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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
A EXPERIÊNCIA DE CHILE, MÉXICO E BRASIL SOB O REGIME DE METAS DE
INFLAÇÃO: UMA COMPARAÇÃO INTERNACIONAL
ANA PAULA FRANÇA VIEIRA ZETTEL
Porto Alegre
2006
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2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
A EXPERIÊNCIA DE CHILE, MÉXICO E BRASIL SOB O REGIME DE METAS DE
INFLAÇÃO: UMA COMPARAÇÃO INTERNACIONAL
Ana Paula França Vieira Zettel
Orientador: Fernando Ferrari Filho
Dissertação submetida ao programa de
Pós-Graduação em Economia da
Faculdade de Ciências Econômicas da
UFRGS, como quesito parcial para
obtenção do grau de mestre em
Economia, modalidade acadêmico, com
ênfase em Economia do
Desenvolvimento.
Porto Alegre
2006
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3
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
Responsável: Biblioteca Gládis W. do Amaral, Faculdade de Ciências Econômicas
da UFRGS
Z61e Zettel, Ana Paula França Vieira
A experiência de Chile, México e Brasil sob o regime de metas de
inflação : uma comparação internacional / Ana Paula França Vieira Zettel.
– Porto Alegre, 2006.
96 f. : il.
Ênfase em Economia do Desenvolvimento.
Orientador: Fernando Ferrari Filho.
Dissertação (Mestrado em Economia) - Univ
ersidade Federal do Rio
Grande do Sul, Faculdade de Ciências Econômicas, Programa de Pós-
Graduação em Economia, Porto Alegre, 2006.
1. Inflação : Países em desenvolvimento. 2. Política monetária : Países
em desenvolvimento. I. Ferrari Filho, Fernando. II. Universidade Federal
do Rio Grande do Sul. Faculdade de Ciências Econômicas. Programa de
Pós-Graduação em Economia. III. Título.
CDU 336.74.02
336.748.12
4
A EXPERIÊNCIA DE CHILE, MÉXICO E BRASIL SOB O REGIME DE METAS DE
INFLAÇÃO: UMA COMPARAÇÃO INTERNACIONAL
Ana Paula França Vieira Zettel
Orientador: Fernando Ferrari Filho
Dissertação submetida ao programa de
Pós-Graduação em Economia da
Faculdade de Ciências Econômicas da
UFRGS, como quesito parcial para
obtenção do grau de mestre em
Economia, modalidade acadêmico, com
ênfase em Economia do
Desenvolvimento.
Aprovada em: Porto Alegre, 13 de novembro de 2006.
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Fernando Ferrari Filho
UFRGS
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Eduardo Maldonado Filho
UFRGS
___________________________________________________________________
Prof. Dr. André Moreira Cunha
UFRGS
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Eduardo Pontual Ribeiro
UFRJ
5
AGRADECIMENTOS
Desejo registrar meus agradecimentos a todos aqueles que contribuíram para
que esta etapa importante da minha vida se concretizasse.
A minha família, pelo apoio e carinho. Em especial, aos meus pais e minha
irmã, que me dão força para lutar pelos meus ideais. Agradeço, ainda, por
compreenderem o tempo retirado de nossa convivência familiar em prol da
dedicação à minha formação.
Ao Daniel, pelo incentivo, paciência e amor.
Ao professor Fernando Ferrari Filho, meu orientador, pelas críticas,
contribuições, estímulo e confiança, que demonstrou durante a realização deste
trabalho. Agradeço, ainda, a paciência em relação às minhas limitações acadêmicas.
Meus reconhecimentos se estendem aos professores Eduardo Pontual
(IE/UFRJ) e Ignácio Perrotini Hernández (Universidad Autônoma e México) por suas
valiosas críticas e sugestões.
Ao gerente da Petrobras, Márcio Branco, que compreendeu a importância que
esta dissertação teve para mim, permitindo que pudesse conciliar a realização deste
trabalho às minhas atividades profissionais.
A meu amigo André Sampaio, que sempre que estimulou nos momentos de
fraqueza.
A meus queridos amigos, Fabíola Almeida, Luciana Sampaio e Carlos
Saroba, pelo apoio e carinho oferecidos desde o momento da minha chegada ao Rio
de Janeiro.
A meus amigos fraternos Cristina Scherrer, Lucas Maestri, Marianne Stampe,
Felipe Maciel, Gisele Bergmann, Maurício Mondadore e Tiago Severo que, apesar
6
da distância, em muito contribuíram e contribuem para meu aprendizado da Teoria
Econômica e da “Teoria da Vida”. A eles minha sincera gratidão.
A minha amiga do coração Aline Simões, que sempre compreendeu minhas
ausências.
Finalmente, a todos que, direta ou indiretamente, cooperaram para realização
deste trabalho.
Cabe destacar, como é de praxe, que os erros que persistiram ao longo deste
trabalho são de minha inteira responsabilidade.
7
RESUMO
Esta dissertação tem o propósito de avaliar a experiência de Brasil, Chile e México
comparativamente a de Austrália, Finlândia, Suécia, Reino Unido, Nova Zelândia e
Canadá sob o regime de metas inflação (IT). Dessa forma, o interesse central deste
estudo é o efeito das políticas monetárias adotadas sobre produto dos países
emergentes, em um contexto de excessiva volatilidade da taxa de câmbio, elevada
dívida pública e baixa credibilidade das instituições. Para atingir este objetivo, optou-
se pela conjugação do método analítico descritivo, análise do histórico dos países
sob IT, e de um exercício econométrico. A variável através do qual o desempenho
econômico dos países será analisado, para fins de comprovação empírica, é a taxa
de sacrifício, construída a partir da razão entre hiato do produto, medido pelo filtro
HP, e o logaritmo da variação da inflação. Os resultados empíricos deste trabalho,
bem como o histórico dos países, sugerem que a taxa de sacrifício dos emergentes
é, em média, superior a dos industrializados. As fraquezas presentes nas economias
emergentes, como falta de coordenação entre políticas monetária e fiscal,
vulnerabilidade externa, que se manifesta na excessiva volatilidade e sensibilidade
da taxa de câmbio a choques externos, entre outras, são as possíveis explicações
para este fenômeno.
Palavras-Chave: Metas de inflação. Política monetária. Países emergentes. Taxa de
sacrifício.
8
ABSTRACT
This thesis main objective is evaluate and compare the experience of Brazil, Chile
and Mexico against the experience of Australia, Finland, Sweden, United Kingdom,
New Zealand and Canada under the inflation targeting (IT) regime. In this regard, the
central interest of this study is the effect of the monetary policy adopted over the
emerging countries GDP, in a context of extreme exchange rate volatility, high public
debt and low institution’s credibility. To reach this goal, it was combined the analytical
descriptive method with an econometrical exercise. The variable, through which the
country’s economic performance was analyzed, for ends of empirical evidence, is the
sacrifice rate, built from the GDP gap, measured through HP filter, and the inflation
variation logarithms. The empirical results of this work, as well as the countries
historical experience, suggest that emerging countries sacrifice ratio is, on average,
higher than for the industrialized ones. The weaknesses found in these economies,
as lack of monetary and fiscal policy coordination, external vulnerability, manifest
through exchange rate volatility and high sensitivity to external shocks, among
others, are the possible explanations for this phenomenon.
Key Words: Inflation targeting. Monetary policy. Emerging countries. Sacrifice ratio.
9
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE TABELAS
Gráfico 3.1: Déficits em Transações Correntes (% PIB) 45
Gráfico 3.2: Evolução PIB X Inflação - Chile 48
Gráfico 3.3: Taxas de Juros Reais - Chile 50
Gráfico 3.4: Taxas de Inflação – México 53
Gráfico 3.5: Taxas de Juros Reais - México 57
Gráfico 3.6: Evolução PIB X Inflação - México 59
Gráfico 3.7: Evolução PIB X Inflação - Brasil 70
Gráfico 3.8: Taxas de Câmbio (R$/US$) 71
Tabela 3.1: Meta Ajustada para Inflação 2003 e 2004 72
Tabela 4.1: Características dos Regimes de IT 79
Tabela 4.2: Episódios de Desinflação 81
Tabela 4.3: Razões de Sacrifício Médias 83
Tabela 4.4: Resultados Taxa de Sacrifício – I 86
Tabela 4.5: Resultados Taxa de Sacrifício – II 87
Tabela 4.6: Estatística Descritiva 88
10
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
10
2. MOEDA E POLÍTICA MONETÁRIA 12
2.1. Teoria Econômica e o Papel da Moeda 12
2.2. Regras versus Discrição na Política Monetária 14
2.3. Metas de Inflação: Referencial Teórico 17
2.4. O Trade
-off credibilidade e flexibilidade e a importância da transparência
29
3. A EXPERIÊNCIA DOS PAÍSES EMERGENTES SOB METAS DE INFLAÇÃO 35
4.1. Características comuns aos países emergentes 35
4.2. A economia da América Latina 40
4. RESULTADOS EMPÍRICOS 77
4.1. Construindo a taxa de sacrifício 78
4.2. Metodologia 83
4.3. Resultados 86
5. CONSIDERÕES FINAIS 90
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 93
11
1 INTRODUÇÃO
A tendência da política monetária no mundo alterou-se profundamente desde
o início dos anos 90, principalmente pelo fato de que os bancos centrais tornaram-se
mais transparentes e críveis (CECCHETTI; EHRMANN, 1999). Contribuiu para esta
modificação, a dificuldade encontrada por muitos países em se adequarem a
âncoras cambiais, o que determinou a introdução de novos regimes monetários. Foi
neste contexto que, em 1990, a Nova Zelândia, pioneiramente, adotou o regime de
metas (IT). A partir de então, um crescente número de países passou a utilizá-lo,
com sucesso, na condução de políticas monetárias.
O regime de IT baseia-se na definição de uma meta explícita para a taxa de
inflação e a atribuição formal da responsabilidade pelo cumprimento da meta por
parte da autoridade monetária.
A disseminação do mecanismo de IT como regime monetário adotado por
diversos bancos centrais tornou este grupo bastante heterogêneo. O conjunto de
inflation targeters é formado por países desenvolvidos com longo histórico de
inflação baixa e estável, bem como países em desenvolvimento com passado
recente de taxas de inflação alta e volátil. Este fato suscita uma questão relevante: a
eficácia do referido mecanismo em economias emergentes.
A despeito do sucesso alcançado por muitas economias desenvolvidas na
redução e estabilização da inflação, através do regime de IT, a sua aplicabilidade a
países emergentes ainda representa questão controversa. Dessa forma, a
importância que o mecanismo de IT está alcançando entre bancos centrais motiva a
investigação de seus benefícios para países em desenvolvimento em relação aos
desenvolvidos.
Este trabalho tem o propósito avaliar o efeito produzido por IT nos três países
mais representativos da América Latina que adotaram o regime, comparativamente
aos desenvolvidos. A variável escolhida para refletir o desempenho destes paises foi
a taxa de sacrifício. Dessa forma, além da análise do histórico de Brasil, Chile e
México durante a adoção de IT, busca-se investigar se as taxa de sacrifício destes
países são superiores a dos industrializados selecionados para comparação.
12
No segundo capítulo o expostas as principais características do referido
regime. Para tal, o capítulo foi dividido em três partes. Na primeira, é apresentado o
modelo teórico que baliza o regime de IT. Na segunda, tratam-se dos aspectos
operacionais do regime de IT, tais como: definição da meta, bandas de variação, o
horizonte de controle, cláusulas de escape e as vantagens e desvantagens das
medidas de núcleo da inflação. Por fim, se aborda o trade-off credibilidade e
flexibilidade, bem como a importância da transparência.
O terceiro capítulo aborda a experiência de dois grupos de países:
desenvolvidos e em desenvolvimento sob condições de IT. Dessa forma, buscou-se
analisar os antecedentes destes países que contribuíram para a implementação do
regime, os aspectos estruturais de IT em cada país e as suas características mais
marcantes. Como representantes dos países emergentes estão Brasil, Chile e
México; e dos desenvolvidos, encontram-se Canadá, Reino Unido, Nova Zelândia,
Finlândia, Suécia e Austrália.
No quarto capítulo são apresentados o modelo econométrico utilizado, os
episódios selecionados para comparação nos dois grupos de países, bem como os
resultados empíricos obtidos. Através do modelo detalhado no quarto capítulo, foi
possível afirmar que, na média, a taxa de sacrifício dos países emergentes
selecionados é superior a dos desenvolvidos comparados durante o período de IT.
Por fim, encontram-se as principais conclusões e referências em que este
trabalho se baseou.
13
2 MOEDA E POLÍTICA MONETÁRIA
O objetivo deste capítulo é apresentar as posições das escolas de
pensamento econômico acerca do papel e efeitos da moeda e da política monetária
na economia. Além disso, busca-se ilustrar como a teoria que envolve política
monetária evoluiu ao longo do tempo e se transformou a partir da influência de uma
escola sobre o pensamento de outra.
2.1 Teoria Econômica e o Papel da Moeda
Por muito tempo coexistiram duas visões conflitantes a respeito do
funcionamento da economia capitalista. Uma, cuja origem é atribuída a Adam Smith,
enfatiza a eficiência das economias de mercado, sua capacidade de auto-regulação,
em que o mecanismo de preços funciona como canal de comunicação entre
consumidores e produtores, servindo como indicador de abundância e escassez e
coordenando decisões de alocação de modo eficiente. A outra foca atenção nas
falhas do capitalismo, especialmente nos períodos de depressão e desemprego
maciço. Esta visão, certamente, não concorda com a idéia de eficiência das
economias de mercado (GREENWALD; STIGLITZ, 1987).
Neste contexto, a teoria keynesiana passou a preencher a lacuna deixada
pela teoria neoclássica, especialmente a partir da década de 30, com a Grande
Depressão Norte-Americana, explicando o desemprego involuntário a partir da
rigidez de preços. Dessa forma, Keynes reconciliou as duas visões antagônicas do
capitalismo, admitindo a existência de desemprego involuntário e sugerindo que,
com a intervenção do governo, a economia poderia voltar a operar de maneira
eficiente.
Entretanto, a partir da década de 70, a falha do referencial keynesiano em
explicar a existência simultânea de inflação e desemprego, resultou no surgimento
de uma nova linha de pensamento: o Novo-Clássico.
Robert Lucas e Thomas Sargent explicaram a existência de inflação e
desemprego a partir da formulação da teoria das expectativas racionais. Segundo
esta teoria, os agentes formam suas expectativas com base em todas as
14
informações disponíveis, de forma a não incorrer em erros sistemáticos de
avaliação.
A idéia de market clearing também é outra característica marcante do novo-
clássico. De acordo com esta hipótese, os preços se ajustam de forma a manter o
equilíbrio entre oferta e demanda. Dessa suposição deriva horizontalidade da curva
de oferta defendida por esta escola. A premissa que sustenta estas afirmações é a
de que os resultados econômicos verificados descendem de ótimas decisões
tomadas pelos agentes em cada período de tempo.
Para os novo-clássicos, os ciclos de negócios resultam de distúrbios
monetários não antecipados, que produzem efeitos reais apenas no curto prazo,
como conseqüência de informações imperfeitas.
Em outras palavras, a política monetária produziria efeitos sobre variáveis
reais (produto, emprego) apenas quando imprevistas, de outra forma seriam
antecipadas pelo público e tais resultados não se verificariam, haveria apenas
variação do nível de preços. Conseqüentemente, a teoria dos ciclos reais de
negócios considera que a moeda é neutra também no curto prazo.
Segundo os economistas neoclássicos, falta fundamentação teórica para a
hipótese de rigidez de preços proposta pela teoria keynesiana. Neste contexto,
novos-keynesianos são aqueles que responderam a esta crítica com a incorporação
de micro-fundamentos. Dessa forma, eles são aqueles que, na década de 80,
promoveram ajustes na teoria keynesiana original, unindo o pensamento keynesiano
aos modelos de otimização micro-fundamentamentados, originais da escola novo-
clássica, para explicar o funcionamento da economia.
Os novos-keynesianos mudaram o ambiente microeconômico em que os
agentes otimizam. Utilizaram-se de fatores como: rigidez parcial de preços,
descentralização das atividades de mercado e informação assimétrica entre
compradores e produtores, para explicar o desemprego, as flutuações da economia
e a influência da política monetária na atividade econômica.
Segundo estes pressupostos, para os novos-keynesianos a política monetária
produz efeitos sobre as variáveis reais apenas no curto prazo. No longo prazo, a
política monetária é ineficaz, o ajuste pleno de preços e salários garante a
neutralidade da moeda.
15
Por outro lado, o grupo de economistas pós-keynesianos são aqueles que se
mantiveram fiéis às idéias originais de Keynes, sustentando a importância da
incerteza nas relações da economia, da referência histórica dos acontecimentos e
das relações financeiras nominais na determinação do nível da atividade econômica.
Um dos principais pontos dessa escola é entender uma economia em que a moeda
cumpre papel singular, tanto a curto quanto a longo prazo.
O fundamento desta afirmação está centrado na hipótese de os agentes
decidem em uma ambiente de incerteza
1
. Dessa forma, a instabilidade da demanda
efetiva é entendida como evento monetário, uma vez que o entesouramento pode
ser pensado como resposta à incerteza. Nestas condições, a moeda não é neutra a
curto ou longo prazo.
Observa-se que para os pós-keynesianos, uma vez que os bancos comerciais
criam moeda, o Banco Central não possui controle sobre a oferta monetária na
economia. Dessa forma, cabe a autoridade operar através da taxa de juros, que por
sua vez produz efeitos sobre variáveis reais. A partir destes argumentos, pós-
keynesianos defendem que entre as funções do banco central deve estar a
promoção do nível de emprego e produto.
As diferentes visões existentes entre estas escolas pautam a posição de cada
uma em relação ao tipo de regime monetário que deve ser adotado, bem como do
papel da autoridade monetária.
2.2 Regras versus Discrição na Política Monetária
O propósito de implementar políticas macroeconômicas estabilizantes
costuma conduzir a uma série de discussões relevantes. Neste contexto, o debate
referente à classificação da política monetária entre regras versus discrição tornou-
se bastante comum. Este tema ganhou importância no Reino Unido por volta de
1844, a partir de discussões a respeito do padrão-ouro. Em 1920, o debate ressurgiu
nos Estados Unidos com discussões sobre como deveria ser conduzida a política
1
Incerteza é entendida como um fenômeno para o qual não se possui métodos científicos para se
determinar distribuições de probabilidade objetiva.
16
monetária norte-americana e ganhou força a partir das idéias levantadas pela Escola
de Chicago, na década de 1930.
Políticas formuladas segundo regras requerem o anúncio explícito por parte
dos formuladores de objetivos pré-estabelecidos. De acordo com Taylor (1993), uma
política guiada por regras significa a divulgação de um plano de ação com validade
indeterminada.
De fato, formuladores de política monetária estabelecem um compromisso
público e se empenham em perseguir determinado objetivo de forma a aproveitar
ganhos de credibilidade.
Para os defensores de regras, formuladores de política econômica enfrentam
incentivos para enganar o público. Isto significa que, as autoridades podem anunciar
o comprometimento com a estabilidade de preços e, conseqüentemente, baixos
índices de inflação, sobre os quais os agentes econômicos basearão suas
expectativas. Dessa forma, o público reduzirá suas expectativas de inflação,
estimulando a autoridade monetária a trair seu comprometimento, no intuito de
reduzir o desemprego
2
. Em outras palavras, se os agentes julgarem que o
comprometimento da autoridade monetária é crível e não anteciparem um choque
inflacionário, o Banco Central poderá estimular a demanda através de expansão
monetária. Este é conhecido como o problema da inconsistência dinâmica.
Entretanto, como exposto por Barro e Gordon (1983 apud PEARSON;
TABELLINI, 1994), a adoção de regras não necessariamente elimina o problema da
inconsistência dinâmica. Para que esta hipótese seja verdadeira, a regra deve ser
crível. Uma vez que se estabelece um comprometimento com determinada regra na
condução de uma política, os mecanismos de coerção devem ser fortes o suficiente
para garantir o seu cumprimento. Em outras palavras, o custo de se quebrar as
regras deve ser ao menos tão grande quanto o seu benefício. Caso contrário, sob a
suposição de expectativas racionais, as regras não serão críveis e os agentes agirão
como se estivessem em um ambiente discricionário. O equilíbrio resultante desse
modelo corresponde a uma dia ponderada da inflação observada sob a regra
ideal e sob um ambiente discricionário.
2
De acordo com a Curva de Phillips a escolha entre inflação e desemprego também é função da
inflação esperada.
17
No modelo proposto por Barro e Gordon (1983 apud PEARSON; TABELLINI,
1994), os formuladores de política monetária enfrentam um trade-off, no curto prazo,
entre os custos e benefícios da inflação e, com base nestes fatores, escolherão a
taxa de inflação que otimiza esta relação, dado o tipo de expectativas dos agentes.
Também é importante lembrar que, a interação entre os agentes, repetir-se-á
por período indefinido de tempo. Este fato incentiva o aparecimento de algum tipo de
cooperação e, portanto, ressalta a importância da reputação para os condutores da
política. Neste caso, o equilíbrio passa a ser sustentado pelo histórico do
comportamento dos agentes.
