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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
(Des)caminhos da Psicologia: possibilidades para se
pensar uma psicologia menor nas salas de aula do
Ensino Médio
Karina Almeida de Souza
Porto Alegre
2007
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2
Karina Almeida de Souza
(Des)caminhos da Psicologia: possibilidades para se
pensar uma psicologia menor nas salas de aula do
Ensino Médio
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Educação. Linha de Pesquisa:
Estudos Culturais em Educação.
Orientadora: Profª Drª Nádia Geisa Silveira
de Souza
Porto Alegre
2007
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Cintia Cibele Ramos Fonseca – CRB10/1313.
S731d SOUZA, Karina Almeida de
(Des)caminhos da Psicologia: possibilidades para
se pensar uma psicologia menor nas salas de aula do
ensino médio / Karina Almeida de Souza. Porto Alegre:
Faculdade de Educação, UFRGS, 2007.
211 f.: il.
Dissertação (mestrado). Universidade Federal do
Rio Grande do Sul. Faculdade de Educação. Programa
de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de
Educação. BR-RS, 2007.
1. Educação. 2. Psicologia. 3. Docência. 4.
Ensino Médio. I. Título. II. Souza, Nádia Geisa
Silveira de, orientadora.
CDU 376:159.9
4
Para minha mãe, que teve coragem para
atravessar o rio da vida.... Para Marcelo, meu
irmão (in memoriam), que me ensinou, com sua
perda, a lutar pela vida onde ela parecia o mais
existir. Para Pedro Luiz, João Victor, Alissa e
Paolo, que insistem em mostrar o quanto a vida
“teima” em existir.
5
AGRADECIMENTOS
Aos que tiveram coragem, força e perseverança de permanecer ao meu lado nesta
aventura acadêmica, evoco afetos alegres. Nada mais paradoxal, contingente e deveras instigante
do que produzir uma escrita que se quis assim, de corpo inteiro, de suor e lágrimas, de alegrias e
desejos. Na dor e no êxtase de produzir, ficaram os que puderam, desejaram e apostaram em meu
fazer, em minha potência... Tantos... Nádia Geisa (minha orientadora), Fernanda H., Cíntia F.,
Daniela H., Patrícia G., Cristiane A., Suzan S., Sinara G., Márcio A., Cristiane J., Simone B.,
Lígia F., Rosângela S., Renata D., Fernando Y., Cristian A., Pedro L., João V., Paolo C., Sandro
C., Susana G., Eli G., Sonia A., Tânia A., Suzana A., Paulinho A. , Ernesto A., Fabiano A., João
Pedro, Julieta A., J. Picon, Heloísa P., Sandra A., Ana A., meu grupo de pesquisa, meus
professores e professoras, todos os meus entes queridos... E a vida, que insiste em continuar
produzindo desassossegos e novos enfrentamentos...
Aos que partiram ou decidiram traçar outras linhas, ficam as lembranças, a saudade, o
não-saber como poderia ter sido... Marco Jr., César, Marco Antonio... Marcelo (in memoriam),
Elvira, Crescêncio, Castora e Arcanjo (meus avós) (in memoriam)... Aos que nunca duvidaram
que esta viagem-aventura se faria possível e vivível, permanece e me inunda um sentimento de
aconchego e aposta... Marileusa e Filipi.
A esta academia, à UFRGS, à FACED, ao PPGEdu, ao DEC, a meus alunos e alunas, ao
CNPq, à escola onde realizei este estudo-pesquisa e aos seus sujeitos escolares... meus singelos
agradecimentos a todos esses atores pela acolhida singular que tornou possível esta produção.
À vida, que engendrou, tramou e buscou bons encontros e intercessores que me
produziram potente na incessante necessidade de busca por outros espaços de criação e
invenção de mundos.
A tudo que foi possível e impossível viver nesta feitura!
6
RESUMO
Esta pesquisa tem a intenção de discutir as possibilidades de uma educação e uma
psicologia nomeadas/forjadas como “educação menor” e “psicologia menor”. Ou seja, uma
educação e uma psicologia pensadas como possíveis atos de resistência aos fluxos instituídos dos
saberes, às políticas impostas pelas diretrizes macropolíticas, às metanarrativas que constituem os
campos disciplinares. O fazer de uma “educação menor” e de uma “psicologia menor” pretende
trabalhar com o micropolítico da sala de aula e as micro-relações cotidianas de cada sujeito,
funcionando, talvez, como táticas de resistência que buscam dar espaço às vozes silenciadas; uma
educação e uma psicologia que, como nos proporia Silvio Gallo (2003), seriam capazes de
produzir um mundo dentro do mundo, de cavar trincheiras de desejo e de construir suas leis, seus
planos, seus atos de singularização. Partimos do entendimento de que teoria e conhecimento são
invenções, são produções que, ao mesmo tempo, produzem e criam efeitos de verdade (Foucault),
efeitos de realidade (Barthes), não se limitando a descrever ou explicar a realidade e estando,
então, irremediavelmente implicados na sua produção. Nesse sentido, na medida em que
descrevem um objeto, o inventam, sendo o objeto um produto, um efeito de sua criação. Assim, a
teoria ou o conhecimento não representariam a realidade, mas a fabricariam (SILVA, 2001;
2003). À medida que falamos, pesquisamos e produzimos conhecimento e saber, estamos sempre
nos posicionando, escolhendo e produzindo. Desse modo, nossas escolhas são sempre
interesseiras e interessadas, vivendo na arena do conhecimento um verdadeiro embate de forças.
O que pretendo fazer neste estudo, neste movimento de pensar é dar voz aos alunos e professores,
fazer falar as suas narrativas e as estratégias utilizadas no ensino de Psicologia no espaço escolar,
bem como pensar se haveria outras possibilidades para a inserção e funcionamento da Psicologia
no Ensino Médio. Esta dissertação propõe uma investigação que busca viabilizar um olhar
perspectivo, a partir das narrativas, vozes e práticas de sujeitos que tecem e que produzem toda
uma trama nas aulas de Psicologia, uma vez que nessas vozes podemos encontrar pistas de suas
vidas-tramas-dramas-humores-rumores-psi-escolares. Este pode tornar-se um caminho possível
(dentre tantos outros). Penso que a possibilidade de escuta e de análise dessas vozes e narrativas
e das práticas escolares, ou seja, daquilo que é vivido e produzido no/pelo espaço psi na sala de
aula pelos seus sujeitos, se faz importante por entender que podem ser apontados percursos
outros, para fazeres produzidos na intersecção da Psicologia e da Educação com as experiências
de vida. Estou entendendo percursos outros como formas contingentes de fazeres psi, não como
busca de um fazer psi verdadeiro; o que pretendo é apenas alargar as fronteiras desses
campos, problematizar e pensar outras possibilidades de intervenção no espaço escolar.
7
ABSTRACT
This research aims to discuss the possibilities of education and psychology as a “minor
education” and a “minor psychology”, meaning the education and the psychology perceived as
possible resistance acts to the instituted flux of knowledge, to the acts imposed by the wider
policies, the metanarratives which compose different subjects fields. To act in the minor
education and minor psychology concept means to work with the micro policy in the classroom
and the everyday micro-relations of each actor, working, perhaps, as resistance tactics seeking to
give room to unspoken voices; education and psychology which, as suggested by Silvio Gallo
(2003), would be able to produce an inner world in a world itself, to dig deep crave trenches,
building its rules, its projects and its singularization acts. We begin from the understanding that
theory and knowledge are inventions, are products which, at the same time, produce and create
what Foucault called “truth effect”, and what Barthes referred as “reality effect”, not only
describing or explaining the reality, but also being directly and irreversibly involved in its
creation. In this sense, while describing an object, they invent it, being the object a product, an
effect of its creation. Thus, the theory or the knowledge itself wouldn’t represent the reality, but
would make it (SILVA, 2001; 2003). As we speak, research and produce knowledge in the most
different fields, we are continuously taking part, choosing and developing it. In this sense, there is
always an interest in our choices so that we are never there to find knowledge but to develop it,
making us to live in a constant struggle of forces in this arena. What I intend to do in this study,
in this reflection process, is: to give voice to students and teachers, to speak out their narratives
and strategies used in the teaching of Psychology in the school environment, and also to reflect
about other possibilities to the introduction and role of Psychology in the secondary school. This
dissertation proposes, through the narratives, the voices and practices used by the actors who spin
and interlock the whole plot present in the Psychology classes, an investigation aimed to make
possible a much wider perspective look. Once we can find in these voices clues about its lives-
plots-dramas-humors-rumors-psy school context, it may expose a possible alternative way
(among so many others). I think that the possibility of listening and comprehending these voices
and school practices (meaning all that happens and is developed in the/throughout the psi field in
a classroom by its actors) becomes relevant by understanding that, through the acts produced in
the intersection between Psychology and Education with real life experiences, it may produce
other ways to perceive these experiences. I understand other ways” as dynamic ways of psi
activities instead of a search for only one real psi activity. Finally, what I intend is to widen the
boundaries between these fields, to work its problematic and to reflect about other possibilities of
intervention in the school context.
8
SUMÁRIO
UM OLHAR PERSPECTIVO 10
(DES)CAMINHOS DA PSICOLOGIA 18
CAPÍTULO I 31
CARTOGRAFANDO MARCAS, EXPERIÊNCIAS E DESASSOSSEGOS 31
1.1 Marcas de uma certa formação formação – um vôo panorâmico 32
1.1.1
Conhecimento, Formação e Currículo 33
.
1.1.2 A Psicologia e minha formação 37
1.1.3 (Re)
-pensando a Psicologia no percurso com a Educação 52
CAPÍTULO II 62
PSICOLOGIA E DOCÊNCIA – Uma dentre tantas outras trajetórias possíveis 62
2.1 O que quer a disciplina de Psicologia no Ensino Médio? 63
2.2 Um pouco de história sobre as propostas de Psicologia para o 2º Grau e seu
contexto no cenário da política educacional brasileira 67
2.3 O que quer a disciplina de Psicologia na sala de aula do Ensino Médio? 73
2.4 Em busca de outras implicações com a Psicologia 85
2.4.1 Algumas tentativas de viver a disciplina de psicologia 91
2.4.2 Na tentativa de viver a disciplina de psicologia como invenção 93
2.4.3 De como tentar viver a disciplina de psicologia como rizoma 96
2.4.4 Três experiências – quando tentamos fazer rizoma, produzindo contralugares
nas aulas de psicologia – o que acontece? 99
CAPÍTULO III 109
É NAS ANDANÇAS DA VIDA QUE CONSTITUIMOS NOSSOS CAMINHOS:
E A TAL METODOLOGIA? 109
3.1 Um olhar cartográfico 114
9
CAPÍTULO IV 119
UMA ANÁLISE-AVENTURA: BUSCANDO TECER, TRAMAR, FAZER
VAZAR CONCEITOS, RACHAR AS COISAS, RACHAR AS PALAVRAS 119
4.1 Como colocar os conceitos em movimento? 119
4.2 Quando os conceitos nos forçam a pensar... 125
4.3 Como pensar em possibilidades de uma psicologia menor em nossas salas de aula? 130
4.4 Quando o desejo é da ordem do atrair? Como abortar o que uma educação maior
fez conosco? 150
4.5 Dificuldades encontradas no percurso... Das durezas de uma psicologia maior e das
poucas possibilidades de uma produção de uma psicologia menor no espaço do
Ensino Médio... Das tentativas de continuar problematizando esse lugar... 159
4.6 Das tentativas de pensar um grupo como dispositivo... 170
FULGURAÇÕES 193
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 200
ANEXOS
1
212
1
Anexos em CD.
10
UM OLHAR PERSPECTIVO
2
Foi assim, para o leitor que inicia este percurso comigo, que se fez possível realizar
dobraduras, perfurar canos, fazer vazar aquilo que havia se produzido em mim. A mulher-
psicóloga-professora-atratora-aluna-mestranda-inventora em mim... E foi (só assim!) que pude
começar a dizer de onde vim - se é que se vem de algum lugar! Foi desse modo que passei a
pensar e sentir ser possível apontar flechas
3
para outros lugares, como Nietzsche nos ousaria
instigar. Lugares talvez mais vulgares do que os tão conhecidos, pois marginais, mestiços,
itinerantes, ciganos, menos velozes, mais sangrentos, mundanos, rizomáticos, nômades e
híbridos... E, no entanto, nem melhores nem piores...
E foi assim como? Deve estar se perguntado o leitor. Creio que como um percurso, um
processo genealógico
4
e perspectivo daquilo que me foi possível ou impossível viver, olhar para
minha própria feitura, minhas próprias dobraduras, para os campos de saberes perpassados,
atravessados, transversalizados por mim que me forjaram e me compuseram de tantas formas,
que acionaram tantos desejos de fuga, de fazer de outro modo, de parar, de ter coragem de
continuar, de criar outros mundos dentro deste em que vivemos...
Quando atravessamos um rio pela segunda vez ele jamais será o mesmo, nos confirma
Michel Serres (1997), e é assim que me sinto agora, depois de ter atravessado várias vezes este
2
Um olhar perspectivo será tomado aqui a partir da obra do filósofo Friedrich Nietzsche. Para o filósofo, “existe
apenas uma visão perspectiva, apenas um 'conhecer' perspectivo; e quanto mais afetos permitirmos falar sobre uma
coisa, quanto mais olhos, diferentes olhos, soubermos utilizar para essa coisa, tanto mais completo será nosso
'conceito' dela, nossa 'objetividade'. Mas eliminar a vontade inteiramente, suspender os afetos todos sem exceção,
supondo que o conseguíssemos: como? - não seria castrar o intelecto?...” (1998, p. 109). Cf. NIETZSCHE,
Friedrich. Genealogia da Moral. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
3
Tomado aqui no sentido em que Nietzsche afirmou no Prólogo de seu livro Assim falou Zaratustra : Amo os que
desprezam com intensidade, pois sabem venerar intensamente, e são flechas lançadas pelo anseio-da-outra-
margem”. Cf. NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra. Trad. Mário da Silva. Rio: Bertrand Brasil, 1989.
4
Genealogia é um conceito utilizado tanto por Nietzsche quanto por Michel Foucault e estará sendo explicitado logo
mais no decorrer deste texto.
11
“mesmo rio”
5
, a impossibilidade de se voltar a ser o que se era antes. Pois eis que estou aqui a
forjar, nestas folhas de papel, experiências úmidas, difíceis, doloridas, deslumbrantes,
inesquecíveis e “ameaçadoras”. “Ameaçadoras”, talvez, aos saberes que se querem maiores, às
grandes narrativas, às grandes maestrias...
Neste ensaio dissertativo, acompanhar-me-ei de muitos intercessores e intercessoras que,
com seus pensamentos e fazeres, me ensinaram, desviaram e, melhor ainda, continuam me
colocando em movimento. Buscarei, no decorrer deste processo, estabelecer algumas conexões
(ou des-conexões) com conceitos de autores e autoras que considero importantes para produção e
engendramento deste texto que compartilho agora com meus leitores.
Nesta trajetória, nesta dissertação
6
, pretendi, além de tentar rastrear as multiplicidades dos
agenciamentos
7
, as singularidades, as pequenas histórias aquelas que se esqueceu de contar...
(incluindo aqui meus processos, trajetos, afetos, encontros e desencontros) –, abrir possibilidades
de hablar, de tomar um mate, de ter coragem de adentrar no matagal, abrir caminhos outros e
procurar deixar rastros! Isso para, quem sabe, termos coragem suficiente de tornarmo-nos
outros... Foi só partindo de meu fazer, de minhas experiências, que pude começar a contar estes
causos, ensaiar esta escrita que tenta se desenredar das durezas de determinados processos de
vida e de tudo aquilo que a palavra vida pode vir a comportar, carregar, inventar, criar... (ou
não!).
Também desejei aqui ousar dar passagem aos tambores, às vozes, às dores, aos clamores,
às mortes, às lutas... Viver em meu corpo o açoite, a senzala, a tribo, o navio, a escravidão, as
correntes, a escuridão, a fome, a sede, o não-ser... Sentir o cheiro de outras terras, roubadas,
rasgadas, dilaceradas... De outros mares, cujas águas guardam sangrentos segredos... Sentir esses
corpos, esses cheiros de gente, de sangue, de lágrimas...
E, sendo assim, nessas andanças, nessas mateadas e flechadas, encontrei Michel Foucault
(2000) para começar, então, a entender que a possibilidade e o desejo de conversar com os
5
Rio que, em meu entendimento aqui, compõe metaforicamente: a vida, a psicologia, a educação, o mestrado, o
cinema, as artes, a literatura, a filosofia, a poesia, a música, os conceitos...
6
Utilizarei a palavra “dissertação” com a letra “d” minúscula para afirmar um possível lugar menor desta escrita, que
se quer tão singela e singular. Desse modo, trabalharei no fio da navalha, pois a composição que se fará terá uma
intenção de habitar um lugar menor, cuidando sempre para não perder o rigor que a academia nos exige.
7
O conceito de agenciamento será trabalhado no decorrer deste ensaio dissertativo.
12
saberes locais, com os saberes menores, com os saberes das pessoas, com a memória dos
combatentes, não eram coisas de “outro mundo”, mas sim deste!
Nesta escrita-ensaio, não estive trabalhando, pesquisando a essência exata das coisas, as
origens, onde tudo começou, nem buscando verdades. Tampouco estive à procura do útil, da
razão, da certeza ou da perfeição. Não fui em direção à profundidade, em busca de alguma
suposta verdade... Sei também que não mais véu
8
... A trilha que pretendi ir abrindo teve
relação com a superfície, e, desse modo, fui até a superfície dos acontecimentos, procurei e olhei
para o que estava “exposto”, o que estava a céu aberto”, para as descontinuidades, para as
rupturas, como nos proporia Foucault. Não pretendi aqui, de forma alguma, apontar caminhos
“verdadeiros” ou “corretos”... apenas possibilidades.... Talvez, na superfície, possamos olhar para
processos mais contingentes de feitura, de pensamento, de criação... Talvez caiba aqui nos
afetarmos por aquilo que nos lembra Tony Hara ao fazer referência à aventura do conhecimento:
“[...] fazer como Deleuze e convocar Menville: [pois] Desde o começo do mundo, os
mergulhadores do pensamento voltam à superfície com os olhos injetados de sangue” (2006, p.
272).
E é dessa perspectiva que tentei ativar, como nos provoca Foucault (2000), “os saberes
locais, descontínuos, desqualificados, não legitimados, contra a instância teórica unitária que
pretenderia depurá-los, hierarquizá-los, ordená-los em nome de um conhecimento verdadeiro, em
nome de uma ciência detida por alguns” (p. 171). Assim, pretendi dar voz às pessoas, a fim de
pensar um outro fazer para a Psicologia no espaço escolar, talvez um fazer envolvido com uma
“psicologia menor”...
Creio, nestas alturas, ser importante mencionar ao leitor o que as genealogias significam
para Foucault, bem como o quanto procurei aproximações com essas ferramentas para “trabalhar
no terreno”. As genealogias são tidas pelo filósofo como “anti-ciências” (idem, p. 171), sendo
que, de forma alguma, reivindicam
o direito lírico à ignorância ou ao não-saber; não que se trate da recusa de saber ou
de ativar ou ressaltar os prestígios de uma experiência imediata não ainda captada
8
“O u de Maia”, ou “Véu da Ilusão”,
que envolve a humanidade com todos os seus aspectos enganosos. Não
nada por trás, nada a ser descoberto, não mais verdade, interpretação, perspectiva. Desse modo, tudo
estaria, então, aparente na superfície, e não na profundidade.
13
pelo saber. Trata-se da insurreição dos saberes, não tanto contra os conteúdos, os
métodos e os conceitos de uma ciência, mas de uma insurreição dos saberes antes
de tudo contra os efeitos de poder centralizadores que estão ligados à instituição e
ao funcionamento de um discurso científico organizado no interior de uma
sociedade como a nossa [...] são os efeitos de poder próprios a um discurso
considerado como científico que a genealogia deve combater (FOUCAULT, 2000,
p. 171).
De acordo com Foucault, a genealogia pretende a “insurreição dos saberes dominados”
(idem, p. 170) como tática para uma outra política da verdade. Por saber dominado, o filósofo
entende duas coisas, sendo que a primeira delas diz respeito aos conteúdos históricos que foram,
de algum modo, “sepultados ou mascarados em coerências funcionais ou em sistematizações
formais” (idem, p. 170). Em relação à segunda, Foucault diz que devemos entender por saber
dominado algo bastante diferente, ou seja, “uma série de saberes que tinham sido desqualificados
como não competentes ou insuficientemente elaborados: saberes ingênuos, hierarquicamente
inferiores, saberes abaixo do nível requerido de conhecimento ou de cientificidade” (idem, 170).
Nesse sentido, Foucault realizou uma crítica em relação aos saberes ditos dominantes ou
especializados. Segundo o filósofo, o ressurgimento dos saberes não-qualificados, que se
encontravam embaixo ou à margem
9
, que ele nomeou de saber das pessoas, seriam saberes que
não teriam relação com “um saber comum, um bom senso, mas ao contrário, um saber particular,
regional, local, um saber diferencial incapaz de unanimidade e que só deve sua força à dimensão
que o opõe a todos aqueles que o circundam” (2000, p. 170). Para Foucault, era tanto nos
domínios especializados da erudição como nos saberes desqualificados das pessoas [que]
jazia a memória dos combates, exatamente aquela que até então tinha sido subordinada
(idem, p. 171, grifo meu). A genealogia seria, dessa forma, uma tática a partir do acoplamento do
saber erudito e do saber das pessoas nas memórias locais.
Farei, então, desta proposta genealógica foucaultiana, um uso. Lançarei um olhar
genealógico e perspectivo, utilizando-me de conceitos com os quais o filósofo trabalha para
pensar a minha estratégia: a de trazer minhas experiências para compor uma possível oposição
aos saberes maiores instituídos.
9
Seja “do psiquiatrizado, do doente, do enfermeiro, do médico paralelo e marginal em relação ao saber médico, do
delinqüente, etc.” (FOUCAULT, 2000, p. 170).
14
Nesta pesquisa-in(ter)venção
10
, aparecem alguns personagens (inclusive eu!) cujas falas-
vozes-narrativas protagonizam certa trama-rede-teia de uma história contemporânea. Esses
personagens serão vislumbrados como sujeitos históricos que se individualizarão em algum
momento; no entanto, considerarei sempre sua produção de forma polifônica e coletiva.
É no que estou chamando de trama-rede-teia que a subjetividade contemporânea vai se
compondo, se forjando, se transmutando, se espraiando, se perdendo, fazendo brotar... Seja na
escola, na instituição que pesquiso, seja na vida de escolares, professoras, estagiários,
funcionários ou na desta pesquisadora...
Pesquisa-in(ter)venção parece ser um dos caminhos capazes de nomear e mostrar aquilo
que me propus a fazer e o modo como pretendi e pretendo olhar, também, para o lócus desta
pesquisa. Pois, de acordo com Costa (2002), “pesquisar é uma atividade que corresponde a um
desejo de produzir saber, conhecimentos, e quem conhece, governa. Conhecer não é descobrir
algo que existe de uma forma em um determinado lugar real. Conhecer é descrever, nomear,
relatar, desde uma posição que é temporal, espacial e hierárquica” (p. 170). Desse modo, “o que
chamamos de ‘realidade’ é o resultado desse processo. A realidade ou ‘as realidadessão, assim,
construídas, produzidas na e pela linguagem [...]” (idem, p. 170). Importante pensar com Costa,
que tem como perspectiva uma
concepção que situa a questão da pesquisa e do conhecimento fora do
enquadramento iluminista moderno e a coloca no horizonte das discussões que
rejeitam as grandes narrativas, que não aceitam a idéia de um conhecimento
pretensamente “universal” resultante de uma razão unitária e, conseqüentemente,
que não aceitam a distinção entre “alta cultura” e “baixa cultura”. É apenas desta
perspectiva teórica que podemos pensar em uma pesquisa participativa capaz de
produzir saberes que impliquem [...] ao que Saphiro (1993) chama de “propostas
educacionais alternativas que postulam um currículo centrado nas variadas
tradições culturais dos estudantes ou numa pedagogia que leve a sério a cultura
cotidiana” (2002, p. 107).
10
Conceito utilizado desde o princípio, quando ainda da feitura da proposta desta dissertação, e que esteve
relacionado com a leitura do texto da Profª Drª Marisa Vorraber Costa. Cf. COSTA, Marisa V. Pesquisa-ação,
pesquisa e política cultural de identidade. (In) Caminhos investigativos II: outros modos de fazer pesquisa. COSTA,
Marisa (Org.). Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
15
Segundo a autora (e isso me interessa muito!), faz-se necessário povoar o mundo de
histórias, histórias que envolvam “sujeitos não nomeados, histórias de pessoas e lugares que
passam a existir após uma câmera de televisão, registrados por fotografias ou narrados em filmes,
revistas, jornais, novelas, livros. O mundo, as vidas das pessoas, as identidades são construídos,
reinventados a cada nova história que circula” (idem, p. 111).
Paul Veyne alerta para algumas questões que tomo como importantes para pensar a
produção desta pesquisa, na medida em que entende que os fatos não existem isoladamente, pois
seria no tecido social da história, ou seja, nessa trama, nessa mistura muito humana e muito
pouco ‘científica’ de causas materiais, de fins e de casos, de uma fatia da vida que o historiador
[ou o pesquisador] isolou segundo sua conveniência, em que os fatos têm seus laços objetivos e
sua importância relativa [...]” (1998, p. 42).
Para esta pesquisa interesseira, seguiremos os rastros desse autor quando
prosseguimento ao seu pensar, perguntando: “Quais são os fatos dignos de suscitar a atenção do
historiador [do pesquisador]?” (idem, p. 43), respondendo que tudo depende da trama
escolhida, um fato não é nem interessante, nem o deixa de ser” (idem, p. 43, grifo meu). Para
Veyne, é “impossível descrever uma totalidade, e toda descrição é seletiva; o historiador
nunca faz o levantamento do mapa factual, ele pode, no máximo, multiplicar as linhas que o
atravessam” (idem, p. 44, grifo meu). O autor prossegue, dizendo que “o objeto de estudo nunca
é a totalidade de todos os fenômenos observáveis, num dado momento ou num lugar
determinado, mas somente alguns aspectos escolhidos; conforme a questão que levantamos, a
mesma situação espaço-temporal pode conter um certo número de objetos diferentes de estudo”
(idem, p. 44).
Uma pequena pausa nesta pradaria. Vamos dar uma mateada
11
e, quem sabe, com a ajuda
da paisagem, consigamos um auxílio nesta criação. Inventar um problema é arriscar-se. É muitas
vezes ou talvez sempre! desmanchar o que se sabe, desmanchar-se para, então, plantar
sementes, fazer brotar algo novo, de outra espécie... E, quem sabe, aumentar a roda do
chimarrão...
11
Ou seria uma martelada, como, com certeza, nos proporia Nietzsche?! Cf. NAFFAH NETO, Alfredo. Nietzsche: a
vida como valor maior. São Paulo: FTD, 1996
16
Para mim, (re)iniciar uma escrita que sempre teima em não se compor assim estática,
chapada, assim, no papel, marcada, cravada... volta a ser um desafio.
Pergunto-me: por que não uma performance? Uma instalação? Um espetáculo? Um filme?
Uma peça de teatro? Uma provocação?
Dançar, cantar, recitar, inventar, esculpir, compor...
Mas... talvez seja isso que me reste fazer aqui com as palavras:
torná-las (juntamente com a polifonia que tomou conta desta escrita) uma obra de arte...
Palavras que contam histórias e que têm suas próprias histórias...
que nos narram, que falam de nós, que inscrevem nossos corpos,
que (in)formam, transformam, afetam, acontecem...
que não são minhas, que se fizeram contadas, que se fizeram historiadas,
significadas, encharcadas...
de marcas, de chagas, de verdades, de tristezas, de dores, de amores...
Revirar, furungar o avesso, transmutar, transfigurar as palavras,
(re)inventá-las
de vida, na vida, nesta vida,
desassossegadamente ...
(Karina Almeida de Souza)
Para que o leitor possa acompanhar agora, em linhas gerais, o que cada seção, capítulo ou
item pretende trazer nesta dissertação, procurei fazer aqui um pequeno anúncio do que será
encontrado no decorrer desta escrita.
A seção (Des)Caminhos da Psicologia é o momento no qual procuro transitar um pouco
pelas histórias, por aquilo que disparou o pensar numa possível interlocução-articulação da
Psicologia com a Educação, bem como a forma como estas questões foram sendo sentidas e
problematizadas por mim para a produção/invenção das possíveis questões desta pesquisa.
No Capítulo I, intitulado Cartografando marcas, experiências e desassossegos,
pretendo transitar pela história da Psicologia, procurando discutir e introduzir ao leitor como a
inserção nesse campo foi forjando-me como psicóloga. Faço esse movimento por entender que tal
construção/formação passou pela experimentação de uma Psicologia que, em um determinado
momento, passei a problematizar e questionar como a única possível uma certa psicologia
maior. Senti necessário, neste capítulo, trazer algumas marcas, breves recordações sobre de que
forma minhas experiências foram se dando neste campo psi.
No Capítulo II, sob o título Psicologia e Docência, a partir de um olhar histórico, busco
mostrar elementos do processo de articulação da Psicologia, como disciplina, com os programas e
17
propostas de Ensino do Grau e do Ensino Médio. Para tanto, apresento uma sucinta revisão
bibliográfica, marcando questões que envolvem os campos em que estou desenvolvendo esta
dissertação. Trago também aspectos relevantes no que diz respeito aos processos pelos quais a
Psicologia habita as propostas curriculares e a forma como o faz no espaço escolar da sala de
aula, mais especificamente no Ensino Médio, problematizando, a partir de um excerto dos
Parâmetros Curriculares Nacionais. Discuto, ainda, algumas experiências como aluna do Curso
de Licenciatura em Psicologia. Coloco em pauta alguns trabalhos realizados nessa trajetória que
foram ampliando meus questionamentos quanto a um futuro fazer docente nesse campo do
Ensino Médio. No último item do capítulo, por meio de minha experiência docente, procuro
problematizar meu fazer e trazer outras formas possíveis de realizar uma produção inventiva e
interesseira na interlocução da Psicologia com a Educação.
O Capítulo III, intitulado É nas andanças da vida que constituímos nossos caminhos –
e a tal metodologia?, volto-me para as tratativas de aproximação e para as manobras realizadas
durante o tempo em que estive envolvida no processo de pesquisa no interior da escola, bem
como para os caminhos e as formas como fiz, trabalhei e realizei as propostas engendradas para a
produção deste estudo.
O Capítulo IV, que tem como título Uma análise-aventura: buscando tecer, tramar,
fazer vazar conceitos, rachar as coisas, rachar as palavras..., inicia com uma intenção, ou
melhor, com um desejo de dobrar e forjar conceitos. Faço essa escolha por entender que aqui
terei também “ferramentas analíticas” necessárias para trabalhar e colocar em operação meu
pensar como pesquisadora. Procuro tecer, tramar, costurar, engendrar e problematizar, a partir de
um aporte teórico e dos dados coletados durante o processo de pesquisa junto à instituição
escolar, outros modos de pensar.
Por fim, encerro com algumas Fulgurações... Dei início a este ensaio, que por vezes se
quis bailarino, cantante, poético e por outras se viu endurecido, cortante, desconcertante, com a
intenção de deixar rastros. Não optei pela “dureza dos conceitos”. O que fiz foi tentar tramar com
eles, abri-los, fazê-los dançar como acompanhantes nessa costura que se quis sempre coletiva,
polifônica e singular. Fiz isso para que eu pudesse me abastecer em/de vários outros mundos.
Aguçar meus sentidos, me potencializar, me metamorfosear...
18
(DES)CAMINHOS DA PSICOLOGIA
Os caminhos da água
Parecia simpático. Caetano não o conhecia. O rapaz, que
andava pela praia vendendo caranguejos, convidou Caetano para
dar uma volta no seu barco.
- Eu bem que gostaria, mas não posso - disse Caetano. -
Tenho muito que fazer. Comprar umas coisas, pagar umas
contas, ir ao correio...
Acabaram indo. No barco foram ao mercado e ao banco e
ao correio e a outros lugares. Ao longo da costa, pelas beiradas,
penetraram na cidade; e pelo puro prazer de olhar para ela, se
demoravam flutuando no mar sereno.
E assim aconteceu o segundo descobrimento de São
Salvador da Bahia. Uma cidade era a cidade caminhada, esse
barulho que jamais se cala, e muito outra era a cidade navegada.
Caetano Veloso jamais havia andado a cidade assim, pelo lado
molhado, pelo lado calado.
Ao cair da tarde, o barco devolveu Caetano à praia onde
ele tinha sido recolhido. E então, ele quis saber como se chamava
aquele rapaz que tinha revelado para ele aquela outra cidade que
a cidade era. E de sobre o barco, o corpo negro brilhando
contra a luz do último sol, o rapaz disse o seu nome:
- Eu me chamo Marco Polo. Marco Polo Mendes Pereira.
(Eduardo Galeano)
12
Foi na riqueza da composição desses (des)caminhos, com suas dificuldades, beleza,
dureza e enfrentamentos, que fui me lançando e, ao mesmo tempo, sendo lançada ao encontro
com o outro, com aquele (e aquilo) capaz de provocar diferença, desestabilizar identidades,
produzir alteridade e desejo.
12
GALEANO, Eduardo. Bocas do tempo. Porto Alegre: L&PM, 2004. p. 69.
19
Nessa travessia desejosa de possíveis rios outros, meus fazeres foram sofrendo
afetamentos
13
, se compondo, (de)compondo e (re)compondo na aventura daquilo que me
atravessava, me arremessava, me transmutava... Penso: o que a Educação e a Psicologia teriam a
ver com tudo isso?
Se considerarmos, como poeticamente sugere Jorge Larrosa, o sentido original da
etimologia latina da palavra educação, que deriva de ex-ducere, significando: “conducir afuera,
afuera de lo que uno es, a fuera del camino trazado de antemano, fuera de lo ya dicho, de lo ya
pensado, de lo ya interpretado” (1996, p. 482), creio ser possível provocar fissuras e abrir
possibilidades outras de se pensar a Educação. Esta, como tal, estaria nos lançando o tempo todo
a um lugar ainda não sabido, não sentido, tendo muito a compor com o que venho pensando e
tramando como uma possível articulação/intersecção com a Psicologia.
O desafio talvez seja o de lançar-se ao rio, à maleabilidade da água, às surpresas líquidas,
a um saber líquido que escorre, encharca os poros, inunda a pele, vibra no corpo, transborda...
Como ousar aqui navegar rios outros, embarcações outras, experimentar mundos outros?
Propondo, na medida em que se navega, abrir entradas no ranço daquilo já sabido, feito,
cansado, experimentado. Navegar não no sentido de (des)cobrir, mas no sentido de deixar
afetar-se, enfrentar-se, deslocar-se, intensificar-se no fazer, no ainda o feito, no ainda não
possível...
[...] fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos alcança;
que se apodera de nós, que nos derruba e nos transforma. Quando falamos de
fazer uma experiência isso não significa precisamente que nós a façamos
acontecer, fazer significa aqui: sofrer, padecer, tomar aquilo que nos alcança
receptivamente, aceitar na medida em que nos submetemos a isso. Fazer uma
experiência quer dizer, portanto: deixar-nos abordar em nós mesmos por aquilo
que nos interpela, entrando e submetendo-nos a isso. Nós podemos assim, ser
transformados por tais experiências, de um dia para outro ou no transcurso do
tempo (HEIDEGGER apud LARROSA, 2000, p. 24).
Penso que, na busca por um abastecimento teórico, há mais do que um simples abastecer-
se com conceitos e teorias, que, no entrelaçamento de corpos, livros, palavras, bocas e
13
Concordando com Rosane Neves da Silva (1991), passo a utilizar conceitos que começam a povoar esta
dissertação, como, por exemplo: afetamento, ser afetado ou tocar e ser tocado, que, neste caso, não são utilizados
como percepções sensoriais em si, mas no sentido de afetar e ser afetado pelas intensidades que se produzem no
encontro com os corpos. Ou seja, nesses encontros, vão se produzindo novas maneiras de sentir, de ver ou de ouvir.
20
intensidades, fluxos, potências e afectos são disparados, inventando outras direções. Pensar
dobra
14
. Pensar produz, cria, faz brotar. Como lembra Foucault, “de que valeria a obstinação do
saber se ele assegurasse apenas a aquisição dos conhecimentos e o, de certa maneira, e
tanto quanto possível, o descaminho daquele que conhece?” (1998, p. 13, grifo meu).
Para além (ou seria aquém?)
15
da teoria, existe vida, existem práticas. Afetar-se na
vida é desassossegar-se com ela, fazer liga com aquilo que vai reverberando, pedindo passagem,
exigindo um novo corpo, novos jeitos, novas formas de viver esta existência, repleta de
incessantes (des)conexões que vamos (vão nos) produzindo sorrateiramente, violentamente,
desgovernadamente: no silêncio, no vazio, na coletividade, no cuo, nos entres, nas rachaduras,
nas tocas, nas trincheiras, nas margens, nas singularidades... Concordando com Gilles Deleuze
(1998), “essencial são os intercessores
16
. A criação são os intercessores. Sem eles não obra”
(p. 156). Para Deleuze, esses intercessores,
podem ser pessoas para um filósofo, artistas ou cientistas; para um cientista,
filósofos ou artistas mas também coisas, plantas, até animais, como em
Castaneda, fictícios ou reais, animados ou inanimados, é preciso fabricar seus
próprios intercessores. É uma série. Se não formamos uma série, mesmo que
completamente imaginária, estamos perdidos. Eu preciso de meus intercessores
para me exprimir, e eles jamais se exprimiriam sem mim: sempre se trabalha
em vários, mesmo quando isso não se . E mais ainda quando é visível: Felix
Guattari e eu somos intercessores um do outro (idem, p. 156, grifo meu).
Acompanhemos, então, a multiplicidade heterogênea da multidão
17
que nos chama, que
nos convoca com sua vitalidade e potência e nos produz desejo. Concordando com Laymert
Garcia Santos (apud SILVA, 1991),
14
Embora este conceito ser discutido logo mais nesta dissertação, para explicar como o social produz a
subjetividade, Deleuze (apud SILVA, 1991), realizando uma leitura de Foucault, sugere a idéia da dobra ou prega,
isto é, de uma zona de subjetivação, que se constituiria como uma dobra do fora. Sendo assim, essa zona de
subjetivação no caso, a parte de dentro da dobra seria apenas um fora selecionado. Segundo Pelbart (11989), “a
subjetividade pode ser entendida como uma modalidade de inflexão das forças do fora, através da qual cria-se um
interior” (p. 135). Cf. PELBART, Peter Pal. Três planos e uma invaginação. In. PELBART, Peter Pal. Da clausura
do fora ao fora da clausura: Loucura e Desrazão. Ed. Brasiliense: São Paulo, 1989.
15
Pois, por vezes, parece ser preciso recuar. Desconfio não ser mais “para frente que se anda, como desejaria a
ordem e o progresso modernos. Anda-se para todos os lados e, às vezes, tem-se que voltar, embora nunca seja
possível voltar da mesma forma.
16
Cf. DELEUZE, Gilles. Conversações, Rio de Janeiro: Ed 34, 1998.
17
O conceito de multidão está relacionado nesta escrita ao que Michael Hardt e Antonio Negri trabalham em seu
livro intitulado Multidão Guerra e democracia na era do Império. Esses autores diferenciam a multidão de povo,
pois, enquanto “o povo tem sido tradicionalmente uma concepção unitária [...] [sendo da ordem] do uno. [...] A
21
[...] o desejo não espera, mas age, o desejo está sempre desejando de, e com o
que existe, porque o desejo é o real, mas não a imagem ou o mbolo, porque o
desejo é engate [...] é fluxo e corte de fluxo, porque o desejo não carece de nada,
não precisa de algo especial vindo do exterior que é sempre a relação com o
exterior, a vibração produzida no contato com o exterior (p. 34).
Para Suely Rolnik “o desejo é o próprio processo de produção de ‘universos
psicossociais’, e por ser produção, é ‘artifício’, é criação de real. De real social” (apud SILVA,
1991, p. 33).
Assim, o que a Psicologia poderia fazer (e fez!) comigo era propor uma nova ética de
vida, arrastando-me para outras formas e fazeres, não tão herméticos, cristalizados, fechados,
grudados: no “verdadeiro”, no “conhecido”, na “certeza” e no “correto”.
Nesse movimento de pôr-me a escrever, sinto possibilidades de aberturas e novas
dobraduras deste corpo implicado, imbricado, seduzido pelas escrituras, propondo-me a trabalhar
com as redes, tramas e linhas, tanto singulares quanto coletivas, daquilo que foi se
montando/desmontando em meus fazeres, na Psicologia e na Educação, a diversas mãos, ouvidos,
bocas, olhos, corpos, enfim. Se “a experiência é aquilo que nos passa, que nos acontece, que nos
toca”, como propõe Larrosa (2002, p. 21), será a partir dela que estarei tratando, compondo estas
escrituras.
Foi preciso, ainda, nessas andanças, acionar e experimentar este corpo como um corpo
vibrátil, que, diferente daquele que já estamos acostumados a ter, a conhecer e a usar para
apreender o que está à nossa volta, alcança sentir, perceber, ver o que é invisível, sendo o corpo
vibrátil aquele que capta o desejo e, ao mesmo tempo, é movido por ele (ROLNIK, 1989). Foi
necessário viver este corpo como um corpo aberto aos encontros, encontros alegres, bons
encontros, como diria Espinosa, capaz de desejar e ousar inventar exercícios de liberdade,
imprimindo resistência àquilo que parecia ir produzindo tentativas de apequenamento de vida.
multidão, em contrapartida, é múltipla. A multidão é composta de inúmeras diferenças internas que nunca poderão
ser reduzidas a uma unidade ou identidade única diferentes culturas, raças, etnias, neros e orientações sexuais;
diferentes formas de trabalho; diferentes maneiras de viver; diferentes visões de mundo; e diferentes desejos. A
multidão é a multiplicidade de todas essas diferenças singulares. [...] Na multidão, as diferenças sociais mantêm-se
diferentes, a multidão é multicolorida. [...] A multidão, assim, compõe-se potencialmente de todas as diferentes
configurações da produção social” (2005, p. 12-14). Cf. HARDT, M.; NEGRI, A. Multidão Guerra e democracia
na era do Império. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2005. Ver também: HARDT, Michael; NEGRI,
Antonio. Império. Trad. Berilo Vargas. 6 ed. Rio de Janeiro: Record, 2004. & NEGRI, Antonio. Cinco lições sobre o
Império. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
22
Aprender, aqui, nada tem a ver com (re)cognição, com o que nos ensinam na escola ou
na faculdade – neste caso, a faculdade de Psicologia –, ou seja, com uma educação que chamarei,
neste momento, de “educação maior”
18
, porque macropolítica, científica, instituída e calcada nos
parâmetros e nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, com seus aspectos morais e
“corretos”, com suas “narrativas-mestras” produtoras e reprodutoras de verdades, com suas
teorias vinculadas à origem, sempre em busca da essência das coisas, do que se pode conhecer,
medir e quantificar.
Aprender, para mim, nesta pesquisa (e em meu fazer), apresentará uma relação com uma
educação que nomearei como uma “educação menor”. Ou seja, uma educação pensada como ato
de resistência aos fluxos instituídos dos saberes, de resistência às políticas impostas pelas
diretrizes macropolíticas, de resistência às metanarrativas que constituem os campos disciplinares
com suas teorias, conceitos e verdades a serem ensinados. O fazer de uma “educação menor
pretende trabalhar com o micropolítico da sala de aula, com as micro-relações cotidianas de cada
ser, de cada vivente, sendo uma tática de resistência que busca dar voz às vozes silenciadas; uma
educação que, como proporia Silvio Gallo (2003), seria capaz de construir um mundo dentro do
mundo, de cavar trincheiras de desejo, de construir suas leis, seus planos, seus atos de
singularização.
Nada aconteceu e tudo mudou... algo se quebrou
19
, diria Deleuze. E foi assim... Um dia,
acordei inquieta com muitas coisas. Nesse dia, com uma rajada de vento, o desabrochar de uma
flor, uma onda no mar, o aroma de terras recém molhadas pela chuva, senti necessidade de iniciar
novas plantações de desejo... Desculpe, uma intuição passou
20
, provocaria Deleuze...
Talvez não haja outras formas de explicar como uma “educação menor” fez tremer meu
corpo, me contorceu, produziu abalos sísmicos e uma vontade de querer, de desejar penetrar nas
frestas, nas brechas, de transitar pelas margens, pelas fronteiras... De desconstruir em mim aquilo
que já não fazia mais sentido, aquilo que ia se desmanchando e ao mesmo tempo abrindo
18
O conceito de educação maior tratado neste texto, bem como o conceito de educação menor, que será tratado logo
adiante nesta escrita, são cunhados por Silvio Gallo. Conceitos estes que serão devidamente trabalhados e discutidos
de forma mais detalhada no decorrer da dissertação. Cf. GALLO, Silvio. Deleuze e a Educação. Belo Horizonte:
Autêntica, 2003.
19
Anotações de aula do curso: Vida e Biopolítica, ministrado pelo filósofo, professor e doutor Peter Pal Pelbart em
22 de agosto de 2003, na Faculdade de Psicologia da UFRGS/RS.
20
Idem nota de rodapé 19.
23
passagem para outras potências...
Desse modo, fui experimentando outras possibilidades de fazeres psi que, agora entendia,
poderiam compor com outros campos de saber. Passei a querer criar, viver e sentir a psicologia e
a educação de outros modos... E foi assim, num atravessamento, numa flechada, que a “educação
menor” me desencaminhou, me tornou viajante, andarilha, desejante...
E o tempo
21
passou. E que bom que ele passa, pois é ele, com toda a sua intensidade, que,
em parte, nos inventa... Necessário comentar aqui algumas questões relativas ao tempo e à
subjetividade. De acordo com Rosane Neves da Silva (apud MACHADO, 1990), a subjetividade
seria como uma escultura no tempo, ou seja, um modo como o tempo vai esculpindo as formas de
subjetividade. Para Marcel Proust,
[...] a palavra escultura é usada aqui para passar a idéia que capta um instante,
fixando-o em uma determinada forma. É uma expressão para precisar a idéia de
tocar e ser tocado por toda esta ação transformadora que é o tempo. O que a
estrutura revela é a própria ação do tempo sobre as formas. Do tempo que vai
esculpindo as formas de subjetividade. Do tempo que vive à cata dos corpos (apud
SILVA, 1991, p. 37).
Aprender, hoje, para mim, relaciona-se a uma “educação menor”, diretamente ligada,
plugada àquilo que produz desejos, afecções, afectos, perceptos
22
, isto é, com o que faz vibrar o
corpo, o vento, a flor, a terra, a vida, o mundo. Penso: A “educação menor” não seria aquilo
que nos produz cintilações, medos, trovoadas, dúvidas, vontades artísticas, vontades de
criação?
Viver e sustentar o encontro com aquilo que me forçava a pensar foi, de certa forma, o
que se produziu e se transformou na possibilidade de compor esta trajetória que faço agora pelo
curso de Mestrado, pois, conforme Deleuze (1991), o pensamento é algo que se somente a
partir daquilo que nos força a pensar, de um encontro incerto com o que nos faz pensar e que
21
Cf. SANTOS, Laymert Garcia dos. Tempo de ensaio. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. Ver ainda,
MACHADO, Roberto. Nietzsche e a verdade. Rio de Janeiro: Rocco, 1984.Ver também: PROUST, Marcel. O tempo
redescoberto. São Paulo: Globo, 1990.
22
De acordo com Deleuze e Guattari, “[...] um bloco de sensações [...] é um composto de perceptos e afectos. Os
perceptos não mais são percepções, são independentes do estado daqueles que os experimentam; os afectos não são
mais sentimentos ou afecções, transbordam a força daqueles que são atravessados por eles. As sensações, perceptos e
afectos são seres que valem por si mesmos e excedem qualquer vivido [...] A obra de arte é um ser de sensação, e
nada mais: ela existe em si” (1996, p. 213). Cf. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. O que é filosofia ? o
Paulo: Editora 34, 1996.
24
nos a pensar. Nesse sentido, segundo Silva (2001), a possibilidade de invenção de
problemáticas e questões seria sempre da ordem da experimentação, bem como da capacidade de
lançarmo-nos para fora dos campos instituídos do saber.
Assim, pôr-me a pensar sobre que intersecções seriam possíveis entre a Psicologia e a
Educação foi algo que foi se produzindo em meu experimentar como aluna do curso de
Licenciatura em Psicologia da Faculdade de Educação da UFRGS/RS e, posteriormente, em meu
fazer como professora substituta nesse mesmo curso de Licenciatura. Necessário dizer que,
quando do retorno a essa universidade, como aluna da Licenciatura em 2001/2, me encontrava
formada em Psicologia. Sendo assim, buscava, com o retorno, tanto um abastecimento teórico
mais potente, quanto um outro e novo espaço de trabalho que, no caso, a Licenciatura poderia
proporcionar. Logo após ter-me licenciado, ingressei como professora substituta desse mesmo
curso em 2003/1.
Minha atuação como professora substituta estendeu-se até 2004/2. Desse modo, foi nas
tramas, nos enredos, nas cenas, nas redes da sala de aula, como psicóloga e aluna e,
posteriormente, como professora substituta, com minhas alunas e alunos (aprendentes-
ensinantes), onde os fluxos e as forças (também!) se agitam, se contorcem, pedem passagem,
que esta proposta de pensar quais outras práticas/formas possíveis de in(ter)venção da
Psicologia na Educação foi sendo desejada e gestada.
O termo in(ter)venção tem, para esta dissertação, um aroma, um desejo de
criação/invenção, um desejo de aventura, de afecção, de produção de vida, de tragicidade, de
multiplicidade, de desejo de fazer nascer, de parir, de trabalhar ao mesmo tempo com a vida,
com o ético, com o político, com a arte, o estético, com a possibilidade do perder-se, do
transformar-se, do transmutar-se...
Criação aqui possui um sentido nietzschiano que, segundo Rosa Dias (2004), “despida de
sua significação teológica-cristã, pertence à atividade humana” (p. 131). Para a autora,
“Nietzsche não deixa de usar o termo criação para descrever uma conduta com o mundo, uma
conduta criadora. Criar para ele, é a atividade a partir da qual se produz constantemente
vida [...]” (idem, p.133, grifo meu).
25
[...] Assim, ao sofisma de um Deus criador, Nietzsche contrapõe a vontade
criadora, e com esse objetivo procura impedir a existência de fixar-se, de ser
expressão do instinto de conservação, e nos convida a concebê-la como
constantemente inventora. A doutrina da vontade criadora privilegia a
atividade. É uma nova maneira de pensar que se aplica ao devir, opõe-se à
metafísica, que busca o estável e a permanência. O perene não é o sujeito
criador, nem o objeto criado, mas uma açãouma ação contínua -, um fluxo
de vida constante (idem, p. 133, grifo meu).
Esta é a conotação que pretendo dar às palavras criação/invenção, criador, criadora,
criar, na medida em que vou desenvolvendo este ensaio dissertativo.
No que se refere ao conceito nietzschiano de tragicidade
23
, trabalharei com ele com dois
objetivos principais, acompanhando o pensamento do próprio Nietzsche: “a crítica da
racionalidade conceitual instaurada na filosofia por Sócrates e Platão [e] a apresentação da arte
trágica, expressão das pulsões artísticas dionisíacas e apolíneas, como alternativa à racionalidade
[...]
24
”(apud MACHADO, 2001, p. 11-12).
Há, em “tudo” o que vou colocando em movimento nesta escritura, um desejo do agudo,
do acontecimento
25
, do único, do singular... Pretensões... Mas, como nos diria Deleuze, “a vida é
uma obra de arte, uma vez que as regras da produção da existência são facultativas, regras éticas
e não morais” e, conseqüentemente, “estéticas, porque constituem estilos de vida, modos de
existência” (apud ROBINSON, 2003, p. 314-315).
Nessas primeiras aproximações que venho fazendo com a escrita, trago o que Jorge
Larrosa (2003) entende por ensaio. Conforme o autor, o que o ensaio faz é colocar as
fronteiras em questão (p. 106, grifo meu). Para Larrosa, “[...] são os questionadores de
fronteiras os que ampliaram o âmbito do visível ao ensinar-nos a olhar de outra maneira o
23
Conceito cunhado por Nietzsche em seu livro O Nascimento da tragédia (apud MACHADO, 2001).
24
De acordo com Roberto Machado, essa antinomia entre a arte trágica e a metafísica racional apresentada por
Nietzsche “significa, portanto, duas coisas: por um lado, o socratismo estético subordinou o poeta ao teórico, ao
pensador racional, e considerou a tragédia irracional, isto é, um compromisso de causas sem efeito e de efeitos sem
causa; por outro lado, a arte trágica é a atividade que dá acesso às questões fundamentais da existência e se constitui,
ainda hoje, como antídoto à metafísica racional” (2001, p. 11-12).
25
O conceito de acontecimento está relacionado à ordem do inesgotável, de um reservatório inesgotável de
possibilidades. Nesse sentido, um acontecimento não seria um território, mas sim aquilo que priva de todo território,
uma ruptura na continuidade temporal, uma abertura que priva de todo chão. Conceito trazido por Gilles Deleuze e
trabalhado durante as aulas ministradas pelo filósofo, professor e doutor Peter Pal Pelbart, em 22 de agosto de 2003,
na Faculdade de Psicologia da UFRGS, no curso intitulado Vida e Biopolítica.
26
âmbito do pensável, ao ensinar-nos a pensar de outro modo e o âmbito do dizível, ao ensinar-
nos a falar de outro modo” (p. 106).
Dessa forma, o ensaio, além de confundir as diferenças entre a ciência, arte e filosofia,
uma liberdade temática e formal que só pode incomodar um campo tão reprimido e tão
regulado como o saber organizado” (idem, p. 107). De acordo com o autor,
para o ensaísta, a escrita e a leitura não são apenas a sua tarefa, o seu meio de
trabalho, mas também o seu problema. O ensaísta problematiza a escrita cada vez
que escreve, problematiza a leitura cada vez que lê, ou melhor, é alguém para
quem a leitura e a escrita são, entre outras coisas, lugares de experiência, ou
melhor ainda, é alguém que está aprendendo a escrever cada vez que escreve, e
aprendendo a ler cada vez que lê: alguém que ensaia a própria escrita cada vez que
escreve e que ensaia as próprias modalidades de leitura cada vez que
(LARROSA, 2003, p. 180).
Interessante também pensar, em relação à perspectiva do ensaio, quando Foucault (apud
HARA, 2006) diz que este é “uma experiência modificadora de si no jogo da verdade [...] é o
corpo vivo da filosofia, se, pelo menos, ela for ainda hoje o que fora outrora, ou seja, uma
‘ascese’, um exercício de si, no pensamento” (p. 274). Para Hara, não haveria, na perspectiva do
ensaio, uma necessidade de apenas acumular o saber que se quer erudito, “mas sobretudo uma
experiência que se exerce sobre si mesmo [...]” (idem, p. 273); assim, “a estratégia do ensaio, da
experimentação de si, permite ao pensador, àquele que mergulha no informe, uma ampla
liberdade e simultaneamente o impede de transformar em lei, em obrigação para todos as
verdades iridescentes e sempre provisórias, reveladas ao longo do ensaio” (idem, p. 274). Como o
próprio Foucault (apud HARA, 2006) buscou alertar, existe algo de irrisório no discurso
filosófico quando ele quer, do exterior, fazer a lei para os outros, dizer-lhes onde está a sua
verdade e a maneira de encontrá-la [...]” (p. 273, grifo meu).
Sendo assim, transitando por essa perspectiva ensaística, entendo também o quanto a
escrita é, por sua vez, metade de quem escreve e metade de quem
26
. Desse modo, escritor-
leitor-aprendentes enredam-se em algumas problemáticas, em algumas experiências... ou em
várias...
26
De acordo com Montaigne, “a palavra é metade de quem a pronuncia e metade de quem a escuta.” Ver
MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. São Paulo. Editora Nova Cultural, 1992. 2 vols.
27
Ao dar início à apresentação das questões norteadoras desta pesquisa, trago as palavras de
Deleuze (1998) quando o filósofo refere que
as questões são fabricadas, como outra coisa qualquer. Se não deixam que você
fabrique suas questões, com elementos vindos de toda parte, de qualquer lugar, se
as colocam a você, não tem o que dizer. A arte de construir um problema é
muito importante: inventa-se um problema, uma posição de problema, antes
de se encontrar uma solução [...] o objetivo não é responder a questões, é sair
delas [...] o movimento acontece sempre nas costas do pensador, ou no momento
em que ele pisca (p. 9, grifo meu).
Para o autor, a liberdade de invenção, de criação, estaria na possibilidade de poder decidir
sobre a constituição dos próprios problemas.
Pretendo agora trazer, para este ensaio dissertativo, as questões que foram se delineando e
a forma como passei a entender suas construções para que elas se tornassem um problema de
pesquisa.
Sinto necessidade de esclarecer ao leitor que a trajetória para a construção das perguntas
foi se estabelecendo na medida em que efetuava meu trânsito pelos processos que fui
experimentando como graduanda, depois como psicóloga-aluna-da-licenciatura-em-psicologia e,
mais adiante, como professora substituta. Depois de abordar as perguntas, pretendo, no Capítulo
I, trazer algumas histórias que se produziram e que me levaram a pensar em tais questões. À
medida que dou continuidade ao relato dessa trajetória, vou também, de certa forma, tentando
tornar visíveis os contornos deste estudo e apontar sua relevância.
Arrasto para este texto, neste momento, pequenas composições teóricas, pois entendo que,
na conexão com elas, fui forjando e inventando uma problemática. Na medida em que
entendemos o conhecimento como invenção, como construção, sabemos que um problema, uma
problemática será sempre inventada, engendrada e criada por nós neste mundo. Enquanto
falamos, pesquisamos e produzimos conhecimento e saber, sempre estamos posicionando-nos e
escolhendo. Nossas escolhas são sempre interesseiras e interessadas, vivendo-se, dentro desta
arena que é o conhecimento, um verdadeiro embate de forças. Estamos, dessa forma,
profundamente implicados em todas as práticas de produção de conhecimento. De maneira
alguma, os movimentos que fazemos são algo que se de modo pretensamente neutro,
desprovido ou descolado de questões éticas e políticas.
28
Posto isso, o que proponho investigar/pesquisar não é o que está dado, não é algo que
está lá para ser descoberto, desvendado, mas aquilo que foi e vai sendo construído em mim (e em
tantos outros), por mim (e por muitos outros), por meus contatos, por meus incômodos, em
minhas viagens (e de vários outros) neste mundo.
Partimos do entendimento de que teoria e conhecimento são invenções, são produções
que, ao mesmo tempo, produzem e criam efeitos de verdade (Foucault), efeitos de realidade
(Barthes), não se limitando a descrever ou explicar a realidade e estando, então,
irremediavelmente implicados na sua produção. Nesse sentido, na medida em que descrevem um
objeto, de certo modo, o inventam, sendo o objeto um produto, um efeito de sua criação. Assim, a
teoria ou o conhecimento não representaria a realidade, mas a fabricaria (SILVA, 2001; 2003).
Nessa direção, o movimento de investigação o seria algo natural, que esteve sempre
presente na natureza humana, sendo algo criado e constituído pelo homem de conhecimento, pelo
homem da vontade de saber, da vontade de verdade. Para Foucault, as verdades são deste mundo,
verdades, então, historicamente datadas e geograficamente localizadas. Não outro mundo, é
neste/deste mundo que falamos, criamos, produzimos, desejamos e onde somos também falados,
criados, produzidos, desejados.
Sendo assim, na medida em que falamos, pesquisamos e produzimos conhecimento e
saber, estamos sempre nos posicionando e escolhendo. Como havia comentado anteriormente,
nossas escolhas são sempre interesseiras e interessadas, vivendo nessa arena do conhecimento
um verdadeiro embate de forças. Feita essa caminhada, creio ser interessante apresentar agora as
perguntas norteadoras desta pesquisa. Vamos a elas. Logo mais, percorreremos alguns temas que
nos auxiliarão nesta escrita-aventura.
O que pretendo fazer neste estudo, neste movimento de pensar é dar voz aos alunos e
professores, fazer falar as suas narrativas e as estratégias utilizadas no ensino de Psicologia no
espaço escolar, bem como pensar se haveria outras possibilidades para a inserção e
funcionamento da Psicologia no Ensino Médio.
Neste percurso, pretendo ocupar-me mais intensamente com as seguintes questões:
29
1ª) Que outras formas de fazer, que outros trajetos poderiam enfrentar o caminho traçado a ferro e
fogo por histórias tão amarradas e engendradas na intersecção da Psicologia com a Educação,
especialmente no ensino de Psicologia nas salas de aula do Ensino Médio?
2ª) Como podemos nos desacomodar e buscar compor uma Psicologia que fale, que se
comunique com outros espaços, com outros campos e outras pessoas e, principalmente, que crie
canais de interlocução e articulação com os jovens e os professores implicados nos processos de
ensino-aprendizagem na escola de Ensino Médio?
3ª) Como pensar em possibilidades para experiências rizomáticas
27
nas práticas psi na sala de
aula?
Desse modo, a proposta de um movimento de investigação a partir das narrativas, vozes e
práticas de sujeitos que tecem e produzem toda uma trama nas aulas de Psicologia pode viabilizar
um olhar perspectivo, uma vez que nessas vozes podemos encontrar pistas sobre suas vidas-
tramas-dramas-humores-rumores-psi-escolares. Este pode tornar-se um caminho possível
(dentre tantos outros), sendo o que pretendo percorrer nesta dissertação. Penso que a
possibilidade de escuta e de análise dessas vozes e narrativas e das práticas escolares, ou seja,
daquilo que é vivido e produzido no/pelo espaço psi da sala de aula pelos seus sujeitos, se faz
importante por entender que podem ser apontados percursos outros para fazeres produzidos
na intersecção da Psicologia e da Educação com as experiências de vida. Estou entendendo
percursos outros como formas contingentes de fazeres psi. Não estou com isso em busca de um
fazer psi verdadeiro; o que pretendo é apenas alargar as fronteiras desse campo, problematizar
e pensar outras possibilidades para a sua intervenção no espaço escolar.
Dessa forma, no capítulo que segue, pretendo (re)visitar as marcas que me tornaram
psicóloga, para então dar início a algumas das problematizações a respeito do como fui forjada e
marcada por estes dois campos de saberes a Psicologia e a Educação. Opto por realizar esta
trajetória entendendo que foi a partir de tais problematizações que se deram nas arenas de luta
27
Para Deleuze e Guattari, “diferente é o rizoma, mapa e não decalque. Fazer o mapa, não o decalque [...].Um mapa
tem múltiplas entradas, contrariamente ao decalque que volta sempre ao ‘mesmo’. Um mapa é uma questão de
performance, enquanto o decalque remete sempre a uma presumida ‘competência’ [...]”. Para os autores, um “rizoma
não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo” (2000, p. 22).
Rizoma será também tomado aqui como um método de navegação. Este conceito continuará sendo tratado e
explorado no decorrer desta dissertação.
30
que compõem estes campos que pude me deixar afetar por outras propostas de pensar e, assim,
traçar uma caminhada capaz de alargar não as questões teóricas neles trabalhadas, como
também aquilo que foi sendo experimentado como potência-de-fazer-em-mim. Nesse sentido, fui
atravessada por encontros que produziram experiência viva, uma “experimentação-vida”, como
proporia Deleuze (1998, p. 61), encontros que produziram desejos de criar outros pontos de
pensar, para sentir, então, a possibilidade de experimentar e nunca interpretar (DELEUZE,
1998), de viver e transmutar aquilo que pedia passagem...
31
CAPÍTULO I
CARTOGRAFANDO
28
MARCAS, EXPERIÊNCIAS E DESASSOSSEGOS
No presente capítulo, pretendo transitar pela história da Psicologia, procurando discutir e
introduzir ao leitor como a inserção nesse campo foi forjando-me como psicóloga. Faço esse
movimento por entender que tal construção/formação passou pela experimentação de uma
Psicologia que, em um determinado momento, passei a problematizar e questionar como a única
possível – certa “psicologia maior”.
Sinto ser necessário traçar aqui algumas marcas, breves recordações, sobre de que forma
minhas experiências no campo psi foram acontecendo. Minha intenção é cartografar esse
processo, o que significa percorrer linhas, mapear campos de força, adentrar numa memória que
não tem relação só com os fatos, mas que se refere também ao invisível. Quero (re)visitar marcas
e, talvez, multiplicar acontecimentos. Trata-se, como diria Foucault (apud DELEUZE, 1998), de
“trabalhar no terreno” (p. 115). Para Barros (1997), “numa cartografia, o que se faz é acompanhar
as linhas que se traçam, marcar os pontos de ruptura e de enrijecimento, analisar os cruzamentos
dessas linhas diversas que funcionam ao mesmo tempo” (p. 189). Desse modo, não have
“sentidos a serem revelados, mas a serem criados” (idem, p. 189, grifo meu).
Ao percorrer as linhas e as tramas dos acontecimentos que foram produzindo e
engendrando esses processos, estarei questionando e problematizando também a forma como a
Psicologia vem atuando na Educação, em especial, no Ensino Médio. São essas as questões que
vêm me movendo a pensar outros jeitos de um fazer psi ou, ainda, de vários outros fazeres psi.
Abrir as comportas, deixar transbordar, talvez nos a possibilidade de inventar outras
28
O conceito de cartografia será detalhado no Capítulo 3 desta dissertação.
32
formas, nem melhores, nem piores, mas apenas mais uma dentre tantas outras possíveis e
pensáveis.
1.1 Marcas de uma certa formação – um vôo panorâmico...
Neste item, pretendo transitar, experimentar, voar panoramicamente pelas marcas da
história com a Psicologia que me forjaram como psicóloga. Para tanto, estarei problematizando,
sucintamente, um determinado currículo e certa formação que me constituíram como tal. Intento,
ainda, convidar o leitor a acompanhar-me um pouco mais na escuta do mal-estar que foi sendo
gerado em mim à medida que transitava pelo curso de graduação em Psicologia. Traço essa
cartografia das marcas trazendo, ao mesmo tempo, um aporte teórico (que possuo atualmente)
para pensar os movimentos que foram feitos por mim dentro do campo de saber psi. Faço essas
colocações por entender que determinadas noções de currículo-formação-conhecimento podem
refletir ou mesmo produzir ressonâncias, de uma maneira ou de outra, sobre o que está sendo
feito (ou não) da/na Psicologia como disciplina no Ensino Médio.
Como mencionei anteriormente, não haverá aqui a pretensão de discutir exaustivamente
os currículos e as formações que me constituíram psicóloga e, posteriormente, professora-
psicóloga. Sendo assim, o vôo será panorâmico no sentido de apenas realizar alguns
apontamentos que considero interessantes para a problemática que venho tecendo neste ensaio
dissertativo.
Desse modo, os Currículos de Psicologia que compuseram minha graduação e,
posteriormente, a Licenciatura entram em cena para que possamos pensar o quanto certos
currículos nos produzem de determinado modo e não de outro. Nessa caminhada, estarei apenas
tentando posicionar o leitor de que lugar estou entendendo o par currículo-formação que me
forjou como psicóloga e, assim, promover uma problematização, bastante singela, desse lugar psi.
Necessário salientar que estarei, enquanto escrevo este texto, posicionando-me e falando
de um determinado lugar, nem melhor, nem pior, apenas mais um lugar dentre tantos outros
possíveis.
33
1.1.1 O conhecimento, a formação e o currículo
Hoje, depois de uma longa trajetória, sei que podemos entender, conforme Tomaz Tadeu
da Silva (2001) aponta, tanto o conhecimento quanto o currículo como construções ou como
campos culturais. Campos estes sujeitos o tempo todo à disputa e à interpretação, com diferentes
grupos tentando estabelecer sua hegemonia. Nessa perspectiva, segundo o autor, o currículo é
tomado como artefato cultural, sendo sua instituição entendida como uma invenção social como
qualquer outra e seu conteúdo considerado como uma construção. Dessa forma, o currículo,
como toda construção social, não pode ser compreendido sem uma análise das relações de poder
que fizeram e fazem com que se tenha uma determinada definição de currículo e não outra, com
que o currículo inclua um determinado tipo de conhecimento e não outro. A questão que quero
levantar aqui está relacionada à impossibilidade de neutralidade das teorias, dos conteúdos que,
de alguma forma, são selecionados e habitam os currículos dos cursos de Psicologia teorias e
conteúdos que falam de determinados lugares, carregam enunciados, produzem determinadas
verdades, sujeitos e efeitos.
De acordo com Nietzsche (apud CALOMENI, 2003), a busca compulsiva empreendida
pelo homem moderno parece ter sido a de descobrir a verdade. O filósofo vai partir para a
problematização dessa vontade de verdade, desse desejo de verdade, perguntando por que
desejamos tanto a verdade. Qual seria a história desse desejo de verdade, para que serviria a
verdade? À medida que Nietzsche vai se ocupando dessas questões vai produzindo certos
desmoronamentos.
Para Nietzsche, a vontade de verdade, essa vontade que move o pensamento ocidental,
“acaba por estabelecer uma relação nociva entre o homem e a existência, porque diante da
exigência de uniformidade e categorização, ignora o estranho e o questionável do existir, em
princípio, incontroláveis pelo conceito” (idem, p. 42). Nesse sentido, tanto a filosofia quanto a
ciência parecem movimentar-se na busca de “uma verdade desprovida do perigo e do risco
representados pelos instintos; interessadas na segurança, querem, em realidade, submeter o
mundo a categorias lógicas de pensamento identidade, substância, causalidade, finalidade e
desprezar o acaso” (idem, p. 42). Penso que a idéia de educação, de ensino e aprendizagem
estariam ligadas a essa lógica da verdade, que vai, além de desprezar o acaso, propor certo
34
acúmulo de conhecimento, aquisição de uma determinada cultura e reprodução de determinados
saberes, devendo ser estratégica e ter uma finalidade.
O que parece existir, conforme Lígia Ferreira (1998), é uma forma tida como modelar no
ensino e na aprendizagem, sendo que o que tem prevalecido, muitas vezes, é a existência de um
modelo que deve ser apreendido. Assim, aprender tem consistido em apenas repetir as
experiências realizadas, tomar conhecimento das descobertas das ciências, estudar regras e
postulados. Aprender seria, nesse caso, sinônimo de recognição, ou seja, desenvolver as
capacidades de reconhecer.
Para Nietzsche, “sob a proteção da lógica, o homem admite o instinto de conhecimento
como o mais fundamental e nobre de seus impulsos: ao conceder ao homem os esquemas de
nivelamento, a lógica legitima a inclinação natural para o conhecimento e a crença na conquista
da verdade” (apud CALOMENI, 2003, p. 42). Ao contrário do que Nietzsche (apud
MACHADO, 1999) lembra a respeito do povo grego, pois os gregos teriam dominado “seu
instinto de conhecimento, em si insaciável, graças ao respeito que tinham pela vida, graças à
exemplar necessidade que tinham da vida pois o que aprendiam logo queriam viver” (p.43),
essa forma de aprendizagem parece bastante desconfortável para o campo da Pedagogia, da
Educação e, eu acrescentaria aqui, o campo da Psicologia, pois, além da necessidade de acúmulo
de conhecimento, ainda uma necessidade de aplicação e utilidade para tudo aquilo que é
aprendido para um (in)certo uso futuro.
Desse modo, a Educação Moderna seria, para Nietzsche (apud DIAS, 1993), o mesmo
que domesticação, tendo como ideal a formação erudita, para o comércio ou voltada para o
trabalho no Estado, tendendo a transformar os jovens em criaturas dóceis e frágeis, indolentes e
obedientes aos valores de sua época. Com a intenção de se opor a essa forma de educação,
Nietzsche engendra uma outra concepção de educação e cultura, propondo “[...] um problema de
educação sem equivalente, um novo conceito de cultivo de si, de defesa de si até a dureza, um
caminho em direção à grandeza [...] de modo que o instinto de saber a qualquer preço não se
sobreponha” (idem, p. 88).
De acordo com Nietzsche, o sentido da vida não residiria na tentativa de manutenção nem
nos progressos das instituições, mas sim nos indivíduos. Ele propõe, a partir desse entendimento
35
de educação e cultura, um despojamento perpétuo das coisas mortas, onde a vida deve
refletir nossa originalidade” (idem, p. 89, grifo meu), pois
cada um, no fundo, é gênio, na medida em que existe uma vez e lança um olhar
inteiramente novo sobre as coisas. Multiplica a natureza, cria por este novo olhar.
Salvem seu gênio, é o que é preciso gritar para as pessoas, liberem-no. Façam
tudo para libertá-lo. Devemos sempre refazer tudo para nós e somente para nós;
por exemplo, medir a ciência com esta questão: o que é a ciência para nós? e não:
o que somos nós para a ciência? (NIETZSCHE apud DIAS, 1993, p. 89).
Nesse contexto, convoco Larrosa para, ao tentar articular as idéias propostas por
Nietzsche, ampliar a idéia clássica que se tem de formação. Conforme Larrosa (2002), a idéia
clássica de formação parece ter duas faces: se, “por um lado, formar significa dar forma e
desenvolver um conjunto de disposições preexistentes, por outro, significa levar o homem à
conformidade em relação a um modelo ideal que foi fixado e assegurado de antemão” (p.139). Na
tentativa de alargar essa questão, o autor propõe pensar a formação
sem que se tenha uma idéia prescritiva de seu desenvolvimento nem um modelo
normativo de sua realização. Algo assim como um devir plural e criativo, sem
padrão e sem projeto, sem uma idéia prescritiva de seu itinerário e sem uma idéia
normativa, autoritária e excludente de seu resultado, disso que os clássicos
chamavam humanidade ou chegar a ser plenamente humano (idem, p. 139).
O autor prossegue, sugerindo ser necessário, talvez, recuperar criticamente a idéia de
formação “como uma idéia intempestiva que possa trazer algo novo para o espaço tencionado
entre a educação técnico-científica dominante e as formas dogmáticas e neoconservadoras de
reivindicar a velha educação humanística” (idem, p.139).
Formação refere-se, assim, a algo que Walter Benjamin (apud LARROSA, 2002) coloca
de modo bastante interessante: “articular historicamente o passado não significa conhecê-lo 'tal e
qual ele verdadeiramente foi'. Significa apossar-se de uma recordação tal e qual reluz no instante
de um perigo” (idem, p.139). Larrosa sugere: gostaria que a recordação da idéia de formação,
criticamente apropriada, nos ajudasse a tornar evidente onde cresce o perigo(idem, p. 139,
grifo meu).
Segundo Larrosa (2002), “o pensamento pedagógico tentou sempre pensar a relação entre
o conhecimento e a vida humana, sendo que a categoria de experiência serviu durante culos
36
para pensar essa relação, uma vez que a experiência era entendida como uma espécie de
mediação entre ambos” (p. 140). O autor alerta, porém, para que tenhamos em mente que, quando
a idéia de experiência ainda era vigente, nem conhecimento nem vida possuíam o sentido que têm
para nós hoje:
atualmente, o conhecimento é essencialmente a ciência e a tecnologia, algo
essencialmente infinito, que pode crescer; algo universal e objetivo, de alguma
forma impessoal; algo que está aí, fora de nós, como algo do qual podemos nos
apropriar e utilizar; e algo que tem a ver fundamentalmente com o útil no seu
sentido mais estreitamente pragmático, com a fabricação de instrumentos. De
outro lado, a vida se reduz à sua dimensão biológica, à satisfação das necessidades
(sempre incrementada pela lógica do consumo), à sobrevivência dos indivíduos e
das sociedades (idem, p. 140).
Para Larrosa, hoje se postula que a Educação deve preparar para a vida, com a intenção
de dizer que deve preparar para ganhar-se a vida e para sobreviver da “melhor” maneira possível.
Isso significa dizer que a mediação entre o conhecimento e a vida não seria outra coisa senão a
apropriação utilitária daquele (2002).
O autor afirma, ainda, a importância de recuperar-se a categoria de experiência para o
pensamento da formação, entendendo a experiência como algo que nos acontece, nos alcança;
que se apodera de nós, que nos derruba e nos transforma(HEIDEGGER apud LARROSA,
2002, p.138, grifo meu). Desse modo, poder-se-ia pensar que tanto a educação quanto a
formação, descoladas de uma lógica escolarizada, endurecida e tida como verdadeira, seriam
possibilidades de inventar, criar, buscar no mundo outras e novas formas de articulação com ele.
Seriam, conforme Ferreira (1998), a possibilidade de transpor ou ir para além da ordem,
produzindo no caos, no ainda não sabido, outras formas de interação com o mundo, fazendo-se
perguntas, e não tentando apenas respondê-las. A possibilidade de criação surgiria a partir de uma
prática criativa e inventiva, interessando um trabalho voltado para a vida, uma educação que
pode se dar em muitos outros espaços, e não só em sala de aula. Uma educação que estaria
compromissada com uma instrumentalização dos sujeitos no sentido de viabilizar enfrentamentos
de desestabilizações próprias da vida como um todo, e não só como atualmente ainda ocorre, com
a reprodução de saberes institucionalizados e instituídos.
37
1.1.2 Psicologia e a minha formação
Trago, ainda, na tentativa de fazer a interlocução com o que estou costurando como
currículo e formação, algumas colocações de Foucault para nos auxiliar a pensar o que tem se
dado no campo da Psicologia no decorrer dos últimos cem anos. Logo mais, farei colocações a
respeito dos processos, dos questionamentos, dos desassossegos e das marcas que foram
produzidas em mim no campo de saber psi.
Para Foucault (2002), foi nesse período que a Psicologia instaurou determinadas relações
com as práticas na educação, na medicina mental e na organização de grupos. Segundo ele,
a psicologia do desenvolvimento nasceu como uma reflexão sobre as interrupções
do desenvolvimento; a psicologia da adaptação, como uma análise dos fenômenos
de inadaptação; a da memória, da consciência, do sentimento surgiu, primeiro,
como uma psicologia do esquecimento, do inconsciente e das perturbações
afetivas. Ela se apresentou como seu fundamento racional e científico; a
psicologia genética constituiu-se como o quadro de toda pedagogia possível e a
psicopatologia ofereceu-se como reflexão sobre a prática psiquiátrica. Ao mesmo
tempo, a psicologia se colocou como questão os problemas suscitados por essas
práticas: problema do sucesso e do fracasso escolar, problema da inserção do
doente na sociedade, problema da adaptação do homem à sua profissão (idem, p.
134-135).
No momento em que me encontro, ou seja, de escritura deste texto, as colocações de
Foucault ecoam de forma a fazerem-me entender e desejar problematizar aquilo que foi gerando
mal-estar à medida que eu cursava a graduação em Psicologia o que produziu rachaduras,
rompimentos e desencaminhamentos... O que pretendo aqui é rastrear as marcas e dobrá-las no
presente, sem me ocupar de um lugar ressentido para com o fazer psi; quero potencializar as
dobras que sinto passíveis de serem (re)dobradas. Nunca em forma de cópia, de decalque, nunca
da perspectiva de uma possível replicação daquilo que se produziu, mas justamente a partir das
suas possíveis reinvenções. Buscar o avesso do avesso do avesso
29
...
Narro, agora, o que se passou durante um determinado período de minha formação,
quando algumas coisas definitivamente pareceram estar fora da ordem. Na metade do curso, por
volta do quinto ou sexto semestre, quando se fez necessário realizar o estágio em Psicopatologia,
na busca por um espaço para efetuar essa prática, realizei uma visita ao Hospital Psiquiátrico São
29
Música “Sampa” – composição de Caetano Veloso.
38
Pedro
30
. Naquele momento, os livros, a sala de aula, a aplicação de testes, os psicodiagnósticos,
as teorias pareciam não dar conta do que fazer naquele espaço e com aqueles pacientes. Como
manter a neutralidade? A sensação que tinha era a de que faltavam as ferramentas. Comecei a
questionar minha formação e meu desejo de tornar-me psicóloga. A opção feita, naquele
momento, foi a de fazer uma pausa na minha formação de psicóloga. Essa pausa serviu para
tantas coisas, dentre elas, perceber o quanto o social na constituição do sujeito era algo que
faltava, que não estava lá... O social parecia fazer parte apenas do campo de saber da sociologia,
enquanto o indivíduo cabia ao campo de saber psi. Uma dicotomia e tanto!
Com o retorno, agora na fase em que foi necessário realizar os estágios obrigatórios,
minhas escolhas foram direcionadas às áreas da Psicologia Clínica e da Psicologia
Organizacional. O trânsito por essas áreas fez-se minimamente mais possível, pois as
ferramentas apreendidas pareciam dar conta do trabalho que eu precisava realizar.
O que parece ocorrer nos cursos de formação em Psicologia, de forma geral, é uma ênfase
dada à formação clínica. Segundo Marisa Japur (apud ASSUNÇÃO, 1999), um “privilégio
excessivo da área clínica, tanto em número de carga horária quanto de disciplinas, bem como
uma tendência teórica voltada para a Psicanálise” (p. 53).
Maria Helena Patto salienta que
nem mesmo o período de 64 a 68, marcado por contundentes movimentos e
posicionamentos políticos, conseguiu provocar alterações nos Cursos de
Psicologia. Estes permaneceram [...] à margem, como se nada estivesse
acontecendo. Na época, os professores, os psicólogos e os alunos estavam vivendo
o sonho de transformarem-se em profissionais liberais, baseado no modelo médico
de atuação (apud ASSUNÇÃO, 1999, p. 54).
Com isso, a opção por realizar o estágio em Psicologia Clínica pareceu-me uma
possibilidade mais palpável e realizável. Luís Cláudio Figueiredo (1995) aponta que, “quando se
fala em psicólogo, o leigo logo pensa no psicólogo clínico, e quem se decide a estudar psicologia
quase sempre é com a intenção de se tornar clínico” (p. 62). Ele enfatiza que, “embora durante
anos esta especialização nem existisse legalmente, atualmente é a principal identidade do
psicólogo aplicado” (idem, p. 62). Hoje sei o quanto "as pessoas não sofrem sós, a quatro
30
Hospital Psiquiátrico São Pedro, localizado na cidade de Porto Alegre/RS.
39
paredes”
31
...
Atualmente, concordando com Figueiredo (1996), penso que seria necessário, de certa
maneira, renunciar à idéia de que “um currículo ou um curso de Psicologia tenha como intuito
satisfazer a todos os desejos, perseguindo uma impossível adaptação completa às necessidades de
seus alunos” (p. 116). Nessa direção, seria importante a um curso poder deixar a desejar”
(idem, p. 116, grifo meu), sem, contudo, perder seu rigor. O deixar a desejar tem implicação
com aquilo que poderia instalar “um campo de insatisfações mobilizadoras do trabalho pessoal do
aluno” (idem, p. 117). Com isso, desejo pensar e afirmar o quanto essas brechas, certos
desconfortos deixados pela minha formação em Psicologia, impulsionaram movimentos de busca
por outras formas e modos de pensar o próprio saber psi proposto no espaço curricular em que fui
formada, produzida e forjada como psicóloga.
As questões vividas durante o estágio de Psicologia Organizacional, realizado em um
abatedouro por um ano e meio, serviram para abrir novos e importantes questionamentos, ou
melhor, para reativar o mal-estar. Como lembra Figueiredo, a profissão de psicólogo esteve
inicialmente ligada aos problemas de trabalho, sendo tarefa desse profissional aplicar testes para
selecionar o funcionário certo para o lugar certo, treinar o operário para otimizar a produção, etc.
“O psicólogo do trabalho ou das organizações serve à indústria ou a qualquer outra instituição,
procurando torná-la mais eficiente” (1995, p. 63).
De acordo com Henrique Nardi e Rosane da Silva, na virada do século XIX para o século
XX,
os desenvolvimentos iniciais voltados a uma psicologia científica estariam
relacionados à criação de um conjunto de técnicas que envolveriam o indivíduo no
sentido de tentar adaptá-lo socialmente, sendo que a problemática inicial que
transpassa o campo de investigação da psicologia moderna aparece relacionada a
uma série de questões de ordem social (2004, p. 189).
Para ilustrar essa forma de exercício científico empreendido pela Psicologia, os autores
trazem como exemplo “a adaptação da criança ao universo escolar e a adaptação das pessoas ao
mundo do trabalho através da seleção e orientação profissional” (p. 189). Eles enfatizam que “os
31
Trecho retirado do vídeo “Instituições a Vida Inventa”, realizado pela ProDrª. Simone Paulon e seus alunos e
alunas da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos/RS no ano de 1999.
40
princípios que parecem ter norteado a produção de conhecimento dessa nova ciência
encontraram-se fundamentados numa ética da normatividade (Badiou) que procuraria adaptar os
sujeitos às normas e a valores definidos pela sociedade na qual ele está inserido” (idem, p. 189).
As produções de saber-poder do campo psi, de um modo geral, parecem ter se ocupado da
produção dessa ética de normatividade, tendo não só capacidade e métodos científicos para
“diferenciar o normal do patológico, o apto do inapto, o maduro do imaturo, mas para produzir
muitas vezes, uma ética da exclusão” (SOARES, 1996, p. 64). Reforçando essa idéia, Foucault
(2002) diz: “sem forçar uma exatidão, pode-se dizer que a psicologia contemporânea é, em sua
origem, uma análise do anormal, do patológico, do conflituoso, uma reflexão sobre as
contradições do homem consigo mesmo” (p.135).
