agrária,
sistema de governo, sistema eleitoral e o mandato do presidente. As discordâncias
formaram dois blocos, o de centro e direita (formado por PMDB, PFL, PDS, PTB, PL e
PDC) e de centro esquerda e de esquerda (PT, PDT, PCB e PC do B).
Nesta Constituição foram assegurados os direitos civis clássicos tais como,
liberdade de expressão, reunião, privacidade garantida, inviolabilidade do domicílio, da
correspondência e das comunicações, a proibição da prisão sem mandato judicial e a
fixação da tortura e do racismo como crimes inafiançáveis. Avançou também nas
garantias trabalhistas, garantindo jornada de quarenta e quatro horas semanais,
47
Carlos Augusto Barroso, William Fernandes Leite e Walmir Freitas Monteiro foram
os operários mortos. Sobre a greve ver: VEIGA, S. M. & FONSECA, I. Volta
29
direito de greve, licença maternidade de cento e vinte dias, licença paternidade de
cinco dias, e multa de 40% sobre o FGTS paga pelo empregador por demissão sem
motivação.
As divergências causaram perdas no seio da base governista, quanto a
discussão do mandato presidencial de José Sarney que exigia agora mais um ano e
estabelecia a prática de nomeações, concessões de emissoras de rádio, obras públicas,
etc. como moeda corrente da política nacional.
48
As divergências levaram ao rompimento da Aliança Democrática ( compromisso
firmado entre PMDB e o PFL ) anunciado em setembro de 1987 por Marco Maciel. A
situação dentro do PMDB agravou-se levando, em janeiro de 1988, o bloco histórico do
partido a impor aos demais correligionários a ruptura com o governo. O bloco histórico
malogrou no seu intuito, mas o racha deu origem a um novo partido, o PSDB ( Partido
da Social Democracia Brasileira ), em junho do mesmo ano.
49
O fracasso do Plano Cruzado em suas versões I e II e do Plano Bresser,
enfatizado pela inabilidade dos governadores do PMDB em gerenciar seus estados,
trouxe como resultado para as eleições municipais de 1988 a indignação dos eleitores.
As urnas revelaram a fragmentação do campo político e a indignação da população foi
a mola mestra para as transformações ocorridas. A ascensão vertiginosa do PMDB
transformou-se em declive avassalador. O partido obteve a prefeitura de cinco
capitais, mesmo número de prefeituras conquistadas pelo PDT. Em segundo lugar
nas urnas surgiu o PT, conquistando três prefeituras nas principais capitais, um
resultado explosivo no Estado de São Paulo, onde conseguiu doze outros municípios
paulistanos. O crescimento das candidaturas dos partidos situados na oposição ao
governo federal assombrou de imediato a elite econômica do país. A proximidade das
Redonda. Entre o aço e as armas
48
Idem: 345
30
eleições de 1988 com as eleições que decidiriam a sucessão presidencial, alarmaram
conservadores, empresários e boa parte da população brasileira. Especulações sobre
uma possível vitória da esquerda fomentaram boatos de uma nova intervenção militar
no intuito de resguardar os interesses nacionais.
Mandato e concessões na videopolítica
A discussão e a votação pela Assembléia Constituinte do mandato do Presidente
José Sarney constituiu uma importante etapa na relação Estado e meios de
comunicação, logo, poder e informação. A adoção da videopolítica foi um processo
decisivo para os rumos do país e para a mudança do paradigma da política nacional. A
escolha entre um mandato de quatro anos e um de cinco anos dividiu os
parlamentares em dois blocos distintos. Em sua defesa, os quatro anos tinham o apoio
dos representantes a favor das eleições diretas, em nome da necessidade de um
governo forte, respaldado pela população e obtido através de eleição direta, capaz de
enfrentar as dificuldades econômicas. Desde o início classificaram o mandato de José
Sarney como ilegítimo, uma vez que o Colégio Eleitoral havia votado no falecido
Tancredo Neves.
Em contrapartida os partidários de Sarney argumentavam que o mandato
do presidente devia ser prorrogado por mais um ano, enfatizando a necessidade da
estabilidade e continuidade política para que os problemas econômicos fossem
solucionados. Afirmavam que a saída de Sarney levaria a uma queda dos
investimentos internos e externos em nossa economia.
No dia 2 de junho de 1988, a Assembléia Constituinte pôs em votação o
mandato do presidente Sarney. O resultado foi 328 votos a favor e 223 contrários,
assegurando a prorrogação do mandato do Presidente por mais um ano.
49
Reiterando, o novo partido tinha nas figuras de Mário Covas, Fernando Henrique
31
Tabela 1.
Votação do mandato de 5 anos por partidos
Partidos
Políticos
Sim Não Abstenção Total
PC do B 0 5 0 5
PCB 0 3 0 3
PDS 24 10 0 34
PDT 0 25 0 25
PFL 110 17 0 127
PJ _ _ _ 0
PL 3 4 1 8
PMB 0 1 0 1
PMDB 168 123 2 293
PSB 0 5 0 5
PSDB _ _ _ 0
PT 0 16 0 16
PTB 16 9 0 25
PTR 1 0 0 1
Sem Partido 2 3 0 5
TOTAL
328
223
3
554
* Fonte: Banco de dados do Prodasen
As barganhas do governo envolveram os políticos da Assembléia Constituinte e
o sistema de comunicação através da política de concessão de canais de rádio e
televisão. O presidente José Sarney realizou farta distribuição de concessões, apoiado
no direito brasileiro que as facilitava. O direito brasileiro que vigorava disciplinando as
concessões de rádio e televisão havia sido promulgado no período militar, que
entre outras medidas estabelecia
O Conselho Nacional de Telecomunicações integrado por
representantes do Ministério da Justiça, Educação e Cultura,
Indústria e Comércio, Relações Exteriores, Exército, Marinha e
Aeronáutica, do Estado Maior das Forças Armadas, do Diretor do
Cardoso, Pimenta da Veiga, Franco Montoro e José Richa seu grande trunfo.
32
Departamento dos Correios e Telégrafos, da Embratel e do Dentel, de
representantes dos três maiores partidos políticos com assento
namara dos Deputados, e do Diretor Geral do Departamento
Nacional de Telecomunicações - é incorporado ( 1967 ) ao então
recém-criado Ministério das Comunicações ( Decreto-lei 200 ). Entre
os objetivos do novo Ministério ( ... ) destacam-se estabelecer
diretrizes para o sistema nacional de comunicações, promover as
comunicações de acordo com a doutrina de segurança nacional,
estimular o desenvolvimento da indústria nacional de
telecomunicações e promover a pesquisa e o treinamento para
suprir as necessidades da indústria. As telecomunicações se
transformam em instrumento de segurança nacional integração
territorial, de acordo com os ditames da Escola Superior de
Guerra, posta a serviço da sustentação ideológica do regime militar.
50
Faz-se necessário salientar que as concessões públicas dos canais de
radiodifusão estabelecem a propriedade privada, podem ser postas a serviço de um
grupo ou sujeito político interessado em influir nas atividades públicas atuando
diretamente com o grupo de pressão ou influenciando a sociedade para que atue como
tal.
Destaca-se neste processo de barganha a atuação do ministro das
Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, ícone das relações de poder entre Estados e
mídia na fabricação da estrutura videopolítica. Ao contemplar a história da TV Bahia,
de posse de sua família, percebe-se sua atuação. Em 1985, a TV Bahia,
retransmissora da Rede Manchete, disputava a audiência no Estado baiano com a TV
Arauto, de propriedade da família Viana, repetidora da Rede Globo. Em 1987, um
acordo entre Antônio Carlos Magalhães e Roberto Marinho concedia ao primeiro o
direito de retransmitir o sinal da Rede Globo e, em troca, Roberto Marinho recebia o
apoio do ministro das Comunicações.
50
AMARAL, R. A. e GUIMARÃES, C. Meios de comunicação de massa: 134-135
33
Na disputa do mandato do presidente José Sarney, o ministro Antônio Carlos
Magalhães entrou em cena mais uma vez. A política clientelista estabelecida pelo
ministro das Comunicações, utilizando-se das concessões como moeda política de
barganha na conquista de votos, surtiu efeitos positivos. As mil e vinte e oito
concessões e permissões distribuídas superaram qualquer outra política de distribuição
realizada por outros governos. Mesmo dentro do governo Sarney a disparidade das
concessões relacionadas aos anos de governo é absurda e progressiva.
51
51
O Estado de São Paulo, 30.06.91
34
Tabela 2
Distribuição de emissoras de rádio e televisão no Brasil
Governo N º de
Concessões
%
Fernando Collor 120 3.6
José Sarney 1.028 30.9
João Figueiredo 634 19.0
Outros ( 1934 -
1979 )
1.483 44.5
Congresso 65 2.0
TOTAL 3.330 100.0
* Fonte: O Estado de São Paulo 30.06.91.
Tabela 3. Concessões/Permissões no governo Sarney
Tipo de
Serviço
198
5
198
6
198
7
198
8
TOTAL
FM 66 91 143 332 632
AM 47 50 53 164 314
TV 14 13 12 43 82
TOTAL 127 154 208 539 1.028
* Fonte: Fenaj. Proposta dos jornalista à sociedade civil
35
O imaginário a serviço da Rede Globo.
Como decorrência do crescimento da influência da televisão, a área da
comunicação e política tem avançado na tentativa de incluir o imaginário social nas
novas formas de analisar a prática do voto.
52
Importante contribuição para a
compreensão do processo de formação do voto e a influência da televisão é a noção de
cenário de representação política-CRP, elaborada por Venício A. de Lima.
53
. Ao
concatenar o imaginário social e o campo político, a noção oferece novas dimensões de
análise. Ainda assim, o método apresenta problemas, uma vez que os elementos que o
constituem não sejam determinados, bem como sua utilização incorra no perigo de
conduzir o resultado à distorção clara de uma possível supremacia hegemônica da
televisão no ato de formar a opinião dos telespectadores.
Preocupado em não reduzir a relação da televisão/telespectador a uma relação
hegemônica da televisão sobre os telespectadores, adoto o CRP para análise das
novelas produzidas na Rede Globo de Televisão, visto que as novelas são elemento
importante na formação da opinião pública consumidas por 84% da população. Devido
à sua extrema importância no entretenimento de toda a sociedade, a novela
apresenta-se como um dos elementos capazes de compor, ao lado de outros
elementos, a identidade nacional da população. A novela está na categoria dos
gêneros desenvolvidos e aprimorados, que extrapolam a essência das palavras,
atuando além do dito - o o dito. Revela o que está implícito nas palavras, indo além
da lingüística. A novela detém a propriedade de comunicar-se com inúmeros
52
A corrente da ciência política tradicionalmente influenciada pela metodologia
norte-americana tende à utilização da análise quantitativa e seu desdobramento
qualitativo, afim de abarcar os fenômenos referentes ao processo de votação. Em
tal metodologia existem limitações latentes, entre as quais destaco um aspecto
primordial: a aplicabilidade de tal metodologia para o entendimento do processo de
construção do voto na realidade brasileira não abarca os mecanismos que
ultrapassam a lógica matemática. A importância do imaginário social na formação
inconsciente do indivíduo e sua importância para decisão do voto passam ao largo
da metodologia citada
53
LIMA, V. A. CR-P: novos aspectos teóricos e implicações para análise política
36
espectadores emitindo um discurso único, muito embora os efeitos sejam
diversificados. É um gênero ficcional devido à sua criação e representação, mas na
grande maioria dos dramas transmitidos aproxima-se ou assume caráter de não-ficção.
Esta maleabilidade contida na novela propicia aos diretores e acionistas da televisão
veicularem discursos políticos que se diluem no anonimato através do não
reconhecimento de sua autoria ou intenção.
54
Considerando que as novelas são de fato elementos capazes de sugerir ao
telespectador desejos e expectativas, mas que tais sentimentos já se encontram no
indivíduo, diversos autores elegeram três novelas como responsáveis por criar a
atmosfera favorável a Fernando Collor: Vale Tudo; O Salvador da Pátria; e Que Rei
Sou Eu ?
A novela Vale Tudo foi veiculada no horário nobre.
55
O tema principal da trama
resgatava o eterno embate do bem vs. o mal. A máxima da lei da vantagem iria
enfrentar exaustivamente a honestidade (representada pelo trabalho duro, porém
revigorante). A síntese da novela era um questionamento: valeria a pena ser honesto
no Brasil de hoje? A novela se propôs a responder o dilema nacional, introduzindo o
telespectador no processo analítico da classe dominante. Evidenciou que as elites eram
responsáveis pela concentração de riqueza dentro da sociedade, gerando
desigualdades sociais. Em contrapartida demonstrou que estas elites, enquanto
elemento produtivo da sociedade, representavam um dos alicerces da economia
nacional. Satirizou a impunidade do poder e do capital num país maculado pela burrice
54
Note-se que as emissoras testam a população quanto à receptividade positiva ou
negativa de um elemento social através das novelas Atualmente os escritores e
diretores das novelas contam com o trabalho de um seleto grupo de pessoas
escolhidas na sociedade para testarem as novelas. São auditórios onde este grupo
de pessoas, previamente se lecionados, assistem e exprimem suas opiniões sobre
as novelas. Este mecanismo técnico visa garantir a adequação entre a novela e o
desejo do público atingindo o objetivo principal: o consumo.
55
Veiculada às 20h., de 16/05/88 a 07/01/89), a novela foi escrita por Gilberto
Braga
37
e preguiça do povo cujas exceções são premiadas com o amor e riqueza.
56
A trama foi
desenvolvida entre as grandes capitais, nacionais e internacionais, emoldurada por
belas paisagens, personagens e figurinos.
A abertura da novela, era uma série de recortes de imagens formando um
mosaico colorido e fragmentado, que buscavam apresentar conceitos sobre o país. Na
voz de Gal Costa, em ritmo rock-carnavalesco, a canção Brasil, de Cazuza,
transformou-se num verdadeiro hino contra a corrupção, a dissimulação, e ainda
assim, de amor.
57
O liqüidificador qualitativo da Globo diluía toda crítica da música,
transformando em alegoria a própria crítica à Globo. A novela seguia introduzindo os
telespectadores em situações pouco ortodoxas para um folhetim, marcando a história
da Globo como a primeira novela na qual a sociedade podia ser testada de fato quanto
a seus valores individuais e coletivos. Desde o primeiro capítulo a honestidade e os
sentimentos nobres foram relativizados e o roubo progressivamente justificado de
diferentes.
58
Nesta história os pobres ficaram ricos vendendo sanduíche na praia,
casando com milionários, recebendo heranças e até trabalhando. Os ricos trabalharam
muito, mas também fizeram muitas trapaças. Eram possuidores de problemas
56
A novela começou com o conflito familiar entre, Maria de Fátima (Glória Pires) e
sua mãe, Raquel (Regina Duarte). Fátima se uniu ao ambicioso César (Carlos
Alberto Riccelli). Por seu intermédio ela veio a conhecer Solange (Lídia Brondi),
editora da revista Tomorrow, namorada de Afonso (Cássio Gabos Mendes), com
quem Fátima acaba casando-se. Afonso é filho de Odete Rotman (Beatriz Segall) e
irmão de Helena (Renata Sorrah). Helena seria uma alcoólatra, ex-mulher de
Aurélio (Reginaldo Farias), vice-presidente do grupo Almeida Rotman e grande vilão
da história. O elo entre pobres e ricos era Ivan (Antônio Fagundes), que viveu um
triângulo amoroso com Raquel e Helena. Desempregado ele acaba indo trabalhar na
TCA, para alívio da ex-mulher Leila (Kássia Kiss). Foi através de Adelaide (Lilian
Cabral) que ele arrumou o emprego. Ela era a secretária da diretoria da TCA, que
abrigou Raquel em suas primeiras semanas no Rio de Janeiro
57
É interessante observar que foi retirada da canção a última frase: grande pátria
desimportante / em nenhum instante eu vou te trair
58
Casamentos combinados na busca pelo poder, da mãe sobre a filho e da nora
sobre o dinheiro e status de ambos; chantagens afetivas e dolorosas da filha
ambiciosa que rouba a mãe para vencer na vida e na cidade grande; disputas por
uma mala de dólares que, por desafios do destino e do autor não chega a sair do
país e acaba nas mãos do honesto da trama; a implementação de uma linha aérea
para beneficiar um indivíduo; acidente aéreo devido à conservação criminosa dos
38
psíquicos, faziam e viviam de arte, foram assassinos e alguns no final tornaram-se
felizes. No final os bandidos conseguiram fugir para o exterior, salvando a mala de
dólares e escapando de um assassinato. A lei e a cadeia foram usados para punir um
dos mais honestos personagens, logo por tentar subornar um fiscal. O que a novela
retratou foi o Brasil e os telespectadores assistiam a mesma com igual paixão com que
viviam suas vidas. A salvação na novela representaria a salvação do país. A imprensa
passou a dar cobertura à novela, tal qual às informações reais, o que aumentou o nível
de verossimilhança da ficção com a realidade. Vale Tudo acabou deixando no ar
incertezas quanto ao caráter de toda população, ainda assim, marcou pontualmente o
trabalho honesto como forma de ascensão social. A sociedade tinha solução apesar do
mar de lama.
