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CLÍTICOS, REDOBRO E VARIAÇÃO DA ORDEM ORACIONAL EM
KAYABÍ (TUPI-GUARANI)
Nataniel dos Santos Gomes
Orientador: Profª Drª Marcia Maria Damaso Vieira
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE LETRAS
2007
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CLÍTICOS, REDOBRO E VARIAÇÃO DA OREM ORACIONAL EM KAYABÍ
(TUPI-GUARANI)
Nataniel dos Santos Gomes
Tese de Doutorado em Lingüística
apresentada à Coordenação dos
Cursos de Pós-Graduação em Letras
da Universidade Federal do Rio de
Janeiro
Orientador: Profª Drª Marcia Maria Damaso Vieira
Rio de Janeiro
2007
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Clíticos, Redobro e Variação da Ordem Oracional em Kayabí (Tupi-Guarani)
Nataniel dos Santos Gomes
Tese de doutoramento submetida ao Programa de Pós-Graduação em Lingüística,
da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor.
Aprovado por:
______________________________________________________ – Orientador
Profª Drª Marcia Maria Damaso Vieira (MN/UFRJ)
______________________________________________________
Profª Drª Marília Lopes da Costa Facó Soares (MN/UFRJ)
______________________________________________________
Prof. Dr. Marcus Antonio Rezende Maia (UFRJ)
______________________________________________________
Profª Drª Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold (UFRJ)
______________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Antonio Pinheiro Correa (UFS)
______________________________________________________
Profª Drª Tânia Conceição Clemente de Souza (UFRJ) – Suplente
______________________________________________________
Prof. Dr. José Pereira da Silva (UERJ) – Suplente
Gomes, Nataniel dos Santos
Clíticos, Redobro e Variação da Ordem Oracional em Kayabí (Tupi-Guarani) / Nataniel
dos Santos Gomes. Rio de Janeiro: UFRJ / FL, 2007
Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, FL, 2007.
1. Línguas Indígenas Brasileiras. 2. Teoria da Gramática. 3. Lingüística – Tese I.
Clíticos, redobro e variação da orem oracional em Kayabí (Tupi-Guarani). II – Tese
(Doutorado – UFRJ / FL, Curso de Pós-Graduação em Lingüística).
Dedico este trabalho à minha esposa,
Angela, que é a pessoa mais fantástica que já conheci na vida.
Agradecimentos
A Deus, pela sua infinita graça.
À Professora Márcia Maria Damaso Vieira, pela paciência, pelo estímulo e a
competência. Sem essas virtudes o trabalho nunca seria finalizado.
À banca examinadora pelas valiosas contribuições para minha formação.
Aos professores da Pós-Graduação em Lingüística da Faculdade de Letras e do
Museu Nacional, ambos da UFRJ, que são meus ícones acadêmicos. De modo especial
para os professores Marília Facó, Marcus Maia, Humberto Peixoto e Celso Novaes. Eu
sempre saia das aulas totalmente embevecido.
Para minha esposa, Angela, que compreendeu a minha ausência durante várias
noites para finalizar este trabalho.
Aos meus pais, pelo dom da vida e pelo esforço de toda uma vida.
Aos meus colegas de jornada universitária.
RESUMO
Gomes, Nataniel dos Santos. Clíticos, redobro e variação da ordem oracional em Kayabí
(Tupi-Guarani). Orientador: Marcia Maria Damaso Vieira. Rio de Janeiro. Universidade
Federal do Rio de Janeiro/ Faculdade de Letras. 2007. Tese (Doutorado em Lingüística).
O objetivo desta tese foi investigar o estatuto dos sujeitos pronominais que
exibem efeitos de 2ª posição, bem como o papel desses elementos na variação da ordem
oracional e nas construções de redobro de clíticos. Constatamos que os pronomes de
sujeito do Kayabí são argumentos –XPs que na sintaxe se manifestam em [Spec, TP], da
mesma maneira que os sujeitos DPs, seguindo um padrão oracional do tipo SOV. Os
efeitos de 2ª posição se derivam da deficiência prosódica desses elementos, que
precisam se posicionar como enclíticos. Quando a sintaxe não posiciona, por motivos
independentes, nenhum elemento prosódico independente à esquerda do clítico, ocorre
Inversão Prosódica (Halpern, 1995) na Fonologia. Essa operação deriva as ordens OsV
e VsO. Sendo a primeira a mais freqüente devido à ordem básica SOV. Quando há
material lexical à esquerda do clítico, este é posicionado, por meio de regras sintáticas
ou por concatenação, em projeções funcionais que compõem a periferia esquerda da
oração. Uma projeção bem ativa em Kayabí é o FocP que está envolvido não só nas
estruturas de foco, mas também nas interrogativas da língua. Verificamos ainda que
esses mesmos elementos pronominais nas construções de redobro são melhor analisados
com núcleos de DPs; isto é –Xos, cuja função é lexicalizar um traços – phi de D,
emprestando ao sintagma um efeito de definitude. Os achados deste trabalho servem
para confirmar algumas propostas teóricas vigentes, tais como: a idéia de Inserção
Tardia da Morfologia Distribuída (Embick e Noyer 2001) para dar conta do
comportamento sub-especificado dos elementos pronominais; a hipótese de Rizzi (1997,
1999 e 2004) sobre a existência de um sistema funcional mais complexo, localizado na
periferia esquerda da oração; e a sugestão de Uriagereka (1995), e Kayne (2001) que em
casos de redobro, o clítico e o NP fazem parte do mesmo sintagma, além da hipótese de
Tavares Silva (2005) segundo a qual, em certos casos de redobro, o clítico é expressa
um traço em D que tem como efeito secundário, uma interpretação de definitude.
ABSTRACT
The aim of this thesis is to investigate not only the status of pronominal subjects which
exhibit second position effects, but also the role of these pronominal elements in
word order variation and in clitic doubling constructions. We have realized that Kayabi
pronominal subjects are argument XPs – which are placed in the syntax in [Spec, TP]
through an SOV reordering of clausal constituents. The second position effects
observed with these pronouns are derived by their prosodic deficiency. Being enclitics,
they need a host to their left. If syntax does not provide a host for them, Phonological
Inversion occurs at the Phonological level,as predict by Halpern ( 1995). This local
rearrangement, derives the word orders OsV and VsO (when the verb is in the negative
form). When syntax, for independent reasons, moves or merges elements to the left of
the clitic, it can surface in its basic syntactic position: XP sOV or XP sV. It has also
been observed that Kayabi left periphery domain is activated. Focus Phrase is highly
active and is also involved in the derivation of interrogatives. Besides FocusP, there are
other functional projections in this area of the clause. Besides that, it has been found
that in doubling constructions, the pronominal clitics are best analyzed as the
lexicalization of features on D. In this case, the clitic is an Xo element. The findings of
this study have led us to provide empirical support for the following ideas behind these
different theoretical models: Late Insertion, as postulated by Distributed Morphology
(Embick and Noyer, 2001). As we have already observed the same pronominal can be
realized either as XP or as Xo, depending on the morpho - syntactical structure it is
inserted.Kayabi data have also lent support to Rizzi´s (1997, 1999 and 2004) proposal
for a more articulated area of left periphery of the clause.
Sumário
Introdução..................................................................................................................... 01
1. Povo, Cultura e Língua Kayabí ............................................................................ 03
1.1. Sobre o povo Kayabí..............................................................................03
1.2. Sobre a Cultura .....................................................................................04
1.3. Sobre a Língua.......................................................................................05
1.3.1. O trabalho de Dobson................................................................05
1.4. A nossa pesquisa ...................................................................................17
2. Notas sobre a Gramática Kayabí ..........................................................................20
2.1. Os elementos pronominais de 1ª e 2ª pessoas .......................................20
2.1.1. A manifestação dos afixos pessoais na morfologia verbal
independente..........................................................................................20
2.1.2. A manifestação dos afixos pessoais na forma verbal
dependente............................................................................................. 27
2.1.3. A manifestação dos afixos de pessoa na forma verbal de
Enfoque / Indicativo II......................................................................... 30
2.1.4. A manifestação dos afixos de pessoa na morfologia nominal .31
2.1.5. A manifestação dos afixos pessoais nas posposições ...............32
2.1.6. Os pronomes................................................................................33
2.2. Os elementos pronominais de 3ª pessoa e os casos de redobro ..........34
2.2.1. A manifestação dos afixos pessoais na morfologia verbal
independente .......................................................................................................34
2.2.2. A manifestação dos afixos de 3ª pessoa na forma narrativa .. 36
2.2.3. A manifestação dos elementos pronominais de 3ª pessoa na
forma de enfoque ..................................................................................38
2.2.4. A manifestação da 3ª pessoa na morfologia nominal ..............39
2.2.5. A manifestação dos elementos pronominais de 3ª pessoa nas
posposições ............................................................................................42
2.2.6. Os pronomes independentes de 3ª pessoa..................................43
2.2.6.1. Construções com redobro ..............................................47
2.3. Sobre as categorias lexicais.....................................................................51
2.3.1. O nome .........................................................................................51
2.3.2. O verbo..........................................................................................57
2.3.3. O adjetivo..................................................................................... 63
2.3.4. A posposição ............................................................................... 66
2.4. Os elementos funcionais ........................................................................ 66
2.5. Notas sobre a Morfofonêmica ............................................................... 67
2.6. A ordem oracional e sua variação em Kayabí .....................................70
2.6.1. A ordem básica:SOV ................................................................. 72
2.6.1.1. A ordem SV/VS ............................................................76
2.6.2. A ordem OSV ..............................................................................76
2.6.3. A ordem VSO ..............................................................................77
2.6.4. A ordem e as construções envolvendo CP ................................79
2.6.4.1. Interrogativas sim/não ................................................79
2.6.4.2. Interrogativas do tipo Qu- ..........................................82
2.6.4.3. Enfoque / Indicativo II .................................................85
3. Ordem e estruturas interrogativas: teorias e análises............................................88
3.1. A arquitetura oracional ...................................................................... 88
3.2. O Programa Minimalista ................................................................... 89
3.3. A periferia esquerda da oração ..........................................................94
3.3.1. O sintagma interrogativo ...........................................................98
3.4. A Hipótese do Tipo de Oração .........................................................100
3.5. Interrogativas em Tupi .................................................................... 104
3.6. Interrogativas em outras línguas .....................................................109
3.7. Outros tipos de estruturas interrogativas ...................................... 112
4. Observações sobre clíticos e o fenômeno do redobro ..........................................117
4.1. Sobre os clíticos...................................................................................117
4.1.1. Os clíticos verbais.......................................................................118
4.1.2. A hipótese sintática ...................................................................119
4.1.3. A hipótese morfológica ............................................................ 119
4.2. Redobro de clíticos ............................................................................121
4.2.1. NPs como adjunto .................................................................... 121
4.2.2. Evidências para o estatuto de argumento dos NPs
redobrados............................................................................................123
4.2.3. A hipótese do núcleo determinante ...................................... 125
4.2.4. A hipótese do NP redobrado como complemento de D....... 126
4.2.5. Clíticos anafóricos e dêiticos ................................................. 129
4.2.6. O traço [-focus] do clítico no redobro ..................................130
4.2.7. Redobro em sintagmas possessivos ...................................... 131
4.2.8. Pronome redobrado em função de D ....................................134
4.3. Clíticos de 2ª posição ............................................................................... 138
4.3.1. Halpern (1995, 1998) e a hipótese sintática fraca .................. 138
4.3.2. A proposta de Boskovič (hipótese fonológica fraca) ............. 143
4.3.3. A proposta de Progovac (hipótese sintática forte) ................ 148
4.3.4. Franks (2000) e a hipótese do apagamento de cópia ............. 149
4.3.5. Clíticos de 2ª posição e redobro em Degema ......................... 151
4.3.6. Clíticos de 2ª em outras posições .............................................151
4.4. Inversão Prosódica e a Morfologia Distribuída ................................... 153
4.4.1. Os pressupostos da Morfologia Distribuída .......................... 153
4.4.2. Derivando clíticos de 2ª posição, segundo a Morfologia
Distribuída.......................................................................................... 158
4.5. Clíticos em Kayabí e Inversão Prosódica ............................................. 161
4.6. Clíticos em Kayabí e Hipótese Sintática ............................................... 165
5. O estatuto dos pronomes, alternância de ordem e estruturas com redobro em
Kayabí ......................................................................................................................... 166
5.1. Sobre a Ordem oracional em Kayabí ............................................. 167
5.1.1. A ordem e as construções negativas ........................................173
5.2. O estatuto dos elementos pronominais em 2ª posição ................... 175
5.2.1. Índices de concordância?..........................................................175
5.2.2. Derivando a alternância da ordem com sujeitos clíticos .......178
5.2.3. Derivando a alternância da ordem por meio de movimento
sintático ............................................................................................... 184
5.2.3.1. Interrogativas sim/não .............................................. 184
5.2.4. Elemento em ForceP, topicalização e o efeito de 3ª posição . 197
5.3. Os clíticos de objeto .......................................................................... 201
5.4. O redobro de clíticos ......................................................................... 202
5.4.1. O estatuto dos constituintes do DP com redobro .................. 206
5.5.Conclusões sobre clítico, variação da ordem e redobro ................. 213
6. Conclusão ............................................................................................................. 215
Bibliografia ................................................................................................................. 217
Introdução
Este trabalho visa a descrever e a discutir a natureza dos elementos pronominais
do Kayabí (família Tupi-Guarani), a sua relação com a alternância da ordem oracional e
a manifestação das construções com redobro, à luz de pressupostos teóricos da Teoria
Gerativa (Rizzi (1997, 1999 e 2004); Harperln (1995); Embick e Noyer (2001); Tavares
Silva (2005), dentre outros.
Em Gomes (2002), sugerimos que os pronomes de sujeito do Kayabí eram clíticos
de 2ª posição e tentamos explicar o fenômeno com base na proposta de Halpern (1995).
Todavia, muitos fatos relacionados ao problema deixaram de ser descritos e
explicados naquele trabalho. Sendo assim, nesta tese, demos prosseguimento aos
estudos iniciados na dissertação de mestrado. Dentre os fatos que pretendemos discutir,
podemos citar:
(i) A posição sintática ocupada pelo sujeito pronominal que exibe efeitos de
2ª posição. Para Halpern, todos os clíticos de 2ª posição se encontram em
adjunção ao IP. Essa foi a hipótese que assumimos em (2002). Contudo,
não há motivação teórica ou empírica para sustentar tal hipótese;
(ii) A explicação para a alta freqüência da ordem OSV na língua. Naquele
trabalho assumimos sem dar a menor justificativa, que essa ordem ora era
derivada do movimento do objeto para a periferia esquerda da oração, ora
era o resultado de Inversão Prosódica;
(iii) A manifestação desses clíticos em 3ª e 4ª posições em contextos
específicos;
(iv) As construções localizadas na periferia esquerda da oração. Para detectar
a posição dos constituintes oracionais e assim, entender melhor os efeitos
de segunda posição, é preciso investigar a constituição funcional da
oração na língua;
(v) A descrição e análise das construções com redobro de clíticos que não
foram incluídas naquele estudo.
Para a discussão dos fenômenos aqui investigados, adotamos modelos teóricos
distintos, mas que em alguns pontos podem dialogar: a Morfologia Distribuída, com a
proposta de Inserção Tardia dos itens de vocabulário; o Programa Minimalista, a partir
de Chomsky (2000), no que diz respeito à formação dos objetos sintáticos;
1
e o Projeto
Cartográfico, com a postulação de um sistema funcional mais articulado na periferia
esquerda.
O capítulo 1 fornece informações gerais sobre o povo, a cultura e a língua
Kayabí. Nele, comentamos os estudos já realizados sobre a língua.
O capítulo 2 contém um esboço gramatical da língua, esboço esse de base
descritiva. A nossa intenção com esse capítulo é apresentar ao leitor, de maneira mais
clara, os vários aspectos gramaticais do Kayabí relevantes para a compreensão dos
temas aqui tratados: sistema de afixos e pronomes, ordem oracional, categorias
gramaticais, estruturas envolvendo CP, etc.
O capítulo 3 trata da questão da arquitetura oracional da oração, assim como
formulada por Chomsky (1995 e 2000) e Rizzi (1997, 1999 e 2004), e também
apresenta análises relacionadas às estruturas interrogativas de línguas diversas (Cheng,
1997; Maia et al (2000) ; Brandon e Seki (1984) e Stevens (2006).
O capítulo 4 é dedicado à apresentação de propostas teóricas sobre clíticos
verbais, redobro de clíticos e clíticos de 2ª posição (Halpern (1995); Embick e Noyer
(2001) e muitos outros). Este capítulo também apresenta um resumo da hipótese de
Gomes (2002) sobre clíticos de 2ª posição em Kayabí.
No capítulo 5, discutimos as questões que são os temas desta tese. Mostramos,
Capítulo 1
Povo, Cultura e Língua Kayabí
Neste capítulo, apresentamos um breve relato sobre o povo, bem como sobre os
estudos lingüísticos já realizados sobre a língua.
1.1. Sobre o povo Kayabí
De acordo com Weiss (1998), não existe muito material bibliográfico sobre o povo
Kayabí. Podemos encontrar algumas poucas crônicas de viagens e de expedições por
antropólogos e relatórios de funcionários do governo de Mato Grosso. A maioria destes
documentos faz referências a relatos ouvidos de terceiros sobre a história dos Kayabí. Assim, a
história deste povo fica com diversas lacunas.
Uma parte dos Kayabí mora às margens dos rios Teles Pires, Verde, Arinos, dos Peixes
e o rio Peixoto de Azevedo. Seu habitat já foi disputado pelos índios Apiaká, Mundurukú,
Bakai, Beiço-de-pau, dentre outros, em conflitos pelo domínio da terra e pelo monopólio de
pedras, que eram utilizadas para fazer machados.
Segundo a autora, as migrações dos Kayabi para fora de seu habitat tradicional
ocorreram por causa de conflitos com seringueiros e não-índios.
O Serviço de Proteção aos Índios (SPI) colocou diversos postos de atração com a
intenção de pacificar os índios e diminuir os choques com os seringueiros. Os principais
postos foram: (i) Posto Simões Lopes, construído em 1920, às margens do rio Paranatinga;
(ii) Posto Pedro Dantas, construído em 1922, às margens do rio Verde; (iii) Posto José
Bezerra, às margens do rio São Lourenço, onde os Kayabí permaneceram até 1965. Esse
local ficou conhecido como o “Posto de punição” por causa dos maltratos sofridos pelos
índios, por parte dos civilizados.
Em 1926, um grupo Kayabí, acabou se mudando para as proximidades. A partir de
1942, o grupo passou a ajudar no trabalho de extração de seringal.
Em 1943, foi constituída a Fundação Central Brasil para a colonização da região dos
rios Araguaia, Tapajós e Xingu.
Segundo informação contida em Souza (2004), no ano de 1949, os irmãos Villas-Bôas
que comandaram a expedição Roncador-Xingu, com o objetivo de desbravar e explorar
terras, fizeram contato com os Kayabí. Na época, estes estavam divididos em dois grupos:
um localizado às margens do rio Telles Peres e outro, às margens do rio dos Peixes. Os
índios decidiram se mudar para o rio Xingu na promessa de terem a sua cultura preservada
e de receberem abrigo e apoio contra a ação dos civilizados.
Atualmente os índios Kayabí vivem nas seguintes localidades: Parque Indígena do
Xingu (PIX), a sua maioria; Posto Tatuí, rio dos Peixes e sul do Pará, às margens do rio
Teles Pires. De acordo com Weiss, alguns Kayabí vivem fora dessas reservas indígenas.
Como menciona Souza, hoje os Kayabí que moram no PIX estão divididos entre a
vontade de continuarem a viver no Parque e de voltarem à sua região de origem, por
sentirem falta de coisas que inexistem no Xingu, como castanha, cachoeira, etc. Porém, eles
reconhecem que no Xingu estão melhor protegidos dos conflitos e são ainda capazes de
preservar a sua cultura e a sua língua. Nas outras reservas, os índios estão em processo de
perda da sua cultura.
1.2. Sobre a Cultura
Segundo consta em Weiss, os Kayabí vivem agrupados em famílias grandes à beira
dos rios. Uma maloca recebe até 50 pessoas da família.
De acordo com a autora, os homens Kayabí de qualquer uma das três áreas, se casam
com mulheres de outras etnias. No PIX, muitos deles trabalham como chefes de Posto,
motoristas e monitores de saúde.
A subsistência dos Kayabí se dá a partir da caça, da pesca, da coleta de frutas, da
plantação de mandioca, amendoim, batata doce, arroz, feijão, etc.
O conceito irũ (= companheiro) é incorporado à sociedade. Então, cada membro da
comunidade deve manter os seus compromissos e obedecer às leis impostas pelo grupo.
Aqueles que não o fazem são punidos e podem até serem excluídos da convivência com o
grupo.
Conforme relata Souza, os Kayabí trocam de nome algumas vezes durante a vida.
Essa troca de nome é imposta por fatos marcantes, como a entrada na vida adulta e o
nascimento do primeiro filho, por exemplo.
Eles ainda preservam a sua arte corporal, tatuagem e artesanato, como bordunas e
peneiras. Mantêm os seus rituais nas festas, nos cantos e na pajelança.
1.3. Sobre a língua
Segundo Rodrigues (1986), a língua Kayabí faz parte da família Tupi-Guarani, do
tronco Tupi e é falada apenas no Brasil.
Os Kayabí se autodenominam dejanare, o que significa “nós verdadeiros”.
No PIX, de acordo com Souza, os homens são bilingues (Português e Kayabí). As
mulheres, apesar de entenderem, não falam o Português. Já as crianças são monolíngues em
Kayabí até uma certa idade.
É através da língua materna que é passada a tradição cultural, por meio de diálogos,
narrativas e mitos.
A língua Kayabí começou a ser estudada de modo mais sistemático, a partir da
década de 60, através de duas missionárias do Summer Institute of Linguistics (SIL). São
elas: Rose Dobson e Helga Weiss.
Weiss disponibiliza material sobre o Kayabi em sua tese de doutorado de 1998,
defendida pela USP, e em alguns trabalhos manuscritos datados de 1972. Esse material é
mais ligado à lexicologia e não apresenta uma descrição exaustiva nem uma tentativa de
análise sobre aspectos da língua.
1.3.1. O trabalho de Dobson
Dobson foi quem produziu um maior número de trabalhos acerca da língua, que
englobam desde transcrições de narrativas até a elaboração de duas gramáticas que contemplam
vários aspectos gramaticais: ordem oracional, estruturas interrogativas, causativas, sistemas
pronominais etc. Dentre esses trabalhos, podemos citar: Aspectos da língua Kayabí (1988),
Notas sobre os substantivos Kayabí (1973), Repetição em Kayabí (1976), Kayabí texts (1977),
The Function of narrative, declarative and focus forms of Kayabí verbs in narrative discourse
(1980), Gramática prática com exercícios da língua Kayabí (1997), Arquivos de textos
Indígenas ( Kayabí) (1991).
Dobson foi a pesquisadora do Kayabí que produziu o maior número de trabalhos sobre a
língua. O seu estudo é extenso e a autora mostra possuir bastante conhecimento sobre o Kayabí.
Então, consideramos confiáveis os dados por ela coletados.
De acordo com Souza, Dobson e Weiss realizaram um estudo sobre a fonêmica da língua
cuja cópia se encontra disponível no CEDAE. A autora também menciona a produção de
cartilhas produzidas por outros membros do SIL, em 1985, visando a alfabetização na língua. Já
em 1988, conforme relata Souza, o SIL confeccionou a Cartilha experimental de transição do
Português para o Kayabí para crianças, o que mostra a introdução da alfabetização em
Português nas escolas.
Cumpre notar ainda que em 2004, foi defendida pela UNICAMP, a dissertação de
mestrado de Patrícia de Oliveira Borges e Souza, orientada pela Profª Lucy Seki, sob o título
Estudos de aspectos da língua Kayabí. Este estudo se concentra na descrição das fomas de 3ª
pessoa e dos demonstrativos da língua.
É com base nos dados coletados por Dobson, bem como Souza, realizamos a nossa
pesquisa.
Consideramos Dobson uma grande pesquisadora dada a dimensão da descrição dos fatos
da língua. Ela conseguiu ao longo dos anos, levantar e descrever uma grande parte dos aspectos
gramaticais do Kayabí.
Contudo, vemos em seu trabalho, alguns problemas que merecem ser sanados.
Alguns dos seus textos não contêm nem segmentação morfológica nem tradução
interlinear. Este é o caso da Gramática Kayabí de 1997. Fica, então, difícil para um não
especialista da língua fazer um bom aproveitamento do material aí apresentado.
Além disso, achamos que falta uma análise sobre os fatos lingüísticos da língua. Para que
o leitor possa avaliar melhor o nosso comentário, decidimos mostrar alguns trechos extraídos de
Dobson (1988) e (1997).
As partes escolhidas dizem respeito aos temas tratados no presente trabalho:
(i) Sobre a ordem oracional
Dobson (1988)
2
O trecho abaixo descreve a ordem oracional das construções bi-transitivas e
transitivas.
b) Bitransitiva
Suj SN O SN P SV Ad E-R
+ + + +
ator recip ft tr escp
S O P Ad
(3) Waiw-a kyna je mu'j-aù t-aity are.
velha=mulher-mn 3fs ls ensinar-tn indf-rede sobre
'Uma mulher velha ensinou-me como fazer redes.'
S O P Ad
(4) Kũìma'e-a akag̃ytar-a mome'w-aù kũ 'g̃ã nupe.
homem-mn enfeite-mn contar-tn mulher 3p para
'Os homens contam às mulheres sobre os enfeites (usados numa festa).'
P S Adv
(5) A-eko'wog ete noko je i-mo-no-ù yrũ pype jepi 'ja.
1s-despejar enf hab 1s obj-caus-ir-tn vasilha em hab voc
'Eu sempre os despejo numa vasilha.'
2
Retirado de Dobson (1988), p. 13.
c) Transitiva
Suj SN O SN P SV
+ + +
ator recip ft tr
S O P
(6) A'erauwe je tej-u'yw-a r-eka-a.
conj 1s 1sr-flecha-mn obj-procurar-tn
'Logo que aconteceu aquilo, procurei minha espingarda.'
S P
(7) A'eramũ 'g̃a i-yw-amũ.
conj 3ms obj-atirar-tn
'Por isso, ele atirou (contra ele).'
S O P
(8) 'g̃a i-apekũ me 'yypo munep-a.
3ms indf-guelras em cipó enfiar-tn
'Ele enfiou o cipó nas guelras.'
Como se pode observar, é dada a ordem SOV como a ordem preferencial na
língua. A indicação da ordem é feita por regras. Acontece que a variação da ordem, tão
freqüente na língua, nem mesmo é mencionada no referido livro.
Dobson (1997)
3
O trecho abaixo refere-se aos dois temas deste estudo: a ordem oracional e as
construções as quais chamamos de redobro.
3
Fragmento retirado de Dobson (1997), p. 93-95.
Na língua Kayabí também há possibilidades de variação na ordem dos elementos.
Nesta lição apresentamos as "regras" para a ordem normal. Desvios da ordem direta
freqüentemente ocorrem por motivos de enfoque, mas estas não serão apresentados
aqui.
Numa oração transitiva é importante aprender a ordem normal do sujeito e do objeto em relação ao verbo. Quando a forma
declarativa do verbo está sendo usada, a ordem é a seguinte:
Quando o objeto é um substantivo e o sujeito é um pronome, o objeto ocorre
primeiro.
(9) 'Miara je ajuka ko.
Matei uma onça.
Quando o sujeito é um substantivo, o sujeito normalmente ocorre primeiro, e
o verbo não tem indicador de pessoa, pois o objeto ocorre logo antes do
verbo.
(10) Kasurua 'miara mojeupit.
O cachorro fez a onça subir na árvore.
(11) Jey ẽẽ 'g̃a mojemi'wat.
Minha mãe deu comida a ele.
Quando ambos, o sujeito e o objeto, forem pronomes, seguir-se-á a ordem
indicada nas Lições 9 e 15.
(12) Je nupã 'g̃a.
Ele me bateu.
(13) Anupã je 'g̃a.
Bati nele.
Numa oração negativa o verbo ocorre primeiro, seguido pelo sujeito e,
depois, pelo objeto, se este último for substantivo.
(14) Najukaì je 'miara.
Não matei a onça.
Quando a forma narrativa do verbo é usado, é mais fácil determinar qual é o
sujeito e qual é o objeto pela presença ou ausência do indicador de objeto no verbo.
(Veja Lição 19).
Com os verbos da classe 1 e os da classe 2A, o i- estará presente se houver
qualquer elemento entre o objeto e o verbo. Por exemplo,
(15) 'Miara kasurua imujãna.
O cachorro correu atrás da onça.
Quando não houver nada entre o objeto e o verbo, o i- não está presente.
(16) Kasurua 'miara mujãna.
O cachorro correu atrás da onça.
Se o objeto for um pronome, este virá prefixado ao verbo - não há outra
opção.
(17) Kasurua je mujãna.
O cachorro correu atrás de mim.
Com todos os verbos da classe 2B e da classe 3 (Veja Lição 24 para os
verbos da classe 3), o r- estará presente se não houver nada entre o objeto e
o verbo, mas não estará se houver algo entre os dois. Por exemplo:
(18) Kasurua miara resaka.
O cachorro viu a onça.
(19) 'Miara kasurua esaka.
O cachorro viu a onça.
Com verbos de todas as classes e tipos, da forma narrativa ou da forma de
enfoque (Veja Lição 18, 19 e 25), se o objeto for indicado por pronome, este
último virá prefixado ao verbo.
(20) Classe A
Kasurua je mujãna.
O cachorro correu atrás de mim.
(21) Classe B
Kasurua je resaka.
O cachorro me viu.
Numa oração intransitiva, usando a forma declarativa do verbo, o sujeito é,
normalmente, um pronome e segue o verbo.
(22) Oo je tejauka.
Eu vou me banhar.
Mas, numa história, a mesma oração na forma narrativa, é estruturada com o
pronome livre ocorrendo antes do verbo.
(23) A'eramø je tewau tejauka.
Por isso eu fui me banhar.
Se o sujeito for substantivo, este normalmente ocorrerá primeiro, antes do
verbo.
(24) Kunumi 'g̃a awau, ojauka.
O menino foi banhar-se.
Neste trabalho, Dobson menciona a possibilidade de variação na ordem oracional
em Kayabí.
Como pode ser observado através dos trechos aqui relatados, a pesquisadora não
faz nenhuma generalização sobre a variação da ordem oracional na língua. Ela apresenta
apenas uma lista extensa de “regras” que não tornam claro para o leitor qual o padrão a
seguir, já que não apresentam nenhuma generalização.
Além disso, a regra “Quando o objeto é um substantivo e o sujeito é um pronome,
o objeto ocorre primeiro”, é logo descartada, quando se observa os dados da língua e se
percebe que, além da ordem OSV nesse contexto, a ordem VSO também é atestada:
(25) w-amoit kĩa kasurua VSO
3-desatar ele cachorro
‘Ele desatou o cachorro’
(26) w-aparety ‘g̃a ywa VSO
3-derrubar ele árvore
‘Ele derrubou a árvore’
Agora veremos como é feita a apresentação dos elementos pronominais da língua.
(ii) Sobre os pronomes
Dobson (1988)
4
Quadro 3. Pronomes objetivos de verbos transitivos
Pessoa Série A Série B
ls je jer-
2s ene ener-
3s 'g̃a* ' ‘g̃ar-*
lpi jane janer
lpe ore orer-
2p p pn-
3p ' g̃ã* ‘g̃ãn-*
* A forma pronominal da 3ª pessoa depende do sexo do falante, assim como do sexo do referente.
No Quadro 4, encontra-se a série completa das formas pronominais da 3ª pessoa do
objeto, que são determinadas em relação ao sexo do falante, em conjunto com o sexo
e número do(s) referente(s).
Quadro 4. Formas pronominais da 3ª pessoa objetiva
Referente
Falante Masculino Feminino Plural
Série A Série B Série A Série B Série A Série B
Masculino 'g̃a 'g̃ar- ẽẽ- ẽẽr- 'g̃ã 'g̃ãn-
Feminino kĩã kĩãr- kyna kynar- wãn-
4
Retirado de Dobson (1988), p. 38.
Se o sujeito for da 1ª pessoa do singular ou do plural, sendo inclusivo ou
exclusivo, o objeto é marcado por um pronome livre o qual é o mesmo da Série A,
exceto para 2p cujo pronome correspondente é pẽẽ.
(27) Anupã je pẽẽ.
'Eu espanco vocês'
(28) Aruesag ore 'g̃a.
'Nós (excl) o vimos'
Porém, se o sujeito for da 3ª pessoa do singular ou do plural, o pronome objetivo da
Série A ou B substitui o marcador subjetivo:
(29) Jenupã 'g̃̃a.
‘Ele me espanca.’
(30) Eneresak ‘g̃a.
‘Eles vêem você.’
(31) Janenupã ‘g̃̃a.
‘Ele nos (incl) espanca.’
Note-se que não há menção no trecho acima, sobre a manifestação sintática desses
pronomes.
No texto abaixo, a autora menciona a posição dos sujeitos pronominais nas
construções intransitivas.
Dobson (1997)
5
Verbos Intransitivos
Estes verbos intransitivos são da forma declarativa. Na língua portuguesa, os
verbos são classificados pelos sufixos da forma infinitiva: -ar, -er, -ir. Na língua
Kayabí os verbos são classificados pelos prefixos, que são indicadores de pessoa. A
primeira classe dos verbos intransitivos é assim:
-pyta ficar
apyta je eu fico sapyta jane nós (incl) ficamos
oropyta ore nós (excl) ficamos
erepyta você fica pepyta vocês ficam
opyta 'g̃a ele fica opyta ' g̃a eles ficam
Note que o pronome segue anexo ao verbo. Isto é o contrário da língua
portuguesa em que o pronome precede o verbo. Por exemplo, eu falo. Nas formas da
segunda pessoa, tanto no plural como no singular, não há pronomes livres.
Os verbos que se seguem são todos verbos intransitivos da Classe 1: indicados no
vocabulário ao fim do livro como intrans-1.
-jepoeì lavar as mãos -waẽm chegar
-jemu'e aprender -je'eg̃ falar
-kyje temer
5
Retirado de Dobson (1997), p. 22.
(iii) Sobre o redobro
As construções com redobro não são consideradas como tais. Na gramática de
1988 não há nenhum comentário sobre elas. Na gramática de 1997, temos a seguinte
definição sobre tais construções:
Dobson (1997)
6
Quando se fala de uma pessoa, normalmente se inclui o pronome junto com o
nome ou substantivo. Por exemplo:
Jey ẽẽ minha mãe
kũìma'e 'g̃a o homem
Paulo 'g̃a Paulo
O pronome também pode ser usado com animais para indicar o sexo deste, ou
para indicar que há mais que um animal.
Pratique estas frases no exercício abaixo:
Awỹìa ma'e te? Jey ẽẽ / kyna ma'e.
Katu kyna / ẽẽ ma'e.
Waiwa kyna / ẽẽ ma'e.
Rosa kyna / ẽẽ ma'e.
Maru kĩã / 'g̃a ma'e.
6
Retirado de Dobson (1997), p. 77.
Kũìma'e kĩã / 'g̃a ma'e.
Jemena kĩã ma'e.
Ku'jywa kĩã ma'e.
Awỹìa te kawæa wapo jepi? Kujãmera wã kawæa wapo.
Awỹìa te yrupema wapo jepi? Kũìma'e 'g̃ã yrupema wapo.
Awỹìa te taitya wapo rai'i? Jey kyna wapo ai'i.
Awỹìa te ka'ia ojuka ra'e? Jemena kĩã. / Ku'jywa kĩã.
Como se vê, não há referência explícita sobre a existência de redobro de clíticos,
nem sobre a existência de pronomes clíticos e sobre a ordem.
Apesar de acharmos que a pesquisadora deu uma enorme contribuição para a área
de descrição de línguas indígenas brasileiras, quisemos apontar através desta exposição,
a dificuldade que um não especialista na língua tem para entender os fatos gramaticais e
para buscar fenômenos que são de interesse para uma teoria mais formalizada.
1.4. A nossa pesquisa
Foi com base nos dados coletados por Dobson, principalmente, que a orientadora
desta tese, a Profª Drª
Marcia Maria Damaso Vieira, iniciou o seu estudo da língua
Kayabí.
A escolha da língua Kayabí se deve ao fato de que a orientadora já tinha realizado
pesquisa com línguas da mesma família, como o Asurini do Trocará, o Araweté e o
Guarani (dialeto Mbýa).
Através de um olhar guiado por questões levantadas pela Teoria Gerativa, Marcia
Damaso Vieira, passou a observar a existência na língua de fatos lingüísticos
interessantes do ponto de vista teórico, tais como: grande variabilidade na ordenação
dos constituintes oracionais, ocorrência de pronomes clíticos cuja colocação na oração
tem efeitos de segunda posição, duplicação de argumentos (redobro); padrão
interrogativo (no caso das perguntas sim/não) diferente daqueles verificados nas línguas
da família; marcas de foco inexistentes em outras línguas da família, etc.
A ocorrência de clíticos de 2ª posição relacionada com a variação da ordem
oracional e a existência de construções com redobro, ainda não tinham sido percebidas
por nenhum dos pesquisadores da língua. A descoberta desses fenômenos foi logo
transformada em objeto de estudo da orientadora. Sendo assim, ela elaborou um mini-
projeto baseado nessas questões do Kayabí para o seu aluno de Iniciação Científica da
época, André Luis de Farias. Ao mesmo tempo, esse projeto passou a ser o tema da
minha dissertação de mestrado
André Faria aproveitou o trabalho de Iniciação Científica, realizado com a
professora e o apresentou como seu anteprojeto para ingresso no Programa de Pós-
Graduação em Lingüística do IEL/UNICAMP. Em 2004, sob orientação da Profª Drª
Filomena Sândalo, André Farias defendeu a dissertação de Mestrado, intitulada Ordem
oracional e movimento de clíticos de segunda posição em Kayabí.
7
Como acima mencionado, o tema sobre clíticos e ordem oracional em Kayabí me
foi também apresentado pela orientadora em 1999 para que se transformasse em minha
dissertação de Mestrado. Com base na proposta de Harlpern (1995) sobre clíticos de 2ª
posição e através dos dados secundários observados, realizei uma pesquisa cujos
resultados foram apresentados na minha dissertação de Mestrado, intitulada
Observações sobre aspectos gramaticais do Kayabí: variação da ordem e clítico de 2ª
posição, defendida pela UFRJ em 2002.
Esta tese se constitui, então, em um prosseguimento do trabalho iniciado na
dissertação de mestrado.
Infelizmente não foi possível realizar trabalho de pesquisa de campo para dar
continuidade à nossa pesquisa. Vários problemas de ordem pessoal me impossibilitaram
de fazer viagem de campo.
7
As conclusões sobre o trabalho de Farias (2004) serão apresentadas no capítulo 4.
Reconheço, porém, o problema da utilização de dados de natureza secundária para
o desenvolvimento de um estudo, em que se faz necessário consultar a intuição de
falantes nativos a respeito, por exemplo, das restrições de ordem de constituintes, de
interpretação de foco e de tópico. Porém acho ser possível, através dos questionamentos
teóricos adotados levantar dados relevantes para a discussão dos temas propostos.
O nosso trabalho se torna muito mais árduo do que o daqueles que realizam
pesquisa de campo porque é preciso encontrar os dados relevantes em meio a muito
“ruído”, para confirmar ou refutar hipóteses. Acredito, porém, que as perguntas
levantadas pelas abordagens teóricas nos fazem enxergar certos fatos gramaticais
importantes, apesar do “ruído” externo, especialmente advindo de dados secundários.
Sendo assim, entendemos que, através de nossos modestos achados, podemos
contribuir, de uma certa maneira, para o desenvolvimento da pesquisa lingüística nas
línguas indígenas brasileiras e de Teoria da Gramática.
No próximo capítulo, apresentamos uma breve exposição sobre os aspectos
gramaticais da língua Kayabí que são relevantes para a nossa análise da ordem, dos
clíticos e do redobro.
Capítulo 2
Notas sobre a Gramática Kayabí
Neste capítulo, apresentamos uma descrição de certos aspectos gramaticais do
Kayabí com a finalidade de oferecer ao leitor uma visão geral da língua.
Apresentamos aqui uma sistematização das informações lingüísticas por nós
obtidas sobre o Kayabí, principalmente no que se refere ao sistema pronominal, à
variação da ordem, às estruturas interrogativas e às categorias lexicais. Acrescentamos
também as nossas próprias considerações sobre os fatos lingüísticos considerados, bem
como as de outros pesquisadores de línguas da mesma família.
2.1. Os elementos pronominais de 1ª e 2ª pessoas
2.1.1. A manifestação dos afixos pessoais na morfologia verbal independente
Muitas orações em Kayabí são constituídas apenas por verbos que carregam as
informações lexicais e gramaticais necessárias para a expressão da proposição
pretendida. Dentre essas informações, estão aquelas que identificam os argumentos
verbais através de afixos pessoais. Esse tipo de sistema de elementos pronominais está
presente na maioria das línguas Tupi.
Nas orações independentes, os verbos são classificados, segundo o prefixo
pronominal que precede o radical. Existem duas séries de prefixos pessoais que são
agregadas ao verbo independente: a Série Ativa e a Série Não-ativa. Essa classificação
das séries pronominais em ativa e não-ativa é adotada, entre outros, por Leite (1990). Os
quadros Ia e b abaixo ilustram as formas de prefixos da Série Ativa:
89
8
Todos os dados apresentados neste trabalho foram extraídos dos textos de Dobson (1973,1976, 1980,
1988,1991 e 1997) e Weiss (1998).
9
Abreviações aqui empregadas: asp. = aspecto; aum. = aumentativo; aux. =auxiliar; caus. = causativo;
circ. = circunstancial; dim. = diminutivo; enf. = enfoque; enfat. = enfático; evid. = evidencial; excl. =
exclusiva; fut. = futuro; incl. = inclusivo; int. = interrogativo; nar. = narrativo; neg. = negativo; nom. =
nominalizador; OM = marcador de objeto (=object marker); pass. = passado; pl. = plural; rel = relacional;
relat. = relativo; sg. = singular.
Série Ativa - Quadro I
Quadro Ia – A Série ativa com verbos transitivos
AB
v. trans. nu"bater" esak "ver"
1s a-nupã a-esa
2s ere-nu ere-esak
3s a-nupã w-esa 'ga
1pi si-nu si-esa
2pe oro-nu aru-esag
2p pe-nu pe-esak
3p a-nupã w-esa
Quadro Ib – a Série ativa com verbos intransitivos
AB
intrans. set "dormir" ata "andar"
1s a-set a-ata
2s ere-set ere-ata
3s o-set w-ata
1pi sa-se sa-ata
2pe oro-set aru-ata
2p pe-set pe-ata
3p o-set w-ata
Os verbos independentes transitivos e intransitivos ativos (como “correr”,
“nadar”, “dormir”) unem-se a prefixos da série ativa, referentes ao sujeito, como se vê
nos exemplos abaixo.
(1) a-nupã je ‘g̃a
1sg-bater eu ele
‘Eu bati nele’
(2) a-set je
1sg-dormir eu
‘Eu dormi’
Os verbos são classificados em transitivos, bitransitivos e intransitivos. Os
diferentes prefixos subjetivos da 1ª pessoa inclusiva ilustram essa diferença. A forma si-
ocorre com verbo transitivo ou bitransitivo e sa- com verbo intransitivo.
(3) sa-pyta jane
1pl incl-ficar nós
‘Nós ficamos’
(4) Awasia jane si-tym
Milho nós 1pl incl-plantar
‘Nós plantamos milho’
Não temos conhecimento de outra língua da família Tupi-Guarani que faça essa
distinção entre transitivos e intransitivos por meio de afixos pronominais.
A Série não-ativa é usada para expressar o sujeito do verbo intransitivo não-
ativo e o objeto direto do verbo transitivo. O Quadro II abaixo ilustra as formas desses
marcadores de pessoa:
Quadro II – A Série não-ativa com verbos intransitivos
AB
des. akym "molhado" tyneem "cheio"
1s je-akym je-r-eyneem
2s ne-akym ene-r-yneem
3s i-aky #tyneem
1pi jane-aky jane-r-yneem
2pe ore-akym ore-r-yneem
2p pe-akym pe-n-yneem
3p I-akym #tyneem
Os verbos intransitivos não-ativos independentes (“estar gordo”, “ser feliz”, etc)
unem-se a prefixos da Série não-ativa, que indicam o sujeito. Os verbos transitivos
também se juntam a esses prefixos para expressar o objeto direto:
(5) je-ro’y
1sg-febre
‘Estou com febre’
(6) je-nupã g̃a
1sg-bater ele
‘Ele me bateu’
Os verbos não-ativos expressam a idéia de que o sujeito possui uma certa
qualidade, experiência, algum estado físico ou psicológico ou possui alguma coisa:
(7) je-ak je
1sg-molhado eu
‘Eu estou molhado’
(8) jer-ea-’at je
1sg-pensar eu
‘Eu penso’
(9) je-ky je
1sg-piolho eu
‘Eu tenho piolho’
A escolha da série de afixos pessoais é determinada pelo padrão ativo/não-ativo,
encontrado na maioria das línguas da família Tupi-Guarani (cf. Leite, 1990). Nas
línguas desse tipo, os sujeitos dos verbos transitivos e os dos verbos intransitivos não-
ativos ocorrem com a mesma forma, conforme ilustram os exemplos (1) e (2). Já os
sujeitos dos verbos intransitivos não-ativos recebem a mesma marca que os objetos dos
verbos transitivos, como em (5) e (6).
O verbo só pode ocorrer com um único prefixo de pessoa. Se for intransitivo,
esse prefixo é referente ao sujeito. Se for transitivo, a escolha do prefixo segue uma
hierarquia referencial de pessoa: 1>2>3, conforme afirmam Monserrat e Soares (1984).
Quando o sujeito é de 3
a
atuando sobre um objeto de 1
a
ou 2
a
, o verbo recebe o prefixo
de objeto, conforme ilustra o exemplo (11). Quando o objeto é de 3
a
ou 2
a
e os sujeitos
são de 1
a
ou 2
a
, o verbo fica marcado com o prefixo referente ao sujeito, como em (10).
Quando o sujeito e o objeto são de 3
a
pessoas, o verbo recebe o prefixo da Série ativa
referente ao sujeito, conforme ilustra (12):
(10) a-nupã je (‘g̃a /kyna)
1sg-bater eu ele/ela
‘Eu bati nela’
(11) je nupã ‘g̃a
1sg-bater ele
‘Ele me bateu’
(12) awasia ‘g̃a otym
milho ele 3-plantar
‘Ele plantou milho’
Observe-se que, quando a 2
a
pessoa age sobre a 1
a
, um sufixo especial referente
ao sujeito é empregado:
(13) je-nupã ape
1sg-bater 2sg
‘Você bate em mim
(14) je-nupã pejepe
1sg-bater 2pl
‘Vocês batem em mim’
Esse padrão verificado acima, envolvendo a relação 2>1, é seguido pela maioria
das línguas da família. O que não parece ser muito típico é quando a 1ª pessoa age sobre
a 2ª. Em Kayabí, nestes casos, a hierarquia referencial se mantém; isto é, o verbo recebe
o prefixo referente à primeira pessoa:
(15) a-nupã je pee
1sg-bater eu 2pl
‘Eu bato em vocês’
Nas outras línguas da família Tupi-Guarani, uma forma especial é empregada
para marcar a relação 1>2. Essa forma é tratada como portmanteau (cf. Leite, 1990):
Tupinambá
(16) xe oro-epîák
ver 1>2-ver
‘Eu te vi’
(17) xe opo- epîák
eu 1>2-ver
‘Eu nos vi’
(Rodrigues, 1954:131)
A diferença do Kayabi para as outras línguas, reside nos seguintes fatos: (i)
diferentes formas de prefixos de 1ª plural inclusiva para expressar o sujeito transitivo e
o sujeito intransitivo; e (ii) manifestação da hierarquia referencial para a expressão da
relação 1>2.
Vale ressaltar aqui que Vieira e Leite (1998) observaram o mesmo padrão de
hierarquia referencial na língua Araweté (Tupi-Guarani). Abaixo, reproduzimos o texto
das autoras sobre o assunto:
“A expressão da estrutura ativa, em Araweté, não se manifesta apenas na relação
entre a 1ª e 2ª pessoas e a 3ª, quer sujeitos quer objetos. Tal como em Awetí (Monserrat,
1976), o sistema de referência pessoal em Araweté não é um sistema ativo de plena
realização apenas quando a 3ª pessoa está envolvida. Nestas duas línguas, a estrutura
ativa se manifesta em todas as relações de pessoa, a ordem dos constituintes
determinando as funções gramaticais de sujeito e objeto.”
Araweté
(18) ne-nypin ky he
2sg-bater ky eu
‘Eu bati em você’
(19) He-r-exan ky ne
1sg-rel-ver ky você
‘Você me viu’
(Vieira e Leite: 12)
“Nas construções em que há o envolvimento da 1ª e 2ª pessoas, podem co-
ocorrer as formas jepe e pejepe, que estão ligadas tanto ao sujeito quanto ao objeto de 2ª
pessoa, jepe para o singular e pejepe para o plural:”
Araweté
(20) He-r-exan ky pe(pejepe)
1sg-rel-ver ky vocês
‘Vocês me viram’
“Quando o objeto é a 2ª pessoa e o sujeito é a 1ª pessoa, pode ocorrer uma outra
construção, em que as formas jepe e pejepe são obrigatórias, por serem a única
manifestação de 2ª. O prefixo pessoal que antecede o verbo é uma marca de
concordância do sujeito de 1ª pessoa, como mostra (21) abaixo:
(21) A-nypin ky he jepe
1sg-bater ky eu você
‘Eu bati em você’
Note-se que este é o mesmo padrão de marcação de pessoa verificado no
Kayabí.
2.1.2. A manifestação dos afixos pessoais na forma verbal dependente
De acordo com Dobson (1978, 1997), as formas verbais do Kayabí dividem-se
em declarativas, narrativas e de enfoque.
As orações independentes são aquelas denominadas de declarativas, mais
conhecidas como formas de Indicativo I (cf. Rodrigues, 1954) e são usadas, de acordo
com a autora, para expressar informação nova e introduzir personagens no discurso.
As formas narrativas, também classificadas como dependentes, são usadas em
orações com mais de um verbo. O 1
o
verbo vem na forma declarativa ou independente,
ao passo que o 2
o
, ocorre na forma narrativa ou dependente. A forma denominada de
narrativa é também conhecida na literatura Tupi-Guarani como gerúndio (cf. Rodrigues,
1954).
A variação das formas dos sufixos verbais na construção narrativa é bem
complexa. Mencionamos aqui apenas o condicionamento fonológico de algumas delas:
o sufixo da forma narrativa é –a, se o verbo termina em consoante; -ta, se o verbo
termina em ditongo; ,se o verbo termina em vogal; e na, se o verbo termina em
vogais nasais.
Quando o verbo é intransitivo não-ativo, emprega-se o sufixo (r)amu:
(22) i-ro’y-ramu
3-frio-narr
‘Tem frio’
(23) ara’ne-ramu
1sg-zangar-nar
‘Estou zangado’
Os verbos que assumem formas dependentes são os auxiliares e os seriais (co-
referenciais). Os elementos pronominais usados para as formas verbais dependentes são:
a Série não-ativa para indicar o objeto do verbo transitivo, a Série co-referencial para
indicar o sujeito do verbo intransitivo (ativo e não-ativo) e os pronomes. Nas formas
dependentes, o sujeito do verbo transitivo nunca vem expresso no verbo por meio de
prefixos.
O quadro III ilustra a Série co-referencial de prefixos de pessoa que se
assemelha à série de posse reflexiva:
Quadro III – Série co-referencial
pessoa A B
1s te- te-
2s e- e-
3s o- w-/u-
1pi jare- jare-
2pe oro- aru-
Os verbos narrativos seriais, ou gerúndios (cf. Barbosa, 1956), são uma classe
aberta, e aparecem em construções envolvendo uma série de verbos na mesma oração,
que compartilham o mesmo sujeito. Esses verbos acrescentam informação adicional ao
verbo principal, como: ação simultânea, ação progressiva, ação sucessiva, propósito etc.
(24) ype je o-i te-jauk-a
água em eu ir-enf. 1-banhar-nar
‘Eu vou banhar no rio’
(25) mama’e eru-a i’wa-u
coisa trazer-nar. 3-comer-nar
‘Traz uma coisa para (eu) comer’
Segundo Dobson, os verbos auxiliares acrescentam uma noção de aspecto à
ação, como: direção, mudança, progresso, espaço ocupado, posição etc. Eles são
marcados com os afixos de pessoa da Série co-referencial:
(26) a-jau je te-‘yina
1sg-banhar eu 1sg-aux
‘Eu tomo banho sentado (na água)’
(27) y’wa a-kui u-‘ama
fruta 3-cair 3-aux
‘Caiu uma fruta (em pé)’
(28) mainumy o-wewe ‘ywotyr are o-ko-ú
beija-flor 3-voar flor para 3-cont-nar.
‘Os beija-flores voam (em movimento) até as flores (enquanto sugam o
néctar)’
Cumpre notar, porém, que a forma narrativa pode ser empregada em orações
independentes também, como ilustra o dado a seguir:
(29) u’ia ra’ne je i-apo’-u
farinha primeiro eu 3-fazer-nar
‘Eu fiz farinha primeiro’
2.1.3. A manifestação dos afixos de pessoa na forma verbal de Enfoque /
Indicativo II
A construção de enfoque, também conhecida na literatura como Indicativo II (cf.
Rodrigues, 1954), se caracteriza pela focalização de um constituinte – elemento não
nuclear – ou pela ocorrência de uma conjunção em 1
a
posição da sentença. Nesses
casos, quando o sujeito for de 1
a
ou 3
a
pessoas
10
, o verbo ativo fica marcado com o
sufixo –i, ao passo que o verbo não-ativo fica marcado com o sufixo –ramu. O sujeito e
o objeto são expressos por NPs, pronomes ou pelos afixos da série não-ativa. O sujeito
transitivo se manifesta por meio de NPs ou de pronomes:
(30) ai’iwe ore o-i
amanhã nós ir-enf
‘amanhã nós iremos’
(31) aman ipe je mama’e tym-i
chuva em eu coisas plantar-enf
‘no tempo da chuva eu planto as coisas’
10
Na maioria das línguas da família Tupi-Guarani, o Indicativo II só se manifesta na 3ª pessoa. Esse é o
caso de línguas como o Asurini do Trocará (Nicholson, 1976) e Tapirapé (Leite, 1990), por exemplo.
(32) onupã re i-manû-i
3-bater depois 3-morrer-enf
‘Depois que bateram nele, ele morreu’
(33) tene je i-‘u-i
deixe eu 3-comer-enf
‘Deixe-me comê-lo’
(34) ... i-ro’y-ramu
3-frio-enf
‘Ele tem frio’
Apesar de terem uma morfologia diferente das construções declarativas, as
formas de enfoque são tratadas em Vieira (2007) como orações finitas independentes,
uma vez que, segundo ela, possuem todas as projeções funcionais (CP-TP) de uma
oração completa.
Os afixos de pessoa das Séries não-ativa e correferencial não se agregam só a
verbos, mas também a nomes e posposições.
2.1.4. A manifestação dos afixos de pessoa na morfologia nominal
Os nomes em Kayabí podem ser marcados com prefixos da Série não-ativa e
nesse caso, indicam posse:
(35) (a) meu pé je-py
(b) seu ne-py
(c) nosso pé (excl) ore-py
(d) nosso pé (incl) jane-py
(e) pé de vocês pe-py
A Série co-referencial pode ser usada para indicar correferencialidade entre o
sujeito e o possuidor:
(36) (a) o meu próprio pé te-py
(b) o seu próprio pé e-py
(c) o nosso próprio pé (excl) oro-py
(d) o nosso próprio pé (incl) jane-py
(e) pé de vocês próprios pe-py
2.1.5. A manifestação dos afixos pessoais nas posposições
Os complementos pronominais de posposições são expressos através dos afixos
pessoais da Série não-ativa:
(37) Je-rupi
1sg-com
‘Comigo’
(38) Ene upe
2sg para
‘Para você’
(39) Ore pyri
1pl perto de
‘Perto de nós’
Quando existe correferencialidade entre o sujeito da oração e o objeto da
posposição, a Série de afixos co-referenciais é usada, seguida de uma forma reflexiva:
(40) Te-je-upe
1sg-refl-para
‘Para mim mesmo’
(41) E-je-upe
2sg-refl-para
‘Para você mesmo’
2.1.6 Os pronomes
Os pronomes independentes de 1ª e 2ª pessoas referentes ao sujeito tendem a
aparecer em 2ª posição na oração, manifestando assim, características de clíticos de 2
a
posição (cf. Gomes (2002)). A Série não-ativa é igual à dos pronomes, conforme mostra
o quadro abaixo:
Quadro IV – Pronomes Independentes
Forma livre Forma presa Forma livre Forma presa
1sg je je 1excl ore ore
2sg ene ene 2pl pẽẽ pe
Os exemplos abaixo ilustram, mais uma vez, o uso desses pronomes, que estão
presentes em todos os dados até agora apresentados:
(42) a-‘at je
1sg-cair eu
‘Eu caí’
(43) je-ro’y je
1 sg-febre eu
‘Eu estou com febre’
(44) a-esak je pẽẽ
1sg-ver eu vocês
‘Eu vejo vocês’
2.2. Os elementos pronominais de 3ª pessoa e os casos de redobro
2.2.1. A manifestação dos afixos pessoais na morfologia verbal independente
Nas construções transitivas, como já mencionado anteriormente, o verbo
independente em Kayabí apresenta afixos referentes ao sujeito ou ao objeto,
dependendo da hierarquia referencial de pessoa, onde 1>2>3. Quando o sujeito é de 1
a
ou de 2
a
e o objeto é de 3
a
, somente o primeiro se manifesta morfologicamente no
verbo. Quando o sujeito é de 3
a
e o objeto de 1
a
ou 2
a
, apenas os últimos são expressos
na morfologia verbal. Quando tanto o sujeito e o objeto são de 3
a
, o verbo fica marcado
pelo afixo referente ao sujeito.
(45) je-nupã g̃a
1sg-bater ele
‘Ele me bate’
(46) a-nupã g̃a
1sg-bater ele
‘Eu bato nele’
(47) o-nupã ‘g̃a ‘g̃a
3-bater ele ele
‘Ele bate nele’
Os verbos intransitivos têm os seus sujeitos expressos sempre através dos afixos
pessoais. Se forem ativos, emprega-se os afixos da Série ativa. Se forem não-ativos, são
marcados através dos afixos da Série não-ativa:
(48) o-je’ẽg ‘g̃a
3-falar ele
‘Ele fala’
(49) i-ro’y g̃a
3-febre ele
‘Ele (tem) febre’
O quadro abaixo ilustra as formas afixais de 3
a
pessoa que expressam os sujeitos
verbais:
Quadro V: afixos de 3
a
pessoa
Série ativa Série não-ativa
Pessoa Classe 1 Classe 2 Classe 3 Série A Série B
3s o- w-/u- we- i- t-/Ø
Na 3
a
pessoa, o prefixo no verbo co-ocorre tanto com NPs quanto com pronomes
de 3
ª
pessoa, conforme mostram os exemplos abaixo:
(50) ya’wapinima mo’i o-u SOV
jaguar cobra 3-comer
‘o jaguar comeu a cobra’
(51) w-opo kyna kawisa VSO
3-fazer ela chicha
‘ela fez chicha’
O prefixo de 3
a
pessoa objeto não se manifesta nas formas declarativas. O verbo
aparece com marcadores da Série ativa indicando sempre o sujeito. O objeto é expresso
por um NP ou por um pronome:
(52) a-esak je kiã VSO
1sg-ver eu ele
‘Eu o vi’
(53) tayaoa ore oro’-u OSV
porco nós 1excl-comer
‘Nós comemos porco’
2.2.2. A manifestação dos afixos de 3ª pessoa na forma narrativa
Nas formas narrativas, tem-se o seguinte padrão:
(i) Sujeito transitivo
O sujeito transitivo é expresso por meio de NPs ou de pronomes e nunca se
manifesta através de afixos verbais:
(54) u-t futat [’g̃a je-r-esak-a]
3-vir enf ele me-rel-ver-nar
‘Veio ele para me ver’
(ii) O objeto
O objeto do verbo transitivo se manifesta através de NPs ou pronomes:
(55) kasurua miara muja-a SOV
cachorro onça correr-nar
‘O cachorro correu a onça’
(56) ‘g̃a nupã-ù OV
ele bater-nar
‘Bateu (n)ele’
Cabe observar que, quando o objeto ou o sujeito intransitivo estão contíguos ao
verbo, o prefixo relacional r ou Ø deve ocorrer:
(57) Kasurua miara r-esak-a SOV
cachorro onça r-ver-nar
‘O cachorro viu a onça’
(58) Kasurua miara Ø-mujãn-a SOV
Cachorro onça r-correr-nar
‘O cachorro correu a onça’
Se, todavia, o objeto for deslocado, talvez para a posição de tópico ou foco,
obtém-se o seguinte padrão: o verbo com relacional Ø se manifesta com o prefixo de 3ª
pessoa –i, da Série não-ativa. Já o verbo com relacional r, fica sem marca:
(59) Miara kasurua esak-a OSV
Onça cachorro viu-nar
‘A onça, o cachorro viu’
(60) Miara kasurua i-mujãn-a OSV
onça cachorro 3-correr-nar
‘A onça, o cachorro correu’
(ii) O sujeito intransitivo correferencial
Quando o sujeito é intransitivo, ativo ou não-ativo, ele vem expresso por NPs e
pronomes ou por afixos pessoais da Série co-referencial:
(61) te-ju-a te-waẽm-a
1sg-vir-nar 1sg-chegar-nar.
‘Eu vim chegando’
(62) o-pyta-ù
3-ficar-nar
‘Ficou’
2.2.3. A manifestação dos elementos pronominais de 3ª pessoa na forma de
enfoque
(i) Verbos transitivos
O sujeito e o objeto podem ocorrer como NPs ou pronomes. Somente o objeto
pode vir expresso por meio dos afixos da Série ativa:
(63) amani pe je mama’e tym-i
chuva em eu coisa plantar-enf.
‘No tempo de chuva, eu planto coisas’
(64) Pe rupi je ẽẽ r-eroo-i
caminho por eu lª rel-trazer-enf.
‘Eu a trouxe pelo caminho’
(65) Kasurua r-esag-i
cachorro r-ver-enf
‘viu o cachorro’
(66) a’e ramu wã je mopiry-i re
depois eles 1sg.assustar-enf depois
‘Depois que ele me assustou’
(ii) Verbos intransitivos
Na forma de enfoque, o sujeito intransitivo se manifesta através de NPs,
pronomes ou afixos de pessoa da Série não-ativa:
(67) ‘g̃a r-eko-i
ele rel-ficar-enf
‘Ele ficou’
(68) i-ro’y-ramũ
3-febre-enf
‘Ele tem febre’
Passamos agora para a descrição das formas de 3ª pessoa na morfologia
nominal.
2.2.4. A manifestação da 3ª pessoa na morfologia nominal
Segundo Dobson (1988), em Kayabí, os nomes podem ser divididos em três
classes, de acordo com a obrigatoriedade ou não de ocorrência com um elemento que
indique o possuidor.
Os nomes que precisam de indicador de posse expressam partes do corpo e
termos de parentesco. Os elementos possessivos de 3ª pessoa são: os prefixos da Série
correferencial, os prefixos da Série não-ativa para possuidores com o traço [-animado] e
os pronomes para possuidores com o traço [+animado].
Os exemplos abaixo, extraídos de Dobson (1988:63) ilustram essa manifestação
de posse:
(69) ‘o pé deles próprios’ o-py
(70) (a) indef py ‘pé de alguém
(b) defin ‘g̃a-py ‘pé dele’
ka’i-py ‘pé de macaco’
(c) co-ref o-py ‘pé dele mesmo’
(d) recipr ojo-py ‘pé do outro’
(e) não-hum i-py ‘pé de não-humano’
(71) (a) indef Ø-temi’u ‘comida dele’
(b) defin ‘g̃are-miu ‘comida dele’
(c) co-ref we-mi’u ‘comida dele mesmo’
(d) recipr aju-remi’u ‘comida do outro’
(e) não-hum Ø-emi’u ‘comida de não-humano’
(72) (a) ‘g̃a-pepo
3sg-asa
‘asa dele’
(b) wyra-pepo
pássaro asa
‘asa de pássaro’
y é “mãe”, mas quando a pessoa possuidora do elemento não for conhecida, usa-
se o indicador de posse não-especificado: i-.
(73) i-y
poss-mãe
‘mãe de alguém’
Se o possuidor for [- humano] e estiver expresso por um sintagma, o i- também
será usado. “Fígado de porco” é i-py’a, ou seja, ainda que se use o nome, usa-se também
o prefixo i-:
(74) tajaua i-py’a
porco 3-figado
‘o fígado do porco’
(75) tajaua i-py’a ore oro’u ko
porco 3-figado nós 1pl-comer evid.
‘comemos o fígado do porco’
Sem o i- marcador de posse, o sintagma indica o tipo de fígado. Em (76), a
interpretação é que “comemos o fígado de porco” e não “de macaco”.
(76) tajau-py’a ore oro’-u ko
porco-figado nós 1p-comer evid
‘comemos fígado de porco’
Os nomes opcionalmente possuídos se referem a animais domesticados,
utensílios, artesanato etc.
(77) g̃a-jy
3sg-faca
‘a faca dele’
Assim como em outras línguas da família Tupi-Guarani, alguns nomes em
Kayabí ocorrem com o morfema relacional –r, como em (78):
(78) ka’i-r-a’yra
macaco-rel-filho
‘o filho do macaco’
Esse prefixo relacional, que é morfologicamente condicionado, é verificado não
só em nomes, mas também nos verbos, conforme ilustram exemplos como (65).
Tal morfema parece indicar que o elemento que o precede está em uma relação
de complemento com o núcleo lexical que o segue. Além disso, exprime noção de
definitude. Sem o prefixo, os possuidores não são especificados, conforme se vê nos
exeemplos abaixo. Compare (78) com (79) :
(79) ka’y-ayra
‘Filho de macaco’
(80) kwanũ pepo
‘plumas de gavião’
2.2.5. A manifestação dos elementos pronominais de 3ª pessoa nas
posposições
Os complementos das posposições também aparecem nas formas de NPs,
pronomes ou afixos de pessoa das Séries não-ativa ou correferencial.
(81) amana pype
chuva em
‘Na chuva’
(82) kĩã rupi
ele com
‘Com ele’
(83) o-je-upe
3-refl-para
‘Para ela mesma’
2.2.6. Os pronomes independentes de 3ª pessoa
Existem formas pronominais independentes de 3ª que podem expressar o sujeito,
o objeto de verbo, o objeto de posposição e o possuidor.
As formas de 3ª pessoa têm traços de gênero e de número e se diferenciam entre
si quando o falante é homem ou mulher, conforme ilustra o quadro abaixo.
Quadro V – Os pronomes de 3ª pessoa
Homem falando ‘g̃a ẽẽ ‘g̃a
ele, dele ela, dela eles/elas, deles/delas
Mulher falando kĩã kyna
ele, dele ela, dela eles/elas, deles/delas
Os dados abaixo ilustram a manifestação desses pronomes:
(84) o-jemi’war-uu’ ‘g̃a
3-comer-aum ele
‘ele comeu muito’
(85) o-set kyna
3-dormir ela
‘ela dorme’
(86) kĩa ree
ele sobre
‘sobre ele’
(87) ‘g̃a -remirekoa
ele-mulher
‘A mulher dele’
Observa-se que em Kayabí, os elementos que correspondem aos pronomes de 3ª
pessoa também ocorrem em 2ª posição na sentença.
(88) w-opo kyna kanapea VSO
3-fazer ela bolo de mandioca
‘ela faz bolo de mandioca’
(89) n-u-apo-í ‘g̃a yrupema VSO
neg-3-fazer-neg ela cesta
‘ela não fez cesta’
(90) u’ywa ‘g̃a o-mopen OSV
flecha ele 3-quebrar
‘Ele quebrou a flecha’
(91) Kunumi ‘g̃a w-apyk OSV
criança ele 3-sentar
‘Ele sentou a criança’
Cumpre notar que não se tem conhecimento da existência de formas
pronominais independentes de 3ª pessoa nas outras línguas da família Tupi-Guarani.
Esse sistema pronominal complexo parece ter sido desenvolvido independente
pela língua. Conforme aponta Souza (2004:42): “... é importante mencionar que não é
comum pronomes com distinção de gênero nas línguas Tupi. Em Aweti, Borella (2000)
relata a ocorrência de prefixos de terceira pessoa não reflexiva que variam conforme o
sexo do falante, mas não há qualquer relação com o sexo do referente. Esta variação
estaria presente também nos demonstrativos e em alguns nomes de parentesco. Em
Kamayurá, Seki (2000) descreve as partículas de sexo (aquelas utilizadas por homem e
aquelas utilizadas por mulheres) que ocorrem em posição final. Em nenhum caso,
porém, o uso da partícula ou do pronome está condicionado tanto pelo gênero do falante
quanto do referente, como ocorre em Kayabí.”
Em línguas como o Tupinambá e o Asuriní do Trocará, a expressão da 3ª pessoa
independente é realizada pelo pronome a’e / .
A’e / aé são, na verdade, tratados como demonstrativos pelos investigadores.
Barbosa (1956:119) comenta sobre o Tupinambá : “a forma da 5ª coluna (=) não é
mais do que um demonstrativo: aquele mesmo.”
Tupinambá
(92) aé o-só
aquele 3-ir
‘Aquele/ele (é que) foi’
Em Asurini a’e funciona como pronome de 3ª:
Asurini
(93) a’e o-soka tapi’ira
ele 3-matar anta
‘Ele matou a anta’
Essa forma a’e também é verificada em Kayabí e parece funcionar como
pronome demonstrativo. Pelo menos é assim que Weiss (1998:101) o define: dêitico –
isto, esse:
Kayabí
(94) a’e ore i-wa’-u erekou jepi
isto nós 3-comer-nar ficar sempre
‘Isto, ficamos comendo sempre.’
É a’e, em Kayabí, assim como nas outras línguas que pode se combinar com
posposições e atuar como conjunções dêiticas:
(95) (a) a’e-re
‘Por causa disso’
(b) a’e-awi
‘De lá’
(c) a’e-ete
‘Assim mesmo’
(d) a’e-pe
‘Naquele tempo, naquele lugar’
(e) a’e-pype
‘Enquanto isso’
(f) a’e-ramu
‘Depois disso, então, porém, portanto’
(g) a’e-rawe
‘Logo que, naquele tempo’
(h) a’e-rupi
‘Durante isso’
Todas as formas acima foram extraídas do dicionário de Weiss (1998).
Como só o Kayabí apresenta o sistema de pronomes independentes para a 3ª
pessoa, parece ser também a única língua da família que possui construções em que NPs
são redobrados por esses elementos.
2.2.6.1. Construções com redobro
Um fenômeno que nos chama a atenção em Kayabí está relacionado à
possibilidade de ocorrência de redobro. Isto é, o pronominal de 3ª pessoa redobra o
sintagma nominal. Esta é uma observação feita inicialmente por nós. Apesar de Dobson
falar sobre a co-existência desses pronomes com NPs, a autora não a associa ao
fenômeno de redobro, verificado em tantas línguas com clíticos pronominais.
Esse fenômeno que permite que tanto o clítico quanto o sintagma nominal co-
ocorram na mesma oração é denominado na literatura de clitic doubling (ou redobro de
clítico), como ilustram os exemplos de diversas línguas abaixo:
Fiorentino
(96) La Maria la parla.
A Maria ela fala
‘A Maria, ela fala’.
Espanhol
(97) Lo vimos a Juan.
‘Vimos ao João’. = “o vimos ao João”
Serbo-Croata
(98) dajte-mu ja kosla-ta.
Dar-3sg-dativo 3fem-acus camisa-fem.
‘Dê ela a ele a camisa’
Em Kayabí, os sintagmas nominais, quando possuem o traço [+animado], podem
co-ocorrer com um elemento pronominal na mesma função gramatical, assim como se
observa nas línguas acima mencionadas. Estes casos envolvem sintagmas na função de
sujeito, de objeto de verbos e de posposições bem como de sintagmas genitivos.
(i) Redobro de sujeito:
(99) [waiw-a kyna ] je-muj-aù t-auty are
velha ela 1sg-ensinar rede sobre
‘[a velha, ela] me ensinou sobre redes’
(100) a’e ramũ a’e [ku’jywa g̃a] o-mana’ne-ramu g̃a nee rakue.
então velho ele 3-ficar zangado-enf eles com evid.
‘Então, o velho ficou zangado com eles’
(101) [ju’i ‘g̃a] w-ypywyg-amu a-wa-u awu-a ypy-pyter ipê
sapo ele 3-afundar-nar 3-ir-nar. 3-flutuar-nar. água-meio em
‘O sapo foi afundando e flutuou no meio do lago’
(102) Nipo a’e [miar-a ‘g̃a] o-se-a
Parece dizer onça 3sg 3-dormir-nar.
‘Parece que a onça dormiu’
(103) [Kũjãwera w̃a] kawĩa w-apo
Mulherada elas mingau 3-fazer
‘A mulherada faz mingau’
(104) [Kũima’e g̃a] yrupema w-apo
Homem ele cesta 3-fazer
‘O homem faz cesta’
(105) [Ore-ra’yra ‘g̃ã] ka’ia o-juka ko
1pl-filho ele macaco 3-matar evid
‘O nosso filho matou o macaco’
(ii) Redobro de objeto de verbo
(106) Tagea’i kia je-mena o-juka
Tagea’i ele 1sg-marido 3-matar
‘[O Tagea’i ele], o meu marido matou’
(107) [kunumi g̃a] je o-mopiryyi ko
Menino ele eu 1sg.-aquecer evid
‘Eu aqueci o menino’
(108) [Chico g̃a] a-esak
Chico ele 1sg-ver
‘Eu vi o Chico’
(109) a’e ramũ je [ka’i g̃a] juka-ù
então eu macaco ele matar-nar.
‘Então, eu matei o macaco’
(110) [ka’ia g̃a] tee je i-juka-ù
Macaco ele só eu 3-matar-nar.
‘Só macaco, eu matei’
(iii) Redobro de objeto de posposição
(111) kuima’ea akagtara mome’w-au [kuja g̃a nupe]
homem enfeita contar mulher ela para
‘Os homens contam do enfeite [para elas, as mulheres]’
(112) je-ruwa kĩã r-upi
meu-pai ele rel-com
‘Com meu pai’
(113) te-y kyna upe
1sg-mãe ela para
‘Para a minha mãe’
(iv) Redobro de possuidor
(114) Rea kyna mena
Rea ela marido
‘O marido de Rea’
(115) Marefã kyna y
Marefã ela mãe
‘A mãe de Marefã’
(116) Te-mena kĩã yar
1sg-marido ele canoa
‘A canoa do meu marido’
(117) Je-y ẽẽ r-era
1sg-mãe ela r-nome
‘O nome da minha mãe’
Como pôde ser observado, existem várias formas pronominais em Kayabí para
expressar os argumentos.
Os afixos de Série Ativa têm o estatuto de concordância verbal , conforme atesta
Vieira (2007), já que são restritos a verbos e podem co-ocorrer com pronomes e NPs.
Os pronominais da Série não-ativa, bem como os da Série co-referencial são
elementos que podem ocorrer incorporados ao núcleo que os seleciona. Eles não
apresentam nenhuma restrição de ocorrência, podendo se agregar a verbos, nomes e
posposições.
Os pronomes independentes que parecem ter estatuto de clíticos são o foco deste
estudo. O interessante sobre esses pronominais é que eles apresentam características de
clíticos de 2ª posição. O fato de tais pronominais poderem redobrar NPs parece
confirmar a nossa suspeita de que se trata de clíticos.
2.3. Sobre as categorias lexicais
Em termos categoriais, Dobson (1988, 1997) reconhece três categorias lexicais
em Kayabí: o nome, o verbo e a posposição.
Na maioria das línguas da família Tupi-Guarani, essas são as três categorias
identificadas pelos os outros investigadores.
O que não é observado em nenhum estudo sobre as línguas da família é que as
categorias nome e verbo muitas vezes não são morfologicamente distintas, uma vez que
os morfemas que ocorrem com uma categoria também ocorrem com outra. A distinção
entre elas vem do contexto em que ocorrem.
Abaixo, descrevemos as características morfológicas e sintáticas de cada
categoria.
2.3.1. O nome
O nome constitui o núcleo do Sintagma Nominal (NP) e é identificado de
maneira mais clara pela função sintática que desempenha do que por sua morfologia.
O sintagma nominal exerce função de argumento de núcleos lexicais e de
predicado nominal:
(118) wĩnamu ‘g̃a-r-emi’ua
aquilo 3-rel.-comida
´Aquilo (é) comida dele`
Em termos morfológicos, existem apenas poucos morfemas específicos das
categorias nome e verbo. A Série ativa de prefixos é exclusiva de verbos ativos. O
sufixo –a ocorre apenas em nomes.
Observe nos exemplos a seguir que, ao se acrescentar o sufixo –a à raiz, deriva-
se um nome que então, não pode ocorrer mais com os prefixos da Série ativa:
(119) (a) a-je ´eg̃
1sg-falar
´Eu falo`
(b) je-je’eg̃-a
1sg-falar-nom.
´Minha fala / língua`
Os outros morfemas podem aparecer indistintamente com nomes e verbos, como
mostramos a seguir
11
:
(i) Prefixos das Séries não-ativas e correferenciais:
Esses prefixos, quando aparecem com nomes, expressam os traços do possuidor.
Já quando aparecem com verbos, indicam a pessoa e o número do sujeito:
(120) (a) je-py’a
1sg.-fígado
´Meu fígado`
(b) te-py’a
1sg.-fígado
´Meu próprio fígado`
(121) (a) je-mara`ne
1sg.-zangado
´Estou zangado`
(b) te-mara’ne ramũ
1sg.-zangado-nar
´Estou zangada`
(ii) Sufixo diminutivo e aumentativo
Esses sufixos quando acrescentados ao nome expressam as noções de
diminutivo ou aumentativos:
11
Essas observações aqui feitas estão em Vieira (1993).
(122) (a) ka’i
´macaco`
(b) ka’i-uu
macaco-aum
´macacão`
(123) (a) pira
´peixe`
(b) pira-i’i
peixe-dim.
‘peiixinho`
Esses mesmos sufixos, quando acrescentados ao verbo, exercem função
aspectual, de acordo com Dobson (1988):
(124) o-jemi’war-uu’g̃a
3-comer-aum. ele
‘Ele comeu muito’
(iii) O morfema de negação
O morfema de negação descontínuo é exclusivo de verbos. Já o sufixo de
negação e’em pode ocorrer tanto com nome quanto com verbos:
(125) ijewage’ema
‘papel sem pauta’
(126) esak e’ema
‘não viu’
De acordo com Vieira (2007), a negação descontínua das línguas da família
Tupi-Guarani é uma categoria funcional na área de IP. Já a negação sufixal (e’em)
dessas línguas tem natureza adverbial. Sendo assim, os dois tipos de negação podem co-
ocorrer na mesma oração, conforme indica o exemplo do Tupinambá a seguir:
Tupinambá
(127) nd’a-î-potar-eym-i
neg-1sg-3-querer-neg-neg
‘Não deixo de o querer’
(Barbosa, 1956:354)
(iv) O morfema relacional r~Ø
O morfema relacional aparece seguindo o possuidor do nome, o complemento
do verbo ou da posposição.
(128) ka’y-r-ayra
Macaco-rel-filho
‘filho do macaco’
(129) ore-r-esak
1pl-rel-ver
‘nos viu’
(v) Marcadores de futuro e de passado
Tanto nos nomes, quanto nos verbos dependentes, podem ocorrer sufixos
tratados na literatura como marcadores de “passado” e de “futuro”.
Quando esses morfemas aparecem no nome, são melhor traduzidos como “ex”
ou “futuro NP”:
(130) te-mi’u-ram-a
1sg.-comida-fut.-nom
‘Minha futura comida’
(131) te-mi’u-ramet
1sg-comida-fut/pass
‘A minha ex-futura comida’
Quando ocorrem com verbo, podem expressar um aspecto não completivo.
(132) a-esa-rame je ene
1sg-ver-fut./pass. eu você
‘Eu ia ver você’
Não há artigos definidos ou indefinidos em Kayabí. Quanto à ocorrência de
demonstrativos, há controvérsias. Dobson (1988, 1997) não menciona a existência dessa
categoria. Souza (2004), todavia, reconhece a existência de demonstrativos e os
exemplifica assumindo a função de determinante ou modificador, conforme classifica a
autora:
(133) peã kanawa
aquele banco
‘aquele banco’
(134) kwea moi
esta cobra
‘esta cobra’
Para Vieira (1993), pelo menos em algumas línguas da família Tupi-Guarani,
como o Asurini do Trocará, inexiste uma classe de determinantes. O que se traduz como
demonstrativo nessas línguas são formas adverbiais “aqui”, “lá”, “acolá”.
Quando esses elementos se encontram no início da oração, engatilham a forma
verbal de enfoque (ou Indicativo II), assim como qualquer outro advérbio:
Asuriní do Trocará
(135) Eokwe ipira i-mana-i se-ope Natairona-r-atya
Lá/aquele peixe 3-deixar-enf 1sg-para Nataiorona-rel-mulher
‘Lá, a mulher do Natairona deixou o peixe para mim
(Vieira, 1993:40)
Kwe, apresentado por Souza como demonstrativo, também engatilha a forma de
Enfoque em Kayabí , como mostra o exemplo abaixo:
(136) kwe pe je o-ì
lá em eu ir-Ind. II
‘Lá, eu fui’
Além disso, no dado fornecido por Souza, Kwe está com marca de nome. Isso
pode indicar que se trata de um nome. Então, em (136) tem-se dois nomes e não um
determinante e um nome.
As palavras que funcionam como quantificadores em Português, segundo Vieira
(1995), ocorrem ou como advérbios ou como sufixos verbais ou até mesmo como
predicados. Veja abaixo que o quantificador “todos” em Kayabí pode ser expresso pelo
sufixo:
(137) ipira je a’u-pap
peixe eu 1sg-comer-todo
‘Eu comi todos os peixes’
Esse comportamento dos quantificadores em Kayabí é verificado em outras
línguas da família, como no Asuriní do Trocará, conforme atesta Vieira (1995).
2.3.2. O verbo
Vimos na seção acima, que o verbo em
Há vários sufixos com funções aspectuais, conforme aponta Dobson (1988).
-Pap – pode indicar o aspecto completivo. Mas como vimos no exemplo acima,
pode funcionar como quantificador também.
(141) teitya i-ky’a-pap
roupa 3-molhada-compl.
‘A roupa está molhada’
(142) Awasia je a-tym ( ) ap
milho eu 1sg-plantar-compl.
‘Plantei todo o milho’
-(r)ete – é outro sufixo aspectual que indica “verdadeiro, real”, mas que pode ser
também usado nos nomes:
(143) i-kaw-ete
3-gordo-real
‘Ele está realmente gordo’
(144) taity-rete
Rede-real
‘a verdadeira rede’
O aspecto também pode ser indicado por meio de reduplicação da raiz verbal.
Nesse caso, tem-se o aspecto intensivo.
(145) re-mosi-mosin
2sg-sujar-sujar
‘Você o sujou muito’
(iii) A idéia de futuro
A idéia de futuro pode ser indicada por meio do verbo “querer” que incorpora o
verbo lexical.
(146) Mã te ere-futat?
O que int 2sg.-querer
‘O que você quer?’
(147) oo-futat je ko
Ir-querer eu evid
‘Eu irei’ = ‘Eu quero ir’
(148) oro-set-futat ore
1pl.-dormir-querer nós
‘Nós vamos dormir’=‘Nós queremos dormir’
(iv) O modo imperativo
O modo imperativo é indicado por prefixos pessoais. A 2ª pessoa é indicada
pelas formas e- (singular) e pe’je- (plural).
(149) e-jot
2sg-vir
‘Venha’
(150) pe’je-set
2pl.-dormir
‘Durmam!’
A forma negativa é feita com o marcador awi que se posiciona após o verbo:
(151) ere-o awi
2sg-ir não
De acordo com Vieira (2004), os causativos comitativos das línguas da família
Tupi-Guarani são melhor analisados como morfemas aplicativos, porque introduzem
um objeto e não um sujeito, como é o caso dos causativos.
(b) Intransitivizadores
Os prefixos reflexivos e recíprocos são morfemas intransitivizadores que só
ocorrem com verbos.
Note-se que quando aparecem em construções com sujeito de 1ª plural inclusiva,
a forma do prefixo é sa- indicativa de verbo instransitivo e não si- que marca os verbos
transitivos:
(154) sa-je-esak
1pl.incl-reflex-ver
‘Nós nos vimos’
(vi) Incorporação
Os verbos podem incorporar outros verbos ou nomes. Essa é uma característica
das línguas Tupi. No caso da incorporação nominal, tem-se um processo de
intransitivização, como mostra o dado abaixo. Note-se que a forma de 1ª pl. exclusiva é
a intransitiva (sa).
(155) sa-kawi-‘u jane
1pl.excl.-chicha-tomar-nós
‘Nós tomamos chicha’
(156) (a) te-poa je a-kysi ko
1sg-mão eu 1sg-cortar evid
‘Eu cortei minha mão’
(b) a-je-po-kysi je ko
1sg-eu-mão-corta-eu evid
‘Eu cortei minha mão’
(vii) Causa indireta
O sufixo causativo –ukat ocorre apenas com verbos transitivo. Nesse caso,
acrescenta mais um sujeito agente. É como se houvesse duas orações: a principal com
“fazer” e a subordinada causativa. O causee é marcado com a posposição upe:
(157) u’ywa-r-afa o-sok
Flecha-rel-ponta 3-sair
‘A ponta da flecha saiu’
(158) u’ywa-r-afa je o-mo-sok
flecha-rel.-ponta eu 3-caus. Sair
‘Eu tirei a ponta da flecha’
(159) u’ywa-r-a fa je o-mo-sog-ukat kĩa upe
Flecha-rel.-ponta eu 3-caus-sair-fazer ele para
‘Eu o fiz tirar a ponta da flecha’
Acreditamos que esse morfema deriva uma causativa lexical e envolve apenas
uma oração, dado o seu comportamento na marcação de caso e no processo de
reflexivização, conforme relata Vieira.
(viii) Nominalizadores
Há nominalizadores que só se agregam a verbos:
(a) -at é o sufixo agentivo
(160) ka’i nupã-at
macaco bater-agent.
‘O batedor de macacos’
(b) -ap é o sufixo que indica circunstância, instrumento:
(161) i-momyk-ap
3-furar-circ.
‘O furador = agulha’
(c) ma'e é um sufixo que podemos tratar como a expressão de um
relativizador. Esse é o tratamento dado por Rodrigues (1954) para este sufixo.
(162) i-mara’ne-ma’e ‘g̃a
3-zangado – rel ele
‘Aquele que é bravo’
2.3.3. O adjetivo
Parece não haver uma classe de adjetivos em Kayabí. Essa é a proposta feita
para a maioria das línguas da família.
As palavras que correspondem aos adjetivos em Português e que denotam
qualidade e estado, atuam sintaticamente como verbos não-ativos. Recebem os prefixos
pessoais da Série não-ativa e podem formar a sua negação com o morfema descontínuo
n...i, típico de verbos:
(163) eta i-pirag
pedra 3-vermelha
‘A pedra é vermelha’
(164) na-je-mara’ne-i je
neg.-1sg-zangar-neg. eu
‘Não estou zangado’
Na 3ª pessoa, alguns verbos recebem o prefixo i-, enquanto outros se manifestam
por morfema zero.
(165) Ø-ea’a ‘g̃a
3-lembrar ele
‘Ele lembra’
Na língua, não há verbos copulares como “ser” e “estar” e então, a forma
predicativa desses verbos supre essa ausência.
Nota-se, porém, que esses verbos aparecem em função atributiva. Em Gomes
(2002), tratamos as formas abaixo como um caso de composição, devido ao fechamento
da construção pelo nominalizador –a:
(166) awasi pytag-a je a-‘u
milho vermelho-nom eu 1sg-comer
‘Eu comi milho vermelho’
(167) jy aìme
faca afiada
‘Faca afiada’
Compare os dois empregos da raiz fuku abaixo:
(168) (a) kuima’e ´g̃a i-fuku
homem ele 3-alto
‘O homem é alto’
(b) kuima’e fuku ‘g̃a a-wau
homem alto ele 3-ir
‘O homem alto foi-se’
Seguindo Vieira (2004), neste trabalho, propomos uma outra solução para a
questão dos adjetivos em Kayabí, bem como para as outras línguas da família Tupi-
Guarani.
Como nomes podem ocorrer também como verbos não-ativos, conforme se vê
nos exemplos abaixo, porque não assumir que, em casos de funcionarem como
atributivos, essas palavras têm o estatuto de adjetivo, ao passo que em função
predicativa, têm função de verbo?
(169) (a) py
‘pé’
(b) i-py
3-pé
‘Ele tem pé’
Vieira (1993 e 1995) assume para as línguas da família Tupi-Guarani, aos
moldes da Morfologia Distribuída, que as raízes são neutras em termos de
categorização. Assim sendo, elas vão ter a sua categoria lexical determinada pelos
elementos funcionais com os quais co-ocorrerem na sintaxe.
Dessa maneira, podemos sugerir que em Kayabí, bem como em outras línguas
da família, haja também uma categoria de adjetivos. Essa proposta explica a ocorrência
dessas palavras em função atributiva. Quando as raízes são inseridas em contexto de
adjetivo, tornam-se um adjetivo. Quando inseridas em configurações verbais, tornam-se
verbos não-ativos.
2.3.4. A posposição
Existem elementos que correspondem a posposições e que indicam as relações
de uma entidade com um local, uma posição, uma companhia, etc.
Os complementos das posposições podem ser NPs, pronomes ou prefixos das
Séries não-ativa e correferencial.
(170) ka’a rupi
mata para
‘para a mata’
(171) ‘g̃a upe
‘para ele’
Os prefixos reflexivos são inseridos entre o prefixo pessoal referente ao
complemento e a própria posposição:
(172) te-je-upe
‘Para mim mesmo’
2.4. Os elementos funcionais
Os elementos funcionais que expressam as categorias funcionais em Kayabí são:
(i) Afixos de concordância: os prefixos pessoais da Série ativa são por nós
considerados afixos de concordância, já que são restritos ao contexto de verbos ativos.
(ii) Verbos auxiliares: os verbos posicionais são por nós tratados como
verbos auxiliares.
(iii) Negação: a negação descontínua é outra manifestação da categoria
funcional NegP, conforme análise em Vieira (2007) para as línguas da família Tupi-
Guarani.
(iv) Os sufixos aspectuais tanto nos verbos quanto nos nomes.
(v) Algumas posposições que regem o complemento verbal e expressam
caso. Estas não licenciam os objetos com os quais co-ocorrem:
(173) je-r-er’at je Cuiabá are
1sg.-rel-lembrar eu Cuiabá de
‘Eu me lembro de Cuiabá’
(vi) Os morfemas de mudança de valência (causativo, aplicativo e reflexivo)
que, conforme sugere a Morfologia Distribuída, são núcleo funcionais introdutores de
argumentos (causa, aplicativo).
Mais adiante comentaremos sobre os elementos funcionais que fazem parte do
sistema complementizador ou CP.
2.5. Notas sobre a Morfofonêmica
As informações sobre a morfofonêmica foram extraídas de Souza (2004) e de
Dobson (1988).
O acento da palavra em Kayabí recai na última sílaba:
(174) yru’pem
‘peneira’
Quando ocorre sufixação, a sílaba tônica passa a ser a última da nova palavra:
(175) yrupem-i’ ‘i
peneira-dim.
‘peneirinha’
As seguintes regras morfofonêmicas são descritas para a língua:
(i) Enfraquecimento consonantal: Oclusivas em final de morfema se
enfraquecem quando seguidas de morfemas iniciados por vogal
(176) {p} {w}
{t} {r} / _ V
{k} {g}
(177) (a) yat
‘Canoa’
(b) yar-a
canoa-nom
‘Canoa’
(ii) Assimilação: A consoante em final de morfema é apagada se o morfema
seguinte se iniciar com consoante também:
(178) (a) a-kutuk
1sg-furar
‘furo’
(b) a-kutu je
1sg-furar eu
‘Eu furo’
(179) (a) pẽ-esak
2pl-ver
‘Viram’
(b) pẽ-esa te
2pl-ver int.
‘Vocês viram?’
(iii) Nasalização: Consoantes e vogais tornam-se nasais em ambiente de
morfema nasal:
(180) (a) pyta
‘Ficar’
(b) mo-myta
caus-ficar
‘Fazer ficar’
(iv) Assimilação: Se o radical se inicia por uma vogal posterior baixa e for
precedido por um prefixo com vogal central baixa, essa última se assimila à vogal
seguinte:
(181) (a) a-’o
1sg-ir
‘Vou’
(b) o’-’o
1sg-ir
‘Vou’
Na próxima seção, apresentamos a questão da ordenação dos constituintes
oracionais, levando em conta as estruturas afirmativas, interrogativas e negativas.
Mencionaremos as observações sobre a ordem feitas por outros pesquisadores da
língua, mas também apresentaremos as nossas colocações sobre o assunto.
2.6. A ordem oracional e sua variação em Kayabí
Em Kayabí, a ordem oracional pode apresentar variação.
Notamos que nas orações declarativas e narrativas, os argumentos verbais
podem ser fonologicamente expressos ou nulos. Há uma preferência para a
manifestação do sujeito na forma de clítico nas construções declarativas. Nas formas
narrativas, o sujeito é preferencialmente nulo, o que parece demonstrar que se trata de
uma língua de sujeito nulo:
(182) a´e ramu w-a´yra r-era-wau i-nug-a mua´g´yp pype
então 3-filho-r-levar-nar. 3-deixar-nar. árvore em
´Então, levou seu filho e o deixou na árvore´
(183) a-w-au peu o-se-a
3-ir-nar. lá 3-dormir-nar.
´Foram lá e dormiram´
(184) a´e rauwe i-mono-ú ipirãia juru pe
então 3-deixar-nar. piranha boca em
´Então, deixaram-na na boca da piranha´
A variação na ordem em Kayabí é determinada por diversos fatores. Nas orações
declarativas independentes, o tipo de ordem vai depender do estatuto categorial dos
argumentos, bem como do fato de a oração ser afirmativa ou negativa, ou ter elementos
focalizados ou topicalizados, conforme veremos a seguir.
Assim como ocorre sujeito nulo, observamos que o Kayabí também admite
objeto nulo:
(185) (a) ere-‘u te ape?
2sg-comer int. pedaço
‘Você quer comer um pedaço’
(b) a-’u-futat je
1sg.-comer-querer eu
‘Eu quero comer’
Nas formas narrativas, quando o objeto está separado do verbo, ou quando é
omitido, o verbo fica marcado com o prefixo i- que parece estar indicando a presença de
um objeto:
(186) (a) kasurua miara mujãna
cachorro onça correr-nar
‘O cachorro correu (atrás) (d)a onça’
(b) Miara kasurua i-mujã n-a
onça cachorro 3-correr-nar
‘A onça, o cachorro correu atrás’
(c) kasurua i-mujãna
cachorro 3-correr-nar
‘O cachorro correu (atrás) (de) (ela)’
No caso das construções intransitivas com sujeitos NPs, tem-se tanto as ordens
SV quanto VS, sendo que o primeiro tipo é o mais atestado.
(187) ka’iuua w-afukai ka’a pe SV
macacão 3-gritou mato em
‘O macacão gritou no mato’
(188) taitya i-akym SV
rede 3-molhada
‘a rede está molhada’
(189) u-ããi jetyga VS
3-espalhar batata
‘As batatas (se) espalharam’
(190) i-kã je-r-atya VS
3-seca 1sg-rel-rede
‘A minha rede está seca’
Quando, porém, o sujeito ou o objeto são elementos pronominais, tem-se um
padrão bem diferente, como veremos a seguir:
2.6.1. A ordem básica: SOV
O Kayabí, assim como várias outras línguas da família, é uma língua do tipo
SOV. Essa ordem é verificada, quando nas orações independentes – formas verbais no
Indicativo I – tanto o sujeito quanto o objeto são realizados por NPs:
(191) ywya je-kupe a-’u-pap SOV
chão 1sg-costas 3-comer-tudo
‘O chão acabou (com) as minhas costas’
(192) Kusurua miara mojeupit SOV
cachorro onça subir
‘O cachorro afugentou a onça’
(193) Ja’ wapinima mo’i a-’u SOV
jaguar cobra a-comer
‘O jaguar comeu a cobra’
(194) wyrasokw rúpia o-muat SOV
galinha ovos 3-pôr
‘A galinha põe ovos’
Outros tipos de ordens também foram por nós atestadas na língua, quando os
argumentos verbais são NPs: SVO, OVS, VSO, VOS e OVS.
Outros tipos de ordem também foram por nós observados na língua, quando os
argumentos verbais são NPs:
(i) SVO
(195) miara o-peaa je-we
onça 3-atravessar 1sg-caminho
‘A onça atravessou o meu caminho’
(ii) VSO
(196) o-motyku’a kwaraya kawa ra’e
3-derreter sol banha evid
‘O sol derreteu a banha’
(iii) OSV
(197) awasia ywytya o-piyp
milho vento 3-alcançou
‘O vento alcançou o milho’
(iv) VOS
(198) w-asi’o je-r-u’ywa ka’ia
3-quebrar 1sg-rel-flecha macaco
‘O macaco quebrou minha flecha.’
As línguas da família Tupi-Guarani, como o Tupinambá (Barbosa, 1956), o
Asurini do Trocará (Vieira, 1993) e o Tapirapé (Leite, 2004), apresentam variação na
ordem dos constituintes oracionais. Tanto o Tupinambá quanto o Asurini admitem
qualquer tipo de ordem, conforme ilustram os dados abaixo:
Tupinambá
(199) (a) Kosoa masa o-juka SOV
Mulher cobra 3-matar
‘A mulher cobra 3-matar’
(b) Kosoa ojuka masa SVO
(c) Masa ojuka masa OSV
(d) Masa ojuka kosoa OVS
(e) Masa kosoa masa VSO
(f) ojuka masa kosoa VOS
As línguas acima mencionadas, porém, parecem não ter uma ordem preferencial.
Já o Kayabí, tem SOV como a ordem mais atestada quando os argumentos são NPs.
Não podemos aqui justificar todos os tipos de variação da ordem verificados
acima. Admitimos, porém, que se trata de ordens com funções pragmáticas bem
definidas.
Se o objeto é pronominal e o sujeito é NP, tem-se também a ordem SOV:
(200) Miara je u´-u SOV
onça me 3-morder
´A onça me mordeu´
SOV é também verificada nas orações dependentes com o verbo na forma
narrativa (gerúndio), quando há, nos casos de sujeito pronominal, um elemento à
esquerda da oração.
Os exemplos abaixo ilustram a ocorrência da ordem SOV nas orações
dependentes/ forma narrativa:
(201) [a’e ramo] ‘g̃ã taititu juka-ù XPSOV
então ele caititu matou-nar
‘Então, ele matou o caitutu’
(202) [Cuiabá pe te-ko-ramu] je Chico ‘g̃ã r-esak-a XPSOV
Cuiabá em 1sg-estar-depois eu Chico ele ver-nar
‘Depois que estive em Cuiabá, eu vi o Chico’
(203) [oo] wã kĩã-resak-a XSOV
ir eles ela-ver-nar
‘Eles foram vê-la’
Essa possibilidade de ordem com sujeitos pronominais não é discutida por
nenhum investigador da língua.
2.6.1.1. A ordem SV/VS
Nas construções intransitivas envolvendo qualquer forma verbal, se o sujeito
for pronominal, a única ordem possível é VS. Os exemplos abaixo ilustram essa
distribuição restrição:
(204) w-ata ‘g̃a VS
3-andar ele
‘Ele andou’
(205) a-pyta je VS
1-ficar eu
´Eu fiquei´
VS também é possível quando o sujeito é NP:
(206) o-fereferep-a ene yara VS
3- virar-nar. sua canoa
´Virou a sua canoa´
2.6.2. A ordem OSV
Outra ordem possível é OSV que é verificada principalmente quando o sujeito é
um pronome e o objeto é um NP. Esta é a ordem mais freqüente na língua, quando o
sujeito é pronominal:
(207) u’ywa ‘g̃ã o-mopen OSV
flecha ele 3-quebrar
‘Ele quebrou a flecha’
(208) u’ia kyna a-mut o-jeupe OSV
farinha ela 3-dar 3-si
‘Ela deu farinha para si’
(209) yraywete kiã w-esak OSV
avião ele 3-ver
‘Ele viu o avião’
A ordem OSV é tão produtiva na língua, uma vez que os sujeitos são geralmente
expressos por pronomes, que Souza (2004) postulou-a como a ordem básica do Kayabí:
“A ordem básica da língua Kayabí é OSV, para S e O, sendo possível a ordem SOV em
construções topicalizadas.”
2.6.3. A ordem VSO
Outra ordem atestada é VSO. Esta parece ser a ordem mais usada quando o
verbo está na forma negativa e o sujeito é pronominal.
(210) n-a-nupã-i je kaurua VSO
neg-1sg-bater-neg eu cachorro
‘Eu não bati no cachorro’
(211) n-a-tym-i je awasia VSO
neg-1sg-plantar-neg eu milho
‘Eu não plantei milho’
(212) n-o-tym-i ‘g̃a awasia VSO
neg-3-plantar-neg ele milho
‘Ele não plantou milho’
(213) n-u-apo-i ‘g̃a yrupema VSO
neg-3-fazer-neg ele cesta
‘Ele não fez cesta’
Também é uma ordem possível, embora não muito freqüente, quando o verbo
está na forma afirmativa, tendo um sujeito pronominal objeto NP.
(214) a-kysi-futat je te-po-a VSO
1-cortar-enf. Eu 1-mão
´Eu só corto a minha mão´
(215) w-ajuka kyna mani´ogoa VSO
3-esfarelar ela beiju
´Ela esfarelou beiju´
(216) w-amoit kĩa kasurua VSO
3-desatar ela cachorro
´Ela desatou o cachorro.´
VSO é a única ordem possível quando tanto o sujeito quanto o objeto são
pronominais:
(217) a-nupã je ‘g̃ã VSO
1-bater eu ele
´Eu bati nele´
Se o objeto for de 1ª e 2ª pessoas e o sujeito de 3ª pessoa pronominal, obtém-se a
ordem VS:
(218) a-momok je ‘g̃ã
1sg-acordar eu ele
‘Eu o acordei’
As ordens SOV e SVO não são verificadas com sujeitos pronominais porque
estes, conforme constatamos para a língua, são sujeitos de 2ª posição.
2.6.4. A ordem e as construções envolvendo CP
Para ficar mais clara a questão da ordem oracional e sua variação no Kayabí,
apresentamos aqui estruturas que envolvem o sintagma CP, como forma de identificar
uma fronteira funcional na oração.
2.6.4.1. Interrogativas sim/não
Para formar estruturas interrogativas, emprega-se em Kayabí a partícula te. Esta
se coloca após o primeiro constituinte da oração interrogado que pode ter natureza de
sintagma – XP – ou de núcleo – Xº.
Em interrogativas do tipo “sim/não”, o constituinte questionado – para o qual
espera-se uma resposta – ocupa a primeira posição da oração, à esquerda da partícula te.
(219) o-pen te ene-jya? VO
3-quebrar int 2sg-faca
‘(Ele) quebrou sua faca?’
(220) ene-jy te o-pen? OV
2sg-faca int 3-quebrar
‘A sua faca, ele quebrou?’
(221) tajau te ‘g̃a o-juka ra’i? OSV
porco int ele 3-matar evid
‘Porco, ele matou ?’
(222) w-apo te ‘g̃ã yrupema? VSO
3-fazer int ele cesta
‘Fez ele a cesta?’
(223) u’ia te ‘g̃ã w-apo ra’e? OSV
farinha int ele 3-fazer evid
‘Farinha, ele fez?’
Pelas ordens de constituintes oracionais observadas nas respostas dadas às
perguntas “sim/não”, percebe-se que o elemento à esquerda da partícula interrogativa é
a resposta do que está sendo questionado. As respostas se iniciam com o constituinte
interrogado:
(224) (a) ipira te ere-’u ra’e OV
peixe int 2sg-comer evid
‘(Foi) peixe (que) você comeu?’
(b) ipira je a-’u ko OV
peixe eu 1sg-comer evid
‘(Foi) peixe (que) eu comi’
(225) (a) ere-’u te ipira VO
2sg-comer int peixe
‘Comeu você peixe?’
(b) a-’u futat je VS
1sg-comer enf eu
‘Comi mesmo eu’
(226) (a) eira te ere-’u e’ama OV
mel int 2sg-comer 2-sentar
‘(Foi) mel (que) você comeu sentado?’
(b) eira je a-’u te-’ama OsV
mel eu 1sg-comer 1-sentar
‘(Foi) mel (que) eu comi sentado’
(227) (a) ere-’u te eira VO
2sg-comer int mel
‘Comeu você mel?’
(b) a-’u futat je eira VSO
1sg-comer enf eu mel
‘Comi mesmo mel’
Esse padrão de resposta só é desfeito em caso de resposta negativa, uma vez que o
verbo na forma negativa ocorre como o primeiro elemento da oração, se o sujeito for
pronominal:
(228) (a) ipira te ere’u OV
peixe int 2sg-comer
‘(Foi) peixe (que) você comeu’
(b) naani n-a-’u-i je ipira VSO
não neg-1sg-correr-neg eu peixe
‘Não, não comi peixe’
-te pode também figurar como o primeiro elemento da interrogativa
(229) te ere-o?
int. 2sg.-ir
´Você vai?´
(230) te ere-jot nũ?
int. 2sg.-vir de novo
´Você veio de novo?
2.6.4.2. Interrogativas do tipo Qu-
As interrogativas do tipo Qu- em Kayabí ocorrem como os primeiros elementos
da oração, seguidos pela partícula interrogativa te. Da mesma forma que as perguntas do
tipo “sim/não”, as respostas para esse tipo de interrogativa apresentam como o primeiro
constituinte, o elemento interrogado:
(231) (a) awyia te karupama juka ra’e
quem int veado matar evid
‘Quem matou o veado?
(b) je futat a-juka ko
eu enf 1sg-matar evid
‘Fui eu que matei’
(232) (a) awyia te ere-mopiryyi?
Quem int 2sg-esquentar
‘Quem você esquentou?’
(b) kunumi g̃a je a-mopiryyi ko
menino ele eu 1sg-esquentar evi
‘O menino, eu esquentei’
(233) (a) ma’ja te ere-apo
o que inst 2sg-fazer
‘O que você fez?’
(b) yrupema je a-apo
cesta eu 1sg-fazer
‘cesta, eu fiz’
(234) (a) mã yar ipe te ere-o
qual canoa em int 2sg-ir
‘Em qual canoa você vai?’
(b) te-yar epe je oì
1sg-canoa em eu ir
‘Na minha canoa, eu vou’
(235) (a) ma’ja te g̃a o-tym
o que int ele 3-plantar
‘O que ele plantou?’
(b) awasia g̃a o-tym
milho ele 3-plantar
‘Milho, ele plantou’
(236) (a) awyia te kawia w-apo je-pi?
Quem int chicha 3-fazer me-para
‘Quem fez chicha para mim?’
(b) [kujamera wã] kawia w-apo
mulherada elas chicha 3-fazer
‘A mulherada fez chicha’
(237) (a) ma’a pe te g̃a oì?
Onde para int ele ir
‘Para onde ele foi?’
(b) ka’a pe g̃a oì w-ata-ù
mato para ele ir 3-andar nar
‘para o mato, ele foi andando’
As palavras interrogativas em Kayabí são:
Ma ´a pe ´Onde?´
´qual?´
Mamũ ‘Por quê?’
Ma´e ´O que?’
Ma´já ´O que?
Awyí ´Quem?’
Ma´ja ramu ‘Para que?’
Mara marãn ‘Quantos?’
Mara ‘Como?’
Mara nime ‘Quando?’
Mara nuara ´Qual?
Algumas dessas palavras correspondem a palavras indefinidas.
2.6.4.3. Enfoque/Indicativo II
A construção de Enfoque/Indicativo II se caracteriza da seguinte maneira: quando
o sujeito for de 3ª ou 1ª pessoas e certos constituintes, advérbios, palavras Qu, PPs,
orações subordinadas, elementos dêiticos, aparecem em posição inicial na oração, o
verbo recebe um sufixo especial -i. Os argumentos verbais aparecem ou em forma de
NPs na ordem SOV, ou, no caso de sujeito intransitivo e objeto de verbo transitivo, na
forma de prefixos pessoais da Série não-ativa. Indicativo II é o nome dado por
Rodrigues (1954) para essas construções:
Para os verbos não ativos, o sufixo é –ramu.
Esse tipo de construção é verificado em várias línguas da família.
(238) ma´e ramu te wã je-ywy-i
por que int. eles me flechar-enf
‘Por que eles atiraram em mim?’
(239) ko pe kyna r-eko-i ra´e
roça em ela r-estar-enf evid.
´Ela está no roça’
A colocação desses sintagmas no início da sentença afeta não só a forma verbal,
mas também as formas de expressão dos argumentos verbais e a forma de negação que,
nesses casos, deve ser sufixal, isto é, adverbial e não funcional.
Várias palavras definidas por Weiss como dêiticas, são gatilhos para a forma de
enfoque:
A´e re ‘Depois disso’
(240) a´e re je o-i
isso depois eu ir-enf.
‘Depois disso, eu fui.’
A´e ramu ‘Então’, ‘Por isso’:
(241) kwai ga ipira manurig-i XPsOV
muito ele peixe pegar-enf.
´Ele pegou muitos peixes´
(242) nanetee ga ka´i juka´i XPsOV
assim mesmo ele macaco
‘Assim mesmo, ele matou o macaco´
(243) ojo-tuwa r-upi wã o-i PPsV
3rec-pai rel-com eles ir-enf.
‘Com o pai um do outro, eles foram
(244) ma´e pe te ga o-i QUsV
onde para int. ele ir-enf.
‘Onde ele vai?’
(245) amanipe je mama´e tym-i XPsOV
chuva em eu coisa plantar-enf.
‘Na chuva, eu planto’
Uma questão é saber se o sintagma inicial está em Tópico ou Foco.
O Foco
Existem estruturas que podemos chamar de foco. Elas envolvem um constituinte
deslocado à esquerda da oração. As partículas que se seguem a esses constituintes têm
semelhança morfológica com o marcador de interrogativas:
(246) irupãwẽ te te-se-a
quatro só 1sg.-dormir-nar.
´Só quatro (noites) eu dormi’
(247) wyraiwa te aipo u-´ẽ jee
bicho foco talvez 3-chegar 1sg-para
´Um bicho chegou para mim’ (= na minha direção)
(248) jee pe te karajayfera pe-mut
1sg-para foco mingau 2pl.trazer
‘Para mim, dêem o mingau’
No próximo capítulo, fornecemos informações sobre a ordem oracional do Kayabí
e suas variações. A questão da ordem é relevante para a categorização dos elementos
pronominais aqui em estudo.
Capítulo 3
Ordem e estruturas interrogativas: teorias e análises
A fim de poder discutir a questão da ordem e de sua variação, veremos a
maneira pela qual a Gramática Gerativa representa as orações e explica as causas que
determinam o deslocamento dos constituintes, provocando a alteração da ordem básica.
Desde Pollock (1989) e Chomsky (1989), a estrutura oracional é vista como
sendo constituída por projeções funcionais, além da projeção lexical: o VP. Assim, a
estrutura oracional é dividida em três camadas: a camada lexical, constituída pelo VP, a
camada flexional, constituída pelo IP; e a camada reservada ao sintagma
complementizador: o CP.
3.1. A arquitetura oracional
A camada flexional é decomposta em TP (Temporal Phrase/Sintagma
Temporal); Agrs P (Agreement Phrase/Sintagma de Concordância de Sujeito; Agro P
(Agreement Phrase/Sintagma de Concordância do Objeto) e Neg P (Negation
Phrase/Sintagma de Negação). A representação abaixo ilustra essa composição
funcional:
CP
C’
C AgrsP
NegP
Neg
Neg TP
T
AgroP
Agro
Agro VP
Essa hipótese que divide a área flexional da oração em diversas categorias
funcionais ficou conhecida como Split – IP Hypothesis.
Nessa fase de desenvolvimento da teoria, postulava-se que a morfologia
flexional era gerada no núcleo das categorias funcionais. Segundo Pollock, em algumas
línguas, como o Francês, o verbo sobe para “pegar” a sua flexão.
Para se verificar se um constituinte oracional foi movido ou não, utiliza-se como
evidência a posição dos advérbios, dos quantificadores e da negação em relação ao
sujeito, ao verbo e ao objeto. Pollock propôs que os advérbios eram gerados em
adjunção à esquerda do VP. Sendo assim, se um constituinte ocorresse à esquerda do
advérbio, por exemplo, era sinal de que ele se moveu para alguma categoria funcional
acima do VP. Se o constituinte ocorresse à direita do advérbio, era sinal de que ele
continuava dentro do VP.
Em Francês, postula-se que tanto o sujeito quanto o verbo se movem para as
categorias funcionais acima do VP, uma vez que ambos ocorrem à esquerda do advérbio
e da negação (pas):
(1) Jean embrasse souvent Marie
Em Inglês, todavia, como apenas o sujeito aparece à esquerda do advérbio,
postula-se que somente ele é movido em sintaxe aberta. O verbo permanece in situ e
adquire a sua morfologia por meio de uma regra de abaixamento – affix hopping. Isto é,
a morfologia flexional se move até o VP:
(2) John often kisses Mary
3.2. O Programa Minimalista
A partir do Programa Minimalista (Chomsky, 1993 e 1995), postula-se que todos
os constituintes oracionais já saem do léxico plenamente flexionados. Assim, o
movimento de constituintes deixa de ser motivado pela aquisição da flexão. Chomsky
adota, então, a hipótese lexicalista forte para justificar a ocorrência de formas
flexionadas.
De acordo com esse programa de pesquisa (cf. Jang, 2000), que procura explicar
o fenômeno da linguagem em termos de simplicidade, economia e não-redundância, os
níveis de representação lingüística são apenas dois: Forma Fonológica (FF) e Forma
Lógica (FL). Essa simplificação no modelo se baseia no fato de que a linguagem
Quando a derivação vai para Spell-Out, os traços fonológicos são extraídos e
enviados para o componente FF. Os traços semânticos e alguns traços formais se
mantêm na derivação até FL.
Os traços formais são das seguintes naturezas: categoriais (V, N, A); traços-phi
(número, pessoa, gênero); traços de caso e traços fortes e fracos. Estes últimos são
atribuídos apenas às categorias funcionais e não aos itens lexicais e são os que
determinam o movimento de constituintes.
Tanto as categorias funcionais quanto os itens lexicais contêm traços formais
que devem ser checados uns com os outros.
Chomsky (1993) assume que os núcleos funcionais possuem traços nominais
(N) e verbais (V) que devem ser checados por sintagmas nominais e por verbos
respectivamente nas posições de seus especificadores e de seus núcleos. É o mecanismo
de checagem de traços que elimina os traços formais dos núcleos funcionais.
Os traços V e N dos núcleos funcionais podem ser fortes ou fracos. Quando
fortes, desencadeiam o movimento do constituinte relevante em sintaxe aberta para
serem eliminados antes de Spell-Out. Quando fracos, o movimento é encoberto; isto é,
se dá na FL.
Em Francês, por exemplo, Agrs teria, de acordo com essa teoria, traços N e V
fortes, o que provoca o movimento do sujeito e do verbo para as posições de seu
especificador e de seu núcleo. Já em Inglês, os traços V dos núcleos funcionais são
fracos e assim são checados em FL.
De acordo com essa visão, a ordem universal no momento da concatenação do
sujeito, do verbo e do objeto é SVO. Essa é uma hipótese de Kayne (1994), conhecida
na Literatura como Linear Correspondence Axiom (LCA) segundo a qual se um nó não
terminal – X – c-comanda assimetricamente outro nó terminal – Y, então ele vai
precedê-lo na linearização dos elementos terminais. Então, segundo o LCA, o sujeito
vai preceder o verbo e este, o objeto na linearização. A partir de ordem universal SVO,
as ordens SOV e VSO, por exemplo, são derivadas a partir do movimento de
constituintes para as categorias funcionais na área da flexão. A ordem SOV pode ser
vista como derivada do deslocamento do objeto e do verbo para as posições de
especificador e núcleo de Agro P, respectivamente.
A variação interlingüística é explicada pelas propriedades forte/fraca dos traços
dos núcleos funcionais. São essas propriedades que determinam movimento sintático.
Vimos isso com a variação da ordem oracional: SVO, SOV, VSO, etc. Outra
possibilidade de variação reside no parâmetro do movimento de Qu-. Em línguas como
o Inglês e o Português que apresentam movimento de palavra interrogativa para [Spec,
CP], diz-se que C tem traços [Qu] fortes. Já em línguas como o Japonês e o Coreano,
em que a palavra interrogativa permanece in situ, pressupõe-se que C tem traços [Qu]
fracos.
Em Chomsky (1995), foi proposta ainda a eliminação das categorias Agrs e
Agro. O motivo para tal eliminação tem a ver com a questão da interpretabilidade
dessas categorias. Enquanto o complementizador (C), Tempo (T) e o determinante (D)
possuem um papel na interpretação da sentença, Agr não possui nenhuma interpretação
semântica.
Segundo Jang, Agr não carrega nenhum traço de caso, além de não exibir
conteúdo semântico. Traço de caso nominativo é uma propriedade inerente de T. Traço
de caso acusativo é uma propriedade do verbo. Sendo assim, Agr é descartado como
uma possível categoria funcional.
Para compensar a eliminação de Agr, Chomsky introduz uma nova categoria
funcional – vezinho (v) ou verbo leve – que é o núcleo da construção transitiva/causativa
e introduz um argumento externo – o sujeito agente.
Vezinho também carrega traços de caso acusativo e traços-phi, referentes ao
objeto e que são checados pelo sintagma objeto e pelo verbo.
Além da introdução do vezinho, Chomsky admite a ocorrência de
especificadores múltiplos para as categorias v e T. Assim, fica explicada, por exemplo, a
ocorrência da ordem OV. Neste caso, o objeto se desloca para a posição de
especificador mais externa de VP e o verbo se move para o núcleo de v.
A representação oracional passa a ser constituída por C, T e v, conforme ilustra a
representação abaixo:
CP
C’
C TP
T
T vP
v
v VP
V DP
Chomsky (2000) (cf. Kandybowicz, 2006), com a finalidade de reduzir ainda
mais o fardo do sistema computacional, propõe a idéia de fases. De acordo com essa
idéia, a operação de Spell-Out pode ocorrer várias vezes durante a derivação sintática. A
noção de fases está relacionada com a de unidades que possuem interpretações
semânticas completas e independentes. vP está correlacionado com um evento com
todos os seus participantes. CP está correlacionado com uma proposição completa que
inclui tempo e noções discursivas. Então, vP e CP são fases em que a derivação é
enviada para Spell-Out.
As outras mudanças foram implementadas a partir daí. Como não há mais Agr,
todos os movimentos de argumentos são motivados pelos traços EPP de T para sujeitos,
e de v para objetos.
Uma outra mudança, a partir de 2000, é que Chomsky abandona a posição
lexicalista forte que assume que todos os itens lexicais já saem flexionados do léxico,
para adotar idéias semelhantes àquelas da Morfologia Distribuída, como a Inserção
Tardia de matéria flexional e de a sintaxe operar somente com traços formais. Então, a
informação fonológica passa a ser inserida após a sintaxe.
Em um caminho inverso ao proposto pelo Programa Minimalista de Chomsky,
cuja tendência é reduzir a estrutura sintática a um número mínimo de projeções, surge
com Rizzi, a partir de 1997, a abordagem cartográfica para a arquitetura oracional.
Segundo tal abordagem, noções semânticas e discursivas, como tópico, foco, contraste e
diferentes tipos de aspectos, são tratadas como núcleos funcionais que projetam seus
próprios sintagmas na oração. Surge então, a hipótese sobre a periferia esquerda da
oração, conforme mencionamos a seguir.
3.3. A periferia esquerda da oração
Rizzi (1997 e 2004) propõe que o CP seja composto de algumas categorias
funcionais. A esse complexo de projeções à esquerda do IP, o autor dá o nome de
periferia esquerda da oração.
O sistema complementizador teria dois núcleos fixos: Força e Finitude. Força
distingue os tipos de oração: declarativa, interrogativa, relativa, orações adverbiais, etc.
O núcleo Finitude distingue entre orações finitas e não finitas. Esses dois núcleos
podem se juntar em único núcleo.
Além de Força e Finitude, o sistema complementizador pode envolver mais dois
núcleos funcionais quando ativados, aos quais Rizzi denomina de Tópico e de Foco.
Quando Foco ou Tópico são ativados, percebe-se melhor a presença dos núcleos Força e
Finitude.
Os exemplos do Italiano abaixo contêm um tópico e dois diferentes
complementizadores “que”, introduzindo uma oração finita e “de”, uma oração não-
finita.
(2) (a) Maria crede che, il tuo livro lo potrà leggere.
Maria acredita que o teu livro, ela poderá ler.
(b) * Maria crede il tuo libro che lo potrà leggere
(3) (a) Maria credi il tuo libro, di poterlo leggere
(b) * Maria credi di el tuo libro poterlo leggere.
Vemos nos exemplos acima que o complementizador “que” deve preceder o
elemento em tópico, mas o complementizador “de” deve seguir o elemento em tópico.
Essas diferentes posições ocupadas pelos complementizadores em Iitaliano, levaram
Rizzi a sugerir que “que” estaria no núcleo do sintagma Força, enquanto “de”, que
introduz orações infinitivas, estaria no núcleo do sintagma Finitude. O tópico deveria,
então, ser representado em uma categoria funcional entre Força e Finitude.
Rizzi assume também que pode haver duas posições de tópico, uma acima e
outra abaixo de Foco, conforme mostra a representação abaixo:
(4) ForceP
Force’
Force TopP
Top
Top FocusP
Focus
Focus TopP
Top FinP
Fin
Fin IP
É assumido na literatura que palavras interrogativas podem se mover para
[Spec,CP] quando C tem um traço de EPP para ser checado. C também pode atrair para
si, verbos auxiliares, mediante movimento sintático. O movimento de verbos para Cº é
observado em línguas como o Alemão que obedecem ao fenômeno de V2 e em línguas,
como o Inglês, em que o auxiliar deve se deslocar em construções interrogativas:
Alemão – V2
(5) (a) Ich las schon letztes Jahr diesen Roman.
eu ler já passado ano este livro
‘Eu já li este livro no ano passado’
(b) Diesen Roman las ich schon letztes Jahr.
este livro ler eu já passado ano
‘Eu já li este livro no ano passado.’
Nos dois casos acima, o constituinte à esquerda do verbo está topicalizado e o
verbo está em C.
Em Inglês, o movimento do auxiliar está condicionado ao movimento da palavra
interrogativa.
(6) (a) You will read what book?
(b) What book will you read?
Assim como a palavra interrogativa, o tópico e o foco podem ser movidos,
dependendo dos traços dos núcleos funcionais correspondentes.
O tópico, no exemplo abaixo aparece no início da oração para onde foi movido.
Ele é destacado da oração por meio de uma entoação – uma pausa – e expressa
informação velha – aquela compartilhada pelo falante e o ouvinte.
(7) Your book
i
; you should give t
i
to Paul (not to Bill).
O foco também pode ocorrer preposto, mas carrega acento focal e introduz
informação nova.
(8) YOUR BOOK you should give t to Paul (not mine).
No exemplo acima, o foco é de contraste (seu livro, não o meu) e ocupa uma
posição no início da oração
A resposta para uma interrogativa envolve foco – informação nova – mas não
foco de contraste.
O foco em certas línguas pode ficar in situ. Isso ocorre em Italiano, onde o
elemento focalizado permanece em sua posição de base, recebendo apenas acento de
foco.
(9) Ho letto IL TUO LIVRO (non suo).
Tanto o tópico quanto o foco podem ser marcados por partículas, geradas nos
núcleos de seus respectivos sintagmas.
Segundo Rizzi e Cinque (1990), as estruturas de tópico admitem um pronome
resumptivo.
(10) Il tuo libro, lo ho comprato.
Pode haver vários tópicos na mesma oração.
(11) Il libro, a Gianni, do mani Glielo darò senz’altro
o livro a Gianni amanhã lhe-lo dar com certeza
‘O livro, a Gianni, amanhã, lhe o darei com certeza’
O tópico pode co-ocorrer com um sintagma interrogativo:
(12) A Gianni, che cosa gli hai detto?
A Gianni, que coisa lhe há dado?
Observe que, nesse caso, o tópico deve preceder o elemento interrogativo.
De acordo com Rizzi, o tópico envolve um operador. O elemento com o
estatuto de foco, tem uma natureza distinta do tópico. O foco não admite resumptivo,
segundo o autor:
(13) * IL TUO LIBRO lo ho comprato (non il suo).
Só deve haver um foco por oração:
(14) * A GIANNI IL LIBRO darò (non a Pietro, l’articolo)
A Gianni, o livro, darei.
O foco não co-ocorre com palavras interrogativas:
(15) * A GIANNI che cosa hai detto? (não a Pedro)
A Gianni, que coisa deu? (não a Pedro)
Enquanto o tópico envolve um operador anafórico, o foco envolve uma
variável. É por isso então, que o foco não pode ocorrer com um sintagma
interrogativo que também envolve uma variável.
Em Coreano, Choe (1995), todavia, alega que vários tipos de constituintes
podem ser focalizados.Argumentos, adjuntos, advérbios e predicados podem ocorrer
com a partícula de foco. Além disso, pode haver em Coreano deslocamento de foco a
longa distância.
(16) KU SI-NUN swuni-ka [chelswu-ka ssesstako] mit-nunta
o poema-foco Swuni-suj Chelswu-suj escrever-passado acreditar-pres
O POEMA, Swuni acredita que Chelswu escreveu.
Na seção seguinte trataremos da proposta de Rizzi sobre a existência de mais
uma projeção na periferia esquerda da oração: o sintagma interrogativo.
3.3.1. O Sintagma Interrogativo
A partir da observação das diferentes distribuições dos complementizadores
“que” e “se”, Rizzi (1999) postula a existência de: IntP (Interrogative Phrase / Sintagma
Interrogativo).
De acordo com o autor, “che” do Italiano introduz orações declarativas, ao passo
que “se” introduz perguntas sim/não subordinadas.
As diferentes posições ocupadas por cada um desses complementizadores levou
Rizzi a perceber que eles ocupam núcleos funcionais distintos na oração.
Enquanto ambos precedem um elemento em foco, “che” deve preceder um
tópico, mas nunca segui-lo. Já “se”, pode tanto preceder quanto seguir o elemento em
tópico. Os dados abaixo ilustram essa distribuição:
(17) Credo che a Gianni, avrebbero dovuto dirgli la verità.
Creio que, ao Gianni, eles deveriam ter lhe dito a verdade.
(18) * Credo, a Gianni che avrebbero dovuto dirgli la verità.
Creio, ao Gianni, que eles deveriam ter lhe dito a verdade.
(19) Mi domando se questi problemi, potremo mai affrontarli.
Me pergunto se estes problemas, nós poderemos abordá-los.
(20) Mi domando, questi problemi, se potremo mai affrontarli.
Me pergunto estes problemas se poderemos abordá-los.
“Se” pode então, preceder, mas não seguir um elemento em foco. No caso do
tópico, “se” pode precedê-lo ou segui-lo.
Como “che” se encontra em Força, ele pode preceder tanto o tópico quanto o
foco.
Essa diferença na distribuição desses complementizadores levaram Rizzi a
observar que “se” está em uma posição distinta de “che”, posição essa mais baixa do
que a de ‘che’ e do que a posição de tópico. Com base na observação dessa
distribuição, o autor postula a ocorrência dos seguintes núcleos funcionais para a
periferia esquerda da oração:
(21) Força (TOP) INT (TOP) FOC (TOP) FINP
O Espanhol é uma língua que admite a manifestação dos dois tipos de
complementizadores na mesma oração. Tal fato indica que cada complementizador está
ocupando um núcleo funcional diferente.
(22) Me perguntaram que si tus amigos ya te visitaron em Granada.
Apesar de haver a categoria IntP, Rizzi assume, com base na impossibilidade de
co-ocorrência de sintagmas QU e FOCO, que os primeiros se deslocam para [Spec,
FocP]. Assim, se explica a incompatibilidade de co-ocorrência em Italiano, dessas duas
categorias na mesma oração:
(23) *Che cosa A GIANNI hanno detto (non a Piero)?
O que, ao Gianni, eles disseram (não ao Pedro)?
Concluímos aqui que a posição ocupada pelos constituintes na periferia
esquerda da oração oferece pistas para a localização estrutural dos outros constituintes
oracionais dentro da camada flexional.
A investigação sobre a periferia esquerda da oração envolve um estudo sobre as
construções de tópico, de foco e as interrogativas. Sendo assim, dedicamos o restante
deste capítulo aos seguintes tópicos: uma tipologia de estruturas interrogativas, sugerida
por Cheng (1997) e análises de estruturas interrogativas em línguas indígenas
brasileiras: Brandon e Seki (1984) e Maia et alii (2000).
Acreditamos que a proposta tipológica de Cheng, bem como as análises
realizadas sobre construções interrogativas em línguas brasileiras nos ajudem a entender
melhor a questão da ordem oracional em Kayabí.
3.4. A Hipótese do Tipo de Oração
Cheng (1997) sugere uma tipologia para as línguas naturais relacionada à
ocorrência de Qu in situ ou de movimento de Qu. A autora propõe a hipótese da
classificação do Tipo de Oração (Clausal Typing Hypothesis) segundo a qual os vários
tipos de oração (interrogativa, declarativa, quotativa etc.) devem ser identificados de
alguma maneira.
No caso das orações interrogativas, Cheng sugere que elas podem ser
identificadas ou por uma partícula interrogativa ou pelo movimento do sintagma
interrogativo para [Spec, CP].
As línguas que apresentam uma partícula interrogativa, como o Japonês e o
Chinês, não possuem movimento de QU. Isto é, todas as suas interrogativas são in situ.
Tal constatação pode ser observada nos dados do Chinês, língua SVO, em que o
sintagma interrogativo ocorre in situ e que exibe uma partícula interrogativa.
Mandarim
(24) Qiaofong mai-le sheme me
Qiaofong comprar-asp o que int.
‘O que Qiaofong comprou?’
A partícula interrogativa nas línguas com QU- in situ se manifesta nas perguntas
sim/não e pode também aparecer nas interrogativas QU, como ilustra o exemplo acima.
A sua função é classificar a oração como interrogativa. Ela é gerada no núcleo de CP –
em Cº.
Como é a partícula que indica que a sentença é interrogativa, não é possível
haver movimento de QU. Movimento de interrogativas só é motivado pelo Clausal
Typing Hipothesis. Isto é, o movimento de QU só ocorre se não houver outro meio de
identificar a oração como interrogativa. Se existem partículas interrogativas, não há
necessidade para movimento porque estas já cumprem a função de identificar o tipo de
oração. Se a língua não tem partícula interrogativa, então o movimento de palavra QU
se faz necessário, para que a oração tenha o seu tipo identificado.
De acordo com Cheng, a co-ocorrência da partícula interrogativa com sintagmas
QU- é justificada pelo fato de o sintagma interrogativo ser um pronome indefinido,
como “alguém, algo” etc. O indefinido é destituído de força quantificacional. A
partícula é empregada então, com a finalidade de emprestar ao indefinido a força
quantificacional.
Através da observação dos dados de línguas com tais partículas, Cheng propõe a
seguinte generalização:
(i) As línguas com Qu in situ possuem partículas Qu. Línguas com
partículas Qu são línguas com Qu in situ.
Nesse tipo de línguas, não se verifica movimento sintático de palavras
interrogativas.
As línguas sem partículas interrogativas exibem movimento sintático de Qu. A
identificação da oração como interrogativa é feita na Estrutura–S, após o deslocamento
da palavra interrogativa. Quando isso ocorre, Cº adquire o traço [Qu] por estar em uma
relação de concordância de Spec–núcleo. Cº é o núcleo e o sintagma interrogativo está
em [Spec, CP]. Nessas línguas, as palavras interrogativas nunca são ambíguas entre uma
leitura indefinida e uma leitura interrogativa. Elas são sempre interpretadas como
interrogativas. Dentre essas línguas estão o Inglês e o Francês.
A Clausal Typing Hipothesis faz as seguintes previsões:
(i) Nenhuma língua tem partícula sim/não e movimento de Qu.
(ii) Nenhuma língua tem a opção de usar ao mesmo tempo uma partícula e
movimento de QU- para assinalar uma sentença como interrogativa.
(iii) Nenhuma língua move mais de uma palavra interrogativa para identificar uma
oração como interrogativa.
Existem línguas que parecem constituir contra-evidência para a proposta de
Cheng. Este é o caso do Árabe Egípcio.
Em Árabe Egípcio, há, aparentemente deslocamento de QU- e também há
partícula interrogativa. O complementizador dessas interrogativas também se manifesta
em relativas e clivadas, mas não nas orações subordinadas. Nestas, ocorre um morfema
distinta na posição de complementizador.
Cheng observou que em Árabe Egípcio, os efeitos de ilha sintática eram os
mesmos que ocorriam nas interrogativas e nas clivadas. Com base em tais evidências
empíricas, Cheng propôs a existência de dois tipos de orações interrogativas em línguas
como o Árabe: (a) as interrogativas com QU- in situ; (b) e as interrogativas derivadas de
orações clivadas reduzidas. Estas últimas têm o elemento QU- gerado na base e não
deslocado por movimento sintático.
A análise de Cheng não dá conta de línguas como o PB, conforme sugere Grolla
(2000), já que esta língua possui estruturas com QU- in situ, mas não manifesta
partículas interrogativas. Além disso, como o PB também apresenta construções com
movimento de QU-, não deveria ter Qu in situ. Conforme salienta Grolla (:81): “... na
teoria de Cheng, o PB não se qualifica nem como língua de QU- in situ nem como
língua de movimento de QU.”
Grolla traduz a proposta de Cheng em termos de traços fortes e fracos. Para a
autora, no PB, Cº tem traços [QU] opcionalmente fortes. Quando fortes, o sintagma
interrogativo é deslocado. Quando fracos, obtém-se Qu in situ.
A investigadora tenta ainda manter a generalização de Cheng, ao sugerir que a
existência de estruturas com prozinho especial caracterizam o PB como uma língua com
Qu in situ. As construções com prozinho especial manifestam um DP, ao invés de um
PP, em posição de tópico ou na posição de palavra interrogativa, associado a um
argumento nulo que envolve, quando realizado fonologicamente, uma preposição. Os
exemplos abaixo ilustram esse tipo de construção:
(25) Chocolate, eu gosto.
(26) O que você gosta?
Como se pode observar nos dados acima, se o elemento à esquerda tivesse sido
movido da posição de complemento por meio de uma operação sintática, ele deveria ser
um PP, já que o complemento do verbo “gostar” é um PP:
(27) De chocolate, eu gosto.
(28) Do que você gosta?
As estruturas com prozinho especial envolvem a geração na base do DP à
esquerda na oração. Esse DP está vinculado de alguma maneira a essa categoria vazia.
É, então, a presença do [pro especial] que licencia um DP, ao invés de um PP, nessas
construções. Essas estruturas fornecem pistas para as crianças em fase de aquisição, de
que a sua língua admite QU- in situ. prozinho especial exerce, então, a função das
partículas interrogativas em PB.
Na próxima seção, mostraremos como são analisadas as estruturas interrogativas
em línguas indígenas brasileiras. Apresentaremos inicialmente o trabalho seminal de
Brandon e Seki (1984) sobre interrogativas em línguas Tupi. Em seguida, mostraremos
a análise que Maia et alii (2000) fazem sobre as interrogativas em três línguas nativas
não-geneticamente relacionadas.
3.5. Interrogativas em Tupi
Brandon e Seki (1984) realizaram um estudo sobre o sistema de interrogativas
em oito línguas representantes de três famílias do Tronco Tupi.
O foco da investigação dos autores é a combinação de movimento de QU e a
ordem OV.
De acordo com Brandon e Seki, os dados observados não podem ser tratados
com base na proposta (da época) sobre a relação entre a ordem VO e a presença de um
nódulo QU em posição inicial (onde estaria a partícula interrogativa), reservada para
perguntas sim/não e para a aterissagem de palavras interrogativas.
Nessas línguas, de acordo com os autores, não é possível associar movimento de
interrogativas com partículas sim/não. Isto é, o movimento de palavras interrogativas
está totalmente desvinculado da presença de partículas interrogativas e de
complementizadores.
As três famílias investigadas foram Mundurukú, Sateré-Maué e Tupi-Guarani.
Mundurukú e Sateré-Maué representam os seus próprios membros. A família Tupi-
Guarani tem as seguintes línguas representantes: Asurini do Trocará, Kamaiurá, Kayabí,
Oiampí, Guarani Paraguaio, Tupinambá e Txiriguano.
O comportamento das palavras interrogativas dessas línguas, segundo os
autores, contradiz o Universal 12 de Greenberg (1963), segundo o qual o movimento de
palavras interrogativas para o início da sentença está associado à ordem VO e nunca à
ordem SOV.
A investigação das construções interrogativas das línguas Tupi é realizada em
cima dos pressupostos teóricos da época, da Teoria Padrão Estendida. De acordo com
essa Teoria, o nódulo Comp se expande como [+wh] ou [–wh]. Se um nódulo Comp é
[+wh], complementizadores como “whether” ou “if” do Inglês, por exemplo, são
inseridos. Se houver um sintagma interrogativo, este será gerado em adjunção ao Comp,
formando um Comp complexo. Se o nódulo Comp for [-wh] ele pode permanecer vazio
ou ser ocupado por “that” ou “for” ou mesmo ter um sintagma contendo um pronome
relativo.
Os autores tentam mostrar, através dos dados do Sateré-Maué, que a proposta
que assume a relação entre Comp, um nódulo [+wh] e uma regra de movimento de
interrogativas não parece ser verificada como uma possível explicação para o
movimento obrigatório da palavra interrogativa.
Observe nos dados abaixo do Sateré-Maué que o complementizador hap ocorre
após a oração subordinada, isto é, à direita em (c), a partícula interrogativa apo se
manifesta após qualquer sintagma da oração e o sintagma interrogativo, sempre aparece
em posição inicial. Isto é, cada um desses elementos ocupa uma posição distinta na
oração:
Sateré-Maué
(29) (a) re-to teran apo ui-wywo
2sg-ir querer int 1sg-com
‘Você quer ir comigo?’
(b) kat pote yt ere-to i ui-wywo
por que neg 2sg-ir neg 1sg-com
‘Por que você não vai comigo?’
(c) [kat pote yt ere-to i ui-wywo hap] ati-kuap teran
Por que neg 2sg-ir neg 1sg-com Comp 1sg-saber querer
‘Eu quero saber por que você não vai comigo?’
(Brandon & Seki: 80)
Desses fatos, os autores concluem que o movimento de interrogativas em Sateré-
Maué não é movimento para Comp, nem para um nódulo [+wh] identificado pela
partícula interrogativa.
Uma das características dessas línguas é a de que as palavras interrogativas
sempre ocorrem no início da oração. Tal fato constitui evidência para a existência de
uma regra de movimento:
Kamaiurá
(30) (a) o’iran a-ha kamajura r-etama katy-n
Amanhã 1sg-ir Kamaiurá rel-vila para
‘Amanhã, eu vou à vila Kamaiurá’
(b) umam o’iran ere-on
onde amanhã 2sg-ir-intenção
‘Onde você vai amanhã?’
(Brandon & Seky: 82)
Já as partículas interrogativas se manifestam em diferentes posições.
As partículas interrogativas dessas línguas apresentam a seguinte distribuição:
(a) Ocorrem após qualquer sintagma na oração em Asuriní, Tupinambá,
Sateré-Maué e Guarani:
Assuriní
(31) Karora o-ata a-ha pa
Karora 3-caçar 3-ir int
‘Kara está caçando?’
(Brandon & Seky: 84)
(b) Ocorrem após qualquer sintagma que, por sua vez, é movido para o
início da oração em Mundurukú, Kayabí e Oiampí:
Oiampí
(32) saa po ere-pota
Manchete int 2sg-quer
‘Você quer uma machete?’
(33) ere-pota po saa
2sg-quer int machete
‘Você quer uma machete?’
Kayabí
(34) ere-o te je rupi
2sg-ir int 1sg com
‘Você vai comigo?’
(35) je rupi te ere-o
1sg com int 2sg-ir
‘Você vai comigo?’
(Brandon & Seky: 85)
(c) Ocorrem no início da sentença em Kamaiurá:
Kamaiurá
(36) po petyma ere’-u potat?
Int fumo 2sg-tomar querer
‘Você quer fumar (=tomar fumo)?’
(Brandon & Seky: 86)
Em Kamaiurá, Munduruku e Sateré-Maué, as palavras interrogativas não co-
ocorrem com partículas interrogativas:
Kamaiurá
(37) ma’are kunu’uma i-jae’o-w
Por que menino 3-chorar circuns
‘Por que o menino está chorando?’
(Brandon & Seky: 86)
Em Oiampí, a partícula interrogativa é opcional com palavras interrogativas.
No restante das línguas investigadas, a partícula interrogativa sempre
acompanha a palavra interrogativa:
Assurini
(38) ma’e ramo pa ere-soka ser-eomawa
Por que int 2sg-matar 1sg-animal
‘Por que você matou meu animal?’
Brandon e Seky tentam apresentar uma análise sincrônica para essas línguas
segundo a qual o movimento de interrogativas é para o início da oração, mas não para o
local da partícula interrogativa (:91): “Question particles would be generated in the base
optionally following phrases, and multiple uses of question particles would be filtered
out by semantic rules. Filters or subcategorization would guarantee or exclude the
combination of interrogative words and question particles. A filter – plus – rule solution
modeled on Chomsky and Lasnik (1977: 446) could be used. However, a rule optionally
deleting the question particle (Q) is not necessary, since Q is not required for
Interrogative Movement to apply (not being the destination of the moved interrogative)
and since Q is already optionally generated in the base as part of NP, PP and other
phrases where the interrogative word (int) is introduced by lexical insertion.”
Vê-se então, que as línguas Tupi apresentam diferentes padrões no que diz
respeito à relação entre movimento de QU e partícula interrogativa.
Em Kamayurá, essas duas manifestações vinculadas às estruturas interrogativas
não co-ocorrem. Em Kayabí, tanto em interrogativas sim/não, quanto em interrogativas
QU, percebe-se a presença da partícula na mesma posição que poderia ser identificada
com Comp, ao contrário do que afirmam os investigadores.
As observações feitas por Brandon e Seki sobre as interrogativas das línguas
Tupi, parecem refutar a hipótese de Cheng (aventada muitos anos depois). Se todas as
línguas Tupi analisadas apresentam movimento de QU e também uma partícula para as
perguntas sim/não, que podem ou não co-ocorrer com as palavras interrogativas, então,
essas línguas parecem estar usando as duas estratégias para marcar o tipo da oração.
Existem línguas indígenas que parecem refutar essa proposta de Cheng, porque
apresentam palavras interrogativas e partículas. Acontece que elas são analisadas de
uma certa maneira que não compromete a Hipótese do Tipo de Oração.
Esse é o caso de línguas como o Karajá (Macro-Gê) que apresentamos a seguir.
3.6. Interrogativas em outras línguas
Maia et alli (2000) realizaram um estudo com o objetivo de analisar a
morfologia e a sintaxe das línguas Karajá, Kaiapó e Manxineri, com base na teoria de
Princípios e Parâmetros.
Em Karajá, as interrogativas são formadas a partir de uma ou mais raízes
indefinidas, mais o traço interrogativo –bo.
Karajá
(39) ão-bo
coisa-Qu
‘O quê?’
(40) mo-bo
pessoa-Qu
‘Quem’
Note-se que bo é aí tratado como a manifestação do traço Qu no sintagma
interrogativo não como uma partícula interrogativa independente.
A palavra ãobo é usada também em interrogativas do tipo sim/não e ocupa a
segunda posição na oração. Quando há um tópico, ela também segue este constituinte,
sempre sendo o segundo elemento da oração.
Karajá
(41) orera-my ãobo a-biòwa robire ahu-ki
Jacaré-acus. int. 2. amigo ver lago – em
O jacaré, o seu amigo viu?
Nas três línguas investigadas, o sintagma QU- sofre deslocamento para a
esquerda. Para o Karajá, Maia argumenta que C tem traço QU- forte, o que provoca o
movimento da palavra interrogativa. Note-se que essa língua é do tipo SOV. Com o
movimento do sintagma interrogativo objeto, obtém-se a ordem OSV, conforme
ilustram os exemplos abaixo:
Karajá
(42) Wataju iheto ri winyreri SOV
Wataju 3-casa fez
‘Wataju fez sua casa’
(43) ãobo Wataju ri winyreri OSV
O que wataju fez
‘O que Wataju fez?’
Maia et alli analisaram o sintagma interrogativo do Karajá como tendo o
elemento (Qu)-bo- como núcleo. Entre a raiz indefinida e o traço Qu (-bo), podem
ocorrer marcas de caso, posposições e nominais, conforme mostram os dados a seguir:
Karajá
(44) ãobo-di-bo juwata temyta?
coisa-com-Qu piranha pegar
‘Com o que pegastes a piranha?’
(45) ão-utura-bo kai temyta?
coisa-peixe-Qu 2ª pegar
‘Que peixe pegastes’
A representação do sintagma interrogativo “Que/Qual peixe?” é, segundo os
autores, como em (46):
(46) SD
D’
SN bo
N’
N
utura
Note-se que a expressão do traço QU- o núcleo bo- toma como complemento um
SN (=NP) e como especificador, o elemento indefinido (a palavra interrogativa).
Na derivação da estrutura interrogativa, é o sintagma inteiro e não só a expressão
do traço QU- que se move para [Spec, CP]. Nessa configuração, o sintagma QU-
satisfaz, de acordo com os autores, o Critério –QU- de Rizzi (1991) segundo o qual,
para CP se projetar, é necessária a manifestação de um elemento lexical em sua
projeção. Dessa maneira, estabelece-se uma configuração especificador / núcleo entre
um operador [+Qu] em Cº e um Xº marcado com [+Qu], no caso, -bo.
A seguir, mencionaremos a existência de outras línguas que parecem constituir
contra-evidência para a proposta de Cheng.
3.7. Outros tipos de estruturas interrogativas
Existem línguas que parecem ser contra-exemplos para a hipótese do Tipo de
Oração, defendida por Cheng. Esse é o caso da língua africana Vata (Kru), estudada por
Koopman (1984).
Conforme atesta Stevens (2005), Vata, língua do tipo OV, exibe tanto uma
partícula interrogativa quanto movimento de QU-:
Vata
(47) àlói kòfí yé ti yé lá
Quem Kofi ver perf. Int
‘Quem Kofi viu’
Stevens tenta salvar a hipótese de Cheng, através da proposta de Miyaga (2004)
sobre os traços morfossintáticos envolvidos nas construções interrogativas.
De acordo com Miyaga, a GU admite os traços Q (interrogativo) e Wh como
elementos separados. A distribuição desses dois traços é que vai diferir entre as línguas.
O traço Wh determina a propriedade indefinida da palavra Qu e o traço Q determina as
propriedades quantificacional e de escopo das estruturas interrogativas.
Segundo este autor, as línguas variam em relação aos traços que C possui. No
Japonês, C possui apenas o traço Q. A partícula interrogativa que é gerada no sintagma
QU-, de acordo com Miyaga, se move para C, carregando o seu traço e deixando para
trás o sintagma QU- que permanece in situ.
No Inglês, C tem os dois tipos de traço (Q e Wh), como a palavra interrogativa
manifesta esses dois tipos de traços, ela se desloca por inteiro para CP. Isto é, em Inglês,
diferentemente do Japonês, os dois tipos de traços são inseparáveis em termos
morfológicos. Ambos são expressos pela palavra interrogativa.
Em Vata, de acordo com Stevens, C também tem traços Q e Wh. O traço Q de C
é satisfeito pela concatenação da palavra interrogativa em C. O traço Wh de C é
satisfeito pelo movimento da palavra interrogativa. Apesar de a gramática de Vata ser
mais custosa, é um tipo de gramática possível.
Para Stevens, a proposta de Miyaga dá conta da tipologia de estruturas
interrogativas:
(i) Movimento QU- obrigatório. Línguas sem partícula, como o Inglês, em
que os dois traços estariam inseparáveis em termos morfológicos.
(ii) QU- in situ. Línguas, como o Japonês e o Chinês, em que a presença da
partícula satisfaz as exigências morfossintáticas de C.
(iii) Movimento de Qu e partícula interrogativa. Línguas como o Vata, em
que cada um dos morfemas envolvidos na estrutura interrogativa satisfaz
um dos traços de C.
Outra língua que parece constituir evidência contra a hipótese do Tipo Oracional
de Cheng é Ibíbio (tronco Nigro-Congo).
Oliveira (2006) mostra que em Ibíbio, língua SVO com partícula interrogativa, o
sintagma QU- pode tanto permanecer in situ quanto se mover para o início da sentença:
Ibíbio
(48) Ńták à-Ø-díe-hé nfín nê?
Porque 2sg-asp-vir-wh hoje int
‘por que você veio hoje?’
(49) Ékà mfò á- Ø-bá m̀̀mòó?
Mãe 2sg-poss 3-asp-estar onde
‘Sua mãe está aonde?’
(50) mmòó ké èka mfò á-Ø-bá
Onde foc-mãe 2sg-poss 3-asp-estar
‘Onde está sua mãe?’
O fato, porém, de o deslocamento de interrogativas vir acompanhado de uma
partícula de foco, levou Oliveira a concluir que a palavra QU- em Ibibio não envolve
movimento para Inter, mas sim para uma posição de Foco.
Outras línguas, assim como Ibíbio, também parecem envolver o movimento de
sintagmas QU- para a posição de foco.
Esse parece ser o caso da língua Mekens, conforme descreve Galucio (2001).
Em Mekens, nas interrogativas sim/não, emprega-se uma partícula interrogativa:
Kẽrã:
(51) öö mi-a ẽt kẽ
Veado matar você int
‘Você matou o veado?’
O constituinte interrogado pode ocorrer em posição inicial na sentença. Nesse
caso, o constituinte movido vem seguido pelo marcador de foco te e pela partícula
interrogativa Kẽrã.
(52)
ö
s
öö
te kẽ e-i-mi
Veado foco int. 2-OM-matar
‘É veado que você matou?’
(53) ẽt te kerã e-era e-toop
você foco int. 2-dormir 2-aux.
‘É você que está dormindo?’
De acordo com Galucio, esse tipo de interrogativa pode eliciar respostas
afirmativas ou negativas normais, mas na maioria das vezes, uma resposta contrastiva é
esperada.
Em Mekens, as interrogativas com sintagmas QU- envolvem movimento
sintático para o início da oração e são acompanhadas ou pela partícula ẽp “realmente”
ou pela partícula de foco te.
(54) apo=ẽp te e-i-sop
Quem=real. Foco 2-OM-ver
‘Quem você viu?’
(55) arob=ẽp ameko mi-a-t
Quem=real onça matar -3pl-pass.
‘Quem matou o jaguar’
Conforme observa a pesquisadora, nas interrogativas de sujeito, ẽp se manifesta.
Já nas interrogativas de objeto tanto ẽp quanto o marcador de foco te podem co-ocorrer.
Essa dupla marcação parece indicar que se trata de construções do tipo clivada: “Quem
é este que você viu?”
Em interrogativas do tipo “Qual NP”, o NP pode tanto se mover junto com o
elemento QU- quanto permanecer in situ:
(56) ãŋka korakora=ẽp te e-i sõpo pek
Qual galinha=real foco 2-OM-matar fut
‘Qual galinha você vai matar?’
(57) ãŋka=r=ẽp te e-i sõpo korakora
qual-rel-real.foco 2-OM-matar galinha
‘Qual galinha você matou?’
Pelas observações feitas por Galucio, podemos dizer que o movimento de
interrogativas em Mekens envolve uma posição de foco.
Vimos que se postula, na literatura, um constituinte funcional à esquerda da
oração. Este constituinte pode estar dividido em mais de uma projeção funcional,
conforme propõem os adeptos da abordagem cartográfica, como Rizzi.
O estudo sobre a composição funcional interna do sintagma complementizador
se faz necessário para o nosso trabalho, na medida em que pode nos ajudar a entender
a natureza das estruturas interrogativas em Kayabí, e assim, a entender também a
variação oracional observada na língua.
No próximo capítulo, apresentamos as várias hipóteses existentes na literatura
gerativa sobre clíticos verbais, redobro de clíticos e clíticos de 2ª posição, já que são os
temas desta investigação.
Capítulo 4
Observações sobre clíticos e o fenômeno do redobro
4.1. Sobre os clíticos
Segundo Halpern (1998), os clíticos formam uma classe heterogênea. A própria
denominação de clítico varia de estudo para estudo.
Do ponto de vista descritivo, os clíticos são elementos que compartilham, de um
lado, certas propriedades com palavras independentes, e de outro, certas propriedades
com afixos flexionais.
Assim, o clítico denota qualquer elemento prosodicamente fraco que não é um
afixo flexional ou derivacional. Diz-se prosodicamente fraco, porque ou o clítico não
tem um acento independente ou sofreu alguma redução fonológica. Nestes casos, tal
elemento deve ser adjungido a um hospedeiro. Essa definição de clíticos é de natureza
fonológica.
Zwicky (cf. Hendrick, 1997) distingue os clíticos simples e os especiais. Os
primeiros são de natureza puramente fonológica e ocorrem na mesma ordem linear que
a sua contra-parte não clítica, se agregando às palavras que os circundam. Os segundos
aparecem em posições distintas daquelas de sua contra-parte não clítica, podendo se
agregar a qualquer palavra, desde que esta esteja na posição adequada.
As formas reduzidas dos auxiliares e dos pronomes em Inglês são casos de clíticos
simples. Eles não possuem acento e são pronunciados como uma única unidade
prosódica com a palavra precedente. A distribuição sintática desses elementos é a
mesma verificada com as formas não reduzidas.
(1) (a) She will go.
(b) She’ll go.
(2) (a) Jonatham saw him.
(b) Jonatham saw’im.
Os clíticos simples não estão envolvidos com seus hospedeiros no ato da
combinação. Eles não entram em alternância condicionada morfologicamente.
Já os chamados clíticos especiais podem ser definidos como pronomes fracos que
ocupam uma posição distinta daquela dos NPs com a mesma função. Como se observa
com os clíticos acusativos do Português, estes podem aparecer à esquerda ou à direita
do verbo.
(3) (a) Eu o vi.
(b) Eu vi-o.
(4) (a) Eu corto-me quando faço a barba.
(b) Eu me corto quando faço a barba.
Em Português, os clíticos são sintaticamente ativos, já que são o objeto do verbo.
Fonologicamente, porém, eles são deficientes e precisam se agregar ao verbo, tornando
o complexo [V+clítico] ou [clítico+V] uma só unidade em termos fonológicos.
Os chamados clíticos especiais podem ser verbais ou de 2ª posição. Neste capítulo
apresentamos a discussão sobre os clíticos verbais.
4.1.1. Os clíticos verbais
Os clíticos verbais especiais ocupam uma posição sintática distinta daquela
ocupada por sua contra-parte não clítica, como ilustra o exemplo (4b) acima.
Há certas propriedades que distinguem clíticos verbais de flexão de concordância:
(i) os afixos de concordância são obrigatórios e os clíticos são opcionais;
(ii) os afixos de concordância ocupam uma posição fixa na morfologia verbal,
enquanto a posição dos clíticos varia;
(iii) os afixos de concordância manifestam formas especiais – há mudança
morfofonêmica quando agregados aos seus hospedeiros. Os clíticos se
mantêm na mesma forma;
(iv) os afixos de concordância podem co-ocorrer com NPs plenos na função de
argumento, já os clíticos, se forem argumentos não podem co-ocorrer.
Abordaremos de maneira global, agora diferentes propostas para o estatuto dos
clíticos especiais.
4.1.2. A hipótese sintática
Segundo Kayne (cf. Spencer (1990) e Hendrick (1997)), os clíticos pronominais
nascem na posição de argumento de um núcleo e são alçados para este núcleo através de
movimento sintático, do tipo núcleo para núcleo. A representação (5) abaixo ilustra essa
derivação em que se desloca o clítico da posição de complemento verbal para a sua
posição superficial, à esquerda do verbo:
(5) Eu o
i
vi t
i
.
Nessa abordagem, os clíticos são tratados como sintagmas (XPs).
4.1.3. A hipótese morfológica
De acordo com essa proposta de análise, defendida por Borer e Jaeggli(1984)
(apud Spencer, (1990)), os elementos tratados tradicionalmente como clíticos
pronominais são vistos como afixos de concordância (Xº), gerados na base, em
adjunção aos seus hospedeiros e coindexados a um pronome vazio (pro) que é o
verdadeiro argumento. A representação abaixo ilustra essa proposta:
(6) Eu o
i
-vi pro
i
.
Existem outras propostas para os clíticos de outras línguas.
Bresnan e Mchombo (cf. Spencer, 1990) tratam como pronomes incorporados o
que é tradicionalmente considerado como flexão de concordância em Chichewa
(Bantu).
Em Chichewa, o afixo referente ao objeto tem comportamento de pronome.
Quando aparece na morfologia verbal, libera o SN Objeto que passa a poder ocupar
qualquer posição na sentença. Quando o marcador de objeto não está presente na
morfologia verbal, o SN Objeto deve ocorrer na ordem VO. Os exemplos abaixo
ilustram esse fato:
(7) (a) Njuchi zi-ná-lúm-a alenje SVO
Abelhas ms-pass-moder-indic caçadores
‘As abelhas morderam os caçadores’
(b) Njuchi zi-ná-wá-lum-a alenje SVO
Abelhas sm-pass-mo-morder-indic caçadores
‘As abelhas morderam os caçadores’
(c) Alenje zi-ná-wá-lum-a njuchi OVS
(d) Njuchi alenje zi-ná-wá-lum-a. SOV
(Spencer, 1991:389-390)
A possibilidade de ocorrência de redobro de clítico vem sendo usada como
argumento a favor ou contra uma dessas propostas.
As duas hipóteses acima mencionadas assumem posições distintas sobre a
ocorrência de redobro de clítico, conforme mostraremos a seguir.
4.2. Redobro de clíticos
Em muitas línguas é possível ocorrer o fenômeno denominado de redobro de
clítico. Esta construção se caracteriza pela ocorrência de um clítico com a mesma
referência que um sintagma nominal na mesma oração.
A análise dessas construções varia segundo a proposta sobre o estatuto dos
clíticos.
4.2.1. NPs como adjunto
Groppi (2000) segue essa idéia de que o clítico é o argumento, ao passo que o NP,
nos casos de redobro, é um adjunto.
A autora mostra que em Espanhol, os argumentos na função de objeto podem ser
preenchidos por:
(i) DP ou PP
(8) Vi a Maria
(9) Termine el trabajo.
(ii) Um pronome clítico
(10) La vi.
(11) Lo termine.
(iii) Um clítico e um NP co-referente
(12) Esta mañana la via a Maria.
(13) El trabajo lo termine, antes de venir.
No Espanhol, o clítico não é obrigatório. Para Groppi, essa opcionalidade da
ocorrência do clítico é evidência contra a hipótese de concordância.
Somente os pronomes plenos precisam da manifestação dos clíticos.
(14) Lo vi a él.
(15) *Vi a él.
Essa obrigatoriedade leva a autora a acreditar que o argumento do verbo é o clítico
e o NP é o adjunto.
Tal análise se estende aos casos dos NPs. Groppi se baseia em critérios
empregados por Jelinek (1984) para as línguas de argumento pronominal com a
finalidade de mostrar que os NPs redobrados em Espanhol são, de fato, adjuntos.
Uma dessas evidências reside na ausência de concordância entre os traços dos
clíticos e os traços dos NPs, conforme indicam os exemplos abaixo:
(16) Eso nos llegaba a preocupar a las organizaciones.
(17) … los primeiros canguros que vi en Australia lo (sic) vi en un jardin
zoológico.
Como se pode ver acima, em (16) o clítico tem o traço [+ 1] e o NP, [+3]. Já em
(17), o clítico tem o traço [+sg] e o NP, [+pl]. Essa ausência de concordância entre os
traços do clítico e do NP leva a autora a questionar a hipótese que vê os clíticos como
índices de concordância.
Outra evidência para o estatuto não argumental do NP redobrado é baseada nos
critérios de Aoun (1996) para línguas com duplicação de clítico como em Árabe
Libanês.
De acordo com esse autor, em Árabe, o NP redobrado não tem a mesma
interpretação que um NP não redobrado.
Groppi estende essa observação para os dados do Espanhol. Em (18) sem o clítico,
tem-se uma leitura distributiva. Isto é, “o médico examinou a garganta de cada menino”.
Em (19), com o clítico, não é possível uma leitura distributiva. A única interpretação é a
de que há uma só garganta para os dois meninos:
(18) El médico examinó la garganta de los dos niños.
(19) * El médico la examinó la garganta de los dos niños.
Para a autora, os clíticos são argumentos que recebem papel temático do verbo,
mas têm natureza afixal. Assim, precisam se mover por razões morfológicas. Ao mesmo
tempo, ao se moverem para os seus hospedeiros, checam os seus traços phi e de caso.
O tratamento dos clíticos como argumentos e dos NPs como adjuntos é passível de
críticas na literatura como veremos a seguir.
4.2.2. Evidências para o estatuto de argumento dos NPs redobrados
Franco (2000) apresenta evidências contra a hipótese sintática; isto é, de que os
clíticos são argumentos. O autor tenta mostrar que nos casos de redobro, o NP é, de
fato, um argumento.
Uma dessas evidências vem da possibilidade de movimento do NP redobrado em
construções interrogativas, como nos mostra o exemplo (20):
(20) ¿A quién
i
le
i
pegaste e
i
?
Se o NP redobrado estivesse em uma posição não-argumental, tal extração seria
improvável.
A hipótese sintática também encontra problemas quando se depara com casos de
ligação de pronomes em Espanhol.
Os dados abaixo indicam que é o NP redobrado e não o clítico que serve de
antecedente para a anáfora:
(21) (a) El decano (les
i
) habló a los estudiantes
i
de si
i
mismos.
(b) * El decano les
i
habló de si
i
mismos a los esudiantes
i
(21a) mostra que é o NP que serve de antecedente para o reflexivo, em uma
relação de c-comando. Em (21b), como o NP não c-comanda a anáfora, a sentença
torna-se agramatical, apesar de o clítico o c-comandar.
Franco, encontrando evidências para o estatuto de argumento dos NPs redobrados,
trata os clíticos do Espanhol como índices de concordância.
O autor assume algumas idéias da hipótese morfológica e sugere que o clítico é
um núcleo é mapeado como núcleo de AgroP e na sintaxe, o NP redobrado se move
para [Spec, AgroP].
Franco mantém as seguintes propostas:
(i) os clíticos são gerados em AgroP;
(ii) clíticos identificam pro como complemento.
(iii) línguas com concordância verbal de objeto e línguas com clíticos
de objeto redobrado no verbo devem ser tratadas da mesma forma.
Segundo Franco, as palavras não impõem restrições quanto aos itens lexicais que
as circundam. Já os afixos de concordância são seletivos, se agregam a verbos apenas,
mas são semanticamente livres. Então, seguindo essa linha de raciocínio, os clíticos do
Espanhol não seriam concordância porque exigem o traço [+humano] em casos de
redobro.
Franco tenta salvar a sua hipótese de que os clíticos do Espanhol seriam índices de
concordância, postulando a existência de uma hierarquia de animacidade, igual à
proposta por Comrie onde os elementos mais altos na hierarquia participam de mais
processos.
A restrição semântica imposta pelos clíticos aos seus NPs redobrados é explicada
por tal hierarquia. Segundo o autor, os clíticos do Espanhol só vão co-ocorrer com os
NPs mais altos na hierarquia.
Outra evidência dada por Franco de que o clítico e o verbo formam um
constituinte vem do fato de que os dois se movem juntos na sintaxe, como mostram os
exemplos abaixo:
(22) (a) Alfredo la trajo Del Peru
(b) La trajo Alfredo Del Peru de verdad
A opcionalidade do clítico não parece obstáculo para Franco manter a sua
hipótese. De acordo, com o autor, há obrigatoriedade de redobro de clíticos com
pronomes e com objetos indiretos com o traço [+ animado] em predicados invertidos.
Essa análise postula que há variações paramétricas no estatuto categorial do
elemento no qual os traços de concordância ficam lexicalizados. Em Espanhol, a
categoria é Agro.
4.2.3. A hipótese do núcleo determinante
Uriagereka (1995) assume que os clíticos de 3ª pessoa em Espanhol e os
determinantes são relacionados. Ambos têm as mesmas formas (o(s), a(s)). Assim, são
tratados pelo investigador como ocupando a posição de núcleos de DPs, conforme
ilustram as representações a seguir:
(22)
DP
(redobro) D’
D’ NP
Clítico pro
(23)
DP
D
D’ NP
determinante
Note-se que o NP redobrado é analisado por Uriagereka como especificador do
DP cujo núcleo é ocupado pelo clítico. O clítico, por sua vez, seleciona pro como
complemento.
Segundo o autor, os clíticos das línguas românicas têm natureza referencial,
específica. Seguindo a idéia de Diesing (1990) de que só expressões específicas podem
ser movidas para fora do VP, Uriagereka assume que os clíticos se movem para a
posição mais alta na árvore ao qual ele denomina de posição F.
Em termos sintáticos, F codifica a noção pragmática de ponto de vista do falante.
Para Uriagereka, tanto o clítico como o NP redobrado são argumentos que
recebem conjuntamente o papel temático do verbo.
4.2.4. A hipótese do NP redobrado como complemento de D
Papangeli (2003) compra a idéia de Uriagereka de que o clítico e o NP redobrado
estão juntos no mesmo DP, cujo núcleo é o próprio clítico. Tanto o clítico quanto o NP
recebem juntos papel temático do verbo. Ela difere de Uriagereka ao assumir que o NP
redobrado ocupa a posição de complemento do clítico e não de especificador do DP.
Com base em dados do Grego, a autora tenta defender a sua hipótese. Uma das
evidências usadas por Papangeli para o estatuto de complemento e não de especificador
do NP redobrado, vem da impossibilidade de se ter a estrutura – DP D/cl NP.
(24) * Ton katalava ton andhra proedhro.
cl-3acus entendi-1sg o homem-acus presidente
‘Eu entendi o homem presidente’
Para a autora, o clítico toma um DP – o NP redobrado – como complemento e
depois, por ter natureza afixal, se move para o V.
(25) Ton idha to Yani.
cl
i
-3 acus vi
t
-1 o Jani-acus.
‘Eu vi o Janis’
Em (25), ter-se-ia o movimento do clítico para fora do DP, deixando o seu
complemento in situ.
Tratando o clítico como núcleo, que seleciona o NP redobrado como
complemento, é possível explicar a extração do núcleo do DP para V. O clítico como
elemento mais alto da projeção pode ser extraído para uma posição junto ao verbo.
Papangeli também assume que haja um núcleo funcional – Caso – dentro do
sintagma que contém o clítico e o NP redobrado. O núcleo Caso se encarrega de
licenciar o caso acusativo do NP redobrado porque o verbo fica impedido de liberar o
caso do NP, devido à intervenção do clítico.
A hipótese de Papangeli se restringe a línguas com um paradigma de caso rico.
Uma conseqüência dessa restrição é de que a extração de sintagmas com redobro é
possível em línguas com caso morfológico porque o vestígio do sintagma estará
apropriadamente regido. Em línguas sem caso morfológico, e logo sem o núcleo
funcional Caso, como o Espanhol, a extração de dentro de sintagmas redobrados não é
possível.
Os dados abaixo ilustram essa diferença:
(26) (a) O Yanis to troi to pastitsio apo ti mana tu.
O Yanis cl-3acus come o pastiche-acus de a mãe dele
‘Yanis come-o o pastiche da mãe dele’
(b) Apo ti mana tu o Yanis to troi to pastitsio
De a mãe dele o Yanis cl-3acus come o pastiche
‘Da mãe dele, o Yanis o come o pastiche’
(27) (a) La vimos a la hermana de Juan.
(b) * De Juan la vimos a la hermana.
Em Grego, os casos de redobro não se limitam a clíticos. Os pronomes plenos
também podem ocorrer em construções com redobro, só que nesses casos, eles não
precisam ser movidos e podem permanecer adjacentes ao DP, conforme ilustra o dado a
seguir:
(28) O Yanis idhe afton ton andhra.
O Yanis viu-3sg ele o homem-acus
‘Yanis viu ele o homem’
Note-se que nenhum elemento pode interferir entre o pronome e o NP redobrado,
o que indica que ambos estão na mesma projeção. Isto é, ambos são os constituintes do
mesmo sintagma:
(29) * O Yanis idhe aftus hthes tus anthropus
O Yanis viu-3ª-eles ontem os homens
‘Yanis viu eles os homens, ontem’
Além dessas propostas segundo as quais os clíticos são ou argumentais ou
concordância ou núcleos de DP, existem outras que postulam uma função de marcador
discursivo para os clíticos em caso de redobro.
Cumpre ainda notar que Rizzi (2001) (cf. Tavares, 2005) também trata o clítico e
o DP redobrado como ocupando o mesmo sintagma e tendo uma única função temática.
O clítico ocupa o núcleo e o DP, o especificador. A representação inicial de (30a) é
(30b), de acordo com essa proposta:
(30) (a) Lo doy um libro a Juan
(b) Doy um libro [a Juan le]
4.2.5. Clíticos anafóricos e dêiticos
Correa (2004) ao analisar os casos de redobro de clíticos em Espanhol, adota tanto
a hipótese de movimento sintático quanto a de concordância proposta por Franco.
O autor identifica a ocorrência de dois tipos de clíticos acusativos em Espanhol: o
anafórico e o dêitico.
Os clíticos anafóricos são argumentais e estão vinculados a um prozinho na
posição de complemento. O NP redobrado carrega informação velha e pode ser omitido
pois é um adjunto:
Clítico anafórico:
(31) Yo la vi a Mercedes Sosa la primera vez que cantó.
(32) Yo la vi la primera vez que cantó.
Os clíticos dêiticos são como operadores que licenciam um foco in situ. Neste
caso, o NP é o argumento que carrega informação nova e não pode ser omitido:
Clítico dêitico:
(33) El ãno pasado yo la invité a Mabel a que diera un curso sobre estructuras
linguísticas.
Em (33), o redobro indica um NP com relação enfática com o falante. O clítico
dêitico é visto como um item de polaridade focal. Sem o clítico, o NP não tem uma
interpretação de foco.
4.2.6. O traço [-focus] do clítico no redobro
Kallulli (1999) (cf. Boeckx, 2001) em sua tese de doutorado, aborda a questão da
interpretação do redobro de clítico de objeto em Albanês e Grego. De acordo com a
autora, os clíticos licenciam um tópico (o NP redobrado).
Observe no exemplo (b) abaixo que na resposta para a pergunta, o objeto que
constitui informação velha é redobrado pelo clítico:
(34) (a) Quem leu o livro?
Ana e lexoi librin
Ana cl-3 leu o livro
(b) ´Anna leu-o o livro´
De acordo com Kallulli, o efeito do redobro do clítico é o mesmo verificado nas
construções de “scrambling” de objeto direto em línguas germânicas, como o Alemão.
Como o clítico é licenciador de tópico, não se verifica redobro em interrogativas
do tipo Qu, já que esta envolve o traço [+ foco], como ilustra a agramaticalidade da
interrogativa abaixo no exemplo do Hebraico:
(35) *ke e pe?
Quem cl. 3 você viu
‘Quem você viu?’
Se a palavra interrogativa for do tipo ligada no Discurso (D-linked), o redobro
pode ocorrer, já que essas expressões não envolvem o operador [+ foco]:
(36) cil et libra I solli Ana ?
Qual livro cl trouxe Ana
‘Quais livros Ana trouxe?’
Para Kallulli, o clítico ocupa o núcleo de uma projeção funcional CliticP, como
proposto por Sportiche, e carrega traços D e por isso, só pode redobrar DPs.
4.2.7. Redobro em sintagmas possessivos
O fenômeno de redobro de clíticos não é verificado apenas com objetos diretos ou
com sujeitos. Também ocorre dentro de sintagmas possessivos.
Haegeman (2000) mostra a existência de construções de redobro verificadas nos
DPs genitivos de West Flemish.
Em West Flemish, segundo a autora, existem dois tipos de construção de redobro
com sintagmas possessivos:
O possuidor é redobrado por um pronome possessivo:
(37) Valère zenen boek
Valère dele livro
‘O livro dele, Valère’
(38) Marien euren boek
Marie dela livro
‘O livro dela, Marie’
Nesse tipo de construção, o possuidor é um pronome livre, com os mesmos traços
de pessoa e gênero do NP possuidor.
Evidência de que os pronomes empregados nas estruturas acima têm o estatuto de
morfema livre vem da possibilidade de o possuidor e o possessivo serem separados por
outro elemento, conforme indica o exemplo abaixo:
(39) Valère al zen boeken
Valère todos dele livros
‘Todos os livros dele, Valère’
O possuidor é redobrado por um clítico:
(40) Valère se boek
Se é um morfema preso que deve estar adjacente ao possuidor. Não pode ser
separado por nenhum outro elemento, como mostra a agramaticalidade de (41):
(41) * Valère al se boeken
‘Todos os livros dele, Valère’
Outra diferença entre esses dois tipos de construções vem de estruturas com
possuidor externo. Estas são construções em que um possuidor interrogativo pode ser
construído como tendo uma relação com o DP contendo redobro. Tais construções
são permitidas com o pronome livre, mas não com o clítico:
(42) wekken verpleegster zei je gie danze gisteten [DP eur us] verkocht een?
Which nurse said you that they yesterday her house sold have
‘Which nurse did you say that they sold whose house yesterday?’
(43) *Wekken verpleegster zei-je gie-dan-ze gisteren [DP sen us] verkocht een
A agramaticalidade da construção acima é explicada pela violação do “Stray affix
filter”. Sen, enquanto clítico, precisa de um hospedeiro.
Para Haegeman, uma construção com possuidor externo não é derivada de
movimento do possuidor interrogativo de dentro do DP genitivo. Se fosse, haveria
violação de subjacência, já que o possuidor externo pode cruzar duas fronteiras de DP,
como em (44):
(44) Wien zei je gie dan zé [DP1 [DP2 [DP3] zen dochter] eur us] a verkocht een
Who Said you that they [[[his doughter] her house] al ready sold have.
Who did you say that his doughter her house has sold?
Na verdade, essas construções envolvem uma relação de resumptivo. O pronome
e o clítico são pronomes resumptivos indexados com um possuidor externo – pro – em
Spec, DP, indexado ao possuidor externo.
Grohmann & Haegeman (2003) propõem que a arquitetura interna ao DP é
paralela à da oração:
(45) (a) CP > AgrP > vP (estrutura da oração)
(b) DP > AgrP > NP (estrutura do DP)
vP e NP são o domínio das relações temáticas, AgrP é o domínio das relações de
concordância e CP/DP, o nível de informação discursiva.
Os autores argumentam que, em caso de redobro, o DP possuidor ocupa uma
posição de tópico e o possessivo (pronome ou clítico), que redobra o possuidor, seria a
cópia mais baixa do DP movido. A derivação de (a) seria com em (b):
(46) (a) Marie euren book
(b) [
DP
Spec Dº [
AgrP
Spec Agr
o
[Spec Possº [NP Nº]]]].
Marie Marie PossP Marie euren book
A motivação para tal seria uma restrição imposta pela condição anti-localidade.
Quando a distância de duas posições sintáticas é muito próxima, há violação dessa
condição. Então, uma cópia do elemento movido deve ser pronunciada.
4.2.8. Pronome redobrado em função de D
Tavares Silva (2005) oferece uma análise não unificada para as construções com
redobro de sujeito em Português Brasileiro (PB) e construções com redobro de sujeito
em Francês.
Como bem observa a autora, estruturas com duplicação de sujeito em PB, são
bastante produtivas:
(47) Você, no Canadá, você
Além disso, existe a possibilidade de um constituinte romper a adjacência entre o
tópico e o pronominal:
(51) Pierre, sa femme, il sait qu’elle rentrera ce soir.
Pedro, sua mulher, ele sabe que ela regressará esta noite.
Uma outra evidência apontada pela autora que corrobora a hipótese de que o DP
redobrado em francês está em Tópico, vem do fato de que NPs quantificados que não
são definidos, não podem ocorrer em contextos de redobro.
(52) *Tout homme, il est mortel
Todo homem, ele é mortal.
O pronome que redobra o NP nessas estruturas é visto como um pronome fraco,
um XP, segundo análise de Cardinalletti (1997). Os pronomes fracos, de acordo com tal
análise, não podem ser coordenados, não podem ser modificados e não podem ocupar
posições periféricas na oração. Eles, ao contrário dos pronomes fortes, podem sofrer
redução fonológica.
Tavares Silva tenta aplicar os mesmos testes que se postulou para o Francês, com
a finalidade de saber se as estruturas com redobro de sujeito são semelhantes nas duas
línguas.
A autora constatou, então, que as evidências para uma representação envolvendo
um Tópico nessa construção, não se confirmam para o PB.
Ao contrário do Francês, em PB a ausência de um corte entonacional entre o DP e
o pronominal não provoca agramaticalidade:
(53) A Clarinha ela cozinha que é uma maravilha.
Não é possível haver um constituinte interrompendo a adjacência entre eles:
(54) *Você, sempre, lê livros românticos.
(55) *?O Pedro, a sua mulher, ele sabe que ela regressará esta noite.
Ao contrário do que se viu em Francês, em PB, é possível haver duplicação de
sujeitos quantificadores:
(56) Cada menino ele leva um livro para a escola.
(57) Todos os meninos eles levam um livro para a escola.
Dados esses fatos que mostram a integração sintática entre o DP e o pronome, em
PB Tavares Silva propõe que estes façam parte de um mesmo sintagma. Isto explicaria a
ausência de quebra entoacional entre eles e a impossibilidade de rompimento de
adjacência entre eles.
A hipótese de que o NP e o redobro estão ocupando o mesmo sintagma não é nova
e não foi aventada por Tavares Silva. Kayne (2001) em seu artigo intitulado Pronouns
and Their Antecedents, já propõe que nos casos de redobro em Espanhol, por exemplo,
o DP e o clítico estão concatenados em um mesmo sintagma. Ambos correspondem a
uma única função temática. Isto é ambos expressam um único papel temático. Depois,
eles se separam, o que implica na possibilidade de o clítico ocupar uma posição à
esquerda
12
. Na concatenação inicial da estrutura em (a), Kayne postula (b):
(58) (a) Le doy um libro a Juan.
(b) doy um libro [Juan le]
Esse mesmo tipo de análise é estendido para construções como as do Inglês
abaixo, conforme informa Tavares Silva.
(59) Watch out! That man, he’s got a knife.
12
Não entramos aqui em detalhes sobre a derivação das construções com clíticos no Espanhol.
Inicialmente, that man e he são concatenados no mesmo sintagma [that man] he].
Em um segundo momento da derivação, o DP se move para uma posição deslocada de
tópico.
Seguindo a proposta de Uriagereka (1995), Kayne assume que that man ocupa a
posição de [Spec, DP] e o pronome, a posição de núcleo de DP.
Para que haja o estabelecimento de co-referência entre o antecedente [DP] e o
pronome, o DP deve se mover da posição de especificador.
Como não há movimento nos casos de redobro de sujeito em PB, fica a pergunta,
lançada por Tavares Silva (:9): “como será possível estabelecer a co-referência entre o
antecedente e o pronome se não há movimento do Spec de dentro do constituinte, ao
contrário do que ocorre em Francês e Inglês?”
Tavares Silva resolve então, sugerir uma outra proposta de análise para o PB, mas
mantendo a idéia de Kayne de que em casos de redobro, o DP e o pronome se
encontram concatenados dentro do mesmo sintagma.
A inovação da pesquisadora é de que o pronome, nessas estruturas, é a expressão
do traço de pessoa/que carrega o núcleo do DP, já que este é a categoria que “ancora a
referência do DP à sua interpretação” (:10).
Adotando o quadro teórico da Morfologia Distribuída, a autora argumenta que o
nó sintático do núcleo D contém o traço abstrato de pessoa que em Spell-Out se une ao
traço fonológico correspondente. No PB, a lexicalização do traço abstrato de pessoa é o
pronome fraco, que se dá pós-sintaticamente. A especificação do valor desse traço se
estabelece na operação sintática Agree entre o [Spec,DP] e o núcleo de DP, conforme
ilustra a representação abaixo:
(60)
IP
DP
DP D’
D
O João ele
Tavares Silva oferece uma explicação, baseada em mudança morfológica no PB
para o fato de que o pronome fraco tenha se tornado a lexicalização do traço de pessoa.
Seguindo a hipótese de Costa, Duarte e Silva (2004), a autora argumenta que (:9):
“devido ao enfraquecimento da morfologia flexional no PB caracterizado pela perda da
especificação gramatical de algumas pessoas do discurso no singular e no plural, a
gramática dessa língua tem compensado essa perda pela lexicallização dos traços de
pessoa no DP sujeito.”
Na próxima seção, abordaremos a questão sobre os clíticos de 2ª posição, de
natureza distinta daqueles até agora apresentadas.
4.3. Cliticos de 2ª posição
Descritivamente, o fenômeno de 2ª posição se caracteriza pelo fato de que um
clítico tende a aparecer depois de um elemento não clítico ocupando a primeira posição
na oração.
Esse fenômeno foi inicialmente observado por Wackernagel (1892) nas línguas
Indo-Européias e recebeu o nome do investigador – Wackernagel Law.
De acordo com o relato de vários autores, como Harlpern (1995, 1998), Harlpern
& Zwicky (1996), Fontana (1997) e Pancheva (2003), o fenômeno de segunda posição
não é uniforme em termos interlingüisticos. Algumas línguas têm a definição de 2ª
posição após a primeira palavra prosódica. Tais possibilidades parecem indicar que
certos sintagmas iniciais não contam para a colocação dos clíticos.
Além disso, Harlpern & Zwicky (1996) apontam para vários problemas
relacionados ao fenômeno. Dentre eles, podemos citar: a ocorrência desses clíticos em
3ª posição ou em posições mais baixas na oração. Parece que certos sintagmas iniciais
não contam para a colocação dos clíticos.
Nesta seção faremos a revisão de algumas abordagens existentes na literatura
sobre esse tipo de clítico em relação à sua colocação, à origem dos seus hospedeiros e
ao seu estatuto categorial.
4.3.1. Halpern (1995, 1998) e a hipótese sintática fraca
De acordo com Harlpern, clítico de 2ª posição é um termo que abrange duas
distribuições diferentes: após a primeira palavra acentuada (2W) ou após o primeiro
sintagma da sentença (2D).Trata-se de clíticos de uma outra natureza diferente daquela
associada aos clíticos verbais.
As línguas variam quanto à distribuição dos clíticos. Em Warlpiri, por exemplo, os
clíticos podem seguir ou a primeira palavra da sentença ou o primeiro sintagma. Em
Tcheco, verifica-se que os clíticos só são posicionados após o primeiro sintagma. Em
outras línguas, os clíticos seguem a primeira palavra acentuada da sentença.
Os dados do Serbo-Croata ilustram essa distribuição. Em (1) o clítico segue o 1º
sintagma da oração. Em (2), ele é inserido entre os constituintes de um sintagma.
Serbo-Croata
(1) Taj covek=je svirao klavir
Aquele homem aux. tocou piano.
‘Aquele homem tocou piano’
(2) Taj=je covek svirao klavir
aquele aux. homem tocou piano
‘Aquele homem tocou piano’
Para Harlpern (1995), os clíticos de 2ª posição ocupam uma posição em
adjunção ao IP, como em (3). Eles são posicionados por uma regra sintática nessa
posição:
(3)
IP
Cl IP
Je
NP VP
Taj covek
V NP
Svirao Klavir
Quando a língua permite topicalização, o clítico permanece em sua posição,
já que tem um hospedeiro à sua esquerda.A derivação da estrutura (1) está ilustrada
abaixo:
(4)
IP
NP IP
Taj covek
i
Cl = je IP
NP VP
t
i
V NP
Svirao klavir
Quando a língua tem somente o tipo (1) tem-se evidência de que a topicalização
é obrigatória.
A derivação de (2) envolve um processo fonológico de inversão prosódica. A
inversão prosódica ocorre quando o clítico é o primeiro elemento na sentença. Como
ele necessita de um hospedeiro, há troca de posição entre ele a primeira palavra
prosódica, conforme ilustra a representação abaixo:
(5)
IP
Cl IP
NP VP
A N V NP
Taj=je covek svirao klavir
Conforme se vê na representação (5), o processo de inversão prosódica posiciona
o clítico à direita de se seu hospedeiro, já que todos os clíticos de 2ª posição são
enclíticos. Este é um processo local de reordenamento que se dá na fonologia (uma
espécie de metátese) para poder oferecer ao clítico um hospedeiro, evitando dessa
maneira uma violação das exigências fonológicas do clítico. O tipo 2W é então,
definido em termos prosódicos apenas. É uma conseqüência do mapeamento entre a
estrutura sintática e a prosódica.
De acordo com Harlpern, a Inversão Prosódica é um processo que só ocorre
quando necessário para que o clítico adquira o seu hospedeiro. Também está disponível
para clíticos verbais.
Nas línguas em que só se verifica o tipo (2W), o fenômeno da topicalização ou
focalização não está disponível.
Harlpern afirma que a colocação de um clítico depende de seu domínio. O
domínio de um clítico é o constituinte sintático em relação ao qual a posição do clítico
está definida. O clítico sempre ocupa a 1ª posição em seu domínio. Há clíticos em
adjunção ao CP e outros em adjunção ao IP. Os clíticos dessa natureza ocupam 2ª
posição dentro dessas construções.
O Grego antigo tinha clíticos com domínio em CP e em IP, conforme ilustra o
dado a seguir:
(6) tôn= d´ állon há =moi ésti
o-gencl outros que me são
´Mas qualquer desses outros são meus´
A explicação para essas diferentes colocações de clíticos de 2ª posição é dada pelo
autor da seguinte maneira: (:37): “one clitic is adjoined to CP, and because it is then
clause-initial and enclitic , it will undergo PI; the other clitic is adjoined to IP since it is
not initial , it may take the syntactically preceding Word as its surface host”.
Quando ambos os clíticos têm o mesmo hospedeiro, o clítico cujo domínio é o CP
fica mais próximo ao hospedeiro, seguido do clítico com domínio em IP:
(7) polun=de =moi opase laon
muitos cl me tem pessoas
‘e me deu muitas pessoas´
Harlpern também apresenta um terceiro tipo de clítico com um domínio mais
restrito e que pode interagir com os clíticos com domínio em CP e em IP. Trata-se de
clíticos que se agregam a constituintes para enfatizá-los. Quando o constituinte a ser
enfatizado ocupa o início da oração, passa a servir de hospedeiro para o clítico enfático
e para o clítico com domínio em IP. O exemplo abaixo é do Sânscrito:
(8) [devas =cit] =te asurya práceteo
Deus enfat. 2sg. Asuriano sábio
O autor assume, então, a hipótese sintática fraca que admite que tanto regras de
natureza sintática quanto de natureza fonológica sejam responsáveis pela colocação dos
clíticos e de seus hospedeiros.
Na literatura, existem ainda propostas para o fenômeno dos clíticos de 2ª posição,
conforme mostraremos a seguir.
4.3.2. A proposta de Boskovič (hipótese fonológica fraca)
Para Boskovič (2000 e 2002), a colocação dos clíticos de 2
a
posição e de seus hospedeiros
em Serbo-Croata é feita na sintaxe. A exigência de que os clíticos ocorram em 2
a
posição é de
natureza fonológica: eles devem aparecer em 2
a
posição do seu sintagma entonacional.
O fenômeno dos clíticos de 2
a
posição pode iluminar a discussão sobre a interface
fonologia/sintaxe. Questões como se a sintaxe pode satisfazer exigências da fonologia podem ser
discutidas à luz dos dados referentes aos clíticos de 2
a
posição, de acordo com Boskovič.
Harlpern propõe uma abordagem sintática fraca, segundo a classificação de Boskovič.
Para Harlpern, a sintaxe é responsável pelo posicionamento dos clíticos e de seus hospedeiros em
alguns casos, mas o reordenamento entre clíticos e hospedeiros também é permitido na fonologia.
Assim, se um clítico aparece no início da oração no output da sintaxe, uma vez que se encontra
em adjunção a IP, ele pode inverter a sua ordem na fonologia para unir-se ao hospedeiro apropriado.
O movimento do clítico é local.
As iias de Boskovič sobre os clíticos de 2
a
posição podem ser assim resumidas:
(i) O movimento, tanto dos clíticos quanto de seus hospedeiros só é
permitido na sintaxe. Não há movimento na fonologia.
(ii) Os clíticos devem aparecer em 2
a
posição por causa de uma exigência
fonológica. Eles devem ser o 2° elemento em seu sintagma entonacional. Cada
oração (CP) é mapeada em um sintagma entonacional.
Boskovič evidencia suas propostas com exemplos do Serbo-Croata. O autor, que não aceita a
hipótese da Inversão Prosódica que permite movimento de constituintes na fonologia, sugere que
todos os elementos à esquerda dos clíticos de 2
a
posição o ou movidos na sintaxe ou gerados na base.
A preposição prema, por exemplo, não pode sofrer movimento sintático independente,
conforme ilustra o dado em (9). Assim, ela nunca pode servir como elemento hospedeiro do
clítico. Os dados abaixo ilustram essas restrições. Neles se vê que a preposição, como não pode ser
movida independentemente, não pode preceder os clíticos.
Serbo-Croata
(9) * Prema Milan i Jovan idu Mileni
em direção a Milan e Jovan andar Milena
‘Milan e Jovan estão andando em direção à Milena’
(10) * Prema su Milani Milan i Jovan isli
em direção a aux Milena, Milan e Jovan andou
‘Em direção a Milena, Milan e Jovan andaram’
Se todo o sintagma preposicionado for deslocado, todavia, o clitico de 2
a
posição pode ser
sufixado a ele:
(11) Prema Mileni su Milan i Jovan išli.
em direção a Milani aux. Milan e Jovan andar
‘Em direção a Milani, Milan e Jovan andaram’
(Boskovič, 2000:77)
Se houvesse inversão prosódica, como propõe Harlpern, deveríamos considerar
gramaticais dados como (10). Boskovič sugere que os elementos que não podem sofrer
movimento sintático independente não podem ser hospedeiros dos clíticos de 2
a
posição. É na
sintaxe que deve ocorrer o movimento dos elementos para a esquerda dos clíticos e não na
fonologia.
Para Boskovič, os clíticos de 2
a
, dependendo da sua natureza (auxiliar, pronome, etc),
ocupam posições sintáticas distintas. As evidências para tal afirmação podem ser entendidas a
partir dos dados com verbos no particípio em Serbo-Croata. Verbos normais podem se
mover para uma posição acima de C. Uma prova para esse fato é que tais verbos aparecem à
esquerda das partículas interrogativas que estão em C.
(12) Ljubi li niju?
beija int. ela
‘(Ele) beija ela?’
(Boskovič, 2000:89)
Se o verbo está no particípio, ele não pode aparecer à esquerda da partícula
interrogativa:
(13) * Pol jubio
li
jenju
beijou int. aux. ela
‘Ele beijou ela?’
O morfema interrogativo é um clítico em C. Se o verbo no particípio não pode servir de
hospedeiro a ele, mas pode servir de hospedeiro a outros clíticos de 2
a
, isso indica que os
clíticos de 2
a
não ocupam todos a mesma posição na oração, isto é, não eso todos em C.
Para
Boskovič
, um mesmo clítico pode aparecer em posições sintáticas diferentes. Evidência
para essa afirmação vem da interrelação dos clíticos com os advérbios em Serbo-Croata. O
advérbio
pravilno
"corretamente" é ambíguo. Ele pode ser interpretado como um advérbio de
modo ou sentencial.
(14) Jovan
je
pravilno odgovorio Mileni
Jovan aux corretamente respondeu Milena
(a) Jovan fez a coisa
certa
ao responder à Milena. (sentencial)
(b) Jovan deu à Milena a resposta correta. (modo)
(
Boskovič
: 88)
Em (14), a ambigüidade do advérbio mostra que o clítico precedido pelo XP pode estar
mais acima estruturalmente do que os advérbios de modo (em adjunção ao VP), ou também
podem estar mais altos do que os advérbios sentenciais que se encontram em adjunção ao IP
(=TP). Quando, porém, o particípio precede o advérbio, este tem interpretação de advérbio de
modo apenas:
(15) odgovorio je pravilno Mileni.
Respondeu aux corretamente Milena
Ele deu à Milena a resposta correta
A não ambigüidade em (15) mostra que, quando precedido pelo particípio, o clítico está
em uma posição mais baixa do que a dos advérbios sentenciais (TP), como ocorre em (14a).
A proposta de Boskovič é de que os clíticos em Serbo-Croata aparecem em 2
a
posição em seus
sintagmas entonacionais e não na 2
a
posição da oração, como em C°, por exemplo. Uma evidência
para tal afirmação vem das construções envolvendo deslocamento para a esquerda de apositivos,
constituintes pesados e parentéticos. Estes por formarem um sintagma entonacional por si só,
provocam estruturas em que os clíticos aparecem em 3
a
ou 4
a
posições.
Note-se que cada oração (CP) é mapeada em um único sintagma entonacional, de acordo com
Boskovič. O fato de o clítico aparecer em 3
a
posição, nesses casos, mostra que ele se encontra em 2
a
posão de seu sintagma entonacional, já que os apositivos, constituintes pesados e parentéticos
são mapeados em um sintagma entonacional próprio, e por isso, são separados por pausa:
Serbo-Croata
(16) [Sá Petrom Petrovicem], srela se same Milena
com Pedro Petrovic encontrou refl. só Milena
‘Com Pedro Petrovic, só Milena encontrou.’
(17) [Znaci da, kao sto rekoh], oni sutra doei
significa que como disse eles fut. amanhã chegar
'Significa que, como disse, nós chegaremos amanhã.'
(Boskovič, 2000:34)
Esses dados mostram que os constituintes prepostos formam um sintagma
entonacional próprio e que após esses elementos, um novo sintagma entonacional é formado.
Neste segundo sintagma entonacional, o clítico ocorre em 2
a
posição. Note-se que, para Boskovič,
esses sintagmas prepostos estão no CP (=oração) em que se encontra o clitico.
A generalização descritiva sugerida por Boskovič é de que os clíticos não são
segundos em sua oração, isto é, não são segundos na estrutura oracional, mas são segundos
em seu sintagma entonacional. Isso sugere que o efeito de 2
a
posição é de natureza fonológica
e não sintática. A fonologia tem um efeito de filtro no output da sintaxe. Boskovič (2000:16)
diz: “Sentences violating the relevant lexical properties of clitics are filtered out in PF.”
Os clíticos de 2
a
posição têm uma exigência lexical: são sufixos. Se o output da sintaxe
violar tal exigência, isto é, se o clitico aparecer em 1
a
posição, então, a construção vai ser
filtrada na fonologia.
Boskovič (2000:107) afirma:
“We do not need to appeal to PF movement of clitics and no look ahead
from the syntax to the phonology is needed to account for it. Syntax do its
job without worrying about what phonology will do: clitics are present and
undergo movement in the syntax, they are not lexically inserted and do not
undergo movement in PF, which enables us to account for clitic climbing facts.”
Os clíticos do Serbo-Croata devem ser iniciais e não finais em seu domínio. As propriedades
lexicais dos clíticos de 2ª posição em Serbo-Croata são as seguintes:
(18)
(a) # _ (O clitico deve seguir a fronteira do sintagma entonacional)
(b) sufixo (Como o clitico deve ser sufixado a um hospedeiro, deve ocorrer um elemento entre
ele e a fronteira do sintagma entonacional).
Essas propriedades lexicais dos clíticos de 2
a
posição em Serbo-Croata geram uma
contradição, conforme as descrições em (i) e (ii): o clitico deve ser inicial na fronteira do
sintagma entonacional, mas, ao mesmo tempo, deve ser sufixado a algum constituinte.
Boskovič resolve esse conflito através do seguinte mecanismo, o clítico sempre ocorre após um
elemento que foi movido para posição inicial da sentença antes de spell-out. Na morfologia,
ocorre o merge entre o clitico e o elemento à sua esquerda sob adjacência fonológica. A operação
de merge tem a finalidade de derivar uma única palavra, constituída pelo clítico e o seu hospedeiro.
Essa palavra derivada incorpora as exigências lexicais dos seus elementos constituintes. Assim, o
clítico estará ao mesmo tempo inicial na fronteira do sintagma entonacional e sufixado ao seu hospedeiro.
Quanto à representação dos clíticos na oração, Boskovic sugere que eles ocupam a posição em
que precisam aparecer na sintaxe para a checagem de traços (2000:116):
“Finally, let me reiterate that under the current analysis nothing special needs to
be said about SC clitic placement syntactically. It is entirely possible (though not
necessary) that SC clitics behave like all other lexical elements in the syntax, being
subject to all and only the syntactic movements that their grammatical category
qualifies them for. It is the phonological component that is responsible for the fact
that in the surface they appear in a ‘special’ position. As pointed out by Hock (1996),
this seems desirable, given that clitic are defined in prosodic terms.
Agora passamos a apresentar resumidamente a proposta de Progovac sobre os clíticos de 2
a
posição.
4.3.3. A proposta de Progovac (hipótese sintática forte)
Para Progovac, os casos de clíticos de 3
a
posição discutidos por Boskovič são melhores
tratados como casos em que o primeiro elemento está fora do CP. Uma prova para tal afirmação vem
das estruturas com sintagmas pesados, deslocados, co-ocorrendo com sintagmas Qu em Serbo-Croata:
(20) svojim rodjacima pó majci, sta Jovan prodati
para seu materno parentes, o que aux. John vender
‘Para seus parentes matemos, o que João venderá?’
Em (20), o sintagma topicalizado está fora de CP, enquanto que a palavra Qu à sua direita está
em [Spec, CP].
De acordo com a proposta de Progovac (2000:54), há “a tight fit between intonation
patterns and syntactic positions insuring that intonation patterns reflect syntactic structure. In
fact, Syntax and Phonology converge here in a rather coherent picture, given the following
assumption: the material that is set offwith commas ... is necessarily outside of the kernel clause,
i.e. the extended projection of V... A kernel clause forms an intonation unit. Anything preceding
the kernel clause is set off by comina entonation.”
Em suma, para a autora, nas construções em que os clíticos de 2
a
se encontram em 3
a
posição, o
primeiro sintagma está fora de CP e o clítico ocupa uma 2
a
posição sintaticamente alta, talvez a
projeção funcional mais alta da oração, isto é, C. Há uma correlação forte entre posições sintáticas e
fronteiras entonacionais.
Progovac (1996) (cf Boskovič 2000:86) sugere que, em casos em que nenhum material
lexical ocorre na frente dos clíticos, há movimento sintático dos hospedeiros para satisfazer as
necessidades da ocorrência dos clíticos em 2
a
posão. Essa abordagem é classificada por
Boskovič como sintática forte porque Progovac admite movimento sintático provocado por razões
fonológicas.
4.3.4. Franks (2000) e a hipótese do apagamento de cópia
Franks menciona os problemas que as propostas de análise para os clíticos de 2ª
posição acarretam. O processo de Inversão Prosódica, por exemplo, é criticado na
literatura porque aumenta o poder da PF, ao permitir o movimento de entidades
sintáticas.
Para dar conta do fenômeno de 2ª posição, o autor assume que todas as línguas
são V2 no nível abstrato, como uma exigência da teoria da checagem de traços. As
gramáticas das línguas vão divergir na posição de onde o verbo vai ser pronunciado: se
na posição de base, em posição intermediária ou na posição alvo.
O verbo deve se mover para checar os seus traços com os traços correspondentes
dos núcleos funcionais que compõem a arquitetura funcional da oração. Esse
movimento para a checagem dos traços formais de V seria universal.
Na verdade, o que se move são os traços formais do verbo. Os clíticos são
matrizes de traços formais que se movem como “free riders”, junto com os traços do
verbo em um processo de incorporação de traços. O complexo de traços de V e dos
clíticos termina posicionado na posição mais alta das projeções funcionais da oração.
Nas posições mais baixas, os traços semânticos do verbo permanecem, conforme mostra
o esquema a seguir.
(21) [[F-traços]
verbo
+ [F-traços]
clítico
]
[[[F-traços], [S-traços]
verbo
] + [F-traços]
clítico
]
O clítico vai ser pronunciado na posição mais alta, nas línguas que exibem o
fenômeno da 2
a
posição, mas o verbo será pronunciado em outra posição. Franks
assume a proposta de Chomsky (1993) de que o movimento envolve “cópia e
apagamento”. A pronúncia envolve a substituição de um objeto abstrato, composto de
traços, por material fonológico. O verbo só vai ser pronunciado onde estiverem os seus
traços formais e semânticos, isto é, na cauda da cadeia. Já os clíticos, que possuem
traços semânticos, vão ser pronunciados no núcleo da cadeia, isto é, na posição mais
alta em línguas com efeito 2ª posição. Também podem ser pronunciadas em posições
mais baixas na árvore.
Nas línguas com 2P, os traços do verbo são fracos, então o que se move são
apenas os traços formais e não os traços semânticos.
Em suma, segundo essa abordagem, conhecida como “pronuncie uma cópia”, a
sintaxe é responsável pela colocação do clítico e a fonologia, pela pronúncia do clítico.
Pancheva (2004) assume que os clíticos, sendo argumentos ou não, são sempre
movidos na sintaxe, de acordo com o seu conteúdo de traços. Se a derivação sintática os
coloca em uma posição estrutural que viola as suas exigências fonológicas, uma
operação pós-sintática permite que sejam pronunciados em uma posição distinta. Essa
operação pode ser Inversão Prosódica ou a hipótese da cópia de Franks.
Segundo a autora, os clíticos de 2ª posição, quando pronominais, são argumentos
e se movem na sintaxe para fora do VP. Sendo assim, não admitem redobro. A autora
descarta a existência de línguas com clíticos de 2ª com redobro.
Pancheva também analisa os sintagmas nominais das línguas eslavas que contém
redobro – os sintagmas possessivos – e afirma que dentro do DP, os clíticos têm como
hospedeiro a primeira palavra dentro do sintagma, o que caracteriza uma construção
típica de clítico de 2ª posição.
4.3.5. Clíticos de 2ª posição e redobro em Degema
Embora seja postulado que os clíticos de 2ª posição não admitam redobro, em
Degema essa restrição é aparentemente não é verificada.
Kari (2002) tenta mostrar com o comportamento dos clíticos de Degema que o
fenômeno de 2ª posição não é uniforme em todas as línguas.
Em Degema, os clíticos de sujeito parecem ser de 2ª posição, apesar de estarem
sempre adjacentes ao verbo, como mostra o exemplo abaixo:
(22) okpan mó=kpen isama
Okpan 3cl. Lavar camisas
´Okpan lava camisas.
O fato de os clíticos estarem sempre em 2ª posição, adjacentes ao verbo e
precedidos por um NP sujeito, levou Kari a sugerir uma análise em que o clítico é o
núcleo de Agr, tendo a ele o verbo em adjunção, após movimento. O sujeito, por sua
vez, se move para [Spec, AgrsP]. Essa configuração, dá a impressão de clítico de 2ª
posição e de redobro de clítico.
Sendo assim, a 2ª posição em Degema é derivada, não pelo movimento do clítico,
mas pelo movimento do sujeito NP para [Spec, AgrP], sendo o clítico um elemento
gerado como núcleo de Agr.
4.3.6 Clíticos de 2ª em outras posições
De acordo com Harlpern, em todas as línguas com clíticos de 2ª, certos
constituintes podem ser ignorados para a determinação da 2ª posição.
Através de exemplos do Sânscrito, como (23), o autor sugere que certos tipos de
sintagmas não contam como possíveis hospedeiros para o clítico de 2ª. O primeiro
elemento da oração é ignorado. O clítico inverte de posição com a palavra à sua
esquerda na fonologia e assim, aparece em 3ª posição:
(23) [hos] tote=men=moi hupeskheto kai kateneusen
quem então cl me prometeu e consentiu
‘Quem, então, me prometeu e consentiu?’
Boskovič sugere que o fato de o clítico ocorrer em 3ª posição ou até em posição
mais baixa, indica que o primeiro elemento da construção é invisível para a colocação
do clítico. Isso ocorre quando apositivos, constituintes pesados e parentéticos aparecem
à esquerda da oração, separados por uma pausa. Tais constituintes formam o seu próprio
sintagma entonacional, de acordo com o autor. Por isso, não contam para a colocação do
clítico que se encontra em outro sintagma entonacional:
(24) [Sa Petrom Petrovicem], srela se same Milena.
Com Petrom Petrovicem] encontrou reflex. só Milene.
‘Com Petro Petrovicem, dó Milene se encontrou’
Após a pausa, se inicia outro sintagma entonacional onde o clítico ocorre em 2ª
posição. Os sintagmas que servem de hospedeiro para o clítico estão em CP.
Progovac, que assume que o clítico de 2ª é sempre movido para C, trata o exemplo
(25) da seguinte forma: o sintagma “`noite” é um tópico em uma posição em adjunção
ao CP. Por isso, o clítico precedido por um sintagma, continua ocupando o núcleo de
CP, apesar de estar aparentemente em 3ª posição. Na verdade, o tópico que inicia a
oração, está fora da oração:
(25) [nocu] ovde je mirnife
à noite aqui está calma
´À noite, aqui está calmo´
Como evidência para a sua afirmação, Progovac apresenta o exemplo abaixo, com
a mesma configuração, só que a palavra que precede o clítico é interrogativa. Se o
clítico segue a palavra interrogativa é sinal de que está no núcleo do CP. Assim, a
primeira palavra da oração está fora de CP, enquanto o clítico continua em 2ª posição:
(26) nocu kobi ovde do sao
à noite quem aux. Aqui vir
´À noite, quem viria aqui?´
4.4 Inversão Prosódica e a Morfologia Distribuída
Vimos que Halpern recorre a um processo fonológico, denominado de Inversão
Prosódica, para dar conta de 2W. A proposta de Halpern é muito criticada por vários
autores, como Boskovič e Franks, conforme mostramos neste capítulo, porque atribui à
PF a aplicação de regras reservadas ao componente sintático.
Os seguidores da Morfologia Distribuída, porém, assumem a existência de regras
como a Inversão Prosódica para a colocação de clíticos e afixos, através da noção de
Inserção Tardia.
Antes de falarmos sobre esse tipo específico de regras apresentamos os
pressupostos da Morfologia Distribuída.
4.4.1. Os pressupostos da Morfologia Distribuída
Há 3 características próprias da Morfologia Distribuída (MD) que a distinguem
das outras teorias morfológicas: Inserção Lexical Tardia, Subespecificação e a
Estrutura Sintática “all the way down”. O modelo da gramática da MD é parecido com o
modelo da gramática do tipo Y de Chomsky, modificado apenas para acrescentar as
propriedades acima
13
.
13
Esquema adaptado de Harley e Noyer (2003:2).
(27) [+/- causa]
[+/- passado]
Lista 1 [Det] [Pl.]
[Raiz]
Operações sintáticas
(concatenação, movimento, cópia)
Operações morfológicas Forma Lógica
(empobrecimento, fissão, concatenação)
Forma fonológica
(Inserção de Itens Vocabulares,
Reajustemento, Regras Fonológicas)
Lista 2
Lista 3
Traços
morfoló
g
ico
Itens vocabulares
Cão [raiz] [+animado]
-s [num] [
p
l]
Interface
conceitual
(significado)
Enciclopédia
Conhecimento de mundo
Cão: quatro patas, animal
de estimação
O nome Morfologia Distribuída vem da idéia fundamental da teoria: o que
tradicionalmente chamamos de léxico não está concentrado em um componente único
da gramática, mas está distribuído em vários componentes.
A MD difere do modelo LGB (Chomsky, 1981) e seus descendentes lexicalistas
na medida em que aceita a manipulação de itens lexicais na sintaxe. Os elementos que a
sintaxe manipula são feixes ou combinações de traços morfossintáticos presentes na
Lista 1 da língua em questão (Det, Tempo, Causa, Aplicativo, etc). Assim, cada língua
terá um conjunto limitado de traços morfossintáticos que ela seleciona de um conjunto
fornecido pela Gramática Universal. Através das operações de concatenação,
movimento e cópia são formados os esqueletos morfossintáticos ao longo da derivação.
O passo seguinte é mandar essa estrutura hierárquica formada pela sintaxe para a
morfologia, onde ocorrem outras operações próprias desse componente.
É na fonologia que ocorre a inserção dos itens vocabulares retirados da Lista 2. É
onde os nós terminais recebem conteúdo fonológico. A inserção dos itens vocabulares é
chamada de “Inserção Tardia”.
Os itens vocabulares são peças fonológicas que expressam os morfemas abstratos
e estão associados a condições de inserção, que especificam o contexto gramatical onde
podem ser inseridos como em:
(28)
(a) /kãω/ [D [ ___ ] ]
DP/LP (“cão” é inserido em contexto de
determinante)
(b) /s/ [___ + plural]
(“s” é inserido em contexto de plural)
A noção de morfema para a MD não equivale à noção tradicional de morfema.
Trata-se de traços abstratos sintáticos-semânticos.
Os itens de vocabulário com seus traços / suas condições de licenciamento, são
inseridos nos nódulos sintáticos com traços compatíveis. A subespecificação dos itens
vocabulares, reservada aos morfemas funcionais, significa que as expressões
morfológicas não são especificadas para a posição sintática que ocuparão. Isto é, um
único item de vocabulário insere o mesmo expoente fonológico em dois contextos
sintáticos diferentes. São subespecificados em relação ao contexto sintático em que
ocorrem.
A presença de estruturas sintáticas hierarquizadas durante a derivação significa
que as mesmas regras que formam os sintagmas também formam as palavras.
Harley e Noyer (1998a) propõem uma classificação dos morfemas em dois tipos:
morfemas-f e morfemas-l. Os primeiros são funcionais, e os últimos são lexicais. Os
morfemas lexicais são subespecificados em termos categoriais. A categoria das palavras
é determinada na sintaxe, através da combinação de raiz lexical e morfema funcional.
São os morfemas funcionais que determinam as categorias das raízes. Um nome, por
exemplo, é uma raiz que se concatena com um categorizador nomezinho. Um verbo é
derivado quando a raiz se concatena com vezinho. Assim, as diversas categorias podem
ser entendidas como a combinação de uma raiz com um morfema categorizador. As
raízes lexicais, ou morfemas-l, podem ser livremente inseridas, respeitando as suas
condições de licenciamento.
No caso dos morfemas funcionais, se vários itens vocabulares apresentam os
mesmos traços dos morfemas terminais, aquele com o maior número de traços é
escolhido.
Após a inserção de vocabulário, a palavra é enviada para a interpretação. Uma
outra lista (Lista 3) é a Enciclopédia, que relaciona itens vocabulares a significados. Em
outras palavras, a Enciclopédia é a lista de expressões idiomáticas da língua, entendidas
como qualquer expressão (mesmo uma única palavra, ou parte de uma palavra) cujo
significado não está limitado aos traços estruturais (sua estrutura morfossintática).
Morfemas-f tipicamente não são expressões idiomáticas, e morfemas-l o são sempre.
Todas as expressões derivadas manifestam duas estruturas: a morfossintática e a
estrutura morfofonológica. A primeira é adquirida através de operações sintáticas. A
segunda é adquirida através da inserção vocabular:
(29) (a) Descrição morfossintática [raiz [+pl] ]
(b) Descrição morfofonológica [gato+s]
Na PF, tem-se uma derivação sequencial entre os níveis que culmina na
representação fonológica. Existem operações nesse componente que efetuam
modificações nas estruturas geradas na sintaxe.
Marantz (1984) propôs a operação de concatenação morfológica (Morphological
Merger). Harley e Noyer (2004:14) concatenação foi definida da seguinte forma:
“Em qualquer nível de análise sintática (Estrutura-P, Estrutura-S e estrutura
fonológica – a relação entre X e Y pode ser substituída pela afixação do núcleo lexical
de X ao núcleo lexical de Y.”
Isso troca a relação estrutural entre dois elementos de um nível de representação
para outro. A concatenação na sintaxe indica movimento de núcleo. A concatenação na
Morfologia desencadeia efeitos de 2
a
posição. Quando a concatenação envolve dois
itens vocabulares adjacentes tem-se o fenômeno chamado de deslocamento local. Neste,
um núcleo se coloca em uma relação de afixação ao núcleo seguinte. A Inversão
Prosódica é um desses mecanismos.
Um exemplo para distinguir entre Deslocamento Local e Inversão Prosódica vem
do Serbo-Croata, língua em que o clítico auxiliar je que se manifesta sintaticamente no
núcleo de C, aparece invertido com uma palavra fonológica e não com um morfema:
(30) U ovoj je sobi Klavir
em esta aux sala piano
‘Nesta sala está o piano’
(Harley e Noyer, 2003: 15)
Na MD nem todo morfema precisa corresponder a um nó terminal na sintaxe, pois
morfemas dissociados podem ser inseridos após a sintaxe.
A noção de clítico não é um primitivo na MD, mas um comportamento que um
determinado elemento pode exibir. Tanto morfemas como itens vocabulares podem
expressar as dependências que se descrevem para os clíticos. Passamos agora para a
hipótese de Herd (2003) sobre clíticos de 2ª posição, dentro do quadro da Morfologia
Distribuída.
4.4.2. Derivando clíticos de 2ª posição, segundo a Morfologia Distribuída
Herd (2003), com base na observação dos clíticos do Maori com efeitos de 2ª
posição, oferece uma modificação do mecanismo de Inversão Prosódica , inicialmente
proposto por Halpern (1995) para dar conta do fenômeno de 2W. A versão original
desse processo fonológico dada por Halpern é expressa em (31):
(31) Para um clítico X, que deve ter um hospedeiro prosódico ω à sua esquerda
(ou direita).
a. se há um ω, Y, constituído de material que é sintaticamente adjacente à
esquerda (ou direita) de X, então coloque X em adjunção à direita (ou
esquerda) de Y.
b. ou então coloque X à direita (ou esquerda) da fronteira de φ, constituída
de material sintático imediatamente à sua direita (ou esquerda).
A previsão de Inversão Prosódica de Harlpern é que o clítico só deverá se agregar
à palavra prosódica sintaticamente à esquerda ou à direita.
A proposta de Herd, contudo, não faz referência à constituição sintática, já que
esta não está presente no momento da Inserção do clítico. Inversão Prosódica é um tipo
de Merger que se dá na fonologia, segundo Herd. Envolve apenas traços fonológicos .
É cega para estruturas sintáticas ou traços morfossintáticos.
De acordo com a MD, na PF, há uma série de sub-componentes relacionados
derivacionalmente entre si, cada qual com seus princípios e propriedades.
Embick e Noyer (2001 e 2005) sugerem que Morphological Merger, da qual a
Inversão Prosódica é um tipo, tem diferentes exigências, dependendo do nível de
derivação em que é aplicado. Se for na sintaxe, essa operação fará referência a uma
hierarquia estrutural, como no caso de Movimento de Núcleo. Se for realizada antes da
Inserção de Vocabulário, acesso à hierarquia estrutural será necessário, como nos casos
de Rebaixamento de morfemas, como affix hopping. Se se aplicar após ou durante a
Inserção de Vocabulário, a configuração sintática não estará mais disponível e aí haverá
deslocamento local, já que aí nessa fase, o que conta é a relação de linearização. Se for
após a Inserção de Vocabulário, quando os rótulos prosódicos são inseridos, tem-se
Inversão Prosódica. Todos os tipos de Merger exigem adjacência entre os elementos
envolvidos na operação (adjacência estrutural ou linear).
Herd difere de Embick e Noyer (2001) na medida em que vê o efeito de 2ª posição
como resultado de um reordenamento local no ponto de Inserção de Vocabulário,
reordenamento esse necessário para satisfazer os contextos de Inversão Prosódica dos
itens de vocabulário. O autor propõe que os contextos de subcategorização dos itens de
vocabulário podem fazer referência a categorias prosódicas maiores do que a palavra
prosódica. Podem fazer referência a sintagmas fonológicos.
A contribuição do autor para a discussão sobre clítico de 2ª posição está no
seguinte: a operação de Inversão Prosódica se torna como um filtro que atua após o
componente de Inserção de Vocabulário, onde estão presentes apenas traços
fonológicos. Na sua subcategorização, os clíticos são especificados como deficientes
prosodicamente. Também são especificados para a sua constituição prosódica.
O exemplo abaixo ilustra o contexto de inserção do auxiliar “is” do Inglês. /is/ é
uma palavra prosódica. Mas a sua contraparte clítica /’s/ é inserida em contexto de
sintagma fonológico.
(32) (a) /is/ [ ___]
φ
(b) /s/ [ [ __]
p
__ ]
p
A forma reduzida do auxiliary “is” se cliticiza ao sintagma à sua esquerda.
Essa proposta se baseia nos arcabouços de subcategorização prosódica de Inkelas
(1990), seguidor de uma teoria morfológica diferente: o lexicalismo. Segundo Inkelas,
esses arcabouços podem fazer referência à palavra prosódica ou ao sintagma fonológico,
como se vê abaixo:
(33) (a) Enclítico à palavra prosódica [ [] ω___]ω
(b) Enclítico ao sintagma fonológico:[ [ ] ϕ___]ϕ
(c) proclítico à palavra prosódica: [ [ ] ω __]ω
(d) Proclítico ao sintagma fonológico: [ [ ]ϕ __]ϕ
Herd não vê problema algum em incorporar esses arcabouços nos contextos de
inserção dos itens de vocabulário como afixos e clíticos. Se são especificados para
deficiência prosódica, por que não são também especificados para constituição
prosódica?
Então, para dar conta das partículas adverbiais do Maori com efeitos de 2ª posição,
Herd sugere a adoção desse esquema de Inkelas, nos contextos de inserção dos itens de
vocabulário.
De acordo com Herd, os clíticos em Maori são enclíticos a uma palavra prosódica
ou a um sintagma fonológico. Isto é, a língua tem tanto 2W quanto 2D.
O advérbio sentencial pea (“talvez”) tem o seguinte contexto de inserção que o
coloca à direita do sintagma fonológico mais próximo linearmente, quando nenhum
outro material fonológico ocorrer à sua esquerda:
(34) pea [ [ ]
ω
__
]
φ
Peã pode também ocorrer como uma palavra independente no início da oração.
Para dar conta desse fato, o autor postula um outro contexto de inserção para o
advérbio:
(35) b. peã Å-> [ ]ω
O advérbio tem, então, dois alomorfes que são inseridos livremente.
Sendo um advérbio sentencial, peã deve ser gerado em ForceP. Os exemplos
abaixo mostram o momento da derivação de construções com este advérbio que vai
aparecer em 2ª posição. Em (36) já ocorreu Inserção de Vocabulário, mas o processo
de Inversão Prosódica, que só se refere a relações de precedência linear ainda não se
deu:
(36) (pea) [ [ he ta maiti] ω
]
φ
[ [au] ω]
φ
[na [te tangata]
ω
kê]
talvez a criança eu pertencer o homem contraste
“Talvez, eu seja a criança que pertence a outra pessoa”
Como (36) viola as condições de inserção do advérbio, Inversão Prosódica se
aplica como um filtro para assegurar a boa formação prosódica da construção.
Após a Inversão Prosódica, tem-se a linearidade observada na estrutura
superficial.
(37) He tamaiti pea au nâ te tangata kê
a criança talvez eu pertencer o homem cont.
“Talvez, eu seja a criança que pertence a outra pessoa”
O autor salva a idéia da Inversão Prosódica, ao reconhecer que, quando essa
operação é aplicada, a estrutura sintática hierárquica não está mais disponível. Sendo
assim, o que conta é a relação de linearidade entre palavras prosódicas e sintagmas
fonológicos.
Ao permitir que o contexto de inserção do clítico faça referência à constituição
prosódica, o autor dá conta da ocorrência, em Maori, tanto de clíticos 2W quanto de
clíticos 2D.
A possibilidade de inclusão de um sintagma fonológico no contexto de inserção do
clítico de 2
a
posição do Maori, explica os casos em que o clítico ocorre à esquerda de
um sintagma. Isto ocorre quando a sintaxe não produz nenhum elemento à direita do
clítico.
Veremos agora como o fenômeno de clíticos 2ª posição foi tratado em Kayabí em
Gomes (2002).
4.5. Clíticos em Kayabi e Inversão Prosódica
Gomes (2002) assume que os sujeitos pronominais do Kayabí são clíticos de 2ª
posição. Sendo a língua do tipo SOV, a natureza clítica desses pronomes parece explicar
o alto índice da ordem OsV, seguida, em termos de freqüência, pela ordem VsO.
SOV se manifesta, quando o sujeito é um DP, independente do estatuto categorial
do objeto: DP ou pronome.
(38) Wyrasokwe w-upiá o-muat SOV
galinha 3-ovos 3-pôr
‘A galinha põe ovos’
Quando o sujeito é pronominal, SOV só ocorre se houver algum constituinte
oracional ocupando a primeira posição na oração:
(39) [a’e-re] wã mirakuwuu r-erur-i oro-jee XPSOV
[então] eles sarampo rel-trazer-enf 1pl-para
‘Então, eles trouxeram sarampo para nós.’
Sem um constituinte inicial, a ocorrência de um sujeito pronominal em posição
inicial é proibida. Neste caso, obtém-se a ordem OSV.
(40) Jakare ore oro-juka aĩĩ OSV
Jacaré nós 1pl-matar evid
‘Nós matamos jacaré’
VsO também é uma ordem atestada com sujeitos pronominais, principalmente
quando o verbo está na forma negativa:
(41) n-a-esa-i je iara VSO
neg-1sg-ver-neg eu canoa
‘Eu não vi a canoa’
Para dar conta do fenômeno do clítico em Kayabí e de sua correlação com a
alternância da ordem oracional, adotamos a proposta de Harlpern (1995), que assume a
existência de Inversão Prosódica para a colocação de clíticos.
Apresentamos a seguir as conclusões que alcançamos no referido trabalho sobre o
fenômeno de 2ª posição em Kayabí:
(i) O pronome clítico parece ocupar uma posição alta na oração, entre CP e
IP. Essa posição pode ser de adjunção do sujeito ao IP, conforme sugere
Harlpern para a representação desse tipo de clíticos que exibe o efeito de
2ª posição.
Como evidência para tal hipótese, utilizamos dados em que o sujeito se encontra
entre a partícula interrogativa, provavelmente no núcleo de C, e um advérbio temporal,
provavelmente em adjunção ao IP, conforme indica o exemplo abaixo:
(42) te kĩã ymã n-o-o-i
int ele ontem neg-3-ir-neg
‘Não faz tempo que ele foi?’
(ii) O hospedeiro do clítico pode ser fornecido pela sintaxe. Assumimos que,
em um grande número dos casos, a ordem OsV é derivada da ordem
SOV, através do movimento do objeto para as posições de tópico ou
foco.
A ordem VsO é sempre derivada de SOV pelo movimento do verbo para C.
Em alguns casos de OsV e Vs, tem-se Inversão Prosódica, isto é, o movimento
na fonologia que reordena elementos adjacentes. Esse processo ocorre quando nada
ocorre à esquerda sujeito do pronominal no output da sintaxe.
Como movimento é motivado para checagem de traços, deve ocorrer
independente da natureza do sujeito – pronominal ou DP. Assim sendo, haverá
construções em que nenhum elemento foi deslocado e em que o sujeito clítico aparece
em 1ª posição no output da sintaxe. Nesses casos, ocorrerá Inversão Prosódica.
Então, as ordens OsV e Vs com sujeitos clíticos podem ser derivadas tanto por
movimento sintático de O e V, respectivamente, quanto por Inversão Prosódica.
No caso da ordem VSO, a Inversão Prosódica não ocorre porque esta não pode
ser derivada de SOV. VSO derivada por Inversão Prosódica só seria possível se a
ordem fosse SVO.
Na conclusão deste nosso trabalho assumimos que as questões sobre os clíticos
de 2ª posição e sobre a ordem oracional em Kayabí estavam longe de serem
resolvidas. Dentre essas questões, podemos citar:
(i) A posição sintática ocupada pelo sujeito pronominal que exibe efeitos
de 2ª posição. Para Harlpern, os clíticos de 2ª posição se encontram em
adjunção ao IP. Essa foi a hipótese que assumimos em 2002, mas que
reconhecemos não ter nenhuma justificativa teórica;
(ii) A explicação para a alta freqüência da ordem OsV na língua. Sem
oferecer nenhum justificativa, assumimos que tal ordem ora era
derivada de movimento sintático do objeto ora era derivada de Inversão
Prosódica.
O mesmo vale para a justificativa da ordem Vso quando há clíticos de 2ª
posição.
(iii) A adoção do processo de Inversão Prosódica. Esse processo foi
postulado por Harlpern para línguas do tipo 2W (isto é, línguas em que
o clítico aparece entre um determinante e um nome). O Kayabí é uma
língua do tipo 2D, segundo esse critério;
(iv) A explicação para a ocorrência desses clíticos em 3ª posição. Para
justificar essa ocorrência, apelamos para a hipótese de Boscovič que
explica a 2ª posição em termos fonológicos. A proposta de Boscovič e a
de Harlpern não são compatíveis. Isso gerou uma contradição de
análise;
(v) A não inclusão no estudo de uma reflexão sobre construções de tópico e
de foco na língua. É preciso investigar melhor o sistema do sintagma
complementizador para compreender melhor as restrições de ordem na
língua e o estatuto dos sintagmas deslocados;
(vi) A não observação, no estudo, de construções com redobro de clítico;
(vii) A não observação do comportamento dos objetos pronominais.
São essas questões que nos levaram a dar continuidade à nossa pesquisa. Na seção
abaixo, mencionamos a proposta de Faria para o fenômeno de nossa pesquisa.
4.6. Clíticos em Kayabi e a hipótese sintática
Faria (2004) segue a proposta de Progavac (1996), que defende que os clíticos de
2
a
posição em Serbo-Croata são o resultado de adjunção ao CP. Ele defende a sua
proposta a partir de três questões: (i) a 2
a
posição é Comp; (ii) ocorre movimento
sintático dos clíticos para Comp; (iii) existem restrições relacionadas aos elementos
agregados aos clíticos.
A proposta de Progovac tenta unir sintaxe e prosódia, argumentando a favor da
adjunção dos clíticos em Comp em Serbo-Croata para a satisfação de exigências
prosódicas.
Para Faria, quando o ocorre a partícula te, que ele defende ser um
complementizador, os clíticos não ocupam a segunda posição, mas a 3ª, porque Comp
já está ocupado pelo complementizador, como mostra o exemplo abaixo:
(43) 1ª 2ª 3ª
Ma’ja te ‘g)a wapo
O que int ele 3-fazer
‘O que ele está fazendo?’
Faria argumenta que, quando o verbo está na forma negativa, nota-se a ordem
VS(O) se o sujeito for um pronome. Para ele, VsO nas orações negativas, indica
movimento do verbo para Comp. Assim, tem-se nas negativas o verbo em Cº e os
clíticos adjungidos a Cº. Se houver algum elemento topicalizado ou focalizado ou uma
conjunção na primeira posição nas negativas, não se tem a ordem VS(O).
No próximo capítulo, discutiremos a nossa proposta de análise para o fenômeno
de 2ª posição, para a alternância da ordem e para o estatuto dos clíticos nas construções
de redobro.
Capítulo 5
O estatuto dos pronomes, alternância de ordem e
estruturas com redobro em Kayabí
Neste capítulo, discutimos as seguintes questões relacionadas ao Kayabí : (i) a
natureza dos elementos pronominais; (ii) efeitos de 2
a
posição; (iii) a relação dos
elementos pronominais e a alternância da ordem; e (iv) o estatuto das construções de
redobro.
Mostramos no Capítulo 4 que em Gomes (2002), aventamos a hipótese de que os
elementos pronominais do Kayabí são clíticos de 2ª posição. Essa proposta de análise
para os pronomes da língua ainda não havia sido postulada por nenhum outro
pesquisador.
14
Tanto a descrição dos dados quanto a explicação para o fenômeno tiveram como
base a proposta de Halpern (1995). Contudo, muitos fatos relacionados ao fenômeno
deixaram de ser descritos e explicados naquele trabalho. Sendo assim, decidimos
prosseguir com a nossa investigação nesta tese, levando em conta as seguintes questões:
(i) A posição sintática ocupada pelo sujeito pronominal na
sintaxe. Para Harlpern os clíticos de 2
a
posição se encontram em
adjunção em IP. Essa foi a hipótese que assumimos naquele trabalho.
Contudo, não há motivação teórica para sustentar que um clítico de
sujeito deva ocupar uma posição em adjunção ao IP;
(ii) A explicação para a alta freqüência da ordem OsV na
língua. Assumimos naquele trabalho, sem a menor justificativa, que essa
ordem ora era derivada do movimento do objeto para a periferia
esquerda da oração ora era o resultado de Inversão Prosódica;
14
A dissertação de mestrado de Faria (2002) foi inspirada no trabalho de Iniciação Científica que o autor
realizou com a orientadora desta tese. Então, a idéia original sobre a existência de clíticos de 2ª posição
em Kayabí, não foi de Faria, como muitos querem afirmar.
(iii) A manifestação desses clíticos em 3ª e até mesmo em
posições em alguns contextos;
(iv) A não inclusão de um estudo sobre as construções da
periferia esquerda da oração. Sem investigar a arquitetura oracional do
Kayabí, fica difícil propor alguma hipótese sobre o estatuto desses
elementos pronominais e sobre alternância da ordem;
(v) A não inclusão das construções com redobro de clítico no
estudo anterior.
Para a investigação dessas questões, tomamos como base alguns dos pressupostos
da Morfologia Distribuída, como a Inserção Tardia dos Itens de Vocabulário; e do
Projeto Cartográfico, como a existência de algumas projeções funcionais específicas na
periferia esquerda da oração.
Iniciamos este capítulo com uma discussão sobre a ordem oracional básica da
língua. Sem o estabelecimento de uma ordem básica, fica difícil discutir a questão da
alternância da ordem e do efeito de 2ª posição.
5.1. Sobre a ordem oracional em Kayabí
Como vimos no capítulo 2, os pesquisadores do Kayabí parecem não ter um
consenso em relação à ordem básica da língua.
Dobson (1988) sugere que nas construções transitivas com NPs, a ordem segue o
padrão SOP, onde P representa o verbo. Em 1977, em sua gramática do Kayabí, a autora
parece não querer se comprometer com a postulação de uma ordem básica. Ela
menciona algumas regras de colocação dos constituintes da oração, com base nos seus
estatutos categoriais: se substantivo ou pronome. (:93) “Quando o objeto é um pronome,
o objeto ocorre primeiro. Quando o sujeito é um substantivo, o sujeito normalmente
ocorre primeiro, e o verbo não tem indicador de pessoa, pois o objeto ocorre logo antes
do verbo.”
15
Como se vê, essas regras não fazem nenhuma generalização sobre a ordem
da língua.
Vimos também, no referido capítulo, que Souza (2004) afirma que a ordem básica
do Kayabí é OSV, sendo SOV derivada de OSV por meio de topicalização do sujeito.
Weiss (1998) sequer menciona a questão da ordem oracional no Kayabí.
Em Gomes (2002), assumimos que a ordem básica do Kayabí é SOV, sendo os
outros tipos de ordens derivados por meio de movimento sintático ou fonológico.
Naquele trabalho, não discutimos, porém, a posição dos constituintes oracionais na
arquitetura oracional, nem a derivação de certas ordens.
A postulação de SOV como ordem básica está associada à nossa análise dos
pronomes da língua. Trata-se de clíticos de 2ª posição. É esse caráter peculiar desses
pronomes que torna obscura a questão da ordem oracional. As restrições de ocorrência
desses pronomes, junto com as possibilidades de movimento sintático dos constituintes
oracionais para posições de tópico e de foco, dificultam a identificação da ordem básica
da língua.
Apresentamos abaixo os nossos argumentos para a postulação de SOV como a
ordem básica da língua:
(i) Em construções pragmaticamente neutras, sem tópico ou foco, quando o
sujeito e o verbo são DPs, tem-se a ordem SOV, conforme indicam os exemplos abaixo:
(1) ja’wapinima tayao a-’u SOV
onça-pintada porco 3-comer
‘A onça-pintada comeu o porco’
(2) ywytua oga w-aparetyk SOV
vento casa 3-derrubar
‘O vento derrubou a casa’
15
Nas formas declarativas /Indicativo I, mesmo quando o objeto precede imediatamente o verbo, este
último apresenta afixos pessoais. A única exceção é quando o verbo é causativizado com –mo. Neste
caso, o verbo não precisa ter marcas de pessoa.
(3) Miara mama’e w-etun SOV
onça algo 3-farejar
‘A onça fareja algo’
(4) wyrasokwẽa w-upia mukup SOV
fumaça ela fazer-chocar
‘A galinha choca seus ovos’
(5) Pireruua mirakuwuu r-erur-i ore-jee ikue SOV
Pireruua sarampo rel-trazer-enf. 1pl. para evid
‘Pirerua trouxe sarampo 1pl. ‘A vid
(8) o-motyku’a kwaraya kawa ra’e VSO
3-derreter sol banha evid.
‘O sol derreteu a banha’.
(9) awasia ywytua o-piyp OSV
milho vento 3-alcançar
‘O vento alcançou o milho’ (= atingiu)
(10) w-asi’o je-r-u’ywa ka’ia VOS
3-quebrar 1sg.-rel.-flecha macaco
‘O macaco quebrou a minha flecha’
Acreditamos que essas alternâncias de ordem sejam provocadas pelo movimento
de constituintes para fins de topicalização e/ou focalização. Por não disponibilizarmos
de dados relevantes, não discutiremos a derivação dessas ordens envolvendo DPs.
OSV, com argumentos DPs, é verificada iniciando a oração de uma narrativa cujo
tema é o referente do objeto:
Título da narrativa: Tagea’i
(11) [Tag̃ea’ig̃a] je-mena o-juka werewi OSV
Tag̃ea’i ele 1sg-marido 3-matar quase
‘[O Tag̃ea’i, ele], meu marido quase matou.’
Podemos apenas sugerir aqui que o objeto esteja focalizado, já que parece ser a
informação mais proeminente da oração. Talvez um foco de contraste.
Outros exemplos com a ordem OSV são observados na língua. Em (12), tem-se a
ordem comum quando o sujeito é pronominal. Em (13) parece haver o deslocamento de
objeto com estatuto pragmático:
(12) ajepei etewe kie w-erut OSV
um só ela 3-trouxe
‘ela trouxe um só’
(13) Nanuara kwaía pyiwarya u-apisi OSV
naquele tempo muitos gripe 3-matar
‘naquele tempo, a gripe matou muitos’
Como não obtemos dados suficientes nesses contextos em que o sujeito e o objeto
são ambos DPs, deixaremos a discussão sobre tópico e foco para quando tratarmos da
ordem dos sujeitos pronominais.
Cumpre notar que nas línguas da família Tupi-Guarani, a manifestação de
sintagmas plenos é rara. Os argumentos verbais em uma narrativa, por exemplo, são
realizados como pronomes ou como categorias vazias, se o verbo tiver afixos pessoais
os indicando.
O trecho abaixo, extraído das primeiras orações de uma narrativa Kayabí –
“Jakarewy” (=jacaré) – ilustra essa afirmação.
(14) (a) Nanuara nipo a´e amũ o-ko-ù rakue
naquele tempo dizem algum 3-estar-nar evid.
‘Naquele tempo, havia alguns (homens)’
(b) w-ata-ù ekoetee rakue
3-andar-nar à toa evid.
‘andavam/viajavam à toa’
(c) a-wa-u nipoa’e o-waẽm-a y-rete upe rakue
3-ir-nar dizem 3-chegar-nar. rio-grande em evid
‘Foram e chegaram num rio grande’
Apesar da possibilidade de variação da ordem com argumentos DPs, sugerimos
que a ordem básica da língua seja SOV. Esta é a ordem verificada em eliciações e é a
mais freqüente quando tanto o sujeito quanto o objeto são expressos por DPs.
Assumimos ainda que SOV é derivada de SVO, a partir do deslocamento do sujeito para
a posição de especificador de TP e do objeto, para a posição de especificador de vP
com a finalidade de satisfazer os traços EPP (Extended Projection Principle) de T e v
respectivamente. A representação abaixo , ilustra a derivação da oração (2):
(15)
TP
ywytua
i
T’
(vento) T vP
oga
j
v’
(casa)
t
i
v’
v VP
v v V DP
waparetyk
k
t
k
t
j
(derrubou)
Uma evidência empírica que parece confirmar a nossa hipótese de que a ordem
SOV é derivada de SVO, vem de estruturas interrogativas de objeto do tipo “Qual NP”.
Neste caso, se verifica uma disjunção entre a palavra interrogativa e o NP. Enquanto a
palavra QU se manifesta no início da oração, o NP aparece em posição pós-verbal. Isto
parece indicar que a posição pós-verbal é aquela em que se dá a concatenação inicial do
complemento verbal:
(16) ma’ja te ere-apo ara
o que int. 2sg.-fazer líquido
‘Qual suco você fez?
Esse tipo de interrogativa é comum em línguas da família Tupi-Guarani, como
ilustram os dados do Asurini do Trocará (Vieira, 1993):
Asurini
(17) moa pa ere-apo-ypy ywyrapara
Qual int. 2sg fazer-primeiro arco
‘Qual arco você fez primeiro?’
Passamos agora para a descrição e discussão dos outros tipos de ordem oracional
no Kayabí.
5.1.1. A ordem e as construções negativas
As construções negativas apresentam um outro padrão de ordem: VO.
Existem dois tipos de morfemas de negação em Kayabí, bem como nas línguas da
mesma família: o morfema descontínuo n...i e o sufixo –e’em.
De acordo com Vieira (2007), o morfema descontínuo nas línguas da família
Tupi-Guarani é uma manifestação da categoria funcional NegP. Ele ocorre apenas em
orações finitas. Já o sufixo –e’em tem natureza adverbial e pode negar qualquer tipo de
constituinte – verbo, DPs – em qualquer tipo de oração (finita ou não finita).
Em Kayabí, observamos o seguinte padrão para as duas estruturas de negação:
Quando a negação verbal é realizada com o sufixo –e’em, observa-se a ordem SOV;
Quando, porém, a negação é funcional, a ordem é SVO:
Negação Adverbial
(18) Kusurua amu juka-ukar-e’em-a je-e SOV
cachorro outro matar-deixar-neg 1sg-para
‘O cachorro não me deixou matar nenhum’
Negação Funcional
(19) Kusurua n-a-juka-ukar-i amu je-e SVO
cachorro neg. 3-matar-deixar-neg outro 1sg-para
‘O cachorro não me deixou matar nenhum’
Essas construções acima são causativas morfológicas. O acréscimo do morfema
causativo, libera mais um argumento – o agente. O causador ocorre como o sujeito e o
causee aparece em um sintagma posposicionado. Este não tem estatuto de sujeito. Trata-
se de uma única oração.
Outros exemplos em que se observa a ordem VO nas negativas com morfema
funcional são:
(20) a’ere ‘ã mama’e tesirũ n-o-futar-i ae r -ekoa SVO
depois coisa toda neg-3- querer-neg. gente rel-estar
‘Os espíritos maus não querem a gente viva’
(21) n-i-tyw-i tuwa VO
neg.-3-ter-neg. pai
´Não tem pai´
Vieira (2007) assume que nas negativas com morfema funcional das línguas da
família Tupi-Guarani, o verbo se desloca para NegP. Sendo assim, a ordem SVO nas
negativas do Kayabí parece estar explicada por essa hipótese.
Como mostraremos mais adiante, quando o verbo está na forma negativa e o
sujeito é um pronominal, a única ordem atestada é VSO. Isto quer dizer, em outras
palavras, que o verbo se desloca para a área de NegP, derivando assim, a ordem SVO.
16
16
Como a ordem em Kayabí pode variar em alguns casos, encontramos um exemplo em que a oração
como (20) se encontra na ordem SOV. Acontece que esse dado não refuta a nossa hipótese de que nas
construções negativas, o verbo se manifesta mais acima estruturalmente do que nas construções
afirmativas. A manifestação do verbo na forma negativa mais acima na estrutura, é observada até em
línguas de ordem bem mais livre, como é o caso do Asurini, conforme aponta Vieira (2007).
Dobson (1997) também afirma que nas construções negativas (:94): “o verbo
ocorre primeiro seguido pelo sujeito pronominal e depois pelo objeto, se este último for
substantivo.”
Antes de tratarmos a questão da alternância da ordem verificada com os elementos
pronominais, discutiremos o estatuto desses elementos.
5.2. O estatuto dos elementos pronominais em 2ª posição
Em Gomes (2002), assumimos que os elementos pronominais seriam clíticos
argumentais de 2ª posição. Não discutimos naquele trabalho, porém, uma outra
possibilidade de análise: a de serem eles a lexicalização de Agrs, conforme sugere Kari
(2002) para os clíticos de 2ª posição do Degema.
Nesta seção, comentaremos sobre a natureza desses elementos pronominais.
5.2.1. Índices de concordância?
Kari analisa os clíticos de 2ª posição em Degema como índices de concordância
de sujeito, gerados no núcleo de AgrsP. O efeito de 2ª posição observado na língua se
deriva, de acordo com autor, do movimento do sujeito DP para [Spec, AgrP].
A proposta de análise de Kari não pode ser adotada para explicar o
comportamento dos pronominais do Kayabí, devido aos seguintes fatos:
(i) Nas formas declarativas, por exemplo, o verbo já exibe marcas de
concordância, através dos prefixos da Série-Ativa. Lembre-se que esses prefixos
pessoais são marcas exclusivas dos verbos. Seria, então, pouco provável que houvesse
dois índices de concordância de sujeito na mesma oração: um expresso na morfologia
verbal e outro, no núcleo de AgrsP. Se essa análise de índices de concordância fosse
adotada, nas construções com redobro ter-se-ia três manifestações distintas de sujeito:
(22) Kũjãmera wã kawia w-apo
mulherada elas chichas 3-fazer
‘A mulherada fez chicha’
Além disso, nas construções narrativas e de enfoque, a única expressão possível
do sujeito transitivo é através do elemento pronominal. Se este fosse índice de
concordância, deveríamos sugerir que o sujeito teria de ser sempre nulo nessas
construções:
(23) Miara je i-juka-ú OsV
onça eu 3-matar-nar.
‘Eu matei a onça’
Cumpre notar ainda que em estruturas como (23), o indicador de sujeito pode não
se manifestar.
(ii) Índices de concordância são obrigatórios porque refletem uma relação
estrutural entre um DP e um núcleo funcional. Em Kayabí, porém, esses pronomes
podem não vir expressos:
(24) [Chico ‘g̃a] a-esak
Chico ele 1sg-ver
‘Eu vi o Chico’
Como esses elementos pronominais podem ser omitidos, seria mais plausível
tratá-los como argumentos que podem ser fonologicamente expressos ou podem ser
nulos. Neste último caso, teriam o estatuto de prozinho, em orações como (24).
(iii) Os clíticos com o estatuto de concordância são clíticos verbais. Devido a
essa sua natureza, eles sempre ocorrem adjacentes ao verbo. Este é o caso do clítico em
Degema, conforme informa Kari.
Em Kayabí, todavia, essa relação entre o clítico e o verbo não se verifica. Eles
podem ocorrer adjacentes ou separados do verbo, como confere a ordem XPsOV:
(25) a’e ramu je [ka’ia ‘g̃a] juka-ú XPsOV
então eu macaco ele matar-nas.
‘Então, eu matei o macaco’
(26) ma’eramu ‘g̃a miarypy r-eru-a-i ekoete? XPsOV
por que ele onça-primeiro-rel-trazer-enf. a toa.
‘Por que eles trouxeram filhotes de onça à toa?
(27) Kwai ‘g̃a ipira menurig-i XPsOV
muitos ele peixe pegar-enf.
‘Ele pegou muitos peixes’
Sugerimos aqui, que os clíticos de sujeito em Kayabí são do tipo XPs – isto é, são
sintagmas argumentais que, na sintaxe, ocupam a posição de [Spec,TP], por exigência
dos traços EPP de T. A representação abaixo mostra a derivação de uma oração com
sujeito pronominal:
(28) TP
DP T’
T vP
sujeito pronominal
i
DP v’
i
t
j
v’
objeto
j
v VP
V v V t
j
Verbo
k
t
k
As evidências que podemos fornecer para a hipótese de que os clíticos são XPs
argumentais vêm de duas fontes: (i) a possibilidade de eles servirem como antecedentes
para os reflexivos; e (ii) a sua ocorrência na ordem SOV quando há algum constituinte
oracional à esquerda. Essa é a ordem natural para o verbo e os seus argumentos
17
.
17
A discussão sobre a ordem dos sujeitos pronominais será apresentada em 5.2.2.
Os sujeitos pronominais podem servir de antecedentes de reflexivos, independente
da posição que ocupam na superfície. Essa possibilidade de controle de reflexivos nos
leva a assumir que os clíticos de sujeito se encontram em uma relação de c-comando
com o reflexivo em algum momento da derivação:
(29) w-og ipe ‘g̃a o-í
3 refl-casa para ele ir-enf
‘Para sua própria casa, ele foi’
(30) o-je’eg ‘g̃a o-je-upe
3-falar ele 3-refl.-para
‘Ele falou para ele mesmo’
(31) a-r-ea’at je te-ko-ú [tej-uwa kĩã rewe]
1sg-rel-pensar eu 1sg.-estar-nar 1refl-pai ele sobre
‘Eu estou pensando no meu próprio pai’
Se os clíticos são XPs argumentais, por que ocorrem, então, em 2ª posição?
5.2.2. Derivando a alternância da ordem com sujeitos clíticos
Assumimos que os clíticos de sujeito do Kayabí, além de terem o estatuto de
sintagmas-XP – são elementos prosodicamente deficientes e, assim, precisam de um
hospedeiro à sua esquerda para satisfazer a sua natureza de enclítico.
Como sugerimos acima, os clíticos de sujeito se manifestam na posição de [Spec,
TP] na sintaxe, já que T tem traços de EPP que precisam ser satisfeitos por algum
elemento lexical em seu especificador.
Se houver algum constituinte à sua esquerda (posicionado por movimento ou por
concatenação), o clítico permanecerá em [Spec, TP], ocupando assim, aparentemente, a
2ª posição. Em tal configuração as suas exigências prosódicas estão sendo respeitadas.
Os dados abaixo em que se observa a ordem XPsOV confirmam essa hipótese. Cumpre
notar que essa é a ordem sempre verificada quando há algum elemento à esquerda do
sujeito clítico:
(32) a’eramũ je [ka’i ‘g̃a] juká-u XPsOV
então eu macaco ele matar-nar
‘Então, eu matei o macaco’
(33) ma’e ramũ ‘g̃a miarypy r-a’yra r-erua ekoetee? XP sOV
Por que eles onça-1-rel-filho rei-trazer-nar a toa
‘Por que eles trouxeram o filhote da onça a toa?’
(34) a’e-re futat ‘g̃a taity r-eru-a XPsOV
então realmente ele rede rel-trazer-nar.
‘Então, realmente, ele trouxe a rede’
(35) Amana pe je mama’e tym-i XPsOV
chuva em 1sg coisa plantar-enf.
‘No tempo de chuva, eu planto coisas’
Se, contudo, o clítico se apresentar como o primeiro elemento da oração no ouput
da sintaxe, sugerimos que ocorra a operação de Inversão Prosódica.
Segundo Herd (2004), a Inversão Prosódica ocorre depois da Inserção de
Vocabulário, quando os elementos da oração já estão linearizados. Pelo processo de
Inversão Prosódica, é possível obter as seguintes alternâncias de ordem:
(i) OsV
OsV é a ordem mais freqüente, devido à alta ocorrência de sujeitos pronominais
na língua. Neste caso, como a ordem básica é SOV, há uma troca de posição entre o
sujeito e o objeto contíguo a ele. Talvez seja por isso que investigadores da língua,
como Souza (2004), tenham postulado OSV como a ordem básica do Kayabí.
(36) awasia ‘g̃a o-tym OsV
milho ele 3-plantar
‘Ele plantou milho’
(37) Kusurua je a-nupã ko OsV
cachorro eu 1sg.-bater evid.
‘Eu bati (n) o cachorro’
(38) irupema g̃a w-apo OsV
cesta ele 3-fazer
‘Ele fez cesta’
(39) Ka’ia ore o-juka ai’i OsV
macaco nós 3-matar evid.
‘Nós matamos o macaco’
(40) Ka’ia kĩã o-ywu OsV
macaco ele 3-flechar
‘Ele flechou o macaco’
(41) U’ia kyna a-mut o-jeupe OsV
farinha ela 3-trazer 3-reflex-para
‘Ela comprou farinha para si’
Sugerimos que o processo de Inversão Prosódica ocorra após Inserção de
Vocabulário. Os clíticos são inseridos na fronteira prosódica adjacente à sua esquerda.
Em Kayabí, eles são subcategorizados de maneira que possam se agregar a sintagmas
fonológicos e não apenas a palavras fonológicas. Sendo assim, eles vão poder ocorrer
após sintagmas.
(ii) VsO
Quando o verbo está na forma negativa, a ordem atestada é sempre VsO, sendo
o objeto um DP ou um pronome:
(42) n-u-apo-i ‘g̃a yrupema VsO
neg.-3-fazer-neg. ele cesta
‘Ele não fez cesta’
(43) n-a-kysi-i je te-poa VsO
neg. 1sg-cortar-neg eu 1sg-mão
‘Eu não cortei minha mão’
(44) n-a-esag-i-je- ‘g̃a ko VsO
neg. 1sg.-ver-neg. eu ele evid.
‘Eu não vi ele’
(45) n-a-‘u-i-ete kĩã moarowa VsO
neg. 1sg-tomar-neg.muito ele remédio amargo
‘Ele não toma remédio amargo’
Neste caso, como a ordem que serve de input para a Inversão Prosódica é SVO, já
que o verbo se encontra na forma negativa, e, segundo a nossa proposta, se manifesta
estruturalmente mais acima de O – em NegP – obtém-se a seqüência VsO.
A ordem VsO também parece obrigatória quando tanto o sujeito quanto o objeto
são pronominais, estando o verbo na forma negativa ou afirmativa:
(46) n-a-esag-i je ‘g̃a ko Vso
neg-1sg-ver-neg eu elel evid
‘Eu não vi ele’
(47) oro-nupã ore kĩã Vso
1pl-bater nós ele
‘Nós batemos (n)ele’
(48) o-nupã ‘g̃a ‘g̃a Vso
3-bater ele ele
‘Ele bate (n)ele (em outro)’
Neste caso, se a ordem do input for SOV, o sujeito se coloca à esquerda do verbo,
seguido pelo posicionamento do pronome objeto à esquerda do sujeito, gerando a ordem
VSO.
Os dados dos quais dispomos com causativas morfológicas, parecem confirmar
essa hipótese. Mostramos que nas construções causativas, quando o sujeito é um
pronome, a ordem da estrutura na forma afirmativa é OsVOI, indicando assim que foi
derivada de SOVOI, pelo mecanismo de Inversão Prosódica. O exemplo (49)
envolvendo causativa morfológica ilustra esse fato:
(49) U´ywa r- afã je o-mosog-ukat kiã upe OsVOI
flecha r- ponta eu 3-tirar-caus ele para
´Eu deixei ele tirar a ponta da flecha´
´Eu deixei tirar por ele, a ponta da flecha´
Quando tanto o sujeito quanto o objeto são pronomes, tem-se a ordem VsoOI,
indicando, mais vez, a aplicação de uma operação de deslocamento linear ou Inversão
Prosódica:
(50) a-moger-ukat je kyna kiã upe Vso OI
1sg.-dormir-caus eu ela ele para
´Eu o fiz deixá-la dormir´
Vso também é atestada com o verbo na forma afirmativa e com objeto DP:
(51) w-aape ‘g̃a ipira VsO
3-iluminar ele peixe
‘Ele ilumina o peixe’
(52) w-aparety ‘g̃a ywa VsO
3-derrubar ele árvore
‘Ele derrubou a árvore’
(53) w-api kyna ipira VsO
3-amassar ela peixe
‘Ela amassa o peixe’
Para a derivação desses casos pode haver duas possibilidades: (i) ou o verbo foi
deslocado; ou (ii) no output da sintaxe a ordem é SVO
18
. A primeira solução será
discutida na próxima seção.
Quando o verbo é intransitivo e o sujeito é pronominal, somente a ordem Vs é
atestada. Como Vs é a única ordem possível nesses casos, postulamos que seja derivada
de Inversão Prosódica
19
:
(54) o-pyta ‘g̃a Vs
3-ficar ele
‘Ele ficou’
(55) oro-joo’o ore Vs
1pl-chorar nós
‘Nós choramos’
(56) o-porog̃yta kyna Vs
18
3-conversar ela
‘Ela conversou’
Então, assumimos aqui que a Inversão Prosódica é o processo que deriva as
ordens Osv e Vso, quando o sujeito é pronominal ou quando o sujeito e o objeto é
pronominal. O mesmo mecanismo opera para derivar a ordem Vs, com sujeito de
natureza clítica.
Como mostraremos a seguir, a Inversão Prosódica não é o único mecanismo da
língua para derivar as alternâncias de ordem verificadas com sujeito pronominal. O
constituinte à esquerda do clítico pode ter sido aí posicionados por uma regra de
movimento.
5.2.3. Derivando a alternância da ordem por meio de movimento sintático
Determinar a questão do movimento sintático, através da utilização de dados
secundários, sem a intuição do falante nativo sobre as restrições de ordem, se torna uma
tarefa árdua.
Contudo, não é impossível sugerir que certas construções envolvem o
deslocamento de constituintes e que certos elementos ocupam posições fixas na oração.
A partir desses elementos, é possível determinar a localização dos outros constituintes e
a aplicação ou não de movimentos sintático.
Para facilitar a nossa análise, iniciamos a nossa discussão com interrogativas do
tipo sim/não já que, nessas estruturas, fica mais fácil visualizar, através da posição fixa
da partícula te, se houve ou não deslocamento de constituintes. Além disso, Brandon e
Seki (1984) afirmam que em Kayabí, nas interrogativas do tipo sim/não, o constituinte
interrogado é deslocado para a esquerda dessa partícula.
5.2.3.1. Interrogativas sim/não
Como já visto no Capítulo 2, em Kayabí, nesse tipo de interrogativa, existe uma
partícula que segue o elemento interrogado. Assumimos que essa partícula esteja em C,
ou melhor, no núcleo de alguma projeção funcional localizada na periferia esquerda da
oração:
(57) i-ro’y te kyna?
3-febre int. ela
‘Tem febre ela?’
(58) tajau te ‘g̃̃a o-juka ra’i?
porco int. ele 3-matar evid.
‘Porco, ele matou?’
(59) y pe te ere-k
rio para int. 2sg-ir
‘Para o rio você foi?’
Esse mesmo padrão, em que o elemento interrogado aparece deslocado à
esquerda, seguido pela partícula, é verificado em Oiampí e Mundurukú, conforme
atestam Brandon e Seki (1984). No restante das línguas Tupi observadas pelos
pesquisadores, tem-se o seguinte quadro: um grupo apresenta a partícula interrogativa
sempre no início da construção, como o Kamayurá, e as outras línguas têm a partícula
interrogativa seguindo qualquer constituinte na oração. Podemos exemplificar este
último caso com dados do Guarani, dialeto Mbyá.
20
Guarani
(60) (a) kunhã pa o-ke o-py?
mulher int. 3-dormir 3-aux
‘A mulher está dormindo?’
20
Dados coletados pela orientadora desta tese em trabalho de pesquisa de campo, realizado em 1996 entre
os Guarani, na aldeia da Boa Vista, Ubatuba.
(b) kunhã o-ke pa o-py?
mulher 3-dormir int. 3-aux
‘A mulher está dormindo?’
(c) Kunhã o-ke o-py pa?
mulher 3-dormir 3-aux int
‘A mulher está dormindo?’
Os sintagmas QU- que se posicionam no início da sentença também vêm
acompanhados das partículas interrogativas, tanto em Kayabí quanto na maioria das
outras línguas geneticamente relacionadas. Os dados do Kayabí abaixo ilustram essa
co-ocorrência:
(61) ma’ja te ere-tym ra’e?
o que int. 2sg-plantar evid
‘O que você plantou?’
(62) ma’a pe te ere-o?
onde para int. 2sg-ir
‘Para onde você foi?’
(63) Awyìa te o-o?
quem int. 3-ir
‘Quem foi?’
A co-ocorrência de sintagmas QU- deslocados e partículas interrogativas é
descartada pela Hipótese do Tipo de Oração, proposta por Cheng (1997), conforme
mostramos no Capítulo 3.
Contudo, essas duas manifestações de padrões interrogativos são observadas em
várias línguas e recebem diferentes tipos de explicação.
Revemos agora essas hipóteses para que possamos apresentar uma explicação
para tal co-ocorrência em Kayabí. Seria te em Kayabí, uma partícula interrogativa? Se
for, como dar conta da co-ocorrência desta partícula e de movimento de QU- sem
refutar a tipologia de Cheng?
