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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
PROPPEC
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA CPCJ
PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA PMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO
A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
E A POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO
DO DANO À LEGITIMIDADE
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
MOSER VHOSS
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RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a possibilidade
de que haja reparação de dano extra-material causado à Administração Estatal
em face da prática de ato de improbidade administrativa. A pesquisa tem como
objeto de análise a legitimidade da Administração Estatal e a possibilidade
desta ser afetada pela prática de ato de improbidade administrativa, de modo a
verificar se estaria configurado dano passível de propiciar A sua reparação
moral, utilizando para tanto o método dedutivo. De início, foram apresentadas
noções sobre o Estado e a Administração Estatal, sobre o fundamento de seu
poder, e sobre a principiologia concernente à atuação administrativa. Em
seguida, foram conceituados os atos de improbidade administrativa,
apresentando-se, também, as conseqüências materiais e extra-materiais por
eles produzidas, com especial ênfase para a verificação da existência ou não
de abalo na legitimidade da Administração Estatal. Por fim, foi avaliada a
possibilidade de que haja reparação de dano extra-material causado às
pessoas jurídicas de direito público, bem como a possibilidade de que haja
reparação do dano causado à legitimidade da Administração Estatal quando da
prática de ato de improbidade administrativa, abrangendo-se ainda, nesse
particular, circunstâncias atinentes à quantificação desse dano. Como resultado
da presente dissertação, verificou-se, que a prática de atos de improbidade
administrativa afeta a legitimidade da Administração Estatal, ferindo, portanto, o
fundamento de seu poder. Esse abalo na legitimidade consubstancia dano
extra-material cuja reparação é passível de ser pleiteada, em prol da
conservação da integralidade do patrimônio público.
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ABSTRACT
This study aims to examine the possibility that there are repair of
non-material damage caused to State Administration in the face of the practice
of administrative act of improbidade. The research has as object of analysis the
legitimacy of the State Administration and the possibility of being affected by the
practice of administrative act of improbidade in order to verify that would set
damage likely to provide moral Their repair, using for both the deductive
method. Initially, concepts were presented on the State and State
Administration on the basis of their power, and on principiologia concerning
administrative action. Then were authoritative acts of improbidade
administrative, presenting also the consequences material and non-material
produced by them, with a focus on the verification of the existence or not of
shock on the legitimacy of State Administration. Finally, it was assessed that
there is the possibility of repair of damage caused to the material extra-legal
persons of public law, as well as the possibility that there are repair of the
damage to the legitimacy of the State Administration when the practice of
administrative act of improbidade, covering It is still, in that particular
circumstances relating to the quantification of such damage. As a result of this
dissertation, it was found that the practice of acts of administrative improbidade
affects the legitimacy of the State Administration, injuring therefore the
foundation of his power. This represents legitimacy blow in extra-damage repair
material which is likely to be pleiteada, in the interest of conservation of the
whole of public
assets.
INTRODUÇÃO
Com o aperfeiçoamento dos meios de comunicação, a
evolução da mídia e uma maior facilidade de proliferação da informação, a
sociedade tem ganhado maior conhecimento acerca da prática de atos de
corrupção em meio à Administração Pública. Bem mais recorrentemente a
improbidade administrativa tornou-se tema de discussão junto da coletividade, e
houve aprovação, no Brasil, da Lei n° 8.429/92, que trata de medidas voltadas a
combater a corrupção e da reparação de danos causados à Administração em face
de atos de improbidade.
As ações em que postulada a reparação de danos
ocasionados à Administração Pública em face de atos de improbidade
administrativa têm se centrado no ressarcimento de danos materiais. Parece
discutível, porém, se essas ações postulando ressarcimento de danos materiais, se
exitosas, bastarão para restabelecer verdadeiramente, à Administração, o estado
anterior à prática da improbidade. Metaforizando, é como se a corrupção cavasse
na Administração profundas crateras; o ressarcimento do dano material causado
com a corrupção seria como que uma tampa a cobrir a extensão superficial dessas
crateras; por sob as tampas, porém, o buraco persistiria sem preenchimento, já que
nem toda a substância dele extraída estaria sendo reposta; o Estado teria, assim,
seu aspecto exterior maquiado, mas seu peso, sua substância, sua solidez material
não alcançariam recomposição. É que a improbidade administrativa, mais que um
prejuízo financeiro à Administração, parece comprometer o crédito, o respeito, a
obediência que o cidadão administrado tende a devotar ao Estado, interferindo, em
verdade, na legitimidade que a este último é atribuída.
O ato de improbidade administrativa, além de por vezes
ocasionar dano material ao patrimônio público, parece poder também ocasionar,
2
portanto, dano à legitimidade do Estado e da Administração, já que contribui para
que o cidadão administrado se desestimule no cumprimento de obrigações
tributárias, administrativas e, enfim, em portar-se adequadamente como cidadão
respeitoso para com os preceitos que a ele são dirigidos. E isso parece onerar a
Administração, posto que, em princípio, tende a obrigá-la a empregar maiores
recursos humanos, materiais e financeiros no aperfeiçoamento nos meios de
fiscalização, controle e repressão voltados contra o comportamento indevido dos
administrados.
É tema do presente trabalho, destarte, investigar a ocorrência
de dano à legitimidade da Administração Pública em decorrência da prática de ato
de improbidade administrativa, e a possibilidade ou necessidade de sua reparação,
além das condições, limitações e circunstâncias com esta eventualmente
relacionadas.
A investigação se motiva na aparente dificuldade para que se
alcance uma recomposição integral do dano com o qual a Administração tem
arcado em decorrência da prática de atos de improbidade administrativa,
especificamente no que se refere ao prejuízo extramaterial decorrente do abalo à
sua legitimidade.
Objetiva-se, com a investigação, elaborar estudo sobre o
eventual abalo que a Administração sofre em sua legitimidade em decorrência da
prática de atos de improbidade administrativa, bem como sobre as condições,
limitações e circunstâncias relativas à reparação desse abalo, para que, com maior
certeza e precisão, e nos casos onde se fizer realmente devida, essa reparação
venha a ser efetivada.
Tomados em evidência alguns aspectos específicos, afigura-
se conveniente que o trabalho venha a se deter em algumas questões significativas,
ainda que pontuais, analisadas tendo em conta o pensamento de filósofos, juristas,
e também o entendimento expressado em precedentes jurisprudenciais.
3
A primeira delas será saber se a pessoa jurídica de direito
público pode sofrer dano extramaterial.
Num segundo momento, buscar-se-á investigar se a
improbidade administrativa pode gerar à Administração Pública dano de natureza
extramaterial.
Haverá pretensão de saber, ainda, se o dano extramaterial
causado à Administração Pública é passível de reparação, e se essa reparação é
contemplada na legislação positiva brasileira.
Interessa saber, ademais, as condições, limitações e
circunstâncias gerais que estão relacionadas com a reparação do dano
extramaterial causado à Administração Pública.
O interesse pela realização do presente trabalho foi
despertado a partir de suposições cuja procedência ou improcedência terão sua
investigação realizada ao longo da pesquisa. As suposições estão a seguir
relacionadas: a) supõe-se, ao se cogitar da ocorrência de dano à legitimidade da
Administração, que a pessoa jurídica de direito público pode ser vítima de dano
extramaterial; b) supõe-se, ao se cogitar de ressarcimento do dano à legitimidade
da Administração, que o ato de improbidade pode gerar esse tipo específico de
dano; c) supõe-se, ao se cogitar de ressarcimento do dano à legitimidade da
Administração, que tal ressarcimento pode e até mesmo deve ser efetivado; d)
supõe-se, num estudo acerca do ressarcimento do dano à legitimidade da
Administração em decorrência da prática de ato de improbidade administrativa, que
será interessante e adequado investigar eventuais previsões do ordenamento
positivo brasileiro acerca do tema; e) supõe-se, num estudo acerca do
ressarcimento do dano à legitimidade da Administração em decorrência da prática
de ato de improbidade administrativa, que se interessante e adequado investigar
4
as condições, os limites e as circunstâncias relacionadas com tal dano e a
efetivação de seu ressarcimento.
A dissertação foi dividida em três capítulos.
No primeiro deles estarão relatados aspectos conceituais
acerca do Estado e da Administração. Examinar-se-á, depois, a legitimidade da
Administração Pública. Por fim, será investigada a principiologia que orienta as
ações relacionadas à Administração Pública.
No segundo dos capítulos, buscar-se-á apresentar elementos
conceituais da improbidade administrativa e dos atos que a caracterizam. Informar-
se-á, em seguida, os efeitos materiais e extramateriais decorrentes dos atos de
improbidade administrativa, com as cominações para estes previstas, com especial
destaque para o exame sobre se a improbidade administrativa causa dano à
legitimidade da Administração Pública.
No terceiro capítulo, será estudada a possibilidade de
reparação do dano extramaterial causado à Administração Pública em face da
improbidade administrativa, bem como a quantificação dessa reparação, e, ainda,
outras circunstâncias com ela relacionadas.
Por fim, o trabalho será sintetizado com as conclusões dele
obtidas.
O Método a ser utilizado na fase de Investigação será o
Indutivo; na fase de Tratamento dos Dados será o Cartesiano, e, dependendo do
resultado das análises, no Relatório da Pesquisa poderá ser empregada a base
indutiva ou outra que for a mais indicada. Serão acionadas as técnicas do referente,
da categoria, dos conceitos operacionais, da pesquisa bibliográfica e do
5
fichamento.
1
Não te o trabalho pretensão de encerrar a discussão sobre o
tema, com conclusões fechadas ou definitivas, mas de servir como estímulo para
que o debate se amplie e uma síntese mais completa possa ser elaborada a partir
de maior e melhor maturação das idéias expostas em confronto com as de outros
pesquisadores.
1
Veja-se: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica - idéias e ferramentas úteis para
o pesquisador do Direito. 7 ed. rev.atual.amp.Florianópolis: OAB/SC Editora, 2002. Da obra
mencionada se extrai conceito de método, que “é a forma lógico-comportamental na qual se
baseia o Pesquisador para investigar, tratar os dados colhidos e relatar os resultados” (p. 104).
A mesma obra também traz abordagem sobre os métodos nas diversas fases da Pesquisa
Científica (p. 99 a 107). E ainda na mesma obra se tem explicitação do que são a técnica do
referente (“explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitado o alcance
temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa” p.
241), a técnica da categoria (“palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de
uma idéia” p. 229), a técnica dos conceitos operacionais (“definição estabelecida ou proposta
para uma palavra ou expressão, com o propósito de que tal definição seja aceita para os efeitos
das idéias expostas” p. 229), a técnica da pesquisa bibliográfica (“Técnica de investigação em
livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais” p. 240) e a técnica do fichamento
(“Técnica que tem como principal utilidade otimizar a leitura na Pesquisa Científica, mediante a
reunião de elementos selecionados pelo Pesquisador que registra e/ou resume e/ou reflete e/ou
analisa de maneira sucinta, uma Obra, um Ensaio, uma Tese ou Dissertação, um Artigo ou uma
aula, segundo Referente previamente estabelecido” p. 233).
6
Capítulo 1
NOÇÕES SOBRE ESTADO, ADMINISTRAÇÃO E O FUNDAMENTO DE SEU
PODER
1.1. NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE ESTADO, GOVERNO E
ADMINISTRAÇÃO
A síntese mais comum e simplificada das conceituações de
Estado o tem como uma unidade política formada por um Povo, um Território e um
Governo.
2
É ao Governo que incumbe, de uma forma direta, administrar,
gerenciar, dirigir o Estado, elegendo e empreendendo as iniciativas e ações cuja
execução atenderá aos anseios do cidadão.
3
Para empreender as iniciativas e ações eleitas pelo Governo,
o Estado dispõe da Administração, que compreende um aparato burocrático,
formado por órgãos e departamentos diversos, organizados segundo as atividades
por cada qual desempenhadas.
4
2
Citam-se, entre outros, os seguintes doutrinadores, que também destacam a presença dos três
elementos formadores do Estado: MILESKI, Helio Saul. O Controle da Gestão Pública. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.26/30; SILVA, José Afonso da. Curso de direito
constitucional positivo. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 89/90; BONAVIDES,
Paulo. Ciência Política. 10ª ed, 13ª tir. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 66/7.
3
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 47/8.
4
Descrição mais pormenorizada acerca desse aparato burocrático será adiante apresentada
neste trabalho, quando da explanação acerca da dominação burocrática a que alude Max
Weber.
7
Veja-se que a Administração, usada pelo Governo para
atendimento dos anseios dos cidadãos, com ele não se confunde. Hely Lopes
Meirelles bem distingue os conceitos de Governo e Administração, afirmando:
[...] comparativamente, podemos dizer que governo é atividade
política e discricionária; administração é atividade neutra,
normalmente vinculada à lei ou à norma técnica. Governo é
conduta independente; administração é conduta hierarquizada. O
Governo comanda com responsabilidade constitucional e política,
mas sem responsabilidade profissional pela execução; a
Administração executa sem responsabilidade constitucional ou
política, mas com responsabilidade técnica e legal pela execução.
A Administração é o instrumental de que dispõe o Estado para pôr
em prática as opções políticas do Governo.
5
Tem-se, assim, que o conjunto dos diversos órgãos, entidades
e agentes do Estado, que se ocupa das iniciativas eleitas pelo Governo para
satisfação dos anseios do Povo, empreendendo a atividade administrativa, é
apontado, modernamente, como sendo a Administração.
6
1.2. FUNDAMENTO DO PODER DO ESTADO E DA
ADMINISTRAÇÃO
Apresentados, pois, conceitos de Estado e de Administração,
incumbe principiar, então, análise mais detida do fundamento de seu poder, qual
seja, a legitimidade.
5
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20ª ed., atualizada por Eurico de
Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros,
1995, p. 61.
6
Nesse sentido vertem as conceituações apresentadas, por exemplo, por MEDAUAR, Odete.
Direito Administrativo Moderno. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 44/5 e
MILESKI, Helio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,
p. 35.
8
Nesse sentido, entenda-se essa legitimidade como a
aceitação, dentro de certos limites de tolerância, da existência do ente estatal
7
,
formada no justo consenso da comunidade e num sistema de valores aceitos e
compartilhados por todos
8
, de forma autônoma e consciente
9
.
Nas palavras de Georges Vedel, citado por Paulo Bonavides,
“chama-se princípio de legitimidade o fundamento de poder numa determinada
sociedade, a regra em virtude da qual se julga que um poder deve ou não ser
obedecido”.
10
Para Mario Stoppino, a idéia de que a aceitação de
obediência a um poder sintetiza o conceito de legitimidade associa-se à noção de
autoridade. A autoridade já foi conceituada simplesmente como o poder
estabilizado a que se presta uma obediência incondicional, independentemente de
seu fundamento. Mas um conceito mais estruturado de autoridade a concebe como
um poder estabilizado, ao qual se possa chamar de “poder legítimo”, e sedimentado
num juízo positivo a seu respeito. Legitimidade e Autoridade exprimem idéias que,
portanto, associam-se na concepção de obediência e respeito ao poder,
decorrentes de sua aceitação.
11
Para Aristóteles, “não é apenas para viver juntos, mas para
bem viver juntos que se fez o Estado [...].
12
O homem é um ser social, e por isso
naturalmente se inclina para uma vivência em sociedade. Mas não é o desejo
7
LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução de Maria da Conceição Corte-
Real. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 30.
8
WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 4ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 88/9.
9
LEVI, Lucio. Verbete “legitimidade”. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO,
Gianfranco; et alii. Dicionário de política. Coordenador de Tradução de João Ferreira. 12ª ed.
Brasília: UNB, 2004, (v. 2) p. 678.
10
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed, 13ª tir. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 116.
11
STOPPINO, Mario. Verbete “autoridade”. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola;
PASQUINO, Gianfranco; et alii. Dicionário de política. Coordenador de Tradução de João
Ferreira. 12ª ed. Brasília: UNB, 2004, (v. 1) p. 90.
9
humano de viver em sociedade, ou uma maior comodidade nessa vida em
sociedade, que bastam para justificar a existência do Estado.
Contemplando a chamada Cidade-Estado da antigüidade,
Aristóteles percebia que, se os homens se agrupassem tão-só para auxiliarem-se
na defesa mútua, ou se apenas para maior facilidade no comércio e nos negócios,
nações que celebram acordos militares e comerciais poderiam fundir-se e passar a
formar um único Estado; essa fusão, porém, não acontece, e elas persistem
assentando-se em Estados distintos. A razão disso, segundo Aristóteles é que,
mais que formar-se a partir de um desejo das pessoas de viverem juntas, de
auxiliarem-se na defesa militar e de interagirem nas práticas comerciais e sociais, o
Estado guarda atenção também para as virtudes e os vícios que interessam à
sociedade civil, [...] e não há nenhuma dúvida de que a verdadeira Cidade (a que
não o é somente de nome) deve estimar acima de tudo a virtude”.
13
A virtude que sustenta o Estado é consubstanciada no culto à
honestidade, à amizade e à justiça.
O que se verifica, portanto, do pensamento de Aristóteles, é
que o Estado se forma não apenas a partir da constatação objetiva de vivência
comum de diversas pessoas, mas, mais que isso, a partir também de um vínculo
subjetivo, produto do culto a valores morais caros às pessoas que o integram, tais
como o senso de amizade, honestidade, coragem e justiça, tidos como
indispensáveis a uma vivência portadora de felicidade
14
.
Já na Idade Moderna, Thomas Hobbes concebia o Estado
como sendo constituído a partir do pacto celebrado por diversas pessoas:
12
ARISTÓTELES. A Política. Tradução: Roberto Leal Ferreira. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
1998, p. 53.
13
ARISTÓTELES. A Política. Tradução: Roberto Leal Ferreira. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
1998, p. 54.
14
ARISTÓTELES. A Política. Tradução: Roberto Leal Ferreira. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
1998, p. 58.
10
Um Estado é considerado instituído quando uma Multidão
Concorda e Pactua, que a qualquer Homem ou Assembléia de
homens a quem seja atribuído pela maioria o Direito de
Representar a pessoa de todos eles (ou seja, de ser seu
Representante), todos sem exceção, tanto os que Votaram a favor
dele como os que Votaram contra ele, deverão Autorizar todos os
Atos e Decisões, a fim de poderem conviver pacificamente e
serem protegidos dos restantes homens.
15
O que motiva essa pactuação, segundo Hobbes, é a opção do
ser humano pela maior segurança e comodidade de uma vida em sociedade. Fora
de uma vida em sociedade, o homem estaria sujeito a conflitos e perigos que
tornariam sua vivência intranqüila e, por conseqüência, desprovida de comodidade.
Assim, a missão do soberano, que justifica a existência do
ente estatal, é a de obter a segurança do povo. Para Hobbes, por segurança não se
compreende apenas a simples preservação do ser humano, mas também todos os
valores que este pode adquirir para si por meio de uma atividade legítima, que não
atente contra o Estado.
16
Em Hobbes, os poderes do soberano são demasiado
elevados, porque tidos como resultantes de concessão divina.
17
Entretanto, a
existência do Estado não envolve apenas uma aglutinação objetiva de pessoas em
face de um pacto social; com efeito, mais que isso, é destacada, por ele, uma razão
subjetiva, um senso de voluntariedade que motiva as pessoas a abrirem mão de
uma vida de liberdade plena em prol da vida em sociedade, na qual dispõem de
menor liberdade individual, mas contam, em troca, com a segurança oferecida pelo
ente estatal, daí derivando maior tranqüilidade e comodidade.
John Locke sustenta que o ser humano vive, em princípio, num
estado natural, no qual é livre e independente em relação aos demais; entretanto,
15
HOBBES, Thomas. Leviatã, ou, A matéria, forma e poder de estado eclesiástico e civil.
Tradução de Rosina D’Angina. 2ª ed. São Paulo: Ícone, 2000, p. 128.
16
HOBBES, Thomas. Leviatã, ou, A matéria, forma e poder de estado eclesiástico e civil.
Tradução de Rosina D’Angina. 2ª ed. São Paulo: Ícone, 2000, p. 239.
11
ele próprio opta por abrir mão de parcela de sua liberdade e independência para
associar-se a outros homens, sujeitando-se, então, a um estado civil que se lhe
apresenta mais seguro e cômodo. Locke afirma:
Se todos os homens são, como se tem dito, livres, iguais, e
independentes por natureza, ninguém pode ser retirado deste
estado e se sujeitar ao poder político de outro sem o seu próprio
consentimento. A única maneira pela qual alguém se despoja de
sua liberdade natural e se coloca dentro das limitações da
sociedade civil é através de acordo com outros, desfrutando com
segurança de suas propriedades e melhor protegidos contra
aqueles que não são daquela comunidade.
18
Como se vê, os pensamentos de Hobbes e Locke se
assemelham na idéia de criação do Estado através de um pacto social. E também
se assemelham na compreensão de que, mais que resultante de um fenômeno
ocasional, o Estado resulta de uma ação consciente dos celebrantes do pacto, de
abrirem mão da liberdade absoluta que detinham no estado de natureza, em prol de
maior comodidade e segurança no estado civil.
19
Todavia, enquanto o Estado concebido por Hobbes ainda se
caracteriza por uma concentração de poderes nas mãos do soberano e pela
limitação extremada dos direitos dos súditos, em Locke já é dado a estes últimos
um poder considerável de questionamento das ações do monarca, cujos atributos já
não mais são divinos, mas sim concessão do próprio povo.
Jean-Jacques Rousseau, da mesma forma que Hobbes e
Locke, projeta a formação do estado civil a partir da celebração de um pacto social.
17
HOBBES, Thomas. Leviatã, ou, A matéria, forma e poder de estado eclesiástico e civil.
Tradução de Rosina D’Angina. 2ª ed. São Paulo: Ícone, 2000, p. 129.
18
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem, os limites e
os fins verdadeiros do governo civil. Tradução de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. 3ª ed.
Petrópolis: Vozes, 2001, p. 139.
19
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem, os limites e
os fins verdadeiros do governo civil. Tradução de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. 3ª ed.
Petrópolis: Vozes, 2001, p. 156.
12
No concernente à legitimidade do Estado, porém, realça-se
sua afirmação de que “Sempre haverá grande diferença entre submeter uma
multidão e reger uma sociedade”.
20
Ao desenvolver a idéia de formação do soberano, Rousseau
destaca a necessidade de voluntariedade na ação dos celebrantes do pacto. E
essa voluntariedade tem como resultado o fato da regência do Estado passa a não
mais ser imposta unilateralmente por um governo, mas sim a ser deliberada e
dialogada por todas as pessoas que se uniram para formação do poder soberano.
Tais pessoas, a partir da criação do Estado, por passarem a ocupar-se do
interesse coletivo, e não apenas de suas vontades individuais, evoluem em sua
condição humana, [...] substituindo em sua conduta o instinto pela justiça e
conferindo às suas ações a moralidade que antes lhes faltava”.
21
Ao associar a celebração do pacto com a idéia de evolução
humana e de voluntariedade nessa celebração, Rousseau também deixa evidente o
pensamento de que o Estado não nasce e existe ao acaso, num fenômeno alheio à
vontade humana, mas que, diversamente, sua existência é produto de uma opção
consciente e moralmente mais evoluída daqueles que se associam para formá-lo.
Extremamente pormenorizada é a análise sobre a
legitimidade do Estado realizada por Max Weber, notadamente no que se refere à
20
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Tradução: Antonio de Pádua Danesi. 3ª ed.
São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 19.
21
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Tradução: Antonio de Pádua Danesi. 3ª ed.
São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 25.
13
por ele chamada dominação burocrática.
22
Ela resulta do avanço da racionalidade
em todas as áreas.
23
A dominação burocrática é menor na chamada administração
diretamente democrática, onde todos têm igual qualificação para direção dos
assuntos comuns, e onde o poder de mando é minimizado.
24
Weber assinala que a superioridade técnica da administração
fundamenta-se cada vez mais em treinamento e experiência. Em face disso, com o
tempo, é natural que haja formação de um corpo de pessoas que mais perenemente
se ocupem da gestão dos assuntos públicos. Esse círculo de pessoas comunica-se
internamente de maneira especial, e dá origem, a cada momento, a alguma ação
social conservadora de sua posição, dirigindo-a de modo planejado.
25
Intitulando a legitimidade de uma dominação de sua
“validade”, Weber distingue, de um lado, a dominação em que o poder de mando se
expressa num sistema racional de regras estatuídas que o preserva, e, de outro, a
dominação oriunda do poder de mando de uma autoridade pessoal. A dominação
em que o poder se expressa num sistema racional de regras é a dominação
burocrática, que é tida como legítima desde que o poder seja exercido de acordo
com as regras que a tutelam. Na dominação que se orienta pelo poder de mando de
uma autoridade pessoal, esse poder de mando pode resultar da tradição, quando
22
A “burocracia”, titular da “dominação burocrática”, é formada pelo funcionalismo, ou seja, pelos
agentes da Administração, qualificados para integrar seus quadros, e que atuam de uma forma
racional, técnica, objetiva, orientada pelo conhecimento (e não por tradição ou carisma), e
definida em regulamento (WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia
compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo, 1999, (v. 1) p. 143/147).
