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Considerado no contexto dos seus contemporâneos, Rousseau foi
o mais “igualitarista” de todos os pensadores iluministas, na medida em que
compreendeu e criticou a desigualdade social assentada na igualdade jurídica e
propôs a efetiva participação popular, ou melhor, a distribuição homogênea de poder
entre os membros da sociedade, como meio de garanti-la justa e igualitária. Alguns
aspectos de sua teoria, porém, revelam fragilidades.
No início d’O Contrato Social, Rousseau aduziu ser a família a
primeira e mais antiga instituição natural
122
. Entretanto, já na segunda metade do
século XIX
123
, o estudo das sociedades primitivas demonstraria que, no
matriarcado, não existia a noção da família fechada como se tem hoje. Ao contrário,
havia uma grande comunidade onde todos eram tomados como filhos de todos –
não biologicamente, claro, mas social e afetivamente imperava a noção de um grupo
familiar extenso. A família patriarcal monogâmica que Rousseau conheceu é um
dado histórico, uma construção social que, como o estado, não adveio da natureza.
Posteriormente, Rousseau imaginou diversos seres humanos
sozinhos, isolados, que, “cansando-se” das agruras da vivência no estado de
natureza, “decidiram” unir-se e abrir mão de uma parcela de sua liberdade, a fim de
compor uma associação civil que os congregasse e permitisse a todos viverem
juntos, na intenção do benefício comum. Para tanto, Rousseau considerou a
elaboração de um contrato social em que cada integrante “põe em comum sua
pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral; e recebemos,
coletivamente, cada membro como parte indivisível do todo.”
124
.
Contudo, o sonho da livre associação de homens que se
encontrariam num hipotético estado de natureza marcado pelo isolamento ignorava
o fato de que a História mostra exatamente o contrário: até pela fragilidade individual
122
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1989, p. 10.
123
J. P. Morgan publicou, em 1877, a obra Ancient Society, or Research in the lines of Human
Progress from Savagery through Barbarism to Civilization, que analisou em profundidade a família e a
forma de produção social das comunidades primitivas, pré-históricas. Essa obra serviu de base para
o livro A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, de Engels, já citado. Antes disso,
em 1861, Bachofen havia publicado o livro Direito Materno, considerado por Engels o trabalho
precursor no estudo da história da família. Posteriormente, o sr. Mac Lennan também deu sua
contribuição aos estudos da família pré-histórica, publicando seu trabalho Studies in Ancient History,
Comprising a Reprint of Primitive Marriage em 1886 (tais dados encontram-se em ENGELS, F., As
Origens, op. cit., pp. 9/10, 14/15, 17/20). Estes são alguns dos estudos que se fizeram naquele
momento histórico (2ª metade do século XIX) e que demonstraram a verdadeira natureza da família
primitiva, diversa da que considerada por Rousseau. Este, no entanto, havia falecido em 12 de julho
de 1801, e não pôde, portanto, acompanhar tais descobertas e estudos que desautorizaram a
concepção de família por ele considerada.
124
ROUSSEAU, J., op. cit., p. 20.