No caso dos defensores de políticas discricionárias, seus argumentos se
baseiam na flexibilidade das mesmas políticas. Discrição permite que julgamentos e
decisões sejam tomados período a período, de forma a maximizar a função-objetivo
do banco central em cada situação particular. o há comprometimento com ações
futuras previamente determinadas. Quando se escolhe uma política discricionária,
adquiri-se a vantagem da flexibilidade, no sentido de que se pode otimizar, caso a
caso, dados os acontecimentos imprevistos da economia. Dessa forma,
diferentemente de uma política conduzida sob regras rígidas, permite maior
flexibilidade da reação aos choques imprevistos.
Além disso, como ressaltado por economistas pós-keynesianos o argumento
em favor de políticas discricionárias está baseado no papel que o banco central deve
exercer, o qual difere entre as escolas.
Para os monetaristas, a função da autoridade monetária reside na
manutenção da estabilidade do poder de compra da moeda, uma vez que a moeda é
neutra no longo prazo. Por outro lado, para os pensadores de tradição keynesiana, a
função do banco central está além da estabilidade de preços. Considerando-se a
não-neutralidade da moeda, a referida instituição deve ter como foco de atenção não
apenas objetivos nominais. Em outras palavras, uma vez que a política monetária
tem efeito também sobre variáveis reais, deve ser utilizada em complemento a
outras políticas, com o objetivo de reduzir desemprego e controlar inflação. A
autoridade monetária também deve visar o produto e o nível de emprego.
Apesar das divergências existentes entre as escolas de pensamento
econômico, todas concordam em um ponto importante: credibilidade. Como discutido
por Sicsú (2001), questões relativas à credibilidade e reputação são de grande
18
relevância para a eficácia da política monetária para pós-keynesianos, uma vez que
políticas críveis e conduzidas por um formulador que goze de boa reputação junto ao
público terão maiores chances sucesso, independentemente do regime adotado.
Mesmo em uma economia cuja política monetária é conduzida sob regras,
poderão ocorrer problemas associados à inconsistência dinâmica de políticas, que
regras podem ser quebradas. Da mesma forma, não existe consenso a respeito do
fato de que políticas discricionárias serão necessariamente inflacionárias, pois isto
dependerá das preferências do policymaker e da sua reputação. Neste contexto,
aspectos referentes à credibilidade das políticas e à reputação dos formuladores se
tornaram temas centrais na discussão da eficácia da política monetária, tanto para
economistas de tradição keynesiana quanto neoclássicos, embora evidentemente
questões relativas aos objetivos da política e seus instrumentos permaneçam sob
controvérsia.
2.3 IT: Referencial Teórico
Economists have long sought the ideal framework for monetary policy.
Since the early 1990s, many have come to believe they have finally found
the right approach: inflation targeting. (BALL; SHERIDAN, 2003, p.1).
Recentemente, o mecanismo de IT tornou-se a panacéia para todas as
questões de ordem da política monetária. A principal finalidade do mecanismo de IT
é manter as taxas de inflação em baixos patamares e estáveis.
A adoção do regime de IT está baseada principalmente em dois fundamentos.
Em primeiro lugar, a política monetária não é capaz de afetar sistematicamente o
produto, os efeitos de políticas monetárias expansionistas são apenas transitórios.
Em segundo lugar, inflação implica em custos sociais.
Neste sentido, pode-se destacar o custo do grande investimento no setor
financeiro, em detrimento do financiamento de atividades produtivas, percebido
através migração dos recursos da sociedade para o setor bancário em períodos de
inflação alta.
Em países com ausência de estabilidade de preços, nota-se uma queda do
nível de investimentos de longo prazo, devido à imprevisibilidade da economia.
Níveis elevados de inflação distorcem o mecanismo de alocação através da
alteração de preços relativos, resultando em distorções na oferta de trabalho e
19
decisões de financiamento equivocadas por parte das corporações. Os custos
decorrentes da inflação provocam uma queda nos recursos produtivamente
empregados na economia, reduzindo sua base de crescimento.
O sistema de IT baseia-se na definição de meta explícita para a taxa de
inflação e na atribuição formal da responsabilidade pelo cumprimento da meta por
parte da autoridade monetária.
O anúncio público das metas numéricas a serem atingidas equilibra dois
fatores importantes para a eficácia do instrumento: transparência e credibilidade.
Para tal, o mecanismo deve operar através da construção de sólido canal de
comunicação entre o banco central e os agentes privados. Esta questão é relevante,
no sentido em que visa explicar ao público os objetivos da política monetária e as
estratégias que serão usadas para se atingir a metas estipuladas.
A proposta é transmitir os objetivos de longo prazo e tornar as expectativas e
decisões de curto prazo consistentes com os objetivos anunciados, bem como
aumentar a responsabilidade da autoridade monetária em relação ao controle da
inflação.
O aprimoramento dos canais de comunicação confere melhor percepção por
parte do público de quais o as reais atribuições do banco central, permitindo a
distinção entre as responsabilidades de políticos e banqueiros centrais em aspectos
relativos à política monetária.
Neste contexto, a ação do banco central, sob o regime de IT, deve-se dar
através do balizamento das expectativas dos agentes, de modo que as informações
permeadas não sejam assimétricas e tornem-se consistentes com as metas
estabelecidas.
Uma razão importante para a relevância das expectativas no mecanismo de
metas é o fato de afetarem a inflação presente. A rigidez de preços e salários na
economia implica em reajustes baseados em expectativas futuras de elevação de
preços para evitar perdas reais. Uma vez que salários compõem um dos principais
custos de produção, o reajuste da remuneração dos trabalhadores, com base em
suas expectativas de preços futuros, provoca aumento dos preços na economia.
Entretanto, como destacado por alguns autores a partir da década de 90,
verificou-se uma tendência mundial de redução dos índices de inflação, tanto entre
20
inflation targeters como entre non inflation targeters. Alguns autores atribuem este
fenômeno ao desgaste de políticas inflacionárias verificadas nas décadas anteriores.
Dessa forma, os governos e populações de muitos países, especialmente aqueles
que experimentaram episódios de hiperinflação
3
, passaram a valorizar a estabilidade
de preços e a pautar as ações de política monetária por este princípio.
Mesmo os países desenvolvidos que não adotaram IT, como: Estados
Unidos, Noruega, Bélgica e Holanda, entre outros, também experimentaram uma
tendência de queda das taxas de inflação durante a década de 90, relativamente à
década de 80. A economia mundial experimentou episódios de desaquecimento
econômico e de desaceleração inflacionária, que não pode ser atribuída à adoção do
mecanismo de IT por alguns países.
Outra hipótese proposta por Ball e Sheridan (2003) é o fenômeno de
regressão à média. Em outras palavras, segundo os autores, países com altas taxas
de inflação apresentaram redução das taxas de inflação maiores e mais rápidas,
independentemente da política monetária adotada, simplesmente pelo fato de que
as taxas de inflação destes países estavam retornando as suas taxas médias.
Segundo estes autores, o fato de que a maioria dos países tem
experimentado uma redução e estabilização dos índices de inflação, configura-se
uma tendência mundial, que independe da política monetária adotada.
A seguir são explicitadas algumas discussões teóricas de política monetária,
bem como os principais elementos necessários à implementação de IT.
2.3.1 O Modelo Teórico
As IT são uma estratégia de política monetária que devem incorporar cinco
elementos sicos: i) o anúncio público de metas numéricas de dio prazo para
inflação; ii) um compromisso institucional com a estabilidade de preços; iii) aumento
da transparência da política monetária, através do aprimoramento dos canais
3
Hiperinflação pode ser definida como aumento insistente de preços da economia. Segundo Cagan
(1956), a hiperinflação configura-se por taxas de inflação mensais iguais ou superiores a 50%.
Entretanto, anos mais tarde, o mesmo autor abandonou a definição quantitativa de hiperinflação, em
nome de uma definição qualitativa do fenômeno. Em geral, se aceita como definição para o termo a
idéia de uma inflação muito grande, crônica e com elevado grau de inércia.
21
comunicação com o público, a respeito das decisões do banco central; iv) aumento
da responsabilidade
4
da autoridade monetária com relação aos compromissos
assumidos; e v) adequação da estrutura do Banco Central para atender os objetivos
das metas (MISHKIN, 2004).
IT se propõe a estabelecer uma direção para a trajetória do nível de preços.
Segundo seus defensores, este resultado seria obtido através da redução das
expectativas de inflação, devido à transparência que este instrumento proporciona à
condução da política monetária. Neste caso, a credibilidade do formulador da política
é de extrema relevância.
O modelo de IT a ser utilizado, pode ser sucintamente descrito pelas três
equações abaixo (ARESTIS; SAWYER, 2003):
(I)
11312110
spERaYEaYaaY
ttt
g
tt
g
t
g
t
++++=
++
(II)
213121
spEbpbYbp
ttt
g
tt
+++=
+
(III)
31312111
*
3
1 sRcppcYcpERRcR
t
T
t
g
tttt
+++++=
+
tal que:
1
32
=+bb ,
g
Y
é o hiato do produto, R é a taxa nominal de juros, p é a taxa de
inflação, p
T
é a meta de inflação a ser atingida e RR
*
é a taxa de juros de equilíbrio,
correspondente a hiato do produto nulo; s
1
, s
2
e s
3
são choques aleatórios e
t
E refere-
se as expectativas no período corrente.
A escolha do modelo deve-se à capacidade de as três equações propostas
pelos autores de sumarizar os elementos essenciais ao funcionamento do
mecanismo de IT.
As equações propostas por Arestis e Sawyer (2003) resumem o pensamento
do Novo Consenso Macroeconômico. O modelo não faz menção à função da política
fiscal como determinante da inflação e da taxa de juros e introduz rigidez de preços
no curto prazo, mas supõe completa flexibilidade no longo prazo.
Ademais, como ilustra a terceira equação, o modelo é fiel ao princípio do
mecanismo de a política monetária deve operar através de uma regra
5
, além de
4
Originalmente, accountability.
5
Regra de Taylor
22
explicitar a noção de neutralidade da moeda, em longo prazo, através da
independência entre o valor de equilíbrio das variáveis reais e a oferta de moeda.
O modelo apresenta três equações para as incógnitas: produto, inflação e
juros.
A equação (I) representa a demanda agregada, em que o hiato do produto no
período atual é função do hiato passado e da sua expectativa para o próximo
período e da taxa de juros real.
A curva de Phillips é expressa pela equação (II), em que a inflação é
determinada pela inflação passada, pela sua expectativa futura e pelo hiato do
produto corrente.
A equação (III) representa a regra de política monetária, que substitui a curva
LM. De acordo com esta equação a taxa de juros deve variar em função da
expectativa de inflação, do hiato do produto, do desvio da inflação da meta e da taxa
de juros real de equilíbrio. A variável de juros defasada reproduz o ajuste gradual
dos juros nas decisões de política monetária.
A equação é semelhante a uma Regra de Taylor
6
, que pode ser interpretada
como o objetivo do Banco Central em manter o produto próximo ao potencial e a
inflação igual à meta. Em outras palavras, a autoridade monetária busca reduzir a
variabilidade do produto (em relação ao produto potencial) e a variabilidade da
inflação (em relação à meta). Esta otimização se através da taxa de juros de
curto prazo, que se propaga através de vários canais de transmissão (volume de
crédito, investimento, taxa de câmbio e expectativas), conforme discutido em
Svensson (2003).
Em economias fechadas, os mecanismos de transmissão incluem, além do
canal de expectativas, o canal de demanda agregada. Através deste canal, a política
monetária afeta a demanda, com alguma defasagem, por meio dos efeitos da taxa
de juros sobre o consumo e investimento. Na mesma direção atua mecanismo do
volume de crédito, cuja demanda é negativamente relacionada com a taxa de juros.
Em economias abertas, a taxa de câmbio atua como mecanismo adicional de
transmissão da política monetária. A taxa de câmbio é afetada pelo diferencial entre
6
Em seu trabalho original, Taylor (1993), desenvolveu uma equação que relaciona o comportamento
da taxa de juros americana ao nível de produto no EUA. A equação esta descrita abaixo:
i
t =
π
t-4
+ 0 ,5 y
t
+ 0,5 ( π
t-12
2 ) + 2
onde i
t
representa a taxa de dos títulos do Tesouro americano, π
t-12
é a inflação dos últimos doze
meses e y
t
é o desvio percentual do produto em relação à meta, definida como a tendência do período
de janeiro de 1984 a marco de 1992.
23
taxa de juros doméstica e externa, via condição da paridade das taxas de juros. Com
preços rígidos, a taxa de câmbio nominal afeta a taxa real, que por sua vez altera
tanto a demanda interna, quanto externa, por bens comercializáveis. Dessa forma, o
mecanismo da taxa de câmbio opera reforçando o mecanismo de transmissão via
demanda agregada.
Ademais, deve-se destacar o efeito de transmissão do câmbio para inflação,
uma vez que as variações da taxa de câmbio alteram os preços em moeda
doméstica dos bens importados que compõem o índice de preços. Por fim, outro
mecanismo de transmissão que envolve a taxa de câmbio, aquele que resulta das
variações de preços dos insumos de produção importados.
O modelo exposto acima apresenta uma série de implicações. Através da
equação (I) pode-se perceber que o mesmo incorpora tanto elementos de
expectativas futuras (forward-looking) quanto passadas (backward-looking)
7
.
A equação (II),
1t
p introduz algum grau de rigidez de preços na economia,
enquanto que
1+tt
pE pode representar a credibilidade da política monetária. Caso a
política seja crível, expectativas de inflação se reduzirão e
1+tt
pE será menor,
diminuindo o custo da desinflação em termos de variação do produto.
Pela equação (III) percebe-se que sob IT a política monetária deve atuar
sistematicamente aos acontecimentos da economia. Dessa forma, se a inflação está
acima da meta, o Banco Central deve elevar a taxa de juros, enquanto que, se a
taxa de inflação estiver abaixo da meta, a taxa de juros deve ser reduzida para
estimular o crescimento da economia.
Cabe destacar, que a equação (III) prevê um comportamento simétrico do
Banco Central tanto em reação às taxas de inflação acima como abaixo da média,
embora o público não necessariamente apresente preferências simétricas em
relação a estes eventos.
O modelo de IT exposto acima está alinhado com o Novo Consenso
Macroeconômico (ARESTIS; SAWYER, 2005), ou como alguns autores preferem
(DAIANU; LUNGU, 2005), Nova Síntese Neoclássica.
De acordo com o modelo, a oferta determina o equilíbrio na economia,
enquanto que a demanda agregada e a política fiscal são negligenciadas.
7
A equação supõe que as expectativas dos agentes são formadas com base tanto no histórico
passado de inflação quanto com base em outras informações que afetam seu comportamento futuro,
configurando-se em um misto de expectativas adaptativas e racionais.
24
O mecanismo de IT, representado pelas equações acima, supõe uma
economia em que a taxa de juros real equilibra uma taxa de inflação constante e um
hiato do produto nulo. Esta situação requer a existência de uma taxa de juros capaz
de igualar demanda por investimento e poupança na economia. Ademais, o modelo
supõe que desvios da meta de inflação devem-se a choques exógenos e não podem
ser causados por fatores endógenos, tais como flutuações da demanda por
investimentos.
Entretanto, existem alguns fatores que podem impedir este situação. Em
primeiro lugar, podem ocorrer erros na fixação da taxa de juros de equilíbrio, devido
às defasagens a que a política monetária está sujeita e à inexistência de informação
perfeita acerca das condições da economia.
Em segundo lugar, a taxa de juros real de equilíbrio pode ser inconsistente
com o equilíbrio externo, refletindo-se em flutuações da conta capital e da taxa de
câmbio, sendo que esta última causaria impactos indiretos sobre a inflação.
Além disso, a eficácia do modelo está centrada na sua capacidade preditiva e
em seus efeitos sobre a credibilidade. A previsão de inflação é anunciada de forma a
balizar expectativas e a atuar como metas intermediárias.
Outra questão relevante é que a permanência de expectativas de inflação
altas induz ao desenvolvimento de mecanismos de indexação. Quanto maior a
indexação da economia, maior o custo, em termos de crescimento do produto, de
reduzir a inflação, uma vez que a indexação impede a acomodação dos salários
reais, de forma que o ajuste econômico recai sobre o produto.
A capacidade preditiva de cada país em relação à inflação introduz um
componente de risco ao modelo. Devido à alta variabilidade dos mecanismos de
transmissão e às longas defasagens presentes nas ações de política monetária em
algumas economias, o risco de erro de previsão é alto. Este tipo de evento pode
causar graves danos à reputação e credibilidade do Banco Central, especialmente
em países emergentes.
2.3.2 Implementação Prática
A implementação prática do regime de IT varia de acordo com as
características particulares de cada país. Entretanto, existem algumas definições
operacionais que devem ser observadas por todos países que optarem por um
25
regime de IT, como definição da meta numérica, banda de variação, adoção de
clausulas de escape, entre outras. Embora, a resposta a cada uma destas questões
não sejam padronizadas em os optarem por um regime de IT.
2.3.2.1 Medida e Definição da Meta
A definição da meta de inflação reflete, para a maioria dos países, suas
interpretações sobre o conceito de estabilidade de preços. Usualmente, a
responsabilidade pela definição da meta é definida pelo governo central e/ou
parlamento e deve ser perseguida, como principal objetivo de política monetária pelo
Banco Central.
Surge, então, o debate a respeito do estabelecimento da IT em zero ou em
algum valor maior do zero. O objetivo de estabilidade de preços é muitas vezes
confundido com inflação nula. Entretanto, na prática, a estabilidade é afetada por
alguns fatores como medidas imprecisas e rigidez nominal. O viés presente no
cálculo do Consumer Price Index (CPI) implica em estabilidade de preços associada
a uma taxa de inflação positiva e em baixos patamares
8
.
Segundo Bernake e Mishkin (1997) uma IT em zero não é recomendável por
três motivos: i) testes empíricos sustentam que as medidas de inflação usualmente
utilizadas tendem a superestimar a inflação real, de modo que uma IT em zero
aumenta a probabilidade de se incorrer em deflação; ii) em virtude da rigidez de
preços e salários na economia, a IT em zero elimina a possibilidade de redução do
salário real através da inflação, amortizando a flexibilidade do mercado de trabalho,
bem como prejudicando sua eficiência alocativa; e iii) finalmente, a fixação da IT em
zero pode resultar em uma tendência decrescente do nível que preços, de tal modo
que a economia enfrente um processo deflacionário, com sérias conseqüências para
o crescimento do produto.
Debelle (1997) identifica ainda outra implicação da fixação da meta em zero,
análoga ao segundo motivo defendido por Bernake e Mishkin (1997) anteriormente,
a impossibilidade de fixação de uma taxa de juros real negativa, o que em algumas
8
O viés a que os cálculos do CPI estão sujeitos refere-se a situações como introdução de novos
bens, substituição de bens obsoletos e aquele causado por ajustes nos preços relativos (DEBELLE,
1997).
26
situações pode ser necessário para estimular a recuperação da economia de uma
recessão.
Ademais, simulações realizadas por Akerlof (1996 apud BERNAKE; MISHKIN,
1997) indicam que taxas de inflação próximas de zero podem aumentar a taxa de
desemprego no longo prazo. Dessa forma, a fixação de uma meta acima de zero
representa não apenas o estabelecimento de um teto para a taxa de inflação como
um piso.
2.3.2.2 Núcleo de Inflação
Um dos primeiros passos na operacionalização do regime de IT é a escolha
do índice de preços a ser utilizado. O índice deve ser considerado preciso e de fácil
entendimento pelo público.
Um aspecto importante destacado por Bernake e Mishkin (1997), na
flexibilização da política monetária, é a exclusão de itens voláteis, utilizando-se o
núcleo do indicador de inflação.
A utilização do núcleo de inflação, ou o expurgo de itens voláteis do cálculo
do índice de inflação, visa flexibilizar a resposta do banco central a choques
inesperados, que produzam efeitos temporários sobre o movimento dos preços.
Uma medida importante e que é comumente utilizada por muitos dos países
que adotaram o regime de IT é a exclusão do índice de preços ao consumidor de
itens referentes ao pagamento de juros
9
. Esta medida se justifica uma vez que a não
exclusão destes geraria movimentos de inflação e taxa de juros no mesmo sentido,
de forma que uma elevação na taxa de juros provocaria aumento direto no índice de
preços que baliza o sistema, prejudicando a eficácia da política monetária no
combate a processos inflacionários.
O Canadá é um dos países que utilizam o núcleo desde 1991, cujo objetivo é
isolar influências transitórias, melhorando as previsões de variações futuras do
9
Como exemplos cabe citar África do Sul e Inglaterra, que se utilizam deste expediente desde 2000 e
1992, respectivamente.
27
índice de preços. De fato, segundo Ferreira e Petrassi (2002), nota-se uma menor
variabilidade nos índices de preços dos países que adotam o núcleo.
O expurgo de alguns itens do CPI está sujeito a algum grau de subjetividade
no seu julgamento. A subjetividade está presente tanto no momento de identificação
do choque como na decisão dos itens a serem excluídos.
A utilização de índices cheios em países em desenvolvimento desvenda uma
questão bastante controversa. Embora estes países estejam mais sujeitos a
choques de oferta, muitos optam por adotar o índice cheio devido aos ganhos em
termos de transparência e credibilidade. Não se deve esquecer que muitos países
emergentes durante episódios de hiperinflação experimentaram situações em que o
cálculo do indicador de inflação foi manipulado para mascarar as altas taxas
registradas.
