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“água” monoculturalista, como historicamente vem acontecendo, essa água
não hidrata a cultura, não vivifica.
Paulinho mostra, também, que a educação escolar é uma estratégia de
existência grupal da comunidade indígena na sociedade nacional. Noutros
termos, é uma estratégia de inserção cidadã do índio na sociedade nacional.
É necessário ter claro que a educação do índio, todavia, é uma educação
da sociedade e da cultura de seu povo. Todos os povos indígenas educam suas
crianças, eles as ensinam e formam.
Aprender a escrita é considerado uma arte, um desenvolvimento de
habilidade para poder se comunicar melhor no mundo da cultura dominante.
Com a criação de escolas nas aldeias Paresi, a escrita e a leitura, antes
restrita às pessoas escolarizadas em missões religiosas, estão se tornando um
saber disponível à maioria das pessoas.
Entre as sociedades indígenas, contudo, a educação escolar de cunho
integracionista não é percebida como algo fundamental, ao contrário,
consideram-na estranha e desprovida de sentido.
Observe o que disse o professor Evaristo Kiga, membro do Conselho de
Educação Escolar Indígena do Estado de Mato Grosso:
A educação vem da comunidade, vem desde que o filho
nasce. Na minha etnia a gente dá educação como respeitar os
outros e também como os outros respeitar ela. Então a educação
na etnia Bororo respeita a natureza, ensina o que é vida, o que é
ruim, o que é bem. Tem as várias educações: a educação de
como fazer uma coisa, como trabalhar, como fazer artesanato
ensina da terra, da água, da natureza.
A educação não é só de casa, do pai, da mãe. Educação
também tem a da escola. Só que esta ensina a educação do
branco, de como se desenvolver com a lei do branco, como lutar
pela comunidade. Se chega uma pessoa estranha, como falar
com ela. Não se compara a aldeia com a cidade. Tem que ter a
educação da aldeia e a educação para a cidade, para tratar com
as autoridades, saber como andar no meio deles. Tem que
respeitar a própria cultura.
A educação é como uma árvore na natureza. Depois que
ela nasce tem raiz cresce e se abre. Assim é a educação. O filho
da gente, como ele pode ter uma educação: tendo a raiz como a
da gente mesmo. Como a árvore, ela cresce, começa brotar, fica
cheia, mais aberta, dá fruto, dá futuro... (KIGA, 1997, p.11-12).