A novela subsequente a Vale Tudo no horário nobre da Globo foi O Salvador da
Pátria,
59
que teve como tema principal uma alegoria à sucessão presidencial. A novela
não surtiu o efeito provavelmente devido à indefinição dos donos das Organizações
Globo quanto a um candidato para sucessão presidencial real, o que levou a Globo a
determinar mudanças na história, principalmente quando seus telespectadores
passaram a identificar o protagonista com o candidato de oposição Luís Inácio Lula da
Silva. O Salvador da Pátria estreou com o objetivo deliberado de construir uma
alegoria do ano de eleição presidencial no Brasil, ambientando em uma cidade fictícia
do interior paulista a luta pelo poder municipal disputada entre diversas facções
políticas, análogas às que estavam concorrendo à presidência. Os representantes do
espectro ideológico da fictícia Tangará – satélite da também fictícia Ouro Verde, onde
se concentravam rendosas indústrias de sucos de laranja – constituíram o eixo central
da novela. O protagonista havia sido inspirado nos radialistas do interior, personagem
aviões; um casal homossexual que por sua não aceitação junto ao público, teve seu
fim antecipado e outras tramas se seguiram
59
Veiculada de 09/01/89 a 12/08/89, escrita por Lauro César Muniz
39
de cunho fascista, usou sua popularidade para promover-se politicamente. Seria o
candidato mais forte dos que concorreriam a Prefeitura, até ser morto. Sua
transposição para o real, o situaria nas fileiras do PDS. O capitalista liberal, deputado
federal, dono de fazendas de laranja e fábricas de sucos, queria eleger o filho prefeito.
Devido ao seu estilo e suas ligações poderia pertencer ao PMDB. A viúva de um
deputado de esquerda, morto pela ditadura militar nos anos 70, liderava o partido de
centro-esquerda de Tangará, enquanto buscava expandir seus negócios, através da
fábrica de sucos de laranja. Sua posição estaria ligada ao PSDB. A extrema-esquerda
também foi representada no folhetim da Globo, pelo personagem que representava o
segmento sindical na trama. Ícone radical do partido de esquerda na cidade, sua figura
remontava segundo o próprio autor, à ala radical do PT:
A única pretensão política da novela é demonstrar que por trás de cada
promessa feita por um político se esconde uma ideologia, diz Muniz, que acredita
poder utilizar o considerável poder do veículo que tem nas mãos para influenciar o
destino das eleições presidenciais. Segundo ele, os partidos de Tangará não serão
identificados por legendas, e sim por apelidos como os que costumam ter os partidos
no interior do país. Será algo como engomados e encardidos, diz, uma vez que, no
calor da disputa pelo poder, a tendência é para bipolarização. Mesmo assim, Muniz
acredita que o público terá condições de identificar cada facção com as opções políticas
disponíveis no Brasil real. Outra questão que o autor pretende trazer à baila com O
Salvador da Pátria é o processo de construção de um líder, do qual Sassá Mutema é o
exemplo. Sassá é o que se poderia chamar de massa de manobra. Ao longo da novela
ele vai sendo literalmente construído como líder pelo partidos, o que permite a
discussão ficcional da questão da liderança, diz Muniz. A credita que a discussão é
40
oportuna, considerando o fato de que se vive no país um ano de um salvador da
pátria.
60
A dinâmica da novela fez com que o telespectador passasse a ter uma leitura
particular da ascensão de Sassá próximo à figura real de Lula. A aproximação de
ambos fez com que o autor fosse obrigado a mudar o caráter da personagem após sua
ascensão política. Sassá então aderiu ao esquema corrupto, fazendo parte de jogadas
políticas. Sem perceber diretamente, o autor havia alterado os pressupostos básicos da
personagem principal. O público não concordou com o novo caráter de Sassá, fazendo
com que o autor o restituísse a sua condição inicial na trama. O truque tentado pela
emissora não foi positivo. O salvador idealizado continuava sem rumo.
61
Na novela Que Rei Sou Eu?, a Rede Globo de Televisão também inseriu a
discussão sobre a sucessão presidencial no horário das 19 horas.
62
O autor foi
incumbido, após seu início, de corrigir os erros da novela das oito, que ainda era
transmitida. O esforço realizado pelo autor e pelo elenco da novela em atingirem os
novos objetivos traçados pela Central Globo de Produções deu os frutos esperados. A
novela foi eficaz e sua reapresentação iniciada um mês após seu término.
Não poderíamos considerar mera coincidência as semelhanças entre Avilan e o
Brasil. Contradições, injustiças e desmandos marcaram a vida na cidade fictícia.
Poucos com muito e muitos com pouco, caracterizaram uma situação familiar para o
público. A história folhetinesca, de capa e espada, começaria em 1786, em um período
de extrema instabilidade financeira. A saída encontrada pelo conselho real, foi trocar a
moeda de caduco pela duca e determinar o congelamento dos preços. Entre os apuros
que a corte e a população passavam, podemos notar as críticas à sociedade. Do
escândalo da mandioca na vida real, que na ficção transformou-se em abóbora. Das
60
Folha de São Paulo 08.01.89
61
Isto é/Senhor 05.07.89
41
usinas nucleares, Angra I e II, que transformaram-se em guilhotinas I e II importadas
da Alemanha. O tema principal era a questão do poder e dos problemas econômicos
que subitamente passaram a afligir o reino.
63
A metáfora se torna perfeita, quando
permite ao telespectador identificar os personagens fictícios com seus
correspondentes reais.
64
Sob este aspecto, a novela praticamente estaria cobrindo todo cenário político
às vésperas da eleição, a não ser pela ausência de quatro elementos fundamentais da
realidade brasileira: Lula e Brizola, por decisão de todo comando das Organizações
Globo, não poderiam estar retratados; Quércia, por quem a elite esperou e a
convenção do PMDB não transformou em realidade; e Collor, que ao longo dos
capítulos decorrentes da novela, passou a ser identificado nas falas e gestos do
personagem Jean Pierre.
O acerto da novela em remontar de forma satírica todo os espectro eleitoral foi
coroado com um alto índice de audiência, que lhe valeu a reprise mais rápida da
televisão brasileira. A Rede Globo havia conseguido redimir-se do erro que havia
62
Novela de Cassiano Gabus Mendes, veiculada entre os meses de fevereiro e
setembro de 1989
63
A trama de Que Rei Sou Eu? desencadeia-se a partir da morte do Rei Petrus II
(Gianfrancesco Garnieri) que, embora já estivesse doente, foi envenenado para
morrer mais rápido. Com sua morte o trono vagou, mas Petrus revelou a existência
de um filho bastardo. A rainha Valentine (Tereza Rachel) e seus conselheiros não
tinham a mesma intenção. Ravengar (Antonio Abujamra) representou o conselheiro-
mor, uma espécie de bruxo que criou Pixote (Tato Gabus Mendes) para assumir o
trono e servi-lo. O verdadeiro bastardo era Jean Pierre (Edson Celulari), líder dos
revoltados, uma espécie de Errol Flynn nacional, com grande habilidade no manejo
do florete e grandes tendências a D'Artagnan. Aline (Giulia Gam), representava a
namorada de Jean Pierri, criada do castelo, fez por onde lembrar Constance, outra
personagem de Alexandre Dumas
64
O rei Petrus, que prenunciava a morte do maior partido PMDB, logo, representou
Ulysses; a rainha Valentine correspondia a Sarney; Bergeron (Daniel Filho),
conselheiro da moeda a Dilson Funaro; Ravengar correspondia a Golbery, o bruxo
dos penúltimos anos do governo dos generais; Pixot teria sido Mailson da Nóbrega;
Vanoli (Jorge Dória), conselheiro inescrupuloso do rei e da rainha, teria
correspondência com Antônio Carlos Magalhães; Gerard (Laerte Morroni),
conselheiro da alimentação, remonta Maluf; Corcoran (Stênio Garcia) que
interpretou o bobo da corte e chefe da guerrilha, corresponderia a José Genoíno; e
Aline em seus raros momentos de heroísmo lembrou a hoje deputada Luiza
Erundina
42
cometido em O Salvador da Pátria. Com Que Rei Sou Eu?, a pátria não só tinha uma
salvador, mas também um ideal amplamente difundido: tornar-se livre da corrupção,
da discrepância social e dos abusos do poder. A salvação heróica do rumo perdido da
pátria onde valia tudo repousava no pulso firme do jovem, belo, esguio e de
sentimento nobres: Fernando Collor de Mello. O sugestionamento da emissora ao
público estava assim caracterizado. A novela exerceria seu papel de mecanismo de
trocas simbólicas entre produtores e consumidores, tendo como grande trunfo sua
rápida readaptação aos contra-fluxos da população. Readaptação ao contrafluxo
consiste no redirecionamento do discurso da mídia quando esta está em dissonância
com o público.
43
Capítulo 3
As eleições presidenciais
O pior analfabeto é o analfabeto político:
ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Bertolt Brecht
As discussões sobre a sucessão presidencial tiveram início sob os seguintes aspectos: o
descontentamento da população com o governo federal, tendo como resultado o
avanço da esquerda; a unanimidade dos partidos em criticar a política empreendida
pelo governo Sarney, o que impossibilitava um posicionamento claro entre situação e
oposição — muito embora alguns partidos estivessem na base governista (PMDB e
PFL); as transformações ocorridas na esquerda
65
a partir da queda do muro de Berlim;
e as mudanças ocorridas na direita
66
adquirindo nova roupagem na tentativa de
dissimular sua participação na crise socio-econômica, estabelecendo-se como nova
direita ou neoliberal.
A eleição de 1989 representava a concretização de um sonho adormecido na
sociedade: o voto direto para Presidente da República. Em um universo de oitenta e
dois milhões, cinqüenta e sete mil, seiscentos e trinta e quatro eleitores, uma eleição
cercada de novidades: era a primeira votação para a maioria dos eleitores; a primeira
em dois turnos; foram incluídos a partir da voluntariedade os menores entre dezesseis
e dezoito anos, aproximadamente 5% da população, e os analfabetos representando
10% da população.
Na eleição do primeiro turno realizada no dia 15 de novembro de 1989
concorreram à Presidência vinte e dois candidatos que, segundo as normas
determinadas pelo TST, dividiram o Horário Eleitoral Gratuito de acordo com o
65
Sobre a definição de esquerda ver BOBBIO, N. Direita e esquerda. Razões e
significados de uma distensão política
66
Idem
44
número de parlamentares de seus partidos no Congresso. A força e a amplitude dos
meios de comunicação impulsionaram a criação do horário eleitoral, que visava se
utilizar dos benefícios dos meios de comunicação, bem como reparar a desigualdade
provocada por estes em sua condição de veículos parciais, ligados aos interesses de
seus proprietários.
67
Contudo, os debates políticos via meios de comunicação deixaram de existir
com o recrudescimento do regime militar ocorrido durante o processo de abertura
política implementado pelo presidente Geisel, no qual os candidatos da oposição
obtiveram valorosa vitória. A principal conseqüência desta vitória foi o Projeto de Lei
do Deputado Federal Etelvino Lins (Arena),
68
que proibia a propaganda paga no rádio e
na televisão, bem como limitava aos jornais e revistas a apresentação de um
curriculum vitae do candidato,. Apenas em 1982, a Lei passou a ser interpretada com
maior liberdade e, finalmente, em 1988, através da Constituição promulgada, foi
garantido o acesso gratuito dos partidos políticos ao rádio e à televisão sem restrições
à propaganda política paga,
69
o que só veio a acontecer comas posteriores leis
eleitorais específicas de cada pleito.
Cabe aqui perguntar se o horário eleitoral gratuito faz parte da videopolítica.
Os poucos autores que buscaram estabelecer tal relação, quase sempre o fizeram
67
O primeiro código eleitoral data de 24.02.1932 a pedido da Frente Única Gaúcha
A fim de resguardar os interesses da sociedade e seu caráter democrático, o código
eleitoral regulamentou em 24.07.50 sua primeira Lei, de n º 1.164, estipulando
horários para propaganda eleitoral. Esta primeira Lei que foi ratificada em 1962,
pelo CBT, através da Lei n º 4.117 art. 39, não garantia gratuidade na propaganda
eleitoral, mas estabelecia o rodízio dos programas partidários e preços com valor
igualitário para todos os partidos. Em 1965 um novo Código Eleitoral foi instituído.
Sua principal novidade era a disponibilidade mensal de uma hora dentro da
programação dos meios de radiodifusão para os partidos políticos apresentarem
suas propostas, além dos anos eleitorais. Mas, em 1966 tal inovação foi cancelada.
Sobre o Horário Eleitoral Gratuito, ver ALBUQUERQUE, A. Política versas televisão: o
horário gratuito na campanha presidencial de 1994; ALDÉ, A. e DIAS, H.. Intervalo
surpresa: slots eleitorais na campanha municipal de 1996
68
PL sancionado em 15.08.74 como Lei 6.091, que em 1976 passou a vigorar
também para o rádio e a televisão
69
Através do art. 17, parágrafo 3 º
45
partindo de uma resposta afirmativa para esta questão. Como vimos anteriormente,
70
a videopolítica constitui um processo de seqüestro das ações políticas, vez que os
partidos políticos se teriam mostrado incompetentes para geri-los. A mídia pode
também gerir a política através de um embate com os partidos políticos, num
processo de desqualificação deste e de despolitização da sociedade. Na sociedade
brasileira, porém, nossa perspectiva é de que os partidos políticos pouco assumiram o
papel de formadores da opinião pública e, quando o fizeram, prevaleceram nesta
formação os interesses classistas.
71
Consideramos que o horário eleitoral gratuito caminha em sentido contrário ao
da videopolítica, porque, embora enfadonho, ainda é a melhor forma existente de
manter a eqüidade entre os candidatos e os partidos em tempo de videopolítica, na
medida em que constitui permite a utilização da mídia para que o político se apresente
à sociedade, restando conhecer a proposta de cada candidato.
72
Após a consolidação das 22 candidaturas, um dos partidos, o PMDB, tentou
substituir o então candidato Armando Correa pelo dono da emissora SBT, Silvio
Santos, no dia 31 de outubro.
73
Esta seria a 'outra' candidatura apolítica com alguma possível
expressão eleitoral ( ... ) A candidatura de Sílvio Santos surgiu como
uma alternativa possível para setores do ‘establishment’ que, àquela
altura, não se conformavam em ter que optar entre Collor (um político
periférico, cuja confiabilidade era duvidosa) e um provável candidato
de esquerda (Brizola e Lula) no segundo turno. Em um cenário no
qual os políticos estavam por baixo, tremendamente desprestigiados,
70
Conceito estabelecido por Sartori e difundido por Landi conforme explicitado no
primeiro capítulo
71
Exceto o PCB anterior ao golpe militar de 1964
72
No capítulo seguinte será enfocado como a linguagem televisiva foi apropriada
pelos programas do PRN e do PT, principalmente na campanha à presidência em
1989
73
Sobre o tema, ver GUIMARÃES, I. Cultura política e imaginário — em especial o
subcapítulo O golpe do Baú
46
tenta-se um passe de mágica. Sílvio Santos salta direto do Baú da
Felicidade para a política.
74
A candidatura de Sílvio Santos passou a ser alvo de críticas por parte de todos
os candidatos, Brizola, Collor, Covas, Lula, Ulysses e Roberto Freire, que ligaram o
nome de Sílvio Santos ao do Presidente José Sarney, acusando-o de premeditação
caracterizada ao vetar o artigo 8º da Lei 7673-1989, que possibilitou a filiação
partidária em qualquer período. A crítica mais contundente porém partiu dos veículos
de propriedade de seu concorrente na indústria de telecomunicações, Roberto
Marinho.