23
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 233.
24
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 193.
25
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 196.
14
se tem o patriarcalismo (a tradição pode indicar, por exemplo, que o poder deve ser
exercido por determinada família), ou pode resultar do extraordinário, quando se tem
a dominação carismática (o extraordinário pode pôr em evidência um herói, um
profeta ou um redentor a ser seguido).
26
Na classificação de Weber, parece ser a dominação
burocrática a que melhor se associa à Administração de repúblicas como a
brasileira, construída já, nos tempos contemporâneos, predominantemente a partir
da coerção oriunda de um sistema normativo, e procurando abandonar cultos
antigos ao patriarcalismo e a lideranças carismáticas.
27
Tratando especificamente sobre a dominação burocrática,
Weber destaca ser sua característica a fixação, em leis e regulamentos, das
competências das autoridades administrativas, dos poderes de mando, e dos
meios coativos para que a submissão dos outros possa ser obtida pelos detentores
do poder.
28
A dominação burocrática é racional e, por isso, outro fator que
a caracteriza é a contratação planejada de pessoas com qualificação
regulamentada, objetivando que cumpram obrigações e exerçam direitos.
29
26
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 197/8.
27
O uso, no texto, da expressão “procurando abandonar” evidencia que, no Brasil, ao menos num
prisma teórico, tem sido proclamada a necessidade de abandono ao patriarcalismo e à
submissão a lideranças pautadas apenas no carisma; reconhece-se, porém, que, em termos
práticos, ainda não se extinguiram totalmente, no país, ações de coronelismo e práticas
assistencialistas voltadas mais para obtenção de apreço eleitoral que para proporcionar
verdadeira evolução social.
28
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 198.
29
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 198.
15
Weber destaca haver grande semelhança entre a dominação
baseada no direito público, que implica na existência de uma autoridade
burocrática, e a dominação exercida na economia privada, onde existe a empresa
burocrática.
30
Nesse sentido, a Administração moderna baseia-se em
documentos que são guardados e em um quadro de funcionários subalternos.
Valoriza-se a documentação dos atos, e os funcionários, além de atenderem a uma
hierarquia pré-estabelecida,
31
apresentam características que foram enumeradas
por Weber conforme segue:
1. são pessoalmente livres; obedecem somente às obrigações
objetivas de seu cargo;
2. são nomeados (e não eleitos) numa hierarquia rigorosa dos
cargos;
3. têm competências funcionais fixas;
4. em virtude de um contrato, portanto, (em princípio) sobre a
base de livre seleção segundo
5. a qualificação profissional no caso mais racional: qualificação
verificada mediante prova e certificada por diploma;
6. são remunerados com salários fixos em dinheiro, na maioria
dos casos com direito a aposentadoria; em certas circunstâncias
(especialmente em empresas privadas), podem ser demitidos pelo
patrão, porém sempre podem demitir-se por sua vez; seu salário
está escalonado, em primeiro lugar, segundo a posição na
hierarquia e, além disso, segundo a responsabilidade do cargo e o
princípio da correspondência à posição social (capítulo IV);
7. exercem seu cargo como profissão única ou principal;
8. têm a perspectiva de uma carreira: “progressão” por tempo de
serviço ou eficiência, ou ambas as coisas, dependendo do critério
dos superiores;
9. trabalham em “separação absoluta dos meios administrativos”
e sem apropriação do cargo;
10. estão submetidos a um sistema rigoroso e homogêneo
de disciplina e controle do serviço.
32
30
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 199.
31
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 199.
32
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 1) p. 144.
16
Na moderna organização administrativa se salienta a
separação, por princípio, entre o escritório e a moradia particular, entre a atividade
oficial, como área em especial, e a esfera da vida privada, e entre os recursos
monetários e outros meios oficiais e a propriedade pessoal do funcionário. Essa
separação se propagou por toda parte, sendo produto de longo desenvolvimento.
Hoje é verificada tanto no setor público quanto na economia privada, estendendo-se
nesta última, também, ao empresário dirigente.
33
A relação do funcionário estatal com a administração pública
resulta de um dever de fidelidade, e não de uma fonte de renda em troca da
prestação de serviços, ou de um livre contrato de trabalho. A fidelidade é impessoal
e objetiva, e não direcionada para uma pessoa em específico. Weber descreve:
Decisivo para o caráter específico da fidelidade ao cargo moderna
é o fato de que ela, em seu tipo puro, não estabelece como
ocorre, por exemplo, na relação de dominação feudal ou
patrimonial uma relação com uma pessoa, à maneira da
fidelidade de um vassalo ou discípulo, mas se destina a uma
finalidade impessoal, objetiva.
34
A Administração moderna busca a resolução objetiva dos
problemas, sem considerações pessoais, segundo regras calculáveis. Elimina-se o
amor, o ódio e os elementos sentimentais, que são tidos como irracionais e
impassíveis de submissão a um cálculo de exatidão. É peculiaridade da cultura
administrativa moderna a “calculabilidade” do resultado.
35
É interessante a relação que Weber estabelece entre a
racionalidade que deve nortear a atividade administrativa, conferindo-lhe
objetividade, e a neutralidade axiológica reclamada pela visão positivista na
33
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 199.
34
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 200/1.
35
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 213.
17
aplicação do Direito. Ao estabelecer essa relação, reconhece ele, num primeiro
momento, a possibilidade de que, em alguns casos, a atividade administrativa
encontre liberdade para tratar situações peculiares de uma forma individualizada,
que culmine por relativizar, em breve medida, aquela objetividade decantada para a
administração moderna; num segundo momento, enfatiza ele, desde logo, porém,
que há limite para essa liberdade administrativa, sendo ele encontrado a partir das
normas gerais que regulam de forma ampla as situações, as quais exercem uma
função de restringir ações burocráticas que exagerem a contemplação de
especificidades. Nas palavras de Weber:
Sem dúvida, é certo que a ‘objetividade’ e a ‘perfeição técnica’ não
são necessariamente idênticas ao domínio da norma
generalizante. Isto nem é o caso na esfera da aplicação do direito
moderna. A idéia de um direito sem lacunas, como se sabe, é em
princípio muito discutida, e a concepção do juiz moderno como um
autômato, em que se enfia em cima a documentação mais o custo
para que solte em baixo a sentença junto com os considerandos
mecanicamente obtidos de parágrafos, é energicamente repudiada
talvez precisamente porque certa aproximação a este tipo, como
tal, estaria entre as conseqüências da burocratização do direito.
Também na esfera da aplicação do direito há áreas em que o
legislador diretamente exige do juiz burocrático uma aplicação do
direito ‘individualizante’. E precisamente na esfera da autêntica
atividade administrativa isto é, para toda atividade estatal que não
cai na área da criação e aplicação do direito costuma-se exigir a
liberdade e o domínio individual, diante dos quais as normas gerais
desempenham um papel predominantemente negativo, como
limites da positiva atividade ‘criativa’ do funcionário, que jamais
deve ser regulamentada. O alcance dessa tese fica aqui em
suspenso. O decisivo seria que esta administração ‘livremente’
criadora (e também, eventualmente, a jurisdição) não constituiria,
como o encontramos nas formas pré-burocráticas, um reino de
livre arbítrio e graça, de avaliação e favores pessoalmente
motivados, mas que, como norma do comportamento, existam
sempre o domínio e a ponderação racional de fins ‘objetivos’ e a
entrega a estes.
36
Segundo Weber, a burocracia pressupõe a existência de
receitas contínuas para provê-la.
37
36
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 216.
37
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 208.
18
Em verdade, a administração impessoal e objetiva tende até a
ser mais onerosa financeiramente, em termos efetivos, que aquela embasada no
patriarcalismo de classes dominantes. Com efeito, uma administração marcada por
objetividade e aprimoramento técnico exige boa remuneração de funcionários
qualificados e competentes para torná-la concreta, enquanto que camadas sociais
com posição destacada tenderiam à aceitação de ingresso na dominação sem
maior recompensa financeira, motivadas apenas pelo prestígio que seria mantido
ou formado a partir da participação na atividade burocrática.
38
Ganha destaque, porém, o pensamento de Weber de que a
objetividade característica da administração moderna resulta da observância a um
regramento que é, justamente, o que legitima a dominação burocrática.
39
Essa legitimação a partir de regras se corporifica até mesmo
em relação aos agentes administrativos integrantes da burocracia:
A administração dos funcionários realiza-se de acordo com as
regras gerais, mais ou menos fixas e mais ou menos abrangentes,
que podem ser aprendidas. O conhecimento destas regras
constitui, por isso, uma arte especial (conhecimentos jurídicos,
administrativos, contábeis) que é posse dos funcionários.
40
A vinculação da dominação burocrática a um regramento que
a legitima está tão arraigada que as situações de que cuida a Administração devem
estar regulamentadas de uma forma abrangente, ampla, impessoal, que encampe
38
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 219.
39
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 197/8.
40
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 200.
19
todas as situações em geral, e não a partir de regras criadas para uma situação
específica, particular, especial.
41
Norberto Bobbio também produziu análise do poder estatal.
Lembra ele, inicialmente, que “a obediência é devida apenas ao comando do poder
legítimo”.
42
Historicamente verificou-se que a legitimidade do poder pode
ser aferida segundo três critérios: a Vontade, a Natureza e a História.
43
Em relação à Vontade, Bobbio observa já ter sido sustentado
que a autoridade pode provir de Deus, ou do Povo. Numa visão que contemple a
autoridade de forma descendente, ou seja, o poder descendo do vértice à base, a
legitimidade é divina. Numa visão ascendente, em contrapartida, o poder verte da
base ao ápice, e, nesse caso, sua legitimidade tem origem no povo.
44
Em relação à Natureza, a distinção é entre as correntes que
vêem-na como força originária, e, em contraponto, as correntes do jusnaturalismo
moderno. Para aquelas, o poder de comandar e o dever de obedecer derivam do
reconhecimento de que, independentemente da vontade humana, existem,
naturalmente, fortes e fracos, sábios e ignorantes, e, enfim, pessoas aptas ao
mando e pessoas aptas à submissão. Já para estas, o poder deriva da capacidade
do soberano de identificar as leis naturais, tidas como leis da razão; o ser humano
41
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 200.
42
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução
de Marco Aurélio Nogueira. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 91.
43
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução
de Marco Aurélio Nogueira. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 89.
44
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução
de Marco Aurélio Nogueira. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 89.
20
isolado é irracional e incapaz de identificá-las, mas, quando aglutinado em torno do
soberano, as teria identificadas em seu favor por ele.
45
Em relação à história, há as correntes conservadoras, que
justificam o poder de mando na tradição e num passado remoto, e as correntes
revolucionárias que afirmam-no na necessidade de mudanças com efeito para o
futuro.
46
Bobbio tece crítica ao pensamento dos que reduzem a
legitimidade do Estado unicamente ao ordenamento jurídico no qual este é
assentado, afirmando que o ordenamento jurídico de um ente estatal, mesmo que
reconhecido por outras nações, pode ser submetido a juízos axiológicos de
legitimidade, capazes de provocar gradual descumprimento das normas e, por
conseqüência, a “deslegitimação” do sistema.
47
Por seu turno, Jürgen Habermas também critica a idéia de
legitimidade estatal calcada apenas num ordenamento positivo estabelecido. Afirma
ele que privilégios não justificados poderiam camuflar-se através do poder legal, daí
a insuficiência e contradição de um modelo onde o ordenamento jurídico se justifica
por si mesmo.
48
Para Habermas, a legitimidade estatal deve resultar de uma
rede de discursos e negociações que prestigiem a soberania popular. Segundo a
sua teoria do discurso, “o princípio da soberania do povo significa que todo poder
político é deduzido do poder comunicativo dos cidadãos. O exercício do poder
45
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução
de Marco Aurélio Nogueira. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 89/90.
46
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução
de Marco Aurélio Nogueira. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 90/91.
47
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução
de Marco Aurélio Nogueira. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 92.
48
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 184.
21
político orienta-se e se legitima pelas leis que os cidadãos criam para si mesmos
numa formação da opinião e da vontade estruturada discursivamente”.
49
A racionalidade dessa forma de manifestação de poder a
partir do povo, por sua vez, se legitima num processo democrático que institui
formas de comunicação interligadas e orientadas para assegurar que as questões
relevantes sejam tematizadas e discutidas em discursos e negociações embasadas
nas melhores informações e argumentos possíveis.
50
Sob essa ótica de legitimidade a partir do discurso, valorizam-
se o pluralismo político e a independência entre os poderes.
51
Incumbe ao próprio Estado institucionalizar o uso público das
liberdades comunicativas, de modo a que se desenvolva o discurso sobre as
questões de relevância, bem como regular a transformação do poder comunicativo,
oriundo desse discurso, em poder administrativo, de modo a que a vontade
sintetizada no discurso seja incorporada à estruturação e desenvolvimento das
atividades administrativas.
52
Traçadas premissas a partir do poder comunicativo dos
cidadãos, a elas se amarra uma persecução de fins coletivos, com conseqüente
limitação racional e pragmática da atividade administrativa. As normas sugeridas
nesse diálogo que prestigia a soberania popular “autorizam as autoridades a
49
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 213.
50
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 213.
51
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 214.
52
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 221.
22
escolher tecnologias e estratégias de ação, com ressalva de que não sigam
interesses ou preferências próprias é o caso dos sujeitos do direito privado”.
53
Para Niklas Luhmann, a legitimação das decisões estatais é
concebida dentro de um procedimento no qual tais decisões possam ser debatidas.
Esse procedimento é por ele assim descrito:
[...] um processo de estudo, uma transformação das premissas
segundo as quais se elaboram os acontecimentos e se escolhem
atuações em que o indivíduo procura continuar a viver em protesto
contra a decisão, apresenta resistência, vai sempre buscar o
direito lesado, volta sempre a arrancar a crosta da ferida e procura
organizar auxílio e adesão contra a decisão, em resumo, não
aprende: permanece com as suas anteriores expectativas
frustradas. Por meio dum aprendizado bem sucedido, as
expectativas alteradas pela decisão serão automaticamente
consideradas de dentro para fora e tratadas como um fato
(oportuno ou inoportuno); no aprendizado fracassado há
necessidade, de situação para situação, de estímulos exteriores
para estabelecer um comportamento correspondente à decisão.
54
Mas esse aprendizado, deve-se ressaltar, não é vivenciado
por ele de uma forma isolada, sozinho; ao contrário, ele deve ser vivenciado com
apoio social, com participação coletiva e num pluralismo de opiniões, de modo a
que a aceitação final da decisão pelo indivíduo não resulte de um reconhecimento
de sua legitimidade que seja voluntário e unipessoal, mas sim de uma conclusão
obtida com a contemplação do próprio contexto social, enriquecido pelo debate
difundido abertamente para várias pessoas.
55
Assim, compartilhando com toda a sociedade a vivência num
procedimento de comunicação, discussão e questionamento efetivos da decisão
administrativa, o indivíduo vivencia uma transformação estrutural de suas
53
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 239.
54
LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução: Maria da Conceição Corte-
Real. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 33/34.
55
LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução: Maria da Conceição Corte-
Real. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 34.
23
expectativas, e é essa transformação estrutural das expectativas que faz com que a
decisão possa ser por ele vista como legítima.
56
Em linhas gerais, foram aqui sintetizadas algumas teorias que
buscam compreender a legitimidade do poder exercido pelo Estado e, por
conseqüência, pela a Administração Pública.
1.3. PRINCÍPIOS RELACIONADOS À ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
1.3.1. Noções gerais:
Produzir distinção entre regras e princípios é tarefa
particularmente complexa. Diversos são os critérios sugeridos pela doutrina.
Sugere-se distinção pelo grau de abstração, tomando-se os
princípios como normas com grau de abstração mais elevado, e as regras como
dotadas de menor grau de abstração.
57
Também se sugere distinção pelo grau de determinabilidade
na aplicação ao caso concreto, em função da qual os princípios, por serem vagos e
indeterminados, careceriam de mediações concretizadoras estabelecidas pelo
56
LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução: Maria da Conceição Corte-
Real. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 35.
24
legislador ou pelo juiz, enquanto que as regras seriam suscetíveis de aplicação
direta.
58
O caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de
direito também é apontado como critério de distinção. Por tal critério, os princípios
teriam um papel mais fundamental que as regras no ordenamento jurídico, devido a
sua posição hierárquica no sistema das fontes.
59
Também se sustenta que os princípios seriam “standards’
juridicamente vinculantes impregnados pela idéia de Justiça, enquanto que as
regras estariam vinculadas a um conteúdo meramente funcional.
60
Afirma-se, mais, que os princípios são fundamento para as
regras, ou seja, são normas que estariam na gênese do ordenamento e servem de
base para a confecção das regras.
61
Nessa discussão, ganha destaque a clássica conceituação e
classificação pela Teoria de Robert Alexy, que discorre:
El punto decisivo para la distinción entre reglas Y principios es que
los principios son mandatos de optimización, que están
caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos em
diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no sólo
depende de las posibilidades reales sino también de las jurídicas.
El ámbito de las posibilidades jurídicas es determinado por los
principios y reglas opuestos
Em cambio, las reglas son normas que solo pueden ser cumplidas
o no. Si una regla es válida, entonces de hacerse exactamente lo
que ella exige, ni más ni menos. Por lo tanto, las reglas contienen
57
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed.
Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 1086.
58
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed.
Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 1086.
59
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed.
Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 1086.
60
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed.
Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 1086.
61
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed.
Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 1087.
25
determinaciones em el ámbito de lo fáctica y jurídicamente posible.
Esto significa que la diferencia entre reglas y principios es
cualitativa y no de grado. Toda norma es o bien uma regla o un
principio.
62
Em síntese, segundo a teoria de Alexy, os princípios são
regras de otimização, que ordenam que algo seja realizado na maior medida do
possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. A possibilidade de
cumprimento do mandamento dos princípios é gradual, dependendo das
possibilidades reais e jurídicas, sendo que as possibilidades jurídicas são aferidas
da confrontação com princípios e regras opostos. As regras, em contrapartida, são
mandamentos determinantes, que decididamente podem, ou não podem, ser
cumpridas. Se uma regra tem validade, deve ser cumprida exatamente no sentido
de sua exigência.
63
A distinção entre os princípios e as regras acaba sendo
melhor compreendida quando se observa seus conflitos com outras regras e
princípios. Havendo conflito entre regras, uma delas há de prevalecer sobre a outra,
afastando por completo sua aplicação. No caso dos princípios, porém, o conflito é
resolvido com uma ponderação meticulosa, não havendo obrigatoriamente a
prevalência absoluta de um deles sobre o outro, podendo existir situações onde haja
preponderância maior de um e menor de outro, e situações onde essa relação de
preponderância se inverta.
64
Tanto as regras quanto os princípios são razões para que
sejam empreendidas ações, ou mesmo para que sejam editadas normas. A
62
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Tradução: Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 86/7.
63
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Tradução: Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 86/7.
64
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Tradução: Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 88/90.
26
diferença é que as regras são razões definitivas, ao passo que os princípios são
razões prima facie.
65
A convivência entre os princípios dentro do sistema jurídico
reclama o emprego da “máxima” da proporcionalidade.
66
Havendo conflito entre os comandos de otimização contidos
em dois princípios, é preciso ponderar em que nível qual deles será observado
dentro do caso concreto.
Essa ponderação implica em análise que contemple a
proporcionalidade em sentido amplo, estando nesta compreendida a avaliação
sobre a necessidade, a adequação e a proporcionalidade em sentido estrito,
vislumbradas dentro do caso concreto.
A avaliação quanto à necessidade importa aferir se os fins
objetivados com a ação em função da qual colidem os princípios são efetivamente
necessários.
A avaliação quanto à adequação implica verificar se, entre os
vários meios disponíveis para a consecução do objetivo almejado, a ação em
julgamento é a mais adequada.
E a avaliação quanto à proporcionalidade em sentido estrito
impõe a efetivação de juízo sobre se os benefícios alcançados com a ação posta
em julgamento realmente justificam os ônus por ela também ocasionados.
67
65
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Tradução: Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 101/3.
66
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Tradução: Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 111.
67
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Tradução: Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 111/15.
27
Tem-se, enfim, que os princípios que regem a atuação da
Administração estão intimamente imbricados, numa teia de alguns conflitos e de
muitas dependências, complementaridades e similitudes.
68
O presente trabalho ingressará, agora, em breve estudo sobre
os princípios que se relacionam com a atuação da Administração Pública,
principiando por aqueles expressamente mencionados no art. 37, caput, da
Constituição Federal
69
, e prosseguindo com outros reconhecidamente presentes no
sistema jurídico brasileiro.
1.3.2. Princípios expressamente previstos no art. 37, caput, da
Constituição Federal
1.3.2.1. Legalidade
O princípio da legalidade condiciona a atuação da
Administração ao regramento estabelecido pela lei.
Helio Saul Mileski afirma que em razão do princípio da
legalidade, “[...] a Administração Pública restringe a sua ação aos limites das
determinações legais, não podendo fazer mais nem menos do fixado em lei”.
70
68
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 140.
69
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de
1988. 33ª ed. atual. até a Emenda Constitucional n. 42/2003. São Paulo: Saraiva, 2004.
70
MILESKI, Helio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,
p. 38.
28
Marcelo Caetano associa o princípio da legalidade à
supremacia do direito, que transforma a atividade administrativa em atividade
subordinada à lei, condicionando as organizações, as competências e os poderes
administrativos.
71
Em geral, as leis administrativas são de ordem pública e, por
isso, não podem ser descumpridas nem mesmo por acordo entabulado entre seus
aplicadores ou seus destinatários.
72
A submissão da Administração à lei é marco característico da
transmutação do Estado Absolutista em Estado Liberal
73
. Neste, vige a separação
de poderes, e as ações do Executivo passam a submeter-se à obediência das leis
editadas pelo Legislativo. Os poderes do Monarca, antes ilimitados, são agora
exercidos em conformidade com os atos normativos editados no âmbito do
Parlamento.
74
José Joaquim Gomes Canotilho destaca:
Uma notável mutação de sentido da reserva de lei verifica-se no
esquema relacional lei-direitos fundamentais. Inicialmente, a
reserva de lei compreendia-se como ‘reserva geral da liberdade e
da propriedade dos cidadãos’. A reserva geral de lei tinha como
intenção primária defender os dois direitos básicos do indivíduo a
liberdade e a propriedade.
No actual contexto constitucional este esquema deixou de ser
uma construção aceitável. Em primeiro lugar, a reserva de lei no
71
CAETANO, Marcello. Princípios fundamentais de direito administrativo. Coimbra: Livraria
Almedina, 1996, p.377/8.
72
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20ª ed., atualizada por Eurico de
Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros,
1995, p. 83.
73
Kele Cristiani Diogo Bahena historia, a partir de Fernando Capez, que o princípio da legalidade
tem raízes na Magna Charta que, em 1215, foi imposta pelos barões ingleses ao rei João Sem-
Terra. Com o Iluminismo, foi empregado para combater o despotismo e a tirania, consagrando-
se na teoria da separação dos poderes de Montesquieu, e sendo incorporado em vários
diplomas que salvaguardavam as liberdades públicas, tais como o Bill of Rights da Filadélfia em
1774, a Declaração dos Direitos da Virgínia e a Constituição dos Estados Unidos da América
em 1776, a Declaração Universal dos Direitos do Homem durante a Revolução Francesa em
1789, entre outros (BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O princípio da moralidade administrativa
e seu controle pela lei de improbidade. 1ª ed., 2ª tir. Curitiba: Juruá, 2005, p. 80).
74
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 137/8.
29
âmbito dos direitos fundamentais (maxime no âmbito dos direitos,
liberdades e garantias) dirige-se contra o próprio legislador: só a lei
pode restringir direitos, liberdades e garantias, mas a lei só pode
estabelecer restrições se observar os requisitos
constitucionalmente estabelecidos [...]. Daí a relevância dos
direitos fundamentais como elemento determinador do âmbito da
reserva de lei.
75
Canotilho também lembra que a legalidade não norteia
apenas negativamente a atuação da Administração, impedindo-a de exercer ações
não autorizadas pelo Legislativo, mas, muito além disso, vincula-a a ações
positivas, no sentido de promover políticas e atuações voltadas à consecução de
objetivos específicos. Nesse sentido, lhe é até admitida a combinação discricionária
dos meios e fins, mas sempre com submissão a controles políticos e jurídicos, de
modo a que o exercício dessa discricionariedade não deixe de conformar-se com
os limites gerais traçados na lei:
A lei significa não tanto autorização ou limite da administração,
mas sim um instrumento que impõe à administração a
transformação em acto de directivas jurídicas e políticas. Através
desta “táctica de imposição” ou de direcção por objectivos [...] a
lei, ao mesmo tempo que impõe a realização de uma tarefa, deixa
à administração a combinação dos meios e fins (administração
como “regulador”) necessária ao cumprimento das directivas que
lhe são traçadas. Ao reconhecer-se, nestes casos, à
administração, um papel criativo de modo a adaptar-se a
evoluções inesperadas, impõe-se, como corolário do Estado de
direito, o reforço, relativamente a esta administração, do controlo
político e jurídico.
