Àquele seu silêncio nenhuma voz iguala.
A voz da natureza no seu silêncio fala.
Quereis que uma Rainha, que tem consigo guerra,
Que traz no rosto os crimes, que vê rasgar-se a terra,
Que a roupa, e todo chão vê de seu sangue asperso,
No último suspiro dê a pancada ao verso?
Quereis que uma Donzela, que creu em fé perjura,
Aflita, abandonada no horror da noite escura,
Gritando se resolva ao temerário efeito,
E que se lembre da arte quando trespassa o peito?
Rainha, que o teatro por breve tempo adora,
Esse orgulhoso fasto não conserveis cá fora.
Deixai na cena o cetro, a raça ilustre, e nobre,
E a pompa, que a meus olhos vos rouba, e vos encobre.
Tirou dentre ruínas Ferreira a Apolo aceito
A pálida Tragédia com um punhal no peito.
Os velhos seus altares junto do Tejo erguidos
Cobriu areia, e erva. Ainda mal cingidos
(Séculos infelices, e tanto enfim pudestes!)
Murcharam sobre a frente os fúnebres ciprestes.
Apareceu C*** à voz, que move, e encanta,
O corpo sobre o braço Melpômene levanta.
A ignorância, a inveja chorem de dor, e de ira.
É ela, eu ouço, eu vejo a tímida Palmira,
Que aos pés do velho Pai, inda constante, e forte,
De um crime involuntário pede em castigo a morte.
Ah! quando, ao ver o Irmão nos últimos desmaios,
Lança do peito fogo, lança dos olhos raios,
Ó alma grande, e rara, eu mesmo, eu mesmo o vi,
O Gênio de Voltaire erra ao redor de ti.
Mas eu dou-vos lições inúteis, e infiéis,
E a minha Musa irada arroja os seus pincéis,
Se eles vos não infundem soberba que se estima,
Soberba criadora, fogo que nos anima.
Não, não temais a afronta do público insolente.
Abriu, abriu os olhos a Lusitana gente.
Se já vos chamou vis, cora de tê-lo feito.
Não, não despreza as artes, que adora no seu peito.
Eu sei que um Sábio ilustre, a quem venera a Fama,
Um, que aborrece o mundo, e o mundo todo o ama,
Do seu retiro, adonde mora a verdade nua,
Troveja sobre vós com a eloqüência sua:
E no seu ócio triste cercado de desgostos
Quis corromper com fel todos os nossos gostos.
Eu tremo, e a minha Musa, por mais que se desvele,
Respeita este Demóstenes inda queixosa dele.
Mas contra as suas iras vos devo consolar.
Um Sábio enfim é homem, podia-se enganar.
Se ele de todo o mundo forma uma imagem feia,
Nós por que não faremos uma formosa idéia?
Dos crédulos humanos, Censores rigorosos,
Para que é ter invejado que nos faz ditosos?
Deixai-nos esta ao menos fantástica beleza:
Um engenhoso engano adorna a Natureza.