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Conforme Deleuze e Parnet (1998),
Partir, se evadir, é traçar uma linha. O objeto mais elevado da literatura, segundo
Lawrence: Partir, partir, se evadir... atravessar o horizonte, penetrar em outra
vida... E assim que Melville se encontra no meio do oceano Pacífico, ele passou,
realmente, a linha do horizonte. A linha de fuga é uma desterritorialização [...]
Fugir não é renunciar às ações, nada mais ativo que uma fuga. É o contrário do
imaginário. É também fazer fugir, não necessariamente os outros, mas fazer
alguma coisa fugir, fazer um sistema “vazar” como se fura um cano
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[...] Fugir é
traçar uma linha, linhas, toda uma cartografia. Só se descobre mundos através de
uma longa fuga quebrada
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[...] Fugir não é exatamente viajar, tampouco se
mover. Antes de tudo porque há viagens à francesa, históricas demais, culturais e
organizadas, onde as pessoas se contentam em transformar seu “eu”. Em seguida,
porque as fugas podem ocorrer no mesmo lugar, em viagem imóvel (p. 50-51,
grifo meu).
O que fui propondo, à medida que fomos montando e experimentando esta pesquisa, teve
relação com uma tentativa de produzir linhas de fuga que pudessem deixar falar outros possíveis
modos do lugar e do fazer psi na sala de aula. Tal tarefa, hoje percebo, é bastante difícil, uma vez
que esse fazer psi está extremamente conectado a um fazer pedagógico também disciplinador e
normalizador dos sujeitos escolares. A colocação de corpos e mentes em um movimento diferente
em sala de aula gerou um desconforto nos alunos, na professora e na instituição. Não foi possível
fazer com que a instituição permitisse que as atividades relacionadas à pesquisa fossem
desenvolvidas apenas com os alunos que gostariam de participar do processo. A instituição
exigiu que a turma toda participasse, apesar de metade desta preferir continuar realizando as
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George Jackson escreve de sua prisão: "É possível que eu fuja, mas ao longo de minha fuga, procuro uma arma".
E Lawrence, ainda: "Digo que as velhas armas apodrecem, façam novas armas e atirem no alvo" (DELEUZE, 1998,
p. 49).
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“A literatura anglo-americana apresenta continuamente rupturas, personagens que criam sua linha de fuga, que
criam por linha de fuga. Thomas Hardy, Melville, Stevenson, Virginia Woolf, Thomas Wolfe, Lawrence, Fitzgerald,
Miller, Kérouac. Tudo neles é partida, devir, passagem, salto, demônio, relação com o de fora. Eles criam uma nova
Terra, mas é possível, precisamente, que o movimento da terra seja a própria desterritorialização. A literatura
americana opera segundo linhas geográficas: a fuga rumo ao oeste, a descoberta que o verdadeiro leste está no oeste,
o sentido das fronteiras como algo a ser transposto, rechaçado, ultrapassado. O devir é geográfico. Não existe o
equivalente em francês. Os franceses são humanos demais, históricos demais, preocupados demais com o futuro e
com o passado. Passam seu tempo recapitulando. Não sabem tornar-se, pensam em termos de passado e de futuro
históricos. Até mesmo quanto à revolução, eles pensam em um ‘futuro da revolução’, mais do que em um devir-
revolucionário. Eles não sabem traçar linhas, seguir um canal. Não sabem furar, limar o muro. Gostam demais das
raízes, das árvores, do cadastro, dos pontos de arborescência, das propriedades. Vejam o estruturalismo: é um
sistema de pontos e de posições, que opera por grandes cortes ditos significantes, ao invés de proceder por
crescimentos e estalos, e colmata as linhas de fuga, ao invés de segui-las, traçá-las, prolongá-las em um campo
social. Não está em Michelet a bela página onde os reis de França se opõem aos reis da Inglaterra: uns com sua
política de terra, heranças, casamentos, processos, trapaças e truques; os outros com seu movimento de
desterritorialização, suas errâncias e repúdios, suas traições como um trem de inferno que passa? Eles desencadeiam
com eles os fluxos do capitalismo, mas os franceses inventam o aparelho de poder burguês capaz de bloqueá-los, de
contabilizá-los” (DELEUZE E PARNET, 1998, p. 50).