76
Poder-se-ia sustentar que a discricionariedade concedida à
Administração seria marco limitador da aplicação do princípio da legalidade.
Sucede, no entanto, que a precisa compreensão da discricionariedade a tem como
a concessão de liberdade de atuação ao administrador dentro dos limites da lei, de
75
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed.
Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 677.
76
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed.
Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 680/1.
30
onde se conclui, então, que, ao contrário, é a legalidade que limita a
discricionariedade.
77
Odete Medauar relata que o prestígio à legalidade ultrapassou
etapa evolutiva na qual resultou desvirtuada em “legalismo” ou “legalidade formal”.
Nessa etapa, a sacralização da legalidade deu motivo a que as leis passassem a
ser vistas como justas por si mesmas, ou seja, pelo só fato de serem leis, sem mais
se avaliar os motivos e os objetivos que ensejaram que fossem promulgadas.
Também houve regramento demasiado, com adoção, pelo Executivo, da postura de
editar decretos, circulares e portarias em número excessivo, formalizando por
demais a relação para com os administrados, em face de minúcias e detalhes
muitas vezes insignificantes. E o Executivo também passou a ter ampla participação
legislativa, controlando o Legislativo através da formação de maiorias
parlamentares, aprovando projetos de lei de seu exclusivo interesse, e até
legislando diretamente
78
. Num tal contexto, as leis editadas no Parlamento já não
mais refletem a vontade geral, mas sim a vontade das maiorias parlamentares,
muitas vezes controladas pelo próprio Executivo.
79
Em face desse desvirtuamento da legalidade, hodiernamente
buscou-se assentar o prestígio à lei em bases mais valorativas, com sujeição das
ações da Administração não mais apenas à lei votada pelo Legislativo, mas
também aos preceitos fundamentais que norteiam todo o ordenamento, em
especial, os assentados na Constituição. No caso do Brasil, a Constituição Federal
determina (no art. 37, caput) que todos os entes e órgãos da Administração, nas
três esferas federativas, devem obedecer ao princípio da legalidade, e [...] a
compreensão desse princípio deve abranger a observância da lei formal, votada
pelo Legislativo, e também os preceitos decorrentes de um Estado democrático de
77
DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2000, p.
171.
78
No Brasil, o Executivo tem atuado como legislador com a edição das chamadas medidas
provisórias, na forma do art. 62 da Constituição Federal.
79
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 138.
31
direito, que é o modo de ser do Estado brasileiro, conforme reza o art. 1°, caput da
Constituição; e, ainda, deve incluir a observância dos demais fundamentos e
princípios de base constitucional”.
80
Para acomodar o princípio da legalidade a bases menos
formais e a valores materiais mais significativos, numa abrangência mais coerente
com o Estado Democrático de Direito
81
, que contemple a adequação aos preceitos
constitucionais e a valorização dos direitos fundamentais, já há quem prefira
designá-lo de “princípio da juridicidade”
82
, bem como quem sustente que está ele
condicionado por um “princípio da constitucionalidade”, este que imporia
conformidade da legalidade com os parâmetros da Constituição Federal.
83
1.3.2.2. Impessoalidade
Pelo princípio da impessoalidade, a Administração está
impedida de tomar fatores pessoais e subjetivos como móveis de suas ações. É
obstaculizada uma atuação pautada em antipatias, simpatias, anseios de vingança,
represálias, nepotismo.
84
80
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 138.
81
“O Estado Democrático de Direito caracteriza-se não apenas pela supremacia da Constituição,
pela incidência do princípio da legalidade e pela universalidade da jurisdição, mas pelo respeito
aos direitos fundamentais e pela supremacia da soberania popular” (JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 13).
82
Assim registram MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. 2ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2002, p. 73/75, e ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais
da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 71/2.
83
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 73/4.
84
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 141.
32
Helio Saul Mileski associa o princípio da impessoalidade ao
princípio da igualdade, afirmando que, havendo igualdade de todos perante a lei, é
defeso à Administração favorecer ou prejudicar determinadas pessoas.
85
Hely Lopes Meirelles, de sua parte, associa-o ao princípio da
finalidade, sustentando que, como a finalidade de todo ato administrativo deve
contemplar o interesse público, e não interesses pessoais, a atuação administrativa
deverá pautar-se em condução técnica, objetiva, imparcial, que atenda aos anseios
da coletividade, e não a pretensões individuais.
86
Essa primeira acepção, que vincula o princípio da
impessoalidade à vedação de que a Administração trate de forma desigual os
administrados, colimando beneficiar ou prejudicar alguns em específico, guarda
consonância com aquele pensamento de Weber antes já expressado neste trabalho,
segundo o qual a Administração moderna busca a resolução objetiva dos
problemas, sem considerações pessoais, eliminando o amor, o ódio e os elementos
sentimentais, que são tidos como irracionais e impassíveis de submissão a um
cálculo de exatidão; para Weber, a “calculabilidade” é marca da racionalidade e da
objetividade que devem nortear a Administração moderna.
87
Há, porém, outra acepção para o princípio da impessoalidade.
José Afonso da Silva descreve-o sob o ângulo do
administrado, ou seja, de como os agentes da Administração devem se fazer
considerados pelo Administrado. Nesse sentido, afirma ele que a Administração
deve fazer com que seus atos sejam vistos como tendo sido sempre praticados por
85
MILESKI, Helio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,
p. 39.
86
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20ª ed., atualizada por Eurico de
Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros,
1995, p. 85/6.
87
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 213.
33
todo o corpo administrativo, e não por um agente em específico. A entrega
administrativa de benefícios e serviços deve ser vista como obra da Administração
em seu todo, e não de uma pessoa em especial, e os próprios agentes
administrativos devem atuar para que assim ocorra. Sob esse enfoque, há vedação
para autopromoção de governantes, e para a publicidade destacando pessoas
específicas e não a Administração em todo o seu corpo.
88
Ou seja, nessa segunda acepção, o princípio da
impessoalidade não implica igualdade dos administrados perante os agentes da
Administração, mas sim a igualdade dos agentes da Administração perante os
administrados. A ela adere Kele Cristiani Diogo Bahena
89
. E também ela encontra
sustentáculo na doutrina de Weber, quando proclama ele que a organização
administrativa moderna se constrói a partir da separação entre o escritório e a
moradia particular, entre a atividade oficial, como área em especial, e a esfera da
vida privada, e entre os recursos monetários e outros meios oficiais e a propriedade
pessoal do funcionário.
90
Conquanto Hely Lopes Meirelles e Alexandre de Moraes
associem o princípio da impessoalidade à finalidade que deve nortear a
Administração, associação esta tendente a produzir conceituação segundo a
primeira das acepções antes informadas, nem por isso deixam de também
contemplar a segunda delas. Após afirmar que “O princípio da impessoalidade,
referido na Constituição de 1988 (art. 37, caput), nada mais é que o clássico
princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato
88
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9ª ed., 4ª tir. São Paulo:
Malheiros, 1994, p. 570/1.
89
BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O princípio da moralidade administrativa e seu controle
pela lei de improbidade. 1ª ed., 2ª tir. Curitiba: Juruá, 2005, p. 87/9.
90
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 199.
34
para o seu fim legal”
91
, Hely afirma que o princípio em questão “[...] deve ser
entendido para excluir a promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos
sobre suas realizações administrativas”
92
; mais adiante, porém, ele complementa
seu raciocínio afirmando que “O que o princípio da finalidade veda é a prática de ato
administrativo sem interesse público ou conveniência para a Administração, visando
unicamente a satisfazer interesses privados, por favoritismo ou perseguição dos
agentes governamentais, sob a forma de desvio de finalidade”.
93
Alexandre de
Morais assinala, acerca do princípio da impessoalidade, que ele “completa a idéia
já estudada de que o administrador é um executor do ato, que serve de veículo de
manifestação da vontade estatal, e, portanto, as realizações administrativo
governamentais não são do agente político, mas sim da entidade pública em nome
da qual atuou”.
94
Wallace Paiva Martins Júnior
95
, Maria Sylvia Zanella Di
Pietro
96
e Alvacir Correa dos Santos
97
, de sua parte, propõem conceituações que
englobam ambas as acepções.
Aprofundado se afigura o estudo elaborado por Lívia Maria
Armentano Koenigstein Zago, que disseca os efeitos do princípio da
impessoalidade, afirmando que representa ele neutralidade do órgão administrativo
91
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20ª ed., atualizada por Eurico de
Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros,
1995, p. 85.
92
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20ª ed., atualizada por Eurico de
Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros,
1995, p. 85.
93
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20ª ed., atualizada por Eurico de
Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros,
1995, p. 86.
94
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 259.
95
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 79/83.
96
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 71.
97
SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:
LTr, 2003, p. 141/2.
35
nos atos que pratica (sob esse prisma, na celebração do ato administrativo, o
elemento volitivo é neutro, por guardar relação com a Administração em si, e não
com o intelecto do agente que participou dessa celebração), elemento limitador do
poder discricionário, elemento coibente da improbidade administrativa, elemento
garantidor da igualdade de condições, elemento coibente da personalização e
publicidade em favor de agentes públicos, traço característico da burocracia, e
marco do princípio da eficiência.
98
1.3.2.3. Publicidade
Em face do princípio da publicidade, a Administração, que
busca atender ao interesse público, satisfazendo aos anseios dos administrados,
deve propiciar que estes tenham conhecimento e acesso em relação aos assuntos
tratados no âmbito administrativo.
99
O princípio da publicidade está previsto não somente no art.
37, caput, da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, mas também
nas previsões específicas dos incisos LXXII (previsão do habeas data, para acesso
do cidadão a informações), XXXIII (direito à informação) e XXXIV, alínea b (certidão
para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal), do art.
5° da Magna Carta. Como limitação ao princípio da publicidade tem-se o comando
do art. 5°, inciso XXXIII, da Constituição Federal, que ressalva o fornecimento de
informações administrativas nas situações onde o sigilo for imprescindível à
segurança da Sociedade e do Estado.
100
98
ZAGO, Lívia Maria Armentano Koenigstein. O princípio da impessoalidade. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001, 179/261.
99
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 59.
100
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 59.
36
Cabe ressalvar, porém, que o § 1° do art. 37 da Constituição
Federal atribui finalidade à publicidade oficial, orientando-a para divulgação dos
atos administrativos, e não da imagem de algum agente público em específico na
denominada “personalização oblíqua”.
101
Essa ressalva é pormenorizadamente
detalhada por Wallace Paiva Martins Júnior.
102
Hely Lopes Meirelles leciona que “A publicidade não é
elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade. Por isso mesmo, os
atos irregulares não se convalidam com a publicação, nem os regulares a
dispensam para sua exeqüibilidade, quando a lei ou o regulamento a exige”
103
.
Wallace Paiva Martins Júnior, porém, em pormenorizado estudo, difere atos
administrativos onde a publicidade interfere previamente no processo de formação
da vontade para sua celebração, dos atos onde isso não ocorre, assinalando, então,
que a publicidade “[...] é formalidade essencial, prévia ou posterior, ora como fator
de eficácia subordinando o conhecimento e os efeitos do ato administrativo perante
o administrado ou terceiros por meio da necessidade de exteriorização de seu
conteúdo (publicação, comunicação, intimação), ora elemento integrante do ciclo de
produção (ou processo de formação) do ato administrativo para sua conformidade
ao direito positivo”.
104
A publicação dos atos administrativos, para ciência de todos,
se dá através dos órgãos oficiais de imprensa.
105
Mas a incorporação efetiva do
princípio da publicidade à Administração não se cinge a meras divulgações na
imprensa oficial, devendo alcançar também divulgações nos jornais aos quais tem
101
BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O princípio da moralidade administrativa e seu controle
pela lei de improbidade. 1ª ed., 2ª tir. Curitiba: Juruá, 2005, p. 91.
102
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Transparência administrativa: publicidade, motivação
e participação popular. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 121/35.
103
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20ª ed., atualizada por Eurico de
Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros,
1995, p. 86.
104
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Transparência administrativa: publicidade, motivação e
participação popular. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 61.
105
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 8.
37
acesso a maior parte da população, e realização de audiências públicas para
ciência e discussão, pelos administrados, dos assuntos administrativos.
106
Em verdade, Wallace Paiva Martins Júnior estabelece
distinção entre o princípio da publicidade e o princípio da transparência
administrativa. Enquanto o princípio da publicidade compreende a ação
administrativa voltada a propiciar ciência pelos administrados dos atos
administrativos praticados, o princípio da transparência, de abrangência mais
ampla, compreende não apenas essa publicidade dos atos administrativos
praticados, mas também a idéia de que os atos administrativos devem possuir uma
motivação, para que possam ter sua legitimidade avaliada, e que, em sua
celebração, seja estimulada a participação popular, com realização de audiências
públicas e outras formas de interação com os administrados.
107
1.3.2.4. Moralidade
A conceituação do princípio da moralidade tem sido vista
como relativamente vaga, subjetiva, indeterminada.
108
Wallace Paiva Martins Júnior, porém, sustenta que essa
subjetividade é apenas aparente, já que não é necessário que haja descrição de
seu conteúdo por regra expressa em lei.
109
106
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 83/4.
107
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Transparência administrativa: publicidade, motivação e
participação popular. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 16/26.
108
BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O princípio da moralidade administrativa e seu controle
pela lei de improbidade. 1ª ed., 2ª tir. Curitiba: Juruá, 2005, p. 52/3.
109
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 35.
38
Para Hely Lopes Meirelles, o conceito de moralidade está
associado ao “bom administrador”, que se determina não apenas pela legalidade,
mas também pela moral.
110
Celso Antônio Bandeira de Mello relaciona a moralidade
administrativa ao uso de lealdade e boa-fé, afirmando que a Administração deverá
proceder, para com os administrados, com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe
vedado proceder carregado de malícia, astúcia, ou produzido de maneira a
confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos.
111
Maria Sylvia Zanella Di Pietro avalia que a presença de
moralidade deve dar-se não apenas em relação à finalidade do ato administrativo,
mas até mesmo em relação ao seu objeto ou conteúdo.
112
Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, associa a moralidade
tanto com a motivação quanto com a finalidade do ato administrativo.
113
José Afonso da Silva insere, no princípio da moralidade, a
idéia de probidade, afirmando que a improbidade administrativa seria uma
imoralidade qualificada pelo dano ao erário ou pelo enriquecimento indevido de
outrem.
114
Nesse contexto, mais abrangente se afigura a conceituação
apresentada por Wallace Paiva Martins Júnior, que vincula a moralidade tanto aos
110
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20ª ed., atualizada por Eurico de
Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros,
1995, p. 84/5.
111
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 59/60.
112
DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na constituição de
1988. São Paulo: Atlas, 1991, p. 110.
113
Manoel de Oliveira Franco Sobrinho apud MILESKI, Helio Saul. O Controle da Gestão
Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 40.
114
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9ª ed., 4ª tir. São Paulo:
Malheiros, 1994, p. 571.
39
motivos, quanto ao objeto, e ainda à finalidade e aos efeitos do ato administrativo.
Dissecando o princípio da moralidade, esclarece ele:
Ele se estabelece objetivamente a partir do confronto do ato
administrativo (desde a pesquisa de seus requisitos, com
destaque ao motivo, ao objeto e à finalidade, até a produção de
seus efeitos, ou seja, perquirindo-se a validade e a eficácia) ou da
conduta do agente com as regras éticas tiradas da disciplina
interna da Administração (e que obrigam sempre ao alcance do
bem comum, do interesse público), em que se deve fixar uma
linha divisória entre o justo e o injusto, o moral e o imoral (e
também o amoral), o honesto e o desonesto.
115
A ofensa ao princípio da moralidade afirma-se configurada
independentemente da repercussão financeira do ato administrativo. Mesmo que o
ato acoimado de imoralidade não ocasione prejuízo material direto ao patrimônio
público, ainda assim é passível de anulação, já que a moralidade é aferida por
valoração ética, e não por análises voltadas para uma quantificação financeira.
116
Há consenso de que o princípio da moralidade é autônomo e
independente do princípio da legalidade. Em termos práticos, um ato praticado
segundo os ditames legais não necessariamente atenderá aos requisitos da
moralidade.
117
Mesmo que se sustentasse que a legalidade é intrínseca à
aferição da moralidade, dever-se-ia, então, tomar aquela em sua acepção mais
ampla, que compreende não só a consideração formal da lei, mas também a
valoração dos preceitos constitucionais e dos direitos e garantias fundamentais,
115
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 35.
116
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 42/4.
117
BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O princípio da moralidade administrativa e seu controle
pela lei de improbidade. 1ª ed., 2ª tir. Curitiba: Juruá, 2005, p. 57/68.
40
denotando que a “legalidade” deve ser compreendida no sentido de
“juridicidade”.
118
Em verdade, o princípio da moralidade suplementa o da
legalidade, já que insere na gestão da coisa pública uma exigência de habilitação
moral, e o seu desatendimento produz a nulidade do ato.
119
Mais que isso, aliás, o princípio da moralidade é
superprincípio que informa e orienta os demais princípios que regem a
Administração.
120
1.3.2.5. Eficiência
A eficiência, segundo Cesar Luiz Pasold, tem como padrão
básico o “uso adequado dos recursos humanos e técnicos disponíveis”.
121
No campo da Administração Pública, o princípio da eficiência
aponta para o ótimo da organização administrativa, ou seja, na concepção de Max
Weber, para uma administração conduzida com racionalidade, técnica,
impessoalidade e imparcialidade, atendendo aos ditames da lei, e visando a uma
sempre melhor prestação de serviços com menores ônus ao administrado.
122
118
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 53. Sobre essa mencionada outra acepção do princípio da legalidade, já foi objeto de
abordagem neste trabalho, ao final do título dedicado especificamente ao referido princípio.
119
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 44.
120
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 31 e 82.
121
PASOLD, Cesar Luiz. Personalidade e Comunicação. Florianópolis: Plus Saber, 2002, p.
71.
122
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 212/3.
41
Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves discorrem:
O Poder Público deve buscar o bem comum utilizando-se de
meios idôneos e adequados à consecução de tais objetivos,
assegurando um certo padrão de qualidade em seus atos.
Esse princípio consagra a tese de que a atividade estatal será
norteada por parâmetros de economia e de celeridade na gestão
dos recursos públicos, utilizará adequadamente os meios
materiais ao seu dispor e que não será direcionada unicamente à
busca de um bom resultado, mas, sim, que deve visar, de forma
incessante, ao melhor resultado para os administrados. Com isto,
o próprio vetor da legalidade passará a ser valorado sob uma ótica
material, deixando de ser analisado sob um prisma meramente
formal.
O princípio da eficiência garante aos usuários dos serviços
públicos um mecanismo para a busca de seu constante
aperfeiçoamento, permitindo sua adequação aos valores e às
necessidades do grupamento no momento de sua prestação.
123
O princípio da eficiência não pode, entretanto, ser assimilado
como consagração da tecnocracia. Não basta uma Administração endógena,
eficiente apenas em ações internas que não repercutam para o administrado, em
detrimento do cuidado para com outras, estas sim voltadas para atender o interesse
público. Também não basta uma Administração cujo êxito seja aferido apenas em
resultados financeiros, avaliados exclusivamente sob o aspecto econômico. A
verdadeira eficiência administrativa implica numa atuação que, em último nível,
culmina por prestigiar valores constitucionalmente protegidos, tais quais a
soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, o trabalho, a livre iniciativa.
Sob esse enfoque, além de se dar com presteza, agilidade, perfeição e rendimento,
a atuação do administrador deve atender os limites da lei, voltando-se para o
alcance da finalidade pública, respeitando padrões morais válidos e socialmente
aceitáveis. Não basta uma atuação contornada pela legalidade, fazendo-se
necessária uma busca por resultados positivos para o serviço público, com
123
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 57.
42
atendimento satisfatório, tempestivo e eficaz dos anseios da coletividade de
administrados.
124
Cabe advertir, também, que o princípio da eficiência não
obriga a considerar maculados todos os atos praticados no seio da Administração
Pública que lhe imponham alguma perda patrimonial. Com efeito, também a
atividade administrativa está sujeita a riscos e a alguma imprevisibilidade. Assim,
mesmo que a Administração, de forma previdente, cautelosa e racional, antecipe
prolongados e bem elaborados estudos acerca da conveniência da prática de
determinado ato administrativo, algum fato ocasional completamente imprevisto e
de difícil presciência, alguma infelicidade de difícil ocorrência, ou algum sinistro,
enfim, podem onerar tal ato de uma forma antes não divisada, e nem por isso se
poderá acoimar a ação administrativa, então, de temerária ou ineficiente.
125
O que se espera da Administração, porém, é que, antes de
cada nova ação, sempre haja algum estudo prévio, sempre exista cautela, sempre
se empregue preocupação com a possível ocorrência de imprevistos, já que
prudência e planejamento também orientam uma ação eficiente.
126
1.3.3. Outros princípios presentes no sistema jurídico brasileiro
124
SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da Eficiência na Administração Pública. São Paulo:
LTr, 2003, p. 193/4.
125
PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JÚNIOR, Waldo.
Improbidade administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 2ª ed. São
Paulo: Atlas, 1997, p. 73/4.
126
PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JÚNIOR, Waldo.
Improbidade administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 2ª ed. São
Paulo: Atlas, 1997, p. 73.
43
Os princípios vinculados à Administração até aqui enfocados
são aqueles expressamente mencionados no art. 37, caput, da Constituição da
República Federativa do Brasil.
Outros princípios existem, porém, que também condicionam a
atuação da Administração, e que também merecem consideração. Uns por também
constarem expressamente da Magna Carta, conquanto não mencionados no citado
art. 37, caput; outros por representarem conseqüência indissociável daqueles
princípios por primeiro mencionados; e outros, enfim, por representarem
implicações decorrentes do próprio Estado de Direito e do sistema constitucional
como um todo.
127
Em razão do princípio da igualdade, estampado no art. 5°,
caput, da Constituição Federal, há vedação a que a Administração atue
privilegiando ou prejudicando determinados administrados em detrimento dos
demais.
128
Se não existem situações absoluta e completamente iguais,
também não existem situações tão distintas que não possuam um denominador em
função do qual se possa avaliar a paridade entre elas. Se esse denominador se
apresentar relevante, a paridade deve ser prestigiada.
129
A idéia de igualdade, contudo, parece poder ser associada,
aqui, à de isonomia, de modo a que o tratamento igualitário não olvide
compensação para desigualdades relevantes precedentemente existentes. Sob
justificativa conforme aos ditames constitucionais e a padrões ético-sociais, é
127
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 43.
128
COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Controle jurisdicional da administração pública. São
Paulo: Saraiva, 2002, p 17.
129
COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Controle jurisdicional da administração pública. São
Paulo: Saraiva, 2002, p 18.
44
admissível a existência de diferenças.
130
Isto porque a igualdade deve ser material,
e não formal, e, nesse sentido, ela não se contenta apenas com uma atuação
administrativa que se abstenha de produzir desigualdade para o futuro, reclamando,
também, ações positivas voltadas para resgatar a igualdade inexistente em razão
de diferenças sociais precedentemente existentes.
131
Cabe registrar, ainda, que a igualdade perante a lei,
consagrada no citado art. 5°, caput, da Constituição Federal, significa não apenas
que a lei deve ser aplicada com igualdade a todos os administrados, mas também
que a lei, ela própria, deve buscar o tratamento igualitário dos cidadãos. Nesse
sentido, a própria atividade legislativa, de confecção da lei, deve guardar
observância ao princípio da igualdade.
132
Pelo princípio da supremacia do interesse público sobre
o interesse privado, a Administração deve priorizar interesses de toda a
coletividade de administrados, em detrimento de interesses individuais comuns que
sejam particularizados.
133
Representa ele, em verdade, condição de existência da
própria sociedade, que tem em sua natureza a noção de coletividade.
134
Torna-se constitucionalmente perceptível, em termos de
positivação, quando orienta, por exemplo, as normas atinentes aos institutos da
130
COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Controle jurisdicional da administração pública. São
Paulo: Saraiva, 2002, p 18/26.
131
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed.
Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 402/3.
132
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed.
Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 399/402.
133
SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:
LTr, 2003, p. 137/41.
134
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 44.
45
desapropriação e da requisição (Constituição da República Federativa do Brasil,
art. 5°, incisos XXIV e XXV).
135
É em decorrência da supremacia do interesse público que,
em situações previstas em lei ou que demandem ação urgente, e observados
padrões de razoabilidade e proporcionalidade, a Administração pode, de forma
imperativa e unilateral, ter iniciativa para praticar atos que constituam terceiros em
obrigações, as quais se tornam exigíveis, naquilo que é denominado de auto-
executoriedade administrativa.
136
Essa supremacia do interesse público sobre o privado não é,
entrementes, absoluta e incondicionada. Encontra limitação no ato jurídico perfeito,
na coisa julgada e no direito adquirido.