Este tipo de medida pouco ortodoxa deteriorou a credibilidade dos agentes
nos índices oficiais. Apenas recentemente a confiança da população nos índices de
inflação oficiais foi restabelecida, de forma que qualquer tipo de expurgo está sujeito
a altos riscos para credibilidade do regime. A construção da credibilidade da política
monetária em países emergentes representa altos custos, inclusive nos aspectos
mais operacionais.
Também é importante destacar que índices cheios, por serem mais
conhecidos pelo público, são de mais fácil entendimento. Além disso, quando as
decisões na economia são tomadas com base no índice cheio, esta é a melhor
medida de inflação a ser adotada. Alternativamente, as duas medidas podem ser
divulgadas, de forma a familiarizar o público com o núcleo do CPI e preparar uma
transição gradual para a sua utilização.
2.3.2.3 Bandas de Variação
A necessidade de se estabelecer bandas de variação para meta está baseada
no controle imperfeito que a política monetária exerce sobre a taxa de inflação. Em
função das defasagens da política monetária e das incertezas a que a previsão dos
índices futuros de inflação está sujeita, é praticamente impossível assegurar o
cumprimento de metas pontuais.
28
Entretanto, existem ainda divergências quanto à amplitude da banda de
variação. Bandas de variação estreitas sinalizam um compromisso mais rígido da
autoridade monetária no controle da inflação. Por outro lado, dado que o Banco
Central não controla diretamente a inflação, seu controle é imperfeito, desvios em
relação à meta tornam-se mais prováveis.
Estudos empíricos realizados na Austrália e Nova Zelândia concluíram que
bandas estreitas podem ser quebradas, mesmo quando as autoridades seguem uma
política monetária ótima em termos de controle da inflação (DEBELLE,1997).
No caso de bandas mais largas, maior flexibilidade da política monetária
para controlar choques imprevistos, embora possam sinalizar pouco compromisso
com estabilidade.
O tamanho ótimo da banda deve ser determinado levando-se em
consideração as incertezas inerentes ao processo de projeção inflacionária,
resultante, em alguns casos, da volatilidade a que algumas economias estão
sujeitas.
Dessa forma, assim como muitos aspectos presentes no mecanismo de IT, as
bandas também explicitam o trade-off flexibilidade e credibilidade. Neste sentido é
impossível estabelecer uma banda de variação ótima para todos os países. A banda
de variação deve ser definida para cada caso particular, levando-se em
consideração as singularidades da economia em questão.
2.3.2.4. Cláusulas de Escape
Em face de variações bruscas dos termos de troca, interrupções nos fluxos de
capitais externos e desastres naturais, a autoridade monetária pode optar por não
seguir estritamente as metas para não sacrificar demasiadamente a atividade
econômica. No intuito de contemplar este tipo de evento, alguns países
estabeleceram cláusulas de escape.
As cláusulas de escape o formas de flexibilizar a atuação do banco central
diante de choques exógenos, permitindo desvios temporários da meta, desde que o
público seja comunicado sobre os motivos de tal decisão.
29
A despeito da impossibilidade de se prever todos os choques possíveis,
alguns países adotaram este mecanismo como meio de reduzir os custos impostos
ao produto, sem desrespeitar as regras do sistema.
A Nova Zelândia é um dos países cujo arcabouço operacional do mecanismo
de IT prevê a utilização de cláusulas de escape, diante de alguns acontecimentos,
tais como alterações de impostos ou mudanças acentuadas nos termos de troca
oriundas de variações nos preços de importações ou de exportações. Entretanto,
a ressalva de que o Reserve Bank deve indicar ao público os efeitos do choque e
esclarecer a sua estratégia para trazer a inflação de volta aos limites das bandas.
São situações em que tipicamente as cláusulas podem ser utilizadas:
i) grandes desvios nos preços internacionais: matérias-
primas, energia, commodities etc;
ii) grandes desvios da taxa de câmbio, não relacionados a
política monetária doméstica;
iii) grandes variações na produção agrícola;
iv) desastres naturais (e outros) que afetem os preços;
v) variações nos preços regulados que afetem em mais de
1-1,5 ponto percentual o índice de preços (inflação cheia).
As cláusulas de escape nada mais são do que possibilidade de
descumprimento a regra em face de alguns eventos. A função deste mecanismo é
conferir maior flexibilidade ao regime, o que se assemelha a adoção temporária de
uma política discricionária.
2.3.2.5 Horizonte de Controle
A adoção do regime de IT implica na especificação de um horizonte de tempo
no qual o objetivo será cumprido, de modo a fornecer um meio de avaliação do
instrumento.
De acordo com Debelle (1997), o horizonte da IT deve estar alinhado com as
condições iniciais de adoção do regime. Para países com uma taxa de inflação inicial
30
alta, no momento de adoção do regime o horizonte de avaliação deve ser mais
longo, para não comprometer a credibilidade da autoridade.
Na definição do horizonte para cumprimento da meta, deve-se levar em
consideração a capacidade do formulador de política reagir diante de desvios
decorrentes de choques de curto prazo. Neste contexto, a definição do horizonte
deve considerar não apenas as condições iniciais de adoção do regime, mas
também, e principalmente, a vulnerabilidade da economia a choques.
Entretanto, um problema relevante na operacionalização do regime de IT é a
defasagem da política monetária. Segundo Mishkin e Schmidt-Hebbel (2001), para
alguns países as defasagens podem ser bastante extensas, cerca de dois anos ou
mais.
Ampliar o horizonte de avaliação do regime de IT, de forma que este
apresente maior relação com o período de defasagem da política monetária, melhora
o problema de instabilidade de instrumentos. Instituir um horizonte de tempo mais
longo e flexível é uma forma de enfrentar choques adversos. Horizontes longos
exigem respostas menos rígidas a choques, uma vez que permitem que a inflação
flutue por um período maior.
Um meio de ampliar o horizonte do regime é estabelecer metas decrescentes,
de modo a aproximar-se de uma meta de longo prazo, gradualmente. Esta estratégia
foi adotada pelo Chile em 1990.
Novamente, assim como os demais aspectos do regime de IT, o horizonte de
controle esta sujeito à avaliação da autoridade monetária dos custos, em termos de
credibilidade que a flexibilização do mecanismo implica.
2.4 O Trade
-off credibilidade e flexibilidade e a importância da
transparência
Quanto mais simples e rígidas as restrições da política, mais fácil é o
entendimento do público a seu respeito. Entretanto, estas duas características
dificultam a resposta da autoridade monetária aos eventos imprevistos e,
concomitantemente, à manutenção da credibilidade.
31
Neste contexto, dadas às incertezas da política monetária e do ambiente
econômico, flexibilidade configura-se em aspecto fundamental para o sucesso do
regime de IT. Por outro lado, flexibilização do regime, em algumas circunstâncias,
pode implicar em custos à credibilidade e levantar dúvidas quanto ao
comprometimento da autoridade monetária com a estabilidade de preços.
No entanto, as questões que envolvem o Trade-off credibilidade e flexibilidade
diferem entre as escolas de pensamento. Para os economistas da escola
keynesiana, por exemplo, não existe incompatibilidade entre credibilidade e
flexibilidade como defendido pela escola neoclássica.
2.4.1 A Visão Keynesiana: os pontos de contato entre pós e novos-
keynesianos
Para os economistas de tradição keynesiana, uma política crível é aquela que
persegue objetivos complementares, ou não-ambíguos; conta com flexibilidade
suficiente para a utilização tanto dos instrumentos monetários quanto fiscais e emite
os sinais necessários para a correta formação de expectativas pelos agentes.
Desta forma, segundo o argumento keynesiano, não contrariedade entre
flexibilidade e credibilidade. Exatamente porque a autoridade monetária
compromete-se com um objetivo, que é compartilhado pela sociedade e conta com a
sua cooperação, a política monetária pode ser conduzida discricionariamente,
dispondo de flexibilidade para enfrentar eventos imprevistos, sem incorrer em
elevados custos inflacionários.
Entretanto, as políticas empregadas serão extremamente dependentes do
apoio da sociedade. Uma política monetária considerada equivocada pelos agentes
privados implicará em elevados custos e na perda de reputação de seus
formuladores, reduzindo a eficácia de medidas futuras.
Segundo Sicsú (1997), reputação é uma variável backward-looking, enquanto
que credibilidade é uma variável forward-looking, que está relacionada ao
julgamento dos agentes em relação à possibilidade de sucesso das ações
32
anunciadas. Reputação refere-se ao histórico de comportamento passado da
autoridade monetária.
Tanto para os pós-keynesianos quanto para novos-keynesianos, a reputação
do banqueiro central previne a autoridade monetária da implementação de ações
que representem perda de prestígio futuro e, em última instância, inibem o uso
irresponsável dos instrumentos de política monetária.
Uma vez que, para os formuladores keynesianos, as políticas serão
basicamente discricionárias, a necessidade de manutenção da reputação é bastante
importante.
2.4.2 A Visão Neoclássica
No caso do pensamento neoclássico, a reputação significa um impedimento
ao uso discricionário da política monetária, representando uma forma de coesão das
ações às regras previamente anunciadas.
Para a escola de tradição neoclássica, uma política monetária crível é aquela
em os agentes acreditam que as regras serão cumpridas. Sob esta visão, existe um
conflito entre credibilidade e flexibilidade, uma vez que, diante da ocorrência de
eventos imprevistos, a autoridade monetária deve priorizar o cumprimento das
regras sob pena de incorrer em custos futuros relativos à perda de credibilidade, ao
invés de acomodar os choques.
No que se refere à reputação, está associada às características institucionais
que inibem a capacidade discricionária das políticas. Em outras palavras, como os
agentes, autoridade monetária e setor privado interagirão em um número
indeterminado de situações, cada ação tomada contribuirá para a formação da
reputação dos agentes. Segundo Tejada e Portugal (2002, p.90-91):
A credibilidade considera se os planos, uma vez anunciados, são críveis,
enquanto a reputação tem a ver com a forma como o policymaker avalia
diferentes resultados (por exemplo, se prefere ou não inflação baixa),
independentemente do que possa ter sido anunciado. A credibilidade é o
grau de crença dos agentes em que os policymakers levarão a cabo os
planos anunciados, ao passo que a reputação baseia-se nas crenças dos
agentes sobre as preferências dos policymakers.
33
Neste contexto, a reputação pode ser entendida como o grau de confiança
dos agentes na autoridade monetária, que leva em conta seu histórico de
comportamento passado.
2.4.3 Transparência
Transparência, credibilidade e reputação estão intimamente relacionadas no
mecanismo de IT.
Um dos argumentos a favor da adoção de IT é o de que este instrumento
fornece um meio objetivo para avaliação da condução da política monetária. Neste
contexto, é imprescindível o aprimoramento dos canais de comunicação com o
publico, de forma a deixar claro os objetivos da política monetária, os rumos que a
economia está tomando e as respostas do Banco Central a estes eventos. Neste
sentido, a transparência reforça o papel da credibilidade e da reputação. A
transparência nas ações do Banco Central permite melhor avaliação do público
acerca do seu desempenho, contribuindo para a formação da credibilidade e da
reputação da autoridade monetária.
A transparência exerce um papel crucial dentro do regime (IT), pois ela
introduz um mecanismo de incentivo para que o banco central siga a
política anunciada de maneira mais próxima. Ela elimina/reduz a
possibilidade do banco central usar a política monetária para causar
surpresas inflacionárias, visando elevar o emprego e o produto para além
da capacidade da economia. A transparência leva o público a exercer a
monitoração das ações do [banco central], associando-o cada vez mais
com responsabilidade pelo cumprimento da meta. que desvios
sistemáticos implicariam em perda de credibilidade e de reputação. (SILVA;
PORTUGAL, 2002, p.4).
IT podem ser um meio efetivo de aumentar a transparência da política
monetária através da constante transmissão de informação ao público e aos
mercados sobre as intenções da política monetária. Uma variedade de arranjos
institucionais, publicações e discursos podem favorecer o processo de informação e
enfatizar a natureza preventiva da política monetária. Adicionalmente, explicações
claras e regulares ao mercado por parte do banco central podem melhorar o
entendimento a respeito do objetivo da estabilidade de preços.
34
Segundo os defensores de IT, o aprimoramento da transparência da política
monetária induziria a um comportamento mais responsável por parte do banco
central. Uma vez que o problema da inconsistência dinâmica está, usualmente,
relacionado às pressões políticas, a adoção do regime permitiria o debate acerca de
que variáveis o banco central pode ou não influenciar no longo prazo.
Na maioria dos países que adotaram os regimes de IT, o banco central
publica documentos periódicos e detalhados, que incluem previsões de inflação e
discussões sobre as responsabilidades da política monetária, entre outros aspectos.
Um exemplo é o Relatório de Inflação do Bank of England, publicado
trimestralmente, onde se encontram análises detalhadas de aspectos relacionados à
inflação.
Transparência também significa tornar público os modelos de previsão
utilizados pelos formuladores de política monetária. Segundo Debelle (1997), bancos
centrais sob IT deveriam comunicar seus métodos de previsão, o que facilitaria a
formação de expectativas de inflação pelos agentes privados.
Neste caso, o sucesso do regime deriva em grande medida da capacidade
preditiva dos modelos utilizados. É por este motivo que os modelos de previsão são
tão importantes para o regime. De acordo com Svensson (1996 apud
DEBELLE,1997), a previsão oficial de inflação do banco central deve funcionar como
meta intermediária.
Sofisticados modelos estatísticos, construídos com base em longas ries de
dados, são necessários para produzir previsões confiáveis da trajetória de inflação.
Este fato torna indispensável à existência de séries históricas longas, comumente
necessárias à estimativa de relações confiáveis entre as variáveis monetárias. Neste
caso também é necessário que estas relações sejam relativamente estáveis no
tempo.
No entanto, a capacidade de previsão varia de país para país, em função da
experiência com o uso de modelos preditivos e informação estatística disponível.
Em alguns casos, a ausência de relações estáveis entre as variáveis
monetárias, de informação estatística relevante e de métodos de previsão eficientes,
provoca erros sistemáticos de previsão. Esta situação pode representar custos altos
em termos de credibilidade para o banco central e prejudicar a adoção de novas
35
políticas para controle da inflação. Como será exposto adiante, esta é a realidade
vivida atualmente pela maioria dos países emergentes.
36
3 A EXPERIÊNCIA DOS PAÍSES EMERGENTES SOB IT
Um número crescente de autoridades monetárias de países emergentes
considera que o objetivo primordial da política monetária é promover a estabilidade
de preços. Em face da aceitação desse argumento, diversos países emergentes
adotaram, a partir do início da década de 1990, a sistemática de IT como âncora
nominal para política monetária.
Este capítulo tem por objetivo identificar as principais lições obtidas a partir
das experiências de um grupo de países emergentes com características comuns
em termos de: trajetórias de crescimento, histórico de inflação, vulnerabilidade e
fragilidade externa e de tamanho da economia. Os países analisados são Brasil,
Chile e México.
O capítulo foi estruturado da seguinte maneira: na primeira seção, são
abordadas as características comuns do grupo de países, ao passo que, na
segunda, são descritas suas experiências sob IT.
3.1 Características comuns aos países emergentes
Segundo Fraga, Goldfajn e Minella (2003) países emergentes enfrentam
maiores desafios na adoção e condução do regime de IT do que países
desenvolvidos. A hipótese defendida pelos autores é a de que a falta de
credibilidade da autoridade monetária, o ambiente econômico mais instável e a
ausência de instituições sólidas impõem trade-offs mais severos aos países.
Países emergentes possuem instituições fracas, o que repercute
negativamente sobre a efetividade de políticas públicas. No que tange a IT, este fato
implica na atribuição de uma probabilidade positiva por parte do público de que a
autoridade monetária quebrará a regra em algum momento. Este tipo de
comportamento se reflete em expectativas de inflação mais altas do que as
observadas em países desenvolvidos.
Esta situação também se faz presente na ocorrência de choques adversos, o
que requer reações mais rigorosas por parte do Banco Central para manter a
credibilidade da política, penalizando o crescimento do produto.
37
O custo da construção da credibilidade do Banco Central traduz-se em alta
volatilidade do produto e das taxas de juros. Neste caso, a questão a ser investigada
é se este custo é compensado pelo aumento da credibilidade.
Um fato relevante, quando se trata de países emergentes, é que dificilmente
este custo se traduz em maior confiança do público nas instituições. Em países
emergentes é comum que o presidente do Banco Central, e não a Instituição, seja o
avalista da política monetária
1
. Dessa forma, em razão da alta rotatividade do cargo,
os custos de construção da credibilidade não seriam compensados por benefícios
duradouros.
Fraga, Goldfajn e Minella (Ibid também destacam a presença de elevadas
taxas de inflação iniciais no momento da adoção do regime de IT em países
emergentes. Nestes casos, os autores salientam que as fases iniciais do regime são
acompanhadas por altos custos de desinflação, devido em parte à falta de
credibilidade e em parte à persistência de inércia inflacionária.
Entretanto, o custo elevado da desinflação pode persistir caso o país
experimente algum período de repique inflacionário, que eleve substancialmente a
taxa de inflação. Esta situação é bastante comum em economias emergentes. Em
razão do grande número de choques que atingem estes países, provocando
elevações inesperadas dos índices de preços, os custos da desinflação podem
permanecer altos por longos períodos.
Outra questão enfatizada por Fraga, Goldfajn e Minella (2003) refere-se à
construção da credibilidade. Dessa forma, os custos da desinflação seriam altos
durante a etapa de formação da credibilidade e da reputação. Entretanto, como
destacado anteriormente, nestes países, a credibilidade está mais relacionada às
pessoas do que às regras ou instituições.
1
Rogoff (1985) desenvolveu um modelo para demonstrar o quanto o perfil do presidente do Banco
Central pode afetar a eficácia de políticas monetárias. Segundo o autor, para amenizar o viés
inflacionário das políticas públicas, a sociedade tem a seguinte alternativa: escolher para a
presidência do Banco Central um agente que reconhecidamente atribua peso maior à estabilização
da inflação do que a média da sociedade (um agente conservador). Ele argumenta que seu modelo
captura o fato de que dirigentes de bancos centrais são normalmente escolhidos entre indivíduos
conservadores na comunidade financeira. Estes agentes teriam inclusive um incentivo adicional para
resistir a pressões para inflacionar a economia: o seu sucesso no controle da inflação aumentaria o
seu prestígio e a probabilidade de maior remuneração quando retornar ao setor privado.
38
Dominância fiscal e externa também o questões comumente presentes nos
países emergentes que enfraquecem a eficácia de IT. Defensores de IT afirmam que
o sucesso do mecanismo requer ausência de dominância fiscal. Dessa forma,
adoção do regime demanda forte disciplina fiscal.
Independentemente do regime monetário adotado, a recomendação comum,
em termos de política econômica, é a coordenação entre as políticas monetária e
fiscal. Para ilustrar esta afirmação, vale recordar o exemplo em que a existência de
uma elevada dívida pública pode resultar em um aumento das expectativas
inflacionárias. Para conter as expectativas, as taxas de juros são elevadas.
Entretanto, a elevação se refletirá em um aumento da dívida pública, que
influenciará negativamente às expectativas de inflação. Esse exemplo ilustra como o
descompasso entre política fiscal e monetária pode resultar em elevadas
expectativas inflacionárias, dívida pública em trajetória de crescimento e altas taxas
de juros (DEBELLE,1997).
Ademais, este tipo de situação pode resultar em efeitos crowding-out nocivos
ao investimento privado. Em algumas economias, o sistema financeiro privado é o
maior financiador do governo federal. Dessa forma, a oferta de crédito para o
investimento privado torna-se muito restrita e, conseqüentemente, as taxas muito
elevadas.
A elevada vulnerabilidade externa característica de países emergentes é
outro obstáculo à condução do regime de IT. Em países emergentes, a dominância
externa representa papel relevante. Em geral, estes países estão sujeitos à
significativa dependência de investimentos estrangeiros. Este fator os torna mais
vulneráveis a choques externos e implica em alta volatilidade da taxa de câmbio.
Os fatores que contribuem para explicar esta característica são: a
considerável participação de insumos importados no processo produtivo, a
predominância da composição da pauta de exportação por commodities e bens
manufaturados de baixo valor agregado e a presença de grande número de
multinacionais operando nestes países, o que se reflete em vultosas remessas de
lucros para o exterior.
A maior parte dos países emergentes exibem algum grau de fear of floating. O
fato da taxa de câmbio constituir-se em importante mecanismo de transmissão da
39
política monetária explica em parte este comportamento. De acordo com Svensson
(2000), a taxa de câmbio pode afetar a inflação tanto direta quanto indiretamente.
De forma direta, o câmbio afeta a inflação na medida em que altera o preço
em moeda doméstica dos bens de consumo final importados. De forma indireta, a
taxa de câmbio afeta a inflação em duas vias. A primeira quando altera os preços
relativos entre bens domésticos e importados, influenciando a participação de bens
domésticos na demanda agregada, o que, por sua vez, pode se refletir na inflação. A
segunda via refere-se à alteração dos preços em moeda nacional dos insumos
importados. Nesse caso, uma desvalorização cambial pode resultar em elevação
dos preços na proporção da participação dos insumos importados na produção
nacional.