75
A força da candidatura de Sílvio Santos poderia consolidar-se devido a seu
carisma e a sua popularidade, ambos potencializados em suas imagens nos programas
dominicais. Em pesquisa realizada pelo instituto Gallup, o apresentador atingiu vinte e
nove pontos, o que o levaria ao segundo turno com Collor naquele momento.
76
Embora
apoiado por Sarney, a tentativa malogrou quando, em 9 de novembro, o TST indeferiu
a candidatura, levando o PMDB a sair da disputa por falta de candidato.
Fossem quais fossem as razões e intenções da candidatura Sílvio
Santos, ela é um sintoma evidente do recrudescimento da
espetacularização da política, particularmente do grau que atingiu
naquela eleição. Ela também revela uma forte crença por parte das
elites políticas no poder da TV nos processos eleitorais. Crença dos
que, carentes de uma opção política confiável, apelam para o puro
espetáculo no interesse de suas causas.
77
74
Idem.: 55-57
75
Particularmente nos editoriais no jornal O Globo e no Jornal Nacional e Jornal da
Globo, da programação da emissora de televisão
76
O Globo 02.11.89
77
GUIMARÃES, I. Cultura política e imaginário: 59
47
Dos 22 candidatos à Presidência da República inscritos no TSE, dirijo-me agora
à caracterização dos 10 mais votados,
78
abordando-os em dois segmentos: o primeiro
contempla do 10º colocado ao 4º, em ordem decrescente ao percentual de votação
(Ronaldo Caiado, Aureliano Chaves, Roberto Freire, Ulysses Guimarães, Guilherme Afif
Domingos, Paulo Maluf e Mário Covas); no segundo analiso do 3º candidato ao
primeiro, em ordem decrescente (Brizola, Lula e Collor).
Sete candidatos e um destino
Ronaldo Caiado
. O candidato do Partido Social Democrático ( PSD) foi
Ronaldo Ramos Caiado, formado em medicina e fazendeiro, tendo como vice Camilo
Calazans. Ronaldo Caiado era líder ruralista, defensor da livre iniciativa e das leis de
mercado, admirador de Carlos Lacerda, católico representante da ala conservadora da
igreja Católica e contrário à reforma agrária. Na Constituinte defendeu os interesses
dos fazendeiros e para isto, organizou um lobby para limitar o Plano Nacional de
Reforma Agrária, a partir de 1985. Neste mesmo ano iniciou sua atividade política,
com a criação da União Democrática Ruralista (UDR), sendo seu presidente até 1988.
Ronaldo Caiado foi capa de revista
79
em 1986. A UDR gerou polêmica e recebeu
críticas de diversos setores da sociedade civil, que acusavam-na de política de extrema
direita e de ser mandante de diversos assassinatos no campo. Na eleição de 1989
alcançou 0.6% do total de votos, o que lhe conferiu o 10º lugar na corrida sucessória.
Aureliano Chaves
. Indicado pelo Partido da Frente Liberal-PFL, Aureliano
Chaves
em 1958 concorreu a uma cadeira de Deputado na Assembléia mineira pela União
Democrática Nacional-UDN e obteve apenas a quarta suplência. Três anos depois, por
78
Excluo assim, os onze candidatos que, reunidos, não atingiram três pontos
percentuais dos resultados eleitorais. São eles: Affonso Camargo, Antônio Pedreira,
Celso Brant, Enéas Carneiro, Eudes Mattar, Fernando Gabeira, Lívia Maria de Abreu,
Manoel Horta, Marronzinho, Paulo Gotijo e Zamir Teixeira
79
Veja 18.06.86
48
indicação de Magalhães Pinto, um dos mentores do golpe militar, assumiu a direção
técnica da Eletrobrás, retornando à Assembléia mineira ainda em 1961. No ano
seguinte renunciou ao mandato para assumir a direção da Cemig, mas em outubro de
1962 conseguiu se eleger Deputado Estadual, sendo escolhido líder da UDN um ano
depois. Em 1964 assumiu a Secretaria de Educação do governo Magalhães Pinto. Em
1965 demite-se desta secretaria para assumir a de Viação e Obras Públicas, no ano
seguinte filia-se à Arena. Elegeu-se Deputado Federal e no primeiro ano de mandato
agrediu fisicamente o deputado de oposição João Herculino. Com o AI-5 que fechou o
Congresso, passou a trabalhar numa empresa de assessoria em São Paulo. Em 1970,
retornou à atividade parlamentar, presidindo a Comissão de Energia da Câmara dos
Deputados. Por ocasião da conquista do tricampeonato mundial de futebol declarou: O
futebol é o melhor antídoto contra o comunismo. Em novembro foi reeleito deputado, e
como relator da CPI sobre energia nuclear, declarou-se favorável às centrais nucleares.
Ainda foi relator da Comissão que aprovou a criação da Braspetro. Pelos serviços
prestados aos militares, foi indicado em 1974 pelo Presidente Geisel para o governo de
Minas Gerais. Contrário à anistia dos exilados políticos, em dezembro de 1977,
manifestou-se a favor de uma medida parcial. Dois anos depois foi indicado para a
Vice-presidência da República, tendo como Presidente o general Figueiredo. Mesmo
sendo aliado de longa data do governo e um dos fundadores do PDS, participou em
1984 da dissidência do partido, constituindo a Frente Liberal com Marco Maciel e José
Sarney. Os frutos desta medida vingaram em 1985 quando foi nomeado pelo último
para o Ministério da Minas e Energia, onde permaneceu até 1987. Ao lançar a
candidatura à Presidência não obteve unanimidade no PFL, o que foi agravado após a
filiação de Jânio Quadros, mas conseguiu resistir às pressões apresentando-se como o
candidato do Governo. Alcançou o 9º lugar na corrida presidencial com 0.73% dos
votos.
49
Roberto Freire
. Quando, após sair da clandestinidade em 1985, o Partido
Comunista Brasileiro-PCB adotou uma postura mais moderada, indicou para concorrer
à Presidência Roberto Freire, que, em 1962, iniciou sua atividade política organizando
com Gregório Bezerra as primeiras ligas camponesas da Zona da Mata. Com a extinção
do PCB em 1964, entrou para o MDB. Concorreu à prefeitura de Olinda sendo
derrotado pela diferença de mil votos a favor do candidato da Arena. Em 1974, eleito
Deputado Estadual destacou-se na luta contra a violência policial. Em 1978 conquistou
sua primeira cadeira na Câmara Federal, sendo líder do MDB na Câmara. Com a
extinção do MDB em 1979, Roberto Freire filiou-se ao PMDB e lutou pelas diretas já.
Em 1985, o PCB reconquistou a legalidade e Roberto Freire regressou ao partido
assumindo a sua liderança. Em 1986, reeleito, participou da Constituinte. Disputou a
eleição presidencial atingindo 1% da preferência do eleitorado, o que lhe conferiu a
oitava posição.
Ulysses Guimarães
. A maior legenda partidária em 1989 era o Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). O partido histórico lançou a candidatura de
Ulysses Guimarães, político desde 1947 quando se elegeu Deputado federal pelo PSD.
Foi relator de projetos importantes como o da criação da Petrobrás e da Eletrobrás. Em
1954 foi reeleito, o que se repetiu em 1958, quando representou o Brasil na ONU nos
debates sobre o apartheid. Em 1961, votou a favor do parlamentarismo e quando João
Goulart tomou posse, nomeou-o no cargo de Ministro da Indústria e do Comércio. Em
julho de 1962 exonerou-se do Ministério com todo o gabinete chefiado por Tancredo
Neves. Em outubro do mesmo ano reelegeu-se pelo PSD paulista. Em 8 de abril um
grupo de parlamentares —entre os quais Ulysses — redigiu um Ato Constitucional a ser
votado pelo Congresso, delegando poderes ao supremo comando da revolução. Com o
bipartidarismo, Ulysses filia-se ao MDB, elege-se Deputado Federal, permanecendo na
função de 1967 a 1971. Em 1973, lança sua candidatura à Presidência da República,
concorrendo com general Geisel. Em janeiro de 1980 funda o PMDB e em 1984 recebe
50
a alcunha de senhor diretas, devido à sua luta pelas diretas já. Perdendo para
Tancredo Neves a chance de sair candidato à Presidência, assume, em 1985, a
Presidência da Câmara dos Deputados aliada à da Assembléia Nacional Constituinte e à
do PMDB. As ligações com o governo viriam a prejudicá-lo na corrida presidencial de
1989, porém, a indicação do candidato do PMDB foi decisiva no processo de eleição e
convergência de apoios políticos. Ulysses era um nome de porte nacional, mas o
partido não convergia unanimemente em torno de sua figura. Nos primeiros meses do
ano da eleição presidencial, o PMDB não havia fechado um nome para disputar a
sucessão. Os nomes de Ulysses Guimarães, Íris Resende, Waldir Pires e Álvaro Dias
eram cogitados sem despertar euforia. A preocupação do partido era de encontrar um
nome de impacto, que pudesse combater o crescimento da esquerda. Era preciso um
nome jovem que demonstrasse vigor para combater a oposição. Este nome deveria
estar adaptado às transformações que vinham ocorrendo no hemisfério norte, logo,
para muitos correligionários pemedebistas, os quatro não estavam no perfil
pretendido. Perto da convenção do partido, o nome de Orestes Quércia apareceu com
força total. Quércia então governador de São Paulo contava com apoio de vários
correligionários, tinha apoio da Federação de Indústrias de São Paulo (FIESP), da
grande rede de comunicação do país — a Rede Globo — e de revistas especializadas
em informação como a Isto é/Senhor. A indefinição acentuou-se à medida que a
convenção se aproximava. Quércia angariou centenas de votos, mas a tradição e a
unidade que o nome de Ulysses Guimarães suscitava, pesaram na decisão da
convenção do PMDB. Apesar das propostas, da experiência, e do reconhecido trabalho
prestado à democracia, o nome de Ulysses não incentivou o partido, tampouco foi
capaz de levar à população confiabilidade e vigor para garantir o crescimento de sua
candidatura na preferência nacional. O resultado atingiu 3.90% do eleitorado,
chegando em 7º lugar na disputa.
51
Guilherme Afif Domingos
. O Partido político Liberal-PL lançou a candidatura
deste descendente de libaneses que teve sua origem empresarial no ramo de seguros.
Iniciou como empresário ao herdar a Indiana Companhia de Seguros do avô, em 1971,
tornando-se seu diretor. Um ano depois tornou-se diretor da Associação Nacional das
Companhias de Seguro. Afif Domingos foi ainda Diretor-superintendente do Diário do
Comércio, da revista Digesto Econômico do Instituto de Economia Gastão Vidigal e
membro da Comissão de Privatização da Fenaseg. Ajudou a eleger Paulo Maluf
governador, abrindo uma brecha para um cargo futuro no seu governo. Encaminhado
por Maluf, Afif Domingos assumiu a presidência do Banco de Desenvolvimento do
Estado de São Paulo-Badesp em 1979 e, em 1980, assumiu a Secretaria Estadual de
Agricultura e Abastecimento. Com o apoio de Maluf conseguiu ainda a presidência da
poderosa Associação Comercial de São Paulo, em 1982. Como Secretário da
Agricultura criou a venda direta de produtos à população, instalando varejões nos
bairros para que os moradores pudessem comprar produtos agrícolas mais baratos. A
medida obteve boa recepção popular e Afif, com essa atitude, ficou conhecido em São
Paulo como o homem do varejão. Após se desincompatibilizar do cargo de Secretário,
em março de 1982, Afif passou a concorrer a vice-governador pelo PDS, tendo como
companheiro de chapa o ex-prefeito Reynaldo de Barros. Derrotado, ele se desliga do
PDS três anos depois, no final de 1985, para concorrer às eleições de 1986 pelo PL,
partido que ajudou a fundar em São Paulo. Conseguiu então se eleger com quinhentos
mil votos, usando como lema da campanha a defesa do contribuinte. Na Assembléia
Nacional Constituinte, em 1987, atuou como um dos principais articuladores da vitória
do Centrão (grupo de parlamentares conservadores de vários partidos) para modificar
o regime da Constituinte, no sentido de alterar substancialmente o anteprojeto da
Comissão de Sistematização. Foi também na Constituinte que o candidato mostrou a
sua face conservadora (contrária ao seu discurso progressista) ao votar contra as
principais propostas dos trabalhadores. Ao se lançar como candidato à presidência pelo
52
PL, Afif Domingos esperava ter boa receptividade na classe empresarial. As pesquisas
confirmavam que o índice de rejeição do presidenciável era mais baixa que de seus
adversários, sendo o preferido pela maioria dos dirigentes de empresa multinacionais
para ser Presidente da República. Seu programa no horário eleitoral gratuito iniciava-
se com um encontro de várias mãos. O jingle de campanha Juntos chegaremos lá! Fé
no Brasil! Com Afif juntos chegaremos lá!, conquistou boa parcela da população, o que
levou muitos membros do establishment a apoiá-lo inicialmente. O PL fez questão de
subtrair do programa eleitoral palavras que remontassem às lutas de classe.
Guimarães atribui a dois fatores os motivos da mudança do programa eleitoral de Afif
Domingos. O primeiro foram as denúncias do candidato do PRN Fernando Collor
referentes à participação negligente e classista na Constituinte — medida adota pelo
candidato do PRN após súbito crescimento de Afif nas pesquisas. Quanto ao segundo
fator, afirma:
... a caracterização de que a disputa pela segunda vaga para o
segundo turno se daria entre os candidatos mais à esquerda que ele
provocaram mudanças em sua atuação (...) transmuta-se numa
ladainha anticomunista. O bom-moço revela em seus ataques a Covas
e ao PT (...) a agressividade normal de um político, atributo até
então muito bem disfarçado no tom intimista conseguido através da
voz macia ...
80
Todo o esforço de Afif Domingos em ajustar-se ao eleitorado não surtiu o efeito
esperado e no momento mais decisivo do pleito do primeiro turno, o establishment
optou por outro candidato. O resultado da eleição deu a Afif apenas o 6º lugar com
4.5% dos votos.
Paulo Maluf.
O candidato do Partido Democrático Social-PDS à Presidência da
República foi o experiente, conservador e aliado dos militares no regime ditatorial,
Paulo Salim Maluf. Descendente de família libanesa rica, Paulo Maluf ainda jovem,
80
GUIMARÃES, I. Cultura política e imaginário: 76
53
começou a percorrer o meio empresarial. Sua carreira profissional foi recheada de
cargos importantes assumidos nas empresas da família. Seu padrinho político foi
Antônio Delfim Netto que em 1967, na condição de secretário da Fazenda, nomeou-o
presidente da Caixa Econômica Federal de São Paulo. No ano seguinte assumiu a vice-
presidência da Associação Comercial de São Paulo, passando a membro vitalício desta
instituição. Em abril de 1969, foi indicado pelo presidente Costa e Silva para prefeito
de São Paulo, o que contrariou Abreu Sodré então governador de São Paulo. Sua
gestão foi marcada pelas obras viárias e por medidas de cunho promocional: em 1970
ele presenteou cada jogador da seleção tricampeã mundial com um automóvel. Anos
depois foi condenado a devolver aos cofres públicos o dinheiro referente à compra dos
veículos. Ao sair da prefeitura em 1971 assumiu a secretaria de Transportes a convite
de Laudo Natel, onde permaneceu até março de 1975. Nesta época reivindicou maior
participação do empresariado na economia brasileira. Por outro lado não era tão liberal
quanto aos seus posicionamentos políticos: declarou-se radicalmente contra a extinção
do AI-5. Em 1978 Maluf lançou-se a sucessão do governo de São Paulo encontrando
resistência dentro do próprio partido (Arena), mas garantiu sua candidatura às
eleições indiretas. No dia 01 de setembro foi eleito pelo Colégio Eleitoral paulista e
tomou posse em 15 de março de 1979. Beneficiado com o fim do bipartidarismo em
1979, Maluf se filiou ao PDS formado em sua maioria por ex-dirigentes da Arena. À
frente do governo estadual, procurou promover o próprio nome já pensando nas
eleições presidenciais. É neste período que distribuiu ambulâncias aos municípios
pobres do nordeste. Em sua gestão criou a Eletropaulo — holding reunindo usinas
hidrelétricas do estado — e a Paulipetro, voltada para a pesquisa do petróleo em São
Paulo e em outros pontos do País. No governo Franco Montoro, em 1983, esta empresa
foi extinta por sua atuação ineficaz. Maluf deixou o governo do Estado de São Paulo
em 1982, desincompatibilizando-se para se candidatar a deputado federal na legenda
do PDS, elegendo-se com mais de seiscentos mil votos, tendo sido o deputado mais
54
votado do País. Irredutível em suas posições, Paulo Maluf insistiu em disputar a eleição
e esbarrou na indicação de Mário Andreazza, que nutria a mesma aspiração. Vitorioso
na convenção do PDS em que se lançou oficialmente candidato, Maluf provocou a
divisão do partido. Amargou a derrota para Tancredo Neves. Com a imagem
desgastada candidata-se ao governo de São Paulo nas eleições de 1986, colecionando
mais uma derrota política. Neste ano uma de suas empresas, a Eucatex, sofreu
denúncia na Delegacia do Trabalho devido ao número elevado de doenças profissionais
e ao elevado número de acidentes de trabalho. Com a imagem desgastada, o 5º quinto
obtém 8.11% dos votos, mais de 70% dos quais oriundos do Estado de São Paulo.
