segundo andar, ao estrépito do martelo, sobre uma banquinha de cedro, que apenas
chegava para o mister da escrita; e onde a minha velha caseira Ângela servia-me o parco
almoço. Não tinha comigo um livro; e socorria-me unicamente a um canhenho, em que
havia em notas o fruto de meus estudos sobre a natureza e os indígenas do Brasil.
Disse alguém, e repete-se pôr aí de outiva que O Guarani é um romance ao gosto de
Cooper. Se assim fosse, haveria coincidência, e nunca imitação; mas não é. Meus
escritos se parecem tanto com os do ilustre romancista americano, como as várzeas do
Ceará com as margens do Delaware.
A impressão profunda que em mim deixou Cooper foi, já lhe disse, como poeta do mar.
D’Os Contrabandistas, sim, poder-se-ia dizer, apesar da originalidade da concepção, que
foram inspirados pela leitura do Piloto, do Corsário, do Varredor do Mar etc. Quanto à
poesia americana, o modelo para mim ainda hoje é Chateaubriand; mas o mestre que eu
tive, foi esta esplêndida natureza que me envolve, e particularmente a magnificência dos
desertos que eu perlustrei ao entrar na adolescência, e foram o pórtico majestoso pôr
onde minha alma penetrou no passado de sua pátria.
Daí, desse livro secular e imenso, é que eu tirei as páginas d’O Guarani , as de Iracema ,
e outras muitas que uma vida não bastaria a escrever. Daí e não das obras de
Chateaubriand, e menos das de Cooper, que não eram senão a cópia do original sublime,
que eu havia lido com o coração.
O Brasil tem, como os Estados Unidos, e quaisquer outros povos da América, um período
de conquista, em que a raça invasora destrói a raça indígena. Essa luta apresenta um
caráter análogo, pela semelhança dos aborígenes. Só no Peru e México difere.
Assim o romancista brasileiro que buscar o assunto do seu drama nesse período da
invasão, não pode escapar ao ponto de contacto com o escritor americano. Mas essa
aproximação vem da história, é fatal, e não resulta de uma imitação.
Se Chateaubriand e Cooper não houvessem existido, o romance americano havia de
aparecer no Brasil a seu tempo.
Anos depois de escrito O Guarani, reli Cooper a fim de verificar a observação dos críticos
e convenci-me de que ela não passa de um rojão. Não há no romance brasileiro um só
personagem de cujo tipo se encontre o molde nos Moicanos, Espíão, Ontário, Sapadores
e Leonel Lincoln.
N’O Guarani derrama-se o lirismo de uma imaginação mpça, que tem como a primeira
rama o vício da exuberância; pôr toda a parte a linfa, pobre de seiva, brota em flor ou
folha. Nas obras do eminente romancista americano, nota-se a singeleza e parcimônia do
prosador, que se não deixa arrebatar pela fantasia, antes a castiga.
Cooper considera o indígena sob o ponto de vista social, e na descrição dos seus
costumes foi realista; apresentou-o sob aspecto vulgar.
N’O Guarani o selvagem é um ideal, que o escritor intenta poetizar, despindo-o da crosta
grosseira de que o envolveram os cronistas, e arrancando-o ao ridículo que sobre ele
projetam os restos embrutecidos da quase extinta raça.
Mas Cooper descreve a natureza americana, dizem os críticos. E que havia ele de
descrever, senão a cena de seu drama? Antes dele Walter Scott deu o modelo dessas
paisagens à pena, que fazem parte da cor local.
O que se precisa examinar é se as descrições d’O Guarani têm algum parentesco ou
afinidade com as descrições de Cooper; mas isso não fazem os críticos, porque dá
trabalho e exige que se pense. Entretanto basta o confronto para conhecer que não se
parecem nem no assunto, nem no gênero e estilo.
A edição avulsa que se tirou d’O Guarani, logo depois de concluída a publicação em