
porém, o testamenteiro literário de Marx, e isso impõem-me certos deveres.
Lassalle passou à história há vinte e seis anos. E se, enquanto esteve vigente a lei de excepção contra os
socialistas, a crítica histórica o deixou em paz, já vão sendo, finalmente, horas de ela fazer valer os seus
direitos e de se pôr a claro a posição de Lassalle em relação a Marx. A lenda que envolve e glorifica a
verdadeira figura de Lassalle não pode converter-se em artigo de fé para o Partido. Por muito que se
queira destacar os serviços prestados por Lassalle ao movimento, o seu papel histórico continua sendo um
papel equívoco. Ao socialista Lassalle segue-o, como sombra ao corpo, o demagogo Lassalle. Por detrás
do agitador e do organizador, assoma o Lassalle que dirige o processo de Hatzfeld
(4)
: o mesmo cinismo
quanto à escolha dos meios e a mesma predilecção em rodear-se de pessoas duvidosas e corruptas, que só
utiliza como simples instrumento que logo rejeita. Até 1862, na sua actuação prática, foi um democrata
vulgar, marcado pela origem prussiana, com vincadas tendências bonapartistas, (acabo, precisamente, de
reler as suas cartas a Marx); em seguida, subitamente, mudou, por razões puramente pessoais, e começou
a sua campanha de agitação; não eram transcorridos dois anos, propugnava que os operários deviam tomar
partido pela monarquia contra a burguesia, e lançou-se em intrigas tais com Bismark, seu afim em
carácter, que o teriam, forçosamente, conduzido a trair, de facto, o movimento, se, por sorte para si, o não
tivessem assassinado a tempo. Na sua propaganda escrita, as verdades que ia buscar a Marx estão de tal
modo embrulhadas com as suas falsas deduções pessoais que resulta difícil separar a verdade do erro.
Aqueles operários que se sentem feridos pelos juízos de Marx, só conhecem de Lassalle os seus dois anos
de agitação, e, de resto, vistos de uma óptica cor-de-rosa. A crítica histórica não pode, todavia, prostrar-se
eternamente diante de tais preconceitos. Para mim, era um dever, de uma vez para sempre, pôr a nu as
verdadeiras relações entre Marx e Lassalle. Já está feito. Com isto dou por contente, de momento. Demais
a mais, eu tenho agora outras coisas a fazer. E o juízo implacável de Marx sobre Lassalle, já publicado,
ecarregar-se-á, por si só, de surtir os seus efeitos e incutir ânimo a outros para falarem francamente. Se,
porém, me visse obrigado a tal, não teria outro remédio que não fosse acabar de vez com a lenda de
Lassalle.
Tem a sua graça a opinião largamente expressa no grupo parlamentar de que se deve impor uma censura à
neue Zeit. A que é isso devido? À memória dos tempos da autocracia da facção socialista do Reichstag
(5)
, da lei de excepção (que foi, apesar de tudo, necessária e conduzida magnificamente)? ou à recordação
da organização outrora fortemente centralizada de Schweitzer? É, na verdade, uma ideia genial pensar em
submeter a ciência socialista alemã, após tê-la libertado da lei de Bismark
(6)
contra os socialistas, a uma
nova lei anti-socialista que os próprios funcionários do Partido social-democrata teriam de fabricar e pôr
em execução. de resto, a própria natureza dispôs que as àrvores não crescerão até ao céu - os desejos não
se tornarão realidade.
O artigo do «Vorwärts» não me preocupa muito
(7)
. Esperarei que Liebknecht relate, à sua maneira, o
ocorrido, e depois responderei a ambos, no tom mais amistoso possível. Haverá que corrigir algumas
inexactidões do artigo do «Vorwärts » (por exemplo, que nós não queriamos a unificação; que os
acontecimentos viram provar que Marx se enganou, etc.) e alguns pontos carecem, evidentemente, de
confirmação. Penso, com esta resposta, dar por terminados, pela minha parte, os debates, a não ser que
novos ataques ou afirmações inexactas me obriguem a dar novos passos.
Diz a Dietz que estou a trabalhar na nova edição da Origem
(8)
. Mas hoje escreve-me Fischer, que quer
três novos prefácios.
Teu,