Mário Covas.
O recém criado Partido da Social Democracia Brasileira-PSDB
indicou Mário Covas Júnior candidato. No início de sua carreira política, inspirou-se em
Jânio Quadros, em que votou para Presidente. Sua admiração era tão grande que
utilizou a marca do janismo, a vassoura, como símbolo de sua campanha à prefeitura
santista, em 1961. Apoiado por políticos conservadores não conseguiu eleger-se. Um
ano depois candidatou-se a Deputado Federal por São Paulo pela pequena legenda
política Partido Social Trabalhista-PST, assumindo o posto em 1963. Com o
bipartidarismo Covas passou para o MDB, em 1965 tornou-se vice-líder e, em 1967,
obteve a liderança na Câmara dos Deputados. O ingresso nas fileiras do MDB mostrou
a mudança ideológica de Mário Covas. Até então conservador, ele seguiu uma
tendência conservadora, participando com políticos e empresários de programas de
televisão patrocinados por um dos braços políticos do Instituto Brasileiro de Ação
Democrática-Ibad que conspirava contra o governo Jango. O historiador Dreifuss
chegou a afirmar que a campanha de Covas de 1962 foi financiada pelo Ibad, que
tinha vínculos com a CIA.
81
Amadurecido politicamente como líder da oposição em
1967, os atos de Covas passaram a ser considerados ofensivos às Forças Armadas. O
81
DREIFUSS, R. 1964: a conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de
Estado
55
político articulou, por exemplo, a rejeição do Congresso a conceder a licença para que
o Executivo processasse o deputado Márcio Moreira Alves que, em discurso, criticara o
regime militar. A recusa dos deputados serviu de pretexto para o fechamento do
Congresso, através do AI-5 e o recrudescimento das Forças Armadas. Mesmo nos
momentos conturbados de 1968, Covas conferia abrigo aos perseguidos políticos pelo
regime militar. Em 1969 Covas teve cassado seu mandato e suspenso seus direitos
políticos por dez anos, chegando a ser preso por duas vezes. Longe do plenário,
restou-lhe a engenharia. Só em 1978, quando coordenou a campanha de Fernando
Henrique Cardoso para o Senado, quebrou seu silêncio. Com o retorno automático de
seus direitos políticos em 1979 reingressou no MDB respirando os ares da
reformulação partidária, uma das propostas da chamada abertura política. Logo após a
extinção do bipartidarismo filiou-se ao PMDB. No ano seguinte protestou contra as
ações do governo federal na repressão às greves dos operários paulistas. Em
novembro de 1982, elege-se Deputado Federal por São Paulo e, em maio de 1983,
deixa a Câmara para assumir a prefeitura de São Paulo. A volta de Mário Covas ao
cenário federal ocorreu em 1986, quando conseguiu se eleger para o Senado. No
Congresso assumiu posições nacionalistas e estatizantes, destacando-se como um dos
mais ardentes defensores do direito de greve, mas também votou contra a estabilidade
dos funcionários públicos. Cansou-se dos desvios políticos do PMDB e partiu para a
fundação do PSDB, uma legenda nova que era representada por um tucano.
O programa de Mário Covas no horário eleitoral gratuito tinha um slogan forte:
... fazendo uma analogia entre o número do candidato e o calibre de
uma arma de fogo, dizia: 'Entregaram o 45 para o homem certo.
Vote em Mário Covas e dê um tiro na irritação e na incompetência.
69
69
Guimarães, I. Cultura política e imaginário: 90
56
Faltou ao programa do PSDB demonstrar agressividade para enfrentar as
demais candidaturas e principalmente enfrentar os problemas do País. Mário Covas
atingiu 10.45% do total de votos, na quarta posição da corrida presidencial.
O destino destes candidatos estava traçado antes do pleito realizado em 15 de
novembro de 1989. Suas candidaturas não contagiaram nem a sociedade nem os
setores do establishment. Fiasco para alguns, trampolim para outros. No geral, o
primeiro turno para eles representou o prenúncio de suas ligações políticas para o
segundo turno. A disputa realmente concentrou-se entre Leonel Brizola e Luís Inácio
Lula da Silva para a vaga no segundo turno contra o líder das pesquisas Fernando
Collor de Melo.
A busca pela modernidade: Brizola, Lula e Collor
Ao enfatizar a modernidade como um dos elementos constitutivos do cenário
eleitoral de 1989, busco resgatar a importância incontestável de um sentimento
nacional, que funciona como fio condutor de uma aspiração a um futuro promissor.
Neste elemento que convenientemente chamo de contexto social, há um número
infinito de possibilidades para sua formação. A relação da sociedade brasileira com a
modernidade parte sempre do pressuposto de soluções emergenciais calcadas em
figuras que remontam à tradição messiânica secular herdada da cultura portuguesa.
Os planos econômicos sempre postergaram para o futuro o desenvolvimento e a
solução para o atraso.
A década de 80 foi um turbilhão de esperança e desencanto, de idas e vindas
em direção à propalada modernidade. Cada sopro de esperança não tardou a
transformar-se em desencanto. Foi assim com as diretas com Tancredo Neves, com o
Plano Cruzado I e II e com o Plano Bresser. A esperança em alcançar a modernidade
sempre foi postergada e as frustrações acumuladas durante seguidos anos
57
cristalizaram-se na eleição presidencial de 1989. A modernidade foi pauta constante
nos programas políticos de Brizola, Lula e Collor.
Leonel Brizola
. É o Partido Democrático Trabalhista- PDT. Descendente de
uma família de pequenos lavradores, nasceu em Carazinho no Rio Grande do Sul e não
chegou a conhecer o pai, morto na revolução gaúcha de 1923, ao lutar ao lado das
forças federalistas. Antes de ingressar efetivamente na vida política, Brizola formou-se
técnico rural em 1939, chegando a trabalhar como graxeiro numa refinaria de óleo em
Gravataí (RS). Atraído pelo tom populista de Vargas, Brizola ingressou no PTB em
agosto de 1945 e junto a um grupo de sindicalista de Porto Alegre, fundou o primeiro
núcleo gaúcho do partido. Nessas reuniões, aprendeu a cultivar os discursos em tom
emocionado e de tendência socialista. Nas eleições estaduais de 19 de janeiro de 1947,
elegia-se deputado para a Assembléia Legislativa gaúcha na legenda do PTB e, neste
mesmo ano integrou a maioria que votou a favor do parlamentarismo na Constituição
estadual, uma medida que restringiu, na época, os poderes do governador pedessista.
Em 1950 Brizola se casa com Neuza Goulart, irmã do deputado João Goulart e convida
para padrinho Getúlio Vargas estabelecendo assim relações mais profundas a nível
político. Paralelamente à sua reeleição como Deputado Estadual, Brizola assume a
liderança do partido. Em 1952 é nomeado Secretário de Obras. Em 1954 a morte de
Getúlio enfraqueceu o PTB, mas Brizola conseguiu se eleger Deputado Federal em
oposição à Carlos Lacerda. Já em 1955, chega à Prefeitura de Porto Alegre
promovendo saneamento básico, criação de escolas e a melhoria dos transportes
coletivos. Em 1959, assume o governo do Rio Grande do Sul iniciando sua luta contra
o capital estrangeiro, tornando-se a partir de então, um dos líderes da esquerda
nacionalista. Em maio desse ano decretou a encampação da Companhia de Energia Rio
Grandense, filial da American and Foreign Power Company-Amforp e, em fevereiro de
1962, também encampou a Companhia Telefônica Rio Grandense, subsidiária da
International Telephone and Telegraph-ITT. Em sua gestão aumentou o número de
58
escolas e apoiou o Movimento dos Agricultores Sem-terra, desapropriando áreas
declaradas de interesse social. Considerado radical, Brizola foi acusado em 1959 de
planejar em conjunto com lideranças sindicais a organização de uma série de greves
para pressionar o governo Kubitscheck. Com a renúncia de Jânio, em 1961, Brizola
lança a rede da legalidade, comandando 104 emissoras dos estados do sul para
mobilizar a população e garantir a posse de Goulart. Nesta época é acusado de
distribuir armas à população e cercar o Palácio Piratini com trincheiras, preparando-se
para uma guerra civil. Em novembro desse mesmo ano, foi um dos articuladores da
Frente Nacional de Libertação, movimento que reunia forças imperialistas, segundo
seus organizadores. Os discursos inflamados de Brizola refletiam-se nas urnas. Assim,
recebeu a maior votação da história de candidato a deputado para o Congresso pela
Guanabara. Na condição de vice-líder da esquerda na Câmara, pressiona João Goulart
para aprovar um conjunto de reformas de base. Em 1962, liderou a formação da
Frente de Mobilização Popular, organização integrada pela CGT, UNE, por
parlamentares e militares nacionalistas. Quando eclodiu o golpe de 1964, Brizola
permaneceu escondido, clandestino na fronteira com o Uruguai e, depois se exilou
neste país, até ser expulso em 1977.
Sua volta ao cenário político nacional ocorreu em 1979 com a anistia. Embora
tenha se empenhado na organização do PTB, Brizola perdeu a legenda para o grupo
trabalhista ligado a Ivete Vargas em maio de 1980. Chorou em público e declarou que
a partir daquele momento o PTB passaria a ser instrumento de engodo para as classes
trabalhadoras. Ainda em maio daquele ano, surge o PDT como nova legenda. Em maio
de 1982, disputou à sucessão do governo Chagas Freitas no Rio de Janeiro, e apesar
da oposição da Rede Globo através das inverdades produzidas pela Proconsult,
consegue se eleger governador.
Em sua gestão criou os Centros Integrados de Ensino-Cieps que serviram como
instrumentos de propaganda política em outros Estados. Sua maior dificuldade foi o
59
combate à violência, sendo acusado de incentivar a marginalidade. Em 1986, como
crítico ferrenho do governo Sarney, aproximou-se e cogitou a possibilidade de convidar
Fernando Collor para vice em sua chapa. Posteriormente tornaram-se rivais. Projetou
para a campanha à Presidência em 1989 a imagem do salvador individual da nação
brasileira
O personalismo e o paternalismo de Brizola são bem mais simples e
diretos, sem rodeios e floreados. O candidato personifica, se funde e
se confunde com objetivos, princípios, valores e essenciais. Assim é
com sua principal bandeira, a salvação nacional, ou seja, a salvação
das crianças pobres através da educação e dos Cieps: 'A educação se
chama Brizola', 'Cada voto no Brizola significa mais Cieps'. E também
com a verdade: 'A verdade para nosso povo se chama Brizola',
'Brizola a verdade vai vencer'. E ainda com a honra, a dignidade do
país, por conseguinte, com o próprio país: 'Por Brizola! Pela honra
deste país! ', 'Quem pensa no Brasil vota Brizola', 'Quem gosta do
Brasil vota Brizola'. Além disto, o candidato com quem se pode contar
incondicionalmente 'defende o nosso povo' e vai 'salvar nossas
crianças’.
82
Leonel Brizola tem raízes históricas ligadas a grandes mitos da política nacional.
Pertencente à tradição trabalhista de Vargas por ideologia e a João Goulart por
parentesco, Brizola era o grande ícone da política tradicional de apelo populista contra
a qual o regime militar utilizou-se de todas as formas para calar. Sua relação com a
tradição das ruas lhe valeu o apoio de Luís Carlos Prestes de onde veio o slogan Brizola
o candidato da esperança.
Apesar de sua idade, sua experiência e seu paternalismo lhe darem
um quê de 'grande pai', sua história política e seu estilo aguerrido
indicam que ele tende a se ajustar melhor aos tempos de crise ( ... )
O jingle da campanha de Brizola aglutinava dois pontos chaves de sua
campanha: o salvador individual e a preocupação com o futuro das
crianças que entoavam o cântico: 'Lá, lá, lá, lá, lá, Brizola. Lá, lá, lá,
82
GUIMARÃES, I. Cultura política e imaginário: 128
60
lá, lá, Brizola. O voto no Brizola só pode nos trazer um jeito bem
melhor para se viver’.
83
O candidato do PDT disputou o primeiro turno da eleição atingindo, numa
disputa acirrada pela segundo lugar, 16.51% do eleitorado, que lhe conferiram a 3ª
posição.
Luís Inácio Lula da Silva
. Situado no espectro da esquerda, outro candidato
utilizava-se da força do espaço público, Luís Inácio Lula da Silva candidato do Partido
dos Trabalhadores-PT, o partido que, contrariando a formação convencional, havia
nascido da militância sindical dos operários do ABC paulista, originado de baixo para
cima. Logo, diversos setores de dissidência da esquerda convergiram para o recém
formado partido, atraindo também a esquerda católica, a grande maioria advinda da
pastoral. Por seu modelo de estrutura interna aberta e democrática, O PT não poderia
ser identificado como um partido tradicionalmente leninista ou marxista.
A trajetória do candidato se confunde com sua trajetória de vida. Após quinze
anos trabalhando como metalúrgico, chegou a liderança do sindicato em São Bernardo
do Campo com 92% dos votos no ano de 1975. Foi reconhecido como ativista político a
partir da greve de 1979, quando a revista norte-americana Newsweek o classificou
como herói da classe operária. Lula partiu para o segundo mandado à frente do
Sindicato dos Metalúrgicos e neste período participou da criação do Partido dos
Trabalhadores. A retaliação do governo militar veio através de intervenção no sindicato
e cassação do mandato de Lula. A onda de greves, ao contrário das medidas militares,
não diminuía e sim intensificava-se. A resposta dos militares à ousadia dos
trabalhadores foi a prisão de Luís Inácio Lula da Silva com base na Lei de Segurança
Nacional. Após sua libertação participou da criação da Central Única dos Trabalhadores
- CUT. Sua primeira tentativa de chegar a um cargo político foi através da eleição para
83
Idem: 129
61
o governo de São Paulo, em 1982. O PT atingiu a quarta colocação, na eleição vencida
por Franco Montoro. Como dirigente partidário, Lula, dedicou-se à campanha pelas
diretas já, recebendo posteriormente o Prêmio Bruno Kreisky – dedicado àqueles que
lutam pela defesa dos direitos humanos. No ano de 1986, tornou-se o candidato mais
votado do país e passou a ocupar um dos assentos da Câmara dos Deputados. Logo
passou a ser o líder da bancada petista apresentando-se como um dos mais atuantes.
Em suas próprias palavras:
Eu me descobri cidadão transformador da sociedade em vez de ser
cidadão reivindicador.
84
Lula chegou à disputa da eleição de 1989 dotado de uma característica única
em relação aos demais candidatos, sua igualdade com o eleitor, conferida por sua
origem social pobre, da qual Lula soube fazer sua maior bandeira. A sociedade
identificava em Lula o companheiro em todos os sentidos: na roupa simples na voz
embargada na gramática popular e até mesmo no físico — o dedo mutilado no
trabalho.
Sua imagem alternava-se entre estes registros: ora, era o
trabalhador que sobressaia ora, o homem do povo. Como candidato,
defendia um programa de governo e um projeto político com forte
conteúdo popular e classista. Dirigia-se ampla e diretamente ao
povo ( em oposição a classe dominante ) e, particularmente, aos
trabalhadores e assalariados. Lula era a fusão ideológica política com
a autenticidade. Sua autenticidade funcionava como aval da
sinceridade de seus propósitos. A mudança que pregava ganhava uma
espécie de atestado de veracidade. Além do mais, sua extrema
facilidade de verbalizar, expressar dramaticamente e refletir
politicamente experiências concretas do povo multiplicava a confiança
do eleitor nele e, provavelmente, inspirava empatia e simpatia em
largos segmentos populares e também nas parcelas politicamente
mais abertas da população.