137
E, numa visão mais ampla, a confrontação entre os interesses
públicos e privados não pode, em função da proclamada supremacia daqueles,
resolver-se numa sua prevalência desprovida de razoabilidade, que resulte não da
preponderância natural dos prevalentes, mas sim de autêntica e drástica violação
dos interesses individuais fundamentais. Nesse sentido, é preciso que haja
ponderação caso a caso
138
, na qual sejam considerados também outros princípios,
notadamente os da finalidade e da proporcionalidade.
139
Hodiernamente, o conceito de interesse público evoluiu para
compreender não somente assuntos de Estado, mas assuntos outros que, porém,
são também tidos como indisponíveis e que não podem ser objeto de renúncia ou
135
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 44.
136
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 43/4.
137
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 13/4.
138
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 59.
46
alienação. Em face disso, a nova conceituação de interesse público passa abranger
os direitos fundamentais individuais ao cidadão, que devem ser preservados até
mesmo contra vontade diversa da maioria. A supremacia do interesse coletivo
sobre o particular deve ser observada, portanto, com a compreensão de que os
direitos individuais do cidadão, tidos como fundamentais, também estão inseridos
nessa supremacia, de modo que, com um enfoque ético, haja consagração dos
procedimentos democráticos de formação e manifestação da vontade estatal sem
violação de interesses da minoria que sejam tidos como indisponíveis.
140
Pelo princípio da finalidade impõe-se à Administração a
prática de atos voltados tão-somente para o interesse público.
141
Interesse público é aquele nutrido pela sociedade, pelo todo
social, pela comunidade considerada por inteiro.
142
O interesse da sociedade é visto como primário, aquele a ser
perseguido pela Administração. Quando esta pauta-se pela satisfação de
interesses que dizem respeito a ela própria, internamente, em detrimento dos
interesses dos administrados, está a centrar-se, então, em interesses
secundários.
143
No exemplo clássico citado por Celso Antônio Bandeira de Mello,
se o Estado causar danos ao particular e indenizá-lo, estará atendendo ao interesse
público, pois interessa à coletividade que haja cumprimento do disposto no art. 37, §
6º, da Constituição Federal; se, porém, furtar-se da indenização, estará deixando de
atender ao interesse público, para atender a um interesse secundário, caro apenas
139
Nesse sentido verte o pensamento de MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito
administrativo. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 45/7 e de COELHO, Paulo Magalhães da
Costa. Controle jurisdicional da administração pública. São Paulo: Saraiva, 2002, p 29.
140
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 35/47.
141
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 10/1.
142
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 10/1.
143
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 10/1.
47
ao aparato estatal, que é o de manter-se menos onerado patrimonialmente, ainda
que lançando sobre um administrado os ônus decorrentes do dano ocasionado.
144
O princípio da finalidade tem sido associado ao princípio da
razoabilidade.
145
Segundo o princípio da razoabilidade, o administrador,
mesmo quando fazendo uso de discricionariedade em sua atuação, terá de
obedecer a critérios que racionalmente sejam vistos como aceitáveis, em sintonia
com o senso normal das pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que
ensejaram a outorga da competência exercida.
146
Dentre as várias opções disponíveis ao administrador, nem
sempre existe certeza absoluta sobre qual a mais adequada na consecução dos fins
almejados pela Administração; reconhece-se-lhe, por isso, discricionariedade para
formular escolha entre tais opções. Mas o princípio da razoabilidade limita esse
discricionarismo, afastando a possibilidade daquelas entre as opções disponíveis
que, numa avaliação racional, forem classificadas como evidentemente insensatas,
excêntricas e pautadas dentro de critérios personalíssimos.
147
Nesse sentido, incumbe realizar diferenciação para com o
princípio da proporcionalidade.
Enquanto a razoabilidade questiona a adequação da opção
eleita pelo administrador, a proporcionalidade implica em analisar a intensidade e a
extensão dessa opção eleita, ou, em termos práticos, se o meio empregado, ainda
144
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 46.
145
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 55.
146
SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:
LTr, 2003, p. 147.
147
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 54/5.
48
que adequado para produção do fim almejado e, portanto, razoável , não é,
porém, por demais gravoso, excessivo, exagerado nos ônus que causa, em
comparação com os benefícios que proporciona.
148
A análise da proporcionalidade não deve pautar-se em
critérios personalíssimos do administrador, mas sim nos padrões comuns da
coletividade, e não deve realizar-se de uma forma genérica pelos termos da lei, mas
sim dentro de cada caso concreto.
149
Em verdade, os princípios da finalidade, da razoabilidade e da
proporcionalidade estão intrinsecamente relacionados. O primeiro implica aferir se
o objetivo almejado com a prática de um ato administrativo é efetivamente
necessário. O segundo implica analisar se o meio empregado é adequado para
atingir o objetivo almejado. E o terceiro implica em pesar se o objetivo almejado
proporciona benefício condizente com os ônus que sua consecução produzirá. Para
que o ato administrativo não padeça de vício tendente a nulificá-lo, é preciso que
satisfaça a todos os três princípios.
150
Em razão do princípio da motivação, a Administração tem o
dever de justificar os atos que pratica, apresentando as razões que motivaram a
opção pela sua realização.
151
Celso Antônio Bandeira de Mello fundamenta o princípio da
motivação na Constituição Federal, mais precisamente em seu art. 1°, inciso II (que
indica a cidadania como um dos fundamentos da República), assim como no
parágrafo único do mesmo art. 1° (que afirma que todo o poder emana do povo), e
148
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 61.
149
DAL BOSCO, Maria Goretti. Responsabilidade do agente público por ato de improbidade.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 86.
150
DAL BOSCO, Maria Goretti. Responsabilidade do agente público por ato de improbidade.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 79/86.
151
SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:
LTr, 2003, p. 148.
49
ainda no art. 5°, inciso XXXV (que assegura o direito à apreciação judicial nos
casos de ameaça ou lesão de direito). Esclarece o autor que “[...] o princípio da
motivação é reclamado, quer como afirmação do direito político dos cidadãos ao
esclarecimento do ‘porquê’ das ações de quem gere negócios que lhes dizem
respeito por serem titulares últimos do poder, quer como direito individual a não se
assujeitarem a decisões arbitrárias, pois só têm que se conformar às que forem
ajustadas às leis”.
152
No caso de atos vinculados cuja prática se fundamenta em
limites estritos ditados pela lei, a simples menção do comando legal já basta para
dar a ação como motivada; mas, nas hipóteses de maior discricionarismo, é
preciso que haja correlação lógica entre os eventos e situações que deu por
existentes e a conveniência da opção eleita.
153
A motivação deve conter argumentos condizentes com a
situação concreta, e não afirmações genéricas que não permitam identificação com
qualquer particularidade do caso específico.
154
A relevância do princípio da motivação se assinala na
complementaridade para eficácia dos demais princípios, posto que permite melhor
percepção quanto ao atendimento destes, em razão de contribuir para produção de
registro sobre as razões que motivaram a prática do ato.
155
Pelo princípio da indisponibilidade dos interesses
públicos, a autoridade administrativa não possui autorização para dispor de
interesses públicos, e, em razão disso, nas palavras de Alvacir Correa dos Santos,
152
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 57.
153
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 57.
154
COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Controle jurisdicional da administração pública. São
Paulo: Saraiva, 2002, p. 30.
155
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 58.
50
“os poderes atribuídos à Administração têm o caráter de poder-dever, ou, melhor,
de dever poder; são poderes que ela não pode deixar de exercer, sob pena de
responsabilidade”.
156
Nesse sentido, a autoridade administrativa não pode renunciar
a competências que lhe são outorgadas, nem fazer liberalidade com recursos
públicos, nem ainda deixar de denunciar irregularidades praticadas por infringiu
norma legal ou regulamentar.
157
É somente com autorização legal que poderá a
Administração, por exemplo, alienar, ceder, transigir, confessar ou relevar
prescrição.
158
O princípio da presunção de legitimidade ou de
veracidade implica na presunção de que os atos praticados pela Administração
estejam conformes aos ditames da lei, e de que os fatos sejam verdadeiros tal
como por ela afirmados.
159
Em função de tais presunções, há autorização para imediata
execução ou operatividade dos atos administrativos, a qual persiste enquanto não
declarada a existência de vício que macule sua validade.
160
Também como conseqüência do princípio da presunção de
legitimidade ou de veracidade tem-se imposição do ônus da prova da invalidade do
ato sobre os ombros do interessado em que seja declarada.
161
156
SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:
LTr, 2003, p. 141.
157
SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:
LTr, 2003, p. 141.
158
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 12/3.
159
SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:
LTr, 2003, p. 142.
160
SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:
LTr, 2003, p. 142.
51
Pelo princípio da autotutela, a Administração deve controlar-
se internamente, anulando atos ilegais e revogando atos inconvenientes.
162
O princípio em questão inspirou a edição de súmula do
Supremo Tribunal Federal
163
, proclamando que “A administração pode anular seus
próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se
originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade,
respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial”.
164
A prerrogativa de anulação ou revogação dos atos
administrativos alcança somente os atos administrativos, e não contratos regidos
pelo Direito Privado.
165
O princípio da hierarquia afirma a existência, para as
funções eminentemente administrativas (não para as judiciais e legislativas), de uma
relação de coordenação e subordinação entre os órgãos da Administração. Em
face dele, surge, para esta, prerrogativa de rever atos de subordinados, delegar e
avocar atribuições, e punir agentes responsáveis por infrações praticadas.
166
Último entre aqueles abordados neste trabalho, o princípio
da continuidade afirma que os serviços públicos não podem sofrer solução de
continuidade, posto que a finalidade precípua do Estado é a prestação de serviços
161
SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:
LTr, 2003, p. 142.
162
SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:
LTr, 2003, p. 143.
163
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n° 473. Código Civil. 22ª ed. São Paulo: Saraiva,
1992, p. 640.
164
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 13.
165
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 13.
166
SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:
LTr, 2003, p. 143.
52
essenciais ou necessários à coletividade
167
, e esta possui anseios que, em regra,
são contínuos e não desaparecem ocasionalmente.
168
167
SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo:
LTr, 2003, p. 145.
168
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 11/2.
53
Capítulo 2
A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E OS ATOS QUE A CARACTERIZAM
SEGUNDO A LEI BRASILEIRA
2.1. ASPECTOS CONCEITUAIS DA IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA
No capítulo anterior, foi empreendido estudo acerca do
Estado, da Administração Pública, do fundamento de seu poder e dos princípios
que norteiam a atividade administrativa.
No presente capítulo o foco será direcionado, então, à
improbidade administrativa, buscando-se primeiramente conceituá-la para, depois,
identificar as conseqüências materiais e extramateriais por ela produzidas.
O art. 37, § 4°, da Constituição Federal brasileira, dispõe:
Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão
dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade
dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
169
Acerca da menção do texto constitucional à improbidade
administrativa, Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio
Júnior noticiam:
Nenhum dos textos constitucionais brasileiros, antes de 1988,
ousou abordar a improbidade administrativa, contentando-se em
contemplar superficialmente sua modalidade mais incisiva e de
mais difícil demonstração, o enriquecimento ilícito. Talvez por isso,
a legislação ordinária produzida a respeito deste se tenha tornado
169
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de
1988. 33ª ed. atual. até a Emenda Constitucional n. 42/2003. São Paulo: Saraiva, 2004
54
pouco mais que mero adereço nomativo.
O art. 141, § 31, in fine, da CF de 1946 estatuía que ‘a lei disporá
sobre o seqüestro e o perdimento de bens, no caso de
enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou
função pública, ou de emprego em entidade autárquica’.
Na CF de 1967, subseqüentemente alterada pelas emendas
constitucionais 1/69 e 11/78, o art. 153, § 11, em sua parte final,
previa que ‘a lei disporá sobre o perdimento de bens por danos
causados ao erário ou no caso de enriquecimento ilícito no
exercício da função pública’.
Só pelo fato de ampliar o espectro de atuação sancionatória da lei,
o art. 37, § 4° da CF, matriz da matéria, já se constitui no passo
mais importante no sentido de proporcionar ao legislador o
fundamento de validade para a confecção de uma normação
capaz de enfrentar, com eficiência, o flagelo da corrupção.
170
Os mesmos juristas conceituam a improbidade administrativa
associando-a à corrupção administrativa, à promoção do desvirtuamento da
Administração Pública, e à afronta aos princípios nucleares da ordem jurídica.
Mencionam, ainda, que ela se revela pelo exercício nocivo das funções e empregos
públicos, pela prática de tráfico de influência, e pelo favorecimento de poucos em
detrimento dos interesses da sociedade.
171
José Afonso da Silva afirma que “a improbidade
administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente
vantagem ao ímprobo ou a outrem”.
172
Carlos Eduardo Terçarolli liga a improbidade administrativa à
prática de atos que implicam enriquecimento ilícito do agente ou em prejuízo ao
erário, ou, ainda, violação aos princípios que orientam a Administração Pública.
173
170
PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JÚNIOR, Waldo.
Improbidade administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 2ª ed. São
Paulo: Atlas, 1997, p. 37.
171
PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JÚNIOR, Waldo.
Improbidade administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 2ª ed. São
Paulo: Atlas, 1997, p. 37/8.
172
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9ª ed., 4ª tir. São Paulo:
Malheiros, 1994, p. 571.
55
Observe-se que, nas conceituações antes apresentadas, a
improbidade administrativa é associada à ocorrência de algum dano à
Administração Pública, ou à obtenção de vantagem por algum dos protagonistas
das ações ímprobas.
Sérgio Monteiro Medeiros afirma que a improbidade
administrativa pode resultar de conduta comissiva ou omissiva, praticada por
agente público com ou sem a participação de terceiro, que implique desvirtuamento
de regras de atuação ética, legal e moral estabelecidas na sociedade, e represente
violação aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, publicidade,
eficiência ou moralidade, com ênfase para este último. Na conceituação de Sérgio
Monteiro Medeiros, a presença de enriquecimento ilícito dos protagonistas do ato
de improbidade, ou de desfalque no patrimônio público, é meramente eventual.
174
Eurico Bitencourt Neto, ao diferenciar probidade
administrativa e moralidade administrativa, afirma que a probidade seria
subprincípio da moralidade. Enquanto a moralidade implica no uso correto de
competências, dentro do padrão moral-administrativo, para obtenção da finalidade
pública, a improbidade está ligada à idéia de honestidade no desempenho da
atividade administrativa. Como exemplo da diferenciação, afirma o nominado autor:
[...] remuneração excessivamente alta fixada em lei, para
determinada classe de servidores públicos, cumpridores de
tarefas elementares, em Município miserável do interior do País,
em tempos de crise financeira, poderá ser considerada ofensiva à
moralidade administrativa, mas não configurará, necessariamente,
afronta à probidade, por parte dos beneficiários, desde que tenham
sido regularmente aprovados em concurso público e investidos no
cargo.
175
173
TERÇAROLLI, Carlos Eduardo. Improbidade administrativa no exercício das funções do
Ministério Público. 1ª ed., 3ª tir. Curitiba: Juruá, 2004, p. 29/30.
174
MEDEIROS, Sérgio Monteiro. Lei de Improbidade Administrativa: Comentários e Anotações
Jurisprudenciais. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 10.
175
BITENCOURT NETO, Eurico. Improbidade administrativa e violação de princípios. Belo
Horizonte, Del Rey, 2005, p.102/105.
56
Preciosa é a síntese da doutrina acerca da conceituação da
improbidade administrativa apresentada na obra de José Antonio Lisbôa Neiva:
Cabe destacar que há orientação doutrinária no sentido de que a
probidade administrativa seria sinônima de moralidade
administrativa ou estaria inserida neste princípio (FERREIRA,
Sergio de Andréa [...]; MELLO, Celso Antonio Bandeira de [...];
GASPARINI [...]), de que sua violação consistiria uma imoralidade
qualificada (SILVA, José Afonso da [...]), de que seria uma espécie
do gênero moralidade administrativa (FIGUEIREDO, Marcelo [...];
FREITAS, Juarez [...]; MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva [...],
apontando o autor que a Constituição criou “um subprincípio ou
uma regra derivada do princípio da moralidade administrativa”;
ALVARENGA, Aristides Junqueira [...]) ou, finalmente, de que teria
conteúdo mais amplo que a própria moralidade, tendo em vista
que a legislação infraconstitucional integradora do comando
constitucional do § 4º do art. 37 estipulou como violação à
probidade ato que, atentando contra os princípios da
Administração Pública, violasse, além do dever de honestidade,
imparcialidade e lealdade às instituições, a própria legalidade
(GARCIA, Emerson [...]).
176
O que se observa, enfim, é que inexiste uma uniformidade na
conceituação da improbidade administrativa. Muitos tratadistas buscaram
desenvolver uma definição a partir da observância a princípios que norteariam a
atuação administrativa, notadamente o princípio da moralidade.
E parece ser este, de fato, o melhor procedimento para
condensar a idéia cerne da improbidade administrativa: extrair o sentido de
probidade a partir da observância plena dos princípios que devem nortear a
Administração, e, tendo em mente que a improbidade é antônima da probidade,
definir aquela como o resultado da inobservância dos princípios norteadores da
Administração.
Quanto a tais princípios, já foram objeto de abordagem na
segunda parte do primeiro capítulo deste trabalho.
176
NEIVA, José Antonio Lisbôa. Improbidade administrativa: estudo sobre a demanda na ação
de conhecimento e cautelar. Niterói, RJ: Impetus, 2005, p. 13.
57
Deixando o enfoque doutrinário para ingresso em abordagem
vinculada ao ordenamento positivo brasileiro, o que se observa é que, se por um
lado não contém ele uma definição expressa de improbidade administrativa, pelo
outro acabou elegendo vários atos que a caracterizam, culminando por tipificá-los
para cominar-lhes sanções.
Assim, se um conceito ideal de improbidade administrativa se
prenderia à idéia de inobservância dos princípios que norteiam a Administração
Pública, reclamando então ingresso em análise detida e circunstancial de cada um
de tais princípios, um conceito prático, que passa a ser o utilizado no presente
trabalho para definição dos atos de improbidade tendo em conta não uma
discussão sobre a adequação da conceituação e da eleição de tais atos, mas sim o
interesse no desenvolvimento do tema eleito, que intitula o trabalho, é o de que eles,
os atos de improbidade administrativa, são aqueles tipificados na legislação
positiva brasileira.
Ora, regulamentando o art. 37, § 4°, da Constituição Federal
da República Federativa do Brasil, a Lei n° 8.429/92
177
passou a arrolar, em seus
arts. 9°, 10 e 11, os atos de improbidade administrativa que o legislador optou por
tipificar.
No art. 9° da Lei n° 8.429/92, ganharam tipificação atos de
improbidade administrativa que ocasionem enriquecimento ilícito ou vantagem
patrimonial indevida a seus protagonistas:
Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando
enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial
indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função,
emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta
lei, e notadamente:
I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel,
ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título
177
BRASIL. Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes
públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou
função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Diário
Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 03 jun. 1992.
58
de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem
tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou
amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do
agente público;
II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a
aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a
contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por
preço superior ao valor de mercado;
III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar
a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento
de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas,
equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou
à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1°
desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos,
empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou
indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de
lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de
qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal
vantagem;
VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou
indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação
em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade,
peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens
fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta
lei;
VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato,
cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo
valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do
agente público;
VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de
consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que
tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação
ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante
a atividade;
IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou
aplicação de verba pública de qualquer natureza;
X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou
indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração
a que esteja obrigado;
XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens,
rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das
entidades mencionadas no art. 1° desta lei;
XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores
integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no
art. 1° desta lei.
No art. 10 da Lei n° 8.429/92, foram tipificados atos que
ensejam a produção de perda patrimonial, desvio, apropriação, dilapidação,
59
malbaratamento ou, enfim, lesão ao erário público.
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa
lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que
enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou
dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º
desta lei, e notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao
patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas,
verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades
mencionadas no art. 1º desta lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada
utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo
patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a
observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis
à espécie;
III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente
despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências,
bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das
entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das
formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem
integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no
art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas,
por preço inferior ao de mercado;
V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou
serviço por preço superior ao de mercado;
VI - realizar operação financeira sem observância das normas
legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou
inidônea;
VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância
das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo
indevidamente;
IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas
em lei ou regulamento;
X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem
como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas
pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação
irregular;
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça
ilicitamente;
XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos,
máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de
propriedade ou à disposição de qualquer das entidades
mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor
público, empregados ou terceiros contratados por essas
entidades.
XIV celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a
prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem
observar as formalidades previstas na lei;
60
XV celebrar contrato de rateio de consórcio público sem
suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as
formalidades previstas na lei.
Por fim, no art. 11 da Lei n° 8.429/92, houve tipificação dos
atos comissivos e omissivos que importem em violação dos deveres de
honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições administrativas,
representando atentado contra os princípios relacionados à Administração Pública:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta
contra os princípios da administração pública qualquer ação ou
omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou
diverso daquele previsto, na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das
atribuições e que deva permanecer em segredo;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso público;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro,
antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou
econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou
serviço.
Tem-se, assim, que, para os fins colimados neste trabalho,
são considerados atos de improbidade administrativa aqueles discriminados pelo
legislador nos dispositivos legais antes transcritos, e é em relação a tais atos que
será desenvolvido o tema que intitula a pesquisa realizada, qual seja, “os atos de
improbidade administrativa e o dano à legitimidade da Administração Pública.
2.2. AS CONSEQÜÊNCIAS MATERIAIS DOS ATOS DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E AS COMINAÇÕES
DAÍ RESULTANTES NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA:
61
O art. 9°, o art. 10 e o art. 11 da Lei n° 8.429/92 foram
distribuídos, pelo legislador, em três seções distintas, integrantes do Capítulo II da
lei.
A Seção I, na qual inserido o art. 9°, foi denominada “Dos Atos
de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito”.
A Seção II, da qual consta o art. 10, foi intitulada “Dos Atos de
Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário”.
Por fim, a Seção III, da qual consta o art. 11, trata “Dos Atos de
Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração
Pública”.
Dessa classificação conferida pelo legislador parece já haver
ele vislumbrado a existência de atos de improbidade que causam enriquecimento
ilícito a determinadas pessoas, atos de improbidade que causam prejuízo material
ao erário público, e atos que, independentemente de causarem enriquecimento ou
prejuízo de ordem material a terceiros ou ao erário público, implicam violação a
princípios que norteiam a Administração Pública, só por isso também já sendo
considerados de improbidade.
Constata-se, pois, que os efeitos materiais dos atos de
improbidade administrativa abrangem tanto a produção de enriquecimento ilícito
para determinadas pessoas, quanto a produção de dano material ao erário público,
podendo, por vezes, inclusive, ambos os efeitos cumularem-se.
Acerca do enriquecimento ilícito decorrente dos atos de
improbidade administrativa, Emerson Garcia e Rodrigo Pacheco Alves discorrem:
Como derivação lógica e conseqüência inevitável dos atos de
corrupção, tem-se o enriquecimento ilícito, sendo aquela o
principal meio de implementação deste. Em geral, o
enriquecimento ilícito é o resultado de qualquer ação ou omissão
62
que possibilite ao agente público auferir uma vantagem não
prevista em lei.
No âmbito do Direito Civil, é vasta a produção doutrinária a respeito
do tema, o que torna imperativo o exame das diferentes
concepções existentes para a correta identificação e delimitação
do alcance do art. 9° da Lei n° 8.429/92, preceito que contém as
normas de coibição ao enriquecimento ilícito.
O não enriquecimento sem causa, verdadeiro princípio geral de
direito, há muito é estudado e coibido, tendo fincado raízes no
Direito Romano e mantido, desde então, indiscutível atualidade.
Objetivando delimitar o campo de aplicação deste princípio, foram
construídas as seguintes teorias:
a) a vedação do enriquecimento ilícito funda-se unicamente no
princípio da eqüidade, o que justifica a vedação do enriquecimento
em detrimento do patrimônio alheio: essa doutrina, também
denominada ‘teoria do patrimônio’, não teve ampla aceitação, pois
omite as situações em que não tenha ocorrido uma transferência
de ordem patrimonial, mas tão somente uma vantagem
correlacionada à ação ou omissão de outrem (ex.: o fornecimento
de uma informação valiosa, um benefício moral ou a causação de
prejuízo em coisa própria para salvar a alheia);
b) o fundamento reside na necessidade de ‘equilíbrio dos
patrimônios’ ou de ‘segurança estática das fortunas’, os quais são
rompidos sempre que haja um deslocamento de valores sem uma
correspondente ‘força-causa’ ou ‘energia criadora’ que o justifique:
essa teoria, em essência, erige-se sobre os mesmos alicerces da
anterior, sendo merecedora de idênticas críticas;
c) trata-se de uma gestão de negócios anormal, em que a pessoa
enriquecida se contenta em aproveitar os efeitos da atividade de
outrem sem que haja uma ação direta sua: por limitar
demasiadamente o princípio do não-locupletamento, essa teoria
também não foi aceita, pois várias são as situações em que é
divisado o enriquecimento sem gestão alguma, inexistindo
qualquer obrigação do locupletador para com o lesado o que é
próprio da gestão de negócios agindo este voluntariamente e por
conta de seu próprio interesse;
d) o enriquecimento ilícito está relacionado à responsabilidade civil,
pois aquele que se locupletou à custa alheia praticou um ato ilícito,
tendo o dever de ressarcir: em muitos casos, o locupletamento
pode existir com uma atitude passiva do locupletador, sem o
concurso da vontade deste, o que, aliado ao fato de a indenização
não ultrapassar o montante da riqueza obtida, torna esta situação
inconciliável com os princípios da responsabilidade civil;
e) o enriquecimento ilícito tem esteio na responsabilidade civil pelo
risco criado, sendo derivada do lucro procurado e independe da
configuração da culpa: por ser excessivamente casuística e por
não abranger as situações em que o proveito não seja perseguido,
essa teoria não foi aceita;
f) o não-locupletamento ilícito reside em um dever moral que deve
nortear as relações sociais, sendo consectário dos princípios da
Justiça e do Direito.
