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no bojo desta questão apareceram as estratégias de auto construção e de cuidado
de si (Foucault, 1985), que se torna mais agudo nas horas de dúvida, de fraqueza
ou em face a um comportamento preconceituoso.
QUADRO 9
46. P [...] A quem interessa, pela experiência de vocês// eu não tô falando idealmente,
na vida de vocês, concretamente, que tipo de aliança vocês têm encontrado, que
tipo de apoio, pra poder seguir em frente e fazer parte da sociedade? A quem
interessa essa discussão?
47. AC – Bom, a questão da aliança o essencial, é óbvio evidente, não só pras
pessoas com deficiência mas pra todas as pessoas em geral é a família. Se você
tiver uma base familiar forte, se tiver pessoas na família ajudem, não só
fisicamente falando, como é meu caso. Minha mãe anda comigo pra cima e pra
baixo. De uns tempos pra cá que eu tô aprendendo a me ‘virar sozinho’. Mas se
tiver apoio dos familiares, no sentido psicológico de fazer a pessoa não desistir
do objetivo dela, isso é a coisa mais importante que o deficiente tem na vida. Eu
carrego comigo o seguinte lema: ‘é mais fácil eu me adaptar ao mundo do que o
mundo se adaptar a mim’. Por quê? Porque se eu for ficar esperando as
autoridades, as pessoas em geral, se preocuparem com a minha questão e
começarem a se mexer, eu vou perder muito tempo. E assim eu perco no meu
desenvolvimento como pessoa, como ser humano. [...]
50. P – Então o esforço individual é que é a saída, vocês acham?
51. AC – É, não é a saída em si.
52. P – Mas na história de vocês foi o grande caminho?
53. GC – É com certeza, eu acho que se alguém ficar parado, até uma pessoa dita
normal, ficar esperando que as coisas aconteçam a vida passa e ela não conseguiu
nada. No nosso caso, acho que isso é até, como é que eu vou dizer um pouquinho
mais sério porque, realmente se eu for esperar que o mundo mude, as coisas
demoram muito. Então eu acho que além de esperar o mundo mudar, a gente tem
que nos adaptar também. Eu por exemplo, pratico escalada, eu faço várias coisas
que muitas pessoas acham que um deficiente não tem condições de fazer. Tem
sempre essa idéia de lutar duro para conseguir sempre.
54. P – Isso não exaure? Não é muito cansativo não?
55. LC – Eu acho que tem horas que// teve horas que pra mim e acho que na vida de
qualquer um, de qualquer ser humano - ou por motivos pessoais ou por motivos
de relacionamento ou institucionais - que você vira e: ‘meu Deus, será que eu tô
lutando por alguma coisa que vai acontecer, que eu vou conseguir?’ Sabe?
56. Quando eu tava lá na escola, lá atrás, que chegou um professor um dia que falou
que não era obrigação dele escrever a prova pra mim. Eu ditava a prova e ele
escrevia, né? E que eu deveria estar numa escola especial. Esse foi um dia pra
mim muito ruim, entendeu? Não é só: ‘olha, eu preciso existir’. Falei: ‘Pôxa, pra
que quê eu to lutando? Quem eu represento?’ Entendeu? O que quê eu sou, quem
eu sou? Então eu acho que a nossa identidade, pelo menos pela minha
experiência de vida, passa por altos e baixos. Tem dia que você se sente super
bem: ‘Cara eu consegui, eu sou forte, eu sou o super-homem.’ Mulher maravilha,
melhor dizendo. Tem dia que você tem tanta dificuldade, que você pensa: ‘será
que eu não tô querendo demais para mim?’. Por que não é só o emprego, não é só
o dinheiro é o que te dá valor é a ligação pessoal. É ele saber que ele tá fazendo
um monte de coisa que ele gosta, que ele tá amarradão em fazer, entendeu? E isso
deve se expressar no campo afetivo// E tem horas que você diz ‘Meu Deus [põe a
mão na testa], mas será que é isso? Será que eu tô brigando por uma causa justa?”
57. P – Vocês concordam, este é um sentimento comum?
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