85
Ainda assim, a imagem do trabalhador não poderia ser analisada integralmente
como um fator positivo, particularmente devido à tradição escravocrata e colonizadora
84
Jornal do Brasil 25.08.86
85
GUIMARÃES, I. Cultura política e imaginário: 117
62
que fez do trabalho uma situação incômoda no Brasil. Status é não depender de seu
próprio trabalho para sobreviver. O trabalho é associado à inferioridade, à submissão
para uma parcela da sociedade. Já outra parcela da sociedade, identifica o trabalho
como valor positivo, uma vez que entende a sociedade como um lugar de exclusão,
logo estar trabalhando é um sinal de inserção, de vitória. Ligada a esta parcela social,
estavam aqueles que entendiam o trabalho associado a uma ação coletiva como
elemento transformador do estado paralisado. A imagem do trabalhador sobrepujava
neste ambiente toda a adversidade existente, elevando-se ao ideal: a figura coletiva
transformadora.
86
As propostas do candidato da bandeira vermelha e da estrela ideológica
compunham-se dos seguintes itens: o plano de combate à inflação, que consistia no
congelamento de preços e reestruturação dos subsídios buscava retomar o
crescimento, decretando moratória; com relação à dívida externa defendia o ensino
basicamente público e gratuito em todos os níveis; na pasta da habitação usaria
recursos captados nas auditorias de irregularidades fiscais; e quanto à questão da
segurança pública, sua plataforma elegera a redistribuição de renda, tendo como
desdobramento o combate à fome. Mas, o que atrapalhava o crescimento da figura de
Lula na campanha eleitoral?
Uma série de elementos podem ser concatenados para explicar tal processo. A
desintegração do Leste Europeu representou a derrocada dos experimentos socialistas.
As imagens enviadas para o mundo capitalista intensificaram negativamente o regime.
Somando a este processo de desmistificação da utopia socialista a realidade social na
qual a população se encontrava, não foi difícil resgatar o imaginário obscuro que
cercou aqueles ligados à esquerda. O temor, principalmente da classe média, de ter
seus bens resgatados pelo Estado, a apreensão do setor empresarial com novas
deflagrações de greves e a eminente possibilidade de intervenção militar com reflexos
63
em uma guerra civil, atemorizavam boa parte dos eleitores. Outra característica
negativa era o fato de boa parcela do eleitorado considerar a política coisa de Doutor,
o que não permitiu o crescimento do seu eleitorado entre as classes C e D. Apesar das
dificuldades no crescimento de seu eleitorado, Lula credenciou-se para disputar o
segundo turno ao alcançar 17.18% do eleitorado do País em 15 de novembro, unindo a
esquerda e a centro-esquerda em torno de seu projeto político.
Fernando Collor de Melo.
O último candidato à disputa presidencial de 1989
concorreu à eleição pela legenda criada especificamente para este pleito, o Partido da
Reconstrução Nacional- PRN, cuja origem remonta ao Partido da Juventude-PJ, de
1985. O candidato Fernando Collor, descendente de uma família tradicionalmente
ligada à política, teve seus principais referenciais políticos em seu avô Lindolfo Collor,
ex-ministro do governo Getúlio Vargas que introduziu a legislação trabalhista no Brasil,
e em seu pai Arnon de Mello, ex-governador de Alagoas pela UDN e senador pela
Arena . A carreira política de Collor iniciou-se no ano de 1979, na Arena, como prefeito
biônico de Maceió. O cargo foi resultado de um acerto entre seu pai e o então
governador de Alagoas, também da Arena, Divaldo Suruagy, que consistia numa troca
de apoios e indicações: Arnon apoiaria o nome de Guilherme Palmeira para sucessão
de Suruagy, que por sua vez indicaria Fernando Collor para Prefeitura. Sua passagem
pela prefeitura foi um trampolim para outro posto ligado à política, ainda assim, sua
presença pode ser percebida através do adjetivo atribuído aos seus feitos: o príncipe
da corrupção. No entanto, a administração Collor chegou ao seu final antecipado, com
a nomeação de três mil e quinhentos funcionários para a Fundação Educacional de
Maceió, transformando o órgão num cabide de empregos além da capacidade de
despesas do Município. A renúncia à prefeitura deu-se atrelado ao seu desejo de
disputar uma vaga para Deputado Federal, já no PDS, partido de Maluf, no ano de
1982. Foi eleito o Deputado mais votado de Alagoas. Contudo, a esperança da
população de ter na Câmara um representante atuante frustrou-se. Collor justificou
64
seu mandato, apenas em dois momentos: o primeiro, foi o voto conferido a favor da
emenda Dante de Oliveira, contrariando a determinação do partido; o segundo, foi o
voto a favor de Maluf na eleição indireta para presidente, contrariando os anseios da
população. A partir da derrota de seu candidato à sucessão presidencial, Collor
percebeu que o PDS não teria força para sustentar seu empreendimento. Era preciso
filiar-se a um partido de força nacional. A legenda escolhida foi o PMDB, apesar das
vozes contrárias dentro do próprio partido. Collor respondeu ao veto de alguns
correligionários, com votos advindos na disputa pelo governo de Alagoas. Em 1986,
empossado como governador do Estado, logo transformou a principal acusação que
sofrera na Prefeitura em filão de proporções nacionais. O caçador de marajás surgiu
como misto de defensor do dinheiro público e da moral social de um país tão castigado
pelo desrespeito a seu povo. Sua guerra brotava num Estado atrasado e violento,
ressaltando o teor messiânico. O combate aos funcionários públicos que recebiam altos
salários lhe valeu inserção no cenário político nacional, bem como nos meios de
comunicação. Sua mensagem resumidamente era: O Brasil tem solução! Basta iniciar
reformas que mergulhem dos altos escalões aos pequenos sonegadores disseminados
nas entranhas da corrupção estatal.
A perseguição de Collor achou outro viés de ataque, ao menos para os olhos
daqueles que desejavam ver nele o salvador. Os usineiros eram como pragas
parasitárias que impediam o Estado de avançar para o desenvolvimento. A dívida dos
usineiros ultrapassava os 140 milhões de dólares com o banco do Estado de Alagoas
(Produban). O então governador prometeu a seus eleitores cobrar dos devedores até o
último centavo da dívida. Mas, tal cobrança era apenas um jogo de cena para a
população e os meios de comunicação. Os usineiros haviam sido seus principais
financiadores durante a campanha, sua esposa era filha e herdeira de uma das
maiores famílias proprietárias de terras e dívidas. A cobrança era um golpe de mestre
atrelada à pretensão de um cargo de maior visualização política a partir do marketing
65
positivo de sua figura. A cobrança acabou no não pagamento da dívida, o que
beneficiou ainda mais os usineiros. Era preciso um novo inimigo capaz de despertar
interesse nacional. O novo inimigo estava bem mais perto que poderia se imaginar,
José Sarney. Os ataques ao governo fechavam a trilogia de embate com os ricos e
poderosos, empreendida por Fernando Collor. Sua expectativa era de ser convidado
para compor como vice a chapa que concorreria à presidência pelo PMDB, o convite
não veio e seus esforços foram frustrados. Posteriormente tentou ingressar nas fileiras
do PSDB como vice de Covas que ignorou suas pretensões. Baseado em centenas de
pesquisas de opinião pública encomendadas por ele e seu irmão Leopoldo Collor, foi
possível traçar um perfil do candidato que a população esperava, e quais as
prioridades que este teria de abordar para atingir os eleitores. Ainda governador,
Collor transformou o Estado em financiador primário de seus acordos para
financiamentos maiores. Com a criação do PRN, Collor passou a distribuir recursos
para os prefeitos de seu Estado que se filiassem à nova legenda. A questão da imagem
criada por Collor, seu desenvolvimento na campanha eleitoral e a inserção da mídia no
pleito são fatores entendidos por nós como de suma importância, sendo assim,
dedicaremos um capítulo especial à sua consideração. No momento, apenas avaliamos
seu plano para resolução de problemas: o combate à inflação dar-se-ia através da
implementação de uma reforma econômica, administrativa e fiscal sobre a dívida
externa; sua captação de recursos demonstrava-se obscura, constava em retirar aval
da União dos empréstimos das estatais; o setor da educação seria uma coalizão entre
a iniciativa privada e o governo, através de subsídios; o sistema de habitação seria
convertido em órgão estritamente financiador de casas a famílias de baixa renda; e no
que tange ao setor de segurança pública sua meta estava ligada ao reaparelhamento
das polícias e ao combate à impunidade.
66
Capítulo 4
Collor em três momentos
O homem é a principal matéria-prima.
Heiddeger
Neste capítulo passamos a analisar mais especificamente a construção do fenômeno
Collor e de seu enfrentamento com Lula no segundo turno da eleição presidencial de
1989. Os dois segmentos a serem analisados referem-se à última fronteira do projeto
de mudança do paradigma da política: a supressão de uma força trabalhista-sindical e
o estabelecimento do novo locus das disputas pelo poder — a videopolítica — em
detrimento do espaço público.
Abordamos o fenômeno Collor a partir de duas vertentes convergentes: 1. a
que o considera resultado da espetacularização através do esforço de marketing
político preparado por sua equipe; e 2. a que enfatiza o processo midiático de
transformação de Collor em mercadoria produzida para o consumo dos tele-eleitores. A
análise do segundo turno se dará em torno do embate entre dois modelos de política:
o modelo tradicional que tem no espaço público sua principal força e utiliza-se da mídia
como um instrumento de amplificação de sua força; e o modelo moderno que faz da
mídia sua principal arma, sem a preocupação de edificar base sólida capaz de
sustentar o discurso em si e recorrendo ao espetáculo midiático da despolitização
característica da videopolítica.
Antes, porém, enfatizamos nossa discordância da noção bastante difundida da
vitória antecipada de Collor, como explicitada por Lima, para quem a vitória de Collor
no pleito eleitoral foi antecipada pelo empenho da mídia em eleger o candidato do
PRN. Assim, a mídia teria assumido a candidatura de Collor no ano de 1987, fazendo-
se palanque para divulgação da imagem e idéias do candidato.
87
Ao interpretar os
87
LIMA, V. A. Comunicación y política en América Latina: el caso brasileño
67
dados obtidos na pesquisa realizada para esta dissertação, concluímos que justificar a
vitória antecipada de Collor por seu aparecimento na mídia pode significar uma
perspectiva reducionista dos mecanismos que implicam as ações políticas, tal como
tentaremos demonstrar a seguir. A primeira aparição de Collor na mídia nacional
ocorreu em um jornal impresso em em abril de 1981,
88
em artigo no qual o então
prefeito de Alagoas descrevia o desafio de governar uma cidade nordestina e
anunciava seu futuro livro O desafio de Maceió
89
. Pouco depois, jornais de São Paulo
noticiavam o voto de Collor a favor da emenda Dante de Oliveira
90
enquanto a Rede
Globo viria a expor o apoio de Collor a Maluf — contra Tancredo Neves — em janeiro
de 1985.
91
Fechando este ciclo, foi divulgada a vitória de Collor para o governo de
Alagoas.
92
Portanto, é possível afirmar que em 1981 — e não em 1987 como Lima
sugere — já se preparava a candidatura de Collor para um posvel pleito direto
para Presidência. Concordamos com a noção de vitória antecipada de Collor na
eleição de 1989, mas apenas para o primeiro turno da eleição. Esta vitória
antecipada deu-se pela margem estabelecida por Collor ainda anterior à votação
do primeiro turno. Ao atingir 42%
93
da prefencia nacional com a utilização da
videopolítica devido seus programas políticos, Collor passou a despencar nas
pesquisas no período do horário eleitoral gratuito. O segundo turno constituiu uma
outra eleição, equivalente à uma nova campanha eleitorail, embora não convenha
subestimar os eleitores conquistados na primeiro turno da eleição.
88
Coluna Quem. Jornal do Brasil 12.04.1981
89
Jornal do Brasil 12.04.81
90
Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo. 16.11.84
91
Jornal Nacional, Rede Globo de Televisão. 15.01.85
92
Veja 06.12.86
93
Segundo os institutos de pesquisa Ibope, Vox Populi e Gallup
68
Collor: o marketing que o produziu
Observemos agora como Collor criou sua própria imagem através de um
empenho nunca antes visto pela sociedade brasileira em adequar a imagem política à
expectativa do eleitorado, tal qual um produto comercializável.
Marketing é um termo que expressa um conhecimento prévio do que irá se
apresentar, a quem irá se apresentar e como será realizado, portanto, envolve uma
estratégia definida anteriormente à sua divulgação e elaborada por profissionais. Nesse
sentido, note-se queo marketing político não difere em especial do marketing
comercial:
O marketing político é um conjunto de técnicas e procedimentos que
tem como objetivo adequar um(a) candidato(a) ao seu eleitorado
potencial, procurando faze-lo, num primeiro momento, conhecido
do maior número de eleitores possíveis e, em seguida, mostrando-
o diferente de seus adversários, obviamente melhor do que eles.
94
O marketing político consiste na adaptação do candidato ao seu eleitorado, em
um processo que compreende um conhecimento minucioso das expectativas, anseios,
desejos e frustrações da ampla gama de eleitores à qual o candidato se dirigirá. É
preciso que o candidato fale aquilo que seus eleitores esperam ouvir e entendam. Esta
aproximação do discurso do candidato à realidade do eleitor é a última etapa do
marketing, composta de uma série de procedimentos que envolvem pesquisas,
imagens, conhecimento da agenda social e outras minúcias. Para realizar com eficácia
um marketing político, faz-se necessário um alto investimento financeiro. A campanha
de Collor contava com tais quantias, advindas de sua condição financeira, do apoio dos
latifundiários e de empresários de Alagoas, como Paulo César Farias e o grupo
Monteiro Aranha. Desta forma foi possível montar a base de seu marketing com
importantes nomes da publicidade em seu staff
95
que preparariam o governador
94
FIGUEIREDO, R. Marketing político: 49
95
Nomes como Marcos Coimbra - Vox Populi - pesquisa; Zélia Cardoso de Mello -
ZLC - assessoria econômica; Álvaro Lins Filho - CAP-Software - informática; Ney
Figueiredo - CEPAC - marketing; Leopoldo Collor - Saldiva & Associados - agência de
69
Fernando Collor de Mello para alcançar suas aspirações futuras de grande porte em
nível nacional.
Em Alagoas, Collor buscou de imediato combater a principal chaga social
brasileira apontada pelo Ibope: a corrupção governamental. Através da alcunha
amplamente divulgada de o caçador de marajás oferecia-se aos eleitores um ícone de
glorificação no empreendimento do combate às injustiças sociais. A imagem
despertava no povo a credibilidade no jovem político, assim atingindo outro ponto
fundamental no imaginário do eleitorado, o descrédito nos políticos tradicionais. Collor
apresentava-se como um político desligado de esquemas ou compromissos com a
política tradicional, um outsiderfora da política e do jogo de interesses, capaz de
denunciar esquemas de corrupção.
Para marcar definitivamente seu posicionamento na esfera nacional, Collor
atacou o governo Sarney, desacreditado e desqualificado frente à população brasileira.
Sua desvinculação, com o PMDB de Sarney, ocorreu justamente quando Collor rompeu
com status quo ao entregar um dossiê no qual constavam denúncias contra o ministro
da justiça Oscar Dias Corrêa. Collor, em suma, situava-se como um candidato apolítico
dentro da política. A estratégia adotada demonstrou ser correta. Em pesquisa posterior
à definição de imagem, o nome Collor aparecia como o de maior aceitação entre a
população. Em pesquisa subsequente, os resultados selaram definitivamente o acerto
no caminho escolhido, a população desejava um político jovem, de nível superior, com
boa fluência verbal, elegante, com experiência administrativa e opositor do governo
Sarney. Collor era perfeitamente a superposição do ideal com o real, acreditaram seus
assessores. Logo, iniciaram o processo de lapidação da imagem para que esta fosse
consumida pela sociedade.
publicidade; da Setembro, da DNA, e da Opção - agências de publicidade; formaram
sua equipe
70
Collor passou a se fazer notícia com mais frequência. Se era um combate à
corrupção, o caçador estava nas ruas denunciando abusos.
96
Combate ao governo
Sarney, Collor disparava sua munição.
97
A sociedade buscava uma alternativa contra o
descrédito, Collor apresentava a solução antipolítica.
98
. Sendo preciso apontar na
sociedade os responsáveis pela mazela dos espoliados, Collor indicava os barões da
política.