À luz dessa última teoria, a qual endossamos, o enriquecimento
sem causa pode advir tanto de um ato que apresente adequação
63
ao princípio da legalidade, como de um ato ilícito. Assim, o
princípio do não-locupletamento indevido reside na regra de
eqüidade que veda a uma pessoa enriquecer às custas do dano,
do trabalho ou da simples atividade de outrem, sem o concurso da
vontade deste ou o amparo do direito e tal ocorrerá ainda que
não haja transferência patrimonial.
178
Wallace Paiva Martins Júnior salienta que, nos atos de
improbidade administrativa que causam enriquecimento ilícito, a vantagem
econômica tanto pode ser produzida para o próprio agente público protagonista do
ato, como para terceira pessoa a quem intente ele beneficiar, e, em tais hipóteses,
perde relevância a discussão sobre se o ato também causou dano patrimonial à
Administração, “porque o relevo significativo da repressão do enriquecimento ilícito
tem em si considerada preponderância do valor moral da Administração Pública,
sendo direcionado ao desvio ético do agente público”
179
.
Já no que concerne à produção de dano ao erário público,
tem-se que, por evidência, estará ele caracterizado tanto quando produzido
decréscimo patrimonial, como também quando ocasionada privação de alguma
vantagem que seria percebida futuramente (na doutrina civil, isso implicaria nos
chamados lucros cessantes).
Importante a advertência consignada por Marino Pazzaglini
Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior:
Quando a lei usa a expressão perda patrimonial não significa
prejuízo ou qualquer prejuízo, mas, isto sim, prejuízo decorrente de
ação ou omissão ilegais, vale dizer, lesão, dano.
É bom encetar a ressalva, porque, sobretudo nas empresas
públicas e sociedades de economia mista é comum que o agente
público, seja diretor, seja membro do Conselho de Administração,
autorize ou aprove transações e empreendimentos, adotando
todas as cautelas necessárias à defesa do patrimônio da
empresa, atuando nos estritos termos da lei e, ainda assim, do
negócio realizado advenha resultado negativo decorrente de
fatores alheios a sua vontade e a sua capacidade de previsão.
178
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 265/6.
179
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 216/7.
64
Lembre-se o caso de inesperada alteração da conjuntura
econômica, dos planos e pacotes corretivos da política
econômica, cujos reflexos imediatos na atividade mercantil são às
vezes desastrosos. Em tais circunstâncias, em regra, não se
poderá atribuir ao agente público a eiva de negligência ou
imprudência, taxando sua conduta de ímproba.
180
Também é relevante destacar que o legislador, no art. 10 da
Lei n° 8.429/92, optou por usar a expressão erário, e não patrimônio público.
Juristas têm proclamado que, enquanto o erário se circunscreve a aspectos
eminentemente financeiros e econômicos, guardando relação com o tesouro e
produto da arrecadação fiscal, o patrimônio público tem abrangência mais ampla,
alcançando não apenas o financeiro e o econômico, mas também o estético, o
histórico, o turístico, o cultural e o artístico
181
. Assim, para alguns juristas, os atos de
improbidade estabelecidos no art. 10 da Lei n° 8.429/92 estariam configurados
unicamente se presente lesão ao erário em sua conceituação mais restrita, e não
quando ocorrida lesão patrimonial que fuja aos aspectos eminentemente
econômicos e financeiros da Administração.
Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, porém, sustentam
que o legislador não usou de rigor técnico quando se decidiu pela utilização da
expressão erário, posto que, em outros dispositivos da Lei n° 8.429/92, empregou o
termo patrimônio público sem critério que norteasse a opção por uma ou outra
designação; a oscilação casual, na mesma lei, entre uma e outra expressão
indicaria que ambas teriam sido tomadas como sinônimas, devendo-se por isso
usar de interpretação sistemática para concluir que a expressão erário público,
constante do art. 10 da referida lei, não se restringe ao contexto econômico e
financeiro, abrangendo também as demais nuances do patrimônio estatal.
182
180
PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JÚNIOR, Waldo.
Improbidade administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 2ª ed. São
Paulo: Atlas, 1997, p. 73/4.
181
Nesse sentido a posição de PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias;
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa: aspectos jurídicos da defesa do
patrimônio público. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 70.
65
Os arts. 9°, 10 e 11 da Lei n° 8.429/92 prevêem, no caput de
suas redações, uma fórmula genérica para enquadramento de diversos atos de
improbidade administrativa, e, depois, em seus vários incisos, enumeração de
situações específicas, que até se enquadrariam nas previsões genéricas do caput,
mas que foram consignadas expressamente, em suas peculiaridades, para deixar
ainda mais claro que configuram ações tidas como ímprobas.
Por conta disso, Pedro da Silva Dinamarco
183
e Francisco
Octavio de Almeida Prado
184
passaram a advogar que a enumeração de atos dos
incisos seria taxativa, e somente poderia ser considerado ímprobo o ato que se
enquadrasse na descrição de algum de tais incisos.
Entretanto, Marcelo Figueiredo
185
, Cláudio Ari Mello
186
,
Wallace Paiva Martins Júnior
187
, Carlos Frederico Brito dos Santos
188
, Marino
Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior
189
discordam
desse pensamento, e sustentam que a expressão notadamente, que consta do
final do caput de cada um dos artigos, é indicativa de que os atos arrolados nos
incisos seriam meramente exemplificativos, podendo a eles ser adicionados outros
182
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 281/4.
183
DINAMARCO, Pedro da Silva. Requisitos para a Procedência das Ações por Improbidade
Administrativa. BUENO, Cássio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo (Orgs.). Improbidade
Administrativa Questões Polêmicas e Atuais. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p.
332/33.
184
PRADO, Francisco Octavio de Almeida. Improbidade Administrativa. São Paulo: Malheiros,
2001, p. 35.
185
FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa: comentários à Lei 8.429/92 e legislação
complementar. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 69.
186
MELLO, Cláudio Ari. Improbidade Administrativa Considerações sobre a Lei n° 8.429/92.
Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, volume 11, abril/junho, 1995, p. 53.
187
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 181.
188
SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade administrativa: reflexões sobre a Lei n°
8.429/92. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 21/2.
189
PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JÚNIOR, Waldo.
Improbidade administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 2ª ed. São
Paulo: Atlas, 1997, p. 60.
66
que venham a se enquadrar naquela definição mais aberta e genérica formulada no
caput.
Tem-se, pois, enfim, como conseqüências materiais de
ocorrência possível em relação aos atos de improbidade administrativa previstos na
Lei n° 8.429/92, o enriquecimento ilícito dos agentes favorecidos pela ação ímproba,
e, alternativa ou cumulativamente, também o dano ao erário.
Quanto às cominações estabelecidas pelo legislador para a
prática dos atos de improbidade administrativa, estão elas discriminadas no art. 12
da mesma Lei n° 8.429/92.
Tal dispositivo legal prevê que, caracterizada a prática de ato
de improbidade administrativa, os que de sua prática participaram estão sujeitos ao
ressarcimento integral do dano ocasionado, à perda dos bens ou valores
acrescidos ilicitamente ao patrimônio, à perda da função pública que estiverem
exercendo, à suspensão dos direitos políticos por prazo determinado, ao
pagamento de multa civil no valor fixado na lei, e à proibição de contratar com o
Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios também por
prazo determinado.
O presente estudo se prende, porém, a uma análise mais
detida não sobre as conseqüências materiais dos atos de improbidade
administrativa, mas sim sobre suas conseqüências extramateriais, e é sobre estas
que se passa a discorrer a seguir.
2.3. A CONSEQÜÊNCIA EXTRAMATERIAL DOS ATOS DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
67
2.3.1. Noções gerais
Além das conseqüências de cunho material anteriormente
mencionadas, a corrupção administrativa também repercute negativamente no
espectro extramaterial da Administração Pública, já que desgasta sua credibilidade
e, em última instância, sua legitimidade. Gianfranco Pasquino conclui:
[...] a corrupção, ora surja em um sistema em expansão e não
institucionalizado, ora atue em um sistema estável e institucionalizado, é
um modo de influir nas decisões públicas que fere no íntimo o próprio
sistema. De fato, esse tipo privilegiado de influência, reservado àqueles
que possuem meios, muitas vezes só financeiros, de exercê-la, conduz ao
desgaste do mais importante dos recursos do sistema, sua
legitimidade.
190
Aristóteles proclamava que “Quando são os altos funcionários
que ofendem ou especulam, os cidadãos se revoltam tanto contra eles como contra
o governo que autoriza essa licença”.
191
Para John Locke, se há mau uso do poder, o povo reagirá
contra a arbitrariedade administrativa, proclame-se o quanto se desejar que os
agentes responsáveis “são filhos de Júpiter”, “sagrados e divinos”, “descidos ou
autorizados pelo céu” .
192
190
PASQUINO, Gianfranco. Corrupção, In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO,
Gianfranco; et alii. Dicionário de política. Coordenador de Tradução de João Ferreira. 12ª ed.
Brasília: UNB, 2004, (v. 1) p. 293. Sobre a legitimidade da Administração Pública, veja-se o
subtítulo 1.1 deste trabalho.
191
ARISTÓTELES. A Política. Tradução: Roberto Leal Ferreira. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
1998, p. 203.
192
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem, os limites e
os fins verdadeiros do governo civil. Tradução: Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. 3ª ed.
Petrópolis: Vozes, 1994, p. 220/1.
68
2.3.2. O desestímulo à cooperação cívica, a inobservância de
normas e determinações exaradas pela Administração e
a desobediência civil
A improbidade administrativa se configura com a violação dos
princípios que regem a Administração Pública.
193
Os princípios que norteiam a Administração, notadamente os
da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência,
listados no caput do art. 37 da Constituição Federal, orientam a máquina
administrativa no sentido justamente daquela moderna gestão estatal a que alude
Weber quando discorre sobre a dominação burocrática, ou seja, uma gestão
estruturada hierarquicamente, que documenta seus atos para oficializá-los
194
, que
separa os interesses particulares da atividade oficial
195
, que reclama dos servidores
uma fidelidade impessoal e objetiva, desvinculada de favorecimento e apego a
alguma pessoa em específico
196
, e que se orienta pela racionalidade e pela
técnica
197
, e não por paixões e elementos sentimentais.
198
Se a improbidade
administrativa implica violação de tais princípios, culmina ela por atentar contra a
193
Sobre os princípios que se relacionam com a Administração Pública, veja-se o subtítulo 1.2
deste trabalho. Sobre a caracterização da improbidade administrativa tendo em vista a violação
dos princípios que orientam a Administração Pública, veja-se o subtítulo 2.1 deste trabalho.
194
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 199.
195
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 199.
196
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 200/1.
197
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 212.
198
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 213.
69
racionalidade que é marco característico da burocracia concebida por Weber como
aparelhadora da dominação racional que legitima o Estado moderno.
199
Verdade que, em Weber, a racionalidade da burocracia
resulta de um sistema de “regras racionais”, de onde se conclui que a validade da
dominação remontaria, em último grau, a esse regramento em si
200
. Sucede, porém,
que, se o respeito aos princípios que regem a Administração é reclamado na
própria Constituição Federal, a violação de tais princípios, configurada com a
improbidade administrativa, ocasiona desrespeito ao ordenamento positivo
nacional até em seu nível mais elevado, que é o constitucional. Ou seja, a
improbidade administrativa abala a legitimidade estatal mesmo sob uma ótica
estrita de que tal legitimidade seja decorrente apenas de um regramento racional.
De outro lado, Herbert Hart já afirmava a existência de um
conteúdo mínimo do direito natural no direito positivo, sendo que esse conteúdo
mínimo comum entre a Moral e o Direito seria motivador de obediência voluntária às
regras estabelecidas; segundo Hart, “Na ausência deste conteúdo os homens, tais
como são, não teriam uma razão para obedecerem voluntariamente a quaisquer
regras; e, sem um mínimo de cooperação dada voluntariamente por aqueles que
consideram ser seu interesse submeter-se às regras, e mantê-las, seria impossível
a coerção dos outros que não se conformassem voluntariamente com tais regras”
201
De acordo com esse raciocínio, o que se conclui é que o desrespeito ao regramento
positivo estabelecido pelo Estado, quando havido no seio da própria Administração
e protagonizado por seus agentes, é observado, pelo administrado, com revolta que
torna cada vez mais diminuído, dentro de cada cidadão, o escrúpulo oriundo dos
sentimentos de cidadania, estes que são o principal refreio às intenções de burlar
199
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 1) p. 141.
200
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4ª ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999, (v. 2) p. 197/8.
201
HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Tradução de A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1961, p. 209/10.
70
normas administrativas editadas para tutelar a harmoniosa convivência entre as
pessoas e entidades. Ao ter ciência de novo ato de improbidade, a coletividade
administrada, revoltada no íntimo de cada cidadão contribuinte, sente-se menos
constrangida em abandonar obediência, por exemplo, às leis que instituem
obrigação de pagamento de tributos, às normas de vigilância sanitária, às regras de
respeito ao consumidor, à legislação que cuida do trânsito de veículos automotores,
à disciplina jurídica que tutela a preservação do meio ambiente, às normas que
disciplinam a ocupação imobiliária e a edificação de obras nos centros urbanos,
etc. E essa desobediência evidentemente onera o Estado, inclusive em termos
eminentemente financeiros, em relação ao custo do aprimoramento de aparatos de
fiscalização e de imposição coercitiva do cumprimento das normas. Em síntese, se
na própria Administração Pública há desrespeito às regras por ela ditadas, torna-se
mais difícil e oneroso exigir que sejam obedecidas pelos administrados.
Em crítica à doutrina positivista, particularmente ao
pensamento de Kelsen, Norberto Bobbio também admite a existência de juízos
axiológicos por parte do cidadão, que possam compeli-lo, aos poucos, a deixar de
observar as normas ditadas pela Administração Pública. São palavras de Bobbio:
Com o advento do positivismo jurídico, o problema da legitimidade
foi completamente subvertido. Enquanto segundo todas as teorias
precedentes o poder deve estar sustentado por uma justificação
ética para poder durar, e portanto a legitimidade é necessária para
a efetividade, com as teorias positivistas abre caminho a tese de
que apenas o poder efetivo é legítimo: efetivo no sentido do
princípio da efetividade do direito internacional, segundo a qual,
para falar com Kelsen, que dela foi um dos mais notáveis
defensores, “uma autoridade de fato constituída é o governo
legítimo, o ordenamento coercitivo imposto por esse governo é um
ordenamento jurídico, e a comunidade constituída por tal
ordenamento é um estado no sentido do direito internacional, na
medida em que este ordenamento é em seu conjunto eficaz” [...]
Deste ponto de vista, a legitimidade é um puro e simples estado de
fato. O que não elimina que um ordenamento jurídico legítimo na
medida em que eficaz e como tal reconhecido pelo ordenamento
internacional possa ser submetido a juízos axiológicos de
legitimidade, capazes de levar a uma gradual, mais ou menos
rápida, inobservância das normas do ordenamento, e portanto a
um processo de deslegitimação do sistema.
202
202
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução:
Marco Aurélio Nogueira. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 92.
71
Carlos Ayres Britto, prefaciando obra de Emerson Gabardo
intitulada “Eficiência e legitimidade do Estado”, traça distinção entre a chamada
eficiência econômica, sintetizada na produção de efeito lucrativo, e a eficiência
social, que produz efeitos democráticos, ecológicos e também éticos, afirmando
que a busca daquela tende a afastar a ocorrência desta.
203
Detendo-se, depois, na
eficiência social, sustenta ele que foi ela inserida em princípio constitucional
positivado no art. 37, caput, da Constituição Federal, em face da edição da Emenda
Constitucional nº 19/98,
204
e que o princípio constitucional da eficiência está
entrelaçado e é inter-referente por complementaridade, e não contraposição, aos
demais princípios do caput do citado art. 37 da Magna Carta. Tais princípios estão
a serviço uns dos outros, sendo todos poderosos instrumentos que vedam a
“desadministração”. A eficiência social sofre ofensa, portanto, não somente com a
violação do princípio da eficiência em si, mas também com a vulneração dos
demais princípios positivados no texto constitucional.
205
Em conclusão:
[...] é no prefalado tipo normativo-principiológico de
contextualização que o princípio da eficiência se legitima.
Legitimando o Estado e a administração que nesse Estado se
incrustra. Pois dizer o contrário é fazer uso da eficiência como
biombo para esconder a pior das ineficiências do poder público: a
de aparato que deixa de se colocar ao dispor da sociedade (com
seus constitucionais valores de democracia formal e material,
ética e equilíbrio ecológico) para se colocar ao dispor do
mercado.
206
Também numa concepção desapegada da neutralidade
axiológica e formal do positivismo, Ronald Dworkin aceita a possibilidade de
avaliação valorativa e descumprimento de leis e, em última análise, de
203
In: GABARDO, Emerson. Eficiência e legitimidade do Estado. Barueri: Manole, 2003, p. XVI.
204
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro
de 1988. 33ª ed. atual. até a Emenda Constitucional n. 42/2003. Emenda constitucional n. 19,
de 04 de junho de 1998. Modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração
Pública, servidores e agentes públicos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de
atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências. São Paulo: Saraiva, 2004. p.
235/246.
205
In: GABARDO, Emerson. Eficiência e legitimidade do Estado. Barueri: Manole, 2003, p.
XVII.
72
determinações administrativas, admitindo e, de certa forma, até defendendo a
ocorrência da chamada desobediência civil.
Verdade que, sob uma ótica otimista, não afirma ele, de forma
direta, que a desobediência civil represente negação enfática e decidida da
“legitimidade fundamental” do governo e da comunidade; sua afirmação é a de que
representa ela mais uma confirmação de que uma contestação de um dever como
cidadão, sugerindo que referida confirmação até acresceria legitimidade ao
sistema
207
; entretanto, evidentemente, essa ótica segundo a qual a desobediência
civil contribui para maior legitimidade do sistema, e não para deslegitimá-lo, parte
da premissa de que uma contestação ao status quo alcançará algum êxito em
depurar tal sistema, sendo essa depuração a verdadeira razão pela qual ele
ganhará maior legitimidade. Assim, em termos práticos, a desobediência civil não
retirará legitimidade do sistema e, ao contrário, o legitimará ainda mais se
produzir o resultado de depurá-lo, democratizando-o; se, porém, a depuração não
ocorrer, e se a desobediência civil for considerada em si própria,
independentemente de qualquer resultado positivo que possa produzir, a retirada da
legitimidade do sistema é conclusão lógica também segundo a ótica de Dworkin.
208
Soares Martínez sustenta:
Quando o grupo que exerce o poder e que, por hipótese, o
alcançou legitimamente, desrespeita as leis que se lhe
sobrepõem, deixa de perseguir os interesses da comunidade, em
defesa dos interesses particulares do próprio grupo dominante, ou
206
In: GABARDO, Emerson. Eficiência e legitimidade do Estado. Barueri: Manole, 2003, p.
XVIII.
207
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulo:
Martins Fontes, 2000, p. 155.
208
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulo:
Martins Fontes, 2000, p. 155/171. Essa aceitação otimista de Ronald Dworkin à desobediência
civil é captada quando se confere a preocupação que ele expressa com o processo de
desencadeamento dessa desobediência civil, exortando a que haja respeito à pluralidade de
opiniões e de estados de espírito (p. 158/9), aludindo a uma desobediência “baseada na
integridade” e em razões de justiça (p. 157/61), e mencionando a possibilidade de adoção de
estratégia “persuasiva”, em detrimento das estratégias de intimidação tais quais interrupções de
tráfego, bloqueio de importações e impedimento do funcionamento de órgãos ou departamentos
oficiais (p. 161).
73
de alguns membros desse grupo, o poder respectivo perde
legitimidade. Por falta de rectidão, de justiça, no seu exercício.
209
Para Soares Martínez, é natural que, à luz de certas
concepções, o poder se apresente como o criador, a origem, a fonte da ordem;
mas, segundo ele, se se admitir uma estruturação natural, institucional, da ordem,
que apenas para se conservar carecerá do poder, o que se terá é que, em vez de
criar a ordem, o poder, mais honesto, mais humilde, terá primeiro que reconhecer
essa ordem, cuja idéia, cuja necessidade, já se acham inscritas na razão e no
coração dos homens.
210
Martínez aventa, posteriormente, no “mistério” da obediência
espontânea ao poder, afirmando:
“Centenas, milhares, milhões, de homens, sentindo
freqüentemente que a ordem estabelecida fere os seus interesses
particulares, acatam pacificamente essa ordem, cuja guarda foi
confiada a apenas um, ou a poucos. Enquanto é justa e, por
vezes, até mesmo tendo deixado de sê-lo”.
211
Mais adiante, entretanto, culmina ele por reconhecer que,
embora excepcionalmente, a sociedade pode acabar negando obediência ao
poder, e pode até fazer uso de soluções violentas, não pacíficas, em casos
extremos, ainda que o faça em defesa do equilíbrio, da harmonia e da paz.
212
2.3.3. A crise de representatividade
209
SOARES MARTÍNEZ, Pedro Mário. Filosofia do Direito. 2ª ed. Coimbra: Livraria Almedina,
1995, p. 187.
210
SOARES MARTÍNEZ, Pedro Mário. Filosofia do Direito. 2ª ed. Coimbra: Livraria Almedina,
1995, p. 217.
211
SOARES MARTÍNEZ, Pedro Mário. Filosofia do Direito. 2ª ed. Coimbra: Livraria Almedina,
1995, p. 219.
212
SOARES MARTÍNEZ, Pedro Mário. Filosofia do Direito. 2ª ed. Coimbra: Livraria Almedina,
1995, p. 220.
74
As disfunções administrativas têm produzido aquilo que, para
Emerson Gabardo, consubstancia um niilismo democrático produtor de uma apatia
congênita à despolitização e do enfraquecimento da sociedade política. Elas criam
no cidadão a impressão de que as decisões não estão ao alcance de sua
participação, e de que, quaisquer que sejam as posições por ele assumidas, seu
futuro já está definido. Com isso se empobrece a participação popular que legitima
as decisões no sistema democrático, produzindo-se desvirtuamento das
representações políticas.
213
Na prática da sociedade moderna, a democracia não mais é
exercida com participação direta dos cidadãos em todas as decisões, mas sim
através de representantes eleitos, em tese, para defender os interesses dos
representados.
214
Sob esse enfoque, a corrupção administrativa contribui para a
chamada “crise de representatividade”, com a qual se quebra a cadeia de confiança
entre representados e representante. Se a corrupção se alastra, a desconfiança se
propaga e deixa de ser localizada, passando a atingir a toda a classe política,
favorecendo a difusão de uma ética de hipocrisia e ceticismo, que afeta não
somente as pessoas, mas também as instituições.
215
Em verdade, os princípios da legalidade, da impessoalidade,
da moralidade e da publicidade apontam todos, em última análise, para que a
Administração se oriente para satisfação de um valor maior, o interesse público.
216
Nesse sentido, o interesse público, salvaguardados os direitos fundamentais
individuais a cada cidadão, é valor preponderante para a sociedade. A improbidade
administrativa, ao violar referidos princípios, atenta contra a legitimidade do poder
estatal, posto que, nas palavras de Antonio Carlos Wolkmer, [...] o poder será
213
GABARDO, Emerson. Eficiência e legitimidade do Estado. Barueri: Manole, 2003, p. 93/6.
214
WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 90/1.
215
DELGADO, Daniel García. Estado-nación y globalización. Buenos Aires: Ariel, 1998, p.
136/7.
216
Veja-se, no subtítulo 1.2.2, as alusões feitas neste trabalho ao princípio da supremacia do
interesse público.
75
ilegítimo quando violar os valores dominantes compartilhados e priorizados numa
determinada organização política”.
217
Há que se considerar, ainda, o novo significado que o
interesse público ganha na teoria do discurso de Jürgen Habermas.
Para Habermas, “o princípio da soberania do povo significa
que todo poder político é deduzido do poder comunicativo dos cidadãos. O
exercício do poder político orienta-se e se legitima pelas leis que os cidadãos criam
para si mesmos numa formação da opinião e da vontade estruturada
discursivamente”.