Assim, o trabalho que desenvolvi durante meu estágio em Psicologia Organizacional
estava estreitamente relacionado à seleção-encaixe-exclusão, ou melhor: recrutamento, seleção e
desligamento dos trabalhadores à/da linha de produção. Contudo, isso parecia “o normal”, pois
em nossa sociedade, (parece que) todo mundo precisa trabalhar. O que, afinal de contas, o mundo
do trabalho, as produções de subjetividade desse espaço tinham a ver com a minha formação
acadêmica em Psicologia? Tudo parecia bastante dicotomizado e distanciado. O sofrimento
psíquico do mundo do trabalho parecia-me insuficientemente discutido ou problematizado. O
mal-estar se replicava. Sentia que faltavam outras ferramentas, faltava era embrenhar-me nas
brechas... Passei, então, a procurar por aquilo que poderia, de algum modo, estar preenchendo,
recheando essas brechas, ou melhor, fazendo-as transbordar, esgarçar, corromper, abrir picadas,
romper fronteiras...
Se, durante algum tempo, não me foi possível nomear o mal-estar, os encontros com
autores e autoras que me afetaram no sentido de ampliar as viseiras e que me mobilizaram a
percorrer outros campos de saber, tais como a filosofia, a arte, a literatura, a música e o cinema,
bem como os estudos que empreendi a partir desses encontros, possibilitaram-me compreender
que o mal-estar, assim como os desconfortos, as anestesias, os engessamentos sentidos por mim,
possuíam uma história e uma relação estreita com as construções do conhecimento e as formas
de vivê-lo. Essa história parece estar relacionada à construção de uma cultura ocidental que
esteve extremamente ocupada com as questões relativas ao conhecimento, envolvida mais
41
intimamente com a questão da produção e validação de nossas crenças, valores e fazeres
(FIGUEIREDO, 1996).
Nesse momento, posso falar como vejo e sinto hoje o mal-estar que me fez companhia
durante os anos de formação acadêmica. Posso, minimamente, colocar em pauta algumas
construções do conhecimento e as formas como fomos e continuamos sendo forjados como
sujeitos de conhecimento no campo psi (bem como em outros campos de saber).
Seguindo nessa direção, podemos dizer que o projeto Moderno empreendeu esforços
importantes no sentido de tornar possível prever e controlar ao máximo os acontecimentos. Para
tanto, forjou ideários de pureza, progresso, limpeza, ordem, crescimento, beleza,
homogeneização, unidade, identidade e universalidade; produziu narrativas mestras que se
pretenderam invariáveis, universais e hegemônicas; engendrou o sujeito dito auto-centrado,
senhor absoluto de sua consciência e de sua vontade, bem como construiu dicotomias, cisões e
binarismos entre corpo/mente, razão/emoção, normal/patológico, saúde/doença, certo/errado,
bem/mal... Aqui parece necessário dizer o quanto a Psicologia esteve a serviço desse projeto da
Modernidade.
De acordo com Bauman, certa preocupação com a organização e ordenação do mundo, em
especial com a ordenação dos seres humanos, estaria intimamente vinculada ao objetivo das
ciências do comportamento ou da psique. Ou seja, houve toda uma “ocupação com a norma em
si, com a adequação das pessoas às normas, com quem está ou não no lugar correto, com a
recolocação no lugar, ou a criação de lugares para os impuros, os anormais” (apud HÜNING E
GUARESCHI, 2005, p. 116).
Para Bauman, segundo Hüning e Guareschi (2005), “as operações de ordenação e limpeza
foram simultaneamente ações de construção de domínios de saber e dispositivos de
inteligibilidade deste mundo” (p. 116). Segundo o autor, os especialistas da conduta tornaram-se
“os agentes autorizados a falar sobre o normal e o anormal” (idem, p. 116), o que os autorizou a
estruturar regras e postulados que pudessem estabelecer a normalidade e a anormalidade. Tais
especialistas da conduta teriam operado com as relações de poder-saber para classificar “aptos e
inaptos, adequados e inadequados, corrigíveis e incorrigíveis, medindo e avaliando a pessoa certa
para o lugar certo e os lugares certos para as pessoas ‘erradas’” (idem, p. 116). Desse modo, “a
42
condição de existência das psicologias tradicionais têm sido a referência a normas
(normalidade/anormalidade) e a busca pela correção, via intervenção, de determinados tipos de
sujeitos, de determinados modos de vida” (idem, p. 116).
Foucault, com sua pesquisa histórica, teve como proposta especificar de que forma foi
possível engendrar, durante o século XIX, “um certo saber do homem, da individualidade, do
indivíduo normal ou anormal, dentro ou fora da regra, a partir de práticas sociais do controle, da
vigilância e do exame, que se relacionam com a formação e estabilização da sociedade
capitalista” (apud HÜNING E GUARESCHI, 2005, p. 170).
Foucault investiga e analisa como foi se produzindo, a partir do século XVIII, a
constituição de saberes e práticas que ordenam as multiplicidades humanas e
objetivam o sujeito, individualizando-o e homogeneizando as diferenças através
da disciplina e da normalização práticas de divisão do sujeito em seu interior e
em relação aos outros. Trata-se de saberes e práticas que atingem a realidade mais
concreta do indivíduo, seu corpo, e que, devido à sua estratégia de expansão por
toda a população, funcionam como procedimentos abrangentes de inclusão e
exclusão social, que constituem um processo de dominação com base no binômio
normal e anormal (apud PORTOCARRERO, 2004, p. 170).
Dentre diversas características trazidas por autores contemporâneos que têm
problematizado o período Moderno, as autoras Simone Maria Hüning e Neuza M. F. Guareschi
(2005)
32
entendem como relevante tratar particularmente a centralidade ocupada pela razão nesse
contexto. Foi a partir da posição centralizadora que a razão abriu possibilidades para determinadas
ferramentas e instrumentos que passaram a traduzir o mundo. Foi a racionalidade humana que
tornou o mundo capturável e submeteu-o aos seus saberes. O ser humano tornou-se, então, senhor
desse mundo tido e forjado como racional, instaurou suas leis, formas de prever, de intervir e de
“controlar” o futuro. Foi necessário, ainda, para esse homem crer na possível dominação da
natureza e do universo, retirar o futuro da esfera do acaso, do destino, do descontrole, da
submissão aos deuses, bem como daquilo que não podia ser dominado. Todo esse aparato deu-se e
só fez-se possível pela crença no saber científico ditado pela racionalidade humana instaurada.
32
Simone Maria Hüning, Mestre em Psicologia Social e Doutoranda do PPGP - Faculdade de Psicologia -
PUCRS/CNPq; Neuza M. F. Guareschi, Professora/pesquisadora do PPGP - Faculdade de Psicologia PUCRS e
Coordenadora do Grupo de Pesquisa Estudos Culturais, Identidades/Diferenças e Teorias Contemporâneas.
43
Enfatizando o que venho colocando em relação à Modernidade, recorro novamente ao
pensamento de Bauman (1998), autor que realiza uma análise do empreendimento do projeto dito
moderno, situando em suas colocações duas noções consideradas de extrema importância e
bastante caras à Modernidade, que ele aborda como o sonho da pureza e a busca da ordem. O
autor discute de que forma a Modernidade foi forjando, constituindo seus ideários de pureza,
beleza, ordem e justiça, tentando sempre inventar maneiras e formas de colocar as coisas em seus
devidos lugares, suprimindo a sujeira e colocando em ordem o que parecia caótico ou
desordenado. Fez-se necessário elaborar elementos capazes de classificar e organizar o mundo,
com a pretensão de controlar o acaso e a contingência, determinando-se, assim, o “lugar certo”
para cada coisa e para cada ser.
Conforme Bauman (1998), os modelos de pureza e os padrões a serem conservados
mudam de uma época para outra; portanto, cada época e cada cultura teriam um determinado
“modelo de pureza e um certo padrão ideal a serem mantidos intactos e incólumes às
disparidades” (p. 16). O autor refere que houve uma tentativa não de manter determinados
padrões de ordem e pureza das coisas em si, como também de coordenar certos padrões de
pureza, ordem e limpeza tidos como necessários em relação aos seres humanos. Foram forjando-
se, então, os fora da ordem, ou seja, os outros seres humanos que são concebidos como um
obstáculo para a apropriada organização do ambiente [...], que, em outras palavras, é uma outra
pessoa, ou mais especificamente, uma certa categoria de outra pessoa, que se torna ‘sujeira’ e é
tratada como tal” (idem, p. 17), ou seja, haveria uma certa categoria de pessoas e coisas que
atrapalhariam, que estariam na contramão da ordem tida como necessária a esse tipo de
organização social. Essa forma de pensar e de viver o mundo das pessoas e das coisas admitiria
uma única ordem possível, verdadeira, correta, normal e adequada, não deixando margem para a
formação de outras possibilidades de viver e lidar com o mundo, nem com as pessoas, nem com
as coisas que o compõem.
A partir da leitura que as autoras Hüning e Guareschi (2005) fazem do pensamento de
Bauman, os outros seriam aqueles que estão fora da ordem e que, como tais, devem ser
eliminados, isto é, devem adequar-se, desaparecer ou, ainda, ser retirados dos espaços tidos como
reservados aos normalizados. É nesse momento histórico que surge “o terreno a partir do qual se
pode falar em cálculos, planejamentos, diagnósticos, previsões e, portanto, em prevenções e
44
intervenções: o futuro teria se tornado passível de gerenciamento” (p. 116). Nesse sentido, “o
mundo torna-se administrável, as pessoas passam a ser vistas como governáveis e será dada
especial atenção àqueles que devem ser incluídos nos sistemas normativos e normalizadores
dessa sociedade” (idem, p.116).
As autoras referem que a marca da racionalidade do pensamento Moderno opera como
modelo de intervenção utilizado na e pela Psicologia. Dessa forma, a preocupação profilática
orientada por uma lógica de causalidade e a constituição de domínios de saberes especializados
e, nesses domínios, o lculo de cada ão respondem à fragmentação de saberes e práticas
exigida pela proposta de ordenação da Modernidade. Ao que parece, ancorada em um modelo das
ciências naturais, a intervenção psi “tem sido organizada seguindo uma divisão que postula um
período de diagnóstico (e seus procedimentos específicos) que daria condições e antecederia, mas
seria independe da intervenção” (p. 118). Ainda de acordo com as autoras, apoiadas no
pensamento de Bauman, seria “a partir desta lógica que, a despeito do poder que pudesse
representar assumir a formulação das normas de inclusão/exclusão em tais categorias normativas
e dicotômicas
33
, essa autoria freqüentemente foi e ainda é negada ou recusada, sob a alegação da
‘constatação’ daquilo que já estaria dado” (idem, p. 118).
É aqui, então, que, para as autoras, surgem os “especialistas” capazes de exercer o ofício
de examinar, diagnosticar e gerenciar a ordem. Esses especialistas em ordenar, quantificar seriam
os ditos
“gerentes da ordem” [que] orgulham-se de serem os diagnosticadores e
interventores sobre a desordem, mas não se implicam com a própria instauração,
constituição dessa ordem/desordem. Atribuem assim um caráter de essência a uma
realidade dada, que cabe à ação racional ordenar, tornar mais funcional: essa seria
sua função imprescindível. O exercício do poder em tais instâncias manifesta-se
de forma sutil, até dissimulada, que a bandeira ostentada é a da neutralidade
científica (HÜNING E GUARESCHI, 2005, p. 118).
Para as autoras, é dessa maneira que Foucault provoca importantes deslocamentos no
modo de compreender a Psicologia, entendendo-a como "uma forma cultural" relacionada a "um
certo programa normativo" (p. 118). É também no âmbito da cultura que Foucault situa a norma
33
"A dicotomia é um exercício de poder e, ao mesmo tempo, sua dissimulação. Embora nenhuma dicotomia vingue
sem o poder de separar e pôr de lado, ela cria uma ilusão de simetria. A falsa simetria de resultados encobre a
assimetria de poder que é a sua causa" (BAUMAN apud HÜNING E GUARESCHI, 2005, p. 118).
45
“como algo que não diz respeito ao natural, mas ao construído pelos saberes, ‘portadora de
pretensão ao poder’. Ela funda e legitima certos exercícios de poder, onde podemos situar o poder
de falar sobre, intervir sobre, conhecer” (idem, p. 118). Dessa forma, seria na tentativa de
estabelecimento de uma determinada norma que se passa a pensar na possibilidade de dominar a
ordem e a desordem do mundo, das pessoas e das coisas. A norma integraria e definiria, então, “o
normal e o anormal, e a partir disso, a perspectiva de gerenciamento destes. Assim, ela [...] não
tem por função excluir, rejeitar. Ao contrário, ela está sempre ligada a uma técnica positiva de
intervenção e de transformação, a uma espécie de poder normativo” (idem, p. 118).
Assim, para Hüning e Guareschi, a ação de tornar “o outro inteligível inadequado
como o outro, com a demarcação que o separa dos iguais – é uma tarefa que tem estado no centro
das produções psicológicas tradicionais” (2005, p. 119). É interessante pensar aqui que esse
contexto dito “‘terapêutico’ tem, muitas vezes, se vinculado mais ao ‘corretivo/normativo’ do que
à promoção de saúde (ainda que a própria noção de saúde deva também ser problematizada)” (p.
119). Porém, se
o principal alvo da intervenção psicológica está centrado neste outro, isso não
retira seu olhar dos “iguais” dos normais, na medida em que estes também são
constituídos e precisam”, para continuar na normalidade, ser regulados por estes
discursos. A expansão do domínio e da intervenção psi amplia-se da regulação dos
indivíduos para a regulação do social (idem, p. 119).
É dessa maneira que, para Nikolas Rose (apud HÜNING E GUARESCHI, 2005), a
“produção dos ‘efeitos de verdade’ psicológicos é intrinsecamente amarrada aos processos pelos
quais uma variedade de domínios, lugares, problemas, práticas e atividades ‘tornam-se
psicológicos’” (p. 119). E, “‘tornam-se psicológicos’ no que são problematizados ou seja,
apresentaram-se simultaneamente problemáticos e inteligíveis em termos do que é incorporado
pela psicologia” (idem, p. 119).
A partir disso, as autoras lançam a questão com a qual pretendem lidar, trabalhar e pensar,
questão que a nós também interessa discutir em nossas práticas, qual seja:
Se a fundação das normas está de tal modo vinculada à produção dos alvos da
intervenção, como poderíamos, então, dissociar o momento do diagnóstico, das
elaborações teóricas, das produções científicas, disso que chamamos intervenção,
46
e que implicações éticas vinculam-se a assumir ou não esta separação? (idem,
p.119).
É desse modo que, ao forjarem-se determinados parâmetros ou, ainda, discursos ou teorias
que estruturam e sustentam certos “diagnósticos que assujeitam pessoas constituindo-as a partir
de determinadas verdades, o que se produz sobre os sujeitos diagnosticados é uma forma de
intervenção” (idem, p. 120). Continuam as autoras:
Os mesmos discursos que intervêm são os que constituem os alvos de sua
intervenção. São discursos normativos (voltados ao estabelecimento de normas) e
normalizadores (porque operam no sentido de enquadrar dentro das regras de
normalidade/anormalidade aqueles a quem se dirigem). Ao falar
afetamos/produzimos os sujeitos sobre quem falamos e a nós mesmos. Nesta
medida, intervêm-se os transformando em sujeitos de determinados tipos,
mudando seus modos de pensar sobre o mundo e sobre si (HÜNING E
GUARESCHI , 2005, p. 120).
Aqui interessa pensar, juntamente com essas autoras, que a noção de intervenção passa a
ser ampliada para os “efeitos discursivos que provocam modos de subjetivação sobre os sujeitos
por estes interpelados: aqueles sobre quem se fala, aqueles que se relacionam com estes de quem
se fala e os modos de as pessoas relacionarem-se com este de quem se fala” (p. 120). No entanto,
essa é uma via de mão dupla, pois, ao mesmo tempo, produz e afeta aqueles que estão
posicionados como interventores sobre quem é falado, sendo “neste sentido que não
entendemos mais a intervenção apenas pelo seu propósito de efeito terapêutico, mas a
deslocamos para o entendimento da intervenção como aquilo que se produz, via discurso, nos
modos de subjetivação” (idem, p. 120). Para as autoras, seria através dos “discursos [que]
constituímos e somos constituídos como sujeitos de gêneros, de idades, tipos de personalidades.
Produzimos categorias e fabricamos sujeitos como mulheres com tensão pré-menstrual, crianças
hiperativas, adolescentes vulneráveis, etc.” (idem, p. 120).
Seguindo esse pensamento, é nesse ponto que podemos compreender a desconstrução de
uma lógica da neutralidade das teorias aqui, em particular, das teorias psicológicas. Ao
transformarmos
o mundo inteligível aos nossos saberes, não o estamos apenas explicando ou
desvendando, mas construindo-o, o que se também sobre os sujeitos. O que
podemos empreender a partir disso é uma reflexão acerca do que pode estar
marcando a diferença entre discursos/intervenções meramente disciplinadores e
47
reguladores e discursos/intervenções que sejam criação de possibilidades, espaço
para a produção de alteridades (HÜNING E GUARESCHI, 2005, p. 120).
À medida que passei a entender esses engendramentos e produções, foi abrindo-se espaço
para eu problematizar aquilo que parecia estar dado e pronto no campo psi, não mais como algo
natural e verdadeiro que sempre esteve ali, mas como algo que fora construído, engendrado,
criado, forjado e produzido pelo homem de conhecimento neste mundo.
Como afirma Foucault:
A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e
nele produz efeitos reguladores de poder. Cada sociedade tem seu regime de
verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como
verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados
verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os
procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto
daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro (2000,
p. 12, grifo meu).
Ou seja, quando o filósofo se põe a pesquisar as condições de possibilidade da existência
da formação e do saber das ciências do homem na modernidade, tais como a Educação, a
Psicologia, a Psiquiatria, a Psicanálise e a Sociologia, está indagando as relações de poder que
têm por alvo o sujeito, considerando o saber como um dispositivo de natureza essencialmente
estratégica. Com isso, Foucault aponta para o modo como “as práticas sociais podem vir a
constituir domínios de saber, que fazem aparecer formas totalmente novas de sujeitos e de
sujeitos de conhecimento” (apud PORTOCARRERO, 2004, p.170).
A partir do entendimento dessas questões, sinto que foi me perdendo” como
psicóloga forjada em um determinado currículo e conhecimento que pude finalmente ampliar as
viseiras e, então, ousar atravessar outros rios, deixando-me levar para outras margens, outros
mangues, para outras pradarias, para as fronteiras... Ser nietzschianamente flechada,
deleuzianamente desterritorializada, foucaultianamente arrebatada... E, assim, vaguear no mundo
e ir tateando o rizomático, o marginal, o mestiço, o brido, o nômade, o plural... que, até então,
não sabia possível buscar e acoplar ao campo psi (ou melhor: aos vários outros campos de
saber...).
Desse modo, foi na busca por formas mais coletivas de envolvimento com a Psicologia,
48
por outros espaços de abastecimento, que encontrei algumas linhas de fuga
34
, outras aragens.
Interessante que, para Deleuze,
fugir não é absolutamente renunciar às ações, nada mais ativo que uma fuga. É o
contrário do imaginário. É também fazer fugir, não necessariamente os outros,
mas fazer alguma coisa fugir, fazer um sistema vazar como se fura um cano [...]
Fugir é traçar uma linha, linhas, toda uma cartografia [...] Só se descobrem
mundos através de uma longa fuga quebrada (1998, p. 49).
O filósofo complementa esse pensamento com o que George Jackson escreve de sua
prisão: “‘É possível que eu fuja, mas ao longo de minha fuga, procuro uma arma’”; ou, ainda,
como sugere Lawrence: “‘Digo que as velhas armas apodrecem, façam novas armas e atirem no
alvo’” (apud DELEUZE, 1998, p. 49). Assim, para esse autor, “tudo [...] é partida, devir,
passagem, salto, demônio, relação com o de fora. Eles criam uma nova Terra, mas é possível,
precisamente, que o movimento da terra seja a própria desterritorialização” (idem, p. 50).
E é nessa fuga, nesse tipo de fuga, com possibilidades inéditas de desterritorialização, que
descubro que Psicologia também se pode fazer com arte, filosofia, música, literatura, cinema,
poesia
35
... Houve, então, uma abertura para novas possibilidades e formas de pensar, fazer e viver
a Psicologia. Surgem, com toda essa busca, diferentes e novas concepções de sujeito, mundo e
fazer. Trata-se de uma busca que não se deu de modo simples, fácil, tranqüilo ou corriqueiro, mas
que abriu mundos, outros fluxos-intensidades, novas formas de sentir, ver, fazer, ouvir psi... E
essa é uma das histórias com que também me ocupo nesta dissertação, pois percebo que as
questões relativas aos processos de criação, de invenção de si, invenção e produção de outras
possibilidades, parecem (ainda!) não estar podendo habitar o registro da Psicologia.
Sendo assim, entendo que o mal-estar produzido pelos desconfortos e desassossegos
serviu para que se acionassem e colocassem em funcionamento forças estrangeiras, potências
34
O conceito de linha de fuga, para Deleuze,“é uma desterritorialização”. Deleuze refere que “os franceses não
sabem bem do que se trata. Evidentemente, eles fogem como todo mundo, mas acham que fugir é sair do mundo,
mística ou arte, ou então que é algo covarde, porque se escapa aos compromissos e às responsabilidades [...]” (apud
ZOURABICHVILI, 2004, p. 45). Cf ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de Deleuze. Rio de Janeiro:
Relume Dumará, 2004, p. 57.
35
No ano de 2000, ingresso no Curso de Especialização em Projetos Sociais e Culturais no IFCH/UFRGS e, em
2001 e 2002, realizo o Curso de Formação em Arteterapia na Psique-Casa de Arteterapia/POA-RS. Nesse período,
entro em contato com autores e autoras, tais como Nietzsche, Foucault, Derrida, Rolnik, Guatari, Deleuze, Pal
Pelbart, Larrosa, Gallo, Dias, dentre tantos outros intercessores professores e professoras dos cursos que estava
realizando que produzem um alargamento das fronteiras possíveis e vivíveis na Psicologia.
49
guerreiras até então invisíveis e inéditas para mim, capazes de se r em movimento a partir de
articulações com vários intercessores e outros campos de saber (tais como os Estudos
Culturais em Educação!). Desse modo, apesar das dificuldades referidas, encontro algumas
possibilidades de linhas de fuga, algumas correntes de ar. Assim, outras possibilidades e formas
de pensar, fazer e viver a Psicologia puderam brotar. Surge uma psicologia mais sedenta por
provocar perguntas do que instituir respostas. Como bem lembra François Ewald (1991), “você
quer fazer psicologia?”, ao que Deleuze e Guattari dizem: “aprenda história, percorra as grandes
formações da história universal - 'selvagens, bárbaras, civilizadas' –, espolie a biblioteca do
etnólogo, do economista, empanturre-se de literatura e de arte, estão as disciplinas que relatam,
no seu conjunto e na diversidade, as produções do desejo” (p. 90).
Foram, então, os incômodos, as anestesias, os engessamentos provocados em mim por
determinados campos teóricos ligados a uma determinada Psicologia tradicional, cientificista,
ortodoxa, individualista, privada e elitista que dispararam movimentos de busca por outros
modos, formas, campos teóricos e práticas de operar no campo psi. Necessário dizer que aquilo
que fui encontrando e colocando em operação em meus fazeres não ocupou (e não ocupa!), de
forma alguma, o lugar do verdadeiro, do correto ou do caminho a ser seguido como
regra/norma. Pelo contrário, o que precisei e desejei fazer foi (e tem sido) apenas abrir as
comportas para operar uma tentativa possível, dentre tantas outras que poderiam ser pensadas,
lembrando sempre que desejo operar a partir da feitura, da tessitura, do mapa, e nunca do
decalque. Deleuze e Guattari (2000) diriam:
[...] faça rizoma e não raiz, nunca plante! Não semeie, pique! Não seja uno nem
múltiplo, seja multiplicidades! Faça a linha e nunca o ponto! [...] Seja rápido,
mesmo parado! Linha de chance, jogo de cintura, linha de fuga. Nunca suscite um
General em você! Nunca idéias justas, justo uma idéia (Godard). Tenha idéias
curtas. Faça mapas, nunca fotos nem desenhos [...] (p. 36, grifo meu).
Com Michel Serres, necessito partir, mais uma vez:
de fato nada aprendi sem que tenha partido, nem ensinei ninguém sem convidá-lo
a deixar o ninho. Partir exige um dilaceramento que arranca uma parte do corpo
[...] quem não se mexe nada aprende [...] e nenhum aprendizado dispensa a
viagem. Sob a orientação de um guia, a educação lança para fora. Parte sai. [...]
Partir, sair. Deixar-se um dia seduzir (1997, s/p).
50
Partindo do meio, sempre do meio do caminho, com o na estrada
36
, da vida, daquilo
que não-sei-o-que-que-nos-dá, que nos faz desejar, ansiar, buscar
37
... de minha prática/meus
fazeres como psicóloga-professora-andarilha, fazeres estes que vêm se constituindo de diversas
formas, cores e gentes e que têm buscado um abastecimento noutras aragens, noutras pradarias.
Ponho-me a tecer possibilidades de alargar as fronteiras desses campos por vezes,
demasiadamente herméticos – do conhecimento, do pensamento, da Psicologia e da Educação.
Nessa busca por um abastecimento mais potente para operar com a Psicologia e a
Educação, encontrei a Psicologia Social e Institucional e os Estudos Culturais em Educação,
campos teóricos cujas práticas, acredito, trazem implicações mais sociais e coletivas que podem
estar envolvidas com movimentos de resistência, com as micro-revoluções do cotidiano, com as
minorias e suas lutas. Como bem lembra Foucault (apud FISCHER, 2002), a escolha ético-
política que devemos fazer a cada dia é determinar qual é o principal perigo(p. 52, grifo
meu). Desse modo, impossível esquecer que estou totalmente incluída/envolvida nas formas
como lido com o conhecimento ou transito pelos campos de saber onde exerço meus fazeres
como psicóloga e professora. Sei, ainda, da impossibilidade de manter uma neutralidade nas
escolhas que faço, pois, ao fazê-las, estou falando e sendo falada, produzindo e sendo
produzida de um determinado lugar nada neutro, mas interessado e interesseiro de fazer.
O bom encontro, como diria Espinosa, vivido com a Educação e, particularmente, com os
Estudos Culturais em Educação, com suas implicações políticas e contraposições às formas
elitistas, hierárquicas e segregacionistas de cultura, abriu espaços para um ecletismo e para outro
gosto: o das multidões
38
. Um campo teórico fluído, com propostas antidisciplinares, de um pensar
36
PARNET, Claire. Uma conversa para que é, para que serve? In: Diálogos. 1998, p. 40.
37
MELO, Cibele. devir,de vir ou o advir na criação no processo terapêutico. In: Saúde e Loucura. N. 5 s/ano,
p. 140.
38
Multidão, conceito já referido nesta escrita e que vai ao encontro do que Michael Hardt e Antonio Negri
trabalham, continua sendo tomado aqui como “multiplicidade heterogênea, não-unitária, não-hierárquica, a-centrada
e centrífuga, portadora de riqueza, de intelecto geral, afetividade, vitalidade a-orgânica, etc. A multidão como
figura subjetiva o identitária, que não pode delegar poderes nem pretende conquistar o antigo poder, mas
desenvolver uma nova potência de vida, de organização, de produção [...] [uma] multidão com direções
múltiplas, inteligências e sensibilidades heterogêneas, que inventam nãomodos próprios de produzir, de trocar, de
habitar, de construir, mas também de relacionar-se, de afetar-se, de subjetivar-se, de protestar (II FSM, 2002, grifo
meu)”. Tal conceito foi trazido para interlocução de vários campos de saberes durante o encontro “Resistência e
Criação”, que se deu no II Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre no mês de fevereiro do ano de 2002.
Fizeram parte desse encontro-oficina vários autores, tais como Catherine David, Suely Rolnik, Peter Pal Pelbart,
Denise Sant’Anna, Laymert Garcia dos Santos, Kazuo Nakano, Lígia Nobre e Celine Zoonens, tendo como
51
voltado àquilo que é plural, múltiplo, brido, diverso e singular, envolvido na busca por espaços
alternativos de atuação e voltado às experiências cotidianas, da vida simples. Uma arena onde
vêm se produzindo desmoronamentos de velhas e sabidas composições, ampliações de
significados em que se desdobram várias outras possibilidades de sentidos que se pretendem
sempre cambiantes e versáteis (COSTA, M. V.; SILVEIRA, R.H. E SOMMER, L.H., 2003).
Nessa trajetória, os Estudos Culturais também nos auxiliam a pensar na dissipação dos
limites, nos lançando para terrenos instáveis e deveras movediços. Pesquisar nas fronteiras possui
um sentido instigante e nada seguro, fazendo com que nossas práticas habitem sempre um espaço
dinâmico, complexo e contingente de saber, nos mais diversos campos de saber. Desse modo,
beirar as fronteiras desses campos, uma vez tão bem determinados e que hoje, na
contemporaneidade, se dão de forma tão fronteiriça, mestiça e em plena suspensão, exige uma
outra forma de pensar e de articular, um outro modo de pesquisar modo este que estamos a
experimentar e a que nos lançamos de corpo e alma. Ou seja, habitar a contingência da pesquisa
seria também habitar a contingência da/na vida. não nos cabe aqui afirmar de modo algum as
certezas; nossa função parece ser a de promover as descontinuidades, abrir mão do que uma vez
era certeza e verdade e trabalhar no instável, no incompleto, no infindável da finitude...
Parece não caber mais afirmar, prescrever, catalogar, mas sim trilhar, talvez, o caminho
que a multiplicidade, a diferença, o “imperfeito” nos ofertam como “dádiva”, como pretensão ao
ainda não sabido, ao ainda não experimentado, ao ainda não possível de ser vivido. riscos!
Sim, como riscos! Mas, como jamais saberemos, a não ser tendo coragem e respeito pelo que
estamos tramando, resta-nos buscar novas armas e trabalhar no avesso do avesso do avesso... Não
sem rigor, mas com afinco e dedicação. Não sem receio, mas com coragem de produzir curtos-
circuitos ainda não experimentados. Não sem sofrimento, pois que o sofrimento se faz inerente à
vida, nos move de forma trágica e, além disso, nos ensina a sermos “cuidadosos” com nossas
propostas, nossas pesquisas, nossos sujeitos e nós mesmos...
Como nos desafia Gadamer (apud COSTA 2005), parece que a arte de perguntar é a
arte de continuar perguntando; isso significa, porém, que é a arte de pensar(p. 199, grifo
meu). Costa instiga-nos, ainda, com uma colocação interessante e inspiradora encontrada em um
interlocutores convidados: Yann Moulier-Boutang, Michael Hardt, Franco Barchiesi, Luca Casarini, Giuseppe
Cocco, Maurizio Lazzaroto, Beppe Garcia e Guido Lutraio.
52
grafitti bogotano: Quando aprendi todas as respostas, mudaram as perguntas! (p. 212,
grifo meu). Para Costa (e, ousaria dizer, para mim), essa afirmação parece captar o sentido de
nosso tempo, ou seja, um tempo em que não só
estão sendo descartadas nossas certezas como estão sendo desqualificadas as
perguntas que orientam nossas buscas [...]. Parece que se trata exatamente
disso, de que precisamos recomeçar, redimensionar e reposicionar todo o
espaço de investigação intelectual, agora, porém, sem dispor de amarras, sem
andaimes seguros, sem certezas. Ainda estamos em pleno processo de
desvencilhamento de um paradigma sufocante, e boa parte do que fazemos é,
ainda, tentativa de desnaturalização, de perguntar como nos tornamos o que
somos, de mostrar como estamos sendo construídos na cultura (idem, p. 212,
grifo meu).
Gostaria de enfatizar aqui que foi nessa busca que encontrei ferramentas conceituais
capazes de colocar em movimento possibilidades de trabalhar com/na Psicologia e Educação a
partir de uma escolha ética, política e estética, tornando-se da ordem do possível os meus fazeres
nesses campos. De acordo com Suely Rolnik (1993), a perspectiva ética tem relação estreita com
uma escuta da diferença, que gera em nós estados inéditos, produzindo marcas e gênese de
devires, nada tendo a ver com um conjunto de regras e sistemas de verdades de ordem moralista.
A perspectiva política tem relação com essa luta contra as forças em nós que obstruem as
nascentes do devir, sendo que a perspectiva estética entende que o pensamento é um campo de
criação que se dá no compartilhar das intensidades do invisível, como uma obra de arte.
Dessa forma, os encontros que experienciei entre a Psicologia e a Educação foram
gerando fraturas, provocando abandonos e partidas e abrindo espaços para tantas outras lutas,
guerrilhas, revoluções, delineando, de forma bastante intensa, possíveis interlocuções,
transversalizações, articulações e intersecções entre esses campos de saber.
1.1.3 (Re) pensando a Psicologia: no percurso da Psicologia com a Educação
O problema da psicologia contemporânea - e que para ela
própria é um problema de vida ou de morte - é saber em que
medida ela consegue efetivamente dominar as contradições
que a fizeram nascer, através desse abandono da objetividade
naturalista, que parece ser sua outra característica maior. A
essa pergunta a própria história da psicologia deve responder
(FOUCAULT, 2002, p. 132).
53
No item anterior, tive a intenção de situar o leitor a respeito dos obstáculos e histórias um
tanto prontas e endurecidas vividas por mim no campo psi. Essas histórias soaram, por certo
tempo, como as “verdadeiras histórias” desse campo. Elas tratavam e ocupavam-se das “verdades
científicas”, bem como de uma suposta neutralidade necessária a quem porventura estivesse
interessado em desenvolver “um bom trabalho”. Era certa Psicologia adapcionista, alimentada
pelo eu: "quem quer manter a ordem, quem quer criar desordem?"
39
. Isso me faz pensar em uma
Psicologia abastecida/alimentada pelo sujeito do eu, bem como em uma Educação nutrida pelo
sujeito do conhecimento. Assim foram-se compondo os “saberes psi tidos e ditos” como
“importantes e necessários” para minha formação. Nesse sentido, percebo atualmente o quanto os
discursos de verdade do campo psi e aqui tomo esse campo de forma bastante ampla, pois
muitas são as Psicologias que o compõem foram discursos que emergiram a partir de
determinadas condições de possibilidade.
Ao mesmo tempo, desejo, nesta escrita, tecer, a partir de minhas vivências nos campos de
saberes da Psicologia e da Educação, a tentativa que venho fazendo de desconstrução de algumas
formas um tanto endurecidas nas quais fui formada e forjada, com o intuito de ampliar as
problematizações nos/dos campos de saberes que fazem parte deste ensaio dissertativo. Trazer
para este texto os movimentos empreendidos pelo campo de saber psi parece necessário e
pertinente, pois, de acordo com Foucault (2002), “a psicologia do século XIX herdou da
Aufklärung a preocupação de alinhar-se com as ciências da natureza e de encontrar no homem o
prolongamento das leis que regem os fenômenos naturais” (p. 133). A Psicologia parece, de
acordo com o autor, ter se esforçado por aplicar uma metodologia em que se faz necessário
determinar relações quantitativas, colocar hipóteses explicativas, elaborar leis que se apresentam
como funções matemáticas.
Para Foucault (2002), essa Psicologia se pretendeu como conhecimento positivo e se
estruturou o tempo todo sobre dois postulados filosóficos, quais sejam: “que a verdade do
homem está exaurida em seu ser natural e que o caminho de todo conhecimento científico deve
passar pela determinação de relações quantitativas, pela construção de hipóteses e pela
39
Trecho retirado de uma letra de música da Banda Titãs. Idéia sugerida pela amiga, companheira de estrada e
colega de profissão Fernanda Hampe Pires.
54
verificação experimental (p. 133). Para o filósofo, a história que compõe a trajetória da
Psicologia até meados do século XX
é a história paradoxal das contradições entre esse projeto e esses postulados; ao
perseguir o ideal de rigor e de exatidão das ciências da natureza, ela foi levada a
renunciar aos seus postulados; ela foi conduzida por uma preocupação de
fidelidade objetiva em reconhecer na realidade humana outra coisa que não um
setor da objetividade natural, e em utilizar para reconhecê-lo outros métodos
diferentes daqueles de que as ciências da natureza poderiam lhe dar o modelo
(idem, p. 133).
Contudo, para o filósofo, o projeto rigoroso ao qual a Psicologia havia se submetido
esvaziou-se de sentido na medida em que os postulados que o haviam sustentado desapareceram.
Parece que “a idéia de uma precisão objetiva e quase matemática no domínio das ciências
humanas não é mais conveniente se o próprio homem não é mais da ordem da natureza” (idem, p.
134). Sendo assim, de acordo com Foucault, ao descobrir um novo status de homem, a Psicologia
vê-se obrigada a renovar-se, implicando-se com um novo estilo de (fazer) ciência. Para tanto, ela
precisou buscar novos princípios e desvelar para si mesma um novo projeto: dupla
tarefa que os psicólogos nem sempre compreenderam com todo o rigor e que, com
muita freqüência, tentaram rematar com a economia; uns, ainda que percebendo a
exigência de novos projetos, permaneceram ligados aos antigos princípios de
método: as psicologias que tentaram analisar a conduta, mas que para fazê-lo
utilizaram os métodos das ciências da natureza o testemunham; outros o
entenderam que a renovação dos métodos implicava a emergência de novos temas
de análise: assim, as psicologias descritivas, que permaneceram ligadas aos velhos
conceitos (2002, p. 134).
Entretanto, para Foucault, a renovação radical da psicologia como ciência do homem
não é [...] simplesmente um fato histórico do qual podemos situar o desenrolar durante os últimos
cem anos; ela ainda é uma tarefa incompleta a ser preenchida e, a esse título, permanece na
ordem do dia” (idem, p. 134, grifo meu).
Nessa direção, desacomodar a Psicologia é o que também vêm propondo autoras como
Hüning e Guareschi. Essas autoras trazem problematizações e, diria ainda, provocações, na
medida em que tratam de discutir a Psicologia tal qual esta tem se dado atualmente. Trago, então,
para este texto, duas colocações que dão início à elaboração do texto-pensamento dessas autoras,
que utilizam Foucault para tecer seus questionamentos em relação à forma como a Psicologia foi
estrutrada. Para Foucault (apud HÜNING e GUARESCHI, 2005), “a psicologia é somente uma
55
fina película na superfície do mundo ético no qual o homem moderno busca sua verdade e a
perde” (p. 107) ou, ainda, “toda psicologia é uma pedagogia, toda decifração é uma terapêutica,
não se pode saber sem transformar” (idem, p. 107).
As autoras trabalham no sentido de desacomodar, a partir do olhar foucaultiano, aquilo
que parece estar funcionando e sendo suscitado pelas práticas psicológicas tradicionais,
apontando reducionismos que “determinadas posturas do campo psi têm produzido na sua
abordagem dos sujeitos e do psicológico” (idem, p. 107). Hüning e Guareschi, continuam
afirmando com Foucault que,
em sintonia com este pensamento, grande parte de seu investimento deu-se no
sentido de produzir medidas, testagens e previsões, instituindo uma racionalidade
que tudo classifica em termos do comportamento, analisado com base no
indivíduo, cindindo-o do social e centrando no primeiro as origens das patologias
e transtornos da psique (2005, p. 108).
O social funcionou colocado como uma instância secundária de influência sobre o sujeito.
Para as autoras, restaria a “propriedade de adaptar esta unidade que se produz desde um dentro,
de um núcleo psíquico previamente dado, estabelecendo-se a primazia do indivíduo sobre o
social” (p. 108). Dessa maneira, “como instância de influência e regulação, o social estaria fora
do âmbito de interesse (incompetência) do campo psi” (idem, p.108).
Com todas essas questões, o olhar psi esteve voltado para “os processos de adaptação do
indivíduo a este campo social dado como natural e a ‘inadaptação’ (problema apontado pela
Psicologia Social) recairia sobre o próprio indivíduo” (idem, p. 108). De acordo com Foucault,
mesmo a
Psicologia Social se produziu tendo por base este paradigma. Por sua vez, a
Psicologia Social Crítica, na tentativa de superar a filosofia adaptacionista,
instalada pela Psicologia Social Norte Americana, alega uma não separação entre
o objeto de estudo da Psicologia e da Psicologia Social, postulando que toda
Psicologia é Social, não avança, porém, na discussão epistemológica sobre as
dicotomias individual/social e sujeito/objeto (apud HÜNING E GUARESCHI,
2005, p. 108).
Como citamos anteriormente, apesar do “preconceito da natureza”, Foucault diz que a
Psicologia pretendia se ancorar no modelo das ciências da natureza na tentativa de buscar
uma certa objetividade, bem como utilizar seus métodos de análise, ou seja, os modelos físico-
56
químicos, o modelo orgânico ou, ainda, o modelo evolucionista. Hüning e Guareschi, avançando
nas discussões propostas por Foucault, destacam que
mais adiante, a ênfase é posta naquilo que diferia o homem e não mais no que o
tornava igual a qualquer ser vivo, reconhecendo sua história pessoal e colocando em
questão a análise dos sentidos da conduta humana, “a descoberta dos sentidos”.
Aqui a emergência da psicanálise, levando a psicologia ao que Foucault chamou de
“estudo objetivo das significações” (2005, p. 109).
Importante ressaltar que, com a emergência da psicanálise, Foucault aponta para uma
ruptura na concepção da ciência psicológica” (p. 109). As autoras trazem o artigo Filosofia e
Psicologia, no qual Foucault afirma que, no século XVIII, “a psicologia possuía uma definição
positiva, como ciência da alma, da consciência ou do indivíduo” (p. 110). Entretanto, após Freud,
“essa definição sofre um abalo. Com a introdução da noção de inconsciente, oposições entre alma
e corpo, indivíduo e sociedade deixam de fazer sentido, bem como as fronteiras que antes
definiam o que era domínio de um conhecimento psicológico ou sociológico” (idem, p. 110).
Foucault, prosseguem as autoras, diz que a tentativa de buscar outros e novos princípios
fora do circuito do discurso hegemônico da Psicologia quase nunca foi compreendida pelos
psicólogos. Estes teriam resistido a novos projetos e a novos princípios na tentativa de sustentar,
“a partir de uma compreensão de Ciência que tem como pressupostos a experimentação, a
objetividade, a neutralidade e a generalização, que se complementariam, demarcando o que
poderia ser tomado como um conhecimento cientificamente válido” (p. 110).
Rastreando o pensamento de Foucault, as autoras apontam que a experimentação no
campo da Psicologia deu a esta “a primazia da técnica” (idem, p. 110). E foi dessa forma que a
Psicologia “não se permitiu experimentar como uma ciência que se distanciasse dessa
abordagem tecnicista para poder avançar em uma dimensão discursiva” (idem, p. 110). A
“objetividade sustentou o discurso da neutralidade do cientista, pretensamente garantida
pela utilização do instrumento que propiciou a separação entre o sujeito e o objeto” (idem,
p. 110, grifo meu).
De acordo com as autoras, tal separação teria situado o psicólogo como sujeito ativo
numa posição de “descobridor” da realidade psíquica do objeto passivo, o que independeria dos
modos de conhecer utilizados pelo psicólogo. A serviço dessa ordem, a objetividade e a
57
neutralidade teriam contribuído para idéias tais como interioridade e essência psicológica. Na
medida em que a Psicologia é “constituída como ciência positivista, propõe, assim, a noção
de um sujeito universal que tornaria inquestionável a generalização a partir de pesquisas
fundadas metodologicamente em testes de probabilidades estatísticas” (idem, p. 111, grifo
meu). É dessas questões elencadas acima que advém como resultado toda uma “naturalização,
tanto dos fenômenos psíquicos, dessa ‘substância psicológica’, quanto dos conhecimentos que
buscariam dar conta deles” (idem, p. 111).
Sendo assim, não como escapar da discussão e das colocações que serão feitas logo
mais pelas autoras, munidas de todo o arsenal proposto por Foucault, na medida em que este
discute
os modos como os discursos científicos constituem-se em regimes de verdade
que formam sujeitos, questiona não apenas as possibilidades e limitações desta
Ciência e dos saberes psi, mas propõe pensar que outras formas estes podem
assumir, não com a intenção de buscar para si o caráter científico, mas
problematizando questões tais como: a que objetivos tais saberes vinculam-se
ou podem vincular-se, como funcionam” produzindo realidades e modos de
subjetivação sociológicos (apud HÜNING E GUARESCHI, 2005, p. 111).
Segundo as autoras, para Foucault, “as ciências humanas são formações discursivas que
durante três séculos foram se articulando em diferentes campos de saber, instituindo o sujeito
da modernidade” (p. 111). Assim sendo, de acordo com o filósofo, “para a Psicologia se faz
necessário buscar as condições de possibilidade e de emergência de suas teorias e
conhecimentos que a constituíram como uma disciplina que marca determinados objetos como
de seu campo de saber e ordena modos de viver” (idem, p. 111).
É com a introdução dessas interrogações que Foucault rompe com uma dicotomia
própria da Modernidade, ou seja,
a separação entre o que dizia respeito à Ciência e à política, sendo a primeira
reconhecida como valor supremo, como algo que justificava e legitimava a si
mesma. Foucault desconstrói esta oposição mostrando a estreita relação entre
saberes e poderes, portanto, o comprometimento político das ciências. Nesta
proposição, implica-se a produção de conhecimentos com a esfera política e
dimensiona-se a Ciência como constituinte das práticas culturais. Ao contrário do
que propunha o pensamento Moderno, a ciência não está mais acima da cultura
para analisá-la ou sofrer sua interferência, mas é em si uma prática cultural (apud
HÜNING E GUARESCHI, 2005, p. 111-112).
58
Para Foucault, conforme as autoras, é nesse novo contexto que a cultura passa a ser
entendida como constituinte dos sujeitos, ou seja, os processos de subjetivação são entendidos
como se dando culturalmente, compreendendo práticas de significação que posicionam os
sujeitos de determinadas maneiras e produzem determinados modos de existência. A cultura vai
sendo entendida não mais como um termo neutro ou abstrato; ao contrário, passa a dizer respeito
às práticas cotidianas que são travadas em um campo de lutas, de relações de poder e de embates.
Podemos dizer, então, que a ciência é como um conjunto de práticas culturais articulada a outras,
ou seja, como discursos que produzem certos modos de subjetivação. Desse modo, ciência,
quando relacionada à cultura,
passa também a ser ação, entendida aqui como prática política que se efetua e
modifica as ações alheias. Tanto a cultura como a ciência são tomadas como
práticas que, ao produzirem sentidos, estes adquirem efeitos de verdade,
instituindo modos de ser e de compreender e explicar a si e ao mundo
(FOUCAULT apud HÜNING E GUARESCHI, 2005, p. 112).
Dessa maneira, não mais como ignorar “que fazer ciência é fazer história” (idem, p.
112), afirma Foucault, “e esta não é somente a descrição de fatos e acontecimentos, mas
evidenciar os modos pelos quais o campo social produz, modifica e, especialmente, possibilita o
aparecimento desses acontecimentos” (idem, p. 112). De acordo com Guareschi, “a psicologia
aparece como uma prática teórico-política que problematiza a construção de um ‘sujeito/social’”
(idem, p. 112).
Pensar a Psicologia articulada ao pensamento foucaultiano é buscar trazer para esse
campo, que tem sido marcado por momentos teóricos distintos, alguns descentramentos, como,
por exemplo, as formas pelas quais compreendemos o que é o sujeito, bem como o
questionamento da concepção que temos de conhecimento, ou seja,
ao assumirmos que as práticas culturais, onde se inscrevem as práticas
psicológicas, constituem os sujeitos, estes o se reduzem mais a uma unidade
possuidora de um núcleo, situada fora do social e do político. Desse modo,
podemos interrogar que sujeitos têm sido forjados pelos discursos das disciplinas
psicológicas, que efeitos estes têm produzido nos modos de subjetivação no
contemporâneo e a que compromissos têm-se vinculado (HÜNING E
GUARESCHI, 2005, p. 112-113).
Para essas autoras, a aproximação com o pensamento foucaultiano é capaz de produzir um
certo “mal-estar em relação ao que se faz e as interrogações na busca por outros fazeres no
59
campo da Psicologia [...] para problemarizarmos [...] as práticas psicológicas como tecnologias
que produzem um certo tipo de sujeito” (p. 112), bem como colocar nessa arena de luta as
“próprias análises foucaultianas realizadas no campo da Psicologia, interrogando sobre seus
potenciais e limitações na reinvenção de outras práticas psi (p. 114). Interessa-nos aqui saber
que “a Ciência Psicológica não tem uma essência” (p. 121), pois é na constituição de
determinados regimes de verdade que, por sua vez, passam a produzir determinados modos de
subjetivação, que os sujeitos são forjados e construídos num determinado momento histórico. De
acordo com as autoras, é desse ponto que se poderia pensar em alguns deslocamentos no campo
das práticas psi
porém, para tanto, a psicologia não pode ser compreendida meramente como uma
disciplina teórica, mas como implicada com uma série de modos de pensar e agir,
de práticas, cnicas, formas de cálculo, rotinas e procedimentos. Todos estes
aspectos relacionam-se com a produção de regimes de verdade, compondo
aparatos de governo que, entre outras questões, respondem à satisfação de
demandas como ordem social, harmonia, tranqüilidade e bem-estar (ROSE apud
HÜNING E GUARESCHI, 2005, p. 121).
Aqui interessa pensar o sentido pelo qual tomamos a expressão práticas psi, ou seja, como
“práticas discursivas que, extrapolando o campo disciplinar da psicologia (científico, teórico,
técnico, instrumental, metodológico, etc.) estão voltadas ao gerenciamento da subjetividade,
capilarizando-se nas mais diversas práticas sociais” (HÜNING E GUARESCHI, 2005, p.121).
As autoras dizem que isso se dessa forma porque a Psicologia parece ter assumido, a
partir do século XIX, uma determinada “unidade pedagógica e institucional e estabeleceu uma
série de ligações com outros discursos, como a criminologia, a filosofia política, a estatística, a
pedagogia, a medicina e a psiquiatria, promovendo e participando de novos tipos de reflexão
sobre as pessoas e seus mundos” (ROSE apud HÜNING E GUARESCHI, 2005, p.121). Dessa
maneira, podemos pensar que foi também a Psicologia que engendrou certas posições de sujeito,
ofertando-nos determinados conceitos, regras e categorias pelas quais conseguimos nos descrever
e nos compreender como sujeitos.
Interessa trazer, ainda, para esta proposta a lembrança que fazem Hüning e Guareschi
(2005) de que propor articulações da Psicologia com o pensamento foucaultiano “está longe de
60
significar tomar a produção deste autor como um referencial teórico para as ciências
psicológicas” (p. 122). Para essas autoras,
o que ele [Foucault] nos tem indicado, acima de tudo, é uma forma de olhar e
interrogar as práticas legitimadas pelo discurso psicológico, questionar “como
funcionam” estas práticas e as condições de emergência e legitimação de tais
saberes [...] talvez uma das principais contribuições foucaultianas para a
Psicologia seja justamente a crise que este pensamento pode instaurar nesta
disciplina (idem, p. 122).
Então, pensar com Foucault a crise das disciplinas no campo da saúde, o que engloba a
Psicologia, seus saberes e regimes de verdade, não coloca em xeque apenas seus limites e
incertezas no campo do conhecimento. Coloca em xeque o próprio conhecimento ou, ainda, a
forma de conhecer, a norma requerida para sujeito-objeto – “interroga as relações entre as
estruturas econômicas e políticas de nossa sociedade e o conhecimento, não em seus conteúdos
falsos ou verdadeiros, mas em suas funções de poder-saber” (FOUCAULT apud HÜNING E
GUARESCHI, 2005, p. 122).
As autoras dizem que “evidenciar as implicações políticas do discurso psi, questionar suas
funções de poder-saber, resulta em rupturas ontológicas epistemológicas com o modelo da
Psicologia tradicional” (p. 123). Para elas, “entre outros efeitos, [isto] irá comprometer a
psicologia com a produção das normas que descrevem normais e anormais (classificação que está
na base de sustação da Ciência Psicológica) e com a produção dos sujeitos que tradicionalmente
ela afirma apenas ‘tratar’(p. 123). Desacomodar a Psicologia talvez seja assumir que existe um
poder que institui determinadas verdades, produzindo realidade. Prestando-se de seu caráter
científico, a Psicologia pretende solucionar ou minimamente explicar as “desordens do mundo”
(idem, p. 123). Desacomodar a Psicologia envolve, finalmente, recusar a neutralidade do
interventor e a essencialidade disso que chamamos realidade” (idem, p. 123, grifo meu).
E é seguindo esse caminho (ou descaminho?!) desenhado pelas autoras que foram nos
acompanhando durante esta escrita (juntamente com Foucault) que poderíamos falar de uma
ciência que possui outras ferramentas e que pode lançar um olhar para si mesma e se repensar
“não mais como uma instância que estaria acima do mundo das pessoas comuns, que olha para
este para explicá-lo do alto de seu conhecimento e principalmente imparcialidade. Trataria de
reconhecer os saberes que produz e opera como práticas culturais políticas” (HÜNING E
61
GUARESCHI, 2005, p. 123). Nas propostas de Foucault e Deleuze, “[...] a teoria não expressará,
não traduzirá, não aplicará uma prática: ela é uma prática [...] local regional [...] não totalizadora”
(idem, p. 123).
Desacomodar a Psicologia talvez seja, a partir desse olhar-outro, que recusa a necessidade
metafísica da dicotomia entre teoria e prática, abrir um leque de possibilidades, de invenções e
intervenções-outras que não necessariamente precisam estar coladas naquilo que já se fez e
parece que se sabe. Seria possível, então, pensar a Psicologia como um campo aberto a outros
encontros, a outras produções de conhecimento, a outras concepções de sujeito-objeto, a outras
formas de lutas, embates e ações entre sujeitos, instituições e o mundo?
62
CAPÍTULO II
PSICOLOGIA E DOCÊNCIA
UMA DENTRE TANTAS TRAJETÓRIAS POSSÍVEIS
No capítulo anterior, procurei situar o leitor a respeito dos processos e marcas pelas quais
fui sendo forjada como psicóloga, bem como pensar e, de certa forma, problematizar de que
modo uma determinada Psicologia, suas verdades e seus desdobramentos produziram
determinados fazeres psi. Revisitei experiências para (re)virar as marcas e as dificuldades com
que, por vezes, tenho me deparado no campo de articulação entre a Psicologia e a Educação,
marcas que movem também esta dissertação.
Neste capítulo, a partir de um olhar histórico, procuro mostrar elementos do processo de
articulação da Psicologia, como disciplina, com os programas e propostas de Ensino do Grau e
do Ensino Médio. Ao tomar essa questão, ou seja, como vem se dando a “entradada Psicologia
no Ensino Médio, volto meu olhar, num primeiro momento, para o passado, para conhecer,
pensar e discutir como foi acontecendo tal processo. Para tanto, apresento uma revisão
bibliográfica, marcando questões que envolvem os campos nos quais estou desenvolvendo este
ensaio dissertativo.
Nesta caminhada particularmente nos itens 2.1 e 2.2 –, procuro mapear as histórias, as
tramas e os desdobramentos da Psicologia no cenário educacional brasileiro, bem como alguns
apontamentos relacionados ao contexto mais geral da Educação. Trago, no item 2.3, aspectos
relevantes no que diz respeito aos processos pelos quais a Psicologia habita as propostas
curriculares e a forma como o faz no espaço escolar da sala de aula, mais especificamente, no
Ensino Médio, problematizando, de maneira sucinta, a partir de um excerto dos Parâmetros
63
Curriculares Nacionais, o pensamento desse fazer. Discuto também minhas experiências como
aluna do Curso de Licenciatura em Psicologia. Coloco em pauta alguns trabalhos realizados nessa
trajetória que foram abrindo questionamentos quanto a um futuro fazer docente no campo do
Ensino Médio. No quarto e último item (2.4), busco, por meio de minha experiência docente,
problematizar meu fazer e trazer outras formas possíveis de realizar uma produção inventiva e
interesseira na interlocução da Psicologia com a Educação. Faço isso por entender que essas
“fases” de meu processo foram constituindo um desejar outro lugar para o fazer psi em sala de
aula, quando este, porventura, estiver por lá.
2.1 O que quer a Psicologia no Ensino Médio?
Em março de 1994, a professora Rosângela Soares, ao assumir as disciplinas da
Licenciatura em Psicologia na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, ouviu a professora que a antecedia comentar que o curso de Licenciatura “era um espaço
onde praticamente tudo estava por ser feito”. Para as alunas, segundo esta professora, aquele não
seria um curso prioritário, “já que, em primeiro lugar, está a profissão de psicólogo, e ser
professor de Psicologia é secundário” (SOARES, 1996, p. 63).
Passo a relatar, neste momento, algumas das ações
40
empreendidas no decorrer dos anos
de 1994 e 1995 pelos Departamentos de Ensino e Currículo e de Psicologia dessa Universidade.
Esses departamentos estiveram empenhados em pensar e discutir questões relacionadas: a) à
formação de professores psicólogos para atuarem no ensino de Psicologia do Grau; b) à
dicotomia existente entre o Curso de Formação de Psicólogos e o Curso de Licenciatura em
Psicologia; c) ao fomento e construção de conhecimentos, tão escassos no campo da
Licenciatura, em particular
41
; e d) à realização de um levantamento das problemáticas da
Psicologia no 2º Grau
42
. Além dessas questões, havia ainda o desejo de aproximar a universidade
da escola.
40
As informações que seguem foram pesquisadas nos Cadernos de Licenciatura em Psicologia, da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Pró-Reitoria de Extensão, FACED/IFCH, I Jornada de Integração Universidade-
Escola, V.I, Nº I, 1995.
41
Na área da Licenciatura em Psicologia, uma nítida raridade de material bibliográfico, o que dificulta a pesquisa
e, ao mesmo tempo, torna imperativo o desenvolvimento de pesquisas nesse terreno.
42
Nesse recorte habitado pelo ensino de Psicologia no Grau, ocorre a mesma falta de material bibliográfico, bem
como uma quase inexistência de pesquisas. Essas questões serão tomadas como um analisador da pesquisa que estou
articulando nesta proposta.
64
Assim, no mês de julho do ano de 1994, houve a organização do Encontro de
Professores de Psicologia do Grau. Esse evento reuniu professores de Psicologia das redes
públicas e particulares, bem como alunos e professores do Curso de Licenciatura em Psicologia.
Tanto o planejamento quanto a execução do encontro ficaram a cargo dos alunos das disciplinas
ministradas pelas professoras Rosângela Soares e Cleci Maraschin, vinculadas, respectivamente,
ao Departamento de Ensino e Currículo e ao Departamento de Psicologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
Logo após o encontro, com o intuito de concretizar suas decisões, organizou-se, com o
envolvimento dos mesmos departamentos citados anteriormente, o cleo de Ensino e Pesquisa
da Licenciatura em Psicologia. Por intermédio da proposta intitulada Psicologia e docência,
que papo é esse?, o Núcleo tinha como objetivos organizar um banco de dados sobre a realidade
do ensino de Psicologia no Grau, criar oficinas temáticas e constituir grupos de discussão
sobre o currículo de Psicologia nas escolas. No próximo movimento, procurarei trazer ao leitor
as discussões que foram travadas durante aqueles dois anos de trabalho, a partir das quais
puderam ser concretizados os Cadernos de Licenciatura em Psicologia.
É necessário esclarecer também que, se, por um lado, não pretensão de aprofundar a
discussão sobre a formação de professores no curso de Licenciatura em Psicologia, por outro,
creio ser relevante situar o leitor a respeito do panorama geral desse quadro. Isso porque as
questões que envolvem a Licenciatura, ou seja, a formação de professores, estão intimamente
conectadas com os desdobramentos que a Psicologia, como disciplina, tem sofrido no Ensino
Médio.
Conforme Rosângela Soares (1995), “a Psicologia como disciplina de ensino de Grau
remete às escolas normais e ao movimento conhecido como Escola Nova” (p. 10). A inserção da
Psicologia como disciplina nesses cursos de formação de professores deu-se “em função de a
Psicologia se tornar normativa, de ser colocada pelos educadores como apoio técnico à Educação”
(idem, p. 10).
Na década de 1920, de acordo com a autora (1995), o movimento empreendido pela
Escola Nova, com uma nova concepção pedagógica, ganhou fôlego por meio de várias reformas
educativas que se realizaram no Brasil. O texto da Reforma Francisco Campos (Minas Gerais), ao
65
justificar a introdução da Psicologia como disciplina do curso normal, é, segundo Patto (apud
SOARES, 1995), um exemplo que esclarece a relação estabelecida entre a Psicologia e o
movimento-escolanovista. O texto referia que:
Não se compreende, com efeito, que psicologia educacional, cuja influência se
deve a modificação do curriculum escolar, bem como a renovação dos métodos de
ensino, deixe de constituir matéria de estudo nas escolas destinadas à preparação
de professores [...]. Se os psicólogos baixaram sobre as escolas, chamando à lição
os professores, se os métodos e técnicas de ensino começam a prestar contas à
biologia e à psicologia, como sem erro de ofício, não ensinar aos futuros
professores a linguagem em que eles têm de se entender com seus mestres?
(CAMPOS apud SOARES, 1995, p. 10).
É no momento em que a Psicologia se torna uma referência às propostas da Pedagogia
Nova que ela passa a adquirir um status de disciplina de ensino. Para Soares (1995), o ensino
normal não poderia “se furtar dos conhecimentos psicológicos, que este movimento se apóia
também na Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento para justificar o método ativo que
propunha e o caráter científico que deveria ter a ação pedagógica” (p. 10). O caráter científico
parece ficar claro no texto de Lourenço Filho quando este educador escolanovista faz referência à
Psicologia na Pedagogia tradicional e às mudanças ocorridas posteriormente:
A escola tradicional possuía, sem dúvida, a sua Psicologia, ou um corpo de noções
acerca das capacidades e virtualidades do educando e, em consequência, dos
modos pelos quais a educação pudesse ser analisada. Os trabalhos de renovação
nos últimos tempos, em tudo quanto diga respeito ao ensino e aprendizagem, não
têm significado senão o esforço de aperfeiçoar essas velhas noções e esquemas
explicativos, por outros de maior exatidão e eficácia (apud SOARES, 1995, p.
10).
Ao analisar a relação que constitui a aproximação da Psicologia com a Educação, mais
especificamente da Psicologia com a Escola Nova, Maria Helena Souza Patto (apud SOARES,
1995) aponta dois momentos nesse movimento. Primeiramente, a Pedagogia Nova situou “as
dificuldades do ensino nos métodos e não no aprendiz(p. 10). Entretanto, na medida em que os
educadores escolanovistas passam a enfatizar que “a educação deveria ser adaptada às diferenças,
a Psicologia se constitui como ciência experimental e diferencial” (idem, p. 10). A partir disso, o
movimento escolanovista constrói “uma pedagogia que enfatizava a importância das diferentes
potencialidades dos educandos e a necessidade de avaliar estas potencialidades” (idem, p. 10).
66
De acordo com Patto, o primeiro momento, quando as dificuldades estavam centradas nos
métodos de ensino, foi dominante no Brasil durante as três primeiras décadas do século XX.
Naquele período, a Psicologia não possuía objetivos de classificação ou intervenção e funcionava
apenas em laboratórios – apêndices de escolas normais. Foi somente “a partir da década de 30 que
a Psicologia, como classificação e intervenção, passa a fazer parte do cenário brasileiro e do
cenário educacional” (idem, p. 10). Partindo dessa análise, Patto afirma que a Psicologia produziu
distorções nas propostas escolanovistas, apontando para as seguintes consequências:
De um lado, enfraqueceu a idéia revolucionária e enriquecedora de levar em
conta, no planejamento educacional, as especificidades do processo de
desenvolvimento infantil ao aprimoramento do processo de ensino, substituindo-a
pela ênfase nos procedimentos psicométricos, freqüentemente visados e
estigmatizadores, que deslocavam a atenção dos determinantes propriamente
escolares de fracassso escolar para o aprendiz e suas supostas deficiências; de
outro, propiciou uma apropriação do ideário escolanovista no que ele tinha de
mais técnico, em detrimento da dimensão da luta política pela ampliação da rede
de ensino fundamental e por sua democratização que o movimento também
continha (apud SOARES, 1995, p. 11).
Sabemos o quanto o movimento da Escola Nova é dinâmico e complexo; nesse sentido,
minha intenção não é discuti-lo de forma ampla neste texto. O que interessa aqui é buscar o que
esse movimento produziu em relação às questões e aos processos que envolvem, neste momento
histórico, um certo prestígio da Psicologia, sua relação com a educação, enfatizando a
psicologização que passa a operar na educação, bem como sua inserção como disciplina escolar.
Para Soares (1995), “esse ideário, essa valorização da Psicologia, que circulava no
pensamento educacional não nos diz, ao nível da prática educacional, se as escolas se
apropriavam dessas idéias, ou melhor, como foi tal apropriação” (p. 11), uma vez que,
“dependendo de quem são os professores, qual a sua formação, qual a filosofia da escola, qual a
demanda dos alunos, todos os conhecimentos sofrem alterações na prática de sala de aula” (idem,
p. 11). A autora pretende, com isso, problematizar “o que ocorre quando um conhecimento se
torna conhecimento escolar” (idem, p. 11), bem como pensar sobre a diferença que existe “entre o
que é pretendido e o que é ensinado – o currículo teórico e o currículo prático” (idem, p. 11).
67
2.2 Um pouco de história sobre as propostas de ensino de Psicologia no 2º Grau e seu
contexto no cenário da política educacional brasileira
Na tentativa de dar continuidade à abordagem histórica, trago as colocações feitas pela
professora Diana de Carvalho (1995) durante sua fala no Encontro de Professores de Psicologia
do Grau, citado anteriormente. As questões que serão colocadas logo abaixo têm como intuito
visualizar um pouco mais as propostas de ensino de Psicologia no Grau que foram sendo feitas
pela categoria dos psicólogos a partir da década de 60. Um outro ponto tratado pela professora diz
respeito ao cenário da política educacional que é implantado no país nas décadas de 70 e 80, ou
seja, no período dos governos militares, e ao significado das diferentes legislações que se
sucederam naquele período. Penso que essas abordagens não têm a intenção de ser exaustivas,
mas pretendem focalizar a forma como a Psicologia, como disciplina, é inserida no currículo
escolar.
Carvalho (1995)
43
aponta que a mudança de ótica da lei 5692/71, que tinha como
proposta uma profissionalização obrigatória para os cursos de Grau, para a lei 7044/82, que
defendia a “preparação para o trabalho” (p. 8), teria sido um momento bastante rico para ser
analisado o que parece não ter ocorrido. De acordo com a autora, o texto da lei 7044/82 tinha
como objetivo, no programa do grau, introduzir gradativamente o aluno no mundo no trabalho
para a “formação de hábitos e atitudes” (p. 8). Conforme Acácia Kuenzer (apud CARVALHO,
1995), essa nova proposta apenas reedita a concepção vigente antes de 1971, antes da 5692/71,
e referenda mais uma vez o compromisso da escola com a classe dominante propedêutica” (p.8).
Para Carvalho, com a lei 5692/71 e sem a revogação dos pareceres complementares, o que
encontramos é “a coexistência de todas as opções possíveis no 2° grau, desde a escola de
formação geral até a formação profissional no nível técnico, passando por todas as formas
intermediárias e cabendo a cada escola a sua opção” (idem, p.8).
Ainda segundo a autora,
a indefinição política do 2° grau é a marca dos últimos anos. O 1° grau tem um fim
claro que é a educação fundamental, o grau tem como objetivo determinado a
profissionalização e o grau se constitui num nível intermediário sem identidade
definida. O fato da lei 7044/82 atribuir aos Conselhos Estaduais de Educação a
43
Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Santa Catarina.
68
definição das normas e do funcionamento do que seria a preparação para o
trabalho, bem como a proposição da parte diversificada do currículo, permitiu às
escolas proporem quais as disciplinas a serem trabalhadas e de que maneira. É
justamente por tais brechas que as disciplinas das áreas humanísticas, tais como
Psicologia, Sociologia e Filosofia, voltaram ao currículo de 2° grau (1995, p. 8).
Depois dessa rápida retrospectiva histórica da legislação do ensino do grau, Carvalho
(1995) sugere a importância de “recuperarmos o clima presente nas últimas décadas com relação
à categoria dos psicólogos, pois estes irão dar um tom às propostas que surgem nos diversos
estados sobre o ensino de Psicologia no 2º grau” (p. 8).
De acordo com a autora, identificam-se
os anos 60 como início da regulamentação da profissão no país e a implantação
dos cursos de graduação em diversas instituições. No cenário nacional tivemos o
início dos governos militares e as consequências do golpe para a sociedade civil,
tais como: fechamento do Congresso, cassação dos direitos políticos de vários
brasileiros, censura e repressão a diversas formas de expressão e o sonho do
“Milagre Brasileiro”. A Reforma Universitária, gestada neste período e implantada
na década seguinte, trouxe mudanças ao quadro do ensino superior no país com a
acelerada expansão dos cursos de graduação em instituições de ensino isoladas e
particulares, cuja preocupação central era com o comportamento do mercado
(1995, p. 8).
Os cursos de Psicologia teriam sido procurados por uma população basicamente feminina.
Isso parece ter se tornado um “bom negócio” no momento em que crescia a participação da
mulher no mercado de trabalho e nas universidades. No caso do Rio Grande do Sul, há a
repetição de tal quadro, pois, dos oito cursos de Psicologia existentes no Estado, apenas um
pertencia a uma universidade pública. O curso de Psicologia da UFRGS, iniciado em 1973, foi
um dos primeiros cursos implantados depois da Reforma Universitária de 68 e, desde 1974,
segundo a autora, tem sido o curso mais procurado, tendo a maior relação candidato/vaga e
chegando ao índice de 40 candidatos por vaga nos últimos anos. Esse contexto, que se expressa
na busca por uma carreira profissional, reflete uma forma de ver o indivíduo e a sociedade
(CARVALHO, 1995).
Cecília Coimbra, em sua tese de doutorado, que tem como tema a construção da
identidade da classe média do país nas décadas de 60/70 e 80, aponta aspectos que ajudam a
compreender o que acontecia naquele momento. Segundo Coimbra, o discurso psicologizante foi
a característica das classes médias urbanas nos anos 70. Aquele teria sido o momento em que
69
ocorreu o grande boom das diversas terapias psicológicas. Ao observarmos o mercado
editorial, percebemos o aparecimento de muitas revistas que discutiam assuntos psicológicos
44
.
Para a autora, o que passou a se dar naquele momento foi um “esvaziamento do espaço público e
uma super-valorização do espaço privado, onde o sujeito psicológico passou a ser a medida de
todas as coisas. A classe média era a grande consumidora das ‘práticas psi’ e responsável,
inclusive, pela expansão deste mercado” (apud CARVALHO, 1995, p. 8).
Já os anos 80 teriam se caracterizado por um empobrecimento da classe média, que passou
a ver com certa crítica o modelo econômico adotado pelos governos militares e o sonho do
“Milagre Brasileiro”. A recessão atingiu também os profissionais liberais que saíam dos cursos de
Psicologia. O momento da sociedade civil era de crítica também às questões políticas, culminando
no “Movimento pelas Diretas Já” e na busca por maior participação política em todos os níveis.
Analisando as publicações do Conselho de Psicologia, mais especificamente a Revista Psicologia,
Ciência e Profissão, percebemos que houve uma modificação na linha editorial da Revista em
1984, o que parece sinalizar um novo modo de compreender o papel e a inserção das associações
profissionais, ou seja, a de contextualizar a Psicologia com a realidade socio-econômico-política
do país. Do início da Revista, em 1979, até 1984, surgiram artigos analisando o papel dos
sindicatos para a categoria, a política de saúde mental no país e o relato de várias experiências de
trabalho comunitários, entre outros temas (CARVALHO, 1995).
Seria especificamente a partir de 1986 que teriam surgido as propostas para o ensino de
Psicologia no Grau nos Estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, as quais teriam em
comum os seguintes objetivos: promover a participação do aluno, formar um aluno crítico e
construir cidadania.
Estes três estados tiveram governos eleitos dentro da perspectiva a “Nova
República” na cada de 80 e o discurso político apresentado incorporava tais
valores, o estado de São Paulo foi o primeiro que apresentou uma proposta para o
ensino da Psicologia no II grau, resultado da discussão entre técnicos da Secretaria
Estadual de Educação, professores, Conselho Regional de Psicologia e Sindicato
dos Psicólogos (CARVALHO, 1995, p. 9).
O texto da Proposta demonstrava, de acordo com a autora, uma preocupação no sentido de
44
“Tais como a Revista Pais e Filhos e aquelas dirigidas especialmente ao público feminino, como a Revista Cláudia
e Nova(COIMBRA apud CARVALHO, 1995, p. 8).
70
que o grau tivesse como objetivo a formação de um homem crítico e participante, ao mesmo
tempo em que procurava uma visão integrada de homem e de mundo, na medida em que possuía
em sua proposta conteúdos que ajudavam o jovem a compreender a realidade em que vivia, como
alienação, violência, etc. Esse objetivo parecia, para a autora, justificar “a inclusão das
disciplinas da área humanística no 2º grau” (1995, p. 9); entretanto, caberia levantar uma questão:
somente a inclusão destas disciplinas não garante que os objetivos sejam
alcançados. A oportunidade para a reflexão e a crítica inclui uma tarefa muito mais
complexa, que é a reorganização da escola de e graus. Não adianta apenas
colocar disciplinas humanísticas, sem a articulação efetiva entre os graus de ensino
(idem, p. 9).
No caso do Paraná e de Santa Catarina, a autora segue pontuando que as propostas
surgiram dentro da reformulação curricular oficial dos cursos de Magistério e com uma linha
teórico-metodológica definida. Segundo ela, nesse sentido, a perspectiva sociohistórica via o
sujeito psicológico de forma contextualizada e historicizada. No que se refere ao conteúdo,
abordava as escolas psicológicas, havendo também uma preocupação em historicizar essas
escolas, mostrando que elas eram o resultado de um momento histórico do pensamento dentro da
Psicologia.
Com relação à Psicologia voltada para a formação do educador, Carvalho (1995) refere
que a ênfase acabou recaindo na relação desenvolvimento e aprendizagem e que, a partir do
referencial teórico-metodológico citado acima, teriam sido apontados alguns caminhos, tais como:
“atividades práticas desde o início do curso para propiciar uma articulação entre teoria e prática;
diversificação das técnicas de ensino; a avaliação encarada como um diagnóstico e aprendizagem
e não apenas como verificação de conhecimento”(p. 9).
Todavia, o que se percebe no cotidiano das escolas é que
a proposta curricular que está coerente, consistente e bem elaborada no papel não
chega à sala de aula. Os cursos de formação em serviço para implantação da
proposta são calcados na teoria, mas não fazem o caminho que a teoria aponta, ou
seja, não privilegiam a discussão de sua própria prática para então chegar a uma
nova elaboração teórica. Na verdade, os professores ouvem falar de teorias e
autores, mas entre ouvir falar e conseguir operacionalizar os conceitos no seu fazer
cotidiano há um longo caminho a percorrer (idem, p. 9).
71
Nesse ponto, Carvalho (1995) alertava para uma questão que percebia como atual, urgente
e fundamental, ou seja, que os cursos de Psicologia se preocupassem mais com a sua Licenciatura
e com a contribuição que poderia ser dada à formação dos professores nos diversos cursos de
Licenciatura
45
.
No ano de 1994, a professora Rosângela Soares
46
, juntamente com suas alunas, realizou
uma pesquisa
47
com os objetivos de iniciar um mapeamento da realidade do ensino de Psicologia
nas escolas de Grau, na cidade de Porto Alegre, e de pensar a prática pedagógica dos
licenciandos em Psicologia, para caracterizar a disciplina nos cursos de grau. Como ponto de
partida, levou-se em consideração a promulgação da Lei 7044/82, texto que comporta a proposta
de que a disciplina de Psicologia fizesse parte do currículo das escolas de grau. Essa lei, que,
na época, retirou das escolas a profissionalização obrigatória, voltava-se para uma formação
integral do aluno, tendo como proposta prepará-lo para o exercício de uma cidadania consciente e
participativa. No entanto, a inserção da disciplina de Psicologia vinha ocorrendo de forma lenta e
gradual.
Soares (1995), a partir da pesquisa em questão, levantou alguns dados importantes para
pensarmos o movimento da disciplina de Psicologia nas escolas. Tais dados referem que os
objetivos
48
e os conteúdos desenvolvidos na disciplina de Psicologia diferem de uma escola para
outra. Isso denota certa flexibilidade existente nas programações curriculares relacionadas à
Psicologia, pois o que parece ocorrer é que não uma Psicologia, mas sim Psicologias. Nesse
45
Apesar da importância desse tema, a intenção desta dissertação não é abordá-lo de modo exaustivo. O que ocorrerá
é que, por vezes, o tangenciaremos de forma bastante próxima e necessária.
46
Rosângela Soares, professora do Curso de Licenciatura de Psicologia da FACED/UFRGS/RS
47
Os dados, ainda que parciais, levantados nesta pesquisa foram os seguintes: de 48 escolas estaduais, 12 ofereciam
a disciplina de Psicologia. Duas escolas municipais do 2° grau e duas federais também ofereciam a disciplina.
Quanto às escolas particulares, houve certa dificuldade na obtenção de dados. A investigação foi realizada em 22
escolas, das quais, seis ministravam essa disciplina. Com 25 escolas, não houve contato, apesar de 16 delas
possuírem a disciplina (SOARES, 1995). Para dados mais completos, ver Cadernos de Licenciatura em Psicologia,
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Pró-Reitoria de Extensão, FACED/IFCH, I Jornada de Integração
Universidade-Escola, V.I, Nº I, 1995.
48
Objetivos da disciplina de Psicologia nas escolas pesquisadas, de acordo com as alunas Chyntia Castiel Menda e
Vera Beatris Walber, foram elencados conforme o número de vezes em que apareceram. Objetivos: conhecer a
Psicologia como ciência (três vezes); despertar o senso crítico e estabelecer relação entre o indivíduo e a sociedade
(duas vezes); pensar no trabalho dos alunos e como a Psicologia poderia servir para este trabalho; desenvolver a
autonomia; conhecer a fase da adolescência; enriquecer a fase da adolescência; auxiliar no desempenho dos
diferentes papéis presentes e futuros dos alunos; compreender o desenvolvimento do indivíduo; formar o indivíduo e
o mundo em que vive; desenvolver o raciocínio; fornecer uma formação humanística; formar e informar sobre as
relações humanas no trabalho; compreender o próprio desenvolvimento; desenvolver o método de Ver-Julgar-Agir;
esperar dos alunos uma participação mais efetiva no ambiente; "tapa-furo", serve para dar um colo e trabalhar o
vínculo (uma vez). Cf. Cadernos de Licenciatura em Psicologia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Pró-Reitoria de Extensão, FACED/IFCH, I Jornada de Integração Universidade-Escola, V.I, Nº I, 1995.
72
sentido, operar uma seleção com tantas possibilidades não parece ser uma tarefa simples, ao
mesmo tempo em que os conteúdos conservados são continuamente reinterpretados. Isso leva a
crer que, na medida em que se seleciona no interior de um universo tão amplo de possibilidades,
há uma seleção que é arbitrária e resultado de implicações sociais e políticas. A pesquisa apontou,
ainda, de acordo com algumas professoras, que a solicitação dos alunos por conteúdos da
disciplina era por temas da vida cotidiana, que dissessem respeito a eles, ao saber prático. Por
último, vale ressaltar que a disciplina de Psicologia, nas escolas de Porto Alegre, tem, no máximo,
duas horas semanais em apenas uma das séries do 2° grau.
A pesquisa, para Soares (1995), trouxe diversos questionamentos, tais como:
É possível ter um conteúdo homogêneo com tantas realidades diferentes? Em caso
negativo, não estaríamos reforçando e legitimando a dualidade do ensino? Esta
seleção de diferentes conteúdos para escolas diferentes não poderia estar
traduzindo as nossas percepções diferenciadas para classes sociais diferentes?
Aluno do diurno/aluno notumo - Ensino que prepara para o vestibular/ensino que
prepara para a mão-de-obra? (p. 12).
A autora faz uma ressalva no que se refere à demanda colocada pelos alunos no sentido de
que os professores deveriam abordar temas cotidianos nas aulas de Psicologia, referindo que “o
ensino deva ter um significado para o aluno, sendo que o mesmo deve sentir-se incluído” (idem,
p. 12). Contudo, ressalta que “a abordagem da vida cotidiana, ou melhor, a apreensão científica da
vida cotidiana tem sido, segundo Gabbi Jr., um desejo dos psicólogos. E isso encontra ressonância
no social, dada a frequência com que os psicólogos estão presentes nos meios de comunicação”
(idem, p. 12).
A crítica empreendida por Gabbi Jr. (apud SOARES, 1995) dá-se em relação ao caráter
ahistórico em que o homem é lançado quando da “simples” abordagem da vida cotidiana. Desse
modo, Soares questiona: “como incluir a demanda dos alunos e trabalhar no sentido de superar
uma perspectiva naturalizante, individualista e do senso comum?” (p. 12). Outras questões
suscitadas por essa pesquisa e colocadas por Soares tiveram relação com a carga horária
extremamente reduzida e delimitada para a disciplina. Com o cenário apresentado, a autora
questiona como elaborar um programa. Deveria este ser um programa de abordagem panorâmica
ou um programa em que se procuraria aprofundar determinados conteúdos? O trabalho seria feito
com temáticas ou teorias?
73
Este item suscita a idéia da constituição/construção da Psicologia como disciplina no
currículo do Grau e do Ensino Médio, o lugar que tem sido habitado por ela e as dificuldades
encontradas nessa trajetória. Aparece, ainda, uma desvalorização por parte dos psicólogos e
psicólogas em relação ao nossso exercício docente relacionado ao Curso de Licenciatura em
Psicologia, que teria como objetivo habilitar profissionais do campo psi para exercício da
docência no campo de interlocução com a Educação, particularmente no vel de ensino em
questão, ou seja, no Ensino Médio.
Houve aqui uma tentativa de realizar um levantamento de questões e problematizações
importantes apontadas por Rosângela Soares, dentre outras professoras, profissionais, alunas e
alunos envolvidos com as interlocuções e os fazeres da Psicologia e da Educação. Este item
também teve como intuito fazer apontamentos no que concerne às preocupações em relação à
docência psi e pensar, talvez, outros rumos e caminhos possíveis de atuação nessa área junto a
nós, professores e professoras, nossos alunos e alunas e a comunidade acadêmica.
2.3 O que quer a Psicologia na sala de aula do Ensino Médio?
Sinto necessário trazer para este item o texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais do
Ensino Médio
49
, no qual a Psicologia se encontra inserida. Faço isso por entender que tal texto
descreve e traz proposições a respeito da forma como essa disciplina deve integrar o currículo
desse nível de ensino.
A Psicologia, cujo desenvolvimento histórico alcançou grande significação no
século XX, construiu um conhecimento sistematizado, a partir de conceitos e
procedimentos, que vem tendo um impacto significativo sobre o pensamento
contemporâneo, articulando-se com a Semiologia, a Linguística, a Antropologia, a
Sociologia, a História, a Medicina e a Educação. A produção de seu conhecimento
contribui para a compreensão dos processos humanos envolvidos no
desenvolvimento cognitivo e afetivo, na aquisição da linguagem, na
aprendizagem, na interação social e na constituição da identidade.
49
Texto retirado do site do MEC, http://portal.mec.gov.br, encontrando-se, na íntegra, no Anexo A, em documento
PDF, tendo como título: MEC Ciências Humanas no Ensino Médio. Esta busca foi realizada no dia 11 de Abril de
2006. Outros dois anexos, que referem questões relacionadas ao Ensino Médio e sua Legislação, também fazem parte
desta discussão. Apesar de não haver possibilidade de aprofundar estas questões neste ensaio dissertativo, trago estes
textos no sentido de ampliar o entendimento dos processos que fizeram parte da estruturação do Ensino Médio. Site
do MEC Anexo B, http://portal.mec.gov.br-seb-arquivos-pdf-blegais.pdf, e Anexo C, http://portal.mec.gov.br-seb-
arquivos-pdf-CienciasHumanas.pdf. Busca realizada em 14 de Abril de 2006.
74
No Ensino Médio, além da compreensão dos aspectos acima mencionados, cabe
desenvolver conhecimentos que expliquem os processos por meio dos quais o
indivíduo constrói sua identidade no convívio social, subentendendo-se o emergir
da consciência e a compreensão dos mecanismos subjacentes às diferentes formas
de conduta.
Na construção da identidade dos jovens estudantes, conhecimentos de Psicologia,
questionando o senso comum, podem contribuir para uma reflexão e melhor
compreensão de sua inserção no mundo, relativizando um suposto caráter
ahistórico e único da adolescência, desconstruindo um certo determinismo em
relação a papéis sociais a serem desempenhados, frente à escola, ao trabalho, à
sexualidade, à autoridade, à relação familiar e aos grupos com que interagem. As
diversas pressões sociais exercidas sobre os jovens acabam por gerar inseguranças
e desequilíbrios.
Assim sendo, tais conhecimentos podem contribuir para a constituição de
personalidades, referidas a valores estéticos, políticos e éticos, que assegurem a
sensibilidade para a diversidade, o respeito à alteridade, a autonomia e a
construção das competências requeridas para atuar com segurança na vida adulta.
Uma reflexão sobre os rumos para a aprendizagem na área implica lembrar mais
uma vez o seu papel numa organização curricular de caráter interdisciplinar,
aproximando os diferentes referenciais teóricos e metodológicos dos
conhecimentos que a compõem, tendo em mira uma visão integrada do fenômeno
humano. Nesse sentido, as sociedades e culturas devem ser compreendidas a partir
das implicações de ordem histórica, geográfica, sociológica, antropológica,
política, econômica, psicológica e filosófica, em projetos e atividades de estudo
que superem a fragmentação em olhares distanciados.