Ademais, em razão da ausência de um mercado financeiro bem desenvolvido,
em que não existem recursos para financiamentos de longo prazo, as empresas
possuem elevado endividamento em moeda estrangeira. Nesse caso, a
desvalorização da moeda nacional provoca descompasso entre ativos e passivos
das empresas, resultando em situações de insolvência. A deterioração do balanço
das empresas, além de conduzir a situações de moral hazard e seleção adversa,
provoca reduções dos investimentos e, conseqüentemente, impactos sobre o
produto.
Além desses fatores, não se pode deixar de destacar o papel da taxa de
câmbio na formação das expectativas de inflação. Uma vez que a taxa de câmbio,
em países emergentes, possui elevado pass-through sobre os preços internos, é
comum que as expectativas de inflação sejam influenciadas pela variação do
câmbio.
Outra característica comum aos países emergentes que afeta a política
monetária é a dependência de capitais externos. É comum aos países emergentes
enfrentarem crises de balanço de pagamentos. Isso ocorre porque o déficit em conta
corrente deve ser financiado pela conta capital. Como o prêmio de risco para países
emergentes é elevado, as taxas de juros mantêm-se em altos patamares, de forma a
atrair capitais externos.
Taxas de juros elevadas aumentam o endividamento público. Por seu turno,
esse fenômeno reforça a precariedade do mercado financeiro, através do efeito
40
crowding-out, na medida em que os títulos públicos oferecem altos retornos e níveis
de riscos baixos em relação aos títulos privados. Esse fenômeno é especialmente
nocivo para as empresas de pequeno e médio porte, que têm acesso restrito ao
mercado de capitais externos. Também é importante destacar que as pequenas
empresas são as que utilizam mais intensivamente trabalho. Dessa forma, o impacto
sobre o nível de emprego decorrente do corte de investimentos dessas empresas é
mais expressivo.
No caso das empresas de grande porte, o acesso ao mercado internacional
de capitais agrava a dependência externa e os efeitos da volatilidade da taxa de
câmbio, reforçando o ciclo vicioso das economias emergentes.
A solução recomendada pelos economistas do mainstream para quebrar o
ciclo vicioso é um significativo ajuste fiscal. Entretanto, esse ajuste pode-se dar
apenas de duas formas: elevação da carga fiscal ou redução de despesas. As duas
opções se traduzem em restrições à demanda agregada.
No que tange ao aspecto técnico do mecanismo de IT, deve ser destacada a
ausência de uma estrutura bem desenvolvida que suporte a adoção do mecanismo.
Segundo pesquisa realizada pelo FMI
2
com países emergentes que utilizam IT, a
maioria adotou o mecanismo com pouca ou nenhuma capacidade de predição.
Na medida em que as IT são vistas como balizador de expectativas, a falta de
capacidade de predição do Banco Central pode resultar em perdas sistemáticas das
metas anunciadas e a danos à credibilidade da autoridade monetária.
Outro fator destacado pelo FMI é a utilização de índices de inflação cheios,
que incluem preços administrados, sobre os quais a política monetária não tem
influência. Além disso, caso os preços administrados sofram influências de variações
do câmbio, a elevação do índice de preços provocará uma política monetária
restritiva, cujo único resultado observado será a redução do crescimento econômico.
Sicsú (2003) argumenta que existem vários instrumentos de combate à
inflação, não apenas a taxa de juros. Além disso, Sicsú (2003) argumenta que o que
deve ser combatido não é a inflação em si, mas suas causas, daí a diferenciação
entre os tipos de inflação sugerida pelo autor.
2
O resultado da pesquisa pode ser encontrado no Capitulo IV do World Outlook Review de setembro
de 2005 (INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2005).
41
Segundo a ótica pós-keynesiana, existem inflações de demanda, que devem
ser combatidas através da elevação da taxa de juros e inflações de oferta, para as
quais outros instrumentos devem ser utilizados. Isso porque, a taxa de juros apenas
é capaz de influenciar a demanda. Como destacado por Sicsú (2003, p.03): A idéia
pós-keynesiana, em oposição à regra convencional de disciplina da política
monetária e de busca do controle do nível de preços, é que uma elevação da taxa
de juros atacaria os sintomas da inflação e não as suas causas.
Em suma, diante de um contexto de dependência externa e endividamento do
setor público, a adoção de IT pode se configurar em um cenário de elevada rigidez
da economia. Além disso, a combinação de mercado financeiro pouco desenvolvido,
baixa credibilidade das instituições, falta de capacidade cnica do Banco Central e
altas taxas de juros impõem restrições ao crescimento econômico dos países em
desenvolvimento.
.
3.2 A economia da América Latina
A América Latina foi a região com as maiores taxa de inflação mundial até o
início da cada de 1990. Em 1990, a taxa de inflação dia na América Latina
atingiu o número recorde de 500% (CARSTENS; JÁCOME, 2005). Brasil, Argentina
e Peru registraram taxas de inflação de quatro dígitos. Dominância fiscal era
considerada a principal causa desse fenômeno.
Em contraste, nesse período, os países desenvolvidos registravam índices de
inflação de cerca de 4% ao ano.
A partir da década de 90, após a adoção do regime de IT na Nova Zelândia,
um crescente número de países passou a utilizar o regime. A América Latina
também seguiu esta tendência. Metas de inflação foram implementadas em 1990 no
Chile, em 1994 no Peru, em 1999 no Brasil e na Colômbia e em 2001 no México.
A combinação de hiperinflação com altas taxas de desemprego,
desempenhos econômicos medíocres e constantes reduções no padrão de vida da
população motivaram a adoção de políticas voltadas para redução da inflação na
América Latina.
42
Os países da região que aderiram ao regime de IT atualmente possuem
economias abertas, com regimes de câmbio flutuantes, em que a volatilidade da taxa
de câmbio ocupa papel importante nas decisões e ações de política monetária.
As características comuns como: baixa credibilidade dos formuladores de
política econômica, fraco desenvolvimento institucional, sistema financeiro pouco
desenvolvido e maiores riscos associados ao sistema regulatório ineficiente,
implicam em maior volatilidade das taxas de inflação, juros, câmbio e produto. Outra
dificuldade que enfrentam é a maior vulnerabilidade a choques externos, dada a
grande dependência de capitais de curto prazo, que, em situações de crise, tendem
a provocar grandes oscilações do saldo do balanço de pagamentos.
Dessa forma, a condução da política monetária, em países da América Latina,
enfrenta quatro grandes desafios: i) reduzir os níveis de inflação, que em geral são
mais elevados; ii) fortalecer as instituições; iii) reduzir o risco de dominância fiscal e
externa; e iv) construir uma sólida credibilidade.
Segundo Aguiar e Gopinath (2004), os ciclos de negócios nos mercados
emergentes são caracterizados por significativos movimentos contra-cíclicos em
conta corrente, elevada volatilidade de consumo, diga-se de passagem, superior à
volatilidade da renda, e expressivos sudden-stops nos fluxos de capital. Esses
fatores estruturais contrastam com os encontrados em economias desenvolvidas e
enfatizam a singularidade dos mercados emergentes.
Diferentemente dos países desenvolvidos, os países latino-americanos têm
experimentado grandes flutuações econômicas, caracterizadas por alta volatilidade
do fluxo de capitais e reversões em conta corrente.
3.2.1 O caso do Chile
O Chile é uma pequena economia aberta, marcada por um alto grau de
rigidez dos preços, e que, como a maioria dos países da América Latina,
experimentou episódios de hiperinflação durante a década de 1980.
Embora a taxa de inflação constituísse o maior foco de atenção dos
governantes, durante a década de 1980, e sua redução o principal tema do debate
43
público, essas preocupações não se materializaram em políticas econômicas
consistentes, pelo menos até o início da década de 1990.
3.2.1.1 Antecedentes
Em meados da década de 1970, o Presidente Pinochet implementou um
programa de estabilização da economia pautado na redução do déficit fiscal,
eliminação de medidas de controle de preços, abertura comercial e privatizações.
Em 1979, o Chile adotou regime de câmbio fixo na expectativa de que,
conforme descrito pelos livros texto de economia, a taxa de inflação chilena
convergisse para a vigente no país ao qual a moeda foi atrelada. Entretanto, o que
se verificou foi a apreciação da taxa de câmbio real, seguida de severo choque
externo, que resultou em forte depreciação da moeda, recessão e retorno às altas
taxas de inflação.
Em 1989, foi aprovada a Lei Orgânica que concedeu independência legal,
operacional e de instrumentos ao Banco Central do Chile (BCC)
3
. O Chile, então,
adotou o regime de IT em 1991, no primeiro ano de completa independência do
BCC.
A independência operacional e de instrumentos garantiu ao BCC liberdade
para determinar tanto as metas de inflação quanto os meios através do qual essa
seria atingida
4
. De acordo com Morandé (2001), nessa época a taxa de inflação
anual chilena era de cerca de 25%, muito próxima à média verificada para a década
de 1980, e a economia chilena estava sujeita a um elevado grau de indexação.
Em setembro de 1990, o BCC anunciou sua primeira meta de inflação para o
ano calendário seguinte. Esta decisão foi bastante inovadora para época,
considerando que, nesse período, o termo “IT” não estava ainda formalizado, visto
3
É importante também destacar que a aprovação desta Lei ocorreu após a saída de Pinochet do
governo e antes que a oposição assumisse o poder. Assim m dos possíveis motivos da aprovacao da
referida legislação é de ordem política.
4
O BCC é o responsável de fato pela determinação das metas, embora esta responsabilidade não
esteja assegurada explicitamente por instrumentos legais. Ocorre que, uma vez que o Banco Central
é a autoridade encarregada de manter a inflação em baixos patamares, esta atribuição foi
interpretada como uma responsabilidade de determinação das IT a serem atingidas.
44
que apenas a Nova Zelândia, um país desenvolvido e com características
econômicas distintas da realidade chilena
5
, havia adotado o regime.
Entretanto, a data de adoção do regime de IT no Chile está sujeita a
controvérsia. Embora o País tenha anunciado a adoção do mecanismo em 1990,
muitos autores argumentam que, apenas em 1999, o regime passou a se configurar
em IT de fato. A polêmica se deve à co-existência de metas de câmbio e de inflação,
simultaneamente, entre 1991-1999.
O regime foi adotado em reposta à crescente pressão inflacionária causada
pelas políticas expansionistas de 1988-89 e pelo choque de preços do petróleo,
decorrente da Guerra do Golfo. Neste contexto, o BCC pretendia sinalizar que
passaria a implementar políticas mais contracionistas na intenção de proteger a
estabilidade do poder de compra da moeda.
Existiam, entretanto, três obstáculos a serem superados para o sucesso do
regime. Em primeiro lugar, a elevada taxa anual de inflação (entre 20 e 25% ao ano),
acompanhada por igualmente altas expectativas de inflação; em seguida, a
necessidade de estabelecer a autonomia do BCC em relação ao poder executivo; e,
por fim, a necessidade do BCC de convencer o mercado do seu comprometimento
com estabilidade monetária (MORANDE,2001).
3.2.1.2 A Transição para o Mecanismo de IT
A adoção do regime de IT, em 1990, foi um passo bastante arriscado na
política monetária chilena. Durante este período os países industrializados, que
adotaram IT, enfrentavam uma realidade econômica oposta à chilena. Os países
desenvolvidos adotaram IT em um contexto de inflação moderada enquanto que, o
Chile vivia uma situação em que as taxas de inflação estavam em torno de 25% a.a.
e em processo de aceleração.
O regime de IT chileno pode ser dividido em duas fases distintas.
5
A década de 1990, na Nova Zelândia, foi caracterizada por um rápido crescimento econômico,
impulsionado, em grande medida, pelo desenvolvimento do setor de serviços.
45
A primeira iniciou em 1991 e prosseguiu até 1999. Em 1991, a economia
chilena estava superaquecida, a taxa de crescimento do PIB situava-se em torno de
9%, existia um ambiente de incerteza a respeito das características do novo governo
e do papel do BCC após sua independência. Por outro lado, o regime foi adotado em
um contexto econômico mundial favorável. Durante o período, o país manteve
superávits fiscais até 1998, não houve choques negativos reais até 1997
6
e, nos
mercados financeiros internacionais, as condições de liquidez eram favoráveis.
A década de 90 foi marcada por um contexto em que as baixas taxas de juros
internacionais favoreceram os fluxos de capitais estrangeiros para América Latina,
atraídos pela rentabilidade garantida por elevadas taxas de juros praticadas na
região. Nesse contexto, o Chile logrou reduzir significativamente a taxa de inflação,
mantendo um elevado nível de crescimento e baixas taxas de desemprego. A média
da taxa de crescimento do PIB trimestral, anualizado, entre 1991 e 1998, foi de
7,6%.
O BCC privilegiou a construção da credibilidade, em detrimento da
flexibilidade
7
. Como forma de sinalização de seu comprometimento com o regime, a
autoridade monetária estabeleceu um curto horizonte para a meta (dezembro de
cada ano) e adotou metas pontuais para o Consumer Price Index (CPI índice
cheio).
A razão para utilização de metas pontuais, de acordo com Morandé (2001),
era sinalizar para os mercados que o BCC não estaria sujeito a pressões por parte
do governo para viesar a meta em direção à banda superior de variação. Além disso,
diferentemente da Nova Zelândia, o Chile não introduziu cláusula de escape no
desenho do sistema.
Durante a primeira fase, o BCC tentou equilibrar, concomitantemente, uma
série de objetivos, o que reduziu significativamente a flexibilidade da política
monetária. O BCC perseguiu metas explícitas para o mbio e a inflação, e uma
meta implícita para o déficit em conta corrente.
6
Durante as crises asiática e russa, o BCC reagiu fortemente à elevação do déficit em conta corrente,
aumentando rapidamente a taxa de juros, no intuito de restaurar o equilíbrio do balanço de
pagamentos. Outra opção seria uma pronunciada e rápida depreciação do peso chileno, o que
poderia comprometer a metas de inflação.
7
O trade-off credibilidade-flexibilidade deve favorecer a credibilidade quando as condições iniciais
envolvem alta inflação, histórico de fraco comprometimento com estabilidade preços e elevado grau
de indexação da economia (MORANDE, 2001).
46
Cabe destacar a importância atribuída pelos formuladores de política
monetária ao controle do déficit em conta corrente durante a primeira fase do
regime. Esta preocupação foi explicitada pela determinação de intervalo de variação
para o déficit em conta corrente como proporção do PIB entre 2 e 4%, até 1995, e
entre 4 e 5%, até 1998
8
.
0,1%
0,3%
1,6%
2,3%
3,1%
2,1%
5,7% 5,7%
5%
5,1%
0
1
2
3
4
5
6
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Gráfico 3.1: Déficits em Transações Correntes (%PIB)
Fonte: INTERNATIONAL MONETARY FUND - IMF Statistics.
O primeiro motivo para a preocupação com o déficit em conta corrente é a
atenção dedicada a esse indicador, por parte dos investidores internacionais, como
medida de vulnerabilidade externa nos países emergentes. Em outras palavras, o
déficit em conta corrente em valores elevados é considerado arriscado para essas
economias, na medida em que pode desencadear situações de insolvência. Esse
tipo de fenômeno pode-se desdobrar em racionamento de crédito, elevação do custo
de financiamento e fuga de capitais.
O segundo, está relacionado à flutuação da taxa de câmbio. A preocupação
com a flutuação da taxa de câmbio, no Chile, tem duas vertentes distintas. Uma,
refere-se à característica chilena de economia bastante aberta, cuja pauta de
exportação está concentrada em commodities. Dessa forma, as autoridades
enfrentam forte pressão da sociedade para evitar apreciação da taxa de câmbio. A
outra, em contraste, refere-se ao fato de que desvalorizações pronunciadas do
câmbio podem implicar em efeito pass-through de grande magnitude. Dessa forma,
o BCC enfrenta constantes restrições na condução da política monetária.
8
Entretanto este objetivo era assimétrico, isto é, a ação do BCC era muito mais efetiva quando diante
de déficits acima do teto estabelecido do que diante de déficit inferiores ao piso da banda
(MORANDE, 2001).
47
Por outro lado, o caráter gradualista adotado para a redução da inflação
amenizou a rigidez das regras estabelecidas. Morandé (2001) argumenta que este
gradualismo marcou a estratégia do BCC no que se refere ao horizonte de controle
para as metas. Cerca de nove anos foi o período necessário para reduzir a taxa de
inflação chilena de, aproximadamente, 25% a.a. para algo em torno de 3% a.a. em
2001
9
.
O BCC adotou a postura de, a cada ano, estabelecer uma meta de inflação
inferior à do ano anterior, explicitando o gradualismo no horizonte de controle.
Segundo o autor, a principal preocupação era com a redução da inflação em relação
ao ano anterior, e não com o cumprimento da meta propriamente dita.
A segunda fase do regime iniciou-se em 1999, pois com o abandono da meta
para a taxa de câmbio, a inflação tornou-se única meta formal da política monetária.
Apenas nesta data, houve a operacionalização completa do regime, com a
implantação de modelos estatísticos de previsão; a publicação de relatórios de
inflação, contendo a previsão de inflação e crescimento por parte do BCC; e o
anúncio do calendário de reuniões de política monetária, com seis meses de
antecedência. Entretanto, no caso do Chile, as conclusões das reuniões de política
monetária são publicadas com noventa dias de defasagem, prejudicando a
transparência do processo.
Um dos fatores que favoreceram o movimento para a segunda fase do regime
foi a rie de choques que atingiram as economias da América Latina a partir de
1997, como a crise Asiática, e, posteriormente, em 1998, a moratória da Rússia.
Esses dois eventos interromperam o fluxo de capitais estrangeiros para a América
Latina e, especialmente no caso do Chile, economia com elevado grau de abertura
ao comércio externo, prejudicou o fluxo de exportações do país.
O peso chileno reagiu com forte desvalorização, o que, dado o alto grau de
pass-through da desvalorização, para os índices de preços, poderia comprometer a
credibilidade, cuidadosamente construída pelo BCC. Os reflexos da crise russa
somados ao crescimento da demanda doméstica conduziram a uma resposta
9
Segundo Morandé (2001), a literatura recente de IT distingue entre horizonte implícito para meta e
horizonte de controle. O primeiro corresponde ao período necessário para que os reflexos das ações
de política monetária possam ser observados na economia, enquanto que o segundo representa o
tempo estimado pelo BCC para que a inflação retorne à metas após a ocorrência de choques
adversos.
48
fortemente contracionista por parte do BCC, em 1998, que culminaram na recessão
de 1999.
A despeito dos fatores adversos, a meta de inflação para 1999 foi cumprida,
encerrando a fase de construção da credibilidade e abrindo espaço para maior
flexibilidade na condução da política monetária e para o aprimoramento da
transparência.
Em maio de 2000, o BCC publicou o primeiro relatório de inflação. Esse
apresentou o histórico passado da economia no que concerne à inflação, bem como
previsões para inflação e crescimento, além do cenário para os próximos doze e
vinte quatro meses que o BCC estava considerando para fins de condução da
política monetária. A publicação se tornou prática da autoridade monetária, com
periodicidade quadrimestral.
3.2.1.3 Característica marcante: gradualismo
Duas variáveis importantes para o mecanismo de IT são: o horizonte de
controle e o de cumprimento da meta. Em outras palavras, o primeiro diz respeito à
defasagem a que política monetária está sujeita, isto é, o período entre a ação do
Banco Central e a visualização de seus resultados sobre a economia. O segundo
corresponde ao período determinado pelo Banco Central para que a inflação retorne
a um determinado patamar pré-estabelecido, após a economia ter sido atingida por
algum choque.
O horizonte para cumprimento da meta considera a importância atribuída pela
autoridade monetária à variação do produto.
No caso do Chile, o horizonte para cumprimento da meta foi de nove anos,
uma vez que, esse foi o tempo necessário para que a inflação convergisse para o
patamar de 3% ao ano.
49
-4,1%
-10,0%
-5,0%
0,0%
5,0%
10,0%
15,0%
20,0%
25,0%
30,0%
Q1 1991
Q3 1991
Q1 1992
Q3 1992
Q1 1993
Q3 1993
Q1 1994
Q3 1994
Q1 1995
Q3 1995
Q1 1996
Q3 1996
Q1 1997
Q3 1997
Q1 1998
Q3 1998
Q1 1999
Q3 1999
Q1 2000
Q3 2000
Q1 2001
Q3 2001
Q1 2002
Q3 2002
Q1 2003
Q3 2003
Q1 2004
Q3 2004
Q1 2005
Q3 2005
Taxa de Inflacao Anualizada Crescimento do PIB Anualizado
Gráfico 3.2: Evolução PIB X Inflação - Chile
Fonte: INTERNATIONAL MONETARY FUND - IMF Statistics.
O gráfico acima ilustra a estratégia adotada pelo BCC, que levou cerca de
nove anos para reduzir a taxa de inflação de 25% a.a. para de 3% a.a., patamar em
que se mantêm nos últimos anos. Cumpre ressaltar, que o crescimento do produto,
por outro lado, apresentou comportamento bastante instável no período. Além disso,
é importante observar que a taxa de inflação vigente à data da adoção de IT era,
significativamente, mais elevada do que a da Nova Zelândia (4,5% a.a), país que
adotou o regime na mesma época.