99
A imprensa em seu papel informativo, noticiava as manchetes produzidas,
assim ampliando o espaço nacional de Collor. Ainda assim, comenta Lima:
...Collor detinha 5% das intenções de voto, contra 6,8% de Lula,
7,4% de Silvio Santos e 10,3% de Brizola. A pesquisa da Vox
Populi também revelou que Collor era conhecido por somente 25%
dos eleitores, mas, entre aqueles que o conheciam, era o preferido.
Tratava-se, portanto, de 'divulgar sua imagem e sua proposta’.
100
Podemos entender estes dados a partir da observação de que dos 25% de
eleitores que o conheciam, a grande maioria era oriunda das classes média e alta,
portanto, aqueles que tiveram acesso às primeira informações sobre Collor. A grande
maioria da população não havia sido atingido pela primeira etapa do marketing
collorido, tampouco pela notícia veiculada pela imprensa escrita. Era preciso tocar o
povo através da idéia do salvacionismo e messianismo, inculcados no inconsciente
coletivo da população, como notou Carvalhoera o Indiana Collor, em alusão a Indiana
Jones. Percebeu-se também uma maior inserção da figura de sua mulher Roseane
Collor de Mello, que exibia uma imagem ‘moderna’. Suas vestimentas relembravam
Jackeline Kennedy, adequando-se perfeitamente com a de Collor, moldado por ternos
escuros no sol do nordeste. Oferecia-se à sociedade um casal de que pudesse se
orgulhar, uma cópia tupiniquim dos Kennedys.
96
Veja 12.08.87
97
Veja 21.01.88
98
Veja 02.11.88
99
Veja 30.11.88
100
LIMA, V. A. Televisão e poder: a hipótese do cenário de representação da política
CR-P: 47
71
As pesquisas do Ibope passaram a ser divulgadas pela Rede Globo e pelo jornal
O Globo com maior insistência. Em 14.03.89 Collor estava com 7%, 2% a mais que na
última pesquisa, demonstrando que o trabalho com imaginário coletivo vinha obtendo
os resultados esperados. A agência de publicidade Setembro, de posse da pesquisa do
Vox Populi, percebeu que a legenda partidária não influiria decisivamente na
angariação de votos, assim, fechou-se a idéia de marcar definitivamente a chancela
partidária de Collor. O obscuro Partido da Juventude, fundado apenas com este fim,
mudou de nome por decisão dos marketeiros. O novo nome deveria apresentar
imediatamente a proposta do partido, Partido da Reconstrução Nacional- PRN.
A equipe da campanha de Collor sabia que faltava uma marca, algo que
remetesse ao político imdiatamente ao ser visualizado. Como paralelamente boa parte
da população mantinha-se insatisfeita com Sarney e temia o avanço do espectro
Brizula, líder nas pesquisas,
101
era preciso encontrar uma saída. A saída estava no
aríete de campanha produzido pela assessoria de Collor, o duplo
ll
. A duplicação da
letra l do nome de Co
ll
or em cores verde e amarelo, buscava simbolizar a marca da
justiça, algo como a marca do Zorro, de fácil assimilação e entendimento. Resolvido
este entrave publicitário, bastava tornar o candidato conhecido de toda população
brasileira. Para que este intento fosse alcançado toda equipe empenhou-se em
produzir o programa do PRN:
A campanha de Collor foi ultra-personalista. Seu personagem
prescindia de tudo e de todos. Quer dizer, prescindia de partidos, de
alianças, do apoio de grupos econômicos etc. Era a figura do
Cavalheiro Solitário, o Lone Ranger tupiniquim. Ele só não
prescindia do apoio do povo. Ele chama pelo povo, por 'sua gente':
‘Eu preciso de vocês, eu preciso de vocês para chegarmos juntos a
grande vitória’... O Caçador de Marajás sozinho, com 'sua
gente'. 'os descamisados', 'os mais humildes', 'os pés descalços', os
'à margem'. A solidão dos puros, imaculados, justos ( ... ) O famoso
'minha gente' de Collor é muito interessante. Pode denotar origem,
relativa a uma nação, um povo, uma etnia e até mesmo uma família,
especialmente família extensa, aquela com agregados etc. Este último
sentido é particularmente sugestivo se considerarmos a origem social
101
Ver Vasconcellos, G. F. Brizulla. O samba da democracia
72
de Collor, filho de clãs tradicionais do Nordeste e do Sul do País.
Evoca a imagem do senhor dirigindo-se a seus agregados, àqueles a
quem está ligado por relações estritamente pessoais baseadas no
favor e no contra-favor, no mando e na subserviência, onde cada
qual conhece seu devido lugar. Ao mesmo tempo, enquanto
tratamento familiar, também evoca a intimidade, a ausência da
distância.
102
Também vale aqui relembrar que a idéia de descamisados não é uma inovação
de Collor, mas sim uma apropriação de um termo utilizado em larga escala por Perón
na Argentina, aqui utilizado pela primeira vez no Brasil num discurso de Getúlio
Vargas.
No dia 30.03.89 foi ao ar o programa do PRN, no horário gratuito da televisão
imposto pela lei eleitoral. O programa uniu efeitos televisivos, discurso imperativo,
imagens cognitivas que tiveram êxito em alcançar seu propósito. A repetição constante
de palavras como caráter, dignidade, honra, coragem, e justiça, impressionaram não
só políticos e empresários, mas principalmente o povo. Os índices de audiência
comprovaram seu acerto, 61% segundo Ibope e Vox Populi. Obteve de positivo a
aprovação de 81% dos telespectadores. O programa foi tão bem preparado que alçou
Collor de 7% para 15%, na pesquisa realizada em 06.04.89. A mídia não deu a
importância devida a seu crescimento. Preocupava-se ainda com a definição do PMDB
e torcia por Quércia, como único político capaz de opor-se à dobradinha Brizula. Collor
demonstrava que a mídia estava enganada.
A estratégia foi extremamente eficiente e repetida durante o programa do
obscuro PTR. No dia 27.04.89, foi ao ar mais um programa que tinha como principal
objetivo fixar na sociedade as propostas e imagens de Collor. A fórmula aplicada neste
programa foi a de mostrar um Brasil que deu certo, logo, apresentar uma solução
positiva: Collor. Um Collor mais ligado ao povo, de calça jeans e camisa pólo,
descarregava suas palavras de ordem pela moralização nacional.
102
Guimarães, I. Cultura política e imaginário: 111
73
O resultado deste programa não foi diferente do anterior. O índice de audiência
alcançado registrou 61,7%, segundo o Ibope. As pesquisas atestaram definitivamente
a ascensão de Collor, ultrapassando Brizola nas intenções de voto. Collor atingiu 32%
em 16.05.89, um crescimento de 12%. Um misto de surpresa e certeza de um
excelente trabalho de marketing abateu-se na sociedade brasileira ligada a análises
eleitorais. Anterior ao resultado das pesquisas, toda elite conservadora do país e os
setores ligados ao desenvolvimento nacional perceberam que a única alternativa
viável, capaz de opor-se à esquerda estava em Collor
.
As esperanças de Roberto
Marinho, numa possível indicação de Quércia no PMDB, frustraram-se. A plenária do
maior partido nacional realizada na última semana de abril, decidiu o futuro das
eleições. A combinação de falta de alternativas, resultados positivos de marketing, e
aceitação do eleitorado através das pesquisas definiram a atitude de blocos como
Fiesp, Organizações Globo, Editora Abril e as elites do interior do país.
A tríade de programas vencedores de Collor finalizou com o programa do
Partido Social Cristão-PSC que o PDT de Brizola tentou inviabilizar. A representação
realizada junto ao TSE não foi julgada legítima, sendo assim, o candidato do PRN pôde
veicular sua imagem num outro programa novamente. Os dois programas anteriores
tiveram objetivos específicos: o primeiro, tornar sua imagem conhecida
nacionalmente; o segundo, tornar suas idéias aceitas. Indiferente do caráter já
determinado, o terceiro programa visava consolidar sua imagem entre os eleitores e,
ao mesmo tempo, projetar-se definitivamente na lacuna deixada pela não indicação de
Quércia.
O programa apresentado em 18.05.89 trouxe mudanças definitivas. A influência
de Marinho estava inserida nesta última fase. A atriz da novela O Salvador da Pátria,
símbolo de rebeldia e protesto, colocou-se a serviço do marketing collorido, bem como
74
outras atrizes de grande popularidade.
103
Realizando o papel de apresentador dos
problemas sociais e entrevistador daquele que potencialmente poderia resolvê-los, o
programa atingiu sua meta: Collor estava alçado definitivamente à condição de O
salvador da pátria. Os números selaram sua condição de líder indiscutível. A pesquisa
do Ibope, em 07.06.89, conferiu-lhe o primeiro lugar disparado, 42% das intenções de
voto:
Vox Populi constata que Collor já é conhecido por 77,3% da população
e os motivos de sua popularidade são, pela ordem, sua associação
com a juventude e o novo; sua coragem e determinação; a luta
contra os
marajás
; o desempenho no governo de Alagoas e a
oposição a Sarney (Braga, 1989). Sua posição é tão confortável em
relação aos demais candidatos que ele se recusa a participar de todos
os debates na TV, promovidos pela Rede Bandeirantes, antes de 15
de novembro. A estratégia de marketing, sob o comando da Vox
Populi e da Setembro, fez com que Collor fosse
produzido
durante
toda campanha dentro de um plano coerente de construção de
imagem que inclui desde os gestos (dedos em forma de V de Vitória)
e a fala (
minha gente
), até as cores (da bandeira nacional) e a
música. Foram utilizadas ainda duas outras agências de
publicidade mineira - a DNA e a Opção - que trabalharam na
produção dos programas do PRN, PTR e PSC e de todo material
veiculado durante o HEG do TSE, além da criação e veiculação de
mais de 108 peças, entre cartilhas, adesivos, buttons, anúncios,
‘outdoors, manuais etc.
91
A observação de Lima sobre o fato de Collor manter-se ausente dos debates do
primeiro turno aponta outro ponto fundamental da estratégia mercadológica de seus
assessores. Um debate contendo todos os candidatos à Presidência seria um ponto
crítico para Collor, que não tinha condições de competir com o experiente discurso de
Brizola, o que lhe poderia custar uma queda significativa no percentual de intenção de
votos. Neste aspecto, ficou visível que o produto mercadológico não seria páreo à
habilidade política adquirida através da oratória, tanto com relação a Lula e Mário
Covas, como principalmente em relação a Brizola.
103
Marília Pêra e Cláudia Raia tiveram seus nomes vinculados à campanha inclusive
depois da derrota que levou ao impeachment do Presidente
91
LIMA, V. A. Televisão e poder: a hipótese do cenário de representação da política
CR-P: 48-49
75
Collor: produto da videopolítica
O interesse pela sucessão ampliou-se ainda no ano de 1988, a partir da certeza
da candidatura de Brizola e da consolidação do PT no cenário nacional, fortalecido pela
liderança de Lula. A elite dominante precisava buscar um nome forte capaz de impedir
a avalanche esquerdista que se desenhava assim como de aarticular os interesses dos
grandes empresários. Na Rede Globo, diversos nomes, entre eles o de Covas, Afif e
Collor, foram cogitados pelo diretor encarregado de cobrir a sucessão presidencial,
Jorge Serpa Filho, e o proprietário, Roberto Marinho.
104
No editorial Convocação,
Roberto Marinho, insuflou a população a exigir um candidato que obtivesse consenso
do establishment, fosse independente do jogo de poder e antenado com as propostas
modernas neoliberais, que trabalhavam os problemas sociais com perspectiva de
melhoria e otimismo.
105
O golpe mais duro do editorial estava na seguinte frase:
... que lhe ofereça uma alternativa melhor que a de obrigá-la a
escolher entre um projeto caudilhesco-populista e um
meramente contestatório.
106
Todos estes fatores reunidos — a indecisão do PMDB entre Ulysses Guimarães
e Orestes Quércia (que contava com o apoio da FIESP e dos conglomerados midiáticos
Globo e Abril); o significativo percentual de intenção de votos na esquerda (Brizola e
Lula); a baixa expressividade de Afif e Covas; e o crescimento de Collor nas pesquisas
de intenção de voto, depois dos programas eleitorais dos partidos PRN, Partido
Trabalhista Renovador- PTR e Partido Social Cristão-PDS — levaram o establishment a
assumir a candidatura de Collor como a opção preferencial no combate ao espectro
Brizula.
A partir deste momento a dedicação da mídia a Collor levou à deturpação da
informação e à transformação desta em noticiários panfletários, visando a favorecê-lo.
104
Isto é/Senhor n º 1039
105
O Globo. 02.04.89
76
Uma das claras indicações de Roberto Marinho neste sentido foi a declaração de não
democratizar o tempo destinado aos candidatos.
107
A distribuição parcial do tempo
destinado ao Jornal Nacional evidenciava esta afirmação: no período de 28 de agosto a
29 de outubro de 1989, Collor recebeu 21.5% do tempo; Brizola 13.5%; Ulysses 12%;
Covas 11.5%; Maluf 10.5%; Lula 9%; Aureliano 9%; Afif 5%; e outros 8% . A
cobertura tinha duas vertentes especiais: o nítido favorecimento a Collor e as
projeções referentes a possíveis embates num segundo turno.
Segundo a hipótese da prof. Weber, a Rede Globo realizou desqualificações de
temas problemáticos a fim de esvaziar o debate social:
... a cumplicidade e as demonstrações de poder dos mídias e dos
políticos (. . .) os procedimentos estéticos dos mídias, como
formadores de uma história paralela à real (. . .) as fascinantes
formas de ocupação do espaço das consciências, através da
onipresença e sabedoria dos mídias (. . .) a abrangência
apartidária, ético-legal e econômica explícita dos mídias no Brasil,
especialmente da Globo, disputando e demonstrando sua
capacidade de articulação política, qual um partido sem rótulos (
. . . ) o fato da maioria da população ter sido inoculada pela
estética da televisão, tornando-se mais vulnerável e receptiva
aos discursos mais facilmente assimiláveis, com referência mais
conhecida: compacto, passional, padronizado, publicitário (. . .).
108
A mídia é definida pela autora como gerenciadora de uma série de artifícios que
conduzem e se sobrepõem ao homem, o único canal de formação e escoamento de
valores e conceitos, no âmbito social e político:
Os mídias, com a lógica e poder equivalentes aos do Estado e do
capital, destes se diferenciam pela sua agilidade, perspicácia e sua
ingênua e transparente capacidade de sedução. Podem relativizar o
real - a história - mostrando-a de uma perspectiva menos inóspita,
mais confortável, fornecendo álibis ao cidadão sobre a impossibilidade
de mudar, pela complexidade do poder e da política. Leitores,
telespectadores e ouvintes testemunham os movimentos da política,
sem participar diretamente. O interlocutor social vem sendo
106
Lima, Venício A. de. Televisão e poder: a hipótese do cenário de representação
política: 49
107
Folha de São Paulo 18.12.88
108
WEBER, M. H. Pedagogias de despolitização e desqualificação da política
brasileira: 50
77
emudecido pelo seus procuradores le(g)ais: os atores, produtos e
programas.
109
Nesta linha surgiam as telenovelas, produto por excelência eficaz na influência
da população e produzido com sutileza, que constituíram relevante mecanismo de
comunicação e persuasão a médio e longo prazo Para Maria Helena Weber, a novela é
um cabo eleitoral das propostas de melhor conveniência aos donos dos meios, estando
sua força a serviço do voto correto, portanto servindo para demonstrar quem influi na
sociedade — o conglomerado Globo — e ao mesmo tempo elegendo o candidato
escolhido pelo setor empresarial:
Sempre coube a Globo definir e traduzir todas as situações nacionais
da melhor forma pôr obter resultados rapidamente.
Independentemente de assumir responsabilidades formais quanto à
sua participação nessas eleições, este papel lhe é inerente e
justificado, no mínimo, pelo altos índices de audiência obtidos por
qualquer parte de sua programação (. . .) a neutralidade do Jornal
Nacional, por exemplo, quanto ao voto da Globo, seria incontestável (.
. .) A salvação da pátria Vale Tudo dependia de 2 heróis: o
salvador
de O Salvador da Pátria, cujas origens eram
descamisadas e, portanto, após ingressar e usufruir de poder, o
devolve. Assim, estava fortalecida a opção pelo
rei
, de ‘Que rei sou
eu?’, que, embora tendo sido criado entre o povo rude, portava toda
sabedoria e majestade necessárias ao resgate da pátria. Suas origens
estavam diretamente relacionadas ao poder. Na verdade, não cabe ao
povo sua transformação social porque esta só pode ser feita por
aqueles que conhecem o poder, que são gerados por ele ou nele tem
raízes.