218
A manifestação de poder a partir do povo se legitima num
processo com formas de comunicação interligadas e orientadas para tematizar e
discutir questões relevantes com os melhores argumentos e informações
possíveis
219
, valorizando a independência entre os poderes e o pluralismo
político
220
, incumbindo ao próprio Estado estimular e institucionalizar esse processo
comunicativo, para que a vontade comum sintetizada seja materializada nas ações
administrativas.
221
Entretanto, as normas sugeridas nesse diálogo que prestigia a
soberania popular “autorizam as autoridades a escolher tecnologias e estratégias
de ação, com ressalva de que não sigam interesses ou preferências próprias
como é o caso dos sujeitos do direito privado”.
222
217
WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 4ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 74/5.
218
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 213.
219
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 213.
220
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 214.
221
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 221.
222
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, (v. I) p. 239.
76
Assim, também sob a análise de Habermas a priorização de
interesses privados em detrimento da síntese da comunicação havida no processo
de discussão das temáticas públicas deslegitima a atuação da Administração.
Ao afirmarem que a corrupção traz consigo o deletério efeito
de promover a instabilidade política, em razão de fazer com que as instituições não
mais estejam alicerçadas em concepções ideológicas, mas sim nas cifras que as
custearam, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves citam o Relatório Nolan,
elaborado no Reino Unido a partir de informações colhidas nos anos de 1994 e
1995, segundo o qual, em virtude de inúmeros escândalos vinculados pelos meios
de comunicação, o paulatino aumento da desconfiança da população nos agentes
públicos é um fator de desestimulação do próprio sistema democrático.
223
Acrescentam, depois, que a proliferação da corrupção, a partir de práticas
rotineiras, enseja o surgimento de um código paralelo de conduta, à margem da lei
e da razão, que paulatinamente se incorpora ao standard de normalidade do homo
medius; uma vez iniciado esse processo, difícil é a reversão ao estado anterior,
fundado na pureza normativa de um dever ser direcionado à consecução do bem de
todos. E afirmam que a corrupção no ápice da pirâmide hierárquica serve de fator
multiplicador da corrupção dentre aqueles que ocupam posição inferior,
desestimulando-os a ter conduta diferente, numa espécie de círculo vicioso que
debilita cada vez mais as instituições.
224
2.3.4. A afetação externa
Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves exemplificam
situações onde a afetação do conceito de uma pessoa jurídica de direito publico em
face da improbidade administrativa ocasiona-lhe reflexos desfavoráveis:
223
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 09.
224
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 13.
77
Do mesmo modo que as pessoas jurídicas de direito privado, as
de direito público também gozam de determinado conceito junto à
coletividade, do qual muito depende o equilíbrio social e a
subsistência de várias negociações, especialmente em relação: a)
aos organismos internacionais, em virtude dos constantes
empréstimos realizados; b) aos investidores nacionais e
estrangeiros, ante a freqüente emissão de títulos da dívida pública
para a captação de receita; c) à iniciativa privada, para a formação
de parcerias; d) às demais pessoas de direito público, o que
facilitará a obtenção de empréstimos e a moratória de dívidas já
existentes etc.
225
E, a propósito, tomando em análise as situações listadas
exemplificativamente, mas centrando atenção nas duas primeiras mencionadas, não
se pode olvidar que, até mesmo no plano exterior à sua soberania interna, a
legitimidade de um sistema político é maculada pela improbidade administrativa,
podendo essa mácula dar origem a perdas ou maiores ônus financeiros, em face do
descrédito e da da visão de insegurança que se passa a devotar, externamente, à
eficácia e continuidade sem percalços de tal sistema político.
Tem-se, portanto, que a improbidade administrativa pode
interferir no espectro extramaterial da Administração Pública, causando dano à sua
legitimidade. E é sobre a possibilidade de indenização desse dano que se tratará a
seguir.
225
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 470/1.
78
Capítulo 3
A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E O DANO À LEGITIMIDADE DA
ADMINISTRAÇÃO
3.1. A POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO DO DANO
EXTRAMATERIAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO
PÚBLICO
3.1.1. Reparação do dano moral
Orlando Soares afirma que “o termo dano (do latim, damnum)
significa todo mal ou ofensa que tenha uma pessoa causado a outrem, quer em
razão da existência dum vínculo contratual, ou extracontratual (fora do contrato)” .
226
Antônio Jeová Santos preceitua que “Todo ato que diminua ou
cause menoscabo aos bens materiais ou imateriais, pode ser considerado dano”
227
.
Sergio Cavalieri Filho bem sintetiza a evolução das teorias
sobre a conceituação do dano:
Quando ainda não se admitia o ressarcimento do dano moral,
conceituava-se o dano como sendo a efetiva diminuição do
patrimônio da vítima. Hoje, todavia, esse conceito tornou-se
insuficiente em face do novo posicionamento da doutrina e da
jurisprudência em relação ao dano moral e, ainda, em razão de
sua natureza não-patrimonial. Conceitua-se, então, o dano como
sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que
226
SOARES, Orlando. Responsabilidade civil no direito brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1997, p. 67.
227
SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003. p. 74.
79
seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se
trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima,
como a sua honra, a imagem, a liberdade, etc. Em suma, dano é
lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí
a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral.
228
O dano é material quando o prejuízo é lançado sobre bens e
valores materiais. Em contrapartida, quando o prejuízo é lançado sobre valores
imateriais, tem-se o dano imaterial, ou extramaterial, ou espiritual, ou até, como
mais comumente se diz, o chamado dano moral.
229
Antonio Jeová Santos formula crítica à conceituação do
chamado dano moral introduzindo elemento negativo num objeto definido. Diz ele,
portanto, que conceituar o dano moral como a ofensa a valores extramateriais, em
contrapartida à conceituação do dano material como ofensa a valores materiais,
seria apresentar definição imprecisa e vaga
230
.
Algumas conceituações do chamado dano moral, como as de
Jorge Bustamante Alsina
231
e Silvio Rodrigues
232
, associam-no à dor, ao incômodo
ou ao constrangimento impingidos à vítima.
Em outras conceituações, porém, o dano moral deixou de ter
por característica apenas o sofrimento lançado sobre o ofendido, para afetar valores
de cunho imaterial da pessoa ofendida, tais quais, por exemplo, sua honorabilidade,
respeitabilidade, dignidade e boa imagem.
233
228
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 2ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1999, p. 71.
229
SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e a sua reparação civil. 3ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, p. 37.
230
SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003. p. 92.
231
ALSINA, Jorge Bustamante. Teoria general de la responsabilidad civil. 8ª ed. Buenos
Aires: Abeledo-Perrot, 1993, p. 234 apud SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável.
4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, 554 p.
232
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 12 ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989, (v. 4) p. 206.
233
SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003. p. 109/110. Da mesma obra, interessante destacar a seguinte citação:
80
E, de fato, o conceito de dano moral que o associa à ofensa à
honorabilidade, à respeitabilidade, à dignidade, à autoridade e à boa imagem
afigura-se mais preciso, posto que o sofrimento, dor ou incômodo causados ao
Visando a aclarar o conteúdo da definição e encontrar os contornos que modelam o dano
moral, far-se-á breve dissecação do enunciado. Tomou-se nessa faina os ensinamentos
de Ramon Daniel Pizarro na obra Daño Moral, p. 47 a 50:
a) Logo de início, é de se verificar que a definição atende às conseqüências que a
ação antijurídica produz no ânimo do prejudicado. Encontra-se a entidade qualitativa e
quantitativa do dano moral. É o dano considerado em si mesmo e a repercussão no
ânimo da vítima.
b) O detrimento no espírito provém de uma lesão a algo que não está no patrimônio da
pessoa. Antes, atinge o mais recôndido do ser, em sua subjetividade. Sem a lesão
espiritual, não existe minoração na capacidade anímica de ninguém, inexistindo dano
moral passível de indenização.
c) A definição afasta o mal vez o já assinalado de definir por negação, porque afirma o
que o dano moral é, de forma positiva, e encerrando em seu conteúdo, o que ele
significa, sem a tradicional contraposição ao dano material. É posto em relevo o
conteúdo próprio e específico, e não mera contraposição com o dano material.
d) A perda, o dano, o prejuízo, o detrimento, encontram-se na modificação do espírito,
assinalando que os múltiplos aspectos da personalidade humana hão de ser respeitados.
A modificação desvaliosa considera a pessoa humana em toda a sua dimensão,
enquanto corpo e espírito, o que compreende os múltiplos aspectos da personalidade,
dignos de proteção.
e) O dano moral ultrapassa aquele dado puro e simples do afetivo, dos sentimentos,
projetando seus efeitos para outras áreas da personalidade, como capacidade de querer,
de sentir e de entender. A modificação espiritual estende seus efeitos de forma ampla,
pois essa alteração desfavorável pode atingir outros espaços da subjetividade do
prejudicado. Zavala discrimina cada uma dessas capacidades, afirmando que a dimensão
espiritual de uma pessoa não se reduz à órbita afetiva ou de sua sensibilidade
(capacidade de sentir), pois compreende também uma intelectual (capacidade de
entender) e outra volitiva (capacidade de querer). Quando o ato afeta ou compromete o
desenvolvimento de qualquer destas capacidades de um modo negativo ou prejudicial,
configurado estará o dano moral. A privação ou supressão temporal de qualquer dessas
faculdades deve ser indenizado pelo desvalor subjetivo que denotam.
f) Os seres mais insensíveis, ou a criança, um louco ou um demente, incapazes de
entender e compreender a dor espiritual que os afeta, não estão excluídos da
possibilidade de sofrerem dano moral. Mesmo na ausência de sensibilidade e de
compreensão, há lugar para configuração do desvalor da ação. A consciência do
sofrimento não passa a ser requisito indispensável e inafastável para o exsurgimento do
dano moral. ‘Com isso, fica superado o estreito molde do chamado pretium doloris, que
pressupõe necessariamente aptidão do prejudicado para sentir o dano. Portanto, a perda
dos sentimentos ou da possibilidade de experimentá-los, e mais ainda, da aptidão de
encontrar-se em uma situação anímica desejável, é dano moral’ (Daniel Pizarro, Daño
Moral, p. 49).
g) Desdobrando o elencado no item f supra, existe a possibilidade de o dano moral
existir mesmo que não haja derramamento de lágrimas, ou que não haja a percepção
sensitiva do menoscabo. O sofrimento não é um requisito imprescindível para que o dano
moral ocorra, embora seja uma de suas manifestações mais encontráveis no cotidiano.
O sofrimento, caracterizado pela dor, angústia, vergonha, humilhação, perda do desejo de
viver, etc., é apenas possível manifestação do dano moral. Nesse quadro, mesmo sem a
existência de lágrimas ou sem que a vítima perceba o que está ocorrendo em seu
derredor, é possível que sofra dano moral (p. 97/9).
81
ofendido parecem configurar mais uma conseqüência do dano moral, que este
propriamente dito. Com efeito, se, por exemplo, há inserção indevida do nome do
devedor em órgão de proteção ao crédito, o dano moral ocorre com a mácula que é
lançada sobre sua imagem de pessoa cumpridora de seus compromissos; se
passa ele a sentir vergonha e dor em face do fato, tais sentimentos são uma
conseqüência do dano causado à sua imagem de pessoa adimplente. Em síntese, o
dano moral se configura com o abalo da imagem e da honorabilidade, e a vergonha
e o sofrimento não configuram, em si, o dano moral, mas sim uma conseqüência
dele.
234
De qualquer forma, não é objeto do presente estudo apontar a
definição mais adequada do chamado dano moral, nem relatar as mais diversas
correntes doutrinárias que se ocuparam dessa conceituação.
Antes disso, o que se objetiva demonstrar é que valores de
ordem não material, tais quais a legitimidade, a respeitabilidade, a honorabilidade,
a dignidade, a boa imagem, são juridicamente tutelados, e, quando violados,
ensejam caracterização de um dano que, até aqui neste trabalho, tem sido
predominantemente chamado de extramaterial, mas que pode ser também
designado de moral (é a desginação mais comum), extrapatrimonial, espiritual ou
não-material.
235
234
Nesse sentido: CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1998, p. 348; SILVA, Américo Luís Martins da Silva. O dano moral e sua reparação civil.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 39. A distinção entre o dano moral propriamente
dito e seus efeitos (ao menos no tocante aos materiais) será mais minuciosamente abordada no
tópico 3.3 deste trabalho.
235
Pontes de Miranda informa: “A expressão dano moral tem concorrido para graves confusões,
bem como a expressão alemã Schmerzengeld (dinheiro de dor). Às vezes, os escritores e
juízes empregam a expressão dano moral em sentido amplíssimo (dano à normalidade da vida
em relação, dano moral estrito, que é o dano à reputação, dano que não é qualquer dos
anteriores mas também não ofende o patrimônio, como o de dor sofrida, o de destruição de
bem sem qualquer valor patrimonial ou de valor patrimonial ínfimo). Aí, dano moral seria dano
não patrimonial. Outros têm como dano moral o dano à normalidade da vida em relação, o dano
que faz baixar o moral da pessoa, e o dano à reputação. Finalmente, há o senso estrito de dano
82
3.1.2. Reparação do dano moral da pessoa jurídica de direito
público
Muito já se debateu sobre se há, ou não, possibilidade de
reparação do dano que não seja eminentemente material.
236
No Brasil, porém, mormente depois da promulgação da
Constituição Federal de 1988, houve convergência para um entendimento
predominante apregoando a admissibilidade da reparação pelo dano moral, em
face, especialmente, da norma do inciso V do art. 5° do texto constitucional, que
claramente expressa ser assegurada a “indenização por dano material, moral ou à
imagem”, assim como da norma do inciso X do mesmo dispositivo da Magna Carta,
que afirma serem “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação”.
237
Veja-se que, nas normas antes mencionadas, a Constituição
assegura a inviolabilidade da imagem das pessoas, sem distingui-las entre as
físicas e as jurídicas, e tampouco entre as de direito público e as de direito privado.
moral: o dano à reputação” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito
privado. 2ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1958, (v. XXVI) p. 30/1).
236
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 22/6.
237
Acerca do emprego da expressão “indenização do dano”, é interessante a distinção que Yussef
Said Cahali propõe, conforme se trate de dano material ou moral:
Em síntese: no dano patrimonial, busca-se a reposição em espécie ou em dinheiro pelo
valor equivalente, de modo a poder-se indenizar plenamente o ofendido, reconduzindo o
seu patrimônio ao estado em que se encontraria se não tivesse ocorrido o fato danoso;
com a reposição do equivalente pecuniário, opera-se o ressarcimento do dano
patrimonial.
Diversamente, a sanção do dano moral não se resolve numa indenização propriamente, já
que indenização significa eliminação do prejuízo e das suas conseqüências, o que não é
possível quando se trata de dano extrapatrimonial; a sua reparação se faz através de uma
compensação, e não de um ressarcimento; impondo ao ofensor a obrigação de
pagamento de uma certa quantia de dinheiro em favor do ofendido, ao mesmo tempo que
agrava o patrimônio daquele, proporciona a este uma reparação satisfativa. (CAHALI,
Yussef Said. Dano moral. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 42).
83
No que respeita às pessoas jurídicas, a admissibilidade de
reparação por danos extramateriais a elas impingidos também já foi objeto de
controvérsia.
238
Recentemente, porém, após a dissociação do conceito de
dano moral da idéia de sofrimento e dor causados à vítima, para associá-lo à idéia
de ofensa à honorabilidade, à respeitabilidade, à dignidade e à boa imagem, o
pensamento de que existe possibilidade de reparação do dano moral sofrido por
pessoas jurídicas tem se propagado.
Assim é que precedentes jurisprudenciais diversos, do
Superior Tribunal de Justiça e de outras egrégias cortes, já conferiram indenização
por dano moral à pessoa jurídica. Especificamente no âmbito do Superior Tribunal
de Justiça, foi editada súmula objetivando uniformizar a jurisprudência acerca da
matéria, cujo enunciado proclama que “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.
239
Pontes de Miranda afirma:
[...] também é indenizável o dano não-patrimonial às pessoas
jurídicas; desde que, com o dinheiro, se possa restabelecer o
estado anterior que o dano não-patrimonial desfez, há
indenizabilidade do dano não-patrimonial; se houve calúnia ou
difamação da pessoa jurídica e o efeito não-patrimonial pode ser
pós eliminado, ou diminuído por algum ato ou alguns atos que
custam dinheiro, há indenizabilidade.
240
238
Antonio Jeová Santos cita, como defensores da inadmissibilidade da reparação do dano moral
causado à pessoa jurídica, Alfredo Orgaz, Jorge Bustamante Alsina, Santos Sifuentes, Gabriel
Stiglitz, Carlos Echevesti e Zavala de Gonzalez (SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral
indenizável. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 109/110).
239
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n° 227. Código de Processo Civil. 33ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2003, p. 1.012.
240
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Borsoi, 1958, (v. XXVI) p. 32 e 217.
84
Carlos Alberto Bittar lembra que a identificação dos produtos
de uma empresa e sua conceituação perante o mercado de consumidores são
valores que, se ofendidos, ensejam reparação por dano moral.
241
Paulo Maximilian Wilhelm Schonblum conclui:
Força é convir que as pessoas jurídicas sofram danos morais,
pois os chamados valores imateriais não constituem apanágio da
pessoa física, antes se aplicam, da mesma forma, à pessoa
jurídica. Estas não sofrem lesões aos sentimentos internos
(intimidade, sofrimento, dor, angústia etc.), mas sofrem, sim,
danos decorrentes de aspectos objetivos da honra, que incidem
em valores tais como respeitabilidade, pontualidade, tradição,
confiabilidade, clientela etc.
242
Em verdade, é já evidente, hoje, que, por exemplo, um produto
pode ser melhor ou pior conceituado por um consumidor a partir da imagem e da
respeitabilidade que a empresa que o fabrica ostenta, e sem que tal consumidor
sequer saiba quem são as pessoas físicas que constituíram e administram tal
empresa. Isso bem evidencia que as pessoas jurídicas possuem imagem,
respeitabilidade e honorabilidade próprias, integrantes de seu patrimônio, e
diversas das inerentes às pessoas físicas que conduzem suas atividades.
243
Sob esse enfoque, e desapegando-se daquela conceituação
mais antiga do dano extramaterial, que o vinculava sempre à dor e ao sofrimento
causados ao ofendido, associando-o, então, a sentimentos passíveis de ser nutridos
apenas por pessoas físicas, e passando a ter por norte a conceituação mais
moderna, que evolui para concebê-lo a partir de uma violação à honorabilidade, à
respeitabilidade, à dignidade e à boa imagem, valores estes que podem ser
inerentes não apenas às pessoas físicas, mas também às pessoas jurídicas,
241
BITTAR. Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, P. 146.
242
SCHONBLUM, Paulo Maximilian Wilhelm. Dano moral: questões controvertidas. Rio de
Janeiro: Forense, 2003, p. 80/1.
243
SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003. p. 141.
85
culmina-se por concluir que, de fato, a pessoa jurídica pode, sim, sofrer dano
moral.
244
E, sob essa ótica, o dano extramaterial pode ser causado não
apenas a pessoas jurídicas de direito privado, mas também a pessoas jurídicas de
direito público.
Não é desairoso lembrar as reflexões de Emerson Garcia e
Rogério Pacheco Alves acerca da questão:
Do mesmo modo que as pessoas jurídicas de direito privado, as
de direito público também gozam de determinado conceito junto à
coletividade, do qual muito depende o equilíbrio social e a
subsistência de várias negociações, especialmente em relação: a)
aos organismos internacionais, em virtude dos constantes
empréstimos realizados; b) aos investidores nacionais e
estrangeiros, ante a freqüente emissão de títulos da dívida pública
para a captação de receita; c) à iniciativa privada, para a formação
de parcerias; d) às demais pessoas jurídicas de direito público, o
que facilitará a obtenção de empréstimos e a moratória de dívidas
já existentes etc.
É plenamente admissível, assim, que o ato de improbidade venha
a macular o conceito que gozam as pessoas jurídicas
relacionadas no art. 1° da Lei n° 8.429/92, o que acarretará um
dano de natureza não-patrimonial passível de indenização.
245
No que toca especificamente às pessoas jurídicas de direito
público, o reconhecimento de que efetivamente pode haver abalo moral decorrente
de ofensa à imagem de dignidade, honradez, probidade, autoridade e
respeitabilidade das mesmas já se exteriorizou até mesmo em norma concreta do
direito positivo: é o que se vê do art. 23, inciso III, da nossa atual Lei de Imprensa
(Lei nº 5.250/67
246
, com as modificações instituídas pelo Decreto-lei nº 510/69
247
),
244
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 350/1.
245
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 471.
246
BRASIL. Lei n. 5.250, de 9 de fevereiro de 1967. Regula a liberdade de manifestação do
pensamento e de informação. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 10 fev.
1967.
247
BRASIL. Decreto-Lei n. 510, de 20 de março de 1969. Altera dispositivos do Decreto-Lei n. 314,
de 13 de março de 1967, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Poder Executivo,
Brasília, DF, 21 mar. 1969.
86
que prevê o aumento de um terço das penas dos crimes de calúnia, difamação e
injúria se se tratar de ofensa dirigida contra “órgão ou entidade que exerça a função
de autoridade pública”. E o art. 21, § 1º, alínea a, in fine, do mesmo diploma legal,
confirma a pessoa jurídica de direito público como sujeito passivo de ofensa à
honra, muito embora faça-o ao admitir hipótese de exceptio veritatis.
3.2. A POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO DO DANO
EXTRAMATERIAL CAUSADO ADMINISTRAÇÃO COM A
PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
3.2.1. Noções gerais
No subtítulo 2.3 deste trabalho houve exposição de
pensamento segundo o qual os atos de improbidade administrativa geram
conseqüências de cunho extramaterial para a Administração Pública, maculando
sua legitimidade, conseqüentemente reduzindo sua autoridade, respeitabilidade e
confiabilidade perante o cidadão administrado, fazendo com que este último se
desestimule, então, por exemplo, a guardar respeito para com imposições e
regramentos exarados na esfera administrativa, obrigando o poder público, por isso,
a despender maiores recursos nas atividades de fiscalização e controle da
atividade dos administrados.
De outro lado, consoante exposto no título 3.1 supra,
sustentação doutrinária para a afirmação de que a pessoa jurídica de direito público
pode sofrer dano extramaterial.
87
Tem-se, pois, da conjugação dessas premissas antes
mencionadas, possibilidade de afirmação de que os atos de improbidade
administrativa produzem, como conseqüência, dano à legitimidade da
Administração Pública, ensejando que se busque a indenização tendente a repará-
lo.
Carlos Frederico Brito dos Santos, apegando-se apenas a
uma interpretação mais restrita da Lei n° 8.429/92, que tipifica os atos de
improbidade administrativa, discorda dessa afirmação, e menciona não haver
respaldo jurídico para indenização do dano extrapatrimonial causado à
Administração Pública quando da prática de ato de improbidade administrativa.
Afirma ele que:
[...] em que pese o Superior Tribunal de Justiça já ter sumulado que ‘a
pessoa jurídica pode sofrer dano moral’ (Súmula 227), a Lei n° 8.429/92
também não previu o dano moral na seara da improbidade administrativa,
para os fins de consumação do ato ímprobo previsto no seu art. 10,
embora haja na doutrina quem vislumbre a possibilidade de aproveitamento
do dano moral tão-somente como penalidade prevista no art. 12, inciso III,
como veremos adiante. Se em vez do vocábulo ‘erário’ o legislador tivesse
optado pela expressão ‘patrimônio público’, seria possível uma
interpretação mais abrangente para abrigar o dano moral, embora, como
assevera HUGO NIGRO MAZZILI, o conceito de ‘patrimônio público’
possua tradição no direito pátrio, que é aquele que consta do art. 1° da Lei
de Ação Popular. Contudo, de lege lata, pelo menos no que se refere à
consumação da hipótese do art. 10, não vislumbramos outra interpretação
para a palavra erário senão a restrita, até por estarmos em sede de direito
sancionatório, onde se impõe o princípio da reserva legal, que deflui da
combinação dos incisos XXXIX e § 2° do art. 5° da Constituição Federal.
248
Também há, porém, quem interprete a Lei n° 8.429/92 com
menor apego a sua literalidade, em prestígio de uma valoração sistemática e
teleológica do ordenamento jurídico. Marcelo Figueiredo afirma que as condutas
previstas no art. 9° da referida lei pressupõem alguma sorte de lesão, dano ou
prejuízo ao erário, direto ou indireto. Nesse sentido, ao aludir a uma lesão que
enseje perda patrimonial, o texto legal está também englobando a noção de lesão
moral, porque no conceito de perda patrimonial está englobada a idéia de prejuízo
248
SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade administrativa: reflexões sobre a Lei n°
8.429/92. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 27.
88
moral, dano moral. Além disso, a lesão ao patrimônio moral sempre será
dimensionada sob o aspecto econômico.