O gráfico também ilustra o impacto da vulnerabilidade externa sobre o
crescimento do produto. No segundo trimestre de 1999, o PIB do país registrou
variação negativa de 4,1%, reflexo das crises russa e brasileira.
Uma política monetária mais agressiva, que buscasse atingir o patamar de
inflação de 3% a.a. em um período mais curto, implicaria em maiores taxas de
sacrifício para economia. A taxa de sacrifício média chilena, considerando-se os
seus episódios de desinflação, que serão abordados no terceiro capítulo, foi de 2,89.
No entanto, o início da adoção do regime foi de 3,52.
A estratégia do BCC, durante a primeira fase do regime, foi de redução
gradual da inflação e priorização da construção da credibilidade, ante a flexibilidade.
Assim que a inflação convergiu para o patamar desejado, a autoridade monetária
50
optou por reduzir o horizonte para cumprimento da meta para períodos próximos ao
do horizonte de controle.
A tica adotada pelo BCC foi a de utilizar o mecanismo de IT como âncora
para redução da inflação. Dessa forma, diante de um ambiente de inflação alta, em
torno dos 25% a.a., inércia inflacionária e elevada rigidez de preços, a autoridade
monetária optou por focar sua atuação na construção da credibilidade para que os
agentes balizassem suas expectativas nas metas anunciadas.
Neste contexto, a primeira fase do regime foi caracterizada por sua reduzida
flexibilidade, no intuito de construir a reputação de um BCC focado na redução da
inflação. Para equilibrar essa postura e evitar penalizar demasiadamente o produto,
a redução da inflação se deu de forma gradual, ao longo de nove anos.
Na medida em que a inflação convergiu para o patamar desejado e a
autoridade monetária havia construído sua reputação, o regime tornou-se mais
flexível, embora o horizonte para cumprimento da meta tenha reduzido.
Massad
10
(2006) afirma que a redução gradual, mas sustentável da inflação
nos anos 90, se baseou em cinco questões: i) no grau de disciplina e convicção em
se avançar no combate à inflação; ii) no reconhecimento das restrições impostas
pela presença de mecanismos de indexação na economia; iii) na implementação de
uma âncora nominal definida e ajustável; iv) numa política cambial com objetivo de
manter o déficit em transações correntes sustentável; e v) num arranjo de política
econômica flexível e capaz de reagir a alterações nas condições macroeconômicas.
Cabe ainda destacar, o papel que as crises externas desempenharam para
mudança na condução da política monetária. As crises asiática e russa provocaram
a rápida depreciação do peso chileno, que havia seguido uma trajetória contínua de
apreciação nos últimos anos
11
. O histórico de elevado pass-through na economia
chilena e o rápido crescimento da demanda doméstica induziu o BCC a promover
uma política monetária contracionista.
Além de isolar os efeitos da depreciação sobre a inflação, a restrição da
política monetária também desempenhou o papel de controle do déficit em conta
corrente, atraindo capitais externos. Nesse período, o BCC sustentava uma meta
10
Presidente do BCC entre 1996 e 2003.
11
Até 1998, a economia chilena registrou expressiva entrada de capitais externos, período em que o
BCC utilizou-se de instrumentos pouco ortodoxos, como controle à entrada capitais para evitar uma
apreciação indesejado da peso. Nesse período, foi introduzida uma taxa de depósito obrigatório o
remunerado, durante o período de um anos, para os capitais de curto prazo que ingressassem no
país.
51
para o déficit em conta corrente entre 4 e 5% do PIB (MORANDE, 2001)
12
. Dessa
forma, a taxa de juros real atingiu, em 1998, o nível mais alto dos últimos dez anos e
a economia entrou em recessão em 1999.
A contração da política monetária foi a alternativa encontrada para restaurar o
fluxo de capitais externos para o país, conter a demanda doméstica e evitar o
descontrole da inflação. O resultado desta política foi a recessão que a economia
enfrentou em 1999.
O gráfico abaixo evidencia a expressiva elevação da taxa de juros no terceiro
trimestre de 1998, que, como comentado anteriormente, resultou em uma queda do
PIB da ordem de 4%.
13%
-15%
-10%
-5%
0%
5%
10%
15%
Q1 1991
Q3 1991
Q1 1992
Q3 1992
Q1 1993
Q3 1993
Q1 1994
Q3 1994
Q1 1995
Q3 1995
Q1 1996
Q3 1996
Q1 1997
Q3 1997
Q1 1998
Q3 1998
Q1 1999
Q3 1999
Q1 2000
Q3 2000
Q1 2001
Q3 2001
Q1 2002
Q3 2002
Q1 2003
Q3 2003
Q1 2004
Q3 2004
Q1 2005
Q3 2005
Gráfico 3.3: Taxas de Juros Reais* - Chile
Fonte: INTERNATIONAL MONETARY FUND - IMF Statistics.
Nota: * Taxa de juros real trimestral anualizada.
Embora, a manutenção de meta para o déficit em conta corrente o conflite
com os objetivos de IT, ambas se reforçam, a conjugação das mesmas requer
12
De acordo com Morandé (2001), durante o início dos anos 90, o BCC sustentava a opinião de que
a manutenção do peso depreciado favorecia o crescimento das exportações e da economia. No
entanto, a manutenção da moeda depreciada, durante a década de 1980, foi possível em razão da
escassez de capitais para as economias da América Latina. Entretanto, esse quadro se reverteu a
partir a década de 90 com expressivos fluxos de capitais para os países da região. Nesse contexto, o
BCC abandonou o objetivo de manter o peso depreciado e adotou metas para o déficit em conta
corrente.
52
reações mais agressivas da autoridade monetária, com maiores impactos sobre o
produto (Ibid.).
Após esse episódio, o mecanismo de IT chileno ingressou em uma nova fase,
mais focada no aprimoramento da transparência e da flexibilidade.
3.2.1.4 Conclusões
A adoção do regime de IT no Chile foi um passo arriscado, uma vez que o
conhecimento acerca do funcionamento do mecanismo era ainda bastante
incipiente. No caso do Chile, diferentemente de outros países da região, o regime foi
adotado com a função de promover desinflação.
Dessa forma, durante a primeira fase do regime, o BCC procurou manter em
harmonia uma série de objetivos (inflação, câmbio, déficit em conta corrente, entre
outros) unicamente através da política monetária.
A ênfase na construção da credibilidade tornou a política monetária bastante
rígida e provocou impactos negativos e significativos sobre o produto nessa etapa do
regime.
Devido à conjugação de diversos objetivos de política monetária, durante a
primeira fase do regime, alguns autores argumentam que apenas, em 1999, o Chile
adotou IT de fato. Alguns dos principais requisitos do regime, como a publicação
sistemática de relatórios a respeito da condução da política monetária, de forma a
aprimorar os canais de comunicação com o público e aumentar a transparência, não
estavam presentes nesta primeira etapa. Outra questão relevante é a ausência de
instrumentos estatísticos apropriados para condução do regime. De acordo com
Carare et. al. (2002, p.18) :”…emerging market central banks must rely on more
qualitative information because, if they have developed models, these are typically
subject to more uncertanties than those of industrial countries” .
Ademais, concomitantemente à adoção de IT, o BCC perseguia uma meta
explícita para a taxa de câmbio. Estes fatores refletem a insipiência do regime de
metas no Chile entre 1990 e 1999.
53
Além disso, as fragilidades comuns às economias emergentes na condução
de IT também estiveram presentes no Chile, especialmente durante a primeira fase
do regime. Além de não possuir um mercado financeiro bem desenvolvido, o país
está sujeito a altos prêmios de risco, comparativamente aos industrializados.
Ademais, o sistema financeiro é bastante vulnerável às flutuações da taxa de
câmbio. Esta característica, no caso da economia chilena, é bastante importante,
face o seu grau de abertura ao mercado externo.
No entanto, as ações tomadas pela autoridade monetária no intuito de debelar
o processo inflacionário vivido pela economia, durante a década de 1980 e parte da
década de 1990, produziram o efeito desejado, isto é, reduziram os níveis de
inflação.
3.2.2 O caso do México
O México é um país que, como outros na América Latina, apresenta grande
vulnerabilidade externa. No entato, no caso da economia mexicana, a proximidade
com os Estados Unidos, especialmente, após sua participação na NAFTA (Tratado
de Livre Comércio da América do Norte), influencia significativamente a dinâmica da
economia interna.
3.2.2.1 Antecedentes
Após longo período de estagflação, o México, em 1988, adotou o regime de
câmbio fixo, como parte de sua política de estabilização.
A política de estabilização adotada pelo país, nesse período, incluiu uma série
de reformas estruturais. A renegociação da dívida, em 1989, e o ajuste ao choque
de oferta negativo, resultado do significativo aumento das taxa de juros
internacionais, queda dos termos de intercâmbio e redução de oferta de
financiamento externo para os países da região, reforçaram a importância de tais
reformas.
54
Assim como em outras economias da América Latina, essa estratégia surtiu
efeito na redução dos índices de inflação. No entanto, o período de desinflação foi
acompanhado de acumulação de crescente déficit em conta corrente, que continuou
financiado pelo ingresso de capitais de curto prazo. Esse contexto criou condições
para a crise financeira enfrentada no final de 1994 e início de 1995.
Como pode ser observado, no gráfico abaixo, a crise que atingiu a economia
mexicana nesse período, resultou em significativa elevação da taxa de inflação que
atingiu 52% a.a.
52%
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
Q1 1991
Q3 1991
Q1 1992
Q3 1992
Q1 1993
Q3 1993
Q1 1994
Q3 1994
Q1 1995
Q3 1995
Q1 1996
Q3 1996
Q1 1997
Q3 1997
Q1 1998
Q3 1998
Q1 1999
Q3 1999
Q1 2000
Q3 2000
Q1 2001
Q3 2001
Q1 2002
Q3 2002
Q1 2003
Q3 2003
Q1 2004
Q3 2004
Q1 2005
Q3 2005
Gráfico 3.4: Taxas de Inflação* - México
Fonte: INTERNATIONAL MONETARY FUND - IMF Statistics
Nota: * Taxa de inflação (CPI) trimestral anualizada.
Entre 1988 e 1994, o déficit em conta corrente mexicano cresceu
continuadamente. Em contrapartida, a liberalização da conta capital permitiu que
esses déficits fossem financiados pelo ingresso de capitais externos de curto prazo,
expondo o país a graves condições de vulnerabilidade externa, que culminaram com
a crise de 1994. Nesse ano, o déficit em conta corrente atingiu 7,3% do PIB.
A crise de 1995, que ficou conhecida como “crise tequila”, foi resultado de
novo choque de oferta enfrentado pelo país. Durante o período analisado, as
perturbações de oferta resultaram, principalmente, de flutuações na oferta externa
de financiamento, do preço do petróleo e dos termos de intercâmbio, embora a
importância de cada um tenha variado nos diferentes episódios.
55
As condições vigentes na economia mexicana, à época, também contribuíram
para o desenvolvimento da crise. A rigidez do regime de câmbio favoreceu o ataque
especulativo sobre a moeda; a fragilidade da regulação e supervisão bancária
contribuiu para a ineficiente intermediação do fluxo de capitais, nos anos que
antecederam à crise; e o aquecimento da economia induziu a acumulação de
significativos déficits em conta corrente. No entanto, essas condições não são
exclusivas do México, fazem parte das principais características dos países
emergentes.
A crise de 1995 conduziu a um forte aumento da percepção de risco-país, que
implicou em significativa elevação das taxas de juros internacionais. Esse contexto
forçou o governo a encurtar o prazo de vencimento da dívida pública denominada
em dólar, agravando ainda mais os indicadores de risco-país (FRANCIA; GARCÍA,
2005).
De acordo com Messmacher (2000), as variações na oferta líquida de
recursos externos, identificados através de flutuações das taxas de juros e do
diferencial do prêmio de risco pago pelos países emergentes, são importantes para a
maioria dos episódios recessivos enfrentados pelo México.
A crise apresentou três dimensões diferentes. Primeiro, um déficit em conta
corrente de grandes proporções financiado por capitais de curto prazo. Segundo,
uma grande fuga de investimento estrangeiro, tanto de ativos públicos como
privados. Por fim, uma crise bancária pronta para explodir, que necessitava
urgentemente de atenção para evitar corrida aos bancos (CARSTENS;
WERNER,1999).
As perturbações de oferta negativa, acima mencionadas requerem ajustes da
taxa de mbio real, além de provocar redução imediata do produto. Assim, na
maioria dos casos, verificaram-se desvalorizações consideráveis do peso mexicano,
de forma que este foi o canal de transmissão para elevação da inflação
(MESSMACHER, 2000).
Com o desenrolar da crise, as autoridades mexicanas enfrentaram três
grandes desafios: pagar as dívidas que estavam vencendo; suportar a solvência do
sistema bancário; e promover um rápido ajuste macroeconômico de forma a reverter
o fluxo de capitais.
Foi neste contexto que o México implementou seu programa de estabilização.
Diante da dificuldade de fazer frente ao pagamento do endividamento de curto
56
prazo, o governo negociou um pacote de ajuda financeira com instituições
internacionais que atingiu o montante de US$ 50 bilhões. Além disso, as políticas
monetária e fiscal passaram a ter viés restritivo e as autoridades implementaram
uma série de programas de prevenção à crise bancária iminente.
Dessa forma, apesar do êxito no combate a inflação, a política de mbio fixo
impôs alto grau de rigidez à política monetária, limitando a reação do Banco Central
do México (BM) frente aos choques externos (HERNÁNDES; MUÑOZ, 2006).
A desvalorização do peso e o retorno às altas taxas de inflação prejudicaram
seriamente a credibilidade do BM.
O México adotou regime de câmbio flutuante em 1995, em resposta à crise
financeira de 1994. Dessa maneira, o uso da taxa de câmbio como âncora nominal
da economia foi abandonada. A política monetária passou a exercer a função de
âncora antiinflacionária, por meio da adoção de metas para os agregados
monetários. Essa medida não foi suficiente para estabilizar a economia, devido
principalmente a três fatores: i) a velocidade de circulação da moeda torna-se muito
instável em períodos de crise; iii) a regra não foi suficiente para evitar que a
desvalorização do peso influenciasse as expectativas de inflação; e iii) o BM tinha
pouco controle sobre a base monetária no curto prazo (CARSTENS; WERNER,
1999).
As críticas relativas à falta de transparência e a necessidade de estabelecer
nova âncora para política monetária levaram o BM a fixar metas anuais para o
crescimento do crédito interno líquido em 1995. O BM adotou como principal
instrumento para influenciar a taxa de juros a determinação de metas de depósitos
dos bancos comerciais.
No México, o BM não determina a taxa de juros diretamente. Em outras
palavras, não determinação de uma meta da taxa de juros acompanhada de
operações de mercado aberto que induzam o movimento em direção ao nível
desejado. O BM promove alterações na taxa de juros por meio das reservas
bancárias mantidas pelos bancos comerciais. Dessa forma, a referida instituição
altera as condições para resgate, bem como de remuneração das reservas
obrigatórias, e aguarda a reação do mercado na determinação da taxa de juros. Se a
taxa de juros converge para patamar esperado, não necessidade de ajustes
adicionais. De outra forma, o BM modifica as condições até que as taxas de juros
sejam acomodadas para o nível desejado.
57
Como conseqüência da grande incerteza relativa aos desdobramentos da
economia mexicana, a fixação da taxa de juros de curto prazo como instrumento de
política monetária foi considerada muito arriscado pela autoridade monetária.
Entre 1995 e 1998, as ações tomadas pelo BM foram discricionárias e
orientadas para a restauração das condições de estabilidade dos mercados
financeiros que sofreram severas perturbações após a crise.
3.2.2.2 A Transição para o Mecanismo de IT
A partir de 1998, a autoridade monetária iniciou transição em direção à
adoção do regime de taxa de inflação explícito. A partir desse ano, pôde-se notar um
maior detalhamento, nos documentos emitidos pelo BM
13
, de quais seriam as ações
tomadas em resposta aos choques internos e externos (MARTÍNEZ, SÁNCHEZ;
WERNER, 2001).
Além disso, a condução da política monetária passou a apresentar um caráter
preventivo, antecipando um comportamento congruente com objetivos definidos e
reagindo a alterações nas expectativas dos agentes. Neste contexto, o controle da
base monetária foi gradativamente perdendo relevância como meta intermediária e
as metas inflacionárias de curto e médio prazo cresceram em importância.
Cabe destacar que, entre 1995 e 1997, as ações restritivas da política
monetárias estiveram voltadas para o restabelecimento do equilíbrio no mercado
financeiro. Por outro lado, entre 1998 e 2000, o caráter restritivo buscava afetar as
expectativas que se mantiveram superiores aos objetivos do BM. A elevação dos
preços administrados, em 1999 e 2000, contribuiu para a elevação das expectativas.
Entre 1997 e 2000 e economia mexicana se beneficiou da conjuntura externa
favorável e o crescimento do PIB superou as estimativas originais.
Em 2000, o BM iniciou a publicação de relatórios trimestrais sobre as fontes
de pressões inflacionárias na economia, reações da política monetária e balanço dos
riscos sobre a evolução futura sobre os índices de preços. Neste mesmo ano, o
México introduziu o conceito de IT como o principal elemento de influência sobre a
política monetária.
13
Documentos intitulados Programas Monetários.
58
Por outro lado, as ações tomadas no intuito de atingir estes objetivos
seguiram critérios discricionariamente estabelecidos pela autoridade monetária.
Apenas em 2001, o BM anunciou oficialmente a adoção do mecanismo de IT. A
primeira meta de inflação foi definida em um CPI de 3% com banda de variação de ±
1%.
3.2.2.3 Característica marcante: Vulnerabilidade Externa
Como destacado anteriormente, uma das principais preocupações das
autoridades monetárias, após a crise de 1994-95, foi a promoção da estabilidade
dos mercados financeiros. Dessa forma, durante esse período, as decisões de
variações nos movimentos do principal instrumento de política monetária foram
tomadas para influenciar as taxas de juros em períodos bastante curtos, dias ou
semanas.
No entanto, entre 1998 e 2003, o BM iniciou uma política monetária
permanentemente restritiva. Como pode ser observdo no gráfico abaixo, nos
períodos que antecederam à crise de 1995, as taxas de juros reais mexicanas
apresentaram significativa elevação, atingindo o pico de cerca de 30%. No entanto,
imediatamente após este episódio, as taxa de juros reais reduziram e tornaram-se
negativas. Entre 1998 e 2003, a média das taxa de juros reais voltaram a ser
positivas.
8,9%
14%
30,0%
-10,0%
-5,0%
0,0%
5,0%
10,0%
15,0%
20,0%
25,0%
30,0%
35,0%
Q1 1991
Q3 1991
Q1 1992
Q3 1992
Q1 1993
Q3 1993
Q1 1994
Q3 1994
Q1 1995
Q3 1995
Q1 1996
Q3 1996
Q1 1997
Q3 1997
Q1 1998
Q3 1998
Q1 1999
Q3 1999
Q1 2000
Q3 2000
Q1 2001
Q3 2001
Q1 2002
Q3 2002
Q1 2003
Q3 2003
Q1 2004
Q3 2004
Q1 2005
Q3 2005
Gráfico 3.5: Taxas de Juros Reais* - México
Fonte: INTERNATIONAL MONETARY FUND - IMF Statistics
Nota: * Taxa de juros real trimestral anualizada.
59
Em face da grande vulnerabilidade externa do País, as taxas de juros
mantiveram-se em altos patamares durante três importantes episódios, entre 1998 e
2003. No primeiro, entre o segundo trimestre de 1998 e o primeiro de 1999, devido à
depreciação da taxa de câmbio, conseqüência da deterioração da percepção de
riscos dos investidores em relação aos mercados emergentes, contagiados pelas
crises asiática, em 1997, russa, 1998, e brasileira no início de 1999.
No segundo episódio, entre o primeiro trimestre de 2000 e o primeiro de 2001,
a restrição da política monetária deveu-se à pressão inflacionária resultante do
rápido aumento das exportações mexicanas. Neste caso, a expansão da produção
industrial nos Estados Unidos induziu ao aumento da demanda por exportações
mexicanas. A partir de 1994, ano de assinatura do Tratado de Livre Comércio da
América do Norte, as exportações mexicanas tornaram-se mais sensíveis ao
crescimento econômico americano.
Ademais, nesse período verificou-se um aumento do gasto doméstico,
conseqüência da elevação cíclica do gasto público em períodos pré-eleitorais. Além
disso, como é comum em países emergentes, em 2000, o México presenciou um
aumento na percepção de risco derivada da incerteza com relação às eleições
presidenciais. Este tipo de evento denota a falta de credibilidade desses países
junto à comunidade financeira internacional, que impacta negativamente seus
indicadores econômicos, como taxa de câmbio, juros e inflação.
Finalmente, o terceiro episódio, entre o terceiro trimestre de 2002 e o primeiro
de 2003, foi influenciado pelo aumento das tarifas públicas, especialmente os preços
de energia elétrica.
