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tornaram ineficazes, mas encontram-se, contemporaneamente, distribuídas por todo o tecido
social. Deleuze (1992), ilustra esse deslocamento apontando a substituição da imagem
disciplinar representada nos túneis estruturais da toupeira pela das ondulações infinitas da
serpentes do controle.
A sociedade disciplinar e normativa que, para Cardoso Jr. (2002, p.193), funcionava
alicerçada sob territórios de caça para as relações de poder, necessitava de dispositivos
disciplinares - os territórios fechados, que reuniam práticas legitimadas pelo saber científico e
pela visibilidade da arquitetura panóptica, operavam pela criação de dispositivo espaço-
temporal para manejar ou induzir práticas de subjetivação. A instituições sociais
estruturavam-se em territórios ajustados às funções disciplinares – vigiar, ensinar, curar -
cumpridas pela família, pela escola, pela fábrica, pelo exército, pelo hospital, pela prisão. A
fluidez das tecnologias de comunicação e de informação, ao impulsionar o desmoronamento
dos muros das instituições disciplinares, como destaca Ramont (2001), colocava como
dominantes outras funções para o gerenciamento e controle social: anunciar, vender, vigiar.
A mutação tecnológica converteu sistemas simbólicos
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em um único sistema: texto,
som e imagem passaram a ser transmitidos em tempo real, na velocidade da luz. Máquinas
digitais conectadas criaram uma rede de informação e de comunicação, uma malha que
abrange todo o planeta para anunciar, porque a economia na sociedade do espetáculo é
essencialmente publicitária; para vender porque, pelas redes mediáticas, não só se entra em
contato com a propaganda mas, também, se pode escolher, pedir, pagar, comprar produtos e
serviços de infinitas naturezas e possibilidades; vigiar porque cada manipulação na rede deixa
marcas, desenha o auto-retrato de seus usuários – seus interesses culturais, ideológicos,
lúdicos, de consumo –, um retrato que revela segredos, que torna pública as preferências e
possibilita que vontades e desejos possam ser manipulados.
Formas abertas, em rede e ultra-rápidas, de coerção e gerenciamento social
substituíram as antigas formas fechadas e rígidas das instituições disciplinares, e uma outra
lógica era estabelecida. Como analisa Deleuze (1992), as diferentes instituições disciplinares
operavam como variáveis independentes, em que a presença obrigatória, e sob a suposição de
recomeçar do zero, ajustava o homem moderno a um formato, a um molde. Da lógica
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Para Ramonet (2001), cada sistema simbólico - o texto escrito, o som e a imagem - foi responsável por
forjar sistemas tecnológicos. O texto deu origem à edição, à impressão, ao jornal, à tipografia, à máquina de
escrever; o som deu origem à fala, ao rádio, ao gravador, ao telefone, ao disco; a imagem, por sua vez, produziu
a pintura, a gravura, os quadrinhos, o cinema, a televisão, o vídeo. Os sistemas multimídia e, principalmente a
Internet, instituíram uma mudança radical nos mecanismos de informação e de comunicação, ao não fazer
distinção entre o sistema textual, o sistema sonoro e o sistema da imagem. Assistimos, no final do século XX, à
fusão-concentração de empresas de telefonia, de televisão e de edição , construindo megagrupos mediáticos
integrados.