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ruptura com a feição populista e paternalista da autocracia burguesa. Com a
institucionalidade autoritária, criada pela Ditadura Militar nos seus primeiros anos, o
Estado autocrático-burguês
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atingiu a sua forma perfeita, nas condições de implantação do
padrão de acumulação capitalista dependente-associado (OLIVEIRA, 1984; MANTEGA
& MORAES, 1979). O golpe civil-militar de 1964, a edição do AI-5, em 1968, e a
ascensão do general Médici à presidência da República, em 1969 são momentos decisivos
no processo de constituição e consolidação de uma institucionalidade política autoritária,
que aboliu a institucionalidade democrática herdada do período populista (1945-1964) e
atribuiu às Forças Armadas a condição de grupo dirigente do bloco no poder.
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Para Florestan Fernandes, o modelo autocrático-burguês de transformação capitalista é produto de uma
dada combinação entre dominação burguesa e transformação capitalista, fundindo infra-estrutura e
superestrutura, expressando um tipo de “Revolução Burguesa”. Este tipo é distinto do tipo clássico,
democrático-burguês, realizado em determinados países capitalistas, e específico de países de capitalismo
dependente e subdesenvolvido, como o Brasil. Segundo ele, “essa combinação se processa em condições
econômicas e histórico-sociais específicas, que excluem qualquer probabilidade de “repetição da história” ou
de “desencadeamento automático” dos pré-requisitos do referido modelo democrático-burguês. Ao revés, o
que se concretiza, embora com intensidade variável, é uma forte dissociação pragmática entre
desenvolvimento capitalista e democracia; ou, usando-se uma notação sociológica positiva: uma forte
associação racional entre desenvolvimento capitalista e autocracia. Assim, o que é “bom” para intensificar ou
acelerar o desenvolvimento capitalista entra em conflito, nas orientações de valor menos que nos
comportamentos concretos das classes possuidoras e burguesas, com qualquer evolução democrática da
ordem social. A noção de “democracia burguesa” sofre uma redefinição, que é dissimulada no plano dos
mores, mas se impõe como uma realidade prática inexorável, pela qual se restringe aos membros das classes
possuidoras que se qualifiquem, econômica, social e politicamente, para o exercício da dominação burguesa.
(...) A extrema concentração social da riqueza, a drenagem para fora de grande parte do excedente econômico
nacional, a conseqüente persistência de formas pré ou subcapitalistas de trabalho e a depressão medular do
valor do trabalho assalariado, em contraste com altos níveis de aspiração ou com pressões à democratização
da participação econômica, sociocultural e política, produzem, isoladamente e em conjunto, conseqüências
que sobrecarregam e ingurgitam as funções especificamente políticas da dominação burguesa (quer em
sentido autodefensivo, quer numa direção puramente repressiva). Criaram-se e criam-se, desse modo,
requisitos sociais e políticos da dominação burguesa que não encontram contrapartida no desenvolvimento
capitalista das nações centrais e hegemônicas (mesmo onde a associação de fascismo com expansão do
capitalismo evoca o mesmo modelo geral autocrático-burguês). Sob esse aspecto, o capitalismo dependente e
subdesenvolvido é um capitalismo selvagem e difícil, cuja viabilidade se decide, com freqüência, por meios
políticos e no terreno político (FERNANDES, 1987, pp. 292-293). Esta associação entre autocracia burguesa
e modelo de transformação capitalista também é teorizada por José Chasin a partir do conceito de autocracia
burguesa em articulação com o de via colonial de desenvolvimento capitalista. Guardadas as diferenças
analíticas entre ambos, em Chasin a autocracia burguesa também é determinada pela incapacidade da
burguesia colonial brasileira, como capital atrófico, de romper com sua integração subordinada ao capital
externo, e enfrentá-lo para superar sua incompletude, e responder ao desafio proletário, alimentado pelo
próprio dinamismo da sociedade de classes capitalista, de forma socialmente integradora e democrática. Em
sua análise da Ditadura Militar, Chasin aplica o conceito de bonapartismo, o que se aproxima do nosso
conceito de cesarismo militar, trabalhando a formulação de que a transição democrática reformou e
institucionalizou a autocracia burguesa (CHASIN, 2000a, pp. 177-288). Décio Saes também caracteriza a
Ditadura Militar como um Estado autocrático, para o qual convergem os interesses das classes dominantes,
ao mesmo tempo que se abandonam os mecanismos populistas de integração política das classes dominadas
(SAES, 1984, pp. 151-194).