Francia e García (2005) argumentam que, segundo a literatura acerca de IT,
os efeitos inflacionários decorrentes de choques de demanda devem ser
acomodados pela política monetária. Em outras palavras, quando a pressão advém
de choques de oferta, não é necessário elevar as taxas de juros, pois a queda do
PIB facilitará a redução das expectativas. Entretanto, quando a pressão inflacionária
origina-se de choque de demanda, a recomendação é de que a política monetária
atue para acomodar seus efeitos, de forma que o impacto seja imediato sobre os
preços e temporário sobre a inflação. Os autores destacam, porém, que, se os
efeitos temporários afetarem as expectativas dos agentes, deve-se rever o papel da
política monetária, para não validar a elevação das expectativas.
60
Neste contexto, segundo avaliação dos autores, a ação do BM foi consistente
com os princípios de IT. Apesar de o primeiro e terceiro choques inflacionários terem
origens em choque de oferta, como as expectativas dos agentes foram afetadas, a
restrição da política monetária estava alinhada aos princípios do mecanismo de IT.
No caso do segundo episódio de choque inflacionário enfrentado pela economia
mexicana, como suas origens estavam relacionadas à demanda, a indicação usual
era de elevação das taxas de juros.
Sob estes argumentos, Francia e García (2005) justificam a manutenção da
taxa de juros mexicanas em altos patamares entre 1998 e 2003. No entanto, os
autores não comentam o fenômeno pelo qual as expectativas dos agentes, em
países emergentes, são constantemente afetadas. Além disso, o resultado elevação
das taxa de juros, foi uma taxa de sacrifício de 3,69, no episódio de desinflação
ocorrido em 2003, acima da taxa de sacrifício máxima registrada no Chile
-5,0%
0,0%
5,0%
10,0%
15,0%
20,0%
Q1 1999
Q2 1999
Q3 1999
Q4 1999
Q1 2000
Q2 2000
Q3 2000
Q4 2000
Q1 2001
Q2 2001
Q3 2001
Q4 2001
Q1 2002
Q2 2002
Q3 2002
Q4 2002
Q1 2003
Q2 2003
Q3 2003
Q4 2003
Q1 2004
Q2 2004
Q3 2004
Q4 2004
Q1 2005
Q2 2005
Q3 2005
Taxa de Inflacao Anualizada Crescimento do PIB Anualizado
Gráfico 3.6: Evolução PIB X Inflação* – México
Fonte: INTERNATIONLA MONETARY FUND - IMF Statistics
Nota: * Taxa de crescimento do PIB e inflação trimestrais anualizadas.
Como pode ser observado no gráfico acima, durante o período de IT, o
crescimento econômico médio mexicano foi relativamente baixo. Além disso, as
taxas de variação do PIB estiveram constantemente abaixo das taxas de variação da
inflação.
61
Cumpre ressaltar que, como grande parte dos países emergentes, o México
enfrenta um elevado pass-through das variações da taxa de câmbio para os preços,
que historicamente afetou, desfavoravelmente, a trajetória de inflação.
Dessa forma, o BM, em vários episódios, a restrição da política monetária foi
utilizada para evitar a transmissão de efeitos de perturbações externas do câmbio
para a inflação.
As flutuações da taxa de câmbio afetam os índices de preços mexicanos por
duas vias: i) diretamente por meio do efeito sobre os bens comercializáveis; e ii)
indiretamente através da indução das expectativas, que, por sua vez, influenciam
tanto os ajustes salariais como as modificações de outros preços na economia. A
importância do primeiro fator está relacionada ao grau de abertura da economia e à
estrutura de mercado do setor de bens comercializáveis
14
. O segundo se refere à
resposta das expectativas dos agentes em relação a variações cambiais
(MARTÍNEZ, SÁNCHEZ; WERNER, 2001).
Especificamente, no caso do México, o elevado grau de abertura da
economia, especialmente após o Tratado de Livre Comércio da América do Norte,
aumenta a sensibilidade dos processos produtivos, bem como de demanda
agregada, às flutuações da taxa de câmbio.
Além disso, deve-se considerar o efeito da desvalorização cambial sobre a
dívida pública, através da alteração do rendimento pago pelos títulos do governo
emitidos em mercados internacionais de capital.
Por outro lado, o histórico de alta inflação e crises de balanço de pagamentos
seguidas de expressivas desvalorizações cambiais contribuiu para aumentar a
associação das expectativas de inflação com o movimento do câmbio no México.
3.2.2.4 Conclusões
A crise cambial e financeira enfrentada pelo México, no final de 1994 e inicio
de 1995, obrigou as autoridades mexicanas a adotarem o regime de câmbio
flutuante. Dessa forma, abandonou-se o regime de câmbio como âncora nominal da
14
A resposta dos bens comercializáveis às variações do câmbio depende da disposição dos
participantes do mercado de ajustar seus preços em função da alteração nos preços relativos ou de
atuar no sentido de alcançar maior penetração no mercado por meio de reduções em suas margens.
62
economia. Em respostas às críticas direcionadas à autoridade monetária, em 1995,
se adotou o expediente de limitações quantitativas anuais ao crédito interno. O BM
foi duramente criticado pela falta de transparência, insuficiente disseminação da
informação e pela demora no restabelecimento de uma nova âncora nominal.
A partir de 1998, o esquema da política monetária iniciou transição gradual
em direção aos objetivos explícitos de inflação. O regime de IT foi oficialmente
anunciado em 2001.
Com relação à condução da política monetária mexicana sob o mecanismo de
IT, conclui-se que, durante o período de maior estabilidade dos mercados financeiros
internacionais, o comportamento das taxas de juros esteve alinhado com a
necessidade de enfrentar as pressões inflacionárias provenientes do mercado
interno, como flutuações da demanda agregada e o diferencial entre as expectativas
de inflação e a inflação objetivo.
No entanto, em um contexto de alta volatilidade externa e elevado pass-
through, as decisões de política monetária foram orientadas para absorção dessas
perturbações. Esta é a característica mais comum presente em economias
emergentes: elevado fear of floating, que domina as ações de política monetária em
períodos de instabilidade externa.
Segundo Messmacher (2000), existe grande diferença entre as perturbações
de oferta externa e outros tipos de perturbações de oferta. As perturbações de oferta
financeira externa para os países emergentes podem ser marcadamente não
lineares. Um aumento moderado da taxa de juros pode implicar em grandes ajustes
de preços e quantidades para um dado país, limitando expressivamente o acesso a
novas fontes de financiamento a preço de mercado.
O autor destaca também questões relacionadas às falhas mercado que
atingem mais seriamente os países emergentes. A carência de mecanismos de
negociação de quebras de contrato relativa às dívidas soberanas favorece
problemas de coordenação ex ante e ex post.
O problema de coordenação ex ante surge quando o país, inicialmente, não
teria problemas para cumprir com o pagamento do serviço da dívida, caso pudesse
obter financiamento parcial para amortização do principal. No entanto, não é capaz
de honrar seus compromissos na ausência de tal financiamento. Assim, o
63
surgimento de uma crise depende das expectativas dos credores em relação à
probabilidade de que outros financiem parte do principal.
Outra implicação da falha de coordenação ex ante entre os credores pode
tornar um evento de falta de liquidez em um problema de insolvência.
Caso os credores esperem que os demais cessem suas linhas de crédito para
o país, a atitude racional é não continuar financiando o. Essa é uma típica situação
de dilema dos prisioneiros, em que, na presença de coordenação, o resultado Pareto
Eficiente seria obtido. Através desse mecanismo, um problema de liquidez temporal
pode se converter em uma grande crise de balanço de pagamentos. A probabilidade
de ocorrência deste tipo de evento é influenciada pelo nível de endividamento do
país, de reservas internacionais e pela relação entre as amortizações dos
financiamentos e o ingresso de recursos governamentais.
Outro agravante é o de que sem mecanismos legais (ex post) que favoreçam
a cooperação entre os credores
15
, maior a dificuldade de solução rápida do
problema. Este tipo de falha de coordenação ex post agrava os problemas de
coordenação ex ante, uma vez que os investidores têm menores incentivos a
conceder financiamentos adicionais, antes do evento de insolvência
(MESSMACHER, 2000).
De acordo com Messmacher (2000) a economia mexicana esteve
constantemente sujeita às perturbações de oferta, tanto exógenas como
parcialmente endógenas
16
, devido a alterações nos termo de troca e na
disponibilidade de recursos externos. Ainda segundo o autor, os choques de
demanda foram menos freqüentes e importantes.
Nesses casos, políticas restritivas têm efeito limitado sobre a inflação, embora
tenham alto custo em termos de crescimento do PIB e taxas de desemprego. No
entanto, o autor defende que mesmo quando o choque tem origem exógena, no
caso em que este exerça influencia negativa sobre as expectativas dos agentes, a
restrição da política monetária é recomendada.
15
Este tipo de situação favorece o comportamento oportunista de alguns investidores que têm
incentivos para se eximir de custos de renegociação e depois usufruam dos benefícios obtidos por
meio do esforço dos demais.
16
Como parcialmente endógenas, o autor caracteriza aquelas crises que embora originadas por
fontes externas são agravadas por fraquezas estruturais da economia mexicana.
64
Entretanto, em razão das fraquezas presentes em economias emergentes,
comparativamente às desenvolvidas, as expectativas dos agentes são
constantemente afetadas, de tal forma que a solução convencional sempre passa
por políticas restritivas. Nas palavras de Messmacher (2000, p.390),
Un país que enfrenta un aumento de la probabilidad de sufrir
perturbaciones financieras externas, producto de una credibilidad débil,
necessita responder en forma contundente a las perturbaciones temporales
y su capacidad para aplicar políticas contra cíclicas es realmente muy
limitada.
Dessa forma, no caso dos países emergentes sempre será necessário
políticas mais restritivas do que em países desenvolvidos em face a choques
exógenos. Além disso, os países emergentes enfrentam dificuldades em identificar
se os efeitos dos choques são temporários ou permanentes. Em ambos os casos, é
necessário uma compreensão clara acerca das variáveis afetadas pelo choque, suas
tendências e se são integradas de ordem zero ou maior. Para este tipo de análise,
são imprescindíveis longas bases de dados estatísticos, devido ao baixo poder de
prova destas hipóteses. No entanto, usualmente, os institutos de pesquisas desses
países, que são responsáveis pelas estatísticas nacionais, estão sucateados e
produzem informações com lags muito grandes.
3.2.3 O caso do Brasil
O Brasil é a maior economia da América Latina e adotou o regime de metas
de inflação após um processo bem sucedido de estabilização da inflação.
Entretanto, no momento de sua adoção o país atravessava uma crise
macroeconomia de grande relevância, como será detalhado abaixo.
65
3.2.3.1 Antecedentes
Em 1994, após uma série de tentativas de debelar o processo inflacionário
17
,
o governo brasileiro colocou em operação um novo plano de estabilização de
preços, o Plano Real. O Plano foi implantado em junho de 1994, entretanto seu
anúncio ocorreu em dezembro de 1993. Segundo os técnicos da equipe econômica
do governo, a principal causa da elevada taxa de inflação brasileira era o
desequilíbrio fiscal do setor público e o alto grau de indexação dos contratos da
economia brasileira. Nesse contexto, o Plano baseou-se em três fundamentos
básicos: ajuste das contas públicas
18
, no curto prazo, reforma monetária
19
e ajuste
de preços relativos
20
.
A taxa de câmbio foi utilizada como principal âncora do Plano Real em sua
fase inicial. O regime de câmbio além de impedir a elevação dos preços, tornado
competitivos preços de produtos importados e obrigando o setor industrial a adaptar-
se a uma maior integração no comércio internacional, constituiu-se em importante
variável na sinalização da estabilidade do sistema.
O regime de câmbio passou a ser caracterizado por uma âncora cambial com
faixas assimétricas de variação. Na prática, o Banco Central do Brasil (BCB)
estabeleceu um limite superior para a taxa de câmbio
21
, acima do qual haveria
intervenção no mercado; entretanto, não estipulou limite inferior.
A queda da taxa de inflação
22
promoveu uma expansão do consumo que
impulsionou o crescimento do PIB. Nesse contexto, o BCB elevou as reservas
compulsórias, restringindo a política monetária e elevando a taxa de juros, que
17
Tentativas consubstanciadas nos Plano Cruzado (1986), Plano Bresser (1987), Plano Verão (1989)
e Plano Collor (1990).
18
O ajuste incluiu contenção de gastos e elevação da carga tributária, resultando em um superávit
primário da ordem de 2,6% do PIB em junho de 1994.
19
A primeira etapa consistiu na criação e uma Unidade Real de Valor, que na prática era uma média
de três índices de preços: Índice de Preços ao Consumido Amplo (IPCA), divulgado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE; Índice de Preços ao Consumidor (IPC), divulgado pela
Fundação Instituto de Pesquisa – FIPE; e Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M), divulgado pela
Fundação Getúlio Vargas FVG. O objetivo da criação da URV era a desindexação dos contratados,
que deveriam ser corrigidos sincronizadamente pela referida Unidade. Posteriormente, em julho de
1994, determinou-se a substituição do Cruzeiro Real pela nova moeda, o Real.
20
O ajuste dos preços relativos se deu através da adoção de uma âncora cambial, que objetivava
reduzir e estabilizar o nível de preços.
21
A taxa de câmbio deveria situar-se em torno de R$1,0/US$1,0.
22
Taxa de inflação caiu de 40% a.m., em junho de 1994, para cerca de 2% a.m. no final do mesmo
ano.
66
resultaram em fluxo positivo de capitais externos e apreciação da taxa de câmbio
doméstica.
A expansão da demanda aliada à apreciação cambial induziu ao crescimento
das importações, desequilíbrio na balança comercial e, conseqüentemente, déficits
em transações correntes. Por outro lado, a elevada taxa de juros passou a operar
como meio de atração de poupança externa, garantindo o equilíbrio do balanço de
pagamentos.
No entanto, a crise do México, entre 1994 e 1995, provocou um ambiente de
aversão ao risco por parte dos investidores e redução do fluxo de capitais para
países emergentes, culminando, assim, em um ataque especulativo à moeda
brasileira. A contrapartida das autoridades brasileiras foi a expressiva elevação da
taxa de juros, com impacto negativo sobre o ritmo de crescimento da atividade
econômica e sobre a dívida pública. Ademais, foi introduzido o sistema de mini-
bandas cambiais, com intervenções intrabanda
23
. Na prática, este sistema significou
desvalorizações nominais constantes da ordem de 7% ao ano.
Novamente, em 1997 e em 1998, as crises do leste asiático e russa
influenciaram, negativamente, a percepção de risco dos ativos brasileiros por parte
dos investidores estrangeiros, resultando em um novo ataque especulativo contra a
moeda.
Entretanto, após a crise da Rússia, a elevação da taxa de juros doméstica
não foi suficiente para manutenção do ingresso de capitais no país. A principal razão
da falta de confiança dos investidores estrangeiros na economia brasileira foi o
adiamento constante de uma reforma fiscal definitiva, devido, em parte, à falta de
coesão da base de apoio parlamentar do governo para aprovação das reformas.
Nesta época, as autoridades optaram por elevar as taxas de juros domésticas
e anunciar a intenção de um rígido controle fiscal. Adicionalmente, foi acordado um
pacote de ajuda financeira com o FMI. A despeito da contração da política monetária
e do relativo sucesso na implementação do pacote fiscal, o país não conseguiu
recuperar a confiança dos investidores internacionais. Dessa forma, o governo
brasileiro optou por mudar o rumo da política cambial, após as eleições presidenciais
de 1998, e reestruturar o corpo técnico do BCB.
23
Este sistema vigorou até janeiro de 1999.
67
Em janeiro de 1999, alterou-se a política cambial. Verificou-se expressiva
desvalorização da moeda
24
, como é comum de ocorrer nestas circunstâncias,
seguida de um retorno gradual às taxas mais próximas do equilíbrio de longo prazo.
No intuito de evitar que a desvalorização da moeda doméstica produzisse efeitos
negativos sobre a inflação
25
, o BCB recorreu à elevação da taxa de juros.
A política macroeconômica, vigente até 1999, baseava-se na estabilização da
taxa de inflação através da taxa de câmbio, enquanto que, a política de juros visava
equilibrar o balanço de pagamentos. A partir de 1999, o regime de câmbio flutuante
passou a exercer o papel de estabilizador do balanço de pagamentos e adotou-se o
mecanismo de IT como meio de manter a estabilidade dos preços.
3.2.3.2 A Transição para o Mecanismo de Metas de Inflação
A nova diretoria do BCB assumiu, em março de 1999, e foi encarregada de
restabelecer o equilíbrio nos mercados financeiros e propor a adoção de um novo
instrumento de política monetária que trouxesse a economia de volta à estabilidade.
No mercado financeiro, a principal preocupação dos agentes era de que a
volta de taxa elevadas de inflação pudesse tornar negativa a taxa de real de
remuneração do déficit público, significativamente financiado pelo setor bancário.
Sendo assim, a autoridade monetária elevou a taxa básica de juros, Selic, de 39%
a.a. para 45% a.a. Nesta reunião foi divulgado, pela primeira vez, um comunicado,
imediatamente após o seu encerramento, esclarecendo os motivos da decisão da
autoridade.
A adoção de um regime de taxa de câmbio flutuante requereu a adoção de
uma âncora para a política monetária. Dessa forma, optou-se por instituir o sistema
de IT como novo balizador da política monetária.
Desse modo, as metas passaram a exercer o papel de âncora nominal e de
coordenador das expectativas inflacionárias.
24
Processo de overshooting.
25
No México, a desvalorização cambial de 1994-95 resultou em uma inflação anual de mais de 50%.
68
O regime de IT foi introduzido no Brasil por meio do decreto n° 3.088/1999,
segundo o qual as metas e seus intervalos de tolerância, bem como o índice de
preços utilizado, seriam determinados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) com
anuência do Ministro da Fazenda. O índice de preços escolhido para o balizamento
do regime foi o IPCA cheio, que cobre a variação do custo de vida de famílias com
rendimento de até 40 salários-mínimos, nas principais áreas urbanas do País.
Ao BCB caberia apenas a responsabilidade de implementar as políticas
necessárias ao cumprimento das metas. Essa atribuição configura-se em uma
situação de independência de instrumentos por parte do BCB.
Caso as metas sejam ultrapassadas, o Presidente do BCB deverá enviar
carta aberta ao Ministro da Fazenda, explicando as causas do não cumprimento, as
medidas a serem tomadas para que a inflação retorne à meta, bem como o tempo
necessário para que os resultados sejam observados.
Ademais, o BCB ficaria encarregado de emitir relatórios trimestrais, no intuito
de fornecer informações sobre o desempenho do mecanismo de IT, os resultados
das ações da política monetária e as perspectivas de inflação.
O ano de 1999 marcou um período de transição da economia brasileira. O
regime de taxa de câmbio administrada foi abandonado, criando oportunidade para
uma forte depreciação cambial, reflexo das incertezas dos investidores quanto aos
fundamentos da economia após a eclosão da crise russa.
As incertezas que marcaram a transição para a nova âncora nominal
repercutiram, negativamente, sobre as expectativas de inflação dos agentes, que
apresentaram grande discrepância em relação aos resultados efetivamente
observados.
O expressivo aumento do preço internacional do petróleo, que se elevou mais
de 100% no ano, bem como dos preços administrados
26
contribuíram para o
recrudescimento do movimento de alta dos preços no período. Entretanto estes
eventos, segundo avaliação do BCB, não sinalizavam para um acirramento do
processo inflacionário, constituindo-se apenas em efeitos transitórios dos choques
enfrentados pela economia.
26
Preços administrados são aqueles pouco sensíveis às condições de oferta e demanda, ou aqueles
regulados por alguma agência pública (ARESTIS; DE PAULA; FERRARI, 2006).
69
Dessa forma, a inflação de 1999, apesar de haver se situado acima da meta
central, manteve-se dentro das bandas de variação, encerrando o ano em 8,94%,
enquanto que o produto registrou um crescimento inexpressivo de cerca de 0,8%.
A tese do BCB, de que em 1999 não havia recrudescimento do processo
inflacionário, mas apenas efeitos temporários dos choques enfrentados pela
economia, confirmou-se, em 2000, quando verificou-se queda significativa dos
indicadores de inflação.
As safras agrícolas e a valorização do real favoreceram a dinâmica dos
preços, a despeito da continuidade da elevação das cotações internacionais do
petróleo e do realinhamento das tarifas dos principais serviços de utilidade pública,
telefonia e energia elétrica.
Neste contexto, contribuíram para a valorização da moeda nacional os
avanços na área fiscal e a evolução da balança comercial, que produziram reflexos
positivo sobre o padrão de financiamento externo e sobre o risco-país.
Em 2000, o recuo dos índices de preços foi acompanhado da elevação do
crescimento econômico, impulsionado, principalmente, pelo setor industrial. O PIB
registrou crescimento de 4,2%, ao passo que a inflação situou-se levemente abaixo
da meta central, registrando elevação de 5,97%.
Em 2001, o ambiente econômico externo, através da desaceleração da
economia norte-americana, do contágio da crise argentina, dos atentados terroristas
aos Estados Unidos e da elevação da cotação internacional do petróleo, pressionou
fortemente a taxa de câmbio. Internamente, o repasse da desvalorização cambial
para os preços finais ao consumidor, a crise de energia elétrica e o comportamento
dos preços administrados constituíram-se em fatores adicionais que cooperaram
para deterioração das expectativas quanto aos fundamentos da economia brasileira.