110
Segundo turno: espaço público versus videopolítica
Saíram das urnas de 15 de novembro de 1989 os dois nomes para o segundo
turno realizado em 17 de dezembro do mesmo ano: Fernando Collor de Mello e Luís
Inácio Lula da Silva. A grande disputa do primeiro turno acabou sendo entre Lula e
Brizola pelo segundo posto, na qual qual o candidato do PT saiu-se vitorioso.
As urnas revelaram, além dos nomes dos concorrentes, a real margem de votos
de cada candidato, percentuais que haviam sido superestimados pelos institutos de
109
Idem.: 70
110
WEBER, M. H. Idem: 76
78
pesquisa. Na reta final a revista Veja e a emissora de televisão Globo informavam em
tom de euforia a possibilidade de vitória no primeiro turno do candidato do PRN. O
candidato do PT, Lula, obteve 17.18% dos votos contra 30% de Collor. As urnas
revelavam que Lula estava mais próximo a Collor, do que este para uma vitória no
primeiro turno.
O segundo turno da eleição de 1989 transcorreu em quatro instâncias: no
espaço público através das caravanas da cidadania realizadas pelo PT, no horário
eleitoral gratuito, na cobertura midiática e nos debates televisivos. Assim temos um
elemento do espaço público, um elemento híbrido e dois relacionados à videopolítica.
Durante o segundo turno assistiu-se ao crescimento contínuo de Lula motivado
pela adesão dos candidatos derrotados Brizola e Covas. O segundo motivo de extrema
importância, referia-se às caravanas da cidadania organizadas pela Frente Brasil
Popular que se integravam à agenda do combate à fome e à exclusão social. As
caravanas constituíram a maior celebração realizada no espaço público da campanha
de 1989, através do resgate da tradição do contato com o povo e remontando aos
tempos da Coluna Prestes. Seu efeito transcendeu a praça e chegou à mídia
subvertendo a despolitização desta. Utilizada nos programas políticos do horário
eleitoral gratuito, as caravanas da cidadania impuseram-se à mídia, utilizando-se de
sua potencialidade de publicizar a agenda.
O terceiro fator que explica o crescimento da candidatura de Lula está
relacionado ao programa desenvolvido pelo PT para o horário eleitoral gratuito,
extremamente politizado e adequado à linguagem televisiva. A opção em parodiar a
Rede Globo de Televisão em seus programas superou as expectativas do partido.
Faziam parte da paródia as vinhetas da emissora e sua marca sonora registrada, o
plim-plim, enquanto as imagens das ‘caravanas da cidadania’ eram acompanhadas do
jingle da campanha Sem medo de ser feliz. Todas as paródias contavam com
integrantes da emissora de Roberto Marinho.
79
O programa tinha um ritmo bem dinâmico, quadros variados e muitas
externas. Realmente lembrava a programação de uma TV. Além de
fazer os convencionais pronunciamentos em estúdio, Lula fazia o
papel de ‘repórter’ revezando-se com outras estrelas de seu partido
na condução de uma série de ‘reportagens-denúncia’ sobre má
administração, corrupção, política econômica e disparidades
sociais, questão agrária e violência no campo etc. Tudo no estilo
‘jornalismo verdade’, com os dubles de repórter falando do
‘lugar do acontecimento’, mostrando as ‘imagens dos fatos’,
enfrentando até situações de risco para desenvolver seu ‘jornalismo
investigativo’.
111
Em suma, as caravanas e o horário eleitoral gratuito foram os grandes
responsáveis pelo crescimento de Lula no segundo turno. Crescimento este que na
reta final ultrapassou o percentual de intenção de votos destinados a Collor como
veremos ao trabalhar a manipulação da mídia na última semana.
O programa de Fernando Collor no horário eleitoral gratuito, embora
competente, permaneceu abaixo da eficiência do programa do PT, salvo na última
semana da campanha. Recheado de estrelas globais, em um de seus programas Collor
denunciou a tentativa de assassinato que sofrera. Através de simulação reconstituiu o
suposto atentado contra sua vida e afirmou que se tratava de um complô dos
poderosos contra sua candidatura. Os programas apresentados desqualificavam o
candidato rival, bem como, desqualificavam a prática do debate.
112
Os programas de
Collor eram os programas do caçador de marajás, tudo girava em torno do mito e suas
simbologias.
O horário do TSE foi a brecha por onde Lula e a Frente Brasil Popular
penetraram no cenário político eletrônico, até então, franqueado
‘quase’ exclusivamente aos candidatos ‘confiáveis’ para os donos do
poder.
100
Ainda assim a imagem criada ao longo da campanha suportou a queda na reta
final. Deus me privou do sentimento de medo é apenas um dos sinais que Collor
enviou a seus eleitores na ratificação da imagem do messias. Apenas ele dotado da
111
GUIMARÃES, I. Cultura política e imaginário: 126-127
112
Para tal desqualificação Collor apoiou-se nas atrizes da Globo, Cláudia Raia e
Regina Duarte
80
virilidade inconteste de sua idade e da cólera orgânica de justiça, seria capaz de
conduzir a nação à vitória/modernidade. Era o próprio príncipe criado entre a barbárie,
mas que nunca desviou-se do caminho. O trabalho mostrado no Horário Eleitoral
Gratuito trazia o jingle Collorir eu vou, que conclamava a todos a marcar a impunidade
com o duplo
ll
de Collor, a fim de que a marca da justiça se fizesse presente.
A percepção de que o crescimento da candidatura de Lula evoluiria
naturalmente durante a disputa, fez com que a mídia atuasse como cabo eleitoral na
campanha para assegurar a vitória do candidato da situação. A revista Veja foi a
primeira a desempenhar esse papel. A revista de 29.11.89 foi taxativa em transformar
Lula numa figura obscura, incerta, e assustadora. Ainda assim os comícios de Lula
arrematavam a população aproximando-o dos pontos mais distantes, na mesma
proporção que o direcionava para o afastamento do círculo do poder econômico e
político. Era preciso um toque determinante para conter a ascensão da esquerda,
principalmente após o primeiro debate de Lula com Collor, no qual o candidato
operário dominou a cena. A resposta imediata e firme durante o debate e a edição
extremamente favorável a Collor ratificaram sua vitória.
Os esforços da mídia ecoaram também na televisão: o tempo destinado a Color
e as subsequentes matérias de intenção direta marcaram o posicionamento da Rede
Globo de Televisão, através de seus editoriais a favor de Collor. Os assessores de
Collor, em especial seu irmão Leopoldo, perceberam que o avanço conseguido por Lula
ultrapassava os esforços da mídia. Logo era necessário dar uma resposta que agitasse
as eleições e levasse ao descrédito a crescente candidatura. A resposta veio através do
depoimento forjado da ex-namorada de Lula, Miriam Cordeiro. O expediente
inescrupuloso e extremamente arriscado inseriu em cadeia nacional a faceta de um
Lula desligado do valor básico da sociedade: a vida. Segundo o depoimento, Lula teria
proposto a Miriam Cordeiro um aborto para interromper uma gravidez indesejada.
100
Idem.: 103
81
Neste momento em que se tornava possível detectar a intenção de desqualificação da
política com a inserção de assuntos da esfera privada no domínio público, a
videopolítica mostrava sua face inescrupulosa e sombria.
O depoimento teve um efeito bombástico sobre o candidato do PT. Seu visível
abatimento ficou latente no último debate realizado às vésperas da eleição. Surgiu
diante de um Lula derrotado a figura confiante de Collor. O candidato do PRN portou-
se com maior naturalidade no debate. A tarefa da Rede Globo em realizar uma edição
favorável a Collor superou qualquer limite de parcialidade que possa ser atribuído ao
jornalismo. A ordem de realizar uma edição com os piores momentos de Lula e os
melhores de Collor, bem como a atribuição de espaços maiores ao candidato colorido,
partiu da direção de jornalismo da Globo.
A eleição presidencial foi decidida na televisão. Não no segundo
debate Lula/Collor, mas na edição do debate no Jornal Nacional, na
sexta-feira, antes da votação ( ... ) A edição sexta-feira foi um
pênalti. Em apenas 3 minutos, com muita eficácia mostrou-se quem
tinha ‘idéias mais claras ‘, ‘ quem falava melhor ‘, quem estava ‘ mais
preparado ‘. E tudo confirmado por dados do instituto de pesquisa Vox
Populi que - pasmem! - trabalhava para Collor.
113
Lula vacilou no instante final frente a um Collor impiedoso e beneficiado pela
cobertura midiática. A resposta de tal engendramento político adveio sobre os
indecisos, 30% segundo o Ibope. A diferença de quatro milhões de votos que surgiram
nas urnas no dia 17.12.89, foram provenientes destes indecisos. Collor obteve 53% de
votos contra 47% de Lula. Posteriormente revelou-se que a Rede Globo de Televisão
havia negligenciado a informação obtida junto aos institutos de pesquisa de uma
ligeira vantagem de Lula sobre Collor, que poderia ser decisiva sobre o eleitorado
indeciso.
O segundo turno apontava a supremacia do marketing collorido aliado ao
comportamentoda mídia como cabo eleitoral na cooptação dos eleitores que se
originavam prioritariamente da aliança das áreas mais ricas e opulentas do País (voto
113
BETTI, P. Na marca do pênalti. 84
82
ideológico) com suas áreas mais carentes e frágeis, sertão nordestino e grande
interior do Norte e Centro-Oeste (voto mágico) .
114
A vitória de Collor foi efeito direto do trabalho consciente de todos os setores da
equipe de marketing contratada que o fizeram produto, o divulgaram e o
transformaram em sucesso eleitoral e êxito da videopolítica, numa sociedade
desgastada com os políticos tradicionais e com o Estado deficitário.
114
COTRIM, F. Eleição e mídia: 36
83
Conclusão
O tema analisado nesta dissertação se vem mostrando cada vez mais
importante, controverso e disseminado por toda a sociedade. Diversos segmentos
debatem a relação de poder dentro do Estado moderno e deste com a sociedade.
Quanto maior o nível de complexidade nas relações sociais entre indivíduos de uma
comunidade, maiores serão as nuanças nos trâmites de acesso ao poder. Na presente
dissertação procurei analisar a relação entre espaço público e videopolítica, as
mediações de poder entre os dois campos, a partir do último governo militar.
Ao iniciar o processo de restauração da democracia, os militares precisaram
assegurar-se de que não ocorreria uma reação popular semelhante à da Argentina, na
qual os militares foram levados aos tribunais para responderem criminalmente por
seus feitos, bem como necessitavam afastar a possibilidade de uma força populista
assumir o poder. Para tal, havia-se de evitar as eleições diretas em 1984, utilizando-se
de negociatas que geraram na sociedade o sentimento de desesperança e desencanto
com os políticos tradicionais.
O episódio das diretas-já tornou-se emblemático, marcando com clareza as
disputas e artimanhas do poder, assim como o jogo entre os campos envolvidos. Se
inicialmente é possível afirmar que o espaço público foi o estopim das diretas-já que
levou a Rede Globo de Televisão a render-se ao movimento, também faz-se necessário
ressaltar o esforço realizado pela emissora para se reapropriar do movimento
convertendo sua linguagem. A derrota da emenda representou a derrota do espaço
público e abriu caminho para a videopolítica na mediação das necessidades da
sociedade.
O esvaziamento do espaço público e com ele o desinteresse social pela
cidadania fizeram com que surgisse um terreno promissor para a televisão. Durante
toda a década de 80 a Rede Globo trabalhou para edificar a videopolítica como o novo
84
locus da política. A emissora procurou assumir o papel de representante dos cidadãos
em suas reivindicações e para tal empenhou-se na desqualificação dos políticos,
agravando a crise da representação política.
A celebração do Plano Cruzado, o congelamento dos preços e a aliança
governo/Rede Globo foram eficientes nos primeiros meses do governo Sarney. Porém
as perdas subsequentes do potencial de compra da sociedade devido aos novos planos
econômicos e o agravamento da crise social trouxeram as manifestações ao espaço
público. Confrontos entre manifestantes e a polícia deram o tom da Nova República —
um governo civil que recorria à força para enfrentar a população que lutara pelas
eleições diretas. O espaço público mais uma vez rompia o silêncio, impondo-se a
videopolítica empreendida pela Rede Globo.
O grande poder da videopolítica empreendida pela Rede Globo de Televisão está
baseado em dois elementos: a velocidade e a capacidade da televisão de se
reapropriar dos fatos impingindo a estes uma linguagem conveniente aos interesses da
emissora. O processo de desqualificação da política foi intensificado. Os instrumentos
utilizados foram os noticiários e as novelas Vale tudo e O salvador da pátria. As
novelas em particular, embora sejam instrumentos mais lentos, têm uma maior
eficácia a médio prazo devido à linguagem que trabalha ficticiamente a realidade dos
telespectadores .
Paralelo ao trabalho realizado pela Rede Globo de Televisão, o governo travava
uma batalha ferrenha na Assembléia Constituinte. Questões prioritárias para o
desenvolvimento do País, como reforma agrária, reforma da previdência e do
judiciário, não estavam na pauta principal. O grande esforço do governo concentrou-se
no prolongamento do mandato do presidente José Sarney por mais um ano. A
barganha política foi exercida e administrada com extrema competência pelo Ministro
das Comunicações Antônio Carlos Magalhães. A troca de votos por concessões de rádio
85
e televisão revelaram o perigo da utilização indevida da videopolítica para a
democracia.
Todo o projeto da mídia de tornar-se capaz de influir na vida do
eleitor/telespectador durante a década de 80 foi posto à prova nas eleições de 1989. O
temor da mídia e do establishment de passar por mudanças profundas a partir da
vitória do candidato do PT ou de Leonel Brizola levaram a mídia à parcialidade
obscurecendo o processo democrático.
A escolha de Collor deu-se em um contexto de indefinição política. As
candidaturas aliadas ao establishment não contagiavam o eleitorado. Em
contrapartida, Collor montou sua estrutura de campanha e apresentou-se à sociedade
sob a alcunha de caçador de marajás despolitizado. O crescimento de Collor, seguido
da falta de opção de um nome forte, levaram a Rede Globo a assumir a candidatura
collorida.
Ao adotar a candidatura Collor, as elites e a Rede Globo assumiram todo
complexo marketológico criado por Collor e seus assessores. Toda a construção da
imagem do candidato já havia sido realizada. Collor já possuía um nome forte, que
simbolizava sua própria marca, Co
ll
or. O discurso estava adequado ao eleitorado. O
ataque às mazelas do país e a seus inimigos estava preparado. Ainda assim, a Globo
transformou a produção caseira de Collor em uma superprodução. Neste aspecto a
novela da Rede Globo Que Rei Sou Eu? teve grande importância ratificando a tríade
beleza, justiça e capacidade, como ideais essenciais no perfil do líder político. Os
noticiários da emissora, seus editoriais e debates complementaram a campanha da
Rede Globo em favor de Collor.
O apoio dado a Collor pela revista Veja — ao publicar uma reportagem às
vésperas da votação do segundo turno na qual Lula era caracterizado como uma
ameaça — uniu-se à corrida da Rede Globo em editar um compacto do último debate
realizado no programa Palanque eleitoral a ser apresentado no Jornal Nacional. O
86
compacto do debate entre Collor e Lula evidenciou os piores momentos de Lula e os
melhores de Collor, destinando a este último inclusive uma parcela superior de tempo.
Tanto a tática da revista quanto a da emissora somaram-se positivamente como um
decisivo passo na vitória de Collor.
Todo o processo de retomada da atividade no espaço público e posteriormente
o seu esvaziamento, o marketing político e o esforço para a construção e consagração
da videopolítica durante a década de 80 tiveram como resultado a vitória de Collor no
segundo turno.
87
Referências Bibliográficas
ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Max. A indústria cultural. In: Dialética do
esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985
ALBUQUERQUE, Afonso de. Política versus televisão: o horário gratuito na
campanha presidencial de 1994. Comunicação&política nova série I, nº 3, abril-
julho 1995: 49-54
_____ Política e televisão: o horário gratuito de propaganda eleitoral. Dissertação
de Mestrado. Escola de Comunicação-ECO/UFRJ. Rio de Janeiro, 1991
_____ Manipulação editorial e produção da notícia: dois paradigmas da análise
da cobertura jornalística da política. In: RUBIM, Antônio A. C.; BENTZ, Ione M.