249
Embora cogitando de hipótese na qual o dano extramaterial é
causado a entidade da administração pública indireta, Waldo Fazzio Júnior também
afirma a possibilidade de que seja objeto de indenização. Segundo ele, não é só de
dano ao erário que cuida a Lei 8.429/92, já que, no art. 12, inciso III, ao enumerar as
sanções para os atos que atentam contra os princípios administrativos do art. 11,
ela faz menção ao ressarcimento de dano, se houver. Para Fazzio Júnior, ao fazer
esta menção, a lei com certeza não está se referindo aos danos causados ao
erário, materiais portanto, já que esses têm previsão expressa no art. 10 e seus
incisos. A conclusão é a seguinte: “[...] se houver dano patrimonial ao erário, a
infração subsume-se ao art. 10, não ao art. 11. Ora, dano em decorrência dos atos
do art. 11, que não os patrimoniais, só pode ser o dano moral, uma vez que o
material tem outra sede na LIA”.
250
Kele Cristiani Diogo Bahena, após advogar que para ser
considerada ato de improbidade administrativa a ação administrativa deve produzir
efetivo perigo de dano ao patrimônio público, sustenta, com ênfase:
O patrimônio público que pode sofrer perigo concreto de dano é
contemplado pela Lei n° 8.429/92, art. 1°, inc. II; pela Lei 4.717/65,
art. 1°, § 2° e pela Lei 7.347/85, art. 1°, inc. III, não se limitando a
bens e direitos de valor econômico, incluindo o patrimônio artístico,
estético, paisagísitico, histórico, etc., e notadamente o moral.
251
Antonio José de Mattos Neto, tratando de responsabilidade
civil por improbidade administrativa, conclui:
Dentro desse enquadramento ideológico-jurídico, o constituinte
ressaltou sobremaneira a questão moral, ética. Assim, é que pela
primeira vez no direito positivo brasileiro ficou consagrado
249
FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa: comentários à Lei 8.429/92 e legislação
complementar. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 49.
250
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa e crimes de prefeitos. São Paulo:
Atlas, 2000, p. 295.
251
BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O princípio da moralidade administrativa e seu controle
pela lei de improbidade. 1ª ed., 2ª tir. Curitiba: Juruá, 2005, p. 139.
89
explicitamente a tutela ao dano moral, independentemente do dano
material, inclusive como um direito fundamental do homem
brasileiro.
Nesse sentido, a administração pública brasileira também passou
a ser eticizada expressamente. Por isso é que está contemplado o
princípio da moralidade pública e seu corolário princípio da
probidade como norteadores da administração pública nacional.
Para concretização efetiva dessas normas é que o legislador fez
editar a Lei 8.429, de 02.06.1992.
E, nesta lei, indene de dúvidas, a novidade mor está, ainda, no
aspecto ético. O legislador infraconstitucional plasmou,
definitivamente, o dano moral contra a administração pública.
Nesse contexto, ainda que não haja prejuízo econômico-
patrimonial ao erário, ainda assim, se houver prejuízo moral, o
ofensor é penalizado a ressarcir.
252
Fábio Medina Osório, mais que sustentar a possibilidade de
indenização por dano extramaterial causado à Administração Pública quando da
prática de ato administrativo, enfatiza a possibilidade de que seja cumulado com o
dano material:
Ressarcimento do dano abrange, por certo, dano moral, até
porque a lei fala, no art. 12, III, em ressarcimento do dano, se
houver, nos casos em que a improbidade traduz mera agressão
aos princípios. [...] Deve-se destacar a possibilidade de dano moral
cumulativo com dano material. Se é possível o dano moral na mais
tênue modalidade de ato ímprobo, por certo que idêntica
possibilidade se faz presente nos casos de enriquecimento ilícito
ou lesão ao erário. A lei, em tais situações, engloba o dano moral
na perspectiva de ressarcimento do dano lato sensu. Ao julgador,
em casos tais, competiria fixar o montante do dano material e o
montante do dano moral, estipulando o valor total da
indenização.
253
Rita Andréa Rehem Almeida Tourinho fez publicar trabalho
acerca das disposições da Lei n° 8.429/92, no qual menciona, inicialmente, que, da
mesma forma como não se pode falar em dano material ao erário em decorrência
de ato de improbidade na modalidade do art. 11, já que o dano material guardaria
relação com os atos do art. 10, o ressarcimento do dano aludido no art. 12, inciso III,
somente pode ser o moral, já que o texto do referido inciso remete ao art. 11, que
não contempla prejuízo material, mas apenas violação ética a princípios
252
MATTOS NETO. Antonio José de. Responsabilidade Civil por Improbidade Administrativa.
Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, junho de 1998, (v. 752) p. 41.
90
administrativos. Mais adiante, porém, afirma ela ser óbvio que os danos morais ao
Estado podem ser decorrentes de qualquer uma das modalidades de ato de
improbidade, estejam eles situados no art. 9°, no art. 10, ou no art. 11 da citada Lei
n° 8.429/92.
254
O pensamento de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves
também verte em favor da reparação do dano extramaterial causado pela prática de
ato de improbidade administrativa. Sustentam eles, inclusive, que, além do dano
extrapatrimonial decorrente da violação à reputação do ente estatal (esse dano é
por eles denominado de “dano não-patrimonial de natureza objetiva”), seria passível
de reparação, também, a dor física e moral eventualmente ocasionada à
coletividade (essa dor configuraria um “dano não-patrimonial de natureza
subjetiva”).
255
Em pesquisa jurisprudencial, encontra-se passagem
interessante em julgado do Superior Tribunal de Justiça
256
, lembrado por Maria
Goretti Dal Bosco
257
, no qual considerado nulo o ato de contratação de servidor
municipal em período de vedação legal, sem que, porém, houvesse condenação do
agente responsável pela contratação a ressarcir o dano material supostamente
existente; argumentou-se, no caso, para que não houvesse condenação ao
ressarcimento do dano material, que não teria existido lesão, já que o servidor
contratado indevidamente teria laborado e, por isso, oferecido contraprestação à
remuneração que lhe foi paga. Nesse julgado, ganha destaque o voto vencido do
253
OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade administrativa: observações sobre a Lei 8.429/92.
ed. Porto Alegre: Síntese, 1998, p. 256/7.
254
TOURINHO, Rita Andréa Rehem Almeida. O Estado como sujeito passivo de danos morais
decorrentes do ato de improbidade administrativa. Revista Fórum Administrativo. Belo
Horizonte: janeiro 2002, p.41.
255
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 469/73.
256
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Primeira Turma). Recurso Especial nº 18.693-0, Rio de
Janeiro. Município de Teresópolis e Celso Luiz Francisco Dalmaso. Relator: Ministro Jacy
Garcia Vieira. J. 17.03.1993. Diário da Justiça da União, Brasília, p. 7.172, 26.04.1993.
257
DAL BOSCO, Maria Goretti. Responsabilidade do agente público por ato de improbidade.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 192/193.
91
Ministro Milton Pereira, que cogitou condenar o agente político por dano moral ao
patrimônio municipal, configurado a partir da ofensa à moralidade que deve nortear
a atividade administrativa, ante à afirmativa de que, “[...] se abandonada ficasse a
obrigação da indenização por dano material, com todo fulgor, aqui, como
especulação, poderia ser descoberto dever indenizatório por dano moral (afinal a
Administração foi lesada na sua moralidade)”.
E, em análise mais detida do ordenamento positivo, o que se
constata é que a antes citada Lei nº 8.429/92, nos três incisos de seu art. 12,
assegurou a integralidade da reparação do dano causado ao patrimônio estatal,
usando sempre da expressão ressarcimento integral do dano. A qualificação do
substantivo “ressarcimento” com o adjetivo “integral” parece indicar que a
recomposição patrimonial pretendida é a mais ampla possível, englobando o dano
extramaterial causado à Administração como também motivador de indenização.
Ademais, consta da ementa introdutória da Lei n° 8.429/92
que dispõe ela “sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de
enriquecimento ilícito no exercício do mandato, cargo, emprego ou função na
administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências”. Ora,
uma análise superficial do texto legal já permite a constatação de que, em muitos
casos (veja-se os arts. 10 e 11), prevê ele punição para agentes públicos
protagonistas de atos de improbidade administrativa, mesmo que tais atos não lhes
tenham trazido nenhum tipo de enriquecimento patrimonial direto. A partir dessa
constatação, parece que a melhor conceituação da expressão “enriquecimento
ilícito”, para os fins da Lei nº 8.429/92, deve tomá-la em dois sentidos: num sentido
mais restrito, abrangendo os casos do art. 9º da referida lei, onde o agente público
ímprobo alcança efetiva vantagem patrimonial; e, num sentido mais amplo, com toda
a abrangência que se extrai da ementa introdutória da lei, e que alcança todos os
casos de improbidade nela previstos sejam os do art. 9º, sejam os dos arts. 10 e
11 , depreendendo-se, dessa visão mais ampla, que o conceito de enriquecimento
ilícito não deve ser projetado tão-só em função das vantagens auferidas pelo agente
praticante do ato de improbidade, devendo-se levar em conta, também, toda a
92
extensão do prejuízo causado à Administração, inclusive no tocante à parte
extrapatrimonial. Ou seja, como bem se extrai do raciocínio de Marcelo Figueiredo,
nesse conceito mais amplo de enriquecimento ilícito, não é só o efetivo
enriquecimento do agente público ímprobo que releva; acaba tornando-se relevante,
também, o empobrecimento causado à Administração, até mesmo no que diz
respeito ao aspecto moral. E é a partir dessa visão mais ampla que o autor antes
nominado formula seu conceito para o enriquecimento ilícito ao qual se refere a Lei
nº 8.429/92, com atenção, inclusive, para o aspecto extra-patrimonial, que é aquele
que mais interessa ao presente estudo:
enriquecimento ilícito é o acréscimo de bens ou valores que ocorre
no patrimônio do agente público ou de terceiros a ele vinculados,
por ação ou omissão, mediante condutas ilícitas, em detrimento da
administração pública nas suas mais variadas manifestações.
Manifesta-se preponderantemente através do acréscimo (proveito)
patrimonial. Contudo, pratica ainda ato de enriquecimento ilícito o
agente que causa dano moral à administração.
258
De outro lado, se a Lei 8.429/92 não foi explícita e meticulosa
na previsão de possibilidade de reparação do dano extramaterial ocasionado com
a prática de atos de improbidade administrativa, o certo é que tal reparação tem
amparo jurídico também em outros diplomas legais.
Assim é que o Código Civil de 2002
259
prescreve, em seu art.
186, que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito”.
Evidentemente, os atos de improbidade administrativa violam
o direito da Administração Pública de ver respeitados, em seu seio, os princípios
especificados no art. 37 da Constituição Federal, quais sejam os da legalidade,
258
FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa: comentários à Lei 8.429/92 e legislação
complementar. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 32.
259
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da
União, Poder Executivo, Brasília, DF, 11 jan. 2002.
93
impessoalidade, moralidade e publicidade, entre outros, devendo por isso ser
reputados atos ilícitos.
E, sendo reputados atos ilícitos, ensejam indenização
completa do dano ocasionado, inclusive o moral, nos termos do art. 927 do Código
Civil de 2002, que garante reparação do dano tanto de natureza material quanto
extramaterial.
Assim sendo, os citados arts. 186 e 927 do Código Civil de
2002 também respaldam que haja indenização pelo dano à legitimidade da
Administração Pública que é causado quando da prática de ato de improbidade
administrativa.
Na realidade, é possível dizer que até mesmo o Código Civil
de 1916
260
já respaldava dita indenização, já que seu art. 159 continha previsão
praticamente idêntica à do citado art. 186 do Código Civil de 2002, estabelecendo
ser ato ilícito a ação ou omissão, dolosa ou culposa, causadora de prejuízo a
terceiro. Verdade que o dispositivo do código antigo usava a expressão “prejuízo” e
não fazia menção expressa ao “dano moral”, tal como o faz o código de 2002, mas
a conceituação mais moderna do dano moral, nos termos já explicitados no título 3.1
deste trabalho, evidencia que este último pode ser visto como incluído na
abrangência daquela primeira.
261
260
BRASIL. Código Civil. 48ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997.
261
Também fazem menção à legislação civil comum como fornecedora, de forma adicional e alheia
à Lei n° 8.429/92, de suporte jurídico para o ressarcimento do dano causado ao patrimônio
público quando da prática de ato de improbidade administrativa: MARTINS JÚNIOR, Wallace
Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 310; GIACOMUZZI, José
Guilherme. A moralidade administrativa e a boa-fé da administração pública: o conteúdo
dogmático da moralidade administrativa. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 305.
94
3.2.2. Diferenciação entre o dano extramaterial propriamente
dito e seus reflexos materiais
Uma vez comprovada a ocorrência do ato de improbidade
administrativa, resta presumida a existência de um dano à legitimidade da
Administração Pública, já havendo o Superior Tribunal de Justiça decidido que "a
indenização resultante de dano moral não demanda a comprovação do reflexo
patrimonial, que é de outra ordem”.
262
Não que a condenação à indenização pelo dano causado à
legitimidade da Administração possa ser efetivada de ofício pelo magistrado, sem
provocação de algum interessado; ao contrário, também já julgou o Superior
Tribunal de Justiça que, "não postulada na inicial verba indenizatória para fazer face
a dano moral, não se mostra admissível concedê-la, em respeito ao disposto no art.
128 do CPC”.
263
O que a presunção de ocorrência de dano à legitimidade da
Administração decorrente da mera comprovação da improbidade administrativa
implica, na verdade, é na desnecessidade de que haja prova, por exemplo, do fato
de contribuintes, em função dessa mencionada improbidade, terem deixado de
recolher tributos, ou de pessoas, pela mesma razão, terem deixado de guardar
obediência a determinações e atos normativos editados pela Administração.
Tais circunstâncias fáticas, por pertencerem à seqüência
natural dos acontecimentos, são presumidas como efetivamente ocorridas, ou, no
mínimo, como passíveis de virem a ocorrer. Vale lembrar que não é a efetiva
ocorrência das mesmas que irá determinar a configuração do abalo à legitimidade
262
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Terceira Turma). Recurso Especial 57.830-2, Maranhão.
Banco do Brasil S.A. e Vidraceiro do Norte Ltda. Relator: Ministro Paulo Roberto Saraiva da
Costa Leite. J. 25.04.1995. Diário da Justiça da União, Brasília, p. 15511, 29.05.1995.
263
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Quarta Turma). Recurso Especial nº 58.618-6, São Paulo.
Nadir Terezinha Pugin e Goldbraz Metais Preciosos Indústria e Comércio Ltda. Relator: Ministro
Sálvio de Figueiredo Teixeira. J. 18.04.1995. Diário da Justiça da União, Brasília, p. 14.416,
22.05.1995.
95
da Administração: não são elas a causa do abalo, mas sim possíveis
conseqüências do mesmo. Assim, independentemente da efetiva ocorrência de tais
circunstâncias fáticas, basta que o ato de improbidade simplesmente as estimule
para que o dano à legitimidade e respeitabilidade da Administração já tenha
ocorrido.
Sobre esse aspecto, em abordagem voltada ao nexo causal
entre o ato de improbidade administrativa e o evento danoso, Wolgran Junqueira
Ferreira assinala:
Na investigação da causalidade, cumpre, de acordo com as lições
dos mestres, observar que essa relação de conseqüência tem que
ser direta e imediata, sem o que, pela concatenação infinita das
coisas, se tornaria impossível o estabelecimento de qualquer
responsabilidade. É o que ensina Pothier, dizendo que os danos
que não se prendem ao fato incriminado senão de um modo
remoto, não são conseqüência necessária dele e a outras causas
pode ser atribuído.
264
A partir dessa lembrança, poder-se-ia argumentar ser possível
que uma suposta diminuição da receita tributária, ou ainda o desrespeito dos
cidadãos às normas administrativas, e mesmo o esmorecimento dos cidadãos em
empreender ações de cidadania, sejam resultantes de fatores outros que não o
descrédito que os atos de improbidade lançam sobre a comunidade de
administrados, sendo que, em função disso, não se poderia reconhecer o nexo de
causalidade direta entre tais conseqüências mencionadas e os atos de
improbidade em si.
Esse raciocínio não é de todo ilógico.
Todavia, é importante deixar claro que o que se aborda no
presente estudo é o direito da Administração ver-se indenizada, nos casos de
improbidade administrativa, pelo dano à sua legitimidade. Ou seja, o fundamento de
um pedido de indenização, segundo o entendimento exposto no presente estudo, é
264
FERREIRA, Wolgran Junqueira. Enriquecimento ilícito dos servidores públicos no
exercício da função. Bauru: Edipro, 1994, p. 90.
96
o próprio dano causado à legitimidade da Administração, e não algum reflexo
patrimonial específico dele decorrente.
265
Eventual diminuição da arrecadação, ou o
desrespeito dos cidadãos às regras administrativas, seriam meras conseqüências
materiais de um dano de ordem moral já preexistente; seriam algo acessório,
secundário, que apenas se acresceria ao mal principal do qual já são decorrentes: a
mácula à legitimidade da Administração. Nesse sentido, consubstanciariam,
conforme o caso, perdas ou lucros cessantes que não deixam de integrar a noção
de dano material, não podendo ser transmudados no dano moral propriamente dito,
ainda que economicamente possam ser até mais relevantes.
É por isso, pois, que a relação de causalidade que enseja a
indenização pelo dano causado à legitimidade da Administração deve ser
estabelecida, de uma forma concreta, entre o ato de improbidade e o próprio dano
à legitimidade da entidade administrativa. Já o estabelecimento de uma relação
exata entre esse dano à legitimidade da Administração e os reflexos patrimoniais
dele decorrentes, de sua parte, mostra-se dispensável em relação ao direito de
indenização objeto deste estudo, eis que tais reflexos patrimoniais não são
pressupostos para ocorrência do dano à legitimidade administrativa, mas apenas
possíveis indicativos da ocorrência do mesmo. Não que esses indicativos sejam de
todo irrelevantes: como dito, no plano material, podem ensejar indenização a título
de lucros cessantes, e, enfim, acabam por deixar mais saliente o quão significativo
pode ser o abalo imposto à legitimidade da Administração; mas, vale outra vez
dizer, são meros reflexos do dano moral, e não este próprio em si.
Assentindo que o dano moral se distingue de seus reflexos
materiais, por isso havendo ensejo para indenizações distintas para ressarcir
aquele e estes de natureza moral para aquele e de natureza material para estes ,
265
Yussef Said Cahali cita Dalloz como expoente de um pensamento segundo o qual o dano moral
somente seria indenizável se producente de reflexos materiais. Mas o próprio Cahali, citando
Manuel Inácio Carvalho de Mendonça e Ávio Brasil, afirma que tal pensamento é incoerente
porque desde, que o dano moral esteja “transformado numa soma que é a representação do
quanto foi diminuída a riqueza material de outrem, já se afasta do subjetivismo que constitui,
exatamente, a parte moral a ser reparada” (CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2ª ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 27).
97
o Superior Tribunal de Justiça, deixando claro que tais indenizações não se
compreendem nem se substituem, editou súmula proclamando que “São cumuláveis
as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.
266
Segundo Agostinho Alvim, uma afirmação de que o dano
moral não é indenizável quando não repercute no patrimônio é uma negação, pura e
simples, da própria indenização por dano moral, porque é justamente apenas o
prejuízo que não repercute no patrimônio que é dano moral; se há repercussão no
patrimônio, o dano é patrimonial.
267
Yussef Said Cahali discorre:
[...] pretender-se que o dano moral já venha por si próprio
convertido numa redução do patrimônio econômico, de modo que
só assim se encontre possibilidade de indenização, é teoria, sem
dúvida, estreitíssima, redundando em inútil a sua conceituação;
desde que já esteja ele transformado numa soma que é a
representação do quanto foi diminuída a riqueza material de
outrem, já se afasta do subjetivismo que constitui, exatamente, a
parte moral a ser reparada.
268
E Rodrigo Mendes Delgado arremata mencionando que
condicionar a reparação do dano moral à necessidade de que haja uma
repercussão material é cuidar apenas do dano material, e deixar o dano moral no
esquecimento.
269
266
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n° 37. Código de Processo Civil. 33ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2003, p. 1.004.
267
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 4ª ed. São
Paulo: Saraiva, 1980, p. 220.
268
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 27
269
DELGADO, Rodrigo Mendes. O valor do dano moral como chegar até ele. 2ª ed. Leme: J.
H. Mizuno, 2004, p. 119.
98
3.2.3. Diferenciação entre a reparação do dano extramaterial
causado à administração e as sanções civis, criminais e
administrativas cominadas no ordenamento positivo
brasileiro
A prática de atos de improbidade administrativa pode ensejar
imposição, ao agente por ela responsável, de sanção criminal, punição
administrativa, ou mesmo de multa civil ou da pena de perda da função pública.
Wallace Paiva Martins Júnior sustenta que a multa civil e a
pena de perda da função pública, previstas no art. 12 da Lei n° 8.429/92, se prestam
a indenizar o dano moral sofrido pela Administração quando da ocorrência de
improbidade administrativa.
270
Fábio Medina Osório assevera, porém, que o ressarcimento
pelo dano à legitimidade da Administração não configura nenhuma sanção ao
agente administrativo ímprobo; constitui, sim, via de retorno ao estado patrimonial
primitivo, com a recomposição do dano sofrido pela entidade estatal que teve sua
legitimidade arranhada. Já a multa civil, diferentemente disso, representa verdadeira
sanção contra os protagonistas da improbidade: não tem por fim propiciar volta ao
estado patrimonial anterior, antes pretende alterá-lo, mas para torná-lo mais gravoso
para o agente ímprobo; com isso, desestimula este último a agir, previdentemente
instigando-o a resguardar-se no temor de obter prejuízo ao invés da vantagem ilícita
que ambiciona. Conclui-se, em resumo, que o ressarcimento pelo dano à
legitimidade da entidade estatal e a multa civil prevista nos três incisos do art. 12 da
Lei nº 8.429/92 não se confundem, eis que possuem naturezas distintas, reparatória
e sancionatória. Haverá, por certo, situações onde o valor daquele ultrapassará ao
270
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 308 e 313.
99
desta, e ocasiões outras onde o valor desta poderá ser superior ao daquele, e nem
por isso se poderá cogitar de compensação de valores.
271
Como, aliás, também não será admissível cogitar-se de
acolher pretensão, do agente ímprobo, de valer-se de condenação às outras
penalidades previstas na lei - que são a perda dos cargos e funções públicas, a
suspensão de direitos políticos e a proibição de contratar com a Administração ou
dela receber benefícios - para ver-se eximido da responsabilidade de indenizar o
dano extrapatrimonial causado: da mesma forma que o ressarcimento do dano não
exime o agente de receber as penalidades previstas em lei, tais penalidades não se
substituem ao dever de reparar o dano causado, seja este em seu lado puramente
material, seja em seu aspecto estritamente moral. Isto porque o ressarcimento do
dano moral possui natureza que é eminentemente reparatória antes de ser
sancionatória. Compartilhando esse pensamento, Emerson Garcia e Rogério
Pacheco Alves anotam:
[...] inexiste similitude entre a multa civil e o dano moral. Aquela
tem natureza punitiva, sendo fixada com observância dos valores
relativos estabelecidos na Lei n° 8.429/92. O dano moral, por sua
vez, tem natureza indenizatória, sendo mensurado de acordo com
a dimensão da mácula causada.
272
Há, em verdade, divergência doutrinária sobre se a
condenação ao pagamento de indenização por dano moral tem natureza meramente
reparadora do dano, ou se tem natureza sancionatória. O caráter reparador
derivaria da recomposição do patrimônio da vítima, inclusive em sua abrangência
moral, a um estado equivalente ao que antecedia o ato danoso. O caráter
sancionatório adviria do interesse em agravar a situação econômica do ofensor,
para que seja ele desestimulado a reincidir na prática de ato semelhante. O caráter
sancionatório é combatido na doutrina brasileira em face de ensejar punição à
revelia do princípio constitucional que veda a imposição de pena não prevista em
271
OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade administrativa: observações sobre a Lei 8.429/92. 2ª
ed. Porto Alegre: Síntese, 1998, p. 257.
272
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 471.
100
lei. Entretanto, ambos os enfoques, reparatório e sancionatório, têm sido admitidos
na doutrina, não de maneira cumulada, mas de uma forma híbrida: a mesma
indenização que tem natureza reparadora para a vítima acaba tendo natureza
sancionatória para o responsável pelo ato danoso. Esse raciocínio permite que,
considerando o caráter sancionatório, a reparação nunca se dê por valor vil, e,
considerando o caráter reparatório, nunca produza enriquecimento indevido da
vítima. Mas certo é que, embora possua um caráter sancionatório, a reparação pelo
dano moral não poderá ser substituída por sanções como a multa civil, a pena
criminal ou a punição administrativa, posto que possui ela uma finalidade também
reparatória, de recomposição da situação da vítima a estado equivalente ao de
antes do ato danoso, e essa finalidade específica não é necessariamente satisfeita
por tais outras cominações, as quais têm por objetivo primeiro agravar a situação
do ofensor, punindo-o, sendo que não raro a punição do ofensor, por si só, não
implicará na reparação do dano da vítima.