Como campo por excelência das contextualizações, os conhecimentos da área
devem igualmente propiciar a integração dos conhecimentos organizados nas
outras áreas, na medida em que permitem referi-los à sociedade e à cultura. Além
disso, é através dessa contextualização que se desenvolvem os valores e atitudes
necessários à significação das linguagens, das ciências e das tecnologias. Sem os
valores e atitudes, que se constroem na articulação entre o cognitivo e o sócio-
afetivo, tais conhecimentos tornam-se mecânicos e autônomos, ficando
desprovidos de identidade e de sentido. É a identidade e o sentido dos
conhecimentos, social e culturalmente referidos, que nos permitem construir uma
ética que oriente o pensar e o agir a partir deles, ressignificando-os num projeto
histórico de caráter humanista. Essa ética, permanentemente reconstruída pelos
indivíduos e pelos grupos, não deixa nunca de se referir às construções éticas do
passado, no encontro entre a tradição e a atualização (p. 65-66).
Sem pretender tomar os Parâmetros Curriculares como normatizações a serem seguidas,
penso ser importante destacar alguns elementos sobre a maneira como a Psicologia aparece
nesses fragmentos do documento. Olhar e problematizar uma Psicologia que, como ciência, forja
um determinado conhecimento, certo saber sobre o outro, é o que pretendo na medida em que
efetuo meu trânsito pelo campo de interlocução da Psicologia com a Educação, ou seja, no
Ensino Médio.
75
Parece necessário destacar aqui o quanto, a partir da produção de um conhecimento
científico psi, há uma tentativa de entendimento dos processos humanos. Partindo de certos
pressupostos, a Psicologia, tida então como ciência, passou a ser utilizada como ponto de
referência para a compreensão de determinados processos que envolvem o desenvolvimento
afetivo e cognitivo, a aquisição da linguagem, a aprendizagem, determinadas formas de interação
social e constituição da identidade. Nesse ponto, fazer ciência, produzir conhecimento e saber
envolve não somente produzir determinados tipos de normas e padronizações, como também
determinados tipos de comportamentos e seres humanos desejáveis para habitarem um
determinado tipo de sociedade. Nesse sentido, a Psicologia parece ser colocada como um dos
saberes que teriam o poder de explicar como a identidade é constituída no convívio social, quais
os problemas que poderiam ou não ocorrer com os jovens nesta fase que se nomeia adolescência,
bem como os prejuízos que um não saber sobre poderiam provocar.
A Psicologia aparece neste excerto dos Parâmetros Curriculares que estou buscando
pensar, com um certo caráter salvacionista, pois refere ter a intenção de fazer com que os jovens
tenham as competências requeridas para atuar com segurança na vida adulta”. São pretensões
que parecem desejar apaziguar essa tentativa (que chamarei aqui de psi-cientificista-
salvacionista), na medida em que a proposta é a de que o jovem possa “questionar o senso
comum”, porém a possibilidade de questionamento servirá, como nos coloca o texto, para:
contribuir para uma reflexão e melhor compreensão de sua inserção no mundo,
relativizando um suposto caráter ahistórico e único da adolescência,
desconstruindo um certo determinismo em relação a papéis sociais a serem
desempenhados, frente à escola, ao trabalho, à sexualidade, à autoridade, à relação
familiar e aos grupos com que interagem. As diversas pressões sociais exercidas
sobre os jovens acabam por gerar inseguranças e desequilíbrios (p. 65).
Creio que a intenção do texto é dar visibilidade ao jovem, compreendendo os processos
pelos quais esse jovem vive o mundo contemporâneo e a cultura. Entretanto, parece que a
Psicologia é trazida como a ciência capaz de explicar as relações, os sentimentos e o
desenvolvimento do eu do sujeito, bem como a valorização de uma certa essência desse sujeito.
Fica a pergunta: poderia a Psicologia trabalhar/dar conta das diversas pressões sociais exercidas
sobre os jovens, as quais acabam gerando insegurança e desequilíbrios inerentes à vida? Como
pensar de forma interdisciplinar a Psicologia numa estrutura Moderna, marcada pelo
disciplinamento?
76
Rapidamente, penso ser interessante fazer referências aos processos disciplinares
50
que
forjaram as mais variadas instituições, dentre elas, a instituição escolar. As disciplinas, segundo
Foucault (1999), seriam “esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do
corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-
utilidade” (p. 118).
Sabemos, de acordo com o filósofo, que diversos processos disciplinares existiam
muito tempo: nos conventos, nos exércitos e nas oficinas também. Mas as disciplinas tornaram-
se, no decorrer dos séculos XVII e XVIII, fórmulas gerais de dominação. Diferentes da
escravidão, pois não se fundamentam numa relação de apropriação dos corpos; é até a elegância
da disciplina que dispensa essa relação cautelosa e violenta, obtendo efeitos de utilidade pelo
menos igualmente grandes. Diferentes também da domesticidade, que é uma relação de
dominação constante, global, maciça, não-analítica, ilimitada e estabelecida sob a forma de
contrato singular do patrão, seu “capricho”. Diferentes da vassalidade, que é uma relação de
submissão altamente codificada, mas longínqua e que se realiza menos sobre as operações do
corpo que sobre os produtos do trabalho e as marcas rituais da obediência (FOUCAULT, 1999).
Nas palavras de Foucault:
O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do
corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem
tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo
mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente.
Forma-se então uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma
manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus
comportamentos. O corpo humano era uma maquinaria de poder que o
esquadrinha, o desarticula e o recompõe (1999, p. 119).
Nasce aí, segundo o filósofo, uma “anatomia política” que é também igualmente uma
“mecânica do poder”; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não
simplesmente para que façam, mas para que operem como se quer com as técnicas e segundo a
rapidez e a eficácia que se determinam. A disciplina fabrica, assim, corpos submissos e
exercitados, corpos “dóceis”. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de
50
Cf. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história de violência nas prisões. 21. ed. Petrópolis: Vozes, 1999
.
77
utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra:
ela dissocia o poder do corpo; faz dele, por um lado, uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela
procura aumentar; e inverte, por outro lado, a energia, a potência que poderia resultar disso,
fazendo dela uma relação de sujeição estreita. Se a exploração econômica separa a força e o
produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre
uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada (FOUCAULT, 1999).
A respeito do regime punitivo contemporâneo, o filósofo faz o seguinte comentário:
Técnicas sempre minuciosas, muitas vezes íntimas, mas que m sua importância:
porque definem certo modo de investimento político e detalhado do corpo, uma
nova microfísica do poder; e porque não cessaram desde o século XVII, de ganhar
campos cada vez mais vastos, como se tendessem a cobrir o corpo social inteiro.
Pequenas astúcias dotadas de um grande poder de difusão, arranjos sutis, de
aparência inocente, mas profundamente suspeitos, dispositivos que obedecem a
economias inconfessáveis, ou que procuram coerções sem grandeza, são eles,
entretanto, que levaram à mutação do regime punitivo no limiar da época
contemporânea (1999, p. 120).
Depois de tecer alguns comentários sobre a questão disciplinar e o poder, na tentativa de
situar o leitor, neste momento, dou início aos contornos que me encaminharam para uma possível
docência psi. Aqui trabalho com minhas percepções, sensações e interesses a partir do que foi se
delineando durante a realização de observações, atividades, contato com os conteúdos e
programas, bem como na realização de entrevistas que se deram na arena psi, no decorrer do
Curso de Licenciatura em Psicologia. A partir disso, narro o que fui experimentando e
questionando como aluna/psicóloga durante a passagem por esse curso.
Na medida em que eu começava a traçar um caminho para uma futura docência psi
durante o Curso de Licenciatura, perguntas foram se gestando. Pensava, então, como seria meu
fazer como professora-psicóloga. Passei a questionar o que desejam esses sujeitos (alunos,
professores, estagiários...), esses atores que compõem o espaço escolar, as salas de aula da
disciplina de Psicologia; o que querem saber, como desejam saber, o que gostariam de poder
saber; quais os sofrimentos e as alegrias que esse encontro com a Psicologia produz. Ou seja: o
que significa a inserção da Psicologia nessa dinâmica escolar para esses sujeitos/atores? Em que
medida a Psicologia colocada em sala de aula afeta, tem relação (ou não) com suas vidas? O que
isso produz no cotidiano, no fazer corriqueiro de cada ser, de cada vivente?
78
Em determinados momentos, algumas atividades realizadas nas escolas de Ensino Médio
que envolveram observações e entrevistas produziram intenso desejo de pensar o que mais seria
possível e vivível nesse espaço, para além de certos endurecimentos que fui percebendo
existentes nas propostas pedagógicas da disciplina de Psicologia.
De um modo geral, podemos dizer que a Psicologia é um campo bastante vasto de
saberes, ou seja, muitas são as escolas psicológicas; sendo assim, as aplicações dos saberes
podem ser feitas das mais diversas formas. Cada escola psicológica se posicionará dentro das
propostas teóricas e práticas que pensa ser pertinentes, determinando o lugar do qual está falando,
examinando e produzindo seu objeto. Assim, quando a Psicologia entra na sala de aula do Ensino
Médio, coloca-se em cena (para mim) uma série de questões que passei a sentir necessidade de
pensar.
Nessa trajetória, fui desejando problematizar quais seriam os motivos pelos quais se
mantinha a disciplina de Psicologia presente em alguns currículos escolares, em algumas escolas
de Ensino Médio e em outras não. Interrogava-me sobre a função da disciplina de Psicologia nos
cursos de Ensino Médio, uma vez que essa disciplina não possui um caráter obrigatório.
Questionava-me qual seria o lugar que a Psicologia tem ocupado no currículo e nas práticas
escolares do Ensino Médio e de que forma essa disciplina vinha sendo ministrada nas escolas,
além de começar a pensar e problematizar os critérios para a definição dos conteúdos ministrados
nos cursos de Ensino Médio.
Mesmo quando pensamos num possível fazer psi nas salas de aula do Ensino Médio, a
partir de uma “psicologia maior”, ou seja, aquela dos bancos acadêmicos (na qual fui forjada),
que se pretende científica, normativa, prescritiva e adaptativa, que opera com um saber elitista,
majoritário; uma Psicologia que, diria, mantém um determinado status quo, que não questiona
nem problematiza o que está se dando no seu próprio fazer, penso que essa Psicologia não chega
a alcançar as salas de aula do Ensino Médio, pois a docência nesse espaço tem habitado um lugar
extremamente esvaziado pela nossa própria formação como psicólogos. Formação esta que ainda
valoriza o espaço clínico-terapêutico e organizacional como possibilidades “mais interessantes”
de um fazer psi.
Uma dentre essas tantas perguntas que foram se delineando para mim diz respeito ao
79
motivo e ao momento em que a Psicologia se interessa pelo espaço da sala de aula, não o
utilizando como espaço de criação, de invenção, de resistência, mas sim como um espaço
esvaziado, do nada, um espaço que se constitui na maioria das vezes em um nada
51
. Uma das
possíveis respostas (talvez) esteja no próprio esvaziamento do espaço docente da Psicologia
como disciplina no Ensino Médio, isto é, esse espaço fora abandonado, deixado de lado e
desprezado por nós, psicólogos e psicólogas, muito tempo... Outra questão a ser pensada seria
o quanto esse espaço do nada, ou do qualquer coisa pode ser feita, pode ter um cunho normativo
e prescritivo, como veremos a seguir nas entrevistas trazidas neste capítulo
52
. Entretanto, fica um
sentimento de que não caberia dizer que essa forma normativa e prescritiva funcione do modo
como estamos acostumados a criticar a Psicologia, operando (em certa medida) normativa e
prescritivamente dentro desse espaço esvaziado. Porém, quando a Psicologia é transposta para a
sala de aula do Ensino Médio, ela se faz diferente, de outra maneira, pois, ao chegar lá, resta
apenas um fiozinho
53
que pode até conter as características normativas, prescritivas e adaptativas,
mas funcionando de outras formas, como tentarei pensar a seguir.
Partindo desses questionamentos, foi então que passei a desejar saber de que modo os
estudantes e os professores estavam vivendo o espaço psi na sala de aula. Nesse sentido, foi se
gestando para mim uma necessidade de pensar as dificuldades vividas nesse espaço pedagógico
da Psicologia.
Na época em que realizava o curso de Licenciatura em Psicologia, minhas colegas
54
e eu
fizemos um levantamento em algumas escolas que tinham a disciplina de Psicologia. Naquela
fase, realizamos alguns trabalhos que envolveram entrevistas com alguns professores e
professoras que ministravam essa disciplina.
51
Colaboração feita pela Profª Drª Rosângela Soares, durante minha Banca Examinadora de Proposta de Dissertação,
em maio de 2006.
52
Nesses comentários de entrevistas e, logo mais adiante, com a utilização e análise do material coletado durante a
pesquisa de Mestrado, que se encontra no Capítulo 4 desta dissertação.
53
Idem à nota de rodapé 51.
54
Realizamos as entrevistas em 2002/1, nas disciplinas de Pedagogia Terapêutica e Introdução à Prática de Ensino de
Psicologia. Utilizarei algumas das entrevistas por entender que elas m a possibilidade de abrir caminhos para
pensar a disciplina de Psicologia no Ensino Médio e, assim, posteriormente, fazer uma discussão. Agradeço desde
a todas as colegas que, direta ou indiretamente, colaboraram com essa atividade, que foi realizada e compartilhada
em sala de aula nas disciplinas das quais fazíamos parte.
80
As entrevistas denotaram, de um modo geral, que, em algumas escolas
55
, a disciplina de
Psicologia fazia parte de cursos, tais como: Magistério, Auxiliar de Contabilidade, Auxiliar de
Secretariado, Auxiliar de Enfermagem, Técnico de Segurança do Trabalho, dentre outros. No
Ensino Médio, ela variava em relação ao ano em que era ministrada, dificilmente fazendo parte
de todos os três anos do curso. A carga horária da disciplina de Psicologia dependia muito da
escola onde era ministrada, tendo, em média, dois períodos de aula por semana. A formação de
professores e professoras abrangia diferentes campos em níveis de graduação, especialização e
pós-graduação. No que se refere às áreas de formação desses profissionais, encontravam-se:
Pedagogia, Filosofia, Psicologia, Sociologia e Artes Cênicas. Os conteúdos, os objetivos e a
função da disciplina de Psicologia variavam de acordo com o objetivo de cada curso.
Trago alguns comentários extraídos das entrevistas
56
sobre o papel da Psicologia com o
intuito de levantar questões em relação a essa disciplina no Ensino Médio. As entrevistas
levaram-me a pensar que a disciplina de Psicologia se encontrava no currículo do Ensino Médio
para manter minimamente um status de saber. Aqui, penso que a Psicologia seria a “psicologia
maior” em ação, ou seja, como um campo de saber capaz de possibilitar um entendimento do eu,
das relações, e de produzir certas formas de adaptações e normatizações, podendo, assim, ser
entendida como uma disciplina que povoava o programa para “adaptar socialmente, o que inclui:
preparar o aluno para a vida diária, aceitar seus limites e conviver melhor no grupo e na
sociedade; estimular a conscientização; fazer com que os estudantes tomem uma posição e se
auto-defendam; promover um auto-conhecimento, um bom relacionamento interpessoal; trabalhar
com a formação de valores, com o comportamento emocional e motivador; promover uma
autonomia intelectual ao pensamento crítico e construtivo, uma formação ética e de reflexão;
trabalhar com história de vida, com questões relativas à liberdade, à responsabilidade, a um
crescimento e conhecimento pessoal para saber lidar com suas neuroses”.
As entrevistas pontuavam a necessidade de a disciplina trabalhar temas que envolvessem
construir “uma identidade social e pessoal (viabilizando o exercício da cidadania plena); preparar
55
Algumas escolas da cidade de Porto Alegre foram visitadas e entrevistadas por mim e minhas/meus colegas do
Curso de Licenciatura em Psicologia em 2002/1. As entrevistas faziam parte das atividades das disciplinas já
referidas na nota anterior e tinham como objetivo obter um panorama da situação em que se encontrava a Psicologia
nas escolas de uma forma geral, não apenas no Ensino Médio. O recorte que faço nesta dissertação de Mestrado,
insisto novamente aqui, é para pôr em análise a disciplina de Psicologia nas escolas que a oferecem no Ensino
Médio.
56
As entrevistas completas encontram-se no Anexo D.
81
para o mercado de trabalho, dando uma orientação profissional para que o aluno faça uma boa
escolha profissional; trabalhar comportamentos, atitudes e postura profissional para o mercado de
trabalho, desenvolvendo técnicas que diminuam a ansiedade em relação à seleção para o trabalho;
trabalhar atitudes dos alunos, criar vínculos; trabalhar temas relacionados à adolescência,
sexualidade-DST/AIDS, drogas; trabalhar com as dificuldades dos alunos; contribuir na formação
como um todo”. Parece haver aqui uma estratégia para moldar e corrigir o corpo e a subjetividade
para inserir o sujeito num determinado projeto social.
De acordo com as entrevistas, a disciplina funcionava, ainda, com características de uma
Psicologia Clínica, pois servia também para “dar espaço para o jovem colocar seus problemas,
anseios e dúvidas; estabelecer um processo de reflexão e discussão sobre os temas relacionados
ao desenvolvimento e interpretar a realidade para interferir de forma cidadã na sociedade na qual
está inserido; trabalhar com questões que envolvam a família, com temas atuais e também temas
escolhidos pelos alunos; e, ainda, discutir filmes escolhidos de acordo com o tema trabalhado”.
Também parecia caber à Psicologia: diversificar o currículo e contribuir na formação como um
todo, sendo muito importante na formação do estudante do Ensino Médio”. Em algumas
entrevistas, a Psicologia “aparecia” para servir para o aluno “se sentir feliz com a escolha
profissional que fizer, se comunicar (pois falta muita comunicação), para trabalhar com as
dificuldades dos alunos e com as questões de relacionamento professor-aluno”.
Em algumas escolas, havia programas que chamarei aqui de “mais organizados”, onde os
conteúdos pareciam estar bem delimitados e mais especificados. Nesses programas, apareceram
temas como: “psicanálise, tipos de fobia, o que é mentira, mecanismos de defesa, id, ego,
superego, análise transacional, parapsicologia, conceito de Psicologia da Personalidade,
Psicologia e suas divisões, comportamento emocional e motivador, o que é o ser ser humano, o
que o difere dos animais (cultura e trabalho), afeto, sentimentos e emoções, valores (consciência
moral) e comportamento em diferentes situações sociais”. A bibliografia utilizada incluía autores,
tais como: “Freud, Piaget, Jung e Ribo”. Nesse sentido, a Psicologia parece atuar como uma
disciplina que poderia contribuir com ferramentas capazes de analisar ou de identificar os
“desvios”/ os “riscos” que os jovens “carregam consigo”.
82
Nessa direção, havia um outro programa da disciplina de Psicologia que trabalha com:
“Definição do que é Psicologia, História da Psicologia, Conceito, Objetivos e Métodos. Fala-se
brevemente sobre as Escolas de Psicologia, logo depois, abordamos conteúdos relacionados ao
Comportamento Humano (motivação), Comportamento Emocional, Psicologia da Personalidade
(Psicanálise), Níveis Mentais (Id, Ego, Superego, Consciente/Inconsciente), Psicologia Social
(percepção social, comunicação, atitudes, grupos sociais...), Mecanismos de Defesa, Tipos de
comportamento e a questão da Orientação Vocacional”. Aqui a Psicologia parece ocupar uma
certa posição no sentido de iniciar uma tentativa de correção do jovem, produzir uma psicologia
de si, pretendendo, talvez, formar “mini- psicólogos”.
Voltando ao que tentava perguntar num primeiro momento em relação ao que a Psicologia
está fazendo no programa do Ensino Médio, procuro agora pensar sobre o que percebemos,
olhando com cautela para o que se vê.
Na escolarização da Psicologia, parece ocorrer uma mistura de conteúdos que devem ser
transmitidos aos alunos, uma tentativa de adaptação desses conteúdos aos alunos/ao meio em que
vivem, bem como a utilização do espaço como clínico-terapêutico. Parece que, quando a
Psicologia entra na sala de aula do Ensino Médio, ela se torna, de certa forma, burocratizada e
tarefeira, pois a sensação que fica é a de que o aluno deverá aprender uma série de informações
irrelevantes para sua vida. Poderíamos pensar ainda que talvez a escola, bem como as verdades
do campo psi, atua a fim de que cada um seja o psicólogo de si.
A Psicologia, nas bases em que tem se assentado no ensino escolar, parece estar sendo
tratada como uma ciência neutra, elitista, preocupada em adequar o jovem às necessidades de
“governo” da população, fortalecendo as dicotomias para então atuar nelas: indivíduo/sociedade,
normal/anormal, ordem/desordem, certo/errado, falso/verdadeiro, adequação/inadequação. Ela
reforça certas crenças tidas como verdadeiras, tais como a “vocação natural(no que diz respeito
à escolha profissional). Não problematiza a questão da violência, da agressividade, das regras
morais, da mídia, da informação, da motivação como algo que se no social; ao contrário,
individualiza o problema e tenta solucioná-lo adaptando o indivíduo a um determinado tipo de
comportamento tido como normal, aceitável e correto expulsando, castigando, punindo aqueles
que fogem às regras determinadas pela sociedade, às quais os sujeitos deveriam estar adaptados,
83
adequados, inseridos (falo aqui da escola, mas isso se em quase todas as instâncias em que a
Psicologia atua com seu saber). Nesse sentido, um professor expressou suas dificuldades, dizendo
que “o maior problema da comunidade escolar é a questão do alcoolismo dos pais, as drogas em
geral e a situação de pobreza dos pais”.
A Psicologia, com seu status quo de ciência, parece atuar com essas estruturas mais
“conhecidas” e “verdadeiras do seu fazer”; parece também não questionar novas formas de se pôr
a pensar quais outras possibilidades ela poderia estar produzindo em termos de trabalho em sala
de aula. Pergunto, então: não caberia à Psicologia provocar o pensar sobre o que vem se
produzindo neste mundo atônito e sem rumo onde todos nós, incluindo nossos alunos, nos
encontramos inseridos? Mas como fazer isso?
De forma alguma penso essa tarefa como algo fácil para nós, profissionais do campo psi;
pelo contrário, creio ser uma tarefa árdua, pois envolve outros olhares, outras formas de trabalhar
e ocupar esse lugar. E é por esse motivo que estou aqui tentando pesquisar/escrever e entender
um pouco desse processo para que possamos nos desacomodar e buscar compor uma Psicologia
que fale outras “línguas”, que crie pontes com outros saberes, que olhe de outras formas para
esses sujeitos/atores escolares, voltando-se (quem sabe) para fazeres a partir de um lugar menor,
a partir de uma “psicologia menor”
57
, ou seja, de um lugar que possa abalar certas estruturas
tão cristalizadas e vividas pela “psicologia maior” de um modo geral.
Desejo pensar, ainda, no sofrimento de alguns profissionais que pareciam carecer de
material bibliográfico, de estratégias, de processos mais dinâmicos para trabalhar com o blico
do Ensino Médio, pois, conforme um professor referiu, haveria uma “dificuldade de encontrar
bibliografia dirigida para os alunos do Ensino Médio”. Houve referência também à dificuldade de
encontrar outras e novas formas de trabalhar, fazer planejamento e avaliação, levando-me a
pensar, por conseguinte, na necessidade de nos colocarmos à procura de outras instâncias, novas
formas de articulação com o fazer psi em sala de aula.
57
Esses conceitos de menor, de psicologia menor, têm para esta escrita uma aroma de ensaio (Foucault e Larrosa),
invenção, criação e tragicidade, no sentido nietzschiano. Estarei trabalhando com ambos durante o decorrer desta
dissertação. O conceito de psicologia maior diz de um lugar, dos campos dos grandes saberes, das verdades, das
metanarrativas, dos saberes que se querem “oficiais”. Esse conceito também percorrerá, em vários momentos, esta
dissertação.
84
Ao terminar essas considerações, interrogo-me: como a disciplina de Psicologia tomou o
rumo que tomou e encontra-se como está? Aqui não haverá a pretensão de responder essa
questão, como se houvesse em algum lugar o verdadeiro fazer psi na escola. Ao contrário, o
desejo que se desdobra é o de perguntar, tatear, a partir desse cenário psi contemporêneo, aquilo
que me faz pensar e problematizar os critérios que têm regido o programa escolar/o fazer escolar
psi-pedagógico da disciplina de Psicologia no Ensino Médio.
Acrescentaria, ainda, algumas outras questões que pretendo pensar no decorrer desta
dissertação: será que a disciplina de Psicologia deveria compor o currículo do Ensino Médio?
Como construir uma proposta para essa disciplina? Se a Psicologia habita as salas de aula, como
pensar o próprio programa servindo como resistência ao instituído? Essas são perguntas que me
fazem pensar, me movem, sem que, no entanto, eu tenha a pretensão de achar uma resposta, visto
que sua produtividade está no ato de produzir pensamento a partir delas.
De certo modo, posso dizer que minhas questões com a Psicologia dita maior e sua
articulação com a Educação se reeditaram nos encontros estabelecidos, principalmente nas
observações realizadas nas salas de aula do Ensino Médio onde a disciplina de Psicologia se fazia
presente. Tais questões envolviam, para mim, uma problematização importante e, talvez,
delineadora desta pesquisa: a de como realizar um fazer psi interessante e interesseiro,
inventor, criativo e arteiro, para além dos endurecimentos, dos engessamentos, das
cristalizações e de certas verdades. Além disso, como produzir desejo em alguns lugares onde
parecia haver uma vontade de nada querer, de um nada ter a fazer naquele lugar?
Se, por um lado, as salas de aula das escolas traziam algumas recordações mais
endurecidas da Psicologia, por outro, eu estava adquirindo, na Licenciatura, novas e interessantes
ferramentas para serem utilizadas em outras construções e experimentações psi, alargando as
possibilidades nesse campo. Dessa forma, durante meu percurso pela Licenciatura em Psicologia,
desenvolvi trabalhos, tanto teóricos quanto práticos (escrita de textos, planos de aula, projetos e
prática docente), voltados, em sua maioria, às problematizações da Psicologia como disciplina na
sala de aula do Ensino Médio
58
.
58
Apesar de ter realizado, no curso de Licenciatura, uma incursão por espaços de produção mais abertos, flexíveis e
não-formais do campo da Psicologia e da Educação, tais como a Prática de Ensino em Psicologia, orientada pela
85
2.4 Em busca de outras implicações da Psicologia com a Educação
Não nego, como se entende por si mesmo pressuposto
que não sou nenhum parvo –, que muitas ações que se
chamam éticas devam ser feitas e propiciadas, mas penso:
em um como no outro caso, por outros fundamentos do
que até agora. Temos que aprender a desaprender, para
afinal, talvez mais tarde, alcançar ainda mais: mudar de
sentir (NIETZSCHE, 1991, p. 125)
59
.
Neste item, reforço a necessidade de continuar cartografando e revirando as marcas do
que fora experimentado por mim nas salas de aula do Ensino Médio. Este trajeto tem como
objetivo provocar o leitor a me acompanhar em minhas experimentações, em meus fazeres então
como professora substituta de duas disciplinas do Curso de Licenciatura em Psicologia da
UFRGS e naquilo que foi sendo acionado na medida em que ocupava esse lugar. Nessa
caminhada, encontros foram se produzindo, possibilitando alguns movimentos de pensar, desejar
e ocupar de outras maneiras o espaço psi da sala de aula do Ensino Médio
60
.
Arrasto para este ensaio dissertativo essa caminhada singular e única, pois impossível de
ser replicada, por entender que ela se fez de modo coletivo (sim, porque nos aventuramos, meus
alunos e eu!
61
) e também por perceber que nossos fazeres, nossas propostas psi-pedagógicas,
serviram (e ainda servem) para olhar o que foi ou não possível produzir naquele momento. Digo
isso por não ter pretensão alguma de apresentar aqui uma proposta melhor, verdadeira, correta
ou normativa de um fazer psi-pedagógico; ao contrário, faço-a hoje com a intenção de colocar
em pauta uma possibilidade de pensar, de levantar e abrir questões (jamais fechá-las!) sobre as
relações de possibilidade entre os campos da Psicologia e da Educação na arena do Ensino
Médio.
professora Rosângela Soares (UFRGS/RS) e realizada junto ao Programa Família Cidadã, no município de
Viamão/RS, em 2002/2, opto, nesta dissertação, por me deter no recorte de intersecção da Psicologia com a
Educação no Ensino Médio. Essa escolha se dá na medida em que fui sendo movida pelo desejo de
cartografar/mapear as forças que, me parece, vêm cristalizando e endurecendo o fazer da Psicologia na sala de aula.
59
Cf. NIETZSCHE, F. Aurora. Pensamentos sobre os conceitos morais. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Ed.
Nova Cultural, 1991.
60
Neste momento, opto por um recorte, ou melhor, por alguns trabalhos realizados com o Ensino Médio, enquanto
ministrava a disciplina de Prática de Ensino em Psicologia, apesar de ter realizado com meus alunos práticas em
outros espaços formais e não-formais de Educação.
61
A partir deste ponto da escrita, em certos momentos, utilizo-me da primeira pessoa do singular para enfatizar as
propostas que eu fui fazendo a meus alunos da Prática de Ensino em Psicologia. Em outros, utilizo a primeira pessoa
do plural para incluir meus alunos neste fazer que foi sendo proposto por mim, discutido durante nossos encontros de
supervisão e colocado em operação em suas salas de aula do Ensino Médio.
86
Entendo que as propostas realizadas não poderão jamais ser replicadas, duplicadas ou
decalcadas, nem mesmo usadas como receita ou sequer como cartilha. O que talvez elas
possam fazer seja apenas e singelamente desejar despertar professores-tropeiros-viajantes-
andarilhos deste mundo. Pois, como poeticamente Rubem Alves coloca:
Não sei como preparar o educador. Talvez porque isso não seja nem necessário,
nem possível [...] É necessário acordá-lo. E aprenderemos que educadores não
se extinguiram como tropeiros e caixeiros. Porque, talvez, nem tropeiros, nem
caixeiros tenham desaparecido, mas permaneçam como memórias de um passado
que está mais próximo de nosso futuro que o ontem. Basta que os chamemos do
seu sono, por um ato de amor e coragem. E talvez, acordados, repetirão o milagre
da instauração de novos mundos (2003)
62
.
Sei, ainda, que essas propostas
63
podem (e devem!) ser colocadas em xeque, pois sempre
haverá tantas outras capazes de ser inventadas.
Foi partindo desses pressupostos que as minhas experiências nas salas de aula do Ensino
Médio estiveram conectadas com tentativas de um fazer ligado a uma escuta que pudesse dar
passagem às vozes, às narrativas, aos corpos, às potências dos alunos e das alunas com quem
estava trabalhando na universidade e que se encontravam em período de estágio nas escolas.
Buscava abrir espaços para outras implicações do fazer, do ensinar, do ocupar esse lugar da
Psicologia na sala de aula, como explicarei logo mais. Isso foi, minimamente, produzindo
rachaduras, criando algumas linhas de fuga e tentativas de autoria nesse território psi-pedagógico
que vinha me parecendo cristalizado, desvalorizado, despotencializado e desgastado, o que criou
uma necessidade de me pôr a pensar mais demoradamente sobre esse processo – movimento que
venho pretendendo fazer enquanto componho esta dissertação.
A problematização que fiz enquanto realizava o trabalho foi a de pensar outras formas
de fazê-lo. À medida que escrevo, retomo algumas questões um tanto conhecidas do mundo
escolar, como a tradição de que um determinado conteúdo a ser transmitido pelos professores
e “absorvido pelos estudantes, que, por sua vez, devem realizar as provas para que se
quantifiquem os conteúdos “aprendidos”. Aos professores, cabe dar a matéria/conteúdo, exigir
que os estudantes estudem, elaborar as provas, seguir o cronograma trimestral e anual,
62
Cf. ALVES, Rubem. Conversas com quem gosta de ensinar: (+qualidade total na educação). Campinas, SP :
Papirus, 2000.
63
Propostas que serão apresentadas nos subitens 2.4.1, 2.4.2, 2.4.3 e 2.4.4.
87
comparecer aos conselhos de classe e realizar o fechamento das notas. Há, como sabemos,
todo um processo disciplinar que envolve um tempo determinado para cada tarefa, para cada
fazer, um lugar para cada coisa, ou cada coisa em seu devido lugar.
No espaço disciplinar da escola, funciona uma programação, periodização e formas de
trabalhar que privilegiam certa transmissão de informações, vistas, muitas vezes, por professores
e alunos como aprendizagem. Apesar disso, de todo esse aparato, existem variados tipos de
queixas e reclamações bastante recorrentes tanto nas vozes dos professores quanto nas dos alunos
em relação às formas pelas quais estes sujeitos têm vivenciado o espaço escolar. Essas questões
parecem impedir o processo de experiência colocado por Larrosa (2002) e sobre o qual
continuarei fazendo referência logo mais nesta escrita.
Passei a problematizar, então, se haveria um lugar para uma possível experimentação do
conhecer, de um possível dar a pensar nas relações professor-aluno-instituição e, mais
especificamente, nas aulas de Psicologia. Qual seria o espaço para a experiência nesse mundo da
escolarização? Desejo deixar registrado que não aqui intenção alguma de encontrar
“responsáveis” ou “culpados” pelo que ocorre no processo de escolarização. Penso que o que
desejei (e ainda desejo!) fazer vai mais em direção a um pensar junto, pensar com professores e
estudantes outras formas e jeitos de compor com os saberes.
Gostaria, então, de retomar aqui o que está presente nas primeiras linhas de apresentação
deste ensaio dissertativo, ou seja, o pensamento que Larrosa (2002) nos traz sobre as relações
que se estabelecem entre os sujeitos e seus processos de experiência na contemporaneidade.
Foi assim que desejei interrogar de que forma a instituição escolar e, em particular, a disciplina
de Psicologia, lida com esses processos no campo do Ensino Médio. Para tanto, trago,
rapidamente, algumas referências desse autor no sentido de auxiliar na problematização de nossos
fazeres.
Segundo Larrosa, “vivemos numa ‘sociedade de informação’. E nos demos conta de
que esta estranha expressão funciona às vezes como sinônimo de ‘sociedade do conhecimento’ ou
até mesmo de ‘sociedade de aprendizagem’” (p. 22). Para o autor, “não deixa de ser curiosa a
troca, a intercambialidade entre os termos ‘informação’, ‘conhecimento’ e ‘aprendizagem’. Como
se o conhecimento se desse sob a forma de informação, e como se aprender não fosse outra coisa
88
que não adquirir e processar informação” (p. 22). Nesse sentido, Larrosa chama a atenção para
um certo esgotamento dos processos de experiência em nossa sociedade contemporânea, pois “a
sociedade como um mecanismo de processamento de informação [...] [ou seja], uma sociedade
constituída sob o signo da informação, é uma sociedade na qual a experiência é impossível”
(idem, p. 22).
Larrosa (2002) refere que seria necessário separar a experiência da informação e separar o
saber de experiência do saber coisas:
depois de assistir a uma aula ou a uma conferência, depois de ter lido um livro ou
uma informação, depois de ter feito uma viagem ou de ter visitado uma escola,
podemos dizer que sabemos coisas que antes não sabíamos, que temos mais
informação sobre alguma coisa; mas, ao mesmo tempo, podemos dizer também
que nada nos aconteceu, que nada nos tocou, que com tudo o que aprendemos
nada nos sucedeu ou nos aconteceu (p. 22).
Assim, ao tratar da questão da experiência, Larrosa convoca-nos a problematizar as
formas como experienciamos o que se passa neste mundo (bem como em nossas salas de aula),
dizendo: a cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos
acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça(p.
21, grifo meu). Para o autor,
nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara. Em
primeiro lugar pelo excesso de informação. A informação não é experiência. E
mais, a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da
experiência, quase uma antiexperiência. Por isso a ênfase contemporânea na
informação, em estar informados, e toda a retórica destinada a nos constituirmos
como sujeitos informantes e informados; a informação não faz outra coisa que
cancelar nossas possibilidades de experiência. O sujeito da informação sabe
muitas coisas, passa seu tempo buscando informação, o que mais o preocupa é não
ter bastante informação; cada vez sabe mais, cada vez está melhor informado,
porém, com essa obsessão pela informação e pelo saber, (mas saber não no
sentido de “sabedoria”, mas no sentido de estar informado”), o que consegue é
que nada lhe aconteça (2002, p. 22-23, grifo meu).
Gostaria de problematizar a questão da aprendizagem. Para Larrosa, a idéia que temos de
aprendizagem, “inclusive do que os pedagogos e psicopedagogos chamam de ‘aprendizagem
significativa’” (p.23), passa por questões relacionadas ao par informação/opinião. O autor diz
que, desde pequenos, até chegarmos à universidade, ou seja, ao longo de toda a trajetória que
fazemos pelos circuitos educacionais, “estamos submetidos a um dispositivo que funciona da
89
seguinte maneira: primeiro é preciso informar-se e, depois, que dar uma opinião obviamente
própria, crítica e pessoal sobre o que quer que seja” (idem, p. 23). Desse modo, a “opinião como a
dimensão ‘significativa’ da assim chamada aprendizagem significativa’ [...] [faz com que] nos
convertamos em sujeitos competentes para responder [...] as perguntas dos professores que, cada
vez mais, se assemelham a comprovações de informações e pesquisas de opinião” (idem, p. 23).
Para Larrosa, “a experiência é cada vez mais rara por excesso de opinião” (idem, p. 23). O
sujeito moderno seria um sujeito informado que, além disso, também tem opiniões. Esse sujeito
seria alguém que tem uma opinião supostamente pessoal e supostamente própria e, às vezes,
supostamente crítica sobre tudo o que se passa, sobre tudo aquilo de que tem informação. Para
nós, a opinião, como a informação, converteu-se em um imperativo” (p. 23). Para o autor,
a experiência seria então cada vez mais rara por falta de tempo, pois tudo o que se
passa, passa demasiadamente depressa, cada vez mais depressa. Com isso se reduz
o estímulo fugaz e instantâneo, imediatamente substituído por outro estímulo ou
por outra excitação igualmente fugaz e efêmera. O acontecimento nos é dado em
forma de choque, do estímulo, da sensação pura, na forma de vivência
instantânea, pontual e fragmentada. A velocidade com que nos são dados os
acontecimentos e a obsessão pela novidade, pelo novo, que caracteriza o mundo
moderno, impedem a conexão significativa entre acontecimentos (2002, p. 23).
Nesse sentido, segundo Larrosa, o sujeito moderno não estaria informado e capaz de
emitir opinião, ele seria também um consumidor voraz e insaciável de notícias, de novidades, um
curioso, eternamente insatisfeito, parecendo desejar estar permanentemente excitado, tendo-se
tornado incapaz do silêncio. Assim, “ao sujeito do estímulo, da vivência pontual, tudo o
atravessa, tudo o excita, tudo o agita, tudo o choca, mas nada lhe acontece. Por isso, a
velocidade e o que ela provoca, a falta de silêncio e de memória, são também inimigas
mortais da experiência (p. 23, grifo meu).
Procurei problematizar de que forma o aprender, o pôr-se a pensar em mais
especificamente, nas aulas de Psicologia poderiam ser capazes de produzir experiência, de
afetar, de criar desejo. Conforme Larrosa (2002), “os aparatos educacionais funcionam cada vez
mais no sentido de tornar impossível que alguma coisa nos aconteça” (p. 23). Seríamos sujeitos
da formação permanente e acelerada, vivendo uma necessidade constante de atualização e de
reciclagem; sujeitos que não podem perder tempo, ou seja, sujeitos já sem tempo, com excesso de
trabalho e deveras acelerados.
90
Depois de ter procurado entender o meu fazer de professora-psicóloga na conexão com o
pensamento de Larrosa, penso ser interessante pensar como os espaços escolares psi-pedagógicos
têm lidado, trabalhado e entendido este mundo contemporâneo que se produz tão veloz
64
que
parece nos tornar incapazes de “parar” para sentir, de “parar” para experimentar, de “parar” para
que algo nos arrebate, nos aconteça...
Deleuze e Parnet (1998) instigam-nos, talvez, a pensar um lugar diferente para a
aprendizagem (neste mundo!), entendendo-a não mais como recognição, mas como algo que
poderia dar a pensar em um tempo que não se reconhece cronológico, que não depende dos
períodos de cada disciplina, que extrapola as portas da sala de aula, os muros da escola. Os
autores apontam que a “velocidade absoluta é a velocidade dos nômades, até mesmo quando eles
se deslocam lentamente” (p. 41). Para esses autores, os “nômades estão sempre no meio [...] os
nômades não têm nem passado nem futuro, tem apenas devires, devir-mulher, devir-animal,
devir-cavalo [...] os nômades não têm história, têm apenas a geografia. Nietzsche [diria]: Eles
chegam como o destino, sem causa, sem razão, sem respeito, sem pretexto...’”(p. 41, grifo
meu).
O desafio de pensar outras formas de fazeres psi em sala de aula veio ao encontro do
pensamento dos autores citados acima na medida em que tentamos, com a disciplina de
Psicologia, abrir outros caminhos nas salas de aula do Ensino Médio. Interessante trazer o que
Toynbee (idem, p. 51) coloca sobre os nômades. Para ele, os nômades, no sentido estrito, bem
como no sentido geográfico, não seriam migrantes nem viajantes, mas sim o contrário: os
nômades seriam aqueles que “não se movem, os que se agarram à estepe, imóveis a grandes
passos, seguindo uma linha de fuga no mesmo lugar (p. 51, grifo meu). Para Toynbee, os
nômades seriam “os maiores inventores de armas novas. A história, porém, nunca compreendeu
nada dos nômades, que não têm nem passado, nem futuro” (idem, p. 51, grifo meu). Para os
nômades, os mapas são mapas de intensidades, a geografia não é menos mental e corporal
quanto física em movimento” (idem, p.51, grifo meu).
64
Para Paul Virilio, em uma entrevista concedida à revista Rets em 13 de setembro de 2000, “a velocidade seria uma
violência”. Estaríamos vivendo não mais um “tempo longo de composição, de concentração, de reflexão, [mas sim]
um tempo de reflexo e de reação que se torna cada vez mais violento”.
91
Levo em conta que certas formas de produção de subjetividade nos compõem nessa
velocidade que se no mundo comtemporâneo, velocidade que nos atravessa e cria
determinados sentidos e modos de vida/de viver. Não me interessa, neste momento, discutir essa
problemática em si; desejo olhá-la com os olhos de quem também vive neste mundo e que
entende o quanto o paradigma Moderno, que constituiu nossas instituições escolares, vem se
debatendo para enfrentar essas questões. Talvez o que pretendo seja apenas questionar quais
outras possíveis formas de viver o espaço escolar como experimentação-vida, formas inscritas
em velocidades-intensidades-nômades-potentes-rizomáticas, que sejam (quem sabe) capazes de
produzir experiência
65
.
Com essas questões, procurei levantar algumas provocações para pensarmos na
possibilidade de inventar novas armas na intersecção desses campos de saberes. No subitem que
segue, continuarei problematizando: quais seriam outros possíveis fazeres psi capazes de habitar
as salas de aula do Ensino Médio?
Conforme nos lembra Pelbart (2000), “é precisamente o que hoje parece difícil: não se
refugiar em algum paraíso pretérito ou futuro, de modo nostálgico ou embevecido, mas estar
atento às exigências deste nosso presente, desta nossa vida, desta nossa guerra, destes devires
revolucionários que se gestam em nosso dia-a-dia” (p. 10).
2.4.1 Algumas tentativas de viver a disciplina de psicologia...
Neste subitem, convoco o leitor a percorrer algumas experiências vividas com/e por meus
alunos, na universidade, estagiários de Psicologia. No início de suas práticas implicadas com o
fazer psi na sala de aula do Ensino Médio, as combinações que fazíamos estavam relacionadas
com uma tentativa de propor abertura no sentido de deixar falar as vozes e os corpos dos
estudantes para que eles pudessem nos indicar pistas, cintilações de como ocupar de uma forma
mais interessante aquele espaço.
No entanto, queríamos mais do que deixar ou fazer falar essas vozes e corpos.
Desejávamos cartografar as potências que os alunos também produzem nesse espaço. Sendo
65
Luís Antonio Baptista diz: a experiência não é para acumular, é para atravessar! Cf. anotações realizadas na
defesa de Projeto de Dissertação da mestranda Simone Frichembruder em junho de 2005, no
PPGEdu/FACED/UFRGS.
92
assim, não havia um roteiro fechado, pronto e previamente elaborado; no entanto, isso não
significava que estivéssemos desprovidos de objetivos. Havia tanto objetivos e diretrizes quanto
possibilidades e ferramentas para ampliar e (re)ver planos e roteiros de viagem sempre que
necessário –, à medida que íamos desenvolvendo os estágios. Assim, enquanto íamos
cartografando/mapeando vozes, corpos e práticas escolares, íamos também compondo propostas
em parceria com o público junto ao qual estávamos trabalhando.
A partir desses primeiros contatos, fui deparando-me com determinadas questões que se
tornaram recorrentes nas vozes, nas narrativas e nas práticas escolares desses professores e alunos
do Ensino Médio, bem como dos alunos da Licenciatura. Tais narrativas e práticas, em sua
maioria, denotavam e referiam dificuldades de ensino e aprendizagem, indisciplina, violência,
fracasso, falta de motivação, apatia, desatenção, evasão, o que, conseqüentemente, se referia a
alunos desatentos, apáticos, desmotivados e fracassados, professores exauridos, desgastados e
violentados. Mesmo que essas colocações não estivessem diretamente ligadas às aulas de
Psicologia, elas apareciam e reapareciam nos mais diversos momentos em que estávamos no
espaço da instituição. Contudo, meu objetivo, naquele momento e hoje, não foi e não é o de dar
conta de entender todos os processos pelos quais a instituição escolar e seus sujeitos estão
passando, mas escutar esses incômodos e dificuldades e usá-los como analisadores
66
.
Nesse sentido, tais encontros e narrativas voltaram a provocar, cada vez mais, em mim o
desejo de cartografar os processos e as práticas vivenciadas por esses sujeitos/atores que
freqüentam as aulas de Psicologia no Ensino Médio, nessas instituições escolares. Parecia não ser
à toa que as reclamações vinham como certa demanda para os profissionais-estagiários-
psicólogos.
O que talvez tenha sido possível de constituir, naquele momento, foi a ousadia de, a partir
do cansaço, do desgaste, do mal-estar, daquilo que pensava estar dando sinais de esgotamento, de
66
Analisadores são conceitos que, segundo Baremblitt (1998), podem ser de dois tipos: “1. Analisadores Artificiais
ou Construídos: são dispositivos inventados e implantados pelos analistas institucionais para propiciar a explicitação
dos conflitos e sua resolução. Para tal fim, pode-se valer de qualquer recurso (procedimentos artísticos, políticos,
dramáticos, científicos, etc, qualquer montagem que ponha de manifesto o jogo de forças, os desejos, interesses e
fantasmas dos segmentos organizacionais. 2. Analisadores Espontâneos ou Naturais: são analisadores de fato,
produzidos ‘espontaneamente pela própria vida histórico-social-libidinal natural, como resultado de suas
determinações e da sua margem de liberdade” (p. 152).
93
apequenamento de vida nos fazeres das salas de aula, experimentar outras práticas, bem como
deslocamentos nesses espaços. Assim, procuramos aproveitar as salas de aula de Psicologia para
nos pormos a pensar, junto/com os alunos da disciplina, outros arranjos.
Desse modo, arriscava-se um exercício, um movimento no sentido de pensar que, talvez
em vivências de experiências limite, onde certa dissolução de forças demasiado humanas
(NIETZSCHE, 2000), haveria possibilidade de abertura para forças de outras ordens, forças
singulares, virem à tona. Seria arriscar colocar em funcionamento uma caixa de ferramentas que
servisse e que funcionasse, pois, conforme Deleuze:
uma teoria é como uma caixa de ferramentas [...] é preciso que sirva, é preciso
que funcione. E não para si mesma. Se o pessoas para utilizá-la, a começar
pelo próprio teórico que deixa então de ser teórico, é que ela não vale nada ou que
o momento ainda não chegou. Não se refaz uma teoria, fazem-se outras. Há outras
a serem feitas [...] A teoria não totaliza; a teoria se multiplica e multiplica. É o
poder que por natureza opera totalizações [...] (apud MACHADO, 2000, p. 71).
2.4.2 Na tentativa de viver a disciplina de psicologia como invenção...
Neste subitem, proponho ao leitor percorrer algumas tentativas experimentais vividas com
e por meus alunos durante seus processos de prática-estágio. Pretendo apresentar as combinações
realizadas de forma bastante breve para que depois possamos pensar o encadeamento de tais
trajetos/vivências.
A inserção na sala de aula
67
era feita, em um primeiro momento, pela prática de
observação da turma com a qual se estaria trabalhando durante o estágio. Já em exercício
docente, nos primeiros encontros com a turma, realizava-se o levantamento do que os alunos
sentiam como interessante de ser pensado nas aulas de Psicologia. Esse levantamento era feito
mediante trabalhos mais abertos atividades e dinâmicas de grupo que, acreditávamos,
produziam uma implicação diferenciada nos processos de produção dos alunos, dando
67
Os contatos iniciais com a escola para o desenvolvimento das práticas de ensino envolveram encontros,
principalmente com o professor ou a professora responsável pelas turmas, e buscaram saber um pouco sobre a
disciplina e o programa de Psicologia, as turmas, seus alunos e alunas e a escola. Esses contatos serviram também
para pensar a proposta de estágio e alinhavar combinações em relação ao que o estagiário estaria se propondo a
realizar. A disciplina de Psicologia da escola com a qual estou me ocupando neste recorte possuía um programa de
conteúdo que deveria ser utilizado como um guia. No entanto, havia certa flexibilidade da professora titular para que
os estagiários planejassem suas aulas e fizessem propostas de outras temáticas, caso achassem pertinente e a escola
concordasse.
94
oportunidade de uso também para outros dispositivos, tais como artefatos/ferramentas musicais,
literários, poéticos, cinematográficos, bem como montagens e colagens com sucatas, caixa de
sugestões e de dúvidas.
Acreditávamos, assim, estar abrindo espaço para que os grupos pensassem e sugerissem
temáticas com que gostariam de estar se ocupando no decorrer das aulas de Psicologia.
Percebemos, contudo, que as temáticas, de uma forma geral, giravam em torno de questões
relacionadas a drogas, violência, sexualidade e seus desdobramentos
68
, adolescência, escolha
profissional, mercado de trabalho, entre outras. Eram temáticas que, por um lado, poderiam ser
tomadas como clichês
69
, na medida em que parecem ser os discursos com que determinadas
sociedades têm insistentemente narrado a juventude. Por outro lado, não poderiam ser
abandonadas, pois eram pistas que indicavam o quanto os discursos de verdade engendrados
pelo/no campo psi encontram-se também implicados na produção de determinadas
subjetividades juvenis
70
.
A sensação que passamos a ter era a de que esses jovens buscavam saber/compreender o
que se passava com eles, com certa expectativa de que a Psicologia pudesse auxiliá-los e
esclarecê-los nesse sentido e talvez, ainda, ajudá-los na resolução de problemas. Aliás, trata-se de
uma demanda muito conhecida pelos profissionais do campo psi, que, muitas vezes, se colocam à
disposição de outros campos com seus saberes explicativos, norteadores, adaptativos,
desenvolvimentistas, universais e dominantes. Além disso, o que percebo hoje, no exercício de
pensar e escrever este texto, é o quanto me parece que os primeiros movimentos que fizemos
foram ao encontro de uma tentativa de encaixar o que os alunos foram propondo nos conteúdos
sugeridos pelo programa da disciplina. Nesse sentido, parece-me que nossa ão acabou
operando de forma muito similar à prática pedagógica da própria escola. Aqui, parece-me
68
Desdobramentos: DSTs e AIDS, gravidez, amor, amizade, preconceito, masturbação, homossexualidade, frigidez,
fantasias sexuais, orgasmo, entre outros.
69
Como percebemos durante as entrevistas realizadas nas escolas e citadas anteriormente no item 1.3, nota de rodapé
26.
70
Produzindo, a partir da norma, a representação cultural dos jovens anormais, tais como: o jovem violento, drogado,
descuidado, desviante, pobre, marginal, com uma sexualidade exacerbada... “o monstruoso”. Entendemos, nesta
perspectiva teórica, o jovem, o adolescente, como uma construção cultural. Cf. Rosângela Soares, em seu texto:
“Adolescência - uma monstruosidade cultural” in: Revista Educação e Realidade - jul./dez. - 2000. Ver, ainda, Henry
A. Giroux, com seu texto: “O filme Kids e a demonização da juventude”. Revista Educação e Realidade jan./jun -
1996. Ver também Mauro Wilton de Souza, com seu texto: Juventude e os novos espaços sociais de construção de
sentido. Revista Educação e Realidade - jul./dez. – 1997.
95
também que encontramos um gancho e certo entrelaçamento entre o que é sugerido pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais e seus desdobramentos na sala de aula de Psicologia. Ou seja,
estávamos também “enganchados/engatados” nesta lógica explicativa, científica e especializada,
bem como respaldados por um saber que poderia, então, ocupar seu “legítimo lugar”.
Parece que, se, por um lado, os alunos pedem por respostas, nós, como especialistas do
campo psi, temos, longa data, oferecido classicamente uma determinada Psicologia
institucionalizada com a qual parecemos estar acostumados e familiarizados.
No decorrer das aulas, fomos sentindo o quanto ainda havia dificuldade de conexões,
dificuldade de fazer liga, de afetar, incitar, produzir diferença, mesmo quando acreditávamos
estar atendendo aos interesses e às demandas dos alunos e alunas. Uma sensação de inércia
professoral, que poderia ser traduzida por não conseguirmos provocar aquilo que entendíamos
como necessário e interessante
71
provocar e produzir naqueles encontros, foi se delineando.
Essa sensação de inércia professoral fazia-se acompanhar de muito barulho, de corpos
desacomodados, corpos desencontrados, de várias outras conversações em sala de aula, o que foi
nos desterritorializando e provocando ansiedades e incômodos, deixando-nos, de certa forma,
intrigados e pensativos, ao mesmo tempo em que disparava vontades outras em nossos corpos e
pensamentos.
Concordava tanto com Deleuze (apud GALLO, 2003), quando refere que “nunca se sabe
de antemão como alguém vai aprender que amores tornam alguém bom em Latim, por meio de
que encontros se é filósofo, em que dicionários se aprende a pensar” (p.80), quanto com Silvio
Gallo (2003) , quando este aponta, a partir do pensamento de Deleuze, a possibilidade de pensar a
aprendizagem como algo que sempre escapa, que foge ao controle; dessa forma, resistir seria
sempre da ordem do possível. Assim, o que tentávamos fazer dava-se no sentido de esgarçar
fronteiras, ampliar nossas escutas, deixar tremer nossos corpos, colocá-los a vibrar, aguçar todos
os sentidos, ousando pensar com as narinas, como nos proporia Nietzsche. O que pude pensar
naquele momento é que havia muita dureza em sala de aula e em suas práticas psi; o que eu
desejava era produzir desassossego, pois algo se transmutava em mim...
71
Entendo que nossas escolhas nunca são neutras.
96
Clarice Lispector me revira:
Mas se eu compreender para aceitar as coisas nunca o ato de entrega se fará.
Tenho que dar o mergulho de uma só vez, mergulho que abrange a compreensão e
sobretudo a incompreensão. E quem sou eu para ousar pensar? Devo é entregar-
me. Como se faz? Sei, porém, que andando é que se sabe andar e milagre
se anda (apud EIZIRIK, 2001, p. 29).
2.4.3 De como tentar viver a disciplina de psicologia como rizoma
72
...
Na pretensão de continuar trilhando rotas de fuga, trilhas rizomáticas começaram a povoar
nossa caminhada. Não abandonando as demandas feitas pelos alunos, mas tentando produzir
deslocamentos, rachar modelos explicativos e pré-fabricados, fender discursos tidos como
verdadeiros, fomos desejando experimentar outros fazeres da Psicologia nesse coletivo escolar.
Assim, arrasto para esta escrita o conceito de rizoma trabalhado por Deleuze e Guattari
(2000), no sentido de fazer com que o leitor possa me acompanhar nessa tentativa de pensar o
trajeto realizado durante essa experiência docente, enfatizando sempre a tentativa de não
paralisar, não anestesiar nossos processos sempre buscando abri-los. Dessa forma, para os
autores:
Diferente é o rizoma, mapa e não decalque. Fazer o mapa, não o decalque [...].
Ele contribui para a conexão dos campos, para a sua abertura máxima sobre um
plano de consistência. Ele [o mapa] faz parte do rizoma. O mapa é aberto, é
conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de
receber modificações constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido,
adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um
indivíduo, um grupo, uma formação social. Pode-se desenhá-lo numa parede,
concebê-lo como obra de arte, construí-lo como uma ação política ou como uma
meditação. Uma das características mais importantes do rizoma talvez seja de
ter sempre múltiplas entradas [...]. Um mapa tem múltiplas entradas,
contrariamente ao decalque que volta sempre ao “mesmo”. Um mapa é uma
questão de performance, enquanto o decalque remete sempre a uma
presumida “competência” (p. 22, grifo meu).
72
Rizoma, para Deleuze, significa também "subtrair o único da multiplicidade a ser constituída; escrever a n-1. Tal
sistema poderia ser chamado rizoma. [...] Diferentemente das árvores ou de suas raízes, o rizoma conecta um ponto
qualquer com outro ponto qualquer, e cada um de seus traços não remete necessariamente a traços de mesma
natureza, ele põe em jogo regimes de signos muito diferentes, inclusive estados de não-signos. O rizoma não se deixa
reduzir nem ao Uno nem ao múltiplo... Ele não é feito de unidades, mas de dimensões, ou antes, de direções
movediças. Não tem começo nem fim, mas sempre um meio, pelo qual ele cresce e transborda. Ele constitui
multiplicidades" (apud ZOURABICHVILI, 2004, p. 97).
97
Importante pensar, ainda, o quanto um rizoma não começa nem conclui, ele se
encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o
rizoma é aliança, unicamente aliança. A árvore impõe o verbo ‘ser’, mas o rizoma tem como
tecido a conjunção ‘e...e...e...’” (DELEUZE E GUATTARI, 2000, P. 37, grifo meu). Há, nesse
entendimento, “nessa conjunção, força [e potência] suficiente[s] para sacudir e desenraizar o
verbo ser” (idem, p. 37).
Ao fazermos uso desse conceito e de outros que serão tratados logo mais
73
, almejávamos
problematizar o que parecia não mais fazer liga, produzir desejo, sentido; desestabilizar o que
emitia certos sinais de esgotamento, de mesmidade, de quinquilharia, de grude de identidade
professoral, bem como de grude de identidade estudantil, ou seja, o que parecia estar se
enfraquecendo no circuito psicologia-aluno-educação e os efeitos que isso tem produzido nos
sujeitos/atores implicados nessas práticas. Dessa forma, a participação singular dos alunos era
algo que sentíamos necessário promover, vendo como importante propor uma maneira de se
trabalhar em que fosse possível engendrar e criar outros jeitos de ocupar o lugar de aprendente,
bem como o de professor do campo psi.
Dito isso, interessante pensar em algumas colocações feitas por Cláudia Maria Gozzer
(2003) quando se refere à “drogadição de identidade”
74
(p. 222). Creio ser pertinente
problematizar o quanto, segundo a autora, nos encontramos viciados em certa identidade
professoral. Penso que os alunos também se encontram viciados em uma determinada identidade
estudantil, ou seja, presos em um grude de identidade:
o viciado em identidade tem horror ao turbilhão das linhas de tempo em sua pele.
A vertigem dos efeitos do fora o ameaçam a tal ponto que para sobreviver a seu
modo ele tenta anestesiar-se, deixando vibrar em sua pele, de todas as
intensidades do fora, apenas aquelas que não ponham em risco sua suposta
identidade. Este homem se então obrigado a consumir algum tipo de droga se
quiser manter a miragem de uma suposta identidade. [...] objetivamente, ele nunca
chegará lá, que é uma miragem. E quanto mais se frustra, mais corre atrás; e
quanto mais desorientado, estressado, ansioso, perseguido, culpado, deprimido,
em pânico, mais ele se droga. Um círculo vicioso infernal (idem, p. 221-222, grifo
meu).
73
Além de vários outros conceitos já visitados durante a feitura e costura deste texto.
74
“Drogadição de identidade” é um conceito utilizado por Suely Rolnik. Ver GOZZER, Cláudia. Tempos
empalhados e especializados: questões sobre subjetivação no processo criativo de trabalhos plásticos. In: GALLI, T;
KIRST, P. (org) Cartografias e Devires – A construção do presente. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2003.
98
Desejo perguntar se, porventura, não seria também isso que estaria dificultando nossos
trabalhos em sala de aula (sem falar na vida), nossos processos de criação, nossas possibilidades
de autoria. É isso que, para mim, parece ter este cheiro do que estou chamando aqui de inércia
professoral e de inércia estudantil
75
. Não seria essa necessidade de grudar, de viciar, de colar,
de sentir-se acudida ou acuada, em um determinado lugar fixo, onde cada um exerce determinado
papel, um lugar onde se acaba com uma possível potência de criação? Potência seria aquilo que
Alícia Fernández (apud GOZZER, 2003) nos lembra muito bem: potência como
reconhecimento das próprias possibilidades, como autoria(p. 151, grifo meu). Importante
lembrar que autoria, para Gozzer (2003), nada tem a ver com o que está feito, não sendo, de
forma alguma, compreendida como um produto, mas sim como uma abertura para o sempre
inacabado; fala mais de um devir, um modo de situar-se, uma ética que tem a ver com o
desejo de produzir e com as possibilidades produtivas do outro” (p. 150, grifo meu).
Por que desejamos manter o estranho, o estrangeiro, o viajante, o andarilho, o não-
sabido, o diferente, o outro, tão distantes de nós? Quais as nossas implicações como
professores-psicólogos e professoras-psicólogas que se ocupam do lugar da docência na
interlocução da Psicologia com a Educação?
Como coloca Rolnik (apud GOZZER, 2003), “‘é preciso [...] suportar esta dor em nós
mesmos e improvisar modos de existência que dêem sentido e valor para aquilo que o mal-estar
de nossa pele nos sopra’” (p. 222). E se é onde o corpo treme pedindo passagem para formas
outras de existência que vamos buscar nos compor, nos inventar de formas outras, até então
inéditas, convidamos, antropofagicamente, Foucault para nos fazer, não companhia, como
também para nos lançar para fora de nós mesmos, para que tenhamos força e coragem de
rechaçar quem somos, para que ousemos com ele afirmar e perguntar:
Como podemos transformar a vida em obra de arte, por que somente os objetos
são transformados em arte e não os indivíduos ou à vida; que a arte seja algo
especializado ou feito por especialistas que são artistas. Entretanto, não poderia a
vida de todos se transformar numa obra de arte? (FOUCAULT, 1995, p. 261).
75
Termos que estou pretendendo cunhar para problematizar este lugar de inércia professoral que muitas vezes nos
habita em nossas salas de aula; quero também colocar em questão o lugar de inércia estudantil que nossos alunos
parecem ter também “se acostumado” a habitar no espaço escolar.
99
Perguntávamos incessantemente como tramar no limite, no intervalo daquilo que não se
sabe, como nos propõe Derrida, nas pontes, nos vôos, nas margens, na exclusão. Como criar
nesse intervalo uma possibilidade inventiva de operação com a multiplicidade, a criatividade, a
relatividade e a contingência do sentido, experimentando aí um meio para o movimento de
pluralização, podendo rachar paredes e abrir espaços para o (re)significar, o (re)virar, o (re)criar,
como nos instiga Larrosa (2002).
Neste ponto, volto ao que Rolnik (apud GOZZER, 2003) sugere em relação à figura do
artista
76
, que deve ser chamada a ser, pelo menos, observada: “abre-se além de uma ‘porta’ social
para a figura do artista, outra perspectiva, ética” (p. 222). Rolnik entenderá ética “como
afirmação da vida como contínua desestabilização. Uma ética dada por constante subjetivação,
que deve chegar até o profissional, impelindo-o a uma nova postura: “estar à escuta da dor
causada pela desestabilização, anunciadora da finitude [...]” (idem, p. 222).
O que passei, então, a desejar perguntar teve seu trânsito por querer saber quais outras
formas de fazer poderiam enfrentar o caminho traçado a ferro e fogo por histórias tão
amarradas e engendradas na intersecção da Psicologia com a Educação, especialmente na sala de
aula da disciplina de Psicologia no Ensino Médio, e talvez criar outras andanças, outros trajetos.
Ouvir o “mal-estar que nossa pele nos sopra”, como sugere Rolnik, não seria uma possibilidade?
2.4.4 Três experiências quando tentamos fazer rizoma, produzir contralugares em salas
de aula de psicologia, o que acontece?
Durante o desenvolvimento da prática de meus alunos da disciplina de Prática de Ensino
em Psicologia, foram lançadas algumas propostas de trabalho às turmas com as quais eles
estavam trabalhando. As propostas foram de que essas turmas pudessem compor pequenos
grupos, tendo, cada um, o desafio de pensar, propor e desenvolver um projeto utilizando ou não
algumas ferramentas tecnológicas, tais como uma filmadora e uma máquina fotográfica
77
.
76
A figura do artista é referida no espaço da escuta clínica por Suely Rolnik, mas faço esse deslocamento para a
escuta na intersecção da Psicologia com a Educação.
77
Alguns grupos optaram por realizar trabalhos escritos de pesquisa e outros projetos, envolvendo um jornal, uma
pesquisa sobre sexualidade, outra sobre mercado de trabalho, um sarau poético-literário-musical, relativos a questões
que vinham sendo trabalhadas na disciplina de Psicologia em todas as turmas em que havia um aluno ou aluna da
licenciatura em Psicologia realizando sua prática.
100
A escolha que faço, por razões que explico a seguir, é trazer para este texto um recorte
que envolverá três trabalhos realizados por dois grupos do Ensino Médio de uma escola estadual
que utilizaram as ferramentas tecnológicas (câmera filmadora e máquina fotográfica) e que, com
elas, montaram três tipos de in(ter)venção. Os dois grupos optaram por utilizar as ferramentas
tecnológicas e produziram três tipos de filmagem
78
. Faço isso por entender que essas produções
realizadas pelos estudantes possuem estreita relação com os processos de produzir, tecer, tramar
histórias com as próprias mãos, ou seja, marcar as (des)venturas aventureiras dessas
composições rizomáticas-nômades-intensas-potentes de que nossa juventude
79
é capaz. Talvez
seja um de nossos papéis como educadores-tropeiros-nômades-viajantes-potentes-rizomáticos...
Sempre à procura de linhas de fuga ou, ainda, sempre tentando produzi-las...
Os projetos: o primeiro grupo definiu-se pela elaboração e filmagem de um curta-
metragem (Projeto I); para tanto, compôs história e roteiro e executou a filmagem. A
dramatização e a filmagem foram realizadas pelos próprios alunos e envolveram uma história que
tratava de questões relacionadas com amizade, prostituição, amor, tráfico de drogas, namoro,
festa, timidez, morte, família, solidariedade, o cuidado, relações pais-mães-filhos-filhas, o social,
dentre outras. Trata-se de questões que, reconheço, são caras à juventude contemporânea e que
raramente são abordadas e trabalhadas no espaço escolar.
Pretendo, à medida que trago as produções dos estudantes, levantar e abrir questões que
foram sendo produzidas nesse trajeto entre escutar suas vozes e realizar esta escrita. Não aqui
a intenção de analisar o material que foi produzido por eles. Desejo, no entanto, que esse
material, essas produções, sirvam para enfatizar as questões que foram se abrindo para mim como
professora-psicóloga e agora mestranda. Material experimental que criou cintilações e vontades
de pesquisar e escrever... provocações... sensações... afectos... perceptos...
Tenho como objetivo fazer falar essas vozes para que possamos ouvi-las de forma a tornar
nosso fazer psi um fazer problematizador e questionador. Um fazer que não se feche em si
mesmo – que, ao contrário, se abra para tantas outras composições possíveis.
78
Os três trabalhos encontram-se no Anexo F (compactados em uma pasta com os arquivos).
79
Eu sugeriria: nunca duvide da potência de um jovem, ao contrário, aposte nela, cruze com ela, esteja com ela,
trame com ela, auxilie-a a criar braços, bocas, olhos, brechas... Em um mundo explodido (Peter Pál Pelbart, 2005,
anotações de aula), é o mínimo que podemos tramar com quem trabalhamos e queremos ter por perto.
101
A produção realizada pelos estudantes, em um primeiro momento, desorganiza o universo
dito escolar. Instituem-se outras lógicas que também pertencem à vida afinal de contas, eles
estão produzindo uma história-filme. Eles se movimentam de outros modos no espaço escolar,
pois não ficam apenas em sala de aula, desorganizam seu espelho de classe e saem “à cata” de
outras histórias, como faz o “tempo que vive à cata dos corpos” (PROUST apud SILVA, 1991),
para esculpir, quem sabe, outros processos de subjetivação.
O que os alunos e alunas fizeram foi, de certa forma, abordar, enunciar, narrar, contar,
falar de algumas questões que raramente são abordadas no espaço escolar, na sala de aula, pois,
ao que tudo indica, parece haver um silenciamento em relação a elas. A escola, por sua vez, e por
ocupar um espaço disciplinador, instituído, com suas propostas ordenadoras de corpos e mentes,
talvez tente, de alguma maneira, apontar o caminho “correto” para o final de cada uma dessas
histórias. Penso que os alunos também não fogem desse processo de disciplinamento,
normatização e normalização, pois eles também se encontram embrenhados nos processos de
saber-poder da instituição e da produção dos sujeitos escolarizados. Tanto que, ao finalizarem sua
produção, colocam-se de forma ordeira novamente naquilo que se conhece, que parece
“verdadeiro”, “certo” e “melhor”. Para ilustrar esses movimentos dos alunos, trago uma das
colocações finais de uma de suas produções: “Diga não às drogas”. Assim, volta-se ao
instituído, ao pretensamente sabido...
Apesar disso, pergunto como a escola
80
e a disciplina de Psicologia poderiam fazer uso
desse material, de toda a produção realizada pelos estudantes ou estimular a produção desse
tipo de material de forma a abrir as comportas e não de fechá-las, fazendo de conta que essas
questões não estão lá, que isso o acontece, que esse não é seu/nosso papel. Penso que tanto a
escola quanto a própria disciplina de Psicologia podem boicotar ou mesmo desprezar,
menosprezar ou, ainda, fingir que não viram, que não tem jeito, que jovem é tudo igual, que
o mundo é assim mesmo.... Que qualquer idéia nova não passa de utopia... Mas continuo
perguntando: como, então, implicarmo-nos com isso como fazedores do campo psi?
80
Importante referir que, naquela ocasião, não conseguimos trabalhar todos esses aspectos que estão sendo elencados
por mim nesta dissertação. Isso se deu em função do pouco tempo disponível de estágio/prática que meus alunos e
alunas possuíam, bem como porque as propostas de trabalhar com esses projetos haviam sido feitas mais para o final
do estágio/prática.
102
Trago, neste momento, outros dois trabalhos realizados pelo segundo grupo, que se
decidiu pela elaboração e filmagem de entrevistas com as professoras, a coordenadora, a vice-
diretora da escola e com os próprios colegas
81
. Para tanto, o grupo escreveu um roteiro com
perguntas direcionadas a questões vividas na escola e executou a filmagem (Projetos II e III). As
questões levantadas tiveram relação com alguns problemas enfrentados pelos alunos no espaço
escolar, tais como: o motivo pelo qual o portão que leva às salas de aula permanece fechado
(trancado com cadeado), o que as professoras acham da Educação e dos próprios alunos, bem
como de que forma os colegas percebem, vivem o espaço escolar e dele se apropriam. As pistas
pareciam vir dos próprios alunos, na medida em que invertiam lógicas escolares, tomavam a
palavra, teciam, escreviam, compunham histórias com as próprias mãos, histórias menores,
como proporia Kafka, histórias do cotidiano.
A sensação que tivemos era a de que, ao invés de requisitarem explicações do mundo psi
sobre o que são, sobre por que tomam determinadas atitudes, de que forma deveriam se cuidar, se
comportar, usar o corpo, etc., os alunos buscaram saber de que forma a escola e as professoras os
vêem, os avaliam, os tratam, os percebem.
Remexendo em questões escolares, os alunos tentam colocar em xeque determinadas
hierarquias institucionais; exploram certos temas tidos como tabu ali, tais como: namoro,
amizade, o encontro dos corpos e, talvez, o medo das potências que estes encontros podem
acionar... Buscam saber de que forma eles próprios vivem o espaço escolar; deslocam o lugar da
escola apenas como espaço para o ensino-aprendizagem, o espaço da recognição, passando a
operar com a invenção de outras possibilidades do aprender. A instituição aqui funciona como
máquina de captura
82
, pois só dá liberdade se for feito o que a instituição ordena, se os estudantes
forem para a escola para estudar, e não para namorar, passear ou fazer outras coisas... Tudo
parece ter seu tempo e lugar: nada mais desenvolvimentista e adaptacionista... Resquícios de
certo projeto moderno que tanto rondou e forjou nossos caminhos e formações?
Com certeza, durante os trabalhos que realizamos, nunca houve uma promessa de um
lugar melhor; houve, sim, uma tentativa de experimentar outros lugares, ainda que provisórios
81
Esses dois trabalhos encontram-se, na íntegra, no Anexo E.
82
Máquina de captura é um conceito que será trabalhado e analisado, juntamente com o material de pesquisa, logo
adiante, no Capítulo IV desta dissertação.
103
e contingentes, comprometidos com práticas e valores não tão instituídos, para que fosse
possível tentar experimentar/acionar uma potência criadora e (talvez) produzir outras formas do
fazer psi nas práticas escolares e na sala de aula. Sim, pois potência aqui tem cheiro de vontade
de potência nietzschiana, em que vontade é desejo de sair de onde se está, vontade é
pensamento; e vontade é também afetonos ensinou Nietzsche (FISCHER, 2003, p. 5, grifo
meu)
83
. Pergunto aqui: qual seria, onde está, como fica o espaço do aluno na instituição escolar?
Como seria possível ocupar um espaço de resistência, de máquina de guerra
84
na sala de aula
psi? Como fazer isso acontecer em plena escola, nas salas de aula, na disciplina de Psicologia?
Essas questões aparecem também no terceiro trabalho (Projeto III), realizado pelo
segundo grupo. Aqui os estudantes se propõem a entrevistar seus próprios colegas.
Pergunto: como dar passagem às disposições artísticas/estéticas de cada aluno, de cada
potência? Como abrir espaço para que isso apareça como algo criativo, inventivo, autoral, e não
apenas perceber esses acontecimentos como matação” de aula, de um não querer nada com
nada, de um desinteresse pela sala de aula, pela professora, pela matéria? Como colocar em
ação uma máquina de guerra nesse grupo de resistência? Como cavar um espaço psi nas
instituições escolares para uma invenção de outros mundos possíveis, talvez mais artísticos-
poéticos-musicais-literários...?
Tinha, com essas propostas, o intuito de trabalhar com outras ferramentas, com outras
linguagens e formas de expressão que dificilmente operam no espaço escolar. Como afirma
Deleuze (apud FERREIRA, 2003), inspirado em Espinosa, o encontro entre os corpos que
podem ser humanos, artísticos, pedagógicos, materiais, tecnológicos, etc. pode ser gerador de
um constrangimento ativador do pensamento. Desse modo, entendo que o encontro com outros
dispositivos poderia disparar outras lógicas, outros sentidos, capazes de forçar a pensar para
além dos campos conhecidos e amortecidos de saber.
Pretendia, com as propostas, provocar ação, colocar em xeque a linearidade requerida e
insistentemente buscada pelo processo ensino-aprendizagem. De acordo com Nietzsche, a
83
Nietzsche, conforme Fischer (2003), “em seu livro Genealogia da Moral, enfatiza: ‘é melhor ter vontade do nada
do que de forma alguma não querer” (p. 5).
84
Máquina de guerra é um conceito que será trabalhado e analisado, juntamente com o material de pesquisa, no
Capítulo IV desta dissertação.
104
linearidade estaria fadada ao fracasso, sobretudo porque não poderia compreender a dimensão
trágica do mundo. Nas palavras do filósofo, existiria
apenas uma visão perspectiva, apenas um “conhecer” perspectivo; e quanto
mais afetos permitirmos falar sobre uma coisa, quanto mais olhos, diferentes
olhos soubermos utilizar para essa coisa, tanto mais completo será nosso
“conceito” dela, nossa “objetividade”. Mas eliminar a vontade inteiramente,
suspender os afetos todos sem exceção, supondo que o conseguíssemos:
como? - não seria castrar o intelecto?... (1998, p. 109, grifo meu).
Na busca por rompimentos e desejando outras formas de intervenção, fui propondo viver
o espaço psi da sala de aula como trincheira (GALLO, 2003). Para tanto, fiz a proposta de
utilização de algumas ferramentas, outras linguagens e formas de expressão, na medida em que
entendia que essas escolhas poderiam potencializar ou disparar outros modos de fazer/ter/dar aula
naquele espaço. Ao lançarmos mão dessas outras ferramentas câmera filmadora e máquina
fotográfica –, que raramente fazem parte do espaço sedentário de aprendizagem, sabíamos que
corríamos riscos, pois, tentando desestabilizar processos instituídos e ativar outros instituintes,
não sabíamos bem onde, como ou quando chegaríamos, se é que chegaríamos... Porém, não
cabia mais, como nos diria Deleuze, “temer ou esperar, mas buscar novas armas” (1998, p. 220).
Acreditava que a possibilidade de experimentar outras linguagens e formas de expressão
talvez fosse algo capaz de produzir certa maleabilidade do pensamento e das palavras e, assim,
aproximar as experiências de um fazer mais experimental, podendo funcionar como uma
alternativa de rompimento para com a rigidez ordeira do conhecimento psi escolarizado.
Desejava que, com essas experimentações, que chamarei aqui de estéticas, fosse possível
transpor as cristalizações do conhecimento, da necessidade sempre desejada do explicar, do dizer,
do catalogar, do responder, tão caros à lógica escolar instituída, macro e molar. Essas
experimentações estéticas poderiam, quem sabe, favorecer algumas (des)conexões com o fazer
tarefeiro da sala de aula e forçar a pensar, passando do plano dos lugares-territórios
constituídos e instituídos ao plano das frestas, das (des)continuidades, dos fluxos instituintes.
Buscávamos, meus alunos e eu, uma possibilidade de (des)territorialização, (des)envolvimento,
deslocamento, um abandono do lugar fixado pelo saber psi-pedagógico. Trazendo mais uma vez
Foucault: “de que valeria a obstinação do saber se ele assegurasse apenas a aquisição dos
105
conhecimentos e não, de certa maneira, e tanto quanto possível, o descaminho daquele que
conhece?” (1998, p. 13).
Se o pretendido era, como sugere Gallo (2003), trabalhar nas margens, com a
multiplicidade, com a pluralidade, romper fronteiras e propor viver a sala de aula como
trincheira, como resistência, como dobra no campo de articulação no qual estava tramando, teria
que ousar abrir espaço e operar com algo que ainda não podia nomear, dizer, prever, com algo
que escapava, com algo da ordem do menor tomado aqui como devir que daria a pensar nas
invenções, nas criações, nos movimentos, nas afecções, nas composições, nos efeitos que se
produziriam no fazer singular de cada grupo, de cada existência.
Operaríamos por algum tempo no registro do impossível, ou seja, com o imprevisível,
com o ainda não sabido, com o ainda não pensado. Operaríamos não mais no registro da cópia,
do simulacro, mas no intervalo, no entre, no vôo, colocando-nos como estrangeiros em nosso
próprio fazer, propondo-nos a pensar de outro modo o direito a explorar o que, no próprio
pensamento, pode ser mudado pelo exercício de um saber que lhe é estrangeiro, como nos
proporia Foucault. Passamos a desejar retomar a criação – dar a criar com as próprias mãos
85
-,
agindo não mais somente como consumidores de imagens-histórias, mas também como criadores
e autores de imagens-histórias. Produzir imagens-histórias seria, talvez, uma possibilidade
(dentre tantas outras possíveis) de viver a diferença, pois aqui o sujeito se desloca, se descola
do lugar passivo e passa a ocupar o lugar de autor-criador de sua obra: imagens-histórias-
aventuras... Ele pode tornar-se um possível produtor de alteridade.
Nossas propostas, ainda que modestas e bastante experimentais, deram-se no sentido de
tentar disparar a possibilidade de, como nos sugere Cibele de Melo, fiar outros fios, tecer outras
tramas, compor outros devires, ousando assumir um lugar mais autoral deste/neste fazer, pois,
como a autora nos põe a pensar: “a nós, parece ter sobrado inventar-nos inventando. Porque o ser
humano é ser do devir: ao contrário dos animais, que nascem assujeitados à biologia, seres do
instinto, nós não nascemos prontos, predeterminados. Somos pura invenção. Temos de fazer-
nos” (s/ano, p. 140, grifo meu).
85
Refiro-me aqui aos alunos da escola com quem meus estagiários estavam realizando suas práticas
.
106
Desse modo, nossa tentativa de assumir um espaço inventivo e autoral teve relação com o
que poderíamos chamar de “autoria de pensamento” (SORDI, 2003, p. 149, grifo meu). Regina
Sordi entende que autoria, no processo de aprendizagem, tem relação com a “vontade de produzir
efeitos” (p. 149). Conforme a autora,
autoria não tem a ver com o que está feito, não é compreendida como um
produto, mas como uma abertura para o sempre inacabado; fala mais de um
devir, um modo de situar-se, uma ética que tem a ver com o desejo de
produzir e com as possibilidades produtivas do outro (p. 150, grifo meu).
A autoria necessita de um intervalo e, desse modo, está mais próxima do trabalho
imaginado de um oleiro, nas palavras de Cruz (apud SORDI, 2003),
modelando umas caçarolas, umas vasilhas e que, em certo momento, interrompe
seu trabalho, um instante antes de levar essas panelas ao fogo... E o que faz o
oleiro nesta interrupção? Algo que até ali não havia feito em seu trabalho: toma a
ponta de um instrumento e decide incluir umas marcas, um desenho em sua panela
e continua aquele processo até o seu término. Que intervalo se abre nesta
interrupção? A eficácia de um gesto de autoria, nos diz Cruz (p. 149, grifo
meu).
Sordi (2003) continua, fazendo referência à “importância de incluir descontinuidades em
processos que, de outra forma ficariam subsumidos a uma outra lógica, a da eficiência das
continuidades, da falta de intervalos, de descanso, de pensamento” (p. 149). Sendo assim,
para que o oleiro possa encontrar-se com sua autoria, precisa não somente do
ato criativo - novas formas de produção - mas encontrar um sentido na
própria obra: a possibilidade de que, a partir dali, essa panela seja portadora
de sua marca, seus sinais, que fale para si de um outro modo, em sua
produção. Precisa romper com o destino e inscrever-se nas condições de sua
própria história. O movimento paradoxal da autoria é que, simultaneamente,
o sujeito se encontra e é encontrado (idem, p. 149, grifo meu).
Assim, parece que o que essas experimentações proporcionaram nesses movimentos e
tentativas de invenção, de autoria e busca de resistência àquilo que parecia produzir
apequenamento de vida nas práticas escolares da disciplina de Psicologia foi uma
descontinuidade, um descolamento do processo sedentário do saber psi escolar. Ousamos pensar
possibilidades rizomáticas no sentido de que o estão a priori estabelecidas pelos Programas
da Psicologia e da Escola de um outro fazer psi na sala de aula, propondo a ocupação de
espaços de resistência e criação nessa massa psicocientífica que se pretende hegemônica,
107
universal e homogênea, abrindo-se possibilidades para outras narrativas e histórias. Procuramos
dar não voz ao outro, esses sujeitos escolares, como também passagem às produções, às
resistências, às fissuras e aos efeitos que eles podem produzir (ou não) no espaço escolar, tendo
sempre em mente que, nas fissuras, nas brechas, nas frestas, existe também a possibilidade de
produção de verdades.
Entendo que esses sujeitos habitam um lugar ativo nos engendramentos, nas invenções,
nas criações e nos movimentos dos processos escolares. Sendo assim, a possibilidade de um
deslocamento do movimento proposto pelo processo ensino-aprendizagem, na maioria das vezes,
tão sedentário, fez-se minimamente possível. O que pretendíamos, além de dar passagem às
vozes e aos corpos, geralmente silenciados no espaço escolar, era usar a disciplina de Psicologia
como um dispositivo que pudesse colocar em movimento forças invisíveis e singulares e, assim,
talvez produzir outros agenciamentos, novos acontecimentos, enredos e tramas dos sujeitos/atores
na sala de aula e no espaço escolar. O intuito era promover ação, exercitar autoria, trabalhar com
o desejo pelo novo
86
e com a produção do coletivo. Não havia como objetivo dar o conteúdo, mas
dar a pensar, forçar pensar, por meio das filmagens, das histórias, do movimento dos corpos,
das entrevistas, das conversas, do se (re)mexer de outras formas no espaço escolar (e também psi
da sala de aula).
Fomos sentindo que, à medida que esses aprendentes se apropriavam de outras
ferramentas e, de certo modo, invertiam certa lógica escolar sedentária e instituída, eles se
colocavam do lado daqueles que fazem as perguntas e desocupavam o lugar de sujeito-escolar-
aluno-o-sem-luz, aquele que teoricamente não sabe, que apenas responde o que está
descrito/escrito nos livros didáticos e repete o que a professora ou o professor espera. Esses
aprendentes passaram também a desocupar o lugar daqueles que conversam insistentemente ou se
deslocam desassossegadamente pela sala de aula, para produzir um outro lugar, dar um outro
lugar a essas vozes, a esses corpos, a esses movimentos...