O agravamento da crise argentina aliado à desaceleração da economia
mundial pressionaram a taxa de câmbio doméstica, dada a necessidade de um
maior ajuste das contas externas. Neste contexto, cabe destacar que a
desaceleração da economia norte-americana configurou-se em uma dificuldade
adicional à elevação das exportações.
70
O ambiente de aversão ao risco por parte dos investidores, especialmente
após os atentados terroristas, também, contribuiu para a redução da liquidez
internacional, reduzindo o fluxo de capitais externos para países emergentes.
O aumento dos preços administrados decorreu da elevação contratual acima
da inflação dos preços de energia elétrica e, no caso dos combustíveis, dos
elevados preços do petróleo. No caso da crise da energia, além dos efeitos diretos,
seus desdobramentos políticos afetaram a percepção de risco-país, alterando as
expectativas e repercutindo de forma adversa sobre o mercado de câmbio.
Neste contexto, o Comitê de Política Monetária (COPOM) do BCB agiu de
forma preventiva elevando cinco vezes consecutivas a taxa Selic, que passou de
15,75% a.a., em março de 2001; para 19% a.a., em julho do mesmo ano; patamar
em que manteve até o final do ano.
3.2.3.3 Característica marcante: Eleições e Incertezas
As principais economias mundiais, que haviam apresentado um quadro de
redução do ritmo de crescimento ao final de 2001, refletindo a postura cautelosa
adotada pelos investidores após os atentados terroristas aos Estados Unidos,
continuaram demonstrando sinais de enfraquecimento em 2002.
Outro destaque no cenário internacional foi o comportamento das cotações
internacionais do petróleo, que se mantiveram pressionadas durante, praticamente,
todo o ano, influenciadas pelo acirramento do clima de beligerância no Oriente
Médio e pelos problemas político-econômicos na Venezuela
27
.
No cenário interno, as atenções estiveram focadas na eleição presidencial.
Durante o período eleitoral, as incertezas com relação ao futuro da economia do país
motivaram uma postura bastante cautelosa dos investidores.
Verificou-se uma elevação da taxa de risco-país e uma queda do fluxo de
recursos externos, acompanhada da desvalorização do real frente ao dólar, que
exerceu impacto negativo sobre os índices de inflação. O fluxo de investimentos
27
Em 2002, o preço do barril de petróleo negociado na Bolsa Internacional de Petróleo de Londres
apresentou alta de 44%, enquanto que o preço do petróleo negociado na Bolsa de Mercadorias de
Nova York registrou alta de 56%.
71
estrangeiros diretos líquidos reduziu-se. Esse fato resultou de fenômeno global, em
que se verificou uma queda dos volumes de capital direcionados para a maioria dos
países emergentes, em especial, para a América Latina.
A depreciação da taxa de câmbio e das expectativas de inflação impactou
negativamente os índices de preços. A contínua elevação dos índices de inflação
refletiu, principalmente, o efeito do repasse cambial sobre os preços no atacado. O
IPCA, índice utilizado pela autoridade monetária para balizar o estabelecimento das
IT, registrou a maior alta desde 1995.
16,9%
-0,2%
-2,0%
0,0%
2,0%
4,0%
6,0%
8,0%
10,0%
12,0%
14,0%
16,0%
18,0%
Q3 1999
Q4 1999
Q1 2000
Q2 2000
Q3 2000
Q4 2000
Q1 2001
Q2 2001
Q3 2001
Q4 2001
Q1 2002
Q2 2002
Q3 2002
Q4 2002
Q1 2003
Q2 2003
Q3 2003
Q4 2003
Q1 2004
Q2 2004
Q3 2004
Q4 2004
Q1 2005
Q2 2005
Q3 2005
Taxa de Inflacao Anualizada Crescimento do PIB Anualizado
Gráfico 3.7: Evolução do PIB x Inflação - Brasil
Fonte: INTERNATIONAL MONETARY FUND - IMF Statistics
Nota: * Taxa de crescimento do PIB e inflação trimestrais anualizadas.
Nesse contexto, a autoridade monetária, na última reunião do COPOM,
elevou a taxa sica de juros da economia de 22% para 25% ao ano, no intuito de
conter a deterioração das expectativas de inflação, que se encontravam muito acima
da meta central para 2003, definida em 4%
28
, com intervalo de 2,5 pontos
percentuais para cima ou para baixo.
Como pode ser observado, no gráfico acima, a taxa de inflação trimestral
anualizada atingiu 16,9% e, como resultado da contração da política monetária, o
PIB registrou variação negativa. Esse episódio resultou em uma taxa de sacrifício de
28
A meta de inflação primeiramente estabelecida para 2003 era de 3,25%, entretanto ela foi alterada
para 4% pelo Conselho Monetário Nacional em junho.
72
5,12, a maior entre os países estudados.
Entretanto, cabe destacar que outro aspecto que influenciou negativamente
as taxas de inflação foi a política adotada pelo BCB de redução da dívida pública,
que ampliou a liquidez no mercado, estabelecendo um ambiente propício para
repasse dos preços ao consumir, o que pode ser verificado pela elevação da
inflação entre os produtos não comercializáveis.
Neste contexto, o governo brasileiro firmou acordo com FMI, que substituiu o
programa que estava em vigor.
O ambiente de incertezas vivido em 2002 impactou significativamente os
indicadores econômicos brasileiros. A taxa de câmbio sofreu expressiva
desvalorização e o risco-país, medido pelo spread sobre os C-bonds em relação aos
títulos do tesouro americanos de mesma duração, atingiu mais de 2000 pontos em
outubro de 2002, em comparação aos 700 pontos registrados em marco do mesmo
ano. A expectativa de inflação elevou-se significativamente, sinalizando para
dificuldade de cumprimento da meta estabelecida para 2003.
R$ 3,81/US$
out/2002
R$ 2,38/US$
jan/2002
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
3,5
4
2
000
0
1
2
0
0
0
03
2000
0
5
2
000
0
7
2
0
0
0
09
200
0
11
2001
0
1
2
001
0
3
200
1
05
2001
0
7
2
001
0
9
2
0
0
1
11
200
2
01
2002
0
3
2
0
0
2
05
200
2
07
2002
0
9
2
002
1
1
Gráfico 3.8: Taxas de Câmbio (R$/US$)
Fonte: BANCO CENTRALDO BRASIL - BCB.
Nota: Taxa de Câmbio Comercial Nominal, média mensal da cotação de venda.
O gráfico acima ilustra a significativa desvalorização do câmbio verificada em
razão da mudança de percepção do perfil de risco do país diante do avanço do
73
candidato do PT nas pesquisas eleitorais. O comportamento do câmbio impactou
negativamente as taxas de inflação, como pôde ser observado no gráfico anterior,
especialmente através do contágio dos preços administrados.
A crise vivida pela economia brasileira, reflexo do temor do mercado
financeiro em relação às políticas que seriam implementadas pelo presidente eleito,
Luís Inácio Lula da Silva, foi superada pela série de medidas ortodoxas anunciadas
pela nova equipe econômica, tais como: manutenção do regime de IT, elevação da
meta de superávit fiscal de 3,75% para 4,25% do PIB e renovação do acordo com o
FMI até o final de 2004.
Segundo carta aberta envida ao Ministro da Fazenda, em janeiro de 2003, o
presidente do BCB afirma que “o Banco Central não segue uma política de atingir a
inflação a qualquer custo; o Banco Central leva em consideração a natureza e a
persistência dos choques e os custos associados sobre o nível de atividade”.
Neste contexto, a autoridade monetária, no mesmo documento, explicitou a
política a ser adotada no intuito de buscar a convergência da inflação à meta. Sendo
assim, o banco central admitiu a impossibilidade de cumprimento das metas
estipuladas para 2003 e 2004, de 4,0% e 3,75%, com intervalo de tolerância de +/-
2,5%, respectivamente, adotando a sistemática de metas ajustadas.
Segundo esse procedimento, as metas, anteriormente citadas, seriam
ajustadas pelo efeito primário do aumento dos preços administrados por contrato ou
monitorados e por parte dos impactos inerciais herdados da inflação do ano de
2002, sinalizando para uma postura mais gradualista no combate à inflação, optando
por não sacrificar demasiadamente o produto. Neste contexto, a meta de inflação
ajustada para 2003 passou para 8,5%, acima, portanto, da meta estabelecida para
1999, ano da adoção do regime.
Tabela 3.1: Meta Ajustada para inflação 2003 e 2004
74
Fonte: Carta Aberta ao Ministro da Fazenda, Banco Central do Brasil.
Nota: * Para o cálculo do choque retira-se o efeito da inércia e do câmbio sobre a inflação dos
administrados e monitorados;
** A inércia a ser combatida nos anos seguintes equivale a 2/3 da inércia herdada do
ano anterior.
Em 2003, o presidente Luís Inácio Lula da Silva anunciou as metas de
inflação para 2003 e 2004, de 8,5% e 5,5%, com bandas de variação de ± 2,5% .
No entanto, apesar da contração da política monetária, a taxa de inflação,
para o ano de 2003, situou-se acima do teto da banda prevista para o ano, resultado
do elevado pass-through da taxa de câmbio verificada no final de 2002. Nesse
contexto, a elevação da taxa de juros, apesar de contribuir para o controle da
inflação e para a apreciação da taxa de câmbio, penalizou a atividade econômica,
em 2003, ano em que cresceu, tão-somente, 0,5%.
Em 2004, o efeito inercial da desvalorização da taxa verificada em 2002
reduziu-se, permitindo a redução da taxa de juros. No que tange ao comércio
exterior, a abundância de liquidez internacional favoreceu o comportamento da
balança comercial, a despeito da valorização do Real. A conjugação destes dois
eventos contribuiu para a recuperação do crescimento do PIB em 2004, que
registrou variação positiva de 3,8%.
Em 2004, a taxa de inflação medida pelo IPCA situou-se ligeiramente abaixo
do limite superior da meta (8,0%) atingindo 7,6%. De acordo com o Relatório de
Inflação de dezembro de 2004, grande parte da inflação verificada no ano de 2004
deveu-se à variação dos preços monitorados, especialmente combustíveis e tarifas
de telefonia fixa.
Finalmente, em 2005, o IPCA registrou variação de 5,7%, abaixo do limite
superior da banda (7%). A trajetória descendente dos índices de preços verificada,
nesse ano, deveu-se principalmente ao comportamento das commodities agrícolas,
à forte apreciação da moeda nacional e à manutenção de uma política monetária
contracionista.
No que tange ao crescimento econômico, em 2005, o PIB registrou expansão
de 2,3%, conseqüência da redução dos investimentos, em face da manutenção das
75
taxas de juros em patamares elevados, e do desempenho negativo da atividade
agrícola.
3.4.4 Conclusões
Em 1999, a reformulação da política monetária instituiu o regime de câmbio
flutuante como estabilizador do balanço de pagamento e o regime de IT como
âncora nominal para estabilidade de preços. Segundo este arranjo, a taxa de câmbio
deve flutuar livremente para permitir o equilíbrio do balanço de pagamento, enquanto
que a taxa de juros deve operar no sentido de manter a estabilidade de preços.
A instituição do regime de IT deveria, em princípio, inaugurar uma fase na
condução da política monetária distinta da verificada durante o período de câmbio
fixo. Neste último, a condução da política monetária estava comprometida com a
manutenção da banda cambial previamente determinada, por meio do controle da
taxa de juros, que deveria assegurar o fluxo líquido de capitais necessários para
acomodar as pressões de oferta e demanda no interior da banda cambial.
A combinação do regime de IT com o regime de taxas de câmbio flutuantes
deveria permitir maior autonomia na determinação da taxa de juros em relação às
pressões do mercado cambial, uma vez que os ajustes passariam a ser realizados
por intermédio das flutuações da taxa de câmbio ao invés da taxa de juros. Em
regimes de IT, a taxa de juros é o instrumento utilizado para conter desvios da
inflação em relação à meta.
No entanto, no Brasil, país com grande vulnerabilidade externa, é evidente a
existência de fear of floating. Em outras palavras, a autoridade monetária está
constantemente reagindo às variações da taxa de câmbio. Dessa forma, o principal
instrumento de política monetária, a taxa de juros, é utilizado tanto para controlar
inflação, como para manter o equilíbrio do balanço de pagamentos.
Outro impedimento à livre flutuação da taxa de câmbio no País é o elevado
grau de pass-through da variação do câmbio para os índices de preços. A
instabilidade da taxa de câmbio nos países emergentes constitui-se em importante
76
obstáculo ao atendimento das metas. Neste contexto, existem duas opções à
autoridade monetária, deixar que sua credibilidade seja abalada ou elevar as taxas
de juros significativamente.
Dessa forma, em face das constantes crises externas que afetaram o Brasil,
desde a adoção do regime de IT, a taxa de juros no período manteve-se
constantemente em altos patamares, quando comparados a outros países
emergentes
29
, no intuito de impedir grandes desvalorizações da taxa de câmbio.
Ademais, outro agravante à manutenção das taxas de juros em altos
patamares é a composição do índice de preços utilizado para balizar regime de IT. O
Brasil utiliza o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) cuja composição
apresenta cerca de 33% de preços administrados
30
.
Os preços administrados, além de pouco sensíveis às variações das taxas de
juros, são bastante afetados pela oscilação das cotações intencionais do petróleo,
possuem elevado grau de pass-through em relação à taxa de câmbio e têm um forte
comportamento inercial. (MINELA et. al., 2003 apud ARESTIS; DE PAULA;
FERRARI, 2006).
Dessa forma, em função da representatividade dos preços administrados na
composição do índice de inflação, o BCB é induzido a restringir em excesso a
política monetária para conter a inflação derivada dos preços de mercado (MINELA
et. al., 2003 apud ARESTIS; DE PAULA; FERRARI, 2006).
A manutenção da taxa de juros em altos patamares resulta em restrição ao
crescimento econômico, através dos mecanismos de transmissão sobre a demanda
agregada, e aumento do endividamento público, uma vez que grande parte os títulos
públicos estão indexadas a taxa básica de juros (Selic)
31
.
29
Em geral, a economia brasileira apresenta taxas reais de juros muito mais altas do que países que
possuem o mesmo rating de risco tal como elaborado pelas agências internacionais.
30
Desde 2006, a variação dos preços do álcool foi excluída do cálculo do IPCA e substituída por
medicamentos. Como o peso dos gastos com medicamentos é superior ao do álcool, no orçamento
das famílias pesquisadas, a participação dos preços administrados no índice subiu de cerca de 30%
para aproximadamente 33%.
31
O percentual de participação dos títulos indexados à Selic, no total da dívida líquida do setor
público em dezembro de 2005, era de 48,4%, isto é, a Selic é o principal indexador da dívida pública.
77
Cabe lembrar que a elevação da remuneração dos títulos públicos produz
efeito-renda, pois aumenta a riqueza dos que detêm tais títulos, e torna o consumo
parcialmente insensível a restrição da política monetária (MINELA et. al., 2003 apud
ARESTIS; DE PAULA; FERRARI, 2006).
Além disso, a decisão de fixação da taxa de juros é influenciada por
expectativas de inflação que reflete a opinião de analistas do mercado financeiro.
Dessa maneira, o acompanhamento das opiniões do mercado financeiro, por meio
do Boletim Focus
32
, instituiu um mecanismo perverso no qual o sistema financeiro
pode influenciar a decisão do BCB. Neste caso, se os bancos entrarem em acordo
entre si, podem induzir um aumento da taxa de juros através da revisão para cima
de suas expectativas de inflação.
32
No Brasil, o monitoramento das expectativas é feito a partir de pesquisas realizadas junto aos
analistas financeiros e divulgadas no Boletim Focus, são consideradas uma proxy para a inflação
esperada pelos agentes econômicos.
78
4 RESULTADOS EMPÍRICOS
Nas últimas décadas o número de países que adotaram o regime de IT como
âncora para política monetária cresceu significativamente. Os países emergentes
também seguiram esta tendência. Estes foram influenciados pelos argumentos de
um grande número de economistas acadêmicos, Bernanke e Mishkin (1997),
Svensson (1997), Bernanke et al (1999), e banqueiros centrais. Os autores afirmam
que o regime favorece a redução do patamar e da volatilidade das taxas de juros, a
estabilidade do crescimento econômico e seu desempenho frente a choques e a
diminuição dos custos associados aos períodos de desinflação (redução da taxa de
sacrifício). Além disso, os defensores do regime argumentam que sua adoção
promove ganhos referentes à credibilidade e ao aprimoramento da transparência na
condução da política monetária.
No entanto, de acordo com Ball (1993) desinflação é a maior causa de
recessões nas economias modernas.
Neste contexto, o objetivo dos testes econométricos realizados nesse trabalho
foi o de investigar o nível da taxa de sacrifício de economias emergentes
comparativamente a de desenvolvidas durante o período de adoção de IT.
A hipótese que se busca comprovar é a de que as taxas de sacrifício dos
países emergentes são maiores quando comparadas aos desenvolvidos. O
fundamento para esta hipótese baseia-se na carência de uma série de pré-requisitos
básicos para adoção do regime enfrentados pelos países emergentes. A ausência
de um mercado financeiro desenvolvido, de instituições sólidas, de base de dados
atualizadas e modelos de previsão robustos e a falta de credibilidade nos
formuladores de políticas são algumas das dificuldades encontradas para adoção do
regime.
No que tange aos países industrializados, face a presença comum dos pré-
requisitos institucionais necessários ao sucesso do regime de IT, acredita-se que o
instrumento de política monetária tenha contribuído para redução das taxas de
sacrifício, hipótese comprovada em teste empíricos realizados
1
.
Dessa forma, este capítulo apresenta a metodologia utilizada para o cálculo
da taxa de sacrifício, bem como os resultados empíricos obtidos.
1
Ver MISHKIN; SCHMIDT-HEBBEL (2001).
79
4.1 Construindo a Taxa de Sacrifício
A taxa de sacrifício corresponde à razão entre o hiato do produto, calculado a
partir da série histórica do PIB e a sua tendência, e a variação da inflação em
período de deflação. Para cálculo da taxa de sacrifício foram utilizadas estatísticas
trimestrais do Consumer Price Index (CPI) e a série desinflacionada do volume do
PIB, em número índice, cuja base foi fixada no ano de 2000, para todos os países
analisados, e retirada das estatísticas do FMI.
4.1.1. Episódios Selecionados
Em um primeiro momento buscou-se medir a taxa de sacrifício dos países
emergentes analisados, no segundo capítulo: Brasil, Chile e México. O período
considerado para análises foi o correspondente aos anos seguintes após a adoção
de IT, uma vez que a proposta era analisar a experiência destes países sob o
regime.
Os países industrializados utilizados para contrapor os resultados dos
emergentes foram: Canadá, Nova Zelândia, Reino Unido, Austrália, Finlândia e
Suécia. No caso da Finlândia, que ingressou na União Européia em 1995, os
períodos de desinflação desses foram considerados ao último trimestre anterior à
adoção do Euro como moeda oficial. A justificativa é a de que, após a adoção do
Euro, os países perderam autonomia sobre suas políticas monetárias
2
.
A Suécia, embora também faça parte da União Européia, optou por não
adotar a moeda única. Dessa forma, o país usufrui um estatuto especial que lhe
permite definir suas próprias regras monetárias.
Como comentado anteriormente, o objetivo central do trabalho é o de avaliar
a experiência de Brasil, Chile e México sob o período de adoção de IT. Estes países
2
Depois do colapso do sistema monetário internacional chamado de Bretton Woods e baseado em paridades
fixas os países membros do Mercado Comum Europeu procuraram se proteger contra a instabilidade
monetária. A adoção da “serpente” monetária européia (1972), depois o Sistema Monetário Europeu (SME,
1979), visava reduzir as flutuações entre as moedas dos países membros. O Tratado de Maastricht, que entrou
em vigor em novembro de 1993, aprofundou a lógica de integração, ao prever a implantação de uma moeda
única. A partir de 1999, o sistema europeu de bancos centrais (SEBC), composto atualmente por 12 bancos
centrais nacionais e liderado pelo Banco Central Europeu (BCE), é encarregado da política monetária única.
80
foram escolhidos por que, entre os emergentes que adotaram o regime IT, são os de
economias mais representativas.
No caso dos países industrializados, foram selecionados aqueles que têm
experiências mais longas sob o regime de IT, de forma que estão mais adiantados
na curva de aprendizagem.
A duração do período analisado para Finlândia aproximou-se da duração do
regime no Brasil e no México, cerca de seis anos. Esta é uma característica peculiar
do mecanismo de IT, que, por ter história relativamente curta, carece de séries de
dados longas para testes empíricos.
Na Tabela 3.1 abaixo, pode-se verificar as características do regime em cada
país analisado.
Tabela 4.1: Características dos Regimes de Metas de Inflação
Fonte: MISHKIN & SCHMIDT-HEBBEL (2001)
Nota: * Oficialmente não existe um intervalo de variação, mas desvios superiores a 1% requerem uma
explicação oficial
O primeiro passo na obtenção da taxa de sacrifício é identificar períodos de
desinflação, isto é, aqueles em que se verifique queda na taxa de inflação. O
episódio de desinflação considerado foi aquele em que a queda na taxa de inflação
trimestral anualizada é superior a 1%. Esse limitador foi adotado de forma a o
distorcer o cálculo da taxa de sacrifício. A intenção era evitar que variações muito
pequenas da inflação elevassem exageradamente o valor da razão, uma vez que a
variação da inflação corresponde ao denominador da taxa. Outra medida adotada,
81
com este propósito, foi a utilização do logaritmo da diferença entre a inflação inicial e
o final do período de desinflação analisado.