273
3.3. A QUANTIFICAÇÃO DO DANO EXTRAMATERIAL
CAUSADO À ADMINISTRAÇÃO
Há real dificuldade para a quantificação da reparação do dano
extramaterial, seja o causado à Administração Pública, seja o causado a outro
sujeito passivo.
274
E, de fato, não havendo uma fixação definitiva na lei, a
mensuração é tormentosa.
275
Mas, em verdade, qualquer tentativa de fixação
273
SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003. p. 156/65.
274
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 472/3.
275
SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e a sua reparação civil. 3ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, p. 424/5.
101
objetiva na lei tenderia a frustrar o desejo de obtenção de justiça, posto que
quantificações estabelecidas em padrões genéricos dificilmente se adequariam a
todas as especificidades de uma casuística múltipla em espécies diferentes de atos
danosos, causadores de danos de proporções também muito díspares, e tenderia a
amesquinhar a reparação nas situações de maior gravidade.
276
Há quem defenda,
porém, uma regulação geral, focada não na estipulação de valores máximos ou
mínimos de indenização, mas sim na definição de parâmetros e circunstâncias que
deveriam ser observados em cada caso específico, com sugestão da adoção dos
critérios que vêm sendo empregados na jurisprudência.
277
A dificuldade de mensuração do dano moral foi invocada,
inclusive, como razão de sustentação do pensamento daqueles que lhe negavam
reparabilidade, e isso de certa forma contribuiu para maior demora na evolução da
doutrina que sustenta a possibilidade da reparação.
278
A existência de uma “indústria do dano moral” tem sido
afirmada por aqueles que reclamam de uma banalização dos pleitos de reparação
do dano extramaterial. Essa banalização tem ocorrido tanto em face do grande
número de demandas afirmando esse tipo de dano que tem sido ajuizadas, quanto
em face, por vezes, de valores excessivos que têm sido postulados em tais ações,
sendo que para essa segunda hipótese contribui a dificuldade de mensuração do
valor do dano.
279
Com efeito, nas ações envolvendo indenização por danos
morais, é comum o autor não saber exatamente quanto pretende receber e o réu
não saber exatamente quanto pretende pagar. Isso dificulta que as partes cheguem
276
SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e a sua reparação civil. 3ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, p. 165/74.
277
SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e a sua reparação civil. 3ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, p. 174/5.
278
SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e a sua reparação civil. 3ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, p. 149/50.
279
SCHONBLUM, Paulo Maximilian Wilhelm. Dano moral: questões controvertidas. Rio de
Janeiro: Forense, 2003, p. 130/33.
102
a algum acordo ou composição, e faz com que, muitas vezes, prolatada a sentença,
ambas as partes interponham recurso contra o valor nela fixado. Antonio Jeová
Santos bem descreve:
A incerteza que grassa nesse campo, impede acordos. É quase
nula a transação em pedidos de indenizações por danos morais.
Como nada existe de certo, as partes ficam sem saber qual o
valor justo para minorar a dor espiritual padecida pela vítima. Ora o
autor pede quantia fora dos padrões normais, ora é o réu que se
recusa a pagar a quantia pedida por entender que o valor é muito
superior ao que vale o menoscabo espiritual do ofendido. Tudo
isso, porque não existem critérios em que as partes possam se
basear para saber quanto o juiz vai fixar a título de ressarcimento.
Imagina-se a dificuldade do advogado que diante do cliente,
enxovalhado por algum agravo extrapatrimonial, é indagado sobre
quanto valerá o dano que padeceu. À míngua de critérios mais ou
menos certos e fixos, o advogado terá de engolir em seco, dar
voltas ao problema, tangenciar a questão e mostrar a seu cliente
que é impossível saber quanto receberá a título de indenização.
280
O certo, enfim, é que a existência de uma dita “indústria do
dano moral”, com ajuizamento irresponsável de muitas ações, não pode servir para
impor-se restrições e obstáculos indiscriminados ao reconhecimento do direito de
reparação naqueles casos onde ela efetivamente se apresenta devida.
281
A obra de Rodrigo Mendes Delgado registra os contornos da
chamada “teoria do valor do desestímulo”, prestigiada principalmente nos Estados
Unidos da América e também denominada de “teoria dos danos vingativos”
282
.
Segundo tal teoria, nas ações postulando indenização por danos morais, a
condenação deve dar-se por valor elevado, que, mais que ensejar reparação à
vítima, implique também em punição do ofensor, para que não reitere na prática tida
como indevida, bem como em exemplo para a sociedade, de modo a
preventivamente desestimular práticas semelhantes por parte de outros de seus
280
SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003. p. 150/1.
281
SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e a sua reparação civil. 3ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, p. 425.
282
DELGADO, Rodrigo Mendes. O valor do dano moral como chegar até ele. 2ª ed. Leme: J.
H. Mizuno, 2004, p. 222.
103
integrantes.
283
Essa teoria, porém, tem sua aplicação contestada no Brasil, porque
induz a um materialismo que monetariza os conflitos sociais ao invés de pacificá-
los, e porque vai além da simples reparação do dano moral, ingressando, sem
respaldo legal, no âmbito da punição do ofensor, em violação de vedação
constitucional nesse sentido.
284
Estes aspectos que reclamam ponderação na postulação de
reparação do dano moral, para não incorrer-se em exagero, excesso e preciosismo,
guardam relação com atos danosos praticados contra pessoas físicas e jurídicas
em geral, mas certamente referem-se também ao dano extramaterial ocasionado à
Administração Pública.
285
Fábio Medida Osório lembra que atos formalmente
enquadráveis entre os referidos nos arts. 9°, 10 e 11 da Lei n° 8.429/92 podem até
deixar de ser considerados como de improbidade administrativa se, empregando-
se o princípio da proporcionalidade
286
, verificar-se que a repercussão econômica e
a carga de intencionalidade na sua prática se apresentam insignificantes e
desproporcionais às sanções previstas na referida lei,
287
naquilo que Carlos
Frederico Brito dos Santos chamou de “improbidade de bagatela”.
288
E, se
contemplando os resultados materiais e a carga de intencionalidade de um ato à luz
do princípio da proporcionalidade é possível deixar de considerar referido ato como
sendo típico de improbidade administrativa, com isso não se aplicando a seu autor
as sanções da Lei n° 8.429/92 e também não se postulando uma indenização por
283
DELGADO, Rodrigo Mendes. O valor do dano moral como chegar até ele. 2ª ed. Leme: J.
H. Mizuno, 2004, p. 225.
284
DELGADO, Rodrigo Mendes. O valor do dano moral como chegar até ele. 2ª ed. Leme: J.
H. Mizuno, 2004, p. 227/56. O contraste entre o aspecto reparatório e o aspecto punitivo da
reparação do dano moral, e a possibilidade de que sejam cumulados, ou de que sejam
combinados num caráter híbrido, já foi mencionada ao final do subtítulo 3.4 deste trabalho.
285
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 473.
286
Sobre o emprego da proporcionalidade já houve abordagem no subtítulo 1.2.1 deste trabalho.
287
OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade administrativa: observações sobre a Lei 8.429/92. 2ª
ed. Porto Alegre: Síntese, 1998, p. 263/80.
104
dano material que tenha ele ocasionado, há que se admitir a possibilidade de que
alguns atos passíveis de enquadramento entre os de improbidade administrativa
também não ensejem reparação moral.
289
De qualquer forma, embora abordando o dano moral que a
improbidade administrativa causa à coletividade, e não propriamente à pessoa
jurídica de direito público, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves mencionam o
impacto do fato junto à sociedade como um fator a ser considerado para a
quantificação desse dano,
290
e esse pensamento é de todo condizente com a idéia
exposta neste trabalho de que o ato ímprobo tende a afetar a legitimidade da
Administração Pública.
No mais, para quantificação da reparação do dano
extramaterial ocasionado à Administração Pública, parece dever o julgador adotar
aqueles mesmos critérios que orientam a fixação da reparação do dano moral para
as demais pessoas físicas e jurídicas, havendo Antônio Jeová Santos assim os
sintetizado: a) não deve ser fixada indenização simbólica, que não se apresente
relevante e significativa para a vítima; b) deve-se evitar o enriquecimento injusto da
vítima, em face de mero aborrecimento; c) deve-se evitar a tarifação, posto que a
fixação de valores de uma forma geral jamais atenderia as especificações de uma
casuística plural e não homogênea; d) deve-se evitar a fixação em percentual do
dano patrimonial, posto que o fundamento do dano moral é diverso do material, e
não há necessariamente proporção entre um e outro; e) não se deve atender ao
“mero prudente arbítrio” como escusa para ingressar numa análise completamente
subjetiva e sem adequação ao caso concreto; f) deve-se observar a gravidade do
caso; g) deve-se verificar as peculiaridades do caso tanto com enfoque na vítima
como com enfoque no ofensor; h) deve-se procurar harmonizar as indenizações de
288
SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade administrativa: reflexões sobre a Lei n°
8.429/92. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 45.
289
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 471.
290
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 472.
105
casos semelhantes; i) deve-se aceitar que o dinheiro pode propiciar prazeres
compensatórios da perda assimilada no campo moral; j) deve-se ter em conta,
também, o contexto econômico do país.
291
291
SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003. p. 204/07.
106
CONCLUSÃO
Encerrados os trabalhos de pesquisa, foi possível a extração
de algumas conclusões, que não são enunciadas com atributo de certeza, mas sim
como proposições que sintetizam um convite para estender o debate sobre a
matéria pesquisada. Passa-se, pois, a expô-las:
A legitimidade de um poder político deve ser entendida como
a aceitação, dentro de certos limites de tolerância, de sua existência, formada no
justo consenso da comunidade e num sistema de valores aceitos e compartilhados
por todos, de forma autônoma e consciente. A idéia de legitimidade pode ser
associada à de autoridade, ou seja, um poder estabilizado; mas um conceito
moderno de autoridade a tem como fruto de um “poder legítimo”, ou seja, um poder
aceito pela sociedade a partir de uma avaliação favorável a seu respeito;
legitimidade e autoridade exprimem idéias que, portanto, associam-se na
concepção de obediência e respeito ao poder, decorrentes de sua aceitação.
A legitimidade da Administração Pública já foi vista como
sedimentada a partir de um regramento racional e eficaz que tornava a ação
administrativa técnica, objetiva e despersonalizada. Modernamente, porém, a idéia
de um poder legítimo deixou de ter por referência a força coercitiva de um
regramento, e passou a ter por norte uma aceitação pela sociedade, calcada na
formação de um juízo positivo acerca da atuação estatal.
A atuação da Administração Pública deve pautar-se pela
obediência aos princípios da legalidade (que, em síntese, afirma que a
Administração deve atender às disposições da lei válida), da impessoalidade (pelo
qual a Administração não deve dar tratamento especial, benéfico ou prejudicial, a
alguma ou a algumas pessoas em específico, reputando-se seus atos realizados
por todo o corpo administrativo, e não por um de seus integrantes em específico),
da publicidade (que afirma, em resumo, a possibilidade de acesso pela sociedade,
107
para conhecimento e controle, dos atos da Administração), da moralidade (segundo
o qual a atuação administrativa deve tomar em conta também valores morais), da
eficiência (que proclama que a atuação administrativa deve colimar o ótimo em
relação aos meios empregados, aos fins pretendidos e aos resultados obtidos), da
igualdade (que afirma, em suma, que a Administração deve dar tratamento
igualitário a todas as pessoas), da supremacia do interesse público (que menciona
que o interesse público deve prevalecer sobre interesses privados, ressalvados a
coisa julgada, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e os direitos fundamentais),
da finalidade (que afirma que as ações da Administração devem orientar-se para
uma finalidade que atenda os interesses preponderantes da coletividade), da
razoabilidade (que veda que, entre vários meios disponíveis para consecução de
determinada finalidade pública, a Administração se valha daquele menos sensato
segundo o padrão de pessoas equilibradas comprometidas com o interesse
público), da proporcionalidade (que reclama da Administração verificação sobre se
o meio empregado, ainda que adequado para a produção do fim almejado, não é,
porém, por demais gravoso, excessivo, exagerado nos ônus que causa, em
comparação com os benefícios que proporciona), da motivação (que se afirma na
necessidade de que os atos administrativos tenham a justificativa para sua prática
apresentada para a sociedade), da indisponibilidade do interesse público (segundo
o qual a Administração não pode renunciar a competências que lhe são outorgadas,
nem fazer liberalidade com recursos públicos, nem ainda deixar de denunciar
irregularidades praticadas por infringiu norma legal ou regulamentar), da veracidade
(que afirma a suposição de que os atos praticados pela Administração estejam
conformes aos ditames da lei, e de que os fatos sejam verdadeiros tal como por ela
afirmados), da autotutela (segundo o qual a Administração deve controlar-se
internamente, anulando atos ilegais e revogando atos inconvenientes), da hierarquia
(que afirma a existência, para as funções eminentemente administrativas, de uma
relação de coordenação e subordinação entre os órgãos da Administração) e da
continuidade (segundo o qual os serviços públicos não podem sofrer solução de
continuidade).
108
A improbidade administrativa se faz configurada quando
praticados atos que impliquem violação dos princípios que se relacionam com a
Administração, quer eles causem, ou não, dano ao patrimônio estatal ou
enriquecimento ilícito de alguma das pessoas com eles envolvida. No Brasil, os atos
de improbidade administrativa estão tipificados na Lei n° 8.429/92.
Além de conseqüências materiais, tais quais o enriquecimento
ilícito de alguma pessoa ou a provocação de dano ao patrimônio administrativo, os
atos de improbidade também produzem conseqüência extramaterial, consistente
em dano à legitimidade da Administração Pública. Se a improbidade administrativa
se configura com a violação dos princípios que se relacionam com a Administração,
e se a violação de tais princípios é coibida pelo ordenamento positivo, a
improbidade administrativa afeta a legitimidade da Administração Pública mesmo
se prestigiada a visão de que tal legitimidade se sedimenta apenas na força
coercitiva de um regramento racional e eficaz, já que esse regramento estará sendo
desrespeitado com o descumprimento da norma que proclama a necessidade de
obediência aos princípios que se relacionam com a atuação administrativa. De
outro lado, se se passa a prestigiar o pensamento de que a legitimidade da
Administração Pública deriva de uma aceitação de sua atuação calcada num juízo
positivo de valor formado pela sociedade, que por isso passa a reconhecê-la como
detentora de autoridade tendente a fazer com que seja respeitada, a conclusão é a
de que a improbidade administrativa também atenta contra essa legitimidade, já
que a violação de qualquer dos princípios relacionados com a Administração
implica numa atuação que deixa de ser orientada para a satisfação do anseio da
coletividade de cidadãos, sendo por isso por eles repelida e avaliada
negativamente.
À Administração Pública é caro conservar sua legitimidade e,
por conseqüência, sua autoridade e respeitabilidade. O dano à legitimidade estatal
tende a reduzir, no administrado, os sentimentos de cidadania que apontam para
pudor e escrúpulo incentivadores de ações de colaboração com o Estado e
impeditivos da desobediência a preceitos por este ditados, produzindo maiores
109
custos financeiros com a manutenção e o aperfeiçoamento dos meios de
fiscalização e coibição dos atos de desrespeito e desobediência.
Em que pese já se ter afirmado que o dano extramaterial é
impassível de ressarcimento, mormente quando causado a pessoa jurídica, é
possível sustentar, com apoio de prestigiada doutrina, que existe possibilidade de
sua reparação, inclusive se ocasionado à pessoa jurídica. Isto porque, conquanto o
dano moral tenha por vezes sido associado à produção de uma dor, um sofrimento,
um dissabor à vítima, conseqüências estas que tendem a ser suportadas pela
pessoa humana, modernamente, porém, passou ele a ser visto como configurado
quando de ofensa à legitimidade, à honorabilidade, à respeitabilidade, à imagem, e
a outros valores que integram o patrimônio moral não necessariamente de uma
pessoa humana, mas também de uma pessoa jurídica. Nesse sentido, é possível
afirmar, com respaldo no ordenamento positivo brasileiro, também em companhia
de prestigiados doutrinadores, e sem olvidar a existência de quem sustente
pensamento diverso, que o dano extramaterial causado à legitimidade da
Administração Pública quando da prática de atos de improbidade administrativa é
passível de reparação moral.
O dano extramaterial causado à Administração Pública
quando da prática de ato de improbidade administrativa não se confunde com seus
reflexos materiais. Se a legitimidade da Administração Pública é maculada, o dano
extramaterial já está configurado; o fato de em face desse dano à legitimidade os
cidadãos guardarem menos respeito para com determinações administrativas,
estarem menos disponíveis para cooperação nas ações promovidas pelo Estado,
ou estarem dispostos a empreender ações de desobediência civil, é um reflexo
material do dano à legitimidade, que por si pode até ensejar indenização a título de
lucros cessantes, mas que não se confunde com o dano à legitimidade, nem
condiciona este último, já que aquele e este ofendem esferas distintas, quais sejam
o patrimônio material e o patrimônio moral.
110
A reparação do dano extramaterial causado à Administração
Pública em face da prática de ato de improbidade administrativa não se confunde
com a multa civil a que se referem os três incisos do art. 12 da Lei n° 8.429/92, nem
com sanções administrativas ou penais impostas às pessoas envolvidas na prática
do ato. Isto porque a reparação do dano extramaterial tem um caráter reparatório,
pelo qual se busca uma restauração do patrimônio moral da vítima a um estado
equivalente ao que precedia o ato danoso. Essa restauração não é
necessariamente atingida com a imposição de multa ou outras sanções aos
envolvidos com tal ato, já que a multa e as sanções têm um caráter punitivo que
implica agravamento da situação do agente envolvido na prática do dano, como
desestímulo a que ele e outros optem por tal prática. No caso, o agravamento da
situação do agente não necessariamente se equipara à restauração do patrimônio
moral da vítima do dano.
A reparação do dano extramaterial causado à Administração
Pública em face da prática de ato de improbidade administrativa pode ser
pleiteada, mas com observância ao princípio da proporcionalidade, de modo a não
olvidar que algumas violações a princípios atinentes à improbidade administrativa
podem se dar com carga reduzida de intencionalidade e com repercussão
econômica pouco significativa. Nesses casos, é preciso aferir até quanto é
compensatória e produtiva a busca pela reparação. A formulação de pleitos de
reparação de dano moral de forma desproporcional, num sem número de casos de
pouca significância, ou postulando indenizações por valores muito superiores aos
devidos, culmina por banalizar a reparabilidade, atentando contra sua efetividade
nos casos em que efetivamente devida. Na quantificação da reparação do dano
moral causado à Administração Pública em face da prática de ato de improbidade
administrativa, devem ser observados os parâmetros gerais que orientam a
quantificação da reparação do dano moral nos outros casos em geral, com especial
atenção, porém, para a repercussão do ato de improbidade junto da sociedade.
111
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II
Itajaí, agosto de 2006
III
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
PROPPEC
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA CPCJ
PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA PMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO
A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
E A POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO
DO DANO À LEGITIMIDADE
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
MOSER VHOSS
Dissertação submetida à Universidade
do Vale do Itajaí UNIVALI, para
obtenção do grau de Mestre em Ciência
Jurídica.
Orientadora: Professora Doutora Daniela Cademartori
Itajaí, agosto de 2006
IV
PÁGINA DE APROVAÇÃO
SERÁ FORNECIDA PELO CPCJ
V
DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total
responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a
Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI, a Coordenação do Curso de Pós-
Graduação stricto sensu em Ciência Jurídica [CPC/UNIVALI], a Banca Examinadora
e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí, agosto de 2006
Moser Vhoss
Mestrando
VI
SUMÁRIO
RESUMO VII
ABSTRACT VIII
INTRODUÇÃO 1
Capítulo 1 NOÇÕES SOBRE ESTADO, ADMINISTRAÇÃO E O
FUNDAMENTO DE SEU PODER.......................................................
6
1.1. NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE ESTADO, GOVERNO E
ADMINISTRAÇÃO..............................................................................
6
1.2. FUNDAMENTO DO PODER DO ESTADO E DA
ADMINISTRAÇÃO..............................................................................
7
1.3. PRINCÍPIOS RELACIONADOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA...... 22
1.3.1. Noções gerais.................................................................................... 22
1.3.2. Princípios expressamente previstos no art. 37, caput, da
Constituição Federal.........................................................................
26
1.3.2.1. Legalidade.......................................................................................... 26
1.3.2.2. Impessoalidade................................................................................... 30
1.3.2.3. Publicidade......................................................................................... 33
1.3.2.4. Moralidade.......................................................................................... 36
1.3.2.5. Eficiência............................................................................................. 38
1.3.3. Outros princípios presentes no sistema jurídico brasileiro.......... 41
Capítulo 2 A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E OS ATOS QUE A
CARACTERIZAM SEGUNDO A LEI BRASILEIRA............................
51
2.1. ASPECTOS CONCEITUAIS DA IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA.
51
2.2. AS CONSEQÜÊNCIAS MATERIAIS DOS ATOS DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E AS COMINAÇÕES DAÍ
RESULTANTES NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA.............................
58
2.3. A CONSEQÜÊNCIA EXTRAMATERIAL DOS ATOS DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA....................................................
64
2.3.1. Noções gerais.................................................................................... 64
2.3.2. O desestímulo à cooperação cívica, a inobservância de normas
e determinações exaradas pela Administração e a
desobediência civil...........................................................................
65
VII
2.3.3. A crise de representatividade.......................................................... 71
2.3.4. A afetação externa............................................................................ 74
Capítulo 3 A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E O DANO À LEGITIMIDADE
DA ADMINISTRAÇÃO........................................................................
76
3.1. A POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO DO DANO
EXTRAMATERIAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO
PÚBLICO............................................................................................
76
3.1.1. Reparação do dano moral................................................................ 76
3.1.2. Reparação do dano moral da pessoa jurídica de direito público. 80
3.2. A POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO DO DANO
EXTRAMATERIAL CAUSADO ADMINISTRAÇÃO COM A
PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA...............
84
3.2.1. Noções gerais.................................................................................... 84
3.2.2. Diferenciação entre o dano extramaterial propriamente dito e
seus reflexos materiais....................................................................
91
3.2.3. Diferenciação entre a reparação do dano extramaterial causado
à administração e as sanções civis, criminais e administrativas
cominadas no ordenamento positivo brasileiro............................
95
3.3. A QUANTIFICAÇÃO DO DANO EXTRAMATERIAL CAUSADO À
ADMINISTRAÇÃO..............................................................................
97
CONCLUSÃO..................................................................................... 103
REFERÊNCIAS................................................................................... 108
VIII
RESUMO
O presente trabalho aborda a possibilidade de que haja reparação de dano
extramaterial causado à Administração Pública em face da prática de ato de
improbidade administrativa. Objetivou-se desenvolver pesquisa voltada à
investigação da afetação da legitimidade da Administração Pública quando da
prática de ato de improbidade administrativa, de modo a verificar se essa afetação
de legitimidade configuraria dano passível de propiciar que seja demandada sua
reparação moral. De início, foram apresentadas noções sobre o Estado e a
Administração Pública, sobre o fundamento de seu poder, e sobre a principiologia
concernente à atuação administrativa. Em prosseguimento, buscou-se conceituar os
atos de improbidade administrativa, apresentando-se, também, as conseqüências
materiais e extramateriais por eles produzidas, com especial ênfase para a
afetação da legitimidade da Administração Pública. Por fim, foi avaliada a
possibilidade de que haja reparação de dano extramaterial causado às pessoas
jurídicas de direito público, bem como a possibilidade de que haja reparação do
dano causado à legitimidade da Administração Pública quando da prática de ato de
improbidade administrativa, abrangendo-se ainda, nesse particular, circunstâncias
atinentes à quantificação desse dano. Verificou-se, em suma, que a prática de atos
de improbidade administrativa afeta a legitimidade da Administração Pública,
ferindo, portanto, o fundamento de seu poder. Essa afetação de legitimidade
consubstancia dano extramaterial cuja reparação é passível de ser pleiteada, em
prol da conservação da integralidade do patrimônio público.
IX
ABSTRACT
The present paper focuses on the possibility to make amends for extramaterial
damage caused to the public administration due to administrative improbity. The
purpose was to develop research related to the investigation on the affectedness of
legitimacy of the public administration when the practice of administrative inprobity
takes place, in a way to verify if this affectedness of legitimacy would represent
susceptible damage, which would demand moral amends. At the beginning, notions
about the state and public administration were presented, about the foundation of its
power, and about the study of principles concerning the administrative performance.
Then the acts of administrative improbity were regarded as well, by presenting the
material and extramaterial consequences produced by them, with a special
emphasis on the affectedness of legitimacy of the public administration. At the end, it
was evaluated both the possibility of having amends for extramaterial damage to
juridical people of the Public Law and the possibility of requiring amends for damage
caused to the legitimacy of the public administration, when the practice of the
administrative improbity takes place. The latter will still include circumstances
respecting the amount of this damage. In sum, it was proved that the practice of acts
of administrative improbity affects the legitimacy of the public administration,
therefore it goes against the foundation of its power. This affectedness of legitimacy
consubstantiates extramaterial damage where it is possible to require amends for it,
in behalf of the maintenance of the public patrimony integrality.
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