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devo ter levantado a voz, mas ele perdeu o controle e deu um soco na mesa, com a voz um pouco
esganiçada, e disse: “quem é você para levantar a voz aqui no meu gabinete?” Eu devo ter falado
um pouco mais exaltado, com um pouco mais de vigor, mas certamente não levantei a voz com
ele, não era meu estilo.
Nessas ocasiões, endurecia mais para gente, era proibido o acesso ao Colégio aos sábados, que era
quando a gente se reunia. Tentavam aumentar o controle sobre o Grêmio e proibir quaisquer outras
atividades. A gente tinha que ter uma relação permanente com os inspetores de ensino para poder
entrar, convencer o sujeito, levar para tomar uma cervejinha. Eu, por exemplo, era presidente do
Grêmio e tinha dificuldades de entrar de manhã ou de tarde, porque não tinha o reconhecimento de
poder entrar fora de meu horário de aula. Com isso, tinha que entrar praticamente de forma
clandestina, ou forçando a barra, e muitas vezes não conseguia entrar. Então era uma luta, nós
éramos tolhidos de mil maneiras. Para fazer atividades, precisava de uma força de vontade
hercúlea. Certamente eles, os diretores, sofriam muita pressão. Mas era algo paradoxal, porque
para nós eles eram durões, reprimiam, nos impediam de entrar, ainda que pudesse perceber aqui e
ali uma fresta. Mas certamente eles eram altamente pressionados por fora, contra a gente, tínhamos
uma relação difícil. Com Tito um pouco melhor, com Carlos Potsch algum diálogo, mas sentíamos
que eram os opressores, não tinha essa condescendência que o movimento de repressão da ditadura
talvez apontasse.
Nós éramos fortemente controlados. Havia um gabinete estudantil, o Gabinete de Orientação
Vocacional, que na verdade eram dois professores que ficavam encostados. Um deles era o Prof.
Milton, que tinha a função de controlar o Grêmio. Então os alunos do Grêmio tinham que pedir
autorização para tudo. Eu, por exemplo, investia boa parte do meu tempo embromando o Prof.
Milton, cortejando, visitando, e ele percebia claramente que eu estava ali com a função de tentar
convencê-lo a aprovar as atividades do Grêmio. Tenho certeza de que essa era a única função desse
Gabinete, mas a gente ia burlando por aqui, por ali, fosse para obter autorização para organizar um
cineclube, fosse para organizar um campeonato de futebol, ou para editar o jornal” (MAURICIO
D. DAVID, 2007).
“Nessa época, em 1966, o diretor do colégio (Seção Norte) era o Prof. Gabriel Chaves,
matemático, uma pessoa muito cordata, democrática, e apesar de não ter uma preocupação
ideológica, nós tínhamos consciência dos nossos direitos, lutamos por eles, e eu posso citar uns
dois exemplos disso. Havia uma professora chamada Cléia, não sei se ela era psicóloga, se era
orientadora educacional, tinha um gabinete que, se não me falha a memória, era de orientação
educacional, e pouco depois de assumirmos o grêmio eu recebi algumas cartas de outros colégios,
inclusive do grêmio do Colégio Militar. E eu vi que a carta veio aberta, e fui reclamar com ela, que
disse: “vocês são menores de idade, não podem, isso é lei, vocês não podem receber. Nós temos
que ler o conteúdo porque vocês são menores de idade”. Aquilo me revoltou muito, e como nós
havíamos criado um jornal, “A Chama”, que, aliás, já era um jornal antigo, eu preparei alguma
coisa para falar sobre isso.
Mas, nesse mesmo período, um colega meu, o Luis Alberto, nosso diretor cultural, que de todos
era o que tinha maior preocupação social, falou comigo que conseguiria junto ao MEC um contrato
para que o grêmio vendesse material escolar a preço de custo, e eu achei excelente. Fizemos o
contrato com o MEC, que deixou conosco o material escolar. Eu escrevi um artigo para o jornal
falando que íamos vender o material do MEC a preço de custo. O MEC deixou conosco em
consignação, depois entregaríamos o dinheiro do que fosse vendido e devolveríamos o material
não vendido. Eles, que não nos conheciam, tiveram total confiança na gente.
Quando eu fui escrever esse artigo, que era censurado, teve que passar antes pela Prof
a
Cléia. Ela
disse que aquilo não podia sair no jornal, porque era muito perigoso que nós alunos lidássemos
com dinheiro, e que o colégio não permitia aquilo.
Então escrevi um outro artigo substituindo esse, um editorial criticando, até de uma maneira muito
infantil, dizendo que o gabinete só tinha “burrocratas”. E tudo escrito a caneta, não tínhamos
máquina de escrever, e mandei numa folha de caderno escolar esse artigo para ela, reclamando que
ela era muito “burrocrata”, emperrava as ações do grêmio. Eu sabia que aquilo ia ter volta, que não
ia ficar daquele jeito.
Um belo dia, eu estava em sala e o Sales, um dos chefes da disciplina, pediu licença ao professor e
disse que o Prof. Chaves estava me chamando na sala dele. Todo mundo olhou, até o professor.
Todos pensaram que ia acontecer alguma coisa, inclusive eu.
Fui, entrei na sala, vi que a Prof
a
. Cléia estava sentada em frente a ele, com um casaquinho
jogado sobre os ombros, olhando por cima dos óculos, com uma cara muito afetada, muito sentida,
magoada, e o Prof. Chaves, que gostava muito de mim, tentou contornar a situação.