4.1.2 A Taxa de Sacrifício
O numerador da taxa de sacrifício é representado pela soma dos desvios do
número índice do PIB em relação a sua tendência de longo prazo.
A tendência do PIB foi obtida a partir da aplicação do filtro Hodrick-Prescott
(HP) sobre a série do número índice do produto real
3
. Este procedimento consiste
em decompor a série em ciclo e tendência.
O filtro HP é um método bastante utilizado para suavizar séries e obter
estimativas de tendência de longo prazo. O método foi desenvolvido por Hodrick e
Prescott (1981), com o objetivo de estimar o ciclo de negócios nos Estados Unidos
após a II Guerra Mundial. Desde então, a principal aplicação do filtro HP é a
estimação do produto potencial.
Tecnicamente o filtro determina s que minimize a seguinte equação:
(iv)
( ) ( ) ( )( )
2
1
2
11
2
1
=
+
=
+
T
t
tttt
T
t
tt
sssssy
λ
As ries filtradas são chamadas de s, enquanto que a série resultante é
expressa por y. As séries o seqüências de meros reais e cada observação
corresponde a um elemento da seqüência. O objetivo é minimizar a variância de y
em torno de s sujeito a uma penalidade. O parâmetro de penalidade λ controla o grau
de suavização da série. Quanto maior λ mais suavizada é a série. No limite, quando
λ se aproxima de infinito, mais próxima da série original sea resultante. Por outro
lado, quando λ for igual à zero, a série resultante convergira para s
4
.
Essa metodologia é ocasionalmente criticada por alguns pesquisadores, que
argumentam que o filtro HP não é capaz de medir o ciclo de negócios
adequadamente, pois não considera outras variáveis econômicas que indiquem
mudanças na estrutura da economia e ajudem a explicar alterações na tendência de
crescimento econômico.
3
O mesmo filtro foi utilizado por Corbo et. (2001) para cálculo de razões de sacrifício em países da
América Latina.
4
Pode-se verificar que se procedermos desta forma obteremos o estimador de mínimos quadrados
ordinários para tendência.
82
Por outro lado, o filtro HP é um método bastante simples e transparente, que
facilita a comparação internacional, quando é necessário utilizar a mesma forma de
estimação e não se dispõe de informações suficientes acerca da estrutura
econômica dos países. Ademais, como o objetivo principal do trabalho não é o de
estimar o PIB potencial, a utilização do filtro foi considerada apropriada para
construção da taxa de sacrifício.
Dessa forma, a taxa de sacrifício foi construída a partir da razão entre a soma
dos desvios do produto e sua tendência e o logaritmo da diferença entre a taxa de
inflação inicial e final em um período de deflação
5
. Foram considerados apenas
episódios em que a variância da inflação foi superior a 1% e em que o produto real
foi inferior à tendência
6
.
A partir destes critérios foram encontrados os seguintes episódios de
desinflação, ilustrados na Tabela 3.2., abaixo:
Tabela 4.2: Episódios de Desinflação
Fonte: Elaboração do autor
Para o grupo de países emergentes analisados foram encontrados oito
eventos de desinflação, enquanto que para o primeiro grupo de industrializados,
5
O parâmetro de suavização utilizado na estimação do PIB potencial, e sugerido no software
econométrico E-views, foi λ = 1600, que é o fator indicado usualmente para séries trimestrais.
6
Ball (1993) caracteriza episódios de desinflação como aqueles em que se verifica queda da
tendência de inflação, medida através da média aritmética móvel dos quatro trimestres anteriores e
posteriores a um determinado trimestre. Dessa forma, o autor considera a duração do período de
desinflação como aquele que compreende o trimestre em que se verifica um pico de inflação, valor
máximo, e um vale, valor mínimo. O denominador da taxa de sacrifício é dado pela variação da
tendência neste intervalo de tempo. A adoção deste tipo de metodologia para os países analisados
neste trabalho reduziria o número de episódios de inflação.
83
representados por Canadá, Nova Zelândia e Reino Unido, nove. O segundo grupo
de industrializados, Finlândia, Austrália e Suécia, registrou oito casos de desinflação.
Como pode ser observado, a partir dos dados da Tabela 3.2., para Canadá,
Nova Zelândia e Suécia, países industrializados com maiores números de
observações, a taxa de sacrifício mais alta observada ocorreu nos primeiros
trimestres após a adoção do regime. Estes países experimentaram episódios de
desinflação logo após a adoção do mecanismo que implicaram em altos custos em
termos de crescimento do produto. No entanto, os episódios seguintes de
desinflação implicaram em taxa de sacrifício mais baixas.
O Canadá, por exemplo, registrou taxa de sacrifício igual a 4,3 logo após a
adoção do regime. No entanto, no seu último episódio a desinflação resultou em um
custo de 2,13. Isto é, a taxa de sacrifício reduziu-se a metade.
O mesmo comportamento é observado na Nova Zelândia e na Suécia. Para
Finlândia e Reino Unido o é possível avaliar a evolução, uma vez que os países
apresentaram apenas uma observação. A Austrália manteve sua taxa de sacrifício
constante.
Uma explicação possível para este resultado é a de que o anúncio do regime
não produziu efeito significativo sobre a formação de expectativas inflacionárias dos
agentes imediatamente após sua adoção. No entanto, à medida que a IT ganhou
credibilidade junto ao público, houve uma adequação de expectativas, que implicou
em redução da taxa de sacrifício. Ou seja, existem indicativos de que para países
industrializados a IT funciona como balizador de expectativas.
No entanto, para os países emergentes as mesmas afirmações não são
verdadeiras. O caso do Chile ilustra esse contraste. O país registrou taxa de
sacrifício igual a 3,52 após a implementação de IT. No entanto, no último episódio de
desinflação verificado, a razão de sacrifício foi de 3,25. Não houve redução
significativa do custo de desinflação.
O Brasil é o mais atípico; logo após o anúncio de IT a razão de sacrifício foi
de 0,57, a mais baixa entre os países emergentes. No entanto, a redução da inflação
após a crise de que o país enfrentou no final de 2002, devido às eleições
presidenciais, implicou em um custo de 5,12, a mais alta entre os países de seu
grupo.
84
A Tabela 3.3., a seguir, apresenta dados sobre as razões de sacrifício médias
dos três grupos de países.
Tabela 4.3: Razões de Sacrifício Médias
Fonte: Elaboração do autor
4.2 Metodologia
A metodologia utilizada para investigar o patamar da taxa de sacrifício dos
países emergentes comparativamente aos industrializados seguiu o modelo
econométrico representado na equação abaixo, utilizada nas regressões de mínimos
quadrados ordinários:
(v)
DURACAOINFINICIALDummy
321
βββα
π
+++=
∆Υ
A variável explicada é a razão de sacrifício e as variáveis explicativas são a
dummy, a inflação inicial e a duração do episódio de desinflação. A variável dummy
foi definida como 1 para países emergentes e 0 para países desenvolvidos. A
inflação inicial como variável explicativa tem o propósito de avaliar a flexibilidade de
preços e salários.
De acordo com Posen (1995) e Bernanke et al (1999), espera-se que taxas de
inflação inicial maiores sejam consistentes com os períodos de duração de contratos
menores. As experiências dos países analisados, Brasil, Chile e México, reforçam
esta afirmação. No Brasil, os reajustes salariais chegaram à periodicidade mensal
em meados da década de 1980.
A variável duração do episódio de desinflação é indicador de como a
velocidade do episódio de desinflação afeta a taxa de sacrifício. Esta pode estar
relacionada positiva ou negativamente com a variável explicada. A velocidade ótima
da desinflação é um dos problemas centrais em economia monetária. A corrente de
pensamento que defende o gradualismo argumenta que, devido à rigidez de preços
85
e salários, a economia precisa de um tempo mínimo para se ajustar diante de uma
contração monetária. Esta visão foi formalizada por Taylor (1993), cujo trabalho
envolveu a construção de um modelo em que o resultado de uma rápida desinflação
era a queda do produto, enquanto que, para desinflações lentas o mesmo não se
verificava (BALL, 1993).
Por outro lado, alguns economistas, entre os quais Sargent (1986), defendem
a visão contrária. De acordo com esta corrente, uma desinflação rápida induz a uma
mudança na percepção dos agentes com relação à condução da política monetária,
que implicaria em custos inferiores aos de desinflações lentas. A variável chave
deste argumento é credibilidade.
Ball (1993) ressalta que existem poucas evidências acerca deste assunto.
Ambas correntes encontraram resultados favoráveis as suas hipóteses, embora a
interpretação dos resultados encontrados à luz das evidências históricas sejam
controversas.
O propósito da inclusão da dummy foi o de verificar se a razão de sacrifício
para os países emergentes é superior ao dos desenvolvidos. As variáveis
explicativas utilizadas no modelo são as usualmente utilizadas na literatura
7
.
4.2.1 Variáveis Dummy
Fatores qualitativos normalmente podem ser modelados na forma de
informação binária, isto é: uma pessoa é do sexo feminino ou masculino, tem ou não
computador, uma empresa oferece ou não determinado benefício aos empregados.
Em todos estes exemplos a variável binária pode assumir o valor zero ou um.
Em econometria, variáveis binárias são comumente chamadas de variáveis
dummy. As variáveis dummy são recomendados quando deseja-se capturar
aspectos qualitativos nas regressões. A principal vantagem em utilizar valores zero e
um para modelar variáveis binárias é a facilidade de interpretação dos resultados
obtidos.
7
Bernanke et al (1999) e Carvalho e Gonçalvez (2005)
86
(vi)
++
++
=
gruposegundooparaux
grupoprimeirooparaux
y
βα
βα
2
1
As duas equações combinadas em uma única equação resultam em:
(vii)
uxDy +++=
βααα
121
Onde:
(viii)
=
grupoprimeiroopara
gruposegundoopara
D
0
1
A variável D é a variável dummy. O coeficiente da dummy mensura a
diferença entre os dois termos de intercepto. No entanto, os coeficientes de
inclinação β são os mesmos para todos os grupos, bem como os erros seguem a
mesma distribuição independentemente dos aspectos qualitativos considerados.
Cabe destacar que, se existir termo constante na regressão, o número de
dummies definido deve sempre ser inferior ao número de categorias consideradas. A
constante tradicional α representa o termo de intercepto para o grupo base, isto é, o
grupo contra o qual se fazem comparações, e a dummy mede a variação do
intercepto entre os grupos. Introduzir um número de dummies igual ou superior ao
de categorias implicaria em perfeita multicolineraridade.
A premissa implícita na equação (v) da taxa de sacrifício é a de que dois
grupos apresentam diferenças apenas no nível da taxa, isto é, apenas o intercepto
varia entre os dois grupos. Considerar que a inclinação da curva é a mesma tanto
para emergentes quanto para desenvolvidos, significa que as demais variáveis
explicativas influenciam a taxa de sacrifício da mesma forma para os dois tipos de
países. O modo como a variável dummy foi utilizada, na equação descrita acima
permite avaliar se existem diferenças de intercepto entre os dois grupos de países,
emergentes e desenvolvidos.
87
4.3 Resultados
Nesta seção são apresentados os principais resultados obtidos através do
modelo acima apresentado.
No entanto, como IT é um regime de política monetária desenvolvido
recentemente, as séries históricas para estudos empíricos são relativamente curtas.
Dessa forma, para o exercício econométrico aqui proposto, o número de
observações obtidas é muito restrito.
A conseqüência da base de dados pequena é a confiabilidade restrita da
curva de regressão encontrada. A reta de regressão que melhor se ajusta às
observações pode mostrar uma relação pouco confiável entre as variáveis
dependentes e explicativas selecionadas. Além disso, para base de dados curtas, o
número de variáveis explicativas permitidas deve ser limitado, uma vez que a
inclusão de muitas variáveis implica em perda de graus de liberdade, que podem
prejudicar a interpretação dos resultados obtidos.
Dessa forma, como pode ser observado na Tabela 3.4. abaixo, o modelo
econométrico, representado pelo equação (v), apresentou os seguintes resultados:
Tabela 4.4: Resultados Taxa de Sacrifício - I
Na regressão por mínimos quadrados ordinários, não é possível explicar a
diferença entre a taxa de sacrifício dos países emergentes e industrializados
selecionados. Os coeficientes das variáveis explicativas não são estatisticamente
diferentes de zero, com 95% de confiança.
88
Observa-se que as variáveis de controle, inflação inicial e duração, não foram
significativas na amostra. Neste contexto, optou-se por testar o seguinte modelo:
(ix)
Dummy
1
βα
π
+=
∆Υ
Os resultados encontram-se especificados na tabela 3.5. abaixo:
Tabela 4.5: Resultados Taxa de Sacrifício - II
Uma vez que o modelo de regressão linear corresponde a uma média
condicional, a utilização da taxa de sacrifício como variável dependente e da
constante e da dummy como variáveis explicativas, pode ser considerado um teste
de diferença de médias.
A estimativa do coeficiente da variável dummy revela o acréscimo da taxa de
sacrifício para os países emergentes. Embora a variável dummy seja significativa
apenas a 7%, o sinal positivo contribui para a afirmação de que a média da taxa de
sacrifício dos países emergentes é superior ao dos desenvolvidos. Cabe lembrar
que, para os países emergentes a dummy é igual à unidade, enquanto que para os
desenvolvidos equivale a zero.
No caso do teste de Durbin Watson, valores em torno de 2,0 indicam
ausência de autocorrelação de primeira ordem, positiva ou negativa. Assim, o valor
da estatística Durbin Watson (2,2358) é um bom indicativo da ausência de
correlação serial entre os resíduos.
Cumpre, ainda, ressaltar que foram rejeitadas as hipótese de
heteroscedasticidade para os modelos testados.
A Tabela 3.6., abaixo, apresenta a análise de estatística descritiva:
89
Tabela 4.6: Estatística Descritiva
Fonte: Elaboração do autor
Como pode ser observado pela Tabela 3.6. acima, as volatilidades,
explicitadas pela variância, da taxa de inflação e da taxa de juros real dos países
emergentes são significativamente superiores à dos países industrializados. A
volatilidade das referidas variáveis é de extrema importância na indução das
decisões de investimento. Especialmente no caso dos países emergentes, a
instabilidade da taxa de juros afeta negativamente a tomada de decisão dos
empresários.
O mesmo comportamento se verifica para as médias das variáveis
analisadas. A média da taxa de juros real dos países emergentes equivale ao dobro
do valor para os desenvolvidos, enquanto que, a média da taxa de inflação é quatro
vezes superior.
O Brasil é o país com taxas de inflação e juros mais altas entre todos os
países selecionados, embora a volatilidades das variáveis o sejam tão altas. Isto
indica que, comparativamente aos demais, o país mantém a estabilidade das
variáveis reais em altos patamares.
Do grupo de países analisados, o Brasil foi o que apresentou o pior
desempenho sob o regime de IT, com taxa de inflação mais elevadas e baixo
crescimento econômico. México e Brasil apresentaram comportamento semelhante
90
durante a adoção do mecanismo: ambos experimentaram piora nas condições de
estabilidade macroeconômica e no crescimento econômico, após a adoção de IT. A
média de crescimento do PIB brasileiro, entre o terceiro trimestre de 1999 e o último
trimestre de 2005, foi de 2,5% a.a., enquanto que para o México a média foi de 2,8%
a.a .
O Chile foi a exceção entre os países estudados. O país registrou a maior
média de crescimento, após a adoção de IT, além das menores taxa de juros e
inflação. A economia chilena cresceu 5,7% a.a., em média, entre o primeiro trimestre
de 1991 e o último de 2005.
91
5 CONSIDERACOES FINAIS
O número de países que adotaram o regime de IT, desde sua implementação
na Nova Zelândia, na década de 1990, cresceu significativamente nos últimos anos.
O mecanismo tornou-se tendência mundial em termos de política monetária. Seus
defensores argumentam que a adoção de IT permite manter as taxas de inflação
estáveis e em baixos patamares.
Além disso, muitos autores acreditam que IT permite reduzir os níveis de
inflação com baixos custos em termos de crescimento do PIB. A principal hipótese
por trás destas afirmações é a de que o aprimoramento da transparência, com
relação às ações e aos objetivos do Banco Central, permite melhores avaliações
acerca do desempenho da autoridade monetária. Dessa forma, a transparência
contribui para a construção da credibilidade e da reputação do formulador de
política.
Alguns países emergentes também seguiram esta tendência. Neste contexto,
o objetivo deste trabalho foi o de avaliar o desempenho das principais economias da
América Latina, sob o regime de IT, comparativamente aos desenvolvidos com
experiências mais longas na condução de IT.
De fato, a maior parte dos países, sejam emergentes ou desenvolvidos,
experimentaram uma redução nos seus níveis de inflação ao longo da última
década. Entretanto, este fenômeno também pôde ser observado entre os países que
não adotaram IT. Alguns autores atribuem esta tendência à redução nas
preferências dos agentes em relação ao nível ótimo de inflação admitido,
possivelmente em reação aos episódios de hiperinflação vividos por alguns países.
As características peculiares das economias emergentes, como ausência de
instituições sólidas, elevado grau de vulnerabilidade externa, baixa credibilidade dos
formuladores de política monetária, mercado financeiro pouco desenvolvido, elevada
relação divida/PIB e prêmios de risco, constituem-se em dificuldades adicionais à
condução da política monetária sob IT.
Ademais, estes países enfrentam mais freqüentemente choques de oferta
externo, de forma que as flutuações constantes da taxa de câmbio são rapidamente
transmitidas para preços no mercado interno. Em resposta a estas flutuações, as
taxas de juros também têm comportamento mais volátil comparativamente às taxas
92
de juros dos países desenvolvidos, uma vez que elas têm a função de estabilizar
tanto o balanço de pagamentos como a inflação.
Estas questões tendem a afetar a credibilidade das políticas e,
conseqüentemente, aumentam seus custos em termos de crescimento da economia.
Além disso, implicam em maior volatilidade das variáveis reais, que por seu turno
afetam as expectativas dos agentes, bem como as decisões de investimento.
Outra questão relevante é a ausência de instrumentos técnicos adequados.
Na maioria dos países emergentes existe significativa defasagem na divulgação de
informações de estatística nacional e o monitoramento das expectativas dos agentes
é sujeito a importantes inconsistências. Estas fraquezas afetam sobremaneira a
qualidade dos modelos de previsão e, por conseguinte, impõem obstáculos ao
atendimento das metas.
Neste contexto, a partir da análise do histórico de Brasil, Chile e México, sob
IT, constatou-se que estes países, de fato, estiveram sujeitos a diversas crises
externas. Além disso, na maioria dos casos, existiu efeito de contágio bastante
relevante. Sempre que um desses países é atingido por uma crise externa,
especialmente crises financeiras, os demais são afetados negativamente. Este
fenômeno sugere que os investidores externos não conseguem diferenciar a
qualidade das políticas macroeconômicas entre países emergentes. Existem uma
tendência entre os investidores internacionais de avaliar igualmente o risco dos
países emergentes em geral, independentemente de seus fundamentos
econômicos.
A despeito da forte recomendação das principais instituições financeiras
internacionais com relação à abertura da economia, flexibilização da taxa de câmbio,
ajuste fiscal e adoção de IT, quando um país emergente é atingido por uma crise
verifica-se rápida fuga de capitais de outros mercados emergentes, ainda que esses
fundamentos sejam radicalmente distintos. Dessa forma, a adoção de IT impõe
elevado grau de rigidez à política monetária dos países em desenvolvimento, bem
como elevados custos ao crescimento do produto.
Para comprovar a hipótese de que o custo de desinflação dos países
emergentes é superior ao dos desenvolvidos, utilizou-se a taxa de sacrifício. Foram
calculadas as taxas de sacrifício para todos os episódios de desinflação de Chile,
México, Brasil, Finlândia, Canadá, Reino Unido, Suécia e Austrália. Todos os
episódios de desinflação considerados ocorreram durante o período de adoção de
93
IT. Dessa forma, foi encontrado um total de apenas 23 episódios de desinflação
para todos os países analisados.
O histórico recente do mecanismo de IT, como instrumento de política
monetária, dificulta investigações empíricas acerca de sua eficácia, tanto para
redução, quanto para estabilização das taxas de inflação. No entanto, foi possível
realizar teste de média para as taxas de sacrifício dos países emergentes e
desenvolvidos. O exercício sugeriu que a taxa de sacrifício para os países
emergentes estudados é superior a dos desenvolvidos comparados.
No entanto, a taxa de sacrifício não é capaz capturar alguns efeitos negativos
atribuídos ao mecanismo de IT nos países emergentes, como redução dos níveis de
investimento e deterioração das expectativas dos agentes.
É importante ressaltar, que face a limitação de dados empíricos, as
conclusões deste trabalho baseiam-se apenas parcialmente nos exercícios
econometricos realizados. O estudo do histórico dos países sob o regime de IT
forneceu maiores subsídios para analise aqui exposta.
Assim sendo, outros exercícios que envolvam a avaliação do nível de
investimento e os modelos de monitoração de expectativas dos agentes econômicos
das economias emergentes, anterior e posteriormente à adoção de IT, são
sugestões para trabalhos futuros.
94
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