Tivemos uma abertura, uma brecha, por pequena que fosse, para balançar algumas
estruturas instituídas do fazer psipedagógico e lançar outros olhares, outros sentidos para
(possíveis) movimentos instituintes a serem vividos no espaço de intersecção da Psicologia e da
86
Pois sabemos o quanto desejo pela mesmidade. As instituições apontam-nos certos caminhos para continuarmos
produzindo, repetindo o mesmo, a mesmidade.
108
Educação. Desejávamos uma Psicologia capaz de produzir alteridade, de fazer brotar o desejo,
uma Psicologia agenciadora das vontades de potência
87
.
De acordo com Alfredo Naffah Neto (1996), tomaremos o conceito de vontade de
potência a partir de uma perspectiva genealógica, ou seja, aqui vontade de potência e vida serão
entendidos como sinônimos. Nesse sentido “o termo, potência ou poder, indica justamente aquilo
que constitui a vontade e que, do seu âmago, pulsa, luta e se desdobra, em busca de expansão,
exaltação” (p. 60). Nesse sentido, segundo Naffah Neto,
a vontade não é carente de potência. Aliás, não é carente de nada; no dizer de
Heidegger, a vontade quer a si mesma, seu crescimento, sua superação, e a
potência é potência à medida que continua a ordenar-se mais potência,
permanentemente a caminho de si mesma, em contínuo devir. Finalmente,
convém esclarecer, seguindo as indicações de Gilles Deleuze, que o poder ou
potência de que se fala aqui é um poder criador: criador de vida, criador de
mundo, criador de subjetividades, ou, num só termo, criador de valores.
Nesse sentido, o conceito adquire uma abrangência que transpassa todo o universo
(idem, p. 60, grifo meu).
Como diria Nietzsche: "Esse mundo é a vontade de potência e nada além disso! E
também vós sois essa vontade de potência e nada além disso!" (p.60). É como vontade de
potência que me movimento e movimento este ensaio dissertativo sempre no sentido de buscar
potencializar-me como professora-psicóloga na Educação. É com este trabalho de pesquisa que
vou buscar ensaios, experiências e trajetos realizados no percurso de minha caminhada por esses
campos de saber, procurando colocar em xeque, problematizar e levantar questões sobre o meu
próprio fazer e tudo o que ele implica nas relações que estabeleço com as pessoas/os atores com
quem trabalhei e inventei histórias... Nem melhores, nem piores, apenas outras histórias, alguns
ensaios...
87
Cf. NAFFAH NETO, A. Nietzsche - A vida como valor maior. São Paulo: FTDA, 1996. O conceito de vontade de
potência é colocado da seguinte forma: “o conceito central da ética nietzschiana, também fruto de múltiplos mal-
entendidos, denomina-se vontade de potência ou vontade de poder, conforme as duas traduções que normalmente
são dadas ao alemão Wille zur Macht. Podemos dizer que, dentro da perspectiva genealógica, vontade de potência e
vida são sinônimos; entretanto, a filosofia nietzschiana desdobra-se também numa cosmologia e, no interior dessa
cosmologia, o conceito tem uma abrangência maior, uma vez que inclui o mundo inorgânico. Apesar de todas as
dificuldades que cercam essas questões, vamos tentar definir aqui o significado de vontade de potência. O conceito é
formado por dois termos: vontade e potência, ligados pela preposição de. Em primeiro lugar, convém não tomar o
termo vontade com o sentido que ele adquiriu na psicologia contemporânea, como faculdade da mente humana. Ele
descreve um conjunto de forças impessoais, anônimas, sempre em luta, envolvidas em movimentos de expansão,
exaltação, apropriação, transmutação, operando uma contínua destruição e criação de formas. O segundo termo,
potência ou poder, indica justamente aquilo que constitui a vontade e que, do seu âmago, pulsa, luta e se desdobra
em busca de expansão, exaltação [...]” (1996, 59-60).
109
CAPÍTULO III
É NAS ANDANÇAS DA VIDA QUE CONSTITUIMOS NOSSOS CAMINHOS:
E A TAL METODOLOGIA?
Ao que me parece, teimo em começar do meio do caminho... Esclarecer aqui a potência
de ter experienciado/vivido o lugar da docência em momentos anteriores ao estágio-processo do
Mestrado, em que me encontro agora, traz alguns limites, eu diria, burocrático-papelísticos... A
potência acionada pelo prazer do fazer na docência, do estar lá, com a mão suja de/no barro, com
as idéias não na cabeça ou no papel, mas na fala, em dizeres, trocas, fazeres cotidianos com os
alunos, é uma emoção de que não posso me furtar agora. O Mestrado, ser mestranda, tem outras
cores, outras dores, outras potências, outros prazeres que estão sendo conhecidos neste momento
de escrita, pesquisa, troca, leituras, buscas... A docência ensinou-me a procurar ser uma
professora atratora militante
88
, enquanto que o Mestrado tem me ensinado o quanto ainda tenho
que aprender, ler, estudar e escrever para continuar realizando (des)conexões, deslocamentos,
descolamentos, descentramentos... para (talvez) continuar enchendo este nosso mundo de
histórias, por pequenas que sejam, por mais simples que elas pareçam ser... Aqui lembrei-me de
Foucault (2000) quando ele trata do papel do intelectual na contemporaneidade: “Ora, o que os
intelectuais descobriram recentemente é que as massas não necessitam deles para saber; elas
sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que eles; e elas o dizem muito bem” (p. 71).
Deleuze, nessa conversa com Foucault, pergunta: “Quem fala e age? Sempre uma multiplicidade,
mesmo que seja na pessoa que fala ou age. Nós somos todos pequenos grupos. Não existe mais
representação, existe ação: ação de teoria, ão de prática em relações de revezamento ou de
rede” (apud FOUCAULT, 2000, p. 70).
88
Professor atrator possui aqui o sentido utilizado por Kastrup (2001) quando trabalha esse conceito em seu texto:
Aprendizagem, Arte e Invenção. In: LINS, Daniel (org); Nietzsche e Deleuze – Pensamento Nômade. Rio de Janeiro:
Relumé Dumará; Fortaleza, CE: Secretaria da Cultura e do Desporto do Estado, 2001. Professor militante tem aqui o
sentido que Gallo (2003) ao conceito. Ambos os conceitos estarão presentes e serão discutidos nesta dissertação
no Capítulo IV.
110
Explicar como percorri o caminho-pesquisa até a escola onde realizei minha pesquisa
in(ter)venção parece-me algo capaz de potencializar o meu fazer e, ao mesmo tempo, algo um
pouco difícil. Explico-me: tenho a impressão de que isso ocorreu pelo fato de parecer ter
estado (em termos de ter estado em salas de aula anteriormente e também em termos de
desejo!), ou seja, de eu querer estar realizando aquele tipo de trabalho-in(ter)venção como
professora, e não como pesquisadora. Desejava criar, inventar, trabalhar o/no barro... Mas meu
papel, naquele momento, parecia ser outro, era outro! Vivi, naquele momento, em minha pele, a
impossibilidade da neutralidade, bem como a mistura de ser, ao mesmo tempo, pesquisadora-
professora-psicóloga....
Estava porque desejava me debruçar sobre aquilo que, no campo psi, tem sido
extremamente desvalorizado, muito pouco pensado e feito: a docência na licenciatura do Ensino
Médio. Arriscaria dizer ainda mais: desejava estar por saber que (talvez) eu pudesse fazer
alguma diferença (por pequena que fosse) nessa massa psi, que se quer muitas vezes hegemônica,
verdadeira, ordeira, sempre à procura da origem, dos porquês ou mesmo da sensação de não
haver nada a fazer na aula de Psicologia. Necessário colocar, ainda, que rara literatura ou
trabalhos escritos nessa área de atuação de docência na licenciatura do/no campo psi. Existem
pouquíssimos, raríssimos trabalhos realizados, além de uma ampla negação, por parte dos
profissionais psicólogos e psicólogas, de que essa área realmente exista.
Dito isso, passemos, então, à metodologia, ou melhor, às ferramentas metodológicas que
utilizarei para trabalhar nesta pesquisa. Essas ferramentas encontram ressonância com o que o
campo dos Estudos Culturais têm proposto, na medida em que a metodologia dos Estudos
Culturais possui uma marca “desconfortável, pois eles, na verdade, não têm nenhuma
metodologia distinta, nenhuma análise estatística, etnomenológica ou textual que possam
reivindicar como sua” (NELSON et alli, 1995, p. 9). Os autores apontam que essa “ metodologia,
ambígua desde o início, pode ser mais bem entendida como bricolage. Isto é, sua escolha da
prática é pragmática, estratégica e auto-reflexiva” (p. 9). Para os Estudos Culturais, “nenhuma
metodologia pode ser privilegiada ou mesmo temporariamente empregada com total segurança e
confiança, embora nenhuma possa tampouco ser eliminada antecipadamente” (idem, p. 10). Além
disso, esse campo de saber não tem qualquer garantia sobre quais são as questões
111
importantes a serem feitas em dados contextos nem como respondê-las(idem, p. 10, grifo
meu).
Desse modo, o que pretendo é realizar uma bricolage das possibilidades metodológicas
que possuo no trânsito que venho realizando em minha trajetória como psicóloga-professora-
pesquisadora como um possível arsenal para trabalhar neste estudo-pesquisa. De acordo com
Hall, um dos objetivos centrais da metodologia dos Estudos Culturais “era permitir que as
pessoas entendessem o que estava se passando e, especialmente, fornecer formas de pensar,
estratégias de sobrevivência e recursos de resistência” (apud NELSON et alli, 1995, p. 9).
Relevante levar em consideração que “os Estudos Culturais se aproveitam de quaisquer campos
que forem necessários para produzir o conhecimento exigido por um projeto particular” (idem, p.
9). Aqui podemos entender esse campo
como uma espécie de processo, uma espécie de alquimia para produzir
conhecimento útil sobre o amplo domínio da cultura humana. Trata-se, agora, de
uma alquimia que se aproveita de muitos campos principais de teoria das últimas
décadas, desde o marxismo e o feminismo, até a psicanálise, o pós-estruturalismo
e o pós-modernismo (NELSON et alli, 1995, p. 9).
Com a bagagem proposta pelos Estudos Culturais, fui em busca de um espaço para
realizar esta pesquisa. Passei, então, a procurar a escola como cartógrafa
89
. Fiz os contatos
necessários com várias instituições escolares, pois a maioria não possui a disciplina de Psicologia
no Ensino Médio. Ao encontrar uma escola que se mostrou disponível (depois de ter-me sido
negado o acesso a algumas escolas que possuíam a disciplina), fui até essa instituição escolar.
Essa escola pertence à Rede Estadual de Ensino e possui Ensino Médio, é freqüentada por jovens
pertencentes às camadas médias e menos favorecidas do espaço urbano; fica situada no bairro
Floresta da cidade de Porto Alegre.
Na escola, conversei com a orientadora, que foi a primeira pessoa a me receber. Nesse
momento, apresentei o projeto
90
de pesquisa que pretendia desenvolver naquela escola. A escola
acolheu o projeto e permitiu que a pesquisa fosse realizada. Logo depois, fui conduzida à
professora da disciplina, para quem também expliquei o projeto. Aproveitamos para acertar a
forma como poderíamos estar trabalhando.
89
Logo mais, neste mesmo capítulo, explicarei com maiores detalhes o que se entende por cartografia.
90
O Projeto e os Termos de Consentimento Informado encontram-se no Anexo F (pasta contendo os dois arquivos).
112
Realizei a pesquisa com apenas uma turma de primeiro ano do Ensino Médio, que tinha
dois períodos semanais de aula de Psicologia. A formação da professora era em Pedagogia -
Séries Iniciais, com Orientação Educacional e Matérias Pedagógicas (o que a habilita a dar aula
de Filosofia, Sociologia, Psicologia e Didática Geral). A professora encontrava-se realizando
curso de especialização em Psicopedagogia em uma faculdade da capital. A turma era formada
por 40 alunos e alunas, sendo que, em média, compareciam de 23 a 25 alunos e alunas
diariamente.
Para essa pesquisa utilizei ferramentas de construção investigativa, tais como:
1) Observações em sala de aula (08);
2) Intervenções-oficinas
91
(06) que envolveram: oficinas com montagem de cartazes com
questões sobre a Psicologia (02) e posterior discussão realizadas no grande grupo (02); Oficinas
de montagem de histórias sobre a Psicologia (02);
3) Entrevistas grupais com alunos/as (03); entrevista individual com aluna (01) e
entrevista individual com a professora de Psicologia (01).
Os encontros (observações e oficinas) ocorreram em sala de aula e na sala de vídeo. As
entrevistas com os/as alunos/as foram realizadas na sala do Grêmio Estudantil da escola e a
entrevista com a professora foi realizada na sala dos professores. No transcorrer da pesquisa,
montei um roteiro semi-estruturado de entrevista para ser usado com os alunos e alunas e com a
professora da turma. O tempo de freqüência na escola foi de aproximadamente três meses e meio.
Para as entrevistas, foram montados grupos de acordo com o desejo dos próprios
estudantes, conforme eu havia colocado para eles desde o início da pesquisa
92
. Para tanto, alunos
selecionaram entre eles mesmos a composição de cada grupo que seria entrevistado por mim.
Tivemos, então, 03 entrevistas grupais. Cada uma com três a cinco participantes. Por solicitação
de uma das alunas, apenas 01 entrevista individual.
91
Os registros realizados com a filmadora, a máquina fotográfica ou o gravador foram feitos pelos próprios alunos e
alunas na medida em que sentiam vontade de fazê-lo. O uso desses equipamentos não era obrigatório, apenas os
disponibilizei ao grupo. Entendo que a utilização daquelas ferramentas tecnológicas poderiam (ou não) colocar os
alunos em outras posições e movimentos na sala de aula disparando, talvez, outros processos de autoria e criação.
92
Desde o início da pesquisa, disse para a professora e para os alunos que a pesquisa, incluindo todas as suas
partes, iria ser realizada somente com aqueles alunos que demonstrassem interesse em participar. Para tanto,
apresentei os Termos de Consentimento, pedindo que todos que desejassem participar o assinassem.
113
Para as anotações diárias sobre o que acontecia na sala de aula e na escola, o que ouvia
nas conversas que mantinha com os estudantes e com a professora, orientadora, vice-diretora e
diretora, mantive um diário de campo. Nesse diário de campo, relatava também meus
sentimentos, impressões, culpabilizações, angústias, dificuldades, alegrias... Esse diário será lido,
olhado, atravessado de forma perspectiva, como uma história que não apresenta (ou representa)
aquilo que “realmente” acontece, mas como uma história que se encontra impregnada da minha
maneira de enxergar e de contar essa história, esses contos, esses causos... Tentarei aqui
relativizar o teor de “realidade” ou de “verdade que poderia se encontrar nas páginas desse
diário de bordo...
Como forjar, então, um caminho-método-linha para seguir nesta escrita, neste pensar,
neste tornar-se o que ainda nem cabe em mim? Acompanhar-me de Ney Matogrosso parece uma
interessante opção...
Transpiração
A inspiração vem de onde
Pergunta pra mim alguém
Respondo: talvez de Londres
De avião, barco ou bonde
Vem com meu bem de Belém
Vem com você nesse trem
Das entrelinhas de um livro
Da morte de um ser vivo
Das veias de um coração
Vem de um gesto preciso
Vem de um amor, vem do riso
Vem por alguma razão
Vem pelo sim, pelo não
Vem pelo mar gaivota
Vem pelos bichos da mata
Vem lá do céu, vem do chão
Vem da medida exata
Vem dentro da tua carta
Vem do Azerbaijão
Vem pela transpiração
A inspiração vem de onde
Vem da tristeza alegria
Do canto da cotovia
Vem do luar do sertão
Vem de uma noite fria
114
Vem olha só quem diria
Vem pelo raio e trovão
No beijo dessa paixão
A inspiração vem de onde
(Letra e música de Alzira Espíndola/Itamar Assunção, na voz de Ney Matogrosso)
Na escrita que penso a partir do que vivi naquela escola, não pretendo fazer
generalizações da forma como fazem os paradigmas científicos, mas sim buscar singularidades e
operar no sentido de entender a vida, a escola, os fazeres, as pessoas, esses atores sociais como
processos, como processualidade.
3.1 Uma perspectiva cartográfica
Neste ponto, acompanhar-me-ei também de outros intercessores e intercessoras que, com
seus fazeres, nos ensinam, nos desviam e, melhor ainda, continuam nos colocando em
movimento. Vou aqui estabelecer algumas conexões com os conceitos de autores e autoras que
tomo como ferramentas para pensar a experiência da Psicologia-Educação naquele espaço
escolar.
E é nessa direção que convoco, agora, Rolnik (1989) para nos falar um pouco da prática
de um cartógrafo. Essa prática, para a autora, está relacionada às estratégias das formações do
desejo do campo social, não importando que setores da vida social o cartógrafo tome como
objeto, mas sim que ele esteja “atento às estratégias do desejo em qualquer fenômeno da
existência humana que se propõe explorar”
93
(p. 66). Para o cartógrafo, teoria é sempre
cartografia, na medida em que se compõe e que se faz “juntamente com as paisagens cuja
formação acompanha” (idem, p. 66). Assim, “tudo o que der língua para os movimentos do
desejo, tudo o que servir para cunhar matéria de expressão e criar sentido, para ele é bem-vindo”
(idem, p. 66). Para esse feito, o cartógrafo absorve e apodera-se de teorias de qualquer
procedência, entendendo que “todas as entradas são boas, desde que as saídas sejam múltiplas”
(idem, p.66). O fazer cartográfico, para a autora, abre-se para as mais variadas linguagens e
estilos e serve-se de fontes as mais diversas e plurais, incluindo fontes o escritas e nem
93
“Desde os movimentos sociais, formalizados ou não, as mutações da sensibilidade coletiva, a violência, a
delinqüência... até os fantasmas inconscientes e os quadros clínicos de indivíduos, grupos e massas
institucionalizadas ou não” (ROLNIK, 1989, P. 66).
115
teóricas, podendo seus operadores conceituais surgir tanto de um filme quanto de uma conversa
ou de um tratado de filosofia.
Rolnik faz do cartógrafo um verdadeiro antropófago, que viveria de “expropriar, devorar e
desovar, transvalorado” (p. 67), alguém que estaria sempre buscando “elementos/alimentos para
compor suas cartografias” (idem, p. 67). Assim, o critério de suas escolhas seria o de:
descobrir que matérias de expressão, misturadas a quais outras, que composições
de linguagem favorecem a passagem das intensidades que percorrem seu corpo no
encontro com os corpos que pretende entender. Entender para o cartógrafo não tem
nada a ver com explicar e muito menos revelar. Para ele não nada em cima,
nem embaixo. O que em cima, embaixo e por todos os lados o intensidades
buscando expressão. E o que ele/ela quer é mergulhar na geografia dos afetos e ao
mesmo tempo, inventar pontes para fazer sua travessia: pontes de linguagem
(idem, p. 67).
Percebemos que a linguagem, nessa perspectiva, não é tomada como um veículo de
mensagens e salvação, sendo antes e em si mesma, criação de mundos, tapete voador, veículo
capaz de disparar e de promover a transição para novos mundos, para novas formas de história,
podendo-se dizer que, na prática do cartógrafo, se integram história e geografia (ROLNIK,
1989). Para a autora, os procedimentos do cartógrafo não importam, pois ele sabe que deve
“inventá-los em função daquilo que pede o contexto em que se encontra”, não havendo nenhum
“protocolo normalizado” (p.68).
O problema para o cartógrafo não é o do falso-ou-verdadeiro, nem o do teórico-
ou-impírico, mas sim o de vitalizante-ou-destrutivo, ativo-ou-reativo. O que ele
quer é participar, embarcar na constituição de territórios existenciais, constituição
de realidade. Ele não teme o movimento, deixa seu corpo vibrar todas as
frequências e fica inventando posições a partir das quais essas vibrações
encontrem sons, canais de passagem, carona para a existencialização. Ele aceita a
vida e se entrega, de corpo-e-língua (ROLNIK, 1989, p. 68).
O perfil do cartógrafo, para Rolnik, seria definido “exclusivamente por um tipo de
sensibilidade que ele propõe fazer prevalecer em seu trabalho” (p. 68), aspirando a colocar-se na
“adjacência das mutações das cartografias, posição que lhe permite acolher o caráter finito
ilimitado do processo de produção de realidade que é o desejo” (idem, p. 68). Para tanto, o
cartógrafo utilizar-se-ia de
116
um “composto híbrido”, feito do seu olho, mas também do seu corpo vibrátil, pois
o que quer é apreender o movimento que surge da tensão fecunda entre fluxo e
representação: fluxo de intensidades escapando do plano de organização de
territórios, desorientando suas cartografias, desestabilizando suas representações
e, por sua vez, representações estacando o fluxo, canalizando as intensidades,
dando-lhes sentido. É que o cartógrafo sabe que não tem jeito: esse desafio
permanente é o próprio motor de criação de sentido. Desafio necessário e, de
qualquer modo, insuperável da coexistência vigilante entre macro e
micropolítica, complementares e indissociáveis na produção de realidade
psicossocial (ROLNIK, 1989, p. 69).
Rolnik prossegue, enfatizando que os princípios do cartógrafo seriam o extra-moral, o
político e o ético. Extra-moral porque o cartógrafo nada teria a ver com normatividade,
julgamento ou interpretação, mas com o antiprincípio que o obriga a estar em permanente
mutação de princípio. O critério ético do cartógrafo deve-se ao fato de que sua análise de desejo e
das linhas de fuga dos territórios mutantes está longe de sustentar valores, mas pretende criar
territórios de existência que sustentem a vida em seu movimento de expansão(1989, p.74,
grifo meu).
A autora diz ainda mais: que o cartógrafo exige do pesquisador um devir-artista, já que ele
vive no seu corpo os processos de outros devires de subjetivação e escolhe, diante de milhares de
possibilidades, uma forma singular de tradução e expressão das linhas que percorrem a
subjetividade, imprimindo um ritmo, um tom, uma melodia da existência. A estratégia
cartográfica é a de compor com os devires, negociar com a alteridade, deixar-se afetar pela
diferença, usufruindo da potência do devir navegar no mundo da aventura (ROLNIK, 1993).
Cartografar é, portanto, analisar dispositivos, percorrer mares e terras desconhecidas, adentrar no
inusitado e deixar-se atravessar de “corpo e língua” (ROLNIK, 1989, p. 68), “permitindo que o
impensado invada o pensamento e experimente a potência, arriscando-se a si mesmo(idem,
p. 68, grifo meu).
Nessa aventura, Guattari (1992) apresenta o paradigma estético como alternativa ao
paradigma científico, sistêmico e estruturalista. Ao abordar seu objeto, o paradigma científico
coloca “entre parênteses a dimensão de criatividade específica, de posicionalidade ontológica
singular” (p.315). O paradigma estético, de acordo com Guattari, “[...] subverte a pseudo-unidade
do mundo de valores capitalísticos, uma vez que abre a possibilidade de recuperar a pluralidade, a
multiplicidade do mundo” (idem, p.315). Para Guattari, “só isso é que permite recuperar a
117
dimensão ética. Só a partir do reconhecimento da alteridade é que a ética é possível. E isso requer
um reconhecimento da complexidade do universo, tanto em nível dos regimes políticos, como
dos territórios existenciais e da vida afetiva” (apud ROBINSON, 2003, p. 315).
De acordo com Guattari,
o novo paradigma estético tem implicações ético-políticas porque quem fala em
criação, em responsabilidade da instância criadora em relação à coisa criada, em
inflexão de estado de coisas, em bifurcação para além de esquemas pré-
estabelecidos e aqui, mais uma vez, em condições do destino da alteridade em
suas modalidades extremas. Mas essa escolha ética, não mais emana de uma
enunciação transcendente, de um código ou de um deus único e todo-poderoso. A
própria gênese da enunciação encontra-se tomada pelo movimento de criação,
processual. Isto é bem nítido no caso da enunciação científica, que tem sempre
uma cabeça múltipla: cabeça individual, é claro, mas também cabeça coletiva,
cabeça institucional, cabeça maquínica com os dispositivos experimentais [...]
(apud ROBINSON, 2003, p. 315).
Uma, dentre tantas outras formas possíveis de se ler, ouvir, olhar para “diários de
bordo”, entrevistas, histórias, causos, aventuras... Como se conta uma história? Queres mais um
mate?
Penso ser importante trazer para nossas conversas metodológicas (entre um mate e
outro), o pensamento de Wortmann (2002), quando a autora diz que “as análises realizadas sob
inspiração foucaultiana não visam” (p. 85), de nenhuma maneira,
[...] à simples identificação de frases e expressões lingüísticas, ou a decifração
léxica dos conteúdos explícitos e implícitos nos textos; tampouco se pretende,
através delas, captar as tendências, ou a psicologia de autores, muito menos
alcançar a origem fundadora do fenômeno examinado (idem, p. 85).
Necessário ressaltar que, de acordo com Hall (apud WORTAMANN, 2002), “um discurso
jamais consiste em uma declaração, um texto, uma ação ou uma fonte. [...] o discurso aparece ao
longo de uma cadeia de textos e, como forma de conduta, em um conjunto de locais institucionais
da sociedade” (p. 85).
Segundo Veiga-Neto (2000), “os discursos podem ser entendidos como histórias que,
encadeadas e enredadas entre si, se complementam, se justificam e se impõem a nós como
regimes de verdade” (p. 56). Para o autor, “[...] [os regimes de verdade seriam] constituídos por
118
uma série discursiva, família cujos (enunciados verdadeiros) estabelecem o pensável como um
campo de possibilidades fora do qual nada faz sentido pelo menos até que se estabeleça um
outro regime de verdade” (idem, p. 56-57).
Nesse sentido e de acordo com Larrosa, o discurso teria “seu próprio modo de existência,
sua própria lógica, suas próprias regras, suas próprias determinações, faz ver, encaixa com o
visível e o solidifica ou dilui, concentra-o ou dispersa-o” (apud WORTMANN, 2002, p. 86).
Wortmann enfatiza que “os discursos exercem ações construtivas tanto em formações sociais
mais amplas quanto em espaços e usos locais – atuando como forças históricas” (2002, p. 86).
Em um último ponto a ser tocado, Larrosa (apud COSTA, 2002) explica que “a própria
experiência de si não é senão o resultado de um longo processo histórico de fabricação no qual se
entrecruzam os discursos que definem a verdade do sujeito” (112), sendo “as práticas que
regulam seu comportamento e as formas de subjetividade nas quais constitui sua própria
interioridade” (idem, p. 112). Para Larrosa (apud COSTA, 2002), nossa vida, se é que ela tem
uma forma, tem a forma de uma história que se desdobra. Responder a pergunta sobre quem
somos implicará sempre uma “interpretação de nós mesmos, uma construção de nós mesmos,
uma unidade de uma trama” (p. 146). O autor prossegue, dizendo que, “por outro lado,
compreendemos quem é outra pessoa ao compreender o que ela mesma ou outros nos fazem [...]
É como se a forma de uma vida humana concreta, o sentido de quem ela é e do que lhe passa,
se fizesse tangível na sua história” (idem, p. 146). Desse modo, para o autor, se o sentido de quem
somos está sendo sempre construído narrativamente, ou seja, a partir das histórias que escutamos,
lemos e/ou contamos/criamos, estas terão um papel muito importante em nossa construção, em
nossa transformação, bem como no “funcionamento dessas histórias no interior de práticas
sociais mais ou menos institucionalizadas, como, por exemplo, as práticas pedagógicas” (idem, p.
146).
Assim, foi (é) com esses conceitos ferramentas que pretendo me pôr a olhar e a pensar
aquilo que emergiu nas falas durante as conversas que mantive e nas produções realizadas nos
momentos das oficinas em sala de aula. É dessa parte da história que passarei a contar então...
119
CAPÍTULO IV
UMA ANÁLISE-AVENTURA: BUSCANDO TECER, TRAMAR, FAZER VAZAR
CONCEITOS, RACHAR AS COISAS, RACHAR AS PALAVRAS...
4.1 Como colocar os conceitos em movimento?
É que trair é difícil, é criar. É preciso perder sua
identidade, seu rosto. É preciso desaparecer, tornar-se
desconhecido (DELEUZE, 1998, p. 58).
Neste capítulo, tratarei do movimento que os conceitos têm para mim, bem como da força
que eles exercem sobre mim nesta escrita, que vai se compondo à medida que ensaio as formas
como coloco em operação meu pensar como pesquisadora-professora-psicóloga. Inicio com uma
intenção, ou melhor, com um desejo de dobrar e forjar conceitos. Faço essa escolha por entender
que aqui terei as “ferramentas analíticas” necessárias para trabalhar e colocar em operação meu
pensar como pesquisadora.
Surge a necessidade de esclarecer ao leitor que, de certa forma, vinha, durante a feitura
deste ensaio-dissertativo, trabalhando com várias “propostas conceituais” que de um modo ou
de outro – estavam sendo atravessadas por certos conceitos com os quais também tenho a
pretensão de trabalhar mais intensamente neste capítulo da dissertação. O desejo de transitar por
outras formas de fazer psi foi acionado em mim, especialmente, nas experiências como
professora substituta. Busquei ocupar de um modo mais singular e coletivo esse lugar,
abastecendo-me de práticas e trocas à medida que colocava alguns desses “aparatos conceituais”
em operação e realizava questionamentos sobre as propostas de trabalho construídas com meus
120
alunos (como o leitor teve a oportunidade de acompanhar no item 2.4, no Capítulo 2). Nesse
caminho, este ensaio investigativo traz a possibilidade de rever e agregar outros conceitos àqueles
que usava como ferramentas para pensar as práticas da Psicologia no campo da Educação.
Assim, penso nos enfrentamentos e aprendizagens possíveis, a partir da pesquisa realizada
numa escola (como já esclareci no Capítulo 3), procurando empreender “tentativas analíticas” dos
processos vividos com os alunos e a professora das aulas de Psicologia daquela escola, que
possam dar voz aos saberes e às experiências desses atores sociais. Nesse percurso, tentarei fazer
com que os conceitos vazem, como nos proporia Deleuze, com que eles se abram, como sugeriria
José Gil e quem sabe, assim, tramar com a prática, a invenção de outras possibilidades de
criação nos/dos processos experienciados nas salas de aula de Psicologia e no fazer
psipedagógico.
A intenção que se faz presente vem ser a de pensar como uma psicologia rizomática
94
poderia se colocar em operação nas salas de aula do Ensino Médio. Como uma psicologia-
rizomática-nômade-plural-fronteiriça, que tenha olhos e ouvidos para o acontecimento,
poderia instaurar outras intersecções psipedagógicas e, quem sabe, produzir novos efeitos nas
práticas escolares? O movimento que proponho com este texto-análise é o de empreender uma
abertura para problematizar, partindo das vozes dos alunos e da professora, aquilo que é vivido
por esses sujeitos/atores escolares no cenário que se estabelece nas salas de aula no Ensino
Médio, na intersecção da Psicologia com a Educação.
Necessário dizer que, em momento algum, procuro para encontrar. A vontade-desejo aqui
é a de “perder-me na busca”, lançar uma flecha, propor verdades contingentes, dobrar o
pensamento e o corpo, forçá-los a pensar e, assim, talvez, poder sentir outros cheiros, outros
aromas, trabalhando no terreno, despertando desejos aventureiros...
Um dos desafios que ensaio
95
nesta dissertação é o de como pensar a disciplina de
Psicologia sendo acionada pelo acontecimento, ou seja, como algo “singular, único e agudo”
94
Penso em uma psicologia rizomática inserida num contexto de uma psicologia menor conceito que continuará
sendo tratado neste capítulo.
95
Ensaio no sentido que Jorge Larrosa e Michel Foucault dão a este conceito, conforme tratado na Apresentação
desta dissertação: (Des)Caminhos da Psicologia.
121
(FOUCAULT, 2000, p. 28), capaz de opor-se a um fazer psi best-seller, tradicional e/ou
contínuo em sala de aula. De acordo com Foucault,
é preciso entender por acontecimento não uma decisão, um tratado, um reino, ou
uma batalha, mas uma relação de forças que se inverte, um poder confiscado,
um vocabulário retomado e voltado contra seus utilizadores, uma dominação
que se enfraquece, se distende, se envenena e uma outra que faz sua entrada,
mascarada. As forças que se encontram em jogo na história não obedecem nem a
uma destinação, nem a uma mecânica, mas ao acaso da luta (idem, p. 28, grifo
meu).
Deleuze não se perguntará qual o sentido de um acontecimento, pois, para o filósofo, o
acontecimento seria o próprio sentido. Segundo ele, a idéia de acontecimento é a de que sempre
foi e ainda está por vir, ele seria da ordem do inesgotável
96
. O acontecimento pertenceria,
então, à linguagem e manteria uma relação essencial com ela; no entanto, a linguagem é o que se
diz das coisas. Dessa forma,
[...] Em todo acontecimento, de fato o momento presente da efetuação, aquele
em que o acontecimento se encarna em um estado de coisas, um indivíduo, uma
pessoa, aquele que é designado quando se diz: pronto, chegou a hora; e o futuro e
o passado do acontecimento só são julgados em função desse presente definitivo,
do ponto de vista daquele que o encarna. Mas há, por outro lado, o futuro e o
passado do acontecimento tomado em si mesmo, que esquiva todo presente
porque está livre das limitações de um estado de coisas, sendo impessoal e pré-
individual, neutro, nem geral nem particular [...] (DELEUZE apud
ZOURABICHVILI, 2004, p. 15-16)
97
.
Interessa, juntamente com Francisco Ortega (1999), a partir da leitura que esse autor
realiza de Foucault, problematizar questões relativas aos processos de subjetivação na
contemporaneidade, quando Ortega coloca que, “processos de subjetivação dão conta da
produção de formas de vida e de sociedade. [Porém] Nem todas as subjetivações têm um tipo de
sujeito como objetivo; existem subjetivações sem sujeito (do tipo acontecimento) e subjetivações
coletivas [...]” (p. 171). Tentando pensar e buscar quais seriam os possíveis lugares de produção
de subjetividade, Ortega indaga: “qual é a nossa ética? Como produzimos uma existência
96
Anotações de aula do curso: Vida e Biopolítica, ministrado pelo filósofo, professor e doutor Peter Pal Pelbart em
22 de agosto de 2003, na Faculdade de Psicologia da UFRGS/RS.
97
Eventum tantum... ou antes que não tem outro presente senão o do instante móvel que o representa, sempre
desdobrado em passado-futuro, formando o que convém chamar de contra-efetuação. Em um dos casos, é minha vida
que me parece frágil demais para mim, que escapa num ponto tornado presente numa relação determinável comigo.
No outro caso, sou eu que sou fraco demais para a vida, a vida é grande demais para mim, lançando por toda a parte
suas singularidades, sem relação comigo nem com um momento determinável como o presente, salvo com o instante
impessoal que se desdobra em ainda-futuro e já-passado” (DELEUZE apud ZOURABICHVILI, 2004, p. 15-16).
122
artística? Quais são nossos processos de subjetivação não redutíveis a nossos códigos morais?
[...] Pode-se esperar alguma coisa das comunidades atuais?” (idem, p. 171).
Uma das questões que procuro problematizar aqui possui relação estreita com o que foi
trazido por um aluno durante o contrato de pesquisa junto à instituição escolar. Depois de eu ter
explicado como colocaríamos em funcionamento nossa “pesquisa aventureira”, que implicava
também poder construir com eles a própria pesquisa durante nosso percurso, ele perguntou: “E a
gente tem outra escolha?”. Apesar de eu estar apresentando uma possibilidade de flexibilização,
na medida em que eles poderiam atuar como participantes na construção das atividades, essa
oferta parece não tê-los “convencido”.
Tal questionamento me acompanhou durante todo o processo de pesquisa na escola e,
mais do que isso, me desafiou a pensar nosso lugar de pesquisadores-professores-psicólogos que,
com nossa “bagagem”, adentramos instituições e vidas, muitas vezes sem pedir “licença”.
Percebo que a problematização aqui, talvez, seja mais ampla e dinâmica do que imaginamos.
Sendo assim, perguntaria com Foucault e Ortega: Qual seria nossa ética? Como dar voz e escutar
o que nossos alunos (e professores) têm a nos dizer? De que modo escutar o mal-estar que nossa
pele nos sopra, como nos sugere Rolnik? De que forma produzir em nossos fazeres pesquisadores
essa “necessidade ética”? Diante das verdades/saberes maiores dos outros e de si, quais os
espaços de liberdade possíveis?
Para problematizar o que venho propondo pensar como possíveis espaços éticos, de
liberdade, de criação em nossos fazeres, trago novamente Foucault (2004) quando este aborda a
questão da possibilidade de resistência ao poder político, estar na relação de si consigo mesmo,
não acreditando, no entanto, que este seja
o único ponto de resistência possível ao poder político entendido justamente
como estado de dominação [...], mas que a governabilidade implica a relação de si
consigo mesmo, o que significa justamente que, nessa noção de governabilidade,
viso ao conjunto das práticas pelas quais é possível constituir, definir, organizar,
instrumentalizar as estratégias que os indivíduos, em sua liberdade, podem ter uns
em relação aos outros (2004, p. 286, grifo meu).
123
Para o autor, seriam os próprios indivíduos livres que tentariam “controlar, determinar,
delimitar a liberdade dos outros, sendo que, para fazê-lo, dispõem de certos instrumentos para
governar os outros” (p. 286). Isso se fundamentaria, então,
na liberdade, na relação de si consigo mesmo e na relação com o outro. Ao
passo que, se você tenta analisar o poder não a partir da liberdade, das estratégias
e da governabilidade, mas a partir da instituição política, poderá encarar o
sujeito como sujeito de direito [...] somos remetidos a uma concepção jurídica do
sujeito. Em contrapartida, a noção de governabilidade permite, acredito,
fazer valer a liberdade do sujeito e a relação com os outros, ou seja, o que
constitui a própria matéria da ética (idem, p. 286, grifo meu).
Com essas “provocações teóricas”, retomo a pergunta feita pelo aluno como desafio para
pensarmos para além de nossas pesquisas, o que fazer com isso em nossas salas de aula, ou seja,
nesses espaços que possuem intensas marcas disciplinares, morais, reguladoras, normalizadoras,
homogêneas e hegemônicas. Como, num espaço escolar forjado pela disciplinarização e
normalização de saberes e corpos, desestabilizar determinadas práticas? Como não perder de foco
o desafio que essa pergunta nos lança para problematizar o que fazemos em nossas aulas de
Psicologia? O que essa pergunta diz também da nossa prática como professores psi? O que fazer
com este acontecimento: E a gente tem outra escolha?”. Não poderíamos dizer da
necessidade de criação de novos acontecimentos para que se possam construir novas
subjetividades aprendizes, menos “moldadas” pelas marcas de pegadas tão estreitas e tão
profundas, que fazem parte desses campos de saber onde atuamos? Não deveríamos acionar um
devir pesquisador-psicólogo-professor-pensador-atrator-rizomático-nômade,contínuo e constante
para que pudéssemos, quem sabe, dar passagem ao acontecimento?
E a gente tem outra escolha? Parece que todos nós, nesse momento, marcados e
encharcados pela vida contemporânea que diz da multiplicidade do ser, da escolha ou das
possibilidades plurais, relutamos em nos deixar afetar pelo acontecimento. Por quê? Talvez
porque a forma/fórmula já esteja dada... Só podemos escolher o já escolhido, sendo que a criação
e o devir são tomados, capturados pelo desejo de pertencimento e grupalidade, diante da sonora
solidão da vida. Trôpegos, tropeçamos nas palavras, nas idéias... Para onde se vai, como se vai,
com quem se vai e com quais valores?
124
Na medida em que me desloco, no sentido de continuar tentando arriscar outras formas
possíveis de pensar sobre as questões propostas, faço-me acompanhar pelo que Tereza Calomeni
(2003) diz sobre o que Nietzsche e seu pensamento poderiam estar abrindo no que diz respeito à
necessidade de produzir outros olhares, múltiplos olhares, olhares perspectivos, para que façamos
problematizações nos campos com os quais e nos quais estamos atuando. Para a autora,
Nietzsche seria:
o psicólogo diante de uma Cultura medíocre e hipócrita, inconsciente de suas
intenções e interesses mais profundos; é o médico de uma Cultura doente,
orientada por forças e valores decadentes e negativos; é o genealogista que se
interroga acerca da origem e do valor dos valores historicamente dominantes no
ocidente, a fim de arrancar o homem moderno da forma mais infame de niilismo e
decadência; o espírito livre interessado em livrar a cultura da escravidão a
determinadas ilusões que devem ser desmascaradas a golpes de martelo; o filósofo
trágico que tem por desejo não apenas afastar a cultura do excesso de sentido
histórico que conforma a visão de mundo do homem moderno, mas ainda propor
uma concepção de tempo o eterno retorno capaz de promover a reconciliação
entre o homem e a existência; é enfim o crítico da Cultura que, em favor de si
mesma, deve desfazer-se de seus modelos e de suas fantasmagorias e superar-se a
si própria, através da transvaloração de todos os seus valores e da observação dos
ensinos da arte (2003, p. 28-29).
E foi assim que tive (ainda mais) a pretensão de assumir riscos, pensar nos entres, nas
frestas, colocar-me sob o “fio da navalha” e problematizar determinados regimes de verdade,
saberes instituídos e tratados como universais que certa maquinaria psipedagógica tem proposto
como formas de ensino-aprendizagem nas práticas escolares psi. Para tal empreendimento, alguns
encontros antropofágicos
98
com autores, tais como Nietzsche, Foucault, Deleuze, Guattari,
Larrosa, Pelbart, Gallo, Rolnik, Gozzer, Calomeni, Gil, Ortega, Gauthier, Ríos, Silva, Souza,
Naffah Neto, dentre tantos outros que utilizei (ou ainda utilizarei) e que povoam esta
dissertação, mostraram-se não só necessários, como também viscerais.
98
Encontros antropofágicos conceituar, engendrar, maquinar, inventar, fazer parir o que passo a pensar, sentir,
escutar... o que passa a se movimentar em mim depois que leio, me envolvo, sou engolfada ou lançada pelo outro, no
outro, com o outro... o outr’em-mim – conceito cunhado por NAFFAH NETO, Alfredo. O outr`em-mim. São Paulo:
Plexus Editora, 1998.
125
4.2 Quando os conceitos nos forçam a pensar...
Dentre tantos encontros antropofágicos
99
, trago o bom encontro com Gallo (2003), que
nos remete a uma proposta de educação menor instituinte como possibilidade de máquina de
resistência a uma educação maior instituída. Esse autor utiliza-se da proposta de Gilles Deleuze
e Félix Guattari, autores que engendraram o conceito de literatura menor, como dispositivo para
analisar a obra de Franz Kafka. Conforme Deleuze e Guattari (apud GALLO, 2003), "uma
literatura menor não é a de uma língua menor, mas antes a que uma minoria faz em uma língua
maior” (p. 75). Para Gallo, a literatura menor teria como função subverter uma ngua, fazer
com que ela seja veículo de desagregação dela própria” (p. 75, grifo meu).
Importante salientar que, conforme Deleuze (1998), as minorias e as maiorias não se
distinguem de forma alguma por um determinado número, sendo que
uma minoria pode ser mais numerosa do que uma maioria. O que define a
maioria é um modelo ao qual é preciso estar conforme: por exemplo, o europeu
médio adulto macho habitante das cidades... Ao passo que uma minoria não tem
modelo, é um devir, um processo. Pode-se dizer que a maioria não é ninguém.
Todo mundo, sob um outro aspecto, está tomado por um devir minoritário, que o
arrastaria para caminhos desconhecidos caso consentisse em segui-lo. Quando
uma maioria cria para si modelos, é porque quer tornar-se majoritária, e sem
dúvida isso é inevitável para sua sobrevivência ou salvação (por exemplo, ter um
Estado, ser reconhecido, impor seus direitos). Mas sua potência provém do que
ela soube criar, e que passará, mais ou menos para o modelo, sem dele
depender (p. 214, grifo meu).
Dito isso, voltemos a Gallo (2003), que vai propor, então, um deslocamento conceitual,
engendrando, a partir do conceito de literatura menor, o conceito de educação menor como
dispositivo para pensar a Educação. Tal dispositivo envolve, em suas propostas, “buscar um
processo educativo comprometido com transformações no status quo; insistir nessa coisa de
investir num processo educativo comprometido com a singularização, comprometido com
valores libertários” (p. 75, grifo meu) – processo que tenta pensar possibilidades de resistência e
ruptura aos modelos hegemônicos instituídos.
Pretendo utilizar também o conceito de pedagogia menor, cunhado por Clermont
Gauthier. Assim, enquanto Gallo tenta produzir deslocamentos para pensar uma educação
99
Incluiria aqui também os encontros estabelecidos com os sujeitos escolares que me mobilizaram, me atravessaram
e me forçaram a pensar.
126
menor, Gauthier tenta, por caminhos bastante próximos, pois também utiliza o conceito de
literatura menor forjado por Deleuze e Guattari, produzir deslocamentos para pensar uma
pedagogia menor. Creio que o pensamento desses autores oferece ferramentas para que
possamos ir nos deslocando nesse campo-híbrido-mestiço-fronteiriço, nesse campo que estou
chamando de psipedagógico ocupado pela intersecção entre os campos da Psicologia e da
Educação.
O que desejo é apropriar-me desses deslocamentos conceituais realizados por Gallo e
Gauthier e propor uma outra dobradura, buscando forjar, então, o conceito de psicologia menor
em oposição ao fazer psipedagógico maior
100
. Ao engendrar essa dobradura, busco um
exercício de pensamento no sentido de tentar operar com algumas ferramentas conceituais
advindas tanto dos campos da Psicologia e da Educação quanto da Filosofia. Tentarei
desterritorializar
101
esses conceitos, fazer com que eles transitem promiscuamente por entre as
tênues fronteiras que compõem esses campos e produzir, talvez, possíveis frestas, brechas,
criando alguns respiros, pontos de pensar. Como bem nos lembra Manoel de Barros, fronteira não
seria um ponto onde algo termina, mas um ponto a partir do qual algo pode começar a se fazer
presente.
De acordo com Deleuze (1998), “o conceito não se move apenas em si mesmo
(compreensão filosófica), mas também nas coisas e em nós: ele nos inspira novos perceptos e
novos afectos [...]” (p.203, grifo meu).
A intenção é, ainda, fazer uso de ferramentas e produções maquinadas em outros campos,
com suas composições literárias, poéticas, musicais, cinematográficas, teatrais e artísticas, para
poder, acompanhada de todo esse arsenal, engendrar uma arena de luta onde possibilidades de
rupturas e resistências possam sinalizar outros fazeres no campo de intersecção da Psicologia
com a Educação. Penso também em insistir no comprometimento ético, político e estético dos
100
O maior aqui nem sempre é o maior, mas é o maior do poder.
101
Para Deleuze, "a função de desterritorialização: D é o movimento pelo qual 'se' deixa o território [...] O território
não é primeiro em relação à marca qualitativa, é a marca que faz o território. As funções num território não são
primeiras; elas supõem, antes de tudo, uma expressividade que faz território. É de fato nesse sentido que o território,
e as funções que se exercem, são produtos da territorialização. A territorialização é o ato do ritmo tornado
expressivo, ou componentes de meios tornados qualitativos" (apud ZOURABICHVILI, 2004, p. 45).
127
fazeres desses campos com processos singulares de existência, produção de diferença e de
devires-outros.
Como expressa Deleuze, devir é
jamais imitar, nem fazer como, nem ajustar-se a um modelo, seja ele de
justiça ou de verdade. Não um termo de onde se parte, nem um ao qual se
chega ou se deve chegar. Tampouco dois termos que se trocam. A questão “o que
você está se tornando?” é particularmente estúpida. Pois à medida que alguém se
torna, o que ele se torna muda tanto quanto ele próprio. Os devires não são
fenômenos de imitação, nem de assimilação, mas de dupla captura, de
evolução não paralela, núpcias entre dois reinos (1998, p. 10, grifo meu).
Desse modo, não pretendo tornar-me filósofa-atriz-cineasta-poetisa-cantora-escritora, mas
acionar devires, dar passagem, fazer falar-chorar-respirar-costurar-tecer-escrever-recitar essas
forças rizomáticas-nômades-mestiças-híbridas-múltiplas que dizem de um desejo que brota em
mim. Estar aberta a sussurros musicais, a cheiros poéticos, a gestos de escrita, a uma vida que vai
se encharcando de mundos, que vai fazendo verter mundos, capaz, quem sabe, de produzir
hemorragias mundanas-plurais, como desejaria Nietzsche ao pensar o mundo como um
monstro de forças
102
.
O exercício que busco empreender neste estudo encontra, no pensamento dos autores que
convoco nesta escrita, uma autorização, uma vez que os conceitos (me) provocam. Ao (me)
provocarem, posso colocá-los a operar. Como quer Deleuze (1998), “os conceitos são exatamente
como sons, cores ou imagens, são imagens que lhes convêm ou não, que passam ou não passam”
(p. 12). Entendo essa operação em um nível que tem estreita relação com as intensidades, os
afetamentos, as contaminações que os próprios conceitos seus movimentos e velocidades
foram (e vão) produzindo em mim à medida que me lanço por esses campos, acionando híbridos
e tentando produzir um pensar/fazer rizomático, nômade, múltiplo, singular e potente. Dessa
forma, como queria Deleuze, penso estar introduzindo, no movimento dos conceitos, o
movimento da vida(apud GIL, 2002, p. 215, grifo meu), utilizando os conceitos para produzir
vida, e não para absorvê-la, secá-la ou aprisioná-la. Penso forjar, assim, uma maneira de pensar
capaz de abrir os conceitos “que forcem os conceitos a abrir-se” (idem, p. 125).
102
Anotações de aula ministrada pelo Prof. Dr. Wladimir Britcha em 10/10/2006. Grifo meu.
128
Para Gallo (2003), não importa se compreendemos ou não um determinado conceito;
importa que ele seja ou não operativo para nosso pensamento; importa que ele nos faça
pensar, em lugar de paralisar o pensamento” (p.58, grifo meu). O que necessariamente
importa é que “tenhamos afinidade com um certo conceito, afinidade que se produz pelo fato
de ele agenciar em nós mesmos certas possibilidades” (idem, p. 58, grifo meu).
Creio, a partir dessas colocações iniciais, ser importante e necessário percorrer algumas
considerações a respeito do que estou tomando por conceito. O conceito, para Gallo (2003),
funciona como “um operador”, como “algo que faz acontecer, que produz” (p. 50). Conforme
esse autor, “talvez a melhor definição de conceito na visão de Deleuze e Guattari seja a de que o
conceito é um dispositivo, para usar o termo de Foucault, ou um agenciamento, para ficar com
um termo próprio a nossos autores” (idem, p. 50, grifo do autor). Vejamos o que Foucault
entende por dispositivo,
o dispositivo seria um conjunto decididamente heterogêneo que engloba
discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis,
medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais,
filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo, o
dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos (2000, p. 244).
Para Foucault (2000), o dispositivo será sempre de natureza estratégica, o que indica a
existência de relações de força que podem modificar as posições e funções desses elementos
heterogêneos citados anteriormente. O dispositivo estará, então, “inscrito em um jogo de poder,
estando sempre, no entanto, ligado a uma ou a configurações de saber que dele nascem, mas que
igualmente o condicionam(p.246), sendo isto o dispositivo: “estratégias de relações de força
sustentando certos tipos de saber e sendo sustentadas por eles” (p. 246).
Deleuze e Guattari entendem que o conceito de agenciamento funciona da seguinte forma:
segundo um primeiro eixo, horizontal, um agenciamento comporta dois
segmentos, um de conteúdo, outro de expressão. De um lado ele é
agenciamento maquínico de corpos, de ações e de paixões, mistura de corpos
reagindo uns sobre os outros; de outro, agenciamento coletivo de enunciação,
de atos e de enunciados, transformações incorpóreas atribuindo-se aos corpos.
Mas, segundo um eixo vertical orientado, o agenciamento tem ao mesmo tempo
lados territoriais ou reterritorializados, que o estabilizam, e pontas de
desterritorialização que o impelem (apud ZOURABICHVILI, 2004, p. 20).
129
O conceito de agenciamento coletivo de enunciação tem relação com a subjetividade, que,
longe de ser uma instância psíquica relativamente estável, está susceptível a mudanças no
contato com o meio. É essencialmente produzida e modelada por agenciamentos de enunciação
que implicam o funcionamento de máquinas de expressão as mais diversas: extrapessoais, como
os sistemas tecnológicos, econômicos, icônicos, de mídia; infrapessoais, como os sistemas de
percepção, de sensibilidade, de afeto, de desejo, de representação, de imagens (GUATTARI E
ROLNIK, 1986).
Depois de situar um pouco o lugar a partir do qual abordo as noções de dispositivo e
agenciamento relacionadas ao modo como estou pensando o conceito, retomo tal discussão.
Conforme Gallo (2003), o conceito seria um operador, algo que faz acontecer, que produz, não
tendo um caráter de opinião; ao contrário, “o conceito é mais propriamente uma forma de reagir à
opinião generalizada” (p. 50).
Conforme Souza Dias, o conceito opera
reagindo sobre as opiniões, sobre os fluxos ordinários de idéias, criando
“pregnâncias” inéditas, novas singularidades ou um novo sistema de pontos
singulares, propondo uma redistribuição inesperada dos dados, uma
reclassificação insólita e todavia “iluminadora” das coisas e dos seres,
aproximando coisas que se supunha afastadas, afastando outras que se supunha
próximas [...] (apud GALLO, 2003, p. 50-51).
Dias diz que o conceito não seria “uma opinião, nem a opinião ‘verdadeira’
dialeticamente formada nem a arqui-opinião de uma subjetividade universal constituinte” (idem,
p. 50), mas que funcionaria antes como um
operador muito preciso, muito específico, em si mesmo indiscutível, válido apenas
pela fecundidade eventual de seus efeitos paradoxais, ou seja, por aquilo que, em
domínios heterogêneos, ele faz pensar, ver e até sentir o que sem ele continuaria
impensado, invisível, insensível, precisamente porque o que ele revela, o que
ele pode revelar, é por natureza incaptável no horizonte real-vivido das opiniões
[...] (p. 51, grifo da autora).
Assim, segundo Gallo (2003), “o conceito não deve ser procurado, pois não está para
ser encontrado. O conceito não é uma entidade metafísica’, ou um ‘operador gico’, ou uma
‘representação mental’” (p. 52). O conceito é entendido, por esse autor, como “um dispositivo,
uma ferramenta, algo que é inventado, criado, produzido, a partir das condições dadas e
130
que opera no âmbito mesmo destas condições. O conceito é um dispositivo que faz pensar,
que permite, de novo, pensar” (idem, p. 52, grifo meu).
Isso, para Gallo, significa dizer “que o conceito não indica, não aponta uma suposta
verdade, que paralisaria o pensamento; ao contrário, o conceito é justamente aquilo que nos põe a
pensar(p. 53, grifo meu). Desse modo, se o conceito é produto, ele também é produtor de
novos pensamentos, produtor de novos conceitos; e, sobretudo, produtor de acontecimentos,
na medida em que é o conceito que recorta o acontecimento, que o torna possível(idem, p.
53, grifo meu).
Nessa direção, encontramos o pensamento de Nietzsche (apud GALLO, 2003), que refere
que a filosofia não lida com verdades, com objetividades, mas sim com a necessidade de estar
preocupada com a multiplicidade, com as distintas perspectivas, com os múltiplos olhos que
podem nos possibilitar um conhecimento mais completo e mais complexo. O conceito seria esse
dispositivo diferenciador que faz multiplicar as relações, que faz proliferar os pensamentos. O
conceito é entendido como um catalisador que, a um tempo, faz multiplicar e crescer as
possibilidades do pensamento. Por isso, a possibilidade de ele ser interessante, mas não
necessariamente verdadeiro.
Dito isso, entendo ser relevante, no próximo item, expor ao leitor as formas como
pretendo colocar os conceitos em operação, em movimento. Tomo os conceitos como
ferramentas a serem utilizadas para trabalhar no terreno, como nos provocaria Foucault. Sendo
assim, a seguir trago o que havia começado a desenvolver anteriormente a respeito do modo
como o conceito de menor foi sendo pensado e articulado por Deleuze e Guattari a partir do
estudo que fizeram da obra de Franz Kafka. Retomo o conceito de menor para continuar a pensar
nas possibilidades de forjar o conceito de psicologia menor, buscando usá-lo como uma
ferramenta, um instrumento, um dispositivo para compor este ensaio analítico.
4.3 Como pensar possibilidades de uma psicologia menor em nossas salas de aula?
Conforme Gallo (2003) e Gauthier (2002), Deleuze e Guattari destacaram três aspectos de
uma literatura menor que poderiam, para esses autores, ser aplicados tanto a uma educação
menor quanto a uma pedagogia menor.
131
Retornemos, então, a esses três aspectos de uma literatura menor para, logo mais, ser
possível apresentar os deslocamentos realizados por Gallo e Gauthier. O primeiro aspecto, de
acordo com Gauthier (2002), “envolve pensar que uma língua é sempre afetada de um forte
coeficiente de desterritorialização” (p. 152). Conforme Gallo (2003),
toda língua tem sua territorialidade, está em certo território físico, em certa
tradição, em certa cultura. Toda língua é imanente a uma realidade. A literatura
menor subverte essa realidade, desintegra esse real, nos arranca desse território,
dessa tradição, dessa cultura. Uma literatura menor faz com que as raízes aflorem
e flutuem, escapando desta territorialidade forçada. Ela nos remete a buscas, a
novos encontros e novas fugas. A literatura menor nos leva sempre a novos
agenciamentos (p. 75-76).
O segundo aspecto diz respeito ao político, entendendo que tudo é político, “pois, com
efeito, uma literatura menor não pode fazer outra coisa que questionar, às vezes até mesmo à sua
revelia, a literatura maior. Ela força esta a reagir, ela faz vir ao vel da superfície os jogos
subterrâneos do poder” (GAUTHIER, 2002, p. 152, grifo meu). Gallo (2003) nomeia o segundo
aspecto de ramificação política,
não que uma literatura menor traga necessariamente um conteúdo político
expresso de forma direta, mas ela própria, pelo agenciamento que é, pode ser
política. Sua existência é política: seu ato de ser é antes de tudo um ato político
em essência. Uma literatura maior, estabelecida, não é política, necessariamente.
Até pelo contrário, pois comumente aparece-nos como um agenciamento apolítico
(como se isso fosse realmente possível!). A literatura maior não se esforça por
estabelecer elos, cadeias, agenciamentos, mas sim para desconectar os elos, para
territorializar-se no sistema das tradições a qualquer preço e a toda força (p. 76).
De acordo com Gallo, “para a literatura menor, o próprio ato de existir é um ato
político, revolucionário: um desafio ao sistema instituído” (idem, p.76, grifo meu).
No terceiro aspecto, Gauthier (2002) afirma que tudo assume um valor coletivo (p.
152, grifo meu), ou seja, “nas categorias tradicionais, o autor, o personagem, o herói, que são,
todos, maneiras de retornar a uma problemática do sujeito, são substituídas pelos agenciamentos
coletivos de enunciação”. Dessa forma, “mesmo quando o autor está sozinho, ele está povoado
132
pelo social, ele é agenciado(idem, p. 152). Nessa mesma direção, Gallo (2003) diz que, nas
literaturas menores
103
, tudo adquire um valor coletivo,
os valores deixam de pertencer e influenciar única e exclusivamente ao artista,
para tomar conta de toda uma comunidade. Uma obra de literatura menor não fala
por si mesma, mas fala por milhares, por toda a coletividade. Os agenciamentos
são coletivos. Mesmo um agenciamento singular, fruto de um escritor, não pode
ser visto como individual, pois o um que se expressa faz parte do muitos, e
pode ser visto como um se for identificado também como parte do todo coletivo.
Não há sujeitos individuais, apenas agenciamentos coletivos (p. 76-77).
Pretendo, neste momento, começar a trazer a maneira como Gallo transporta essas
ferramentas potenciais pertencentes ao conceito de literatura menor para colocá-las em operação
naquilo que ele está propondo como educação menor. A educação tomada como menor,
necessário dizer aqui, terá sempre relação com o micropolítico, o molecular, o instituinte, o
nômade, o rizomático, o múltiplo, o devir uma educação menor pensada como máquina de
resistência e/ou máquina de guerra, em oposição à educação maior macropolítica, molar,
instituída e sedentária
104
, isto é, como máquina de controle e/ou máquina de captura.
Para que o leitor acompanhe o entendimento dos conceitos, arrasto para esta escrita os
conceitos citados anteriormente, valendo-me da perspectiva de alguns autores com quem traço
este ensaio analítico-dissertativo. Para trabalhar o conceito de educação menor cunhado por
Gallo (2003), trago Gregório Baremblitt (1998). De acordo com este autor, o micropolítico terá
sempre relação com as potências minoritárias e cotidianas; o molecular se caracterizará por
elementos que compõem uma superfície de produção de rede de singularidades que podem se
conectar em várias direções, segundo o acaso; o instituinte terá “relação com processos
mobilizados por forças produtivo-desejante-revolucionárias, que tendem a fundar instituições ou
transformá-las, como parte do devir das potências e materialidades sociais” (p. 178); enquanto
que o nômade, para Deleuze, seria algo que tem relação com “uma distribuição de errância e até
103
Segundo Gallo (2003), “as primeiras obras literárias escritas no Brasil após a colonização, por brasileiros, eram
literatura menor, pois faziam da língua portuguesa (já com uma literatura maior estabelecida, tradicional) um uso
novo, sob novos parâmetros, na busca de uma nova literatura ‘com o cheiro de nossa terra’. À medida que o país se
torna ‘independente’, nossa literatura vai se desenvolvendo e acaba por se tornar, ela também, uma literatura maior,
pois aquele uso novo que fazia do português deixa de ser inovador e vira tradição. Aparecem, então, pontilhando
nossa literatura com momentos de rara beleza, alguns ‘literatos menores’. Entre vários deles, poderíamos lembrar
Lima Barreto, na cidade do Rio de Janeiro do início do século XX, a atormentar nossa literatura da ‘Academia’.
Preto, pobre e homossexual, mais minoria que Lima é quase impossível de se conceber” (p. 77).
104
Tal como Guilherme Ríos (2002) também entende e trabalha este conceito. Pretendo, nas próximas páginas desta
dissertação, apresentá-lo ao leitor.
133
mesmo de ‘delírio’, em que as coisas se desdobram sobre toda a extensão de um ser unívoco e
não dividido” (apud ZOURABLICHVILI, 2004, p. 51), para Nietzsche, “eles [os nômades]
chegam como o destino, sem causa, sem razão, sem respeito, sem pretexto...” (apud DELEUZE E
PARNET, 1998, p. 41).
No caso da máquina de guerra (ou máquina de resistência), podemos pensar a partir de
Deleuze que
cada vez que uma linha de fuga se transforma em linha de morte, não invocamos
uma pulsão interior do tipo “instinto de morte”, invocamos também um
agenciamento de desejo que põe em jogo uma máquina objetivamente ou
intrinsecamente definível [...] Definimos a “máquina de guerra” como um
agenciamento linear construído sobre linhas de fuga. Nesse sentido, a
máquina de guerra não tem, de forma alguma, a guerra como objeto; tem
como objeto um espaço muito especial, espaço liso, que ela compõe, ocupa e
propaga (apud ZOURABICHVILI, 2004, p. 51, grifo meu).
Como, então, resistir, produzir acontecimentos que criem/inventem campos de
desterritorialização do já conhecido?
Quando perguntados, durante as entrevistas
105
, sobre o que achavam que poderia ser
diferente nas aulas de Psicologia, os alunos fizeram referência às atividades da pesquisa: [...]
Assim a gente aprende mais, né?! Tu fazendo trabalho, fazendo cartaz, gravando,
filmando. Assim a gente se interessa por fazer o trabalho. Qual o adolescente que vai se
interessar de ficar a vida toda copiando no caderno, respondendo perguntinhas... Isso eu
fazia na primeira série, segunda série [do Ensino Fundamental]”. Aqui poderíamos pensar que
uma necessidade de o aluno ser visto, escutado, olhado, sentido de uma outra forma,
produzindo um fazer mais autoral, tendo maior visibilidade no que faz, pois, com aulas mais
dinâmicas, tu consegues ver quem é o aluno”. Na instituição escolar, os alunos parecem, em
certos momentos, invisíveis. Eles se tornam visíveis se cometem uma falta, se tentam resistir,
se expressam seu pensar, se desafiam o instituído, se rompem as fronteiras estabelecidas por esse
campo escolar.
105
Diário de campo. Ver Anexo G.
134
Uma outra experiência trazida pelos alunos foi a de assistir a peça de teatro Adolescer
106
,
algo que a escola planejou e que parece ter tratado de temas que lhes interessavam. No entanto,
essa peça não foi trabalhada nas aulas de Psicologia, e a professora tampouco foi assisti-la. Um
grupo entrevistado fez referência positiva em relação à peça, dizendo que foi muito legal. Falou
sobre a vida. Muito interessante, falou sobre sexo, sobre drogas, festa, homossexualismo,
tudo...”. Não seria essa uma boa oportunidade para pensarmos nossas aulas psi? De que forma
minorar, tornar esses processos instituintes, molares e menores? Uma aluna diz que aquela
atividade tem a ver com a Psicologia: Que nem as drogas, que nem foi o trabalho que a gente
fez [uma das histórias
107
que eles produziram durante a pesquisa], tudo mexe, tudo pode ser
puxado pela psicologia, tudo tem a ver”. Um outro aluno comenta: Tudo mexe contigo, com
o que eu penso. Isso é a Psicologia, eu acho”. Apesar de aqui alguns dos assuntos ainda terem
relação com as drogas e a sexualidade, temáticas bastante recorrentes e de interesse dos alunos,
penso que esse interesse em querer saber se de outra forma, pois houve também uma abertura
para poder ouvir falar daquilo que constitui a vida, de festa, de homossexualismo, tudo... E
tudo mexe... O que não se mexe parece ser a disciplina de Psicologia, que não consegue olhar,
escutar, falar a esses jovens... Permeada por afetos tristes, por forças reativas que replicam as
tristezas para com os alunos, limita processos de valorização da própria vida. Como expressa a
letra de música que opto por trazer para compor este texto...
VIDA
Embora a vida
Não me trate com amor,
Eu não me canso de viver
Não me canso de querer
Ser da vida vivedor
Mas cada um fia seu caminho
Cada qual saiba do mal,
Todo alguém caiba no bem
Vem, tem quem fugindo dela
Ache ela bem má...
Sê quem siga a vê-la bela
E com ela vá
Agora a vida diz:
“me trate com valor,
que eu não me canso de viver,
não me canso de querer
ser da vida vivedor”
(Mestre Ambrósio)
108
106
Importante ressaltar que muitos dos alunos não assistiram a essa peça.
107
Ver Anexo M.
108
Letra da música Vida, cantada por Mestre Ambrósio.
135
Insistiria, ainda, em perguntar se, porventura, haveria um campo de possível, nas aulas de
uma psicologia menor para outros encontros para o amor, para a ética, para o desejo, para a
festa, para o querer viver esta existência de modo criativo e criador. Criador de valores éticos e
não morais, para que possamos desejar tragicamente, como gostaria Nietzsche, sermos da vida
vivedores...
Depois de o leitor ter me acompanhado no entendimento de determinados conceitos e de
certos acordes musicais que penso importantes para a questão do conceito de menor
109
e de ter
também trilhado comigo alguns excertos das vozes dos alunos, passo agora a fazer apontamentos
referentes à forma como Gauthier vai empreendendo suas composições para trabalhar com o
conceito de pedagogia menor. O autor assim o faz em oposição a uma pedagogia maior,
valendo-se também do conceito de literatura menor. Em determinados momentos, trarei tanto
Gallo quanto Gauthier para uma interlocução por entender que suas colocações se complementam
e esclarecem os pontos que serão trabalhados.
Esclareço, mais uma vez, o que estou entendendo como menor e maior. Conforme
Deleuze e Bene, o menor deve ser tomado como devir (apud GAUTHIER, 2002, p. 151). No que
se refere à questão do maior, instala-se, para esses autores, a seguinte problematização:
[quando] nós promovemos algo ao estado de maior: [ou seja, quando] de um
pensamento fazemos uma doutrina, de uma maneira de viver fazemos uma
cultura, de um acontecimento fazemos a História. Pretendemos, assim,
reconhecer e admirar, mas, de fato, o que fazemos é normalizar (apud
GAUTHIER, 2002, p. 151,grifo meu).
De que forma tentar, então, fazer um uso menor tanto da Educação/Pedagogia quanto da
Psicologia? Quais os exercícios que seriam necessários? Como traçar rizomas, linhas de fuga,
processos nômades e instituintes de lógicas outras?
De acordo com Deleuze (1998), o grande erro, o único erro, seria acreditar que uma
linha de fuga consiste em fugir da vida; a fuga para o imaginário ou para a arte. Fugir, porém,
ao contrário, é produzir algo real, criar vida, encontrar uma arma (p. 62, grifo meu).
Deleuze diz que, sobre as linhas de fuga, pode haver uma coisa, a experimentação-vida
(p. 61, grifo meu).
109
Conceito que possui um peso importante para o engendramento deste ensaio analítico.
136
Conforme Deleuze e Parnet (1998),
Partir, se evadir, é traçar uma linha. O objeto mais elevado da literatura, segundo
Lawrence: Partir, partir, se evadir... atravessar o horizonte, penetrar em outra
vida... E assim que Melville se encontra no meio do oceano Pacífico, ele passou,
realmente, a linha do horizonte. A linha de fuga é uma desterritorialização [...]
Fugir não é renunciar às ações, nada mais ativo que uma fuga. É o contrário do
imaginário. É também fazer fugir, não necessariamente os outros, mas fazer
alguma coisa fugir, fazer um sistema “vazar” como se fura um cano
110
[...] Fugir é
traçar uma linha, linhas, toda uma cartografia. se descobre mundos através de
uma longa fuga quebrada
111
[...] Fugir não é exatamente viajar, tampouco se
mover. Antes de tudo porque viagens à francesa, históricas demais, culturais e
organizadas, onde as pessoas se contentam em transformar seu “eu”. Em seguida,
porque as fugas podem ocorrer no mesmo lugar, em viagem imóvel (p. 50-51,
grifo meu).
O que fui propondo, à medida que fomos montando e experimentando esta pesquisa, teve
relação com uma tentativa de produzir linhas de fuga que pudessem deixar falar outros possíveis
modos do lugar e do fazer psi na sala de aula. Tal tarefa, hoje percebo, é bastante difícil, uma vez
que esse fazer psi está extremamente conectado a um fazer pedagógico também disciplinador e
normalizador dos sujeitos escolares. A colocação de corpos e mentes em um movimento diferente
em sala de aula gerou um desconforto nos alunos, na professora e na instituição. Não foi possível
fazer com que a instituição permitisse que as atividades relacionadas à pesquisa fossem
desenvolvidas apenas com os alunos que gostariam de participar do processo. A instituição
exigiu que a turma toda participasse, apesar de metade desta preferir continuar realizando as
110
George Jackson escreve de sua prisão: possível que eu fuja, mas ao longo de minha fuga, procuro uma arma".
E Lawrence, ainda: "Digo que as velhas armas apodrecem, façam novas armas e atirem no alvo" (DELEUZE, 1998,
p. 49).
111
“A literatura anglo-americana apresenta continuamente rupturas, personagens que criam sua linha de fuga, que
criam por linha de fuga. Thomas Hardy, Melville, Stevenson, Virginia Woolf, Thomas Wolfe, Lawrence, Fitzgerald,
Miller, Kérouac. Tudo neles é partida, devir, passagem, salto, demônio, relação com o de fora. Eles criam uma nova
Terra, mas é possível, precisamente, que o movimento da terra seja a própria desterritorialização. A literatura
americana opera segundo linhas geográficas: a fuga rumo ao oeste, a descoberta que o verdadeiro leste está no oeste,
o sentido das fronteiras como algo a ser transposto, rechaçado, ultrapassado. O devir é geográfico. Não existe o
equivalente em francês. Os franceses são humanos demais, históricos demais, preocupados demais com o futuro e
com o passado. Passam seu tempo recapitulando. Não sabem tornar-se, pensam em termos de passado e de futuro
históricos. Até mesmo quanto à revolução, eles pensam em um futuro da revolução’, mais do que em um devir-
revolucionário. Eles não sabem traçar linhas, seguir um canal. Não sabem furar, limar o muro. Gostam demais das
raízes, das árvores, do cadastro, dos pontos de arborescência, das propriedades. Vejam o estruturalismo: é um
sistema de pontos e de posições, que opera por grandes cortes ditos significantes, ao invés de proceder por
crescimentos e estalos, e colmata as linhas de fuga, ao invés de segui-las, traçá-las, prolongá-las em um campo
social. Não está em Michelet a bela página onde os reis de França se opõem aos reis da Inglaterra: uns com sua
política de terra, heranças, casamentos, processos, trapaças e truques; os outros com seu movimento de
desterritorialização, suas errâncias e repúdios, suas traições como um trem de inferno que passa? Eles desencadeiam
com eles os fluxos do capitalismo, mas os franceses inventam o aparelho de poder burguês capaz de bloqueá-los, de
contabilizá-los” (DELEUZE E PARNET, 1998, p. 50).
137
aulas de Psicologia com a professora responsável pela disciplina. Tal exigência passou por
diversas contradições e movimentos complexos, marcados por uma lógica binária, disciplinar e
normalizadora dos processos da instituição, bem como dos sujeitos que a ela pertencem e a
produzem.
Um episódio
112
que marcou esse processo ocorreu no dia em que eu estaria dando início
às atividades de pesquisa com os alunos. Nesse dia, no mesmo horário da aula de Psicologia,
haveria uma palestra sobre mercado de trabalho e atuação profissional para todas as turmas do
Ensino Médio. Ao dirigir-me à sala de aula, encontro uma das responsáveis pela instituição, que
havia dado o recado para a turma ir à palestra. Quando nos encontramos, ela pergunta se teria
problema eu dar início às atividades no dia seguinte. Digo que havia preparado todo o material e
estava com tudo acertado para o início, mas se ela entendia que a palestra era algo a que os
alunos não poderiam deixar de assistir, eu iniciaria no dia seguinte. Ela resolve, então, dar-me o
aval para ficar com a turma para as atividades. Ao entrar na sala de aula, a professora ainda não
estava presente; resolvi esperá-la para tomarmos uma decisão conjunta. Enquanto isso, disse aos
alunos que talvez não desse para começarmos o que havíamos planejado para aquele dia. Alguns
alunos dizem: Nunca vai dar, é sempre assim... nunca dá... quem quer vai na palestra, e
quem quer fica, para fazer o trabalho”. Nesse momento, a professora entra na sala de aula e
fala da necessidade de todos os alunos irem à palestra, pois, segundo ela, eles estavam sempre
reclamando que a instituição não fazia nada para eles, mas, quando fazia, eles nem se
interessavam. Ela, então, com bastante firmeza, exige que os alunos se dirijam à sala onde ocorria
a palestra. Os alunos ficam um pouco atônitos e confusos, pois havia duas coisas acontecendo ao
mesmo tempo. Alguns pedem calma à professora, começam a pegar suas cadeiras e se dirigirem
para a palestra. Um pouco mais calma, a professora autoriza os alunos que resolveram ficar a
participarem das atividades e me permite iniciar. Ao dar tal permissão, a professora comenta:
quem trabalha são esses mesmo, os outros [que foram à palestra] não estão
interessados; quem fala são só esses que ficaram”.
Há, parece-me, certa contradição na proposta da professora. Ela propõe que todos
assistam à palestra, vista como muito importante, mas ao mesmo tempo diz que os alunos que
permaneceram em sala são os interessados, que trabalham, que falam... Fiquei me perguntado o
112
Diário de campo. Ver Anexo G.
138
que haveria nesse contexto disciplinador e ao mesmo tempo “permissivo” para outras propostas.
Talvez, o “permissivo” aqui seja gerado pela ausência de propostas que comportem fazeres psi
mais singulares, éticos, estéticos, inventivos... Parece haver uma ausência de propostas de
envolvimento. Fica uma sensação, um sentimento de que “já que existe um vazio, vamos
preencher com o que estiver mais à mão”, ou seja, tirando os textos da “cartola”, enviando os
alunos para palestras, ofertando e deixando espaço para a realização da pesquisa, abrindo espaço
nas aulas para avisos e apresentação de propostas de cursos profissionalizantes, palestras
113
...
Enquanto eu realizava os encontros de observação, diversos foram os momentos em que a
professora pediu que eu “desse aula”, utilizando essa estratégia como possibilidade de preencher
aquilo que não havia sido planejado por ela ou pensado como possível de se fazer naquele
espaço. Um outro episódio que poderíamos, talvez, tomar como certa resistência por parte dos
alunos às atividades propostas pela professora foi quando os estudantes realizaram um “protesto”,
amassando os textos distribuídos, fazendo bolinhas e atirando-as uns nos outros (como o leitor
poderá conferir logo mais neste texto)
114
.
Retomando o momento em que a turma se movimenta para a palestra e alguns alunos
ficam para as atividades de pesquisa, no “olho do furacão”, tentei “ouvir/escutar” os alunos, a
professora e a instituição. Os alunos diziam do quanto parecia ser difícil lidar com outras
propostas, nas quais eles pudessem estar mais envolvidos na feitura, ao mesmo tempo em que
externavam um “resmungo”, um lamento, um entristecimento em relação àquilo que dava ou não
para fazer em sala de aula ou na instituição, pois, como disseram: Nunca vai dar, é sempre
assim... nunca [...]
115
”. Esse “nunca dá” me soou como certo cansaço da mesmidade, um
sinal de que algumas coisas não faziam mais “liga”... Questiono: haveria algo concreto com o
que se envolver? E, sendo assim, os alunos que ficaram na sala para a pesquisa não estariam
tentando, de alguma forma, traçar linhas de fuga para adentrar outros territórios ainda não
sabidos?
O grupo que ficou foi ao mesmo tempo “elogiado” pela professora, pois este seria o grupo
mais disposto e interessado segundo ela, aqueles que “falam”. Comecei a pensar: o que eles
queriam falar, do que e como desejavam “fugir”, por mais que tivessem permanecido no
113
Diário de Campo. Ver Anexo G.
114
Diário de Campo. Ver Anexo G.
115
Diário de Campo. Ver Anexo G.
139
mesmo lugar? O que gostariam de desterritorializar? Talvez devesse questionar ainda mais:
de que forma os alunos são narrados pela professora, como se determina quem pensa, quem sabe,
quem trabalha, quem é bom aluno na instituição? Como escutar também a voz da professora, que
se mostra um tanto cansada de seu fazer, demonstrando certa desilusão e irritação com seus
alunos e com a instituição (como veremos a seguir)?
Foi no mesmo dia da palestra, no qual trabalhei com um número reduzido de alunos, que a
professora, depois de se acalmar, narrou que estava muito chateada, pois os alunos das turmas
com que estava anteriormente encontravam-se impossíveis”. Ela me explica que antecipou o
último período em uma outra turma e que os alunos amassaram as folhas que ela havia
distribuído. Como referi anteriormente, os estudantes teriam feito “bolinhas [com os textos
distribuídos] e ficaram jogando uns nos outros pela sala de aula”. Não seria essa uma forma
de expressar um indício do cansaço da mesmidade, a expressão daquilo que não faz sentido, que
não produz possibilidades de criação? Não seria esse um “sinal” da necessidade de produzir
novos afetos, novos encontros, outras experiências com os fazeres psi nas salas de aula?
No entanto, a professora segue contando que perguntou aos alunos: “o que eles esperam
da vida, o que eles esperam para o futuro, se eles nem conseguem responder umas
perguntas muito simples, se eles não conseguem pensar... o que eles esperam que
aconteça?”. A resposta que recebeu de seus alunos foi: “Que futuro, se uma bala perdida pode
me encontrar? Que futuro? Não tem futuro!”. Ao que a professora questionou: O que eles
pretendem? Vão continuar nessa vida, roubando?... Eles não querem nada com a escola,
não têm limites, os pais não dão limites. A gente sabe direitinho quem tem pais que
limites e quem não tem. fica essa bagunça... Eles estão muito cansados, é terceiro
trimestre... os professores estão cansados. Também, se os professores não estão nem aí,
ficam faltando às aulas, o que esperar dos alunos?... Hoje, só hoje, faltaram dois professores
e as turmas serão liberadas no recreio”.
No excerto citado acima, aparece, além da forma como a professora narra seus alunos, seu
“clamor” pela necessidade de aliança com as famílias “bem estruturadas”, que poderiam impor
“limites” aos alunos. Reaparece aqui um sentimento de cansaço, um lamento nostálgico, certo
ressentimento disparado, talvez, pelo fato de a professora correr de um lado para o outro para
140
atender às “demandas” geradas pela falta dos colegas, pelas exigências da escola, sem conseguir
ver “resultados” naquilo em que se “esforçava” para fazer. Fica a sensação de que certo
“vácuo”, um “esvaziamento” das experiências vividas por todos tanto pela professora quanto
por seus alunos – no espaço escolar.
Ao mesmo tempo, questionam os alunos para que serviria a Psicologia se, em suas vozes,
aparecem questões relacionadas às suas vidas e sobrevivência, aos seus futuros. De que adiantaria
estudar, ir à escola, se não há futuro”? Para que a necessidade de tal esforço se uma real
possibilidade de levar bala”? Pergunto: não seria um dos papéis da Psicologia questionar o
mundo contemporâneo, voltar-se para as experiências de vida, de trabalho da juventude? Não
estaria aqui a possibilidade de acoplamento do saber da vida das pessoas com esses campos de
saber? Talvez, assim, seria possível abrir espaço para se pensarem e se exercerem estratégias de
resistência?
De certo modo, penso que os alunos parecem colocar em xeque, problematizar o fazer
psi em sala de aula, pois este não contribui com outros modos possíveis de pensar o mundo, o
outro, a multiplicidade, as dificuldades, seus receios, seus anseios... As aulas de Psicologia
parecem não lhes “acrescentar muita coisa”; nelas parece não se “olhar” para suas demandas, o
“escutar” aquilo que os jovens desejam dizer. O que parecia estar lá, nas salas de aula, seria
apenas um ruído psi”, algo que se enclausurado num fazer que não consegue abrir
espaço de escuta”, que não se afeta” pelo que os jovens têm a nos dizer ou que teimam em nos
dizer!
Não estou aqui pensando que a Psicologia deveria ocupar um lugar de saber maior, aquele
que respostas, mas sim, muito mais, pensando o que uma psicologia menor, ocupada com um
fazer mais social e coletivo, poderia acionar nessas salas de aula, se esse fosse o caso... Poderia
pensar ainda em questionar como fazer com que o professor possa ocupar (e se ocupar de) um
lugar atrator militante, coletivo e menor
116
no seu fazer cotidiano das aulas psi.
Perguntaria também que intersecção psipedagógica é essa que parece ter uma grande
dificuldade em encontrar um canal de comunicação com este jovem escolar do Ensino Médio.
116
Os conceitos de psicologia menor, professor atrator e professor militante serão tratados mais detalhadamente no
próximo item, 4.4.
141
Quais seriam as possibilidades de realizar outras formas de fazer psipedagógico, com outros tipos
de escuta e aí, quem sabe, poder criar outras andanças, outros trajetos, outros perceptos, outros
afetos, outros encontros psipedagógicos juvenis?
Depois de trazer esses questionamentos, volto a perguntar, com Deleuze e Bene: “de que
forma minorar (termo empregado pelos matemáticos), de que forma impor um tratamento menor
ou de minoração, para liberar os devires contra a história, as vidas contra a cultura, os
pensamentos contra a doutrina, as graças ou as desgraças contra o dogma? (apud
GAUTHIER, 2002, p. 151, grifo meu).
Interessante notar que, conforme Gauthier (2002), “a educação sempre teve um estatuto
de disciplina menor em comparação com os outros campos do saber das ciências humanas
(psicologia, sociologia) e, sobretudo, com as ciências da natureza” (p. 150). Houve, por parte da
Pedagogia, uma batalha por ascender ao estatuto de verdadeira ciência, ou seja, de uma
ciência que chamaremos aqui de maior. A Pedagogia parece ter insistentemente copiado o
modelo maior na medida em que buscava por um espaço no domínio do saber
dominante/majoritário. Para ocupar esse domínio de ciência maior, viu-se obrigada (parece ter
desejado fazê-lo) a exigir uma precisão de objeto, um rigor metodológico, um padrão, uma norma
para que fosse possível fazer parte desse mundo dominante de saber. Ao tentar ascender ao posto
tão desejado de ciência maior, a Pedagogia consegue impor sua lei. Importante ressaltar que o
maior, o majoritário não seria necessariamente o maior número, mas o padrão no poder, o que
está instituído.
Havia uma flor no meio do caminho, no meio do caminho havia uma flor
117
... O que
fizemos com ela? Certamente não a regamos, não quisemos semear outras mudas, nem fazer um
jardim para acompanhá-la... O que fizemos, então? Passamos por cima dela com nosso imenso
trator! Tamanha a nossa miopia...
117
Parafraseando nosso poeta Carlos Drummond de Andrade.
142
Trago para este texto a primeira passagem do livro Ensaio sobre a cegueira
118
, de José
Saramago, para que possamos pensar, sentir e lembrar com ele que nós, educadores, temos a
responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam. O autor é cortante; em tempos
sombrios, é alguém que consegue fechar os olhos e ver. Saramago resgata, com esse romance, o
afeto que há muito fora perdido... Diz, em certo momento, que dentro de nós há uma coisa que
não tem nome, essa coisa é o que somos... Saramago possui uma visão das trevas, faz uma
viagem ao inferno, realiza uma história de uma resistência possível à violência de tempos
escuros...