G.; e PINTO, Milton J. Produção e recepção dos sentidos mediáticos. Petrópolis:
Vozes/Compós. 1988: 9-27
ALDÉ, Alessandra e DIAS, Heloisa. Intervalo surpresa: spots eleitorais na
campanha municipal de 1996. Comunicação&política nova série V, nº 1, janeiro-
abril 1998: 83-100
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos do Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1983
ARISTÓTELES. À política. Rio de Janeiro: Ediouro, 1985.
ASSIS, José Carlos de. Os mandarins da República: anatomia dos escândalos na
administração pública, 1968-1984. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984
AUGÉ, Marc. Pôr uma antropologia dos mundos contemporâneos. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1997
BAAKLLINI, Abdo I. O Congresso e o sistema político do Brasil. Rio de Janeiro:
Paz e Terra. 1993
BAKHTIN, Michael. La cultura en la edad media y el renacimiento. Barcelona.
Barral. 1974
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Política brasileira em extensão: para além
da sociedade civil. Rio de Janeiro: J. P. Bandeira da Silveira. 2000
BATISTA Jr., Paulo N. O círculo de giz da globalização. Novos Estudos Cebrap 49,
nov. 1997: 22-57.
BAUDRILLARD, Jean. Para uma crítica da economia política do signo. Lisboa.
Edições 70. 1981.
_____ À sombra das maiorias silenciosas. São Paulo: Brasiliense. 1985
_____ Simulacros e simulações. Lisboa. Antropos. 1991
BENVENISTE, Émile. Problèmes de linguistique générale I e II. Paris. Gallimard.
1966
BETTI, Paulo. Na marca do pênalti. In: MICELI, Sérgio (org.). Eleição e
democracia. Rio de Janeiro: Topbooks. 1991
BEZERRA, Marcos Otávio. Corrupção: um estudo sobre poder público e relações
pessoais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará. Anpocs. 1995
BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda. Razões e significados de uma distinção
política. São Paulo: Universidade Estadual Paulista. 1995
88
BORMANN, Ernest G. Fatasy and rhetorical vision: the rhetorical criticism of social
reality. In: Methods in rhetorical criticism: 20 century perspective. Detroit.
Wayne State University. 1989
_______. Dicionário de Política. Brasília. UnB. 1995
BOUGNOUX, Daniel. Introdução às ciências da comunicação. São Paulo: Edusc.
1999
BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1997
_______ O poder simbólico. Lisboa. Difel. 1989
BURGER, Peter. A fabricação do rei: a construção da imagem pública de Luís XV.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1994
CANCLINI, Néstor Garcia. Cultura y comunicación: entre lo global e lo local. La
Plata. Universidad Nacional de La Plata. 1997
CAPARELLI, Sérgio. Televisão e capitalismo no Brasil. Porto Alegre. L&PM. 1982
CARVALHO, José Murilo. Pontos e bordados: escritos de história e política. Belo
Horizonte. UFMG. 1998
CASTELLS, Manuel. A era da informação. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e
Terra. 1999
CHAMPAGNE, Patrick. Formar opinião: o novo jogo político. Petrópolis. Vozes.
1996
COELHO, João Gilberto Lucas, A nova Constituição, avaliação do texto e perfil dos
constituintes. Rio de Janeiro: Revan. 1989
COHN, Bernard C. The press and foreing policy. Princeton, Nova Jersey. Princeton
University. 1982
COHN, Gabriel. Sociologia da comunicação. Teoria e ideologia. São Paulo:
Pioneira. 1973
CONTI, Mário Sérgio. Notícias do Planalto. A imprensa e Fernando Collor. São
Paulo, Companhia das Letras. 1999.
COOPER, Martha. Analyzing public discourse. Prospect Heights, III: Waveland.
1989.
COTRIM, Fernando. Eleição e mídia. In: MATOS, Heloísa (org.). Mídia, eleição e
democracia. São Paulo: Scritta. 1994
CUNHA, Luiz Antônio. O golpe na educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1999
DEBRAY, Régis. O Estado sedutor: as revoluções midiológicas do poder.
Petrópolis. Vozes. 1994
_____ Curso de midiologia geral. Petrópolis. Vozes. 1993
DEFLEUR, Melvin L. & BALL-ROCKEACH, Sandra. Teoria da comunicação de
massa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1993
DINIZ, Eli. Globalização, reformas econômicas e elites empresariais: Brasil anos
1990. Rio de Janeiro: FGV. 2000
_____ Globalização, elites empresariais e democracia no Brasil dos anos 90.
Ensaios FEE, 20(1): 155-78. 1999
_____ Crise, reforma de Estado e governabilidade. Rio de Janeiro: FGV. 1997
89
_____ As elites empresariais e a Nova República: corporativismo, democracia
reformas liberais no Brasil dos anos 90. Ensaios FEE, 17, 2, 1996
_____ Empresariado, regime autoritário e modernização capitalista: 1964-1985,
In: Soares, G. ª D, & D'Araujo, Maria Celina (orgs.). 21 Anos de regime militar:
balanço e perspectivas. Rio de Janeiro: FGV. 1994
ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA/ESG. Departamento de Estudos (MB 08 - 47)
ESTEVES, Ângela Vieira. Mobilidade social, educação e poder no Brasil.
Dissertação de Mestrado. Instituto Superior de Estudos Brasileiros e Relações
Internacionais. UERJ. Rio de Janeiro: 1987
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro.
São Paulo: Globo . 1995
FAUSTO NETO, Antonio. A sentença dos mídias: o discurso antecipatório do
impeachment de Collor. Comunicação&política 13, 1993:
_____ O presidente da televisão. Comunicação&política 11, abril/junho 1990: 7-
27
FERRER, Aldo. Development and underdevelopment in a globalized world: Latin
American dilemmas. In: EMMERIJ, L. (ed.). Economic and social development
into the XXI century. Washington, D.C., Inter-American Development Bank. 1997
FIGUEIREDO, R. Marketing político. São Paulo: Hacker. 2001
FIORENTINO, Manolo. Em costas negras. Rio de Janeiro: UFRJ. 1999
FOUCAULT, Michael. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
1995
_____. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Petrópolis. Vozes. 1987
_____. A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal. 1979
_____. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal. 1979
GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das
Letras. 1987
GOMES, José Maria. Globalização, Estado-nação e cidadania. Contexto
Internacional 20, 1, jan./jun. 1998:7-89
GOMES, Wilson. Propaganda política, ética e democracia. Comunicação&política
nova série IV, 3, set-dez 1997: 84-103.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
1999
_____. Maquiavel, a política e o Estado moderno. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira 1980
_____. Obras escolhidas. São Paulo: Martins Fontes. 1978
_____. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
1978
GUIMARÃES, Cesar & AMARAL, Roberto. A televisão brasileira na transição ( um
caso de conversão rápida à nova ordem ). Comunicação&política 13, 1986: 8-18
HABERMAS, Jürgen. Civil society and the political public sphere. In: HABERMAS,
J. Betnveen fact and norms.
London. MIT. 1996
90
_____. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma
categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro. 1984
_____. The theory of communicative action. Londres. Heinemann. 1984, 2 vol.
_____. Mudança estrutural da esfera pública: investigação quanto a uma
categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1984
HALL, Stuart. Culture, media, language. London/Birmingham. Hutchinson/CCCS.
1980
HALLIDAY, Tereza L. Retórica e política. In: MATOS, Heloísa. ( org. ) Mídia,
eleições e democracia. São Paulo: Scritta. 1994
HAMILI, Serge. Os novos cães de guarda. Petrópolis. Vozes. 1998
HANNAH, Arendt. A dignidade da política. São Paulo: Relume Duma. 1993
_____ A condição humana. São Paulo: Forense. 1981
HERZ, Daniel. A história secreta da Rede Globo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
1984
IANNI, Octávio. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
1995
JAMESON, Frederic. O inconsciente político. São Paulo: Ática. 1992
LANDI, Oscar. Proposiciones sobre la videopolítica. In: SCHUMUCLER, H. y
MALTA, M. C. Política y comunicación. Cordoba. Universidad Nacional de
Córdoba-Catálogos. 1992: 22-46
_____ La televisión y el futuro de la política. Comunicação&política 9, n º 12,
jul/dez. 1990: 24-38
LANG, Gladys Engel e LANG, Kurt. The battle for public opinion: the president,
the press, and the polls during Watergate. Nova York. Columbia University Press.
1983
LAZARSFELD, Paul F.; BERELSON, Bernard e GAUDET, H. The people's choise:
how the voter makes up his mind in a presidential capaing. Nova York. Columbia
University- Chicago Press. 1954
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. O município e o regime
representativo no Brasil. São Paulo: Alfa-omega. 1993
LIMA, Regina Lúcia Alves de. Vozes em cena: as disputas simbólicas de sentido
no espaço público mediatizado. Tese de Doutorado. Escola de Comunicações-
ECO/UFRJ. Rio de Janeiro: 2001
LIMA, Venício A. CR-P: novos aspectos teóricos e implicações para análise
política. Comunicação&política nova série I, 3, abr.-jun. 1995: 56-74
_____ Televisão e poder: a hipótese do cenário de representação da política –
CR-P. Comunicação&política nova série I, nº 1, agosto-novembro 1994: 5-22
_____ Comunicación y política en América Latina: el caso brasileño. Brasília,
Nemp-UnB, 1993: 61-88
MAGALHÃES, Antonio Carlos Peixoto de. Política de comunicações (conferência
pronunciada na Escola Superior de Guerra, 14/8/1985). Rio de Janeiro: ESG.
1985
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Rio de Janeiro: Abril Cultural. 1988.
91
MARANHÃO, Jorge. Mídia e cidadania: faça você mesmo. Rio de Janeiro:
Topbooks. 1993
MARCELINO, Gileno Fernandes. Governo, imagem e sociedade. Brasília. Fundação
Centro do Servidor Público-FUNCEP. 1988
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação cultura e
hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ. 1997
MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Ática. 1978
MATOS, Heloiza. Agenda temática de pesquisa em comunicação e política. In:
Mídia, eleições e democracia. Rio de Janeiro: Scritta. 1996
McCOMBS, Maxwell E. e SHAW, Donald L. The agenda-setting function of mass
media. Public Opinion Quartely XXXVI, 2, 1972: 176-187
_____ The evolution of agenda-setting research: twenty-five years in the
markeplace of ideas. Journal of Communication 43, 2, 1993: 1-9
MICHILES, Carlos. Cidadão constituinte: a saga das emendas populares. Rio de
Janeiro: Paz e Terra. 1989
MELO, José Marques de. As telenovelas da Globo: produção e exportação. São
Paulo: Summus, 1988
NOELLE-NEUMANN, Elisabeth. Turbulences in the climate of opinion:
methodological aplications of the spiral of silence theory. Public Opinion Quartely
XLVI, 1977: 3-16
NOVAES, Adauto (org.). Rede imaginária: televisão e democracia. São Paulo:
Companhia das Letras/ Secretaria Municipal de Cultura. 1991
O'DONNELL, Guilhermo & SCHMITTER Philipe. Transiciones desde um gobierno
autoritario - conclusiones tentativas sobre las democracias inciertas. Barcelona.
Paidós. 1994
OLIVEIRA, Eliezer Rizzo de. De Geisel a Collor - forças armadas e transição
democrática. Campinas. Papirus. 1994
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil. São Paulo: Ática. 1990
PEREIRA, Luís Carlos Bresser. O colapso de uma aliança de classes. São Paulo:
Brasiliense. 1978
PINTO, Milton José. Comunicação e discurso: introdução à análise dos discursos.
São Paulo: Hacker. 1999
PINTO, Sérgio. Segurança Nacional. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da.
Dicionário do pensamento de direita. Rio de Janeiro: Faperj. 2000
PINTO, Virgílio B. Noya. Das estradas persas às rodovias da informação. In:
MATOS, Heloíza ( org. ) Mídia, eleições e democracia. Rio de Janeiro: Scritta.
1996
PORTO, Mauro. Telenovelas e política: o CR-P das eleições presidenciais de 1994.
Comunicação&política nova série I, 3, abr.-jun. 1995: 29-41
POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais. São Paulo: Martins Fontes.
1977
_____ Les classes sociales dans le capitalisme aujourd'hui. Paris. Gallimard. 1973
92
QUADRAT, Samantha Viz. Poder e informação: o sistema de inteligência e o
regime militar no Brasil. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação
em História Social-PPGHIS. IFCS/UFRJ. Rio de Janeiro: 2000
RUBIM, Antonio Albino Canelas. Comunicação e política. São Paulo: Hacker. 2000
_____. Política, media e eleições: 1989 e 1994. Comunicação&política nova série
IV, 3, set-dez. 1997: 57-83
SANTANA, Luiz Carlos Ribeiro. Utopia brasileira: um estudo sobre o percurso da
aspiração nacional pela ascensão à modernidade. Dissertação de Mestrado.
Programa de Pós-graduação em História Social-PPGHIS. IFCS/UFRJ. Rio de
Janeiro: 1998
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. A pós-revolução brasileira. In: Jaguaribe, H.
et alii. Brasil sociedade democrática. Rio de Janeiro: José Olympio. 1985
SÁ, Fernando de Almeida. Opinião pública e política. A apropriação de um
conceito. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Ciência
Política-PPGCP. IFCS/UFRJ. 2002
SARTI, Ingrid. A construção midiática do poder: avaliação crítica da literatura.
Comum, v. 5, 14, jan-jul 2000: 64-77
_____. Representação e a questão democrática contemporânea. O mal estar dos
partidos socialistas. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado. Instituto Universitário de
Pesquisa do Rio de Janeiro-Iuperj. 1998
_____ A reforma da televisão brasileira nos anos setenta. Relatório de pequisa.
Logros y fracasos de la televisión en América Latina, años setenta. Ipal, Lima
1988
____ Os efeitos das novas tecnologias na televisão brasileira: a Rede Globo.
Relatório de Pesquisa. Efectos de las tecnologias de punta en edición e impresión
de libros, revistas y prensa: cine, rádio y televisión. Ipal, Lima 1986
SARTORI, Giovanni. Videopolítica. Revista Italiana di Scienza politica, XIX, 2,
1989
SCALZARETTO, Reinaldo. Geografia geral. Nova geopolítica. São Paulo: Scipione.
1993.
SCHMITT, Rogério. Partidos políticos no Brasil: 1945 - 2000. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar. 2000
SCHWARTZ, Tony. Mídia: o segundo Deus. São Paulo: Summus, 1985
SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard. Sociologia política. Elementos de ciência
política. Rio de Janeiro: Difel. 1979
SENNETT, Richard. O declínio do homem público. As tiranias da intimidade. Rio
de Janeiro: Cia. das Letras. 1994.
SHARE, Donald & MAINWARING, Scott. Transição pela transação: democratização
no Brasil e na Espanha. Dados. 29, 2, 1986: 207-236.
SILVEIRA, Dulce da. Psicanálise e história. Um projeto. Rio de Janeiro: Topbooks.
1994
SODRÉ, Nelson Werneck. Vida e morte da ditadura. Vinte anos de autoritarismo
no Brasil. Petrópolis. Vozes. 1984
THOMPSON, E. P. A miséria da teoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1981
93
THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade. Uma teoria social da mídia.
Petrópolis. Vozes. 1998
TREJO, D., Raul. Telecracia no es democracia. Comunicação&política nova série
I, n.º 3, abril-julho 1995: 107-126
VASCONCELLOS, Gilberto F. Brizulla. O samba da democracia. Brasília, Pajelança,
l989
_____O príncipe da moeda. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo. 1997
VEIGA, Sandra Mayrink & FONSECA, Isaque. Volta Redonda. Entre o aço e as
armas. Rio de Janeiro: Moderna. 1989
WEBER, Maria Helena. Ditadura & sedução. Redes de comunicação e coerção no
Brasil - 1969/1974. Dissertação de Mestrado. Departamento de Sociologia.
UFRGS. Porto Alegre. 1994
_____ Pedagogias de despolitização e desqualificação da política brasileira.
Comunicação&política 9, abr.-jun. 1990: 41-62
VIRILIO, Paul. Velocidade e política. São Paulo: Estação Liberdade. 1996
WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. Lisboa. Presença. 1987
WOLTON, Dominique. Le contradictions de lésapce publique mediatisé. Hermes,
Paris, n º 4. 1991
_____ Use et abus des médias. Autrement. Série Mutations, n º 122. 1991
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo