www.nead.unama.br
20
"Depois da minha carta tu deixaste de passar dois dias, estava eu a partir
para aqui, donde devia voltar unicamente para embarcar no paquete inglês.
"Minha mãe, incansável nos seus desvelos, quer levar-me à Europa e
fazer-me viajar pela Itália, pela Grécia, por todos os países de um clima doce.
"Ela diz que é para - mostrar-me os grandes modelos de arte e cultivar o meu
espírito, mas eu sei que essa viagem é a sua única esperança, que não podendo
nada contra a minha enfermidade, quer ao menos disputar-lhe a sua vítima durante
mais algum tempo.
"Julga que fazendo-me viajar, sempre me dará mais alguns dias de
existência, como se estes sobejos de vida valessem alguma coisa para quem já
perdeu a sua mocidade e o seu futuro.
"Quando ia embarcar para aqui, lembrei-me de que talvez não te visse mais
e, diante dessa derradeira provança, sucumbi. Ao menos o consolo de dizer-te
adeus!...
"Era o último!
"Escrevi-te segunda vez; admirava-me da tua demora, mas tinha uma quase
certeza de que havias de vir.
"Não me enganei.
"Vieste, e toda a minha resolução, toda a minha coragem cedeu, porque,
sombra ou mulher, conheci que me amavas como eu te amo.
"O mal estava feito.
"Agora, meu amigo, peço-te por mim, pelo amor que me tens, que reflitas no
que te vou dizer, mas que reflitas com calma e tranqüilidade.
"Para isto parti hoje de Petrópolis, sem prevenir-te, e coloquei entre nós o
espaço de vinte e quatro horas e uma distância de muitas léguas.
"Desejo que não procedas precipitadamente e que, antes de dizer-me uma
palavra, tenhas medido todo o alcance que ela deve ter sobre o teu futuro.
"Sabes o meu destino, sabes que sou uma vítima, cuja hora está marcada, e
que todo o meu amor, imenso, profundo, não te pode dar talvez dentro em bem
pouco senão o sorriso contraído pela tosse, o olhar desvairado pela febre e carícias
roubadas aos sofrimentos.
"É triste; e não deves imolar assim a tua bela mocidade, que ainda te reserva
tantas venturas e talvez um amor como o que eu te consagro.
"Deixo-te, pois, meu retrato, meus cabelos e minha história; guarda-os como
uma lembrança e pensa algumas vezes em mim: beija esta folha muda, onde os
meus lábios deixaram-te o adeus extremo.
"Entretanto, meu amigo, se, como tu dizias ontem, a felicidade é amar e
sentir-se amado; se te achas com forças de partilhar essa curta existência, esses
poucos dias que me restam a passar sobre a terra, se me queres dar esse consolo
supremo, único que ainda embelezaria minha vida, vem!
"Sim, vem! iremos pedir ao belo céu da Itália mais alguns dias de vida para
nosso amor; iremos aonde tu quiseres, ou aonde nos levar a Providência.
"Errantes pelas vastas solidões dos mares ou pelos cimos elevados das
montanhas, longe do mundo, sob o olhar protetor de Deus, à sombra dos cuidados
de nossa mãe, viveremos tanto um como outro, encheremos de tanta afeição os
nossos dias, as nossas horas, os nossos instantes, que, por curta que seja a minha
existência, teremos vivido por cada minuto séculos de amor e de felicidade.
"Eu espero; mas temo.
"Espero-te como a flor desfalecida espera o raio de sol que deve aquecê-la, a
gota de orvalho que pode animá-la, o hálito da brisa que vem bafejá-la. Porque para