O que temos nós, professores-psicólogos, a ver com isso? Como acionar outras formas de
olhar os outros, nossos fazeres? Como regar a flor? Como ver que a flor existe, tem vida? Como
resgatar o afeto que há tempos parece termos perdido? Talvez esse seja apenas mais um romance
para ser lido e discutido apenas nas aulas de Literatura ou nas de Português...
Dando prosseguimento ao que estávamos trabalhando antes em relação aos conceitos de
maior, entra em cena agora o conceito de educação maior, que igualmente será desdobrado em
alguns outros conceitos, tais como macropolítico, instituído e molar, com o intuito de alargar seu
entendimento. Esses conceitos, de acordo com Baremblitt (1998), designariam o mundo das
instituições, o mundo do macro, ou seja, tudo aquilo que determina um ordenamento, uma
organização do real que vai caracterizar uma “superfície de registro e controle” (p. 181). Esses
118
O disco amarelo iluminou-se. Dois dos automóveis da frente aceleraram antes que o sinal vermelho aparecesse. Na
passadeira de peões surgiu o desenho do homem verde. A gente que esperava começou a atravessar a rua pisando as
faixas brancas pintadas na capa negra do asfalto, não nada que menos se pareça com uma zebra, porém assim lhe
chamam. Os automobilistas, impacientes, com o no pedal da embraiagem, mantinham em tensão os carros,
avançando, recuando, como cavalos nervosos que sentissem vir no ar a chibata. Os peões já acabaram de passar, mas
o sinal de caminho livre para os carros vai tardar ainda alguns segundos, quem sustente que esta demora,
aparentemente tão insignificante, se a multiplicarmos pelos milhares de semáforos existentes na cidade e pelas
mudanças sucessivas das três cores de cada um, é uma das causas mais consideráveis dos engorgitamentos da
circulação automóvel, ou engarrafamentos, se quisermos usar o termo corrente. O sinal verde acendeu-se enfim,
bruscamente os carros arrancaram, mas logo se notou que não tinham arrancado todos por igual. O primeiro da fila
do meio está parado, deve haver ali um problema mecânico qualquer, o acelerador solto, a alavanca da caixa de
velocidades que se encravou, ou uma avaria do sistema hidráulico, blocagem dos travões, falha do circuito eléctrico,
se é que não se lhe acabou simplesmente a gasolina, não seria a primeira vez que se dava o caso. O novo ajuntamento
de peões que está a formar-se nos passeios o condutor do automóvel imobilizado a esbracejar por trás do pára-
brisas, enquanto os carros atrás dele buzinam frenéticos. Alguns condutores saltaram para a rua, dispostos a
empurrar o automóvel empanado para onde não fique a estorvar o trânsito, batem furiosamente nos vidros fechados,
o homem que está dentro vira a cabeça para eles, a um lado, a outro, vê-se que grita qualquer coisa, pelos
movimentos da boca percebe-se que repete uma palavra, uma não, duas, assim é realmente, consoante se vai ficar a
saber quando alguém, enfim, conseguir abrir uma porta. Estou cego. Ninguém o diria... SARAMAGO, José. Ensaio
sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 11-12
143
conceitos designariam certo campo macropolítico capaz de produzir determinadas regularidades,
estabilidades, determinados graus de conservação e reprodução onde operariam os equipamentos
sedentários de captura e recuperação.
[...] Nesta ordem as entidades características são os estratos e os grandes blocos
representativos dos territórios constituídos. É o lugar dos códigos, sobrecódigos e
axiomáticas, das formas sujeitos e objetos definidos, dos organismos biológicos e
das grandes corporações e corpos cheios do Estado, Igreja, etc. Compõe o que em
outra terminologia se denomina Instituídos-Organizados-Estabelecidos. Nesse
espaço, constituem-se as matérias formadas e as forças vetorizadas (idem, p. 181).
Dando prosseguimento, encontramos, ainda, o conceito de máquina de controle ou
máquina de captura, sendo estas as máquinas institucionais que tentam trabalhar na ordem do
conhecido, do já dado, do instituído, que operam muitas vezes impedindo e/ou cortando os fluxos
instituintes.
um poema de Pablo Neruda que trata de uma fábula, a Fábula da Sereia e dos
Bêbados
119
. Diz o poema que: “Todos os senhores estavam dentro quando a sereia entrou
completamente nua. Eles tinham bebido e começaram a cuspir nela. Ela não entendia nada;
acabara de sair do rio. Era uma sereia que havia se extraviado. Os insultos corriam sobre sua
carne lisa e a imundice cobriu seus peitos de ouro. Ela não sabia chorar, por isso não chorava;
não sabia se vestir, por isso não se vestia. Tatuaram-na, então, com cigarros e com rolhas
queimadas e riram até cair no chão da taberna. Ela não falava porque não sabia falar. Seus olhos
eram da cor de amor distante, seus braços constituídos de topázios gêmeos, seus lábios se
cortaram na luz do coral. E, de repente, a sereia saiu pela porta. Mal entrou no rio ficou limpa,
reluziu como uma pedra branca na chuva e, sem olhar para trás, nadou de novo. Nadou até nunca
mais. Nadou até morrer.” Rolim (2002) tenta pensar a educação como um longo percurso que
teria deixado nossa pele repleta de marcas; dessa forma, nos extraviamos no mundo. Recebemos
aquela taberna de herança e com ela nos teríamos acostumado. Chegamos ao ponto de imaginar
que ela seria nosso único mundo possível... E muitos de nós deixamos de sonhar... Mas nada
nos obriga a pactuar com os fregueses daquela taberna.
Como, então, pensar em compor e produzir outros mundos, outras marcas que não aquelas
vividas frente a uma educação que se quis maior? Como não compactuar com o que um dia nos
119
ROLIM, Marcos. Composições II. Porto Alegre, 2002. Ver também o site: www.rolim.com.br.
144
ensinaram e que hoje não faz mais sentido, já não faz brotar a flor, não faz enfeitar o mundo,
não nos deixa criar espírito de festa, de apego, de vontade de dançar, de abraçar, de cantar?
Durante a pesquisa, nas entrevistas
120
realizadas com os alunos, encontramos uma espécie
de pedido por uma psicologia maior, pois esta indicaria o caminhos possíveis para explicações
demandadas ao campo de saber psi. Como exemplo, trago a temática adolescência, bastante
recorrente para esses jovens, pois, como dizem, “[...] é a fase que mais nos interessa”. Vale aqui
uma Psicologia que fale do comportamento, do desenvolvimento, sobre o que aqueles jovens
estão pensando e vivendo em relação a essa temática, que, ao mesmo tempo, se torna uma
temática clichê. E a Psicologia cria essa demanda fazendo com que os jovens queiram ocupar o
lugar de “sabedores privados de sua sexualidade”. E é dessa forma que os alunos demandam o
saber que a psicologia maior oferece, pois é um saber especializado para isso. Tal saber tem e dá
as “respostas necessárias e corretas”.
No mesmo momento em que tratam das questões sobre a adolescência, trazem
desinteresse sobre uma possível discussão a respeito do mundo, não desejando falar, se ocupar
sobre o mundo”, mas [sobre] nós, isso eu acho interessante”. Uma aluna diz: Eu gosto
porque é uma maneira de expressar as tuas idéias, os teus pensamentos. É uma matéria que
a gente consegue fazer isso, se expressar”. A sensação que se tem é de que a adolescência
“encontra-se fora do mundo”, como se a adolescência fosse “uma outra entidade”, algo que se
produz em um outro lugar que não neste mundo! um sentido do privado, do desencontro com
o mundo! Mostra-se uma incapacidade de viver a alteridade em um mundo privado e ao mesmo
tempo “carente”, no sentido de ter muita necessidade de intimidade, privacidade, individualidade.
Em um mundo privado e carente”, ou seja, um mundo que deseja demasiadamente
intimidade e que, simultaneamente, carece de tantos outros afetos, penso: como lidar com o outro
se ele pode “tirar meu chão”, fazendo-me olhar para aquilo que ainda o existia ou aquilo que
ainda não estava ali? Como se afetar em um mundo privado que vive, conforme Dallmayar (apud
Ortega, 2000) uma “tirania da intimidade”? Num mundo carente de sentido coletivo, como abrir
as comportas da nossa intimidade humana demasiado humana”, como diria Nietzsche? Como
120
Entrevistas com os alunos. Ver Anexo L. Total de quatro entrevistas realizadas com três grupos de alunos e uma
entrevista individual. Contém, ainda, uma entrevista realizada com a professora responsável pela disciplina de
Psicologia (ver também Anexo L).
145
viver para além do privado, para além daquilo que me priva do contato com o outro, do sentir
com o outro, do estar com o outro? Seria (ainda) possível abastecer-se, no coletivo, com a
multidão, nas lutas, na militância, na resistência, nas microrrevoluções do cotidiano, com as
minorias, com a multiplicidade, com a diferença? E, assim quem sabe, transversalizar, atravessar,
querer saber daquilo que ainda não sabia poder saber... E talvez, nesse sentido, poder ir
costurando linhas, panos, trapos de múltiplas cores, compondo colchas de retalhos, de enredos, de
relações, de cenas?
No momento em que tento ver com os estudantes se tinham conhecimento da existência
da disciplina de Psicologia no currículo e de que forma a entendiam, uma aluna diz que
Psicologia é uma chatice”; outra diz: Eu nunca tive Psicologia e não acho o bicho”; ou,
ainda, conforme um dos alunos: “Sei lá, nunca tive [Psicologia]. Fiquei sabendo quando
cheguei na escola... mais uma coisa para passar...”. A primeira aluna a se colocar segue
comentando que, para ela, não faz diferença”, pois, como nunca havia tido, não seria no
primeiro ano do Ensino Médio que faria falta”. Parece, de forma geral, que a Psicologia seria
um saber totalmente descartável, sem nexo, que não faz sentido na vida desses estudantes. Há um
vácuo, um esvaziamento do lugar psi, tornando-se basicamente descartável, pois os alunos não
sabem para o que a Psicologia serve, ou seja, poderíamos questionar o que ela estaria fazendo no
currículo do Ensino Médio.
Durante as entrevistas
121
, surge novamente a questão do trabalho com textos. A
reclamação parece se repetir, pois um aluno diz: “[...] porque antes
122
a gente copiava texto,
texto, texto e texto”. Não havia, parece-me, um entendimento do porquê se copiava tanto. A
professora também se vê bastante incomodada com um determinado texto, no qual a turma estava
trabalhando cinco aulas, e ninguém parecia agüentar mais fazer aquele tipo de atividade. A
professora chega a referir
123
: Bom, vamos começar, retomar o texto que estamos
trabalhando e vamos terminar este trabalho logo, não agüento mais olhar para este texto!”.
Os trabalhos em aula eram praticamente responder os textos e depois entregar as respostas para a
professora. Penso numa prática pedagógica endurecida, bem como numa dificuldade de trabalhar
questões mais voltadas aos alunos que habitam esse espaço psipedagógico. Sinto um pouco um
121
Entrevistas com os alunos. Ver Anexo L.
122
Refere-se à antes da realização das atividades de pesquisa realizadas com os alunos.
123
Diário de Campo. Ver Anexo G.
146
certo cheiro de não se saber o que fazer nesse espaço. O interesse não brota, nem dos alunos nem
da professora. Um aluno justifica: “por isso a gente nunca se interessou por Psicologia. Qual é
a moral ficar copiando texto e respondendo? Não tem graça”. Os textos invisibilizam os
alunos, a forma dura de ler, copiar, responder, entregar e depois receber a nota é a fórmula básica
da lógica disciplinar, sedentária, dura, do decalque, do repetir, do reproduzir. Quando um
“afrouxamento deste fazer disciplinador”, coloca-se um filme – O Pai da Noiva –, sendo que este
filme foi usado para relax”, pois os alunos gostam muito de assistir a filmes na sala de
vídeo. A professora refere que até ia fazer uma atividade, mas resolveu não fazer, “pois eles
estão cheios de coisas para fazer
124
. Novamente, aparece um “vazio” a ser preenchido com um
“nada”; não há uma proposta instigadora a um fazer psi que se conecte com outras possibilidades
de invenção.
Quando solicitados, nas entrevistas
125
, a falar sobre os conteúdos que têm sido trabalhados
em aula, os testes surgem como algo bastante interessante e “revelador”, pois, conforme alguns
alunos: Os testes, que nem a professora [...] têm a ver com a personalidade, vêem como
a gente se encaixa na profissãoou o que eu gostei de ver foram os trabalhos agora que
tratam como a gente age, que a professora deu explicação e muitas vezes a gente se
identifica com os testes, daí, eu achei legal aquilo. É uma das poucas coisas que gostei”.
Ainda referindo-se aos testes, os alunos comentam sobre o teste da árvore, aplicado em aula,
dizendo: isso é interessante [...] isso é legal de fazer, sabe, porque a gente entende sobre a
gente. Eu acho que Psicologia tinha a ver com isso, a gente estuda para saber mais da gente.
[Mas] a gente não fez muito isso [...] fizemos o desenho e entregamos para ela, tá, ela viu ali
nosso desenho. Para os que perguntaram, ela falou algumas coisas que a gente desenhou, [o
que] significavam. Para quem não falou nada, ela não foi explicar [...]”. A Psicologia, com
seu saber maior, tem todo um “glamour”, algo que seduz e respostas para aquilo que os jovens
ainda não sabem sobre si mesmos. A Psicologia tem que explicar, tem que dar retorno, é um
saber que tem respaldo para dizer o que se é, como se é, o que se deve fazer, porque se é de
determinada forma e não de outra. um clamor por saber-se quem é, pela origem de tudo, pela
essência. O saber especialista explica sobre as pessoas, fala de suas personalidades, busca por
identidades, por caminhos possíveis de adaptação.
124
Diário de Campo. Ver Anexo G.
125
Entrevistas com os alunos. Ver Anexo L.
147
Durante as entrevistas
126
, os alunos referem-se a um vídeo passado pela professora no
qual um grupo de pessoas falava sobre gravidez e sexo. O vídeo tratava desses assuntos
apresentando pessoas que já haviam passado por essas experiências em suas vidas, “e elas
contavam como foi a primeira vez, falava de gravidez, sexo, adolescência, essas coisas...”, “é,
para nós, adolescentes, é isso, né?!!”. De acordo com o grupo, o vídeo não foi trabalhado em
sala de aula, pois acho [que o vídeo] não [foi trabalhado], até porque a turma não ajuda,
né?!!”. Ainda em relação ao vídeo e o que poderia ter sido feito a partir dele, houve certa
reclamação do grupo: Todo mundo tem aquilo, vamos sair mais cedo, ah, a professora não
nada hoje, não passa muita coisa. Ninguém gosta muito de discutir, às vezes, é assim. Eu
mesma, às vezes, não a fim de falar sobre aquilo que foi dado[...]”. aqui processos
instituídos, difíceis de serem escutados, aparecendo tanto uma inércia estudantil quanto uma
inércia professoral, que compactuam com processos instituídos de saber.
O tema da gravidez é retomado em vários momentos pelos alunos.: “[...] falar sobre
adolescência também é [interessante]. Sobre gravidez na adolescência, essas coisas também
são [interessantes]”. Havia uma colega na turma que tinha tido um bebê há poucos dias.
Perguntei se esse assunto havia sido trazido para sala de aula. A resposta foi a seguinte: “A gente
nem sabia porque ela era gordinha. E a gente não percebia que ela estava grávida. A
gente foi perceber no oitavo mês que ela estava grávida, daí, ela tava quase ganhando e, aí,
ela parou um pouco de vir à aula, porque ela mora longe. A gente não conversou sobre isso,
tem professor que nem sabe quem ela é”. Gostaria de problematizar aqui o que a escola “finge
que não vê” a vida brotando, a sexualidade, os corpos se modificando e a escola tentando fazer
com que ela fique imóvel. um processo duro, e a escola parece não suportar o que foge à sua
lógica disciplinar, linear. Parece que a instituição “cumpre seu papel” quando realiza um projeto
sobre sexualidade, e o trabalho está feito. As aulas de Psicologia também não se ocupam dessas
questões. O acontecimento gravidez não faz parte do metiê da instituição escolar, não se
encontra na pauta do dia. Parece uma temática “indigesta”... Como lidar com essa “falha”
disciplinar que não conteve esse corpo? Parece que a instituição tenta cortar os fluxos, as
intensidades, os desejos... Mas eles não param de brotar...
126
Entrevistas de alunos. Anexo L.
148
Gostaria de dizer que, nas anotações do diário de campo
127
, também apareceu algo
semelhante. Havia uma aluna que, com frequência, não aparecia na escola e, quando vinha para
aula, estava sempre machucada, com lesões em seu rosto ou em seu corpo. Ninguém na escola
“sabia o que se passava com a aluna”, achavam que poderia ser algo relacionado a drogas ou que
ela tivesse um problema de saúde e com isso acabava caindo e se machucando. Uma outra aluna
teria tido problemas sérios em relação à sua sexualidade, outras eram mães... e a maioria dos
professores não sabia... Haveria a possibilidade aqui de olhar de outra forma para esses
acontecimentos? Como desejar saber? O que implica estar envolvido na vida dessas alunas? O
que a Psicologia está fazendo lá?
A Psicologia aparece em alguns momentos como um campo de saber sem importância
para os alunos, sendo só mais uma matéria, que não faz muita diferença”, para mim, não
precisava ter Psicologia, sério!”, eu nunca tinha visto Psicologia”, “eu sempre tive
Filosofia” ou, ainda, é muito estranho Psicologia...tu ficas falando do mundo... e o que
que eu quero falar do mundo? Eu sei de mim, dos meus amigos e deu, não quero falar do
mundo...”, “pra mim, o faz diferença ter ou não ter porque, igual, eu sempre vou ter
minha opinião própria, sobre o que eu penso, idéias minhas. Se eu for fazer um trabalho,
vou fazer da minha maneira. Então, é mais uma matéria, que a gente pode expressar
para os outros o que a gente pensa”. Por vezes, algo totalmente sem sentido e descartável numa
lógica escolarizada instituída; por outras, um canal por onde se pode falar e colocar “opiniões”.
Aqui aparece tanto uma necessidade e um interesse por um mundo mais privado, composto por
uma lógica mais ligada a propostas individualistas, quanto a prevalência de um espaço onde dar
sua opinião conta.
Em outro momento, a Psicologia habita o lugar da confissão: “[...] porque eu não gosto
de ficar falando pra ninguém, até por isso eu não gosto muito de Psicologia. Até nem sei se é
obrigatório ficar falando, mas...”. Parece haver um receio de se expor, falar demais,
imaginando que talvez o falado seja interpretado pelo viés da Psicologia Clínica. Creio que, além
disso, existem processos escolares em que os alunos se vêem obrigados a ficar “neutros”,
“mudos”, “comportados”, havendo um disciplinamento dos corpos, o que pode gerar certa
inércia estudantil. Esta faz com que os alunos não consigam se manifestar, se fazer ouvir. Talvez
127
Diário de Campo. Ver Anexo G.
149
possamos pensar, por meio das vozes dos alunos, que há um endurecimento de processos, os
quais poderiam constituir outros territórios de saber.
Quando o grupo é solicitado a falar um pouco mais sobre as possíveis saídas e passeios,
reaparece uma inércia estudantil e professoral, pois nenhum professor convida”. uma
reclamação da turma em relação aos professores por estes não terem levado a turma a
praticamente nenhum passeio/saída. Referem descaso dos professores para com eles, mas
também dizem que a turma é bagunceira em aula e que, por isso, não recebe tantos convites.
Além disso, a inércia estudantil apresenta-se na falta de articulação, organização e desejo da
turma, pois: É, mas daí vai quem quer, se se interessar, se for valer nota”, acho que é isso
que interessa, se vale nota”. Outros alunos, em outra entrevista, também referem o desinteresse
dos professores em levá-los para fora do espaço escolar. Os alunos falam sobre as dificuldades de
se organizarem para sair. Mesmo desejando fazê-lo, eles desistem, pois toda uma hierarquia
que está na nossa frente, se eles [os professores] não querem, não adianta a gente se
organizar”. O que adianta então? De que forma minorar? Haveria saída?
Penso que, talvez, essas atividades de saída da escola pudessem ter relação com processos
mais instituintes, mas elas não encontram sentido para os alunos, pois sair tem uma conotação de
“matação de aula”, de passeio: é como se não fosse aula, fosse um passeio para brincar
[risos]”. Essas atividades parecem “não funcionar” porque não se está na escola, “porque parece
que não vai bater [...]”. Quando passeios/saídas acontecem, ninguém vai [...] porque a gente
acha que não é aula, só quando vale nota. O professor fala que vai valer nota, daí todo
mundo vai”. O saber aparece aqui com uma conotação de território bastante instituído,
necessitando de disciplinamento e ordenamento dos corpos e das mentes para que as propostas
sejam realizadas pelos alunos. Caso contrário, nada parece ter sentido, pois o que não se passa em
sala de aula, que não é cobrado como nota, não tem valor, não é valorizado pelos estudantes.
Em outro momento, um grupo de alunos refere que, por ficar muito tempo em sala de
aula, “a gente perde meio a vontade. A gente todo dia ali, naquela mesma função. Aí, tem
aula hoje, tem aula hoje, não tem nada diferente. Entendeu? Daí, se tivesse um passeio, uma
coisa, um passeio por mês que fosse[...]”. Depois dessa fala, fiquei com a sensação de certa
produção de “inércia do saber escolarizado” e de um corpo escolarizado. Pensei no quanto a sala
150
de aula, por vezes, é capaz de interromper fluxos instituintes de saber. A turma parece um
coletivo paralisado, anestesiado, sem “condições” de produzir outros efeitos enquanto se vê
dentro de uma lógica escolar sedentarizada.
Quando questiono o grupo
128
a respeito das temáticas que achariam interessantes de serem
trabalhadas e como as trabalhariam, aparecem:Adolescência... [que] inclui tudo: drogas,
violência, família também, a relação com os pais. Tipo como os pais vão falar com os filhos,
assim, quando estão chegando nessa fase. Tem pais que não conversam com os filhos”; eu
daria testes, testes vocacionais que a gente como que te identifica e sei ... como é a
personalidade de cada um”; eu também acho interessante testes vocacionais”. Ao dar aula,
se fosse o caso, não se pediria que os alunos se expusessem e falassem. Um dos integrantes do
grupo diz que daria o retorno dos testes em um outro lugar para não expor os alunos.
Outros temas que aparecem estão relacionados à questões atuais: política, informação
sobre o mundo, debates sobre o que está acontecendo na atualidade: se tu debates, tu vais
criando idéias [...]”. Um outro grupo refere a necessidade de estar bem informado sobre o que
acontece no mundo. Penso que o aluno está inserido no mundo contemporâneo, sendo assim, a
informação o atravessa o tempo todo. Parece-me que uma função das práticas escolares seria criar
condições para entendê-lo: mesmo que seja chato [a questão da política, por exemplo]”. Um
aluno diz: “Se tu fores falar sobre a guerra, ninguém vai querer saber de nada; se fores falar
sobre os pobres do mercado, eles não vão falar nada também, só vão falar sobre novela...”.
Perguntaria: o que a Psicologia tem a ver com os pobres, a guerra, a guerrilha que
vivemos em nosso país, a novela, os fluxos e as intensidades subjetivas que atravessam a
contemporaneidade?
4.4 Quando o desejo é da ordem do atrair
129
? Como abortar o que uma educação maior fez
conosco?
Neste momento, faz-se necessário entender a maneira como Gallo (2003) apresenta a
educação maior
130
na Educação propriamente dita. Tal Educação seria a proposta pelos grandes
128
Nas entrevistas com os alunos. Ver Anexo L.
129
Do ser professor atrator e militante.
151
projetos, pensados por aqueles que podem certa elite do pensamento pensar e propor. É
aquela Educação produzida na macropolítica, nos gabinetes, e expressa nos documentos. Essa
Educação seria a dos planos decenais, das políticas públicas de Educação, dos parâmetros e das
diretrizes, da constituição e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. “A educação
maior é aquela instituída e que quer instituir-se, fazer-se presente, fazer-se acontecer” (p. 78), ela
estaria “sempre a nos dizer o que ensinar, como ensinar, para quem ensinar, por que ensinar”
(idem, p. 79), constituindo-se “em uma imensa máquina de controle, máquina de subjetivação, de
produção de indivíduos em série” (idem, p. 79); pressupõe, assim, “que ao ensino corresponda
uma aprendizagem”.
Quando pergunto à professora
131
sobre o planejamento que realiza para as aulas de
Psicologia, ela diz trabalhar muito com os livros da Psicologia do Ensino Médio, dizendo haver
alguns livros, tais como Psicologia Geral. Refere que “algumas editoras trazem livros para
nós aqui. Trabalho bastante com dinâmicas com eles, de integração, de socialização [...]
mais para movimentá-los [...] fazer com que eles pensem a respeito da vida deles”. Ainda
nessa direção, aponta que os planos de aula são elaborados por ela, referindo que há um conteúdo
estabelecido, mas que às vezes ela “dá uma fugida”.
Os conteúdos, de acordo com o planejamento da escola, são estabelecidos por trimestre e
abordam os seguintes tópicos: 1) Objetivos, História e Divisão da Psicologia; 2) Comportamento:
motivação do comportamento e comportamento emocional; Período de Desenvolvimento
Humano; Níveis de Vida; Consciente, Subconsciente e Inconsciente relacionados ao
entendimento das relações humanas; 3) Testes Vocacionais; Aptidões; Técnicas de Grupo
Variadas; Palestras; Entrevistas; Assuntos de interesse dos alunos e atualidades; Ética; Valores;
Relações Interpessoais; Postura; Preparação para o trabalho e a vida em sociedade. Ao terminar
de elencar os tópicos que compõem o planejamento, a professora refere: “Só que isso aqui é
de anos, né? [...] não é mexido muito tempo, era de outra professora que eu peguei,
isso aqui não muda de ano para ano. Então, eu acho que tem que dar uma mudada. Não
tem assim: tem que ser isso! Tanto é que aqui no tópico ‘Assuntos de interesse do aluno e
atualidades’, tu podes aplicar o que tu quiseres, o que tu achas de interessante, o que para
130
Interessando, para nós, a necessidade de desmontar esse conceito para podermos pensar em uma psicologia
menor em nossas salas de aula.
131
Entrevista com a professora. Ver Anexo L.
152
aquele grupo iria ser importante”. Diz ainda: “Trabalhei muito como se desenvolve a
Psicologia, alguns estágios de desenvolvimento da pessoa. Eu o enfoco muito o autor
porque para eles não interessa muito [...] eu faço um resumão, pego um apanhado de vários
autores [...]”. Quanto à metodologia de ensino, refere utilizar “o quadro ou folha, mas as folhas
eu sempre recolho, porque no fim sempre vai fora e, como tem muitas turmas [...]. Eu tenho
uma cota de xérox. Mas as dinâmicas também... trabalho bastante dinâmica [...]”. Quanto ao
material utilizado, salienta a falta de materiais, a escola não tem tantos materiais. A
biblioteca tem material muito antigo, então, não tem como os alunos pesquisarem [...]”.
Esta parece ser a verdade da Psicologia na escola, ou seja, uma Psicologia
desenvolvimentista, preocupada especialmente com o comportamento e o trabalho. Podemos
pensar, ainda, que uma programação, um planejamento de certa Psicologia maior que acaba
em um “ruído” da Psicologia, “resquícios” de uma Psicologia que a inaugurou como campo de
saber.
Interessante ressaltar que, em outro momento, conforme relato no Diário de Campo
132
, a
professora, ao ser perguntada sobre a bibliografia que utilizava, afirma que “não nada muito
específico”. Ela realiza trabalho com os mais diversos materiais
133
e diz: como não sou da
Psicologia, trabalho com muitas coisas, dinâmicas de grupo, testes vocacionais, questões
voltadas ao trabalho [...] não há uma bibliografia. Pego textos na internet
134
”.
Em um momento anterior, quando eu ainda realizava as observações
135
em sala de aula, a
professora mostrou-me o livro do qual havia retirado o texto que estava trabalhando algumas
aulas. Era um livro
136
que ela usou na disciplina de Psicologia enquanto cursava a faculdade de
Pedagogia. Na ocasião, retira de sua pasta outros textos com os quais pretende trabalhar nas
próximas aulas, referindo gostar muito do Shinyashiki, entre outros autores. Ainda fazendo
referência à seleção do material que utiliza, comenta que a diretora seleciona alguns materiais que
132
Diário de Campo. Ver Anexo G.
133
Nesse momento, pede desculpas para mim por não ser do campo da Psicologia.
134
Ver, ainda, Diário de Campo Anexo G., no qual distribuição de um texto (Ver Anexo I) retirado pela
professora do site Mundo Jovem, intitulado: Viver é mais do que estar vivo. A aula gira em torno desse texto, e
a solicitação é a de que os alunos leiam e retirem as idéias principais. Alguns alunos trabalham, outros conversam,
alguns ouvem música no celular ou walkman, e uma aluna preenche um currículo que quer entregar em locais para
conseguir estágio.
135
Diário de Campo. Ver Anexo G.
136
Referência Bibliográfica. BRAGHIROLLI, Elaine M. Psicologia Geral. Porto Alegre: Ed. Vozes, 1990.
153
acha interessante e coloca na pasta dos professores. Esses materiais são retirados da Internet, de
revistas, entre outros... A professora fez cópias de alguns textos que estava utilizando ou que
pretendia utilizar em aula e me entregou.
Durante uma das aulas
137
, para a qual havia planejado passar um filme, mas o vídeo não
funcionou, a professora mexe em seu material e comenta comigo: “Será que eu continuo o que
estava fazendo na aula passada? Acho que vou dar esses textos que envolvem questões
profissionais. É da revista Mundo Jovem, da PUC”. E, assim, comunica à turma que vai
distribuir os textos e que os alunos devem lê-los, não riscá-los, nem amassá-los, pois ela precisa
para as outras turmas. Durante essa mesma aula, ocorre algo que corriqueiramente se dá na escola
e nas aulas de Psicologia. A professora é chamada para adiantar o último período com outra
turma. Para tanto, pega alguns textos e dirige-se para outra sala. Quando ela retorna, entra na sala
de aula uma pessoa para fazer propaganda sobre cursos profissionalizantes que estavam sendo
oferecidos por uma faculdade ao Ensino Médio da Rede Estadual.
Talvez aqui pudéssemos pensar que parece haver mais uma vez um “esvaziamento”, certo
“vazio” que habita o campo psipedagógico, um “tudo pode”, um “vale tudo” psi, em que “textos
retirados da cartola” habitam esse espaço de “esvaziamento”. Parece haver uso de uma Psicologia
de auto-ajuda que, por sua vez, também “preenche” as aulas psi-pedagógicas-best-sellers...
A professora
138
, retomando a questão do projeto realizado pela escola sobre sexualidade,
diz que o que ela é que muita resistência dos alunos. É um tema que eles conhecem e
não conhecem muito, então, para eles [...] Tanto é que aqui a gente tem muitas meninas que
tiveram filhos e são mães, né?! Tem uma que tem filho de dois anos, que eu descobri
fazendo o trabalho [...]. Então, tu vês que eles estão meio perdidos ainda, né?! Tem outra
que teve nenê há pouco tempo”. Referindo-se a uma outra aluna, a professora diz: “Y. está com
um problema no útero dela, estava tirando agora [..], agora do que, se foi uma doença que
ela pegou [...] porque ela é muito jovem ainda, né?! Então, aí é de se pensar nisso[...]”. Logo
após, pergunto para a professora se ela poderia estar trabalhando essas questões mais diretamente
nas aulas de Psicologia, ao que ela responde: “Eu acho que sim, mas eles levam muito na
brincadeira. No momento em que tu começas a levar tudo na brincadeira, a coisa não flui e
137
Ver Diário de Campo 27/09/2005. Anexo G.
138
Entrevista com a professora. Anexo L.
154
vira bagunça. Então, eu acho que eles estão muito imaturos ainda. Tem algumas turmas
que já estão mais maduras, mas outras [...]”.
Parece haver uma psicologia maior, cientificista e explicadora do como fazer para se
cuidar em relação ao sexo, mas, quando se tenta falar dos sentimentos que isso provoca, das
dificuldades de se tratar desse assunto, que a sexualidade faz parte da vida das pessoas, a escola
“se perde”, pois tudo vira bagunça” e ainda a resistência dos alunos”. dos alunos? Isso
mostra que os processos pessoais de cada um vão se dar de forma diferente, dependendo do que
foi possível viver em relação a essas questões, ou seja, tanto alunos quanto professores têm suas
histórias e vivências em relação a essa temática. momentos mais endurecidos de tratar do
assunto, pois não parece simples ter de falar sobre sexualidade. Tem-se a sensação de que os
alunos devem saber, mas não podem fazer: pois eles estão muito imaturos ainda [...]”. Parece
que os alunos ou as alunas são “monstruosos”, havendo certa culpabilização daqueles que não
sabem, não conseguem dar conta de seu corpo, cuidar de seus corpos eles não “se seguram”,
cometem erros, ficam doentes, engravidam e, por serem imaturos, não lhes caberia o direito ao
exercício da sua sexualidade, apenas lhes caberia saber dela. Tanto que a escola “fecha os olhos”,
fingindo não ver o que se passa. Ninguém parece ter visto a colega grávida os professores
nem sabem quem ela é”, relatam algumas alunas durante a entrevista.
Pergunto novamente: como as coisas são “descobertas na escola”? O que é permitido e o
que é proibido fazer, dizer ou desejar saber? Trago uma voz do Diário de Campo, quando uma
aluna faz referência à sexualidade e a professora diz: não fala o que tu não sabes!”
139
, ao que a
aluna responde: ai, professora, foi aqui que tu nos ensinaste... [aluna fica sem jeito]”; e a
professora: É, no projeto da escola que fizemos...”. A sensação é a de que eles se encontram
perdidos e, de certa forma, “abandonados” pela escola, pelos professores. Sem saber como se
abordar o assunto uma das temáticas consideradas como tabu pela instituição –, fica
terminantemente “proibido” falar do que não se sabe! Desse modo, regula-se o que pode ser dito,
quem pode dizê-lo e o momento para que isso ocorra, ou seja, delimita-se institucionalmente
como, quando e onde se pode falar sobre esse assunto. Aqui o silenciamento é o funcionamento
da interdição.
139
Diário de Campo. Ver Anexo G.
155
Gostaria de comentar um pouco sobre esse projeto que envolveu a escola e, ao mesmo
tempo, várias disciplinas, inclusive a Psicologia, tratando da temática da sexualidade. Esse
projeto foi proposto pela escola, envolvendo alunos e alunas em sua realização, de forma
interessante, conforme relato da professora. Mas, na hora de apresentar as “obras” realizadas,
foram poucos os que ficaram e que conseguiram falar do que realizaram. Por que isso acontece?
Quando questiono sobre a possibilidade de se trabalhar mais diretamente com essas questões nas
aulas de Psicologia, a professora diz que isso poderia acontecer, mas faz uma ressalva: Eu acho
que sim, mas eles levam muito na brincadeira [...]”. A sensação que fica é a de que não se
consegue falar e fazer o que a escola ou a professora desejam, pois são os alunos que não deixam,
não se controlam, levando tudo na brincadeira ... Caberia pensar quais outras propostas uma
psicologia menor poderia viver nessas salas de aula. Como diz um aluno
140
: Eu acho que, para
o aluno se interessar, ele tem que investigar sobre o assunto, é, ele botar a mão na massa e
saber realmente como é que é, o que ele está fazendo. Não adianta ele copiar cinco páginas
de texto, não saber o que ele está escrevendo, não está entendendo nada...”.
Pergunto: quais os caminhos que deixamos de trilhar por receio da aventura? Como
escutar essas vozes que dizem de um desejo de querer colocar a mão na massa”? Uma aluna
refere: Tu mexendo com aquilo, pegando, colando, grudando, tu vais te interessar, tu vais
saber o que tu estás fazendo [...]. Eu não gostei no começo [da pesquisa], até porque eu
disse que não me faz falta; para mim, não é assim tão importante, mas, quando tu entraste,
que a gente começou a fazer os trabalhos, eu gostei, sabe, comecei a gostar, a me interessar,
fiz o trabalho. E é assim que tu vais conseguir conquistar o aluno, que tu vais fazer com que
ele goste da tua matéria”. Aqui passo a problematizar o que, em um dado momento, começa a
fazer sentido para o aluno. Como o professor tem que cavar seu espaço e ser capaz de promover
autoria? Como forçar a pensar?
Fico questionando como “fisgar” o aluno, como utilizar estratégias para trabalhar em sala
de aula. Como ser um professor atrator, como instituir outros modos de operar dentro desta
máquina de captura? Como resistir e inventar vida onde ela parece ter perdido seu atrativo? Um
aluno diz:“Não é que a professora seja ruim, é que ela não sabe o que fazer para pegar o
aluno, não consegue fazer com que o aluno se interesse pela aula dela. Por isso ela se torna
140
Fazendo referência ao processo das atividades de pesquisa.
156
ruim”. Uma aluna expressa: Psicologia é uma coisa meio parada, assim, isso a gente
estranha...”. Os alunos referem também uma certa falta de interesse antes de saber o que vai
acontecer. Citam que a maioria pensa assim: ah, mais uma palestra chata [sobre
sexualidade] [...] então, tipo tu tens que dar um empurrão para que as pessoas se interessem
pelo que vão fazer. Aí, chegou na hora, estava todo mundo querendo fazer, todo mundo
querendo olhar, entendeu?!”. Como colocar em ação nossas forças e fluxos atratores como
professores? Como nos pergunta um aluno: Qual é a função do professor no colégio?”. Esse
aluno sente que o professor não percebe as diferenças de cada um:eu fui lá e perguntei pra ele,
ele não me explicou nada. Daí, eu fui e tentei fazer sozinho”. Aqui parece que não adianta
pedir, não adianta querer falar, entender. O saber escolarizado é igual para todo mundo. O grupo
continua dizendo que o professor deveria se colocar no lugar do aluno, tem que sentir o que
ele está sentindo e tem que saber o que ele quer para ele, entendeu? Tem que se colocar no
lugar dele”. Como fazer com que nossos alunos nos acompanhem e se sintam acompanhados por
nós?
Importante pensar na questão da desvalorização que a instituição e os professores
expressam em relação aos seus alunos. Estes são colocados como os que não se interessam, não
fazem o que devem, não são confiáveis, os que não sabem se expressar, sendo poucos os que
participam, uns vêm para aula só para dormir...
141
O que teria a escola a ofertar? Como a
disciplina de Psicologia poderia se ocupar de outra forma desse lugar (se esse fosse o caso)?
Sendo esse o caso, há, no entendimento de Gallo, uma implicação necessária do
professor com sua prática. O autor trabalha com o conceito de professor-militante, fazendo o
contraponto em relação ao professor profeta. Toni Negri, filósofo e cientista político (apud
GALLO, 2003), “afirma que não vivemos em um tempo de profetas, mas em um tempo de
militantes, tal afirmação é feita no contexto dos movimentos sociais e políticos: hoje, mais
importante do que anunciar o futuro parece ser produzir cotidianamente o presente, para
possibilitar o futuro” (p. 71). Para Gallo, “deveríamos estar nos movendo para uma espécie de
professor-militante, que, de seu próprio deserto, de seu próprio terceiro mundo, opera ações de
transformação, por mínimas que sejam(idem, p. 72, grifo meu). Gallo problematiza o modo
como podemos pensar no professor militante na contemporaneidade, ou seja: qual seria hoje o
141
Diário de Campo. Ver Anexo G.
157
sentido desse professor militante, o que ele seria ou faria? O autor segue seu pensamento,
arriscando dizer que esse professor não seria aquele que teria de anunciar a possibilidade do
novo, mas talvez aquele que procura viver as situações e dentro dessas situações vividas
produzir a possibilidade do novo” (idem, p. 73, grifo meu).
Para Gallo, a ação militante parece ser uma forma, uma maneira de pensar a
possibilidade da educação contemporânea, pois essa talvez seja a chave da própria ação
militante pensar sempre numa construção coletiva. O autor diferencia a ação do professor
militante da ação do professor profeta, sendo este último aquele que está preocupado em
anunciar certo ponto de vista mais individual ou uma verdade mais universal.
A ação do professor militante, ao contrário, estaria preocupada em nunca se manter
isolada, em viver na coletividade possibilidades de processos de singularização, de criação e de
invenção de mundos. Esse professor militante estaria pretendendo, ainda, no cotidiano da sala
de aula, afetar e ser afetado por seus alunos, seus colegas de trabalho, seu ambiente social, de
uma maneira mais ampla, mais geral, ou seja, mais coletiva e também mais singular. Gallo
desacomoda nosso lugar de professor e professora, questionando: de que forma podemos
pensar e produzir, nesse início de século XXI, uma educação revolucionária, por mais
démodé que isso possa parecer?” (idem, p. 74, grifo meu).
Deleuze afirma: nada aprendemos com aquele que nos diz: faça como eu. Nossos
únicos mestres são aqueles que nos dizem: ‘faça comigo’ e que, em vez de nos propor gestos a
serem produzidos, sabem emitir signos a serem desenvolvidos no heterogêneo" (apud
KASTRUP, 2001, p. 219, grifo meu).
Para Virgínia Kastrup, a relação ensino-aprendizagem depende de um mestre que não se
exima de sua condição de aprendiz, o que, para a autora, é uma questão de política cognitiva.
Kastrup entende o plano de sintonia mestre-aprendiz como um campo de criação, uma zona de
vizinhança, um espaço híbrido. Nesse espaço, o mecanismo não é o de identificação, mas o de
contágio e de propagação. Nesse sentido, não transmissão de informação, nem interação
professor-aluno, mas habitação compartilhada de uma zona de neblina, a zona molecular, sendo
nesse campo indiscernível que a fronteira entre o professor e o aprendiz se desfaz. Relevante
pensar com Kastrup que o professor não é o centro do processo ensino-aprendizagem. Situado
158
do ponto de vista da arte, o professor faz circular afetos e funciona como um atrator. Segundo a
autora, além de um emissor de signos, o professor é um atrator de afetos. Trata-se de um atrator
caótico, no sentido da sica do sistemas, longe do equilíbrio de Ilya Prigogine
142
(KASTRUP,
2001).
De acordo com a autora, o professor seria um atrator, embora o atrator não seja
necessariamente um professor. O atrator, entendido como uma função, define-se por seu poder
de atrair, de arrastar consigo. Um companheiro pode desempenhar essa função, ou a própria
matéria para os autodidatas. No caso de haver um professor, ele atrai para a matéria, e não para
um saber pronto. Ele é alguém que exerce a função de conduzir o processo, a expedição a um
mundo desconhecido, de fazer acontecer o contato, de possibilitar a intimidade, de acompanhar e
mesmo de arrastar consigo, de puxar. Não para junto de si, mas para junto da matéria, para o
devir da matéria, seguindo, acompanhando sua fluidez, sendo que cada agenciamento professor-
aluno é um ponto de bifurcação, de proliferação de possíveis agenciamentos, de multiplicação de
fontes, de ramificação. Cada agenciamento abre a possibilidade da continuidade da propagação.
Contudo, um ponto de bifurcação, de indeterminação, e o resultado não é garantido. Por isso,
não programa ou método de trabalho para a aprendizagem inventiva. Mas há, seguramente,
uma política pedagógica a ser praticada. A política da invenção consiste numa relação com o
saber que não é de acumular e consumir soluções, mas de experimentar e compartilhar
problematizações, e a adoção da arte como ponto de vista faz parte dessa política (KASTRUP,
2001)
A perspectiva da arte, para Kastrup (2001), libera a aprendizagem da solução de
problemas. Pode-se concluir que as competências de nada valem se elas apenas intensificam a
142
De acordo com Prigogine e Stengers (apud KASTRUP, 2001), “o atrator é, de modo geral, um tipo de estado ou
regime que orienta a evolução temporal de um sistema. A física clássica descreve atratores estáveis e deterministas
como um estado de equilíbrio termodinâmico ou o estado de imobilidade para o qual tende um pêndulo real,
funcionando com atrito. Uma vez atingido tal estado, o sistema não se afasta dele espontaneamente. Mas o professor
mais se assemelha a um atrator estranho estudado pela física dos sistemas longe do equilíbrio. Eles não têm a
propriedade da estabilidade, mas são caóticos. Os sistemas longe do equilíbrio possuem condições iniciais instáveis.
Duas condições vizinhas podem engendrar, frente a uma certa perturbação, evoluções diferentes, inventivas e por
isso imprevisíveis. O funcionamento do sistema se bifurca, faz uma escolha, ou antes, uma escolha não-subjetiva faz-
se nele. Além disso, o sistema, em vez de se estabilizar num estado determinado, apresenta um comportamento de
tipo aleatório, incerto, errante. Segundo Stengers, os atratores caóticos constituem ‘menos um modelo do que um
ponto de interrogação, um sinal de alerta’. A ausência de um modelo de funcionamento deve-se a razões intrínsecas à
própria natureza do sistema, ou seja, é porque o processo é inventivo e imprevisível que ele é irredutível a um
método ou modelo” (p. 219).
159
dimensão de controle do comportamento, mas sim se são capazes de serem um meio de exercício
da liberdade de fazer diferentemente, de ser diferentemente, de inventar a si e também um
mundo. O ponto de vista revela-se como uma forma superior de problematização ou, em outras
palavras, significa colocar-se frente ao processo de aprender do ponto de vista da
problematização, que define então uma forma de relação com os objetos, com os modos de ação
consigo mesmo. O interessante é que essa forma de relação, essa atitude, essa política que
orienta e dirige o processo de aprendizagem é um ponto de vista que é, ele próprio, resultante de
um processo efetivo de aprendizagem. Trata-se de aprender a aprender.
No entanto, tal processo não ocorre sem dor e sofrimento. No meu caso, durante o
processo desta escrita e os pensamentos associados a ela, creio que foi se delineando para mim o
quanto ser, agir, propor, viver, provocar possibilidades a partir desse lugar de professor militante-
atrator, capaz, talvez, de propor um uso menor da psicologia no campo psipedagógico ocupado
pela Psicologia no Ensino Médio, mostrou-se complexo, difícil e entristecedor. Houve, na
trajetória da pesquisa, processos reativos, carregados de ações que capturam a vida, tornando-a
menos potente...
4.5 Dificuldades encontradas no percurso... Das durezas de uma psicologia maior e das
poucas possibilidades de produção de uma psicologia menor no espaço do Ensino Médio...
Das tentativas de continuar problematizando esse lugar...
Penso que não seriam somente os alunos que não sabem muito bem para que serve a
Psicologia no espaço da sala de aula. A professora também parece não saber como produzir um
fazer que se queira mais aberto a possibilidades de resistência, a uma pedagogia menor, a uma
psicologia menor, que poderiam, talvez, funcionar como ferramentas para um outro fazer na
escola. Há, por parte da professora, certa repetição do mesmo, da mesmidade, na medida em que
“retira da cartola” as atividades/os textos para manter os estudantes ocupados. Parece que, no
funcionamento das aulas, ocorre a submissão às proposições dominantes, tanto por parte da
professora quanto dos alunos. A professora “tenta resistir”, sair do que está no programa escolar,
“planejando” as aulas de Psicologia. No entanto, parece que acaba por reforçar um fazer psi-best-
seller, ocupando esse lugar com o que “parece lhe fazer mais sentido”. também alguma
submissão ao que a diretora acaba selecionando para as aulas. Aqui, penso ser necessário
160
questionar, novamente, o que a Psicologia está fazendo lá naquela escola. Qual sua função? Quais
seus objetivos?
Em relação aos alunos, o processo de submissão parece acontecer na medida em que eles
se colocam como sujeitos que seguem determinadas propostas sugeridas pela professora (pela
diretora, pelo programa escolar), não questionando muito o que mais seria possível nesse espaço.
Demonstram, como vimos nas entrevistas, que os testes vocacionais são os “detentores” das
respostas “certas”, o que talvez traga para as aulas psi algum valor, reforçando um determinado
lugar de saber maior ocupado, minimamente, por esse campo na instituição escolar.
Quando os alunos tentam resistir, fazendo bolinhas de papel com os textos distribuídos,
são tomados pela instituição como baderneiros, sem futuro, sem perspectivas de crescimento ou
amadurecimento para a vida. A falta de possibilidade de abertura para uma escuta do mal-estar
instalado nesses corpos escolares assujeitados não seria da ordem do poder despótico, que
violenta, que é arbitrário, que deixa sem possibilidades de fuga, de escapatória? Quais seriam as
possibilidades de resistir e ser escutado? Como se poderia abrir uma relação de poder estratégica,
de tática, em oposição às verdades maiores? Como criar linhas de fuga, de escuta, de escapatória
à submissão do poder soberano?
Na tentativa de continuar pensando, talvez possamos nos ocupar da questão da
aprendizagem quando passamos, com Gallo (2003), a olhar para o aspecto da possibilidade de
desterritorialização que uma educação menor poderia ser capaz de colocar em operação. Para
Gallo, aprender está para alguém que procura, mesmo que não saiba o que e para alguém
que encontra, mesmo que seja algo que não tenha sido procurado. E, neste aspecto, a
aprendizagem coloca-se para além de qualquer controle” (idem, p. 80, grifo meu).
Ora, se a aprendizagem é algo que escapa, que foge ao controle, resistir é sempre
possível. Desterritorializar os princípios, as normas da educação maior, gerando
possibilidades de aprendizado insuspeitadas naquele contexto. Ou, de dentro da
máquina opor resistência, quebrar os mecanismos, como ludistas pós-modernos,
botando fogo na máquina de controle, criando novas possibilidades. A educação
menor age exatamente nessas brechas para, a partir do deserto e da miséria
da sala de aula, fazer emergir possibilidades que escapem a qualquer
controle [...] trata-se de produzir diferenças. Desterritorializar. Sempre
(idem, p. 81, grifo meu).
161
Gallo (2003) diz que uma educação menor seria “um ato de revolta e de resistência” (p.
78), mas que fique muito claro: “revolta contra os fluxos instituídose “resistência às políticas
impostas” (idem, p. 78), aos mecanismos macro de poder. Desse modo, “a educação menor está
no âmbito da micropotítica, na sala de aula, expressa nas ações cotidianas de cada um” (idem, p.
78). Nessa perspectiva do menor, Gallo vai propondo pensar a “sala de aula como trincheira,
como a toca do rato, o buraco do cão
143
(idem, p. 78), e o professor como aquele que “está na
sala de aula, agindo nas micro-relações cotidianas, construindo um mundo dentro do mundo,
cavando trincheiras de desejo” (p. 78). Aqui o entendimento dá-se no sentido de pensar
a sala de aula como espaço a partir do qual traçamos nossas estratégias,
estabelecemos nossa militância, produzindo um presente e um futuro aquém
ou para além de qualquer política educacional. Uma educação menor é um
ato de singularização e de militância (idem, p. 78, grifo meu).
Para Gauthier (2002), exercitar a desterritorialização do papel de pedagogo seria colocar
em ação uma possibilidade de sair de um território instituído de saber pedagógico, ousar
experimentar tornarmo-nos estrangeiros no interior do ofício de pedagogo que exercemos. Este,
talvez, seja um dos possíveis usos do menor da pedagogia. Sendo assim, não haveria uma
fórmula para ensinar alguém a fazer “um uso menor da pedagogia, uma vez que ele pode
muitíssimo bem proceder como todo mundo(p. 152), porém, com uma sutil diferença, “e é isso
que o torna estrangeiro em seu próprio ofício, de que ele o faz para além das formas e dos
marcadores de poder” (p. 152).
No entanto, de acordo com o autor, isso não significaria necessariamente fazer coisas
extraordinárias, tais como sair da escola, ir para a rua, para a comunidade, etc., uma vez que
essas tentativas, apesar de constituírem um esforço real de desterritorialização,
podem também constituir novas maneiras de copiar o modelo do bom professor e,
conseqüentemente, novas maneiras de reterritorializar segundo o uso maior da
pedagogia. Ao contrário, a desterritorialização de que falamos faz proliferar os
devires para chegar, quem sabe, a um devir imperceptível, num espaço em que as
aventuras, mesmo que na banalidade da esquina da rua, se dão em intensidade
(GAUTHIER, 2002, p. 152).
143
De acordo com Gallo (2003), Deleuze e Guattari, na obra que escreveram sobre Kafka, afirmaram que é preciso
“escrever como um cão que faz seu buraco, um rato que faz a sua toca. E, para isso, encontrar seus próprios pontos
de subdesenvolvimento, seu próprio patuá, seu próprio terceiro mundo, seu próprio deserto” (p.71).
162
Ao tratar da segunda característica da educação menor, Gallo (2003), fazendo referência à
ramificação política, diz que, “se toda educação é um ato político, no caso de uma educação
menor, isso é ainda mais evidente, por tratar-se de um empreendimento de revolta e de
resistência” (p. 81). Nessa perspectiva, a educação menor pode agenciar tentativas no sentido de
desterritorializar as diretrizes políticas da educação maior, abrindo espaço para que o educador
exerça suas ações num nível micropolítico, ou seja, a educação menor poderá, conforme esse
autor, criar
trincheiras a partir das quais se promove uma política do cotidiano, das relações
diretas entre os indivíduos, que por sua vez exercem efeitos sobre as macro-
relações sociais. Não se trata, aqui, de buscar as grandes políticas que nortearão os
atos cotidianos, mas sim de empenhar-se nos atos cotidianos. Em lugar do grande
estrategista, o pequeno “faz-tudo” do dia-a-dia, cavando seus buracos, minando os
espaços, oferecendo resistências (idem, p. 82).
Para Gallo, é importante perceber o caráter rizomático, segmentado e fragmentário da
educação menor, pois esta “não está preocupada com a instauração de nenhuma falsa totalidade”
(p. 82), não interessando a ela “criar modelos, propor caminhos, impor soluções”, muito menos
“buscar uma suposta unidade perdida” ou mesmo “a integração dos saberes” (idem, p. 82). De
acordo com o autor, o que interessa é produzir rizoma, isto é, dar passagem a conexões e
conexões conexões sempre novas –, estabelecer “rizoma com os alunos, viabilizar rizomas
entre os alunos, fazer rizomas com projetos de outros professores” (idem, p. 82) ou, ainda,
“manter os projetos abertos: ‘um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no
meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. Fazer a educação menor como máquina de guerra,
não como aparelho de Estado” (idem, p. 82).
Ao referir o aspecto político de uma pedagogia menor, Gauthier (2002) diz que “fazer um
uso menor da pedagogia significaria retirar do discurso pedagógico todos os marcadores de poder
que representam unicamente o trabalho de nivelamento das diferenças efetuado pelo bom senso e
pelo senso comum, possibilitando, assim, a emergência do devir” (p. 153). Ou seja, “adotar o
devir como regra: tudo vale, exceto aquilo que impede o desejo de circular. E o que impede o
desejo de circular é o poder padronizado que anula as diferenças e impede as variações” (p. 153,
grifo meu). Para o autor, vale dizer que o pedagogo “não fará qualquer coisa que quiser”, nem “se
163
baseará no fortuito, na intuição do momento” (p. 153). Assim, não seria possível ir apenas tirando
textos da cartola, exibindo filmes para relax
144
...
Ao trazer o valor coletivo como a terceira característica de uma educação menor, Gallo
(2003) pretende enfatizar que todo ato aqui adquire um valor coletivo. Assim, não haverá, nessa
proposta, a possibilidade de atos solitários ou isolados, pois toda ação implica e envolve muitos
indivíduos. Para Gallo, “toda singularização será, ao mesmo tempo, singularização coletiva” (p.
83).
A educação menor seria, então, para o autor, “um exercício de produção de
multiplicidades” (idem, p. 83); “é uma aposta nas multiplicidades, que rizomaticamente se
conectam e interconectam, gerando novas multiplicidades” (p. 84). Conforme Deleuze e Guattari
(apud GALLO, 2003), “[...] as multiplicidades são a própria realidade, e não supõem nenhuma
unidade, não entram em nenhuma totalidade e tampouco remetem a um sujeito. As subjetivações,
as totalizações, as unificações são, ao contrário, processos que se produzem e aparecem nas
multiplicidades” (p. 83). Gallo, ainda baseado no pensamento dos filósofos citados acima,
prossegue:
os princípios característicos das multiplicidades concernem a seus elementos, que
são singularidades; a suas relações, que são devires; a seus acontecimentos, que
são hecceidades (quer dizer, individuações sem sujeito); a seus espaços-tempos,
que são espaços e tempos livres, a seu modelo de realização, que é o rizoma (por
oposição ao modelo da árvore); a seu plano de composição, que constitui platos
(zonas de intensidade contínua); aos vetores que as atravessam, e que constituem
territórios e graus de desterritorialização (idem, p. 83, grifos do autor).
Pretendo problematizar, neste ponto, como coletivizar, como trabalhar por uma psicologia
menor nessa massa psipedagógica que se quer hegemônica, científica, adaptacionista e
homogênea. Como escutar aquilo que nossos ouvidos ainda não são capazes de ouvir? Como
sentir o que nossa pele é ainda incapaz de sentir?
Conforme Gallo, “todo ato singular se coletiviza e todo ato coletivo se singulariza” (p.
84), entendendo-se que, “num rizoma, as singularidades desenvolvem devires que implicam
hecceidades. [Assim] não sujeitos, não há objetos, não ações centradas em um ou outro;
144
Diário de Campo. Ver Anexo G.
164
projetos, acontecimentos, individuações sem sujeito. Todo projeto é coletivo. Todo valor é
coletivo. Todo fracasso também” (idem, p. 84).
Dando continuidade às discussões que estou propondo, é necessário olhar para o aspecto
sedentário ocupado pela educação maior e, ao mesmo tempo, ir pensando as implicações que
produz nos sujeitos escolares e nas instituições das quais faz parte. Para tanto, trago as
colocações de Guilhermo Ríos. Conforme esse autor, a instituição escolar, pensada “enquanto
máquina sedentária racionaliza e codifica de acordo com um modo de pensar dominante” (2002,
p. 115).
Isso significa que ela elabora um modelo global e homogeneizador do social,
que se institui com a onipotência do logos, exorcizando tudo aquilo que
atrapalha, incomoda, ou seja, um cosmos que tenta ser coerente, organizado,
homogêneo, frente a um caos, heterogêneo, incômodo, em certo sentido diluidor
dessa única maneira de ser que implica estar subordinado a uma ordem (idem, p.
115).
Se a máquina sedentária escolar opera, de acordo com Ríos, por meio de um dispositivo
pedagógico, ações que racionalizam, regulam, codificam, selecionam, normalizam, normatizam,
tornam coerente, classificam e distribuem, ela o faz por ser uma instituição. Conforme Grissoni
(apud RÍOS, 2002), instituição significa “aquilo que abarca o âmbito do social, que o regula, que
o organiza, que lhe confere um modo de funcionamento preciso, etc. [...](p. 115). Sendo uma
instituição, a escola operará tentando (mas nem sempre conseguindo), estabelecer certo
domínio, certo território sobre os discursos menores ou discursos nômades que a atravessam.
Nesse sentido, a professora refere, em sua entrevista
145
, que não nenhuma articulação
entre as disciplinas: “nenhuma se articula, cada uma é independente, não
interdisciplinaridade”. Ao ser indagada por mim se considerava a interlocução entre as
disciplinas, responde que “seria importante, mas daí teria que envolver tudo. Teria que ter
um tema geral que todos os professores trabalhassem, seria bom, mais acessível para todos,
trabalhar em projetos [...]”. “Seria importante”, no entanto, a estratégia não garante a
possibilidade da multiplicidade. A pedagogia/psicologia maior continua em ação, transformando
(ou mantendo) tanto o aluno quanto a professora em “sujeitos escolares”.
145
Entrevista com a professora. Ver Anexo L.
165
Ao perguntar-se de que forma a instituição escolar transforma o sujeito em sujeito
escolar-pedagógico, Ríos (2002) diz que “essa operação implica instalar um sujeito que seja
individuado como ‘sujeito escolar’ (sujeito da prática escolar) e como ‘sujeito de um saber’, de
um saber pedagógico. Estar escolarizado significa inscrever-se em um tipo de saber: o saber
pedagógico” (p. 116). De acordo com o autor, é
esse saber que objetiva o educando. Nesse sentido, o escolar é um sujeito que é
pensado previamente a seu devir institucional pelas políticas educacionais, pelos
saberes psi, pelos currículos, pelas didáticas, etc. Isso quer dizer que, ao ingressar
no mundo escolar, o sujeito está sendo capturado/significado por uma gica que
lhe preexiste. Lógica fundada e fundante, que tem organizado historicamente o
espaço e o tempo (idem, p. 116).
Talvez seja importante pensar e problematizar aqui que, ao narrar seu fazer na instituição,
a professora
146
expressa: “Eu faço aqui na escola o trabalho que já está sendo feito há mais de
anos, né? No caso, eu continuei o trabalho dessa outra professora [da que havia saído]. No
caso, o enfoque maior é o mercado de trabalho. Devido aos alunos virem da 8
a
série sem
oportunidade de trabalhar, no Ensino Médio, eles têm idade, mas ainda sem experiência,
então, a gente dá uma abrangência maior nesse lado. E a vida em si, né?!! Como se
posicionar diante da vida, porque, na real, eles ainda são crianças, crianças adultos”. Aqui,
a lógica parece ter um caráter tão fundante, tão determinante, que a professora não sabe nem
como fazer de outra forma e, assim, fixa-se no estabelecido, na máquina sedentária, na máquina
de captura. Na impossibilidade de pensar a diferença, a multiplicidade desaparece, havendo uma
proposta universal, maior, homogênea e hegemônica do fazer psipedagógico na sala de aula.
Fundar, para Deleuze (apud RÍOS, 2002), é determinar. Fundar, segundo Ríos, “implica
um momento de cortes e limites que tenta [...] conjurar o incômodo nomadismo desse mundo
insone sempre em mudança” (p. 116). Pensar o sujeito escolar como participante dessa “lógica
fundada e que fundamento a um modo de estar e existir” (p. 116) significa pensá-lo “como
inscrito em um jogo paradoxal no qual se estabeleceram cortes e limites” (idem, p. 116). Ou seja,
conforme Deleuze (apud RÍOS, 2002), “ao ingressar em um mundo normativo, nos expomos a
‘ser punidos antes de termos cometido a falta’" (p. 116). Parece que
146
Entrevista com a professora. Ver Anexo L.
166
a máquina lógica não apenas construiu um sujeito moral (no sentido
foucaultiano), mas se instalou como custódia das representações coletivas,
depositária das recordações e tradições, assim como catalisadora das práticas que
se produzem em seu interior. Distribuição sedentária das multiplicidades, tomada
de poder de uma das formas da língua (fala-se de determinada maneira, codifica-
se a comunicação, apagam-se as marcas do nome próprio e se passa a ser um
número em uma lista) (idem, p.116).
Para Ríos (2002), é dessa forma que a máquina lógica tenta aprisionar a diferença, aqui
entendida como voz polifônica e portadora da multiplicidade. Conforme Deleuze (1998), “a
multiplicidade não deve designar uma combinação de múltiplo e de uno, mas, ao contrário, uma
organização própria do múltiplo enquanto tal, que não tem necessidade alguma da unidade para
formar um sistema” (p. 236).
Durante a pesquisa, fui me interrogando muito sobre a forma como os alunos iam sendo
narrados naquela instituição: “eles não sabem pensar”
147
, disse a professora. Esse modo de
narrá-los me causou muito desconforto e desassossego, na medida em que o que eu buscava era,
justamente com esses alunos, produzir linhas de fuga, fugir” do fazer psipedagógico tarefeiro,
repetitivo, lógico e sedentário: da cópia, do texto, do decalque.
Por que será que os alunos não possuem esta capacidade de pensar”? Quais seriam as
chances dadas a eles para que fosse “possível pensar”, “forçar a pensar”, “dobrar o
pensamento”, “instigar a pensar”, fazer com que “o pensamento vaze”...? Como seria
possível medir tal afirmação? E, “não saber pensar”, nesse caso, tinha a intenção de significar o
quê? Não saber pensar a respeito do quê? A que pensar a professora se refere? A um pensar que
reproduz o que é dado em aula, um pensar capaz de reconhecer, de dar a resposta certa, a resposta
desejada pelo saber disciplinador da instituição escolar?
Comecei a problematizar o quanto, quando nos colocamos no “exercício do pensar”,
necessidade de se pensar por constrangimento”, ou seja, pensamos ao sermos constrangidos
a fazê-lo. Pensar, como sabemos, é produzir algo novo. É criar, é dobrar, é vergar o mundo... É
trair... E, talvez aqui, seja trair uma gica escolar sedentária... Como, então, lidar com o pensar
em sala de aula?
147
Diário de Campo. Ver Anexo G.
167
Considero a forma como a escola entende conhecimento, instituição fundada na
concepção de sujeito moderno, forjado, formado pela racionalidade e portador de uma essência.
Para tal discussão, trago Foucault (1999), que, abastecendo-se em Nietzsche, diz que a filosofia
ocidental postulou, nos últimos dois ou três séculos, “o sujeito como fundamento, como núcleo
central de todo o conhecimento, como aquilo em que a liberdade se revelava e a verdade podia
explodir” (p.10). Para Foucault, quando se faz história, parte-se sempre desse sujeito de
conhecimento, desse sujeito da representação como ponto de origem a partir do qual o
conhecimento seria possível e a verdade afloraria. Propondo uma inversão desse fazer da história,
Foucault lança o sujeito à história e propõe que
seria interessante tentar ver como se na história, a constituição de um sujeito
que não é dado definitivamente, que não é aquilo a partir do que a verdade se
na história, mas de um sujeito que se constitui no interior mesmo da história, e
que é a cada instante fundado e refundado pela história. É na direção desta crítica
radical do sujeito humano pela história que devemos nos dirigir (idem, p.10).
De acordo com Foucault (1999), Nietzsche teria um discurso e uma proposta de pensar e
de fazer uma “análise histórica da própria formação do sujeito, bem como do nascimento de um
certo tipo de saber, sem nunca admitir a preexistência de um sujeito de conhecimento” (p.13).
Isso vai se tornando evidente à medida que realizamos uma leitura mais demorada das palavras
de Nietzsche quando ele refere que, “em algum ponto perdido deste universo, cujo clarão se
estendera a inúmeros sistemas solares, houve, uma vez, um astro sobre o qual animais
inteligentes inventaram o conhecimento”. Provocativamente, ele prossegue dizendo que esse teria
sido “o instante da maior mentira e da suprema arrogância universal” (idem, p.13).
Dessa forma, Nietzsche (apud FOUCAULT, 1999) vai refutar toda e qualquer idéia de
origem do conhecimento, propondo sempre um pensar voltado para a invenção, entendendo o
conhecimento como algo que fora inventado, engendrado e produzido não estando, de modo
algum, inscrito na natureza humana nem sendo da mesma natureza que os instintos ou como o
refinamento dos próprios instintos. O conhecimento seria, então, como faíscas que salpicam,
produzidas por realidades bastante diversas, “tendo de fato relação com os instintos, mas não
estando presente neles(p. 17), nem sendo “um instinto entre os outros” (idem, p. 17). O que
Nietzsche vai deixando cada vez mais claro é que o conhecimento seria apenas “o resultado do
jogo, do afrontamento, da junção, da luta e do compromisso entre os instintos” (idem, p. 17), pois
168
é “porque os instintos se encontram, se batem e chegam finalmente, ao término de suas batalhas,
a um compromisso que algo se produz” (idem, p.17). Assim, o conhecimento não seria algo da
ordem do instintivo, mas contra-instintivo, nem algo natural, mas contra-natural.
Ao efetuar uma crítica do conceito de conhecimento e tentar responder “o que significa
conhecer”, Nietzsche delimita o uso do conceito, eliminando as ilusões e enganos acerca da
atividade cognitiva. Para ele, não haveria nenhuma afinidade anterior, preestabelecida “entre
conhecimento e as coisas que seria necessário conhecer ou com o mundo a conhecer, pois entre o
conhecimento e o mundo a conhecer tanta diferença quanto entre conhecimento e natureza
humana (apud FOUCAULT, 1999, p. 17-18).
Diversas foram as vezes em que houve uma desvalorização das capacidades dos alunos na
execução das tarefas trazidas e propostas pela professora
148
. Em uma atividade que envolvia um
texto com questionário, no qual a professora trabalhou durante cinco aulas, os alunos tinham um
prazo estipulado para entrega das respostas escritas, mas a professora dizia não acreditar que
eles conseguissem entregar dentro do prazo. Ela fez referência ao fato de alguns estarem
trabalhando no questionário, mas de outros estarem realizando trabalhos de outras disciplinas: “é
assim, não adianta se estressar”. Além de haver um sentimento de cansaço em relação ao que é
feito, parece que há um descrédito tanto em relação às suas propostas quanto ao interesse dos
alunos pelas aulas e possibilidades de atividades relacionadas às aulas de Psicologia. Volto a
questionar o “vazio”, a falta de propostas” que habita a sala de aula de Psicologia. Como fazer
dessas aulas experiências psi-juvenis? Será que as propostas escolares podem gerar ferramentas
para o conhecer?
Conforme Ríos, “a multiplicidade entra no universo do logos, transforma-se no sujeito da
Pedagogia (assim com P maiúsculo) e tem um destino: ser individuada” (2002, p. 117). Para
tanto, “os lugares foram distribuídos, os espaços delimitados, os saberes codificados e
distribuídos em outras tantas multiplicidades (em um sentido quantitativo) sob o nome de
disciplinas, matérias, ‘cadeiras’” (idem, p. 117). A máquina binária está em ação.
148
Diário de Campo. Ver Anexo G.
169
É nessa trama pedagógica escolar que o corpo seja o do aluno ou o do professor
parece entrar em operação nos espaços escolares. Esse corpo é, então, anulado em suas
diferenças e tratado como uno, sendo sedentarizado. Conforme o autor, “a multiplicidade parece
ter sido aprisionada, reticulada, posta em fila de classes, de alunos [...]” (idem, p. 117).
Para Grissoni (apud RÍOS, 2002),
o espaço público das salas de aula “com suas fileiras, seus alinhamentos
geométricos de objetos e de corpos, a hierarquização de seus lugares, com
espaços estratégicos” faz série com uma economia do trabalho escolar:
“desenvolver a imobilidade física em proveito de uma maior agilidade
intelectual” (p. 117).
Segundo Ríos (2002), uma economia política do trabalho escolar implicaria proporcionar
uma maior eficácia ao trabalho pedagógico, que deve funcionar como “garantia do exercício
eficaz dessa força dominadora enquanto força logocêntrica que se transforma em teknos (p.
118).
Penso ser pertinente fazer referência aos movimentos, às dificuldades dos alunos nas
aulas de Psicologia ministradas pela professora na escola considerada. No cenário
psipedagógico maior”, atua algo que possui um cheiro de “inércia estudantil”, na medida em
que os sujeitos, tão grudados/colados a uma lógica disciplinadora escolar e a determinadas
demandas em relação à Psicologia, demonstram não se sentirem afetados pela participação em
certas atividades relacionadas à pesquisa. Penso que tais propostas continham um grau de
desestabilização do fazer psi em sala de aula; no entanto, alguns dos alunos não se sentiram
afetados pela curiosidade nem pelo conhecimento que talvez essas atividades pudessem carregar
e ter capacidade de acionar.
Como exemplo do que estou chamando de “inércia estudantil”, houve, por parte dos
alunos
149
, certa valorização daquilo que está instituído, ou seja, dos testes vocacionais aplicados
nas aulas psi, que apontam características que, supostamente, eles se detêm, fazendo com que se
sintam mais “acomodados e tranqüilos”. Afinal, os testes “dão as respostas tão esperadas”,
explicam comportamentos, acionam possibilidades de se saber quem se é. Buscando a essência
do eu, auxiliam na “descoberta” das profissões mais adequadas a determinados tipos de
149
Entrevistas com os alunos. Ver Anexo L.
170
comportamento, entre tantas outras “respostas” que podem ser esperadas e encontradas na lógica
maior de fazer psipedagógico. Aqui o teknos parece estar em ação.
4.6 Das tentativas de pensar um grupo como dispositivo...
Neste momento, pretendo pensar, com Regina Benevides de Barros (1997), algumas
questões levantadas por seus escritos que podem nos remeter a interessantes formas de pensar um
grupo. Para tanto, visto que foi a partir das discussões dessa autora que dirigi meu olhar para
operar com os alunos nas discussões e nas produções da pesquisa, far-me-ei acompanhar da idéia
de grupo como dispositivo, o que, suponho, me trará também ferramentas para pensar as
produções de subjetividades implicadas nas tramas produzidas pelos saberes que constituem o
campo psipedagógico na sala de aula.
A trilha escolhida é a de dar voz, produzir uma escuta às narrativas desses sujeitos/atores
escolares implicados nos campos fronteiriços da Educação e da Psicologia. A partir dessas
narrativas, pretendo problematizar fazeres psipedagógicos. Trarei, logo mais, neste item, as
produções realizadas pelos grupos de alunos, com o objetivo de produzir desassossego, outros
movimentos e tentativas de traçar linhas de fuga, desterritorialização e possibilidades de pensar
de outro modo. Essas atividades envolveram a produção de cartazes e discussões pelos grupos,
assim como as histórias construídas por eles. Trarei, juntamente com as produções dos alunos,
alguns conceitos e entendimentos necessários para pensá-las.
O convite para participação na pesquisa foi feito para toda a turma. No meu primeiro dia
de observação, apresentei-me à turma, disse que gostaria de pesquisar como a disciplina de
Psicologia estava acontecendo no Ensino Médio e como eles, como alunos, estavam vivendo essa
disciplina. Para tanto, faria alguns dias de observação das aulas de Psicologia e depois daria
início à realização de algumas atividades com eles. As atividades
150
envolveriam: 1) três
encontros para montagem e discussão de cartazes; 2) quatro encontros para criação de histórias e
sua dramatização/apresentação; 3) quatro ou cinco encontros para realização das entrevistas em
grupo ou individuais, conforme desejo dos alunos; 4) três encontros para que assistissem às
produções realizadas em vídeo e as discutissem. Deixei os alunos à vontade para decidir se
150
Conforme projeto distribuído aos alunos. Ver Anexo H.
171
queriam participar ou não da pesquisa. Distribuí os termos de consentimento
151
, bem como o
projeto das atividades aos que demonstraram o desejo de participar.
Minha intenção, com essas atividades, era fazer com que o grupo, pensado como grupo-
dispositivo, se afetasse e produzisse questionamentos, falasse um pouco do lugar de onde
conhecem a Psicologia, da sua função, de que forma a percebem ou não na escola e em suas
vidas. Necessário colocar que nunca houve a intenção de procurar pelas verdadeiras histórias da
Psicologia, do certo ou do errado, mas sim de tentar provocar fissuras e ouvir essas vozes. Além
disso, desejava que os estudantes pudessem se ouvir, se olhar, se expressar, se posicionar, se
manifestar, trocar idéias e saber o que pensavam sobre as questões que foram sendo lançadas,
reviradas e trazidas para esse texto polifônico, dando lugar, como referi no capítulo anterior, à
“uma plurivocalidade” (WORTMANN apud CALDEIRA, 2002, p. 86).
Apesar de ter trabalhado com o conceito de dispositivo neste mesmo capítulo,
considero importante retomá-lo agora. Agrego outros pensares para trabalhar e operar com o
conceito de grupo-dispositivo como máquina de resistência/máquina de guerra ao instituído pela
turma que ouso pensar aqui como máquina sedentária/máquina de captura dos processos
instituintes.
Conforme Barros (1997), “uma primeira característica de um dispositivo é seu caráter
ativo”, sendo dispositivo aquilo que contém disposição
152
(p. 183, grifo meu). O que
caracteriza um dispositivo, para a autora, é a capacidade de irrupção naquilo que se encontra
bloqueado de criar, é seu teor de liberdade em se desfazer dos códigos que procuram explicar,
dando a tudo o mesmo sentido.
O dispositivo tensiona, movimenta, desloca para outro lugar, provoca
outros agenciamentos. Ele é feito de conexões e, ao mesmo tempo,
produz outras. Tais conexões não obedecem a nenhum plano
predeterminado, elas se fazem num campo de afecção onde partes
podem se juntar a outras sem com isso fazer um todo (idem, p. 183,
grifo meu).
151
Ver Anexo F.
152
Conforme Dicionário Aurélio (apud BARROS, 1997), dispositivo seria aquilo que contém disposição.
172
Deleuze, a partir de sua leitura de Foucault, diz que o dispositivo “é de início um novelo,
um conjunto multilinear, composto de linhas de natureza diferente” (apud BARROS, 1997, p.
183). Barros propõe pensar em uma filosofia dos dispositivos, filosofia esta que possui como
ocupação desfazer o lugar do universal, do invariável, do instituído e do molar, que recusa
se ocupar da busca infinita dos fundamentos e das origens como algo que pudesse explicar
como tudo começou e para onde tudo iria afinal” (1997, p. 183, grifo meu). No nível molar, que a
autora rechaça, a apreensão dos objetos se dá em seu estado constituído, como aquela história
que se traça e que, com fatos, se constrói. Assim, quando se fala o grupo, o que se está desejando
extrair daí é uma invariância. Essa
invariância diz respeito a uma certa abstração, a um axioma separado dos
movimentos que o produziram, a coordenadas que se destacaram dos processos de
constituição de um objeto. Este, por sua vez, ao se ver separado do sujeito que o
olha oferece-se ao conhecimento como um dado a ser observado, explicado ou
compreendido. A relação de conhecimento, neste caso, se dará por submissão do
objeto ao sujeito que irá conhecê-lo (idem, p. 185, grifo meu).
Um grupo-dispositivo, de forma diferente e descolado da lógica molar, será, para a
autora, “um composto, um emaranhado de linhas” (idem, p. 185) que podemos pensar ter
potência para dar passagem ao molecular, às microprocessualidades, às singularidades, aos fluxos
instituintes. O grupo-dispositivo estaria, assim, implicado em pôr a funcionar o plano pré-
individual, ou seja, o plano coletivo. Dessa forma, um grupo não será tomado como um simples
somatório de individualidades que formaria um todo, mas sim como um plano coletivo que
viabiliza a produção e a proliferação de variadas subjetividades.
Segundo Barros, para Foucault, os dispositivos são máquinas que fazem ver e falar
(idem, p. 185, grifo meu). A autora destaca que, “em cada formação histórica, há maneiras de
sentir, perceber e dizer que conformam regiões de visibilidade e campos de dizibilidade” (idem,
p. 185).
Conforme Jobim e Souza (1998), cada momento histórico proferirá um discurso que
desvelará seus ideais e expectativas, tendo esses discursos conseqüências constitutivas sobre o
sujeito em formação. Assim, na medida em que a sociedade produz e consome determinados
conceitos e verdades ocorrem interferências diretas no comportamento dos sujeitos, bem como
173
uma modelagem das suas formas de ser e agir que, em princípio, estarão de acordo com as
expectativas criadas pelos discursos.
A realidade, segundo Barros, “não está repleta de objetos a serem conhecidos,
decodificados por um sujeito que lhe transcenda. Ela é feita de modos de iluminação e de regimes
discursivos. O saber é a combinação dos visíveis e dizíveis de um estrato, não há nada antes dele,
nada por baixo dele” (1997, p. 186). Foucault entende como necessário “fazermos extrações em
cada estrato, pois ao entrarmos em contato com o que está fora do saber, poderemos anunciar
outras formas de visibilidade e dizibilidade” (apud Barros, 1997, p. 186). Para Deleuze, “é
preciso pegar as coisas para extrair delas as visibilidades... é necessário rachar as palavras
ou as frases para delas extrair os enunciados(idem, p. 186, grifo meu). Trata-se, para Barros,
“de extrair as variações que não cessam de passar” (idem, p. 186).
Assim, apoiada nas propostas de Barros, o que me interessa aqui é pensar em um
grupo
descentrado deste lugar de objeto de conhecimento e tomá-lo pelo emaranhado de
linhas das muitas histórias que nele se cruzam, pelos regimes de enunciação e
visibilidade que o sustentam, o grupo é um dispositivo conectado não mais a
unidades/totalidades, mas a processualidades. Caberá, pois, se instalar sobre as
linhas que o compõem e o atravessam seguindo suas múltiplas direções. Rachar as
palavras, rachar as coisas, rachar o grupo para pegar as coisas por onde elas
crescem, pelo meio (idem, p. 186).
Os grupos operaram em práticas que envolveram oficinas, montagem de cartazes
153
,
discussões
154
, filmagens e registros fotográficos
155
. Na seqüência da pesquisa, criaram histórias
156
e, por último, montaram grupos para as entrevistas
157
. Os grupos
158
para as entrevistas foram
compostos de acordo com o desejo dos próprios estudantes, conforme eu havia, desde o princípio
153
Anexo J.
154
Anexo K.
155
Os registros realizados com a filmadora, com a máquina fotográfica ou com o gravador foram feitos pelos
próprios alunos e alunas à medida que sentiam vontade de fazê-lo. De minha parte, não coloquei como obrigatório o
uso desses equipamentos, apenas os disponibilizei ao grupo.
156
Anexo M.
157
Anexo L.
158
Os alunos selecionaram entre eles mesmos a composição de cada grupo que seria entrevistado por mim. Tivemos,
então, quatro grupos, contendo, cada um, de três a cinco participantes. Apenas uma dessas entrevistas foi realizada
individualmente, por solicitação de uma das alunas.
174
da pesquisa
159
, informado para eles. Retomo, agora, a atividade que estava sendo realizada pelo
grupo de oito alunos
160
que ficaram em sala para fazer as atividades. Distribuí o material
(cartolina, revistas, jornais, cola, tesoura) e as perguntas, dando orientações e explicações sobre o
que poderiam fazer. Primeiramente, poderiam buscar figuras e/ou palavras nas revistas e nos
jornais para, do seu modo, responder as perguntas
161
e montar os cartazes. Disse que, depois de
montados, os cartazes seriam apresentados e discutidos com todo o grupo.
O movimento dos alunos foi meio “tímido”
162
, ficaram um pouco paralisados com os
materiais (com as revistas, principalmente). Comentaram que era um pouco difícil falar sobre
isso. Um aluno diz: “É difícil falar com imagens”, ao que respondi que poderia ser como
quisessem, com imagens, palavras, poderia ser escrevendo nas cartolinas... Mas continuaram
manuseando as revistas... Alguns liam, outros recortavam algumas coisas. Falavam pouco.
Percebi certa paralisia, anestesia desses sujeitos escolarizados, sedentarizados por um
determinado tipo de saber e de fazer escolar. Algumas questões iam surgindo para mim: como
movimentar esse corpo de outras formas, como pensar de outro modo, como ser autor de sua
obra, como se pôr a pensar sobre a sua própria produção? Nesse recorte, percebe-se o quanto é
difícil o aluno sair do seu lugar sedentário, sair do lugar, fazer outras atividades, outras propostas.
Apesar das dificuldades, alguns alunos trabalharam, mesmo que lentamente. Parecia ser
necessário dar incentivo, disparar a possibilidade de outras formas de movimentação com o
corpo, experimentação com o saber, com o que mais para fazer em uma sala de aula de
Psicologia... Criar outras disposições...
Dito isso, volto a tramar com Barros (1997), que diz o quanto as linhas de força levam as
palavras e as coisas à luta incessante por sua afirmação, que seria a dimensão do poder-saber.
Num dispositivo-grupo, o que desejamos é rastrear as forças em jogo, isto é, mapear a
manutenção ou desmanche das instituições, a naturalização ou desnaturalização dos modos de
viver e sentir; acompanhar os fluxos que se deslocam no tempo, produzindo modificações nos
159
Ver nota 92.
160
Cf. Anexo G. Diário de Campo - dia 17/Outubro/2005.
161
Cf. Anexo J, as perguntas foram as seguintes:
1. Como tu vês a Psicologia na escola? Como deveria ser?
2. O que a Psicologia poderia tratar na escola para ter relação com a minha vida? Como isso poderia ser feito?
3. Em que situações a Psicologia se torna importante?
162
Cf. Anexo G. Diário de Campo - dia 17/Outubro/2005.
175
territórios constituídos e, talvez, dar passagem a outras possibilidades de se engendrarem
histórias.
Quando tomei a decisão de trabalhar com um grupo-dipositivo, tive a intenção de
disparar outros fluxos, outras afecções, outras potências. A própria professora parecia cansada
daquela mesmidade, daquele fazer tarefeiro, expressado pelo seu desconforto no momento em
que os alunos amassam os textos que ela havia distribuído como atividade. Diria mais: pensei
nesse grupo cansado da mesmidade transformando-se em máquina de guerra, cansado do
instituído, querendo saber do que mais a escola e a Psicologia são capazes na sala de aula.
Estariam eles colocando em xeque determinadas posições instituídas na disciplina de
Psicologia e no fazer tarefeiro instituído pela instituição escolar? Perguntaria, ainda, se esses
alunos não estariam questionando o que mais a Psicologia poderia oferecer.
Numa das conversas
163
que tive com a vice-diretora, quando esta perguntou quem estava
participando das atividades
164
, depois daquele primeiro encontro bastante confuso quando
ocorreu a palestra, comecei a citar os nomes dos estudantes, ao que ela respondeu: “É, mas G.
não é dos mais confiáveis...”, referindo-se a quem tinha competência para realizar um bom
trabalho ou, ainda, a quem tinha um currículo digno de ser confiável escolarmente falando.
Esse aluno, tanto quanto os que faziam bolas de papel com os textos que a professora e a escola
ofereciam, seria um daqueles que problematizam o fazer em sala de aula, daqueles que nos
dariam a pensar e repensar de onde estamos falando e nos movimentando. No entanto, para a
instituição escolar, esses que imprimem resistência à máquina sedentária e de captura já instituída
parecem não ser bem vistos ou tolerados. Não estariam eles agitando, questionando, tirando do
lugar aquilo que parece, de certa forma, ter que ficar imóvel, inquestionável nessa máquina de
produção de captura? Poderiam eles nos auxiliar a abrir as comportas daquilo que parece já estar
instituído nas aulas de Psicologia ou mesmo na lógica escolar?