Existem três possibilidades de análise para esse morfema interrogativo:
(i) Partícula interrogativa como núcleo do sintagma QU.
Como vimos no capítulo 3, Maia et alii (2000) analisam a partícula interrogativa
do Karajá como núcleo do sintagma interrogativo. Bo seria a manifestação do traço QU
no núcleo do sintagma que toma como especificador a palavra indefinida.
Karajá
(64) mõ-utura-bo kaa rare?
pessoa-peixe-Qu este ser
‘De quem é este peixe?’
(65) mõ-hawyy-dee-bo kai may
pessoa-mulher-para-Qu 2 faca
‘Para qual mulher destes a faca?’
A representação de “para qual mulher” dada pelos investigadores é (66) em que a
partícula parece emprestar ao sintagma indefinido uma interpretação de elemento
interrogativo. O PP “para mulher” é tratado como complemento do núcleo:
(66) SP
ao D’
SP bo
N’ dee
N
hawyy
Uma solução nos moldes de Maia et alii foi dada por Brandon e Seki (1984) para
as línguas Tupi. Segundo os autores, a partícula interrogativa em Kayabí, bem como em
outras línguas, é gerada dentro do constituinte interrogado. No caso do Kayabí, o
constituinte interrogado é movido para o início da oração, junto com a partícula.
(ii) Partícula Q em C
Para línguas como Vata em que ocorrem tanto movimento de sintagma interrogativo
quanto partícula interrogativa, Stevens (2006) , seguindo a proposta de Miyaga sobre
a existência de dois traços – Q e Wh-, sugere que C em línguas como o Vata contém
os dois traços – Q e Wh – que precisam ser checados.
De acordo com o autor, o traço Q de C é checado pela concatenação da partícula
interrogativa ao núcleo de CP. Já o traço Wh de C é checado pelo sintagma QU
deslocado.
(iii) Partícula Q em foco
Em Ibíbio, segundo Oliveira (2006), há partículas interrogativas e sintagmas QU-
in situ. A autora observa, porém, que Ibíbio também permite movimento de sintagma
QU. Neste caso, a autora postula que se trata de movimento para [Spec, FocP]. Uma
evidência para tal afirmação vem do fato de que a língua exibe partículas de foco,
quando o sintagma QU é deslocado.
Sugerimos aqui que a solução apresentada em (iii) acima parece a mais plausível
para explicar os fatos do Kayabí, devido às razões que apresentamos a seguir:
te em Kayabí, ao contrário do que afirmam Brandon e Seki, pode ocorrer em
posição inicial da oração, nos casos de perguntas sim/não.
(67) te ere-o?
int. 2sg-ir
‘Você vai?’
(68) te ere-jot nũ?
int. 2sg-voltar de nov
‘Você voltou de novo?’
Como te não está sempre vinculado a um elemento interrogado, não parece plausível
dizer que faça parte do sintagma QU- interrogado.
Neste caso, a partícula interrogativa parece ocupar o núcleo de algum sintagma na
periferia esquerda da oração.
O fato de te poder ocorrer no início da oração sugere que a proposta de Brandon e
Seki não se verifica. Isto é, a partícula não é gerada no sintagma interrogado.
A possibilidade de ocorrência dessa partícula como o primeiro elemento da oração
indica que, quando há constituintes à sua esquerda, estes foram deslocados de sua
posição de base.
Outra evidência que parece refutar a hipótese de que a partícula te é o núcleo do
sintagma interrogativo, vem de dados envolvendo o complemento de verbos como
“dizer”. Quando esses complementos são questionados, o verbo também ocorre à
esquerda de te, conforme indica o exemplo abaixo:
(69) ma’e ere te ‘g̃a?
O que dizer int. ele
‘O que ele disse?’
Neste caso, não é possível analisar o elemento interrogativo como especificador
do sintagma QU, porque ele é o complemento de “dizer”. Seguindo essa análise, se te
fosse o núcleo do sintagma QU, “ere” seria o seu complemento e “ma’e”, o seu
especificador. Essa análise não traduz os fatos. Sendo assim, é possível dizer que te não
faz parte do constituinte interrogado, nem em perguntas QU nem em perguntas sim/não.
Te e algumas variantes morfologicamente relacionadas (ate, tee) em Kayabí
também marcam estruturas de foco:
(70) kwaikwai te mama’e tym-i
muitos foco coisas plantar-enf.
‘(Ele) plantou muitas coisas’
‘Foram muitas as coisas que ele plantou’
(71) urupãwẽ te te-se-a
quatro foco 1sg-dormir-nar
‘Dormi só quatro (noites)’
‘Foram quatro (noites) que dormi’
(72) je upe te karajaytera pe-mut
1sg par foco mingau 2pl-dar
‘Para mim , tragam mingau’
Em (70), por exemplo, tem-se uma ocorrência de Indicativo II ou Enfoque. Note-
se que o verbo fica marcado com o sufixo –i. O que está sendo focalizado ali é o
advérbio “muitos”.
Te como marcador de interrogativas é verificado em outras línguas do Tronco
Tupi.
Em Cinta-Larga, Tressmann (2000) mostra que a partícula te é usada para
interrogativas e focalização:
Cinta-Larga
(73) mé wa te nekú ét pýrýbáa?
O que comer int jaguar aux depressa
‘O que o jaguar comeu depressa?’
(74) Mé aka te malára ét mátera?
O que matar int malára aux.ontem
‘O que Malára comeu ontem?’
Em Mekens, também do tronco Tupi, Galucio (2001) mostra que as interrogativas
sim/não e as interrogativas com sintagmas Qu deslocados envolvem uma partícula com
a mesma forma verificada em Kayabí: te.
Em Mekens, há uma partícula sim/não: kẽra.
21
Mekens
(75) e-sera ẽt kẽra körẽp?
2sg-deixar você int. hoje
‘Você parte hoje?’
Segundo Galucio, quando o elemento interrogado das perguntas sim/não é
também focalizado, ocorre a partícula te (:162): “in such focused yes-no questions, the
focused constituent occurs in focus position, sentence initially, marked with the focus
particle te... a constrative answer is generallya found in response to such questions.”
Mekens
(76) ẽt te kẽra e-ra e-toop?
você foco int 2-dormir 2-aux.
‘É você que está dormindo’
(77) tsööebõ=ẽp te o-i-mi?
veado real=real foco 1sg-OM-matar
‘É realmente veado que você matou?’
Essa mesma partícula é verificada em interrogativas QU :
21
kẽra pode ocorrer no final da oração.
Mekens
(78) apo=ẽp te e-i-sop?
Quem=real. Foc. 2sg-OM-ver
‘Quem você viu?’
(79) arob=ẽp te e-i-mi?
O que=real foc 2sg-Om-matar
‘O que você matou?’
(80) apo te se-ia pö̃ö̃p
quem foc 3-vir ontem
‘Quem é que veio ontem?’
Para Galucio, te é um marcador de foco. A sua presença em sentenças
interrogativas indica que estas são construções do tipo clivada.
Assim como o Kayabí, o Mekens admite interrogativas com disjunção. Isto é,
estruturas em que a palavra interrogativa e o sintagma nominal (NP) se encontram
dissociados. Observe o par abaixo:
Mekens
(81) ãŋka korakora=ẽp te e-i-sõpo pek?
qual galinha=real foco 2sg-OM-matar fut
‘Qual galinha você irá matar?’
(82) ãŋka=r=ẽp te e-sõpo korakora?
qual-rel-real. Foco 2sg-OM-matar galinha
‘Qual galinha você matou?’
A partícula te tem as seguintes entradas no dicionário de Weiss (1998): (1) te
1
:
interrogativo, marcador de perguntas; (ii) te
2
: aspectual. Certamente/realmente. Forma
alternante: ate.
Outros marcadores de foco do Kayabí são: tee/etee = somente e até.
(83) ka’ia g̃a teeje i-juká-u
macaco ele foco eu 3-matar-nar
‘Só macaco, eu matei’
(84) moia tee wã o-juka
cobra foco eles 3-matar
‘Só cobras,ele matou’
(85) a-jukai tee je te-kaù
1sg-gritar foco eu 1sg-aux
‘Só gritando, eu estou’
(86) ty’ara tee je-mopy’apoy
fome foco 1sg-fazer vomitar
‘Só a fome me fez vomitar’
Pelo acima exposto, podemos sugerir então, que te (e suas variantes) em Kayabí
também ocupa o núcleo de FocP. Os exemplos abaixo indicam que o movimento do
constituinte para a esquerda da partícula está vinculada à interpretação de foco. As
respostas para essas interrogativas envolvem o deslocamento do constituinte
interrogado para a esquerda da oração, para a posição de foco:
(87) (a) o-pen te ene-jya?
3-quebrar foc. 2-faca
‘Quebrou sua faca?’
(b) ene-jya te o-pen?
2-faca foc 3-quebrar
‘Sua faca quebrou?’
(88) (a) ipira te ere-‘u ra’e?
Peixe foco 2sg-comer evid
‘Peixe, você comeu?’
(b) ipira je a-‘u ko
peixe eu 1sg-comer evid
‘Peixe, eu comi’
(89) (a) ere-‘u te ipira?
2sg-comer foco peixe
‘Comeu você, peixe?’
(b) a’-u futat je (ipira)
1sg-comer real. Eu peixe
‘Comi realmente peixe’
Futat é marcador enfático (“mesmo”, “precisamente”) e é verificado nas respostas
às perguntas sim/não quando o verbo é focalizado
22
.
Dizemos que são construções enfáticas pelos seguintes motivos: (i) segundo
Brandon e Seki, esse é um padrão de interrogativa sim/não encontrado em poucas
línguas Tupi. Em Mekens, esse tipo de interrogativa com a partícula te, envolve
22
Futat é empregado também como o verbo “ querer”
focalização. Seria um tipo de construção clivada : “É peixe que você comeu?” As
respostas para essas interrogativas também envolvem movimento de constituintes que
constituem informação nova (foco informacional); (ii) estruturas interrogativas e de
foco em Kayabí empregam o mesmo morfema te (nas construções de foco, encontra-se
outras variantes morfológicas para o marcador).
23
Esse mesmo padrão em que a resposta envolve o deslocamento do elemento
interrogado para a 1ª posição, é observado nas interrogativas do tipo QU.
(90) (a) ma´a pe te ere-´at rakue ?
onde em int. 2sg.-cair evid.
´Onde você nasceu?´
(b) Wyrasigy pe je ar-i ikue
Teles Pires em eu nascer evid.
´Em Teles Pires, eu nasci´
(91) (a) ma´já te ere-kysi ra´e?
o que int. 2sg.- evid.
´O que você cortou?´
(b) te-pya je a-kysi ko
1sg.-pé eu 1sg.-cortar evid.
´Eu cortei meu próprio pé´
23
Cumpre notar que, se a resposta for negativa, o elemento interrogado não aparece em 1ª posição na
oração:
(i) awasi te ere-tym ra´e?
milho int. 2-plantar evid.
Você plantou milho?
(Foi milho que você plantou?)
(ii) Naani. N-a-tym-i je awasia
Não. Neg.-1sg.-plantar-neg eu milho
´Não , eu não plantei milho.
A resposta não pode ser (milho, eu não plantei) porque a negação sentencial em línguas Tupi-Guarani,
bloqueia as construções de foco, conforme sugere Vieira ( 2007).
(92) (a) awya te ere-mopyryyi?
quem int. 2sg.-aquecer
´Quem você aqueceu?
(b) [kunimi gã] je a-mopiryyi ko
menino ele eu 1sg.-aquecer evid.
´O menino, eu aqueci´
(93) (a) awyia te yrupema w-apo je pi ?
quem int. cesta 3-fazer 1sg-para
´Quem fez mingau para mim?
(b) Kuima´e gã yrupema w-apo
homem eles cesta 3-fazer
‘O homem, cesta ele fez’
(94) (a) awyia rupi te ere-o?
quem com int. 2sg.-ir
´Com quem você vai?’
(b) te-y kyna r-upi je oi
1sg-mãe ela r com eu ir
´Com minha própria mãe, eu vou´
Podemos sugerir aqui que as estruturas interrogativas são construções do tipo
clivadas, conforme propõe Galucio para o Mekens. As construções de foco
acompanhadas pela partícula são do tipo foco de contraste, ao passo que as estruturas de
foco sem a partícula, expressam foco informacional.
Afirmamos ainda que tanto as interrogativas QU- quanto as suas respostas
envolvem o sintagma FocP.
Outra evidência para tal afirmação, vem de estruturas em que a palavra QU- é um
advérbio na periferia esquerda. Neste caso, a forma verbal engatilhada é a de Enfoque
ou Indicativo II, como mostra o dado a seguir:
(95) mamu te ‘g̃a o-í ?
onde int ele ir-enf.
´Onde ele foi?´
Existem estruturas em que te ocorre mais de uma vez na estrutura. Neste caso,
assumimos que haja duas orações e duas projeções de FocP:
(96) ma’ja te ene-renuwi te’g̃a je-kuraw-a?
O que foco 2sg-ouvir foco ele 2-insultar-nar
‘Como que você ouve que eles me insultam?’
‘Foi do que que você ouviu que ele me insultou?’
A segunda ocorrência de te no exemplo acima não pode ser considerada como
complementizador (nem no núcleo de FinP nem ForceP) porque as orações encaixadas
da língua não são introduzidas por elementos dessa natureza, conforme ilustra (97):
(97) [miara i-u-u] r-esak-a
onça 3-comer-nar rel-ver-nar
‘viu a onça comê-lo’
Em Kayabí, bem como em outras línguas da família, os complementos oracionais
ou são realizados por nominalizações ou são incorporados ao verbo principal.
5.2.4. Elemento em ForceP, topicalização e o efeito de 3ª posição
Existem conjunções dêiticas em Kayabí que iniciam orações e que assumimos
estarem em ForceP porque expressam dependências entre as orações. Quando esses
elementos estão presentes, possivelmente concatenados em ForceP, nenhuma
inversão é necessária se o sujeito é pronominal, já que este encontra um hospedeiro à
esquerda:
(98) a’e ramu e)e) wáyra ‘g̃a r-erupa XPsOV
então ela galinha ele r-levantar
‘Então ela levantou a galinha’
(99) a’e ramu wã tay’ra juka-ù juí XPsOV
então eles filho matar-nar.dele
‘Então, eles mataram o filho dele (tirando-o) dele’
Em alguns casos, nota-se que, entre o sujeito e o elemento dêitico, pode
figurar um outro sintagma que, por não apresentar nenhuma marca morfológica, pode
ser inicialmente interpretado como tópico. Com os sujeitos pronominais, essas
construções causam o efeito de 3
a
posição:
(100) a’e ramu ywakaty je oi tajao are XP XP s V
então rio acima eu it porco atrás
‘Então, rio acima, eu fui atrás de porco’
(101) a’e ramu poramu ore erua XP O s V
então pessoa nos nós trazer
‘Então, nós trouxemos o pessoal’
(102) Kwari-pe je-piraku je XP Vs
sol-em 1sg-calor eu
‘No sol, eu tenho calor’
O efeito de 3
a
posição também é verificado com o objeto +tee em foco, seguido
de um advérbio pode estar topicalizado:
(103) Takui tee awamuwe kyna w-erut O tee XP s V
Takui só agora ela 3-trazer
‘Só takui (o nome) agora ela trouxe.’
Também à esquerda do sujeito pronominal ou de um sujeito DP, se verificam
elementos que parecem estar vinculados a ForceP e FocP. Isto é, fazem parte do
sistema relacionado ao CP:
(104) a’e ramu nipoa’e kĩã o-jeypi-a jupe
então talvez ela 3- subir-nar 1sg-para
‘Então, ela subiu para mim’
(105) a’eramo nipoa’e jasiiũu amũ r-y kuapap
então talvez mosquito um rel-chupar
‘Então, o mosquito chupou um’.
Foram verificadas, inclusive, três posições à esquerda do sujeito pronominal,
posições essas que parecem estar vinculadas ao sistema da periferia esquerda da
oração:
(106) a’eramu teefutat nipoa’e[‘g̃a]mama’e r-esag-i
então enf. talvez ele coisa rel-ver-enf
‘Então, talvez, ele viu coisas’.
Se assumirmos que o sujeito clítico está em [Spec, TP], a ocorrência dessas
ordens pode ser explicada. Os elementos da periferia esquerda do sujeito estão em
sintagmas pertencentes ao sistema CP.
Uma outra evidência para nossa hipótese de que o sujeito clítico se encontra
em [Spec, TP], e de que a periferia esquerda é altamente articulada em Kayabí, vem
de estruturas de citação direta. Nesses casos, obtém a ordem OVS com sujeito DP ou
pronominal. Se o sujeito é clítico, a construção vai refletir efeitos de 3
a
posição:
(107) [kawia e-roo e-y kyna upe jaú] je kyna upe OVsOI
[chicha 2-trazer 2-mãe ela] disse eu ela para
‘Traga chica para sua mãe’, disse eu para ela.
(108) [miara je u’u jaau] g̃a w-ekyra g̃a upe OVsOI
[onça me morder] disse ele 3 irmão ele para
‘Uma onça me mordeu’, disse ele para o irmão.
Essa mesma ordem é verificada quando o sujeito é um DP:
(109) [miara aipo o-je’eg̃a-‘u] jaú] juã ‘g̃ã jee
onça talvez 3-virar-nar. Dizer jaõ ele 1
a
-para
‘Talvez a onça esteja uivando’, disse João para mim.
A maioria das citações diretas tem essa estrutura na língua. Collins (1997), ao
analisar as “quotes” do Inglês, com a mesma configuração que as do Kayabí, sugere
que a oração de citação direta está em [Spec,TP], o verbo em To e o sujeito em
[Spec, Tr]. Essas categorias funcionais foram estabelecidas pela autora na época de
análise dessas construções. Para nós, a citação está no especificador de FocP e o
verbo em Foco, seguido pelo sujeito em [Spec, TP]. A citação pode ser seguida por
´nipo´ae (‘talvez’), um sintgma composto com o dêitico ae, como nos exemplos
acima:
(110) na-je-r-apeesag-i ape ekóu ´i jaú nipo´ae ‘g̃a ee upe
neg.-1sg.-rel.-esperar-neg.aux 2ª dizer talvez ele ela para
´Você não me esperou, disse ele para ela´
Vimos nesta seção, então, que não é só o processo de Inversão Prosódica que
posiciona os sujeitos clíticos em 2ª posição, mas também as operações de movimento
são responsáveis por esse efeito. Nos casos das orações com citação direta, o efeito é
de 3ª posição. Isso ocorre porque O e V se encontram em Foco, ao passo que o
sujeito pronominal permanece em sua posição sintática: [Spec, TP]. O efeito de 3ª
posição também é sentido quando ocorrem na oração vários outros constituintes
relacionados ao sistema funcional da periferia esquerda da oração.
Passamos agora para a observação dos pronomes que ocorrem como objetos de
1ª pessoa.
5.3. Os clíticos de objeto
Os clíticos pronominais de objeto de 1ª e 2ª pessoas apresentam um
comportamento distinto dos clíticos de sujeito. Em primeiro lugar, eles podem ,
aparentemente, ocorrer em primeira posição:
(111) [ore mujãna ] etee nipo´a miarypya
1pl. correr enf. talvez onça
A onça talvez tenha nos corrido´
Essa primeira posição é apenas aparente. O que constatamos é que, quando verbo
se move, o pronome de objeto vai junto. Isso parece indicar que o objeto está em uma
relação de incorporação com verbo. Observe os exemplos abaixo:
(112) (a) a´e ramu futat tyát [ je mopy´a pojy ] SoV
então real. fome 1sg. fazer vomitar
Então, realmente, a fome me fez vomitar´
(b) [je mopy´apojy] ty´ara oVS
1sg. fazer vomitar fome
´Me fez vomitar a fome´
Em (112b), quando se tem o movimento do verbo, este leva também o seu objeto.
O mesmo procedimento é verificado em (113):
(113) [‘g̃a neeraw-au] je oVS
ele levar-nar. eu
‘Eu o levei´
Pelo menos, para os pronominais de 1ª pessoa objeto, temos maiores evidências
para a hipótese da incorporação. Trata-se dos casos de negação. O morfema que
corresponde ao objeto fica no interior da palavra na forma negativa, como se estivesse
incorporado:
(114) na-je-r-esag-i ‘g̃a
neg-1sg.-r-ver-neg. ele
´Ele não me viu’
(115) Jasi’ya n-ore-mõger-uka-i
mosquito neg-1pl-deixar dormir-neg
‘O mosquito não nos deixa dormir’
Como em (114) e (115), o pronome objeto ocorre no interior da palavra verbal, ele
deveria ser melhor analisado como um afixo.
Na próxima seção, discutiremos o estatuto das construções com redobro.
5.4. O redobro de clíticos
Como já mostrado no capítulo 1, os pronomes de 3
a
pessoa em Kayabí podem
redobrar NPs com traços [+animado] em todos os tipos de sintagmas. Há sempre
concordância de traços entre eles. [+/- feminino] e [+/- plural].
O quadro abaixo ilustra mais uma vez o sistema de pronomes de 3ª pessoa do
Kayabí.
Os pronomes de 3ª pessoa
Homem falando ‘g̃a ẽẽ ‘g̃a
ele, dele ela, dela eles/elas, deles/delas
Mulher falando kĩã kyna wã
ele, dela ela, dela eles/elas, deles/delas
Vimos também que os argumentos podem ser expressos através de DPs, pronomes
ou NPs redobrados:
(116) [miara] je u’u SoV
onça me mordeu
‘A onça me mordeu’
(117) n-u-esag-i [‘g̃a] miara VsO
neg-3-ver-neg ele onça
‘Ele não viu a onça’
(118) Nipoa’e [miara ‘g̃a] o-sea Vs
talvez onça ele 3-dormir
‘Talvez a onça tenha dormido’
As construções com redobro são altamente produtivas na língua. Apresentamos
os dados abaixo como ilustração:
(i) Redobro de sujeito
(119) [je-ruwa ’g̃a] u-t S V
1sg-pai ele 3-vir
‘O meu pai veio’
(120) [kujãmera wã] kawia w-apo SOV
mulherada elas chicha 3-fazer
‘A mulherada fez chicha’
(121) [ore-r-a’yra ‘g̃a] ka’ia o-juka SO V
1pl-R-filho ele macaco 3-matar
‘Nosso filho matou o macaco’
(ii) Redobro de NP objeto
(122) [Chico ‘g̃a] a-esa OV
Chico ele 1sg-ver
‘Vi o Chico’
(123) a’eramu je [ka’i ‘g̃a] juka-ù XP sOV
então eu macaco ele matar-nar
‘Então, ele matou o macaco’
(iii) Redobro de NP em PP
(124) a-mano je [te-y kyna] upe]
1sg-dar eu 1-mãe ela para
‘Eu dei para a minha mãe’
(125) kawia e-roo [e-y kyna] upe]
chicha 2-trazer 2-mãe ela para
‘Traga chicha para sua mãe’
(126) je-rea’at je te-ko’u [tej-uwa kĩã] are
1sg-pensar eu 1sg-aux. 1sg-pai ele em
‘Eu estou pensando em meu pai’
(iv) Redobro do possuidor
(127) [te-mena kĩã yar] ipê o-i
1sg-marido ele canoa eu ir-enf
‘Na canoa do meu marido, eu fui’
(128) [Rea kyna Mena] a-wa-u ipirakutuk-a
Rea ela marido 3-ir-nar peixe fisgar-nar
‘O marido de Rea foi fisgar peixe’
(129) [Marefã kyna y] kyna
Marefã ela mãe ela
‘A mãe de Marefã (é) ela’
Em casos de redobro, vimos na literatura que o clítico pode ser analisado como
núcleo e o NP redobrado pode ser argumento ou adjunto. Se o clítico for analisado
como sintagma – XP –, terá estatuto de argumento. Enquanto NP redobrado será um
adjunto.
Em muitas propostas de análise para redobro de clíticos, como as de Papangeli
(1999, 2000), de Kayne (2001) e de Uriagereka (1995), sugere-se que o clítico e o
redobro se encontram no mesmo sintagma e são marcados tematicamente pelo verbo.
Observamos que em Kayabí, o NP e o clítico se encontram dentro do mesmo
sintagma, devido ao fato de que, quando há deslocamento, o DP se move carregando os
dois constituintes: o NP e o pronome, conforme ilustram os pares (a) e (b) abaixo:
(130) (a) a’eramu je [ka’i ‘g̃a] juka-ú XPsOV
Então eu [macaco ele] matar-nar
‘Então, eu matei o macaco’
(b) ... [ka’ia ‘g̃a] tee je i-juka-ù
[macaco ele] só eu 3-matar-nar
‘Só macaco, eu matei’
(131) (a) jaù g̃a [w-eky’ yra ‘g̃a nupe]
disse ele 3-irmão ele par
‘Disse ele para o irmão’
(b) [tej-a’yra wã nupe] je jepi
1sg-filho eles para eu disse
‘Para os meus filhos, eu disse’
Nos casos de redobro de objeto fica, então, mais claro comprovar a co-ocorrência
do clítico e do NP redobrado no mesmo sintagma. Nos casos envolvendo o sujeito,
todavia, essa co-ocorrência não é tão clara. Em uma oração como a abaixo, não se pode
definir se o pronome que segue o NP é o sujeito e o NP é o objeto ou se é um sintagma
de objeto com redobro:
(132) Ka’ia ‘g̃a o-juka
macaco ele 3-matar
‘Ele matou o macaco’
‘O macaco matou (algo)’
Encontramos, porém, um dado da língua que parece ter estatuto de antitópico.
Neste caso, o complexo [NP+pronome] aparece posicionado à direita da construção, em
uma relação de correferência com o sujeito pronominal clítico.
(133) Ipira wã eru-a [kuima’a wã]
peixes eles trazer-nar [homem eles]
‘Eles trouxeram peixe, os homens’
Com base nesses dados, podemos sugerir que, em todas as manifestações de
redobro, o NP e o pronome fazem parte do mesmo sintagma. Esse fato confirma as
hipóteses sobre redobro, defendidas por Uriagereka, Papangeli e Rizzi.
Resta saber qual é o estatuto de cada um desses elementos dentro do sintagma
5.4.1. O estatuto dos constituintes do DP com redobro
Em algumas análises apresentadas para o redobro de clíticos no capítulo 4, o
clítico é tratado ou como um indicador de foco (Correa, 2007) ou como um indicador de
tópico (Kalluli, 1999).
Passamos, então, a verificar essas propostas de análise, tomando como base as
construções que envolvem a periferia esquerda da oração.
Em Kayabí, os elementos com estatuto de foco aparecem deslocados à esquerda
da oração. Como vimos, tanto as interrogativas quanto as estruturas marcadas com te(e)
parecem envolver FocP. Lembre-se que os elementos interrogados em perguntas
sim/não ou com palavras QU devem ocorrer sempre à esquerda da oração, uma vez que
constituem informação nova. Sintagmas redobrados podem se manifestar como
respostas dessas interrogativas:
(134) (a) Awyia te kawia w-apo jepi?
quem int. chicha 3-fazer? disse
‘Quem fez chicha? disse’
(b) [Kujãmera wã] kawia w-apo
mulherada elas chicha 3-fazer
‘A mulherada fez chicha’
(135) (a) Awyia te’ut
Quem int vir
‘Quem veio?’
(b) [je-r-uwa ‘g̃a] ut
1-R-pai ele vir
‘Meu pai veio’
(136) (a) Awyìa te ka’ia o-juka ra’e
quem int. macaco 3-matar evid
‘Quem matou o macaco?’
(b) [Ore-r-uwa ‘g̃a] ka’ia o-juku ko
1pl-R-pai ele macaco 3-matar evid
‘Nosso pai matou o macaco’
(137) (a) Awyìa te ere-mopiryyì?
quem int-2sg esquentar
‘Quem você esquentou?’
(b) [Kunumi ‘g̃a] je a-mopiryyì ko
menino ele eu 1sg-esquentar evid
‘O menino, eu esquentei’
(138) (a) Awyìa rupi te ere-o
quem com int 2sg-ir
‘Com quem você foi?’
(b) [Te-y kyna] rupi je oì
1sg-mãe ela com eu ir
‘Com minha mãe, eu fui’
Também, como já mencionado, um NP redobrado pode aparecer como o primeiro
constituinte da primeira oração de uma narrativa, expressando informação nova:
(139) [Tagea’i kiã] je-mena o-juka werewi iku OSV
Tagea’i ele 1sg-marido 3-mata quase evid
‘O Tagea’i, meu marido quase matou’
Acontece que sintagmas com redobro também ocorrem em suas posições de base,
sem apresentarem qualquer interpretação de foco.
(140) a’e ramu je [ka’i ‘g̃ã] juka-ù
então eu macaco ele matar-nar
‘Então, eu matei o macaco’
(141) Cuiabá pe te-kora-um, je [Chico ‘g̃a] r-esak-a
Cuiabá para 1sg-ir-quando eu Chico ele r-ver-nar
‘Quando eu fui a Cuiabá, eu vi o Chico’
(142) a’eramu a’e [ku’jywa’g̃a] o-mara’neramu gã nee
então velho ele 3-zangado eles com
‘Então, o velho ficou zangado com eles’
Nos casos acima, não é possível achar que os clíticos tenham o traço [+foco],
marcando os NPs in situ, como ocorre em grego, por exemplo (cf. Kiss, 1998), porque:
(i) foco em Kayabí envolve deslocamento para a esquerda; e (ii) a construção abaixo
seria redundante porque teria três indicações de foco: o deslocamento, o marcador tee
e o clítico:
(143) [Ka’ia g̃a] tee je i-juka-ù
macaco ele só eu 3-matar-nar
‘Só macaco, eu matei’
Observamos ainda a ocorrência de redobro em interrogativas. Como é assumido
na literatura que o foco e a palavra interrogativa não aparecem na mesma oração porque
ambos têm o traço de operador, seria pouco provável que o clítico nos casos de redobro
fosse [+foco]. Além disso , afirmamos aqui que os dois tipos de construções
interrogativas e as estruturas de foco ocupam a mesma posição:
(144) ma’ape te [ene-mena ‘g̃a] oi?
onde int 2sg-marido ele ir
‘Onde foi seu marido?’
(145) ma’já te [ene-y ẽẽ] r-era
qual int. 2sg.-mãe ela]r-nome
‘Qual (é) o nome da sua mãe?’
O clítico poderia também estar marcando o sintagma como [-foco], assim como
acontece em Albanês e Grego, segundo Kallulli. Vimos que as estruturas de redobro
aparecem em construções como de antitópico. Porém, se o clítico, nos casos de redobro
tivesse o traço [-foco], não deveria ocorrer dentro do sintagma focalizado, como (146)
repetida abaixo:
(146) [Ka’ia ‘g̃a] tee je i-juka-ù
macaco ele só eu 3-matar-nar
‘Só macaco, eu matei’
Pelo acima exposto, concluímos que o clítico que redobra NPs em Kayagí não
deve ter nem o traço [+foco] nem o traço [-foco].
Cumpre notar que observamos nos dados analisados, construções com redobro
descontextualizadas. Esses dados aparecem em listas de substantivos coletadas por
Dobson (1980), conforme mostram os exemplos a seguir:
(147) Paulistão kĩã yara
Paulistão ele barco
‘O barco do Paulistão’
(151) Simão kĩã koa
Simão ele roça
‘A roça do Simão’
(152) kunumi kĩã
menino ele
‘o menino’
(153) Katu futat je-y e)e) r-era
Katu rel. 1sg.-mãe ela r-nome
‘O nome [dela minha mãe] (é) Katu’
Devido a esses fatos, concluímos que a proposta de análise mais apropriada para
os clíticos que redobram NPs em Kayabí é a de Tavares Silva (2005) para o redobro de
sujeito em PB.
Segundo Tavares Silva, há estruturas com redobro de sujeito em PB que fornecem
evidências de que o NP e o pronome se encontram dentro do mesmo sintagma que
possui estatuto argumental. O pronome expressa o traço de pessoa que está contido no
núcleo do DP, traço esse que empresta ao sintagma um efeito de definitude.
Ainda de acordo com a autora, o traço abstrato de pessoa do núcleo do DP se une
ao traço fonológico correspondente após Spell-out, na Inserção de Vocabulário. No caso
do PB, a lexicalização desse traço formal é o pronome fraco. A especificidade do valor
desse Traço é estabelecida pela operação Agree entre o núcleo e o especificador de DP,
de acordo com Tavares.
Adotamos aqui a proposta de Tavares Silva para a interpretação dos casos de
redobro em Kayabí. Os clíticos de 3ª pessoa também seriam a lexicalização do traço de
pessoa (e número) de D nas construções de redobro.
A representação de um sintagma com redobro é como em (155) abaixo, aos
moldes de Tavares Silva:
(154) Ka’ia g̃a
macaco ele
(155)
DP
DP D’
D
Ka’ia g̃a
Note-se que o sintagma posposicionado tem a seguinte representação:
(156) Tej-ja’yra wã nupe
(157) PP
P’
DP P
DP D’
D
Tej-ja’yra
Uma evidência para o efeito de definitude que o traço D expresso pelo clítico
empresta ao DP, vem de construções como as abaixo:
(158) (a) ayepeya um
(b) [ayepeya ‘g̃ã] o outro
(159) (a) kỹima’e pera
homens-coletivo
‘os homens’
(b) [kũima’e pera wã]
‘todos os homens’
(c) apiaka y’ra
‘filhos de Apiaká’
(d) [Apiaka’yra wã]
‘os filhos de Apiaká’
5.5. Conclusões sobre clítico, variação da ordem e redobro
Podemos resumir aqui os nossos achados relacionados aos temas desta
investigação:
(i) A ordem básica do Kayabí é SOV, derivada de SVO por meio do
deslocamento de S e O para Spec de TP e de vP, respectivamente, como exigência dos
traços EPP desses núcleos funcionais;
(ii) Os sujeitos pronominais são XPs que ocupam [Spec,TP]. Isto é, são
argumentos;
(iii) Os sujeitos pronominais são deficientes prosodicamente. São enclíticos
que necessitam de um hospedeiro à esquerda;
(iv) Quando a sintaxe fornece um hospedeiro ao clítico através da
concatenação de elementos na periferia esquerda da oração ou de deslocamento de
constituintes para foco ou tópico, o clítico pode ocorrer em sua posição sintática –
XPSOV. Quando são o objeto ou o verbo os elementos deslocados, obtém-se as ordens
OsV e VsO, com o clítico em [Spec, TP];
(v) Quando não ocorre um elemento à esquerda do clítico na sintaxe, ocorre o
processo de Inversão Prosódica. Como a ordem é SOV e a maioria dos sujeitos é
expressa por pronominais, a ordem derivada mais freqüente é OsV;
(vi) Nos casos de verbos na forma negativa, postulamos que a ordem sintática
é SVO. Então, se nada aparecer à esquerda do clítico na sintaxe, ocorre Inversão
Prosódica que deriva a ordem VsO;
(vii) O efeito de 3ª posição é provocado pela colocação sintática ou por
concatenação de constituintes na periferia esquerda da oração;
(viii) As construções interrogativas são melhor analisadas como estruturas de
foco, já que se assemelham às construções de foco da língua, bem como de outras
línguas geneticamente relacionadas, como o Mekens e o Cinta-Larga. Sendo assim, pelo
menos no que tange as interrogativas, a língua não constitui evidência contra a proposta
de Cheng;
(ix) O sistema complementizador do Kayabí parece envolver mais de uma
projeção funcional que abriga categorias relacionadas a ForceP, FocP e TopP. Muitas
dessas categorias têm natureza dêitica. Em Foco, podem ocorrer constituintes oracionais
de várias naturezas: DP, V, VP, AdvP, etc.
Não encontramos evidências para um sintagma IntP (interrogativo) separado de
FocP. Parece que interrogativos e foco ocupam a mesma projeção – FocP – e talvez seja
por isso que as partículas tenham uma expressão morfológica semelhante.
Para o Kayabí, postulamos, então, as seguintes categorias funcionais:
(160) [ForceP [FocP [TopP [TP [vP] ] ] ]
(x) Assumindo a hipótese de Inserção Tardia da Morfologia Distribuída fica mais
plausível entender como uma única forma fonológica ora se manifesta como XP, nos
contextos de clíticos argumentais, ora se manifesta como Xº, nos contextos de redobro
de clíticos de 3ª pessoa. No caso dos pronomes de objeto de 1ª e 2ª pessoas , também se
tem um afixo-Xo inserido no núcleo contíguo ao verbo, como se fosse uma
manifestação de incorporação.
Os rótulos clítico e afixo não têm um estatuto independente na Morfologia
Distribuída. O que vai determinar a categoria desses elementos vai ser o contexto
morfossintático de inserção: XP= clítico. Xo = afixo.
O que se tem é um único Item de Vocabulário, inserindo o mesmo expoente em
nódulos sintáticos distintos –Xo ou XP. Esse Item de Vocabulário é sub-especificado
para o contexto em que é inserido. O que a sua realização como XP ou como Xo têm em
comum é o fato de serem especificadas para deficiência prosódica.
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