Nesse movimento, o embate de forças, para Barros,
163
Diário de Campo. Ver Anexo G.
164
Foi muito difícil, por parte da escola e também da professora, aceitar fazer o trabalho de pesquisa com os
alunos que realmente tivessem o desejo de fazê-lo. A vice-diretora e a professora tornaram obrigatória a participação
de toda a turma, pois os estudantes teriam de ser avaliados pelas atividades realizadas durante a pesquisa. Depois de
muita tentativa de negociação, tive que acabar cedendo às determinações da escola. Aqui tivemos o dispositivo-
turma/máquina de captura em ação. O nível molar e instituído encontra-se aqui em plena operação.
176
se dará não apenas no eixo verticalidade-horizontalidade, mas no da
transversalidade que não pára de desmontar as linearidades explicativas dos atos-
sujeitos-objetos. Atos de expansão, atos de implosão [...] Não haverá, aqui, espaço
para a neutralidade, a identidade, a totalidade, o indivíduo, a unidade, mas sim
para processualidade e multiplicidade (1997, p. 187).
Como nos lembra Marisa Costa (2002), “é preciso encher o mundo de histórias que falem
sobre as diferenças, que descrevem infinitas posições espaço-temporais de seres no mundo [...] é
preciso fazer com que elas produzam seus efeitos” (p. 108).
Para Barros, as linhas de subjetivação, ou seja, as linhas de invenção de modos de existir,
no trabalho grupal, estabelecem conexões não apenas entre pessoas diferentes, como também
entre modos de existencialização diferentes. Isso cria um vasto campo de confrontos, de
interrogações que se propagam, criando fossos onde antes estava cimentado.
Parece necessário introduzir o que se entende por subjetividade. O conceito de
subjetividade, para Rosane Neves da Silva (1991), diz respeito a se perceber o quanto o real não
se esgota mais na realidade existente, ou seja, não é apenas o que eu posso ver e tocar, mas
também um algo a mais que envolve o indivíduo, que é a sua condição de possibilidades.
Passamos, assim, a compreender a subjetividade como algo que se entende para além da nossa
percepção e para além da própria idéia de indivíduo.
A autora entende que a subjetividade é algo que está atualizado no sujeito em um
determinado momento, que é compartilhada e está relacionada ao coletivo porque é atravessada
pelo social. Ao ser atravessada pelo social, pressupõe o tempo, isto é, algo que não está pronto,
acabado, mas em movimento. A subjetivação dá a idéia de uma processualidade intrínseca às
formas de produção da subjetividade. Quando falamos em produção de subjetividade,
entendemos que a subjetividade não está relacionada a uma suposta natureza humana ou à idéia
de interioridade que permeia a concepção de indivíduo que pretendemos superar e supõe uma
relação fechada entre o sujeito e o mundo. Mediante o pensamento genealógico, passamos a
compreender que subjetividade se constitui a partir dos agenciamentos produzidos socialmente, e
não na perspectiva de algo interior ao sujeito (SILVA, 1991).
Para explicar como o social produz a subjetividade, Deleuze (apud SILVA, 1991),
realizando uma leitura de Foucault, sugere a idéia da dobra ou prega, ou seja, de uma zona de
177
subjetivação que se constituiria como uma dobra do fora. Sendo assim, essa zona de subjetivação
– no caso, a parte de dentro da dobra – seria apenas um fora selecionado.
Voltando ao que Barros (1997) vinha sugerindo a respeito das linhas de subjetivação, “as
falas portadoras de cristalizações, os afetos congelados em territórios fechados, quando acionados
pelo dispositivo grupal se vêem na adjacência de uma inquietação, podendo, se intensificados, se
deslocar do lugar naturalizado a que estavam remetidas” (p. 188). O estar diante de outros pode
disparar movimentos inesperados porque é o desconhecido – não como experiência, mas
também como modo de experimentar que passa a percorrer a superfície dos encontros
(BARROS, 1997). O sentido de outro pode ser tanto de uma pessoa (nível molar), quanto de
outrem (nível molecular).
Outrem, para a autora,
é a composição das linhas que desenham movimentos imprevisíveis possibilitando
a captação de um mundo das margens, de perturbação, que arrasta o pensamento
do atual ao impensado. Outrem não é nenhum objeto/sujeito particular. Outrem é
multiplicidade, é coletivo. Entre essas duas dimensões molar e molecular -,
montagens recíprocas, estabelecem-se correlações necessárias para a construção
permanente do real social. O plano molar recorta o molecular e este não pára de o
atravessar. É justo no encontro dos dois planos – o primeiro que codifica e
generaliza e o segundo que cria e comporta variações que os embates se dão,
que as linhas se entrecruzam, se infiltram. É esta a mistura que faz com que os
agenciamentos se multipliquem, produzindo singularizações (idem, p. 188).
De acordo com a autora, poder penetrar no campo dos fluxos, acompanhar seus
agenciamentos, sempre coletivos, permite-nos intervir por remetimento a essa ordem coletiva-
múltipla, e não aos sujeitos, seus fantasmas e histórias privadas. Isso tem capacidade de ir criando
o contato com as pré-individualidades ainda informes e ir abrindo contato com o coletivo que
somos.
Se, para Barros, “a primeira conseqüência-característica de uma filosofia dos dispositivos
é o repúdio dos universais, a segunda não é menos contundente. Trata-se de uma mudança de
orientação, que se desloca do eterno para apreender o novo. A indicação é clara criar,
ousar, devir (idem, p. 189, grifo meu). Desse modo, para a autora, o trabalho com um
dispositivo-grupo se no desembaraçamento das linhas que o compõem linhas de
visibilidade, de enunciação, de força, de subjetivação.
178
Busco agora, acompanhada por esses conceitos e entendimentos, ensaiar e problematizar
analiticamente um dos primeiros trabalhos realizados com a turma desta pesquisa. A atividade
envolveu momentos de desmanche e produção. Várias foram as combinações e recombinações,
tanto com a instituição quanto com a professora e os alunos. A palavra “várias” pode ser
desdobrada em diversas questões, tais como: o que a instituição permitiu viver em seu interior?
O que os sujeitos escolares conseguiram ou desejaram experimentar? O que eu, como
pesquisadora, estava fazendo e produzindo lá, naquele espaço escolar?
Inicio com a atividade a ser realizada em grupo
165
que envolveu quatro encontros para
montagem, debate e discussão das produções dos alunos. Durante a montagem dos cartazes e as
discussões em grupo, conforme disse anteriormente, coloquei à disposição da turma uma
máquina fotográfica, uma filmadora e um gravador para que os alunos os utilizassem se assim o
desejassem. Utilizei essas ferramentas também como dispositivos, para tentar disparar outras
formas de estar em aula, fazendo aula, produzindo aula. O objetivo que tinha, com essa atividade,
era mobilizar o grupo para que pudesse se colocar na feitura, “colocar a mão na massa”,
inserindo-se na participação das montagens, nas discussões, nas possíveis filmagens, nas
fotografias e nas gravações que desejassem fazer de si e, talvez, assim, poder produzir diversos
olhares a partir daquelas produções.
Apresento novamente as perguntas que nortearam a realização dos cartazes, para que o
leitor possa acompanhar de uma forma mais próxima o que vai sendo tratado nas análises.
Perguntas norteadoras dos cartazes: 1) Como tu vês a Psicologia na escola? Como deveria ser? 2)
O que a Psicologia poderia tratar na escola para ter relação com a minha vida? Como isso poderia
ser feito? 3) Em que situações a Psicologia se torna importante
166
?
165
Ver Anexo J. Discussão dos cartazes: 24 e 25 de outubro/2005. A montagem dos cartazes e as etapas para a
realização de todo o processo foram descritas no Diário de Campo – Ver Anexo G.
166
Optei por não classificar por perguntas e respostas de acordo com os cartazes, mas por me deter nos cartazes
como um todo, juntamente com as discussões que os alunos iam promovendo, apesar de apresentar os cartazes em
ordem de feitura e debate.
179
Quando dou início ao debate, no momento em que mobilizo o grupo
167
, retomando a
primeira pergunta, a discussão toma outro rumo a discussão que passa a acontecer não se refere
necessariamente ao que aparece e foi colocado nos cartazes. Os enunciados que surgem são os de
uma Psicologia hegemônica. Os alunos realizam todo um debate introdutório e começam
colocando a Psicologia no lugar onde ela sempre pretendeu estar. Ela aparece como um saber
maior, uma Psicologia majoritária, adaptacionista, explicadora, cientificista, ordeira, que aponta
determinadas certezas e verdades, que se crê capaz de nomear o normal, o patológico, que serve
para encaixar os jovens e diagnosticar.
A Psicologia aparece também como um saber utilizado para quem é louco, para dar conta
de assuntos que não se consegue entender”, para ajudar a resolver problemas, a se
autoconhecer. Os alunos falam ainda de testes, encaminhamentos para a psicóloga e de
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Um aluno diz ter TDAH, ao que
outro responde: Vai te tratar, então!”. Continuam debatendo e colocando que tem de se ser
especialista para poder falar, não é qualquer um que pode dizer da Psicologia. Uma aluna
discorda e diz que não necessariamente é preciso ser especialista para dar conta da vida,
apontando: “Posso até conversar com uma pessoa qualquer, posso conversar com ela e
entender um negócio”.
Interessante notar que o grupo vai dizendo que conhece e utiliza formas de burlar o
conhecimento psi especializado, conforme a colocação de um aluno: Eu cheguei na psicóloga e
ela mandou eu desenhar. Eu desenhei o que eu tive vontade, daí desenhei uma coisa para
ela me tirar para louco. Desenhei um monte de gente morta. Eu desenhei minha mãe, meu
pai, todo mundo sendo enforcado. Isso o quer dizer que eu não sou normal”. Ou seja,
poderíamos pensar aqui que uma Psicologia clichê (saber clichê) é esta que pode a qualquer
momento ser desmontada, desmascarada, não podendo mais habitar o lugar tão poderoso do saber
especializado, aquele que classifica, corrige, ordena, normaliza, cura, que pode dizer do certo, do
errado, do normal, do patológico. Parece que, por vezes, a Psicologia na escola é utilizada para
encaminhar para a Psicologia Clínica “dar um jeito”, de acordo com o relato de outro aluno:
167
Um pequeno grupo, composto por aqueles alunos que haviam produzido os cartazes, formou-se no centro da sala
de aula, em círculo. O restante da turma que não havia participado da composição dos cartazes foi obrigado pela
instituição a participar do debate e de todas as outras atividades que foram sendo propostas durante a pesquisa. Desse
modo, o pequeno grupo se formou no centro da sala de aula enquanto os outros alunos ficaram nos seus lugares
escutando o debate.
180
Uma vez, eu fui na psicóloga. Eu briguei na escola e aí me mandaram para a psicóloga. Eu
cheguei lá, e tinham me dito que, se ela mandasse eu desenhar, era para eu fazer um
desenho bem colorido. Eu fiz, e a psicóloga me disse: ‘Tá tudo bem’”!
Depois de ver com o grupo que existem diversas maneiras de trabalhar com a Psicologia,
questiono do que mais a Psicologia fala. Um aluno diz: Ah, ensina como viver na sociedade.
Mostra o que tu não deves fazer em outros lugares, eu acho...”; “fala sobre mercado de
trabalho”.
A partir de então, a discussão passa a girar em torno do que apareceu nos cartazes.
CARTAZ 1 – GRUPO 1
No Cartaz 1, as escritas dos alunos apontam para o que envolve as propostas dos PCNs,
bem como para uma psicologia maior. No entanto, as figuras sinalizam questões relacionadas à
fome, a uma fila de “desempregados”; aparecem figuras relacionadas a guerras, polícia, jovens
181
sendo levados por policiais, a vida à flor da pele... Os alunos parecem pedir para a psicologia
falar na e da vida.
Penso: o que o nosso fazer psipedagógico agüenta em sala de aula, o que o aluno agüenta,
o que a professora agüenta? O que transborda em nossas salas de aula? Como fazer vazar o
mundo? Não seria essa uma das possibilidades da psicologia menor na contemporaneidade?
Talvez os escritos dos cartazes possam nos auxiliar a problematizar essa psicologia que
estou nomeando de maior e que pretende ocupar um determinado espaço nos nossos fazeres.
Parece haver uma necessidade de escutar, olhar de várias outras perspectivas e de vários outros
modos, as figuras, as frases-narrativas dos alunos, que também nos sinalizam, nos falam de outras
coisas, coisas talvez mais mundanas, mais difíceis, mais desterritorializadoras de nossos fazeres.
A sensação é a de que o mundo transborda nãonos cartazes, mas também nas aulas psi, que se
querem (ou se gostariam), muitas vezes, tão explicadoras e recheadas de determinadas verdades
que as respaldam como um saber especializado.
Busco, então, fazer um “ganchocom a primeira pergunta, que trata de como os alunos
vêem a Psicologia na escola e como entendem que ela deveria ser. O primeiro grupo responde:
“A Psicologia na escola serve principalmente para a educação social, como as pessoas
devem se portar na sociedade moderna”. Aqui parece que a Psicologia possui uma relação
direta com o que é proposto pelos PCNs, ou seja, uma Psicologia ainda envolvida com um
“projeto histórico de caráter humanista [...], capaz de desenvolver determinadas competências
requeridas para atuar com segurança na vida adulta”
168
. Os alunos parecem esperar da Psicologia
a “resposta certa” para cada ocasião, para cada “passo”, para cada momento de suas vidas, para o
que “se deve fazer” em determinadas ocasiões...
Logo mais, um aluno inicia uma discussão, dizendo que “[...] têm coisas que tu não vês
hoje em dia que a Psicologia ajuda a enxergar. Tipo: a desigualdade, um monte de coisas,
assim, que acontecem”. Uma aluna expressa: Mas a gente não fala sobre isso, pelo menos na
nossa sala, a gente não fala sobre isso”.
168
Ver excerto retirado dos PCNs, referidos nesta dissertação no Capítulo II. Para o texto mais completo, ver
Anexos A_B_C.
182
Quando pergunto do que mais se pode falar em uma aula de Psicologia, o aluno que havia
iniciado a discussão responde em tom de desgaste/desgosto: Tipo isso que a gente fazendo
[...] até o pessoal parar como a gente parou [...] !!” [para debater, discutir, falar, ser escutado].
Tenho a impressão de que não se pára para olhar outras coisas, outros processos, para os
acontecimentos que dizem respeito às experiências dos alunos. Como exercitar o poder, dar
voz aos que parecem “não ter voz, não ter vez” nos processos de sala de aula? Como propor
outras formas psi de trabalhar em sala de aula? E o aluno continua: Isso [parar para debater,
discutir, se olhar, se afetar, se escutar e ser escutado] é uma coisa que, eu não vou dizer
cotidiana, porque não pra fazer toda aula isso, mas acho que pode ser uma vez por
semana, que temos duas aulas por semana”. O aluno diz: Acho que uma coisa
importante que a Psicologia poderia trabalhar é sobre o presente”, ao que sua colega
responde: “Mas a gente nunca falou sobre o presente. A gente sempre responde sobre
perguntas de textos, sobre o que a gente quer fazer de nossa carreira, da nossa vida, mas
não sobre o mundo, sobre a desigualdade”. O mesmo aluno que havia iniciado os
questionamentos acha que a Psicologia poderia ensinar sobre isso [a desigualdade, o mundo],
não é?”. Um terceiro aluno entra na discussão e problematiza a seguinte questão sobre a
Psicologia: “[Ela, a Psicologia] quer saber como a gente vai se portar perante toda essa
desigualdade mundial? O que a gente pensa, o que a gente pode fazer, como a gente vai se
portar diante disso, o que significa o que a gente pensa, ela quer mostrar isso [...]”.
Com essas problematizações em relação ao papel da Psicologia na escola, os alunos
parecem estar perguntando como construir uma outra Psicologia. Como olhar o mundo de uma
forma mais perspectiva e menos explicativa? Como escutar e viver seus acontecimentos,
perceptos e afetos? Como dar voz àqueles que “carecem” de ser ouvidos nas instituições? Como
escutar essas vozes e trazê-las conosco, no sentido de poder tramar com elas e inventar outras
formas de viver o fazer psi nas salas de aula? Como estabelecer uma relação com processos
intensivos, com aquilo que tenta de alguma forma escapar aos códigos e criar linhas de
resistência, linhas de fuga ao instituído? Como ampliar nossos olhares, nossos ouvidos, pensar
com as narinas e acolher diversas vozes e múltiplos olhares? Não estariam os alunos pensando,
sentindo, desejando uma possibilidade de construção de uma outra psicologia?
183
Durante os debates, surgem algumas reclamações, queixas que os alunos referem de
forma insistente e que têm relação com os textos dados em aula e, conseqüentemente, com as
perguntas a serem respondidas a partir desses textos. Aqui parece que um “ruído” da psicologia
maior habita as salas de aula com seus textos a serem respondidos sobre o mercado de trabalho,
carecendo de um olhar para o micro, o molecular, para as “práticas intestinas”. Perguntaria aqui:
de que forma uma psicologia menor poderia acionar o presente, fazer funcionar o que se opera no
presente, no mundo, produzir mundos dentro de tantos outros mundos? Os alunos parecem, ainda
de forma bastante singela, solicitar isso.
As discussões tomam rumos diversos, vêm e vão. Por vezes, os alunos tentam
desterritorializar uma psicologia maior, em outras, não escapam dela, pois é dentro dessa lógica
que foram forjados e onde conhecem esse tipo de saber. De acordo com o que diz outro aluno,
caberia também à Psicologia ensinar como a pessoa deve se portar diante de uma entrevista de
emprego: “[...] tem que ir arrumadinho”. Isso como se uma boa apresentação fosse garantia de
se conseguir um emprego. E assim a Psicologia vai “ensinando” como se portar em sociedade...
Uma sociedade de desemprego em grande escala, de espaços cada vez menores para os jovens.
Perguntaria: qual seria o lugar possível para uma juventude que habita a contemporaneidade, na
qual, de certa forma, a Psicologia tenta “pregar”, desde que se faça uma promessa de conquista de
trabalho/emprego? O jovem que não se enquadra nas regras e promessas encontra-se ou é
colocado à margem, onde se produz um discurso (e aqui refiro-me também ao discurso do saber
psi) tentando encaixá-lo no espaço da vadiagem, da delinqüência, da vagabundagem. Ele parece
ser tratado como o outro, o anormal nesta sociedade que se quer tão organizada, limpa,
ordenada e “feliz”.
Em alguns momentos, em relação ao mundo do trabalho, encontramos falas relacionadas a
esses jovens, narrativas que denotam “desesperança” em relação a essa possível “conquista” e
entrada no mundo do trabalho. Essas narrativas aparecem, em alguns momentos, de forma
contraditória, pois, ao mesmo tempo em que a professora
169
refere que a maioria dos alunos que
estuda pela manhã realiza estágio à tarde, diz que “muitos são os que procuram estágio, mas,
pela falta de experiência e pouca idade, ainda fica difícil conseguir um estágio”. Em um
outro momento, refere que “a maioria dos alunos não quer fazer vestibular, quer trabalhar,
169
Diário de Campo. Ver Anexo G.
184
mas não tem profissionalização”. Parece possível perceber a existência de sentimentos
ambíguos tanto em relação aos alunos quanto à professora. Sentimentos que ao mesmo tempo
fazem com que os alunos se posicionem como incapazes, desejando que a Psicologia lhes ensine
como fazer, como se enquadrar. Em relação à professora, também há momentos em que ela narra
os alunos como incapazes, desajustados, sem futuro, mas, ao mesmo tempo, preocupa-se e ocupa-
se com o ajustamento ao mundo do trabalho, tentando torná-los, de alguma forma, produtivos e
ajustados à lógica disciplinar, ordeira, normalizadora e homogênea que rege as instituições. Não
podemos esquecer, ainda, que uma das principais funções da Psicologia no Ensino Médio seria
justamente o enfoque dado ao mundo do trabalho.
Conforme relatos da professora
170
, a ênfase da disciplina de Psicologia, naquela escola, é
dada “à valorização do ser humano e ao mercado de trabalho” A professora informa também
ministrar aulas que envolvem “dinâmicas de grupo, testes vocacionais e questões voltadas ao
trabalho”. Em um outro momento da pesquisa
171
, a professora refere que está passando um filme
do SEBRAE sobre como ser empreendedor, como ter seu próprio negócio, para todas as turmas.
Ela diz que o filme é muito bom, que tem um livro que acompanha o material e que dá para fazer
questões para os alunos. Ao fazer essa referência, volta a dizer o quanto é difícil para os alunos
conseguirem emprego, pois “eles não sabem pensar, não têm experiência, daí, conseguem
trabalho manual. É uma dificuldade da maioria”. Refere que “duas alunas que
conseguiram emprego agora, ganham R$ 300,00 (trezentos reais) e estão felizes da vida [...].
É isso que elas conseguem [...] e, para elas, é ótimo, [para] comprar suas coisinhas [...], por
isso, trabalho muito com essas questões de mercado de trabalho. É para isso que a
Psicologia é voltada no Ensino Médio aqui na escola”.
Importante e, talvez, interessante pensar e problematizar com Carmen Silveira de Oliveira
(2001) que “há um certo incômodo ‘sem-lugar’” (p. 31) para este público juvenil. A autora refere
que “o Brasil apresenta uma precária situação de escolaridade e mercado de trabalho para os
jovens. Com isso, temos as pré-condições para uma exclusão estendida, uma vez que, sem
escolarização e sem emprego, diminuem ainda mais as chances de o jovem transcender as
barreiras da segregação social [...]”(p. 52).
170
Diário de Campo. Ver Anexo G.
171
Diário de Campo. Ver Anexo G.
185
CARTAZ 2 – GRUPO 2
No Cartaz 2, muitas figuras. Nesse grupo, os alunos não conseguem comentar quase
nada. Uma das alunas diz: “Caldeirão, turbilhão de idéias, local para desenvolver nosso
pensamento”; um outro aluno complementa: Como a sociedade é hoje”; um terceiro
acrescenta: “A sociedade é violenta, meu!”. Fico com a sensação de que as figuras falam muito,
transbordam as fronteiras do saber psi especializado. Como falar do mundo, de outras coisas
que tocam, afetam, transtornam? Penso que o cartaz lida com temas marginais, temas tabus,
temas difíceis, temas “menores” no que toca à ciência psi.
As figuras carregam recortes relacionados a temáticas que envolvem dinheiro, escola,
guerra civil, mundo, prisão, polícia, greve, passeata, armas, armamento, favela no Continente
Africano, Che Guevara, passeata na Venezuela, Fórum Social Mundial, crise, Presidente Bush,
Arafat, Palestina, Europa. frases e palavras soltas, tais como: “produção de idéias”; “você
186
escolhe sua liberdade”; “quem não faz, toma”; uma chance de fixar as idéias”; “destino”; “só
você que não consegue ver...”; “favela globalizada”; “Bush é o dono deste planeta?”; “Como será
manhã?”. Pergunto se não seria essa uma possibilidade de pensar em uma psicologia menor,
expandida, mundana, cigana, relacionada ao presente...
A frase “Como será o amanhã?” nos instiga. Se quiséssemos, poderíamos entendê-la
como uma pergunta que não quer calar, uma pergunta que tem sido feita por nós, por nossos
jovens, neste mundo explodido onde vivemos e temos de produzir nossas vidas.
Como será o amanhã em nossas aulas psi com todo esse arsenal lançado pelos alunos?
Como será o amanhã, perguntam esses jovens que, de seus bancos escolares, vêem e vivem as
dificuldades da vida em um mundo onde se tem a sensação de se estar “entrincheirado”? Qual o
lugar do jovem na nossa sociedade hoje? Quais os espaços possíveis de expansão de seus desejos,
de suas produções de subjetividade? Qual a nossa ética psi diante disso que nos é apresentado por
eles e que, por vezes, temos receio de tocar, de tomar para nós, de “comprar”? Como
inventar/produzir/insistir em outros tipos de guerrilhas dentro de nossas prórpias salas de aula?
Como criar linhas de fuga? Como uma psicologia menor poderia estar implicada nesses
processos?
A impressão que tive foi a de que o Cartaz 2 mexeu muito com o grupo, pois houve uma
necessidade de voltar a uma das funções maiores da Psicologia, ou seja, a de como se
comportar em sociedade”, que havia sido comentada pelos alunos anteriormente... O que
parece é que as perguntas levantadas pelo grupo não têm uma explicação possível, elas são muito
complexas e causam grande desassossego, colocando-nos interrogações sobre o que estamos
fazendo com os outros e nós mesmos neste mundo.
Na discussão que prossegue com esse cartaz, surge o tema da violência na sociedade. Um
aluno diz: O cara no trânsito, ele xinga, bate...não chega conversando”. Aparece também a
violência nas salas de aulas e entre seus sujeitos escolares, como na fala deste aluno, por
exemplo: “Os caras chegam jogando cadeira no professor”.
187
CARTAZ 3 – GRUPO 3
No Cartaz 3, o grupo traz algumas frases e figuras. Algumas frases soam como clichês da
Psicologia, com caráter salvacionista e adaptacionista, tais como: Agora [a Psicologia] vai
ajudar você a se conhecer melhor”, “com luz, amor e paz”, “tudo que precisamos a
Psicologia nos mostra” ou “um futuro muito melhor”. Uma única frase faz referência às
diferenças: “Eu vejo com muita clareza sobre todas as diferenças do mundo, raças”. nas
figuras aparecem as raças simbolizadas por uma mulher branca e uma mulher negra; alunas na
escola fazendo referência à Educação; as outras diferenças são simbolizadas pela figura de um
menino e uma menina semi-nus, trazendo uma referência ao sexo; duas figuras são relacionadas à
pobreza, simbolizada por uma criança negra e um “morador de rua” em um banco; a última figura
traz crianças de etnias diferentes e frases, tais como: “Na educação futuramente”, “No
relacionamento das pessoas”, “Um momento em que devemos deixar nossas idéias
futuramente...”.
A Psicologia aqui aparece como capaz de oferecer uma saída, um aprendizado em relação
à vida, às questões étnicas, à sexualidade. O grupo se agita quando se aborda o assunto sobre
188
sexo e homossexualismo. São temáticas ainda encaradas como tabu para serem discutidas em sala
de aula, caso a discussão não seja realizada de forma cientificista e explicadora. O grupo não
consegue levar adiante outras propostas de debate sobre esses assuntos.
Nas discussões, os cartazes 1, 2, 3 e 4 acabaram se misturando. Assim, experimentamos
uma modificação na forma de estar em grupo. Os alunos haviam produzido algumas coisas e
queriam saber delas: as filmagens feitas, as fotografias tiradas e as gravações realizadas com o
gravador. Desejavam saber daquele material, pois estavam envolvidos em sua feitura. Não fora
entregue a eles algo pronto e dado para que fosse feito e entregue; foi algo lançado como
proposta para que eles se colocassem no lugar daquele que produz, como alguém que produz sua
obra em outros movimentos. Ousaria dizer movimentos não tão comuns em uma sala de aula.
No segundo encontro de discussão
172
, em que toda a turma teve de participar do debate
que novamente envolveu a discussão dos cartazes 1, 2, 3 e 4, aconteceu que os mesmos alunos
que se manifestaram no encontro anterior acabaram se colocando muito mais que o restante da
turma. Mesmo assim, a metade-platéia ficou, em sua maioria, bastante atenta ao que estava
sendo trazido e discutido pelo grupo. Apareceram outros pontos que considero importantes para
um deslocamento, um desencaminhamento da Psicologia na sala de aula. Os alunos puderam
falar, ouvir, ser escutados e tratar de diversos temas, tais como: fome, busca de emprego,
violência, raça, futuro melhor, sexo, sexualidade, homossexualismo, pobreza, música, guerra,
polícia, morte, liberdade, afeto, descaso, globalização...
Instigo o grupo como um todo a falar o que mais poderia ser feito numa aula de
Psicologia. uma grande dificuldade em obter respostas, mas uma aluna diz: Deveriam ser
feitas aulas de debate, teatro [os colegas riem de sua colocação], coisas assim para a gente
entender melhor. Uma peça de teatro!”. Um colega responde em tom irônico: Tá! Teatro! E
se a gente fosse fazer teatro tu írias participar?”. A aluna desafiada responde que sim. Seu
colega continua: Tá, e os demais?”. Nesse momento, observa-se que nem toda a turma
participaria. Digo: Mas precisamos de platéia quando se faz teatro”; ao que um terceiro aluno
responde: “Ah, então pode ser teatro de bonecos!”. Digo que sim, que quando assistimos a uma
peça de teatro, ela nos faz pensar, faz termos idéias, mesmo quando somos platéia. O aluno
172
Ver Anexo K.
189
desafiador, nesse momento, concorda e diz: Falar numa peça sobre os assuntos cotidianos
das pessoas, tipo um evento do cotidiano [...] para a gente entender melhor”.
Percebo que, à medida que processos de desterritorialização da mesmidade vão se dando,
o grupo se assusta”, não entendendo como outra forma de trabalhar poderia ser um modo de
estar em aula que poderia também acionar outros processos mais singulares de construção
coletiva do fazer e do aprender. Os alunos, “acostumados” e forjados numa lógica sedentária
escolar, sentem-se acuados e perdidos quando se pensa em novas formas de se operar dentro do
processo disciplinar. Nem eles mesmos se sentem capazes de fazer com que novas vias sejam
abertas.
Pergunto: poderia uma psicologia menor entrar em ação e, de um modo mais rizomático,
mestiço, fronteiriço, híbrido e nômade, chegando como o destino, sem causa, sem razão, sem
pretexto [...]”, como nos proporia Nietzsche
173
, abrir alguma outra entrada nessa picada? Desde
que as saídas sejam múltiplas, nos lembraria, cuidadosamente, Deleuze.
CARTAZ 4 – GRUPO 4
174
173
(apud, DELEUZE E PARNET, 1998, P. 41)
174
Este grupo realizou a montagem do cartaz, mas não estava presente no dia da discussão/debate. Eu li as respostas
e tentei trabalhar com os outros grupos que se encontravam presentes.
190
O Cartaz 4 é quase que um cartaz sem narradores, pois, na hora da discussão, seus
realizadores não estavam presentes. Falei um pouco por esses atores e trouxe as frases e figuras
para serem discutidas em grupo. É um cartaz que faz referência à Psicologia como um modo de
se relacionar com as pessoas, de trabalhar com questões relativas à atitude, economia
(capitalismo), formas realistas de pensar. Aparecem referências à necessidade de se realizarem
mais trabalhos em grupo, de conversar mais com os jovens e saber entender seus pontos de vista.
A Psicologia seria importante em toda a vida, pois sempre a utilizaríamos para entender o
próximo e aprender mais. Nas figuras, percebemos a presença de um casal “feliz”, uma família
“feliz” e um homem negro e um homem branco supostamente no ambiente de trabalho.
Pensando um pouco mais a respeito das “vozes” trazidas pelos alunos nos cartazes e nas
discussões, tenho a impressão de que o campo de saber da Psicologia ainda parece ter muitas
dificuldades de lidar com o que acontece no social. O sofrimento parece ser da ordem do
individual, pois é o indivíduo (nesse caso, o jovem) que adoece, que não consegue emprego, que
não sabe pensar, que deve ser ensinado a se adaptar à sociedade, que deve ser desenvolvido para
que obtenha um melhor rendimento no futuro, que sofre de hiperatividade, que é violento... A
Psicologia parece apontar para como esse jovem pode lidar com o entendimento do próximo,
produzir um mundo melhor (“com luz, paz e amor”) e ser feliz” nas instituições por onde passa
e/ou permanece por muitos anos de sua vida, tais como: a família, o casamento, o trabalho, a
escola... O social permanece à margem, parecendo não fazer parte da produção de sofrimento, da
produção de subjetividades que sempre ocorrem nessa malha, nesse tecido social. As temáticas
trazidas nos cartazes denotam tanto um querer saber do que poderia/agüentaria uma psicologia
menor quanto “respostas verdadeiras” que uma psicologia maior poderia oferecer e dar como
“segurança” para que se pudesse alcançar um futuro (que aqui, creio, também tem um tom
relacionado ao progresso, à ordem) tão desejado/almejado, como algo que poderia tornar o
mundo um lugar melhor... , claro, um embate de forças. Estão presentes nesse embate
enunciados já constituídos e instituídos pelo saber psi maior, pela instituição escolar, pela família,
pelas relações amorosas e afetivas, ou seja, pela vida: com toda sua tecitura, suas durezas, seus
encontros e desencontros, suas “guerrilhas de desejo”... Fala-se também das “guerrilhas de
morte”, de fome, desemprego, polícia, drogas, confinamentos, armamento, pobreza, armamento,
êxodos, famílias separadas, pais que não educam como “deveriam”... Os limites, as fronteiras
parecem tênues... Como a Psicologia poderia operar um fazer dentro dessa massa coletiva e
191
polifônica recheada de uma plurivocalidade que transpassa toda teia/rede/tecido social? Como
faria isso na sala de aula da instituição escolar? Seria esse um de seus possíveis papéis? Seria ela
capaz de trabalhar no limite desse embate de forças?
Acredito que, com as propostas da pesquisa, tentei pensar formas não tão estruturadas de
saber; tentei a forma de aprender fazendo, aprender operando numa feitura rizomática,
procurando produzir acontecimentos, questionando sempre nosso lugar ético no espaço
psipedagógico habitado por nós, psicólogos (ou nem sempre “nós”). Um espaço onde também
poderíamos problematizar a necessidade da Psicologia como disciplina, na medida em que
parece encontrarmos, na maioria das vezes, “pegadas” cristalizadas e endurecidas por um saber
tão sem nexo, um mero ruído psi para aqueles sujeitos escolares.
Necessário dizer mais uma vez que, durante todos os encontros, os alunos utilizaram uma
máquina fotográfica, uma filmadora e um gravador. As fotos foram reveladas e entregues aos
alunos para eles “se verem” na realização das atividades. As filmagens foram passadas na sala de
vídeo, onde puderam acompanhar todo o processo de debate/discussão dos cartazes e os efeitos
produzidos. Pensei em acionar esses outros tipos de linguagem, nem sempre encontrados em
nossas salas de aula, para que processos um pouco mais rizomáticos, nômades, estéticos, plurais,
éticos e autorais fossem experimentados por esses alunos. Hoje, poderia dizer que essas
ferramentas não produziram acontecimentos... Talvez por tamanha ser a marca da norma nos
corpos endurecidos, sedentarizados... Essas ferramentas parecem não ter “atraído” esses sujeitos
já tão marcados pelos processos instituídos de saber. Eles não comentaram como foi esse “se ver”
de possíveis outras formas... Desse modo, utilizei os registros feitos apenas como registros”,
como complemento de meu Diário de Campo, das entrevistas, dos cartazes e suas discussões, das
histórias contadas pelos alunos...
192
FULGURAÇÕES
Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.
Livro dos Conselhos
175
Como o leitor que tem me acompanhado deve lembrar, dei início a este ensaio, que às
vezes se quis bailarino, cantante, poético, e outras se viu endurecido, cortante, desconcertante,
com a intenção de deixar rastros... Trabalhei no terreno, como sabem, sob o fio da navalha,
procurando tecer uma ética que diz de muitos devires em mim: psicóloga-pesquisadora-
professora-vivente-atratora-viajante-andarilha-artista... Não optei pela “dureza dos conceitos”, o
que fiz foi tentar tramar com eles, abri-los, fazê-los dançar como acompanhantes nesta costura
que se quis sempre coletiva, polifônica e singular. Fiz isso para que eu pudesse me abastecer
em/de vários outros mundos, aguçar meus sentidos, me potencializar, me metamorfosear...
Talvez eu devesse ter cantado, como desejou Nietzsche... Nas andanças como psicóloga-
pesquisadora-professora-vivente-atratora-viajante-andarilha-artista, senti que a vida pode, por
vezes, ser forte demais! Paga-se um preço por optar ser uma mergulhadora do pensamento e
voltar à superfície com os olhos injetados de sangue. De qualquer forma, penso existir uma
questão colocada por mim (acompanhada por tantos intercessores) que percorre toda a minha
necessidade de mergulho, trabalho, mateadas, marteladas... É a de que aprender está para
alguém que procura, mesmo que o saiba o que e para alguém que encontra, mesmo que
seja algo que não tenha sido procurado. E, neste aspecto, a aprendizagem coloca-se para
além de qualquer controle” (GALLO, 2003 p. 80, grifo meu).
Aprender, nesse sentido, nada tem a ver com recognição, com o que nos ensinaram na
175
Cf. SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 9.
193
escola ou na faculdade (nesse caso, a faculdade de Psicologia) ou com uma educação maior.
Aprender apresentou-se para mim, nesta pesquisa (e em meu fazer), uma relação com uma
educação que se quis da ordem do menor. Ou seja, uma educação pensada como ato de
resistência aos fluxos instituídos dos saberes, às políticas impostas, às metanarrativas que
constituem os campos disciplinares, com suas teorias, conceitos e verdades a serem ensinados.
Meu fazer voltado a uma educação menor procurou trabalhar com o micropolítico da sala de
aula, com as microrrelações cotidianas de cada ser, de cada vivente, sendo uma tática de
resistência que busca dar lugar às vozes silenciadas. Uma educação plugada àquilo capaz de
produzir desejos, afecções, afectos, perceptos, o que faz vibrar o corpo, o vento, a flor, a terra, a
vida, o mundo. Essa educação menor não seria aquilo que nos produz cintilações, medos,
trovoadas, dúvidas, vontades artísticas, vontades de criação?
E foi assim, nas tramas, nos enredos, nas cenas, nas redes da sala de aula, como
psicóloga-aluna-professora-pesquisadora-andarilha, que pude arriscar fazer perguntas, que pude
desejar pensar e buscar saber quais outras práticas e formas de in(ter)venção, articulação e
interesecção do campo da Psicologia na Educação seriam possíveis. Para tanto, forjei o
conceito de psicologia menor e entreguei-me, potencializei-me nessa experimentação-vida...
Deixei a vida me levar... Vida leva eu... Alinhavei, costurei
176
, afirmei o acaso, os encontros e os
desencontros para poder continuar aprendendo a viver...
Pelbart
177
, fazendo uma leitura de Deleuze, provoca: Qual é a verdade? não
importa! Mas qual a potência da vida? Não importa o que aconteceu, mas a potência de
fazer acontecer outras coisas”! Nietzsche nos flecha certeiramente ao afirmar que onde
encontrou vida, encontrou vontade de potência. Afirmar a vida e todos os seus processos em sua
intensidade é arriscar-se: pode ocorrer um ou mais desvios de rota, pode acarretar perdas, pode
produzir desejo de fazer fugir... Mas, em certa medida, podemos fazer fugir mundos que
caducaram, que criaram território duro (tanto que viraram pedras)
178
, cristalizaram, perderam
sentido, que não cabiam mais em minha vida (ou em nossas)... Foi também difícil abortar
176
Com vários outros conceitos que o leitor já pôde encontrar nesta dissertação.
177
Anotações de aula do Curso: Vida e Biopolítica; ministrado pelo filósofo, professor e doutor Peter Pal Pelbart em
22 de agosto de 2003, na Faculdade de Psicologia da UFRGS/RS.
178
Como não pensar aqui nas instituições e nos saberes maiores que as produziram?
194
missões ao tentar criar algo onde os desejos de criação, de invenção, geravam apenas afetos
tristes...
E, na contramão do molde, do que estava dado, sabido e tido como certo ou verdadeiro,
fugi! Fugi, jamais renunciando às ações, como desafiaria Deleuze; ao contrário, sempre na
tentativa de potencializá-las, engendrá-las como possíveis ferramentas, possíveis novas armas
para propor, rizomaticamente, tramar com o mundo, criar linhas de fuga, furar canos, atravessar
o mesmo rio várias vezes!
Foi necessário ter fôlego para o mergulho! Foi deveras importante caminhar, deparar-me
com meu próprio deserto... Fez-se totalmente necessário compor novos mapas, cartografar,
cavar buracos e trincheiras em mim... Na vida, em toda a sua intensidade, estamos sujeitos a
sermos afetados e corremos o risco de sermos atingidos por afetos alegres ou tristes, por bons ou
maus encontros, como diria Espinosa.
Entretanto, como não podemos ter paz fugindo da vida, temos que nela produzir mais
vida, potência de vida, tornar a vida potente. Parece que uma hora em que a questão que está
na pauta do dia é tomar coragem ou não! Fazer esse enfrentamento talvez seja tornar evidente
onde cresce o perigo, como sugere Larrosa.. As relações são perigosas... Produzem certos
receios, anseios, devaneios, vontade... Mas ousaria ainda aqui continuar perguntando: como se
movimentar neste mundo contemporâneo, privado, despotilizado e atônito? Quais as fendas, as
brechas, os possíveis? Que lugares para a experimentação de um coletivo? Quais os possíveis
pontos de resistência? Que outras (des)ordens, (des)organizações, (des)construções seriam
vivíveis? E complemento as perguntas: com um público juvenil, na disciplina de Psicologia no
Ensino Médio, em uma escola pública?
No embate, no limite de tais forças, como produzir alteridade? Como fazer aquilo que
nem se sabia capaz de nascer? Não seria inventar vida onde ainda nem se desconfiava de sua
existência? Assim, talvez encontrar no outro aquilo que não está em mim, mas que de repente
pode me atravessar, me afetar, produzir singularidades, outros sentidos?
É com Foucault (1988) que continuo nessa trilha ativa do perguntar. Quando o filósofo
trata do pensamento, diz que: existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode
195
pensar diferente do que se pensa, e perceber diferente do que se vê, é indispensável para
que se possa refletir” (p. 13, grifo meu).
Para que consigamos, minimamente, acionar movimento e não paralisia em nossos corpos
ou em nosso pensamento, sugiro, acompanhada por Deleuze
179
: “[...] Acreditar, não em um
outro mundo
180
, mas no liame entre o homem e o mundo, no amor ou na vida, acreditar
nisso como no impossível, no impensável, que, no entanto, pode ser pensado: ‘o possível,
senão sufoco’”.
No limite, o possível do viver talvez seja afirmar o desejo de ser vivente. Como, então,
viver uma vida que possa ser pouco a pouco inundada pela multidão, pelo público, pelo coletivo,
pela arte, que possa ir costurando linhas, panos, trapos de múltiplas cores, compondo colchas de
retalhos, de enredos, de relações, de cenas? Parece que sabemos do que precisamos, mas a
sensação é de que ainda não conseguimos construir/constituir possíveis novos mundos... Talvez
tenhamos ainda que “borboletear muito [...] para sofrermos metamorfoses [...] e tentar novas
costuras, a todo e a cada amanhecer”
181
!
Talvez tenham faltado os peixes, provocaria Nietzsche! Pensar de uma forma perspectiva
faz com que tenhamos que escolher determinados fatos; desse modo, tudo vai depender da trama
escolhida. Para Veyne (1998), um fato não é interessante nem o deixa de ser, sendo toda
descrição uma seleção. Nesse sentido, pode-se apenas multiplicar as linhas que o atravessam. E
nessa direção borboletear me encanta!
Entretanto, neste momento, ainda rumino as escolhas que tive de fazer, o que foi possível
e o que não foi possível trabalhar em minha pesquisa. Tive de realizar opções. Olhei para a vida,
os processos, as atividades, as práticas em sala de aula, as vozes, os corpos dos atores escolares e
para mim da forma que pude, da forma que se fez possível olhar. Esse olhar foi perpassado,
179
(DELEUZE apud ZOURABICHVILI, 2000, p. 355). Cf. ZOURABICHVILI, François. Deleuze e o Possível
(sobre o involuntarismo na política). In: ALLIEZ, Éric (Org). Gilles Deleuze: uma vida filosófica. Coord. da
tradução de Ana Lúcia de Oliveira. São Paulo: Ed. 34, 2000. 560 p.
180
Um mundo “mágico”, “correto”, “verdadeiro”, onde todas as coisas estariam “resolvidas” e “em seus devidos
lugares”.
181
Colaboração de minha companheira de travessia do mundo da Educação e da Psicologia, amiga e aluna Paula
Flores, com seu trabalho de encerramento de semestre no Curso de Licenciatura de Psicologia da UFRGS em 2004/2.
Trabalho cujo título remete a novas possibilidades de olharmos para nossos fazeres psi na docência: “A professora
Tecelã”.
196
transpassado por minha história, arranjos e trajetos vividos nos campos de interlocução da
Psicologia com a Educação, bem como em outros processos de vida, por vezes, vitais e até
viscerais! É um olhar que tem tanto um cunho perspectivo quanto um cunho interpretativo...
Conforme Pelbart
182
, “o olhar não é ponto de vista, é uma varredura estratégica. O olho
não é um movimento sereno que olha o mundo, ele é ferramenta de guerra. [...] Visões como
que potências que atravessam o deserto e produzem possibilidades outras de existência de vida
[...]” (2005, s/p, grifo meu).
Sinto hoje o quanto foi, para mim, uma tarefa árdua os encontros vividos com a
instituição escolar e seus atores. Com rias dificuldades, alguns entraves, algumas asfixias,
alguns endurecimentos, houve pouca possibilidade de desterritorialização, de criação de linhas de
fuga, de produção rizomática e de processos de singularização.
A Psicologia na escola, seu fazer, levantou-me questionamentos: minhas perguntas de
pesquisa. Criei problemas, inventei uma problemática. Não pretendi responder as perguntas, mas
sim colocá-las em um lugar para que se possa pensar sobre elas, problematizando-as.
Foram poucas as coisas que fizeram vibrar meu corpo, minha alma... Penso que este
ensaio, minha dissertação, traz à tona um afeto triste que fala de um lugar psipedagógico (no
Ensino Médio) desvitalizado, desvalorizado, despotencializado... Fui desmontada na feitura desta
pesquisa. Percebi que aquilo que fazemos pode (ou não!) produzir um terreno para germinar, no
entanto, se agarrarmos uma linha de fuga, esta germinação pode se dar no deserto, como
desafiaria Gallo e o conto da “Princesa Obstinada”
183
. Esta princesa, por desobediência à lei
estabelecida por seu pai, o rei, acaba, como castigo, sendo enviada ao deserto. Tal castigo teria
sido dado em função de uma afirmação da princesa ao seu pai: “Embora a minha posição me
obrigue a acatar as leis, não posso acreditar que meu destino deva ser sempre determinado por
suas opiniões”. O desafio de sua filha fez com que o rei a enviasse à fronteira do reino, ao
deserto. A moça logo se encontrou num território selvagem, mas rapidamente percebeu que, da
182
Anotações feitas durante o Curso: Tempo e Pensamento, ministrado pelo filósofo, professor e doutor Peter Pal
Pelbart, na ESEF/UFRGS. Em 22 e 23 de julho de 2005.
183
Cf. NETTO, Annibal.; LLG. Clarissa.; GUIMARÃES, Suzi. A Princesa Obstinada. In: Histórias da Tradição Sufi.
NETTO, Annibal.; LLG. Clarissa.; GUIMARÃES, Suzi S. (Org.). Trad. Nícia Queiroz Grillo. Rio de Janeiro:
Edições Dervish – Instituto Tarika, 1993. p. 99-101.
197
caverna, poderia fazer sua morada, que nozes e frutos provinham tanto de pratos de ouro quanto
de árvores, que o calor provinha do Sol. Aquela região tinha um clima e uma maneira de
existir próprios... O tempo passou e, do/no deserto, a princesa produziu seu reino... Depois de
algum tempo, o rei foi conhecer o estranho e misterioso lugar que brotara daquele antigo deserto.
Foi então que ouviu as palavras de sua filha: “Como pode ver, pai, cada homem e cada mulher
tem seu próprio destino e faz sua própria escolha”. Não estaríamos nós, professores/as
(também do campo psi), tendo de fazer nossas escolhas? A partir de nossos próprios desertos, dos
desertos de nossas salas de aula, inventar, fazer brotar vida onde ela nem parecia existir? Como
ser alguém que pode ter uma vontade afirmativa ou negativa, na perspectiva de Zaratustra
184
, e
que, portanto, precisa de coragem de viver a vida em sua tragicidade e não idealizá-la como vida
verdadeira? Como ser capaz de querer a vida como ela é? Não seria esse o amor fati de Niezsche,
o amor ao destino, o amor à necessidade?
Assim, embebida em toda essa transformação, transmutação, e acompanhada de todos os
meus intercessores, as perguntas continuarão sendo feitas... Senti necessidade de pesquisar de
corpo inteiro, ou seja, acionando os campos das sensações, intuições, emoções e saberes; procurei
operar com/nos mundos-fronteiras: entre conhecimento, arte, educação, psicologia, pedagogia;
tentei fazer com que os atores da pesquisa se tornassem coadjuvantes das propostas que estavam
sendo pensadas, sentidas e lançadas; emprenhei-me de mundos e pari o que foi possível de se
fazer nascer.
E, para nós docentes, sempre é bom lembrar, de acordo com Pelbart
185
, ao trazer Deleuze
à tona:
Uma aula não necessariamente interessa aos alunos [...] ainda não chegou aquilo
que interessava [...] um dia chega o que ele [aluno] precisava como um
despertador”, chega uma idéia que afeta [...]. A questão não é necessariamente
entender, mas afetar-se. Para Deleuze, o conhecimento não é da ordem do
entender, mas da ordem do afetar-se, do implicar-se. É uma concepção não
intelectualista, não universalista, pois não é tudo que serve o tempo todo para todo
mundo (2005, s/p).
184
Cf. MACHADO, Roberto. Zaratustra, tragédia nietzschiana. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. p. 141-
142.
185
Anotações feitas durante o Curso: Tempo e Pensamento, ministrado pelo filósofo, professor e doutor Peter Pal
Pelbart, na ESEF/UFRGS. Em 22 e 23 de julho de 2005.
198
E, dando continuidade a esse processo de pensar, que não pára nunca, lembrei de um
conto de Eduardo Galeano
186
, contado por Rolim (2002), que trata da história de um louco que
vivia na praça de uma cidade qualquer da América Latina. Vivia ali o pobre homem cercado por
seus silêncios. Era um louco especial aquele. Conhecido por todo o povoado, passava seu tempo
tocando um violão imaginário. Ninguém se aproximava dele; com ele, ninguém falava. Era,
apenas, o “louco do violão”, cujos acordes imaginários nunca foram ouvidos. Até que um
cidadão, compadecido daquela imagem muda, abordou o louco. Consta que conversaram
longamente, que trocaram idéias e que se surpreenderam. O cidadão, então, resolveu presentear o
louco. Por óbvio, escolheu um violão de verdade e o ofereceu no segundo contato. Nosso
personagem, então, emocionado, agradeceu o presente e disse: “Muito obrigado; agora eu
tenho dois”.
Esse conto me afeta no sentido de poder com ele problematizar os campos da Educação,
da Pedagogia, bem como da Psicologia. Não estaríamos nós desejando pelo outro?
Desvitalizando o poder/potência que o outro carrega consigo? Como escutar novos acordes?
Como perceber o imperceptível, o invisível, o sensível? Como não marcar, com lógicas tão
estruturadas, as novas produções e invenções de vida? Como fazer com que nossos sonhos não se
tornem os sonhos do outro? Ou, ainda, o que fazer com todos os sonhos que esquecemos ou que
ainda não nos foi possível tampouco sonhar?
Os sonhos esquecidos
Helena sonhou que deixava os sonhos esquecidos numa ilha. Claribel Alegría recolhia os
sonhos, os amarrava com uma fita e os guardava bem guardados. Mas as crianças da casa
descobriam o esconderijo e queriam vestir os sonhos de Helena, e Claribel, zangada, dizia a
eles: - Nisso ninguém mexe.
Então Claribel telefonava para Helena e perguntava:
- O que eu faço com seus sonhos?
(Eduardo Galeano)
187
186
ROLIM, Marcos. Composições II. Porto Alegre, 2002. Ver ainda Site: www.rolim.com.br
187
GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços. 9. ed. Porto Alegre: L&PM, 2002.
199
ANEXOS
200
ANEXO A Texto retirado do site do MEC, http://portal.mec.gov.br, tendo como título: MEC
Ciências Humanas no Ensino Médio. Esta busca foi realizada no dia 11 de Abril de 2006.
ANEXOS B e C Referem questões relacionadas ao Ensino Médio e sua Legislação, questões
que, apesar de não serem aprofundadas nesta pesquisa, também fazem parte desta dissertação no
sentido de ampliar o entendimento dos processos que fizeram parte da estruturação do Ensino
Médio como um todo. Site do MEC Anexo B, http://portal.mec.gov.br-seb-arquivos-pdf-
blegais.pdf, e Anexo C, http://portal.mec.gov.br-seb-arquivos-pdf-CienciasHumanas.pdf. Busca
realizada em 14 de Abril de 2006.
ANEXO D – Entrevistas realizadas durante o curso de Licenciatura em Psicologia 2002/1
Algumas escolas da cidade de Porto Alegre foram visitadas e entrevistadas por mim e
minhas/meus colegas do Curso de Licenciatura em Psicologia em 2002/1. As entrevistas faziam
parte das atividades das disciplinas de Pedagogia Terapêutica e Introdução à Prática de Ensino
em Psicologia e, tinham como objetivo, obter um panorama da situação em que encontrava-se a
Psicologia nas escolas de um modo geral, não apenas no Ensino Médio. O recorte que faço nesta
dissertação de Mestrado, insisto novamente aqui, é pôr em análise a disciplina de Psicologia nas
escolas que a possuem no Ensino Médio. No entanto, algumas entrevistas farão referência a
outros cursos pelos mesmos pertencerem à escola que está sendo entrevistada.
O que passo a fazer neste momento é trazer um pouco o que encontramos no material que
foi coletado, pôr entender que o mesmo nos dará algumas pistas sobre as tramas que formaram e
formam a complexa composição da disciplina de psicologia no Ensino Médio.
De uma forma geral, em algumas escolas, a disciplina de psicologia fazia parte de cursos
tais como: magistério, cursos técnicos de auxiliar de contabilidade, secretariado e enfermagem,
técnico de segurança do trabalho, dentre outros. A disciplina de psicologia no Ensino Médio
variava em relação ao ano em que era ministrada, dificilmente fazendo parte de todos os três anos
do Ensino Médio. A carga horária da disciplina da Psicologia dependia muito da escola na qual
era ministrada, tendo como média 02 períodos de aula por semana. A formação dos/as
professores/as incluía tanto a graduação, especialização quanto a pós-graduação. No que se refere
à áreas de formação dos/das professores/as estas incluiam: Pedagogia, Filosofia, Psicologia,
201
Sociologia, Artes Cênicas. Os temas dos conteúdos trabalhados em cada curso foram, de certa
forma, bastante variados.
Farei aqui um breve relato do material colhido nas entrevistas.
Em uma escola pública estadual de Ensino Médio e de Magistério com 02 períodos de
aula por semana, havia 02 professoras pedagogas, sendo uma delas estagiária em Pedagogia. No
que se refere aos conteúdos trabalhados estes abordavam conforme o relato das profesoras:
“Atualidades, assuntos que estão em pauta no momento, temas como a violência, drogas, o que é
trazido pelos alunos. Geralmente as professoras fazem um levantamento junto aos/as alunos/as no
início do semestre, os temas variam também muito em relação às condições de vida dos/das
alunos/as que freqüentam a escola”. Os objetivos da disciplina englobava “Conscientizar o/a
aluno/a a tomar uma posição, a se auto-defender”. Neste caso, o livro utilizado nesta escola era
‘Psicologia Moderna’”. O tempo de atuação na docência em psicologia da professora titular
Psicologia, era em média de oito anos .
Em uma outra escola pública estadual, os cursos que possuíam a disciplina de Psicologia
no Ensino Médio e nos cursos técnicos de Auxiliar de Contabilidade, de Secretariado e no Curso
de Magistério. No Ensino Médio a disciplina era ministrada no 1°ano. A carga horária da
disciplina de psicologia em cada curso era de 02 períodos por semana. Neste caso, três
professoras ministravam a disciplina de psicologia em 13 turmas. Formação destes/as
professores/as era de graduação, pós- graduação e atualização, duas das professoras possuíam
graduação em Pedagogia e outra em Psicologia. O tempo de atuação de cada uma era de 13 anos,
23 anos e 01 semestre, respectivamente. Os temas e os conteúdos de psicologia trabalhados em
cada curso nesta escola eram: Definição do que é Psicologia, História da Psicologia, Conceito,
Objetivos e , Métodos. Fala-se brevemente sobre as Escolas de Psicologia, logo depois
abordamos conteúdos relacionados ao Comportamento Humano (motivação), Comportamento
Emocional, Psicologia da Personalidade (Psicanálise), Níveis Mentais (Id, Ego, Superego,
Consciente/Inconsciente), Psicologia Social (percepção social, comunicação, atitudes, grupos
sociais ...), Mecanismos de Defesa, Tipos de comportamento e ainda trabalha-se bastante a
questão da Orientação Vocacional”. Os objetivos da disciplina foram colocados envolviam,
principalmente auto-conhecimento e relacionamento interpessoal. Temos como objetivo que o/a
aluno/a se conheça e conheça o outro, que se comunique (pois falta muita comunicação) e ainda
que faça uma boa escolha profissional, independente do que seja escolhido, desde que o/a aluno/a
202
se sinta feliz”. No que se refere à função da disciplina no curso em que é ministrada, seria “a de
trabalhar as atitudes, comportamento, criar vínculos. Na verdade isso cria um vínculo muito bom.
Antes tínhamos Psicologia no 2° e 3° anos, mas notamos que dificuldade maior estava no 1° ano,
então passamos a disciplina para o 1
a
ano e temos tido um ótimo resultado, pois é quando o/a
aluno/a entra no ensino médio que mais precisa ser trabalhado/a. .Trabalhamos com as
dificuldades dos/das alunos/as, com as questões de relacionamento professor/a-aluno/a e
orientação vocacional. Trabalhamos também com oficinas que abordam diferentes temas tais
como: sexualidade, DST/AIDS entre outros. Buscamos trabalhar os conteúdos utilizando
dinâmica de grupo e é claro que sempre entra a parte afetiva”.
Em uma outra escola pública estadual o curso que possui a disciplina de psicologia é o de
Ensino médio, no 3° ano. Possuindo 04 turmas: duas pela manhã e duas turmas à noite, com
carga horária de 1 hora semanal. Dois professores ministravam as aulas, um deles com formação
em psicologia e outro em Ensino Técnico Comercial. Os temas e conteúdos trabalhados incluíam:
“comportamentos; atitudes e postura profissional para o mercado de trabalho”. Os objetivos da
disciplina eram o de “diversificar o currículo e contribuir na formação como um todo”. Quanto a
função da disciplina no curso referiu-se ser “muito importante na formação do estudante do
ensino médio".
Em uma outra escola pública e estadual, a disciplina de psicologia era ministrada no
terceiro ano Ensino Médio, com 6 turmas, sendo 03 turmas pela manhã e 03 pela noite, com
carga horária semanal de duas vezes por semana, com um período de 45
minutos. A disciplina era ministrada por dois professores graduados em Psicologia. Quanto aos
temas e conteúdos de psicologia trabalhados referiram: “ênfase em relações humanas,
desempenho vocacional, profissões, mercado de trabalho e postura profissional”. Tendo como
objetivo a “análise de comportamento e relações humanas; a convivência
profissional e pessoal e a diversificação”. A função da disciplina no curso era a de “relacionar a
teoria com a prática visando a preparação para o mercado de trabalho”.
Uma Escola Estadual Normal possui aulas de Psicologia no Ensino Médio e Magistério. A
Carga horária da disciplina em cada curso é de 0l hora aula por semana, com cerca de 35 alunos
por turma. Dois professores ministram a disciplina na Instituição, tendo formação profissional
em Pedagogia e Orientação Educacional - sem dados do outro professor”. Quanto aos temas e
conteúdos de Psicologia trabalhados em cada curso referiu-se adolescência, sexualidade,
203
trabalho/profissão, etc.”. Com relação a função da disciplina colocou-se que “a psicologia
contribui dando espaço ao jovem de colocar seus problemas, anseios e dúvidas”. Uma observação
que considero importante é a de que o contato para a realização desta entrevista foi feito com a
Orientadora da escola que de posse das perguntas, repassou-as para que o professor as
respondesse, sem que o entrevistador tivesse sequer um contato com o mesmo.
Nesta outra Escola Estadual o curso possui as aulas de Psicologia nos 1°, e anos do
Ensino Médio. A Carga horária da disciplina em cada curso era de l hora aula por semana, sendo
que as duas professoras que ministram a disciplina na Instituição, possuem formação profissional
em Pedagogia com habilitação em Psicologia da Educação. Quanto aos temas e conteúdos de
Psicologia trabalhados em cada curso, referiram: “ Psicologia: história e divisões; comportamento
emocional e motivador; desenvolvimento humano; personalidade (Ribo e Jung); caráter e
personalidade; aspectos básicos da personalidade (id, ego e superego); níveis de vida mental
(consciente, inconsciente e subconsciente); teste vocacional e assuntos de interesse do/a aluno/a e
atualidades". No que se refere aos objetivos da disciplina, colocam como necessário "construir a
identidade social e pessoal, viabilizando o exercício da cidadania plena; compreender e valorizar
as diferentes manifestações culturais e segmentos sociais, preservando o direito à diversidade;
compreender as transformações do mundo e o novo perfil de qualificação exigida, gerados por
mudanças na ordem econômica, política e social". A função da disciplina no curso seria a de
"proporcionar ao aluno/a condições de melhor convívio na sociedade a qual pertence e atua, com
vistas a conduzir, possíveis dificuldades, de maneira satisfatória através do conhecimento que a
Psicologia proporciona; realizar atividades que conduzam ao desenvolvimento de capacidades".
Nesta escola pública estadual o curso que possui a disciplina de psicologia é o de Ensino
Médio no segundo ano, tendo a carga horária da disciplina de dois períodos semanais. dois
professores que ministram a disciplina pela manhã e noite. A formação dos/as professores/as é a
de psicopedagogo com pós-graduação em Ensino Pedagógico. O tempo de atuação na área de
psicologia de ambos é de vinte e dois anos. Quanto aos temas e conteúdos de psicologia
trabalhados em cada curso, referiram: “o desenvolvimento da psicologia, o que é psicanálise,
tipos de fobia, o que é mentira, tipos de fobia, mecanismos de defesa, emoções, sentimentos,
rótulos, problemas sexuais, análise transacional, neuroses, Freud, parapsicologia”. Os objetivos
seriam o de “preparar os/as alunos/as para a vida diária, aceitar seus limites e a conviver melhor
no grupo e na sociedade”. A função da disciplina no curso em que é ministrada visa “um
204
crescimento e conhecimento pessoal e saber lidar com suas neuroses”. Observações e impressões
sobre a entrevista consideradas importantes: “o professor colocou a dificuldade de encontrar
bibliografia dirigida especificamente para alunos do ensino médio, falou que o maior problema
da comunidade escolar é a questão do alcoolismo dos pais, as drogas em geral e a situação de
pobreza da comunidade”.
Em uma outra escola pública, os cursos que possuem a disciplina dePsicologia incluem o
Ensino Médio e o Curso Normal. A carga horária da disciplina de Psicologia em cada curso é de
duas horas semanais. A escola possui três professoras que ministram a disciplina de psicologia.
Sendo duas no turno da manhã e uma no turno da tarde. A formação das professoras é em
pedagogia com pós-graduação em educação [não soube informar a formação da outra professora].
O tempo de atuação na área de psicologia é de vinte e três anos. Quanto aos temas e conteúdos de
psicologia trabalhados no curso de ensino médio seria, referiu-se “o conceito de psicologia da
personalidade, sexualidade, drogas, temas atuais de interesse dos/as alunos/as, família, discussão
de filmes escolhidos de acordo com o tema trabalhado”. Para o Curso Normal os conteúdos
ministrados eram os seguintes: O nascimento da psicologia e sua evolução: Compreender a
evolução da ciência psicológica, Identificar as contribuições, que originaram a psicologia
científica, Caracterizar a psicologia científica, Identificar as principais teorias da psicologia no
século vinte, Identificar as áreas de conhecimento da psicologia. O desenvolvimento humano:
reconhecer a importância do estudo do desenvolvimento humano na formação dos educadores,
identificar os períodos do ciclo da vida, comparar as perspectivas teóricas sobre o
desenvolvimento humano. O desenvolvimento da criança na primeira infância: identificar as
etapas do desenvolvimento pré-natal, compreender o desenvolvimento da primeira infância,
caracterizando as áreas: motor, cognitivo e social, sintetizar e apresentar leituras relacionadas na
primeira infância, avaliar os trabalhos realizados em-grup, observar o comportamento da criança
na primeira infância e comparar com a teoria estudada. No que se refere aos objetivos da
disciplina colocou-se: “proporcionar uma visão geral da psicologia, estabelecer um processo de
reflexão e discussão sobre temas relacionados ao desenvolvimento apoiando-se em diferentes
concepções teóricas e conseqüentes implicações na prática escolar e fazer com que o educando
consiga refletir mais sobre os aspectos da vida em geral”. Observações e impressões sobre a
entrevista: nesta entrevista fui até a escola para conversar com a professora que a tarde trabalha
como assistente da vice-direção. A entrevista havia sido marcada e ela não estava presente no
205
dia, então resolvi ir sem avisar e a encontrei. No início tive que percorrer a escola com ela para
explicar como seria este trabalho, enquanto ela abria a sala de vídeo, atendia alguns alunos ou
passava tarefas de professores que não foram dar aula-Depois iniciamos a entrevista na sala da
vice-direção e ela mostrou-se simpática e atenciosa.
Nesta outra escola pública os cursos que possuem a disciplina incluem a disciplina de
Psicologia no Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Nesta escola a disciplina chama-se
Educação e cidadania, filosofia e sociologia. A carga horária da disciplina de psicologia é de uma
hora semanal, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio. Os três professores que
ministram a disciplina dividem-se entre os turnos da manhã, tarde e noite. A formação dos
professores inclui: 02 pedagogos, sendo que 01 deles é filósofo com mestrado em psicologia da
educação. O tempo de atuação na área de psicologia é em média de dez anos. Os temas e
conteúdos trabalhados no Ensino médio referidos foram: Autoconhecimento [Primeira série] -
integração do grupo, identidade, auto-estima, história de vida, relações interpessoais, fase da
adolescência, liberdade e responsabilidade; Ser Humano [Segunda série] - o que é ser humano,
o que difere dos animais [cultura e trabalho], afeto, sentimentos e emoções, valores[consciência
moral], socialização, leitura da realidade [meios de comunicação, alienação, preconceito
[estereótipos e estigmas] e sociedade; Posicionamento Político [Terceira série] - senso comum
e senso crítico, cidadania globalização, qualidade de vida, argumentação [expressão verbal,
escrita, desenvolvimento do pensamento], comportamento em diferentes situações sociais,
projeto de vida e inserção no mercado de trabalho [carta de apresentação, currículo, legislação
sobre estágios e emprego]. Os objetivos da disciplina incluíam “propiciar, por meio de reflexão,
um crescimento na consciência de si próprio, possibilitando a formação ética, o desenvolvimento
da Autonomia intelectual ao pensamento crítico construtivo e a qualidade em relacionamentos
interpessoais”. A função da disciplina no curso em que é ministrada inclui “interpretar a realidade
para interferir de forma cidadã na sociedade em que está sendo inserido”. A escola possui a
disciplina de psicologia no terceiro ano ensino médio, mas continua sem professor/a. O tema a
ser trabalhado neste caso seria “relações humanas” .
Nesta mesma escola o tempo de trabalho com o ensino de Psicologia da professsora é de
27 anos de trabalho, atuando em 04 turmas atualmente, tendo 40 alunos em cada turma. O tempo
de aula ministrada por turma no terceiro ano é de 1 hora semanal. No Curso de Magistério, a
carga horária é de 8 horas/aula semanais durante o semestre. Os Principais motivos que a
206
levaram a ministrar a disciplina de Psicologia no ensino médio foram a “interação com os/as
alunos/as, habilidade para a docência e interesse da Instituição”. Refere que as dificuldades
encontradas na realização do seu trabalho tem relação com a “estrutura fechada de sala de aula”.
Quando perguntada sobre como considera que a psicologia pode contribuir na formação dos
alunos do ensino médio, referiu a necessidade de “trabalho de auto-conhecimento; auto-
formação; formação de valores; formação profissional”. Neste caso, em particular, a disciplina de
Psicologia se articula com as outras disciplinas: - Através dos Projetos: “Os/As alunos/a
organizam eventos com estabelecimento de critérios. Trazem pessoas com formação científica.
Os projetos são organizados de acordo com o interesse dos alunos, são cedidos alguns períodos
de outras disciplinas para os momentos de formação (manhã de formação). Os/As alunos/as
escolheram: drogas, formação profissional, esportes radicais. Isso quebra o sistema de estrutura
fechada, em série, melhorando a qualidade de trabalho do/a aluno/a”. “Os Projetos incluiam:
Feira das profissões; Sexualidade; Feira das Nações. Isso é trazido para sala de aula, no
atendimento dos eixos temáticos de interesse dos alunos, no atendimento a pais-família, no
atendimento ao aluno/a”. Entre os temas e autores trabalhados com os/asalunos/as trabalha-se
com o que é “de interesse dos alunos : sexualidade; drogas; escolha profissional; formação de
valores; esportes radicais ;entre outros”. Os autores citados por esta professora foram diversos:
“Piaget; Paulo Freire; Erik Erikson; Sigmund Freud etc”. No que se refere à metodologia
utilizada, refere “especificamente dinâmicas de grupo, atendimentos individuais, atendimentos de
grupos, projetos e aulas expositivas”.Quanto aos subsídios que guiam a construção do seu plano
de trabalho, coloca que a “justificativa maior é a do projeto- estratégia; seus objetivos
;cronograma de ação. O plano é feito com base nos projetos”. No tópico avaliação dos/as
alunos/as refere que “através dos objetivos alcançados, na expressão dos resultados é que se
avalia o aluno/a. O/A professor/a não coloca conceitos e sim pareceres, recomendações,
questionamentos e sugestões. A avaliação é diagnóstica, participativa, contínua, visando sempre
o processo e se dá em três níveis: 1) a - objetivos alcançados; 2) n. a, - objetivos não
alcançados; 3) e. d. - objetivos em desenvolvimento”.
Tomo a decisão de incluir aqui, como exceção, uma Escola Estadual de Grau, que
possui a disciplina de psicologia nos 3 primeiros módulos, embora a escola seja somente Ensino
Técnico [nas áreas de Mecânica, Estradas, Edificações, Eletrotécnica e Eletrônica], para
posteriormente discutir os motivos pelos quais a disciplina de psicologia encontra-se inserida
207
neste currículo. A Carga horária da disciplina em cada curso levava em consideração alguns
aspectos, pois a disciplina está dividida em três módulos sendo que cada um deles tem 20 horas
para cada módulo, distribuídos da seguinte forma: Módulo I, de 25 a 30 alunos; Módulo II, de 15
à 18 alunos e Módulo III, cerca de 13 alunos. Nesta instituição sete profissionais ministravam a
disciplina, sendo 0l psicólogo, 02 pedagogos e 04 sociólogos. A formação dos/as professores/as,
incluía o Curso de psicologia na PUC-RS e Licenciatura em Psicologia na UFRGS. Os temas e
conteúdos de Psicologia trabalhados em cada curso tinham relação com “currículo, seleção,
treinamento, desenvolvimento, empreendedorismo, liderança, motivação, talento, características
de personalidade”. Os objetivos da disciplina incluem uma pequena explicação: “esta disciplina
foi criada inicialmente com o nome de Desenvolvimento Comportamental e é voltada para a
inserção dos/as alunos/as no mercado de trabalho. No ano de 2000 foi repensada pela equipe que
aumentou os conteúdos e com isto a carga horária”. A função da disciplina no curso têm relação
com: “as temáticas que viabilizam diminuir a ansiedade dos/as alunos/as em relação às seleções
para trabalho, alguns/as alunos/as comentam que conseguiram enfrentar processos seletivos com
muito maior segurança. Também os/as professores/as comentam entre si que o relacionamento
com os/as alunos/as melhorou muito com a inserção desta disciplina no currículo escolar”.
ANEXO E Projetos executados por meus estagiários de Prática de Ensino em Psicologia
com seus alunos do Ensino Médio.
Grupo I – Projeto I
Transcrição fita de vídeo - O Começo da História
Narradora –Vitória está deitada no sofá. A casa está uma bagunça. Sua mãe chega e fala:
Mãe – O que você quer da vida Vitória?
Vitória – Conforto, boa vida e dinheiro.
Mãe – Então vai trabalhar. Faço tudo que posso, te dou tudo e tu não dá valor.
Vitória – Então eu vou mesmo.
Mãe – Então vai.
Narradora Vitória olha para sua mãe com ar de desprezo e sai porta afora. Sílvia chora de
desprezo.
Mãe – Por que eu fui deixar ela ir embora?
Mãe-Narradora Enquanto isso, do outro lado da rua. Natacha e Ritinha acabaram de ouvir a
discussão. Param e conversam com Vitória.
Natacha – Oi queridinha, tá procurando emprego?
Vitória – Tô.
208
Natacha – Calma!Calma! Hoje você tirou na loteria, vem aqui comigo!
Vitória – Então vamos!
Narradora Quando Natacha chega na boate com vitória ela vai mostrar para o seu cafetão, o
Jamanta. O maior traficante da região.
Natacha – Jamanta querido, olha o que eu trouxe para você.
Jamanta – Uau... Carne nova no pedaço. Leva ela lá pra baixo...
Natacha – Vamos querida!
Narradora Dois jovens que são usuários de drogas e tentam Jamanta, lendo o jornal, chama os
dois jovens e fala:
Jamanta – Ei vocês dois aí. Dá um chego aqui. Tenho um servicinho pra vocês hoje.
(discussão sobre gravação)
Jamanta – Tão vendo esses dois playboyzinhos no jornal aqui?
Douglas – Sim, o que tem os playboyzinhos?
Jamanta – Eu quero eles na minha mesa hoje.
Regininha – Ah... Eu conheço a namorada dele, deixa com a gente chefinho.
(risos)
Narradora – Douglas e Regininha armam um encontro acidental com Vitor e Carol.
Regininha – Carol...
Carol – Oi Regininha... Como é que tá?
Regininha – Coincidência! Tava pensando em você... Oi Vitor.
Vitor – Oi! Tudo bom?
Regininha - Ah, deixa eu apresentar o meu amigo! Esse aqui é o Douglas, Carol e Vitor.
Vitor – E aí meu chapa, beleza!
Douglas – Beleza!
Regininha – Vamos fazer alguma coisa hoje?
Vitor – Não!
Regininha – Ah, então vocês estão convidados para o meu aniversário hoje, na boate Enigma. Por
favor, não deixem de ir.
Carol – Bom! A gente vai fazer o possível, mas não garantimos nada. Certo?
Douglas – Ei Regininha, ta na nossa hora. Vamos embora? Valeu Vitor! Tchau!
Vitor – Valeu!
Carol – Vamos né...
Vitor – Vamos...
Carol – Bom! Tem que perder a timidez... Vamos? Promete?
Vitor – Prometo!
Narradora Na festa Vitor e Carol estão presentes. Enquanto isso Vitória e Natacha
conversam.
Natacha – Vitória querida! Vamos! Você vai começar no seu trabalho.
Vitória – O que eu vou fazer?
Natacha – Ué? Você vai ser prostituta.
Vitória – O quê? Prostituta?
Natacha – Claro queridinha! Você quer ganhar dinheiro fácil?
Narradora – Enquanto isso na festa, Vitor e Carol se divertem...
Narradora – Enquanto isso Douglas insiste em pegar um baseado.
Ritinha – Carol, vamos no banheiro?
Carol – Vamos.
Narradora – Enquanto isso no banheiro...
209
[Não, não é no banheiro. Corta!]
Douglas – Quer experimentar louco? A tua namorada nem vai saber louco! Só um... só um...
Vitor – Tá! Vamos ver como é que é...
Outro aluno diz – Ah! Tu é bacana!
Narradora – [Aí tu fica loção assim. Aí tu sai dançando assim ó...]
Narradora – Enquanto isso no banheiro...
Regininha – Pô amiga... Eu tenho um “pó” pra nois que é show! Quer experimentar?
Carol – Eu não acredito Regininha que tu ta envolvida com droga?
Regininha – Ah!
Carol – Sai dessa Regininha! O que é isso amiga? Sai dessa?
Regininha – É um sentimento único!
Carol – Por quê? Por quê? Sai dessa...
Regininha – Eu não saio dessa!
Carol – Regininha! Regininha!
Narradora Carol volta para a festa e que o comportamento de Vitor está diferente. Ela
convida ele para eles irem embora e eles vão.
Carol – O que tu tem? Ô! Ô!
Vitor – Nada.
Carol – Vitor! Vamos embora?
Narradora – Depois de um mês, Vitor está completamente viciado e...
Carol – Amor, sai dessa! Larga!
Vítor – Não!
Carol – para a gente volta para a nossa vida como era antes...
Vítor – Não. Dá dinheiro! Dá dinheiro!
Carol – Não...
(Vítor sai correndo na cena)
Carol – Não Vítor, não Vítor... Vítor!
(discussão sobre a fita)
Narradora – para Regininha o final não foi feliz, Jamanta cobra uma dívida e...
(discussão e morte)
Narradora – o traficante e sua mulher fogem, depois de acabar com a vida de Regininha.
(gravam ela morta).
Natacha – Jamanta querido! O que você fez? Vamos fugir daqui? Vamos fugir!
Narradora Vitória sai da prostituição pois se apaixona pelo Douglas, sua mãe Sílvia apoio a
filha. E Douglas pede ajuda a ela.
Mãe – Vitória minha filha! Tu me perdoa?
Vitória – Te perdôo mamãe.
Mãe – Volta para casa minha filha?
Vitória – Primeiro eu tenho que apresentar o grande amor da minha vida.
Douglas – Douglas, prazer!
Mãe – Prazer...
Douglas – Sou o seu novo genro!
(o câmera pede que os personagens olhem para frente)
***Cena: Vítor sentado no chão –
Vítor – Perdi tudo! Perdi minha família... perdi minha família... perdi minha...
Carol – (dá a mão) Dá a mão?
Vítor – Eu não acredito!
210
Carol – Eu tô aqui para te ajudar... tô te estendendo a mão de novo... tu quer minha ajuda?
Vítor – Sim!
(se abraçam)
***Todos juntos:
Narradora: Não entre nessa roubada! Diga não às drogas! Pois você poderá acabar que nem a
Regininha, ou muitas vezes não terá alguém para lhe ceder a mão como a generosa Carol. Diga
não às drogas! Vida sim, drogas não!
Por isso...
Todos: Diga não às drogas!
GRUPO 2 - Projeto Curtas na Escola
Projeto II: O Portão Fechado
Este grupo definiu-se pela elaboração e filmagem de entrevistas. Para tanto escreveu roteiro com
perguntas direcionadas a questões vividas na escola e executou a filmagem.
Aluna A repórter: Por que o portão que leva para as salas de aula permanece fechado?
Profª 1: O portão fica fechado porque muitos alunos não sabem usar a liberdade que é dada. Fica
um entra e sai que dificulta a concentração em sala de aula. Deveria ser feito um trabalho com os
alunos para que eles soubessem usar a liberdade que é dada, que não saíssem toda hora da sala de
aula. Só saíssem em momentos oportunos para que não afetasse o processo de ensino-
aprendizagem em sala de aula.
Aluna A repórter: Se os alunos precisam ir ao banheiro e o portão está trancado?
Profª 2: Acho que é uma educação do organismo. Em casa a gente não vai ao banheiro toda hora.
É uma questão de se educar.
Aluno B repórter: Como a senhora avalia os alunos em sala de aula?
Profª 3: Avalio se as atitudes deles são de pouca vontade de trabalhar, se têm outros interesses
que não seja o interesse de vir aprender alguma coisa ... eles até vêm aprender algumas “outras
coisas, mas não relacionadas às matérias, assim que eu vejo os alunos ... a maioria.
Aluno B repórter: A senhora tem alguma sugestão para esses alunos? Um conselho?
Porfª 3: Eu tenho! Que a época de aprender, de juventude, de adolescência passa muito rápido,
né?! Então tem que se interessar agora, pois depois no futuro, quando deveriam estar casados,
em casa, numa boa tem que estar voltando para a escola para aproveitar aquilo que eles não
aproveitaram antes. Existe tempo pra tudo!
Grupo 2 - Projeto III
Aluna C repórter: Estamos aqui direto de uma sala da escola C.M. Esta sala não é muito
conhecida, pois não é muito procurada à noite (não há aula nesta sala à noite). Nós somos o
pessoal do noturno e estamos aqui, mostrando que esse é o nosso canto. Aqui são divididas várias
histórias, várias coisas, tipo: como foi o final de semana, aqui a gente fuma, aqui aconteceram
vários relacionamentos, namoros começaram aqui dentro. O que acontece nesse lugar na visão de
vocês?
T: Trocamos idéias, fumamos cigarro... É isso aí...
211
F: Falamos de relacionamento, dos nossos colegas, de nós, da vida dos professores, das festas que
a gente faz nos finais de semana...
S: É um lugar pro cara se divertir, sei lá, trocar umas idéias, elaborar um pensamento novo,
ligado?!
Aluna C repórter: Como vocês vêem este lugar? Um canto especial?
S: Esse canto não tem comparação, foi descoberto por uma galera que gosta de trocar idéias,
marcar festa.
F: Primeiro, era só nós; depois, outras pessoas ficaram sabendo, e aumentou o grupo.
A: Aqui é um lugar onde a gente faz muita música pra tocar, muita amizade rola aqui, muita
música...
Aluna C repórter: Por que aqui acontece esse tipo de coisa, sendo que a escola foi feita para
estudar?
S: Aqui a gente fala de tudo, tudo sobre o que aconteceu com a gente. Aqui fazemos música,
tocamos violão, tocar violão é algo que a gente faz muito... Talvez ainda surgir uma banda
dessa gurizada que está aqui... Fazemos música sobre nós ou ficamos aqui conversando sobre
namoro, brigas...
T: Sexo, drogas e rock’n’roll.
Aluna C repórter: Dividem algum problema que acontece na família? Vocês comentam as
coisas que acontecem com a família de vocês?
S: Quando eu briguei com meu pai, contei para G. e B., todos foram super amigos, me deram a
maior força. Isso que a gente vem procurar aqui: companheirismo, amizade, coisas assim, que
nos ajudam, para deixar meu astral melhor, melhor porque eu estava super pra baixo.
Aluna C repórter: O que vocês gostariam de fazer aqui que vocês ainda não fizeram?
S: Festa, tocar viola sem ninguém nos incomodar, rir de qualquer besteira, fumar cigarro, trocar
idéias e tudo mais...
Aluna C repórter: Como vocês levam, no caso, o estudar aqui? Vocês trazem o assunto da sala
de aula para cá? Neste caso, aqui não seria considerado uma sala de aula, seria uma sala de
encontro, de reuniões? Como seriam aqui os estudos pra vocês? Ou vocês saem da sala para
desestressar?
S: Já fizemos alguns trabalhos aqui...
T: A gente fala sobre provas, estuda alguma matéria... Também é um lugar pra gente se
desestressar, esquecer de tudo, da aula, esquecer aquele carma... fica mais fácil pra gente
aprender essa matéria.
Aluna C repórter: O que você faria se este lugar fosse proibido?
F: A gente ia ter que achar outro lugar...
T: Este lugar deveria permanecer secreto.
ANEXO F - PROJETO PESQUISA ESCOLA e TERMO DE CONSENTIMENTO
PROJETO PESQUISA ESCOLA
A disciplina de Psicologia no currículo escolar e seus desdobramentos
Neste projeto tenho a intenção de analisar qual o lugar que a Psicologia, enquanto disciplina, vem
ocupando no currículo escolar do Ensino Médio regular. Além disso, pretendo pensar e discutir
212
como os saberes relacionados ao campo da Psicologia vêm sendo abordados nas práticas
escolares.
Neste sentido, parece importante buscar recompor a história, os discursos, a trajetória da
Psicologia que, em um determinado momento, foi incluída no currículo escolar, bem como
localizar o processo pelo qual esta se transforma em disciplina deste currículo, pois como nos
aponta Fairclough (apud MOITA-LOPES, 2001), “os discursos não somente refletem ou
representam as entidades e relações sociais, eles as constroem ou as constituem” (p. 59).
Sabemos que cada momento histórico proferirá um discurso, que desvelará seus ideais e
expectativas, tendo esses discursos efeitos constitutivos no sujeito em formação. Assim, na
tentativa de procurar compreender como este campo de saber vem se desenvolvendo e de que
forma o mesmo tem sido colocado em prática no espaço escolar, proponho analisar ainda o
currículo da disciplina de Psicologia, seus conteúdos e práticas em sala de aula.
Para tal empreendimento penso ser interessante e necessário não apenas olhar para o
currículo, mas abrir também possibilidades de escuta para as vozes e narrativas de professores/as,
bem como para as de alunos/as envolvidos com a disciplina de Psicologia na escola. Entendo que
estas vozes/narrativas poderiam ser tomadas no sentido de se colocar a pensar e problematizar
com estes sujeitos, os caminhos que a Psicologia tem trilhado e pode vir a trilhar na sala de aula,
na escola, no currículo e na educação.
Ao focalizar o discurso como ação, conforme Moita-Lopes (2001),
além de chamar a atenção para a natureza constitutiva do discurso e de seu papel
na construção das identidades sociais, fica claro que não estamos meramente
posicionados de forma passiva, mas somos capazes também de atuarmos como
agentes, através de contra-discursos, e reverter os processos discursivos que
constroem nossas identidades sociais em uma ou outra direção, e construí-las
portanto em outras bases (p. 59).
Desta forma, com o intuito de propor uma discussão mais ampla e consistente no que se
refere a possibilidade da Psicologia buscar ocupar um espaço mais dinâmico nas práticas
escolares, bem como pensar um fazer psi mais envolvido com o social e o coletivo, é que
proponho perguntar, aos sujeitos envolvidos nestas práticas psi, de que forma os mesmos vêm
vivendo, ocupando e experimentando este espaço de interlocução da Psicologia com a Educação
em seu cotidiano escolar e que interesse pelo mesmo. Busco saber, ainda, quais seriam as
213
potencialidades da disciplina de psicologia no currículo/na escola; quais propostas poderiam ser
feitas pelos sujeitos implicados nestas práticas psi no espaço escolar e se os mesmos poderiam
pensar/propor outras formas ou práticas possíveis de intersecção da Psicologia com a Educação.
Objetivos
- Analisar as propostas pedagógicas da disciplina de Psicologia, seus conteúdos e práticas na sala
de aula;
- Ouvir as vozes/narrativas dos sujeitos escolares envolvidos com as práticas propostas por essa
disciplina;
- Discutir outras formas e práticas possíveis de intersecção da Psicologia com a Educação.
Estratégias Metodológicas
Para o desenvolvimento desse projeto pretendo fazer uso de algumas estratégias com
cunho etnográfico. A etnografia, como se sabe, é uma metodologia de cunho qualitativo, bastante
empregada pela antropologia, visando estudar a cultura e a sociedade. Um dos princípios básicos
desta metodologia encontra-se na tentativa de aproximar o pesquisador da cultura que pretende
estudar, neste caso, as práticas em operação/em movimento na escola.
Desta forma, o desenvolvimento desse trabalho utilizará algumas ferramentas tais como:
Observação participante: as observações serão realizadas em diferentes espaços da
escola, incluindo as salas de aula. A observação aqui é considerada participante por
partir da idéia de que o/a pesquisador/a tem sempre um grau de interação com a situação
a ser estudada, afetando-a e sendo por ela afetado;
Análise de documentos: que poderão envolver análise dos materiais didáticos
produzidos e/ou trabalhados na sala de aula, incluindo o livro didático, da disciplina de
Psicologia, tendo como objetivo completar as informações coletadas através de outras
fontes;
Entrevistas: que serão realizadas com alguns alunos/as e professores/as, após e durante
as observações, conforme necessário, visando aprofundar e entender algumas questões
pertinentes à pesquisa;
214
Oficinas: com a participação dos/as alunos/as, onde serão realizados trabalhos em
grupos e sub-grupos, registro fotográfico, filmagem e utilização do gravador pelos/as
próprios/as estudantes.
Obs.: Necessário esclarecer que esta parte da pesquisa foi construída juntamente com os
alunos, durante o processo que fomos desenvolvendo no decorrer da pesquisa. Na verdade, as
oficinas acabaram antecedendo as entrevistas. Os únicos materiais que serão utilizados para
exposição nesta dissertação envolvem: os cartazes desenvolvidos pelos alunos, as discussões
realizadas por eles [que foram gravados com o auxílio do gravador e da máquina filmadora
durante as discussões nos grupos pelos próprios alunos] e as entrevistas. Os registros
fotográficos bem como as filmagens e o próprio material gravado, foram ferramentas-dispositivos
utilizados apenas pelos alunos durante a pesquisa. Por isso a intenção é a de que este material não
seja exposto nesta dissertação e, desse modo, não constará na mesma.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO PROJETO
CALDEIRA, T. P. do R. A presença do autor e a pós-modernidade em antropologia. Novos
Estudos, n. 21, Campinas: CEBRAP, 1998, p. 133-157.
FIGUEIREDO, Luís Cláudio M. Psicologia uma introdução. São Paulo: EDUC, 1991.
FIGUEIREDO, Luís Cláudio M. Revisitando as Psicologias. São Paulo: EDUC;
Petrópolis:Vozes, 1996.
GALLO, Silvio. Deleuze e Educação. Belo Horizonte: Autêntica. , 2003.
SANTOMÉ, Jurjo T. Globalização e Interdisciplinadridade. O currículo integrado. Porto Alegre:
Editora Artes Médicas Sul Ltda, 1998.
LARROSA, Jorge. Literatura, experiência e formação. In: Costa, Marisa Vorraber (org)
Caminhos Investigativos: novos olhares na pesquisa em educação. Rio de Janeiro: DP&A
Editora, 2002.
LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência In: Revista Brasileira de
Educação. N 19, jan/fev/mar/abr 2002.
LARROSA, Jorge; SCLIAR, Carlos (orgs). Habitantes de Babel - políticas e poéticas da
diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
LARROSA, Jorge. La experiencia de la lectura. Barcelona: Lertes, 1996.
215
MOITA-LOPES, Luiz Paulo. Práticas narrativas como espaço de construção das identidades
sociais: uma abordagem sócio-construcionista. In: RIBEIRO, Branca Telles; LIMA, Cristina
Costa; DANTAS, Maria Tereza Lopes (orgs) Narrativa, identidade e clínica. Rio de Janeiro:
Edições IPUB/CUCA, 2001.
TERMOS DE CONSENTIMENTO
Termo de Consentimento Informado
Declaro que fui informado quanto aos propósitos da pesquisa e as metodologias a serem
utilizados, bem como:
- Meu nome será preservado e meus dados se manterão em caráter confidencial;
- De que posso ter acesso aos dados coletados a qualquer momento;
A pesquisadora responsável por esta pesquisa Karina Almeida de Souza, psicóloga,
mestranda
do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação, na UFRGS; e-mail:
Nome do aluno: __________________________________________________
Assinatura do aluno: ______________________________________________
Assinatura dos pais ou responsáveis: _________________________________
Assinatura do pesquisador: _________________________________________
Porto Alegre, ___ de____________ de 2005.
Termo de Consentimento Institucional
Declaro que fui informado quanto aos propósitos da pesquisa e as metodologias a serem
utilizados, bem como:
- Os nomes dos alunos e professores serão preservados e os dados coletados se
manterão em caráter confidencial;
- De que posso ter acesso aos dados coletados a qualquer momento;
- Não haverá nenhum custo da instituição com a pesquisa a ser realizada.
A pesquisadora responsável por esta pesquisa é Karina Almeida de Souza, psicóloga,
mestranda do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação, na UFRGS; telefone:
3388.78.92; e-mail: karin[email protected]r
Nome do responsável da instituição: __________________________________
216
Assinatura do responsável: _________________________________________
Assinatura do pesquisador: _________________________________________
Porto Alegre, ____ de_____________ de 2005.
Termo de Consentimento Informado
Declaro que fui informada quanto aos propósitos da pesquisa e as metodologias a serem
utilizados, bem como:
- Meu nome será preservado e meus dados se manterão em caráter confidencial;
- De que posso ter acesso aos dados coletados a qualquer momento;
A pesquisadora responsável por esta pesquisa é Karina Almeida de Souza, psicóloga,
mestranda do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação, na UFRGS; e-mail:
Nome da professora: ______________________________________________
Assinatura da professora: __________________________________________
Assinatura do pesquisador: _________________________________________
Porto Alegre, _____ de __________ de 2005.
ANEXO G - DIÁRIO DE CAMPO
Quarta-feira – 31/Agosto/2005
Escola _EI
- Contato com a coordenadora do Ensino Médio.
- Contato para ver possibilidade de espaço para pesquisa.
- Dificuldade de abertura para observação, professora não gosta de abrir sua sala de aula para este
tipo de trabalho.
Justificativa:
- Momento difícil da escola.
- Avaliação sendo revista.
- Início do 3º e último trimestre.
217
- Direção fechou para estágio ou acompanhamento no 3º trimestre.
Explico que preciso focar mais o currículo, realizar as entrevistas com os alunos. Não
tendo êxito, pois a coordenadora coloca que mesmo assim o professor precisará dispor de um
tempo para ti. Deixo o Projeto e dados para contato.
Quinta-feira – 01/Setembro/2005
Escola - MPF
Depois de ter contatado mais ou menos 10 escolas de Ensino Médio em busca da
Disciplina de Psicologia, pois não são todas as escolas que oferecem. Entro em contato com a
Escola MPF em Porto Alegre. A coordenadora M. atenciosamente pede para eu ir até a Escola
com o projeto para apresentar a ela e à professora de psicologia, pois M. gostaria que a professora
desse permissão para que eu realizasse a pesquisa. Marcamos terça-feira (06/09) às 08h30min.
Chegando à escola vou até a sala da coordenadora que me recebe e pede que eu coloque o que
busco. Apresento o projeto. Explico o trabalho e então ela pede que eu preencha uma ficha com
meus dados para contato. A vice-diretora entra na sala da vice-direção/coordenação, muito
abalada comentando com a coordenadora o episódio de desacato de uma aluna punk. A
coordenadora pede que eu a acompanhe para que eu possa conversar com a professora que estava
em troca de turmas. P., a professora da disciplina de Psicologia, estava na sala de vídeo. Esta sala
era uma sala bastante ampla, quase que a totalidade da turma encontrava-se encostada na última
fileira de cadeiras. A maioria dos alunos era de meninas (15) e a minoria meninos (5). Enquanto
eles assistiam ao deo, P. e eu conversávamos. O vídeo que estava sendo assistido pelos alunos
era o filme “O pai da noiva”. Estavam assistindo o final do filme, pois não haviam conseguido
ver todo na aula anterior. P. refere que os alunos assistem a este filme todo ano na escola. Depois
trabalham algumas questões.
Exponho o trabalho e o que pretendo com a pesquisa. P. diz que se eu quiser posso propor
atividades na aula também. Fala um pouco da turma. Que é boa e que realiza as propostas
solicitadas, bem diferente das turmas que têm à tarde, turmas bem difíceis, que não fazem o que
ela propõe e a desafiam o tempo todo. P. sugere que seria melhor eu ficar com aquela turma da
manhã, mas me deixa a vontade para escolher.
A professora é formada em pedagogia e aula um ano nesta escola, realiza Pós
Graduação Especialização em Psicopedagogia. Coloca que a Psicologia tenta trabalhar mais
com uma valorização do ser humano, o mercado de trabalho... Diz que não realiza provas e a
218
disciplina não reprova. Refere que os alunos, na sua maioria, trabalham fazendo estágio à tarde.
Eles vêm de longe, quase não há alunos morando nos bairros próximos à escola. Durante o filme
duas alunas usam celular com fone de ouvido.
Quando o filme termina P. me apresenta e pede para eu falar do meu trabalho para a
turma e do que a turma acha de eu ficar acompanhando-os. A maioria diz que tudo bem, mas um
aluno pergunta: A gente tem outra escolha? Eu falo que a gente pode ir se conhecendo,
conversando... P. pede para a turma ir para a sala de aula oficial. Fomos então para esta sala de
aula. (No momento em que está trancando a sala de vídeo P. diz: Aqui tem que trancar tudo, pois
há muito roubo). Ao chegarmos P. faz a chamada. Os alunos ficam conversando... P. pergunta se
eles querem continuar a atividade da aula anterior, pois ainda tem 10 minutos de aula, ou se
acham que é melhor ficar para próxima, eles dizem para deixar para próxima aula.
Uma aluna me pergunta se Psicologia é um curso muito caro. Eu digo que na UFRGS é
gratuito, ela se surpreende. Coloca que tem curiosidade por Psicologia, pois a avó disse que ela
tem jeito para escutar e conversar com as pessoas, pois depois de ter conversado com duas primas
elas melhoraram. E que quando realiza os testes vocacionais que a professora P. para eles,
sempre dá Psicologia.
P. vem até onde estou sentada e me entrega um texto com o qual está trabalhando com os
alunos. Todos devem ler e responder o questionário que no final do texto. Percebe e me diz
que os alunos estão se repartindo e respondendo algumas perguntas para depois juntar.
P. diz que a maioria dos alunos não deseja realizar o vestibular, querem trabalhar, mas não
possuem uma profissionalização.
P. coloca que por ser muito jovem (28 anos) e ter vindo substituir uma professora que se
aposentou, no início foi difícil, mas que os alunos aprenderam a respeitá-la. Ela também refere
aprender muito com eles.
O sinal toca. A aula encerra. Combinamos de eu acompanhar/observar a turma a partir da
próxima segunda-feira.
Segunda-feira – 12/Setembro/2005
Chego um pouco mais cedo na escola. Tem dois alunos esperando que o portão seja
aberto para o segundo período. Três alunos conversam na entrada interna da escola. Duas duplas
jogam vôlei na quadra que fica no pátio interno do colégio. Estão na aula de Educação Física.
219
Uma professora chega, abre o portão que fica gradeado e peço para entrar com ela.
Percebo que há uma câmera direcionada ao portão e ao pátio de entrada da escola.
Aguardo um pouco mais, leio os cartazes sobre: Sexualidade, poesia, Feira do Livro na escola.
Relato da Aula 12/09/05 – Turma F
Vão continuar trabalhando com o texto que estava sendo trabalhado em algumas aulas (29
e 30/08/05 e 12,13 e 26/09/05).
Estou sentada atrás de um grupo de alunas que trabalham com o texto dado pela
professora. Elas fazem alguns comentários enquanto respondem as questões do texto.
A - Psicologia e Filosofia não entendo...
B - Por isso eu não entendo Psicologia e Filosofia não é para gente entender/compreender e falar
do que a gente acha? Ou tem que ser de acordo com o texto? Prefiro História, a gente estuda e
pronto! Adoro ler. A professora diz que tem que ser de acordo com o texto. Porque a gente
precisa de tempo? O tempo é algo relativo geralmente faço duas coisas ao mesmo tempo.
Enquanto isso uma dupla resiste em se juntar com um grupo. Esta dupla pergunta a meu
respeito, pois não estava na aula passada. Não querem fazer o trabalho.
P. (a professora) refere que é 3º trimestre e que os alunos ficam meio agitados, pois têm também
outros trabalhos de outras disciplinas a serem feitos.
A aluna B. continua colocando algumas questões para suas colegas de grupo:
B - Para onde vai o dinheiro desse colégio? Quando eu era do Conselho Escolar eu sabia para
onde ia o dinheiro, aqui não tem seria muito mais legal se a gente pudesse falar. Filosofia era
muito mais legal por isso. Mais nessa aula a gente precisa pensar, eu acho que a gente devia falar
mais, não adianta ficar lendo. No vestibular não adianta ler tem que saber pensar. Se
respondêssemos com nossas palavras seria melhor, não ficaríamos copiando do texto. Por isso
que Literatura é muito melhor a gente responde o que a gente acha.
Um colega chega e pede ajuda sobre um trabalho de exatas física e matemática. A colega
auxilia. Outra diz que ele está atrapalhando o trabalho delas, mas que ele é legal...
Sinto um pouco de desconforto de estar realizando a observação. De estar anotando, me
sinto “intrusa”. Peço material de Psicologia para uma aluna que está sentada a minha frente, ela
me empresta para dar uma olhada. A professora vem até onde estou, repete que tem alguns alunos
trabalhando no questionário que outros estão fazendo outros trabalhos, “mas é assim não adianta
220
se estressar”. Peço a bibliografia da disciplina. Professora diz que não nada muito específico.
Trabalha com diversos materiais, (se “desculpa” por não ser da Psicologia) P.: Como não sou da
Psicologia trabalho com muitas coisas, com dinâmicas de grupo, testes vocacionais, questões
voltadas ao trabalho... Não uma bibliografia. Pego textos na Internet. Diz ainda que está
fechando as notas do 2 º trimestre. P. coloca não saber se os alunos copiam tudo, pois faz
atividades mais dinâmicas... (explica quando faço referência e pergunto sobre a matéria dada em
aula). Diz: Têm uns que copiam mais, outros não. Justifico dizendo que queria ver os conteúdos
da disciplina para entender o processo.
Coloco que este grupo a minha frente está trabalhando bastante, parece muito
interessado...
Professora diz: aquela aluna tem problema, ela se machuca, some, depois aparece...
machucada, a gente não sabe o que acontece...
Essa aluna (a quem P. se refere) era a que eu estava achando a mais interessada, mais
questionadora, implicada com as atividades e o processo da escola... [depois, em outra aula é que
entendo que P. não estava falando de B., mas sim de outra aluna].
Refere que não livro didático de Psicologia oferecido pelo Estado. um limite de
número cópias xerox, e esse é muito mais limitado para Psicologia, pois não faz prova. Desse
modo P. refere ter que dar o material (textos) para os alunos e depois recolher.
Refere ainda que não irá trabalhar sobre o filme, pois passou mais para relax”. Diz que
os alunos haviam ido apenas uma vez para a sala de vídeo naquele ano. Eles gostam muito de
assistir. Ia fazer uma atividade relacionada ao filme, mas resolveu não fazer, pois “eles estão
cheios de coisas para fazer... Foi mais para relax”.
P. diz que um pequeno acervo de filmes na escola... Muito pouco. Pergunto se biblioteca...
Diz que sim. Fala da necessidade de contratação emergencial para professores de Psicologia pelo
Estado e que eu poderia me inscrever...
Depois da aula vou até a biblioteca. livros de Psicologia, mas em sua maioria, bastante
antigos.
Aula 13/09/05
Chego à escola às 08h25min encontro a professora P. no portão principal (de entrada que
fica cadeado). Entro com ela. P. me diz que terá que pegar um material para passar para uma
221
turma que está sem professor (vai estar um período utilizando a aula do professor que faltou
distribuiu textos para a turma e deixou-os trabalhando). Fiquei aguardando no corredor em frente
à sala de aula da turma na qual estava realizando as observações. Os alunos estão no corredor,
alguns ficam na sala, mas a maioria está no corredor. Tem uma movimentação nos corredores,
pois é troca de período. Alguns namoram, outros trocam materiais, outros conversam... Alguns
grupinhos... Noto que na sala TF tem alguns alunos que não estavam nas aulas que observei
anteriormente. Alguns alunos me cumprimentam outros não. com algum atraso, P. vem a TF e
entramos para a aula. Procuro uma cadeira para sentar, mas todas estão ocupadas, pois mais
alunos na sala de aula.
Neste dia havia 23 alunos e alunas (e este é o número da quantidade de cadeiras e mesas).
Quando me movimento para tentar encontrar um lugar para sentar P. diz: “Senta aqui comigo”.
Fico sem saber o que fazer e atendo seu pedido.
Uma aluna vem e abraça P. por traz e diz: “Professora eu quero filme, passa filme... Uma
aluna pede para P. que eu me apresente. um burburinho com três meninas que estão sentadas
no fundo da sala: uma diz “T. está de aniversário!”
P. diz: “é mesmo?”, depois a gente canta parabéns.
P. pergunta se eu quero me apresentar. Digo que sim. Ela diz meu nome para turma e abre espaço
para eu falar. Explico o trabalho que estou fazendo.
Uma aluna pergunta: “Ela é tua irmã? É parecida!”.
E outro diz: não, falta meio metro... (risos)
“Sem comentários...” diz P. rindo.
P. refere que eu não sou sua irmã e que sua irmã está viajando.
C.: Para onde profe?
P.: Foi para França!
C.: Fazer o que? Estudar. O quê? Sexualidade?
P.: Não fala o que tu não sabe C.
C.: Ai professora foi aqui que tu nos ensinou... (meio sem jeito).
P.: É, no projeto da escola que fizemos...
A.: Por que não avisou antes que ela era professora também? A gente se comportava mais.
P.: É isso que ela quer ver também!
222
P.: Bom, vamos começar e retomar o texto que estamos trabalhando. E vamos terminar este
trabalho logo, não agüento mais olhar para esse texto!
P. distribui os textos e pede que eles trabalhem nos grupos.
A maioria dos grupos trabalha. Alguns 2 ou 3 alunos ficam sozinhos. Tem uma aluna que P. diz
que fica olhando para tudo que acontece e não faz nada. um grupo de meninas em frente à
mesa da professora que fica brincando o tempo todo com os celulares que têm fone e máquina
fotográfica, tiram foto dos colegas etc... Um vem até a mesa em que estamos e mostra uma foto
de uma delas com “pênis falso”.
P. diz: Vocês não têm jeito mesmo... (e ri).
Nesse grupo duas alunas “tentam” responder as perguntas... mas depois entram nas brincadeiras.
Um aluno pergunta o que é sinônimo? É algo que significa a mesma coisa?
P. diz que sim.
P. fica conversando comigo. Refere que quer terminar esta atividade e que deu prazo até hoje
para eles. Mas acha que eles não vão conseguir. Mostra um bilhete que uma aluna lhe deu. P. não
entendeu o que este bilhete significa. Refere ter entendido que o mais importante não é ter um
diploma (referindo-se ao conteúdo do bilhete).
P. mostra-me o livro do qual retirou o texto com que está trabalhando. É um livro que usava na
disciplina de Psicologia na faculdade. Mostra ainda outros textos que quer trabalhar: Shinyashiki;
Leila Navarro. Refere gostar muito do Shinyashiki... Quer trabalhar com estes textos nas
próximas aulas. Fará xerox para me passar. P. comenta ainda que a diretora seleciona alguns
materiais que acha interessante e coloca nas pastas dos professores... Tira da Internet, de
revistas... Comenta que na semana que vem a escola vai se esvaziar, pois é feriado e e nos
outros dias é conselho de classe. Pergunto se ela participa do Conselho de Classe. Diz que não,
pois não é o dia dela dar aula.
Sinto que a aula passa “voando”, muito rápido, pois o período é só de 45 minutos e houve
atraso em função do atendimento a outra turma. P. refere também que eles estão agitados, pois
é pré feriado. A professora diz ainda que a aluna que tem problema, que cai e se machuca, não
veio hoje.
P. refere também que uma outra aluna (do grupinho das 4 meninas que conversam o tempo todo)
uma vez desmaiou e sangrou o nariz... Acha que pode ser algo com drogas, algo muito estranho...
OBS.: FERIADO AULAS DIA 19 E 20 DE SETEMBRO de 2005.
223
Aula 26/09/05
Primeiro a professora inicia a aula dizendo que vai passar um filme sobre mercado de
trabalho, um filme-palestra, vai passar amanhã para eles e que não é para conversar durante o
filme, é para anotar os pontos principais. Refere ser um filme bastante atual, não sendo longo P.
diz que este é um filme de uns 3 anos atrás, mas tem muita relação com que ainda está
acontecendo no mundo do trabalho. Uma aluna reclama dizendo que não quer filme.
P. Solicita minha participação. Quer que eu aula para os alunos, ou faça alguma atividade com
eles. Refiro que estou realizando as observações e que não tinha nada preparado para aquele
momento.
Hoje um aluno dorme, com capuz na cabeça na classe da frente. Um outro desenha o
tempo todo. O grupo de 4 que está bem a minha frente fala o tempo todo de festa, namoro. O
celular de uma toca duas vezes. Não participam em nenhum momento da aula. Somente 3 alunos
falam e discutem o assunto proposto durante a aula.
No início da aula B. e D. falam sobre Sociologia, Antropologia e Política. B. puxa o
assunto. Diz que em casa os pais dele discutem muito sobre tudo. Comenta sobre o filme
Farenhait. Diz que assim como antes havia o Império Romano, agora o Império Americano, e
como o Império Romano caiu, o Império Americano vai cair também. Fala ainda que não deveria
haver exército.
D. Discorda. Diz que é preciso exército para defender o país.
B.: É, nessa lógica que a gente conhece...
P. Tenta iniciar a aula e pergunta o que D. e B. estão conversando. Eles dizem que é uma
discussão interessante, sobre política, governo...
P. diz: “Tá depois a gente fala sobre isso”...
B. e D. dizem: É sempre depois, depois não dá tempo, depois não chega nunca...
P. Começa a aula tentando retomar o texto, “vocês leram né?, então às respostas”.
Pergunta aos alunos se terminaram. Muitos não prestam atenção, não respondem. Alguns, quando
pressionados, dizem que não terminaram.
P. fica chateada e resolve distribuir as respostas que os alunos haviam entregado.
P. me diz é sempre assim, nunca terminam. Distribui as respostas.
224
P. Comportamento social – é o comportamento aceitável pela sociedade. Dá um exemplo: dá para
andar pelado na rua? Leis, se não seguir as leis, vai preso. Na nossa sociedade não pode
[andar pelado na rua].
B. diz: Depende da sociedade. A grande maioria pensa igual por causa da TV.
P.: Quem não é manipulado é que tem cabeça. O comportamento tem a ver com o hábito, usar
saia, calça. Antes mulheres usavam saia, não podia mostrar as pernas.
B. diz: Muita gente não está nem aí... É pouca gente prestando atenção na nossa discussão. Faz
referência aos colegas que não prestam atenção, não participam da discussão.
P.: Tem gente que não está interessado, tem gente dormindo. Vem para a escola para dormir...
Não pode ficar dormindo em casa... Os pais mandam para escola... Tem as regras... A escola...
Entram em uma discussão sobre comportamento.
P. refere: Leis e regras. Quem faz as regras da sociedade? Somos todos nós.
B.: Como ser diferente então?
P. coloca: Pai e mãe e ainda tem todo o social... Tá certo? P. pergunta para mim.
P. Calça número 48 muito maior que o seu tamanho. Por que tá na moda.
C. Tá todo mundo usando calça. Quem quer ser diferente acaba sendo igual.
P. Porque as pessoas não tem atitude de refletir/de criticar? É uma questão de personalidade.
Como fica a tua identidade?
F. Pais cortam, pais proíbem direto. A vida é algo que tu tem que te arriscar para aprender.
P. Pais querem te proteger.
E.: Tem que chegar em casa e conversar. Eu cheguei e falei. Tava demais.
P.: Como viver a nossa liberdade?
B.: Meu pai disse: Tu só é independente depois que tu pagar as tuas contas.
P.: Quando isso vai acontecer?
B.: Depois que eu me formar...
F.: Eles (pais) acham que a gente é idiota.
P. Chama atenção dos grupos que estão conversando.
P.: Estamos refletindo sobre nossos comportamentos. Vocês já são a sociedade. Todos nós
somos. De que forma a gente melhora? Como ter atitude, ter independência?... Muito cedo é
difícil, por vocês serem muito jovens... Mas se não passarem nunca vão conseguir crescer... A
225
gente cresce, amadurece: agindo, pensando, refletindo. O que vocês gostariam que acontecesse?
Mudasse na vida de vocês? Já aconteceu algo que mudou?
D. Fala dos irmãos o tratamento diferente que os pais dão para o irmão mais novo. São 3 irmãos
um de cada pai. O mais novo é mais mimado.
P.: E o comportamento na escola, e as amizades? As amizades de vocês é por afinidade de idéias,
vocês se dão bem e o resto da turma? E complementa: as pessoas se juntam por afinidades.
B. e D. dizem: A gente se super bem com muita gente. Não é com quem tem afinidade. (B.
Fala de uma amiga que tem há 10 anos e que são muito diferentes, mas são amigas).
B. diz: Não há nada além da superfície.
P.: Vocês se conheceram na escola? P. pergunta para um grupo que conversa...
D. Dizem que sim.
P. refere que com a modernidade ficou mais fácil. Se comunicar, se relacionar.
B. diz: Eu não acho. TV mais a Internet fazem as pessoas ficarem em casa. Porque antes as
pessoas saiam na rua e agora ficam na frente da TV. Antes os jovens se posicionavam mais...
D. Eu odeio ficar dentro de casa parado.
P. Hoje não, é tão mais fácil (a comunicação).
D. Ninguém sai, todo mundo ficam em casa.
B. e D. colocam que: As pessoas pensam que não vai mudar, então eu não vou.
P.: Como a gente faz para mudar? O brigadiano veio aqui e falou, fez uma palestra.
B.: O cara do movimento estudantil veio aqui na escola e falou 5 minutos e cortaram porque não
pode ficar falando do governo. O político-vereador veio, e aí pode falar...
D.: Tem que fazer uma coisa grande, trazer uma palestra não vai adiantar...
B. comenta que de 20 pessoas, 7 estão prestando atenção.
P. diz que só uns 10 prestando atenção e se não é algo no quadro, não prestam atenção.
D. Aí não é aula, as gurias tão conversando. Tem algum momento na vida de vocês para discutir?
Na escola, em casa? As pessoas são muito fechadas, acabam ficando para elas. É por isso que
acabam tomando conta.
P. Refere que não tinha ouvido o aluno E. falar ainda... Aponta para E. Depois coloca que se todo
mundo falasse teria uma opinião mais concreta, caso contrário será apenas uma pessoa
rotulada/mandada por outras pessoas.
A. Fala se vale 1 ponto na participação... aí todo mundo vai prestar atenção.
226
Aula - 27/09/05
Artigos da Revista Mundo Jovem – PUC
P. comenta estar cansada.
O vídeo planejado não de ser passado pois a TV está com problema. P. estava cansada e
chateada pela TV não estar funcionando. Entramos juntas na sala de aula. Ela comunica a turma
de que o vídeo / TV está com problema e que o filme não poderá ser passado.
A turma diz (resmunga): “Ahhhh...”
Dizem: A gente arruma, já tentaram? Funciona no canal 4...
P. Tá sem o controle remoto.
A. Se eu soubesse trazia o meu de casa, funciona em todas as TVs... Também pergunta sobre o
texto anterior, se ela ainda pode fazer, se vale nota, se é para o terceiro trimestre...
P. brinca: “Ah! tu vais fazer?”...
P. mexe em seu material e comenta comigo: Será que eu continuo o que eu estava fazendo na
aula passada? Acho que vou dar esses textos que envolvem questões profissionais. É da Revista
Mundo Novo – PUC.
P. comunica à turma que vai distribuir textos e que é par eles lerem. O texto tem uma página. Ela
pede que eles leiam e que não risquem nem amassem as folhas, pois ela precisaria para outras
aulas.
A. comenta que é muita coisa para ler.
F. Diz que a folha já tá riscada.
Eu pergunto para a professora se muitos vão fazer vestibular, ela diz que são poucos. Pede para
levantarem a mão. Uns 5,6,7 levantam a mão.
P. Pergunta para que vão fazer.
B. diz: História.
P. comenta que ela tem mais a ver com Sociologia...
G. diz que quer Publicidade e Propaganda ou designer gráfico.
D. diz que vai fazer vestibular, mas ainda não sabe para que.
C. diz que quer fazer para Artes Cênicas. Teatro...
P. Comenta que ontem assistiu a um show de mímica muito interessante.
C. faz cara de nojo e diz: Não eu quero TV, falar muito, quero ser apresentadora...
227
H. Quer ser veterinária (ela fala isso para uma colega que fala por ela). Alguns colegas pedem
para ela falar, pois querem ouvir a voz dela... [H. é uma aluna muito tímida e que praticamente
não fala em sala de aula].
P. É chamada para dar atividades para uma turma que está sem professor (Química). P. Vai
adiantar o último período. Pede para eu fazer a chamada e pergunta se eu não quero fazer alguma
atividade com eles... digo que não tenho nada preparado... P. pega alguns textos e vai até a outra
turma.
Quando P. retorna, bate uma pessoa na porta e pede para dar um recado / conversar com a
turma, ela é da Faculdade MC. Faz propaganda de cursos profissionalizantes que estão sendo
oferecidos pela faculdade ao Ensino Médio da rede Estadual.
Tem um discurso “marketeiro” do mercado de trabalho. Os alunos estão muito atentos. P.
parece desconfortável.
A pessoa que está apresentando os cursos enfatiza o que vai ser trabalhado nos módulos.
1) Grupo:
Hotelaria / turismo
Marketing / propaganda
Evento / Promoção
Work up
2) Grupo;
Manutenção de mirco-computadores
Técnico de som
Iluminação
Conserto tunning / work up – carro
Aula dia 03/outubro/2005
Quando estou chegando à escola encontro com todos alunos da turma S e pergunto se
haviam sido liberados. Dizem que sim e explicam o que ocorreu.
A turma foi liberada após o período, pelo fato de dois professores de outras disciplinas
terem faltado. Desse modo, P. antecipou o período de Psicologia que teria com a turma F. Assim,
durante o 1º período repartiu-se em duas turmas.
Entro na escola e procuro por P., encontro-a com a turma que no horário escolar tem
Psicologia naquele período, no caso o período. Conversamos um pouco e pergunto se eu
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poderia estar fazendo a proposta de atividades para a turma F a partir da semana do dia
10/outubro/05. P. diz que sim. Ventilo a possibilidade de estar trabalhando em oficinas com
alguns materiais tais como: recortes de revista, músicas, poesia, máquina fotográfica, câmera
filmadora... P. coloca achar muito perigoso trazer filmadora, pois pode acontecer qualquer coisa.
Pergunto o quê? P. diz que tem perigo de roubo, não necessariamente por parte dos alunos, mas
pelos amigos deles... Diz ainda que acha que é preciso que a direção autorize o uso da filmadora.
Faço um movimento de quem sabe desistir da idéia, mas P. diz que é para eu pensar, pois está na
verdade, preocupada com a minha segurança.
Vamos conversando até o portão da escola, que é gradeado e trancado com cadeado, P.
fala das aulas que tem dado que estas são muitas, que está com os horários tomados e ainda tem
substituído a professora da noite e que provavelmente essa professora não volte mais, pois está
com problemas de saúde na família. Refere que esta outra professora utilizava o espaço da sala de
aula para falar de questões pessoais e que os alunos não gostavam disso.
Comenta ainda que no terceiro trimestre acontece o “quero-quero”, momento no qual
professores escolhem os horários com os quais vão ficar no ano seguinte. Refere que é um
momento tenso, pois isso está diretamente relacionado às suas vidas.
Aula dia 04/outubro/2005
Converso um pouco mais com a turma F sobre o trabalho de pesquisa que estou
realizando, coloco que tenho acompanhado algumas aulas e que agora desejo passar para um
outro momento [ o 2º] no qual vou propor algumas atividades para que eles possam me ajudar a
pensar sobre a Psicologia no Ensino Médio. Faço algumas perguntas, entre elas, se a turma tem
alguma idéia do por que que a Psicologia é uma disciplina opcional no currículo do Ensino
Médio, ao que um aluno responde: “é porque não querem que a gente pense, é por isso que
Sociologia e Filosofia também não fazem parte do currículo. O aluno continua colocando que:
“Depois da ditadura foi isso que aconteceu”... entende? Ah eu acho que foi isso... são disciplinas
que fazem a gente pensar.” Digo que é interessante isso que G. está colocando e que é isso que
gostaria de estar vendo com eles, ou seja, o que pensam sobre este tema: Psicologia no Ensino
Médio e o que isso tem relação com a vida deles. Coloco-me totalmente à disposição para
dúvidas e pergunto se querem mais esclarecimentos. Um outro aluno pergunta: “Mas tu vai
analisar a gente?”. Respondo que não é esse o meu objetivo, que o que pretendo é que o grupo
pense comigo, não vou analisar o motivo pelo qual C. disse x ou y, relacionando o que disse com
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a pessoa que disse, mas que vou analisar o que o grupo for trazendo em um contexto bem geral,
fazendo ligação de tudo o que for dito, com a Psicologia no Ensino Médio e não com o
comportamento deles.
Esclareço outros pontos tais como: cada um poderá optar se deseja ou não participar deste
trabalho; será preciso assinatura de um Termo de Consentimento; que a pesquisa que faço é um
trabalho no qual proponho algumas linhas norteadoras, mas que está aberto para uma construção
em conjunto com o grupo. Assim o grupo poderá fazer propostas, dou como exemplo a
possibilidade deles estarem pensando as perguntas para as entrevistas que faremos no terceiro
momento do trabalho. Penso em ter com a turma de sete a oito encontros e depois chamar em
duplas ou trios para as entrevistas. A turma refere não ter mais dúvidas e então encerro minhas
colocações dizendo que na semana que vem darei os Termos de Consentimento para que todos
possam levar para os pais ou responsáveis assinar.
Logo que termino, a professora distribui um texto, pedindo para que leiam e retirem as
idéias principais. O título do texto é Viver é mais do que estar vivo, retirado pela professora, de
um site na internet chamado Mundo Jovem. A aula gira em torno deste texto, alguns trabalham
no texto, outros conversam, alguns ouvem música no celular ou walkman, uma aluna preenche
um currículo que quer entregar em locais para conseguir estágio...
Após o término da aula P. e eu vamos fazer a reserva para a sala de vídeo. Neste momento
a diretora assina o Termo de Consentimento Institucional.
Ao chegarmos à sala da secretaria da escola, encontramos D. e sua namorada sentados na
salinha de entrada. D. é aluno da turma F e havia sido retirado da sala logo que o período de
Psicologia tinha começado. D. e sua namorada foram retirados das suas respectivas turmas por
estarem, durante período de aula, namorando no corredor da escola.
Aula dia 10/outubro/2005
Fiquei impossibilitada de ir à escola. Liguei para a escola comunicando e o recado não foi
passado à professora.
Aula dia 11/outubro/2005
Peço desculpas à turma por não ter conseguido vir até a escola na aula passada e explico o
motivo. Reitero o pedido de desculpas, ao que alguns da turma dizem rindo e parecendo um
pouco surpresos com tanta explicação: “Tá professora, não precisa explicar tanto”...
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Levo o projeto com todas as atividades “norteadoras” do meu trabalho de pesquisa e
distribuo para a turma. Explico quais são as atividades propostas e como as mesmas vão
transcorrer, distribuo os Termos de Consentimento e digo que podem mostrar aos pais ou
responsáveis o projeto para eles saberem o que estará sendo feito na pesquisa. Coloco que os
grupos poderão utilizar uma máquina fotográfica e uma filmadora, caso queiram fazer uso destas
tecnologias para a realização das atividades e/ou registro das mesmas. Pergunto se há dúvidas.
Coloco que quem não quiser participar do trabalho terá aula normal com a professora P. Uma
aluna pergunta sobre como ficará a avaliação. P. diz que eu estarei avaliando a turma. Digo que a
avaliação vai se dar durante os encontros e que faremos isso juntos. Fica acertado que no dia 17
de outubro iniciaremos as atividades da pesquisa. Nesse dia a aluna C., que é maior de idade
[sendo a única da turma nesta condição] assina o Termo de Consentimento e me entrega.
Logo após minhas explicações e esclarecimentos, P. distribui um texto Querer é poder,
e pede para que a turma trabalhe retirando as idéias principais do mesmo. Alguns trabalham,
outros conversam, escutam música... P. pede para um aluno abaixar o volume do walkman. G. faz
referência a um curso profissionalizante que começou e troca informações com os colegas que
estão à sua frente e a seu lado. A aula transcorre dessa forma. Ao final alguns alunos entregam o
texto com as perguntas respondidas, outros com as idéias principais. Têm alguns que o
conseguem terminar, outra diz que não fez mesmo... Bate o sinal para troca de período.
Diário de Campo - dia 17/Outubro/2005
Chego à escola com os materiais para começar as atividades propostas aos alunos.
Naquele mesmo dia haveria uma palestra sobre Atuação Profissional e as turmas do Ensino
Médio estavam sendo convocadas para assistir. A vice-diretora me pergunta se vai atrapalhar
muito meu trabalho, eu digo que havia planejado começar as atividades hoje. Ela pede então que
a turma fique na sala comigo. Começo perguntando quem decidiu participar do trabalho de
pesquisa e trouxe o Termo de Consentimento. Muitos esqueceram o termo, 5 trouxeram o termo
assinado. Digo à turma que talvez não para começar hoje, alguns (B. G. e E.) colocam:
“Nunca vai dar, é sempre assim... nunca dá... quem quer vai na palestra e quem quer fica para
fazer o trabalho”. Neste momento a professora P. chega e me diz: “É uma palestra muito
importante, sobre questões profissionais, eles têm que participar”, respondo que tudo bem, que
podemos começar amanhã. Dois alunos se levantam e dizem: “É vamos para a palestra”. P.
continua dizendo: “Vou ver se dá pra vocês entrarem e volto”. Volta: “Peguem cada um a
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sua cadeira e podem ir... [altera a voz e passa a falar bem alto] eu disse pra pegar a cadeira e ir, se
mexam, vocês ficam sentados aí sem fazer nada, levantem as bundas daí e peguem as cadeiras!!!”
A turma fica olhando meio sem reação pra ela e alguns alunos dizem: “Tá calma professora...” ao
que P. responde: “Vocês vivem dizendo que a escola não oferece nada, depois ficam reclamando,
mas quando tem, nem dão bola... Vamos lá... H. se tu não quiser ir, não precisa, pode ficar. Quem
quer ficar, fica pra fazer as atividades com a Karina”. Depois P. me diz: “Quem trabalha são
esses aí mesmo, os outros não estão interessados, quem fala são esses que ficaram”. Um grupo de
8 alunos fica em sala para fazer as atividades. Distribuo o material (cartolina, revistas, jornais,
cola, tesoura) e as perguntas e dou as orientações/explicações.
O movimento dos alunos é meio “tímido”, ficam um pouco paralisados com os materiais
(as revistas principalmente). Comentam que é um pouco difícil falar sobre isso referindo-se à
primeira pergunta : 1. Como tu vês a psicologia na escola? Como deveria ser? 2. O que a
psicologia poderia tratar na escola para ter relação com a minha vida? Como isso poderia
ser feito? 3. Em que situações a psicologia torna-se importante? E. comenta que “é difícil
falar com imagens”, digo que pode ser como quiserem, com imagens, palavras, pode ser
escrevendo nas cartolinas... Mas continuam manuseando as revistas... Alguns lêem, outros
recortam algumas coisas. Falam pouco. J. se afasta do grupo e senta na sua cadeira com uma
revista e fica lendo. Duas meninas ficam fazendo as atividades da aula anterior e não participam.
Trabalham nas atividades propostas 2 alunas e 3 alunos, os outros 3 alunos ficam olhando e lendo
as revistas. A professora permanece na sala de aula. Fico um pouco deslocada, me sinto um
pouco deslocada. Pois parece que não posso interferir no que eles estão fazendo. Me aproximo de
P. para dizer que penso que continuarei os trabalhos com este grupo, ela diz que o restante
pode fazer as atividades amanhã...” Comento que talvez ficasse complicado pois este está
montando e estaria mais adiantado...” P. insiste que o restante da turma participe, reafirmo
dizendo que creio não ser uma boa idéia. Decidimos que ficarei na biblioteca com este grupo
menor e farei todas as atividades com ele, depois quem tiver interesse em participar das
entrevistas, pode participar. P. está muito chateada hoje, pois os alunos das turmas onde estava
anteriormente estavam “impossíveis”. P. explica que antecipou o último período e que os alunos
da turma na qual estava antecipando período, amassaram as folhas que ela tinha distribuído, que
“fizeram bolinhas e ficaram jogando uns nos outros pela sala de aula”. P. diz que perguntou a
eles: “O que eles esperam da vida, o que eles esperam para o futuro, se eles não conseguem nem
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responder umas perguntas muito simples, se eles não conseguem pensar... o que eles esperam que
aconteça?”. A resposta que P. refere ter recebido foi: “Que futuro? Se uma bala perdida pode me
encontrar?”, “que futuro? Não tem futuro?”. P. continua: “O que eles pretendem, vão continuar
nessa vida, roubando... eles não querem nada com a escola, não tem limites, os pais não dão
limites. A gente sabe direitinho quem tem pais que dão limites e quem não tem. fica essa
bagunça... eles estão muito cansados, é terceiro trimestre... os professores estão cansados,
também se os professores não estão nem aí, ficam faltando as aulas, o que esperar dos alunos...
Hoje, hoje, faltaram dois professores e as turmas serão liberadas antes do recreio”. Digo: “É
tem momentos em que as coisas parecem ficar mais intensas e difíceis”.
Volto para perto do grupo e vejo que 4 deles conseguem colar algumas figuras e
palavras... H. prefere fazer um cartaz sozinha e vai recortando letras para depois formar um texto.
O tempo está terminando e sugiro que se eles quiserem podem levar 1 ou 2 revistas para casa e
recortar o que acharem interessante para trazer amanhã e terminar de colar. Acham uma boa
idéia. Decidimos então que continuaremos com este grupo na biblioteca amanhã.
Diário de Campo - 18/Outubro/2005
Chego à escola e a vice-diretora quer falar comigo. A professora P. disse à vice que eu
não poderia estar trabalhando somente com um pedaço da turma, teria que trabalhar com todos ou
com nenhum. Enquanto estou explicando que não posso obrigá-los a participar, pois é uma
pesquisa, a vice-diretora demonstra interesse em saber mais sobre o trabalho, pois ela achou que
era estágio de prática de ensino. A coordenadora estava na sala e esclarecemos para a vice-
diretora sobre o que se tratava o trabalho em questão. A vice-diretora pergunta como ficariam os
que querem participar do trabalho e foram à palestra, pois quem foi palestra] estava realmente
interessado, afinal a palestra era sobre Escolha Profissional e tinha tudo a ver com Psicologia.
Digo que P. concordou que uma pequena parte da turma ficasse em sala para fazer o trabalho que
eu estava propondo e que inclusive ela havia mencionado que os alunos que ficaram são bastante
interessados em fazer as atividades e que os mesmos são os que mais participam da aula. A vice
pergunta quem são os alunos, digo alguns nomes e ela diz: “Ah o G. sabe como é... a gente não
pode confiar...”
Neste momento, havia batido para o segundo período, e P. estava à minha procura.
Quando P. chega coloco que havia pensado então em trabalhar com pequenos grupos por vez e
não ao mesmo tempo, pois agora as etapas dos trabalhos estariam diferentes, pois um grupo
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havia começado a montar o cartaz e estava bastante encaminhado. P. intervém dizendo que:
“Aí já vai ser dezembro!”. A vice coloca que é para eu atender a todos e que quem está mais
adiantado deve fazer outras coisas, devo ocupá-los com outras coisas. Acabo concordando e
vamos para a sala.
Comento com P. que não posso obrigá-los a participar da pesquisa e de qualquer forma a
turma vai se repartir em dois grupos, ou seja, em um que efetivamente vai realizar as atividades,
pois quer participar do trabalho de pesquisa e em um segundo grupo que não quer. P. concorda
dizendo que o grupo que quer participar deve ficar na aula e o outro vai para a biblioteca com ela.
na sala, tomo a palavra e peço que quem tem desejo de participar levante a mão e diga,
quem não quer não será punido nem vai “perder nota”, pois este não é um trabalho obrigatório. O
resultado é que metade da turma, ou seja 14 alunos ficam comigo para realizar as atividades e o
restante, mais ou menos 13 alunos, vai com P.
Distribuo material e o grupo A que havia iniciado as atividades no encontro passado, fica
completando o que não havia dado tempo de terminar, ao passo que os dois novos grupos
começam a compor seus cartazes neste encontro.
O trabalho está agora sendo composto por Grupo A G., B e E. Grupo B H. e A.
Grupo C- D., L., N. e O. e Grupo D - M., Q., C., J. e F.
No começo A. fica fazendo outras atividades e digo que se ela não quer participar que ela
pode ir para a biblioteca onde a turma se encontra com P., A resolve ficar e começa a trabalhar.
Do grupo D: F. e J. ficam lendo as revistas e não colaboram com o grupo, chego até eles e
pergunto o que está sendo difícil, eles dizem que as revistas são muito antigas (2004/2005) e que
eles precisam de revistas mais atuais, da semana de preferência, para eles se atualizarem,
começam a rir... “Não, a gente dando uma olhada”. J. diz: “Eu achei” e lança mão de uma
figura de mulher de biquíni e diz: “Isso que a Psicologia deveria tratar...” ao que digo: “Ok,
coloca no cartaz”, o grupo diz que não, que isso não tem nada a ver. Digo: “Conversem sobre isso
pessoal, pensem juntos o que tem a ver ou o que não tem a ver”. C. pega a figura e tira de cima da
mesa na qual estão trabalhando e coloca na mesa de trás. J. e F. seguem lendo as revistas...
Circulo um pouco pela sala e os grupos vão me solicitando, sinto-me diferente de ontem, mais à
vontade. G. pergunta se estou fazendo isso com a turma deles ou com mais alguma, digo que
com a deles, ao que ele coloca: “Que legal, a gente sendo privilegiado”. D. decide com o
grupo que eles vão responder as questões escrevendo e que cada um fará uma resposta e depois
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discutirá entre eles. Eles terminam as respostas e pedem para eu ler, para ver se está certo. Digo
que não tem certo ou errado, mas que o interessante é ver o que eles estão pensando sobre essas
questões, mesmo assim eles insistem: “Vê se não tem erro de português”. Leio as respostas e digo
que estão expressando a opinião deles em relação à Psicologia e que estão interessantes. Mais
para o final eles decidem que vão colar algumas figuras, pois todos os outros grupos estão
colando figuras, o cartaz deles vai ficar sem. Pergunto a todos se eles querem se fotografar,
que eu trouxe máquina fotográfica, se eles quiserem... J. pergunta, rindo, se é máquina digital,
pois se for digital ele vai querer bater foto. Digo que a máquina não é digital. Os grupos
aceitam e tiram uma foto de cada grupo. Ofereço à máquina à H., quando ela vai tirar do seu
grupo vizinho diz: “Eu tenho medo de errar...” Coloco: “Deixa eu te ajudar, é assim (mostro onde
olhar e apertar), vai dar certo.” H. é uma menina negra que não fala em sala de aula,
simplesmente não “emite um som”, faz todas as atividades que são solicitadas, mas não se
manifesta verbalmente nunca.
Os trabalhos transcorrem muito bem. Nenhum aluno fica ouvindo música no head fone,
eles se comunicam, conversam, mas de forma bastante tranqüila. Os cartazes ficaram
praticamente prontos. Toca o sinal, eles me ajudam a recolher o material. P. está me aguardando
na porta da saída da sala e me acompanha até a saída da escola. Pergunta como foi e digo que foi
tudo bem que os grupos participaram das atividades. P. coloca: Eles (os alunos que ficaram com
ela) me disseram que não quiseram ficar por que não se interessaram pela proposta da aula”.
Digo: É, na verdade não é proposta de aula, é uma atividade de pesquisa”. P. diz: “Eu tinha
feito isso de colar figuras em cartazes, eles até fazem, mas depois na hora de pensar, não sai
nada... isso é que é difícil para eles, pensar...” Digo: “Bom, vamos ver”.
Diário de Campo - dia 24/Outubro/2005.
Novamente a questão da participação da turma toda nos trabalhos da pesquisa é solicitada
pela vice-diretora. A Vice-diretora alega que os conteúdos vão ficar defasados e que as atividades
devem ser as mesmas para a turma toda. Fica estabelecido que no encontro seguinte toda turma
terá de ficar em aula mesmo que eu outras atividades para a parte que não quer participar da
pesquisa.
Neste dia a turma ainda foi repartida em dois grandes grupos. Um foi com P. para a
biblioteca e outro ficou comigo na sala de aula. Ao sair da sala de aula com seu grupo P.
recomenda: “Não deixa ninguém sair da sala, nem para ir ao banheiro, pois saem e depois ficam
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passeando pelos corredores. Todos têm que participar!” P. ainda diz: “Essas duas alunas I. e P.
querem ficar, não ficaram nos encontros anteriores, mas querem participar”.
Neste encontro iniciamos as discussões dos cartazes. Estavam presentes os participantes
dos grupos A, B, C e D bem como as alunas que optaram por ficar neste encontro. Deixei à
disposição uma máquina filmadora, uma máquina fotográfica e um gravador. Fiz referência à
possibilidade de uso destes equipamentos por eles. Ao que muitos disseram: “Eu não quero ser
filmado!!” Coloco que só vão utilizar os equipamentos se desejarem. As discussões começam e
logo uma aluna – L. pega a filmadora e filma o tempo todo. Outro grupo liga o gravador.
As discussões transcorreram de forma solta. Os alunos parecem à vontade para se
colocar. Nem todos que ficaram efetivamente se colocam, têm alguns que ficam na roda no
centro da sala e outros que ficam em um dos cantos da sala de aula, mas permanecem atentos ao
que está se passando, fazendo vez ou outra, algumas colocações.
Relato das discussões:
DISCUSSÃO CARTAZES - ENCONTRO DIA 24 DE OUTUBRO DE 2005
K – Hein gente (primeira pergunta...)
D – Sabe o que é ADD? Não sua anta quadrada.
K – ADD?
D – TODA? Sei lá!
G – Síndrome do Déficit de Atenção.
D – Tensão, que tensão?
K – É interessante que a psicologia pudesse falar disso também?
D – Claro! Mas a gente não é psicólogo para falar disso.
G – Eu acho é mais da biologia.
D – Isso não é doença do cérebro?
G – Vai te tratar então, vai num psicólogo!
D – Eu já fui.
G – Para que que tu acha que serve psicólogo?
D – Eu acho que psicólogo é coisa de louco?
Todos: Protestos – Não, nada a ver.
I – Quando tu tem um assunto que tu não consegue entender, tu vai conversar com o psicólogo.
B – Ele ajuda a tu resolver, ele não resolve, ele te ajuda a resolver.
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G – Ele faz tu te auto-conhecer.
I – Posso até conversar com uma pessoa qualquer, posso conversar com ela e entender um
negócio.
D Eu cheguei na psicóloga e ela mandou eu desenhar. Eu desenhei o que eu tiver vontade, daí
eu desenhei uma coisa para ela me tirar para louco. Desenhei um monte de gente morta. Eu
desenhei minha mãe e meu pai todo mundo sendo enforcado. Isso não quer dizer que eu não sou
normal.
K Acho que tem uma coisa que vocês estão falando, que é: de que jeito a Psicologia trata
determinados assuntos.
D – É daí depende do assunto.
K Vocês tão falando um pouco da psicologia clínica, da Psicologia que faz diagnóstico... e a
Psicologia na escola? Ela não tem um outro papel? De que jeito a Psicologia entra e está na
escola? O que vocês acham?
N Uma vez eu fui na psicóloga. Eu briguei na escola e me mandaram para a psicologia. Eu
cheguei lá, e tinham me dito que se ela me mandasse desenhar era para fazer um desenho bem
colorido. Eu fiz e a psicóloga me disse: Tu tá bem!
Colegas – É até hoje tu tá bem... risos...
K – É... E não necessariamente a Psicologia vai resolver tudo...
Pe Estuda várias coisas, mas não que resolver. Eles acham que vão estudar o ser humano o
que ele pensa te observando, mas nada a ver, tu fala o que vem na tua cabeça, o que tu tiver
vontade. Ninguém é louco de andar com um papel tipo Chico Xavier, isso não existe!
G – Claro que existe meu!
B – Tá mas daí já vai o lado da religião.
D – Eu não acredito no que eu não vejo.
K Vocês tão falando de psicodiagnóstico, de contar quais são os problemas, as dificuldades...
mas será que não tem uma Psicologia que trata de um outro jeito das coisas? Pois é... o que mais
que a Psicologia faz para além dos testes, dos desenhos.
D – Ah, ensina como viver na sociedade. Mostra o que tu não pode em outros lugares, eu acho.
C – Fala sobre mercado de trabalho.
N – Por que será que no sonho as pessoas morrem?
D – Eu já me joguei duma ponte.
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B – Eu já sonhei que tava caindo do prédio...
Todos falam ao mesmo tempo.
K – Vocês já pensaram a morte e vida estão sempre juntos?
K – Vamos puxar a primeira pergunta.
N – Como tu vês a Psicologia na escola?
D Vemos que a Psicologia na escola serve principalmente para a educação social, em como as
pessoas devem se portar na sociedade moderna.
D É o que eu to dizendo, tem coisas que tu não hoje em dia que a psicologia te ajuda a
enxergar. Tipo a desigualdade, um monte de coisa assim que acontece.
B – Mas a gente não fala sobre isso, pelo menos na nossa sala a gente não fala sobre isso.
E A professora... também acho que nem sabe o que é Psicologia... (Alguns concordam, outros
não...)
D – Tipo isso que a gente tá fazendo, ela nunca fez.
E – Ela larga um trabalhinho e deu.
D – Até o pessoal parar como a gente parou...
K – Me parece que isso é um exercício de poder falar, estar em grupo, compartilhar.
D Isso é uma coisa, eu não vou dizer cotidiana, porque não para fazer toda aula isso, mas
acho que pode ser uma vez por semana, já que tem 2 aulas por semana.
K – E isso é importante para o grupo se conhecer, poder compartilhar as opiniões.
Primeira pergunta vamos continuar.
D – Acho que uma coisa importante que a Psicologia podia trabalhar é sobre o presente.
B Mas a gente nunca falou sobre o presente. A gente sempre responde sobre perguntas de
textos, sobre o que a gente quer fazer da nossa carreira, da nossa vida, mas não sobre o mundo...
sobre a desigualdade.
D – Mas eu acho que a Psicologia poderia ensinar sobre isso, não é?
K – Eu acho que sim.
C – Não, mas ela tá perguntando assim: o que a Psicologia mostra não o que a gente tá
aprendendo com a professora.
G Como a gente vai se portar perante toda essa desigualdade mundial. O que a gente pensa, o
que a gente pode fazer, como a gente vai se portar diante disso, o que significa o que a gente
pensa, ela quer mostrar isso. Não diretamente sobre os pobres, os muçulmanos, os iraquianos.
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D – Como a gente vê isso, não é o que tu quer dizer?
K– De que jeito dá para compor as aulas de Psicologia? Dá para fazer parte filmar...
N - ?
K – Pois é, o que mais dá para fazer parte das aulas de Psicologia?
N – Antes a professora só dava textos pra nós tá e aí mandava lê. Sempre aqueles textos cheios de
letra.
D – É... se tem um ou dois que gostam de ler...
K – No fim das contas também é importante saber ler.
D – Se eu não gosto de uma coisa eu não gosto. Uma coisa que eu não gosto é ler.
K – Tem coisa que a escola exige... que a gente faça enquanto aluno.
D Tem coisas que eu não vou fazer porque eu não gosto, eu sou assim e pronto. É a minha
idéia.
K– O que mais a gente pode pensar?
Bateu o período.
No final do encontro, coloco que toda a turma estará junto no encontro que vem, pois a
vice-diretora determinou que deve ser assim. Os alunos reclamam e dizem que “É sempre
assim!”, fazendo referência à vice-diretora. Coloco que tem questões que são da escola e que
existem momentos em que teremos que acatar as regras. P. vem à sala e pergunto à ela: “Amanhã
a turma toda estará participando, não é?”. P. responde que sim. Pergunto aos grupos como
querem fazer, se preferem continuar as discussões amanhã ou se iniciamos outra atividade.
Optam por decidir amanhã.
Saio da escola me sentindo dividida. Por um lado mais animada, pois o trabalho está
caminhando, está “tomando corpo” em função do que os grupos conseguiram ir produzindo nas
discussões bem como da parceria que parece estar se estabelecendo entre a minha pessoa e eles.
No entanto, por outro lado, sinto-me sem saber ao certo como administrar essa questão de toda a
turma ter que estar participando da pesquisa. Não sei ao certo o que fazer com a outra parte da
turma que estará participando a partir de amanhã. Fico um pouco ansiosa e pensativa. A escola e
suas amarras...
239
Diário de Campo - dia 25/Outubro/2005.
Chego à sala de aula e toda a turma está lá. P. fala: “Vou fazer a chamada”. A aula está
completa, não cadeira para eu sentar. Fico em na frente da turma e P. fazendo a chamada...
Sinto-me uma intrusa... P. termina a chamada e diz: “Hoje vamos ficar juntos, todo mundo tem
que participar”. Passa a palavra e eu inicio colocando o que os grupos que estavam no encontro
anterior preferem fazer, se continuar com a discussão ou dar início a outra atividade “Invenção de
Histórias”. Rapidamente colocam que querem dar continuidade às discussões e “quem quer falar,
fala e quem não quer não fala”. Fazem um círculo no centro da sala e apenas 5 alunos e 2 alunas
sentam no círculo, o restante fica espalhado pelos cantos da sala. A professora da turma
permanece na sala e fica na sua mesa escrevendo. L. realiza as filmagens e I. liga o gravador.
Alguns alunos permanecem calados durante toda a atividade. Um casal namora e depois dorme
na classe. Houve uma necessidade de eu estar estimulando o grupo a discutir e se colocar.
Relato das discussões:
CONTINUAÇÃO DISCUSSÃO CARTAZES
ENCONTOR 25 DE OUTUBRO DE 2005
M – Deu tudo certo com a filmagem? Não saiu tremido?
K – Ontem eu olhei, deu tudo certo. Só tremeu um pouquinho.
C – Tá quando a gente vai assistir a filmagem, ver as fotos?
K – Quando a gente terminar cada etapa. Hoje a gente tem que fechar a apresentação dos
cartazes, das 3 perguntas. Daí a gente pode assistir a filmagem na aula que vem. Vamos ver o que
eles responderam na primeira pergunta.
O – Como tu vês a Psicologia na escola? Resposta do cartaz escrito.
K – E o que significa aquela figura que tu colocastes ali? É gente fila? É fila de que Re?
D – É fila de fome.
E – De emprego. Não foi o que tu falou de busca de emprego.
K – O que será que a psicologia tem a ver com isso?
G – Como a pessoa deve se portar diante de uma entrevista de emprego? Como deve se portar, se
a galera vai de cabelão loco... tem que ir arrumadinho. Como a pessoa tem que se tratar.
K – Tá e o outro cartaz? 1ª pergunta (caldeirão).
B – Turbilhão de idéias, local para desenvolver como pensamento.
240
K Temas quais os temas que vocês acham importante? Mercado de trabalho Entrevista
Como se portar
D – Eu acho que é principalmente isso: como se comportar na sociedade.
K – E os outros o que acham? (não falam muito)
B – Como a sociedade é hoje.
G – A sociedade é violenta, meu. O cara no trânsito, ele xinga, bate... não chega conversando.
G e D Os cara chegam tacando cadeira no professor. Antigamente era o professor que tocava a
cadeira no aluno.
K Nem uma coisa nem outra, né? Mas tem que pensar (o que produz isso). O que mais que a
Psicologia pode tratar?
D – Pode várias coisas. Pode tratar de louco (risos).
G Tem uma amiga minha que faz Psicologia, faz francês, basquete, ela faz um monte de coisas
junto, tem a agenda cheia... ela faz Psicologia porque sei lá, não sei...
C As diferenças do homossexualismo. Lendo a pergunta. Eu vejo com muita clareza sobre
todas as diferenças do mundo e das raças. Tudo que precisamos a Psicologia pode nos mostrar:
Educação, raças, diferenças, pobreza, futuro melhor, sexo (risos).
K –grupo – 1ª pergunta. Leio o cartaz, pois os participantes não estavam na sala de aula neste
dia: Vejo que a Psicologia é um modo de se relacionar com as pessoas (não vou poder falar das
figuras, pois quem compôs o cartaz é que poderia falar delas). Vamos para a 2ª pergunta
(dificuldade de definir quem fala...)
C. se coloca e diz: Deveriam ser feitas aulas de debate, teatro (risos) coisas assim para gente
entender melhor. Peça de teatro.
G – Tá teatro, e se a gente fosse fazer teatro tu a participar?
C – Claro.
G – Tá e os demais?
Obs.: Surge uma discussão de que nem toda turma participaria. Coloco que precisamos de platéia
quando se faz teatro, ao que um aluno responde: ah, então pode ser teatro de bonecos. Digo: Por
que não? Vou colocando que poderíamos pensar como uma peça de teatro faz a gente pensar...
faz ter idéias mesmo quando somos só platéia.
Dou como exemplo o que uma aluna produziu um Rap que ela queria cantar dizendo que a
música também aciona coisas na gente.
241
G Falar numa peça sobre os assuntos cotidianos das pessoas tipo um evento: - O cara no
trânsito e começa a xingar para gente entender melhor.
K - Vamos para a resposta 2.
D – Psicologia deveria tratar...
K – Será que educar para sociedade é preparar para o mundo de trabalho não é algo amplo?
D – Educar em casa, não só no colégio. (Dá um exemplo de jogar a cadeira no professor).
G – Tá, mas tu quer dar uma aula legal, qualquer coisa que tu fala tipo da mãe dele ele quer dá
em ti. O cara não quer se ajudar...
K – Tento puxar para ver as coisas mais cotidianas que isso também faz parte delas.
Digo: olha lá o que vocês colocaram “Quem não faz toma”, “Destino”, “Favela Globalizada”.
G – Agora que tu falou eu pensei: seria um monte de produto, carro que é alemão, com motorista
francês, que bebendo vinho escocês, isso que é globalização. Favela globalizada o que é?
Vários produtos do Paraguai, um que é nordestino...
Bateu o sinal para troca de período.
No final do encontro, desço com P. que me diz: “Tem duas alunas super boas, aplicadas
que não estão gostando das atividades, pois elas preferem os textos, as coisas mais concretas.
Vou dar um jeito de tirá-las de cantinho da aula. Dou os textos para elas e elas podem trabalhar
na biblioteca”. Digo que não sei se é uma boa idéia... se todos têm que participar... Estou
realmente incomodada com a situação. Digo: “Olha P. eu quero ser bem franca contigo, se o
trabalho que estou fazendo está atrapalhando o andamento das aulas eu paro e realizo as
entrevistas. Tu decide, fica bem à vontade”.
P. diz: “Não, não tem problema. Eu sei que é difícil conseguir escola. Pode continuar, não
está atrapalhando, e nessa altura do ano ta todo mundo cansado. Sei que tem poucas escolas
com Psicologia e a maioria é noturno e técnico. Digo: “Está certo então, até semana que vem”.
Diário de Campo - dia 31/Outubro/2005
O período foi oficialmente antecipado. Agora seo primeiro período nas segundas-feiras
e o segundo período nas terças-feiras. P. não havia me avisado. Recebi uma ligação as 7:52 da
manhã de segunda-feira no meu celular, retornei a ligação as 7:58 mas P. não atendeu. Eu
estava à caminho da escola. Chegando P. me comunica o que havia acontecido, dizendo que
tinha me ligado. Explico que retornei a ligação. P. diz: “Liguei no celular e na tua casa, tu não
242
atendeste, estava dormindo?”. Refiro que estava a caminho da escola. P.: “Pois é agora a aula
terminou, eu não sabia que tinham antecipado o período, pois não venho na escola nas 5ªs e 6ªs”.
Digo que é uma pena, mas que não nada a fazer. Nos despedimos. Fico muito incomodada,
parece que as coisas não andam...
Diário de Campo dia - 01/Novembro/2005
Sugiro à turma que podemos dar início à próxima atividade que será inventar/criar uma
história da forma que desejarem e que nesta história haverá apenas um personagem que
obrigatoriamente deverá estar na trama: um/a psicólogo/a. O restante, ou seja, tudo que fará parte
da história será inventado por eles/elas. Digo que terão de usar a imaginação.
Penso em dividir a turma em 3 grupos. Um aluno coloca: “é, três grupos com 7 ou 8 componentes
cada”. P. diz: “Não, no máximo 4 em cada grupo”. A turma se mobiliza para que se formem 3
grupos. P diz que tudo bem.
Grupos com 7 ou 8 participantes se formam e iniciam a atividade.
Grupo A Meninos G., E., O. e outros colegas... (a maioria do grupo não desejava participar da
pesquisa, coloco aqui só os 3 alunos que participaram com o devido consentimento).
Grupo B - Meninas A. ... (a maioria do grupo não desejava participar da pesquisa, coloco aqui só
a aluna que decidiu participar e assinou o termo de consentimento).
Grupo C - Meninos e Meninas M., J., C., D., N.... (a maioria do grupo não desejava participar da
pesquisa, coloco aqui só os 5 alunos que participaram com o devido consentimento).
No início circulo de grupo em grupo para ver se tem dúvidas e perguntam novamente o
que tem que fazer... explico para os 3 grupos individualmente. Os grupos trabalham. No Grupo
A, G. se mobiliza e monopoliza a escrita da história. O restante do grupo fica bastante quieto,
tendo uma participação quase nula. No Grupo B umas 3 meninas dão idéias e uma delas escreve.
Neste grupo 1 menina faz palavras cruzadas. O Grupo C tem participação de todos, discutem
sobre personagens, sobre drogas, maconha, psicólogo louco, psicóloga, Creusa (da novela das
20hs)...
Circulo um pouco em cada grupo. Em um certo momento sento ao lado de P. e esta coloca
que está passando um vídeo do Sebrae sobre como ser empreendedor como ter seu próprio
negócio para todas as outras turmas. Diz que este vídeo é muito bom e que tem um livro que vem
junto e para fazer questões para os alunos. Começa a dizer o quanto é difícil para os alunos
conseguirem emprego, pois “eles não sabem pensar, não têm experiência, daí conseguem
243
trabalho manual. É a dificuldade da maioria. Tem duas alunas que conseguiram emprego agora e
ganham R$ 300,00 e estão felizes da vida... é isso que elas conseguem... e para elas está ótimo,
comprar suas coisinhas... por isso trabalho muito com essas questões de mercado de trabalho, é
para isso que a Psicologia é voltada no Ensino Médio aqui na escola”. Refiro o quanto a realidade
do mercado de trabalho é bastante difícil e que eles ainda são menores e por isso os salários
também não vão alcançar uma quantia muito alta... P. continua, agora referindo-se a sua
realidade: “Eu sempre pensei que ia trabalhar em escola particular, pois fiz todos os meus
estágios em escolas particulares, foram 5 estágios...nunca imaginei trabalhar em escola pública.
No final estou aqui, trabalhando em duas escolas públicas... sempre achei que seria muito difícil
trabalhar em escola pública, com uma realidade muito diferente das escolas particulares...mas
tive que me virar, pois tinha que trabalhar, aí comecei a trabalhar em escola pública. Isso que essa
escola não é das piores, tem uma realidade melhor do que muita escola por aí...”. Refiro que
devemos pensar porque a escola pública está neste lugar “difícil...” e do quanto existem muitas
outras questões que compõem esta dificuldade. P. pergunta a respeito do cronograma das
atividades que vou fazer com eles, pois atrasou um pouco. Verificamos os dias no calendário e
decidimos os dias que estaremos na sala de vídeo entre outras combinações, e que as entrevistas
serão realizadas somente com aqueles que realmente desejarem. As entrevistas serão realizadas
no final de todos os encontros que terei com a turma.
Fomos testar a fita com as gravações realizadas pela turma, no vídeo cassete da escola
para ver se o som se estava bom. Ao sairmos da sala de vídeo P. diz: “Nós temos uma máquina
filmadora igual a tua em casa, mas faz anos que a gente não usa, muito tempo mesmo!!” Digo
que essas máquinas são boas, apesar de serem mais antigas. Voltamos para a sala de aula que fica
ao lado da sala de vídeo. A turma continua trabalhando nas histórias. Circulo um pouco entre os
grupos. P. quer saber o que vou perguntar nas entrevistas para eles. Digo que vai girar em torno
das questões que envolvem a Psicologia no Ensino Médio, e que é mais para complementar o que
por ventura não tenha ficado muito claro durante os trabalhos. Digo ainda que gostaria de saber o
que ela está achando do trabalho e que podemos conversar sobre isso. Pergunto se eu poderia
entrevistá-la, P. diz que sim. Digo que ela também pode me entrevistar se ela desejar.
O sinal toca, um grupo quer que eu fique com o que produziram e os outros dois querem
terminar as histórias durante a semana. Digo que na segunda-feira iniciaremos o encontro com a
244
dramatização das histórias e que eles podem pensar como querem fazer isso, se desejarem trazer
alguma coisa podem trazer.
Diário de Campo - dia 07/Novembro/05
Neste dia o período de Psicologia seria o primeiro. Cheguei alguns minutos mais cedo na
escola e fiquei aguardando a chegada da professora L. no corredor em frente a sala de aula da
Turma F. O sinal bateu e na sala havia 2 alunos. Fiquei conversando com E. no corredor.
Falamos sobre escola, como ele vinha se dedicando aos estudos, do quanto se arrependia de não
ter estudado o suficiente na e série do Ensino Básico e assim acabou perdendo dois anos.
Falou da diferença que passar da para o ano. E., particularmente, realizou toda sua vida
escolar em uma única escola, sendo este ano no qual está, o ano em que teve que mudar de
escola. Diz ainda que agora no trimestre é que está mais dedicado, estudando mais. Refere que
é bastante quieto, muito “na dele”, que gosta de ficar ouvindo e prestando atenção no que os
outros falam, prefere ser assim, pois fica pensando em tudo que é dito. Refere ainda que na
série teve por um bom tempo (mais ou menos 1 mês) afastado da escola , faltando aula, pois
estava ajudando o pai na reforma da casa. Depois retomou às aulas e passou de ano.
Os alunos começam a chegar. A professora P. sobe atrasada. São 8hs. Entramos na sala e
P. diz que estava conversando com as professoras sobre a chuva e o alagamento que ocorreu na 6ª
feira passada. Continua me dizendo o que ocorreu com ela. P. me a palavra e começo a
conversar com a turma. Havia 3 grupos e cada um ficou responsável por contar uma história no
encontro de hoje. Porém, os alunos que ficaram com os textos escritos não haviam chegado
ainda. P. interfere dizendo: “Eu disse é melhor recolher do que deixar com eles, pois isso sempre
acontece, eles acabam esquecendo”. Pergunto se preferem assistir as filmagens realizadas por
eles durante as atividades. Sugiro que no encontro seguinte poderíamos dar continuidade às
histórias. Todos concordam e vamos até a sala de vídeo.
Quando nos deslocávamos para a sala de vídeo, encontramos dois colegas que estavam
chegando. Eles estavam com as histórias de dois grupos. Mesmo assim, todos preferem ir à sala
de vídeo. Ao entrarmos na sala, esta estava alagada, mas havia um espaço seco no qual nos
acomodamos. A professora diz que vai pedir para secar a sala. Colocamos a fita de vídeo e P.
desceu para buscar balde e material para secar o chão. Estávamos assistindo as filmagens
enquanto P. resolveu secar o chão. Tentou por alguns minutos, mas logo desistiu, pois havia
muita água e demoraria bastante. Sentou ao meu lado. Eu havia passado as fotos tiradas pelos
245
próprios alunos e estas estavam circulando. P. pede para ver as fotos. O período passa muito
rápido. Ao bater o deo ainda não havia terminado, faltava uns 5 min. Todos saem da sala e não
dá tempo de perguntar o que acharam...
Diário de Campo – dia 08/Novembro/05
Este encontro é no segundo período. Chego à escola e aguardo P. no corredor. Entramos
na sala juntas. Cumprimento todos os alunos. P. me dá a palavra. Começo perguntando o que eles
acharam do vídeo, ao que ninguém responde. Resolvo então começar a apresentação das
histórias. Pergunto como eles querem apresentar. G. diz que quer apresentar na frente. Vai ler.
G. lê e todos prestam a atenção.
Grupo I - 1ª HISTÓRIA - Dia 08 DE NOVEMBRO DE 2005
Obs.: G., O. e E. Entre outros componentes.
Este grupo estava composto por mais participantes,
apesar disso, faço referência aos alunos que deram seus termos de consentimento para esta
pesquisa.
Entre suas coisas guardou 40 dólares que ganhado fazendo artesanato no hospício. Entrou
na pequena pensão de dona Zélia e pediu um quarto. Acomodou-se e saio. Andando pela rua se
lembra de antigos situações que viveu naquela avenida e sua antiga moradia, “em ruínas” pois os
aviões bombardeou durante a guerra entrou entre escombros e um flech de sua vida veio em
mente ajoelhou e começou a chorar. Um garoto que passava o viu e chegou perto:
- Ah há, um homem desse tamanho chorando, não honra suas calças.
O homem num súbito impulso pegou uma pedra e abriu o crânio do pobre garoto seu
sangue. O garoto agonizava, seu sangue brilhava feito diamante e sua dor passou imediatamente
saio deixando para trás o garoto que viraria sobre para os corvos.
Não se deu por satisfeito, roubou um facão e a noite entrou no hospital infantil da cidade...
Na manhã seguinte não entenderam como 145 crianças forma decapitadas e suas cabeças
sumiram? Nenhuma pista foi achada, menos o cartão do psiquiatra a policia foi investigar o caso
o psicólogo não iria naquele dia, mas no seu armário foi encontrado 145 cabeças mas antes de
encontrarem forma até sua casa e o encontraram-no consumindo o sangue de Juliano Pascol.
O sol recém se levantara quando Sr. Juliano Pascol fora chamado até a sala do psicólogo
da casa de reabilitação mental Salgado Filho.
O psicólogo Dr. Martins espera seu paciente atenciosamente, pois este caso deram
como perdido. Quando iria se levantar de sua cadeira para ver o fim que seria levado o mesmo
246
entrou pela porta o doutor se assustou pois vestia-se muito bem, barba feita, cabelo penteado, e
roupa impecável. O doutor imediatamente pediu para se sentar o mesmo o fez. O “louco”
perguntou:
- É mais um desses teste de rotina.
- Não. É o teste definitivo, estará realmente preparado para sair.
- Então a noticia e extrema agrado.
- Pode dizer-se que sim.
- Bem, comecemos então.
- Ótimo!
- Seu nome e profissão.
- Juliano Pascol Geral da Marinha Mercante.
- Tem família?
- Perdi na guerra.
- Há daí vem sua insanidade.
-Depois de mortos não tenham nada para fazer
- Volte para seus aposentos.
O suposto louco se despediu e se retirou.
Após uma semana recebeu a noticia do Psicologia:
- Recebeu alta. Esta livre.
Lê pegou suas coisas em silencio e saiu.
Prenderam o psicólogo, mas as mortes das crianças continuavam mesmo com a prisão do
Dr. O mais incredível e que numa noite de outono. Foi encontrada uma mulher grávida enforcada
numa árvore, mas o mais incrível e que não foi encontrada a criança, mas sim vermes e muitos
vermes. Que ao caírem no chão formou a palavra Juliano Pascol.
Pergunto o que eles acharam da história. Não falam nada. A história do grupo de G. me
pareceu uma dessas histórias que poderiam compor o livro dos Anormais de Michel Foucault.
Logo após, o grupo de T., R. e S. ... lêem a sua história. T. pergunta se tem que ler na
frente? Digo que pode ser como ela quiser. Fica na sua classe e lê lá de trás.
247
Grupo II - 2ª HISTÓRIA – Dia 08 DE NOVEMBRO DE 2005
O DESTINO ÀS VEZES NOS SURPREENDE
Obs.: T., S. e R e outros componentes. Este grupo estava composto por mais participantes, apesar
disso, faço referência aos alunos que deram seus termos de consentimento para esta pesquisa.
Luis Carlos Pierre é um grande psicólogo. Desde quando começou a trabalhar nessa área
fazia sucesso, tinha ótimos resultados, pois sabe ouvir e aconselhar os outros como ninguém.
Tem uma esposa maravilhosa chamada Amélia, que o ajuda muito com seu trabalho. Mas nem
sempre foi assim.
Luis Carlos não andava muito bem, para ele a vida não tinha mais sentido, pois 3 anos
atrás aconteceu um acidente terrível. Luis deu uma passagem de avião para seu único filho, como
presente de aniversário de 18 anos, aonde ele iria para a Flórida, conheceria pessoas diferentes e
muitas coisas novas, mas onde foi acontecer um terrível acidente. O avião, no qual o filho de Luis
Carlos estava, começou a dar sérios problemas nos comandos, perdeu o controle e caiu no mar,
sem deixar nenhum sobrevivente.
Quando Luis Carlos e sua esposa receberam a notícia enlouqueceram. Mas foi Luis Carlos
que ficou pior, pois se sentia culpado por ter dado aquela passagem a seu filho.
Amélia, mesmo triste com o que havia acontecido, teve muita força para ajudar Luis
Carlos, mas não entendia como era possível uma pessoa que sempre conseguia ter controle sobre
todos os problemas [por] piores que fossem não conseguir aceitar de maneira alguma que não
tinha sido culpado pelo acidente do filho, foi algo que não tinha como adivinhar que ia acontecer.
Mas era assim que Luis Carlos se sentia culpado acima de tudo.
Luís Carlos teve que parar de trabalhar por um tempo, e também, por ironia do destino,
procurou um bom psicólogo para ajudá-lo a superar aquela culpa, que nem Amélia, sendo sua
esposa tinha conseguido resolver.
Foram muitas consultas, até que, finalmente, Luis Carlos começou a olhar as coisas de
maneira diferente. Ver que o que tinha acontecido não era culpa dele, que, por algum motivo,
aquele era o destino do seu filho, e que infelizmente não seria ele que conseguiria mudar o
destino. Viu que ao invés dele dar apoio para sua esposa, afinal era com isso que trabalhava, era
248
ela que o ajudava para não se afundar na tristeza. Começou a acordar para a realidade e a superar
a mágoa que tinha por ele mesmo.
E assim, Luis Carlos voltou ao trabalho, disposto a continuar ajudando as pessoas com
sérios problemas, e muito agradecido pela ajuda que aquele psicólogo tinha lhe dado, e a sua
esposa que, apesar de todo sufoco, não o deixou em nenhum momento.
Hoje, com 46 anos, ainda casado com Amélia, com seu segundo filho, e com a profissão
escolhida, Luis Carlos esta muito feliz e orgulhoso com o destino que a vida lhe deu e por
continuar ajudando os outros.
Pois é como ele sempre disse: “- Nunca tive tudo que amo, mas sempre amei tudo que
tive!”
Ao terminar a leitura da segunda história, pergunto o que o grupo achou e, novamente
ninguém se coloca. Faltava a apresentação do terceiro grupo, porém este grupo não tinha a
história em mãos, pois uma das participantes havia levado a história para terminar em casa e não
estava na aula neste dia. Pergunto se eles podem dizer um pouco como ficou a história. Dizem:
“Ah, é sobre um guri que é drogado”. D. diz: “Drogado não, ele fuma maconha”. Alguém do
grupo diz: “É ele começa fumando maconha, depois... daí mandam ele para uma psicóloga...” C.
refere que eles querem apresentar fazendo um teatro. Ao que um colega diz: “Não, quem disse
que a gente vai fazer teatro?”... Ao que digo: “Seria interessante se vocês quisessem fazer um
teatro, pensem e se quiserem podem trazer tudo planejado para ser apresentado no nosso próximo
encontro, combinado?!”. Como ainda havia tempo, quis retomar um pouco a questão do vídeo, do
que eles haviam achado e ver com eles como estavam sendo os encontros até agora. Fica um
silêncio, ninguém se manifesta. Digo que é importante eu saber como eles estão sentindo as
atividades... C. diz: “Tem sido muito melhor do que as aulas da professora P.”. Ao que P.
responde,: “Este trabalho é de pesquisa C.”. P. olhando para mim continua: “Tu explicou pra
ela o que é um trabalho de pesquisa?”, ao que digo: “É, as propostas que tenho feito tem relação
com a minha pesquisa”. P continua: “C, é muito difícil conseguir escola com Psicologia, quase
não existe, quando existe é técnico...”. Digo: “É, eu desde o começo, agradeço muito a abertura
da professora P., pois este espaço para pesquisa é importante e ao mesmo tempo, às vezes, muito
difícil de se conseguir em uma escola”. Uma aluna pergunta: “Por que a nossa turma foi
escolhida?”. Digo que quando vim conversar com P. ela me sugeriu que ficasse com esta turma,
249
pois é uma turma que trabalha e participa das aulas. C. ficou muito “sem jeito”, depois de ter
dado sua opinião. Me senti numa situação muito delicada.
Passamos então aos acertos e combinações dos próximos encontros. O último grupo
contaria sua história e depois passaríamos para as entrevistas. P. queria que eu fizesse as
entrevistas na sala dos professores, o que eu não desejava. Pergunto à B.. se podemos fazer as
entrevistas na sala do Grêmio, ela diz que sim. Combinamos que faríamos as entrevistas lá.
Dividimos os grupos. São três grupos novamente, mas grupos com menos participantes. Neste
momento, alguns alunos que não haviam participado das atividades anteriormente, se inscrevem
para fazer as entrevistas. Definimos os dias das entrevistas com todos. Nesse momento uma
disputa, pois dois grupos querem ser os primeiros. Definimos então por sorteio. P. pergunta sobre
o que será a entrevista. Digo que será sobre a Psicologia no Ensino Médio, na sala de aula... que a
entrevista vai ser para clarear alguns pontos que nas atividades não ficaram muito claros.
Combino com a professora P. o dia para entrevistá-la também. P. pergunta se eu vou gravar,
dizendo que prefere que não. Coloco que terei que anotar e assim é mais demorado... P. diz:
“Então tá, pode gravar”. Digo à P. que ela também pode me entrevistar se quiser.
Diário de Campo – dia 21/Novembro/05
O Grupo III conta sua história e depois começo a chamar o primeiro grupo para entrevista.
Grupo III - 3ª HISTÓRIA - DIA 21 DE NOVEMBRO DE 2005
Obs.: N., C., D., L., M., F. Este grupo estava composto por mais participantes, apesar disso, faço
referência aos alunos que deram seus termos de consentimento para esta pesquisa.
Estavam conversando quando seu amigo P. oferece algo que ele não conhecia: maconha.
Droga muito conhecida no Brasil. Em princípio ele recusou, mas em seguida, após ver seus
amigos fumando, ele decidiu experimentar que ele não sabia o que ia acontecer. Num fim de
semana ele chegou em casa com um cheiro diferente que a mãe dele imaginava ser maconha. Ela
sentou e falou que queria bater um papo com ele.
Ela perguntou se havia acontecido algo. Ele respondeu: Não! Mas sua namorada sabia
do ocorrido e comentou com a mãe dele. A mãe dele desesperada o acompanhou ao psicólogo.
Chegando lá o psicólogo perguntou o que estava acontecendo.
250
Daí chegando no Psicólogo, ele chegou e o queria falar nada porque estava com
vergonha. E o psicólogo perguntou: “Ta, mas por que tu veio aqui?_ Ah, é que eu tava na
praça fumando maconha com as parceria e agora eu não sei o que está acontecendo que eu não
consigo parar de fumar... sempre quero fumar... sempre quero ter um para queimar.
Daí o psicólogo falou: “mas o que tu acha que pode fazer tu melhorar!”
_Ah, não sei... me afastar dos maus elementos.
Daí o psicólogo começou a dar dicas para ele não se juntar mais com aquela galera. Pediu
para ele fazer um deseinho. Daí ele desenhou uns arco-íris, umas coisinhas verde. Daí o
psicólogo disse: “Bah tu já tá viciado!”. Daí ele mandou o guri se consultar mais vezes.
Daí ele foi indo, mas com o passar do tempo ele teve que ser internado porque não teve
mais jeito.
E acabou a história.
Ao terminar a leitura da segunda história, pergunto o que o grupo achou e, novamente
ninguém se coloca. Convido o primeiro grupo formado pelos próprios alunos a fazer a primeira
entrevista.
ANEXO H – PROJETO OFICINAS COM OS ALUNOS
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Programa de Pós-Graduação em Educação - Faculdade de Educação
Orientadora: Profª Drª Nádia Geisa Silveira de Souza
Mestranda: Karina Almeida de Souza
Projeto para o desenvolvimento de encontros-oficina na escola
Tema: A Psicologia no Ensino Médio
Data: 10/10/2005
Duração: 7 a 8 encontros com o grupo
Público a quem se destina: alunos/as do 1º ano do Ensino Médio
Objetivos:
- Abrir espaço para pensar, investigar e analisar, juntamente com os/as estudantes, o lugar que a
psicologia ocupa como disciplina no ensino médio;
- Construir, através de encontros-oficinas, material para discussão do tema proposto por meu
trabalho de pesquisa;
251
Justificativa:
O movimento que pretendo com esta proposta, é o de empreender uma abertura para a
escuta daquilo que é vivido pelos/as alunos/as neste espaço de intersecção da psicologia com a
educação. Através das atividades, intento a produção de materiais que sinalizem as formas pelas
quais a psicologia habita a sala de aula, bem como questionar quais as relações que este público
pensa existir entre psicologia, escola e suas vidas.
Dessa forma, entendo que as produções dos alunos e alunas possam ser tomadas no
sentido de abrir espaço para pensar os caminhos que a psicologia tem trilhado e pode vir a trilhar
na sala de aula do ensino médio.
Estratégias:
1º Movimento: Encontros-Oficina 1,2 e 3 – Montagem de cartazes
Distribuirei 3 perguntas norteadoras para cada subgrupo e solicitarei que respondam, da forma
que entenderem mais pertinente, utilizando materiais que deixarei à disposição.
Se os subgrupos quiserem acrescentar perguntas, isso se fará possível.
O 1º encontro será para a montagem dos cartazes, o 2º para a apresentação e o 3º para discussão e
análise daquilo que foi produzido. Pretendo fazer com que os participantes dos próprios
subgrupos realizem os registros fotográficos e as filmagem dos encontros para que, os mesmos
sintam-se implicados nesse processo e para que posteriormente, possamos pensar juntos as
produções realizadas.
Materiais: Papel pardo ou cartolina, cola, revistas, jornais, canetinhas hidrocor, câmera
fotográfica e câmera filmadora.
2º Movimento: Encontros-Oficina 4,5,6 e 7 – Criação de Histórias e Dramatizações
No encontro farei a proposta de criação de histórias e dramatizações, para tanto os subgrupos
terão de montar histórias que desejarem, tendo como único requisito obrigatório a inserção do/a
personagem do/a psicólogo/a. Neste encontro eles farão as montagens das histórias e os ensaios
das dramatizações.
252
Os encontros 5 e 6 estarão abertos para as apresentações e registros. No encontro 7 realizaremos
as discussões e análises do que foi produzido. Da mesma forma, farei a proposta para que os
grupos façam as filmagens e os registros fotográficos das produções.
Materiais: Papel, caneta, corpo e materiais que os subgrupos queiram trazer para as
dramatizações, máquina fotográfica e filmadora.
Obs.: Minha intenção é a de manter um canal aberto para o que possa surgir no grupo, e se
necessário, continuar os trabalhos com este.
Uma das atividades subseqüentes será a realização das entrevistas, a forma com que as mesmas
serão feitas, poderá ser pensada e sugerida pelo grupo.
Avaliação:
Avaliação será realizada em conjunto com os/as alunos/as, momento em que cada um
poderá expressar sua opinião, comentário e sugestões.
ANEXO I – TEXTOS UTILIZADOS EM AULA
Obs.: Anexo I – encontra-se em arquivo separado, pois os textos foram digitalizados.
ANEXO J – MONTAGEM DOS CARTAZES DOS ALUNOS
Obs.: Anexo J – encontra-se em arquivo separado, pois os cartazes foram digitalizados.
ANEXO K – DISCUSSÃO DOS CARTAZES EM GRUPO
DISCUSSÃO CARTAZES - ENCONTRO DIA 24 DE OUTUBRO DE 2005
Entrevistadora: K
K – Hein gente (primeira pergunta...)
D – Sabe o que é ADD? Não sua anta quadrada.
K – ADD?
D – TODA? Sei lá!
G – Síndrome do Déficit de Atenção.
D – Tensão, que tensão?
K – É interessante que a psicologia pudesse falar disso também?
D – Claro! Mas a gente não é psicólogo para falar disso.
G – Eu acho é mais da biologia .
253
D – Isso não é doença do cérebro?
G – Vai te tratar então, vai num psicólogo!
D – Eu já fui.
G – Para que que tu acha que serve psicólogo?
D – Eu acho que psicólogo é coisa de louco?
Todos: Protestos – Não, nada a ver.
I – Quando tu tem um assunto que tu não consegue entender, tu vai conversar com o psicólogo.
B – Ele ajuda a tu resolver, ele não resolve, ele te ajuda a resolver.
G – Ele faz tu te auto-conhecer.
I – Posso até conversar com uma pessoa qualquer, posso conversar com ela e entender um
negócio.
D Eu cheguei na psicóloga e ela mandou eu desenhar. Eu desenhei o que eu tiver vontade, daí
eu desenhei uma coisa para ela me tirar para louco. Desenhei um monte de gente morta. Eu
desenhei minha mãe e meu pai todo mundo sendo enforcado. Isso não quer dizer que eu não sou
normal.
K Acho que tem uma coisa que vocês estão falando, que é: de que jeito a Psicologia trata
determinados assuntos.
D – É daí depende do assunto.
K Vocês tão falando um pouco da psicologia clínica, da Psicologia que faz diagnóstico... e a
Psicologia na escola? Ela não tem um outro papel? De que jeito a Psicologia entra e está na
escola? O que vocês acham?
N Uma vez eu fui na psicóloga. Eu briguei na escola e me mandaram para a psicologia. Eu
cheguei lá, e tinham me dito que se ela me mandasse desenhar era para fazer um desenho bem
colorido. Eu fiz e a psicóloga me disse: Tu tá bem!
Colegas – É até hoje tu tá bem... risos...
K – É... E não necessariamente a Psicologia vai resolver tudo...
D Estuda várias coisas, mas não que resolver. Eles acham que vão estudar o ser humano o
que ele pensa te observando, mas nada a ver, tu fala o que vem na tua cabeça, o que tu tiver
vontade. Ninguém é louco de andar com um papel tipo Chico Xavier, isso não existe!
G – Claro que existe meu!
B – Tá mas daí já vai o lado da religião.
D – Eu não acredito no que eu não vejo.
K Vocês tão falando de psicodiagnóstico, de contar quais são os problemas, as dificuldades...
mas será que não tem uma Psicologia que trata de um outro jeito das coisas? Pois é... o que mais
que a Psicologia faz para além dos testes, dos desenhos.
D – Ah, ensina como viver na sociedade. Mostra o que tu não pode em outros lugares, eu acho.
C – Fala sobre mercado de trabalho.
N – Por que será que no sonho as pessoas morrem?
D – Eu já me joguei duma ponte.
B – Eu já sonhei que tava caindo do prédio...
Todos falam ao mesmo tempo.
K – Vocês já pensaram a morte e vida estão sempre juntos?
K – Vamos puxar a primeira pergunta.
N – Como tu vês a Psicologia na escola?
D Vemos que a Psicologia na escola serve principalmente para a educação social, em como as
pessoas devem se portar na sociedade moderna.
254
D É o que eu to dizendo, tem coisas que tu não hoje em dia que a psicologia te ajuda a
enxergar. Tipo a desigualdade, um monte de coisa assim que acontece.
B – Mas a gente não fala sobre isso, pelo menos na nossa sala a gente não fala sobre isso.
E A professora... também acho que nem sabe o que é Psicologia... (Alguns concordam, outros
não...)
D – Tipo isso que a gente tá fazendo, ela nunca fez.
E – Ela larga um trabalhinho e deu.
D – Até o pessoal parar como a gente parou...
K – Me parece que isso é um exercício de poder falar, estar em grupo, compartilhar.
D Isso é uma coisa, eu não vou dizer cotidiana, porque não para fazer toda aula isso, mas
acho que pode ser uma vez por semana, já que tem 2 aulas por semana.
K – E isso é importante para o grupo se conhecer, poder compartilhar as opiniões.
Primeira pergunta vamos continuar.
D – Acho que uma coisa importante que a Psicologia podia trabalhar é sobre o presente.
B Mas a gente nunca falou sobre o presente. A gente sempre responde sobre perguntas de
textos, sobre o que a gente quer fazer da nossa carreira, da nossa vida, mas não sobre o mundo...
sobre a desigualdade.
D – Mas eu acho que a Psicologia poderia ensinar sobre isso, não é?
K – Eu acho que sim.
C – Não, mas ela tá perguntando assim: o que a Psicologia mostra não o que a gente tá
aprendendo com a professora.
G Como a gente vai se portar perante toda essa desigualdade mundial. O que a gente pensa, o
que a gente pode fazer, como a gente vai se portar diante disso, o que significa o que a gente
pensa, ela quer mostrar isso. Não diretamente sobre os pobres, os muçulmanos, os iraquianos.
D – Como a gente vê isso, não é o que tu quer dizer?
K De que jeito para compor as aulas de Psicologia? para fazer parte filmar... Pois é, o
que mais dá para fazer parte das aulas de Psicologia?
N – Antes a professora só dava textos pra nós tá e aí mandava lê. Sempre aqueles textos cheios de
letra.
D – É... se tem um ou dois que gostam de ler...
K – No fim das contas também é importante saber ler.
D – Se eu não gosto de uma coisa eu não gosto. Uma coisa que eu não gosto é ler.
K – Tem coisa que a escola exige... que a gente faça enquanto aluno.
D Tem coisas que eu não vou fazer porque eu não gosto, eu sou assim e pronto. É a minha
idéia.
K – O que mais a gente pode pensar?
Bateu o período.
CONTINUAÇÃO DISCUSSÃO CARTAZES
ENCONTOR 25 DE OUTUBRO DE 2005
M – Deu tudo certo com a filmagem? Não saiu tremido?
K – Ontem eu olhei, deu tudo certo. Só tremeu um pouquinho.
C – Tá quando a gente vai assistir a filmagem, ver as fotos?
K – quando a gente terminar cada etapa. Hoje a gente tem que fechar a apresentação dos cartazes,
das 3 perguntas. Da gente pode assistir a filmagem na aula que vem. Vamos ver o que eles
responderam na primeira pergunta.
255
O – Como tu vês a Psicologia na escola? Resposta do cartaz escrito.
K – E o que significa aquela figura que tu colocastes ali? É gente fila? É fila de que Re?
D – É fila de fome.
E – De emprego. Não foi o que tu falou de busca de emprego.
K – O que será que a psicologia tem a ver com isso?
G – Como a pessoa deve se portar diante de uma entrevista de emprego? Como deve se portar, se
a galera vai de cabelão loco... tem que ir arrumadinho. Como a pessoa tem que se tratar.
K – Tá e o outro cartaz? 1ª pergunta (caldeirão).
B – Turbilhão de idéias, local para desenvolver como pensamento.
K Temas quais os temas que vocês acham importante? Mercado de trabalho Entrevista
Como se portar
D – Eu acho que é principalmente isso: como se comportar na sociedade.
K – E os outros o que acham? (não falam muito)
B – Como a sociedade é hoje.
G – A sociedade é violenta, meu. O cara no trânsito, ele xinga, bate... não chega conversando.
G e D Os cara chegam tacando cadeira no professor. Antigamente era o professor que tocava a
cadeira no aluno.
K Nem uma coisa nem outra, né? Mas tem que pensar (o que produz isso). O que mais que a
Psicologia pode tratar?
D – Pode várias coisas. Pode tratar de louco (risos).
G Tem uma amiga minha que faz Psicologia, faz francês, basquete, ela faz um monte de coisas
junto, tem a agenda cheia... ela faz Psicologia porque sei lá, não sei...
C As diferenças do homossexualismo. Lendo a pergunta. Eu vejo com muita clareza sobre
todas as diferenças do mundo e das raças. Tudo que precisamos a Psicologia pode nos mostrar:
Educação, raças, diferenças, pobreza, futuro melhor, sexo (risos).
K –grupo – 1ª pergunta. Leio o cartaz, pois os participantes não estavam na sala de aula neste
dia: Vejo que a Psicologia é um modo de se relacionar com as pessoas (não vou poder falar das
figuras, pois quem compôs o cartaz é que poderia falar delas). Vamos para a 2ª pergunta
(dificuldade de definir quem fala...)
C. se coloca e diz: Deveriam ser feitas aulas de debate, teatro (risos) coisas assim para gente
entender melhor. Peça de teatro.
G – Tá teatro, e se a gente fosse fazer teatro tu a participar?
C – Claro.
G – Tá e os demais?
Obs.: Surge uma discussão de que nem toda turma participaria. Coloco que precisamos de platéia
quando se faz teatro, ao que um aluno responde: ah, então pode ser teatro de bonecos. Digo: Por
que não? Vou colocando que poderíamos pensar como uma peça de teatro faz a gente pensar...
faz ter idéias mesmo quando somos só platéia.
Dou como exemplo o que uma aluna produziu um Rap que ela queria cantar dizendo que a
música também aciona coisas na gente.
G Falar numa peça sobre os assuntos cotidianos das pessoas tipo um evento: - O cara no
trânsito e começa a xingar para gente entender melhor.
K- Vamos para a resposta 2.
D – Psicologia deveria tratar...
K – Será que educar para sociedade é preparar para o mundo de trabalho não é algo amplo?
D – Educar em casa, não só no colégio. (Dá um exemplo de jogar a cadeira no professor).
256
G – Tá, mas tu quer dar uma aula legal, qualquer coisa que tu fala tipo da mãe dele ele quer dá
em ti. O cara não quer se ajudar...
K – Tento puxar para ver as coisas mais cotidianas que isso também faz parte delas.
Digo: olha lá o que vocês colocaram “Quem não faz toma”, “Destino”, “Favela Globalizada”.
G – Agora que tu falou eu pensei: seria um monte de produto, carro que é alemão, com motorista
francês, que bebendo vinho escocês, isso que é globalização. Favela globalizada o que é?
Vários produtos do Paraguai, um que é nordestino...
Bateu o sinal para troca de período.
ANEXO L – ROTEIRO E ENTREVISTAS ALUNOS E PROFESSORA
Roteiro Entrevista com os Estudantes do 1º Ano do Ensino Médio
1. Como vocês vêem a disciplina de Psicologia que vocês estão tendo neste ano?
2. Como vocês imaginavam que seria a disciplina de Psicologia no ano? Quais as expectativas
que vocês tinham?
3. Vocês sabem que a Psicologia não é uma disciplina obrigatória no currículo do Ensino Médio.
O que vocês pensam a esse respeito?
4. Queria que vocês pensassem e me dissessem que relação vocês acham que os conteúdos que
têm sido trabalhados nas aulas de Psicologia têm com as experiências de vida de vocês?
5. Quais os trabalhos que vocês normalmente fazem nas aulas de psicologia? O que vocês acham
mais e menos interessante? O que poderia ser diferente?
6. Como vocês se dedicam aos trabalhos propostos na disciplina?
7. Como as palestras, filmes, etc. que vocês assistiram durante as aulas de Psicologia foram
trabalhados?
8. Vocês participaram de alguma atividade (teatro, cinema, feira, exposição...) fora da escola?
Essas atividades tiveram alguma relação com as aulas de Psicologia?
9. Quais os conteúdos que poderiam fazer parte do programa de Psicologia do ano do Ensino
Médio?
10. Se vocês fossem montar uma aula de Psicologia como seria essa aula? Que conteúdos ela
teria? Como ela seria ministrada?
11. Como vocês avaliam o trabalho de pesquisa desenvolvido? O que poderia ter sido diferente?
12. Perguntas, dúvidas...
257
Entrevista – 1° Grupo
Dia 21 de novembro de 2005
R, T e S
1. Como vocês vêem a disciplina de Psicologia que vocês estão tendo neste ano?
T – É para falar a verdade? Uma chatice.
K – É?
R – Ah, não, eu gosto.
K – E por quê?
R Eu gosto porque é uma maneira de expressar as tuas idéias, os teus pensamentos. É uma
matéria que a gente consegue fazer isso, se expressar.
K – O que poderia ser diferente para ser mais interessante?
T – Ah, deixa eu pensar...
R Discutir coisas mais de adolescente mesmo, coisas que nós estamos pensando, não discutir o
que tá acontecendo no mundo, mas nós, isso eu acho mais interessante.
K – Vocês dizem, mais específico da fase da adolescência...
S – É, que é o que mais nos interessa.
R Testes que nem a professora dá. Testes para ver a personalidade. com que a gente se
encaixa na profissão.
K – Tu acha que é interessante nesse sentido?
R – Para mim é.
S Mas quando começa a falar sobre adolescência também é. Sobre gravidez na adolescência...
essas coisas também são (interessantes).
K Até tem uma colega de vocês que ganhou nenê agora, né? Ela passou praticamente o ano
todo grávida, porque ela ganhou agora pouco. Vocês chegaram a falar sobre isso em sala de aula?
Todas: A gente nem sabia por que ela era gordinha. E a gente não percebia que ela tava no
mês que ela estava grávida daí, ela tava quase ganhando e ela parou um pouco de vir à aula
porque ela mora longe. A gente não conversou sobre isso, tem professor que nem sabe quem é
ela.
2. Como vocês imaginavam que seria a disciplina de Psicologia no ano? Que expectativas que
vocês tinham?
T – Eu não imaginava.
R Eu imaginava... eu não sabia exatamente o que seria mas para mim é mais uma matéria
que não faz muita diferença. Que trata de coisas, idéias que tu tem para fazer um trabalho tu
precisa pensar naquilo que tu fazendo, não é uma coisa que ela te um exercício e tu tem que
responder, tu tem que pensar por ti.
K – Isso vocês acham que tem diferença em relação as outras disciplinas?
Todas: É, huhum.
3. Vocês sabem que a Psicologia não é uma disciplina obrigatória no currículo do Ensino Médio.
O que vocês pensam a esse respeito?
T – Pra mim não precisava ter psicologia. É sério. Eu acho.
K – E porque tu acha que não precisava?
T Ai não sei, é muito estranho psicologia... fica falando do mundo o que que eu quero falar
do mundo? Eu sei de mim, dos meus amigos e deu, não quero falar do mundo...
R – Pra mim não faz diferença, ter ou não ter. Porque igual eu sempre vou ter minha opinião
própria, sobre o que eu penso, idéias minhas, se eu for fazer um trabalho, vou fazer da minha
258
maneira. Então é só mais uma matéria. Só que a gente pode expressar para os outros o que a
gente pensa.
S Tem gente que não gosta de expressar o que pensa. Que nem esse curso que tem esse que tu
falando... mas é porque é para mim sabe, o que eu penso, porque eu não gosto de ficar
falando para ninguém. Até por isso que eu não gosto muito de psicologia. Até nem sei se é
obrigatório ficar falando, mas...
R – É que é uma matéria que para ti mostrar que tu tá na aula prestando atenção tu tem que expor,
tem que falar é tem que responder as questões, daí tem gente que é “neutra”, que nem eu, eu
presto atenção no que os outros todos que estão falando, que eu tenho uma idéia, mas eu não
gosto de expor aquilo.
S Às vezes tem coisas que eu também concordo, mas sei lá, não tem que falar, eu fico para
mim.
K – E porque será que tem um pouco isso de ficar para mim?
S – Vai que a gente fale errado. Fala uma coisa que todo mundo vai ouvir também...
R – Eu não me sinto bem, no outro colégio eu falava se precisava.
S – Tava mais acostumada. No 1° ano aqui é diferente.
R É aqui parece que é uma coisa mais individual, não tem aquele negócio de se expor, assim
amizade de dar idéias, se tu fala uma coisa, ao invés deles falarem mais daquilo que tu falando
eles te escutam e viram a cara e daí falam o que eles pensam. Eles não sabem conversar assim
contigo, de uma maneira legal, daí tu te sente meio constrangida.
K – Vocês acham que falta interação da turma para vocês se sentirem mais a vontade...
Todas: É...
4. Queria que vocês pensassem e me dissessem que relação vocês acham que os conteúdos que
têm sido trabalhados nas aulas de Psicologia têm com as experiências de vida de vocês? 5. Quais
os trabalhos que vocês normalmente fazem nas aulas de psicologia? O que vocês acham mais e
menos interessante? O que poderia ser diferente?
R - O que eu gostei de ver foram os trabalhos agora que tratam como a gente age... que a
professora deu testes, e que a professora deu explicação e muitas vezes a gente se identifica com
os testes, daí eu achei legal aquilo. É uma das poucas coisas que eu gostei assim.
S eu gostei de um vídeo que a professora passou, que... era um grupo de pessoas que falava
sobre gravidez... sobre sexo.
T – Não era uma pelestra.
S – Não era da psicologia?
T – Que deram umas canetas... Era uma palestra.
S – Não foi bem antes, na aula de Psicologia.
T Como eu vou me lembrar das coisas do início do ano, se eu não lembro nem o que ela deu
ontem?
S Era um deo de um grupo de pessoas que haviam passado por isso na vida delas, e elas
contavam como foi a primeira vez, falava de gravidez, sexo, adolescência, essas coisa.
R e T – Ah, lembrei.
S – É as pessoas falando como era a vida delas.
K Falando como foi passar por isso. Isso teve bastante relação com o que vocês acham que
seria interessante ter em aula?
S – É que para nós adolescentes é isso, né?
K- A disciplina de Psicologia não reprova... como é isso para vocês?
R - Se tu não fizer nada reprova.
259
7. Vocês já falaram um pouco sobre os filmes, palestras, que vocês assistiram na aula de
Psicologia. O que ficou mais marcante foi este vídeo que a professora gravou e trouxe para vocês.
Teve algum outro?
Todas: Não... Acho que não...
K Teve uma palestra agora pouco sobre Atuação Profissional, o que vocês acharam? E como
isso foi trabalhado em aula?
R Trabalhar a gente não trabalhou, foi quem estava interessado na palestra. Mas ajuda, ainda
mais agora na fase que a gente tá.
S Na palestra eles perguntam o que a gente quer fazer no vestibular, faculdade de quê? Daí isso
ajuda a pensar...
K – E o vídeo vocês conseguiram discutir trabalhar em sala de aula?
S – Acho que não. Até porque a turma não ajuda, né?
R Todo mundo tem aquilo “Ah! Vamos sair mais cedo!”, “ah professora não aula hoje!”,
“não passa muita coisa”. Ninguém gosta muito de discutir, às vezes é assim. Eu mesma muitas
vezes não to a fim de ficar sobre aquilo que foi dado... mas é uma coisa que tem que aceitar, né?!
8. Vocês chegaram ir à alguma feira, assistir alguma peça de teatro?
R – De Psicologia?
K – Não necessariamente.
T – A gente foi numa peça... como é que era?
R e S – Adolescer.
T – É, só!
R – E com Matemática a gente foi no gasômetro. Só que ia quem quisesse.
K – E como é sair da Escola e fazer outras atividades?
T – Ninguém vai!
K – Não? Por que será?
T Porque a gente acha que não é aula. quando vale nota, o professor fala que vai valer nota,
daí todo mundo vai.
Todas falam ao mesmo tempo: Matemática, por exemplo, o que aconteceu com o professor de
matemática, ele disse que ia quem quisesse. A maioria não foi, mas tinha bastante gente... [apenas
uma integrante deste grupo de entrevista não foi nesta atividade].
K – E como foi?
S – Foi assim: a gente fez o que tinha que fazer e depois o professor queria que a gente ficasse lá,
fazendo não sei o quê. Mas a gente mediu... essas coisas.
K Ah, foi uma atividade específica da matemática... Por que vocês acham que quando sai da
escola parece que não é aula?
T – Porque não está na escola. Porque parece que não vai bater. Não tem isso... sei lá...
R – Eu acho que...
T – É como se fosse um passeio para brincar (risos).
R Eu acho que é como se fosse aula, porque tu vai estar com o professor, vai ter um horário
para voltar, um horário para discutir, tu vai ter que ter um horário específico para encontrar as
pessoas vão e... só que às vezes não tem aquela vontade. Se a professora der a opção ou tu vai ou
tu não vai, lógico que eles vão escolher não ir. Provavelmente vai ter aula, mas não vai ter
tantos alunos dão os professores nem vão querer dar matéria nova.
S Uma vez que teve aula sábado os professores nem queriam dar aula, como vieram poucos
alunos, os professores mandaram voltar. Eu nem quero mais vir à aula sábado.
Nesse sábado agora teve aula de novo (seriam 6 períodos): mas teve 2 períodos depois nos
largaram.
260
T O professor não tem responsabilidade também. Eles falam dos alunos, mas eles também não
têm.
R Tem professor que fechou as notas do trimestre. Tem outros que ficam correndo com a
matéria. É prova, é trabalho que tem que fazer porque o professor não pôde vir. E daí é sempre
essa falta assim.
K – Por isso acabam antecipando período e dando trabalhos...
Todas: É.
R É daí a gente tem que recuperar, mas a gente não tem culpa do professor não ir... tipo tem
colégios que eles tem uma professora estagiária/volante...
K – Que ocupa o período que o professor não vem e dá atividade para não perder.
Todas: Falam de uma disciplina que trocou muito de professor e repetem a mesma matéria coisa
desde o início do ano...
9. Quais os conteúdos que poderiam fazer parte do programa de Psicologia do ano do Ensino
Médio?
K – Uma vocês já disseram. que foi adolescência.
R Emprego, coisas pessoais, personalidade, eu acho interessante isso, saber como que a gente
normalmente é, sentimento e tal.
S Adolescência... inclui tudo: drogas, violência, família também, a relação com os pais. Tipo
como os pais vão falar com os filhos, assim quando estão chegando nessa fase. Tem pais que não
conversam com os filhos.
10. Se vocês fossem montar uma aula de Psicologia como seria essa aula? Que conteúdos ela
teria? Como ela seria ministrada?
S – Eu daria testes.
R Eu também acho interessante testes, é testes vocacionais, que a gente com que tu te
identifica ou sei lá... como tu é, personalidade de cada um.
S – Eu não ia pedir para eles falarem, se expor...
R – É só se quisessem...
S O que interessasse para eles ia dar um retorno em outro lugar, mas não expor os comentários
tem gente que não gosta de comentar, mas não que não queira.
K – E daí tu enquanto professora leria e daria devolução?
S – É.
K – Aquela peça que vocês foram (voltando um pouco) teve relação com a Psicologia?
Todas – Ter teve, mas foi a professora de Português que levou. Era pra fazer trabalho de
Português.
K Essas questões que vocês acham que teve relação com a Psicologia poderia ter sido
trabalhado na aula de Psicologia?
S – Daria.
R – Eu acho que sim.
K – Vocês acham que poderia enriquecer um pouco as aulas sair, assistir peça, mais filmes...?
R – Eu acho que até interessaria.
S – Eu gosto de sair, não fica só na aula, aquela coisa repetitiva...
T – Não importa se não for ou se for...
S – Não, é uma coisa que importa.
R É, uma aula. Vai ganhar falta. É aqui ali, se quiser. Se a pessoa se interessar por aqui ela
vai. A nossa turma foi praticamente a única que não foi na Bienal, na feira do livro. Nenhum
professor convida.
K – Por que será que isso acontece?
261
S O professor conselheiro falou que se a gente avisasse para ele por que ele nem tava sabendo
desse negócio da Bienal, ele nem estava sabendo que ia ter.
R – É que esse negócio da Bienal é a professora de Artes que tinha que nos avisar.
T – Só que a professora de Artes não gosta da gente.
K – Por quê?
T – Ah porque a gente bagunça na aula.
S Ah, teve uma vez também na Expointer, né? que ninguém se reuniu para organizar, mas a
gente sabia. A Escola convidou.
R – É, mas daí vai quem quer, quem se interessar, se for valer nota.
T – Acho que é isso que interessa, se vale nota.
K e pessoalmente na opinião de vocês é interessante ir na Bienal, na Feira do Livro, mesmo
sem ter relação com a escola?
T – Não! Fora do colégio não. Bienal... nunca me interessei sei lá, nunca fui.
T e R – Fazem que não com a cabeça.
K – Queria que vocês avaliassem um pouco o trabalho de pesquisa que eu fui desenvolvendo aqui
na escola. Qual opinião que vocês têm?
S – Ah, eu não participei dos primeiros encontros, né?
T – Eu também não.
S Até porque eu achei que ia ter que falar muito, ia ter que se expor, por isso eu não participei.
Mas sei lá, para quem participou não sei se vai ser válido para eles ou não. Mas eu achei
interessante essas coisas que vocês falaram. Até que no último dia que os grupos estavam
apresentando os cartazes, a gente ficou escutando até achei bem interessante.
K – E vocês gurias?
S – Eu também não participei porque eu sou muito tímida.
K – Bom... vocês preferiram fazer a entrevista que também é uma das partes da pesquisa...
R – É que é mais individual.
*A professora bate na sala e avisa que bateu. Estávamos encerrando a entrevista. Pergunto se
elas têm alguma dúvida, me coloco à disposição.
Entrevista – 2° Grupo
Dia 22 de novembro de 2005
C, N, L e O
1. Como vocês vêem a disciplina de Psicologia que vocês estão tendo neste ano?
N Melhor do que o ano passado, é que eu repetindo. Mudou de professora ficou melhor,
porque antes não davam aula, até davam, mas daquele jeito, depois mudou.
L Eu não tive psicologia no outro colégio, agora sendo bem interessante, bastante coisa
diferente. As atividades tem sido diferentes é o que eu acho.
K – Isso desde o início do ano?
L – Sim.
C – Eu nunca tive psicologia e não acho o bicho.
2. Como vocês imaginavam que seria a disciplina de Psicologia no ano? Quais as expectativas
que vocês tinham?
N Sei lá. Nem sabia que tinha, fiquei sabendo quando cheguei na escola... mais uma coisa
para passar...
Todos dizem que não sabiam...
262
3. Vocês sabem que a Psicologia não é uma disciplina obrigatória no currículo do Ensino Médio.
O que vocês pensam a esse respeito?
C – Para mim, na minha opinião, não faz diferença. É porque eu nunca tive, não vai ser no 1° ano
que vai fazer falta, mas sei lá é uma opinião minha.
N – Concorda que não faz diferença.
4. Queria que vocês pensassem e me dissessem que relação vocês acham que os conteúdos que
têm sido trabalhados nas aulas de Psicologia têm com as experiências de vida de vocês?
C A gente viu o trabalho que tu fez com nós. Porque antes a gente copiava texto, texto,
texto, texto.
N – A Psicologia aqui na escola antes não tinha nem graça, tu chegava e ela dava texto. Dizia:
Vamos fazer esse texto sobre a vida, não sei o quê... Responde depois entrega...
C – Por isso que a gente nunca se interessou por psicologia. Qual é a moral ficar copiando texto e
respondendo? Não tem graça.
K – E como vocês acham que seria diferente?
C Como tu fez para nós. Assim a gente aprende mais, né? Tu fazendo trabalho, fazendo
cartaz, gravando, tá filmando. Assim a gente se interessa por fazer o trabalho. Qual o
adolescente que vai se interessar de ficar a vida toda copiando no caderno, respondendo
perguntinhas, isso eu fazia na 1ª, 2° série...
K – Vocês acham que atividades mais dinâmicas...
C Claro com certeza! Tem que ter um texto, alguma coisa, mas imagina, todo dia texto e
responder... não tem como.
K Então isso poderia ser diferente. As dinâmicas das aulas, poder estar trabalhando outros
conteúdos.
N – Daí sim tu consegue ver quem é o aluno. Tu entrega os textos, não adianta.
C - Qual é a nota que a professora vai dar para o aluno? “Vou ver teu caderno!”, dvai lá,
folheia: Ah, tu copiou tudo então vai ganhar 100, ah tu não copiou vou te dar 40. Não tem graça
isso, isso aí não é aula. Para mim não existe isso.
7. Como as palestras, filmes, etc. que vocês assistiram durante as aulas de Psicologia foram
trabalhados?
C – Não aconteceu filme, nem palestra.
L Filme, teve aquele filme o Pai da Noiva e a professora só deu por dá, para gente vê, ela não
deu trabalho.
C – Que nem agora ela tá dando um filme. O que é aquele filme?
N – Eu dormi na aula.
K – Vocês tiveram uma palestra sobre atuação profissional. Como foi? (com um professor de um
cursinho)
L – Bem interessante, legal, ele falou sobre tudo assim.
K – Tinha alguma relação com a aula de psicologia?
C – Não nenhuma.
L – Não. Ele falava mais sobre o futuro.
N – Até tinha um pouco de psicologia. Eu não acho que a professora é ruim, o que eu acho é que
ela não consegue pegar o aluno. Não consegue fazer com que o aluno se interesse na aula dela.
Por isso ela se torna ruim.
8. Vocês participaram de alguma atividade (teatro, cinema, feira, exposição...) fora da escola?
Essas atividades tiveram alguma relação com as aulas de Psicologia?
N – A nossa turma foi a única que não saiu da sala.
K – Por quê?
263
L Ninguém convidou... Quem tinha que nos convidar era a professora de artes, mas ela não se
interessou em convidar a gente, eu acho.
C – Quem tinha que sair era o nosso professor conselheiro, até então...
L – Ele só falou que ia levar mas...
C – A gente já tá em dezembro e nada.
K – E vocês enquanto turma não se organizaram para...
C Mas não adianta a gente se organizar, se tem diretora, professor na nossa frente, se eles não
querem não adianta a gente se organizar. Só se a gente for matar aula um dia e for passear.
K – Vocês sentem falta de poder fazer outras atividades fora da escola?
N – Claro.
C Claro, poderia assim não por passear, por sair do colégio, mas fazer um passeio que tenha a
ver com a matéria e que tu possa trazer para sala de aula e fazer um trabalho.
Todos falavam: Com o professor de matemática fez isso com a gente. Foi bem legal. Depois a
gente ficou trabalhando com aquilo. Ele colocou na prova... com certeza a gente pode trabalhar
melhor, a gente gostou de trabalhar com aquilo.
K – Em relação à psicologia não teve nada? Teve uma peça Adolescer. Como tava a peça?
L – Muito legal. Falou sobre a vida.
C – Muito interessante, falou sobre sexo, drogas, festa, homossexualismo, tudo...
N – Fui ano passado e nesse não.
K – Essa atividade pode estar sendo puxada?
C Pode, tem a ver. Que nem drogas, que nem foi o trabalho que a gente fez (a história que eles
escreveram durante a pesquisa) tudo mexe, pode ser puxado pela psicologia, tudo tem um a ver.
N – Tudo mexe contigo. Com o que eu penso. Isso é a psicologia, eu acho.
9. Quais os conteúdos que poderiam fazer parte do programa de Psicologia do ano do Ensino
Médio?
N – Alguma coisa interessante.
K – E o que seria interessante?
Silêncio longo.
K – Algumas coisas vocês disseram... nos trabalhos de vocês. Mercado de trabalho...
N – Drogas.
C – Fugiu a idéia... Ah sexualidade, ai sei lá tem tanta coisa...
K Também um monte de coisas não vai dar conta porque tem um ano e 2 períodos por
semana.
10. Se vocês fossem montar uma aula de Psicologia como seria essa aula? Que conteúdos ela
teria? Como ela seria ministrada?
C Se eu fosse a professora eu perguntaria como vocês querem fazer? Preferem fazer em grupo,
preferem copiar? Preferem fazer como?
N – Eu ia perguntar na hora o que eles estavam a fim de fazer como ela falou.
C Daí depois eu ia ver o conteúdo que eles escolhessem ou se eu mesma escolheria para eles.
Mas eu acho que para o aluno se interessar pela matéria é ele investigar o assunto, é ele botar a
mão na massa e saber realmente como que é, o que ele tá fazendo. Não adianta ele pegar copiar 5
páginas de texto, não saber o que ele está escrevendo, não tá entendendo nada...
C Tu mexendo com aquilo pegando, colando, grudando tu vai te interessar tu vai saber o que tu
tá fazendo.
K Será que daria simplesmente para ir perguntando e ir fazendo? Não precisa de uma
programação antes?
264
N Sim daí com o tempo tu vai fazendo (a programação). Se tu tem duas aulas por semana tu
pega as 4 primeiras aulas vai conversando depois tu te aprofunda naquilo.
11. Como vocês avaliam o trabalho de pesquisa desenvolvido? O que poderia ter sido diferente?
C Eu não gostei no começo, porque eu disse não me faz falta, para mim não é assim tão
importante, mas quando tu entrou que a gente foi fazendo os trabalhos eu gostei, sabe, comecei a
gostar comecei a me interessar, fiz o trabalho e é assim que tu vai conseguir conquistar o aluno,
que tu vai fazer gostar da tua matéria.
N A primeira vez que eu entrei na sala, foi o segundo dia que tu tava. Daí eu pensei: - O que
que é isso? Mais uma merda dessas para nós fazer agora, bah odeio esse negócio. Daí eu nem
tava a fim, só tava querendo brincar. Daí, sei lá, eu comecei a gostar das coisas...
K – Talvez tenha esse primeiro estranhamento também, né?
N – É o que que essa mulher quer aqui, né? Estagiária, não vai fazer nada que vai ficar que nem a
outra olhando o cara escrever e vendo como ela tem que dar aula, quando ela for da aula... o
que essa mulher quer aqui?
K Mas eu acho que é isso que passa um pouco pela cabeça dos alunos, o que os professores
querem da gente, né?... tentando pensar com vocês é isso, se fez diferença, se produziu
alguma coisa de bom, de ruim, de estranhamento...
O Acho que de bom fez. Porque tu pode ver que quando tinha aula antes com ela, ninguém se
interessava, ficava todo mundo conversando...
C – Ah lá a professora de Psicologia.
L – ah vamos matar aula.
N – Não, não, vamos ficar conversando. Aí fechava um grupo ali, ficava conversando e ela ficava
viajando na mesa. Depois ela dava uma bandinha, conversava com uns, voltava. Não foi? Não
é assim? Eu me lembro de noite, ela ficava na mesa assim sentada olhando para nós fazendo o
trabalho. Daí a gente perguntava para ela: - Ah professora o que tem que fazer aqui? Copia isso
aqui que vai valer nota no final do trimestre, se não tu não fizer tu vai rodar. Daí o cara era
obrigado a fazer depois terminava e ficava conversando na sala.
Entrevista – 3° Grupo
Dia 22 de novembro de 2005
D, B, E e G
Perguntas 1 e 2 juntas:
1. Como vocês vêem a disciplina de Psicologia que vocês estão tendo neste ano?
2. Como vocês imaginavam que seria a disciplina de Psicologia no ano? Quais as expectativas
que vocês tinham?
D – Ah, sei lá. Eu nunca tinha visto Psicologia
B – Eu sempre tive Filosofia.
E – Eu também nunca tive, então eu não sei como é que é, se é o certo se não é o certo.
K – Que expectativas que vocês tinham em relação à Psicologia?
D – Eu como tive Psicologia, achei que fosse mais uma conversa.
E – É mais conversa...
B – É bem mais conversa...
D Não tanto quanto ela simplesmente parava, dava uma folha, mandava a gente e responder
as perguntas.
E – Dava 30 perguntas e responde de acordo com o que tu lê na folha.
265
B – E se aquilo fazia ela conhecer alguma coisa sobre a gente, ela não passava para gente - o que
fazia ela saber sobre a gente - com essas respostas. Eu achava legal os testes que a gente fazia... a
gente sabia as respostas que daquilo que respondia.
K – Eram testes vocacionais?
B – Acho que eram.
E Seria interessante se ela pegasse e debatesse essas perguntas dos testes, por exemplo, com
toda a turma, ia ser mais interessante.
K – Ficava algo mais pessoal, o que vocês davam de retorno para ela...
B – Sei lá, ela não falava muito com a gente.
D – Era uma aula meio morta assim...
3. Vocês sabem que a Psicologia não é uma disciplina obrigatória no currículo do Ensino Médio.
O que vocês pensam a esse respeito? Faz diferença ou não faz?
D Depende da aula, se tu vai ter uma aula que nem tu tava tendo antes, não ia fazer diferença
nenhuma.
B – É verdade.
D – Pega uma professora que dá uma folha e tu responde...
E Se fosse um debate, para conhecer mais a turma, os alunos até entrosar mais, daí sim é
importante.
D – É...
B – É saber a idéia individual de cada um assim.
D – Até para se entrosar mais, até hoje, depois de um ano tem tente que não se fala.
E – Fica um bolinho aqui, um bolinho lá, aí vai fazer um debate na turma...
D – Ninguém se encontra, tem gente que não tá afim.
K – A disciplina de psicologia poderia fazer essa integração da turma.
D – Claro.
B – É.
E – Eu acho que esse deve ser o importante da Psicologia.
G – Mas tem gente que não quer interagir, tem gente que lá só para brincar e matar aula e falar
bobagem.
B É o que eu ia falar, tem gente que não tem o que debater, tem gente que não sabe falar, tem
gente que não tem vontade de falar, tem gente que pensa, mas não tem vontade de falar.
K – Bom... Talvez.
D – Tem gente que não tem maturidade para falar.
K – Acho que tem de tudo um pouco, mas também tem que propostas são feitas, como tu estavas
falando, E, que daqui a pouco para estar fazendo uma interação diferente, é se abrir para
outras coisas...
4. K – Tá... Queria que vocês pensassem e me dissessem que relação vocês acham que os
conteúdos que têm sido trabalhados nas aulas de Psicologia têm com as experiências de vida de
vocês?
B A gente viu bastante coisa sobre o mercado de trabalho, acho que foi o que a gente mais viu.
Tem gente que sabe o que quer fazer e o que ela deu não tem nada a ver com o que a pessoa
quer fazer, daí fica uma obrigação chata tu fazer uma coisa que tu sabe que não vai servir para ti
aquilo. Então para mim foi o que a gente mais viu. O que mais me interessou foram os testes que
dizem o que tu é realmente, para fazer o que mais se encaixa contigo, isso eu achei interessante.
Mas só o que ela deu de mercado de trabalho uma coisa muito vaga sabe? Sei lá...
K – O que mais?
266
D Para mim acho que ela deu mais como está a situação do mundo hoje em dia, como a gente
se encontra, o que as pessoas pensam, esse negócio de terrorismo, as últimas coisas que estão
acontecendo esse negócio de política. As coisas bem xarope que estão acontecendo...
B – A gente chegou a ver isso?
D – Claro.
B – Mas não debateu!
D – Não! Pois é isso que eu to querendo dizer.
K – Foi mais com textos?
E – Textos... e responder.
B Essa coisa de ler e responder tu faz ali na aula e deu, esquece agora se tu debate, tu vai
criando idéias, já sabe...
D – Tem tanta gente que não tem vontade de fazer (ler e responder)
G – Tu forma, cria a tua opinião.
E – E aí a turma acaba se entrosada.
5. Quais os trabalhos que vocês normalmente fazem nas aulas de Psicologia? O que vocês acham
mais e menos interessante? O que poderia ser diferente? Vocês falaram um pouquinho... E o
que poderia ser diferente?
G A aula devia ser assim ó: a gente pegava um assunto que está em foco e começava a debater
sobre ele, colocava um lado que é contra e outro que é a favor para todos debater e ver o que é
mais adequado.
E – Chegar aquela conclusão.
B Acho que a Filosofia faz muito isso, mas eu não entendo como a Psicologia, né? Agora
Psicologia é uma coisa meio parada assim, isso que a gente estranha...
E Depende como tu vai aplicar, tu vai aplicar de um modo que a gente entendesse no caso é o
debate.
7. Como as palestras, filmes, etc. que vocês assistiram durante as aulas de Psicologia foram
trabalhados?
G – A palestra sobre sexualidade que a gente teve.
K – mais para o início do ano?
G – É.
D A maioria pensa assim: ah mais uma palestra chata, não sei o que. que a maioria pensa
assim pensando no que pode ser interessante para eles. Então tipo tu tem que dar um empurrão
para as pessoas se interessarem pelo que vão fazer. chegou na hora tava todo mundo querendo
fazer, todo mundo querendo olhar entendeu?
E – É tipo... aquele bah sei de tudo...
D – É muita falta de interesse antes de saber.
K – Saber realmente o que é.
D – O negócio...
K – Tá então teve esta palestra e foi trabalhada na aula de psicologia.
Todos: Foi.
K Quando eu estive aqui na primeira vez vocês estavam assistindo o filme Pai da Noiva, foi
trabalhado?
Todos: Não foi.
D – Ela até disse que ia fazer, mas daí até achei estranho que não fez.
E – Mas daí acho que entrou o trabalho da professora K, daí ela não fez.
K – Depois teve outra palestra sobre atuação profissional.
D – Teve do universitário.
267
E, B e G – A gente não foi porque começamos o trabalho contigo.
K – Pe foi como tava?
D – Bem legal, porque ele tem mais experiência, ele tenta passar isso para todo mundo, o que ele
passou para tentar ser um profissional. que tipo tinha gente ali que também não falaria. Até
por ele ser um pouco mais extrovertido, daí ele acaba deixando que a aula deixe de ser chata. E
as pessoas acabam prestando mais atenção também.
B – É isso que eles fazem em cursinho.
K – É tem uma outra dinâmica, de aula né?
G E teve aquele trabalho da árvore, se lembra? Que tinha que desenhar a árvore e se tu
desenhava flores e frutos, tua mente era: as lembranças que tu tinha da tua infância. Se tu fizesse
um buraco no meio, era uma coisa de influência na tua vida de hoje.
B – É isso é interessante...
K – Vocês tiveram isso?
B Isso é legal de fazer sabe, porque a gente entende sobre a gente. Eu acho que a psicologia
tinha a ver com isso, a gente estudou para saber mais sobre a gente. A gente não faz muito isso.
D – Fica aquela aula morta.
B A gente fez o desenho e entregou para ela, ela viu ali o nosso desenho, para os que
perguntaram ela falou algumas coisas que a gente desenhou significavam, para quem não falou
nada ela não foi explicar, só pediu para gente desenhar, a gente desenhou...
G – Se lembra quando a gente teve que escrever algumas palavras o Amor é vermelho, esperança
é verde e escrever um texto? Ela foi lá e botou expôs nossos trabalhos.
E Vocês podem achar interessante, mas outros acham besteira fazer aquilo, sabe? É que eles
acham nada a ver fazer aquilo, pra eles é isso.
D – É falta de maturidade. Eu até tava comentando ontem com um amigo: Eu sou imaturo eu sou
muito imaturo, era para eu estar no 3° ano me formando. Foi por muita falta de maturidade.
E – É eu também (era para estar no 3° ano). Eu consegui rodar na 2ª e na 4ª série.
D – Eu rodei na 6ª e 7ª.
B Minha mãe nunca exigiu que eu estudasse, foi uma coisa minha, eu não tinha o que fazer, eu
estudava, tá ligado, a vida era monótona, eu acabei me acostumando, se não...
D – Eu até por não fazer nada eu preferia não estudar sabe?
K É eu acho que é de pensar também de que lugar a escola tem na vida da gente, né? Bate
diferente para cada um né?
D – Mas tu querendo ou não querendo tu precisa...
8. K Tá, deixa eu perguntar assim...Vocês participaram de alguma atividade (teatro, cinema,
feira, exposição...) fora da escola? Essas atividades tiveram alguma relação com as aulas de
Psicologia?
D – A gente foi no Gasômetro e o professor deixou a gente fazendo trabalho lá.
B – É matemática.
G – A gente foi na peça de teatro também.
B – É, mas de literatura.
K – Essas atividades tiveram alguma relação com as aulas de Psicologia?
Todos: Não.
B – Com a aula de psicologia sair do colégio, não. Com outras matérias sim.
D – A gente foi no teatro, mas não teve nada a ver com Literatura.
B – Claro que teve!
D – Ela simplesmente ela deu uma folha e pediu: - Digam o que aconteceu no final da peça.
B – E tinha que fazer a interpretação da coisa, né?
268
K Vocês acham que seria importante sair da escola, participar de outras atividades fora da
escola, para trabalhar questões depois nas disciplinas?
B – Eu acho que sim, mas dependendo da atividade.
E – São atividades que todo mundo acha interessante.
D Exatamente, até por a gente ficar muito tempo na sala de aula a gente perde meio que a
vontade. A gente todo dia ali naquela mesma função. tem aula hoje, tem aula hoje não tem
nada diferente, não tem nada diferente. Entendeu? Daí se tivesse um passeio, uma coisa, um
passeio por mês que fosse...
E – É no bar da esquina ali...
D – É... tu te sente mais animado.
G – Mas os nossos colegas só querem ir para zoar.
D – É isso acontece, então não adianta.
G Quando a senhora deu os termos para assinar ninguém quis, nós. E o resto? Não queria,
eles não querem nada com nada...
B – É falta de responsabilidade.
*Começa uma discussão sobre a única obrigação deles ser a de estudar e sobre imaturidade.
Falam também do professor que não entende os alunos.
B – É falta de responsabilidade... “tipo” tu era imaturo (se referindo ao D) se não tu não tava aqui
pensando, debatendo.
D – Com certeza!
B – Então tu nem te dá conta que é assim.
K É tão engraçado tu dizer que és imaturo porque tu és uma pessoa que desde o início estava
presente que discute, que conversa.
D Não, sim professora, mas é uma... não sei como posso dizer, tem coisas que eu tinha que ser
responsável, com meu colégio por exemplo, justamente com o colégio que é a única coisa que eu
faço, e que eu não faço, entendeu?
E – É a única coisa que o cara tem que fazer e não faz.
B – É uma coisa absurda na minha casa assim, porque eu nunca tirei uma nota vermelha na minha
vida, daí eu mostro para os meus pais, é só o que tu faz, não faz mais do que a tua obrigação...
E – Toda minha vida eu tirei nota vermelha, no último semestre eu me recuperava.
D Não teve um ano que eu não tenha tirado nota vermelha, não dia que eu parar de tirar nota
vermelha eu vou dizer: oh sou 100% maduro.
K – Não sei se é a única coisa que vai dar o certificado, né D?
B – Tipo aconteceu de uma prova valer 100% e eu tirar 98% da prova, daí eu mostro para meu
pai, para minha mãe, daí eles dizem porque tu não tirou 100? Daí ahahaha...
E – O cara de vez em quando chega até se desinteressar pela aula porque o professor assim, como
o professor de *** que eu fui lá perguntar um negócio para ele e ele disse ano vou te explicar
agora, já expliquei, vai lá e tenta fazer.
D – Qual é a função do professor no colégio?
B – Que professor é esse?
E Ontem teve aula de *** eu fui e perguntei para ele cara, ele não me explicou nada. Daí eu
fui lá e tentei fazer tudo sozinho.
D Ele não explica, ele simplesmente ele pega e diz que a gente conversa... que não presta
atenção na aula. E que tu tem que notar que são pessoas diferentes fala isso para ele, mas não
adianta.
E – Bah, daí tu acaba te desgostando daquela aula e tu já acha o professor chato. Esse professor é
“muito mala”. Tu não vai querer fazer aquilo.
269
K vamos ver assim pergunta 9? Quais os conteúdos que poderiam fazer parte do programa
de Psicologia do 1° ano do Ensino Médio?
D – Isso que eu já disse: pegar um assunto, um foco, tipo o que está acontecendo.
B – Um assunto atual.
D É, entendeu? Ah, dando o mensalão, vamos discutir isso, não pegar uma coisa meio
monótona, um assunto que faz temos que tá rolando e rola, rola e passa o tempo, fica todo mundo
discutindo e não chega a lugar nenhum.
E – O que passou a 10 anos atrás.
D – É, entendeu? Então tem que tá sempre pegando assunto atual.
K – Tá, então coisas mais atuais.
E – Deixar até os alunos bem informados.
D – É, claro.
E – Porque tem gente que não sabe nem o que tá acontecendo no mundo, sabe?
B É, e mesmo que não saiba, numa discussão até acaba sabendo mais ou menos o que
acontecendo, aquilo nos *** [diz] alguma coisa.
D – Tá certo, claro.
10. K – Se vocês fossem dar uma aula de Psicologia. Se coloquem no lugar de professor agora...
e Eu adoro ler jornal. Todo dia quando eu saio de casa, eu acordo cedo, tomo meu bainho, vou
pego meu jornal e começo a ler. Então é uma coisa interessante porque tem muitas coisas
interessantes no jornal. Tem política, daí tem muita gente que não vai ler política porque acha
muito chato. É chato mas tu tem que tá informado, sabe? Eu não gosto de política, eu odeio
política, mas eu to lendo porque eu tenho que estar informado...
D – Eu tenho pavor de ler.
E – Eu também tenho pavor de ler. Eu não gosto de ler.
D Então eu tento me informar com uma coisa que eu gosto entendeu? Por exemplo, vejo o
jornal de noite em casa.
E Bom... eu também não gosto de ler, mas o jornal é essencial, sabe? Eu me acostumei a ler o
jornal todo dia agora.
K – Tá e aí, como tu faria?
E – Eu traria o jornal para a escola, pegaria um assunto do jornal...
D Procurem e debatam um assunto que vocês queiram discutir, que vocês acham que é
importante.
E É, vocês agora procurem o melhor assunto que você acham importante debater. entra a
maturidade, a personalidade do aluno.
D Ali tu vê quem tá interessado e quem o tá. Porque tem gente que vai olhar assim...
“puts” jornal...
E – Ou traz diversos assuntos...
G Se for falar sobre novela, todo mundo vai querer começar a debater ali na sala de aula...
aquele é ladrão, foi ele que matou o outros...
E – Esse é que é o “foda”.
G Se tu for falar sobre a guerra ninguém vai querer saber de nada. Se for falar sobre os pobres
do mercado eles não vão falar nada também, só vão falar sobre novela e...
K – E o que vocês acham que daria para fazer na aula?
D – Uma coisa meio que dinâmica, meio extrovertida, meio não, completamente extrovertida.
E – Tem que fazer o aluno se interessar pela aula, pela matéria. Tem que se unir com o aluno.
D Tem que tentar fazer com que ele... tem que sentir o que ele (aluno) sentindo e tem que
saber o que ele quer para ele. Tem que se colocar no lugar dele entendeu?
270
E – Tem aqueles que tão lá no canto, tá são tímido, a professora chega lá...
D – É bem isso!
E – É tem que saber, tem que chegar, tem que conversar...
D – Não é simplesmente chegar e dizer eu já expliquei a matéria...
E – O problema é o aluno chegar e falar com o professor também.
D – E aí quem só se rala é o aluno, precisa da maturidade do professor também.
K – E vocês G e B? Como vocês imaginam.
B – A gente gosta muito de conversar, eu acho que debate ia interessar.
G – É debate.
B – Quem quisesse ia participar.
D – Ia pegar um assunto e debater.
B e G – É.
D – Ia procurar um jeito de trazer as pessoas para debater, eu acho que isso aí é a Psicologia.
11. Como vocês avaliam o trabalho de pesquisa desenvolvido? O que poderia ter sido diferente?
B – Ah deu um gás na aula, assim porque a aula era parada, pelo menos a gente tava fazendo uma
coisa diferente.
D Eu acho, para mim assim, eu nunca tinha começado a falar como eu falo com vocês ali, eu
nunca tinha parado para conversar com ninguém assim.
E Eu adoro sentar e conversar sabe, mas tem que ter aquela parceria, para sentar e debater, tem
que ter um assunto para debater...
B – A aula é cada um ficava ali no seu grupinho daí tava eu lá e as gurias, eu falava alguma coisa,
elas achavam que eu tava brincando, davam risada, daí eu tá... e continuava fazendo. É legal ter
gente que gosta de discutir de diferentes grupos.
D – Tanto que quando eu comecei era eu, o G, a B e o E.
E – Não quando eu comecei, no começo eu não falava, aí depois que a gente foi para festa.
D – A gente começou a se falar na festa.
E – A gente começou a se falar na festa.
K – E vocês acham que modifico um pouco a história da aula abrir mais para debate?
B – Sim.
D Com certeza, pelo fato da gente ter começado a conversar, a interagir eu me soltei mais,
entende? Eu não to pensando só em mim com certeza teve alguma coisa que mudou em cada um,
entendeu?
K – Vocês não faziam parte do mesmo grupo?
B – É nós 3 sim eu, Pe e Ri.
E – É eles 3 sim, eu não.
G – Depois a gente se juntou, depois da festa.
E – É, depois foi a gente ficou a noite toda conversando... é pô eles debateram ali junto e aí foi...
D – É a gente tá sempre conversando sobre uma coisa diferente.
K E o quanto os espaços sociais também são importantes para poder ingeragir mais, para
conhecer as pessoas, porque como vamos conhecer, né? Conversando, se aproximando...
D – É.
E – Hoje em dia muita gente tem dificuldade de chegar assim e falar, né?
D – E medo de sair de casa, é uma coisa que...
E Ah eu odeio andar de ônibus. Eles fecham todas as janelas, eu saio pedindo abre aí, abre
aí...
D – É uma coisa meio que trancada...
271
B – As pessoas são mais fechadas... Ah, é uma coisa assim: ah aquele é roqueiro, aquele é do rap,
eles não vão se dar bem... já é uma antipatia preconceituosa sem nem falar com a pessoa, sabe? É
tem que conhecer antes.
E – Só porque a pessoa usa uma roupa, faz um cabelo lá todo espetado.
D – Ou se não porque essa pessoa foi lá, fez uma coisa e apareceu na TV os outros vão ser iguais,
entendeu?
K Bom pessoal, eu acho que podemos ir finalizando. Queria agradecer a disponibilidade de
vocês e saber se vocês têm dúvidas, perguntas...
* Fizeram algumas perguntas em relação a minha formação de psicóloga e o que mais eu fazia...
**Ao longo da conversa que continuamos estabelecendo depois do encerramento da entrevista
(que não foi gravada) apareceram alguns conteúdos relativos a questões preconceituosas
principalmente em relação a pobreza, aos pobres, aos negros, aos surdos. Perguntas tais como:
Pobre – Por que pobre tem tanto filho?
Negro – Nunca ninguém branco bem arrumado veio me assaltar.
Um aluno faz um comentário: “Por que não mandam todos os negros de volta para a África?”.
Entrevista Individual – Nº 4
Dia 29 de novembro de 2005.
Entrevistadora K: (Pergunta 1)
Ah, eu vejo assim como falar, comunicar aos alunos sobre um certo assunto. Que a professora
possa comunicar, conversar, explicar, tirar dúvidas, dialogar sobre um assunto assim, eu acho
importante.
Entrevistadora: Tu acha que abre para essas possibilidades de conversar mais?
I – Explicar mais, pois tem coisa que a gente nem sabe, nem sabe o que tá acontecendo fora. O
professor chega e fala “_Ah! Tá acontecendo isso e isso” então é bem importante.
Entrevistadora: (Pergunta 2)
I – Eu perguntei para o meu irmão e ele disse que era tipo religião. Trabalhinho...
Entrevistadora: Teu irmão estudava aqui?
I – Estudava aqui!
Entrevistadora: E tu tinhas essa expectativa? Ou tu ficava imaginando alguma outra coisa?
I Eu ficava imaginando porque eu nunca tinha tido psicologia, nem sabia o que era isso. eu
“_Ah! O que que é psicologia?”, “que legal vai ter um monte de matéria” eu ficava pensando
assim quando eu tava na 8ª série. No 1º ano ia ter esse monte de matéria. Achava bem legal.
Entrevistadora: Tu acha que correspondeu um pouco as tuas expectativas ou foi diferente?
I – Foi um pouco diferente.
Entrevistadora: E o que foi diferente?
I – Ah, eu imaginava a psicologia como se tivesse prova, matéria, não trabalhinhos, assim
diálogos...
Entrevistadora: E tu achava que ia ser mais difícil?
I – Sim. Pelo nome né: Psicologia.
Entrevistadora: (Pergunta 3)
I Eu acho bom, porque mesmo sendo uma matéria a mais não prejudica a gente, porque não é,
como eu falei para senhora, não tem provas, trabalhos... Trabalhos têm, mas não são provas,
matérias, textos, decora isso, decora aquilo. É bom porque é uma coisa leve para gente. A
professora conversa, o trabalho na sala de aula não é nada pesado, puxado.
272
Entrevistadora: E tu acha que tem essa diferença em relação as outras disciplinas.
I – Com certeza! É tipo uma religião, uma artes no Ensino Médio.
Entrevistadora: (Pergunta 4)
I Ah, não sei... ah acho que existe sim, porque as vezes a professora fala em matéria de
sentimento por exemplo: amizade, que nem ela deu os textos dos filhos, então isso ajuda a gente a
entender mais, não que a gente não saiba, porque a gente sabe de tudo isso, né?! Mas a
oportunidade da gente falar porque muitas vezes a gente tem vergonha de falar disso. Ah como eu
vou falar sobre amizade? Com meus amigos então já na sala de aula, ela fala disso, então ela fala
para todos, aí todos ficam À vontade para conversar, para falar.
Entrevistadora: Tu achas que a integração, interação, fica mais privilegiada na aula de psicologia,
ou não? O que tu acha?
I Eu acho que fica porque claro nem todo mundo, como a Senhora viu, nem todo mundo fala,
fica todo mundo meio quieto assim. A maioria que fala lá é o Ri. O Ri fala em tudo que é aula. É
normal! Mas assim que nem o Re... o Re é quieto nas aulas, eu nunca ouvi a voz do Re na sala.
Na aula de psicologia ele fala, fala até demais, então isso ajuda sim. Claro que ajuda, eu que não
falo nada na aula, que sou quieta... eu converso com todo mundo, mas não sou de ficar falando na
aula. Converso como todo mundo na sala de aula...
Entrevistadora: Mais individualmente? Não para o grande grupo.
I Na sala de aula, desde o começo do ano até agora tem gente que não se fala na sala de aula.
Eles ficam quietos assim, dão oi, tchau, mas não de chegar assim: Oi, tudo bom? São tudo mais
quieto.
Entrevistadora: (Pergunta 5)
I A gente fez o trabalho sobre as inteligências múltiplas, que eu não me lembro. Foi bem no
início do ano. Sobre Mercado de Trabalho, qual profissão que a gente seria, se tivesse alguma
dúvida, responsabilidade também, sexualidade... teve uma campanha no colégio sobre
sexualidade, relação entre os pais e os filhos e outros testezinhos assim que foram mais sobre
nossa inteligência. Mais uns testezinhos que eu não me lembro agora, mas tudo mais ou menos ao
redor disso.
Entrevistadora: E teve teste direcionado para a questão vocacional, para tentar pensar que
profissão?
I Teve. Teve vários testes. Acho que foi esse trimestre que a professora trabalhou com
mercado de trabalho. Até a senhora chegar. toda a aula ela dava uma folha que ela tirou da
Zero Hora que fala sobre mercado de trabalho, o que que está se pedindo agora, quais são as
atualidade...
Entrevistadora: E o que tu achaste mais interessante?
I – Mercado de trabalho com certeza.
Entrevistadora: E o que tu achaste menos interessante?
I – O negócio da Inteligência. Eu não vejo utilidade nenhuma. Não entendi nada.
Entrevistadora: E o que tu acha que de repente poderia ter sido diferente?
I Eu acho que a professora deveria colocar a turma mais junta, porque ela deixa... Ah! Vamos
fazer um grupo: todo mundo escolhe um grupo e por isso não tem entrosamento com a turma.
Entrevistadora: Os grupos permanecem os mesmos, praticamente, o ano todo.
I Por exemplo eu sempre sento com as mesmas gurias... sempre, sempre, sempre, nunca sento
com outros colegas, nunca sento com eles...
Entrevistadora: Tu achas que poderia produzir uma integração maior se circulasse mais por
outros grupos?
273
I ia ter mais afinidade na sala, né?! Porque num grupo assim todo mundo conversa, troca
idéia, nem todo mundo, né?! Tem gente que não faz nada. Mas com certeza assim ia conversar
mais.
Entrevistadora: (Pergunta 7)
I Acho que um pouco... não teve relação. Teve filmes que ela falou sobre casamento, por
exemplo: o Pai da Noiva, não tem nada a ver com a aula de psicologia, mas um certo assunto
tem, porque fala da família, fala da complicação que o pai sente quando a filha casa, aí já vai para
o lado da gente, mas não que tenha a ver uma coisa que... uma lógica.
Entrevistadora: Eu me lembro que teve a palestra sobre Atuação Profissional, tu foste? E como
foi?
I Sim. Foi engraçado, ele explicou tudo... quais são as profissões agora, as profissões que
estão ultrapassadas, explicou bastante isso.
Entrevistadora: Ele era um professor de cursinho, né?!
I – Foi. A Senhora assistiu?
Entrevistadora: Não.
I – Ele era muito engraçado ele falava: “isso é coisa do demônio!”.
Entrevistadora: Vocês acabaram participando de alguma atividade fora da escola, por exemplo:
teatro, cinema, feira, exposição?
I Fora da escola não. Mas dentro da escola sim. Ah, mas teve a peça Adolescer. Muito legal
porque falava bastante dos jovens, os problemas, bem para jovem mesmo.
Entrevistadora: Tu gostaste então?
I Gostei. Eu queria ver as dos pais. Essa primeira peça falava sobre a adolescência dos jovens.
A outra vai falar sobre a adolescência dos pais. Aí vai ser mais engraçado ainda.
Entrevistadora: E essa peça foi trabalhada em alguma disciplina?
I Foi, mas não depois, foi antes. Porque a gente foi nessa peça, depois de um tempo teve a
palestra sobre sexualidade na escola. Teve a palestra, trabalhos...
Entrevistadora: Teve alguma relação com a aula de psicologia?
I – Não.
Entrevistadora: Tu acha que poderia ter tido?
I – Até que teve porque a gente teve essa palestra depois a gente teve o trabalho de psicologia.
a gente aprendeu bem mais, não usar camisinha, usar isso, usar aquilo, mas sim como o
jovem se descobre.
Entrevistadora: Tá, daí mais no projeto sobre sexualidade que daí envolveu bastante a psicologia.
I – É.
Entrevistadora: (Pergunta)
I Comportamento, moda, que envolve coisas que as pessoas não sabem bem, né?! Trabalhar
com estilos de sica, como o jovem deve se comportar numa entrevista. Acho que bem dentro
do comportamento, né?!
Entrevistadora: Tu achas que isso poderia auxiliar?
I Com certeza, ainda mais psicologia que fala de marcado de trabalho, de comportamento,
como a gente deve se vestir, da moda...
Entrevistadora: Tá, tu até estavas fazendo um currículo né?! Tu chegaste a levar?
I Tava. Levei, mas eles pegam com 16 anos. Eu ainda to com 15 anos. Faço 16 agora em
dezembro. Quando eu fizer 16 daí vou direto no CIEE fazer o cadastro, mas tem lugares que
pegam com 15 anos, é difícil, mas pegam.
Entrevistadora: Com o que que tu preferiria trabalhar agora?
I – Numa loja de roupas, porque eu sou bem comunicativa, aí para mim vender...
274
Entrevistadora: Tu achas que daria certo?
I – Eu acho que daria certo, assim... ou então... alguma coisa com computador, ou atendente...
Entrevistadora: Tu pensa em fazer vestibular?
I – Penso.
Entrevistadora: Para que que tu pensa?
I – Não sei ainda, acho que Nutrição ou Psicologia.
Entrevistadora: (Pergunta) Se tu fosse montar uma aula de psicologia, que temática tu abordaria e
de que jeito tu daria essa aula?
I – Eu abordaria comportamento. eu ia fazer a aula assim: ia conversar com os jovens para ver
que tipo de comportamento eles achavam que eles tinham. Por exemplo: F. qual é o
comportamento que tu tens? ele fala, depois eu explico sobre comportamento, sobre trabalho.
Coloco uma musiquinha para ficar mais leve, não muita bagunça. Depois que cada um fizesse seu
trabalho ia fazer uma roda e conversar como se comportaria em certo local. Por exemplo: Na rua
tu te comportarias? Numa festa qual teu comportamento? Não que eu ensinar o jovem, mas
para eles compartilharem mais comigo.
Entrevistadora: (Pergunta sobre a pesquisa) Avaliação da pesquisa.
I Acho que foi legal, uma aula diferente, com câmera, com máquina fotográfica. Foi legal, deu
para jovem se soltar mais. Que nem a A. tirando foto da M. A M. filmando todo mundo, foi bem
interessante.
Entrevistadora: O que tu acha que foi diferente?
I Eu acho que todo mundo falou ali, todo mundo se entrosou mais. C. falou, o E. falou, o Q.
falou, N. falou, aí todo mundo entrou no assunto, é muito difícil acontecer isso, todo mundo falar
assim, sabe?! Quem fala é só o G., a B. e o D., os únicos que falam porque o resto não fala nada!
E ali falou o R., eu, a A., falou todo mundo. Foi uma coisa bem, como eu vou te dizer... todo
mundo junto sabe?! Porque aqueles que não queriam falar saíram, ficou quem queria ficar,
então isso mudou, porque quem queria ficar queria falar, fazer o trabalho. Acho que as aulas
deviam ser assim, quem não quer estudar, tchau...
Entrevistadora: Mas escola não é bem assim. Mas no fim nós tivemos que fazer com a turma toda
porque foi uma exigência da escola de estar fazendo com todo mundo. E tu achas que isso pode
ter, mesmo aquele que não falaram né... e que num primeiro momento não participaram dos
encontros mas depois acabaram participando, tu achas que de alguma forma o trabalho que
acabou sendo feito produziu alguma coisa nesses teus colegas também?
I Produziu porque eles não ficaram conversando, eles ficaram olhando quem tava falando,
escutando quem tava falando, pior se eles tivessem conversando, tivessem nem aí... escutando
música, sei lá... mas eles não, eles estavam atirados num canto com sono e escutando o que os
outros estavam falando... mesmo que não falassem né... mas escutaram... respeitaram né...
Entrevistadora: Tá jóia então! Bom! Eu acho que é isso I., e eu estou aberta para perguntas... para
dúvidas, se tu quiseres saber alguma coisa, enfim...
I – A Senhora vai dar aula aqui no ano que vem?
(Risos)
Entrevistadora: Não! A princípio não...
Término da entrevista.
275
ENTREVISTA COM A PROFESSORA
DIA 28 DE NOVEMBRO DE 2005
Nome da Escola: EEMPF
Natureza da Instituição: Pública – Estadual
N° de professores que ministram a disciplina de Psicologia na instituição: 01
Regime de trabalho: 26 horas
Jornada de trabalho: 3 turnos
Cargo que a professora ocupa na instituição: Professora de Psicologia
Curso em que as aulas são ministradas: Ensino Médio 1°s anos (manhã, tarde e noite)
Nome do/a professor/a: P.
Formação profissional do/a professor/a entrevistado/a: Pedagogia ries Iniciais, Orientação
Educacional, Matérias Pedagógicas (Filosofia, Psicologia, Sociologia, Didática Geral),
Especialização em Psicopedagogia.
Atuação Profissional:
*Tempo de trabalho com o ensino de Psicologia? Desde setembro de 2004.
*Com quantas turmas trabalha atualmente? 13 turmas
*Quantos alunos tem em cada turma? 30/35
*Quantas horas aula ministra por turma? 2 horas-aula por turma
1. Principais motivos que a levaram a ministrar a disciplina de Psicologia no Ensino Médio?
2. Qual, na sua opinião, seria a função da disciplina de Psicologia no Ensino Médio?
3. Como considera que a Psicologia pode contribuir com a formação dos alunos do Ensino
Médio?
4. Como a disciplina de Psicologia se articula com as outras disciplinas?
5. Que subsídios guiam a construção do plano de trabalho?
6. Quais os objetivos da disciplina de Psicologia?
7. Quais são os temas e os autores trabalhados com os alunos?
8. Quais os conteúdos desenvolvidos em cada trimestre?
9. Qual a metodologia utilizada?
10. Como se dá a avaliação dos alunos?
11. O que você acha que deveria fazer parte dos conteúdos da disciplina de Psicologia e não faz?
Justifique.
12. Quais as dificuldades encontradas na realização do seu trabalho?
Entrevista:
Entrevistadora: K
Professora: P
Pergunta 1:
P - A falta de professor quando eu cheguei aqui a professora tava para se aposentar, ela já tinha
uma certa idade, tava com 60 anos ela tava precisando de alguém que assumisse o lugar dela para
se aposentar, aí eu cheguei.
K – E tu vieste pela?
P Pela SEC, me inscrevi na SEC, a SEC que me indicou aqui, eles tem tipo de uma planilha
com as escolas que precisam de professor. eles têm o registro das escolas que têm mais
necessidade e das que tem menos necessidade.
276
Pergunta 2:
P - Eu faço aqui na escola o trabalho que já está sendo feito mais de anos, né? No caso, eu
continuei o trabalho dessa professora. No caso o enfoque maior é o mercado de trabalho. Devido
aos alunos virem da série sem oportunidade de trabalhar, no Ensino Médio eles tem idade,
mas ainda sem experiência então a gente uma abrangência maior nesse lado. E a vida em si,
né? Como se posicionar diante à vida, porque na real eles ainda são crianças, crianças-adultos.
Pergunta 3:
P - Em termos de pessoa, para que eles saibam se desenvolver como pessoas. Como pessoas
responsáveis porque ainda as meninas que vão (buscar trabalho) dizem: “_Ah professora, eu não
tenho experiência então ninguém me contrata, e eu também não sei fazer nada e também não sei
buscar nada.” Então como é que eu vou fazer isso?
Eu vou mostrar os caminhos para eles buscarem estágios, oportunidades, até a maneira de
fazerem cursos, se atualizarem no mercado. Porque não adianta eu buscar um estágio sem saber
fazer nada, eu tenho que ter pelo menos uma base mínima de conhecimento.
Pergunta 4:
P - Não se articula. Nenhuma matéria se articula, cada uma é independente, não
interdisciplinaridade.
K – E tu consideras isso importante? Como tu vês?
P Seria importante, mas daí teria que envolver tudo. Teria que ter um tema geral que todos os
professores trabalhassem seria bem mais acessível por todos. Trabalhar em projetos. Teve um
projeto de sexualidade, daí todos trabalharam, é nem todos, mas a maioria dos professores
trabalhou no projeto.
K – Como foi a duração do projeto, como os professores desenvolveram as atividades?
P Foi umas duas semanas de projeto, depois teve uma exposição que foi ali no Shopping Total,
foi no sábado de manhã, nós montamos vários painéis ali no shopping, foi bem interessante.
K – E os alunos participaram junto...
P Foram assistir lá, e a gente viu que muitas pessoas que estavam circulando pelo shopping
paravam para olhar e ler o que estava escrito. Em matemática eles fizeram gráficos.
K – como que a matemática conseguiu abordar, por exemplo?
P Fez gráficos em função... ah e a professora fez várias perguntas: uso de camisinhas,
preservativos, como era feita as relações, até as perguntas saíram bem legais, eles mesmos
fizeram as perguntas e foram fazer as entrevistas.
K E no shopping os alunos fizeram a exposição dos trabalhos e a interação com o público, por
exemplo?
P É, alguns ficaram lá, que estavam (os trabalhos) e que precisavam de explicação, a gente
explicou. As pessoas se interessaram, estavam gostando dos trabalhos.
K – E como surgiu esse projeto? De quem foi a idéia inicial, foi da escola?
P – Foi da escola, da diretora.
K – E para ti foi interessante?
P Foi, que eu vejo muita resistência dos alunos. É um tema que eles conhecem e ao mesmo
tempo não conhecem muito então para eles... tanto é que aqui a gente tem bastante meninas que
tiveram filhos e são mães né? Tem umas que têm filhos de 2 anos, que eu descobri e não
sabia, foi por acaso fazendo trabalho ela disse: _Ah, meu maior sonho é minha filha que eu
277
tive (e que tem 2 anos). Eu não imaginava que ela tinha... então tu vê que eles estão meio
perdidos ainda né? Tem outra agora que teve nenê a pouco tempo.
K – É, e ela passou praticamente o não todo grávida, né?
P E está com problema no útero dela, estava tirando agora... agora do que, se foi uma doença
que ela pegou... porque ela é jovem ainda, né? Então aí é de se pensar nisso...
K E tu acha que a Psicologia poderia estar trabalhando isso mais diretamente na sala de aula?
Como tu vês?
P Eu acho que sim, mas eles levam muito na brincadeira. No momento que tu começa a levar
muito na brincadeira a coisa não flui e vira bagunça. Então eu acho que eles estão muito imaturos
ainda, tem algumas turmas que já estão mais maduras mas outras...
K – É nesse projeto eles conseguiram se concentrar, fazer...
P Conseguiram, fizeram os trabalhos direitinho, mas tinha que ser tudo em grupo, alguns ou
outros não faziam, sempre um ou outro não fazia... mas no geral foi bom, funcionou.
Pergunta 5:
P - A gente trabalha muito com os livros da Psicologia do Ensino Médio, tem alguns livros:
Psicologia Geral... têm algumas editoras que trazem livros para nós aqui. Trabalho muito com
dinâmicas com eles... de integração, socialização... mais para movimentá-los... fazer com que eles
pensem um pouquinho a respeito da vida deles.
K – É tu quem vai elaborando os planos, como é?
P – Sim, eu que elaboro. Tem o conteúdo, mas às vezes eu dou uma fugida.
K – O que o conteúdo estabelece? É por trimestre?
P – É por trimestre.
K – O que ele estabelece no 1°, 2° e 3° trimestres?
P – No 1°. No caso não tem por trimestre, eu que mais ou menos estipulei. Então da Psicologia:
- Objetivos
- História
- Divisões
Depois o comportamento:
- Motivação do comportamento
- Comportamento emocional
- Período do desenvolvimento humano
- Níveis de vida
- Consciente, subconsciente, inconsciente
Relacionado ao entendimento das relações humanas
- Teste vocacional
- Aptidões
- Técnicas de grupo variadas
- Palestras
- Entrevistas
- Assuntos de interesse do aluno e atualidades
- Ética
- Valores
- Relações interpessoais
- Postura
- Preparação para o trabalho e vida em sociedade
P - ... Só que isso aqui já é de anos, né?
278
K – Que está estabelecido no programa da escola?
P Então isso aqui não é mexido muito tempo, já era da outra professora que eu peguei,
isso aqui não muda de ano para ano. Então eu acho que tem que dá uma mudada. Não tem assim:
tem que ser isso. Tanto é que aqui: _ Assuntos de interesse do aluno e atualidades, então tu pode
aplicar o que tu quiser, o que tu acha de interessante que aquele grupo ia ser importante para
eles...
K – Tu tens essa flexibilidade, essa abertura para poder estar trabalhando os conteúdos...
P – Eu mais ou menos estipulei, mas não tá nada definido, só para dar uma divisão.
Pergunta 6:
P – Aqui oh, isso dá escola: - Proporcionar ao aluno condições de melhor convívio na sociedade a
qual pertence e atuar com vistas a conduzir possíveis dificuldades de maneira satisfatória através
do conhecimento que a psicologia proporciona. E realizar atividades que conduzam ao
desenvolvimento de capacidades.
K – E tu concordas com estes objetivos? Tu acrescentarias algum? Como é que é?
P eu acho que acrescentaria dentro deles mesmo, porque eu acho que nada tá fechado, então
tem que estar sempre aberto a mudanças e cada turma é uma turma, independente de outra...
mesmo sendo o mesmo material que eu trabalho, nunca sai a mesma coisa. Sempre tem uma
turma que é mais questionadora, outra é mais quieta, que não fala muito. Por isso mesmo que eu
faço muito trabalho escrito, daí eles tem a oportunidade de desenvolver o pensamento deles. Tem
muitos que não gostam de se expor. Na sala mesmo, aquele menino nunca falou, no final assim é
que ele tava meio que falando, acho que ele tava trancado, já precisava falar e por para fora
as coisas...
K – O E.?
P É acho que é o E. ele nunca falou, nunca, nunca, eu conseguia ouvir a voz dele na
chamada. Mas ele desenvolvia bastante os trabalhos dele.
K – E os trabalhos escritos eles te entregam, como tu fazes a correção?
P Como eu não faço prova, eu avalio bastante o que eles desenvolvem. Aqueles trabalhos que
são pouco desenvolvidos, não avalio tanto. Eu não vejo sentido em fazer prova de Psicologia,
porque como não é uma matéria que envolve todo um conteúdo tipo Português e Matemática, eu
posso fazer uma diversidade de assuntos, eu acho mais interessante fazer só trabalhos.
K – E aí tu devolve para eles? Com avaliação?
P – Sim, devolvo. Só agora no 3° trimestre que ninguém devolve nada, fica com o professor...
K – Por quê?
P Mais uma proteção que o professor tem. No caso se o aluno roda tem como mostrar. Ou é
tirada uma cópia e devolvida a cópia para o aluno. O original sempre fica com o professor.
K – A disciplina de psicologia chega a reprovar?
P Alguns reprovam por não fazerem nada. Tem uns que vêm, assistem, não tem como
passar esse aluno, porque se não eles vêem que qualquer um passa ali, né? Então nem todos têm a
mesma nota.
K – No ano passado alguém chegou a rodar?
P Alguns sim, mas no final vai para o conselho, é decidido, se fica em mais de 3 daí é
decidido...
K – Ah, tem essa negociação depois.
P Se o aluno tem condições de passar, ele vai e passa, porque a Psicologia não vai rodar
ninguém, na real, é mais um adicional, que nem a Filosofia e a Sociologia...
K – Eles tem filosofia, sociologia no 2° e 3°? Não? Quais são as matérias?
279
P eu não sei, mas eu acho que aumenta a carga horária das outras matérias. Antigamente a
psicologia era no terceiro ano em função do vestibular eles tiraram, daí passou para o 1° ano.
K – Ah tá. Teve conselho de classe na semana passada, tu chegaste a participar?
P É, mas não era meu dia de vir, eu estava em outra escola não tinha como vir. Até eles me
perguntam como é que foi, eu digo: não sei.
K – Tu acha que é importante participar?
P No 1° trimestre e no trimestre eu acho interessante, porque no trimestre quando o aluno
por uma matéria no final ele até consegue passar, se ele é um aluno esforçado, se se esforçou
durante o ano ele passa, mesmo ele não estando tão bem.
K – E os pais participam do conselho de classe?
P – Não.
K – É fechado? Só da escola.
P – É. Só da escola, depois é levado para o aluno.
K – Porque tem algumas escolas que os pais participam.
P – Aqui não.
Pergunta 7:
K - Tem algum autor em especial?
P – No início do ano eu trabalhei as Inteligências Múltiplas, um pouquinho bastante. Do Gardner.
Até to com o material aqui para tirar para o ano que vem. Bem interessante. Eles assistiram uma
palestra, aquele dia que tu tava aí, do universitário.
K – De atuação profissional.
P – É, 1° eles diziam que não queriam ir, eu disse vão! Aí depois eles me contaram que assistiram
tudo que eu tinha passado para eles. Tudo sobre mercado de trabalho, que grande parte do que
o professor que veio fazer a palestra falou, eles já sabiam. Das inteligências múltiplas ele falou de
todas as inteligências. Deu disse: “Ah pelo menos se não se interessaram tanto porque é um
assunto muito pessoal... eles não tem muita perspectiva de fazer vestibular, muitos não tem,
alguns só, um grupo muito pequeno que vai fazer vestibular. Então eles não se interessam. Isso
foi bem no início do ano, foi em março que eu passei para eles as inteligências múltiplas. E eles
disseram que sabiam o que era isso. Pelo menos vocês sabem do que sendo tratado. E
trabalhei muito a Psicologia, como que se desenvolve a Psicologia, alguns estágios da
Psicologia...
K – Estágios...
P Estágios de desenvolvimento da pessoa. Eu não enfoco muito o autor porque para eles não
interessa muito assim, eu faço um resumão, pego um apanhado de vários autores...
Pergunta 9:
P Metodologia de ensino? Ou faço quadro, ou folha, mas as folhas eu sempre recolho, porque
no fim sempre vai fora e como tem muitas turmas... eu tenho uma quota de xerox, mas as
dinâmicas também, trabalho bastante dinâmica, mais ou menos isso.
K Tu achas que as dinâmicas, tu falaste em dinâmica de integração, tu acha que ajuda no
relacionamento da turma.
P Eu acho que ajuda. No dia de aula eu faço uma dinâmica. Tanto é que nessa turma que
tu pegaste ninguém se conhecia praticamente. aqueles que rodaram que se conheciam, então
era todo mundo novo, poucos que vieram de grupos de outras escolas que se conheciam. Então
foi interessante para eles se conhecerem. Claro, durante o ano eles vão se conhecendo muito
mais e fazendo seus grupinhos, mas fora isso é interessante.
280
K – Sobre avaliação tu já falaste...
P A média aqui é 5 para passar. É, e agora no final o que vale é a última, e a freqüência. A e
2ª tu elimina.
K – Fica valendo a nota do último trimestre.
P – Isso eu acho errado, porque aquele aluno que se esforçou o ano inteiro e agora ele não vai tão
bem, ele sai prejudicado.
Pergunta 11:
P Acho que pela proposta da escola, tudo de acordo. Acho que talvez seria mais debates
porque são muito fechados. Eu sinto que eles não são muito de se abrir. Tinha que ter um
momento da aula que, talvez eu faça isso no ano que vem, de debate. Mas isso tudo acontece
com a maturidade e conhecimento deles.
Pergunta 12:
P Acho que a falta de materiais, a escola não tem tantos materiais. A biblioteca tem material
muito antigo, então não tem como os alunos pesquisarem, e tem poucos volumes. Mais nesse
sentido.
K – Seria mais no sentido estrutural.
P – É.
K – Seria isso. Não sei se tu tens alguma pergunta?
P – Não, acho que não.
281
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